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FACULDADE PROJEÇÃO TÚLIO RÉGIS DOS SANTOS COSTA O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E O RECONHECIMENTO DA UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA: Ativismo judicial ou mutação constitucional? BRASÍLIA-DF 2012 WWW.CONTEUDOJURIDICO.COM.BR

FACULDADE PROJEÇÃO TÚLIO RÉGIS DOS SANTOS COSTA · 2013-11-22 · Humberto Ávila utiliza da definição de Karl Larenz para explicar o que vem a ser princípio: Karl Larenz define

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FACULDADE PROJEÇÃO

TÚLIO RÉGIS DOS SANTOS COSTA

O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E O RECONHECIMENTO DA UNIÃO

ESTÁVEL HOMOAFETIVA:

Ativismo judicial ou mutação constitucional?

BRASÍLIA-DF

2012

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TÚLIO RÉGIS DOS SANTOS COSTA

O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E O RECONHECIMENTO DA UNIÃO

ESTÁVEL HOMOAFETIVA:

Ativismo judicial ou mutação constitucional?

Trabalho de conclusão de curso apresentado perante

Banca Examinadora do curso de Direito da Escola

de Ciências Jurídicas e Sociais da Faculdade

Projeção como pré-requisito para a aprovação na

disciplina “TCC 2” e para obtenção do grau de

bacharel em Direito.

Área de concentração: Direito Constitucional.

Orientador: Professor M. Sc. Alex Lobato Potiguar.

BRASÍLIA-DF

2012

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TÚLIO RÉGIS DOS SANTOS COSTA

O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E O RECONHECIMENTO DA UNIÃO

ESTÁVEL HOMOAFETIVA.

Ativismo judicial ou mutação constitucional?

Trabalho de conclusão de curso apresentado perante

Banca Examinadora do curso de Direito da Escola

de Ciências Jurídicas e Sociais da Faculdade

Projeção como pré-requisito para a aprovação na

disciplina “TCC 2” e para obtenção do grau de

bacharel em Direito.

Área de concentração: Direito Constitucional.

Orientador: Professor M. Sc. Alex Lobato Potiguar.

Data de realização da Banca Examinadora: 11/12/2012

__________________________________________

Professor Alex Lobato Potiguar

Orientador

__________________________________________

Professor Matheus Passos Silva

Primeiro Examinador

__________________________________________

Professor Flávio Louzada

Segundo Examinador

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Se todos têm direito à felicidade, não há por que

negar ou desconhecer que muitas pessoas, só serão

felizes relacionando-se afetiva e sexualmente com

pessoas do mesmo sexo. Valores e normas sociais

são modificados, reconstruídos e alterados de acordo

com as transformações da própria sociedade.

(DIAS, Maria Berenice. União homoafetiva, 2009,

p. 88).

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Aos meus pais, Solange e Osvaldo, pelo constante

apoio, a minha tia Roseane não só pelo grande apoio

financeiro, aos familiares e amigos. Saibam que

sempre terão um lugar importante em meu coração.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus e Nossa Senhora por mais esta vitória e por todas as coisas

boas que vem acontecendo em minha vida, agradeço por tudo, e que o Senhor continue

me abençoando para que tudo de certo.

Ao meu orientador Prof. M. Sc. Alex Lobato Potiguar, pela confiança

depositada e pelo profissionalismo com que encarou este desafio.

Aos meus avôs Delite e Antônio pela grande orgulho que sente por mim.

Aos meus amigos, Gilberto, Lupâmela, Rodrigo e Igor que se alegraram junto a

mim em mais esta etapa de minha vida.

Aos Professores Matheus Passos Silva e Flávio Gonçalves Louzada pelas

orientações ministradas.

Um obrigado a todos que de uma forma ou outro subsidiaram na elaboração

deste trabalho.

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RESUMO

O presente trabalho tem por objetivo revelar que as uniões homoafetivas merecem o

reconhecimento legal pelo Estado, levando-se em consideração que os princípios

constitucionais inseridos no texto constitucional demonstram tal possibilidade quais sejam: da

dignidade da pessoa humana, da igualdade e da liberdade, que resumem que as garantias são

para todos e não cumpri-las fere o texto constitucional. Apresenta o novo conceito de família

trazido pela doutrina e compara o modelo antigo e o atual. O trabalho também emprega as

diversas espécies de entidades familiares expressamente previstas na Constituição Federal,

que são: casamento, união estável e família monoparental. Em seu mérito, a pesquisa

monográfica traz a decisão do Supremo Tribunal Federal a respeito do reconhecimento da

união estável homoafetiva como uma entidade familiar. Acerca disso houve ativismo judicial

ou o STF apenas mudou o entendimento do texto constitucional? A resposta se encontra no

decorrer desse trabalho.

Palavras-Chave: Família. União Estável Homoafetiva. Supremo Tribunal Federal.

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RÉSUMÉ

Cette étude a pour but de révéler que les unions homoafetivas méritent une reconnaissance

juridique par l'Etat, en tenant compte du fait que les principes constitutionnels enchâssés dans

la Constitution démontrer cette possibilité à savoir: la dignité humaine, l'égalité et la liberté,

qui résumer ce que les garanties sont pour tout le monde et ne remplissent pas les blesse le

texte constitutionnel. Présente le concept de la famille nouvelle apportée par la doctrine,

compare le modèle actuel et ancien. L'étude utilise également diverses espèces de la famille

des entités expressément prévues par la Constitution fédérale, qui sont: le mariage, stables et

famille monoparentale. Dans sa monographie de recherche apporte mérite de la décision de la

Cour suprême concernant la reconnaissance de la union homoafetiva comme une entité

familiale stable. À propos de l'existence d'activisme judiciaire ou la Cour suprême vient de

changer la compréhension du texte constitutionnel? La réponse se trouve dans le cadre de ce

travail.

Mots - Clés: Famille. Union homoafetiva. Suprême Tribunal Fédéral.

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LISTA DE ABREVIATURAS

ADI Ação Direta de Inconstitucionalidade

ADPF Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental

AGU Advocacia Geral da União

ART Artigo

CRFB/88 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

CC/2002 Código Civil de 2002

CPC Código de Processo Civil

EC Emenda Constitucional

MI Mandado de Injunção

PEC Proposta de Emenda à Constituição

PGR Procuradoria Geral da República

STF Supremo Tribunal Federal

STJ Superior Tribunal de Justiça

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SUMÁRIO

CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES................................................................................11

CAPÍTULO I - PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS.........................................................13

1. CONCEITO DE PRINCÍPIO .................................................................................................... 13

1.1 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA ................................................................ 14

1.2 PRINCÍPIO DA INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO .......................................... 16

1.3 PRINCÍPIO DA LIBERDADE ................................................................................................ 16

1.4 PRINCÍPIO DA IGUALDADE E RESPEITO À DIFERENÇA ....................................................... 17

1.5 PRINCÍPIO DA AFETIVIDADE ............................................................................................. 18

CAPÍTULO II - A EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE FAMÍLIA AO LONGO DOS

TEMPOS..................................................................................................................................20

1. O CONCEITO ULTRAPASSADO DE FAMÍLIA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO ........ 20

2. O CONCEITO ATUAL DE FAMÍLIA ........................................................................................ 21

2.1 DAS DIVERSAS FORMAS DE FAMÍLIA ................................................................................ 22

2.1.1 DA FAMÍLIA CONSTITUÍDA PELO CASAMENTO CIVIL ..................................................... 23

2.1.2 DAS FAMÍLIAS DITAS COMO “INFORMAIS” .................................................................... 23

2.1.3 DA FAMÍLIA HOMOAFETIVA .......................................................................................... 24

2.1.4 DA FAMÍLIA MONOPARENTAL E ANAPARENTAL ............................................................ 25

3. A FAMÍLIA NO CONTEXTO DA CONSTITUIÇÃO DE 1988 ....................................................... 26

4. UNIÃO ESTÁVEL ................................................................................................................. 28

CAPÍTULO III - O ATIVISMO JUDICIAL ......................................................................31

1. O PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES ........................................................................ 31

2. CONCEITO DE ATIVISMO JUDICIAL ...................................................................................... 32

3. DECISÕES ATIVAS DO STF ................................................................................................. 35

4. CRÍTICAS AO ATIVISMO JUDICIAL ....................................................................................... 36

CAPÍTULO IV - MUTAÇÃO CONSTITUCIONAL .........................................................38

1. CONCEITO DE MUTAÇÃO CONSTITUCIONAL ....................................................................... 38

2. OS FAMOSOS CASOS DE MUTAÇÃO CONSTITUCIONAL ......................................................... 40

2.1 CASO PLESSY VS FERGUSON ............................................................................................. 40

2.2 CASO BROW VS BOARD OF EDUCATION ............................................................................. 41

3. O PAPEL DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL NA GARANTIA DO REGIME DEMOCRÁTICO ....... 42

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CAPÍTULO V - A UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA SEGUNDO A

JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.........................................44

1. BREVE HISTÓRICO DAS AÇÕES ........................................................................................... 44

2. O VOTO DO MINISTRO RELATOR ....................................................................................... 44

3. O VOTO DOS DEMAIS MINISTROS ....................................................................................... 46

4. A DECISÃO ........................................................................................................................ 51

CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................................53

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................................................55

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CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES

A presente monografia tem o objetivo de analisar a Arguição de Descumprimento de

Preceito Fundamental 132 – RJ (ADPF 132) em conjunto com a Ação Direta de

Inconstitucionalidade 4277 – DF (ADI 4277) que teve o fulcro do reconhecimento da união

estável homoafetiva, uma vez que o ordenamento jurídico brasileiro não ampara e nem veda

expressamente essa forma de constituir família, seja pela própria Constituição da República

Federativa do Brasil de 1988, (CRFB/88) seja pelo Código Civil de 2002 (CC/2002).

É sabido que muitos países já reconhecem as uniões entre pessoas do mesmo sexo,

tendo já legislação sobre o assunto, como é o caso da Dinamarca, Holanda, Noruega, Suécia,

Islândia, Hungria, Groelândia e dentre outros.

Por outro lado, há países que criminalizam a orientação sexual, muitas vezes punida

com pena de morte. É o caso dos países Islâmicos e Mulçumanos.

E também se tem o caso de países intermediários, como o Brasil, que não criminalizam

orientações sexuais, mas também não há uma legislação protetora aos homossexuais, mas

admite jurisprudência para solucionar controvérsias.

Em julgamento histórico, o Supremo Tribunal Federal – STF reconheceu, por

unanimidade, a união homoafetiva como entidade familiar, aplicando o mesmo instituto dado

às uniões estáveis entre homem e mulher.

Agora resta a dúvida, essa decisão do STF foi um puro ativismo judicial utilizado por

este, ou apenas uma mudança de entendimento através da mutação constitucional?

O viés desse estudo, além de analisar as referidas ações, é também verificar os meios

utilizados pelo Supremo para chegar a essa decisão, a doutrina e o disposto na própria

Constituição.

O STF deu interpretação conforme a Constituição ao artigo 1.723 do CC/2002. Sendo

assim, é válido ressaltar os meios de interpretação utilizada, os princípios constitucionais,

trazer o antigo e o atual conceito doutrinário de família, dar explicação dos institutos ativismo

judicial e mutação constitucional.

Conclui-se este trabalho esclarecendo se a decisão do STF, que julgou procedente a

união estável entre pessoas do mesmo sexo, trata-se de uma mutação constitucional ou de um

ativismo judicial.

A estrutura do respectivo trabalho foi dividida em 5 (cinco) capítulos, tratando-se o

primeiro capítulo acerca dos princípios constitucionais; o segundo capítulo a respeito da

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evolução do conceito de família; o terceiro sobre ativismo judicial; o quarto sobre a mutação

constitucional e por fim o quinto e último capítulo tratará sobre a união estável homoafetiva

segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

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CAPÍTULO I – PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

1. Conceito de Princípio

Os princípios que, de forma bem sucinta, serão explanados servem como diretrizes na

solução de problemas enfrentados diante da interpretação. Tais princípios ajudam ainda na

escolha interpretativa e a justificar o ponto de vista.

No entendimento de Sérgio Sérvulo da Cunha1, princípios da interpretação

constitucional são aqueles utilizados na interpretação da própria Constituição, ou seja, são

princípios da unidade da Constituição, princípio da máxima efetividade e dentre outros.

Já nos ensinamentos de Pontes de Miranda a respeito dos princípios jurídicos destaca-

se:

Os princípios jurídicos são vagos e mutáveis; com eles não poderíamos

constituir nenhuma ciência: correspondem a época; são condições sociais

que os inspiram; e outras circunstâncias que vêm apagá-los ou invertê-los 2.

O termo princípio significa primeiro, “aquilo que é colocado em primeiro lugar” 3, o

lugar donde se parte.

Humberto Ávila utiliza da definição de Karl Larenz para explicar o que vem a ser

princípio:

Karl Larenz define os princípios como normas de grande relevância para o

ordenamento jurídico, na medida em que estabelecem fundamentos

normativos para a interpretação e aplicação do direito, deles decorrendo,

direta ou indiretamente, normas de comportamento.4

Na sistemática de Robert Alexy:

Os princípios jurídicos consistem apenas em uma espécie de normas

jurídicas por meio da qual são estabelecidos deveres de otimização

aplicáveis em vários graus, segundo as possibilidades normativas e fáticas.5

Para Dworkin o princípio tem seu peso que é determinado no caso concreto, é aplicado

de forma gradual. Os princípios não são absolutos em relação à decisão do juiz, apenas

contêm fundamentos, e possuem uma dimensão de peso. “Os princípios, de certa forma,

1 CUNHA, Sérgio Sérvulo da. Princípios Constitucionais. São Paulo: Editora Saraiva, 2006, p.5.

2 MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Sistema de Ciência Positiva do Direito. Rio de Janeiro, Borsoi,

Vol. 2, pp. 220-221. 3 CUNHA, Sérgio Sérvulo da. Princípios Constitucionais. São Paulo: Editora Saraiva, 2006, p. 5.

