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FACULDADE MERIDIONAL - IMED ESCOLA DE DIREITO Aspectos Bioéticos e Jurídicos da Internação Compulsória de Dependentes Químicos Fabiane Manica dos Santos Passo Fundo 2016

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FACULDADE MERIDIONAL - IMED

ESCOLA DE DIREITO

Aspectos Bioéticos e Jurídicos da Internação

Compulsória de Dependentes Químicos

Fabiane Manica dos Santos

Passo Fundo

2016

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FABIANE MANICA DOS SANTOS

Aspectos Bioéticos e Jurídicos da Internação

Compulsória de Dependentes Químicos

Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado como requisito para a obtenção do grau de Bacharel em Direito pela Faculdade Meridional – IMED – Passo Fundo, sob orientação da Professora Ms. Daniela Gomes.

Passo Fundo

2016

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Fabiane Manica dos Santos

Aspectos Bioéticos e Jurídicos da Internação Compulsória de Dependentes Químicos

__________________________________________ Prof. Me. Daniela Gomes- Orientadora

__________________________________________ Prof. Convidado

__________________________________________ Prof. Convidado

Passo Fundo 2016

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Dedico esse trabalho a todas as vítimas, direta ou indiretamente dessa nefasta doença, e a todos que lutam contra ela. Em especial, dedico à minha avó, Iracema Leopoldina Manica, in memorium.

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Agradeço a todos que contribuíram para a realização deste projeto, em especial, pelo apoio incondicional de meus pais Fernando e Helena, meu irmão e meu namorado, os Pedro’s de minha vida, e a professora Daniela Gomes, por ter aceitado ser minha orientadora neste trabalho, se mostrando presente em todas as ocasiões, sem a sua dedicação e ensinamentos não seria possível realizar o presente trabalho.

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RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo analisar a legalidade ou ilegalidade da internação compulsória em casos de dependência química, baseando-se nos princípios e garantias estabelecidos no texto da Constituição Federal de 1988, verificando o conflito existente entre direitos fundamentais, diante do embate entre o direito à vida e à dignidade da pessoa humana em contraponto à autonomia e a liberdade de locomoção. Faz uma breve e geral ressalva acerca do histórico da internação compulsória no Brasil, bem como sua relação com a bioética e o biodireito, enfatizando os princípios que auxiliaram na presente discussão. No decorrer da investigação poder-se-á evidenciar a legalidade ou ilegalidade da aplicação da internação compulsória, em casos de dependência química, diante do embate existente entre os princípios constitucionais. Nesse contexto, procura-se a resposta da presente investigação através da análise dos princípios e garantias constitucionais, como o respeito à dignidade da pessoa humana, direito à vida e direito à liberdade, ou seja, analisar se a internação compulsória é uma forma legal para assegurar esses princípios e direitos. Por se tratar de uma questão de saúde pública, outra hipótese de resposta ao problema de pesquisa reside na análise da aplicabilidade do princípio da supremacia do interesse público sobre o particular, analisando a internação como uma forma de promover aos dependentes sua desintoxicação e reinserção social, assegurando-lhes o direito a vida. Contudo, diante do caso concreto, deve-se analisar a internação compulsória como uma exceção ou um último recurso, uma vez que, ela vai de encontro com o direito à autonomia da vontade, privando sua liberdade de ir e vir. Por fim, ainda como hipótese de resolução da problemática acima proposta, buscar-se-á avaliar, além dos aspectos jurídicos já propostos, os aspectos bioéticos que permitem a argumentação acerca da legalidade e ilegalidade, e qual é seu reflexo para a sociedade, ou seja, demonstrar se a internação compulsória é uma forma de punição ao dependente químico, bem como uma forma de dar à resposta a sociedade, ou se ela vai realmente ao encontro dos princípios constitucionais.

Palavras-chave: Autonomia. Dignidade da pessoa humana. Direito à vida. Dependentes Químicos. Internação Compulsória.

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ABSTRACT

This study aims to analyze the legality or illegality of compulsory hospitalization in cases of drug addiction, based on the principles and guarantees established in the text of the Constitution of 1988, verifying the conflict between fundamental rights, before the clash between the right to life and human dignity in opposition to the autonomy and freedom of movement. A brief and general caveat about the history of compulsory hospitalization in Brazil and its relation to bioethics and biolaw, emphasizing the principles that helped in this discussion. During investigation it may will highlight the legality or illegality of the implementation of compulsory hospitalization in cases of chemical dependency on the existing clash between the constitutional principles. In this context, the answer looking to this research by analyzing the principles and constitutional guarantees, such as respect for human dignity, right to life and the right to freedom, that is, consider whether compulsory hospitalization is a cool way to ensure these principles and rights. Because it is a matter of public health, another chance to answer the research problem lies in the analysis of the applicability of the principle of supremacy of public interest over private, analyzing hospital as a way to promote their dependents its detoxification and social reintegration, assuring them the right to life. However, in view of the case, one should consider compulsory hospitalization as an exception or a last resort, since it goes against the right to freedom of choice, depriving their freedom to come and go. Finally, even as solving hypothesis problems proposed above, will seek to evaluate, in addition to the legal aspects already proposed, the bioethical aspects that allow the argument about legality and illegality, and what is its reflection on society, or is to demonstrate the compulsory hospitalization is a way of punishing the addict as well as a way to give the answer to society, or if it will really to meet the constitutional principles.

Key-words: Autonomy. Dignity of human person. Right to life. Chemical dependents. Compulsory hospitalization.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................ 1

2 HISTÓRICO DA INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA NO BRASIL E SUA

RELAÇÃO COM O BIODIREITO ....................................................................... 4

2.1 Breve Histórico da Legislação Brasileira ...................................................... 4

2.2 Procedimento judicial e requisitos da internação Compulsória .................... 8

2.3 Os Princípios da Bioética e do Biodireito relacionados à internação

compulsória ...................................................................................................... 17

3 INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA: O EMBATE ENTRE DIREITOS

FUNDAMENTAIS ............................................................................................. 21

3.1 O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana ........................................... 21

3.2 Direito à Vida .............................................................................................. 25

3.3 Direito à Liberdade ..................................................................................... 28

4 A (I) LEGALIDADE DA INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA PERANTE O

ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO ..................................................... 32

4.1 Argumentos que fundamentam a ilegalidade ............................................. 32

4.2 Argumentos que fundamentam a legalidade .............................................. 34

4.3 Internação Compulsória: Tratamento ou Punição? .................................... 36

5 CONCLUSÃO ................................................................................................ 40

REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS ................................................................. 43

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1 INTRODUÇÃO

O consumo de drogas no Brasil, aumenta significativamente a cada ano,

tornando-se cada vez mais grave e mobilizando cada vez mais as autoridades.

Além disso, é um problema que atinge todas as classes sociais, gerando

consequências a toda sociedade.

Diante disso, o tema internação compulsória é de importante debate e

complexidade atualmente, por tal motivo foi escolhido. O objetivo do presente

trabalho é analisar a legalidade ou ilegalidade da internação compulsória em

casos de dependência química, com aporte nos princípios e garantias previstos

no texto da Constituição Federal de 1988, verificando-se o conflito: direito à vida

versus autonomia da vontade e liberdade de locomoção e, consequentemente, a

relação desses direitos com o princípio da dignidade da pessoa humana.

Para desenvolver a presente pesquisa será usado o método dialético, pois

trata-se de uma reflexão de um problema onde existe uma contradição. E para

respondê-lo se faz necessário analisar a legislação e princípios que regem a

relação entre a tese (legalidade-direito à vida e dignidade da pessoa humana) e

antítese (ilegalidade-autonomia da vontade e direito à liberdade), por fim gerando

uma síntese que responda esse embate. Em razão de o método de abordagem

escolhido ser o dialético, aplicar-se-á este para buscar uma resposta ao problema

apresentado, utilizando-se, para isso, a Constituição Federal Brasileira de 1988,

os princípios herdados da bioética e biodireito, artigos científicos e jurisprudências

que possam esclarecer a questão discutida.

O tema (i) legalidade da internação compulsória abordado nesse projeto

é atual e faz-se necessária sua discussão. Relaciona-se com a linha de pesquisa

da escola de direito, “mecanismos de efetivação da democracia sustentável”, pois

se trata de um debate muito importante do ponto de vista da aplicação do direito

constitucional, do direito penal e biodireito, no que diz respeito à utilização do

procedimento da internação compulsória, com o intuito de garantir direitos

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fundamentais. Nesse sentido é importante analisar, conforme a legislação vigente

no Brasil, os limites do Estado na intervenção nos direitos garantidos na

Constituição, ou seja, até onde o Estado pode intervir no direito de ir e vir do

cidadão, em prol da garantia de sua vida e dignidade.

Com base nisso, se reconhece uma relevante discussão acerca do

embate entre direitos fundamentais, em um espaço social onde o Estado deve dar

respostas, levando em consideração o equilíbrio entre direitos individuais e

coletivos. Portanto, busca-se fazer uma análise sobre a responsabilidade desses

dois entes, através da observância do princípio da supremacia do interesse

público sobre o particular no que se refere à legalidade ou ilegalidade da

internação compulsória.

Dessa forma, primeiramente, irá se abordar aspectos gerais e históricos

da internação compulsória no Brasil, em que contexto a mesma passou a fazer

parte da legislação, depois analisar-se-á outros tipos de tratamento considerados

válidos e que devem ser utilizados anteriormente a internação, o procedimento e

seus requisitos judiciais para que a mesma aconteça e quando ela é indicada, os

princípios da bioética e biodireito que se aplicam a ela, ou seja, o princípio da

autonomia da vontade, que explica que qualquer procedimento deve ser feito com

o consentimento do paciente, e o princípio do primado do direito mais relevante,

o qual é utilizado especificamente quando há conflitos de direitos.

Num segundo momento, passa-se a averiguar o princípio da dignidade

da pessoa humana como fundamento do Estado democrático de direito, o seu

conceito em sentido amplo, bem como o contexto histórico em que surgiu,

inicialmente com a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Ainda, passa a

estudar em sentido geral, os direitos fundamentais dispostos no artigo 5º da Carta

Magna, o direito à vida e a liberdade, em especial o direito à liberdade de

locomoção.

Por fim, compara-se a discussão entre argumentos favoráveis (cujo

principal argumento encontra-se no fato da proteção ao direito à vida, e

consequentemente de uma vida digna, e além disso o incansável argumento que

a dependência química é considerada uma patologia mental, devendo ser tratada)

e contrários à internação compulsória (nesse caso, o principal argumento é a

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restrição do direito à liberdade de locomoção e da autonomia da vontade do

paciente).

