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FACULDADE DE DIREITO DE CAMPOSCENTRO UNIVERSITÁRIO FLUMINENSE - UNIFLU
MESTRADO EM RELAÇÕES PRIVADAS E CONSTITUIÇÃO
HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL E O DIREITO FUNDAMENTAL À VIDA NOSTRIBUNAIS SUPERIORES. BRASIL, 1988-2005.
CONCEIÇÃO DE MARIA SILVA DOS SANTOS
CAMPOS DOS GOYTACAZES2005
1
CONCEIÇÃO DE MARIA SILVA DOS SANTOS
HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL E O DIREITO FUNDAMENTAL À VIDA NOSTRIBUNAIS SUPERIORES. BRASIL, 1988-2005.
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação da Faculdade de Direito de Campos,Centro Universitário Fluminense – UNIFLU –como requisito para obtenção do título deMestre em Relações Privadas e Constituição.
Orientador: Prof. Dr. Leonardo Greco.
CAMPOS DOS GOYTACAZES2005
2
CONCEIÇÃO DE MARIA SILVA DOS SANTOS
HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL E O DIREITO FUNDAMENTAL À VIDA NOSTRIBUNAIS SUPERIORES. BRASIL, 1988-2005.
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação da Faculdade de Direito de Campos,Centro Universitário Fluminense – UNIFLU –como requisito para obtenção do título deMestre em Relações Privadas e Constituição.
Orientador: Prof. Dr. Leonardo Greco.
Aprovado em: 18 de abril de 2006.
Banca Examinadora
Prof. Dr. Leonardo Greco.UNIFLU-Faculdade de Direito de Campos
Profª. Drª.Margarida Maria Lacombe CamargoUniversidade Gama Filho
Prof.Dr.Sidney César Silva GuerraUNIFLU-Faculdade de Direito de Campos
3
Às minhas filhas, Carla Gabriela eFernanda, pela compreensão e estímuloaos meus ideais.
.
4
Tudo que os homens fazem, sabem ouexperimentam só tem sentido na medidaem que pode ser discutido. Haverá talvezverdades que ficam além da linguagem eque podem ser de grande relevância parao homem no singular. Mas, os homens noplural só podem experimentar osignificado das coisas por poderem falar eser inteligíveis entre si e consigo mesmos.
Hannah Arendt.
5
RESUMO
O presente trabalho diz respeito a uma abordagem da gênese dos direitosfundamentais, sua evolução, fundamentos e núcleo consignados na Constituição daRepública e dos mecanismos constitucionais destinados a garantir a eficácia dessesdireitos, analisados tanto sob o prisma do Estado quanto dos particulares, bem comoperquirindo o significado e o alcance da cláusula da abertura ou da não tipicidadedos direitos fundamentais, consignado no § 2º do artigo 5º da Constituição,passando ao estudo da hermenêutica constitucional e trazendo à colação asprincipais teorias nacionais e estrangeiras, colocando a seguir então às principaisespécies de métodos de interpretação jurídica, a fim de investigar sob a eficácia quese pode atribuir aos direitos fundamentais, principalmente à vida, bem mais preciosoda pessoa, trazida ainda a questão dos princípios e regras. Isto posto, analisar-se-áa hermenêutica constitucional efetivamente aplicada ao direito fundamental vidaatravés do estudo das manifestações jurisprudenciais consignadas nos acórdãosdos tribunais superiores (STF e STJ) a fim de identificar e delimitar a efetividade daaplicação desse direito pelo poder judiciário nacional.
Palavras-chave: Constituição Federal, Direitos Fundamentais, HermenêuticaConstitucional, Vida.
6
ABSTRACT
The present work talks about an approach of the genesis of the basic rights, itsconsigned evolution, beddings and nucleus in the Constitution of the Republic andthe constitutional mechanisms destined in such a way to guarantee the effectivenessof these rights, analyzed both under the prism of the State as well as the particularones, also investigating the meaning and the reach of the clause of the opening orthe vagueness doctrine of the basic rights, consigned in § 2º of the article 5º of theConstitution, passing to the study of constitutional hermeneutics and bringing light tothe main national and foreigner theories and, after then to the main species ofmethods of legal interpretation, in order to investigate under the effectiveness if theycan attribute the basic rights, mainly to life, the most precious gift of a person,bringing still the question of the principles and rules. This settled, it will analyzeconstitutional hermeneutics effectively applied to the basic right of life through thestudy of the consigned judgment manifestations in the sentences of the superiorcourts (STF and STJ) in order to identify and to delimit the effectiveness of theapplication of these rights for the national judiciary power.
Key-words: Federal Constitution, Basic Rights, Constitutional Hermeneutics, Life.
7
SUMÁRIO
RESUMO..................................................................................................................05ABSTRACT...............................................................................................................06INTRODUÇÃO..........................................................................................................09
1. DIREITOS FUNDAMENTAIS................................................................................111.1 Gênese dos Direitos Fundamentais....................................................................111.1.1 Evolução dos Direitos Fundamentais...............................................................111.1.2 Direitos Fundamentais: teorias.........................................................................151.1.3 Núcleo dos Direitos Fundamentais...................................................................231.2 Constituição e Direitos Fundamentais.................................................................321.2.1 Princípios e Regras..........................................................................................331.2.2 Conflito entre Regras e Colisão de Princípios..................................................411.2.3 Da Dignidade da Pessoa Humana....................................................................421.2.4 Garantias Constitucionais.................................................................................441.2.5 A Garantia do Devido Processo Legal..............................................................481.3 Mecanismos Constitucionais de Garantia............................................................511.4 Eficácia dos direitos fundamentais perante o Estado e perante os particulares..521.5 Significado e Alcance do art. 5º, §2º, da Constituição Federal............................561.6 Direito Fundamental à vida..................................................................................601.7 Restrições aos Direitos Fundamentais................................................................62
2. A HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL..............................................................652.1 Hermenêutica e Constituição...............................................................................652.1.1 A Constituição Aberta de Peter Häbele.............................................................762.1.2 Hermenêutica concretizante de Konrad Hesse.................................................782.1.3 Concretização Constitucional em Canotilho......................................................802.2 Métodos de Interpretação Jurídica.......................................................................842.2.1 A Importância da Linguagem.............................................................................852.2.2 Da Análise Semiótica........................................................................................902.2.3 A Fundamentação das Decisões.....................................................................1032.2.4 As Principais Espécies de Interpretação Jurídica...........................................1042.2.4.1 O método Gramatical...................................................................................1052.2.4.2 O método Exegético.....................................................................................1052.2.4.3 O Método Lógico..........................................................................................1062.2.4.4 O Método Histórico-Evolutivo.......................................................................1072.2.4.5 O Método Sociológico..................................................................................1082.2.4.6 O Método sistemático...................................................................................1092.2.4.7 O Método Teleológico e Axiológico..............................................................110
8
2.2.4.9 O Método Tópico..........................................................................................1112.2.5 Quanto ao Resultado Interpretativo.................................................................113
3. ACÓRDÃOS DOS TRIBUNAIS SUPERIORES VERSUS HERMENÊUTICAAPLICADA AO DIREITO FUNDAMENTAL VIDA.......................................115
3.1 Introdução...........................................................................................................1153.2 Acórdãos dos Tribunais Superiores acerca do direito à vida.............................1173.2.1 Da responsabilidade do Estado na questão do direito à vida.........................1173.2.1.1 Recurso Especial n. 656979........................................................................1173.2.1.2 Recurso Especial n. 662.033.......................................................................1173.2.1.3 Recurso Especial n. 271.286.......................................................................1183.2.1.4 Recurso Especial n. 770.969.......................................................................1193.2.2 Tratamento de saúde e direito à vida.............................................................1253.2.2.1 Recurso Especial n. 249.026.......................................................................1253.2.2.2 Recurso Especial n. 226.835.......................................................................1263.2.2.3 Recurso Especial n. 681.012.......................................................................1263.2.3 Medicamento e direito à vida..........................................................................1303.2.3.1 Recurso Ordinário em Mandado de Segurança n. 17.903..........................1303.2.3.2 Ação Direta de Inconstitucionalidade..........................................................1313.2.3.3 Agravo Regimental em Recurso Especial n. 757.012.................................1313.2.3.4 Recurso Especial n. 242.859.......................................................................1323.2.3.5 Recurso Especial n. 689.587.......................................................................1323.2.3.6 Agravo Regimental em Agravo de Instrumento n. 238.328-0......................1333.2.4 Direito à vida e direito ao aborto.....................................................................1373.2.4.1 Habeas Corpus n. 47.371............................................................................1373.2.4.2 Habeas Corpus n. 84.025-6.........................................................................1383.2.5 Tratamento de saúde no exterior e aquisição de aparelho auditivo...............1433.2.5.1 Recurso Especial n. 616.460.......................................................................1433.2.5.2 Agravo Regimental na Suspensão de Segurança n. 1.467.........................1443.2.5.3 Mandado de Segurança n. 8.740.................................................................1453.2.6 Hermenêutica Constitucional do direito à vida e as Cortes Superiores do
país.............................................................................................................148CONCLUSÃO...........................................................................................................150REFERÊNCIAS........................................................................................................154
9
INTRODUÇÃO
A definição do bem jurídico vida para a dissertação presente é
decorrência de sua alta importância para o estudo que envolve, no seu entorno, a
hermenêutica jurídica para a promoção de direitos fundamentais, conforme
delimitado no projeto de dissertação apresentado junto à Faculdade de Direito de
Campos. Daí a delimitação mais focada no referido bem jurídico que é, sem dúvidas,
o que gera mais polêmicas no quadro nacional, tendo em vista a prática do conceito
de cidadania hoje afirmado difusamente.
Inicialmente, para o melhor delineamento dos temas do presente
trabalho, aborda-se a gênese dos direitos fundamentais firmando a sua evolução
histórica e conceitual na legislação contemporânea, na doutrina que identifica os
seus fundamentos consignados na Constituição da República e os mecanismos
constitucionais destinados a garantir a eficácia desses direitos, analisados tanto sob
o prisma do Estado quanto dos particulares, bem como perquirindo o significado e o
alcance da cláusula da abertura ou da não tipicidade dos direitos fundamentais
consignado no § 2º do artigo 5º da Constituição.
Firmadas tais premissas, passa-se ao estudo da hermenêutica
constitucional trazendo à colação as principais teorias nacionais e estrangeiras
acerca do próprio conceito de Constituição, e logo a seguir então uma abordagem
sob aos métodos de interpretação jurídica, a fim de delimitar a máxima eficácia que
10
se pode atribuir aos direitos fundamentais, nessa investigação especialmente ao
direito à vida bem mais precioso da pessoa, colocada ainda a questão dos princípios
e regras do conflito destas e a colisão de princípios fundamentais e da ponderação
destes.
Ao abordar a hermenêutica constitucional do direito à vida, enquanto
direito mais elementar da pessoa humana, trar-se-á à colação o entendimento
jurisprudencial firmado pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de
Justiça acerca de alguns temas polêmicos: no direito à vida, inclusive em função da
moléstia letal AIDS; no que tange à concessão de medicamento com desconto para
idosos, também implicando aqui direito à vida, com relação à saúde destes sujeitos;
e, sob o cumprimento de normas obrigacionais no atendimento médico-hospitalar
dos usuários por pessoas físicas ou jurídicas, também relacionado o caso de aborto
de feto anencefálico.
Isto posto, pretende-se na investigação empreendida aqui analisar a
hermenêutica constitucional efetivamente aplicada aos direitos fundamentais, com
enfoque no direito à vida, através do estudo das manifestações jurisprudenciais
consignadas nos acórdãos dos tribunais superiores (STF e STJ) a fim de identificar e
delimitar a aplicação desses direitos pelo poder judiciário nacional, e ao mesmo
tempo visualizar os mecanismos de proteção e garantia a esses direitos em caso de
sua violação.
11
CAPÍTULO I – DIREITOS FUNDAMENTAIS.
1.1 GÊNESE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
1.1.1 Evolução dos Direitos Fundamentais
Os antecedentes históricos dos direitos fundamentais fazem referência
a um direito superior, não estabelecido pelos homens, mas dado a este pelos
deuses, o que guarda consonância com as obras teológicas, como a Suma
Teológica de Tomás de Aquino, no século XIII, na qual suprema é a lei eterna de
Deus, abaixo dela vigentes duas leis: de um lado a lei divina revelada ou declarada
pela Igreja e do outro lado a lei natural gravada na natureza humana que o homem
descobre por meio da razão. Abaixo de todas acima, a lei humana positivada pelo
legislador. 1
A primeira declaração de direitos fundamentais da modernidade foi a
Virgínia Bill of Rights ou a Declaração de Direitos do Bom Povo da Virgínia, de 12-
11-1776, que era uma das treze colônias Inglesas no então atual país dos Estados
Unidos. É considerada pela Doutrina como a primeira Declaração de Direitos
propriamente dita, porque estruturava o regime democrático e a limitação do poder
1 TEMER, Michel. Elementos de Direito constitucional. 14ª ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 8-10.
12
estatal. 2
Contudo, na França, em 26-8-1789, a Assembléia Nacional promulgou
a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, em 17 artigos, entre eles os da
igualdade, liberdade, propriedade, segurança, resistência à opressão, associação
política, princípio da legalidade, princípio da reserva legal e anterioridade em matéria
penal, presunção de inocência, liberdade religiosa, livre manifestação do
pensamento, resultando consagrada a França no trato com os direitos humanos
fundamentais. 3
O item 1.1 da Declaração e Programa de Ação de Viena, no país da
Áustria, adotada na Conferência Mundial dos Direitos Humanos, em 25 de junho de
1993, assenta a Teoria Jusnaturalista, concebendo esta em que “os direitos
humanos e liberdades fundamentais são direitos naturais de todos os seres
humanos: a sua proteção e promoção são responsabilidade dos Governos.” 4
Entretanto, a Declaração Universal dos Direitos Humanos da
Organização das Nações Unidas, de 10-12-1948, diz da necessidade dos direitos da
pessoa humana serem protegidos pelo império da lei. 5
Num intermédio, Alexandre de Moraes leciona que ambas as teorias
devem coexistir, asseverando a importância da formação de uma consciência social
fixada em uma ordem ao mesmo tempo superior, universal e imutável (vertente da
teoria jusnaturalista) a embasar e dar substrato para o legislador reconhecer a
existência dos direitos fundamentais de modo a torná-los positivados (teoria
2 MORAES, Guilherme Braga Pena de. Dos Direitos Fundamentais - Contribuição para uma Teoria.São Paulo: LTr, 1997, p. 45.3 MORAES, ALEXANDRE DE. Direitos Humanos Fundamentais- Teoria Geral comentários aos arts.1º ao 5º da Constituição da República Federativa do Brasil. Doutrina e Jurisprudência. 2ª. Edição. SãoPaulo : Atlas, 1998, p. 34.4 MORAES, Alexandre. Direitos Humanos Fundamentais, Op. cit, p. 28.5 MORAES, Alexandre. Direitos Humanos Fundamentais, Op. cit p. 34.
13
positivista) e, portanto, parte do Ordenamento Jurídico. 6
Norberto Bobbio, sobre o assunto, discorre que são os direitos acerca
dos quais há a exigência de não serem limitados nem diante de casos excepcionais,
nem com relação a esta ou aquela categoria, mesmo restrita, de membros do gênero
humano (é o caso, por exemplo, do direito de não ser escravizado e de não sofrer
tortura). Porém, até entre os chamados direitos fundamentais, são bem poucos os
que não entram em concorrência com outros direitos também considerados
fundamentais, e que, portanto, não imponham, em certas situações e em relação a
determinada categoria de sujeitos, uma opção.7
Para Cançado Trindade, a idéia de direitos humanos e sua
manifestação é tão antiga quanto as civilizações, tendo ocorrido em diferentes
culturas e em movimentos históricos sucessivos na afirmação da dignidade da
pessoa humana, na luta contra as formas de dominação, exclusão, despotismo e
arbitrariedade. 8
A respeito do que fala Cançado Trindade, vale lembrar que Sócrates, á
em priscas eras (427 a.C), desenvolvia uma filosofia cujo ponto alto era justamente a
dignidade humana, tendo Platão, em apologia a Sócrates, revelado que o seu
mestre lutava não por um regime político, mas por um princípio mais alto, o da
dignidade humana 9.
O caráter analítico, pluralista e pragmático dirigente, regulamentista da
Constituição Federal de 1988, refletiu no Título II - Dos Direitos e Garantias
Fundamentais -, projetando sete artigos, seis parágrafos e cento e nove incisos,
6 MORAES, Alexandre. Direitos Humanos Fundamentais, Op. cit., p. 35.7 BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro :Camus, 1992, p.20.8 TRINDADE, Antonio Augusto Cançado. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos.Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1997, p. 485.9 PLATÃO. Apologia a Sócrates in Coleção Mestres Pensadores. São Paulo: Escala Editores, 2005,p.35.
14
além de outros direitos fundamentais contidos nos demais títulos da Constituição,
sem prejuízo de outras disposições infraconstitucionais que possuam a mesma
natureza.
O desdobramento analítico imprimido na Constituição de 1988,
mormente no que diz respeito aos direitos fundamentais, revela uma certa
desconfiança do legislador infra-constitucional e uma vontade de salvaguardar
reivindicação e interesses contra possível desconstituição dos Poderes.10
Alexandre de Moraes faz um relato da evolução histórica desses
direitos humanos fundamentais e seu reconhecimento na modernidade,
asseverando que o constitucionalismo moderno teve sua origem formal nas
Constituições escritas e rígidas dos Estados Unidos da América, que remonta a 14-
9-1787, quando se verificou a independência das treze colônias, com a Declaração
da Virgínia, de 16 de junho de 1787, e a Declaração de Independência dos Estados
Unidos da América, de 4-7-1776, assim como com o advento da Revolução
Francesa de 1791, tendo como características a organização do Estado e a limitação
do poder estatal, por meio da previsão de direitos e garantias fundamentais.
Entretanto, há antecedentes históricos como o da Magna Carta Libertatum ( 1215 ),
a Petiton of Right ( 1628 ), o Habeas Corpus Act ( 1679 ), a Bill of Rights ( 1689 ), o
Act of Seattlement ( 1701 ). 11
10 Em decorrência de ter sido a Constituição Federal de 1988 elaborada logo após um período deforte autoritarismo do governo militar que vigorou no país por 21 anos, e ainda sob a lembrança dasrestrições as liberdades, o legislador constituinte deu relevância e reforço ao aspecto dos direitosfundamentais , como igualmente acontece nas demais Constituições pós período de opressão,ditadura, na superação de regimes autoritários, como aconteceu com a Constituição italiana de 1947,a Lei Fundamental da Alemanha, 1949 e, mais recentemente com Constituição da RepúblicaPortuguesa de 1976 e a Espanhola de 1978, que, em verdade, exerceram grande influência noConstituinte Nacional na elaboração da Carta em vigor. Neste sentido, vide SARLET, Ingo Wolfgang.A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 4. ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 75.11 MORAES, Alexandre de. Jurisdição Constitucional e Tribunais Constitucionais. São Paulo : Atlas,2000, p. 36.
15
1.1.2 Direitos Fundamentais: teorias
Tem-se que podem ser visualizados os direitos fundamentais dentro de
três teorias:
a) Teoria Jusnaturalista – mediante a qual estes direitos são
superiores, imutáveis e inderrogáveis e não são criados pelo legislador, são
inerentes à consciência humana. 12
Essa Teoria parte da idéia de que na sociedade há valores e
pretensões humanas legitimadas pela própria circunstância e aspectos puramente
humanos e naturais, convalidados em si mesmos, não decorrentes de atos
normativos expedidos pela autoridade estatal, mas funcionam como verdadeiros
limitadores desta.13
O Jusnaturalismo está associado à cultura grega, onde uma justiça
inata, universal, necessária já era propalada por Platão na sua obra Da República,
também divulgada por Cícero em Roma, considerada como a razão decorrente da
natureza das coisas, por já estar na consciência humana no sentido do bem. Seria,
então, uma lei imutável, irrevogável, e não anulável.14
Na idade média o jusnaturalismo significava conteúdos teológicos
decorrentes da vontade divina. Na época medieval continuou a prevalecer o direito
natural, mas objetivo e material, imanente à pessoa, misturado aos princípios morais
consagrados ou não na legislação, perceptíveis pela inteligência humana,
abrangendo os deveres das pessoas para consigo mesmas, para com os outros e
para com Deus. O fundamento é o bem que a consciência determina, não devendo
12MORAES, Alexandre de. Jurisdição Constitucional, Op. cit., p. 34.13BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos Teóricos e Filosóficos do Novo Direito ConstitucionalBrasileiro in A Nova Interpretação Constitucional: Ponderação, Direitos Fundamentais e RelaçõesPrivadas. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p.19.14 BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos Teóricos e Filosóficos do Novo Direito ConstitucionalBrasileiro in A Nova Interpretação Constitucional: Ponderação, Direitos Fundamentais e RelaçõesPrivadas,Op. cit, p.19.
16
lesar ao próximo. O direito natural não depende do legislador, pois reconhece por si
mesmo os comandos, como, por exemplo, o dever de preservar a própria vida e de
não matar a outrem. Essa concepção inicial teológica cedeu lugar a uma doutrina
jusnaturalista formal, a partir do século XVII, fundada na razão humana.15
O direito natural constituiu a base filosófica para dar justificação ao
direito positivo de modo a assim servir de guia ao legislador a encontrar seus
primeiros fundamentos. Entretanto, não de forma a interferir no pensamento jurídico
genuíno diante dos problemas reais da política jurídica, independentemente de
considerar os postulados de que o direito deveria estar conforme a natureza da
pessoa.16
Alf Ross afirma que os direitos naturais estariam por detrás dos direitos
subjetivos positivados.17
O direito natural conduzia à idéia de uma virtude suprema na qual
centrava-se a justiça e a verdadeira realização do direito e que os problemas de
justiça são de distribuição, equivalendo à demanda da igualdade na distribuição de
vantagens e obrigações ou encargos. Tal pensamento foi desenvolvido por
Pitágoras, no século IV antes de Cristo, a partir do que, então, a justiça passou a ser
visualizada no sentido da igualdade apresentada sob inúmeras variantes.18
A compreensão de igualdade é no sentido de que os iguais devem ser
tratados da mesma maneira. Esta idéia está dirigida a todos e a cada um segundo
seus méritos, a cada um segundo sua contribuição, segundo suas necessidades e
sua capacidade. Entretanto, de forma correlata, deve ser reconhecido o tratamento
15DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito. 17. ed. São Paulo : Saraiva,2005, p.36-38.16ROSS, Alf. 4. ed. Sobre El Derecho Y La Justicia. Tradução por Genaro Carrió Argentina :Universitária de Buenos Aires, 1977, p. 258.17 Ibidem, p. 258.18 ROSS, Alf. Sobre El Derecho Y La Justicia, Op.cit. p. 261.
17
desigual aos desiguais na vertente do pensamento aristotélico, sendo justo que se
faça aí distinção para atender a pautas da desigualdade entre as pessoas diferentes,
sempre marcadas na história da humanidade, como uma exigência racional, um trato
diferenciado mas igual a todos os que pertençam a classes diferenciadas, mediante
critérios objetivos e regras dadas, para impor limites a quem toma a decisão no caso
concreto, obedecendo aos princípios de justiça que repudiam a arbitrariedade.19
John Locke propõe a instauração de um governo civil, ao efeito de
sanar as deficiências do direito natural, projetando o poder político dividindo-o em
três: Poder Executivo, Poder Legislativo e Poder Judiciário, fundado num pacto
social a transferir ao Estado a garantia dos direitos naturais e das liberdades pelo
regime liberal-democrático.20
No século XIX, há fortes reações contra o jusnaturalismo em face do
historicismo, sociologismo e positivismo. Contudo há um retorno ao naturalismo com
Del Vecchio, Helmut Coing e outros antipositivistas.21
Del Vecchio considerava que a natureza é o real empírico, onde se
realizam os fenômenos ligados por vínculos causais, sendo o ser humano uma
partícula da natureza a interagir com o todo, e se visualizada a concepção
teleológica dos fenômenos resultará como uma ordem valorativa a dar vida à
matéria. Assim o direito deve levar em conta a concepção metafísico-teleológica da
natureza da pessoa e não seu caráter fenomênico. Para este Autor, a natureza
humana funda-se na moral e o jusnaturalismo colabora no aperfeiçoamento das
normas de sua interpretação como elemento integrador do direito positivo.22
19 ROSS, Alf. Sobre El Derecho Y La Justicia, Op. Cit., p. 263-266.20 LOCKE, John. Essays on the law of Nature. Oxford-Clarendon : Leyden, 1954, p.40.21 MACHADO NETO. Teoria da Ciência Jurídica. São Paulo: Saraiva, 1975, p. 84.22 DEL VECHIO, Giorgio. Lições de Filosofia do Direito. Tradução de Antonio José Brandão. 4. ed.Coimbra : Almedina, 1972, p. 36
18
Hugo Crótius teria formulado a mais célebre distinção de direito natural
e direito positivo, na sua obra De Jure Belli et Pacis, sendo o primeiro destinado a
demonstrar o que é moralmente correto ou incorreto, necessário por si mesmo só o
comando divino como arquiteto da natureza, de modo que natural é a lei inscrita por
Deus no coração do ser humano, como base ao segundo que tem como finalidade a
sua regulamentação como o propósito da consecução do bem-estar coletivo.23
b) Teoria Positivista – que explica que estes direitos devem estar
necessariamente consolidados na normativa, devendo estar positivados no
ordenamento jurídico, resultado da discussão dentro do regime democrático através
da soberania popular. 24
Segundo esta Teoria a idéia de direito é daquele que é declarado pela
autoridade, desprendido do direito natural ou mesmo a este ignorando, originada da
Teoria da Norma Posta de Hans Kelsen, considerando estranhos ao objeto do direito
os valores inseridos na norma. 25
A Teoria Positivista considera a ciência como único conhecimento
verdadeiro, onde não penetram fundamentos teológicos ou da metafísica, que não
são demonstrados, esse conhecimento científico é objetivo, valendo a descrição do
ato normativo, sem mais indagações. 26
O pressuposto da prevalência do positivismo ancorava-se no
pensamento de que os cidadãos devem obediência às leis de seu país, ainda que
não estejam de acordo com as leis naturais, por força do contrato social e do
princípio pacta sunt servanda, pensamento que está em consonância com a Teoria
23 BOBBIO, Norberto. Lições de Filosofia do Direito. São Paulo: Icove, 1990, p. 20-25.24 MORAES, Alexandre de. Jurisdição Constitucional, Op. Cit, p. 34.25 COELHO, Fábio Ulhoa. Para Entender Kelsen. 2. ed. São Paulo : Max Limonad, 1999, p. 22.26 BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos Teóricos e Filosóficos... Op. cit., p.27
19
Política Absolutista da época. 27
A comunidade deve estar baseada no governo e na lei. O juiz não é um
rei que recebe as leis diretamente de Deus e que decide extraindo as suas decisões
esotericamente. Há que considerar a supremacia da lei. 28
Por este pensamento, o direito positivo alicerça-se em si mesmo e
pelos seus próprios meios, independentemente de moral.29
Esta separação entre direito e moral também se desenvolve na
Constituição, afirmando Kelsen que a validade da ordem jurídica positiva não
depende de sistema de moralidade e que a norma jurídica é válida
independentemente da ordem moral. 30
A moral então, serve para o controle interno comportamental da própria
consciência, não institucionalizada.31 Na verdade a moral não paira mais sobre o
direito.32
O direito positivo estaria estigmatizado pela dualidade, embasado em
normas sociológicas e normas estatais, funcionando de maneira simultânea, a
primeira consistente nos conteúdos materiais que permeiam a sociedade e as
estatais como posições ideológicas introduzidas na ordem jurídica pelo Estado, uma
vez que detentor do império da lei. 33
Entretanto, como ao direito não cabe apenas atuar conforme a
realidade, mas também de modo a transformá-la, o direito não poderia ser apenas
um dado, mas também uma criação, de modo a estabelecer as condutas sociais do
27 ROSS, Alf. Op. cit., p. 259-26028 Ibidem, p. 273-274.29 HABERMAS, Jürgen. Consciência Moral e Agir Comunicativo. Tradução de Guido A. de Almeida.Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1989, p. 190.30 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 104 e 106.31 HABERMAS, Jürgen. Consciência Moral e Agir Comunicativo, Op.cit p. 99.32 GRAU, Eros Roberto. Ensaio e Discurso Sobre a Interpretação/Aplicação do Direito. 3. ed. SãoPaulo : Malheiros, 2005, p. 82.33 GRAU, Eros Roberto. Ensaio e Discurso Sobre a Interpretação/Aplicação do Direito, Op. cit., p. 82.
20
dever ser para equilibrar as relações e garantir a paz na sociedade.34
A Inglaterra contribuiu para a formação da Teoria Positivista através de
idéias desenvolvidas por Thomas Hobbes, Jeremy Bentham, este último influenciado
pelo italiano Beccaria no sentido da soberania da lei e a subordinação do juiz à
mesma. Para Bentham a moral não revela verdades eternas sendo apenas opiniões
tradicionais e que o direito deveria estar alicerçado no empirismo. O direito tem um
objetivo em si mesmo e a política jurídica é a doutrina que ensina como alcançar
este objetivo. A Autoridade que administra o direito deve sentir-se obrigada pelas
palavras da lei e pelas outras fontes do direito. Interessante notar que a Inglaterra
apesar de ter contribuído para a elaboração da Teoria Positivista através de alguns
de seus filósofos, notadamente Hobbes e Bentham, não fundou o seu direito nas
codificações. 35
Os franceses pretenderam a construção de um ordenamento ou um
sistema com base nas normas da natureza, contudo, uma vez inscritas no direito
positivo este estaria sediado então nos códigos, o direito estaria na lei. Estava
estabelecida a escola da exegese, que era quase que uma unanimidade na França.
Os critérios eram quase mecânicos e sem perquirição de valores. 36
Olivier Wendel Holmes afirma ser a ciência positiva a única válida para
conceber-se o direito, mostrando-se descrente quanto à observação de valores. É
contrário às convicções de John Austin, de que a lei é feita pelos juízes e pelos seus
próprios princípios e de acordo com a opinião da comunidade, não pelo soberano. 37
Segundo Bobbio, o juspositivismo define-se pelo elemento coação e
considera a norma como o comando do Direito, e que o Ordenamento Jurídico é o
34 BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos Teóricos e Filosóficos. Op. cit., p.19.34 Ibidem, p.19.35 ROSS, Alf. Op. cit, p. 317-321.36 DINIZ, Maria Helena. Op. cit., p. 51.37 WENDEL HOLMES, Olivier . The Common Law. Boston, 1945, p.157.
21
berço do Direito, de onde o Juiz deve extrair sua decisão, segundo o dogma da
coerência e da completude.38
O direito positivo está ligado à formação do Estado moderno, com o
reconhecimento de uma estrutura monista concentrando no Estado todos os
poderes, entre eles o de ser o elaborador do direito. Anteriormente, na sociedade
medieval, o direito era estabelecido e reconhecido pela sociedade civil delineado
pelo costume, na manifestação reiterada e consensual de comportamentos
uniformes, constantes.39
Thomaz Hobbes funda a teoria do Estado Moderno na qual afirma o
poder exclusivo do soberano para pôr o direito como forma de assegurar o poder
absoluto do Estado.40
Hobbes faz um paralelo entre o direito positivo e o direito natural,
reconhecendo que existem leis naturais, mas questiona se tais leis são obrigatórias,
vez que a pessoa pode respeitar ou não as leis naturais por uma questão de
consciência perante si mesmo, perante Deus, mas não teria obrigatoriedade diante
dos outros. 41
Hobbes afirma que no estado da natureza haveria uma anarquia e que
para sair desse estado seria necessário criar um Estado com força, soberano sobre
todos, que estabelecesse regras, onde todos estariam obrigados mediante coação
imposta pelo Estado, numa afirmação categórica de que a não é a sapiência, mas
sim a autoridade que cria a lei.42
O pensamento de Hobbes é no sentido de que o direito é proferido por
38 WENDEL HOLMES, Olivier . The Common Law. Boston, Op. Cit,. p. 132.39 Ibidem, p. 27.40 HOBBES, Thomaz. O Leviatã. Tradução de Alex Martins. São Paulo: Martin Claret, 2004, p. 204-205.41 Ibidem, p. 206.42 Ibidem, p. 204-205.
22
quem tem poder para isso, negando valor à Common Law.43
O Positivismo pretendeu ser a filosofia da regulação para colocar
ordem no caos da natureza e da sociedade. 44
c) Teoria Moralista - que fundamenta os direitos humanos na
consciência moral e na experiência de um determinado povo. 45
Segundo essa teoria os valores morais dariam a direção ao agir pelo
reconhecimento do outro igualmente como ser de direito, ser dotado de dignidade de
maneira a tornar possível e correta a convivência na sociedade, tendo por base um
conteúdo humanista que deve ser refletido pela própria norma jurídica que
verdadeiramente a fundamente e que garanta conseqüência positiva na sua
aplicação, afirmando Perelman que as leis e os regulamentos politicamente justos
são os que não são arbitrários porque correspondem às crenças, às aspirações e
aos valores da comunidade política.46
Considera ainda a teoria moral que está cada vez mais ultrapassado
o antagonismo entre o do direito positivo e o direito natural, e que a busca pela
aplicação do direito ao caso concreto vai além dessas considerações, observando os
aspectos humanistas, morais e econômicos. 47
A filosofia do direito é parte integrante da filosofia prática, ou seja, da
moral e o ideal de direito outra coisa não é senão um ideal do bem que é objeto da
moral, razão pela qual os direitos encontram sua legitimidade na medida em que
observados os aspectos da moral de um povo, e particularmente, os direitos
43 HOBBES, Thomaz. O Leviatã, Op. Cit., p. 206.44 SANTOS, Boaventura de Souza. A Crítica da Razão Indolente. Vol. I, São Paulo: Cortez, 2000, p.141.45 Ibidem, p. 34-35.46 PERELMAN, Chain. Ética e Direito. Tradução de Maria E. Galvão Pereira. São Paulo: MartinsFontes, 2002, p. 192.47 Ibidem, p. 392.
23
fundamentais que devem ser observados universalmente, abrangem a moral.48
Tal teoria assenta a crença de que o direito nasce da moral e a ela
se destina e que as normativas devem estar impregnadas de conteúdos da
moralidade historicamente concretizada e em transformação nas vivências humanas,
que se solidificam em uma lei certa, abstrata, rígida, que é a lei jurídica, na medida
em que deve ter em consideração que o exercício ilimitado de um direito pode
constituir-se em uma injustiça exigindo a observação da finalidade daquele que
pretende o exercício de um determinado direito, e se tal ação não é ilícita, de modo
a romper com a boa fé e efetivar-se como prática maliciosa e fraudulenta, o que é
inaceitável no direito.49
Dessa forma, a teoria reconhece a autoridade do direito como uma
concepção positivada na norma, mas que necessariamente observe a moral na sua
elaboração pelo legislador ou no momento de sua aplicação pelo juiz ou
administrador como idéia geral de justiça, legitimando a sanção que só a moral não
concebida dentro dos contextos jurídicos normativos não pode impor.50
A incomparável importância dos direitos humanos fundamentais não
consegue ser explicada por qualquer das teorias existentes, que se mostram
insuficientes. Na realidade, as teorias se completam, devendo coexistir entre si.