4 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios – da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 9ª ed. ampl. e

atual. Malheiros Editores, 2009, p. 35-36. 5 Idem, p.37.

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garantiriam a unidade do ordenamento jurídico, comprometida pelas deficiências das regras”6.

Este advém da atividade interpretativo-reconstrutiva do juiz. “Dworkin sustenta que o juiz,

no âmbito da aplicação do direito, utiliza princípios para efetuar uma reconstrução dos valores

da sociedade na qual está inserido”.

1.1 Princípio da Dignidade da Pessoa Humana

Na Antiguidade clássica a dignidade da pessoa humana era inerente à posição social em

que se encontrava o indivíduo, bem como seu reconhecimento perante a sociedade. Quanto ao

pensamento estoico a dignidade era vista como qualidade, igualando todos os indivíduos,

sendo-os detentores da mesma dignidade.

Do ponto de vista jusnaturalista dignidade deve ser reconhecida e respeitada por todos e

pelo Estado, pois o indivíduo é titular de direitos independentemente de qualquer

circunstância.

Dispõe o art. 1º da Declaração Universal dos Direitos do Homem que “todos os seres

humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. Dotados de razão e consciência,

devem agir uns para com os outros em espírito e fraternidade”.

É o princípio primordial baseado no Estado Democrático de Direito, universal onde se

desdobram os outros princípios.

Constitui um dos fundamentos da República Federativa do Brasil a dignidade da pessoa

humana7. A pessoa é o objeto de proteção do Estado. A pessoa deve ter sua dignidade

preservada, e o Estado “deve promover essa dignidade através de condutas ativas, garantindo

o mínimo existencial para cada ser humano em seu território”.8

Pode-se depreender do princípio da dignidade da pessoa humana que todas as entidades

familiares devem ter igual dignidade. Maria Berenice Dias9 chama de indigno dar tratamento

diferenciado às diversas formas de constituição de família.

Segundo Ingo Wolfgang Sarlet se tem por dignidade da pessoa humana:

6 SAVAREDRA, Giovani Agostini. Jurisdição e Democracia – uma análise a partir das teorias de Jürgen

Habermas, Robert Alexy, Ronald Dworkin e Niklas Luhmann. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2006, p. 73. 7 BRASIL, Constituição (1988) Constituição da República Federativa do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2012, art.

1º, III. 8 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direitos das Famílias. 5ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,

2009, p. 62. 9 Idem, p. 62.

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A qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o

faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da

comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres

fundamentais que assegure a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de

cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições

existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover

sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e

da vida em comunhão com os demais seres humanos, mediante o devido

respeito aos demais seres que integram a rede da vida.10

Este princípio apresenta um valor supremo, tanto no ordenamento jurídico, tanto na

própria CRFB/88. Solidificou-se após a segunda guerra mundial, pois tal acontecimento é

notório no que tange a crueldade com o ser humano.

Os primórdios do contexto da dignidade da pessoa humana surgem com a Declaração

dos Direitos do Homem e do Cidadão, em 1789, consequência da Revolução Francesa.

Porém, só é positivado na Lei Fundamental Alemã de 1949 que assim destacava: “art. 1.1 – a

dignidade do homem é intangível e os poderes públicos estão obrigados a respeitá-la e

protegê-la”.

Consagrado pela CRFB/88, o princípio da dignidade da pessoa humana, tornou-se

princípio basilar, princípio supremo que tem como fim embasar todo o sistema constitucional.

Encontra-se disciplinado no art. 1º, III da CRFB/88: “A República Federativa do Brasil,

formada pela União indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se

em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: III – a dignidade da pessoa

humana”.

Segundo Ricardo Maurício Freire11

a existência digna aponta para os seguintes

elementos: “I – a preservação da igualdade; II – o impedimento à degradação e coisificação da

pessoa; III – a garantia de um patamar material para a subsistência do ser humano”.

Sendo assim, para ter eficácia do princípio da dignidade da pessoa humana se faz

necessário que haja igualdade na ordem jurídica e igualdade perante a ordem jurídica, no

tocante a aplicação e execução da lei, bem como a inviolabilidade dos direitos da

personalidade.12

É o que afirma Sarlet:

O que se percebe, em última análise, é que onde não houver respeito pela

vida e pela integridade física e moral do ser humano, onde as condições

mínimas para uma existência digna não forem asseguradas, onde não houver

10 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de

1988. 7ª ed. rev. atual. – Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 67. 11

FREIRE, Ricardo Maurício. Direito, justiça e Princípios Constitucionais. Edições Jus Podivm, 2008. 12

São direitos da personalidade os que resguardam a dignidade humana como: o direito à vida, à imagem, ao

nome, à privacidade e dentre outros. (VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: parte geral. – 11. ed. – São

Paulo: Atlas, 2011, p. 171).

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limitação do poder, enfim, onde a liberdade e a autonomia, a igualdade (em

direitos e dignidade) e os direitos fundamentais não forem reconhecidos e

minimamente assegurados, não haverá espaço para a dignidade da pessoa

humana e esta (a pessoa), por sua vez, poderá não passar de mero objeto de

arbítrio e injustiças.13

Ante o exposto, a dignidade da pessoa humana só atinge efetividade quando preservada

as condições mínimas para a existência do ser humano.

1.2 Princípio da Interpretação Conforme a Constituição

O princípio da interpretação conforme a Constituição é utilizado como técnica de

decisão, fazendo com que uma norma jurídica possa ser interpretada de acordo com a

Constituição, eliminando as possibilidades de incompatibilidades com a própria

Constituição.14

É utilizado também parar suprir lacunas.

Auxilia o intérprete que estiver diante de normas infraconstitucionais, capaz de serem

aplicadas diversas formas de interpretações, para que na escolha preserve o ordenamento

jurídico resultando na constitucionalidade da norma.

Segundo Fernanda dos Santos Macedo:

A técnica da interpretação conforme a Constituição, utilizada para

fundamentos a decisão do Ministro Relator, “consiste em declarar qual das

possíveis interpretações de uma norma legal se revela compatível com a lei

fundamental, sempre que um preceito infraconstitucional comportar diversas

possibilidades de interpretação, sendo quaisquer delas incompatíveis com a

Constituição Federal”. O texto legal permanece íntegro, mas a sua aplicação

fica restrita ao sentido declarado pelo Tribunal.15

O que se depreende desse princípio é utilizar uma interpretação compatível com a

Constituição, dando uma possível solução a casos concretos quando normas

infraconstitucionais permitem diversas possibilidades de serem analisadas.

1.3 Princípio da Liberdade

A liberdade enquadra-se nos direitos de 1ª geração reconhecida como direitos humanos

fundamentais, respeitando assim a dignidade da pessoa humana. Enquadra-se no conceito de

13SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de

1988. 7. ed. Rev. Atual. - Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 65. 14

MORAES, Guilherme Peña de. Direito Constitucional – Teoria da Constituição. 4ª ed. rev. ampl. e atual. Rio

de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2007, p. 123. 15

BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 5 ed. ver. e atual. São Paulo: Saraiva,

2003, p. 189.

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liberdade a liberdade individual, que anda juntamente com a igualdade e sem igualdade não

há liberdade.

Segundo o prof. Alex Potiguar “o atual paradigma do Estado Democrático de Direito

possui como finalidade a conciliação entre o respeito às garantias individuais e a possibilidade

de participação pública do cidadão”. Ressalta inda que:

No paradigma vigente, entretanto, a liberdade e a igualdade são

reinterpretadas como direitos que implicam, expressam e possibilitam uma

comunidade de princípios, composta por indivíduos que se reconhecem

como seres livres e iguais, além de coautores das leis que regem suas vidas

em comum.16

Toda pessoa tem a livre opção de se relacionar com quem quiser, seja de sexo oposto ou

do mesmo sexo. Todos são livres para constituir uma união homossexual e todos têm o direito

de ter essa união homossexual reconhecida pelo estado.

1.4 Princípio da igualdade e Respeito à Diferença

Este princípio é outro basilar trazido pela CRFB/88 em seu art. 5º caput “Todos são

iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos

estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à

segurança e à propriedade (...)”, ou seja, a lei não deve traçar privilégios para uns e para

outros não, mas sim promover a equidade entre todos. Da mesma forma, dispõe o art. 3º, IV

do mesmo texto constitucional ao dispor que “Constituem objetivos fundamentais da

República Federativa do Brasil: IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem,

raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.

Segundo Dias: “É necessária à igualdade na própria lei, ou seja, não basta que a lei seja

aplicada igualmente para todos”.17

Significa que a lei é aplicada para todos em par de

igualdades, mas no próprio texto da lei traz a discriminação, pois se todos são iguais perante a

lei (art. 5º CF) então por que a lei não trouxe igualdade nas relações homossexuais como nas

relações heterossexuais?

A relação de igualdade deve ser aplicada tanto para uns tanto para outros, pois o que os

une é o afeto e o amor.

16 POTIGUAR, Alex Lobato. Igualdade e Liberdade: a luta pelo reconhecimento da igualdade como direito à

diferença no Discurso do Ódio. 2009. Dissertação (Pós-graduação) - Faculdade de Direito, Universidade de

Brasília. Brasília, 2009. 17

DIAS, Maria Berenice. Manual de Direitos das Famílias. 5ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,

2009, p. 64.

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Preconceitos e posturas discriminatórias, que tornam silenciosos os

legisladores, não podem levar também o juiz a se calar. Imperioso que, em

nome da isonomia, ele reconheça direitos às situações merecedoras de tutela.

O princípio da igualdade não vincula somente o legislador. O interprete

também tem de observar suas regras. Assim como a lei não pode conter

normas que arbitrariamente estabeleçam privilégios, o juiz não deve aplicar a

lei de modo a gerar desigualdades.18

Destaca Celso Antônio Bandeira de Mello19

que “(...) este é o conteúdo político-

ideológico absorvido pelo princípio da isonomia e juridicizado pelos textos constitucionais em

geral, ou de todo modo assimilado pelos sistemas normativos vigentes”. A finalidade de tal

princípio é, segundo Bandeira de Mello, impossibilitar desequiparações injustificadas entre os

cidadãos. Sendo assim:

A lei deve ser uma e a mesma para todos; qualquer especialidade ou

prerrogativa que não for fundada só e unicamente em uma razão muito

valiosa do bem público será uma injustiça e poderá ser uma tirania.20

Nesse mesmo sentido, explica:

É inadmissível, perante a isonomia, discriminar pessoas ou situações ou

coisas (o que resulta, em última instância, na discriminação de pessoas)

mediante traço diferencial que não seja nelas mesmas residentes. Por isso,

são incabíveis regimes diferentes determinados em vista de fator alheio a

eles; quer-se dizer: que não seja extraído delas mesmas.21

Ainda nos ensinamentos de Bandeira de Mello, “se são iguais, não há como diferençá-

los, sem desatender à cláusula da isonomia”, ou seja, não tem como desequiparar ninguém

quando elas não forem desiguais. O princípio da igualdade é o maior princípio que garante a

efetividade dos direitos individuais.

1.5 Princípio da Afetividade

O princípio da afetividade diz respeito à constituição da família formada pelo afeto

existente entre os indivíduos. “Em suma, a affectio é a ratio única de todas as entidades

familiares e também das relações de filiação”.22

18 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direitos das Famílias. 5ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,

2009, p. 66. 19

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3ª edição. Malheiros

Editores, 2006, p. 10. 20

Idem, p. 18. 21

Ibidem, p. 30. 22

BAHIA, Claudio José Amaral – Desdobramentos Jurídicos do Direito Fundamental à Família: A União

Homoafetiva como Entidade Familiar Constitucionalmente Reconhecida e Protegida – disponível em

www.direitohomoafetivo.com.br.

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Pode-se encontrar o princípio da afetividade descrito em vários dispositivos da

CRFB/88 como: os arts. 226 § 4º (família formada por qualquer dos pais e seus

descendentes), § 5º (adoção como escolha afetiva).

Primeiramente é o Estado que deve assegurar o afeto a seus cidadãos, fazendo com que

não haja discriminação, nem exclusão da forma de se constituir família. O afeto deriva da

convivência familiar. A família adotou um novo perfil que compreende a relação de afeto

entre seus integrantes. Afeto é o que explica as diversas formas de família de hoje. Este

princípio é “norteador do direito das famílias”.23

A afetividade é o elemento do novo

paradigma.

23 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direitos das Famílias. 5ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,

2009, p. 71.

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CAPÍTULO II - A EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE FAMÍLIA AO LONGO DOS

TEMPOS

1. O Conceito Ultrapassado de Família no Ordenamento Jurídico Brasileiro

A família se forma a partir da união de indivíduos que se unem por uma questão

biológica, daí sua formação em sociedade. É o que se denomina de família natural, organizada

nos moldes de uma sociedade conservadora, obedecendo às regras culturais.

Parte do pressuposto que a estrutura da família é obedecida a uma posição, um lugar

correto que cada um ocupa: pai, mãe e filhos cada um em sua posição.

Ainda diante disso a sociedade impõe outra regra de conduta a ser observada pela

família: o casamento. Uma forma (do indivíduo) de ser aceito pela sociedade e de ter o

reconhecimento jurídico da sua união. O modelo de família visto como correto era esse, além

de haver uma hierarquia onde o pai (patriarca) era a base e sustento da família.

Os tempos mudaram, e após, a Revolução Industrial, século XX, as mulheres também

passaram a trabalhar fora do ambiente doméstico, alterando assim o modelo clássico de

família. Porém, a estrutura continuou a mesma: pai, mãe e os filhos.