De um lado dependentes com seus direitos e garantias fundamentais

constitucionalizados, e de outro, encontra-se o Estado com a função de buscar o

equilíbrio entre desses direitos individuais, sociais e coletivos, a resolução desse

conflito que é questão de saúde pública, através da observância do princípio da

supremacia do interesse público sobre o particular.

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2 HISTÓRICO DA INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA NO BRASIL E

SUA RELAÇÃO COM O BIODIREITO

Muito se discute a respeito da (i) legalidade da Internação Compulsória no

Brasil, uma vez que, se trata de uma política pública onde fica evidente o conflito

entre direitos fundamentais. Para resolver esse embate será necessária uma

breve análise do histórico da legislação brasileira sobre o tema, ou seja, em que

contexto ela surgiu e com qual intuito? Qual o procedimento judicial e os requisitos

para que a internação compulsória seja possível? Ainda, de que forma se aplicam

os princípios éticos do biodireito na Internação compulsória? Aspectos estes que

serão trabalhados neste capítulo.

2.1 Breve Histórico da Legislação Brasileira

Um Estado soberano, como é o caso da República Federativa Brasileira,

tem como dever proteger sua população, garantir seus direitos e viabilizar

qualidade mínima de vida. Nesse sentido, Pamplona (2005, p. 16) afirma que “[...]

o Estado foi criado, como um produto sociológico, com o único objetivo de garantir

a segurança da sociedade civil. Essa é a razão pela qual se diz que Direito é

instrumento regulador das condutas sociais”. Mas até onde vai a autonomia do

Estado, de intervir na vida privada da população para garantir a segurança e

direitos fundamentais, sociais e coletivos?

Nessa esteira, corrobora Benatar (2004, p. 27):

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A melhoria do equilíbrio entre as necessidades e os direitos dos indivíduos e os requisitos do aprimoramento da saúde pública vai exigir uma mudança de mentalidade do individualismo exclusivista e muitas vezes egoísta para um respeito à individualidade combinado com um forte sentido de dever, de comunidade e de civismo cidadão.

Ou seja, o Estado deverá buscar o equilíbrio desses direitos, individuais,

sociais e coletivos, a resolução de conflitos sem deixar de observar o princípio da

supremacia do interesse público sobre o particular.

No Antigo Regime, às portas da Revolução Francesa, os responsáveis pela

internação dos indivíduos considerados transtornados mentalmente, era o Poder

Judiciário e o Poder Executivo. E não podendo ignorar a jurisdição que abordava

acerca da privação de liberdade, as portas da Revolução Francesa, onde abolia-

se as ordenações do rei, era necessária uma nova ordem. Uma vez que, o chefe

de família quem devia zelar pelos seus entes, controlando para que nenhum deles

perturbasse a ordem pública. Entretanto, esse mecanismo passou a se tornar

insuficiente em consequência do grande número de pessoas que escapavam do

controle do poder familiar, sendo necessário encontrar uma nova forma de

solucionar conflitos entre as instituições familiares (GONÇALVES; BRANDÃO,

2005, p. 24-26)

No Brasil, não existia nenhum tratamento específico para pessoas com

problemas de transtornos mentais até metade do século XIX. Posteriormente, em

contra partida, por mais que tenham surgido clínicas psiquiátricas, a crise nesse

sistema sempre existiu. Havia muitas denúncias de crimes cometidos na unidade,

como estupros, maus tratos, trabalho escravo, como outros que não garantiam

uma mínima qualidade de vida dos pacientes. Em combate a isso, foi criado em

1980, um convênio chamado CONGESTÃO, entre o Ministério da Previdência e

Assistência Social e o Ministério da Saúde, com o intuito de renovar o modo de

administração de recursos e hospitais públicos, dando início a reforma psiquiátrica

(NOVAES, 2014, 2015).

Essa dita reforma psiquiátrica, surgiu com o intuito de inovar as internações

psiquiátricas, buscando a reinserção social do acusado, onde direitos

fundamentais como o da dignidade da pessoa humana vieram à tona para

controlar essas instituições, devido ao grande número de denúncias de maus

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tratos e casos sem explicações do ocorrido, bem como a própria transição do

governo ditatorial para o democrático (GONÇALVES; BRANDÃO, 2005, p. 27).

Ademais a Lei n. 10.216, a qual regulamenta a internação compulsória, foi

aprovada no Brasil em 2001, que passou a dispor sobre a proteção e os direitos

das pessoas portadoras de transtornos mentais e redirecionar o modelo

assistencial em saúde mental (BRASIL, 2015a). Pode-se dizer que essa lei

revolucionou a realidade da psiquiatria, bem como da saúde do paciente que

necessita dessa assistência, uma vez que em vez da exclusão social, busca a

diminuição do uso da substância e uma tentativa de reinserção do portador de

transtorno mental. Ainda, definiu os tipos de internações (voluntária, involuntária

e compulsória) e estabeleceu uma função para o Estado, como dispõe o art. 3º:

É responsabilidade do Estado o desenvolvimento da política de saúde mental, a assistência e a promoção de ações de saúde aos portadores de transtornos mentais, com a devida participação da sociedade e da família, a qual será prestada em estabelecimento de saúde mental, assim entendidas as instituições ou unidades que ofereçam assistência em saúde aos portadores de transtornos mentais.

Por mais que a legislação exista desde 2001 cabe referir que, a sua prática

é recente, dado que, ao longo do tempo, o número de usuários de drogas no Brasil

foi aumentando cada vez mais, e somente com políticas de prevenção, educação

e informação não foi o suficiente para combater esse número. Diante disso, o

Estado teve que modificar as providências tomadas em relação ao tema. Aliás, a

Lei n. 10.216; é uma consequência disso, como relatam Coelho e Oliveira (2014,

2015):

É imperioso que se destaque que a Lei nº 10.216/01 constituiu as bases da reforma psiquiátrica no Brasil, tendo seu projeto tramitado no Congresso por onze anos, fruto do movimento dos trabalhadores em saúde mental, sob o lema 'por uma sociedade sem manicômios.

A lei dispõe em seu texto acerca das pessoas que são transtornadas

mentalmente, nesse sentido, os transtornos relacionados a substâncias químicas

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abrangem dez classes distintas de drogas: álcool, cafeína, alucinógenos,

cannabis, inalantes, opióides, sedativos, hipnóticos e ansiolíticos (DMS-5, 2014,

p. 481). E, novamente o Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos

Mentais- DSM-5 (2014, p. 483) ressalta que: “de modo geral, o diagnóstico de um

transtorno por uso de substância baseia-se em um padrão patológico de

comportamentos relacionados ao seu uso”.

Ainda, confirma a jurisprudência no Recurso de Revista nº

52900074.2007.5.12.0004:

RECURSO DE REVISTA. ALCOOLISMO. DOENÇA CRÔNICA. DISPENSA POR JUSTA CAUSA. IMPOSSIBILIDADE. DIREITO À REINTEGRAÇÃO. De acordo com o Tribunal Regional, o reclamante é dependente químico, apresentando quadro que associa alcoolismo crônico com o uso de maconha e crack. A jurisprudência desta Corte tem se orientado no sentido de que o alcoolismo crônico, catalogado no Código Internacional de Doenças (CID) da Organização Mundial de Saúde OMS, sob o título de síndrome de dependência do álcool, é doença que compromete as funções cognitivas do indivíduo, e não desvio de conduta justificador da rescisão do contrato de trabalho. Assim, tem-se como injustificada a dispensa do reclamante, porquanto acometido de doença grave. Recurso de revista conhecido e provido. (Recurso de Revista n. 529000-74.2007.5.12.0004, sétima turma, Relator: Delaíde Miranda Arantes, Data de Julgamento: 05 jun. 2013.)

Ou seja, a sua legitimidade também é para casos de internação de pessoas

que são transtornados mentalmente, em consequência do uso de substâncias

químicas. Mas a prática dessa lei em casos de usuários dependentes de

substâncias, é recente, como mostra na reportagem, o Governo de São Paulo

(2013) que foi pioneiro ao criar medidas mais eficientes para essa lei:

O governo criou medidas para o cumprimento mais eficiente da lei. No dia 11 de janeiro de 2013, o Estado de São Paulo viabilizou uma parceria inédita no Brasil entre o Judiciário e o Executivo, entre médicos, juízes e advogados, com o objetivo de tornar a tramitação do processo de internação compulsória (já previsto em lei) mais célere, para proteger as vidas daqueles que mais precisam. As famílias com recursos econômicos já utilizam esse mecanismo (internação involuntária) para resgatar os seus parentes das drogas. O que o Estado está fazendo, em parceria com o Judiciário, é aplicar a lei para salvar pessoas que não têm recursos e perderam totalmente os laços familiares. Essas pessoas estão abandonadas, e é obrigação do Estado tirá-las do abandono. A presença do Judiciário vai aumentar as garantias aos direitos dos dependentes químicos.

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É necessário ressaltar que a Lei n. 10.216/01, é uma das consequências da

reforma psiquiátrica, contudo ela apresenta muitas polêmicas no que diz respeito a

direitos fundamentais. Em um lado está a internação do indivíduo para reinseri-lo na

sociedade e garantir direitos como direito à vida e a dignidade da pessoa humana, em

contrapartida existe os defensores da autonomia de vontade, e que garantem que a

internação compulsória fere esse princípio.

Por fim, para chegar-se em uma conclusão acerca desse embate, será

necessária uma breve análise dos requisitos e procedimentos, para que a internação

compulsória se concretize, e em que contexto ela é estabelecida.

2.2 Procedimento judicial e requisitos da internação Compulsória

A internação compulsória é um procedimento que atualmente gera

polêmica e dúvidas, mas sendo aplicada e utilizada corretamente pode

transformar a vida de um dependente químico e de quem com ele convive. Pois

muitas vezes o mesmo não possui discernimento para adequar-se as normas, e

nem para distinguir o certo do errado, logo, seu único destino acaba por ser o

recolhimento a prisão.

Por isso, a internação pode ser o tratamento adequado para buscar a

recuperação e a socialização do drogadito, onde muitas vezes, o próprio procura

o auxílio para se livrar do vício. Entre as principais causas estão: problemas

médicos, ocupacionais, interpessoais, legais, financeiras, psiquiátricas e sociais.

(SILVA, 2013, p. 133).

Veja a seguir a ilustração das tabelas, do Ministério da Justiça (2013,

p.116-118) de alguns dos fatores que influenciam o uso de substâncias químicas:

Tabela 1- Fator interpessoal:

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De proteção De risco

Habilidades sociais Insegurança

Cooperação Insatisfação com a vida

Habilidades para resolver problemas Sintomas depressivos

Vínculos positivos com pessoas,

instituições e valores

Curiosidade

Autonomia Busca de prazer

Autoestima desenvolvida -

Fonte: Ministério da Justiça, 2013.