1.1.3 - Núcleo dos Direitos Fundamentais
É inviolável o direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade (art. 5º, caput, in fine). Eis o rol que externa o núcleo dos direitos
fundamentais positivados na Constituição Federal. Não são esses os únicos direitos,
48 DEL VECHIO, Giorgio. Op. cit, p. 23-93.49 GUSMÃO, Paulo Dourado de. Filosofia do Direito. Rio de Janeiro/São Paulo: Freitas Bastos,1972,p. 60-61.50 BERGEL, Jean-Louis. Méthodes Du Droit-Théorie Génerale Du Droit. Marseille : Dalloz, 1985, p. 48
24
mas são aqueles nos quais se fundam os demais. No presente trabalho, estaremos
dando ênfase ao direito à vida. Para José Afonso da Silva:
A vida, no texto constitucional (art. 5º., Caput), não será consideradaapenas no seu sentido biológico de incessante auto-atividade funcional,peculiar à matéria orgânica, mas na sua acepção biográfica, maiscompreensiva. Sua riqueza significativa e de difícil apreensão porque é algodinâmico, que se transforma incessantemente sem perder sua própriaidentidade. É mais um processo (processo vital), que se instaura com aconcepção (ou germinação vegetal), transforma-se, progride, mantendo suaidentidade, até que muda de qualidade, deixando, então, de ser vida paraser morte. Tudo que interfere em prejuízo deste fluir espontâneo eincessante contraria a vida. 51
O direito à vida constitui a fonte primária de todos os outros bens
jurídicos. De nada valeria a Constituição assegurar outros direitos fundamentais,
como igualdade, intimidade, segurança, liberdade, propriedade, se não erigisse a
vida humana num desses direitos.
Os direitos fundamentais classificam-se em direitos de primeira,
segunda e terceira geração, conforme foram sendo reconhecidos pelo direito
positivado, sendo tais, respectivamente, os direitos e garantias individuais de
liberdade, de igualdade e de fraternidade que vem a ser, precisamente, o histórico
lema da Revolução Francesa. Assim, temos: I) direitos de primeira geração:
liberdades civis e políticas; são direitos negativos, pois exigem a abstenção do
Estado em não invadir a esfera das liberdades públicas; II) direitos de segunda
geração: igualdade de direitos econômicos, sociais e culturais; são direitos positivos,
pois exigem a ação do Estado no sentido de promover a igualdade de
oportunidades; III) direitos de terceira geração: denominados direitos de
solidariedade ou fraternidade, protegem os direitos relativos ao meio ambiente, ao
patrimônio comum da humanidade; são direitos que se referem à fraternidade e à
51 SILVA, José Afonso da. Direito Constitucional Positivo. 23. ed. São Paulo : Malheiros, 2004, p. 254.
25
solidariedade humana, direitos difusos e coletivos. 52
Paulo Bonavides fala, ainda, de uma quarta geração de direitos, os da
democracia, do pluralismo e da informação, que protegeriam os cidadãos a despeito
da nacionalidade que detenham. Trata-se da teoria que defende a universalização
de direitos em face da globalização dos direitos fundamentais, para a qual parece o
mundo inclinar-se no plano de todas as relações de convivência, segundo a qual a
soberania de um país pode ser relevada quando se constata que o mesmo não
respeita os direitos fundamentais da pessoa humana, numa espécie de limitação à
idéia de soberania nacional. 53
Afirma, ainda, o constitucionalista, que os direitos de segunda, terceira
e quarta gerações não se interpretam, concretizam-se. E que é exatamente na
esteira dessa concretização que reside o futuro da globalização política. 54
Desenvolvendo seu pensamento sobre os direitos de quarta geração
na democracia globalizada, diz Paulo Bonavides que (...) na democracia globalizada,
o homem configura a presença moral da cidadania. Ele é a constante axiológica, o
centro de gravidade, a corrente de convergência de todos os interesses do sistema.
Esses direitos de quarta dimensão compreenderiam o futuro da cidadania e o porvir
da liberdade de todos os povos, e através dos quais seria possível a globalização
política.55
A globalização seria entendida não apenas com vias a interesses
econômicos, mas também no de universalidade da pessoa em todos os aspectos,
como meio para atingir valores supremos como a justiça social e a dignidade da
pessoa humana. A globalização que interessa verdadeiramente é a que coloca o
52 MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais. Op. cit., p. 45.53 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 7. ed. São Paulo : Malheiros, 1997, p. 529.54 Ibidem, p. 529.55 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. Op. Cit,, p. 556.
26
homem no centro de tudo, base axiológica como razão primordial da sociedade e do
Estado, fincado nos direitos fundamentais, eis que estes, como afirma Paulo
Bonavides, são a bússola das Constituições. 56
Etienne-Richard Mbaya, da Universidade de Köln, defende, na mesma
linha de Paulo Bonavides, a existência de uma quarta dimensão de direitos
fundamentais, exemplificando a democracia, visualizada como a democracia direta,
como o principal desses direitos, ressaltando ser este um princípio contemporâneo a
conferir legitimidade a todas as relações, desde a cidadania à internacionalidade, de
forma a que, internamente, possa servir como resistência à opressão e,
externamente, possibilitar uma intervenção militar lícita supranacional ao efeito de
banir na esfera internacional as ditaduras e os regimes antidemocráticos, focada a
democracia como direito de todos os povos e nações.57
Desta forma, a democracia que o Estado Democrático de Direito
realiza diz respeito a uma convivência social plantada numa sociedade livre, justa e
solidária (art. 3º, inciso II da CF/88) em que todo o poder emana do povo e em
proveito do mesmo deve ser exercido, destacado pelo respeito ao pluralismo de
idéias (art. 5º. Inciso IX), culturas (art. 215-216) e etnias (art. 5º. Inciso XLII),
desenvolvendo-se pelo diálogo entre opiniões e pensamentos (art. 5º. Inciso IV)
divergentes e sendo possíveis formas diferenciadas de organização e interesses
diferentes, o pluralismo político (art. 14), partidário (art. 17), dos meios de informação
IV) econômico (170), com respeito à livre iniciativa sem que haja opressão,
conferindo liberdades, viabilizando-se condições econômicas para seu pleno
exercício.58
56 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, Op. Cit, p. 553.57 MBAYA, E.R. apud GALINDO, Bruno. Direitos Fundamentais: Análise de sua ConcretizaçãoConstitucional. Curitiba : Juruá, 2003, p. 70.58 SILVA, JOSÉ Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, Op. cit, p.109.
27
No Preâmbulo da Carta Magna Pátria, está consignado este
compromisso com a sociedade nacional e internacional, por ser tarefa fundamental
do Estado Democrático de Direito instaurar o regime democrático, verbis:
Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia NacionalConstituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar oexercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança,o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos deuma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmoniasocial e comprometida, na ordem interna e internacional, com a soluçãopacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, aseguinte Constituição da República Federativa do Brasil.
Seja na Ordem Nacional, ou Internacional, pois que os direitos
fundamentais da pessoa humana estão estabelecidos nas Constituições da maior
parte das nações, a preocupação não é tanto mais com o reconhecimento desses
direitos, mas sim com a sua proteção, como salienta Norberto Bobbio, em que o
problema fundamental em relação aos direitos do homem, hoje, não é tanto o de
justificá-los, mas de protegê-los. 59
O Direito Fundamental, como um direito supranacional, revelando-se
pelo reconhecimento internacional e pelo postulado de sua efetivação por garantias
de proteção encontra eco em muitos documentos internacionais, como o Tratado de
Roma, que fala do Tribunal Penal Internacional, por exemplo. Pode-se falar,
também, do Tribunal de Justiça das Comunidades Européias, sediado em
Luxemburgo, além do Tribunal Europeu de Direitos Humanos, na cidade de
Estrasburgo (estes últimos fazem parte do processo de Internacionalização do
sistema constitucional), sendo um fenômeno a constitucionalização no continente
europeu, como bem salienta José Vieira Ribas que a consolidação do processo da
União Européia, através do Tratado de Mastricht, exemplifica uma
internacionalização do sistema constitucional em detrimento dos próprios textos de
59 BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Op. Cit, p. 24.
28
Constituição nacionais . 60
Tal fato aponta para o surgimento de uma constelação de proteção dos
Direitos Fundamentais. Essa rede protetiva vem-se firmando por meio das diretivas
desse citado bloco econômico, como também, pelas decisões judiciais resultantes
dos Tribunais Europeus de Justiça e de Direitos Humanos. Esse caráter aberto do
Direito Comunitário possibilitará um grande grau de adaptação no campo dos
Direitos Fundamentais diante das demandas da modernização reflexiva como foi
imaginado por Beck. 61
Conforme afirmado supra, os direitos fundamentais de primeira
geração são direitos civis e políticos. Os de segunda geração, os direitos sociais,
culturais e econômicos relacionados ao trabalho, produção e previdência. Os de
terceira geração, o direito ao desenvolvimento, a comunicação e ao meio ambiente.
Já os de quarta geração, aqui, são os direitos que vão ao sentido da globalização
política, tais quais os direitos à democracia, à informação e ao pluralismo. 62
Nos direitos fundamentais de primeira geração podem ser
compreendidos os direitos a liberdades individuais, na obrigatoriedade de abstenção
do Estado frente aos mesmos. Os de segunda geração são chamados prestacionais,
aqueles do Estado perante o indivíduo, tais quais a assistência social, a educação, a
saúde. Cultura e trabalho são liberdades materiais concretas.
Na Constituição Pátria os direitos fundamentais de segunda geração
encontram-se a partir do seu artigo 6º. Dessa forma, a saúde é um direito de
segunda geração que cabe ao Estado prover, mediante ações positivas para garantir
sua efetividade.
60 RIBAS, José Vieira, A Constituição Federal de 1988 e um Modelo de Direitos Fundamentaisincompleto. in CAMARGO, Margarida Maria Lacombe. 1988-1998 Uma Década de Constituição Riode Janeiro:Renovar,1999, p.98.61 Ibidem,. p. 98.62 MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais. Op. Cit, p. 45.
29
Os direitos fundamentais de terceira geração são aqueles que têm a
finalidade de proporcionar à pessoa as devidas condições de vida em paz, em um
meio ambiente equilibrado, a comunicabilidade, podendo assim considerá-los como
direitos difusos universalizados, asseverando Ingo Wolfgang Sarlet que podem ser
incluídos nos direitos de terceira geração aqueles de garantia contra a manipulação
genética, do direito de morrer com dignidade e do direito à mudança de sexo. Os
direitos de quarta geração, por sua vez, são os direitos relacionados ao exercício da
democracia, do pluralismo e da informação. 63
Em suma, os direitos fundamentais são ligados a valores como a vida,
a liberdade, a igualdade, a fraternidade, a solidariedade, a segurança, a
propriedade, a dignidade da pessoa humana, ao pluralismo e a democracia. Esses
direitos, hoje, devem ser visualizados e considerados mediante a globalização como
universalizados, portanto, imponíveis na e perante a comunidade internacional.
Com isto, a princípio, assumem estes o caráter de direitos negativos,
que importam uma restrição à ação do Estado para, posteriormente assumirem uma
postura ativa, exigindo ações positivas do Estado na promoção dos mesmos. Desta
forma, os direitos fundamentais são os direitos da pessoa humana e devem ser
universalmente reconhecidos, não importa em que ordem constitucional faça parte.
Para que se estabeleça o Estado Democrático de Direito, é essencial o
respeito aos direitos fundamentais. Por conta deste princípio é que são
características relevantes dos direitos fundamentais os seguintes elementos:
imprescritibilidade, inalienabilidade, irrenunciabilidade, universalidade,
inviolabilidade, efetividade, interdependência e complementaridade. 64
A imprescritibilidade significa que os direitos fundamentais não se
63 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais, Op. cit, p. 49.64 MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais, Op cit, p. 41.
30
perdem por decurso de prazo; a inalienabilidade, diz respeito à impossibilidade de
transferência dos direitos fundamentais, eis que inerente a cada ser humano, não
podendo ser transferido onerosa ou gratuitamente; a irrenunciabilidade é a
característica realmente marcante, posto que inadmissível a renúncia à vida e a
práticas que atentem contra a mesma; a universalidade compreende a ampla
abrangência desses direitos de cada indivíduo, independentemente de sua origem,
nacionalidade, sexo, raça, credo ou convicção político-filosófica; a inviolabilidade
ligada ao sentido de que esses direitos devem ser respeitados pelas autoridades e
por todos os comandos legais infraconstitucionais, sob pena de responsabilidade
civil, penal e administrativa daquele que violar direito fundamental; desdobra-se aí,
na característica da efetividade, posto que tão importante quanto o reconhecimento
dos direitos fundamentais é a sua garantia e concretização, através de mecanismos
até mesmo coercitivos com esse fim; a interdependência, relacionada a previsões
constitucionais para atingirem as finalidades de garantias ao exercício dos direitos
fundamentais, como por exemplo, para o exercício do direito de liberdade de
locomoção, a garantia do habeas corpus, e sendo somente permitida a constrição
física em caso de flagrante delito ou determinação por autoridade competente; e, por
fim, a complementaridade, significando que os direitos fundamentais devem ser
interpretados em conjunto e não isoladamente, de modo a que alcancem a fruição
harmônica dos mesmos e dos fins previstos pelo legislador constituinte. 65
Para José Afonso da Silva, os direitos fundamentais:
(...) correspondem a situações jurídicas subjetivas de vantagem, sem asquais a pessoa humana não sobrevive, convive ou se realiza, dotada deeficácia jurídica mediante reconhecimento formal e efetividade material emfavor de seu titular. 66
65 MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais, Op cit, p. 41.66 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, Op. cit, p. 176-177.
31
Para Ingo Wolfgang Sarlet os direitos fundamentais são sempre
direitos humanos, tendo-se em conta que o seu titular será sempre um ser humano,
mas que, embora direitos humanos e direitos fundamentais sejam utilizados como
sinônimos, os direitos fundamentais são os positivados nas Constituições dos
Estados e os direitos humanos aqueles reconhecidos internacionalmente em
documentos internacionais, como segue sua lição infra:
(...) o termo direitos fundamentais se aplica para aqueles direitos do serhumano, reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucionalpositivo de determinado Estado, ao passo que a expressão direitoshumanos guardaria relação com os documentos de direito internacional,por referir-se àquelas posições jurídicas que se reconhecem ao ser humanocomo tal, independentemente de sua vinculação com determinada ordemconstitucional, e que, portanto, aspiram à validade universal, para todos ospovos e tempo de tal sorte que revelam um inequívoco carátersupranacional. 67
Norberto Bobbio relaciona os direitos fundamentais com a prática da
democracia, afirmando que:
(...) direitos do homem, democracia e paz são três momentos necessáriosdo mesmo movimento histórico: sem direitos do homem reconhecidos eprotegidos não há democracia, sem democracia, não existem condiçõesmínimas para a solução pacífica dos conflitos. Em outras palavras, ademocracia é a sociedade dos cidadãos, e os súditos se tornam cidadãosquando lhes são reconhecidos alguns direitos fundamentais; haverá pazestável, uma paz que não tenha a guerra como alternativa, somente quandoexistirem cidadãos não mais apenas deste ou daquele Estado, mas domundo. 68
José Afonso da Silva afirma que é recente o reconhecimento dos
direitos fundamentais em textos explícitos e declaração de direitos e que os mesmos
embora catalogados não se esgotam aí, e que com a evolução da humanidade
surgem novos direitos a compor os desdobramentos dos direitos fundamentais. 69
Ricardo Lobo Tôrres associa os direitos políticos com os direitos
fundamentais, já que se integram naqueles por sua dimensão reivindicatória, por
67 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais, Op. cit., p. 33.68 BOBBIO, Norberto. Lições de Filosofia. Op. cit., p. 1569 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. Op. cit., p. 153-154.
32
permitirem a concreta ação da cidadania concernente aos direitos fundamentais. 70
Face aos riscos quanto ao respeito e concretização dos direitos
fundamentais, fazem-se cada vez mais importantes as garantias constitucionais para
segurança em relação aos mesmos. Nesse aspecto Ricardo Lobo Tôrres afirma que
as garantias constitucionais são de excepcional importância via seus instrumentos
processuais para a defesa e concretização dos direitos fundamentais, com a
atualização dos seus valores, através do mandado de segurança, mandado de
injunção, o próprio processo tributário administrativo, que fazem parte do Direito
Processual Constitucional. 71
O conteúdo essencial dos direitos fundamentais tem como base a
dignidade da pessoa humana, consubstanciando-se na verdade em limite material a
ação legislativa. Desta forma, vê-se que proteção aos direitos existem, mas a forma
de condução desta proteção hoje tem se mostrado um enigma passível de todo tipo
de hermenêutica, conforme será visto mais adiante. 72
1.2 – CONSTITUIÇÃO E DIREITOS FUNDAMENTAIS
O direito de acesso à justiça, à tutela jurisdicional e ao processo e
julgamento por um tribunal independente e imparcial são direitos fundamentais do
cidadão. Assim está expresso no Inciso XXXV do art. 5º da Constituição Federal,
que diz não excluir, (...) da apreciação do Poder Judiciário, lesão ou ameaça a
direito, normativa que garante a todos uma prestação jurisdicional efetiva, mormente
aos direitos fundamentais.
70 TÔRRES, Ricardo Lobo. Teoria dos Direitos Fundamentais. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p.268.71 Ibidem, p.13.72 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais, Op. cit., p 114.
33
1.2.1 Princípios e Regras
Alexy considera que a teoria dos direitos fundamentais é estrutural,
primariamente analítica, pois investiga as estruturas como conceitos de direitos
fundamentais, influência destes no sistema jurídico e a sua fundamentação. Seu
material mais importante é a jurisprudência do Tribunal Constitucional. 73
Na estrutura dos direitos fundamentais, segundo Alexy, é importante a
distinção entre regras e princípios, uma vez que essa diferença é a base, o alicerce,
a pedra angular e a chave para solução dos problemas centrais da dogmática dos
direitos fundamentais, como expressa verbis:
[...] ella constituye la base de la fundamentación iusfundamental y es unassclave para la soluciónde problemas centrales de la dogmática de losderechos fundamentales. Sin ella, no puede existir uma teoria adecuada delos limites, ni uma teoria satisfactoria de la colisión y tampoco uma teoriasuficiente acerca del papel que juegan los derechos fundamentales em elsistema jurídico. 74
De modo que a distinção entre regras e princípios constitui-se em
verdadeiro pilar da teoria dos direitos fundamentais. Regras e princípios devem ser
visualizados sob o conceito de norma, porque ambas dizem o que deve ser, ambas
podem expressar mandato, permissão ou proibição. As regras são aplicáveis ao
modo tudo ou nada. A partir do momento em que os pressupostos de fato referidos
na regra estejam presentes na circunstância concreta e sendo válidos, deve ser
aplicada e pronto. 75
Assim, um critério comum utilizado para diferenciar os conceitos de
princípios e de regras é um maior ou menor grau de abstração entre ambos (regras,
73 ALEXY, Robert. Teoria de Los Derechos Fundamentales. Madrid: Centro de EstúdiosConstitucionales, 1997, p. 87.74 Tradução: (...) ela constitui a base da fundamentação jurídica e é uma chave para a solução deproblemas centrais da dogmática dos direitos fundamentais. Sem ela, não pode existir uma teoriaadequada de limites, nem uma teoria satisfatória da colisão, tampouco uma teoria suficiente acercado papel dos que julgam os direitos fundamentais no sistema jurídico (Idem, ibidem, p. 81-82).75 DWORKIN, Ronald. O Império do Direito. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. São Paulo :Martins Fontes, 1999, p.24.
34
um menor grau, princípios, maior, por serem mandatos de otimização, isto é, que se
impera realizar em maior medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e
reais). As regras não apresentam a mesma flexibilidade que os princípios, ou são
cumpridas ou não, exatamente como são propostas, sem maiores considerações.
Para Alexy, a diferença entre regras e princípios não é de grau, mas sim de
qualidade, pois os princípios determinam que o direito seja concretizado na maior
medida possível, dentro da realidade existente e das possibilidades jurídicas, mas,
apesar da diferença regras e princípios são normas jurídicas que dizem o que deve
ser e conduz a razões para juízos concretos. 76
No conflito de regras, quando impossível uma cláusula de exceção,
quando uma regra deve ser considerada inválida, pode ser solucionado o problema
através de critérios como lex posterior derogat legi priori , lex specialis derogat legi
generali . 77
Na colisão de princípios, a resposta deve ser visualizada pela
verificação do peso e importância dentro do caso apresentado, pela ponderação dos
interesses opostos, fornecidos pelo caso concreto. Os princípios abrangem tanto
direitos individuais como coletivos. Os conflitos das regras ocorrem na dimensão de
sua validade.78
O termo princípio vem do latim principium, com significações
semânticas variadas, podendo expressar começo, início, origem, ponto de partida,
regra, norma, referir-se a elementos, rudimentos e convicções. Na ciência jurídica
tem importante papel de organizador do sistema e atingir os resultados
informadores, elemento axiológico e estruturante do Ordenamento, sendo por isso
76 ALEXY, Robert. Op cit. p. 87.77 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. Tradução de Maria Celeste Cordeiro Leite dosSantos. 10. ed. Brasília : UNB, 1999, p. 91-97.78 ALEXY, Robert. Op. cit, p. 111.
35
normas jurídicas de grau superior, num patamar hierarquicamente acima das normas
comuns, que ao mesmo estão subordinadas.79
A Norma significa um preceito de direito, norma de conduta e forma
abstrata do que deve ser. Deve conter todos os elementos que regulam a conduta,
que tutelem situações subjetivas de vantagem ou de vínculo, submetendo a realizar
a prestação, ação ou mesmo a abstenção em favor de outrem. 80
Princípios são proposições com maior grau de abstração, diretivas ou
características que permeiam o desenvolvimento de uma ciência, é o fundamento
que contém em si mesmo a razão de alguma coisa, ainda, norma de conduta,
alicerce, base. 81 Normas de otimização, para que algo seja feito da melhor forma
possível, sem a obrigatoriedade do tudo ou nada, dentro da reserva do possível,
assim entendido dentro da realidade fática e possibilidades jurídicas.82
Regra é proposição jurídica, norma, que disciplina e rege alguma
conduta. 83 Espécie de norma que impõe, permite ou proíbe, que é ou não é
cumprida. 84
Ronald Dworkin restringe o alcance dos princípios, dizendo que os
mesmos só devem referir-se a direitos individuais. 85
O objetivo de Dworkin é uma teoria do direito que inclua a moral como
questão alusiva à política jurídica, denominando-o de “direito como integridade” que,
segundo o mesmo, exprime uma virtude política que pede ao legislativo que
promulguem leis moralmente coerentes, que é o Princípio Legislativo e que os juízes
aceitem a lei nesse sentido moral, que é o Princípio do Judiciário. Segundo esse
79 ALEXY, Robert. Op. cit, p. 86-87.80 SILVA, José Afonso da, Aplicabilidade das Normas Constictucionais.Op. cit, p. 42.81 DINIZ, Maria Helena. Op. cit, p. 717.82 CANOTILHO, J.J. Gomes. Constituição Dirigente. Coimbra : Coimbra Editora, 1983, p. 42.83 DINIZ, Maria Helena. Op. cit., p. 109.84 CANOTILHO, J.J.Gomes. Constituição Dirigente, Op. cit., p.42.85 DWORKIN. Ronald. Op. cit., p. 111.
36
último Princípio, os juízes devem identificar os direitos como advindos de uma única
autoridade que é o que chama de comunidade personificada, isto é, que derivem da
prática da comunidade jurídica. Assim procedendo, segundo o jurista, estariam
enquadrados no Princípio Judiciário de Integridade. 86
O juiz que aceitar o Princípio da Integridade pensará que o direito que
têm os litigantes está definido e terão estes uma decisão dele, na melhor concepção
daquilo que as normas jurídicas da comunidade exigem ou permitem à época em
que se deram os fatos e a integridade exige que essas normas sejam coerentes. 87
Afirma este Autor que a integridade é uma virtude ao lado da justiça, da
eqüidade e do devido processo legal. Ainda aqui, repisa que as proposições
jurídicas para serem verdadeiras devem ser provenientes do Princípio de Justiça, da
Equidade e do Devido Processo Legal; que de fato ofereçam a melhor interpretação
jurídica da comunidade. O juiz deve orientar-se pela teoria que lança melhor luz
sobre a prática jurídica da comunidade. Para tanto, são necessários o raciocínio
judicial e o balanceamento dos princípios, pois para o mesmo, a integridade diz
respeito a princípios. 88
Para Alexy, por sua vez, os princípios implicam em conexão com a
máxima da proporcionalidade, em seus três desdobramentos, a adequação, a
necessidade, considerada esta como a aplicação de um meio mais benigno, e a
proporcionalidade em sentido estrito. 89
Assim, da máxima de proporcionalidade em sentido estrito infere-se
que os princípios são mandatos de otimização, com relação às possibilidades
jurídicas, de adequação com relação às possibilidades fáticas, e de necessidade,
86 DWORKIN, Ronald. Op. cit., p. 21387 Ibidem, p. 263.88 Ibidem, 264.89 ALEXY, Robert. Op. cit., p. 111.
37
considerada como um fim que deve ser alcançado de modo que afete o menos
possível a pessoa. O Princípio da Proporcionalidade é inerente ao Estado
Democrático de Direito.90
É o Princípio da Proporcionalidade que permite o sopesamento dos
demais princípios e dos direitos fundamentais, compatibilizando os interesses
envolvidos. Alexy assevera que não pode haver uma adequada dogmática de
direitos fundamentais, sem a teoria dos princípios. 91
Dessa forma, pode-se perceber que os princípios devem revelar os
valores básicos de uma sociedade. Norberto Bobbio ensina que ao lado dos
princípios gerais expressos há os não expressos, aqueles que se podem tirar por
abstração de normas específicas ou pelo menos não muito gerais. 92
Celso Antonio Bandeira de Mello assim define princípio, verbis:
Mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposiçãofundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes oespírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência,exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, noque lhe confere a tônica e lhe dá sentido humano. É o conhecimento dosprincípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes dotodo unitário que há por nome sistema jurídico positivo. Violar um princípio émuito mais grave que transgredir uma norma. É a mais grave forma deilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípioatingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversãode seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço ecorrosão de sua estrutura mestra. 93
Canotilho considera os princípios como a alma da Constituição, e os
classifica em: 1) Fundamentais; 2) Politicamente Conformadores; 3) Os Impositivos;
4) Garantistas. Os Fundamentais são aqueles que são introduzidos na consciência
jurídica e exercem importante função de fundamentar a Ordem Jurídica em que se
90 SARMENTO, Daniel. A Ponderação de Interesses na Constituição Federal. Rio de Janeiro: LúmenJúris, 2002, p. 96.91 ALEXY, Robert. Op. cit, p. 25.92 BOBBIO, Norberto. Lições de Filosofia. Op. cit, p. 15.93 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Elementos de Direito Administrativo. São Paulo : RT, 1980, p.230.
38
insere. Os Politicamente Conformadores são aqueles que explicitam as valorações
políticas fundamentais do legislador constituinte. Os Impositivos são os que
determinam aos órgãos do Estado a realização de fins e tarefas e, finalmente os de
Garantia, que estabelecem a forma direta e imediata de uma garantia para fazer
prevalecer o direito para o cidadão. 94
A Corte Constitucional Italiana define princípios como sendo
orientações e diretivas de caráter geral e fundamental, coordenadas e extraídas
racional e sistematicamente das normas em um determinado momento histórico a
formarem todo o tecido do Ordenamento Jurídico. 95
Os quatro primeiros artigos da Constituição Brasileira vêm tratando dos
princípios fundamentais. Os princípios exercem pelo menos três funções no Direito:
função fundamentadora da Ordem Jurídica, função orientadora do intérprete, função
de fonte subsidiária. A função fundamentadora, enquanto valor, fundamenta a
Ordem Jurídica na qual está inserido o princípio. 96 São idéias básicas para o direito
positivo e para a operação de interpretação, ainda elemento integrador de lacunas.
Paulo Bonavides considera como a viga mestra do sistema. 97
O Supremo Tribunal Federal vem absorvendo a dimensão de
funcionalidade dos princípios e, bem de ver, o voto do Ministro Celso de Mello,
proferido na PET-458/CE, cujo julgamento deu-se em 26-02-1988, verbis:
O respeito incondicional aos princípios constitucionais evidencia-se comodever inderrogável do poder público. A ofensa do Estado a esses valores -que desempenham, enquanto categorias fundamentais que são, um papelsubordinante na própria configuração dos direitos individuais ou coletivos-introduz um perigoso fator de desequilíbrio sistêmico e rompe, por completo,a harmonia que deve presidir as relações, sempre tão estruturalmentedesiguais entre indivíduos e o poder. 98
94 CANOTILHO, J.J.G. Direito Constitucional. 6a. Ed., Coimbra: Almedina, 1993, p.170-174.95 BONAVIDES, Paulo. Op. cit., p. 230.96 Ibidem, p. 232.97 Ibidem, p. 265.98 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Petição 458-CE. Relator Ministro Celso de Mello. Brasil : DiárioOficial, publicação em 26 de fevereiro de 1988. Disponível em www.stf.gov.br, acesso em 05.07.2005.
39
Função orientadora do intérprete é o ponto de partida e guia na
perquirição do sentido das normas. 99 Quando a regra admitir mais de uma
interpretação, deve ter prevalência aquela que mais se afinar com os princípios.
Mas, se restringir ou estender seu significado, admite-se que possa proceder a
interpretação extensiva ou restritiva, a calibrar o alcance da regra com o princípio.
Entretanto, na ausência de regra específica, caracterizando-se, pois, a lacuna, e na
busca da solução, eis que Ordenamento inadmite um non liquet, deve pautar-se a
interpretação pelos princípios. 100
O art. 4º. do Decreto- Lei nº. 4.657, de 04 de setembro de 1942, (Lei
de Introdução ao Código Civil) serve de sustento à tese de utilização dos princípios
como fonte subsidiária do sistema quando dispõe que nos casos em que a lei for
omissa o juiz decidirá utilizando-se da analogia, dos costumes e dos princípios
gerais do direito, como elementos integradores do Ordenamento Jurídico.101
Na esfera jusconstitucional, os princípios encabeçam o sistema,
guiando e fundamentando as demais normas, sendo mesmo fonte primária do
direito. 102
A Teoria dos Princípios é um mecanismo antes de tudo colocado pelo
legislador constitucional à disposição do intérprete e aplicador da lei em face de sua
maior abstração e abertura, na medida em que ocorrendo as transformações sociais,
as interpretações vão se adaptando às transformações políticas, transcendendo a
literalidade, atualizando a interpretação sem mudar o texto normativo.103
Dentro da análise, é pertinente lembrar que assim ocorre na Suprema
Corte Norte Americana em relação à Constituição. É que aquela Corte, em
99 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Op.cit, p. 04.100 SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de Direito Público. São Paulo: Malheiros, 1992, p. 183.101 ROCHA, José Albuquerque. Teoria Geral do Processo. 4ª ed. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 47.102 BONAVIDES, Paulo, Op. cit., p. 263.103 Ibidem, p. 07.
40
sucessivas ocasiões, entendeu que o racismo era legal, por exemplo, no caso Dred
Scott versus Sandford, julgamento ocorrido em 1857, negando a condição de
cidadão a um escravo. Numa outra ocasião, contudo, já em 1896, numa segunda
fase de observação do assunto, no caso Plesse versus Ferguson, a Corte adotou a
doutrina do equal, but separate, que consistia em reconhecer o negro como igual,
mas admitindo a convivência separada. Na terceira fase de apreciação do mesmo
assunto, no caso Brown versus Board of Education, decidido em 1954, a mesma
Corte interpretando a mesma Constituição, deu pela inconstitucionalidade da
segregação racial de estudantes negros nas escolas públicas.104
Jürgen Habermas pretende a interpretação dos direitos fundamentais a
partir da teoria do discurso. O princípio do discurso, entendido como princípio da
democracia, deve ser considerado da seguinte forma: são válidas as normas de
ação nas quais todos os possíveis atingidos podem dar o seu assentimento na
qualidade de participantes racionais. 105
Assim é na visão de Habermas, sob o argumento de que o direito não
somente exige aceitação, mas verdadeiro reconhecimento de seus endereçados.
Para a legitimação do ordenamento estatal representado na forma da lei, é
necessária a fundamentação desenvolvida pela argumentação e do discurso para
que chegue a pontos de vista comuns, num processo democrático e comunicativo,
com o reconhecimento dos direitos subjetivos, desobrigando ao titular do direito a
vinculação aos mandamentos morais ou a qualquer outra restrição que não seja
aquela estabelecida na lei pelo processo democrático. 106
É que, enquanto a moral abrange a todas as pessoas naturais, sem
104 MORAES. Maria Celina Bodin de. Constituição, Direitos Fundamentais e Direito Privado. PortoAlegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 10.105 HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre Facticidade e Validade. Tradução de FlávioBeno Siebenei Ghler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997, p.142.106 Ibidem, p. 69.
41
limites, o universo jurídico localizado no espaço e tempo rege seus membros na
proporção em que assumem uma condição de portadores artificiais de direitos
subjetivos.107
1.2.2 - Conflito entre Regras e Colisão de Princípios
O conflito entre regras denomina-se antinomia, que significa dizer a
existência de uma incompatibilidade entre ambas dentro de um mesmo ordenamento
jurídico e validade que conduzirá a eliminação de uma delas desse mesmo sistema,
por uma escolha do intérprete.108
A colisão entre princípios levará à análise e ponderação do peso e
importância de cada um dentro da situação concreta, eis que um não se sobrepõe
ao outro, uma vez que tem a mesma dignidade hierárquica, não implicando na
eliminação do mesmo da ordem jurídica, como acontece com as regras, mas tão
somente o afastamento pelo intérprete de um para aplicação de outro que se
encontre em testilha, vetorizado na real intenção do sistema jurídico, numa opção
teleológica de critérios políticos e sociais.109
A atribuição de peso e importância, no entanto, não é faculdade
discricionária do intérprete e aplicador, eis que esse está vinculado ao sistema geral
que emerge da Ordem Jurídica, notadamente da Constituição, com a observação
dos aspectos lingüísticos, sistemáticos e funcionais.110
Como se percebe então, os princípios servem para dar atualidade à
norma, colaborando com sua interpretação, pois a maneira de interpretá-los evolui
com o tempo, atualizando os valores.
107 HABERMAS, Jürgen, Direito e Democracia: entre Facticidade e Validade, Op cit, p. 70.108 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. Op. cit, p.93-94.109 GRAU, Eros Roberto. Op. cit, p 194.110 Ibidem, p. 196.
42
1.2.3 Da Dignidade da Pessoa Humana
José Afonso da Silva, na abordagem sobre a dignidade da pessoa
humana, diz que esse princípio dá seqüência hierárquica aos preceitos de respeito à
integridade física e psíquica das pessoas, pela consideração dos pressupostos
materiais mínimos para o exercício da vida e respeito pelas condições de liberdade e
convivência social igualitária. 111
Ingo Wolfgang Sarlet diz que a dignidade da pessoa humana, na
condição de valor-fonte, (princípio normativo), atrai o conteúdo dos Direitos
Fundamentais e pressupõe o reconhecimento, a garantia e a proteção dos direitos
em todas as dimensões. Assim, sem que se reconheçam à pessoa humana os
Direitos Fundamentais que lhe são inerentes, em verdade estar-se-á negando a
própria dignidade, que é um pressuposto do Estado Democrático de Direito
Brasileiro. 112
Afirma ainda este Autor que a dignidade da pessoa humana deve ser
considerada na pessoa em sua individualidade, que a faz merecedora de respeito e
consideração por parte do Estado e da Comunidade, no que implica exatamente em
um complexo de direitos e deveres fundamentais contra todo ato aviltante,
degradante, desumano e a garantia de uma existência dentro de condições mínimas
para uma vida saudável e a compartilhar a própria existência com os outros seres
humanos. 113
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, seguindo a
orientação mundial, pela primeira vez, estabelece como fundamento da República
Federativa do Brasil a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III) que, segundo
111 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. Op. Cit., p. 96.112 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na ConstituiçãoFederal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 87.113 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na ConstituiçãoFederal de 1988, Op. Cit,, p. 62.