Surge o direito de família, mas o legislador não se adéqua à evolução social e com essa

evolução é rompida toda tradição e costume que era bem visto, o que necessitaria da evolução

do direito de família.

O Código Civil de 1916 reconhecia como família aquela constituída unicamente pelo

casamento, diferentemente do atual Código que se preocupou em se adequar às diversas

formas de constituir família. Tais inovações tiveram que de adaptar à CRFB/88, pois seu

anteprojeto é anterior a 1988.

Uma das inovações trazidas pelo CC/2002 foi a de reconhecer outras formas de vínculos

afetivos, e não só o casamento. Foi o caso da união estável e das famílias monoparentais,

ambas reconhecidas como uma entidade familiar. Por outro lado nada trouxe sobre as uniões

homoafetivas.

A família não foi um dos pontos importantes tratados nas duas primeiras Constituições

brasileiras. A constituição de 1824 não fazia referência alguma ao tema, enquanto a

Constituição de 1891 referenciava como família apenas o casamento civil e não tratava de

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mais nada. Veja-se: “A República só reconhece o casamento civil, cuja celebração será

gratuita”.24

Um fato curioso é que conforme o Decreto 181 de 24 de janeiro de 1890, o casamento

civil era o único reconhecido pelo Estado e que “deveria preceder de celebração religiosa”.

Posteriormente o Decreto 521 do mesmo ano instituiu pena de prisão de 6 (seis) meses e

multa para o celebrante do casamento que não observasse a cerimônia religiosa.25

Era o único

que surtia efeitos jurídicos, definindo direitos e deveres, o regime comum de bens, os direitos

dos filhos, enfim, assegurava a família instituída pelo casamento civil.

Na Constituição de 1934 não houve um conceito concreto de família, apenas se

preocupou em estabelecer como esta se constituía, ou seja, pelo casamento indissolúvel e

civil. Já na Constituição de 1937 houve mudanças, mas em relação aos filhos. A família

reconhecida juridicamente era a constituída pelo casamento civil. Não foi diferente a

Constituição de 1946 que da mesma forma das constituições anteriores tratou como família a

constituição pelo casamento civil. Como elenca José Sebastião de Oliveira “fora mantida a

tradição do nosso direito constitucional (...)”.26

Assim também ocorreu nas constituições de 1967 e 1969, fora mantida a tradição, nada

se alterou a única família que merecia a proteção do Estado era a constituída pelo casamento

civil. Era a família legítima.

Vale ressaltar que nenhuma constituição se preocupou em conceituar o que era família.

2. Conceito Atual de Família

A família moderna mudou. Hoje se respeita a afetividade e as diversas formas de se

constituir família. O afeto é o diferencial do atual direito de família, havendo significativa

mutação do conceito de família, principalmente após o corte de laços que existia entre o

Estado e a Igreja, ocorrido com o advento da Constituição de 1891, retirando a Igreja do

controle do casamento.

24 OLIVEIRA, José Sebastião de. Fundamentos constitucionais do direito de família. São Paulo: Editora Revista

dos Tribunais, 2002, p. 35. 25

Idem. 26

Ibidem, p.59

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Nos dias de hoje pode-se conceituar a família como “um grupo social fundado

essencialmente nos laços de afetividade após o desaparecimento da família patriarcal, que

desempenhava funções procriativas, econômicas, religiosas e políticas”.27

Como a lei nunca trouxe uma definição formal para família, esta era vista como o

casamento apenas, o que excluía toda união formada apenas pela afetividade. Hoje não, o que

ocorre segundo Maria Berenice Dias “é uma verdadeira democratização dos sentimentos, na

qual o respeito mútuo e a liberdade individual são preservados”.28

Segundo ensina José Sebastião de Oliveira:

A relevância do amor, do afeto, do ângulo emocional, da convivência

respeitosa, da existência recíproca, do prazer da companhia, do desvelo

mútuo, sempre em detrimento da união forçada, artificial, hipócrita, doentia,

conflitada, destruidora, eis um parâmetro essencial, alicerçante de quase

todas as transformações na família e em sua normatização jurídica. Quer-se

autenticidade das relações. Rejeita-se a falsidade.29

A família de hoje, diferentemente daquela instituída apenas pelo casamento é, em suma,

aquela formada pelo amor e pelo afeto.

2.1 Das Diversas Formas de Família

Maria Berenice Dias30

bem explica que para muitos falar de família, vem à mente o

modelo tradicional, qual seja: a união de um homem com uma mulher pelo casamento junto

com os filhos. Mas família é, além disso, a evolução dos tempos e da sociedade fez com que

se distanciasse desse modelo tradicional.

As novas formas de família (união estável, monoparental, anaparental, pluriparental,

homoafetiva e dentre outras) possuem características comuns, pois derivam de uma evolução.

A família moderna se caracteriza por seus pequenos núcleos, ou seja, já não se tem mais

aquela família composta de grandes grupos, como o marido, a mulher e vários filhos. Hoje

possui um número bem menor, com duas pessoas unidas pelo afeto.

Em contrapartida tem-se o ponto de vista sociológico que é assim se posicionou:

27 Paulo Luiz Netto Lôbo apud DIAS, Maria Berenice. Manual de Direitos das Famílias. 5ª edição. São Paulo:

Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 43. 28

DIAS, Maria Berenice. Manual de Direitos das Famílias. 5ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,

2009, p. 44. 29

Sérgio Gischkow Pereira apud OLIVEIRA, José Sebastião de. Fundamentos constitucionais do direito de

família. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 88. 30

DIAS, Maria Berenice. Manual de Direitos das Famílias. 5ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,

2009, p. 40.

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Do ponto de vista sociológico inexiste um conceito unitário de família, como

acentua Antonio Carlos Mathias Coltro. Mas, mesmo com o texto

constitucional de 1988, certas realidades sociológicas de natureza familiar

ainda foram mantidas afastadas do Direito de Família, tais como o

concubinato (na estrita acepção do termo), as uniões entre pessoas do mesmo

sexo e a convivência afetiva assexuada entre amigos ou parentes.31

A atual Constituição trouxe inúmeras modificações referentes ao conceito de família,

principalmente diante da supremacia da dignidade da pessoa humana, englobando a igualdade

e a liberdade. A Constituição diante da evolução da sociedade visualizou a necessidade de

reconhecer outras formas de entidades familiares diferentes da única reconhecida: o

casamento.

2.1.1 Da Família Constituída pelo Casamento Civil

Tem-se como exemplo de família padrão: a matrimonializada que é aquela constituída

pelo casamento, nos moldes da Igreja com o intuito de reprodução. O casamento é

considerado uma instituição totalmente regularizada, ou seja, o casamento atende inúmeras

formalidades sendo indispensável a chancela do Estado.

O perfil da família matrimonial instituída pelo Código Civil de 1916 era o seguinte:

“matrimonializada, patriarcal, hierarquizada, patrimonializada e heterossexual”.32

Mesmo sendo a família constituída apenas pelo casamento, não foi empecilho suficiente

para impedir que relacionamentos ocorressem fora dos padrões legais.

2.1.2 Das Famílias Ditas Como “Informais”

É possível compreender famílias informais como toda relação extramatrimonial, uma

vez que o modelo de família aceitável, como dito, é a formada pelo casamento entre homem e

mulher.

À concubina (vide concubinato no tópico 4) não lhe era assegurada qualquer direito, e

quando finda essa relação não havia respaldo legal que a amparasse.

Essas uniões informais quando desfeitas passaram a recorrer ao Judiciário, procurando

que os direitos conferidos às famílias matrimoniais também fossem aplicados àqueles casos.

31 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. O Companheirismo: uma espécie de família. 2ª edição. São Paulo:

Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 541. 32

DIAS, Maria Berenice. Manual de Direitos das Famílias. 5ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,

2009, p. 45.

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O judiciário para não criar injustiças teve que achar soluções para determinados casos,

porém não deixava de lado a rejeição de ver esse tipo de união. Quando os companheiros não

tinham bens a serem partilhados, os juízes consideravam como uma relação de trabalho, o que

era concedido à mulher apenas uma indenização por serviços domésticos prestados ao

companheiro.33

Era então aplicado por analogia o direito comercial, daí tais uniões foram denominadas

sociedades de fato. Não havia a concessão de alimentos, nem mesmo direito sucessório.

Diante desse novo modelo de união a Constituição atual adotou a denominação união

estável, como uma forma de entidade familiar, disciplinando seu reconhecimento,

assegurando alimentos, o regime de bens e direitos sucessórios.

Também não significa dizer que diante da falta da lei não existe direito, para buscá-lo

“recorre ao Supremo”, expressão que se tornou popular segundo Saul Tourinho Leal.34

2.1.3 Da Família Homoafetiva

É sabido que o conceito de família alargou-se, não sendo mais exigida a existência de

um casal heterossexual, nem a reprodução para codificar a formação da família. Agora basta

apenas a mútua assistência afetiva, sendo possível encontrar também em casais homoafetivos.

É o que sustenta Maria Berenice Dias:

O Direito não regula sentimentos, mas as uniões que associam afeto a

interesses comuns que, ao terem relevância jurídica, merecem proteção legal,

independentemente da orientação sexual do par.35

Vivencia-se em um Estado Democrático de Direito onde se goza de direitos e garantias

constitucionais onde incluem todos em par de igualdades todos protegidos pelo “manto da

tutela jurídica. A constitucionalização da família implica assegurar proteção ao indivíduo em

suas estruturas de convívio, independentemente de sua orientação sexual”.36

33 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. O Companheirismo: uma espécie de família. 2ª edição. São Paulo:

Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 297-299. 34

LEAL, Saul Tourinho. Ativista ou Altivo? O outro lado do Supremo Tribunal Federal. 2008. Trabalho

publicado nos Anais do XVII Congresso Nacional do COPEDI, realizado em Brasília - DF, p. 7804. 35

DIAS, Maria Berenice. União homoafetiva: o preconceito & a justiça. 4ª edição. São Paulo: Editora Revista

dos Tribunais, 2009, p. 128. 36

Idem, p. 188.

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Todos nascem livres e possui direito a liberdade sexual. A orientação sexual merece ser

tratada com igualdade. Sabe-se que a legislação é omissa, discriminatória e fere o direito a

liberdade, como é sabido “o direito deve acompanhar o momento social”.37

No entendimento de Guilherme Gama tal união “jamais ensejará a configuração do

companheirismo (...) ainda que duradoura, contínua, única e informal”.38

Para ele, a CRFB/88

estabeleceu requisito objetivo para que se reconheça a união estável como entidade familiar,

qual seja: a união entre o homem e a mulher. Assim, fica excluída qualquer forma de união

homossexual.

“Pessoas do mesmo sexo não tem natureza de família (...) mas tem plena liberdade a

exercer sua sexualidade independentemente de qualquer discriminação”.39

Chega à conclusão

de que somente com o reconhecimento jurídico do casamento entre pessoas do mesmo sexo

será possível reconhecer a união estável entre eles.

A primeira decisão que conferiu o reconhecimento da união homoafetiva como entidade

familiar foi em 2001 pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, nos autos da Apelação

Cível nº 598362655, onde teve o parceiro o direito de herança. Decisões como esta surtiram

efeitos em todo país. Veja a ementa do Desembargador José Trindade dos Santos:

HOMOSSEXUAIS. UNIÃO ESTÁVEL. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO

PEDIDO. É possível o processamento e o reconhecimento de união estável

entre homossexuais, ante princípios fundamentais insculpidos na

Constituição Federal que vedam qualquer discriminação, inclusive quanto ao

sexo, sendo descabida discriminação quanto à união homossexual. E é

justamente agora, quando uma onda renovadora se estende pelo mundo, com

reflexos acentuados em nosso país, destruindo preceitos arcaicos,

modificando conceitos e impondo a serenidade científica da modernidade no

trato das relações humanas, que as posições devem ser marcadas e

amadurecidas, para que os avanços não sofram retrocesso e para que as

individualidades e coletividades, possam andar seguras na tão almejada

busca da felicidade, direito fundamental de todos. Sentença desconstituída

para que seja instruído o feito. Apelação provida.(TJRS – AC 598362655, 8ª

C. Cív., rel. Des. José S. Trindade, 01.03.2000).

Outrossim, o Tribunal Superior Eleitoral entendeu ser caso de inelegibilidade quando

candidatos forem parceiros homossexuais, por se tratar de uma entidade familiar, sofrendo as

mesmas vedações de um casal heterossexual. 40

37 Ibidem, p. 192.

38 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. O Companheirismo: uma espécie de família. 2ª edição. São Paulo:

Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 545. 39

Idem, p. 548 40

Disponível em http://www.tse.jus.br/jurisprudencia/julgados-historicos/viseu-inelegibilidade-reflexa-nas-

relacoes-homoafetivas. Acesso em 31.08.2011.

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2.1.4 Da Família Monoparental e Anaparental

“Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos

pais e seus descendentes”,41

pois há um vínculo familiar. É o que se chama de família

monoparental. É o caso de pais separados, viúvos, etc.

Já a família anaparental seria a convivência entre parentes ou mesmo entre pessoas não

parentes sob o mesmo teto e a pluriparental aquela formada pela multiplicidade de laços

afetivos. Tem-se como exemplo a junção de casais que antes eram casados e tinham filhos, e

agora se juntaram e formaram uma nova família entre os pais e os filhos de cada um.

Enfim, há várias formas de reconhecer uma união afetiva como família. Essas são

alguns exemplos das diversas formas trazidas pela constituição, jurisprudência e pela

doutrina.

Nos ensinamentos de Maria Berenice Dias pode-se concluir que:

A família identifica-se pela comunhão de vida, de amor e de afeto no plano

da igualdade, da liberdade, da solidariedade e da responsabilidade recíproca.