Tabela 2-Fatores familiares:

De proteção De risco

Pais que acompanham as atividades

dos filhos

Pais que fazem uso abusivo de drogas

Estabelecimento de regras e de

conduta claras

Pais que sofrem de doenças mentais

Envolvimento afetivo com a vida dos

filhos

Pais excessivamente autoritários ou

muito exigentes

Respeito aos ritos familiares Famílias que mantêm uma cultura

aditiva

Estabelecimento claro da hierarquia

familiar

Fonte: Ministério da Justiça, 2013.

Tabela 3- Fatores escolares

De proteção De risco

Bom desempenho escolar Baixo desempenho escolar

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Boa inserção e adaptação no ambiente

escolar

Falta de regras claras

Ligações fortes com a escola Baixas expetativas em relação às

crianças

Oportunidade de participação e

decisão

Exclusão social

Vínculos afetivos com professores e

colegas

Falta de vínculos com as pessoas ou

com a aprendizagem

Realização pessoal

Possibilidades de desafios e expansão

da mente

Descoberta de possibilidades (e

“talentos”) pessoais

Prazer, em aprender

Descoberta e construção de projetos

de vida

Fonte: Ministério da Justiça, 2013.

Tabela 4- Fatores sociais:

De proteção De risco

Respeito às leis sociais Violência

Credibilidade da mídia Desvalorização das autoridades

sociais

Oportunidades de trabalho e lazer Descrença nas instituições

Informações adequadas sobre drogas

e seus efeitos

Falta de recursos para prevenção e

atendimento

Clima comunitário afetivo Falta de oportunidades e trabalho e

lazer

Consciência comunitária e mobilização

social

-

Fonte: Ministério da Justiça, 2013.

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O uso de drogas se dá por diversos motivos. Diante disso, é de extrema

importância que o agente de prevenção conheça os fatores de risco. Os fatores

de risco são os que contribuem para a construção de circunstâncias que

influenciam o uso abusivo, já os fatores de proteção são os que diminuem a

vulnerabilidade para o uso de drogas (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2013, p. 115)

É fato que, o problema de usuários de drogas vem se agravando

consideravelmente no país. É inevitável afirmar que o consumo de drogas e os

índices de criminalidade, principalmente aqueles contra o patrimônio, roubos e

furtos e latrocínios, vêm aumentando geometricamente nos últimos anos

(VENTURA, 2010, p.178).

Nesse panorama, como já foi dito anteriormente, os usuários de drogas

devem sim ser considerados como pessoas que possuem patologia mental, dessa

forma, eles precisam de tratamento e não ser recolhidos e consequentemente,

excluídos ainda mais da sociedade. Nesse sentido fala Odailson da Silva (2012,

p.116): “As cracolândias terão os dias contados quando o hospital psiquiátrico for

adequado às novas demandas e a classe dirigente tratar desiguais de forma

desigual: doente como doente!”

Em relação a isso, a atual legislação, 10.216/01 (BRASIL, 2015a), foi uma

importante medida tomada pelo Estado, dando ênfase à dita reforma psiquiátrica.

Em seu texto, ela determina a internação de pessoas transtornadas mentalmente,

que podem acontecer de três formas: voluntariamente, involuntariamente e

compulsoriamente. Como dispõe o artigo 6º:

Art. 6o A internação psiquiátrica somente será realizada mediante laudo médico circunstanciado que caracterize os seus motivos. Parágrafo único. São considerados os seguintes tipos de internação psiquiátrica: I - internação voluntária: aquela que se dá com o consentimento do usuário; II - internação involuntária: aquela que se dá sem o consentimento do usuário e a pedido de terceiro; e

III - internação compulsória: aquela determinada pela Justiça.

Explicando brevemente as modalidades de internações psiquiátricas, a

internação voluntária dá-se quando existe a aceitação do dependente, sendo o

termo do tratamento a solicitação do paciente; a internação involuntária acontece

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sem o consenso do drogadito, mas a pedido de terceiro (familiar, cônjuge, parente

próximo ou Ministério Público); e por último a internação compulsória, que é

determinada pela justiça, depois de preenchidos os requisitos, devendo ser

observado o mesmo procedimento em caso de liberação do tratamento (REIS,

2015, p. 29).

Ainda, sobre a medida, a Portaria n. 131, de 26 de Janeiro de 2012, do

Ministério da Saúde, institui incentivo financeiro aos Serviços de Atenção em

Regime Residencial, incluídas as Comunidades Terapêuticas, para pessoas com

patologias decorrentes do uso de álcool, crack e outras drogas, no âmbito da Rede

de Atenção Psicossocial (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2016).

É de extrema importância deixar claro que antes da internação existem os

mais diversos programas de prevenção com o objetivo de reduzir a incidência de

problemas causados pelo uso de drogas em uma pessoa em um determinado

meio ambiente, bem como estratégias de redução de dano1, elas constituem uma

estratégia para abordar a problematização causada pela droga seja em âmbito

social como individual, e também formulam práticas para combater os danos

àqueles que usam a droga ou que convivem com ele. (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA,

2013, p. 123).

Para estabelecer quem precisa de tratamento é necessária uma avaliação

cuidadosa e extensiva do dependente químico, onde deve-se perguntar sobre as

substâncias utilizadas, se o seu uso é experimental, recreacional, abuso ou de

dependência, se já foi feito algum tipo de tratamento anteriormente, história

familiar e o perfil psicossocial2. Aquele que maior for estabelecida a gravidade do

consumo recreacional e de dependência, em geral, são os que mais necessitam

do tratamento (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2013, p. 182).

A respeito do tratamento o Ministério da Justiça (2013, p. 182) relata que

“antigamente não existia muitas opções de tratamento disponíveis, contudo

1Conceitua Ministério da Justiça (2013, p. 161): “A Estratégia de Redução de Danos é tolerante, pois evita a compreensão moral sobre os comportamentos relacionados ao uso de substâncias e às práticas sexuais, evitando intervenções autoritárias e preconceituosas. A diversidade é contemplada ao compreender que cada indivíduo estabelece uma relação particular com as substâncias e que a utilização de abordagens padronizadas como pacotes prontos e impostos para todos é ineficaz e excludente”. 2 Conceitua Ministério da Justiça (2013, p.182): “Perfil psicossocial: Características como idade, cor, nível social, financeiro, educacional e cultural, assim como moradia, tipo de família, entre outros.”

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pesquisas têm demonstrado que tratamentos breves, conduzidos por não

especialistas, apresentam resultados significativos e com baixo custo [...]”. Os

tratamentos feitos por não especialistas são feitos de aconselhamentos breves,

mas se não for notado dificuldade de aceitação e pouca evolução, deve ser

encaminhado a especialistas. Ou ainda, deve-se encaminhar para um

atendimento especializado quando houver suspeita de outras doenças

psiquiátricas, a não melhora com tratamentos anteriores, diversas tratativas de

abstinência frustradas (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2013, p. 183).

Uma das estratégias, que tem sido bastante discutido entre os

entendedores da dependência química, utilizadas para identificar qual o melhor

tratamento é chamada de “estágios de mudança”. Esse modelo indica que os

usuários viciados em droga apresentam “fase de motivação” para o tratamento e

faz com que os profissionais entendam melhor suas alterações de

comportamento, lapsos (consumos de curta duração que se segue a um período

de abstinência, entretanto não fazem com que o indivíduo volte ao seu

comportamento anterior), e recaídas. Cada estágio há uma abordagem própria a

ser utilizada, eles não necessitam seguir uma ordem, uma vez que, o paciente

pode passar por ele várias vezes durante o tratamento. Segue quadro descrição

dos estágios de mudança conforme Manual de Prevenção ao Uso de Drogas da

Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (MINISTERIO DA JUSTIÇA, 2013,

p. 181).

Tabela 5- Estágios de Mudança

Estágio Descrição Abordagem

Pré- contemplação O indivíduo não percebe

os prejuízos

relacionados ao uso de

substâncias psicoativas.

Segue com o uso e não

pensa em parar nos

próximos seis meses.

Convidar o indivíduo à

reflexão; evitar

confrontação; remover

barreiras ao tratamento.

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Contemplação O indivíduo percebe os

problemas relacionados

ao uso, mas não toma

nenhuma atitude em

direção a abstinência.

Pensa e parar nos

próximos seis meses.

Discutir os prós e contras

do uso; desenvolver

discrepância, levando-o

refletir. “É possível atingir

os objetivos que busco

na vida e se continuar

com o uso?

Preparação Utiliza SPA, porém já fez

tentativa de parar por 24

de horas, no último ano.

Pensa e entrar em

abstinência nos

próximos 30 dias.

Remover barreiras ao

tratamento, ajudar

ativamente e demonstrar

interesse e apoio à

atitude do indivíduo.

Ação Conseguiu parar

completamente com o

uso nos últimos seis

meses.

Implementar o plano

terapêutico.

Manutenção Está em abstinência há

mais de seis meses.

Colaborar na construção

de um novo estilo de

vida, mais responsável e

autônomo.

Recaída Retornou à utilização da

droga.

Reavaliar o estágio

motivacional do

indivíduo.

Fonte: Ministério da Justiça, 2013.

Analisando de fato a internação compulsória, para consegui-la,

primeiramente, é preciso entrar com uma ação solicitando-a. Entretanto, deve-se

saber que ela é o último recurso, após esgotarem todas as tentativas de

tratamento, em que a pessoa esteja correndo risco devido á utilização de

substâncias químicas. É necessária a avaliação de um juiz e um laudo médico

corroborando com o pedido da internação, atestando que o paciente não tem

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condições psíquicas de continuar pelas ruas, criando riscos a sua própria vida e a

dos demais, dando poder ao Estado a permitir sua internação (LOCOMANN,

2012).

Quando outras medidas já foram tomadas e o usuário, mesmo assim,

apresentar um quadro de dependência grave e necessita de um local com mais

segurança para si mesmo, deve ser considerada a internação compulsória. Veja-

se a seguir o quadro que o Ministério da Justiça (2013, p. 183), indica internação:

Condições médicas ou psiquiátricas que requeiram observação constante

(estados psicóticos graves, ideias suicidas ou homicidas, debilitação ou

abstinência grave).

Complicações orgânicas devido ao uso de drogas, apesar dos esforços

terapêuticos.

Dificuldade para cessar o uso de drogas, apesar dos esforços terapêuticos.

Ausência de adequado apoio psicossocial que possa facilitar o início da

abstinência.

Necessidade de interromper uma situação externa que reforça o uso da droga.

Fonte: Ministério da Justiça, 2013.