43
Alexandre de Moraes, consagra uma dupla concepção: a) um direito individual
protetivo, seja em relação ao próprio Estado, seja em relação aos demais indivíduos
e (b) um dever fundamental de tratamento igualitário dos próprios semelhantes,
expresso pela exigência do indivíduo em respeitar a dignidade de seu semelhante,
da mesma forma que a Constituição exige que a respeite. 114
Ingo Wolfgang Sarlet, em relação à dupla concepção da dignidade,
assevera ser na verdade limite e tarefa dos poderes estatais e da mesma forma da
comunidade como um todo, entendido como responsabilidade de todos e de cada
um ao mesmo tempo numa dimensão defensiva e prestacional da dignidade que por
dizer respeito a direitos humanos constitui-se, ao mesmo tempo nessa dúplice visão
de limite e tarefa de todos perante cada um. 115
A dignidade da pessoa humana é algo que não pode ser perdido nem
alienado, e que se constitui no limite do poder público. É tarefa imposta ao Estado,
que deve desenvolver ações para a fruição, exercício e preservação da dignidade,
posto que se questione até que ponto pode a própria pessoa realizar ela própria,
absoluta ou parcialmente as suas necessidades existenciais básicas, ou se para
tanto dependerá da atividade prestacional do Estado e da própria comunidade em
que vive.116
A dignidade resguarda o mínimo existencial, levando-se em conta a
circunstância do ser humano, impedindo o seu ultraje, ainda que se trate de um
criminoso, de modo que a Constituição Pátria veda, expressamente, a pena de
morte, prisão perpétua, banimento, tortura e penas cruéis (Art. 5º, Incisos XLVII e
XLVIII).
114 MORAES, Alexandre. A Constituição do Brasil Interpretada. São Paulo : Atlas, 2002, p. 129.115 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na ConstituiçãoFederal de 1988. Op. cit., p. 47-48.116 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana, Op. cit., p. 49.
44
É importante destacar que a base de justificação dos Direitos
Fundamentais não se encontra apenas no Direito Positivado, mas fundamentação
filosófica, política e jurídica nos fatos da vida, e seus desdobramentos diretamente
relacionados aos seus membros (as pessoas) e suas circunstâncias fáticas, tendo
como alicerce ou pilar a dignidade da pessoa humana.117
Alexy, discorrendo sobre a questão dos direitos fundamentais, diz que
estes podem ser observados mediante teorias diferentes, entre elas, pela teoria
histórica, que serve para explicar o surgimento dos direitos fundamentais, a teoria
filosófica que busca sua fundamentação, a teoria sociológica que investiga as
funções dos direitos fundamentais no contexto social. 118
1.2.4 – Garantias Constitucionais
Os direitos fundamentais resultariam inócuos, contudo, se não fossem
assegurados por garantias a tutelar tais direitos. São as chamadas garantias
constitucionais a conferir-lhe a efetividade, eis que a simples afirmação desses
direitos não significa a sua intangibilidade, eis que podem ser violados, sendo
indispensáveis medidas que os tornem plenamente exeqüíveis. Assim, se alguém
tem por ameaçado, por exemplo, o direito constitucionalmente assegurado de ir e vir,
o instituto do habeas corpus é o remédio que se utiliza quando esse direito é
ilegalmente violado, ou ainda, da mesma forma quando subtraído o direito ao devido
processo legal e imposta determinada decisão judicial ou administrativa, de
constrição de determinado bem sem que tenha a pessoa feito parte da relação
processual, podendo ser aplicado o remédio do mandado de segurança, por atingir
117 SARMENTO, Daniel, A Vinculação dos Particulares aos Direitos Fundamentais no DireitoComparado e no Brasil in BARROSO, Luiz Roberto, Org. A nova Interpretação Constituciona:Ponderação, Direitos Fundmaentais e Relações Privadas. Rio de Janeiro- São Paulo: Renovar, 2003.,p. 30.118 ALEXY, Robert. Op. cit., p. 27.
45
direito líquido, certo e exigível, reconhecido e positivado na Constituição Federal, ao
processo justo, com paridade de partes, com o direito ao devido processo legal e
seus desdobramentos, ampla defesa e os recursos à mesma inerentes. Trata-se de
proteção subjetiva das liberdades.119
Importante considerar que os direitos e garantias fundamentais
positivados na Constituição não são ilimitados. Não é porque detêm o status de
fundamentais que podem ser contrapostos de forma irrestrita nem absoluta contra
quaisquer outros interesses. Afinal, pode acontecer um choque de interesses entre
pessoas que detenham todos os direitos fundamentais frente ao caso concreto.
Tanto ao legislador quando ao titular são impostos limites: de um lado, o correto uso
das liberdades e do outro, não conceber o abuso que viesse a comprometer o
exercício dos direitos fundamentais.120
Assim, se ocorresse tal choque entre detentores de direitos comuns,
ainda que constitucionalmente assegurados, a solução seria simples: dar-se-ia
precedência aos detentores dos direitos fundamentais. Mas como resolver a questão
quando o choque se dá entre detentores de direitos fundamentais? A solução reside
na via interpretativa, por meio da qual será necessário reduzir o âmbito de alcance
de um dos direitos fundamentais à vista do outro, que possa ser considerado ainda
mais fundamental.
Por exemplo, o direito à vida e à liberdade são ambos direitos
fundamentais, mas não resta dúvida de que aquele é mais fundamental que este.
Assim, o direito à liberdade terá que ser mitigado se entrar em choque com o direito
à vida. Mas nem mesmo o direito à vida é ilimitado, em caso de guerra externa, por
exemplo, é cabível, no sistema brasileiro, a pena de morte, o que configura uma
119 MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais. Op. cit., p. 42.120 Ibidem, p. 27.
46
clara restrição a esse direito, assim como há o permissivo legal de se tirar a vida de
outrem se em legítima defesa. 121
Mas, afinal, quais são os direitos e garantias fundamentais? Em
primeiro lugar, aqueles assim agrupados no título próprio da Constituição Federal,
quais sejam: direitos individuais e coletivos, direitos sociais, direitos de nacionalidade
e direitos políticos. Também, outros direitos esparsos pela Constituição Federal e
que possam ser considerados como fundamentais, e ainda há aqueles que nem
sequer figuram expressamente na Constituição, mas que emanam dos princípios
adotados por nosso povo, além de outros, ainda, reconhecidos em tratados
internacionais assinados pelo Brasil. Isso porque os direitos e garantias expressos
na Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela
adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil
seja parte (art. 5º, § 2º).
O Constituinte pátrio inspirou-se na Lei Fundamental da Alemanha e
também na Constituição Portuguesa de 1976 para a elaboração da dogmática
jurídica dos direitos fundamentais, excluindo os termos que existiam
tradicionalmente no Brasil, dentro do texto constitucional anterior, que falava em
Garantia dos Direitos Civis e Políticos dos Cidadãos Brasileiros . 122
Há distinção entre direitos fundamentais e direitos humanos. Os
direitos fundamentais são aqueles positivados no direito constitucional positivo de
um Estado, e os direitos humanos relacionam-se com os documentos de direito
internacional. 123
Habermas afirma que os direitos fundamentais se manifestam como
direitos positivos de matiz constitucional, não sendo mera expressão de direitos
121 MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais. Op. cit ,p. 28.122 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais, Op. cit., p. 35-36.123 Ibidem, p. 37.
47
morais. 124
Os direitos fundamentais estão assegurados na Constituição pátria e
os instrumentos para assegurar sua efetividade e respeito também estão
assegurados na própria Carta. O direito à tutela jurisdicional é uma garantia
processual e ao mesmo tempo um direito fundamental. A garantia da tutela pelo
Poder Judiciário enseja oportunidade de interposição de medidas judiciais para fazer
valer os direitos fundamentais. O art. 16 da Declaração dos Direitos do Homem de
1789 consigna que Toda sociedade na qual a garantia dos direitos não é
assegurada... não tem Constituição.” 125
A tutela jurisdicional se desenvolve a partir da provocação ao judiciário
pela via do acesso ao judiciário para receber a resposta sobre o pedido formulado,
tanto envolva uma relação entre os particulares quanto esses e o Estado. A garantia
de acesso à justiça está prevista no art. 5º. Inciso XXXV da Constituição da
República de 1988.126
O instrumento para o exercício dessa tutela é o processo, que é
legitimado por linhas-mestras estabelecidas pela própria Constituição mediante a
imposição de sanção em decorrência da não observância dos preceitos
fundamentais, consistindo em verdadeira garantia para a efetivação e eficácia dos
direitos.127
Assim é que a própria Constituição estabelece alguns princípios
direcionados ao desenvolvimento do processo seja na matéria constitucional ou
124 HABERMAS, Jügen. Direito e Democracia...Op. cit.. 42.125 GRECO, Leonardo. Garantias Fundamentais do Processo: o Processo Justo. In Novos EstudosJurídicos Revista Trimestral do Curso de Pós-Graduação Strictu Sensu em Ciência Jurídica daUNIVALI. Santa Catarina : UNIVALI, 1995, p.14.126 GRECO, Leonardo. Garantias Fundamentais do Processo: o Processo Justo. In Novos EstudosJurídicos Revista Trimestral do Curso de Pós-Graduação Strictu Sensu em Ciência Jurídica daUNIVALI. Santa Catarina : UNIVALI, 1995, p.14127 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil 15ª ed. São Paulo :Malheiros, 2005, p. 214.
48
qualquer outro tipo de conteúdo, seja cível, penal, trabalhista, que são os seguintes
princípios: o devido processo legal, a inafastabilidade do controle jurisdicional, o da
igualdade, da liberdade, do contraditório e ampla defesa, juiz natural, publicidade e o
duplo grau de jurisdição, além da exigência técnica da motivação das decisões,
como projeção do princípio do due process of law.128
1.2.5 A Garantia do Devido Processo Legal
O art. 5º. Inciso LIV da Constituição da República estabelece a garantia
do devido processo legal, colocando a salvo o cidadão jurisdicionado de que não
padecerá privação de sua liberdade nem de seus bens sem que possa submeter-se
ao devido processo legal, aí inserido o direito do contraditório e da produção da
ampla defesa, que se desdobra na interposição de recursos a tribunais superiores,
caso as decisões de órgãos inferiores não atendam as suplicas aduzidas, não
podendo, ainda, ser atingido por qualquer decisão da qual não tenha sido parte ou
da qual não tenha o direito de manifestação.129
O devido processo legal implica como que na atração de todos os
demais princípios e garantias constitucionais do processo civil, posto que o devido
processo legal envolve a oportunidade e o desenrolar das práticas amparadas pelos
demais princípios norteadores do processo, a inafastabilidade do controle judicial,
da igualdade entre as partes, do juiz natural, garantia do contraditório, da ampla
defesa, da liberdade, da publicidade dos atos processuais, do duplo grau de
jurisdição, e ainda da exigência técnica da motivação das decisões judiciais.130
A técnica da Motivação traduz um corolário do princípio do Estado
Democrático de Direito, fazendo com que o Juiz tenha que, ao proferir uma decisão,
128 DINAMARCO, Cândido Rangel, Op. Cit., p. 216.129 Ibidem, p. 264.130 Ibidem, p. 265.
49
dizer o porquê, os fundamentos, as razões que conduziram ao desfecho, que poderá
gerar efeitos na esfera de direito de um jurisdicionado, servindo de entrave à prática
da arbitrariedade. 131
A motivação das decisões dos atos judiciais serve para dar
transparência e possibilitar o controle pelas partes e pela sociedade, configurando-
se, na verdade, num verdadeiro discurso explicativo de modo a dar validade à
decisão dentro de um vértice racional que seja reconhecido e aceito dentro da
comunidade onde é aplicada e no seu momento histórico vivenciado.132
Todos estes mecanismos que se desenvolvem no devido processo
legal tem como propósito último a promoção de um processo justo, que possa em
todo o seu curso ensejar a paridade das armas ou meios a serem utilizados pelas
partes numa performance equilibrada. 133
Para viabilizar a garantia efetiva dos direitos humanos e fundamentais,
há também ampla possibilidade de acesso às Cortes Internacionais, uma vez que
esses direitos estão consagrados em quase todos os países do mundo e existem
sistemas supranacionais para possibilitar a sua eficácia e exercer o seu controle,
como a Corte Européia de Direitos Humanos e a Corte Interamericana de Direitos
Humanos, por exemplo.134
Pode-se concluir então que a garantia a esses direitos fundamentais
viabiliza-se através de determinados remédios que a própria Constituição
disponibiliza para efetivar a provocação do Estado através do Poder Judiciário, com
o propósito de resguardar, corrigir, reparar ilegalidades ou abuso e ainda fazer
131 DINAMARCO, Cândido Rangel, Op. Cit., p. 197.132 TARUFFO, Michele. La Motivatione Della Sentenza Civile. Vol. 14. Itália: Cepam Padova, 1975, p.118.133 TARUFFO, Michele, Op.cit. 266.134 GRECO, Leonardo, Novos Estudos Jurídicos – Revista Trimestral do Curso de Pós-GraduaçãoStrictu Sensu em Ciência Jurídica da UNIVALI. Op. cit., 1995, p.13.
50
cessar constrangimento a direitos humanos e fundamentais. Esses remédios são
denominados de garantias constitucionais, sendo certo que alguns desses não
necessariamente precisam ser formulados perante o judiciário, como é o caso do
direito de petição e de certidão perante a administração pública, só sendo
necessária a via judicial caso seja negado o direito pretendido perante a
administração. Outros, entretanto, como o Mandado de Segurança, o Habeas
Corpus, o Habeas Data, o Mandado de Injunção, a Ação Popular, são ações
constitucionais que devem ser exercitadas perante o Judiciário.
Nesse fio de idéia, constata-se que o direito processual é instrumento
de grande importância para efetivação das garantias e efetivação dos direitos
fundamentais e não se separa da Constituição, eis que, mais que um instrumento
técnico, revela-se um verdadeiro instrumento ético de efetivação dessas garantias
até porque como ramo do Direito Público, o Direito Processual finca seus
fundamentos na própria Constituição e no Direito Constitucional, fixando a estrutura
de seus Órgãos, na medida em que através dos mesmos o Estado deverá cumprir a
sua obrigação de distribuição de Justiça, estabelecendo, para tanto, também a
dimensão dos poderes dos juízes, a subordinação à jurisdição, o direito de ação e
de defesa, seus modos de exercício, o duplo grau de jurisdição e outros, assim como
a função do Ministério Público e a assistência judiciária. 135
Todas essas garantias estão inseridas na própria Constituição, mas, de
todo modo, a superioridade da Constituição é a maior garantia do jurisdicionado que,
além de elencar os meios para proteção dos direitos fundamentais, que podem ser
utilizados pelos interessados prejudicados, envolve todo o Poder Judiciário nesta
tarefa quando prevê um sistema concentrado e um sistema difuso de controle da
135 GRINOVER, Ada Pellegrini. Os Princípios Constitucionais e o Código de Processo Civil. SãoPaulo: Bushatsky, 1975, Apresentação, e p. 4-5.
51
constitucionalidade, na forma dos artigos 102, Inciso I Letra “o” e o art. 5º. Inciso
XXXV da Constituição da República, adotando o sistema misto, numa conjugação do
sistema americano, que é difuso, com o sistema europeu que é concentrado. 136
O art. 60, § 4º. Inciso IV, da Constituição da República impede a
proposta de emenda à Constituição que vise abolir os direitos e garantias
individuais, consubstanciando-se em núcleo intangível e mesmo esfera protetiva e
garantidora eficaz dos direitos fundamentais, ostentando, portanto dignidade de
Cláusula Pétrea.137
O Processo é influenciado por fatores históricos, sociológicos e
políticos, assim como a própria Constituição que se interpreta mediante a
observação dessas forças.138
O Direito Processual é de grande importância para a garantia dos
direitos, notadamente o Direito Processual Constitucional, para a tutela de direitos
fundamentais.139 E assim é porque de nada valeriam as liberdades dos indivíduos se
não pudessem estes proceder a reivindicações e até mesmo defenderem-se perante
os Tribunais, estes que têm efetivamente a atribuição de concretizá-los.140
1.3 MECANISMOS CONSTITUCIONAIS DE GARANTIA
As garantias dos direitos humanos e fundamentais são objeto do
Direito Processual Constitucional, que trata dos institutos processuais de tutela
constitucional dos direitos fundamentais, dos conflitos entre órgãos do Estado e de
136 SCHAFER, Jaio Gilberto. Direitos Fundamentais: Proteção e Restrições.Porto Alegre: Livraria doAdvogado, 2001, p. 56.137 Ibidem, p. 49.138 Ibidem, p. 06139 GRINOVER, Ada Pellegrini. Op. cit p.6.140 CAPPELLETTI, Mauro. Diritto di Azione e di Difesa e Funzione Concretizzatrice dellaGiurisprudenza Costituzionale, in Giurisprudenza Cost;. 1961, p. 1284.
52
tutela dos princípios e normas da própria Constituição. Destacam-se entre elas o
Habeas Corpus, o Mandado de Segurança, o Mandado de Injunção, o Habeas Data,
a Ação Popular, chamadas ações constitucionais típicas apropriadas para assegurar
o gozo dos direitos violados ou que estejam na iminência de serem violados, ao lado
das ações de controle judiciário de constitucionalidade das leis. 141
1.4 EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS PERANTE O ESTADO E
PERANTE OS PARTICULARES
O § 1º do art. 5º. Da Constituição da República, de cunho
principiológico, impõe que os órgãos estatais e os particulares outorguem a máxima
eficácia e efetividade aos direitos fundamentais, enquanto considerados como
mandados de otimização ordenadores de que sejam concretizados na maior medida
possível, dentro das possibilidades jurídicas e reais. 142
A outorga dos direitos fundamentais de aplicação imediata no Brasil,
que vincula diretamente tanto ao Estado quanto aos particulares, a teor do § 1º. do
art. 5º. da Constituição, guarda relação com a assimetria social que constitui o
tecido populacional numa desigualdade real que exige do legislador, do aplicador e
intérprete do direito especial esforço para equilibrar as relações, atento a princípios
como o da solidariedade social, da dignidade da pessoa humana e da função social
da propriedade e nessas condições implementar a aplicação imediata. 143
A eficácia da norma jurídica deve ser entendida como sua capacidade
141 GRINOVER, Ada Pellegrini. Op. cit.,.p.7-8.142 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. Op. cit, p.373143 TEPEDINO, Gustavo. O Código Civil, os Chamados Microssistemas e a Constituição: premissaspara uma reforma legislativa. In TEPEDINO, Gustavo, (Organizador), Problemas de Direito Civil-Constitucional, Rio de Janeiro: Renovar, 2000.
53
de realização das metas inseridas na mesma pelo legislador. 144
Canotilho destaca, no complexo assunto da vinculação direta e
horizontal dos direitos fundamentais nas relações jurídico-privadas, um ponto que
não pode deixar de ser analisado, que é justamente a desigualdade em face da qual
deve ser resguardado um núcleo irredutível pessoal, que de forma alguma pode
deixar de ser considerado. 145
Assim é porque a circunstância social pátria recomenda a adoção da
vinculação direta dos direitos fundamentais às relações privadas entre os
particulares, sem mediação legislativa, como quis o legislador constitucional, em
face de preocupação com a exploração de pessoa a pessoa, em que faz todo
sentido que as entidades privadas devam respeitar de forma direta os direitos
garantidos constitucionalmente a teor do artigo 5º, § 1º. da Constituição Federal.
Em face de ser o Brasil uma sociedade muito injusta e assimétrica, na
qual ainda vivem abaixo da linha da pobreza mais de 54 milhões de habitantes, e 15
milhões abaixo da linha da miséria, segundo estatísticas, patente a desigualdade
social que nem mesmo precisa ser averiguada, com instituições e pessoas que
preservam o ranço escravocrata, apresenta-se um cenário em que se justifica a
tutela dos direitos fundamentais nas relações privadas para banir a opressão, a
exploração e a violência, elementos da realidade social que serviram para que
direitos fundamentais, na esfera jurídico-privada e no ordenamento pátrio, fossem
estabelecidos de forma direta e imediata, numa escolha feita pelo próprio
Constituinte.146
No Brasil, há sempre a vinculação direta dos direitos fundamentais aos
144 SILVA, José Afonso. Aplicabilidade das Normas constitucionais. 6. ed., 3ª Tiragem. São Paulo:Malheiros, 2004, p.66.145 CANOTILHO, J.J.Gomes. Direito Constitucional. 6ª. Edição. Coimbra : Almedina, 1992, p. 612.146 SARMENTO, Daniel. A Vinculação dos Particulares aos Direitos Fundamentais...Op. cit, p. 247.
54
particulares, haja ou não desigualdades de forças nas relações jurídicas. As
empresas e também as pessoas individualmente têm o dever de sujeitar-se ao
respeito e observância dos direitos fundamentais. 147
Ingo Wolfgang Sarlet, sobre o assunto, manifesta-se favoravelmente
pelo reconhecimento da eficácia dos direitos fundamentais frente ao particular, mas
observando que a solução para a questão deve ser feita através da ponderação com
a observância do princípio da autonomia privada do particular. 148
Gustavo Tepedino também comunga com a idéia da eficácia direta dos
direitos fundamentais nas relações jurídico-privadas, na vertente da humanização e
solidarização do Direito Civil, tendo como pilar a dignidade da pessoa humana. 149
Portanto, os direitos fundamentais se projetam e têm eficácia não só
perante o Estado, mas também perante os particulares verificando-se que seus
conteúdos materiais vinculam-se à dignidade da pessoa humana. A expressão
dignidade da pessoa humana encontra-se colocada na Constituição de uma forma
semântica, aberta à interpretação para que possa ser preenchido o seu real
significado no momento da concretização. 150
Vale transcrever a Ementa do Acórdão proferido no Recurso
Extraordinário nº. 158215-4/RS, proferido pela 2ª Turma, cujo Relator foi o Ministro
Marco Aurélio, enfocando o direito fundamental previsto no art. 5º, Inciso LV da
Constituição da República ao devido processo legal:
147 SARMENTO, Daniel. A Vinculação dos Particulares...,Op. cit, p. 256.148 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais...Op. Cit., p. 152,153 .149 TEPEDINO, Gustavo. . O Código Civil, os Chamados Microssistemas e a Constituição: premissaspara uma reforma legislativa. In TEPEDINO, Gustavo, (Organizador), Problemas de Direito Civil-Constitucional Op. Cit., p. 49.150 BARCELOS, Ana Paula. A Eficácia dos Princípios Constitucionais: o Princípio da Dignidade daPessoa Humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p.198.
55
COOPERATIVA-EXCLUSÃO DE ASSOCIADO- CARÁTER PUNITIVO-DEVIDO PROCESSO LEGAL. Na hipótese de exclusão de associadodecorrente de conduta contrária aos estatutos, impõe-se a observância dodevido processo legal, viabilizando o exercício da ampla defesa. 151
No Superior Tribunal de Justiça, pode ser exemplificado o caso que
envolveu o Habeas Corpus nº. 12.547-DF, cujo Relator foi o Ministro Ruy Rosado de
Aguiar, em que, embora a Corte não estivesse assumindo nenhum compromisso
com nenhuma das teorias sobre a eficácia dos direitos fundamentais na esfera
privada, assim restou ementada:
HABEAS CORPUS. Prisão Civil. Alienação fiduciária em garantia. PrincípioConstitucional da dignidade da pessoa humana. Direitos Fundamentais aigualdade e liberdade. Cláusula geral dos bons costumes e regra deinterpretação da lei segundo seus fins sociais. Decreto de prisão civil dadevedora que deixou de pagar dívida bancária assumida com a compra deum automóvel-táxi, que se elevou. Em menos de 24 meses, de R$18.700,00para R$ 86.858,24 a exigir que o total da remuneração da devedora, peloresto do tempo provável de vida, seja consumido com o pagamento dosjuros. Ofensa ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana,aos direitos de liberdade de locomoção e de igualdade contratual e aosdispositivos da LICC sobre o fim social da lei e obediência aos bonscostumes. Artigos 1º.,III, 3º., 5º. Caput da CR. Arts. 5º. E 17 da LICC. DL911/67. Ordem deferida. 152
O Ministro Relator, na análise da questão, abordou as teorias da
eficácia direta e indireta os direitos fundamentais e manifestou-se em favor da
eficácia direta e horizontal dos direitos fundamentais nas relações jurídico-privadas,
dando realce, entretanto, que a discussão ou aplicação das teorias, uma ou outra,
no caso, seria prescindível, eis que patente a possibilidade de aplicação direta do
princípio da dignidade da pessoa humana, a cláusula geral do art. 17 da Lei de
Introdução ao Código Civil sobre Ordem Pública e Bons Costumes, a norma de
hermenêutica que recomenda aplicação da lei aos fins sociais. A eficácia dos direitos
fundamentais nas relações privadas se aplica às restrições neste trabalho
abordadas, uma vez que os particulares são igualmente detentores de direitos
151 Disponível no site www.stf.gov.br. Acesso em 05.07.05.152 Disponível no site www.s.tj.gov.br. Acesso em 05.07.05.
56
fundamentais, sendo necessária à ponderação, ao efeito de solução da colisão dos
mesmos, de uma análise do caso concreto, exercício que recairá ao intérprete e
aplicador da lei.153
1.5 SIGNIFICADO E ALCANCE DO ART. 5º, §2º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
A inspiração para a elaboração do conteúdo do art. 5º, §2º, da
Constituição Federal veio do próprio Direito Constitucional pátrio Republicano, de
1891, que por sua vez teve base na IX Emenda Constitucional dos Estados Unidos
da América. A IX Emenda da Constituição dos EUA contém regra de interpretação
para aplicação em caso de omissão de previsão formal do texto constitucional de
modo que a sua ausência não implica a impossibilidade do reconhecimento de um
direito fundamental, uma vez que não é exaustivo o catálogo constitucional. 154
O art. 5º, §2º, da CRFB/88 tem caráter conceitual aberto dos direitos
fundamentais positivados em outras partes da Constituição e até mesmo em
tratados internacionais e convergindo para a possibilidade de reconhecimento de
direitos fundamentais não escritos, implícitos ou decorrentes do catálogo e do
regime e princípios constitucionais. 155
Os direitos implícitos, aparelhados aos direitos individuais explícitos,
podem ser compreendidos como aqueles que estão subentendidos e não
enumerados nas garantias fundamentais dos direitos individuais decorrentes do
regime e dos tratados internacionais. 156
A Constituição Pátria, ao referir-se a direitos decorrentes do regime e
153 SARMENTO, Daniel. A Vinculação dos Particulares. Op. cit, p. 271.154 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos 0Fundamentais. Op. cit, p. 97.155 Ibidem, p. 83.156 SILVA, José Afonso, Curso de Direito Constitucional Positivo. Op. Cit. p. 38.
57
dos princípios, estabelece a abertura para reconhecimento de direitos fundamentais
não-escritos, abrangendo, portanto, os não positivados, estando aí entendidos os
direitos implícitos, em face da abertura do art. 5º, § 2º, da Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988, conferindo função hermenêutica à atribuição da noção
de direitos implícitos. 157
Assim é porque nem a Constituição nem outro texto pode especificar
todos os direitos, ou mencionar todas as liberdades. As leis ordinárias, a própria
doutrina e a jurisprudência, os tratados internacionais, vão completando o sistema.
Entretanto, nenhuma inovação se admite que seja antagônica ao regime, nem aos
princípios firmados pela Constituição. Do que pode-se inferir que é constitucional
não somente o que está escrito na Constituição mas assim também tudo o que pode
ser deduzido do sistema, e de forma universal aqueles expressos nos tratados
internacionais dos quais o Brasil faça parte.”.158
Para identificação desses direitos implícitos, decorrentes das garantias
e direitos individuais e dos princípios, há que ser considerado que a Constituição
pátria, no Título I, art. 1º. a 4º. trata dos princípios fundamentais e assenta seu
alicerce básico do Estado Social e democracia de Direito da República Federativa,
serve de bússola norteadora para o alcance das expressões “regime” e “princípios”,
uma vez que, compatibilizados com o sentido dos direitos do catálogo de direitos
fundamentais, eis que os direitos integrantes do catálogo e os que não são, sejam
escritos ou não, guardam relação com os princípios fundamentais da Constituição.
Por exemplo, o direito à vida relaciona-se diretamente com a dignidade da pessoa
humana, os direitos políticos relacionam-se com o princípio democrático. 159
157 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais Op. cit, p. 99.158 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 16. edição. Rio de Janeiro : Forense,1997.p. 175.159 Ibidem, p 106.
58
O art. 1º, Inciso III da Constituição que abriga a dignidade de pessoa
humana como fundamento do Estado Democrático de Direito é o valor unificador de
todos os direitos fundamentais, e, serve também para legitimar o reconhecimento
dos direitos fundamentais implícitos. 160
A dignidade da pessoa humana é uma qualidade intrínseca ao ser
humano, sendo irrenunciável, inalienável, não pode ser retirada, pois lhe é inerente,
ensejando a faculdade de autodeterminação de cada um. É a capacidade de tornar-
se consciente de si mesmo e de autodeterminar-se. 161
O legislador ao referir-se a regime e princípio , deixou abertura à
garantia e reconhecimento de outros direitos que a evolução e o tempo revelassem,
consagrando, portanto, o princípio da eqüidade e da construção jurisprudencial ,
informadores do direito anglo-americano, presentes também, no sistema jurídico
pátrio, entendido regime como forma de associação política, e os princípios da
Constituição, fontes geradoras de direito, além da lei. 162
Perez de Lüno, afirma que “a dignidade da pessoa humana constitui
não apenas a garantia negativa de que a pessoa não será objeto de ofensas e
humilhações, mas, implica também, num sentido positivo o pleno desenvolvimento
da personalidade de cada indivíduo. 163
Sendo a Constituição, um código, tem de admitir-se que ela é um
sistema convencional em que a autoridade constituinte define, no essencial, as
condições de uso. As normas constitucionais entendem-se, assim, como
significantes prescritivos. 164
160 MAXIMILIANO, Carlos, Op. Cit, p. 107.161 Ibidem, p.115.162 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. Op. cit, p. 99.163PEREZ LUNÕ ,Antonio E.. Derechos Humanos.stado de Derecho Y Constituición, 5ª. Edição.Madrid: Tecnos, 1995.p. 318.164 CANOTILHO, J.J. Gomes. Constituição Dirigente. Coimbra: Coimbra editora, 1983, p. 479-487.
59
Essa maior proteção que imprimiu o Legislador Constituinte na Carta
de 1988 reafirma-se pela inclusão deste rol nas cláusulas pétreas do art. 60 § 4º. da
Constituição Federal, construindo um cinturão de proteção dos direitos fundamentais
em face de possíveis ações do Constituinte derivado.
Então, os direitos fundamentais podem ser organizados em três
grupos: a) o dos direitos expressos na Constituição; b) o dos direitos implícitos
decorrentes do regime e dos princípios adotados pela Carta Constitucional e c) o dos
direitos expressos nos tratados internacionais subscritos pelo Brasil. 165
A Constituição Federal cita expressamente os brasileiros e
estrangeiros residentes no país (art. 5º, caput) como destinatários desses direitos. O
estrangeiro que esteja em visita ao país fica, portanto, ao largo dessa proteção
constitucional? A resposta é negativa. Temos, no caso, uma aparente lacuna na
redação constitucional.
Entre os destinatários incluem-se, na verdade, em uma interpretação
sistemática da Constituição Federal, os estrangeiros residentes ou não-residentes no
país, bastando apenas que estejam no território nacional. E as pessoas jurídicas?
Também, a doutrina entende que são destinatárias de todos os direitos
fundamentais a ela aplicáveis, pois protegê-las significa salvaguardar, em última
análise, as pessoas que estão por trás desses empreendimentos. 166
Os direitos fundamentais devem ser analisados à luz do princípio da
unidade da Constituição. 167
E, a compreensão desses direitos implica também na abordagem de
temas compartilhados como a filosofia jurídica e política. Em havendo conflito, como
165 HABERLE, Peter. A Sociedade Aberta dos Intérpretes.Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. PortoAlegre: Sérgio Luiz Fabris, 1997, p.55.166 MORAES, ALEXANDRE DE. Direitos Humanos Fundamentais, Op. Cit, p. 82-83.167 SARLET, Ingo Wolfgang.A Eficácia dos Direitos Fundamentais, Op. Cit., p.86.
60
já neste trabalho abordado, devem ser resolvidos mediante os mecanismos da
ponderação e harmonização dos princípios em pauta. 168
1.6 DIREITO FUNDAMENTAL À VIDA
A integridade física e moral do indivíduo, como não poderia deixar de
ser, é preocupação externalizada em vários pontos da Constituição Federal. O texto
constitucional determina, a título de exemplo, que ninguém será submetido à tortura
nem a tratamento desumano ou degradante (art. 5º, III). Constitui crime de tortura
(Lei 9.455/97, art. 1º, caput): i) constranger alguém com emprego de violência ou
grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental com o fim de obter
informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa, para provocar
ação ou omissão de natureza criminosa ou em razão de discriminação racial ou
religiosa; ii) submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego
de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de
aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo. Logo se vê que a tortura
não se limita aos maus tratos físicos, sendo também assim considerada a grave
ameaça ou o que quer que cause sofrimento mental.
Os crimes dolosos contra a vida não são julgados por magistrados,
mas pela própria sociedade, através de representantes comuns do povo, como
previsto na Constituição da República, que institui o júri popular, com a organização
dada pela lei infra-constitucional, possibilitando que o acusado seja julgado pelos
seus pares, pessoas que tenham convivência no mesmo lugar, assegurados a
plenitude de defesa, o sigilo das votações, a soberania dos veredictos e a
168 SARLET, Ingo Wolfgang.A Eficácia dos Direitos Fundamentais.,Op. Cit., p. 86.
61
competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida (art. 5º, XXXVIII).
O direito à vida compreende um patamar adequado com a própria
condição humana, incluindo o direito à alimentação, vestuário, assistência médico-
odontológica, educação, cultura, lazer e demais condições vitais, inclusive o direito
ao meio ambiente saudável, o que deve ser garantido pelo Estado, respeitados os
princípios da cidadania, dignidade da pessoa humana, valores sociais do trabalho,
livre iniciativa, ressaltando-se, por importante, que tais direitos, inerentes à vida,
devem ser garantidos desde a concepção (vida intra-uterina) para efeitos de
promoção e proteção. 169
Assim deve ser considerado, inclusive, porque o art. 2º. da Lei nº.
10.406, de 10 de janeiro de 2.002 (Código Civil Brasileiro) diz que, verbis: A
personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida, mas a lei põe a
salvo desde a concepção os direitos do nascituro . Tal previsão já existia na Lei nº.
3.071, de 01 de janeiro de 1916, cuja previsão encontrava-se no seu art. 4º.