No momento em que o formato hierárquico da família cedeu à sua

democratização, em que as relações são muito mais de igualdade e de

respeito mútuo, e o traço fundamental é a lealdade, não mais existem razões

morais, religiosas, políticas, físicas ou naturais que justifiquem a excessiva e

indevida ingerência do Estado na vida das pessoas.42

Sendo assim, Dias entende que a família moderna é aquela constituída não só pelo

casamento, mas sim pelo amor e pelo afeto, seja por casais heterossexuais, seja por

homossexuais, não existindo barreiras morais, religiosas, políticas, físicas ou naturais, ou

mesmo do Estado que impeçam a união de pessoas que se amam.

3. A Família no Contexto da Constituição de 1988

A CRFB/88 surge como aparato aos anseios populares, o que leva também a ser

discutido demandas familiares, especialmente no tocante às uniões de fato.

Na esteira dessa diretriz, estatui, por sua vez, o art. 266 da CRFB/88 que estabelece um

rol exemplificativo quanto às formas de constituir família:

Art. 226. A família base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

41 BRASIL, Constituição (1988) Constituição da República Federativa do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2012, art.

226, § 4º. 42

DIAS, Maria Berenice. Manual de Direitos das Famílias. 5ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,

2009, p. 55.

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§ 1º O casamento é civil e gratuita a celebração.

§ 2º O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.

§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o

homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua

conversão em casamento.

§ 4º Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por

qualquer dos pais e seus descendentes.

§ 5º Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos

igualmente pelo homem e pela mulher. 43

(...)

Depreende-se que a CRFB/88 trouxe a proteção da família, englobando o casamento

civil, a união estável entre o homem e a mulher, e a família formada por um dos pais e seus

filhos (monoparental).

De toda forma, o que se vê é que a Constituição traz para si a tarefa de dizer

o que se entende por família em nossa ordem jurídica, daí a

imprescindibilidade de se interpretarem suas normas, investigando quais os

modelos de entidades familiares que estão aptos a receber amparo legal. 44

Por fim, na CRFB/88 é que se percebe as mudanças sociais e a necessidade de adequar

o ordenamento jurídico a tais mudanças, preocupando-se em acompanhar a realidade social.

“A ausência de afetividade não poderia mais manter – leia-se impor – casamentos

meramente formais, mas sem substrato psicoafetivo”.45

A sociedade buscava outra forma de constituir família, diferentemente do casamento

civil, queria fugir desse formalismo, almejava uma liberdade maior. Eram as uniões estáveis,

totalmente reprovadas pela sociedade conservadora.

Para melhor descrever o direito em relação às mudanças sociais, vale transcrever um

pequeno trecho do livro de José Sebastião de Oliveira, situado no capítulo referente a

evolução da família e seus fundamentos no direito constitucional brasileiro:

O Direito é fenômeno cultural – formado por fatos, valores e normas. É uma

realidade histórico-cultural inseparável do fator axiológico e da dimensão

social, que, dialeticamente unidos, constituem diretrizes à produção

normativa. Esta, por sua vez, num verdadeiro movimento pendular, é

43 BRASIL, Constituição (1988) Constituição da República Federativa do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2012, art.

226. 44

MAZZOLA, Érica Ramos Venosa. União Homoafetiva: os limites da interpretação constitucional e o papel

do Supremo Tribunal Federal na atual fase de desenvolvimento do Estado democrático de Direito. Monografia

apresentada à Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL, 2009, p. 17. 45

OLIVEIRA, José Sebastião de. Fundamentos constitucionais do direito de família. São Paulo: Editora Revista

dos Tribunais, 2002, p. 81.

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absolutamente incompreensível se não voltada ao binômio condicionante

valorativo – social.46

Pode-se concluir que o legislador ao elaborar a atual Constituição, não trouxe um

conceito de família pelo simples fato de permitir que outras formas de enlaces forem

incluídas.

4. União Estável

Esse modelo de constituir família foi uma das maiores inovações trazidas pela

CRFB/88. A união entre um homem e uma mulher mesmo que não fosse pelo casamento era

reconhecida como entidade familiar.

Liberdade, segundo José Sebastião de Oliveira47

é a palavra que resume as novas formas

de constituir família.

Tentando conceituar união estável pode-se dizer que é aquela que tem por objetivo

“manter a vida em comum” 48

e nasce da convivência entre ambos.

O CC/2002 disciplinou a união estável no Livro IV (Do Direito de Família), Título III,

art. 1723 que assim reza:

“Art. 1723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a

mulher. Configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o

objetivo de constituição de família”.49

Assim, como o art. 226, § 3º da CRFB/88: “Para efeito da proteção do Estado, é

reconhecida a união estável entre o homem, e a mulher como entidade familiar, devendo a lei

facilitar sua conversão em casamento”.50

Nunca numa sociedade conservadora era aceita outra forma de união se não a

oficializada pelo casamento. Uniões extraconjugais eram repudiadas e recebia o nome de

concubinato.

46 Idem, p. 82.

47 OLIVEIRA, José Sebastião de. Fundamentos constitucionais do direito de família. São Paulo: Editora Revista

dos Tribunais, 2002, p. 144-145. 48

DIAS, Maria Berenice. Manual de Direitos das Famílias. 5ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,

2009, p. 161. 49

Código Civil de 2002, art. 1723. O STF, em 5-5-2011, declarou procedente a Ação Direta de

Inconstitucionalidade nº 4277 e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 132, com eficácia

erga omnes e efeito vinculante, conferindo interpretação conforme a Constituição Federal a este artigo, a fim de

declarar a aplicabilidade de regime da união estável às uniões entre pessoas do mesmo sexo. (Esse será nosso

objeto de estudo). 50

BRASIL, Constituição (1988) Constituição da República Federativa do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2012, art.

226, § 3º.

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Entende-se por concubinato como uma união sexual livre, em sentido lato, e em sentido

estrito, como apresenta Álvaro Villaça Azevedo, “como uma união duradoura, a formar a

sociedade doméstica de fato, na qual é importante o ânimo societário (affectio societatis) e a

lealdade concubinária”.51

Em suma, o concubinato pode ser entendido como a coabitação dos concubinos, como

se casados fossem. Para Silvio Rodrigues é “a união do homem e da mulher, fora do

matrimônio, de caráter estável, mais ou menos prolongada, para o fim da satisfação sexual,

assistência mútua e dos filhos comuns e que implica uma presumida fidelidade da mulher ao

homem”.52

O concubinato se divide em duas espécies: o concubinato puro e o concubinato impuro.

O primeiro consiste numa união duradoura, desprovida de casamento, constituindo família de

fato, sem detrimento da família legítima, enquanto este último revela-se como adulterino,

incestuoso ou desleal, como exemplo de um homem casado que mantém dois lares de fato. A

CRFB/88 denominou o concubinato puro como união estável, deixando o termo concubino

para a união impura.

Relações como estas quando chegavam ao judiciário eram consideradas sociedades de

fato.

Essa questão chegou ao STF e através da súmula 380 ficou assim disciplinada:

“comprovada a existência de sociedade de fato entre os concubinos, é cabível a sua dissolução

judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum”.53

Com o advento de novos costumes as uniões fora do casamento tiveram que ser aceitas

pela sociedade, fazendo com que a constituição a reconhecesse como uma entidade familiar,

estendendo o conceito de família. Assim, uniões entre homem e mulher foram reconhecidas

como união estável.

Apesar da CRFB/88 ter reconhecido a união estável, esta não era equiparada ao

casamento, ou seja, não tinha os companheiros os mesmos direitos que tinham um casal unido

pelo casamento.

Duas leis passaram a regular a união estável: a Lei 8.971/1994 que “regula o direito dos

companheiros a alimentos e sucessão”. 54

Porém, não era a todas as uniões que se aplicava a

51 AZEVEDO. Álvaro Villaça. Estatuto da família de fato: (antigo casamento de fato, concubinato e união

estável). São Paulo: Editora Jurídica Brasileira, 2001, p. 207. 52

RODRIGUES. Silvio. Direito Civil – Direito de Família. São Paulo: Editora Saraiva, 24ª Ed. v. 6 1999, p.

253. 53

DIAS. Maria Berenice. Manual de Direitos das Famílias. 5ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,

2009, p. 159.

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lei, havia requisitos demonstrando assim preconceito com os enlaces. Por sua vez a Lei

9.278/1996 “regula o § 3º do art. 226 da Constituição Federal” 55

menos preconceituosa

abrangia a união estável sem impor requisitos.

O maior marco da união estável (...) foi a Constituição Federal de 1988, que

a reconheceu expressamente como uma das espécies de família, pondo fim à

discriminação e ao menoscabo a dois que sempre esteve presente em nossa

sociedade.56

A união estável tem adquirido grande importância nas últimas décadas, onde se deixou

de lado todo formalismo do casamento e passou-se apenas em se unir informalmente. Essa

união, segundo Arnaldo Rizzardo, é “envolvida pela convivência, pela participação de

esforços, a vida em comum, a recíproca entrega de um para o outro, ou seja, a exclusividade

não oficializada nas relações entre o homem e a mulher”.57

Diane do exposto, o que caracteriza como união estável é a convivência pública,

contínua e duradoura estabelecida com o objetivo de constituição de família. A diferença

crucial entre união estável e casamento está na sua forma de constituição, enquanto o

casamento é um ato solene, a união estável é algo informal.

54 Ementa da Lei 8.971/94.

55 Ementa da Lei 9.278/96.

56 OLIVEIRA, José Sebastião de. Fundamentos constitucionais do direito de família. São Paulo: Editora Revista

dos Tribunais, 2002, p. 167. 57

RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Família: Lei nº 10.406, de 10.01.2002. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p.

909.

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CAPÍTULO III – O ATIVISMO JUDICIAL

1. O Princípio da Separação dos Poderes

A CRFB/88 disciplina no art. 2º que “São Poderes da União, independentes e

harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.

Primeiramente falando em poder tem-se a ideia de imposição de regras e falar em poder

estatal ou poder político não é diferente. É a imposição de regras e limites para o bem comum.

O poder político possui três características: unidade, indivisibilidade e indelegabilidade,

que se desdobra em funções: a legislativa, a executiva e a jurisdicional.58

A função legislativa é incumbida da edição das leis e dos atos normativos, enquanto a

função executiva tem o dever de executar essas leis editadas pelo legislativo, bem como

exercer a função de governo e administrativa. Por fim, a função jurisdicional é encarregada de

solucionar conflitos de interesses aplicando o direito.

No Brasil, além da separação das funções dos poderes há a separação dos poderes, pois

se tais funções fossem exercidas por um órgão só seria denominada concentração de poderes,

o que não existe.

A divisão de poderes possui dois elementos, segundo José Afonso da Silva: a

especialização funcional e a independência orgânica. Significa a especialização funcional no

tocante que cada órgão é peculiar no exercício de sua função. Já a independência orgânica

significa a necessidade de cada órgão ser independente um do outro, sem subordinação.

Ainda nos ensinamentos de José Afonso da Silva59

independência dos poderes significa

que a vontade de um órgão não depende dos outros; que no exercício de suas funções não há

necessidade de um órgão consultar o outro, ou mesmo obter autorização, cada poder é livre

para se auto organizar.

“A harmonia entre os poderes verifica-se primeiramente pelas normas de cortesia no

trato recíproco e no respeito às prerrogativas e faculdades a que mutuamente todos têm

direito”.60

58 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 34ª edição. Malheiros Editores, 2011, p.

107. 59

Idem, p. 110. 60

Ibidem.

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Porém, nada é absoluto. Nem a independência, nem a harmonia e nem a divisão das

funções. Às vezes é necessária a interferência em busca do bem de todos, para estabelecer o

sistema de freios e contrapesos61

. Entre os poderes há a colaboração e controle recíproco.62

2. Conceito de Ativismo Judicial

O termo ativismo judicial foi introduzido nos Estados Unidos da América - EUA, com o

objetivo de denominar a atuação da Suprema Corte norte-americana, com sua jurisprudência

progressista em sede de direitos fundamentais. O ativismo, nos EUA, ganhou um aspecto

negativo, como exercício impróprio do poder judiciário, pois as transformações ocorridas não

eram por meio de um decreto do Presidente ou ao do Congresso.63

Pode-se dizer que o ativismo é uma atividade proativa do judiciário, quando a sociedade

o pressiona na solução de problemas não resolvidos pelos Poderes Legislativo ou Executivo.

Nesses casos é necessário o ativismo judicial para que a efetividade das normas

constitucionais seja aplicada, pois se vive em um Estado Democrático de Direito.

É interessante frisar que a democracia não se resume no governo da maioria, ou seja, os

direitos inerentes às minorias devem ser respeitados e concretizados, de forma que a maioria

não exclui as minorias do meio social pelo simples fato de ser maioria. Caso o direito das

minorias não seja efetivado, entra em cena o papel proativo dos juízes e do STF fazendo valer

os direitos constitucionais, por meio do ativismo judicial.

Verificando até agora percebe que o ativismo judicial não viola a democracia e nem ao

menos o direito da maioria, nem mesmo chega a invadir o âmbito de outros poderes em sua

omissão. O ativismo judicial se faz necessário para construir uma democracia mais justa, é

uma forma de garantir e concretizar os direitos e garantias fundamentais previstos na

Constituição64

.