Na internação compulsória, após autorização do juiz, a qual é decidida

levando em conta a legislação vigente, como determina o artigo 9º da Lei

10.216/01, “a internação compulsória é determinada, de acordo com a legislação

vigente, pelo juiz competente, que levará em conta as condições de segurança do

estabelecimento, quanto à salvaguarda do paciente, dos demais internados e

funcionários” (BRASIL, 2016a). Os drogaditos são internados em clínicas

específicas e especializadas para o tratamento de recuperação, comunidades

terapêuticas e unidades de desintoxicação.

O grande problema enfrentado atualmente em conseqüência do grande

número de indivíduos perdidos no vício da droga se deve a uma combinação de

fatores, podendo citar, entre eles, a sociedade em que o mesmo é inserido, a

idade, a genética com o qual nasce, entre outros fatores que contribuem. A

internação não é o tratamento final, pelo contrário, é a promoção da abstinência

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do paciente, por conseguinte é que o método vai requerer ajuda mútua. E além

dos modelos profissionais, a comunidade deve contribuir para que o internado

tenha a chance de resgatar valores (SILVA, 2013, p. 150).

O pedido da internação pode ser requerido por qualquer pessoa (não

necessariamente exige ser da família, como acontece na internação involuntária),

e ela sendo requerida, o Estado tem o dever, na falta da família, de intervir na vida

da pessoa que é transtornado mentalmente, a qual já não possui discernimento

do certo e errado, produzindo riscos a sua própria vida e ainda a da sociedade,

para decidir se ela deve ou não ser internada, sempre essa decisão corroborada

por um laudo médico. Esse dever, por alguns é entendido como uma afronta aos

princípios garantidos na constituição, mas criticado ou não, é necessário entender

que ele existe como a própria legislação estabelece.

A título exemplificativo, em consulta de dados na Secretária Municipal de

Passo Fundo, o número de ordens judiciais para internações compulsórias novas,

nos últimos seis meses (período de 01 de janeiro de 2016 até 30 de junho de

2016), foram no total de 107. Desses números, noventa e duas internações foram

masculinas e quinze femininas, além disso, noventa e nove dessas internações

foram motivadas pela dependência química. Em relação aos adolescentes e

crianças, os números de ordens judiciais novas foram de 17(SECRETARIA

MUNICIPAL DA SAÚDE DE PASSO FUNDO, 2016).

Com relação ao procedimento da internação compulsória no Município de

Passo Fundo, quando chega à ordem judicial para a Secretaria da Saúde e trata-

se de crianças ou adolescentes, o procedimento é mais rápido, pois o processo já

vem completo para utilizar essa medida. Entretanto, quando se fala em adultos, o

judiciário primeiro notifica a secretária da saúde, sobre a possibilidade de

internação, então para dar continuidade ao processo, a mesma informa o Centro

de Associação Psicossocial Álcool e Drogas- CAPSAD, o qual vai pesquisar sobre

o paciente, informando se ele já possui algum registro. Fazendo isso, a seguir, irá

entrar em contato com sua família, para sabe realmente qual é a realidade. A

família dizendo que não tem outra medida a ser cabível, é requerido ao fórum um

despacho para realizar a internação compulsória e um despacho para condução

de força policial (SECRETARIA MUNICIPAL DA SAÚDE DE PASSO FUNDO,

2016).

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Após, ser deferido esses despachos pelo judiciário, o técnico se dirige até

a casa do paciente e tenta levá-lo voluntariamente, e caso isso não ser possível,

a força policial é utilizada. Então, o CAPSAD vai examinar e dizer se a internação

compulsória realmente é preciso, ou somente um tratamento ambulatorial já vai

ajudar, e a internação sendo a única forma de tratamento, o paciente vai para uma

lista de espera chamada de Sistema Nacional de Regulação- SISREG, para

aguardar a vaga no Hospital Psiquiátrico Bezerra de Menezes. Quando acontece

a internação, o desenvolvimento do internado será acompanhado pelo CAPSAD

(SECRETARIA MUNICIPAL DA SAÚDE DE PASSO FUNDO, 2016).

Diante disso, sem entrar na questão se a Internação Compulsória funciona

ou não, cura ou não, e se é boa ou não, deve-se saber que seu procedimento é

previsto lei e pode ser utilizado em último caso, mediante autorização judicial

acompanhada por um laudo médico atestando a necessidade da internação.

2.3 Os Princípios da Bioética e do Biodireito relacionados à internação

compulsória

Os princípios da Bioética surgiram em meio a vários conflitos éticos e

morais no que diz respeito a procedimentos médicos e biológicos, como:

reprodução humana assistida, transplantes de órgãos e tecidos, adequação de

sexo, sequenciamento do genoma humano e clonagem. O estabelecimento dos

princípios bioéticos foi importante para a proteção dos valores humanos na

relação biomédica.

Pessini e Barchifontaine (1996, p.30) salientam que a “bioética é o

estudo sistemático da conduta humana no âmbito das ciências da vida e da

saúde, enquanto essa conduta é examinada a luz de valores e princípios

morais”, complementa ainda que a bioética “compreende os problemas

relacionados com valores que surgem em todas as profissões de saúde,

inclusive nas profissões ‘afins’ e nas vinculadas à saúde mental”.

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Outrossim, a consolidação acadêmica da bioética aconteceu entre 1960 e

1970, durante o processo de transformação social e mudanças nos padrões

morais de relacionamento entre médico e paciente. É nesse momento que o

Governo e o Congresso dos Estados Unidos instituíram um comitê nacional, que

ficou conhecido como “Comissão Nacional para a Proteção de Sujeitos Humanos

na Pesquisa Biomédica e Comportamental”, com o objetivo de definir princípios

éticos que auxiliassem em pesquisas cientificas que envolvessem seres humanos.

O resultado desse trabalho ficou conhecido como Relatório Belmont, onde foram

definidos três princípios éticos para pesquisas envolvendo seres humanos:

respeito às pessoas, beneficência e justiça. (DINIZ; GUILHEM, 2005, p. 31-32).

Primeiramente, falando do princípio do respeito às pessoas, ressalta-se

que foi muito importante para a mudança na relação entre médico e paciente, pois

estabelece que os indivíduos devem ser protegidos de qualquer forma de abuso.

Ou seja, a vontade deve ser um requisito fundamental para a pesquisa a ser

realizada, fazendo com que a aceitação só fosse válida após total conhecimento

da pesquisa a ser realizada (DINIZ; GUILHEM, 2005, p. 33). Ainda, corrobora

Pessini (1996, p.44) que esse princípio “significa a capacidade da pessoa

governar-se a si mesma, ou a capacidade de a pessoa governar-se a si mesma,

ou a capacidade de se autogovernar, escolher, dividir, avaliar, sem restrições

internas ou externas”. Nesse princípio, as pessoas têm liberdade de decisão, ou

seja, ela deve ter liberdade de decidir sem pressões externas que possam

dificultar a expressão da verdadeira autonomia.

O segundo princípio conhecido como o da beneficência é garantido ao

paciente que o médico nunca o prejudique, e sempre pense em proporcionar o

seu bem. Esse princípio deve ser visto como um compromisso que o médico ou

pesquisador deve ter no procedimento para que seja assegurado ao indivíduo o

seu bem-estar, não lhe causando qualquer dano, isto é, ele busca comparar a

relação risco e benefício das pessoas envolvidas (DINIZ; GUILHEM, 2005, p. 33).

Pode-se considerar esse princípio a razão do exercício das profissões que

contornam a saúde física ou psíquica dos seres humanos, devendo o profissional,

buscar e fazer o melhor para promover sua saúde.

O terceiro princípio é o da Justiça, e novamente Pessini e Barchifontaine

(1996, p.44) discutem o tema falando que “o princípio da justiça que obriga a

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garantir a distribuição justa, equitativa e universal dos benefícios dos serviços de

saúde”. O seu surgimento tem a ver com a luta pelo direito a saúde ser um direito

que abrange a todos, existem cinco principais teorias: a da justiça como

proporcionalidade natural, que acredita que a justiça deve ser naturalmente

conhecida e respeitada pelo homem; a justiça como liberdade contratual, para

essa teoria a justiça é liberdade contratual que assegure a proteja a liberdade

individual; a justiça como igualdade social, que introduz uma nova definição da

justiça distributiva que fala que o os meios de consumo devem ser equitativamente

distribuídos; a justiça como bem-estar coletivo, é um resultado dos movimentos

civis, políticos e sociais, levando a assistência sanitária como um direito e a saúde

como questão pública e política; a justiça como equidade, a justiça não é definida

como proporcionalidade natural, contratual e nem social, mas sim como equidade.

(PESSINI; BARCHIFONTAINE, 1996, p. 45-46). Nesse princípio é respeitar o

direito e a necessidade de cada um, ou seja, tratar desiguais de maneira desigual.

O Relatório Belmont foi pioneiro no assunto sobre os princípios éticos da

bioética, mas logo depois surgiu a Teoria Principialista que adicionou mais um

princípio a esse grupo: o da não-maleficência. O princípio da não-maleficência é

considerado a contraposição ao princípio da beneficência, que significa “acima de

tudo, não cause danos”, diz-se contraposição, pelo fato do princípio da

beneficência envolver ações positivas como promover o bem, já o da não-

maleficência busca uma ação passiva de não fazer mal a ninguém. Além desse

novo princípio, aconteceu à substituição do princípio do respeito ás pessoas pelo

o da autonomia, foram as duas mudanças de grande importância para a bioética

(DINIZ; GUILHEM, 2005, p. 49).

Deve-se falar ainda do princípio do Biodireito do primado do direito mais

relevante, o qual é utilizado quando há conflitos de princípios. Nesse sentido, Diniz

relata que, por exemplo, quando há um paciente que se nega a receber transfusão

de sangue devido a sua religião, deveria o médico respeitar a sua autonomia,

consequentemente ferindo seu direito à vida? Quando esse acontece esse conflito

(direito à vida X direito à liberdade), onde somente um deles pode ser atendido,

será analisado a incidência absoluta do princípio do primado do direito mais

relevante, que nesse caso é o direito à vida. Pois nesse caso, o médico tem o

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dever de salvar a vida do paciente, uma vez que, do que serviria a liberdade se a

vida fosse extinta (DINIZ, 2010, p. 276-277).

Neste caso específico, para analisar-se-á a (in) constitucionalidade da

internação compulsória, aplicar-se-á três princípios: o da autonomia e do primado

direito mais relevante, herdado da bioética e do biodireito, e princípio que é

considerado um dos fundamentos do Estado democrático de direito: o princípio da

dignidade da pessoa humana, garantido na Constituição Federal, o qual será

abordado detalhadamente no próximo capítulo.