O nascituro, devidamente representado pela mãe, pode ser parte no
plano processual, como autor ou réu. 170
A penalização do aborto (art. 124 do Código Penal) é, na verdade, um
meio de proteção à vida, antes mesmo do nascimento, considerando que a proteção
da vida inicia-se desde a concepção, sendo protegida não só extra, mas também
intra-uterina, excetuando-se, tão somente o aborto terapêutico, com vias a preservar
a vida da gestante quando não há outro modo e quando a gravidez resulta de
estupro. 171.
O Pacto de San José da Costa Rica, datado de 22-11-1969, ratificado
pelo Brasil em 25-9-1992, estabelecido pela Convenção Americana de Direitos
169 MORAES, ALEXANDRE DE. Direitos Humanos Fundamentais, Op cit. p. 87-88.170 Ibidem, p. 89.171 Ibidem, p.90.
62
Humanos, também se reporta à proteção da vida desde a concepção como consta
de seu artigo 4º, que diz que toda pessoa tem o direito a que se respeite a vida.
Esse direito deve ser protegido pela lei, em geral, desde o momento da concepção.
Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente. 172
Não há direito subjetivo à morte. O direito à vida é um direito de
conteúdo positivo, de modo que o ordenamento jurídico-constitucional não admite a
eutanásia, ou seja, o direito de exigir a exterminação ou tirar a própria vida, sendo
esta prática do suicídio, previsto na legislação penal pátria como crime à indução ou
instigação ao suicídio, como do art. 122 do Código Penal. 173
1.7 RESTRIÇÕES AOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
Canotilho observa que a questão da restrição dos direitos é complexa
no direito constitucional, pois em havendo possibilidade de ocorrer colisão com
outros direitos e bens também constitucionalmente protegidos, há que ser feita a
ponderação de bens e a concordância prática entre esses bens. Nesse
procedimento poderá ocorrer uma limitação ou diminuição do âmbito material de
incidência da norma, estreitando o núcleo protegido, sem dúvida a interferir na
plenitude do direito fundamental. 174
Essas restrições podem ser de duas espécies: strictu sensu, ou
expressas na própria Constituição, ou ainda em leis infraconstitucionais com a
autorização da própria Constituição, e restrições imanentes, aquelas não escritas na
Constituição, mas decorrentes do seu sistema.
172 MORAES, ALEXANDRE DE. Direitos Humanos Fundamentais, Op cit., p. 90.173 Ibidem, p.92.174 CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional. 6ª. Edição. Coimbra: Almedina, 1993, p. 601.
63
Essa idéia decorre da necessidade de compatibilização dos direitos
antagônicos e esses frente aos bens coletivos, como observa Alexy.175
A liberdade de expressão e manifestação de pensamento é direito
fundamental previsto no artigo 5º. Inciso IV da Constituição da República, mas
recebe restrição quando veda o anonimato. A Inviolabilidade de domicílio
consagrada na Carta Magna encontra restrição quando possibilita o ingresso na
casa mesmo sem autorização do morador, em casos de Flagrante Delito ou desastre
em que é necessário prestar socorro a vítimas. A liberdade de associação sofre
restrição quando pretendida para fins paramilitar. O direito a propriedade sofre
restrição quando o Poder Público necessita de ocupar tal propriedade em caso de
iminente perigo público. E o direito à liberdade, limitado pela incidência de prisão em
caso de dívida por alimentos e depositário infiel. 176
Há previsão constitucional de restrição de direitos, também, por
ocasião do estado de defesa, como aos direitos de reunião, de sigilo de
correspondência, de comunicação telegráfica e telefônica, a teor do art. 136, § 1º,
inciso I, letras “a” e “c” e, durante o estado de sítio, restringindo o direito de
locomoção, o sigilo das comunicações como a prestação de informação pela
imprensa, radiodifusão e televisão, o direito de reunião, a inviolabilidade de domicilio
e o direito de propriedade, na forma do art. 139.177
Hesse afirma que essas limitações têm a tarefa de coordenar e
garantir os direitos e liberdades, que não podem ser consideradas como ilimitadas
ou de uso indiscriminado de modo a afetar outros bens jurídicos de terceiros ou da
própria sociedade. Assim coordenados haverá possibilidade de maior âmbito de
175 ALEXY, Robert.,Op cit p.268.176 SCHAFER, Jairo Gilberto. Op. cit, p. 92-95..177 MENDES, Gilmar Ferreira.Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade:estudos de
direito Constitucional .3ª. Edição. São Paulo:Saraiva, 2004, p. 29.
64
eficácia de mais direitos de uns e de outros, como assim pensou o legislador
constitucional em relação à eficácia dos direitos fundamentais178.
Os direitos fundamentais, embora tenham eficácia imediata, para o
alcance de sua máxima efetividade social, não pode desprezar a organização e
adaptação à vida real, de modo a evitar o abuso e mesmo a violação dos direitos
fundamentais. 179
Canotilho afirma a possibilidade de restrições aos preceitos
garantidores de direitos e liberdades desde que sempre através da lei. 180
Dada a importância dos direitos fundamentais, a doutrina mais
moderna, considera que a restrição a determinados direitos não deve ater-se tão
somente à questão da reserva legal, mas ainda considerar a compatibilidade da
restrição com o princípio da proporcionalidade, a propósito de aferir a adequação
dos meios utilizados e os fins perseguidos, a necessidade ou exigibilidade de sua
utilização, como forma de evitar o excesso, a exorbitância e a desproporcionalidade
na aplicação da restrição, para salvaguarda dos direitos constitucionalmente
protegidos e a justeza da solução. 181
178 HESSE, Konrad. Elementos de Direito Constitucional. Da República Federal da Alemanha. Tradu.De Luiz Afonso Heck. Porto alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1998, p. 271.179 ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de1976.2ª. edição. Coimbra: almedina, 2001, p. 405.180 CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e Teoria da Constituição.Coimbra: Almedina,1998., p. 1080.181 MENDES, Gilmar Ferreira.Op. Cit.,p. 49-50.
65
CAPÍTULO II – A HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL
2.1 HERMENÊUTICA E CONSTITUIÇÃO
O estudo prévio da noção de Constituição torna-se fundamental para
se edificar uma teoria da interpretação.
É Hans Kelsen quem bem explica a superioridade hierárquica da
Constituição, reportando-se que a ordem jurídica é uma construção escalonada de
normas de diferentes níveis hierarquicamente colocadas, não estando todas no
mesmo plano. Mas, sua unidade resulta da conexão de validade de uma norma
estar de acordo com outra norma, uma servindo de base para a produção de outra
norma, pressupondo todas as normas fundamentais, que é o fundamento pelo qual
todas as normas encontram a sua validade de criação. 182
Para Kelsen, o direito é concebido como um sistema de normas que
retiram os seus fundamentos de uma norma superior. Esse aspecto do fundamento
da norma ser retirado de outra norma superior, denominada pelo mesmo como
hipotética ou fundamental, é a que valida todas as demais normas. Para Kelsen, não
há porque se questionar sobre valores que sustentam o direito, bastando visualizar
as regras para conhecer o direito. A norma fundamental de Kelsen possui um caráter
182 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 4ª ed., tradução.de João Baptista Machado, Coimbra,Armênio Amado, 1979, p. 310.
66
hipotético: suposta sua validade, podendo ser considerado válido o sistema jurídico
que sobre ela extrai o seu fundamento, entendido, portanto, que nesse aspecto está
radicada a soberania da ordem jurídica do estado, no contexto da unidade e da
validade do sistema escalonado ou hierárquico das normas. Mas, observa-se um
impasse em sua teoria, pois se a norma fundamental é um pressuposto de todas as
demais normas, não há lugar para o problema de seu fundamento. 183
A norma constitucional, segundo Cappelletti, é mais genérica e vaga,
nela inseridos conceitos justamente predeterminados a uma atuação criativa para
adaptar-se às mutações da vida e aos valores dela decorrentes enquanto questões
fáticas, sendo mesmo a concepção moderna da norma constitucional no sentido de
tentar previamente definir no direito positivo questões que assim não se pode fazer
de forma absoluta, em face de estar a sociedade moderna alicerçada no pluralismo,
com variedade de idéias, presente em todos os domínios. 184
Assim, a filosofia dos valores passou a fundamentar a ciência do
direito, consubstanciada pela axiologia jurídica. 185
A filosofia dos valores filia-se na Alemanha à Escola de Baden, onde
Radbruch foi representante, alicerçada na idéia de que são os valores que irão
permitir a distinção de fatos e personalidades históricas, o essencial e o não
essencial.186 Os valores podem não ser a realidade, mas estão nela inseridos, dando
significação e suporte aos fatos e à sua dinâmica, e o direito é o fato referido a
valores. 187
183 REALE, Miguel. Fundamentos do Direito, 3ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998 p. 167.184 CAPPELLETTI, Mauro, O Controle Judicial de Constitucionalidade das Leis no Direito Comparado,tradução Aroldo Plínio Gonçalves, revisão, José Carlos Barbosa Moreira, 2ª. edição, Sérgio AntônioFabris Editor, Porto Alegre, 1992,p . 130.185 DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito. 17ª. Edição. São Paulo:Saraiva, 2005, p. 47.186 RADBRUCH, Gustav. Filosófia do Direito. Tradução. Prof. L. Cabral Moncada. 6ª. Edição-Coimbra: Armênio Amado, 1997, p.p.14-19.187 RADBRUCH, Gustav. Op. cit. p.21.
67
A interpretação constitucional envolve uma investigação e uma
mediatização semântica dos enunciados lingüísticos. 188
Habermas afirma que o que torna viável a razão comunicativa é o meio
lingüístico, através da linguagem natural usada pelos co-partícipes sociais no
mundo, viabilizada pela racionalidade lingüística que conduz ao entendimento.189
A comunicação viabilizada pelos sinais, a interpretação dos mesmos
pode ser considerada como marco central da lingüística. 190
Através do agir comunicativo pelo meio lingüístico, discutido entre os
participantes da sociedade pela via democrática, mediante argumentos e
justificativas plausíveis, expressam-se as pretensões de verdade. 191
Os argumentos podem ser aceitos e considerados válidos quando há
um intercâmbio com standards ou modelos construídos racionalmente de modo a
servir de alicerce aos mesmos, mas pode ser que sejam apresentados argumentos
que suplantem os modelos racionalmente já exercitados.192
A moderna concepção de organização social é composta por diversos
grupos sociais, econômicos, políticos, culturais, científicos que tentam implantar e
realizar suas concepções e seus modos de vida. Cabe salientar que tais grupos, por
vezes, se mostram conflituosos ou contraditórios e, dessa forma, indaga-se como
poderiam esses grupos conviver harmoniosamente nessa sociedade.
A Constituição brasileira é marcada por forte pluralismo e
corporativismo o que dificulta mais ainda o processo de interpretação.
As Constituições são feitas para perdurarem indefinidamente no tempo.
188 CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Op. Cit.. 1080.189 HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia Entre Facticidade e Validade. Tradução. Flávio BenoSiebenei Ghler. Rio de janeiro: Tempo Brasileiro, 1997, Vol. I, p. 20.190 Ibidem, p. 32.191 Ibidem, p. 32.192 Ibidem, p. 57.
68
Para tanto, são construídas, em sua grande totalidade, por termos imperfeitos,
incompletos, que comportam a dinâmica social. Assim, o sistema constitucional não
é caracterizado por ser cerrado ou auto-suficiente, mas ao contrário, aberto ao
mundo da vida, dinâmico, sujeito a evoluções que lhe permitam acompanhar as
mudanças nos projetos e valores vigentes na sociedade.
Assim, para o direito constitucional a importância da interpretação é
fundamental, pois, dado o caráter aberto e amplo da Constituição, os problemas de
interpretação surgem, com maior freqüência que em outros setores do ordenamento,
cujas normas são mais detalhadas. 193
Por mais simples e clara que seja uma norma jurídica, a sua aplicação
exige uma extração de seus signos, de seus termos, o seu sentido, a sua
interpretação. Há, sem sombra de dúvidas, dificuldades neste processo, de modo
significativo quando se trata de direitos fundamentais como a liberdade, a igualdade
a dignidade da pessoa humana, privacidade, no momento em que o aplicador tem
de proceder a questionamento jurídico, ético e político. Margarida Maria Lacombe
Camargo, nesse sentido diz que para nós, o direito apresenta-se jungido à própria
hermenêutica, uma vez que a sua existência, enquanto significação depende da
concretização ou da aplicação da lei em cada caso julgado . 194
A abertura semântica e estrutural não é defeito das disposições
constitucionais, mas virtude, porque decorre da natureza da Constituição como
ordenamento marco, como norma fundamental, como sistema normativo aberto de
princípios e regras, e da finalidade da Constituição, que é a de ser uma estrutura
normativa básica da sociedade com eficácia abrangente e duradoura. É a abertura
193 HESSE, Konrad – Escritos de Derecho Constitucional, 2ª. Edição. Tradução. Pedro Cruz VillalouMadrid: Centro de Estudos Constitucional, 1992. p. 34194 CAMARGO, Margarida Maria Lacombe. Hermenêutica e Argumentação. Uma Contribuição aoEstudo do Direito. 3ª. Edição. Rio de Janeiro-São Paulo: Renovar, 2003, p. 17.
69
da Constituição que permite a mutação constitucional, evitando o processo
constituinte originário e derivado permanente, com resultados políticos e jurídicos
nem sempre seguros, previsíveis e desejáveis para a vida social. Canotilho, ao
cuidar da Hermenêutica Constitucional, assim se manifestou: O recurso ao texto
para se averiguar o conteúdo semântico da norma constitucional não significa a
identificação entre texto e norma. Isto é assim mesmo em termos lingüísticos: o texto
da norma é o sinal lingüístico ; a norma é o que se revela ou designa . 195
O texto não se sustenta por si mesmo, dele será extraída a norma pela
interpretação que lhe será dada, com atribuição do sentido. 196
Como o texto constitucional é composto muitas vezes de termos
genéricos e vagos, requer, para sua realização, que seja, então, interpretado. A
interpretação é um fenômeno histórico, situado e datado. Portanto, o sentido que se
dá à Constituição varia de contexto histórico para contexto histórico, sendo assim,
variante no tempo. A idéia é a de que as ações humanas, orientadas para
finalidades, encontram-se inseridas em um porquê histórico da mesma forma que o
intérprete é um ser historicamente orientado e que faz parte da tradição. 197
Margarida Maria Lacombe Camargo acentua que a ciência do direito
corresponde a um acontecer e como tal cabe mesmo ser interpretado conforme os
valores determinantes que comandam sua ação, e que, portanto, o método do direito
é um método tópico-hermenêutico, compreendida cada situação em função da
tradição histórica e que seu instrumental é argumentativo. 198
195 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constitucional. Op. Cit., p. 1075.196 STRECK, Lênio Luiz. Hermenêutica e concretização dos Direitos Fundamentais-Sociais no Brasil.In A Constituição do Direito – a constituição Como Lócus da Hemenêutica Jurídica. Organizador:André Gustavo Correia de Andrade. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2.003, p. 34.197 CAMARGO, Margarida Maria Lacombe. Hermenêutica e Argumentação. Uma Contribuição aoEstudo do Direito, Op.cit, p. 17198 Ibidem, p. 17.
70
Gadamer apresenta como condição e ponto de partida para a
compreensão na atividade hermenêutica a questão dos preconceitos inerentes ao
pensamento humano, decorrentes da tradição na qual está inserido, resultado de
dados da realidade histórica. 199 Esclarece, contudo, que o investigador se volta ao
passado motivado pelo acontecimento presente e seus interesses dentro do
movimento da própria vida. 200 Porém, adverte que o procedimento hermenêutico
não pode ancorar-se na tradição como uma continuidade ininterrupta e
inquestionável, mas como algo que foi dito e que pode colaborar na pré-
compreensão do conteúdo investigado face às familiaridades e estranhezas que a
própria tradição revela, sendo justamente nesse entremeio que a hermenêutica deve
atuar, porque a compreensão não pode ser entendida como um comportamento
apenas reprodutivo, mas também produtivo. 201
A compreensão é sempre um resultado interpretativo, e para que a
mesma seja atingida, a linguagem é reconhecida como um momento estrutural. 202
Para Gadamer a linguagem representa o próprio mundo do ser
humano, como o seu estar-aí, de modo que a linguagem só tem existência no fato
de que nela se representa o mundo.203
A respeito da interpretação jurídica, Gadamer pondera que o intérprete
pode voltar-se para o sentido originário e histórico do assunto tratado na norma em
análise, mas, não devendo prender-se à intenção daqueles que elaboraram a lei,
pela razão de que as circunstâncias vão mudando com o passar do tempo, exigindo
que seja novamente extraída a função contida no texto da lei, mediante a sua
199 GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método I. 6ª. edição. Tradução Flávio Paulo Meurer. Rio deJaneiro: Vozes, 2004, p. 368
200 GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método, Op. cit, p.377.201 Ibidem, p.391-392.202 Ibidem, p.406.203 Ibidem, p. 572.
71
atualidade, mediante o estar-aí, o ser presente.204 Assim deve ser porque a tarefa
da interpretação consiste em concretizar a lei, ou seja, é o próprio ato da aplicação
da norma ao caso concreto.205 Para tanto, é necessário a utilização da dogmática
jurídica, suas teorias, estas que não são perfeitas a ponto de constituir-se a
aplicação da lei num simples ato de subsunção, mas implicando num procedimento
hermenêutico-interpretativo para extração do sentido e alcance do conteúdo
normativo.206
A Constituição não é o simples texto eleito pelo Poder Constituinte
originário, mas o resultado sempre temporário de sua interpretação, e diz-se
temporário, porque o processo da vida é dinâmico e próprio, a mutação
historicamente consolidada mediante a transformação operada na sociedade de
uma determinada época e lugar, razão pela qual os termos utilizados orbitam na
vagueza, incluídos aí o catálogo de direitos fundamentais, de modo a permitir ao
intérprete adequar a aplicação ao momento em que esta se opera, uma vez que é
extraída da estrutura básica da sociedade, como expressa Robert Alexy. 207
A interpretação constitucional esteve e está muito vinculada a uma
sociedade fechada, vale dizer, aos juízes e aos procedimentos formalizados. Nesse
modelo, está legalmente legitimado para interpretar o texto maior somente aquele
escasso rol de pessoas que compõem o processo constitucional nas Cortes
Constitucionais, ou seja, o juiz, as partes e seus respectivos advogados, o Ministério
Público, mas, ainda que adstrita à interpretação constitucional a esse estrito rol de
intérpretes, para tanto Luiz Roberto Barroso considera que devem ser observados
princípios específicos e instrumentais para a interpretação constitucional, como
204 GADAMER, Hans-Georg. Op. cit ,p.429.205 Ibidem, p.432.206 Ibidem, p. 433207 ALEXY, Robert. Op. Cit.,22-23
72
sendo, o da supremacia da Constituição, da presunção de constitucionalidade,
interpretação conforme a Constituição, unidade, razoabilidade e efetividade 208.
O Princípio da supremacia da Constituição serve para o controle de
constitucionalidade dos atos normativos que obriga a que todos os atos normativos
estejam compatíveis com a Constituição, sob pena de não subsistirem. 209
O Princípio da presunção de constitucionalidade significa que em
respeito à independência dos poderes, o Judiciário deve militar em favor da
preservação da lei editada, só declarando a inconstitucionalidade do ato normativo
quando seja efetivamente inequívoca.210
O art. 97 da Constituição da República estabelece o quorum da maioria
absoluta dos membros do órgão Especial dentro dos Tribunais para a declaração de
inconstitucionalidade de lei, ou ato normativo do poder público. Podendo, ainda, ser
viabilizada medida cautelar suspensiva da eficácia da norma dita inconstitucional, na
forma do art. 102, Inciso I, letra “p”.
A interpretação conforme a Constituição exige que as normas
infraconstitucionais sejam interpretadas sempre de acordo com as emanações
constitucionais, afastando-se quaisquer interpretações que possam conflituar ou
estar em descompasso com a Interpretação conforme a Constituição, de modo que a
escolha da linha de interpretação conserve a harmonia com a Constituição, com a
exclusão de qualquer outra que viesse a contrastar com a Constituição, servindo de
mecanismo de controle de constitucionalidade, sendo entre as possíveis
interpretações a mais compatível com a Constituição. 211
O Princípio da unidade da Constituição considera que o eixo central
208 BARROSO, Luiz Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. 2ª. edição. São Paulo:Saraiva, 1998, p. 150.209 BARROSO, Luiz Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição, Op. cit., p. 150.210 Ibidem, p. 161.211 Ibidem, p. 174-176.
73
que alicerça todo o sistema é a Constituição da República, origem de todas as
normas, e, portanto, conferindo unidade ao Ordenamento. Não havendo hierarquia
entre as normas constitucionais, que se identificam por igual dignidade, mas,
mediante as tensões decorrentes de valores e bens jurídicos contrapostos que
podem surgir no caso concreto, o princípio em comento deve ser viabilizado pela
interpretação sistemática de modo a harmonizar as tensões, mediante utilização dos
princípios fundamentais, gerais e setoriais inscritos na Constituição, até porque essa
é a idéia e a essência da Constituição, ser uma ordem unitária na vida política e
social do Estado. 212
O Princípio da Razoabilidade ou da Proporcionalidade, ligado à
garantia do devido processo legal, e ao Estado Democrático de Direito, permite ao
Poder Judiciário espaço para adentrar ao mérito dos atos legislativos e
administrativos, enfim aos atos do Poder Público, de modo a observar se os meios
empregados pelo legislador se compatibilizam com os fins a que se destinam,
aferindo se estão de acordo com a justiça, entendidos como valores que tenham
correspondência com o senso comum dentro do contexto de um determinado
momento e lugar. Deve ser analisada a razoabilidade dentro da Lei, ou interna,
verificando-se a relação racional e proporcional dos elementos motivadores da
norma. Da mesma forma, a razoabilidade externa, se a adequação, os meios e os
fins estão alinhados ao texto constitucional, sem o que não poderá ser legítima ou
não será razoável ante a Constituição, devendo ser observada ainda a
proporcionalidade em sentido estrito, que significa a verificação da relação custo
benefício dos danos causados e os resultados a serem obtidos com a ponderação
entre o custo e o benefício da medida, de modo a justificar a interferência na esfera
212 BARROSO, Luiz Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição, Op. cit., p. 181-184.
74
de direito das pessoas, ou melhor, dizendo, se as vantagens serão de modo a
superar a desvantagens. 213
Na concepção de Willis Santiago Guerra Filho, esses três aspectos
desenvolvidos na teoria do princípio da proporcionalidade, como concebidos no
Direito Alemão (que optou pelo uso do termo proporcionalidade ao invés de
razoabilidade)214 e irradiado para outros Ordenamentos, repartem-se em três
princípios parciais como sendo, o princípio da proporcionalidade em sentido estrito, o
princípio da adequação e o princípio da exigibilidade.215
O princípio da proporcionalidade em sentido estrito a determinar uma
correspondência entre o fim a ser alcançado por uma norma e o meio empregado,
que seja juridicamente o melhor possível, sem ferir a dignidade da pessoa humana e
embora possa haver desvantagem para o direito de uma pessoa ou da coletividade,
a vantagem para os interesses de outra devem superar aquelas desvantagens.216
O princípio da adequação e o da exigibilidade determinam que o meio
escolhido se preste, dentro do que é faticamente possível, para o alcance da meta
ou fim perseguido, revelando-se adequado. E mais, o meio deve além de revelar-se
adequado, mostrar-se exigível, no sentido de não haver outro igualmente eficaz ou
menos danoso ao direito. 217 Há, contudo, no Brasil, uma forte resistência ao controle
judicial de mérito dos atos normativos do Poder Público, considerada a reserva de
um espaço de discricionariedade do agente público, e os princípios de conveniência
e oportunidade. 218
213 BARROSO, Luiz Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição, p. 198-209.214 STRECK, Lênio Luiz. Hermenêutica e Concretização dos Direitos Sociais no Brasil. In AConstituição do Direito a Constituição como Lócus da Hermenêutica Jurídica (Organizador: AndréGustavo Correia de Andrade). Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2003, p.183.215 GUERRA FILHO, Willis Santiago. O Processo Constitucional e Direitos Fundamentais. 2ª. edição.São Paulo, 2.001, p. 70.216 Ibidem, p. 71.217 Ibidem, p.71.218 BARROSO, Luiz Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição, Op. cit, p. 213.
75
Portugal e Alemanha fazem previsão expressa desse princípio em suas
Cartas Constitucionais. 219
No Brasil o princípio da proporcionalidade existe como norma implícita
esparsa no texto constitucional, e se infere também do princípio da igualdade e do
devido processo legal, podendo ser visualizado nos artigos 5º., Inciso V, X, XXV e
LIV; art. 7º. Incisos IV, V e XXI; art. 36, § 3º; art. 37 Inciso IX; art. 40, Inciso V; art.
71, Inciso VIII;art. 84, + único; art. 129, Incisos II e IX; art. 170, caput ; art. 173, caput
e § 3º, 4º. E 5º.; art. 174 § 1º. E art. 175, Inciso IV, integrando o Direito
Constitucional Brasileiro. 220
O princípio da Efetividade serve para fazer valer a força normativa da
Constituição, sua concretização no mundo dos fatos, face à imperatividade e à
busca da máxima eficácia das normas Constitucionais. A efetividade depende da
eficácia da norma, que é elemento integrante dos três planos de análise do ato
jurídico, assim considerados a existência, que se perfaz uma vez presentes seus
elementos constitutivos, agente, objeto e forma, a validade, uma vez preenchidos os
requisitos legais autorizadores de sua formulação e a compatibilização com o
Ordenamento, sem os quais estará invalidado o ato. A Eficácia, entretanto,
representa a produção dos efeitos da norma, de modo que assim será na medida em
que sirva para atingir os fins colimados à sua produção, traduzindo, assim, a sua real
aptidão para aplicação, exigibilidade e executoriedade da norma, considerada a
eficácia dentro desse contexto, viabilizada está a possibilidade de efetividade da
norma, como aptidão para a o seu real cumprimento pela sociedade, concretizando-
se o objetivo normativo no mundo dos fatos, realizando-se o Direito. 221.
219 TAVARES, Paulo Armínio. O Princípio da Proporcionalidade e a Interpretação da Constituição. Riode Janeiro: Renovar, p. 5.220 BONAVIDES. Paulo. Op. cit. p, 395.221 Ibidem, p. 219-220.
76
2.1.1 A Constituição Aberta de Peter Häberle
A nova hermenêutica concebida como “Constituição aberta” de Peter
Häberle é alvo de muitas polêmicas, tendo recebido muita influência da tópica de
Viehweg. 222
Häberle pensa a interpretação constitucional por uma pluralidade de
intérpretes, os órgãos estatais, todas as potências públicas, todos os cidadãos e
grupos, refletindo a pluralidade social. 223
Häberle afirma que a interpretação constitucional sempre foi feita por
uma sociedade fechada, como sendo os intérpretes jurídicos e aqueles envolvidos
no processo constitucional. Face de tal constatação defende uma mudança,
afirmando que o processo interpretativo deve ser democratizado, aberto à
interpretação dos cidadãos formadores de opinião, uma vez que a interpretação
adstrita aos órgãos oficiais não atende a mensagem pluralista abrigada na
Constituição e que tal atividade interpretativa diz respeito a todos. 224
O alargamento do rol de intérpretes, como imaginado por Häberle, é,
segundo ele, conseqüência da necessidade que todos defendem da integração da
realidade no processo de interpretação constitucional, e esses intérpretes seriam os
que compõem a realidade pluralista, sob a premissa de que todo o que vive no
contexto regulado por uma norma é, direta ou indiretamente, um intérprete dessa
norma, o destinatário da norma seria, na verdade, participante ativo do processo
hermenêutico, não tendo sentido a interpretação constitucional estar restrita a
intérpretes oficiais. 225
222 HÄBERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional. A Sociedade Aberta dos Intérpretes daConstituição: Contribuição para a Interpretação Pluralista e Procedimental da Constituição.Trad.Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sérgio Fabris, 1997, p. 13.223 Ibidem, p. 13.224 Ibidem, p. 17/43.225 Ibidem, p. 15.
77
Häberle, baseado na existência de uma sociedade democrática, aberta
e pluralista, sustenta sua teoria ancorado na premissa de que todo aquele que vive a
constituição está legitimado a interpretá-la. E, portanto não havendo como conceber
ou mesmo pensar uma interpretação da constituição sem a participação do cidadão
ativo e sem as discussões públicas; que servem para a efetiva legitimação da
interpretação da lei fundamental, constituindo-se mesmo tal participação um direito
fundamental relativo a efetivo exercício da cidadania, ademais tendo o cidadão o
dever de promover os direitos fundamentais nas suas relações jurídico-privadas,
necessita interpretá-los. 226
Fundado nestes argumentos Häberle propõe uma nova tese sobre a
interpretação da Constituição, na qual vincula todos os órgãos do Estado, todos os
seguimentos de representação pública denominada pelo mesmo de potências
públicas, todos os cidadãos e grupos, verbis:
No processo de interpretação constitucional estão potencialmentevinculados todos os órgãos estatais, todas as potências públicas,todos os cidadãos e grupos, não sendo possível estabelecer-se umelenco cerrado ou fixado com numerus clausus de intérpretes daConstituição. 227
Nesse fio de idéias, faz, então, distinção entre interpretação em sentido
estrito e em sentido lato. A primeira é feita pelos intérpretes jurídicos oficiais da
Constituição. A segunda é a interpretação aberta da Constituição, feita pela
sociedade aberta dos intérpretes. 228 Para Paulo Bonavides somente a união das
duas interpretações pode conferir aos direitos fundamentais e a democracia
pluralista a efetiva seriedade, tanto na prática como na teoria. 229
226 HABERLE, Peter, Op. cit, p. 36-37.227 Ibidem, p. 13.228 Ibidem, p. 117-143 .229 BONAVIDES, Paulo. Op. cit, p. 467.
78
Então, a teoria de Häberle é voltada para a pragmática. 230
2.1.2 Hermenêutica Concretizante de Konrad Hesse
A teoria concretizante de Konrad Hesse, parte do pressuposto de que a
Constituição não é um pedaço de papel como afirmara Ferdinand Lassale, mas uma
Constituição Jurídica de força normativa, verdadeira força própria motivadora e
ordenadora da vida do Estado 231
A interpretação para Hesse tem importância decisiva a assegurar a
preservação da força normativa da Constituição, e para efetivação da “ótima
concretização da norma” eis que para Hesse a interpretação adequada é aquela que
consegue concretizar de forma excelente, o sentido (sinn) da proposição normativa
dentro das condições reais dominantes numa determinada situação. 232
Para Hesse, na linha de Canotilho, interpretação Constitucional é
concretização, de modo que afirma o intérprete constitucional não pode
compreender o conteúdo da norma de um ponto situado fora da existência histórica,
por assim dizer arquimédico, senão somente na situação histórica concreta, na qual
ele se encontra, cuja maturidade informou seus conteúdos de pensamento e
determina seu saber e seu (pré) juízo. Do que se conclui que para Hesse a
interpretação só é possível frente ao caso concreto.233
Para Hesse, o problema da concretização constitucional envolve três
elementos; I – a norma a ser concretizada; II – ao entendimento prévio (pré-
compreensão) do intérprete; III – ao problema concreto a ser resolvido. 234
230 BONAVIDES, Paulo. Op. cit, p. 461.231 HESSE, Konrad. A Força Normativa da Constituição. Tradução Gilmar Ferreira Mendes. PortoAlegre: Sérgio Antonio Fabris, 1991, p. 9-11.232 Ibidem, p.22-23.233 Ibidem, p.31-32.234 Ibidem, p. 62.
79
O princípio da unidade da Constituição impõe ao intérprete, que a
norma constitucional nunca seja interpretada isoladamente, mas sempre em
conexão com as demais normas constitucionais, sistematicamente. Para tanto,
propõe Hesse cinco princípios específicos de interpretação constitucional: a unidade
Constitucional, concordância prática, exatidão funcional, efeito integrador, força
normativa da Constituição. 235
O princípio da unidade da Constitucional direciona o intérprete a que
proceda à interpretação pela conexão e interdependência dos demais elementos da
Constituição, nunca isoladamente, ao efeito de evitar contradições, assemelhando-
se ao método sistemático da hermenêutica jurídica geral. 236
O princípio da concordância prática, conhecido também como princípio
da harmonização, implica uma coordenação de bens protegidos jurídico-
constitucionalmente, de forma a buscar a realização deles sem ter que significar
sacrifício dos demais, chegando-se ao princípio da proporcionalidade. 237
O princípio da exatidão funcional é aquele que impõe limites à
atividade interpretativa mais diretamente. O intérprete deve manter no quadro das
suas atribuições de competência, guardando relação com o princípio da separação
dos poderes. O princípio do efeito integrador está associado ao da unidade
Constitucional direcionando a que o intérprete deve dar preferência a soluções que
produzam efeito criador e conservador da unidade , com a integração política e
social. Já o princípio da força normativa da Constituição direciona o intérprete no
sentido de dar à norma constitucional a interpretação atualizadora do seu conteúdo
normativo, mantendo a sua eficácia através dos tempos. 238
235 HESSE, Konrad. A Força Normativa da Constituição. Op. cit, p.146.236 Ibidem, p..65.237 Ibidem, p. 66238 ibidem, p.68-69.
80
Há um princípio, o da máxima efetividade, que não abordado por
Hesse, mas apontado por Canotilho, que serve a determinar que o intérprete atribua
à norma constitucional o sentido que lhe dê maior eficácia.239
2.1.3 - Concretização Constitucional em Canotilho
Canotilho explica o fenômeno da concretização da norma
Constitucional, pelo processo de densificação de regras e princípios, que vai do
texto enunciativo para a norma concreta e ainda assim, como um resultado
intermediário porque somente a descoberta efetiva da norma de decisão poderá
efetivamente permitir a solução com a concretização.” 240
Para Canotilho, portanto, a concretização é ao mesmo tempo um
método e um processo. Um método quando estabelece diversos parâmetros
hermenêuticos para a interpretação da Constituição, e um processo quando utiliza o
método proposto. 241
Alerta para a necessidade de compreensão entre norma e formulação
da norma, em face de distinção entre o enunciado da norma, que é qualquer
enunciado do texto normativo, e a norma em si, que é o sentido ou o significado
advindo do enunciado, dispondo Canotilho que a proposição textual exige
interpretação e que a norma já é parte de um texto interpretado e revelado, de cujo
conteúdo se extraiu o real significado que pressupõe a concretização. 242
O significado normativo derivado dos vários símbolos lingüísticos
expressos na norma constitucional é resultado da busca interpretativa, para a qual
239 CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição 2ª. edição. Coimbra:Almedina, 1998, p. 1075. 240 Ibidem, p.1075241 Ibidem, p.1085.242 ibidem, p.1076.