Um exemplo clássico de puro ativismo judicial é nas decisões dos juízes concernentes à

saúde, um indivíduo que necessita de um medicamento de alto custo e o Estado nega tal

medicamento a este indivíduo baseado na teoria da reserva do possível65

, se eximindo

61 O sistema de freios e contrapesos compreende como um complexo mecanismo de controles recíprocos entre os

três poderes, de forma que, ao mesmo tempo, um poder controle os demais e por eles seja controlado. –

Disponível em www.revistajusvigilantibus.com.br. 62

Idem, p. 111. 63

CHAVES, Marianna. O julgamento da ADPF 132 e da ADI 4277 e seus reflexos na seara do casamento civil,

p. 7, disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/20672/o-julgamento-da-adpf-132-e-da-adi-4277-e-seus-

reflexos-na-seara-do-casamento-civil> acesso em 30 de novembro de 2011. 64

NASCIMENTO, Juliana Azevedo do. Ativismo Judicial e a Efetividade das Normas Constitucionais. Artigo

Científico de Pós-Graduação em Direito. Escola da Magistratura do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: 2010, p.9. 65

Entende-se pela teoria da reserva do possível como a insuficiência de recursos orçamentários. Teoria vinculada

à escassez. Disponível em www.divisãodosinformativosdostfestjpormateria.com.br.

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totalmente de sua obrigação. Há inúmeros julgados do STF onde ressaltam que a teoria da

reserva do possível não pode se opôr ao princípio da dignidade da pessoa humana e nem sobre

o direito à saúde.

Já nos dizeres de Carlos Alberto Navarro Perez66

ativismo assim se concretiza:

Revela-se o ativismo judicial em condutas ativas do Poder Judiciário,

ideologicamente vinculadas a um modo proativo de interpretar a

Constituição (...). A postura ativista se manifesta por meio de diferentes

condutas, que incluem: (i) a aplicação direta da Constituição a situações não

expressamente contempladas em seu texto e independentemente de

manifestação do legislador ordinário; (ii) a declaração de

inconstitucionalidade de atos normativos emanados do legislador, com base

em critérios menos rígidos que os de patente e ostensiva violação da

Constituição; (iii) a imposição de condutas ou de abstenções ao Poder

Público, notadamente em matéria de políticas pública.67

Há quem defina o ativismo judicial como uma participação mais intensa do judiciário,

uma interferência maior na atuação dos outros dois poderes, a fim de que se concretizem

valores e fins constitucionais.

Para o Ministro Celso de Mello ativismo judicial torna-se uma necessidade quando da

omissão dos outros órgãos do poder público. Veja-se:

Práticas de ativismo judicial, Senhor Presidente, embora moderadamente

desempenhados por esta Corte em momentos excepcionais, tornam-se uma

necessidade institucional, quando os órgãos do Poder Público se omitem ou

retardam, excessivamente, o cumprimento de obrigações a que estão sujeitos

por expressa determinação do próprio estatuto constitucional, ainda mais se

se tiver presente que o Poder Judiciário, tratando-se de comportamentos

estatais ofensivos à Constituição, não pode se reduzir a uma posição de pura

passividade68

.

Habacuque Wellington Sodré assim ensina sobre ativismo judicial:

Movimento dos juízes brasileiros que procuram implementar direitos,

principalmente direitos sociais por meio do controle jurisdicional de políticas

públicas, ou seja, via decisão judicial. Nesse sentido, verifica-se que o

controle jurisdicional de políticas públicas ocorre por meio de dois

66 Especialista em Direito Tributário pela PUC-SP. Mestrando em Direito do Estado pela USP. Juiz Federal

Substituto em São Paulo. 67

Revista de Direito Constitucional e Internacional / Ano 20, vol. 78. Jan. – mar. / 2012. – Editora Revista dos

Tribunais, por Carlos Alberto Navarro Perez 68

Disponível em <www.stf.gov.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaS-tf/anexo/discursoCM.pdf> acesso em

31.08.2012.

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elementos centrais: a judicialização da política e a politização do

Judiciário.69

Mas o que vem a ser judicialização da política e a politização do judiciário?

Quando o poder judiciário intervir na arena política com o intuito de verificar se os

valores instituídos pela Constituição referentes a direitos fundamentais estão ou não presente

nas políticas públicas implementadas pelo Estado, fala-se em judicialização da política, ou

seja, a interferência do Judiciário em âmbito político.

Judicializar a política significa uma intervenção do Poder Judiciário na política quando

é trazida em seu âmbito alguma questão que fere direitos fundamentais. Seria uma expansão

do Judiciário em âmbito político.

Tal conceito se aproxima do conceito de ativismo judicial, mas não é a mesma coisa. Há

doutrinador que diga que a judicialização e o ativismo são primos, se parecem mas têm

origens diversas.

Por sua vez a politização da justiça se descreve apenas pela postura política adotada por

membros do Poder Judiciário quando do exercício de suas funções, uma postura política

adotada apenas para garanta a efetividade dos direitos fundamentais elencados na CRFB/88.

Em outras palavras são questões políticas decididas por órgãos do Poder Judiciário.

Diante disso tudo, qual a necessidade do STF agir como ativista? O que o motiva a

adotar tal medida?

Na sociedade de hoje comparada à de dez anos houve significativa evolução onde tal

sociedade que antes preferia não buscar seus direitos, hoje é totalmente diferente e a cada dia

torna-se uma sociedade mais exigente, que clama por justiça democrática, que não cruza os

braços, que saem as ruas, que pressiona o judiciário.

E esse judiciário partindo da escolha de decidir sobre determinada matéria que na

verdade deveria ser cobrada do Executivo ou Legislativo, prefere dá uma resposta a esta

sociedade, surgindo um novo modelo do judiciário brasileiro, fazendo suprir um vazio

deixado pelos outros poderes principalmente na falta de políticas públicas.

Sabe-se que o legislador representa a vontade popular e se é a vontade popular ver seus

direitos garantidos então por que dizer que o STF age como ativista?

O STF simplesmente cumpre seu papel de garantidor da Constituição e de concretizador

de direitos fundamentais. Também há possibilidade do STF atuar em casos que não são de sua

competência, pois nas palavras do Ministro Gilmar Mendes, “o Tribunal, assim como se

69 SODRÉ, Habacuque Wellington. A Atuação dos Movimentos Sociais em Face do Ativismo Judicial Brasileiro:

Solução ou Problema? Artigo disponível na Revista da AJURIS, ano 28, nº 121, 2011, p. 160/161.

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estabelece o controle judicial sobre a atividade do legislador, é possível atuar também nos

casos de inatividade ou omissão do legislativo”.70

Oposto ao ativismo judicial existe a autocontenção judicial onde o Poder Judiciário em

vez de suprir lacunas deixadas pelos outros poderes prefere não interferir na falta de atuação

destes, ou seja, juízes evitam aplicar a Constituição em situações em que não estejam em seu

espaço de incidência, preferindo a declaração do legislador ordinário.

Esta era a postura adotada por juízes e tribunais antes do advento da atual Constituição,

onde o STF adotava uma jurisprudência defensiva se eximindo de interferir nas políticas

públicas.

Contudo, cresceu o movimento ativista que acabou por afastar a autocontenção do

judiciário, fazendo com que se busque a máxima efetividade dos direitos constitucionais. O

Supremo passou a adotar uma jurisprudência substancialista.71

3. Decisões Ativas do STF

O STF vem desempenhando a cada dia o ativismo judicial em suas decisões de forma

essencial para a sociedade, uma vez que ocorre a omissão dos outros poderes, seja do

Executivo, seja do Legislativo em pôr em prática algum direito previsto constitucionalmente.

Tal omissão é inconstitucional e a sociedade não pode pagar o preço dela.

Quando da omissão constitucional foi atribuído ao STF a competência para sanar tal

inconstitucionalidade, podendo ser utilizados dois mecanismos: a Ação Direta de

Inconstitucionalidade por Omissão – ADO e o Mandado de Injunção – MI.

Porém, essa interferência do Poder Judiciário só pode ser feita “quando configurada

hipótese de abusividade governamental” 72

. É o que disse o Min. Celso de Mello, relator da

ADPF 45/DF em tema de políticas públicas:

Não pode demitir-se de gravíssimo encargo de tornar efetivos os direitos

econômicos, sociais e culturais – que se identificam, enquanto direitos de

segunda geração, com as liberdades positivas, reais ou concretas (...) -, sob

pena de o Poder Público, por violação positiva ou negativa da Constituição,

70 Fundamentação do voto do Min. Gilmar Mendes quanto ao direito de greve aos funcionários públicos.

71 LEAL, Saul Tourinho. Ativista ou Altivo? O outro lado do Supremo Tribunal Federal. 2008. Trabalho

publicado nos Anais do XVII Congresso Nacional do COPEDI, realizado em Brasília-DF, p. 7803.

Em síntese a jurisprudência substancialista entende que o Judiciário deveria assumir o papel de um intérprete que

põe em evidência, inclusive a contra maiorias eventuais. Disponível em

www.constitucionalonline.com.br/adm/pdfs/1294681537.pdf. 72

NASCIMENTO, Juliana Azevedo do. Ativismo Judicial e a Efetividade das Normas Constitucionais. Artigo

Científico de Pós-Graduação em Direito. Escola da Magistratura do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: 2010 p. 14.

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comprometer de modo inaceitável, a integridade da própria ordem

constitucional.73

Feito isso passa-se a analisar a mais relevante decisão ativa do STF, qual seja: o MI 712

impetrado para que se regularize o direito de greve aos funcionários públicos, um direito

consagrado pela própria Constituição Federal: “art. 37, VII – o direito de greve será exercido

nos termos e nos limites definidos em lei específica”.

Ocorre que até o presente momento o legislativo não regulamentou o direito de greve

aplicado aos servidores públicos, e por isso o STF entrou em ação, interpretando a

Constituição diante da inércia do legislativo.

Importantíssimo destacar o voto do Min. Gilmar Mendes:

Enfatizo tão-somente que, tendo em vista as imperiosas balizas

constitucionais que demandam a concretização do direito de greve a todos os

trabalhadores, este Tribunal não pode se abster de reconhecer que, assim

como se estabelece o controle judicial sobre a atividade do legislador, é

possível atuar também nos casos de inatividade ou omissão do legislativo.74

O STF por unanimidade determinou a aplicação da Lei nº 7.783/89 (Lei de greve do

setor privado) aos servidores públicos com efeitos erga omnes, no que couber. Ele não

legislou, apenas supriu um vácuo deixado pelo legislativo e como ensina Juliana Azevedo

“adotou uma teoria concretista considerada ativista”. O STF passa a ter uma conduta mais

ativa e fiscalizadora, dá-se efetividade ao exercício dos direitos constitucionais.

4. Críticas ao Ativismo Judicial

Há quem critique o ativismo judicial como forma de afronta à democracia, visto que os

membros do poder judiciário não são eleitos pela vontade popular, sendo assim se sobrepõem

a decisões que caberiam ao Executivo ou Legislativo, agindo em nome próprio.

Porém, autores como Juliana Azevedo75

discordam de tal crítica, uma vez que a

legitimidade inerente aos membros do Poder Judiciário advém da Constituição, e assim, agem

segundo as normas da própria Constituição e não em nome próprio, e atuando conforme a

maioria está agindo de acordo com a vontade popular. Muito além, o ativismo judicial

“fortalece a democracia, visto que se busca garantir a efetividade dos direitos e garantias

73 Ministro Celso de Mello, apud NASCIMENTO, Juliana Azevedo do. Ativismo Judicial e a Efetividade

das Normas constitucionais. 2010, p. 14. 74

Ministro Gilmar Mendes, apud NASCIMENTO, Juliana Azevedo do. Ativismo Judicial e a Efetividade das

Normas constitucionais. 2010, p. 15. 75

NASCIMENTO, Juliana Azevedo do. Ativismo Judicial e a Efetividade das Normas Constitucionais. Artigo

Científico de Pós-Graduação em Direito. Escola da Magistratura do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: 2010 p. 20.

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fundamentais previstos na Constituição. Em poucas palavras, o ativismo é uma ferramenta

que promove a democracia.” 76

Outra crítica é que o ativismo judicial realiza uma micro justiça em prejuízo de uma

macro justiça exigida por todas. Uma crítica que também é rebatida pelo simples fato que o

juiz tem o poder-dever de pôr em prática a justiça e efetivar as normas constitucionais no caso

concreto. Tem que ser ativista para dar base as suas decisões.

Andréa Maria dos Santos Santana Vieira:77

Sob o fundamento de proteção das minorias contra os arbítrios da maioria,

informa a criação de mecanismos de efetivação dos direitos fundamentais,

mesmo em face do legislador, tendo por relevo a primazia da constituição.

Em razão da indeterminação semântica de grande parte das normas

constitucionais, abriu-se a possibilidade de criação de novas técnicas

hermenêuticas, com constante apelo a considerações de natureza moral,

ainda que contrariamente ao disciplinado na esfera legislativa, acarretando o

aumento da importância política do judiciário. Diante do novo quadro

traçado pelo neoconstitucionalismo, vê-se a prática do ativismo, do que

decorre a judicialização excessiva levada a efeito pelos perdedores no

processo legislativo. (p. 73).

(...)

Em história recente o Judiciário Brasileiro vem sofrendo forte politização,

adentrado em questões distantes das meramente jurídicas, em evidente

autoritarismo com riscos à Democracia. (...) Não compete ao Judiciário, a

pretexto de interpretar, redefinir a Constituição segundo seus próprios

valores. Isto porque, interpretar é possibilitar a escolha entre duas decisões

possíveis, não cabendo ao Tribunal ser ativista em questões onde extrapola à

própria Constituição. (p. 75).

Enfim, inúmeras críticas são apresentadas ao ativismo, uma vez que esse amplia custos

das políticas públicas e dos próprios direitos; põe de lado a imparcialidade dos juízes,

favorecendo pequenos grupos de interesses; que o direito não é política; afronta o modelo de

separação de poderes. “Ativismo é um antibiótico poderoso, cujo uso deve ser eventual e

controlado”.78

76 Idem, p. 21. 77

VIEIRA, Andréa Maria dos Santos Santana. Reconhecimento da União estável homoafetiva como entidade familiar pelo STF. Decisão acertada ou atentado à democracia deliberativa? Revista de Direito Constitucional e Internacional. Ano 20. vol. 78. jan. – mar. / 2012, Editora Revista dos Tribunais. 78 BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, Ativismo Judicial e Legitimidade Democrática. 2008, p.15.