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3 INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA: O EMBATE ENTRE DIREITOS

FUNDAMENTAIS

A internação compulsória, enquanto mecanismo que visa viabilizar o

tratamento em casos de dependência química está sendo cada vez mais debatida

em razão do embate entre direitos fundamentais. De tal forma, o tema é polêmico

por haver posições divergentes quanto à (i) legalidade da medida compulsória,

que visa resguardar o direito à saúde, a integridade física e psíquica e o direito à

vida, em contraponto, ao exercício da autonomia e do direito a liberdade. Desse

modo, o presente capítulo é dedicado a demonstrar a construção teórica dos

principais direitos e garantias fundamentais relacionados ao tema em análise.

3.1 O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana

Falar de dignidade da pessoa humana, em especial no século XXI, em um

mundo globalizado, onde existem tantos direitos, garantias e princípios

fundamentais, parece uma tarefa extremamente fácil, entretanto, ressalta-se que

a busca para entender o seu verdadeiro conceito não é unânime entre os

principais filósofos e juristas.

A dignidade da pessoa humana, bem como, o conceito de pessoa 3

originaram da filosofia, ou seja, anteriormente a ela se tornar princípio

fundamental de todos os países que se autodenominam democráticos, já era

3 Conforme esclarece Santos (1999, p. 19) “o conceito de pessoa, como categoria espiritual, como subjetividade, que possui valor em si mesmo, como ser de fins absolutos, e que, em consequência, é possuidor de direitos subjetivos ou direitos fundamentais e possui dignidade, surge com o Cristianismo, com a chamada filosofia patrística, sendo depois desenvolvida pelos escolásticos”.

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discutida pelos principais filósofos. Entretanto, até hoje, a teoria de Immanuel Kant

é a mais levada em conta para explicar, ou pelo menos tentar, o que realmente

significa esse princípio constitucional, que está inserido no artigo 1º, inciso III da

CF/88, como fundamento da República Federativa brasileira: “A República

Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e

do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como

fundamentos: III - a dignidade da pessoa humana”. Complementa Barreto (2013,

p. 64) que “com o advento da Constituição de 1988 e sua caracterização como

“Constituição cidadã”, a dignidade humana passou a fazer parte da cultura jurídica

brasileira como referência obrigatória na cultura cívica e nas lides judiciais”.

Historicamente, o reconhecimento da dignidade da pessoa humana, como

princípio fundamental constitucional, foi dado a partir do século XIV, anunciando-

se a modernidade, através das novas perspectivas e visões de mundo trazidas

pelo nominalismo, transformando a postura do Estado em proteção, promoção e

concretização (MONTEIRO, 2013, p. 9).

As ideologias em prol dos Direitos Humanos adquiriram forças

internacionalmente no ano de 1945, ao final da Segunda Guerra Mundial. E, no

Brasil, o fim do governo da Ditadura Militar, proporcionou o aumento da defesa

dos direitos fundamentais, ampliando o respeito e valorização da vida

(MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2013, p. 334).

Posteriormente, mais especificamente em 10 de dezembro de 1948, foi

consagrada pela Assembléia Geral das Nações Unidas, a Declaração Universal

dos Direitos Humanos. A mesma tornou-se um marco na história, pois foi o

primeiro documento a falar em dignidade da pessoa humana como ideal comum

a ser atingido por todos os povos e nações, ao referir que “todos os seres

humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. Dotados de razão e

consciência, devem agir uns para com os outros em espírito e fraternidade” (ONU,

2016).

No âmbito jurisdicional, Sarlet (2013, p.13) explica sobre a noção de

dignidade da pessoa humana, ao destacar que esta “integra um conjunto de

fundamentos e uma série de manifestações. Estas, ainda que diferenciadas entre

si, guardam um elo comum, especialmente pelo fato de comporem o núcleo

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essencial da compreensão e, portanto, do próprio conceito de dignidade da

pessoa humana”.

Nesse sentido, comenta Moraes o artigo primeiro da Constituição Federal,

em especial sobre a dignidade da pessoa humana, dizendo que direitos como a

vida privada, a intimidade e a honra aparecem como consequência da ordenação

da dignidade da pessoa humana enquanto fundamento da Constituição brasileira.

Ainda, ela representa valores morais e espirituais inseparável ao ser humano,

manifestando-se unicamente na autodeterminação consciente e responsável da

própria vida e que carrega em si mesmo a aspiração ao respeito por parte das

demais pessoas, estabelecendo-se um mínimo a ser protegido e assegurado por

todo estado jurídico. O princípio da dignidade da pessoa humana apresenta uma

dupla concepção: prevê o direito individual protetivo em relação ao Estado e aos

demais indivíduos, e estabelece o dever fundamental de tratamento equitativo dos

próprios semelhantes (MORAES, 2003, p. 60).

Quando se fala de teoria do direito, Barreto explica que o princípio

constitucional da dignidade humana é um conceito jurídico recente, que possui

suas origens no pensamento ético-filosófico. E a mesma, não se trata de um

direito subjetivo, mas principalmente um direito do indivíduo que surge em função

da necessidade do reconhecimento de outros direitos que se localizam para além

dos direitos individuais, os quais aparecem simultaneamente ao surgimento de

ideias jurídicas como a de humanidade ou de espécie humana. (BARRETTO,

2013, p. 75).

No presente trabalho, o princípio da dignidade humana estará em xeque,

uma vez que, analisar-se-á os aspectos bioéticos e jurídicos da internação

compulsória em casos de dependentes químicos. E falando em bioética, foi a partir

do surgimento da mesma, com o desenvolvimento e avanço das pesquisas

científicas, que os princípios éticos- jurídicos passaram a serem descumpridos.

Por esse viés, é de extrema importância demonstrar a relação existente

entre o surgimento do princípio da dignidade da pessoa humana e a bioética e

biodireito, mais especificamente a relação, ou pode-se dizer a importância que a

mesma possui nos casos de internações.

A revolução que ocorre através da aplicação das ciências biológicas, reflete

em questionamentos jurídicos, que de certa forma, vão surgir há um longo prazo.

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Barreto comenta que em consequência desse novo desafio, ético e jurídico, que

envolve todos os seres humanos, mundialmente falando, surgiram em nossa

Constituição conceitos com aspiração de universalidade, como o de dignidade da

pessoa humana e de direitos humanos. Esses dois conceitos devem ser

elaborados levando em consideração a revolução no conhecimento, provocado

pela ciência moderna, pois elas vão fundamentar os valores e direitos principais

do estado democrático de direito (BARRETO, 2013, p. 176).

Exemplo desses questionamentos é a ADPF 54, que permite a interrupção

da gravidez em caso de anencefalia:

ESTADO-LAICIDADE. O Brasil é uma república laica, surgindo absolutamente neutro quanto às religiões. Considerações. FETO ANENCÉFALO- INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ- MULHER- LIBERDADE SEXUAL E REPRODUTIVA- SAÚDE- DIGNIDADE- AUTODETERINAÇÃO- DIREITOS FUNDAMENTAIS- CRIME- INEXISTÊNCIA. Mostra-se inconstitucional interpretação de a interrupção da gravidez de feto anencéfalo ser conduta tipificada nos artigos 124, 126 e 128, incisos I e II, do Código Penal. (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental- ADPF 54, Relator: Ministro Marco Aurélio. 30 de abril de 2013).

Entretanto, da mesma forma que o progresso humano permite a inovação,

a adição de conhecimento e o aumento da probabilidade de salvar mais vidas e/ou

tratar certas doenças, trazem o perigo do incalculável, da agressão à natureza e

à própria espécie humana. E o maior risco da busca do novo sem nenhuma

moderação está na possibilidade da violação de valores fundamentais (COAN,

2001, p. 261).

A legislação mostra-se um instrumento flexível para regulamentar as

questões da bioética e do biodireito. Ela deve ser rápida, para acompanhar as

novas conquistas, para ser capaz de garantir sua validade na sociedade, e

consequentemente a dignidade da pessoa humana (LEITE, 2001, p. 119).

Neste caso específico, é indispensável à análise dos fundamentos da

dignidade da pessoa humana, pois nesse embate entre direitos está de um lado

o direito à vida, e de outro o direito da autonomia da vontade. Na opinião de Reis

(2015, p. 30):

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O princípio da dignidade da pessoa humana constitui o núcleo essencial do direito à vida e, assim, deve prevalecer no caso de tratamento de jovens e adultos quando as circunstâncias exigirem a internação compulsória determinada pelo Poder Judiciário.

Diariamente, a dignidade está presente nos questionamentos jurídicos, os

quais levam em conta todos os princípios da bioética e do biodireito já estudados

no presente trabalho, que buscam principalmente a dignidade da pessoa humana.

E, está claro que, faz parte de uma vida digna tanto ter o direito á vida, quanto ter

direito a autonomia da vontade, o que irá avaliar agora é especificamente cada

um deles.

3.2 Direito à Vida

No âmbito do presente capítulo, existem várias perguntas relacionadas com

o conteúdo do direito à vida, sua complexidade e suas polêmicas. E quando se

fala desse direito, vale ressaltar a construção histórica dos Direitos Humanos.

O direito à vida integra os direitos de primeira geração ou direitos de

liberdade, surgidos entre os séculos XVII e XVIII, tratando-se de um direito civil e

político, inerente ao ser humano e oponível ao Estado (MINISTÉRIO DA

JUSTIÇA, 2013, p. 337). Sendo outorgado na Declaração Universal dos Direitos

Humanos em seu artigo 3º, “todo indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à

segurança pessoal”.

Posteriormente, o documento universal permitiu a positivação do direito à

vida na Constituição Federal de 1988, no título II, “Dos Direitos e Garantias

Fundamentais”, em seu artigo 5º, reconhecendo-se que “todos são iguais perante

a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos

estrangeiros residentes nos País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, a

igualdade, à segurança e a propriedade”. Definindo o termo “direitos

fundamentais” Dimoulis e Martins (2011, p. 49) dizem que:

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São direitos público-subjetivos de pessoas (físicas ou jurídicas), contidos em dispositivos constitucionais e, portanto, que encerram caráter normativo supremo dentro do Estado, tendo como finalidade limitar o exercício o exercício do poder estatal e face da liberdade individual.

O direito à vida foi o primeiro direito declarado na Constituição, que passou

a se denominada cidadã, onde se localiza, no texto, antes da liberdade, da

segurança e da propriedade. Ele tem no mínimo duas acepções, a primeira de

não matar, a qual a ação contrária é tipificada pelo artigo 121 do Código Penal, e

a segunda o Estado assume a responsabilidade de assegurar a proteção, para

evitar qualquer exposição de perigo aos indivíduos (MUYLAERT, 2016, p.1).