81
Canotilho sugere três dimensões: I – a procura do direito contido na norma
constitucional; II – investigação desse direito se implica na discrição do significado
do enunciado; III – o produto da interpretação é o significado.243
Salienta que é necessário a estruturação de operadores da
concretização delineando métodos válidos para a interpretação visando à adequada
aplicação das normas constitucionais. 244
É que os operadores do direito, aplicadores da Constituição, têm
responsabilidade de atribuir um sentido e significado legítimo e não arbitrários dos
enunciados lingüísticos das normas constitucionais, através da investigação do
conteúdo semântico do texto, do que está dito na lei constitucional, isto é, a mens
legis, pois a interpretação está condicionada a características sociais históricas que
detêm determinados meios lingüísticos próprios decisivos na extração do
significado.245
Os princípios advindos de uma realidade social fornecem elementos
axiológicos para a interpretação, servindo como farol a guiar o intérprete no contexto
da lógica sistêmica da Constituição. Assim o princípio se amolda na medida do caso
concreto interagindo mediante proposta da realidade da vida, visando à
concretização das aspirações sociais promovendo sua eficácia. Alexandre de
Moraes explica que interpretar significa desentranhar o próprio sentido das palavras
da lei, deixando implícito que a tradução do verdadeiro sentido da lei é algo bem
guardado, entranhado, portanto, em sua própria essência. 246
Para Celso Bastos, interpretar é atribuir sentido ou um significado ao
texto. E assim é porque os preceitos normativos na verdade são abstrações da
243 CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Op. cit, p. 1075.243 Ibidem, p. 1074-1075.244 Ibidem, p. 1082.245 Ibidem, p.1083. 246 MORAES, Alexandre. Direito Constitucional- 9ª. Edição. São Paulo: Atlas, 2001, p. 810.
82
realidade e para que possam cumprir sua finalidade diante de infindável número de
situações para as quais o legislador não pode fazer todas as previsões, faz-se
mesmo necessário apelar para um alto nível de abstração e generalidade nos textos
normativos.247
Dentro do mister interpretativo, os princípios têm grande relevância, já
que, através deles, também, serão dadas soluções ao caso posto, mormente
aqueles chamados difíceis. Não que os princípios se coloquem acima do direito ou
além do direito, mas porque os mesmos exercem uma ação direta e imediata por
serem capazes de conformarem os comandos político da Constituição, como
elemento integrador do sistema, aptos a operarem a concretização, facilitadores do
processo hermenêutico-interpretativo colocado à disposição do operador do direito,
como firme referência. 248
Dentre outras funções os princípios cumprem a função mister de ser o
critério superior de interpretação e aplicação das demais normas; face ao seu
caráter axiológico funciona como uma amálgama, atualizando-se como tempo e
amoldando-se aos valores eleitos.249
Pode-se mesmo afirmar que a análise da hermenêutica constitucional
não pode ser concebida sem a observância dos princípios albergados na
Constituição. 250
Entretanto, o processo de interpretação deve ater-se ao que está
positivado no texto, bem distante de chegar às vias de invenção ou de que o sentido
seja incompatível com o delineado na Constituição.
247 BASTOS, Celso Ribeiro. Hermenêutica e Interpretação Constitucional. 3ª. Edição. São Paulo:Celso Bastos Editor, 2002, p. 304.248 CASTRO, Carlos Roberto de Siqueira. O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana nasConstituições Abertas e Demográticas In CAMARGO, Margarida Maria Lacombe(Organizadora).1988-1998 Uma Década de Constituição. Rio de Janeiro: Renovar, 1999 p. 113.249 CRUZ E TUCCI, José Rogério (Org.). Garantias Constitucionais no Processo Civil. São Paulo: RT,
1999, p. 94.250 BASTOS, Celso Ribeiro, Op. Cit. p. 167.
83
A palavra hermenêutica tem origem no latim hermeneuticus , de raiz
grega ”hermeneuei , que tanto em grego como em latim dizem respeito às atividade
intelectuais, a lembrar a ponte que fazia o denominado deus Hermes, que no
mundo mitológico era quem traduzia as mensagens dos deuses às pessoas e,
portanto, conhecia a linguagem dos homens e a linguagem dos deuses. Era
conhecido pelos seus dotes de disfarces e procurava impor-se pelo convencimento e
não pela força. Era a comunicação do Olimpo e o mundo dos homens, era um deus
menos guerreiro porque suas armas eram a persuasão e o convencimento. Daí
algumas das características com a hermenêutica empregada para a descoberta do
sentido das proposições normativas. 251
A Hermenêutica Constitucional contemporânea realiza-se mediante o
processo argumentativo, balisada na realidade social e no Estado Democrático de
Direito, considerado o universo. (espaço/tempo/lugar) onde se encontra a pessoa
humana, e sua circunstância. Nesse sentido, Miguel Reale expõe que a
hermenêutica jurídica é sempre a expressão da estrutura histórico-cultural na qual
ela se insere e se desenvolve, só podendo e devendo ser apreciada no respectivo
contexto. 252
Luis Recaséns Siches demonstra sua preocupação com a real
importância da pessoa no universo, posto que não é uma estrela ou um pedaço da
natureza, mas é revestida de consciência, resultado de sua natureza física e
psíquica, e que todos esses fatores deveriam ser observados para a efetivação
plena dos direitos fundamentais da pessoa humana. 253
251CAMARGO, Margarida Maria Lacombe. Uma Década de Constituição (Organizadora). Rio deJaneiro: Renovar, 1999 p. 369-370.252REALE, Miguel. Estudos de Filosofia e Ciência do Direito. São Paulo:Saraiva, 1998.p. 72-75.253CHAUÍ, Marilena. Crítica e Ideologia. In Cadernos SEAF, ano 1, nº. 1, agosto de 1978. ApudCOELHO, Luiz Fernando. Lógica Jurídica e Interpretação das Leis. 2ª. Edição. Rio de Janeiro:Forense, 1981, P. 151.
84
Recaséns Siches nos diz que na vida humana nada existe de
concluído, de perfeito, é um fazer contínuo e que a vida humana é a tarefa de se ir
fazendo, dentro do mundo que lhe é dado, mundo em que o ser humano se acha
inserido e que não é escolhido por ele. Mas a vida é também um suceder ininterrupto
de opções e cada ser humano tem uma margem de opções e, se opta, é
responsável pela sua opção. 254
A circunstância de cada um é o mundo de cada um e compreende o
particular psiquismo de cada um, o próprio corpo singular de cada um e a natureza
cósmica, física e biológica que circunda cada um. O homem é ele mesmo e sua
circunstância , segundo a lição de Ortega Y Gasset. 255
O direito, principalmente nos dias atuais, é implementado por uma
dinâmica mais acelerada. As normas jurídicas, contudo, não acompanham a
transformação social geradora desses direitos, ocorrendo um descompasso entre o
fato social e a previsão do texto normativo. Diante de tal fenômeno, cabe ao
intérprete, alicerçado nos princípios, atualizar o mesmo, tornando possível sua
garantia e eficácia.256
2.2 MÉTODOS DE INTERPRETAÇÃO JURÍDICA
A Hermenêutica jurídica tradicional coloca a questão dos
procedimentos interpretativos no centro de sua problemática. Consideramos hoje o
254 RECASÉNS SICHES, Luiz. La Nueva Filosofia de la Interpretacion Del Derecho. México: Porrua,1963,p. 151.255 WERNER, Goldschmidt, Introducción al Derecho, Buenos Aires, I Encontro Brasileiro de Filosofiado Direito.João Pessoa, 1980. Tb “ Perspectiva Trialista de la Axiologia Dikelogica”, in El Derecho,Universidad Católica Argentina, Fevereiro de 1980. Apud COELHO, Luiz Fernando . Lógica Jurídica eInterpretação das Leis. 2ª. Edição. Rio de Janeiro:Forense, 1981, P. 151/152.256 GRAU, Eros Roberto. Ensaio e Discurso Sobre a Interpretação/Aplicação do Direito. 3ª. Edição.São Paulo: Malheiros, 2005., Prefácio, p.3.
85
problema superado. Dentro da hermenêutica jurídica atual, o problema crítico
prepondera sobre o metodológico, mais adiante, contudo, são apresentados no
presente trabalho alguns métodos de interpretação a título de ilustração. 257
2.2.1 A Importância da Linguagem.
A linguagem é o meio pelo qual a pessoa pode-se comunicar, e isto
pode ocorrer de diversos modos. As palavras, como forma de linguagem, nem
sempre têm o mesmo sentido, o mesmo significado, são passíveis de variações
dentro dos contextos em que venham a estar, e mais, esse mesmo conjunto de
palavras pode estar maculado por erros gramaticais, inclusive de pontuação que
podem, mesmo ao mais atento, induzir à confusão. Daí porque compete ao
intérprete, mesmo diante de textos supostamente claros, investigar o seu propósito,
mais das vezes, hermeticamente enclausurados aguardando justamente a abertura
pela análise, de seu significado, do seu sentido através de um verdadeiro
entendimento de sua mensagem. Nesse sentido, Maria Helena Diniz, assevera que
indubitavelmente é necessária a interpretação da norma jurídica, mesmo que se
pense que há clareza decorrente da mesma, posto que pode ser duvidosa, devendo
ser observados seus fins, os seus precedentes históricos e as conexões com os
fatos sociais a serem considerados no momento da aplicação da norma.258
Carlos Maximiliano, por sua vez, afirma que o íntérprete tem o dever de
proceder a pesquisa entre a norma em abstrato e o caso concreto posto, num
cambiamento entre a norma e o fato, tornando assim possível a verdadeira aplicação
do Direito. Descobrir o sentido da norma é mesmo essencial, para então depois
verificar o seu alcance mediante o caso colocado, desvendando tudo que a norma
257 COELHO, Luiz Fernando. Lógica Jurídica e Interpretação das Leis. 2ª. Edição. Rio de Janeiro:Forense, 1981, p. 203.258 DINIZ, Maria Helena.Op.cit. p. 381.
86
contém, aprimorando, dessa forma, o mister interpretativo, eis que as normas são
produzidas em termos gerais, muito dependendo de que sejam interpretadas de
acordo com os valores cambiantes das mutações sociais. 259
Para Genaro R. Carrió, em seu aprofundado estudo sobre linguagem,
conceitua que a mesma é a mais rica e completa ferramenta da comunicação entre
os homens, mas que esta ferramenta poderosa nem sempre funciona bem. 260
Carrió adverte que, antes de mais nada, é preciso fazer uma
investigação quanto ao significado da palavra, quando afirma que frente a qualquer
enunciado que aparece no texto da teoria jurídica e que satisfaz antes de sair à
busca de argumentos, uma asserção é dizer um enunciado que se propõe a
descrever um certo estado de coisa ou é uma recomendação disfarçada em um
enunciado dissimulado, onde se trata de afirmar certo estado de coisas
descrevendo-as com linguagem apropriada, ou é ainda uma advertência de que tal
palavra será utilizada exclusivamente com determinado sentido ou, ainda, é uma
definição que simplesmente recorre ao uso central ou típico de um vocábulo? 261
Continua a reflexão sobre a questão com outras indagações e
reflexões como se a definição persuasiva é um recurso técnico empregado pelo
autor para obter do leitor a aprovação de suas leis, colocando mais abaixo do manto
protetor de uma palavra rica com carga emotiva e desprovida de significado
descritivo, ou como se outro tipo de afirmação paradigmática não tem outro fim
senão de afirmar algo importante que até então os teóricos haviam desconhecido?
Este tipo de investigação sob exame prévio é fundamental aos juristas pelo fato
comum de prescindir dele o abrigo que esta atitude cautelosa pode proposperar, em
259 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 16ª.edição. Rio deJaneiro:Forense,1997, p. 19-20.260 CARRIÓ, Genaro R. Notas Sobre Derecho y Lenguaje. Buenos Aires: Abelledo Perrot, 4ª. Edição,1998, p.17.261 Ibidem, p.26.
87
muitas polêmicas claramente prescindíveis.262
Exemplifica o autor que, em primeiro lugar, as palavras podem levar a
uma ambigüidade e imprecisão face à sua aparência comum, como também em
segundo lugar; que nem todas as palavras são usadas em todos os contextos para
conotar as mesmas propriedades. Num determinado contexto, se alguém pergunta o
que quer dizer a palavra rádio, não há outra saída a não ser contestando com outra
pergunta: em que frase ou oração, pois se for um aparelho elétrico que serve para
escutar música e notícias, pode ser também um metal descoberto, que denote um
elemento químico. O exemplo desse autor demonstra que o significado das palavras
está em função do contexto lingüístico das situações como são usadas. 263
Entretanto, embora as palavras e expressões jurídicas possam revelar-
se ambíguas e imprecisas, não significa que não tenham significado determinável.
Elas podem existir exatamente para dar ao intérprete o ajuste necessário de
aplicação da lei no caso concreto, como de ver e constatar-se nos conceitos
jurídicos indeterminados, não implicando nesses um espaço discricionário para ser
ocupado como o aplicador quiser, mas sim uma oportunidade de aplicação das
noções historicamente e coerentemente implantadas pela dogmática.264
Cabe salientar, nesse ponto, e antes de mais nada, que doutrinadores
como Carlos Maximiliano e Celso Bastos esclarecem que há diferença entre
Hermenêutica e Interpretação, eis que a hermenêutica pode ser visualizada como
perquirição a questão em abstrato, apenas no campo da hipótese, e a interpretação
opera-se frente ao caso concreto posto, a reclamar solução. Dentro dessa linha de
idéias assim se manifesta Carlos Maximiliano dizendo que às vezes uma palavra é
262 CARRIÓ, Genaro R. Notas Sobre Derecho y Lenguaje. Op. cit, p.26.263 Ibidem, p. 29.264 GRAU, Eros Roberto. Ensaio e Discurso Sobre a Interpretação/Aplicação do Direito. 3ª. Edição.São Paulo: Malheiros, 2005,.p. 220-235..
88
substituída pela outra, incidindo em erro. A hermenêutica é então uma teoria
científica de métodos que auxiliam na arte de interpretar. Já a interpretação
propriamente dita é o ato de descobrir e fixar o sentido e alcance das normas.265 Já
Celso Ribeiro Bastos atribui também o caráter artístico à interpretação, esta que não
é neutra e fria como a hermenêutica, tendo a árdua tarefa de convencer e persuadir
pelo reconhecimento do resultado final, este que deve ser condizente exatamente
com o que se extrai da norma e não da opinião do intérprete.266
Assim, não se pode interpretar a norma jurídica contrariamente ao bem
comum; deve-se ter sempre em mente que a lei é elaborada sempre visando o bem
comum, mesmo que aplicada individualmente, levando-se em conta que o bem
comum temporal, do momento de sua aplicação, assim consideradas justas e boas,
não pode prejudicar a coletividade, de modo que contra esta não pode ser
interpretada.
Ao proceder à tarefa interpretativa, o intérprete deve afastar-se das
paixões, admirações, preferências pessoais e ater-se ao caso concreto com suas
específicas particularidades e circunstâncias, sem extrapolar a própria norma jurídica
ou divorciar-se do bem comum.
Nesta tarefa o intérprete não pode substituir o Legislador, e assim
pretender criar o sentido, mas deve tão somente desentranhá-lo, explicá-lo: o que
passar disso caracteriza-se em voluntarismo, ou decisionismo, que não é desejável
no campo do Direito, pelo contrário, é até mesmo abominável, pois que espalha
insegurança, tudo aquilo que não deseja o destinatário das normas, eis que,
verdadeiramente, a segurança jurídica é o alicerce inafastável do Direito, em que
consiste sua própria finalidade, devendo ser visualizado que a regularidade é
265 MAXIMILIANO, Carlos. Op.cit. p. 106.266 BASTOS, Celso Ribeiro. Hermenêutica e Interpretação Constitucional.,Op.cit., p. 22.
89
intrinsecamente ligada à vida a trazer a paz e tranqüilidade, objetivo maior do Direito,
a pacificação social pela proposição prévia de suas normas e a sua eficaz aplicação,
pela adequada interpretação que significa mesmo a garantia dada pelo Estado
Democrático de Direito. 267
Nesta sede, com o termo hermenêutica, se faz referência à
prospectiva filosófica que assume e compreende como componente essencial da
constituição histórico-ontológica da vida humana, como estrutura do modo humano
de estar no mundo, através da lingüística e da experiência. Nesta perspectiva
hermenêutica, a compreensão é um caso particular de aplicação a uma situação
concreta e determinada. 268
O aspecto lingüístico, indubitavelmente, deve ser observado na
investigação hermenêutica-interpretativa face constituir modos de manifestação, e
no caso específico de textos legais a etimologia, que é o estudo da origem das
palavras e a semântica, que é o estudo do significado das palavras vão influenciar
diretamente na ação interpretativa a conduzir ao conhecimento do sentido, da
explicação da mensagem extraída do texto. 269
É que, no Direito, enquanto norma de conduta, não são admitidas
normas jurídicas verbalizadas e, assim, são apresentadas na forma escrita através
das leis e demais atos normativos e das decisões judiciais. 270
Na verdade, são signos lingüísticos que correspondem ao alicerce do
trabalho hermenêutico, embora não só os mesmos, eis que os fatos históricos,
sociais, contextos da vida real, existenciais, circundam a expressão lingüística dos
267 PASTORE, Baldassare. Per um `ermeneutica Dei Diritti Umani.Torino: G. Giappichelli Editore,2003, Introduzzione.268 Ibidem.269 PERI´N JUNIOR, Écio. A Linguagem no Direito: Análise Semântica, Sintática e Pragmática dalinguagem jurídica. texto extraído do site: http://wwwl.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=50. p. 1 ,capturado em 10/02/05.270 PERI´N JUNIOR, Écio. A Linguagem no Direito: Análise Semântica, Sintática e Pragmática dalinguagem jurídica, Op. Cit., p. 02.
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signos, que isoladamente, sem uma perspectiva do mundo como o mundo se
manifesta, orbitam na vagueza expressando-se através de palavras denotativamente
imprecisas271.
A aplicação do direito por ser uma decisão que visa a pacificação dos
conflitos sociais, não pode ser unicamente um raciocínio lógico-formal, mas
vinculado principalmente a discursos que articulem valores.272
2.2.2 – Da Análise Semiótica
A Semiótica é concebida como a ciência que procura estudar a
significação da linguagem. Situações verbais e não verbais, visuais, auditivas, o
sentido dos sinais, símbolos, dos signos. 273
Distingue tal ciência três campos de investigação dos signos
lingüísticos, considerada a linguagem como parte integrante da semiótica, a análise
sintática, a semântica e a pragmática. A Sintaxe trata da relação formal dos signos
entre si, no seu conjunto, não isoladamente. A Semântica apresenta o significado do
signo isoladamente, a sua compreensão mediante o objeto correspondente ao signo.
E a Pragmática, como significado do signo mediante o sujeito ao qual se dirige ou
que o produz. 274
A análise semântica estuda o vínculo, a ligação do signo com a
realidade e o contexto textual e, no caso dos textos legais, ainda dentro de todo o
sistema jurídico, visando o significado correto dos signos. O que for impreciso
denomina-se conotação (ambigüidade/ vagueza/ imprecisão) em oposição à
denotação (sentido exato, monológico, inequívoco). É muito comum o texto jurídico
271 PERI´N JUNIOR, Écio. A Linguagem no Direito: Análise Semântica, Sintática e Pragmática dalinguagem jurídica, Op. Cit, p. 02.272 Ibidem, p. 03.273 COELHO, Luiz Fernando. Op.cit, p. 73.274 Ibidem, p.73.
91
conter palavras imprecisas. De alguma forma isso acontece de propósito, para
permitir ao intérprete ou mesmo ao aplicador da lei, também intérprete, a
possibilidade do reenvio a todo o sistema, a realidade histórica e social, para pautas
de valoração do caso concreto, não engessando os sentidos do texto, de forma a
permitir uma mobilidade do sistema. 275
Por outro lado acontece de alguns textos legais definirem os
significados dos signos lingüísticos na própria semântica, o que é sobremodo
criticado por muitos pelo fato de tal prática comprimir o exercício da interpretação,
sua extensão e alcance, o que não combina com os delineamentos da ciência
jurídica que necessita produzir normas com signos ou palavras de sentido amplo,
com o propósito de não inviabilizar o mais possível à aplicação da mesma aos casos
da vida, da realidade, do caso concreto. 276
A análise sintática procura verificar o sentido do signo dentro de sua
posição coloquial, mediante as regras da gramática, sob a consideração de que os
signos, na análise sintática, devem obedecer às regras da linguagem, no contexto
gramatical, e assim, ordenadamente emitir sua mensagem, importando-se a sintaxe
com a posição dos signos entre si na oração e não somente o significado individual
ou em si mesmo considerado do signo, diretamente ligado à realidade,
isoladamente, como acontece na semântica, mas servindo a analise sintática para
promover uma ideal análise em conjunto com a semântica, de modo a depurar a
interpretação, pois separa os elementos da oração, seus termos integrantes
principais e acessórios, que viabilize uma melhor compreensão. É por assim dizer,
do que se tem conhecimento, que a análise formal dos signos, pela sintaxe,
mediante a análise gramatical, da qual se utiliza, para, dividindo o texto, proceder a
275 COELHO, Luiz Fernando. Op.cit, p. 73.276 Ibidem, p.74.
92
uma perquirição mais adequada que descortine um entendimento mais amplo. 277
A Pragmática é a relação existente entre os signos na vertente do uso
dos mesmos em relação a quem está usando ou para qual uso se determina, isto é,
da linguagem de quem usa e para quem se destina. A Pragmática analisa, de um
lado, o uso concreto da linguagem, com vistas a seus usuários, na prática lingüística;
e, de outro lado, estuda as condições que governam essa prática. Seria, então, a
Pragmática a ciência do uso lingüístico e seus estudiosos esperam explicar antes a
linguagem do que a língua. 278
Sendo dessa forma, não se pode negar a grande importância da
pragmática em face de ser o direito positivo permeado de textos imprecisos, vagos
reclamando a disponibilização do recurso à argumentação, a articulação, ao discurso
em vias de proceder ao convencimento para aplicação da norma ao caso concreto,
onde os sinais analisados pela via pragmática podem apontar a diretriz que mais se
coadune ao caso ensejador da decisão.
Portanto, a semântica, a sintaxe e a pragmática, utilizadas pela
semiótica na busca do sentido dos signos, não se separam, mas verdadeiramente se
completam, separadas apenas pela questão gramatical. 279
O que se quer dizer é que os signos são analisados isoladamente e
dentro do contexto gramatical a completar-lhes o sentido, o significado, posto que as
frases e orações manifestam-se de forma declarativa, interrogativa, exclamativa e
imperativa.
Karl Engish a respeito afirma que as proibições e prescrições
277 COELHO, Luiz Fernando. Op. cit, p.73.278 Ibidem, p. 74.279Por exemplo: O tapete é vermelho. O é artigo. Tapete é substantivo. É, um verbo. Vermelho éadjetivo considerado como qualidade ou especificidade do substantivo. A sintaxe observa essaconexão das palavras na oração, que é importante para a compreensão e explicação do texto. Idem,ibidem, p. 282-317.
93
constantes dos comandos normativos são verdadeiros portadores do sentido da
norma veiculada na direção do destinatário, construídas a partir de proposições
lingüísticas e gramaticais contidas nos códigos. 280
Todos esses aspectos da sintaxe são de grande importância no
discurso jurídico, a partir da significação do Direito, mas na interpretação jurídica não
pode ser observada apenas a sintaxe do texto legal, das considerações gramaticais,
sendo este apenas o primeiro momento ou, por assim dizer, o ponto de partida da
investigação interpretativa para alcance inicial de determinados sentidos. Para a
perfeita interpretação do texto legal é preciso visualizar o texto em si mesmo
considerado como uma mensagem jurídica a ser compreendida, analisado diante do
sistema, do ordenamento, a bem dizer, dentro dos recursos da exegese, de
determinados métodos, porque o Direito tem linguagem e forma próprias de
transmitir suas mensagens, sendo esta a razão pela qual na verdade, mais do que a
linguagem corrente, o que importa é o sentido técnico jurídico. 281
Nesse raciocínio, pode-se dizer que a questão da constitucionalidade
das normas infra-constitucionais são vistas sob o parâmetro da sintaxe, pois
analisada a compatibilidade dessas normas dentro do sistema jurídico. Desta forma,
há ainda uma outra classe de normas jurídicas a que devemos prestar particular
atenção: as normas atributivas, aquelas que conferem direitos subjetivos, como as
garantias fundamentais do direito constitucional. 282
A respeito, Miguel Reale, diz que para a interpretação das normas
jurídicas, não é possível somente o uso da lógica formal e nem a simples análise
lingüística, mas mediante os contextos históricos pelo problematicismo e pela
280 ENGISH, Karl. Introdução ao Pensamento Jurídico. 7. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian,1996, p 39.281 Ibidem, p. 139.282 ENGISH, Karl. Op .cit, p. 40.
94
razoabilidade que envolvem a questão a ser desvendada. 283
Habermas faz a análise do direito sob o prisma da linguagem,
mediante a comunicação entre as pessoas dentro de seus contextos de vida e de
suas práticas, em face da real dimensão de faticidade em que implica o Direito, de
modo a manter, através da linguagem, um diálogo que possa possibilitar o
compreender, conforme aduz infra:
Quem observa ou opina que ou quem tem a intenção de , assumeuma atitude objetivante em face de algo no mundo. Ao contrário, quemparticipa de processos de comunicação ao dizer algo e o compreender oque é dito quer se trate de uma opinião que é relatada, uma constataçãoque é feita, de uma promessa ou ordem que é dada, quer se trate deintenções, desejos, sentimentos ou estados de ânimo que são expressos - ,tem sempre que assumir uma atitude performativa. Essa atitude admite amudança entre a terceira pessoa ou a atitude objetivante, a segunda pessoaou a atitude conforme as regras e a primeira pessoa ou a atitude expressiva.A atitude performática permite a orientação mútua por pretensões devalidade (verdades, correção normativa, sinceridade) que o falante ergue naexpectativa de uma tomada de posição por sim/não da parte do ouvinte. 284
Então, para Habermas, as normas se justificam através do discurso ou
do agir comunicativo extraído do mundo da vida. A isso denomina-se argumentação
com o propósito de conduzir a decisão racional, considerado o princípio da
democracia, de que dependeria para a real validade das leis. Assim, desde que os
princípios jurídicos se fundem num processo comunicativo de formação de opiniões,
de vontades, em que as pessoas de uma sociedade possam gozar de uma igual
participação haverá legitimidade, validade extraída da faticidade as suas normas. 285
Habermas funda sua doutrina na Teoria do Discurso, dentro do
contexto da esfera pública, assim considerada a possibilidade de comunicação (agir
comunicativo) de cada indivíduo pelo meio lingüístico ou performativo, e assim
desenvolve a sua Teoria considerando que os princípios jurídicos, especialmente os
283 MIGUEL REALE. Prefácio ao livro Lógica Jurídica e Interpretação das Leis in COELHO, LuizFernando. Lógica Jurídica e Interpretação das Leis. 2ª. Edição. Rio de Janeiro:Forense, 1981, XII.284 HABERMAS, Jürgen. Consciência Moral e Agir Comunicativo. Tradução de Guido A. de Almeida.Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1989, p. 42.285 ibidem, p. 92.
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fundamentais, entre eles o da democracia, são justificados e legitimados antes
mesmo de serem inseridos na Constituição, posto que trata-se da constatação fática
do mundo, da vida, o falar com o outro, a comunicabilidade entre as pessoas.
Dessa forma, expressa Habermas que o Direito legítimo é resultado do poder
comunicativo, que se transforma em poder administrativo ou político por assim dizer,
por esta troca comunicativa, democrática, que, observando os fatos da vida e
discutidos através da oportunidade de argumentação desenvolvida, produzirem-se
legitimamente as normas que deverão reger determinada sociedade, oportunizadas,
na maior medida possível, iguais liberdades subjetivas de ação. 286
Já Alexy, ao pronunciar-se sobre a questão da fundamentação jurídica,
afirma que a discussão ética atual, influenciada metodologicamente sobre toda a
lógica moderna, a linguagem, a argumentação e a decisão, demonstram que não é
possível concluir por uma única resposta material certa, mas que são possíveis
procedimentos que condicionem a argumentação e a decisão pela prática racional,
abarcada por uma versão especialmente promissora de uma teoria moral
procedimental, que pode-se chamar de discurso prático racional.287
Sobre a base da argumentação jusfundamental, Alexy informa:
La Base de la argumentación iusfundamantal puede dejando de ladoalgunas diferencias importantes ser caracterizada, como la de laargumentación jurídica general, com los términos ley , preceentes y dogmática . Com respecto a estos términos se dirá aqui tan solo loindispensable para exponer que la argumentación iusfundamental esposible como argumentación racional. 288
Como lei, pode-se entender os textos das disposições jusfundamentais
286 HABERMAS, Jürgen. Consciência Moral e Agir Comunicativo, Op. Cit, p. 92.287 ALEXY, Robert. Op. cit, p. 530.288 Tradução: “A base da argumentação jusfundamental pode – deixado de lado algumas diferençasimportantes – ser caracterizada, como a da argumentação jurídica geral, como os termos “lei”,“precedentes” e “dogmática”. Com respeito a estes termos diz-se aqui tão somente o indispensávelpara expor que a argumentação jusfundamental é possível como argumentação racional (ibidem, p.533).
96
e aquilo que expressa a vontade do legislador constitucional, considerando-se aí,
segundo Alexy, a forma de interpretação semântica e genérica, nesta última,
observando-se a interpretação subjetivo-teleológico que direciona os fins vinculados
pelo legislador constitucional nas disposições jusfundamentais. Entretanto, podem
vir a compor o processo interpretativo o método sistemático e histórico de forma
complementar.289
Os precedentes judiciais servem, também, para o objetivo
argumentativo jusfundamental. Os precedentes são julgados reiterados formulados
pelos Tribunais Constitucionais. 290
A chamada dogmática é a teoria jurídica que, como já mencionado
linhas acima, Alexy divide em três etapas, a analítica, a empírica e a normativa, e no
caso da argumentação jusfundamental, interessa a teoria normativa, que assim seria
denominada de teoria material de direitos jusfundamentais, que deve ser
fundamentada referindo-se ao texto da Constituição, ao sentido que pode ser
extraído da norma jusfundamental e aos precedentes dos Tribunais Constitucionais.
Mas, para Herbert Hart, há uma limitação quanto à natureza da
linguagem e da comunicação e o que podem ofertar para a interpretação, porque a
própria linguagem e mesmo outra forma comunicativa depende ela mesma de
interpretação. Afirma o Autor que há um limite não só quanto às regras, mas em
todos os campos de experiências, próprios à orientação e à natureza da linguagem,
mesmo diante de fatos simples que se repetem constituindo-se em casos
semelhantes, familiares, nos quais pode até haver um assentimento geral nas
decisões, mas frente a posições contra ou a favor, criar uma crise de comunicação,
na qual a solução deverá ser dada por aquele que estiver incumbido de decidir, e
289 ALEXY, Robert. Op. cit, p. 533.290 Ibidem, p. 534.
97
proceder as escolhas dentro das alternativas abertas, verificando-se aí, sem dúvida,
uma margem de discricionariedade de quem vai decidir, calibrada pela linguagem
que pode até mesmo deixar um poder de discricionariedade muito amplo. 291
É aquilo que se denomina de textura aberta das orações, motivadas
pelo próprio uso da linguagem, através das palavras que a compõem ínsita a
linguagem natural, pela sua ambigüidade. Com relação à textura aberta Hart procura
justificar que:
A textura aberta do direito significa que há, na verdade, áreas de condutaem que muitas coisas devem ser deixadas para serem desenvolvidas pelostribunais ou pelos funcionários, os quais determinam o equilíbrio, à luz dascircunstâncias, entre interesses conflituantes que variam em peso, de casopara caso. 292
É que, no que diz respeito à linguagem utilizada pelos parlamentos ou
pelos precedentes, estas não oferecem muita segurança mediante o caso concreto,
não garantindo uma coerência, pelo que, como já mencionado, abre-se a
discricionariedade ao juiz que deverá escolher entre as diversas opções oferecidas
pela norma. Na verdade, não se trata de uma escolha arbitrária ou irracional, mas
balizada pela norma. Hart afirma que isso é natural pela própria condição humana
da impossibilidade de prever todos os casos, todas as questões futuras, pelo que o
direito deverá ser formulado dentro dos termos e conceitos de textura aberta, que
pode variar de acordo com a classificação da coisa a qual é aplicada, do que
resultará a necessária intervenção humana de forma discricionária. 293
Para Hart, então, seria equivocado o pensamento dos formalistas de
não admitirem o sistema de escolhas no momento de aplicação de norma de textura
aberta. Entretanto, critica o absoluto ceticismo dos realistas. Não aceita que o direito
291 HART, Herbert L. A. O Conceito de Direito. Tradução de Maria Ribeiro Mendes. Lisboa: FundaçãoCalouste Gulbenkian, 1972, p. 138.292 Ibidem, p. 148.293 Ibidem, p. 174.
98
é somente aquilo que deriva dos tribunais. Hart aceita o espaço ocupado pelos
céticos no sistema jurídico, mas em espaço limitado aos casos difíceis que se
encontram na penumbra, onde a textura é aberta, havendo aí margem de
discricionariedade.
Nos casos em que a textura é aberta, Hart afirma que a previsão de
solução do caso deve ser em conformidade.294
Não se pode deixar de ter em vista, contudo, que as manifestações
vulgares ou simples da atividade jurídica são facilmente reconhecidas por todos, e
quase que mecanicamente resolvidas, entretanto, diante dos problemas mais
elevados e gerais, aqueles denominados hard cases , que encontram-se na
penumbra, quando se trata de situar a idéia do Direito, de determinar-lhe os
elementos essenciais, de distingui-la de outros objetos e categorias afins, surgem
dúvidas e dificuldades que a noção vulgar é impotente para resolver.295
A respeito da textura aberta, Carrió salienta que há uma característica
de vagueza das palavras resultando na textura aberta da oração que se constitui em
uma enfermidade incurável das palavras enquanto linguagem material. 296
Ronald Dworkin afirma não haver espaço para a discricionariedade dos
juízes nos casos difíceis, desenvolvendo um ideário voltado a que através da teoria
da adjudicação, não se deixe espaço para a discricionariedade judicial, não do modo
como pensado por Hart. Afirma que o sistema jurídico não pode ser visualizado tão
somente como regras, mas princípios e policies, estas últimas que são metas
políticas que pretendem ser atingidas pelo governo. Dworkin insere os princípios no
sistema jurídico, na tarefa da adjudicação, de modo a demonstrar que assim, o
espaço deixado aos magistrados seja bastante restringido, e, uma vez inseridos os
294 HART, Herbert L. A, Op. Cit, p. 138.295 Ibidem, p. 139.296 CARRIÓ, Genaro Op. cit, p. 35-36
99
princípios e policies na atividade de aplicação do direito, não estariam fora do
sistema jurídico e aplicando elementos estruturantes deste, não se confundindo com
os seus próprios valores. Ancora seu pensamento no exercício dos Princípios da
Integridade, Legislativa e Judiciária, que pede aos legisladores e aos juízes que
identifiquem o direito como advindos de uma só autoridade, a comunidade
personificada, assim procedendo conforme as práticas da comunidade jurídica,
ajustando-se ao Princípio moral de Integridade, encontrado o direito dentro do que
concebe a comunidade personificada e não fora dela. 297
Dworkin critica o modelo positivista de Hart, no que diz respeito à
discricionariedade judicial, apontada por Hart em casos de inexistência de uma
norma exata para aplicação a um caso concreto, onde, na ocasião, segundo Hart, o
Juiz tem espaço para decidir discricionariamente. 298
Concorda que o direito não pode oferecer resposta a todos os casos
que se apresentam, mas que o pensamento de Hart em que nos casos difíceis não
existe resposta correta está equivocado, criticando tal tese, pois para Dworkin, há de
ser encontrada a resposta correta. 299
Um caso pode ser considerado difícil seja porque existem várias
normas que determinam sentenças distintas, porque sejam contraditórias ou porque
não existe norma aplicável. 300
Dworkin afirma que para os caso difíceis existem respostas corretas
tendo em vista o material jurídico composto por diretrizes, princípios e normas,
sendo suficiente para a elaboração da resposta correta. Afirma que sua teoria
justifica a melhor questão dos casos difíceis. Dentro dessa teoria desenvolve a idéia
297 DWORKIN, Ronald. Op. cit, p. 199.298 Ibidem, p. 200.299 Ibidem, p. 201.300 Ibidem, p. 199.
100
de que o juiz deve buscar critérios que justifiquem a decisão que devem ser
consistentes com essa teoria, pois nos casos difíceis deve recorrer aos princípios, e
propõe um modelo de juiz que seja capaz de buscar solução para os casos difíceis,
como o imaginário juiz Hércules, que estabelece como modelo. 301
As regras funcionariam ao modo tudo ou nada (all ou nothing). Posto o
fato, a regra se aplica sem maiores indagações, admitindo-se as exceções apenas
pelas mesmas previstas.