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CAPÍTULO IV – MUTAÇÃO CONSTITUCIONAL

1. Conceito de Mutação Constitucional

Entende-se por mutação constitucional “as mudanças informais da

constituição”.79

Diferentemente da reforma constitucional80

, não está prevista na Constituição

Federal, não havendo limites para a alteração informal.

Esses limites às mutações constitucionais são imprescindíveis, pois, se, por

um lado, a Constituição precisa se conformar à realidade, por outro, se deve

ter a prudência de assegurar a supremacia normativa da Constituição81

.

Ocorre mutação constitucional, segundo Sant’ Ana Pedra, quando há modificação da

norma constitucional, sem alteração do texto, vez que os significados modificam com o

decurso do tempo “(processo informal de alteração da Constituição)”.

Na visão de José Afonso da Silva mutação constitucional:

Consiste num processo não formal de mudança das constituições rígidas, por

via da tradição, dos costumes, de alterações empíricas e sociológicas, pela

interpretação judicial e pelo ordenamento de estatutos que afetem a estrutura

orgânica do Estado.82

Vale ressaltar que a mutação constitucional não tem o condão de alterar o texto

constitucional, pois para isso é necessário uma reforma constitucional para tanto. Por outro

lado, em determinados casos, o entendimento do texto constitucional distancia o disposto na

letra da Constituição, sem que rompa o texto. Veja no caso concreto:

É o que ocorreu, por exemplo, com o conceito de família dado pela

Constituição de 1967/1969, qual seja, “a família é constituída pelo

casamento e terá direito à proteção dos Poderes Públicos” (art. 167 do texto

de 1967 e art. 175 do texto de 1969). Dentro desse conceito, não havia a

79 Revista da AJURIS / Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul. – Ano 26, nº 75 (set. 1999). – Porto Alegre:

AJURIS, 1999. – (dez. 2011), por Adriano Sant’ Ana Pedra – professor da Escola da Magistratura do Estado do

Espírito Santo – EMES. 80

“Processo formal de modificação das constituições rígidas, por meio de atuação de certos órgãos, mediante

determinadas formalidades, estabelecidas nas próprias constituições para o exercício do poder reformador”

(SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, 34ª. ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 62). 81

Revista da AJURIS / Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul. – Ano 26, nº 75 (set. 1999). – Porto Alegre:

AJURIS, 1999. – (dez. 2011), p. 48, por Adriano Sant’ Ana Pedra – professor da Escola da Magistratura do

Estado do Espírito Santo – EMES. 82

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, 34ª. ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 62.

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ideia de proteção à situação de um homem e uma mulher que coabitassem

como cônjuges sem serem casados. Apesar da literalidade do dispositivo

anteriormente citado, no seu processo de concretização, o Supremo Tribunal

Federal entendeu, no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) nº

60.657/GO, que, em razão das mudanças nas concepções culturais e sociais

brasileiras, o direito deveria também proteger a relação constituída a partir

da convivência, sob o mesmo teto, de homem e mulher não casados. Pode-se

dizer que este hiato entre o Texto Constitucional – recente em relação a esta

decisão do Supremo Tribunal Federal – e a realidade brasileira deve-se, em

grande parte, ao fato de o referido Texto Constitucional ter sido outorgado e

não discutido em uma assembleia constituinte formada por legítimos

representantes do povo.83

Segundo Uadi Lammêgo Bulos nem sempre estabilidade pode significar

imodificabilidade, pois as constituições sofrem mudanças diversas das previstas formalmente,

por meio de processos informais não advindos do poder constituinte derivado84

. “Fenômeno,

mediante a qual os textos constitucionais são modificados sem revisões ou emendas”.85

Uadi Lammêgo, nos ensinamentos de Karl Loewenstein, afirma que as mutações

constitucionais não afetam a letra do texto, que permanece intacta.86

Nesse sentido:

Assim, denomina-se mutação constitucional o processo informal de mudança

da constituição, por meio do qual são atribuídos novos sentidos, constituídos

até então não ressalvados à letra da Lex Legum, que através da interpretação,

em suas diversas modalidades e métodos, quer por intermédio da construção

(construction), bem como dos usos e costumes constitucionais.87

Na concepção de J.J Gomes Canotilho transições constitucionais (denominação

utilizada por ele ao falar de mutação constitucional) é “a revisão informal do compromisso

político formalmente plasmado na Constituição sem alteração do texto constitucional. Em

termos incisivos: muda o sentido sem mudar o texto”.88

O Judiciário ao interpretar a Constituição pode atribuir ao texto novos sentidos,

mudando a substância sem, modificar a forma. É conhecida também como processo difuso de

83 Revista da AJURIS / Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul. – Ano 26, nº 75 (set. 1999). – Porto Alegre:

AJURIS, 1999. – (dez. 2011), p. 55, por Adriano Sant’ Ana Pedra – professor da Escola da Magistratura do

Estado do Espírito Santo – EMES. 84

Entende-se por poder constituinte derivado como um poder que deriva de outro (do poder constituinte

originário), é o poder reformador das constituições rígidas. (SILVA, José Afonso da. Curso de Direito

Constitucional Positivo, 34ª. ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 65). 85

BULOS, Uadi Lammêgo. Mutação Constitucional. São Paulo. Saraiva Editores, 1997, p. 54. 86 LOEWENSTEIN, Karl. Teoría de La Constitución. Trad. Alfredo Gallego Anabitarte, Barcelona, Ed. Ariel, 1986, p. 165, Apud BULOS, Uadi Lammêgo. Mutação

Constitucional. São Paulo. Saraiva Editores, 1997, p. 56.

87 BULOS, Uadi Lammêgo. Mutação Constitucional. São Paulo. Saraiva Editores, 1997, p. 57.

88 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. Coimbra, Livr. Almedina, 1993, p. 231, Apud

BULOS, Uadi Lammêgo. Mutação Constitucional. São Paulo. Saraiva Editores, 1997, p. 57.

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modificação da Constituição. É o que se abstém dos ensinamentos de Canotilho e Uadi

Lammêgo.

Por que existe a mutação constitucional?

Para Lammêgo tal fenômeno por via interpretativa ocorre devido a três situações

diferentes:

A) Contexto técnico-linguístico: as dúvidas partem da linguagem técnica do legislador;

B) Contexto antinômico: incompatibilidade de duas normas com âmbitos de validade

idênticos;

C) Contexto lacunoso: problemas relacionados à incompletude do sistema jurídico.

Para suprir essas lacunas, providências poderão ser aplicadas como a analogia, os

costumes e os princípios, que servem de diretrizes para o preenchimento de tais lacunas

constitucionais. E para tanto haverá mutação através da interpretação quando:

A) Modificarem o sentido de um vocábulo;

B) Alterarem os fins inspiradores de uma norma;

C) Alargarem ou restringirem o conteúdo de uma dada expressão normativa;

D) Imprimirem novo significado à letra da lei;

E) Procurarem colmatar lacunas;

F) Adaptarem a norma a novas realidades surgidas após a edição da Constituição.89

Conclui-se que as mutações constitucionais não poderão modificar o texto

constitucional, apenas poderão modificar o sentido, o significado e o alcance das normas.

2. Os Famosos Casos de Mutação Constitucional

2.1 Caso Plessy vs. Ferguson

O caso Plessy vs. Ferguson, julgado em 1896, pela Suprema Corte dos Estados Unidos,

se tornou um dos precedentes mais absurdos da história dos Estados Unidos. Diante desse

caso, foi institucionalizada a doutrina “equal but separate” (“iguais, mas separados”).90

O presente caso trata-se de um senhor (negro) “Homer Plessy” que adquiriu um bilhete

de trem, primeira classe, para viajar. Estando no vagão, a polícia foi acionada, uma vez que o

vagão ao qual Plessy se encontrava era privativo para brancos. O senhor se recusou a sair,

89 BULOS, Uadi Lammêgo. Mutação Constitucional. São Paulo. Saraiva Editores, 1997, p. 130.

90 BINENBOJM, Gustavo. O Racismo e a Leitura Moral da Constituição. Artigo publicado no Mundo Jurídico

(www.mundojurídico.adv.br) em 21.04.2003, acessado em 18.10.2012.

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sendo então, preso e condenado por violação à lei estadual que separava vagões para negros e

brancos.

Ao chegar esse caso ao Tribunal, a Suprema Corte confirmou a condenação de Plessy,

sob o fundamento de que violara a lei estadual, e que tal lei seria compatível com o princípio

da igualdade, dando ensejo à doutrina mencionada (“equal but separate”).

A decisão dada no presente caso foi referência nos Estados Unidos por mais de meio

século, sendo revogada no Caso Brown vs. Board of Education (tratada no tópico seguinte),

considerado um dos mais importantes julgamentos em prol dos direitos fundamentais.

Os juízes fundamentaram a decisão enfatizando que ferir costume já consagrado na

sociedade poderia trazer prejuízos para a paz social e a ordem pública, além do mais os negros

não estavam impedidos de utilizar o trem, apenas teria um lugar específico para ocupar (que

não fosse junto aos brancos). Da mesma forma um branco também não podia sentar em um

vagão para negros. Foi considerada que tal proibição abarca a igualdade entre as raças.

Vale destacar um pequeno trecho do voto relator sobre o caso, que demonstra total

preconceito: “se uma raça é socialmente inferior a outra, a Constituição não pode colocá-los

no mesmo plano”.91

2.2 Caso Brown vs. Board of Education

O Caso Brown vs. Board of Education, julgado em 1954, pela Suprema Corte dos

Estados Unidos foi considerado o julgamento do século.

Trata-se de uma ação ajuizada pelo pai da estudante Linda Brown, de apenas 8 anos,

pois a mesma teve sua matrícula indeferida em uma escola pública para brancos, por ser

negra. O indeferimento consubstanciou na decisão do caso Plessy vs. Ferguson, baseando-se

na doutrina “separate but equal”.

A decisão da Suprema Corte entendeu que a doutrina mencionada feria a XIV Emenda

da Constituição Americana92

, uma vez que a separação entre brancos e negros na escola não

91 LIMA, George Marmelstein. As piores Decisões da Suprema corte dos EUA II – Caso Plessy vs. Ferguson.

Disponível em < http://direitosfundamentais.net/2008/10/23/as-piores-decisoes-da-suprema-corte-dos-eua-ii-

caso-plessy-vs-ferguson/> acessado em 18.10.2012. 92

Consiste a XIV Emenda que “Todas as pessoas nascidas ou naturalizadas nos Estados Unidos, e sujeitas à sua

jurisdição, são cidadãos dos Estados Unidos e do Estado onde tiverem residência. Nenhum Estado poderá fazer

ou executar leis restringindo os privilégios ou as imunidades dos cidadãos dos Estados Unidos; nem poderá

privar qualquer pessoa de sua vida, liberdade, ou bens sem processo legal, ou negar a qualquer pessoa sob sua

jurisdição a igual protecção das leis”. (Votada pelo Congresso em 13/7/1866. Ratificada em 9/7/1868).

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permitiam aos negros as mesmas oportunidades dos brancos, causando inferioridade aos

mesmos, o que poderia afetar a motivação para o aprendizado.

Sendo assim:

A decisão no caso Brown revogou o precedente da decisão Plessy, de 1896.

A decisão foi baseada na garanta do equal protection. A cláusula do equal

protection garantia a igualdade de todos perante a lei. A ampliação da

aplicação da cláusula deu-se na Corte Warren que propiciou a atuação do

Judiciário em toda a sociedade. Tratou-se de uma revolução jurídica que

mudou a vida dos negros e obrigou 21 Estados americanos a banir a

segregação racial de suas escolas. O advogado de Linda Brown, Thurgood

Marshal, posteriormente tornou-se o primeiro negro na Suprema Corte dos

Estados Unidos.93

Tal decisão foi o início de um novo período com relação aos direitos fundamentais

estadunidenses, um dos “precedentes mais emblemáticos” e “uma importante fase do ativismo

judicial da Suprema Corte”.94

3. O Papel da Jurisdição Constitucional na Garantia do Regime Democrático

A CRFB/88 estendeu a competência originária do STF incumbindo a este o controle

abstrato de normas e o controle da omissão do legislador. Para essa omissão a CRFB/88

previu o mandado de injunção, previsto no art. 5º, LXXI; a Ação Direta de

Inconstitucionalidade por Omissão e entre outros.

O Supremo Tribunal Federal foi criado para garantir a supremacia do Texto

Constitucional, com vistas à segurança da ordem jurídica, controlando,

jurisdiconalmente, a legalidade dos atos legislativos e executivos. Tem seus

antecedentes remotos no art. 163 da Carta imperial de 1824, que criou o

Supremo Tribunal de Justiça, estipulando sua competência no art. 164, e

ficando a sua organização sob os auspícios da Lei de 18 de setembro de

1828. Mais tarde, em 23 de outubro de 1875, pela Lei nº 2.674, teve a sua

competência ampliada, tornando o único intérprete das leis.95

É notável que o STF nos últimos tempos tenha alterado sua política judicial. O Supremo

de antes adotava uma linha de jurisprudência defensiva, deixava a cargo dos outros poderes a

93 CABRAL, Bruno Fontenele e CANGUSSU, Débora Dadiani. A luta em defesa da igualdade e das liberdades

públicas no direito norte-americano. Disponível em: <HTTP://jus2.uol.com.br/doutina/texto.asp?id=11777>

acesso em 18.10.2012. 94

JENSEN, Geziela. As ações afirmativas a partir da teoria da causalidade cumulativa de Gunnar Myrdal.