O direito à vida é cláusula pétrea da Constituição Federal, conforme artigo

60, § 4º, ou seja, uma vez reconhecido enquanto direito, não se pode retroceder,

retirando-o da constituição ou emendando o texto constitucional de modo a

impedir ou obstaculizar sua fruição. É um direito que possui eficácia positiva, por

ter incidência imediata e ser intocável, e negativa por proibir qualquer lei que

venha de encontro com seus objetivos. A vida está acima de qualquer norma, e é

ilesa de qualquer ato público devendo ser protegida contra tudo e contra todos,

até mesmo, se necessário, contra seu próprio titular (DINIZ, 2010, p. 24-23).

Ademais, o direito à vida é um direito básico e fundamental e, na

contemporaneidade, quando se pretende estabelecer equitativamente o princípio

da igualdade, é preciso garantir o direito à vida a todos os indivíduos,

independentemente de qualquer multiplicidade de cultura, raça, e classe social

(MINAHIM, 2003, p. 99).

Cabe ao Estado, assegurá-lo em sua dupla concepção, assim sendo o

próprio direito de permanecer vivo, bem como, o direito de se viver dignamente,

com um nível de vida adequado, isto é, alimentação, vestuário, assistência à

saúde, educação, cultura, lazer, entre outros (MORAES, 2003, p. 87).

Ainda sobre a responsabilidade estatal, o direito à saúde está intimamente

ligado ao direito à vida, pois reflete o serviço público e surge como uma das

maneiras de garantir o direito disposto no artigo 5º da Carta Magna. Ainda,

manifesta sua relação com o princípio, já estudado no presente capítulo, o da

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dignidade da pessoa humana, pois qualquer ação tomada que prejudique este

direito, trará imediatamente a afronta à dignidade da pessoa humana. Por isso

que qualquer ato que, seja desconsiderado o direito à vida ou o princípio da

dignidade da pessoa humana, torna-se inconstitucional (SPITZCOVSKY, 2005, p.

9).

O teor do inciso III, do artigo 5º, contempla a previsão de que “ninguém será

submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante”- é um exemplo

da tentativa de proteger a vida. Com base nessa previsão, questiona-se: mas

quando se inicia o direito à vida? Dentre diversas teorias, o Código Civil de 2002,

em seu artigo 2º, estabelece “a personalidade civil da pessoa começa do

nascimento com vida, mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do

nascituro”. A vida embrionária é protegida pela nossa legislação, como estipulado

pelos artigos 124, 125 e 126 do Código Penal, que dispõe sobre os casos de

abortos, ou seja, se o crime for praticado, indica a pena de 1 (um) a 10 (dez) anos

(pena variada conforme a pratica de crime: aborto provocado pela gestante ou

com seu consentimento ou aborto provocado por terceiro) (BRASIL, 2016e). Além

disso, a Lei de Biossegurança, Lei n. 11.105/2005, em seu artigo 6º, incido III,

proíbe a “engenharia genética em célula germinal humana, zigoto humano e

embrião humano”. (BRASIL, 2016c)

Outrossim, Moraes (2003, p. 91) ressalta que “o direito à vida tem um

conteúdo de proteção positiva que impede configurá-lo como um direito de

liberdade que inclua o direito à própria morte”. Ou seja, nenhum ser humano pode

dispor de sua própria vida, tanto que o procedimento da Eutanásia é tipificado pelo

Código Penal como crime, em seu artigo 22, ao especificar que “induzir ou instigar

alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para que o faça: Pena- reclusão de 2

(dois) a 6 (seis) anos se o suicídio se consuma [..]” (BRASIL, 2016e).

Diniz (2010, p. 25) afirma que “a vida tem prioridade sobre todas as coisas,

uma vez que a dinâmica do mundo bela se contém e sem ela nada terá sentido.

Consequentemente, o direito à vida prevalecerá sobre qualquer outro [...]”.

Por fim, pode-se dizer que o direito à vida é sim, sem dúvida, extremamente

preservado no nosso ordenamento jurídico, entretanto, no caso específico da

Internação Compulsória, para protegê-lo é necessário ferir outro direito

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fundamental garantido no artigo 5º da Constituição Federal, que é a liberdade,

bem como a autonomia de vontade, temas que passam a serem explorados nesse

momento.

3.3 Direito à Liberdade

O direito à liberdade, assim como o direito à vida, é considerado um direito

fundamental, que foi promulgado também na Declaração Universal dos Direitos

Humanos nos artigos 1º e 3º e ainda, na Constituição Federal de 1988 em seu

artigo 5º, como já citado no presente capítulo.

As declarações iniciais de direitos foram inevitavelmente alteradas diante

da complexidade social e do surgimento de ameaças à liberdade consequentes

das revoluções científicas, sociais e tecnológicas. No que tange ao âmbito mais

íntimo do direito de liberdade, chega-se à integridade física do cidadão, onde os

ordenamentos passam a garanti-la proibindo a tortura e tratamentos degradantes,

reconhecendo o Direito à vida, e abolindo a pena de morte. Entretanto, esses

reconhecimentos não eliminaram problemas como conflitos de direitos, como já

analisados neste capítulo, pois em temas como a liberdade da mulher interromper

a gravidez (aborto) e em casos onde o indivíduo não consegue mais ter uma vida

digna e gostaria de ter sua vida interrompida (eutanásia), o direito à vida prevalece

diante da Carta Magna (CRUZ, 2002, p. 139).

Inicialmente, na tentativa de explicar o direito à liberdade, Garcia e Lazari

(2014, p. 155) introduzem esclarecendo que:

A liberdade é o direito primário que permite o exercício da autonomia individual e, por consequência, o desenvolvimento da própria individualidade e personalidade. Trata-se da primeira categoria de direitos que foi reclamada no âmbito internacional, assim como a primeira a ser reconhecida.

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Partindo de onde indica o ordenamento jurídico, passa-se a estudar o inciso

IV e V do artigo 5º, da Constituição Federal, que dispõe: “IV- é livre a manifestação

do pensamento, sendo vedado o anonimato; V- é assegurado o direito de

resposta, proporcional ao agravo, além de indenização por dano material, moral

ou à imagem”. (BRASIL, 2015b)

Por esse viés, a liberdade é um dos fundamentos essenciais de uma

sociedade considerada democrática. A proteção engloba tanto o direito de se

expressar, oralmente ou por escrito, como também o direito de escutar, assistir e

ler. Toda lei ou ato normativo que venha de alguma forma ferir esse direito, como

proibição de recebimentos de jornais e livros, ou a transmissão de notícias e

informações através da imprensa será considerada inconstitucional. (MORAES,

2003, p. 119).

A vedação ao anonimato garante que não haja nenhuma manifestação

abusiva do pensando, e se houver ela permite a responsabilização da mesma. O

próprio Supremo Tribunal Federal já decidiu que “denúncias anônimas” não

podem dar origem a processo investigatório:

EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. ATO DO MINISTRO DE ESTADO DA JUSTIÇA. POLICIAL RODOVIÁRIO FEDERAL. CASSAÇÃO DA APOSENTADORIA. PROCESSO ADMINISTRATIVO. INSTAURAÇÃO A PARTIR DO RESULTADO DE SINDICÂNCIA QUE APUROU FATOS NARRADOS EM DENÚNCIA ANÔNIMA. ALEGAÇÃO DE CONTRARIEDADE AO ART. 134 DA LEI N. 8.112/1990; OFENSA AO CONTRADITÓRIO E À AMPLA DEFESA. NÃO OCORRÊNCIA. ALEGADA NULIDADE DO PROCESSO E DA PENA APLICADA. INEXISTÊNCIA. RECURSO AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO (Recurso Ordinário em Mandato de Segurança N. 29198, Segunda Câmara, Relator: Cármen Lúcia, Julgado em: 30 out. 2012).

Nesse sentido, deve-se falar ainda do direito de resposta, onde a

consagração Moraes (2003, p. 123) fala que “a consagração constitucional do

direito de resposta proporcional ao agravo é instrumento democrático moderno

previsto em vários ordenamentos jurídicos constitucionais, e visa proteger a

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pessoa de imputações ofensivas e prejudiciais a sua dignidade humana e sua

honra”; ainda Moraes (2003, p. 123) complementa que “a abrangência desse

direito fundamental é ampla, aplicando-se em relação a todas as ofensas,

configurem ou não infrações penais”.

E a pessoa que tiver sua honra ferida, tem direito a indenização por dano

material, moral ou à imagem, que novamente afirma Moraes (2003, p. 120) falando

do objetivo da indenização, a qual é prevista “consagrando ao ofendido total

reparabilidade em virtude dos prejuízos sofridos”. Ou seja, qualquer ofensa dada

à imagem ou honra, deverá ser indenizada ajustando-se a cada caso.

Ainda, podem-se destacar diversas variáveis do direito à liberdade como a

liberdade religiosa: “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo

assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a

proteção aos locais de culto e suas liturgias”, expressão de atividades: “é livre a

expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação,

independentemente de censura ou licença”, livre exercício de profissão: “é livre o

exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações

profissionais que a lei estabelecer” (BRASIL, 2016b)

Entretanto, o que realmente está em conflito no presente trabalho, é o

direito á liberdade de locomoção, consoante no inciso XV do artigo 5º da

Constituição Federal: “é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz,

podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair

com seus bens” (BRASIL, 2016b).

O direito à liberdade foi proclamado no artigo XIII da Declaração Universal

dos Direitos Humanos: “1. Toda a pessoa tem o direito de livremente circular e

escolher a sua residência no interior de um Estado; 2. Toda a pessoa tem o direito

de abandonar o país em que se encontra, incluindo o seu, e o direito de regressar

ao seu país” (ONU, 2016).

O direito à liberdade abrange o direito de ir e vir dentro do território nacional,

conjuntamente com à liberdade de residência, significa que o indivíduo é livre para

morar em qualquer lugar do território nacional (GARCIA; LAZARI, 2014, p. 173).

A liberdade de locomoção que estabelece a Constituição Federal envolve

quatro situações em relação ao território nacional, o direito de acesso e ingresso,

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direito de saída, direito de permanência e o direito de deslocamento (MORAES,

2003, p. 164).

Em contrapartida, o direito à liberdade não é absoluto, pois o nosso próprio

ordenamento jurídico estabelece isso, através do Código Penal, por exemplo,

onde se permite a restrição da liberdade pelo cometimento de ação ilícita.