Alexy, entretanto, afirma que, diferentemente do que pensa Dworkin,
nem todas as regras possuem caráter definitivo, podendo conter exceções nelas não
previstas, desde que estas exceções estejam fundadas em princípios. 302
Os princípios são razões que podem levar à decisão, mas que admitem
várias conclusões. Pode ocorrer colisão entre os princípios, ocasião em que o
intérprete e aplicador deverá conferir peso e importância a cada um desses, e a
viabilidade de harmonização dos mesmos.
No conflito de normas, apenas uma deverá ser aplicada,
desaparecendo a outra. Quanto aos princípios, por terem a mesma dignidade e
hierarquia, deve ser feita a ponderação de peso e importância diante do caso
concreto.
Assim, para Dworkin, o juiz não decide casos difíceis de forma
discricionária e embora a própria lei não apresente elementos absolutos para a
decisão, o direito oferece os próprios critérios que deverão ser observados pelo
mesmo, como os princípios e policies.303
Afirma, ainda Dworkin que, mesmo onde haja textura aberta, estão,
portanto, os juízes obrigados e condicionados por princípios que integram o direito,
301 DWORKIN, Ronald. Op. cit, p. 202.302 ALEXY, Robert. Op. cit, p. 98-103.303 DWORKIN, Ronald. Op. cit, p. 81
101
eis que são os mesmos que direcionam os sentidos. E, assim, condicionados a
decidir conforme a lei, e, na penumbra, pelos princípios e policies, afasta a
discricionariedade exacerbada pensada pelos realistas. Para Dworkin, o juiz não
pode criar o direito, mas, tão somente aplicá-lo de acordo com o contexto oferecido
pela comunidade personificada, considerando que a interpretação será aceita se
efetivamente de acordo com a prática reiterada da comunidade jurídica, devendo o
juiz encontrar o direito em decisões do passado para julgar o presente, e de acordo
com os motivos que levaram o legislador a promulgar a lei, cabendo ao juiz aplicar o
direito como ele é e não como pensa que é. 304
Dworkin, portanto, critica Hart contra a afirmação de que os juízes
possuem poder discricionário na decisão de casos difíceis no direito, sendo
veemente em afirmar que as partes têm o direito a uma decisão de acordo com o
ordenamento jurídico preexistente. Afirma, ainda, que o direito não pode ser
visualizado independentemente da moral, referindo-se à moralidade política, dentro
dos padrões do governo democrático.
Para Dworkin, a prática interpretativa consiste em três fases: l) Pré-
interpretativa – com a identificação de regras e princípios, com paradigmas
experimentais para fins de dar sustentação aos argumentos que desenvolverá
dentro dos identificados fatos ou a prática social a ser interpretada; 2) Interpretativa
– o intérprete e aplicador do direito deve proceder a uma justificação, que significa
dizer os argumentos de moral e política dos elementos envolvidos de modo a
ajustarem-se aos elementos delineados na fase pré-interpretativa, ou seja, aos fatos
e às práticas sociais, de modo a que o intérprete não se sinta como que inventando
o direito; e 3) Pós-interpretação – o intérprete formula reformas à prática jurídica
304 DWORKIN, Ronald. Op. cit, p. 81.
102
existente, com decisão que se fundamente eficazmente em razões aceitas pelo
menos pela maioria da comunidade. Essas três fases fazem parte de um processo
unitário. 305
Para Dworkin, o direito como integridade exige que os casos similares
sejam tratados de maneira similar, condenando o decisionismo. Deve considerar o
critério valorativo de identificação da norma jurídica. O juiz deve estar comprometido
com o ideal político de integridade. 306
Eros Roberto Grau nega a existência da discricionariedade judicial,
afirmando que o juiz ao deparar-se com lacunas normativas, ainda assim, tem o
dever de tomar as decisões vinculado aos princípios gerais do direito, de modo
algum podendo produzir normas livremente. Esse autor, na linha de Dworkin,
repudia a discricionariedade mediante a textura aberta. A abertura dos textos do
direito, para viabilizar a sua constante sintonia com a realidade, não significa que o
intérprete esteja liberado do seu compromisso com o sistema, com o ordenamento
Jurídico, sua fonte real de inspiração, sob pena de assim não procedendo, subverter
o texto. 307
Então, a interpretação deve ser orquestrada exatamente dentro de um
juízo de legalidade e não alicerçada no terreno movediço da oportunidade ou
discricionariedade, que não se confunde com a liberdade de pensar, esta jungida ao
sistema, ao ordenamento, não em espaço de criação do direito, mas sim de
aplicação do mesmo.308
A interpretação científica começa coletando dados para depois
305 DWORKIN, Ronald. Op. cit., p. 82.306 BARROSO, Luiz Roberto. Colisão entre liberdade de expressão e direitos da personalidade.Critérios de ponderação. Interpretação constitucionalmente adequada do Código Civil e da lei deImprensa. RTDC, vol. 16. out/dez 2003, p.61.307 GRAU, Eros Roberto. Op. cit, p 207.308 Ibidem, p. 209.
103
interpretá-los, e se desenvolve a Teoria da Interpretação a partir da prática
dominante, de modo que qualquer relato da interpretação deve ser verdadeiro, por si
mesmo considerado.309
Um participante do processo de interpretação, mediante a prática
social proposta, atribui à mesma um valor e verifica os objetivos que pretenda
expressar, porque a interpretação deve por em prática uma intenção. 310
Devem ser consideradas as implicações da interpretação, de modo que
até mesmo as intenções concretas e detalhadas podem ser problemáticas.
2.2.3 A Fundamentação das Decisões
A atividade argumentativa e decisória é obrigação do magistrado, de
fundamentar e justificar as razões que o levaram a determinada decisão, aquelas
provenientes das operações mentais do mesmo. Assim é para que possam ser
atingidos a finalidade, o controle e a possibilidade de impugnação, contrariedade e
reavaliação do decidido perante as partes, perante a opinião pública e perante os
tribunais superiores.
Segundo Luiz Roberto Barroso, na atividade interpretativa o intérprete
não faz escolhas próprias, mas revela o que já se contém na norma de modo que o
juiz desempenha um papel técnico de aplicador e não de criador do direito.311
A linguagem é um instrumento construtivo e não elemento absoluto do
conhecimento no direito. A questão do valor, que é a relação entre o objeto e o
sujeito, precisa ser observada. 312
309 DWORKIN, Ronald. Op .cit, p. 60-63.310 Ibidem, p. 64.311 BARROSO, Luiz Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 2ª. Edição. São Paulo:
Saraiva, 1998, p . 98.312 MIRANDA, Pontes. Sistema de Ciência Positiva do Direito. Atualizador Wilson Rodrigues Alves.Campinas: Bookseller, 2000, p. 233.
104
A linguagem constitucional, em face de assentar normas
principiológicas e esquemáticas, é mais aberta, vaga, com um maior grau de
abstração, deixando para o intérprete um espaço para revelar a mensagem do
conteúdo inserido na norma e adaptar-se ao momento de sua aplicabilidade e
concretização. 313
A lei, contudo, não é o direito. A regra jurídica apenas se conexa com a
realidade daquele momento histórico. O intérprete deve buscar a noção da realidade
social, mediante a sua estática e a sua dinâmica, porque sem estas circunstâncias
estaria adstrito tão somente às suas próprias noções particulares. 314
2.2.4 – As Principais Espécies de Interpretação Jurídica
Os métodos de interpretação são mecanismos e instrumentos através
dos quais o intérprete busca a melhor compreensão e justificação para a solução do
ato interpretativo. Pode ser mesmo considerada uma estratégia de justificação. O
objeto da interpretação jurídica deve constituir-se do próprio direito a ser
interpretado, que se encontra semioticamente representada nos seus textos. O
intérprete, em verdade, deve, mais que descobrir e compreender o sentido e alcance
da norma, buscar a sua realização prática, efetivamente. A interpretação jurídica é
um ato do intelecto, cognoscitiva, que deve resultar nesse sentido e alcance prático,
que deverá exprimir a ordem que emana da sociedade nas relações
intersubjetivas.315
Vários são os métodos que podem ser utilizados, mas havendo
destaque para alguns considerados principais pela dogmática. Entre eles o método
gramatical, o exegético, a lógica do razoável, histórico-evolutivo, sociológico,
313 BARROSO, Luiz Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. Op. Cit., p.101-102.314 MIRANDA, Pontes. Op. cit, p. 115.315 COELHO, Luiz Fernando. Op. cit, p. 203-204.
105
sistemático, teleológico ou finalista, e a tópica.316
2.2.4.1 O método gramatical
Literal, filológico ou léxico, é um método tradicional, que remonta à era
romana, de correntes jurídicas formalistas, que assenta suas premissas na idéia do
sentido literal das palavras, no qual os vocábulos são examinados quer isolada
quer sintaticamente na oração, com sentido unívoco, limitando a interpretação. Em
dias atuais deve ser considerado um ponto de partida, mas não um único
mecanismo do processo interpretativo. Esse método ganha relevo quando o texto
da norma é veiculado em língua estrangeira. É considerado um método ingênuo
posto que a ciência do direito que se funda nos fatos da vida, impossível observar-se
apenas as palavras e signos lingüísticos, sem transcender aos significados da
lógica. 317
Norberto Bobbio propõe um discurso jurídico mais purificado e rigoroso
na elaboração dos textos jurídicos, na jurisprudência e na lei de modo a torná-la
mais técnica, em que os termos sejam mais especificamente ligados à ciência
jurídica.318
2.2.4.2 O método exegético
A escola da exegese formou-se na França, no início do Século XIX,
considerando que todo o direito estaria nos códigos e não haveria outra fonte, de
modo que o intérprete deveria apenas aplicar a lei. Foi elaborado em torno do
modelo napoleônico, a partir do Código Civil Francês de 1804, privilegiando
316 ANDRADE, Cristiano José de. O Problema dos Métodos da Interpretação Jurídica. São Paulo:Revista dos Tribunais, 1992, p. 22.317 Ibidem, p. 31.318 BOBBIO, Norberto. Contribuición a la Teoria Del Derecho. Tradução. De Alfonso Ruiz Miguel.Valência: Fernando Torrres, 1980, p.187-188.
106
sobremodo a norma, e assim o direito estaria contido nas normas emanadas do
Estado. O campo de discricionariedade do juiz seria quase nenhum, restringido a
declaração do que pretendeu o legislador na elaboração da norma, havendo até
previsão de sanção para juízes que violassem a aplicação do direito fora desse
padrão. Tal método adequava-se com facilidade para época na qual foi
implementado. Na atualidade, contudo, não tem muita pertinência e aplicabilidade,
haja vista a sociedade dinâmica, plural e globalizada dos dias atuais. Não significa
dizer, contudo, que não se deve proceder a uma investigação ou observação do
processo genético da norma, no sentido de perquirir qual o valor originário e histórico
subjetivo no qual se envolveu o legislador, na produção da normativa, e que se
constituiu em sua razão de ser, que acaba contribuindo para a conclusão
interpretativa.319
Esse método buscava satisfazer a ideologia burguesa da segurança
em face do absolutismo e garantir o implemento das atividades capitalista.320
2.2.4.3 O método lógico
O método que analisa a lei em seu conjunto harmônico no sistema
jurídico geral volta-se a mens legislatoris. A lógica jurídica não se identifica com a
lógica formal, mas com sua lógica própria, específica, que busca o sentido máximo
de justiça efetiva, de modo que obedecerá a lógica do razoável, preconizada por
Luis Ricaséns Siches, aquela cujo critério busca a maior justiça, na vertente da
razão projetada sobre assuntos humanos, pontos de vista axiológicos, eis que a
concretização do direito não se faz de modo mecânico, mas mediante considerações
de valores decorrentes da realidade social, de modo que a lógica formal, do tipo
319 ANDRADE, Cristiano José de. Op. cit, p. 32.320 Ibidem, Op. cit , p. 34.
107
físico-matemático não está apta para a solução de problemas humanos eis que
neutra a valores éticos, políticos, jurídicos, e as normas são carregadas de dimensão
axiológica.321
A lógica do razoável se funda na equidade aristotélica, na busca da
solução mais justa e razoável, manejada por uma operação lógico-valorativa,
revitalizando e atualização a norma jurídica numa perspectiva de um objetivismo
atualista, compreendido que a lógica do razoável está circunscrita a critérios
objetivos valorativos que são extraídos da própria norma, sempre dentro de
contextos de atualidade. 322
2.2.4.4 O método histórico-evolutivo
Desenvolve-se a partir da observação das circunstâncias do momento
da criação da norma em cotejo com a atualidade da aplicação da mesma, fazendo-
se um levantamento das condições históricas, da finalidade e do sentido sua da
criação. Podem ser utilizados na investigação os trabalhos preparatórios (debates
dos parlamentares) e exposição de motivos, que são os motivos sociais ocasionais
que marcam a criação da lei.
A observação do intérprete deve ser feita das condições histórico-
interna, que dizem respeito às transformações pelas quais o próprio instituto passou,
como for a área da análise, por exemplo, o Direito de Família, o Direito de
Propriedade, o Direito de Empresa e outros. Já as condições histórico-externas são
como marco da evolução do direito diante de suas fontes, mormente a legislativa,
aquelas remotas e as próximas, considerando ainda as condições histórico-sociais
321 RECASÉNS SICHES, Luis. La Nueva Filosofia de la Interpretación Del Derecho. México: Porrua,1963, vol 1,p. 180- 186 -194.322 ARISTÓTELES. Arte Retórica e Arte Poética. Tradução de Antonio Pinto de Carvalho. Rio deJaneiro : Edições de Ouro, 1990, p.136.
108
que motivaram a edição da norma a ser interpretada. 323
Este método procura libertar o intérprete da opção pela investigação da
vontade do legislador, posto que um tanto quanto utópica, de modo que a norma
jurídica, ao ingressar no Ordenamento, liberta-se da pessoa do legislador e passa a
ter vida própria, prevalecendo os seus contextos histórico-evolutivos motivadores. 324
A interpretação histórico-evolutiva encontra justificação também em
face da vagueza, ambigüidade e textura aberta dos signos informadores da
linguagem normativa, que é uma linguagem natural, mormente dentro da
Constituição. O conteúdo da norma pode ser atualizado sem que seja necessária a
mudança do texto, posto que as redefinições conotativas ou denotativas são
baseadas em fatores axiológicos, advindo dos valores sociais do momento de sua
aplicação. O art. 5º. da Lei de Introdução ao Código Civil encampa o método
histórico-evolutivo, assim como o teleológico.325
O método histórico tem relevante pertinência na interpretação
constitucional, eis que se reporta ao substrato dos valores históricos que dão origem
às Constituições, das emanações sociais que servem de alicerce às proposições
que estão aptas as mutações ou não dentro dos conceitos abertos e vagos próprios
das normas constitucionais, servindo de orientação e ponto de referência para o
intérprete e aplicador da norma.326
2.2.4.5 O método sociológico (político-social)
O intérprete deve observar as funções e comportamentos das
323 COELHO, Luiz Fernando. Op. cit, p. 216-217.324 ANDRADE, Cristiano José de. Op. cit, p. 36.325 Ibidem, p. 39.326 BARROSO, Luiz Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição .Op. cit, p. 126.
109
instituições sociais (político/cultural/econômico) no contexto em que ocorrem, dentro
da sua atualidade. O juiz deve aplicar a norma dentro da medida e de acordo com as
necessidades da sociedade contemporânea.327
O intérprete ao ter de aplicar uma norma que tenha 50 anos de criação,
certamente não pode estar definitivamente vinculado a perquirir a razão ou à
vontade do legislador, mas sim qual o seu fundamento racional da atualidade para
que assim possa decidir, o que denomina-se hoje de objetividade atualista, cuja
tendência à primazia nos cânones da interpretação da norma encontra grande
aceitação.328
2.2.4.6 O método sistemático
O intérprete compara a lei dentro do sistema normativo geral e
confronta com outros textos, de modo a harmonizá-la com o sistema jurídico. O
método sistemático disputa com o teleológico a primazia no processo interpretativo.
O direito objetivo não é um aglomerado aleatório de disposições legais, mas um
organismo jurídico, um sistema de preceitos coordenados ou subordinados, que
convivem harmonicamente. A interpretação sistemática é fruto da idéia de unidade
do ordenamento jurídico. Através dela, o intérprete situa o dispositivo a ser
interpretado dentro do contexto normativo geral e particular, estabelecendo as
conexões internas que enlaçam as instituições e as normas jurídicas. A
Interpretação então pode ser visualizada mediante o todo, a unidade e a
particularidade. 329
O sistema deve ser analisado diante da interdisciplinaridade, de modo
que o intérprete deve ter conhecimentos básicos de sociologia, economia, política e
327 BARROSO, Luiz Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição .Op. cit, p. 40.328 ANDRADE, Cristiano José de. Op. cit, p. 40-41.329 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição Op. cit, p. 127-128.
110
filosofia para bem aproximar-se da solução a ser aplicada ao caso concreto. O
método sistemático, portanto, interage nessa abrangência. 330
A norma constitucional não deve ser visualizada isoladamente, pois
pode não expressar seu real sentido e até mesmo entrar em contradição com uma
outra norma. É preciso que seja cotejada mediante todo o sistema, dentro da
perspectiva de unidade do Ordenamento Jurídico. No Brasil, a intepretação
sistemática é com freqüência utilizada pelo Supremo Tribunal Federal. 331
2.2.4.7 O método teleológico e axiológico
O intérprete deve observar, na investigação, os fins e valores das
mensagens normativas. Perquirir o porquê e para que do conteúdo da norma, sua
finalidade, seu propósito ínsito na mensagem normativa observando o valor
apreciado pelo legislador para a elaboração da norma, pois a norma nasce para e
mediante um propósito, uma finalidade que lhe serve de fundamento, considerando
o direito como constatação e uma criação teleológica.332
A interpretação jurídica deve nortear-se pela finalidade da norma,
buscando, observando e compreendendo o fim colimado pelas expressões, como
elemento fundamental para desvendar o sentido e alcance da norma, visualizando o
fim objetivado, considerando as condições sociais daqueles para a qual foi
elaborada, pois a verdade da normativa está no seu propósito, eis que seu destino é
atuar sobre a vida e sua realidade. 333
A finalidade primeira do Direito é o assegurar à pessoa suas condições
vitais, compreendidas estas além das condições físicas, outras tantas que, segundo
330 COELHO, Luiz Fernando. Op. cit, p. 216.331 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição , Op. Cit., p. 127-129.332 ANDRADE, Cristiano José de. Op. cit, p. 56.333 MAXIMILIANO, Carlos. Op. cit, p. 150.
111
seus critérios, podem propiciar um real valor. 334
Uma vez que a elaboração de leis pressupõe regularização de fatos da
vida, que nascem das relações sociais dos indivíduos, visualizados individualmente
como formadores e co-partícipes da coletividade e desses com o Estado, sendo ora
os indivíduos, ora o Estado, sujeito-fim das regras de direito, estas derivam em
função das razões e dos fins constatados pelo legislador como elementos
axiológicos fundamentadores da produção legislativa. 335
Assim, pelo método teleológico e axiológico, a interpretação jurídica
deve nortear-se pela finalidade contida na norma pela observação dos valores
inseridos na mesma, buscando observar o fim pretendido, pois nenhuma lei de
determinado tempo e espaço pode ser compreendida sem a análise das condições
sociais do povo.
2.2.4.8 O método tópico
O método tópico é aquele que leva o intérprete a pensar o problema a
partir de determinados pontos de partida, considerados por Theodor Viehweg topoi
são determinados pontos reconhecidos empregados a favor ou contra a questão
posta, dos quais o intérprete pode-se utilizar como instrumentos auxiliares na
aplicação tópica do caso efetivamente concreto. 336
Os argumentos desenvolvidos na tópica funcionam de forma
silogística, tendo nas premissas apresentadas questões semelhantes que podem ser
observadas pelo intérprete. A escolha de uma diretriz é feita mediante pontos de
vista considerados comuns e aceitos, decorrentes do fato concreto e não a partir da
334 Ibidem, p. 57.335 COELHO, Luiz Fernando. Op. cit, p. 244-245.336 VIEHWEG, Theodor. Tópica e Jurisprudência. Tradução de T.S. Ferraz Jr. Brasília: UNB, 1979,p.27.
112
norma. 337
A palavra topos quer dizer lugar comum. Os topoi, são justamente
aqueles argumentos previamente formulados e desenvolvidos pela retórica que
visam a persuasão, a adesão por suas próprias proposições demonstradas no caso
concreto, a partir do qual podem ser extraídas soluções.338
Cícero considerou a tópica mais que uma dialética, mas uma
verdadeira práxis argumentativa previamente aceita em circunstâncias comuns
tendentes ao exercício retórico para justificar decisões assemelhadas ou que
pudesse servir de premissa. 339
A tópica faz parte de uma busca de novas tentativas de hermenêutica e
interpretação, principalmente hodiernamente quando as leis, face às rápidas
transformações sociais ocorridas principalmente a partir de meados do século XX,
não apresentam conceitos precisos, mas permeados pela vagueza nos conceitos
jurídicos indeterminados e as cláusulas gerais, caracterizados pela incerteza e
extensão dos conteúdos e em face de que as palavras da lei são palavras da
linguagem natural, não são precisamente termos técnico-jurídicos, abrindo, portanto,
a busca doutrinária dentro dos pressupostos da tópica e da retórica para adequar ao
direito os fatos e valores da vida, emanados do desenvolvimento social. 340
Canotilho, sobre a tópica usada como método de interpretação
constitucional, destaca algumas particularidades:
I caráter prático de interpretação constitucional, visto que como todainterpretação jurídica, procura resolver problemas concretos. II- caráteraberto, fragmentário ou indeterminado das normas constitucionais; III-preferência pela discussão do problema em virtude da abertura daConstituição que não permite qualquer dedução subsuntiva a partir delamesma.341
337VIEHWEG, Theodor. Op. cit, p.27.338 Ibidem, p. 88-89.339 ANDRADE, Cristiano José de. Op. cit, p.71-72.340 Ibidem, p.72.341 CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição .Op. cit, p. 1070.
113
2.2.5 – Classificação Quanto ao Resultado Interpretativo
Quanto ao resultado derivado da atividade hermeneuta, podem se
concentrar três eventos distintos:
a) Declarativo: Ocorre nos casos em que haja dúvida, mas que é
esclarecida por estar em harmonia entre a letra da lei e a mens legis, isto é, a letra
da lei coincide com a mensagem contida na norma emitida pelo legislador,
consubstanciando-se então no sentido literal da norma.342
O signo lingüístico traz em si mesmo uma transmissão bifásica
revelada como significante e significado. O significante é a transmissão acústica ou
gráfica da mensagem, o significado a impressão psíquica do som emitido, da grafia,
da imagem, como atuam nas teias mentais de quem recebe visualizando ou
escutando na formação dos conceitos decorrentes desses sons e imagens. Desta
forma, os signos lingüísticos podem sofrer uma mutação por vários fatores externos
de concepções emanadas do próprio seio social, com possibilidade de variação do
seu significante-significado. Dessa forma, o contexto lingüístico e a situação humana
é que vão servir como base para determinar o seu sentido. 343
b) Restritivo: Quando é preciso restringir o significado da lei, pela
amplitude de sua expressão literal não corresponder com seu real sentido, melhor
dizendo, quando o legislador disse mais quando queria dizer menos, é possível
proceder à interpretação restritiva, muito comum quanto às regras gerais, às que
estabelecem benefícios, às punitivas e às de natureza fiscal. 344
Assim, também, todas as regras que restrinjam direitos ou garantias
constitucionais devem ser interpretadas restritivamente. Da mesma forma as que
estabelecem exceções. O raciocínio que servirá para restringir o sentido da norma
342 ANDRADE, Cristiano José de. Op. cit, p.114.343 Ibidem, p.114.115.344 BARROSO, Luis Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. Op. cit, p.114-115.
114
deve ter como base elementos axiológicos e teleológicos que nortearam o propósito
dirigido na formulação da norma, pelo pressuposto de que todo ato normativo tem
uma razão de ser e onde cessa essa razão de ser, cessa também o seu alcance. 345
c) Extensivo: Quando é necessário ampliar o sentido da norma para
além do contido na sua letra, de modo inverso, quando o legislador disse menos do
que queria dizer, fazendo-se necessária a interpretação extensiva. Os elementos
para a extensão dos sentidos da norma encontram-se implicitamente no próprio
conteúdo conforme o pensamento legislativo da mesma viabilizando a sua
ampliação dentro das mensagens emitidas pelo legislador reveladas na própria
norma, mas na mesma não consignada expressamente. 346
Quando se trata de tipos cerrados, como no Direito Penal, em face do
princípio da legalidade, (art. 1º. Do Código Penal), o intérprete deve evitar a
interpretação extensiva. A interpretação extensiva não se confunde com analogia,
eis que na primeira o sentido está implícito na norma que existe, na analogia não há
sentido explicito porque falta a norma, ou seja, há lacuna, esta que deverá ser
preenchida através da integração, por um caso apenas semelhante. 347
345 ANDRADE, Cristiano José de. Op. cit, p. 117-118.346 Ibidem, p.118.347 Ibidem, p. 117-118.
115
CAPÍTULO III – ACÓRDÃOS DOS TRIBUNAIS SUPERIORES VERSUS
HERMENÊUTICA APLICADA AO DIREITO FUNDAMENTAL VIDA
3.1 INTRODUÇÃO
Neste capítulo foram selecionados acórdãos que exprimem o
posicionamento dos Tribunais Superiores (Supremo Tribunal Federal – STF – e
Superior Tribunal de Justiça – STJ) acerca do direito fundamental à vida, positivado
na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
No intuito de investigar o posicionamento jurisprudencial das cortes
superiores acerca da hermenêutica constitucional aplicada ao direito fundamental
vida, foram analisados julgados que possuem temáticas como o direito à saúde e a
responsabilidade do Estado em provê-la, a possibilidade de saque do FGTS para
garantir tratamento a portadores de HIV, de fornecimento de medicação contra
doenças mórbidas, como a Hepatite “C”, a questão do aborto anencefálico, a
manutenção de desconto concedido por lei a idosos na compra de medicamentos, o
fornecimento de medicamentos de forma gratuita a portadores do vírus HIV, o
tratamento de saúde no exterior dentro outros direitos relevantes para o estudo do
caso presente, observando se os tribunais superiores, em si, atribuem a máxima
116
eficácia ao direito fundamental vida, tida como o bem mais precioso da pessoa
humana, possuindo grande relevância na atualidade, tendo em vista as constantes
tentativas de violações, na maior parte das vezes intentadas pelo próprio Estado.
A metodologia empregada na interpretação dada aos casos nas
jurisprudências será determinada pelo exame das decisões, com o fito de
estabelecer qual a linha hermeneuta utilizada para dar balize às questões sobre o
bem jurídico vida, alcançando, assim, o intuito da presente dissertação.
Por mais simples que possa parecer o texto da norma e, em especial, o
texto constitucional, no qual em grande parte os termos ou os signos lingüísticos
utilizados pelo Legislador são os da linguagem comum, principalmente aqueles
pertinentes aos direitos fundamentais, sua aplicação exige uma extração do sentido
de seus signos, até porque a interpretação constitucional envolve uma investigação
e uma mediatização semântica dos enunciados lingüísticos. 348
Há, sem sombra de dúvidas, dificuldades neste processo, de modo
significativo quando se trata de direitos fundamentais, eis que estes não são
absolutos e podem ser objeto de ponderação frente aos outros direitos
fundamentais, mas as dificuldades são ultrapassadas na medida em que o julgador
fundamenta suas decisões orientadas por juízos de valor, que serão analisados
após a apresentação sucinta do rol dos ementários das decisões envolvidas na
presente análise.
348 CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e Teoria da Constituição. 2ª. Edição.Coimbra:Almedina, 1998, p. 1080.
117
3.2 ACÓRDÃOS DOS TRIBUNAIS SUPERIORES ACERCA DO DIREITO À VIDA
O presente item é composto de dezoito jurisprudências que,
pesquisadas com o esmero de atender aos objetivos desta dissertação, trarão os
subsídios para a análise hermeneuta em que cada julgado apresenta, de ambas as
Cortes Superiores – Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça –
apresentando, após a exposição de cada qual em seu item, um comentário geral
acerca de cada grupo temático, como se expõe a seguir.
3.2.1 Da Responsabilidade do Estado na questão do direito à vida
Abaixo, apresentam-se quatro jurisprudências acerca do assunto,
oriundas do Superior Tribunal de Justiça, infra.
3.2.1.1 Recurso Especial n. 656.979 349
ADMINISTRATIVO. MEDICAMENTO OU CONGÊNERE. PESSOADESPROVIDA DE RECURSOS FINANCEIROS. FORNECIMENTOGRATUITO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DA UNIÃO, ESTADOS-MEMBROS, DISTRITO FEDERAL E MUNICÍPIOS.1. Em sede de recurso especial, somente se cogita de questão federal, enão de matérias atinentes a direito estadual ou local, ainda mais quandodesprovidas de conteúdo normativo.2. Recurso no qual se discute a legitimidade passiva do Município parafigurar em demanda judicial cuja pretensão é o fornecimento de próteseimprescindível à locomoção de pessoa carente, portadora de deficiênciamotora resultante de meningite bacteriana.3. A Lei Federal nº 8.080/90, com fundamento na Constituição da República,classifica a saúde como um direito de todos e dever do Estado.4. É obrigação do Estado (União, Estados-membros, Distrito Federal eMunicípios) assegurar às pessoas desprovidas de recursos financeiros oacesso à medicação ou congênere necessário à cura, controle ouabrandamento de suas enfermidades, sobretudo as mais graves.5. Sendo o SUS composto pela União, Estados-membros e Municípios, é dereconhecer-se, em função da solidariedade, a legitimidade passiva dequaisquer deles no pólo passivo da demanda.6. Recurso especial improvido. (grifos nossos). 350
349 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Medida Cautelar n. 7.492-SP. Relatora Minª. Laurita Vaz,Disponível no site www.stj.gov.br, acesso em 07.07.2005.350 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Loc. Cit.
118
3.2.1.2 Recurso Especial n. 662.033. 351
PROCESSUAL CIVIL. DIREITO À SAÚDE. MENOR POBRE. OBRIGAÇÃODO ESTADO. MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE.1. Constitui função institucional e nobre do Ministério Público buscar aentrega da prestação jurisdicional para obrigar o Estado a fornecermedicamento essencial à saúde de menor pobre, especialmente quandosofre de doença grave que se não for tratada poderá causar,prematuramente, a sua morte.2. Legitimidade ativa do Ministério Público para propor ação civil pública emdefesa de direito indisponível, como é o direito à saúde, em benefício demenor pobre. Precedentes: REsp 296905 PB e REsp 442693 RS.3. O Estado, ao se negar a proteger o menor pobre nas circunstâncias dosautos, omitindo-se em garantir o direito fundamental à saúde, humilha acidadania, descumpre o seu dever constitucional e ostenta prática violentade atentado à dignidade humana e à vida. É totalitário e insensível.4. Embargos de declaração conhecidos e providos para afastar a omissão ecomplementar, com maior precisão, a fundamentação que determinou oprovimento do recurso para reconhecer a legitimidade do Ministério Público,determinando-se que a ação prossiga para, após instrução regular, ser omérito julgado. 352
3.2.1.3 Recurso Especial n. 271.286 353
O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídicaindisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própriaConstituição da República (art. 196). Traduz bem jurídicoconstitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneiraresponsável, o Poder Público, a quem incumbe formular e implementar
políticas sociais e econômicas idôneas que visem a garantir, aoscidadãos, inclusive àqueles portadores do vírus HIV, o acesso universal eigualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar. O direito à saúde
além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas aspessoas representa conseqüência constitucional indissociável do direito àvida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de suaatuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-seindiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, aindaque por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional. Ainterpretação da norma programática não pode transformá-la em promessaconstitucional inconseqüente. O caráter programático da regra inscrita noart. 196 da Carta Política que tem por destinatários todos os entespolíticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa doEstado brasileiro não pode converter-se em promessa constitucionalinconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativasnele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, ocumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável deinfidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental doEstado. (...). O reconhecimento judicial da validade jurídica de programas dedistribuição gratuita de medicamentos a pessoas carentes, inclusive àquelasportadoras do vírus HIV/AIDS, dá efetividade a preceitos fundamentais daConstituição da República (arts. 5º, caput, e 196) e representa, naconcreção do seu alcance, um gesto reverente e solidário de apreço à vida
351 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. RECURSO ESPECIAL N. 662.033, RIO GRANDE DO SUL,Rel. Ministro José Delgado, disponível no site www.stj.gov.br, acesso em 07.07.2005.
352 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Loc. cit..353 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Recurso Especial 271.286-AgR, Rel. Min. Celso de Mello,
Disponível no site www.stj.gov.br, acesso em 07.07.2005.
119
e à saúde das pessoas, especialmente daquelas que nada têm e nadapossuem, a não ser a consciência de sua própria humanidade e de suaessencial dignidade. Precedentes do STF. 354
3.2.1.4 Recurso Especial n. 770.969 355
ADMINISTRATIVO PROCESSUAL CIVIL. CUSTEIO DE TRATAMENTOMÉDICO. MOLÉSTIA GRAVE. BLOQUEIO DE VALORES EM CONTASPÚBLICAS. POSSIBILIDADE. ART. 461, CAPUT E § 5º DO CPC.1. Além de prever a possibilidade de concessão da tutela específica e datutela pelo equivalente, o CPC armou o julgador com uma série de medidascoercitivas, chamadas na lei de "medidas necessárias", que têm comoescopo o de viabilizar o quanto possível o cumprimento daquelas tutelas.2. As medidas previstas no § 5º do art. 461 do CPC foram antecedidas daexpressão "tais como", o que denota o caráter não-exauriente daenumeração. Assim, o legislador deixou ao prudente arbítrio do magistradoa escolha das medidas que melhor se harmonizem às peculiaridades decada caso concreto.3. Submeter os provimentos deferidos em antecipação dos efeitos da tutelaao regime de precatórios seria o mesmo que negar a possibilidade de tutelaantecipada contra a Fazenda Pública, quando o próprio Pretório Excelso jádecidiu que não se proíbe a antecipação de modo geral, mas apenas pararesguardar as exceções do art. 1º da Lei 9.494/97.4. O disposto no caput do artigo 100 da CF/88 não se aplica aospagamentos de obrigações definidas em lei como de pequeno valor, demodo que, ainda que se tratasse de sentença de mérito transitada emjulgado, não haveria submissão do pagamento ao regime de precatórios.5. Em casos como o dos autos, em que a efetivação da tutela concedidaestá relacionada à preservação da saúde do indivíduo, a ponderação dasnormas constitucionais deve privilegiar a proteção do bem maior que é avida.6. Recurso especial improvido. 356
Nos julgados em análise, de origem do Superior Tribunal de Justiça,
ficou afirmado o caráter teleológico-sistemático na interpretação da norma,
relevando, de um lado, a obrigação positiva do Estado, assim entendido como todos
os entes federativos, na obrigação da prestação da saúde como direito correlato ao
da vida, de forma solidária, e a posição de instituições judiciárias, como o Ministério
Público, na aptidão para mover ação em favor de menor pobre, para a defesa do
direito indisponível à saúde sem prejuízo de, noutro julgado, determinar a imediata
reserva pelo poder público em qualquer de suas instâncias de valor para o custeio
354SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Loc. cit.355SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Recurso Especial 770.969, Rel. Min Castro Meira, Disponível
no site www.stj.gov.br, acesso em 07.07.2005356 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Loc. cit.