Artigo publicado na Revista Internacional de Direito e Cidadania, n. 5, p. 103-109, outubro/2009. 95

BULOS, Uadi Lammêgo. Mutação Constitucional. São Paulo. Saraiva Editores, 1997, p. 151.

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solução de conflitos que não eram do seu âmbito de atuação. O Supremo não queria uma

desavença com os outros poderes por conta de julgamento polêmico.

Com o advento da atual Constituição, esse pensamento mudou e passou a decidir casos

controvertidos, parou de ficar na defensiva e passou a adotar uma linha de jurisprudência

substancialista e ativista.

Com essa nova linha de jurisprudência temas envolvendo saúde, educação, direitos

sociais passaram a ser efetivados. O Supremo passou a efetivar os direitos estabelecidos na

Constituição que não eram aplicados por falta de políticas públicas. O Supremo é legitimado

para tanto, pois a Constituição em seu artigo 102 determina que: “Compete ao Supremo

Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição (...)”.

Fazendo uma analogia ao Direito comparado pode-se dizer que o Supremo garantiu algo

que há anos outros países já regularam as uniões entre casais do mesmo sexo, como é o caso

da Dinamarca que foi o primeiro país a aprovar uma legislação, em 1989, que permitia o

registro da união civil de casais homoafetivos, tendo garantido os mesmos direitos de casais

heteroafetivos. Em 2001, a Holanda tornou o primeiro país a autorizar o casamento entre

casais do mesmo sexo, permitindo ainda a adoção.

No caso do Brasil ainda se caminha para equiparar os direitos dos homoafetivos com os

dos heteroafetivos, tendo essa decisão um avanço para a garantia de tais direitos.

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CAPÍTULO V – A UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA SEGUNDO A

JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

O julgamento das ADI 4277 e ADPF 132 demonstra a mudança de pensamento em

relação às uniões entre pessoas do mesmo sexo. “A ciência jurídica deve acompanhar a

evolução cultural e social, propondo caminhos legais para a tutela dos direitos” 96

.

1. Breve histórico das ações

A ADPF 132 foi proposta ao STF pelo então Governador do Rio de Janeiro, Sérgio

Cabral Filho, na data do dia 25 de fevereiro de 2008. Esta arguição teve o intuito de apontar

direitos fundamentais violados, como o direito à igualdade, a liberdade, e o principal, a

dignidade da pessoa humana, e requisitar equiparação do Estatuto dos Servidores Civis do

Estado do Rio de Janeiro com a Constituição para a isonomia jurídica das uniões

homoafetivas às uniões estáveis.

O pleito principal da ADPF 132 foi a aplicação do artigo 1723 do CC/2002 às uniões

formadas por pessoas do mesmo sexo, as denominadas uniões homoafetivas, que por analogia

ao referido artigo dê-se interpretação conforme a Constituição. Subsidiariamente requereu-se

o recebimento da ADPF como Ação Direita de Inconstitucionalidade, caso o STF entender

descabível.

No ano seguinte a Procuradoria-Geral da República apresentou a ADPF 178 com o

mesmo intuito da ADPF 132, ou seja, o reconhecimento das uniões homoafetivas como

entidade familiar. Foi então recebida pelo Ministro Gilmar Mendes, à época Presidente do

STF, como Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI 4277.

Ante o exposto, houve perda parcial de objeto da ADPF 132, que por sua vez também

foi recebida como ADI, tendo julgamento conjunto com a ADI nº 4277-DF pelos

fundamentos de ambas, para conferir interpretação conforme a Constituição ao art. 1723 do

CC/2002.

2. O Voto do Ministro Relator

96 Revista da AJURIS / Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul. – Ano 26, nº 75 (set. 1999). – Porto Alegre:

AJURIS, 1999. – (dez. 2011), p. 420, por Fernanda dos Santos Macedo, especialista em Direito Processual Civil

pela PUCRS, mestranda em direito pela PUCRS.

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A ADPF nº 132-RJ e a ADI nº 4277-DF teve designado como relator o Ministro Carlos

Ayres Britto, que assim fundamentou o seu voto:

(...) pela primeira vez no curso de sua longa história, apreciar o mérito dessa

tão recorrente quanto intrinsecamente relevante controvérsia em torno da

união estável entre pessoas do mesmo sexo, com todos os seus consectários

jurídicos. Em suma, estamos a lidar com um tipo de dissenso judicial que

reflete o fato histórico de que nada incomoda mais as pessoas do que a

preferência sexual alheia, quando tal preferência já não corresponde ao

padrão social da heterossexualidade. É a velha postura de reação

conservadora aos que, nos insondáveis domínios do afeto, soltam por inteiro

as amarras desse navio chamado coração.

(...)

Afinal, se as pessoas de preferência heterossexual só podem se realizar

ou ser felizes heterossexualmente, as de preferência homossexual

seguem na mesma toada: só podem se realizar ou ser felizes

homossexualmente.

(...)

vale dizer, (...) a Constituição limita o seu discurso ao reconhecimento

da família como instituição privada que, voluntariamente constituída

entre pessoas adultas, mantém com o Estado e a sociedade civil uma

necessária relação tricotômica.

(...)

Daqui se desata a nítida compreensão de que a família é, por natureza ou no

plano dos fatos, vocacionalmente amorosa, parental e protetora dos

respectivos membros, constituindo-se, no espaço ideal das mais duradouras,

afetivas, solidárias ou espiritualizadas relações humanas de índole privada.

(...)

Assim interpretando por forma não-reducionista o conceito de família,

penso que este STF fará o que lhe compete: manter a Constituição na posse

do seu fundamental atributo da coerência, pois o conceito contrário

implicaria forçar o nosso Magno Texto a incorrer, ele mesmo, em discurso

indisfarçavelmente preconceituoso ou homofóbico.

(...)

Dando por suficiente a presente análise da Constituição, julgo, em caráter

preliminar, parcialmente prejudicada a ADPF nº 132-RJ, e, na parte

remanescente, dela conheço como ação direta de inconstitucionalidade. No

mérito, julgo procedentes as duas ações em causa. Pelo que dou ao art. 1.723

do Código Civil interpretação conforme à Constituição para dele excluir

qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua,

pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como “entidade familiar”,

entendida esta como sinônimo perfeito de “família”. Reconhecimento que é

de ser feito segundo as mesmas regras e com as mesmas conseqüências da

união estável heteroafetiva.

Nota-se que o voto proferido pelo Ministro Relator Carlos Ayres Britto consubstanciou

no direito à igualdade, uma vez que enfatizou que a felicidade de pessoas de preferência

homossexual só pode realizar de maneira homossexualmente, da mesma forma que pessoas de

preferência heterossexuais.

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Apesar da Constituição limitar a união estável entre homem e mulher, o Ministro

Relator interpretou-a com base na coerência, pois se assim não o fizesse forçaria a própria

Constituição incorrer “em discurso indisfarçadamente preconceituoso ou homofóbico”,

ressaltou.

Sendo assim, entendeu o Ministro Relator que o artigo 1.723 do CC/2002 deve ser

interpretado conforme a Constituição, excluindo qualquer forma que prejudique o

reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar.

3. O Voto dos Demais Ministros

Proferido o voto do Relator, o segundo votante do julgamento, Ministro Luiz Fux, assim

se posicionou:

Canetas de magistrados não são capazes de extinguir o preconceito, mas,

num Estado Democrático de Direito, detêm o poder de determinar ao aparato

estatal a atuação positiva na garantia da igualdade material entre os

indivíduos e no combate ostensivo às discriminações odiosas.

Esta Corte pode, aqui e agora, firmar posição histórica e tornar público e

cogente que o Estado não será indiferente à discriminação em virtude da

orientação sexual de cada um; ao revés, será o primeiro e maior opositor do

preconceito aos homossexuais em qualquer de suas formas.

(...)

(...) a proteção constitucional da família não se deu com o fito de se

preservar, por si só, o tradicional modelo biparental, com pai, mãe e filhos.

Prova disso é a expressa guarida, no § 4.º do art. 226, das famílias

monoparentais, constituídas apenas pelo pai ou pela mãe e pelos

descendentes; também não se questiona o reconhecimento, como entidade

familiar inteira, dos casais que, por opção ou circunstâncias da vida, não têm

filhos. Bem ao contrário, a Constituição de 1988 consagrou a família como

instrumento de proteção da dignidade dos seus integrantes e do livre

exercício de seus direitos fundamentais, de modo que, independentemente de

sua formação – quantitativa ou qualitativa –, serve o instituto como meio de

desenvolvimento e garantia da existência livre e autônoma dos seus

membros.

(...)

O que faz uma família é, sobretudo, o amor – não a mera afeição entre os

indivíduos, mas o verdadeiro amor familiar, que estabelece relações de

afeto, assistência e suporte recíprocos entre os integrantes do grupo. O que

faz uma família é a comunhão, a existência de um projeto coletivo,

permanente e duradouro de vida em comum. O que faz uma família é a

identidade, a certeza de seus integrantes quanto à existência de um vínculo

inquebrantável que os une e que os identifica uns perante os outros e cada

um deles perante a sociedade. Presentes esses três requisitos, tem-se uma

família, incidindo, com isso, a respectiva proteção constitucional.

(...)

Pois bem. O que distingue, do ponto de vista ontológico, as uniões

estáveis, heteroafetivas, das uniões homoafetivas? Será impossível que

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duas pessoas do mesmo sexo não tenham entre si relação de afeto, suporte e

assistência recíprocos? Que criem para si, em comunhão, projetos de vida

duradoura em comum? Que se identifiquem, para si e para terceiros, como

integrantes de uma célula única, inexoravelmente ligados?

A resposta a essas questões é uma só: Nada as distingue. Assim como

companheiros heterossexuais, companheiros homossexuais ligam-se e

apoiam-se emocional e financeiramente; vivem juntos as alegrias e

dificuldades do dia-a-dia; projetam um futuro comum.

Se, ontologicamente, união estável (heterossexual) e união (estável)

homoafetiva são simétricas, não se pode considerar apenas a primeira como

entidade familiar. Impõe-se, ao revés, entender que a união homoafetiva

também se inclui no conceito constitucionalmente adequado de família,

merecendo a mesma proteção do Estado de Direito que a união entre

pessoas de sexos opostos.

(...)

É por essas tantas razões que voto pela procedência dos pedidos formulados

na Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 132 – nesta, o

respectivo pedido subsidiário – e na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº

4277, de modo a que seja o art. 1.723 do Código Civil vigente (Lei nº

10.406, de 10 de janeiro de 2002) interpretado conforme a Constituição,

para determinar sua aplicabilidade não apenas à união estável estabelecida

entre homem e mulher, como também à união estável constituída entre

indivíduos do mesmo sexo.

O Ministro Fux tratou em seu voto que cabe ao Supremo Tribunal Federal a guarda do

direito das minorias em face da ação da maioria, uma vez que ambas as formas de uniões

estáveis incluem no conceito constitucional de família, não podendo apenas a união estável

entre casais heterossexuais ser considerada uma entidade familiar.

O terceiro voto foi o da Ministra Carmem Lúcia que iniciou seus fundamentos

afirmando que todas as formas de preconceito merecem repúdio, seja por parte das pessoas e

“mais ainda os juízes do Estado Democrático de Direito”. Assim foi defendido seu voto:

Contra todas as formas de preconceito, contra quem quer que seja, há o

direito constitucional. E este é um tribunal que tem a função precípua de

defender e garantir os direitos constitucionais.

(...)

Aqueles que fazem opção pela união homoafetiva não pode ser desigualado

em sua cidadania. Ninguém pode ser tido como cidadão de segunda classe

porque, como ser humano, não aquiesceu em adotar modelo de vida não

coerente com o que a maioria tenha como certo ou válido ou legítimo.

(...)

As escolhas pessoais livres e legítimas, segundo o sistema jurídico vigente,

são plurais na sociedade e, assim, terão de ser entendidas como válidas.

Na esteira, assim, da assentada jurisprudência dos tribunais brasileiros, que

já reconhecem para fins previdenciários, fiscais, de alguns direitos sociais a

união homoafetiva, tenho como procedentes as ações, nos termos dos

pedidos formulados, para reconhecer admissível como entidade familiar a

união de pessoas do mesmo sexo e os mesmos direitos e deveres dos

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companheiros nas uniões estáveis serem reconhecidos àqueles que optam

pela relação homoafetiva.

O voto da Ministra Carmem Lúcia, baseado na repulsa de toda forma de preconceito,

destacou que o Supremo é um Tribunal que tem a função de “defender e garantir os direitos

constitucionais”.

O Ministro Ricardo Lewandowski foi o quarto a votar, que entendeu não ser possível

incluir a união homoafetiva em nenhuma das espécies de família descritas no rol do art. 226

da CRFB/88, e sim como uma nova modalidade de entidade familiar:

Principio recordando que, na dicção do art. 226, caput, da Carta da

República, a família, considerada “base da sociedade”, “tem especial

proteção do Estado”. Vê-se, pois, que para solucionar a questão posta nos

autos é preciso, antes de tudo, desvendar o conceito jurídico-constitucional

de família. (...)

Assim, segundo penso, não há como enquadrar a união entre pessoas do

mesmo sexo em nenhuma dessas espécies de família, quer naquela

constituída pelo casamento, quer na união estável, estabelecida a partir da

relação entre um homem e uma mulher, quer, ainda, na monoparental. Esta,

relembro, como decorre de expressa disposição constitucional, corresponde à

que é formada por qualquer dos pais e seus descendentes.

Não se trata, evidentemente, de interpretar a Carta Magna à luz do direito

ordinário - o que configuraria prática proscrita segundo os mais elementares

princípios de hermenêutica constitucional – mas, como afirmou o Min.