Dito isso, por fim, é fato que, no procedimento da internação compulsória o

direito à liberdade é lesado, pois o drogadito é privado da sua liberdade, bem como

de expressar sua autonomia da vontade, e não existe disposição na Carta Magna

que permita a exceção da restrição da liberdade sem ter cometido o ilícito que

motivem essa decisão. É importante destacar que, nesse caso, a restrição da

liberdade acontece através dos hospitais psiquiátricos e não do sistema

carcerário, uma vez que, o vício em substâncias químicas é considerado uma

patologia mental.

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4 A (I) LEGALIDADE DA INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA

PERANTE O ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Até o presente momento foi abordado a história e o procedimento da

internação compulsória, os princípios da bioética e biodireito que se aplicam a ela,

e por último as garantias fundamentais que envolvem esse embate, como o direito

à vida e liberdade, e consequentemente o princípio fundamental do Estado

democrático de direito: a dignidade da pessoa humana. Agora, serão analisados

os argumentos que fundamentam a (i) legalidade da internação compulsória, com

estudos de jurisprudência, para se chegar ao estudo final: a internação

compulsória é uma forma de tratamento ou punição?

4.1 Argumentos que fundamentam a ilegalidade

Por muitos anos a pessoa a qual sofria qualquer tipo de transtorno mental,

ou como desculpa tratada como tal, era excluída da sociedade através da

internação em hospitais psiquiátricos, considerados verdadeiros depósitos

humanos, submetidos a tratamentos cruéis e desumanos. Essa herança histórica

reflete até hoje na sociedade, o que faz a Lei 10.216/2001 ser discutida até hoje

(MENDES, 2013, p. 459).

Os princípios e garantias fundamentais garantidos pela Constituição

Federal de 1988 são de certa forma, uma maneira de limitar a autonomia do

Estado. Nesse sentido, a internação compulsória, torna-se tão discutida por

aqueles que são contra esse procedimento. Pois será que o Estado tem o direito

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de privar a liberdade, bem como não respeitar a autonomia da vontade de um

indivíduo sem o mesmo ter praticado algum fato considerado pela lei um crime?

Muitos médicos e juristas discutem esse tema, e os críticos argumentam

que a internação compulsória manifesta o lado repressivo do recolhimento, afinal,

o repúdio a qualquer modo de internação é demasiadamente forte ainda nos dias

atuais, e baseia-se, principalmente no direito à liberdade (ASSOCIAÇÃO

BRASILEIRA DE PSIQUIATRIA, 2012).

Os críticos à internação compulsória apontam como um dos principais

pontos negativos índice de recaída dos dependentes químicos para aqueles que

se internam inclusive voluntariamente. Entretanto, o argumento é simplista e vazio

de qualquer solução. Inicialmente, o principal argumento jurídico contra o

procedimento era a ofensa contra o princípio da autonomia da vontade, pois de

acordo com esse princípio, todos têm direito de optar por suas próprias escolhas

e praticar todos os atos civis da maneira que melhor entenderem. O problema é

que esse princípio, assim como todos os outros assegurados na Constituição

Federal de 1988, não é absoluto, e para exercê-lo plenamente, é necessário que

o indivíduo tenha discernimento para exercer a autonomia (GONÇALVES, 2012,

p. 26).

Reis (2015, p. 28) ressalta que “enquanto direitos de defesas, os direitos

fundamentais tutelam a esfera de liberdade do cidadão contra intervenção

indevida do Estado e de particulares que venham a restringir o pleno gozo de seu

direito de liberdade”. Nesse contexto, cabe refletir sobre a legalidade do

tratamento da internação compulsória para dependentes químicos determinadas

pelo Poder Judiciário (REIS, 2015, p. 28).

Diante dos argumentos expostos, percebe-se que o principal argumento

contra a internação compulsória é o fato de ferir o direito à liberdade, bem como

o princípio da autonomia da vontade e consequentemente à isso a dignidade da

pessoa humana. Entretanto, conforme os argumentos que serão analisados

agora, isso não parece ser o suficiente para derrubar esse procedimento.

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4.2 Argumentos que fundamentam a legalidade

O principal argumento a favor da internação compulsória é a proteção ao

direito à vida, consequentemente como já analisado no presente trabalho, o direito

à saúde e ao princípio fundamental da dignidade da pessoa humana. Mas a

dignidade da pessoa humana novamente? Então, é neste ponto que se

estabelece o clímax do embate entre direitos fundamentais. Se o argumento que

fundamenta a ilegalidade é o direito à liberdade, para garantir a dignidade da

pessoa humana e, os que fundamentam a legalidade são para garantir o direito á

vida e também a dignidade da pessoa humana, como se resolve a questão?

Na internação compulsória reside um conflito enorme entre o direito à

liberdade que se contrapõe com o direito à vida, de um sujeito de direitos que não

é mais capaz de decidir o que é melhor por si. Ter uma vida digna envolve a

necessidade de ser livre, mas principalmente a necessidade de ter uma vida. E

quando envolve conflitos entre direitos fundamentais, o princípio do biodireito mais

utilizado é o primado do direito mais relevante. Ou seja, muitos juristas e médicos

defendem que entre o direito à liberdade e o direito à vida, deve-se sempre

prevalecer o direito à vida. Nesse sentido, Gonçalves (2013, p. 23) deixa claro que

“a internação compulsória tem como primeiro fundamento jurídico a própria

Constituição da República, a qual assegura a todos os direitos à vida, à saúde e

à dignidade humana”.

Ainda, a Associação Brasileira de Psiquiatria- ABP especifica que entre a

liberdade e a vida, a liberdade tem limites, já o direito à vida é inquestionável, nem

que para proteger esse direito seja necessário abster-se do direito à liberdade por

um tempo. Ressalta ainda que a liberdade é de extrema importância, entretanto,

não é possível exercer esse direito, se o sujeito desse direito encontra-se preso a

doenças mentais, que levam o mesmo a comportamentos prejudiciais e ofensivos

a sua própria vida (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PSIQUIATRIA, 2012).

Nesse sentido Reis (2015, p.30) relata que:

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É consabido que o direito à vida, a priori, deve preceder a qualquer outro, inclusive aos da liberdade e autonomia de vontade, tal como alicerçado no caput do artigo 5º do pergaminho político, haja vista que assegurado tal direito, em princípio, o ser humano poderá viver de forma digna e com liberdade.

No caso especifico de dependência química, o usuário viciado em

substâncias psicoativas perde o discernimento entre o certo e o errado, não

podendo mais tomar direção sobre sua própria vida. Diante disso, caracterizada

essa situação é dever do Estado intervir na vida daquele sujeito, determinando

sua internação, devolvendo sua dignidade e vida (GONÇALVES JUNIOR, 2011).

Para amparar ainda mais a questão, além do artigo 1º e 5º da Constituição

Federal já citado, pode-se dar ênfase em seu artigo 196, que destaca o dever do

Estado em promover a saúde, ou seja, garante que a saúde é um direito de todos

e um dever do Estado, a qual deve ser garantida mediante políticas sociais e

econômicas que objetivem a redução do risco de doença, e deve promover acesso

universal igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e

recuperação (BRASIL, 2016b). Nesse sentido, esclarece a jurisprudência do

Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA. TRATAMENTO PSIQUIÁTRICO. DROGADIÇÃO. OBRIGAÇÃO E SOLIDARIEDADE ENTRE OS ENTES PÚBLICOS. O Estado, em todas as suas esferas de poder, deve assegurar o direito à vida e à saúde, fornecendo gratuitamente o tratamento médico cuja família não tem condições de custear. Responsabilidade solidária, estabelecida nos artigos 196 e 227 da Constituição Federal, podendo o autor da ação exigir, em conjunto ou separadamente, o cumprimento da obrigação por qualquer dos entes públicos, independentemente da regionalização e hierarquização do serviço público de saúde. Apelação desprovida, de plano. (Apelação Cível Nº 70070517644, Sétima Câmara Cível, Relator: Jorge Luís Dall'Agnol, Julgado em 16/09/2016).

Ainda o Decreto-Lei n. 891/1938, a lei de fiscalização de entorpecentes,

estabelece em seu artigo 29, que os tôxiomanicos ou intoxicáveis habituais de

entorpecentes são passiveis de internação obrigatória ou não, sem determinação

do tempo (BRASIL, 2016d). E por último não se pode deixar de pronunciar a Lei

10.216/2001, que foi um grande passo na defesa da internação compulsória,

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dispondo sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos

mentais (BRASIL, 2016a).

O dependente químico abandonado, onde inexiste o discernimento, para

aceitar ou não o tratamento, impõe a responsabilidade ao Estado de aceitar a

internação compulsória como cumprimento do dispositivo constitucional, e mais

ainda promover a reinserção social do viciado no trabalho e na família. Deve-se

primar por sua saúde e integridade física e psíquica, mesmo que este não se

esforce para isso, é dever do Estado promover a igualdade de oportunidades, que

nesse caso engloba tratamento e ressocialização (RODRIGUES, 2012).

Diante de todo exposto até o presente o momento, chega-se no ponto final

do presente trabalho, após toda apresentação dos princípios da bioética e

biodireito que regem a questão, das garantias e princípios constitucionais, e por

fim os argumentos contraditórios que marcam a (i)legalidade da internação

compulsória, pergunta-se afinal: a internação compulsória garante direitos ou fere

direitos? É uma forma de tratamento ou punição?

4.3 Internação Compulsória: Tratamento ou Punição?

Antes de qualquer análise mais aprofundada, para responder essa

pergunta que intitula este último tópico é preciso entender, que a internação

compulsória, regida pela Lei 10.216/01, de forma alguma apresenta algum caráter

punitivo, pois veio para proteger os direitos das pessoas portadoras de transtorno

mental.

Conforme o analisado no presente trabalho pode-se dizer que o

procedimento da internação compulsória deve ser sim considerado um

tratamento, pois é utilizado em último caso, após preenchidos determinados

requisitos de um processo que passa por uma autorização médica e judicial,

estabelecendo a internação compulsória. Veja-se um caso em que não é atendido

um dos requisitos:

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EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO- INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA- DEPENDENTE QUÍMICO- MEDIDA EXCEPCIONAL- EXIGÊNCIA DE LAUDO MÉIDICO CIRCUNSTANCIADO- ART. 6º, CAPUT DA LEI FEDERAL N. 10.216/01- AUSÊNCIA- INDEFERIMENTO DA MEDIDA. (Agravo de Instrumento N. 1.0145.11.257339-2/001, Quinta Câmara Cível, Relator: Versiani Penna, Julgado em: 14/03/2013).

A internação Compulsória não deve ser a única, mas a última opção para

o tratamento do dependente químico, somente quando esgotados todos os meios

para tratamento, menos traumáticos possíveis e, desde que seja precedida de um

diagnóstico pautado em critérios objetivos definidos pelas organizações de saúde

(GONÇALVES, 2012, p. 26).