120
de tratamento de saúde, para garantir e fazer prevalecer o direito fundamental à
vida, de aplicação imediata, ex vi do que dispõe do § 1º. Do art. 5º. e art.196 da
Constituição.
No entanto, o Tribunal Excelso delimita competências. Mas mesmo
assim, abstendo-se de julgar o mérito, por não lhe pertencer à causa em que impõe
deveres a Municípios e Estados, acaba por provocar, via reflexa, a análise do direito
à vida em prol do pólo passivo do recurso.
Nessas jurisprudências, ficou manifesta a opinião de que a União, os
Estados, o Distrito Federal e os Municípios são responsáveis solidários pela
promoção, proteção e recuperação da saúde junto ao indivíduo, e para tanto devem
empreender ações positivas para o seu cumprimento ao efeito de tutelar o direito à
vida, sob pena de assim não procedendo submeterem-se a procedimentos judiciais
no pólo passivo para serem compelidos ao cumprimento desse dever, que emerge
da extração do sentido da norma fundamental que protege o bem maior da pessoa
humana que é a vida, refletida no direito a saúde no mais integral conteúdo.
Analisando a composição normativa do direito à saúde, positivado na
Constituição da República Federativa do Brasil em seu artigo 24, Inciso XII, prevê o
mesmo que temas como previdência social, proteção e defesa da saúde serão
elaboradas a partir de uma regulamentação de forma geral pela União, enquanto os
Estados e Municípios normatizarão de forma particular a distribuição destes direitos.
Não obstante isto, o dever é solidário entre todos os entes federativos, a teor de uma
interpretação teleológica-finalista.do art.196 da Constituição, quando atribui esse
dever ao Estado assim considerado como o poder público em todos os seus níveis
de competências.
No que tange à sua prática, concretizando o direito à saúde, a
121
competência administrativa relaciona-se não à elaboração de leis, mas à execução
das determinações normativas e dos serviços públicos, através de políticas sociais e
econômicas a serem realizadas pela pessoa jurídica de direito público, seja a União,
os Estados-membros e Município co-responsáveis, co-obrigados na tarefa.
Tal competência pode ser exclusiva de cada ente ou comum da União,
dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Em sendo comum, compete a
todos a promoção de ações conjuntas, devendo haver cooperação entre eles. A
competência administrativa comum é prevista no artigo 23 da Constituição Federal e
tem por objetivo a proteção de forma ampla dos interesses elencados neste
dispositivo, tendo em vista, ainda, o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar
em âmbito nacional. O artigo em comento dispõe, em inciso II:
Art. 23. É competência comum da União, dos Estados do Distrito Federal edos Municípios:II cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia daspessoas portadoras de deficiência(...)
Tendo em vista que o objeto pretendido é universal, a saúde é
competência administrativa comum das três esferas de poder, não havendo que se
falar em responsabilidade da União, ou do Estado e, muito menos, apenas do
Município restrita à elaboração de normas gerais. A competência administrativa, em
que os interesses gerais e locais se coincidem, atribui aos três entes federados o
poder-dever de realizar ações efetivas, e não de elaborar e regulamentar normas,
simplesmente, por um ou outro ente federativo.
Percebe-se, pois, que a saúde é direito de todos e dever do Estado,
conglomerando, neste ínterim, todos os entes federativos, sendo sua execução feita
diretamente por qualquer um dos entes, solidariamente. Para tanto é que foram
estabelecidas as normas relativas ao SUS – Sistema Único de Saúde,
regulamentado pela Lei Federal 8.080/90, nas quais também é possível extrair a
122
responsabilidade solidária dos entes, conforme demonstrado abaixo:
Art. 4º O conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos einstituições públicas federais, estaduais e municipais, da Administraçãodireta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público, constitui oSistema Único de Saúde (SUS).Art. 7º As ações e serviços públicos de saúde e os serviços privadoscontratados ou conveniados que integram o Sistema Único de Saúde (SUS),são desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no art. 198 daConstituição Federal, obedecendo ainda aos seguintes princípios:(...)IX - descentralização político-administrativa, com direção única em cadaesfera de governo:a) ênfase na descentralização dos serviços para os municípios;b) regionalização e hierarquização da rede de serviços de saúde;(...)XI - conjugação dos recursos financeiros, tecnológicos, materiais e humanosda União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios na prestação deserviços de assistência à saúde da população;
Esclareça-se que o supracitado inciso IX, do artigo 7º, prevê a
descentralização dos serviços para os Municípios, de nada retirando a
responsabilidade dos outros entes em garantir que o serviço seja prestado com
eficiência. Aliás, cumpre a tais entes o repasse de verbas aptas à garantia da
execução dos serviços. Devem responder, pois, pelo descumprimento de suas
obrigações estabelecidas e aquelas reflexas que podem surgir, como é o caso da
jurisprudência estudada. Por conta disto é que mesmo que tenham efetivado o
repasse e cumprido para com seus deveres, são ainda partes legítimas, vez que a
legitimidade é aferida em abstrato, como se extrai do art. 196 da Constituição, que
atribui esse dever Estado considerado como o poder público em geral, ademais
porque, a palavra saúde, na análise semiótica e sob o prisma da sintaxe ou do
contexto dentro da oração, denota o direito fundamental da á vida, através do qual
se desdobram todos os demais, irrenunciável, inalienável, gravado com a garantia
de clausula pétrea, oponível em face do Estado, em qualquer nível de Poder.
No mesmo sentido, o julgado que trata da posição do Ministério Público
na representação de menor pobre, destaca-se no texto, para balize da relação
123
processual analisada no recurso, ser dever institucional do Parquet a busca da
tutela do direito à saúde de menor pobre, ao qual o Estado nega prestação desse
direito, omite-se na garantia do direito fundamental da saúde, violando seu dever
constitucional, atentando contra a dignidade e a vida.
Desta forma é que se impõe, por força da Carta Magna, em seus vários
dispositivos fundamentais, o dever ao Poder Público assim considerado o Município,
os Estados e a União de procurar a solução rápida e eficiente ao paciente, de modo
a preservar-lhe a saúde e bem estar, independente de se averiguar de quem é a
responsabilidade. Havendo negativa por qualquer um desses Entes em solucionar o
problema do paciente, o Estado estará criando um impasse e uma situação de
ineficácia completa do preceito constitucional ao direito fundamental à vida, violando
seu dever de cuidado e preservação da saúde da pessoa humana.
Pelo imperativo maior de que o direito à saúde encontra-se
intrinsecamente ligado ao direito à vida, à dignidade da pessoa humana, à
assistência social e à solidariedade, não pode ser inviabilizada por inoperância
administrativa ou processual, pelo que todos os entes federativos não devem se
furtar ao cumprimento deste direito, hoje em dia tão vilipendiado por conta das
políticas governamentais mínimas de um lado e, por outro, de uma doutrina populista
que transforma o direito em favor e, conseqüentemente, o direito à vida em uma
concessão condicional, nunca voluntária, ao cidadão brasileiro. O legislador, ao
estabelecer a obrigatoriedade por parte do Estado em todas as suas esferas de
poder, da garantia e promoção da saúde, que reflete diretamente no direito à vida,
assim procedeu, levando em consideração, também, a realidade fática nacional de
efetiva assimetria social a reclamar uma maior rede de proteção, pois, como
declarado na jurisprudência STJ RE n. 271.286, no sentido de que direito à saúde,
124
além de ser conferido como direito fundamental que assiste a todos, representa
conseqüência indissociável do direito à vida, cuja omissão pelo Poder Público cria
um grave comportamento inconstitucional.
Os acórdãos enfocados, quando reconhecem a responsabilidade
solidária do Estado na prestação do direito à saúde, ou admitem ser função
institucional do Ministério Público buscar a prestação jurisdicional para que o Estado
seja compelido ao fornecimento de medicamento essencial à vida de menor, pois a
falta desse medicamento pode levar a morte, ou quando desobrigam o Estado ao
regime de precatórios, possibilitam o bloqueio e imediata liberação dos valores para
custeio de despesas com o tratamento de saúde do desamparado, e declaram
como direito público subjetivo à saúde o tratamento a portadores do vírus da AIDS.
Verifica-se uma interpretação teleológica a extrair da norma a sua finalidade que é a
promoção e proteção da saúde correspondente à garantia do direito fundamental a
vida, aplicando o princípio da proporcionalidade levando em conta a adequação e a
necessidade da medida em face de não haver outra que propicie maior otimização
do comando constitucional, sendo as vantagens maiores do que as desvantagens,
que possam resultar para o cumprimento do efetivo e pleno exercício do direito
fundamental à vida.
Destaca-se, também, que a análise hermenêutica guardou uma
estrutura sociológica e sistemática, uma vez que coteja o fato social que produz a
norma, tendo especial atenção para os mais desassistidos no Sistema Único de
Saúde, bem como também guarda consonância com o método sistemático, ao
colacionar a lei que abrange este mesmo sistema como desdobramento do que
estabelece a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, compondo,
nas conexões das normas que regem o direito à vida, facetado no direito à saúde,
125
um resultado extensivo ao caso, principalmente no que tange ao caso dos
precatórios, mais explícita na jurisprudência do STJ RE-RS 770.969.
Sem prejuízo da presente jurisprudência, o reflexo processual causado
na análise de competências, delimitações ou aspectos formais do processo vencido
pelo recorrente ganhou um reflexo material, quando o próprio mérito acabava por ser
indiretamente analisado, como condição sine qua non de promoção do direito à vida
e à saúde, responsabilizando, em todos os julgados apresentados, o Estado, num
todo, pela prestação de tal direito fundamental, pela promoção do direito à cidadania
plena e à dignidade da pessoa humana, em especial àqueles que poucos recursos
possuem para fazer gozo de tal direito indissociável a todos.
A garantia do exercício de um direito fundamental é reflexo do Estado
Democrático de Direito, pois significa a efetividade de um valor discutido e
reconhecido democraticamente pelos participantes do processo democrático, que
não pode ser desrespeitado pelo Estado, mas sim verdadeiramente implementado.
3.2.2 Tratamento de saúde e direito à vida
Da análise presente, colacionam-se três outras jurisprudências do STJ,
infra:
3.2.2.1 Recurso Especial n. 249.026. 357
FGTS. LEVANTAMENTO, TRATAMENTO DE FAMILIAR PORTADOR DOVÍRUS HIV. POSSIBILIDADE. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO.1. É possível o levantamento do FGTS para fins de tratamento de portadordo vírus HIV, ainda que tal moléstia não se encontre elencada no artigo 20,XI, da Lei 8036/90, pois não se pode apegar, de forma rígida, à letra fria dalei, e sim considerá-la com temperamentos, tendo-se em vista a intenção dolegislador, mormente perante o preceito maior insculpido na ConstituiçãoFederal garantidor do direito à saúde, à vida e a dignidade humana e,levando-se em conta o caráter social do Fundo que é, justamente,assegurar ao trabalhador o atendimento de suas necessidade básicas e deseus familiares.2. Recurso Especial desprovido.358
357 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Recurso Especial n. 249026-PR. Relator Min. José Delgado,Disponível no site www.stj.gov.br, acesso em 07.07.2005.
126
3.2.2.2 Recurso Especial n. 226.835. 359
Acórdão recorrido que permitiu a internação hospitalar na modalidadediferença de classe , em razão das condições pessoais do doente, quenecessitava de quarto privativo. Pagamento por ele da diferença de custodos serviços. Resolução nº 283/91 do extinto INAMPS. O art. 196 daConstituição Federal estabelece como dever do Estado a prestação deassistência à saúde e garante o acesso universal e igualitário do cidadãoaos serviços e ações para sua promoção, proteção e recuperação. O direitoà saúde, como está assegurado na Carta, não deve sofrer embaraçosimpostos por autoridades administrativas, no sentido de reduzi-lo ou dedificultar o acesso a ele. O acórdão recorrido, ao afastar a limitação dacitada Resolução nº 283/91 do INAMPS, que veda a complementariedade aqualquer título, atentou para o objetivo maior do próprio Estado, ou seja, ode assistência à saúde. 360
3.2.2.3 Recurso Especial n. 681.012. 361
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO DO ART. 535, II,DO CPC. INOCORRÊNCIA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. FORNECIMENTO DEPILHAS PARA O FUNCIONAMENTO DE APARELHOS AUDITIVOS EMFAVOR DE MENOR. SAÚDE.DIREITO INDIVIDUAL INDISPONÍVEL. ART. 227 DA CF/88. LEGITIMATIOAD CAUSAM DO PARQUET. ART. 127 DA CF/88. ARTS. 7.º, 200, e 201DO DA LEI N.º 8.069/90.1. Inexiste ofensa ao art. 535 do CPC, quando o tribunal de origempronuncia-se de forma clara e suficiente sobre a questão posta nos autos.Ademais, o magistrado não está obrigado a rebater, um a um, osargumentos trazidos pela parte, desde que os fundamentos utilizadostenham sido suficientes para embasar a decisão.2. Recurso especial interposto contra acórdão que decidiu pela ilegitimidadeativa do Ministério Público para pleitear, via ação civil pública, em favor demenor, o fornecimento de pilhas para o funcionamento de aparelhosauditivos.3. Deveras, o Ministério Público está legitimado a defender os interessestransindividuais, quais sejam os difusos, os coletivos e os individuaishomogêneos.4. É que a Carta de 1988, ao evidenciar a importância da cidadania nocontrole dos atos da administração, com a eleição dos valores imateriais doart. 37, da CF como tuteláveis judicialmente, coadjuvados por uma série deinstrumentos processuais de defesa os interesses transindividuais, criou ummicrosistema de tutela de interesses difusos referentes à probidade daadministração pública, nele encartando-se a Ação Popular, a Ação CivilPública e o Mandado de Segurança Coletivo, como instrumentosconcorrentes na defesa desses direitos eclipsados por cláusulas pétreas.5. Deveras, é mister conferir que a nova ordem constitucional erigiu umautêntico 'concurso de ações' entre os instrumentos de tutela dos interessestransindividuais e, a fortiori, legitimou o Ministério Público para o manejo dosmesmos.6. Legitimatio ad causam do Ministério Público à luz da dicção final dodisposto no art. 127 da CF, que o habilita a demandar em prol de interesses
358 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Loc. Cit.359 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Recurso Especial 226.835, Rel. Min. Ilmar Galvão,
Disponível no site www.stj.gov.br, acesso em 07.07.2005360 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Loc. Cit.361 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Recurso Especial 681.012, Rel. Min Luiz Fux, Disponível no
site www.stj.gov.br, acesso em 07.07.2005
127
indisponíveis.7. Sob esse enfoque, assento o meu posicionamento na confinaçãoideológica e analógica com o que se concluiu no RE n.º 248.889/SP paraexternar que a Constituição Federal dispõe no art. 227 que: "É dever dafamília, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente,com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, àeducação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito,à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los asalvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência,crueldade e opressão." Conseqüentemente a Carta Federal outorgou aoMinistério Público a incumbência de promover a defesa dos interessesindividuais indisponíveis, podendo, para tanto, exercer outras atribuiçõesprevistas em lei, desde que compatível com sua finalidade institucional (CF,arts. 127 e 129).8. O direito à saúde, insculpido na Constituição Federal e no Estatuto daCriança e do Adolescente, é direito indisponível, em função do bem comum,maior a proteger, derivado da própria força impositiva dos preceitos deordem pública que regulam a matéria.9. Outrossim, a Lei n.º 8.069/90 no art. 7.º, 200 e 201, consubstanciam aautorização legal a que se refere o art. 6.º do CPC, configurando alegalidade da legitimação extraordinária cognominada por Chiovenda como"substituição processual".10. Impõe-se, contudo, ressalvar que a jurisprudência predominante do E.STJ entende incabível a ação individual capitaneada pelo MP (Precedentes:REsp n.º 706.652/SP, Segunda Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ de18/04/2005; REsp n.º 664.139/RS, Segunda Turma, Rel. Min. Castro Meira,DJ de 20/06/2005; e REsp n.º 240.033/CE, Primeira Turma, Rel. Min. JoséDelgado, DJ de 18/09/2000).11. Recurso especial provido. 362
As três jurisprudências apresentadas, de origem do Superior Tribunal
de Justiça, no trato da questão da obrigação do Estado no tratamento de enfermos,
apontam, também, para uma interpretação teleológica.
No primeiro caso, trata-se de decisão em que o STJ pautou por uma
interpretação teleológica e extensiva da Lei nº. 8036/90, alusiva ao FGTS, no seu
art. 20 para a solução da questão apresentada, eis que essa norma prescreve,
enumeradamente as possibilidades de saque do fundo de garantia por determinados
motivos. Levando em consideração o direito à vida como bem universal e
inalienável, sempre objeto de promoção social estatal, o Poder Judiciário, na
evidência da ameaça a este bem, procurou dar uma interpretação extensiva e
teleológica à questão apresentada.
362 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Loc. cit.
128
Buscou o intérprete extrair do texto normativo a sua finalidade, o seu
sentido, os valores impregnados na mesma, embora não estivesse expressamente
prevista na norma a referência à possibilidade de saque de FGTS para tratamento
de portador do vírus HIV. Mas em face das circunstâncias fáticas da gravidade da
enfermidade conhecida como síndrome da deficiência imunológica, tão prejudicial à
saúde e à vida da pessoa quanto às neoplasias malignas, estas que encontram-se
expressamente autorizada para saque pela lei nº.8.036/90, art.20, inciso XI,
entendeu que o rol expresso nos parágrafos e incisos do aludido artigo não é
taxativo, mas exemplificativo, e que considerando os valores consignados na norma,
como o bem estar social e a proteção ao trabalhador acometido de doença grave e o
amparo a sua família, seria perfeitamente possível o deferimento de levantamento
de verbas existentes na conta do FGTS. 363 E remete o julgado ao pensamento
teleológico-sociológico do fundo, no sentido de proporcionar melhora nas condições
sociais do trabalhador, nisto incluído a sua família, e possibilidade de custeio das
necessidades do filho do recorrido que se encontra em estado terminal de AIDS,
como aqui se transcreve, infra:
O FGTS é do trabalhador e pode ele ser utilizado nas suas necessidadesprementes e de doenças graves. Não teria nenhum sentido o trabalhadorestar com doença grave, sem condições de pagar tratamento, ficar impedidode usar a poupança, que é dele. É verdade que o legislador previu apenasneoplasia maligna como causa para autorizar o levantamento do FGTS (art.20, XI, da Lei 8036/90). É nestes momentos que o julgador deve procurar,no espírito da lei, a decisão justa, usando, inclusive, o disposto no art. 5º daLei de Introdução ao Código Civil e atendendo aos fins sociais da lei.364
Indiscutivelmente, o princípio da dignidade da pessoa humana está
atendido em toda sua plenitude neste julgado, na vertente de uma hermenêutica
sociológica, sistemática e teleológica, com um resultado extensivo que garante, o
caráter social do fundo que é, justamente, o de assegurar ao trabalhador o
363 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Loc. cit..364 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Loc. cit..
129
atendimento de suas necessidades básicas e de seus familiares, em homenagem ao
preceito maior esculpido na Carta Maior da dignidade humana, da saúde e da vida,
estes dois últimos direitos fundamentais maiores de todo o Estado Democrático de
Direito.
No segundo e terceiro casos, a atenção se volta para a assistência à
saúde, em que o mesmo não poderá sofrer embaraços impostos por autoridade
administrativa, no sentido de reduzir ou dificultar o acesso à saúde, como primazia
do direito à vida.
Caso muito comum, noticiado nos jornais e demais manchetes, está a
questão da superlotação dos hospitais e o não-trato aos desamparados no Sistema
Único de Saúde. O mesmo, sob a herança do extinto INAMPS – Instituto Nacional de
Amparo à Previdência Social e à Saúde – mantém o critério de leitos, sendo comum
a acomodação de muitos em um só espaço. No entanto, mesmo atendidos os
critérios internacionais de internação hospitalar, há casos em que a reserva em
quarto próprio é necessário, sob pena de ineficácia do tratamento aplicado.
É o caso da segunda jurisprudência, cuja situação sofreu a apreciação
do Judiciário e, com base na hermenêutica teleológico-sociológica, pautada num
resultado extensivo, resolve obrigar ao Poder Público a proceder à reserva e custeio
de quarto para paciente cujo estado de saúde assim exigia, por entender que o
sistema de saúde deve atender, ainda que exista resolução em contrário, ao cidadão
na exata medida de sua necessidade num momento tão delicado para o ser humano
como quando se encontra acometido de moléstias de tratos difíceis.
Na terceira jurisprudência a questão relativa à legitimidade do
Ministério Público para ingressar com ação visando assegurar direito fundamental a
menor, enquanto representado por aquele em ação de seu interesse, obteve
130
assentimento do Tribunal, considerando atribuição institucional do Ministério Público
pugnar por direitos indisponíveis, no caso o direito à vida, pela via da assistência à
saúde, pelo atendimento dos dispositivos propostos no Estatuto da Criança e do
Adolescente e da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em
decisão favorável ao paciente, reflexo da técnica hermenêutica sistemática,
teleológica e tópica utilizada, cujo resultado declarativo afirmou o direito que assiste
ao menor.
3.2.3 Medicamento e direito à vida
De maior densidade, os temas apresentam duas jurisprudências do
Supremo Tribunal Federal e quatro do Superior Tribunal de Justiça, como a seguir.
3.2.3.1 Recurso Ordinário em Mandado de Segurança n. 17903. 365
CONSTITUCIONAL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DESEGURANÇA. DIREITO FUNDAMENTAL À VIDA E À SAÚDE.FORNECIMENTO DE MEDICAÇÃO. HEPATITE C. RESTRIÇÃO.PORTARIA/MS Nº 863/02.1. A ordem constitucional vigente, em seu art. 196, consagra o direito àsaúde como dever do Estado, que deverá, por meio de políticas sociais eeconômicas, propiciar aos necessitados não "qualquer tratamento", mas otratamento mais adequado e eficaz, capaz de ofertar ao enfermo maiordignidade e menor sofrimento.2. O medicamento reclamado pela impetrante nesta sede recursal nãoobjetiva permitir-lhe, apenas, uma maior comodidade em seu tratamento. Olaudo médico, colacionado aos autos, sinaliza para uma resposta curativa eterapêutica "comprovadamente mais eficaz", além de propiciar ao pacienteuma redução dos efeitos colaterais. A substituição do medicamentoanteriormente utilizado não representa mero capricho da impetrante, mas seapresenta como condição de sobrevivência diante da ineficácia daterapêutica tradicional.3. Assim sendo, uma simples restrição contida em norma de inferiorhierarquia (Portaria/MS n. 863/02) não pode fazer tábula rasa do direitoconstitucional à saúde e à vida, especialmente, diante da prova concretatrazida aos autos pela impetrante e à mingua de qualquer comprovação porparte do recorrido que venha a ilidir os fundamentos lançados no únicolaudo médico anexado aos autos.4. As normas burocráticas não podem ser erguidas como óbice à obtençãode tratamento adequado e digno por parte do cidadão carente, em especial,quando comprovado que a medicação anteriormente aplicada não surte oefeito desejado, apresentando o paciente agravamento em seu quadroclínico.
365 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Recurso Ordinário em MS n. 17903-MG. Relator Min. CastroMeira, Disponível no site www.stj.gov.br, acesso em 07.07.2005.
131
5. Recurso provido.366
3.2.3.2 Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2.435-3. 367
Ação direta de inconstitucionalidade. Lei n. 3.452/01, do Estado do Rio deJaneiro, que obrigou farmácias e drogarias a conceder descontos a idososna compra de medicamentos. Ausência do periculum in mora, tendo emvista que a irreparabilidade dos danos decorrentes da suspensão ou nãodos efeitos da lei se dá, de forma irremediável, em prejuízo dos idosos, dasua saúde e da sua própria vida. Periculum in mora inverso. Relevância,ademais, do disposto no art. 230, caput, da CF, que atribui à família, àsociedade e ao Estado o dever de amparar as pessoas idosas, defendendosua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida. Precedentes:ADI n. 2.163/RJ e ADI n. 107-8/AM. Ausência de plausibilidade jurídica naalegação de ofensa ao art. 7º da Constituição Federal, tendo em vista queesse dispositivo estabelece mecanismo de restituição do tributoeventualmente pago a maior, em decorrência da concessão do desconto aoconsumidor final. Precedente: ADI n. 1.851/AL. Matéria relativa áintervenção do Estado-membro no domínio econômico relegada ao examedo mérito da ação.Medida liminar indeferida.
3.2.3.3 Agravo Regimental em Recurso Especial n. 757012. 368
AGRAVO REGIMENTAL. SUS. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO.PACIENTE PORTADOR DE EPILEPSIA. DIREITO À VIDA E À SAÚDE.DEVER DO ESTADO. LEGITIMIDADE. CORRETA VALORAÇÃO DAPROVA.1. Ação objetivando a condenação da entidade pública ao fornecimentogratuito dos medicamentos necessários ao tratamento de Epilepsia.2. O Sistema Único de Saúde SUS, visa a integralidade da assistência àsaúde, seja individual ou coletiva, devendo atender aos que delanecessitem em qualquer grau de complexidade, de modo que, restandocomprovado o acometimento do indivíduo ou de um grupo por determinadamoléstia, necessitando de determinado medicamento para debelá-la, estedeve ser fornecido, de modo a atender ao princípio maior, que é a garantiaà vida digna.3. Configurada a necessidade do recorrente de ver atendida a suapretensão, posto legítima e constitucionalmente garantida, uma vezassegurado o direito à saúde e, em última instância, à vida. A saúde, comode sabença, é direito de todos e dever do Estado.4. O Estado é parte legítima para figurar no pólo passivo nas demandas cujapretensão é o fornecimento de medicamentos imprescindíveis à saúde depessoa carente.5. A violação do art. 535 do CPC ocorre quando há omissão, obscuridadeou contrariedade no acórdão recorrido. Inocorre a violação posto não estaro juiz obrigado a tecer comentários exaustivos sobre todos os pontosalegados pela parte, mas antes, a analisar as questões relevantes para odeslinde da controvérsia.6. In casu, ''A revaloração da prova ou de dados explicitamente admitidos edelineados no decisório recorrido não implica no vedado reexame domaterial de conhecimento.''.
366 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Loc. Cit.367 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE n. 2.435-3,RIO DE JANEIRO. Relator Min.Ellen Gracie : Disponível no site www.stf.gov.br, acesso em07.07.2005.368 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL N.757012, RIO DE JANEIRO; AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL 2005/0092547-0,Rel. Ministro Luiz Fux, disponível no site www.stj.gov.br, acesso em 07.07.2005.
132
7. Agravo Regimental desprovido. 369
3.2.3.4 Recurso Especial n. 242.859. 370
Doente portadora do vírus HIV, carente de recursos indispensáveis àaquisição dos medicamentos de que necessita para seu tratamento.Obrigação imposta pelo acórdão ao Estado. Alegada ofensa aos arts. 5º, I, e196 da Constituição Federal. Decisão que teve por fundamento centraldispositivo de lei (art. 1º da Lei 9.908/93) por meio da qual o próprio Estadodo Rio Grande do Sul, regulamentando a norma do art. 196 da ConstituiçãoFederal, vinculou-se a um programa de distribuição de medicamentos apessoas carentes, não havendo, por isso, que se falar em ofensa aosdispositivos constitucionais apontados. 371
3.2.3.5 Recurso Especial n. 689.587. 372
RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE DO ESTADO-MEMBROPELO FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS A NECESSITADO.PRECEDENTES DESTA CORTE E DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. PARTE VENCEDORA REPRESENTADAPELA DEFENSORIA PÚBLICA ESTADUAL. CONDENAÇÃO DO ESTADODO RIO GRANDE DO SUL AO PAGAMENTO DA VERBA ADVOCATÍCIA.IMPOSSIBILIDADE. CONFUSÃO ENTRE CREDOR E DEVEDOR.PRECEDENTE DA COLENDA PRIMEIRA SEÇÃO.Ausência de prequestionamento dos artigos 10 e 12 da Lei n. 6.360/76 edivergência jurisprudencial não-demonstrada. Ainda que assim não fosse,predomina neste Superior Tribunal de Justiça o entendimento segundo oqual há responsabilidade solidária da União, Estados e Municípios pelofornecimento gratuito de medicamentos às pessoas desprovidas derecursos financeiros.Precedentes."O direito à saúde além de qualificar-se como direito fundamental queassiste a todas as pessoas representa conseqüência constitucionalindissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esferainstitucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira,não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sobpena de incidir, ainda que por censurável omissão, em gravecomportamento inconstitucional"(STF AGRE 271.286/RS, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 24.11.2000).No que concerne aos honorários advocatícios, a colenda Primeira Seção, naassentada de 10.12.2003, quando do julgamento do EREsp 493.342/RS, darelatoria do eminente Ministro José Delgado, firmou entendimento nosentido de que, se a parte vencedora foi representada em juízo pelaDefensoria Pública Estadual, é indevida acondenação do Estado ao pagamento da verba advocatícia. A Defensoria éórgão do Estado, sem personalidade jurídica própria, razão pela qual seconfundem na mesma pessoa o credor e o devedor. Precedentes.Recurso especial provido em parte, para afastar a condenação em
369SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Loc. cit.370SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Recurso Especial 242.859, Rel. Min. Ilmar Galvão,Disponível no site www.stj.gov.br, acesso em 07.07.2005.371SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Loc. cit.372SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Recurso Especial 689.587, Rel. Min. Franciulli Netto,
Disponível no site www.stj.gov.br, acesso em 07.07.2005.
133
honorários advocatícios. 373
3.2.3.6 Agravo Regimental em Agravo de Instrumento n. 238.328-0. 374
COMPETÊNCIA - AGRAVO DE INSTRUNENTO TRÂNSITO DOEXTRAORDINÁRIO. A teor do disposto no § 2° do artigo 544 do Código deProcesso Civil, cabe ao relator proferir decisão em agravo de instrumentointerposto com a finalidade de alcançar o processamento do extraordinário.O crivo do Colegiado ocorre uma vez acionada a norma do artigo 545,também do Código de Processo Civil, no que previsto agravo inominadocontra a decisão prolatada.SAÚDE - PROMOÇÃO - MEDICAMENTOS. O preceito do artigo 196 daConstituição fornecimento, pelo Estado, Federal assegura dosmedicamentos aos necessitados os indispensáveis ao restabelecimento dasaúde, especialmente quando em jogo doença contagiosa como é aSíndrome da Imunodeficiência Adquirida.
As decisões estão em consonância com as normas constitucionais e
infraconstitucionais de proteção ao direito à vida. Os Tribunais conferiram uma
eficácia ótima ao presente caso para o resguardo do direito fundamental à vida,
atendendo aos elementos axiológicos e teleológicos, ressaltando a força normativa
da Constituição na argumentação desenvolvida, como sustenta Konrad Hesse, não
permitindo que o texto constitucional significasse apenas proposições sem
efetividade e promessas vãs ou apenas um pedaço de papel como anteriormente
afirmara Ferdinand Lassale.375
Analisando os acórdãos em estudo, verifica-se que o dilema vivido pela
recorrente é quanto à medicação que deve ser ministrada para sua sobrevivência. O
Estado, por um lado, diz que tanto faz ser ministrado um medicamento ou outro, o
que importa é que ambos têm validade para tratamento da moléstia. Ocorre que,
ficou comprovado através de laudo médico, que um sanearia a doença, enquanto
outro apenas amenizaria os efeitos desta. De outro modo, a iniciativa privada age
373SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Loc. cit.374SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Agravo Regimental em Agravo de Instrumento n. 238.328-0, RioGrande do Sul. Rel. Min. Marco Aurélio, disponível no site www.stf.gov.br, acesso em 07.11.2005.375 HESSE,Konrad. A Força Normativa da Constituição. Tradução Gilmar Ferreira Mendes. Porto
Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1991, p. 9-11.
134
contra o desconto compulsório de medicamentos para idosos, conferido através de
edição de legislação do Estado do Rio de Janeiro, numa ação direcionada à
proteção da saúde e da vida, através da chamada intervenção estatal no domínio
econômico e, ao mesmo tempo nega medicamentos mais eficazes no trato da
epilepsia e na concessão gratuita de medicamentos contra o vírus HIV.
Adotam os julgados, em geral e com base no primeiro analisado
(recurso ordinário em mandado de segurança 17903-MG, STJ), o elemento
dogmático-constitucional, ao dizer que é incontroverso que o Estado, por força do
que preceitua o art. 196 da Constituição da República, está obrigado a fornecer,
gratuitamente, medicamentos à população que deles necessite. 376 Também o
Supremo Tribunal Federal analisa a questão abraçando a relevância do dever
estatal de amparar a saúde dos cidadãos, em especial os idosos, conforme
determinado pela ADIn 2.435-3 RJ.
Desta forma, o direito à saúde, consentâneo do direito à vida, é um
fundamento da pessoa humana que deve ser preservado a todo custo,
principalmente quando comprovado os custos para a manutenção desta, do qual o
Poder Público não pode se furtar.
O Superior Tribunal de Justiça analisou todos os casos, ora enfocados
neste item dentro de uma hermenêutica sociológico-extensiva (Agravo Regimental
em Recurso Especial n. 757012-RJ) e sistemático-declarativa (Recursos Especiais
242.859 e 689.587) e dentro dos princípios constitucionais, coadunando elementos
axiológicos, teleológicos e dogmático-constitucionais.
Os princípios da razoabilidade/proporcionalidade foram utilizados como
medidores de conseqüências a partir dos julgados acima, bem como a promoção do
376 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Loc. cit.
135
direito à vida, um dos mais importantes, e declarados aqui como tal, direitos
fundamentais.
A questão do fornecimento de medicamentos para idosos, de um lado,
e para o tratamento da AIDS, de outro, assumem as temáticas centrais nestes
casos.
No que tange ao último caso apresentado no rol supra, decide o
Relator, o Ministro Celso de Mello, e já consolidando o seu entendimento no
desacolhimento do recurso. A legitimidade jurídico-constitucional da decisão em
causa é inquestionável, pois, fundado no art. 196 da Carta Maior há o
reconhecimento da obrigação solidária que o Município ora Agravante tem de
fornecer, gratuitamente, medicamentos a paciente portadores de HIV nas condições
neste já afirmadas.
O questionamento da decisão pelo vencido demonstra atividade para
procrastinação do feito, e protelação da concretização do direito da paciente ora
Agravada, já que o termo do art. 196 assim garante o benefício, como pressuposto
do direito à vida, o direito à saúde. 377
Estabelecido o confronto entre proteger a inviolabilidade do direito à
vida e à saúde, (art. 5º, caput e art. 196), ou fazer prevalecer um interesse financeiro
e secundário do Estado, entende o Ministro que razões de ordem ético-jurídica
impõem ao julgador uma só e possível opção: aquela que privilegia o respeito
indeclinável à vida e à saúde humana, notadamente daqueles que têm acesso, por
força de legislação local, ao programa de distribuição gratuita de medicamentos,
instituído em favor de pessoas carentes.