Menezes Direito, ao debruçar-se sobre o tema, no RE acima mencionado,

cuida-se de integrar os conceitos explicitados na Lei Maior com o Direito de

Família, por indicação do próprio legislador constituinte.

(...)

Assim, muito embora o texto constitucional tenha sido taxativo ao dispor

que a união estável é aquela formada por pessoas de sexos diversos, tal

ressalva não significa que a união homoafetiva pública, continuada e

duradoura não possa ser identificada como entidade familiar apta a merecer

proteção estatal, diante do rol meramente exemplificativo do art. 226,

quando mais não seja em homenagem aos valores e princípios basilares do

texto constitucional.

(...)

Convém esclarecer que não se está, aqui, a reconhecer uma “união estável

homoafetiva”, por interpretação extensiva do § 3º do art. 226, mas uma

“união homoafetiva estável”, mediante um processo de integração analógica.

Quer dizer, desvela-se, por esse método, outra espécie de entidade familiar,

que se coloca ao lado daquelas formadas pelo casamento, pela união estável

entre um homem e uma mulher e por qualquer dos pais e seus descendentes,

explicitadas no texto constitucional.

(...)

Isso posto, pelo meu voto, julgo procedente as presentes ações diretas de

inconstitucionalidade para que sejam aplicadas às uniões homoafetivas,

caracterizadas como entidades familiares, as prescrições legais relativas às

uniões estáveis heterossexuais, excluídas aquelas que exijam a diversidade

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de sexo para o seu exercício, até que sobrevenham disposições normativas

específicas que regulem tais relações.

Lembrou ainda o Ministro que tais uniões constituem “uma realidade fática”, não sendo

vedada pelo ordenamento jurídico, devendo o Direito conhecê-las. Porém, o instituto que mais

se aproxima de tais relações é a união estável entre o homem e a mulher, que por uma

interpretação sistemática da Constituição Federal, deveria ser aplicada as uniões entre pessoas

do mesmo sexo.

Quinto Ministro a votar, Joaquim Barbosa, ressaltou que o amparo para essas uniões

não se encontram apenas descritas no art. 226, § 3º da CRFB/88, mas em todo texto

constitucional que garante os direitos fundamentais.

Para ele, o Direito não acompanhou as mutações sociais em esfera global, e que o

ordenamento jurídico brasileiro nem cita e nem proíbe o reconhecimento das uniões entre

pessoas do mesmo sexo, muito pelo contrário, busca mitigar toda forma de preconceito e

estabelecer a justiça social entre todos. O Ministro votou pela procedência dos pedidos.

O sexto voto favorável ao reconhecimento das uniões homoafetivas foi o do Ministro

Gilmar Mendes que, segundo ele, “a ideia de opção sexual está contemplada na ideia de

exercício de liberdade e do direito de cada indivíduo de autodesenvolver sua personalidade”.

Para Gilmar Mendes o Supremo é uma “Corte Constitucional” que protege e garante os

direitos fundamentais e também das minorias, não podendo calar--se diante da lacuna deixada

pelo legislativo, uma vez que a Constituição não negativisa a existência da união estável entre

pessoas do mesmo sexo.

Sétima a votar, a Ministra Ellen Gracie votou a favor da união estável entre pessoas do

mesmo sexo. Ela fez menção ao conceito de família apontando que esta exige “a durabilidade

da relação, a não clandestinidade e a continuidade, além da ausência de impedimento”.

Utilizando-se das palavras do premiê espanhol Luis Zapatero, a Ministra esclareceu que

“não estamos legislando para pessoas distantes e desconhecidas, estamos alargando as

oportunidades de felicidade para nossos vizinhos, nossos colegas de trabalho, nossos amigos e

nossa família”. Ressaltou ainda Ellen Gracie que “uma sociedade decente é uma sociedade

que não humilha seus integrantes”.

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O oitavo voto foi o do Ministro Marco Aurélio que destacou que “o Direito – puro e

simples – sem a moral, pode legitimar atrocidades impronunciáveis, como o caso das leis de

Nuremberg”. Os principais pontos destacado em seu voto foram:

Percebam que a transformação operada pela atual Constituição não se

resumiu ao direito de família. A partir de 1988, ocorreu a ressignificação do

ordenamento jurídico. Como é cediço, compete aos intérpretes efetuar a

filtragem constitucional dos institutos previstos na legislação

infraconstitucional. Esse fenômeno denominado “constitucionalização do

Direito”, na expressão de uso mais corriqueiro, revela que não podemos nos

ater ao dogmatismo ultrapassado, que então prevalecia no Direito Civil.

(...)

No mais, ressalto o caráter tipicamente contramajoritário dos direitos

fundamentais. De nada serviria a positivação de direitos na Constituição, se

eles fossem lidos em conformidade com a opinião pública dominante. Ao

assentar a prevalência de direitos, mesmo contra a visão da maioria, o

Supremo afirma o papel crucial de guardião da Carta da República (...).

(...)

Com base nesses fundamentos, concluo que é obrigação constitucional do

Estado reconhecer a condição familiar e atribuir efeitos jurídicos às uniões

homoafetivas. Entendimento contrário discrepa, a mais não poder, das

garantias e direitos fundamentais, dá eco a preconceitos ancestrais,

amesquinha a personalidade do ser humano e, por fim, desdenha o fenômeno

social, como se a vida comum com intenção de formar família entre pessoas

de sexo igual não existisse ou fosse irrelevante para a sociedade.

(...)

Extraio do núcleo do princípio da dignidade da pessoa humana a obrigação

de reconhecimento das uniões homoafetivas. Inexiste vedação constitucional

à aplicação do regime da união estável a essas uniões, não se podendo

vislumbrar silêncio eloquente em virtude da redação do § 3º do artigo 226.

Há, isso sim, a obrigação constitucional de não discriminação e de respeito à

dignidade humana, às diferenças, à liberdade de orientação sexual, o que

impõe o tratamento equânime entre homossexuais e heterossexuais. Nesse

contexto, a literalidade do artigo 1.723 do Código Civil está muito aquém do

que consagrado pela Carta de 1988. Não retrata fielmente o propósito

constitucional de reconhecer direitos a grupos minoritários.

Por isso, Senhor Presidente, julgo procedente o pedido formulado para

conferir interpretação conforme à Constituição ao artigo 1.723 do Código

Civil, veiculado pela Lei nº 10.406/2002, a fim de declarar a aplicabilidade

do regime da união estável às uniões entre pessoas de sexo igual.

Em suma o Ministro pontuou que não há óbices na Constituição para o reconhecimento

da união estável entre pessoa do mesmo sexo como uma entidade familiar, pois basta apenas a

constituição de vida comum regida pelo afeto.

O nono voto, do Ministro Celso de Mello, deu procedência às ações constitucionais, no

sentido de reconhecer as uniões homoafetivas, com idêntico efeito vinculante, às uniões

heteroafetivas em seus direitos e deveres.

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Segundo Celso de Mello o Supremo estaria “viabilizando a plena realização dos valores

da liberdade, da igualdade e da não-discriminação, que representam fundamentos essenciais à

configuração de uma sociedade verdadeiramente democrática”.

Enfatizou ainda a omissão do legislativo, que contribui para as opiniões majoritárias,

prejudicando as minoritárias. Afirmou, por fim, que “ninguém se sobrepõe, nem mesmo os

grupos majoritários, aos princípios superiores consagrados pela Constituição da República”.

O último voto foi o do Ministro Cezar Peluso, Presidente do STF à época, que votou

pela procedência das ações.

Relembrou o Ministro que o caso se trata de uma lacuna deixada pelo legislativo e que

para preenchê-la deveria utilizar analogicamente o instituto da união estável, por “similitude

das duas entidades familiares”. Explicou ainda que “o art. 226 da CF deve ser visto como um

rol exemplificativo e não taxativo, permitindo a inclusão de outras formas de família”.

Para encerar o Ministro Cezar Peluso convocou o Congresso Nacional para

regulamentar a união estável entre pessoas do mesmo sexo.

O Ministro Dias Toffoli declarou-se impedido de se posicionar, pois atuou no processo

quando era da Advocacia-Geral da União.

4. A decisão

O STF conheceu a ADPF 132 como ADI 4277 por unanimidade. Reconheceu também

por unanimidade a união estável entre pessoas do mesmo sexo, estendendo seus efeitos

vinculantes a toda sociedade (efeito erga omnes); aplicando à mesma o regime da união

estável entre homem e mulher regulamentada no art. 1.723 do CC/2002.

Com isso o STF reconheceu a união homoafetiva como um modelo familiar, reprimindo

qualquer tipo de discriminação.

Compulsando da r. decisão é possível afirmar que o STF fez uso do instituto da mutação

constitucional e não do ativismo judicial, uma vez que interpretando o art. 1723 do CC/2002 e

226 da CRFB/88 apenas atribui um novo sentido à norma, permanecendo o texto intacto sem

nenhuma emenda ou alteração.

Trata-se de uma decisão acertada pelo STF, uma vez que cumpriu seu papel de guardião

da Constituição da República e garantidor dos direitos fundamentais fazendo valer direitos de

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uma minoria que não tem voz ativa no meio político, um verdadeiro caráter contra-majoritáro

não levando em conta apenas o que a maioria pleiteia.

Seria sem fundamentação alguma negar direito de gente só por ser diferente, seria o

mesmo de fazer com que essas pessoas vivessem escondidas e com medo e em inferioridade

só por amar diferente, por que há várias formas de amar, e cada ser humano ama quem,

quando, e da forma que se sentir feliz.

Será que amar é algo assim tão errado?

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Certamente um dos julgamentos históricos do Supremo Tribunal Federal é o do

reconhecimento da união homoafetiva como entidade familiar, aplicando o instituto da união

estável entre homem e mulher, por ser o que mais se aproxima.

Uma tarefa difícil de fazer cumprir é a efetivação de direitos fundamentais. Pior ainda é

fazer valer os direitos das minorias.

O caminho percorrido pela pesquisa partiu dos princípios constitucionais que fazem

relação com o caso concreto, podendo destacar o princípio da dignidade da pessoa humana, da

liberdade e da igualdade e respeito à diferença inerentes ao indivíduo; e o princípio da

interpretação conforme a Constituição, ligado aos métodos utilizados pelo Supremo para

atribuir à norma uma interpretação.

Passo seguinte tratou-se da evolução do conceito de família, pois o conceito trazido pela

doutrina clássica de ser família a constituída pelo casamento, não abarcou os novos princípios.

Daí surge um novo conceito atribuído à família: a constituída pelo amor e pelo afeto

defendido pela doutrina moderna.

Analisando o mérito da pesquisa observou-se que o ativismo judicial é uma conduta

ativa do judiciário de interpretar a Constituição, diante da omissão dos outros poderes,

levando em consideração a quem defende o ativismo. Entendimento contrário define ativismo

judicial como uma interferência na atuação dos outros poderes, afetando o princípio da

separação dos poderes.

Às vezes se faz necessários atos de ativismo judicial, pois o legislativo não faz cumprir

direitos fundamentais, seja por convicção religiosa, filosófica ou moral que é a maioria,

deixando projetos perdidos em fundo de gaveta ou mesmo sendo arquivados.97

Note-se que o Judiciário vem cumprindo seu papel, garantindo os princípios, direitos e

garantias constitucionais e respeitando a dignidade de todos.

Sendo assim, o STF não poderia se escusar de decidir a questão da união homoafetiva,

pois não havendo o legislativo regulado tal situação. Incumbe-se ao Judiciário decidir, como

disposto na Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro art. 4º “Quando a lei for

omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais do

97 Voto Min. Celso de Mello, p. 46 disponível em http://direitohomoafetivo.com.br/ acesso em 8 de novembro de

2012.

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direito”.

Enquanto isso, a mutação constitucional foi definida como mudanças informais da

constituição, ou seja, não há alteração do texto, apenas é atribuído outro sentido à norma.

Analisando o caso concreto percebem-se dois casos norte-americano que se enquadra no

instituto da mutação constitucional: o caso Plessy vs. Ferguson (um dos precedentes mais

absurdos que instituiu a doutrina “equal but separate” – iguais, mas separados) onde o negro

era igual ao branco, mas não podia andar no mesmo vagão que o branco, era tudo separado.

Outro caso citado foi o Brow vs. Board of Education (o julgamento do século) que deu

interpretação à doutrina “equal but separate” como inconstitucional por ferir a XIV Emenda

da Constituição Americana.

O cerne da questão consiste em saber se houve um mero ativismo judicial por parte do

Supremo, ou seja, se poderia o STF ter ampliado o conceito de família, ou se houve apenas

uma mudança de entendimento com relação ao conceito deste.

A posição favorável de que é possível sim ser reconhecida a união homoafetiva como

uma entidade familiar, pois parte da tese de que não há vedação legal que impede a união

entre pessoas do mesmo sexo. Todo impedimento parte do preconceito.

Entendimento contrário afirma não ter legitimidade para tanto o Supremo de reconhecer

a união estável homoafetiva como entidade familiar, tendo em vista não haver amparo legal, e

ser uma tarefa do legislativo.

Pois bem, interpretar a Constituição não é ativismo judicial, o reconhecimento da união

homoafetiva como entidade familiar não rompe com o dispositivo constitucional. O direito

reconhecido agora se encontra no ordenamento jurídico com fulcro nos princípios da

igualdade, liberdade e dignidade. Analisando as ações em si e dos votos dos ministros

depreende-se que houve mudança no entendimento do conceito de família a par de reconhecer

por unanimidade a união estável entre pessoas do mesmo sexo.

Sendo assim, é passível de entendimento de que essa decisão do STF significou um

avanço em sua Jurisprudência, considerando um novo modelo de entidade familiar, ou seja,

não modificou o texto constitucional, apenas mudou seu entendimento através da mutação

constitucional.

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