A internação compulsória, como determinado na lei, deve ser a última forma

de tratamento para a dependência química e, até esgotar todos os meios de

tratamentos disponíveis, se percorre um longo caminho. O SENAD fala sobre os

diversos modelos de tratamento que são utilizados e recomendados

cientificamente. O tipo de tratamento escolhido, depende da gravidade do uso e

deve ser indicado conforme critérios previamente estabelecidos. A primeira forma

de tratamento é a desintoxicação, que pode ser realizada em três níveis:

tratamento ambulatorial, internação domiciliar e internação hospitalar; grupos de

auto ajuda (que são muito populares e costumam ser bem sucedidos); as

comunidades terapêuticas e fazendas (que em geral, utilizam uma filosofia

terapêutica baseada em disciplina, trabalho e religião); os tratamentos

formacológicos que funciona com a prescrição de medicamentos para tratar os

sintomas de intoxicação e abstinência; os tratamentos psicossociais que são os

mais utilizados e estão disponíveis em diversos níveis do Sistema de Saúde, como

postos de saúde, CAPSad, e hospitais e gerais (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2013,

p. 184-186).

Para complementar, Silva (2013, p. 124) identifica que “o estado deve

compreender que, se a doença é anterior ao crime, ela tem de ser evitada ou

tratada, da mesma forma que, se necessária a internação antecede a prisão, ela

deve ser proporcionada”.

Veja-se a seguir decisão do Superior Tribunal Federal, em que a internação

compulsória é considerada um tratamento, uma vez que, foi deferido o habeas

corpus, devido ao indivíduo inimputável:

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EMENTA HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. SÚMULA 691/STF. AFASTAMENTO. CRIME DE HOMICÍDIO QUALIFICADO. PRISÃO PREVENTIVA. INADEQUAÇÃO. INCIDENTE DE INSANIDADE MENTAL. SUBSTITUIÇÃO POR MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS DA PRISÃO. INTERNAÇÃO PROVISÓRIA COMPULSÓRIA. ARTIGO 319, INCISO VII, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. CONCESSÃO DA ORDEM. 1. Em casos teratológicos e excepcionais, viável a superação do óbice da Súmula 691 desta Suprema Corte. Precedentes. 2. A prisão preventiva não é o instrumento processual penal hábil para enfrentar a situação pessoal do paciente diante dos fortes indícios de que portador de enfermidade mental capaz de sujeitá-lo a medida de segurança futura – relatos de internamentos e de tratamento ambulatorial anteriores, de diagnósticos psicóticos, de adição a drogas e de déficit de atenção, ao que se agrega o incidente de insanidade em curso, cujo pressuposto de instauração é a “dúvida sobre a integridade mental do acusado” (artigo 149 do Código de Processo Penal). 3. O regime de segregação do paciente, sob a forma de prisão provisória, não se revela a solução mais adequada à hipótese. Impróprio, o ambiente prisional, a indivíduos com indicativos de distúrbios como os que acometem o paciente (razões de integridade física própria ou de terceiros e razões psiquiátricas/terapêuticas, sobretudo), além de não ser, o regime de prisão, a resposta penal prevista, pelo direito positivo vigente, para casos dessa natureza. 4. Na dicção do artigo 319, inciso VII, do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei nº 12.403/2011, possível a “internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável e houver risco de reiteração”. 5. Embora tratada como “medida cautelar diversa da prisão”, em sinalização de alternatividade, impositiva a substituição da prisão preventiva, em juízo cautelar, em caso de inimputabilidade, em respeito ao postulado constitucional da individualização das sanções penais prevista no artigo 5º, XLVI, da CF, de todo aplicável às medidas de segurança. A previsão legal de internação provisória após a conclusão pericial definitiva da inimputabilidade não exclui juízo cautelar em momento anterior pela autoridade judicial quando presentes seus pressupostos. 7. Ordem de habeas corpus concedida para substituir a prisão preventiva decretada contra a paciente pelo regime de internação provisória compulsória (artigo 319, VII do CPP). (Habeas Corpus N. 125370, Primeira Turma, Relator: Rosa Weber, Data de julgamento: 19 mai. 2015).

Pode-se constatar a grande proliferação de cracolândias em todo país,

consequentemente, os problemas causados pelo vício da droga refletem sobre

todos, independentemente de raça e classe social, atingindo a dignidade da

pessoa humana, onde seu principal ponto constitui a proteção do direito à vida,

logo, o principal bem jurídico tutelado no atual ordenamento constitucional. Diante

disso, cabe ao Estado tomar responsabilidades, mesmo que extremas para

preservar a vida e valores da sociedade. Nesse sentido, quando provocado, o

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mesmo deve dar uma resposta rápida ao indivíduo, garantindo o efetivo

cumprimento da legislação no que se refere à disponibilização de vagas em

hospitais que garantam o bem-estar do dependente químico (REIS, 2015, p. 30).

O dependente químico não é um sujeito que carece de permanecer na

prisão, é doente que necessita de atenção e atendimento especializado porque já

é punido pelo vício da droga. Para ele e sua família, a internação compulsória,

muitas vezes, se torna a única garantia de vida ou qualidade de vida. Entretanto,

a Associação Brasileira de Psiquiatria deixa claro, que a internação compulsória

deve ser acompanhada e indicada por psiquiatra (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA

PSIQUIATRIA, 2012).

Cita-se aqui a opinião de Gonçalves (2012, p. 25): “internar não é prender,

nem colocar alguém em um “deposito de gente”; internar não é simplesmente alijar

o indivíduo do meio social; internar não se limita a proibir alguém de fazer algo

que goste ou tenha direito. Internar é curar e salvar”.

Como discutido no presente trabalho, a dependência química é sim

considerada uma doença, conforme DMI-5 (Manual de Diagnóstico e Estatístico

de Transtornos Mentais). Então nada mais óbvio (e justo) que combater e/ou tratar

uma doença com tratamento. Segundo ponto, o problema com usuários de drogas

é questão de saúde pública sim, pois não afeta somente o drogadito, mas todos

que convivem com ele, inclusive a sociedade que poderá se tornar vítima das

nefastas consequências dessa doença.

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5 CONCLUSÃO

Conforme explicitado no presente trabalho, o consumo de drogas no Brasil

é um grave problema social, representando uma questão de saúde pública. Diante

desses fatos, há anos vem-se buscando cada vez mais a solução desse problema

por intermédio de inúmeros tratamentos. Dentre eles, foi escolhido para dar

ênfase neste trabalho de conclusão de curso foi a Internação Compulsória, a qual

é regulamentada pela Lei 10.216/01, considerada adequada se for tomada como

última medida.

De tal forma, ressaltou-se que a internação compulsória no Brasil é

bastante discutida, uma vez que se difundem posicionamentos contrários ao uso

desse procedimento como tratamento para dependentes químicos, pois ela pode

garantir um direito fundamental e ao mesmo tempo violar outro. Olhou-se para

este tema como uma necessidade de o Estado garantir a saúde púbica, quer dizer,

viabilizar alternativas equilibradas para garantir o direito e princípios

constitucionalizados desses dependentes químicos juntamente com a busca do

bem-estar da população.

Em razão do tema proposto e enfrentado, foi necessária a pesquisa na área

constitucional e de biodireito, com base em obras de Direito Constitucional, Civil,

Penal, Biodireito e Psicologia, na legislação específica, Lei n. 10.216/01, e artigos

publicados em revistas científicas, bem como a busca de informações no Sistema

de Saúde do Município de Passo Fundo sobre o procedimento da internação

compulsória, o que possibilitou uma melhor compreensão do conteúdo abordado.

A partir disso, iniciou-se a pesquisa demonstrando um breve histórico da

legislação da internação compulsória no Brasil, a qual fez parte de uma chamada

reforma psiquiátrica, onde a dignidade da pessoa humana veio à tona, como uma

forma de regular as internações, buscando a reinserção social do internado.

Depois disso, passou-se a mostrar o procedimento da internação compulsória,

que só é possível após considerada como último meio de tratamento, atestada por

um laudo médico e posteriormente autorizada pelo poder judiciário. Procurou-se

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esclarecer, também, os princípios da bioética e do biodireito de forma geral,

entretanto o que se aplicou no presente tema foram o princípio da autonomia da

vontade e o princípio do primado do direito mais relevante.

No segundo capítulo, o princípio fundamental da dignidade da pessoa

humana e os direitos fundamentais como direito à vida e direito à liberdade foram

analisados. Primeiramente, foi abordada a dignidade da pessoa humana,

buscando seu conceito e sua história. Foi de extrema importância sua análise,

pois muitos dependentes químicos não conseguem ter uma vida digna, além

disso, de um lado da dignidade está o direito à vida e de outro o direito à liberdade.

Assim, passou-se a analisar o direito à vida, sendo que o principal objetivo dessa

media é a proteção da vida do dependente químico. Entretanto, restringe o direito

de liberdade de ir e vir do mesmo, em como sua autonomia da vontade.

Por fim, o terceiro capítulo, abarcou as alegações que argumentam a

ilegalidade da internação compulsória, onde entre outros pontos, o principal é a

questão do direito à liberdade. Já entre os argumentos favoráveis, o principal

ponto é que, entre o direito à vida e o direito à liberdade, a vida é inquestionável.

Outrossim, para finalizar a questão internação compulsória: punição ou

tratamento? Diante de toda análise feita ao longo deste estudo acadêmico, a

internação compulsória, não só pode, como deve ser considerada como um

tratamento. Outras formas de tratamentos existentes foram citadas, e eles devem

ser utilizadas sim, entretanto, como já visto a internação compulsória devem ser

a última medida a ser tomada, quando estas não forem mais úteis.

É fato que a internação compulsória restringe o direito de ir e vir, bem como

a autonomia da vontade, mas a internação compulsória é uma forma de proteger

a vida, não só do dependente químico e de sua família, mas de toda a sociedade.

Por mais que a internação compulsória não garanta na plenitude a

recuperação do dependente químico e restrinja o direito de ir e vir e sua autonomia

da vontade, após o desenvolvimento desse trabalho, não há dúvidas que a

internação compulsória quando for utilizada em último caso, após terminadas

todas as tentativas de tratamento extra hospitalares, é um tratamento válido, pois

é uma forma de tentar recuperar não somente a vida desse indivíduo, mas

também a sua dignidade, ou seja, reinsceri-lo na sociedade da forma menos

danosa possível. Mesmo que ela restrinja o direito à liberdade e a autonomia da

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vontade temporariamente, ele deve ser utilizada para tentar a recuperação da vida

e da dignidade do dependente químico, de sua família e de toda sociedade.

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