A posição colocada acima, firmada pelo reconhecimento dos
377 Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantindo mediante políticas sociais eeconômicas que visem à redução do risco da doença e de outros agravos e ao acesso universal eigualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
136
programas assistenciais aos portadores de HIV, só tende a confirmar o caráter de
direito fundamental conferido à vida, com a previsão no caput do art. 5º da
Constituição da República Federativa do Brasil ou, um gesto de apreço à vida e à
saúde das pessoas, especialmente aquelas que nada têm e nada possuem, a não
ser a consciência de sua própria humanidade e de sua essencial dignidade.
Em relação a todos estes fatores que fazem do direito à saúde,
consectário do direito à vida, um direito fundamental, apoiado em direitos
fundamentais individuais e sociais, impõe ao Estado um vínculo institucional
inadiável com o dever de efetivar políticas no sentido de satisfazer a estas
demandas, não bastando apenas que se reconheça a mera existência deste direito,
mas que se faça efetivo em programas de assistência contínua e especial, e, em
especial:
(...) naqueles casos em que o direito como o direito à vida se qualificacomo prerrogativa jurídica de que decorre o poder do cidadão de exigir, doEstado, a implementação de prestações positivas impostas pelo próprioordenamento constitucional. 378
Pode-se extrair das palavras finais do Ministro Relator, em conclusão,
que o simples fato de ser o direito à vida essencial a todos e garantia obrigatória por
parte do Poder Público fez com que se qualificasse como prestador de relevância
deste mesmo direito. E assim, não há como a Justiça fechar os olhos diante da
anormalidade do descumprimento da Constituição da República Federativa do Brasil
de 1988 por parte do Estado, mormente no que diz respeito a um valor dos mais
relevantes, que é o direito à vida. Apontando repertório jurisprudencial, em
atendimento à hermenêutica tópica, afirma então a decisão no sentido de negar o
recurso de agravo e mantendo a decisão do Relator.
Observando as características do julgado acima, a decisão tem por
378 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Loc. cit.
137
prática uma hermenêutica teleológica, sistemática, simplesmente determinando a
execução da medida constitucional em favor do desamparado. Numa visão geral do
fenômeno hermeneuta, vislumbra-se a consonância dos Tribunais Superiores, (STF
e STJ) na aplicação dos princípios fundamentais da República Federativa do Brasil,
bem como no atendimento das tendências hermenêuticas mais atinentes à
interpretação aberta da norma constitucional, em favor do direito fundamental a vida.
3.2.4 Direito à vida e direito ao aborto
Trata-se de duas jurisprudências, uma de cada Corte Superior,
definindo, a seu modo, a questão sobre a liberdade reprodutiva face ao direito à vida
universalmente tutelado.
3.2.4.1Habeas Corpus n. 47.371. 379
Sabe-se que o direito à vida, abrangendo a vida uterina, assegurado pelodogma do caput do artigo 5° do Texto Constitucional, é inviolável. Todavia,esse elementar direito não se apresenta absoluto, admitindo exceçõesconforme prescreve o artigo 128, e seus incisos do Código Penal. (...)Entendo, no presente caso, que deve predominar a autonomia da vontadeda gestante, pois não se pode impor a uma mulher e também à sua famíliaque suporte, por longo tempo, os riscos e o peso, moral e físico, de umagestação que é incompatível com a vida intra-uterina e fatal em cem porcasos. A opção da mulher pela evolução ou não da gestação do fetoanencefálico é um direito que deve ser respeitado, pois somente ela sabe osofrimento físico e psicológico que suportará tanto para realizar o abortocomo para gerar um ser em completa inviabilidade como pessoa, com vidaautônoma, fora do útero materno. É o relatório. Decido. A meu ver, émanifesto o não cabimento deste 'habeas corpus'. Com efeito, (...) no caso,a hipótese é mais grave, porquanto o que se pretende é que seja concedidaliminar por esta Corte substitutiva de duas denegações sucessivas dessaliminar pelos relatórios de dois Tribunais inferiores a ela, mas dos quais umé superior hierarquicamente ao outro. A se admitir essa sucessividade de'habeas corpus', sem que o inferior tenha sido julgado definitivamente para aconcessão da liminar 'per saltum', ter-se-ão de admitir conseqüências queferem princípios processuais fundamentais, como da hierarquia dos grausde jurisdição e o da competência deles, porquanto: a) se concedida aliminar pelo relator do 'habeas corpus' nesta Corte, estarão prejudicados os'habeas corpus' interpostos perante o Superior Tribunal de Justiça e oTribunal Regional Federal, pela impossibilidade de estes, examinando omérito que é o mesmo da liminar concluírem pela improcedência dopedido, por terem de cassar necessariamente, até por causa do mesmofundamento, a liminar concedida, no âmbito de sua competência, por Juiz
379 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Habeas Corpus nº 47.371 – Goiás. Ministro Felix Fischer.Disponível no site www.stj.gov.br, acessado em 30.09.2005.
138
que é hierarquicamente superior. b) com isso, obtêm-se indiretamente que,por falta de competência, não é permitido diretamente, ou seja, que orelator do 'habeas corpus' nesta Corte conceda liminar contra despacho dejuiz de primeiro grau: e c) se se entender, ao contrário, que, com aconcessão da liminar pelo relator nesta Corte, não ficam prejudicados osjulgamentos dos 'habeas corpus' que tramitam no Tribunal Regional Federale no Superior Tribunal de Justiça, ter-se-á de admitir que, se o primeirodeles julgar o 'writ' perante ele interposto, e que visa ao mesmo fim a quevisam os interpostos sucessivamente diante do Superior Tribunal de Justiçae do Supremo Tribunal Federal, e o indeferir, esse acórdão não só cassaráa liminar concedida pelo Ministro desta Corte, como também tornaráprejudicado o julgamento pela Turma a que ele pertence do próprio 'habeascorpus', além de tornar prejudicado o julgamento do 'writ' impetrado tambémjunto ao Superior Tribunal de Justiça, violando por duas vezes o princípio dahierarquia de jurisdição pela cassação de liminar deferida por Juiz superior epor impedir que o Tribunal superior (e, no caso, são dois) delibere, emdefinitivo, contra o julgado pela Corte inferior. Em face do exposto, eresolvendo a presente questão de ordem, voto no sentido de não conhecerdo presente "habeas corpus", ficando prejudicado, assim, o pedido deliminar". (...) No caso em tela, a r. decisão judicial que autorizou aintervenção cirúrgica para a interrupção da gravidez restou calcada emlaudos médicos que confirmam que o feto em formação apresenta acrania-exencefalia-anencefalia, o que inviabilizaria a vida extra-uterina. Por outrolado, a r. decisão que indeferiu a liminar não pode ser consideradateratológica, haja vista as doutas manifestações de em. Ministros doPretorio Excelso no julgamento do HC nº 84025-6/RJ, bem como nosdebates na ADPF nº 54. A própria Lei nº 9.434/97 (transplante de órgãos),fixando como momento da morte do ser humano o da morte encefálica,indica que a quaestio não diz, necessariamente, com as causas depermissão mas, isto sim, com a adequação típica. (...) Na linha dosfundamentos insculpidos na Súmula nº 691 do Pretório Excelso, denego aliminar. Com urgência, encaminhem-se os autos à douta Subprocuradoria-Geral da República. P. I. Brasília (DF), 26 de setembro de 2005. MINISTROFELIX FISCHER Relator. 380
3.2.4.2 Habeas Corpus n. 84.025-6. 381
HABEAS CORPUS PREVENTIVO. REALIZAÇÃO SUPERVENIÊNCIA DOPARTO. IMPETRAÇÃO PREJUDICADA DE ABORTO1. Em se tratando de habeas corpus preventivo, que vise a autorizar apaciente a realizar aborto, a ocorrência do parto durante o julgamento dowrit implica a perda do objeto.2. Impetração prejudicada. 382
Estabelece-se, desta vez com sede no Supremo Tribunal Federal, o
conflito entre os direitos fundamentais à vida e à liberdade, pautadas ambas na
dignidade da pessoa humana, princípio da República Federativa do Brasil.
380 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Loc. cit.381 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Habeas Corpus n. 84025-6, Rio de Janeiro. Rel. Min. Joaquim
Barbosa, disponível no site www.stf.gov.br, acesso em 07.11.2005.382 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Loc. cit.
139
A questão do aborto é um tema há muito debatido em todas as
sociedades contemporâneas, provocando insegurança manifesta no conflito
jurisprudencial dos Tribunais Superiores quando se trata da constitucionalidade do
aborto para fins terapêuticos. O tema traz à luz novamente a questão do aborto,
envolvendo mais do que a questão da hermenêutica jurídica, mas também questões
filosóficas, religiosas, éticas, morais, e ainda todos os segmentos da sociedade.
Cumpre inicialmente trazer esclarecimentos quanto ao intitulado aborto
eugênico à luz da doutrina penal. Acerca do tema, faremos uso das esclarecedoras
lições de Guilherme de Souza Nucci, sustentadas algumas vezes pelos Tribunais
Superiores na análise do tema:
Algumas decisões de juízes têm autorizado abortos de fetos que tenhamgraves anomalias, inviabilizando, segundo a medicina atual, a sua vidafutura. Seriam crianças que fatalmente morreriam logo ao nascer ou poucotempo depois. Assim, baseando-se no fato de que algumas mães,descobrindo tal fato não se conformam com a gestação de um sercompletamente inviável, abrevia-se o sofrimento da mãe e autoriza-se oaborto. O Juiz invoca por vezes a tese da inexigibilidade de conduta diversa,por vezes a própria interpretação da norma penal que protege a vidahumana e não falsa existência, pois o feto só está vivo por conta doorganismo materno que o sustenta. A tese da inexigibilidade, nesse caso,teria dois enfoques: o da mãe que suportando gerar e carregar no ventreuma criança de vida inviável; o do médico, julgando salvar a genitora doforte abalo psicológico que vem sofrendo. 383
Do que se depreende do último HC colacionado neste item, a questão
se acirrou no cenário nacional, principalmente após a decisão monocrática em sede
cautelar do Ministro do Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio de Mello, que
autorizou o aborto de feto anencefálico nos autos a Argüição de Descumprimento de
preceito Fundamental – ADPF 54 – do Distrito Federal movida pela Confederação
Nacional dos Trabalhadores da Saúde, sob o patrocínio do jurista Luiz Roberto
Barroso, decisão de eficácia imediata e efeito vinculante que gerou perplexidade nos
mais diversos setores da sociedade e indignação a muitos representantes do meio
383NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 5ª. Edição. Asão Paulo: Revista dosTribunais, 2005, p. 521.
140
jurídico, sendo posteriormente cassada pelo pleno da mesma Corte. Eis o teor da
liminar:
Como registrado na inicial, a gestante vive diuturnamente com a tristerealidade e a lembrança ininterrupta do feto, dentro de si, que nunca poderáse tornar um ser vivo. Se assim é e ninguém ousa contestar -, trata-se desituação concreta que foge à glosa própria do aborto que conflita com adignidade humana, a legalidade, a liberdade e a autonomia de vontade.384
A decisão liminar que autorizou o Aborto foi cassada pelo próprio
Supremo Tribunal Federal, convocando ainda Audiência Pública, até o momento
sem data marcada, não havendo ainda qualquer decisão definitiva de mérito por
parte desta corte.
Uma das questões principais sobre o aborto terapêutico é a
insegurança jurídica gerada pela divergência jurisprudencial nas cortes brasileiras,
mormente entre o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal, que
muito pouco tem contribuído à elucidação da questão, mas ao contrário, mais
perplexidade tem trazido ao cenário nacional.
Tal divergência, entretanto, traz à reflexão uma das questões mais
importantes ou mais valiosas do Direito e que atualmente constitui cerne da Teoria
Político Constitucional contemporânea: Qual o papel do Judiciário? Quais os seus
limites? O Juiz é aplicador ou criador da lei ?
O Supremo Tribunal Federal, em outro momento, ao tornar inócuo o
remédio constitucional do Mandado de Injunção por impossibilidade de legislar
positivamente por invasão de poderes, importante princípio da República, que diz
respeito à independência e harmonia dos três poderes, Legislativo, Executivo e
Judiciário, na forma do que dispõe o art. 2º da Constituição, tornou absolutamente
ineficaz uma disposição constitucional embora seja institucionalmente seu guardião.
Isto posto, acredita-se estar em jogo mais do que autorizar ou não a prática do
384 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Loc. cit.
141
aborto, mas decidir questão que cabe ao poder Legislativo, como legítima expressão
popular, na qual repousa a democracia.
Nesse sentido, importantes as considerações feitas por Ives Gandra
Martins, jurista que compôs a comissão que elaborou a Lei que instituiu a Ação por
Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF, verbis:
Discute-se, na Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental(ADPF) n.º 54, em tramitação perante a Suprema Corte do País, se, à luz deuma técnica exegética retirada de países europeus de regimesparlamentaristas, poderia ou não o Poder Judiciário, no vácuo legislativo,fazer as vezes de Poder Legislativo e produzir direito novo.Por esta denominada "interpretação conforme a Constituição" - adotada nodireito alemão e raramente utilizada naquele país parlamentarista -poderiam os juízes, por variadas razões (lentidão na tramitação das leis noCongresso Nacional, ausência de texto legislativo promulgado, desinteressedo Legislativo de produzir norma a respeito de determinada matéria), à luzdos princípios constitucionais vigentes em nosso país, elaborar normasgerais e abstratas, que assim passariam a integrar o ordenamento, não porforça da elaboração legislativa, mas sim da elaboração pretoriana.Em outras palavras, a questão saber se, sempre que provocado, o PoderJudiciário, à semelhança da Corte Constitucional na Alemanha, poderiasuprir o Poder Legislativo, gerando a norma que o Poder Legislativo nãoproduziu.Creio que, se a tese defendida pelos autores da ADPF n.º 54 prosperar,toda a democracia brasileira correrá risco, visto que não serão osrepresentantes do povo (deputados e senadores), mas apenas 11 ilibadoscidadãos e juristas renomados - mas que não são políticos e foramescolhidos por um homem só (presidente da República) -, que poderão ditaro direito a ser seguido pelos brasileiros.Não se discute, na ADPF 54, apenas a questão se o anencéfalo poderia serabortado, matéria que, a meu ver, cabe ao Congresso definir. O que sediscute - e esta é a grande questão que me preocupa e à maioria dosoperadores do direito - é se pode ou não o Supremo Tribunal Federallegislar, substituindo o Congresso Nacional, sempre que se entender queeste não esteja exercendo bem suas funções, estando os 11 ministrosautorizados a produzir as leis que as duas Casas Legislativas nãoproduziram. 385
O assunto conduz, em retrospectiva, à discussão travada entre Ronald
Dworkin e Herbert Hart. O primeiro não admite espaço para discricionariedade dos
juízes nos casos difíceis, quando devem ser obedecidos os princípios da integridade
e do devido processo legal, e que o juiz não pode criar o direito, mas aplicá-lo de
acordo com o que está emoldurado na comunidade personificada, entendida como a
385MARTINS, Ives Gandra. Pode o STF legislar? Artigo publicado no Jornal O Estado de São Pauloem 10 de Novembro de 2004, p. A-2.
142
prática da comunidade jurídica para dar legitimidade e possibilitar o assentimento as
decisões, e mesmo que haja na lei texturas abertas que ao juiz cabe aplicar o direito
como ele é e não como pensa que é, buscando na comunidade personificada os
fundamentos para dizer o direito.386
Dworkin fala que o direito não pode ser visualizado independentemente
da moralidade política, esta representada pelos padrões do governo democrático,
através da participação daqueles que poderão ser atingidos pela norma, na
discussão de sua elaboração que é justamente a participação popular, e, portanto
condena o decisionismo. Hart, entretanto, desenvolve uma teoria na qual admite
que no direito há texturas abertas, que comportam a discricionariedade do juiz e que
é natural que assim seja em face da impossibilidade de previsão pelo ser humano de
todas as circunstâncias. Assim, nesse momento forma-se uma penumbra, deixando
uma margem de discricionariedade sujeita à intervenção humana. 387
No caso presente, a crise deixada pelas jurisprudências em comento
tratou de até onde o julgador poderia “legislar”, ou dizer sobre tal fato que ainda não
havia sido previsto na legislação, por conta da exigência da viabilidade do feto para
que ele fosse considerado pessoa humana. Embora não tenha ocorrido o julgamento
do mérito no Supremo Tribunal Federal, e em razão da perda do objeto, tendo em
vista o nascimento da criança, o Ministro Joaquim Barbosa elaborou o seu voto, e
procedendo à ponderação entre os valores jurídicos tutelados pelo Direito, vida
extra-uterina inviável e a liberdade e autonomia privada da mulher, entendeu que
deveria prevalecer a dignidade da mulher, o seu direito à liberdade de escolha,
daquilo que melhor representasse seus interesses pessoais e suas convicções, e
manifestava-se por conceder a ordem, cassando a liminar do Superior Tribunal de
386 DWORKIN, Ronald. Op. cit, p.81.387 HART. Herbert L.A. Op. cit., p. 148.
143
Justiça, de modo a permitir que fosse interrompida a gravidez, estendendo,
igualmente, a ordem ao corpo médico e paramédico que se envolva em possível
evento hospitalar dessa natureza, conforme trecho do voto do referente Ministro
Relator abaixo:
(...) não existe um real conflito entre bens jurídicos detentores de idênticograu de proteção jurídica. Há, na verdade, a legítima pretensão da mulherem ver respeitada sua vontade de dar prosseguimento à gestação ou deinterrompê-la, cabendo ao direito permitir esa escolha, respeitando oprincípio da liberdade, da intimidade e da autonomia privada da mulher.Nesse ponto, portanto, cumpre ressaltar que a procriação, a gestação, enfimos direitos reprodutivos, são componentes indissociáveis do direitofundamental à liberdade e do princípio da autodeterminação pessoal,particularmente da mulher, razão por que, no presente caso, ainda commaior acerto, cumpre a esta Corte garantir seu legítimo exercício, noslimites ora esposados.Lembro que invariavelmente essa concepção fundada no princípio daautonomia ou liberdade individual da mulher é a que tem prevalecido nascortes constitucionais e supremas que já se debruçaram sobre o tema.388
Tendo em vista a presença de apenas um voto por conta do caso, e a
perda do objeto ter ocasionado o fim do provimento – e, de certa forma, do debate
público que gerara em seu entorno – não pode ser observada a tendência do
Egrégio Tribunal na resolução do assunto.
3.2.5 – Tratamento de Saúde no Exterior e Aquisição de Aparelho
3.2.5.1 Recurso Especial nº 616.460 389
RETINOSE PIGMENTAR. TRATAMENTO MÉDICO EM CUBAVistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,decide a Egrégia Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, pormaioria, vencidos os Srs. Ministros Relator e José Delgado, negarprovimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro TeoriAlbino Zavaski. Votaram com o Sr. Ministro Teori Albino Zavascki os Srs.Ministros Denise Arruda e Francisco Falcão (voto-desempate).Brasília, 15de fevereiro de 2005. 390
1. Sobre o tema ora em discussão, a Primeira Seção desta Corte, no MS n.
388 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Loc. cit.389 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Recurso Especial nº.616.460- DF. Relator Ministro Luiz
Fux. Disponível no site www.stj.gov.br, acessado em 17-11-2005.390 SUPERIOR TRIBUNALDE JUSTIÇA. Loc. cit.
144
8.895 DF, julgado pela 1ª Seção em 22.10.2203, considerou legítima aproibição de tratamento médico no exterior financiado pelo Ministro daSaúde (Portaria 763 1994). Naquela ocasião, proferi voto nos seguintestermos:"Estamos diante de um caso típico de direito fundamental social, oschamados direitos à prestação, que não são infinitos ou absolutos. Emqualquer país do mundo estão sujeitos às possibilidades do Estado. São,portanto, direitos sob reserva de possibilidade social , como os conceitua adoutrina (José Carlos Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais naConstituição Portuguesa de 1976 , 2ª ed., Almedina, p. 59).Oxalá pudéssemos, em nome da Constituição, concedendo liminares,resolver os graves problemas brasileiros de saúde, de alimentação, dehabitação, de educação. Claro que é muito angustiante a situação descritanos autos. Quem não se angustia e se sensibiliza numa situação dessas?Entretanto, que elementos temos no mandado de segurança para duvidardo ato da autoridade que diz que o tratamento pretendido não érecomendável cientificamente? Que autoridade, nós, juízes, temos paraduvidar disso? Não vejo como não considerar legítima a opção doadministrador, ainda mais fundada no parecer. Ponhamo-nos no papel dequem tem o dever técnico de administrar a escassez de recursos num Paíspobre como o nosso, e de fazer as opções políticas para dar-lhes melhordestinação. Portanto, não há como ter presente, no caso, direito líquido ecerto a obter do Estado a liberação da vultosa quantia necessária aoatendimento individual da impetrante.Não há dúvida de que a saúde é um direito fundamental, mas, também écerto, não se trata de direito absoluto. Ele será atendido na medida daspossibilidades, inclusive, financeiras, da sociedade. No caso, ademais, háuma recomendação técnica contrária, que o Judiciário não tem autoridadecientífica para contestar.Com tais fundamentos, acompanho o voto da Sra. Ministra-Relatora,denegando a ordem."391
3.2.5.2 Agravo Regimental na Suspensão de Segurança 1.467 392
AGRAVO REGIMENTAL EM SUSPENSÃO DE SEGURANÇA. UNIÃO.TRANSPLANTE DE ÓRGÃO NO EXTERIOR. ALEGADA LESÃO À ORDEMADMINISTRATIVA E À SAÚDE PÚBLICA. EFEITO MULTIPLICADOR.1.Cabe à Administração fixar e autorizar os tratamentos e remédios quedevem ser fornecidos à população, sempre com vistas a garantir asegurança, a eficácia terapêutica e a qualidade necessárias, em territórionacional. Questão relativa a matéria de Política Nacional de Saúde. Riscode lesão à ordem pública administrativa configurado.2.A determinação contra legem que obriga o Estado brasileiro a fornecertodas as condições para que a agravante requerida faça cirurgia de elevadocusto no exterior, havendo quem a faça no país, tem potencial de lesionar asaúde pública, constituindo-se precedente para um número indefinido deoutras situações semelhantes.3.Regimental não provido.393
391 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Loc. cit.392 SUPERIOR TRIBUNALDEJUSTIÇA. Agravo Regimental na Suspensão de Segurança nº.1.467-
DF. Relator Ministro Edson Vidigal. Disponível no site www.stj.gov.br, acesso em 17-11-2005.393 SUPERIOR TRIBUNALDE JUSTIÇA. Loc. cit.
145
3.2.5.3 Mandado de Segurança n. 8740. 394
ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. DOENÇA CONGÊNITAGRAVE.MIELOMENINGOCELE INFANTIL. NECESSIDADE DETRATAMENTO POR MEIO DE APARELHO TERAPÊUTICO NÃOFABRICADO NO PAÍS. DEVER DO ESTADO. DIREITOFUNDAMENTAL ÀVIDA E À SAÚDE.1. O direito à saúde, expressamente tutelado pela Carta de 1988,veio seintegrar ao conjunto de normas e prerrogativasconstitucionais que, com o status de direitos e garantias fundamentais, tempor fim assegurar o pleno funcionamento do estado democrático de direito,pautado na mais moderna concepção de cidadania.2. Não se pode generalizar a aplicação da norma que veda ao Estado aconcessão de auxílio financeiro para tratamento fora do País, aponto deabandonar, à sua própria sorte, aqueles que,comprovadamente, não podemobter, dentro de nossas fronteiras,tratamento que garanta condiçõesmínimas de sobrevivência digna.3. Não havendo no País equipamento terapêutico apropriado ao tratamentoda enfermidade, justifica-se que o Estado disponibilize recursos para a suaaquisição no exterior, não podendo servir de óbice às pretensões do doente,necessitado, argumentos fundados em questões burocráticas, de cunhoorçamentário.395
No assunto referente à permissão para tratamento de saúde no
exterior, submetido à apreciação do Superior Tribunal de Justiça no Recurso
Especial nº. 616.460, no qual é questionada a autoridade da Portaria nº. 763, de 07-
4-1994 do Ministério da Saúde, que inadmite o custeio de tratamento no exterior, a
Corte, entendeu, embora reconhecendo os graves problemas de saúde dos
brasileiros, que não pode, em nome da Constituição, resolvê-los através de
concessão de liminares, havendo de ser sopesada a questão da escassez de
recurso de um país como o Brasil, onde o administrador tem de fazer opções para
conferir adequada destinação a esses recursos, não havendo direito líquido e certo à
liberação de vultosa importância para tratamento individual do paciente no exterior,
conferindo autoridade à portaria, uma vez que a saúde é um direito fundamental mas
não é absoluto, devendo ser atendido na medida do possível e das condições
394 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Mandado de Segurança nº. 8740. Relator: João Otávio deNoronha Disponível no site www.stj.gov.br. Acesso em 17-11-2005.
395 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Loc. cit.
146
financeiras da sociedade.
Assim procedendo o Tribunal pautou por uma interpretação baseada
na aferição da razoabilidade/proporcionalidade da decisão administrativa de não
conceder valores para custeio de tratamento de saúde no exterior, para não adentrar
no mérito da decisão, pois caracterizaria usurpação de poder, tendo em vista que
fora ato do Poder Executivo, e na análise, entendeu que haveria risco de lesão à
ordem administrativa e ao próprio sistema de saúde pública do país, e que a medida
é razoável, adequada e necessária pois o Estado não pode arcar com custos
elevados de tratamento de saúde de brasileiros.
No segundo Acórdão desse item, o Tribunal seguiu a mesma linha de
entendimento e de interpretação na análise tópica, no pensamento de que guarda
razoabilidade/proporcionalidade à decisão administrativa em não conceder liberação
de valores para custeio de tratamento de saúde no exterior, pois determinação em
contrário caracterizaria potencialidade de lesão à saúde pública, havendo de ser
considerado, ainda, que o art. 198 da Constituição restringe a autorização de
serviços conveniados e tratados ao território nacional, sendo uma limitação diminuta
mediante a excelência do valor da vida, mas que apresenta-se real perante as
condições do Estado e de não poder atender a todas essas demandas
No estado da natureza o Estado constitui uma anarquia e que para sair
dessa anarquia faz-se imperioso criar um Estado com força e com reconhecida
soberania.396 Mas é o próprio Estado, através de sua Constituição que impõe limites
em face dele mesmo, na medida em que assume obrigações prestacionais e de
garantia na exata medida de suas possibilidades e forças financeiras de modo que a
decisão de negar o custeio de tratamento no exterior encontra supedâneo na
396 HOBBES, Thomaz.O Leviatã. Tradução de Alex Martins. São Paulo:Martin Claret, 2.004,p. 204-205.
147
argumentação racional da realidade econômico-financeira do país, com justificativa
que pode expressar pretensão de verdade e que pode ser aceita por ter sido
discutida na via democrática por ocasião da própria formação do Estado brasileiro e
da elaboração de sua Constituição, que foi outorgada processada pelo meio
lingüístico e comunicacional, como do pensamento habersiano.397
Os limites impostos ao próprio Estado estão relacionados a valores, a
pautarem a interpretação como fatores determinantes dessa percepção,
compreensão, como afirma Margarida Maria Lacombe Camargo398 Sem prejuízo da
importância do valor da vida e da conservação da mesma por um determinado
tratamento de saúde no exterior de um cidadão brasileiro, a preservação do Estado
que embora responsável pela garantia prestacional , mas em face de sua
impossibilidade econômica de suportar os dispêndios entende não poder ser
compelido a autorizar o tratamento de saúde no exterior sob pena de ocasionar um
desequilíbrio econômico, mormente em se abrindo o precedente, em face do
princípio da igualdade, onde, assim, deveria igualmente custear a mesma
oportunidade aos demais membros da sociedade que do tratamento no exterior
necessitasse, o que seria impossível, de modo que se sobrepôs o valor da
preservação geral da sociedade.
O entendimento do Superior Tribunal de Justiça atribuído ao caso em
comento, é fixado com base na leitura e interpretação do momento histórico do país,
de sua realidade econômica. Não significa dizer que, mais adiante, num novo
contexto histórico da nação esse entendimento não possa ser diferente, quando haja
397 HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia Entre Facticidade e Validade. Tradução. Flávio BenoSiebenei Ghler. Rio de janeiro: Tempo Brasileiro, 1997, Vol. I, p. 20.
398 CAMARGO, Margarida Maria Lacombe. Hermenêutica e Argumentação. Uma Contribuição aoEstudo do Direito, Op.cit, p. 17
148
respaldo econômico dentro da reserva de possibilidade social399 a proporcionar em
igualdade de condições aos cidadãos o tratamento no exterior para alguma espécie
de doença que assim recomende, sem levar o Estado a ruína, caberá aí ao
intérprete, atualizar o texto normativo e adequar a situação fática e histórica do
acontecer no mundo400
Assim, no que diz respeito a tratamento de saúde no exterior, a
tendência do Superior Tribunal de Justiça é a de negar a tutela e conferir
razoabilidade à negativa do Poder Executivo em não liberar recursos para custeio
para garantir o tratamento fora do país.
Entretanto, no terceiro acórdão, que diz respeito à aquisição de
aparelho terapêutico não fabricado no país, na vertente da interpretação sociológica,
ponderou que não pode ser generalizada a proibição para custeio de tratamento no
exterior e que em não havendo aparelho terapêutico no Brasil para tratamento de
enfermidade, deve o Estado disponibilizar numerário para arcar com tal despesa,
não podendo constituir óbice a tal a questão orçamentária.
3.2.6 Hermenêutica constitucional do direito à vida e as Cortes
Superiores do país.
Da leitura dos textos dos Acórdãos analisados nessa dissertação,
extrai-se que a tendência da hermenêutica dos Tribunais Superiores (STF e STJ)
quanto ao direito fundamental à vida, nos seus desdobramentos necessários para
adequada fruição, especialmente quanto ao aspecto da saúde, é a interpretação
399 ANDRADE, José Carlos Vieira.Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de1976,2ª.edição. Lisboa: Almedina, p. 59 apud SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, Recurso Especialnº. 616-460-DF.Relator Ministro Luiz Fux, disponível nosite www.stj.gov.br, acessado em 17-11-2005.
400 GADAMER, Hans-Georg.Verdade e Método. 6ª. Edição.Tradução Flávio Paulo Meurer. Rio deJaneiro: Vozes, 2004,p. 328
149
teleológica-finalística, sistemática e sociológica, com fundamento nos princípios e
prerrogativas constitucionais, numa conjugação metodológica direcionada para os
fins sociais e o interesse coletivo contido na norma.
Particularmente quanto a cada caso apresentado, não foi possível
localizar julgados do Supremo Tribunal Federal no que tange ao assunto “da
responsabilidade do Estado na questão do direito à vida”, não obstante se observe
que, em outros tópicos, ficava bastante delineado que o STF, tanto quanto o STJ,
quando em frente a questões que envolviam o direito fundamental à vida, e os riscos
de sua violação, posicionaram-se, na sua grande parte das decisões, pela garantia
deste direito em função de sua primazia, balizado em princípios constitucionais,
como o da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CRFB/1988) e do Estado
Democrático de Direito, para a garantia do exercício da cidadania.
Daí decorre afirmar, sem prejuízo da conclusão que virá em breve, que
os Tribunais Superiores, nos limites da investigação presente, estão consoantes com
a proteção do direito à vida, bem escolhido como tema fundamental deste trabalho
científico, coadunando-se com as teorias nacionais e estrangeiras pertinentes aos
direitos fundamentais e aos métodos de interpretação jurídica, numa atividade
hermenêutica que, embora não ficasse expressa no teor dos julgados estudados,
dos mesmos podem ser extraídas.
150
CONCLUSÃO
1) Os antecedentes históricos dos direitos fundamentais remontam à
própria existência da civilização humana, e têm origem num direito superior ou
anterior ao direito positivado.
2) O Direito Fundamental à vida é o maior e mais importante bem a ser
tutelado pelo Direito, e conta com os mais amplos mecanismos constitucionais de
garantia a fim de assegurar sua efetividade e proteção, sendo inadmissível a sua
restrição a não ser em casos excepcionais e constitucionalmente previstos.
3) O direito à vida, incluindo a integridade física e moral do indivíduo, é
preocupação externalizada em vários pontos da Constituição Federal, quando
determina que ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou
degradante (art. 5º, III) e ainda constitui crime de tortura (Lei 9.455/97, art. 1º, caput):
i) constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe
sofrimento físico ou mental com o fim de obter informação, declaração ou confissão
da vítima ou de terceira pessoa, para provocar ação ou omissão de natureza
criminosa ou em razão de discriminação racial ou religiosa; ii) submeter alguém, sob
sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a
intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou
medida de caráter preventivo. Logo se vê que a tortura não se limita aos maus tratos
151
físicos, sendo também assim considerada a grave ameaça ou o que quer que cause
sofrimento mental.
4) No artigo 196, em conexão com o Caput do art. 5º, ambos da
Constituição Federal, está estabelecido o dever do Estado, em todas as suas
esferas de poder, na promoção da saúde, para garantir a efetiva fruição do direito
fundamental a vida, direito de todos os cidadãos.
5 ) Os crimes dolosos contra a vida são considerados de um gravame
tal que se entende que devam ser julgados não por magistrados, mas pela própria
sociedade, através de representantes comuns do povo. Assim, é reconhecida a
instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados a plenitude de
defesa, o sigilo das votações, a soberania dos veredictos e a competência para o
julgamento dos crimes dolosos contra a vida (art. 5º, XXXVIII). Se provocar lesão ao
patrimônio jurídico vida, o ajuizamento da sanção penal será à altura da importância
deste objeto, através do ajuizamento de ação penal pública e de todos os outros
ritos necessários para a afirmação social da importância da preservação deste bem,
cabendo também ao Estado este devido mister.
6) Os Tribunais Superiores têm conferido ao Direito Fundamental vida
a mais ampla abrangência e efetividade, na medida do possível, inclusive em face
de omissões do Poder público, para resguardo do Estado Democrático de Direito,
vislumbrados os resultados no item 3.2.6 do Capítulo último, dedicado ao estudo dos
acórdãos e das posições hermenêuticas apresentadas por ambos os Tribunais
Superiores – STJ e STF.
7) O presente trabalho trilhou por uma análise investigativa sobre a
hermenêutica aplicada pelos Tribunais Superiores do Poder Judiciário nacional, mais
precisamente o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça, em que,
152
analisadas as tendências de interpretação jurídica acerca de casos concretos sobre
o direito fundamental vida, fica concluído que, ainda que o referido direito seja objeto
de tutela e ação do referido Poder Judiciário, devem os Tribunais Superiores
atentarem ao fato de que os direitos fundamentais, como qualquer outro direito,
sofrem de mutação ao longo do tempo, no que tange ao seu significado e alcance
interpretativo, uma vez que as transformações sociais demandam uma constante
releitura do seu conteúdo e abrangência, principalmente na adequação dos
instrumentos que garantam sua efetividade, uma vez que a própria Constituição não
pode admitir formas prontas de interpretação, cabendo sempre atualização.
8) Da investigação procedida nesse trabalho, pode-se concluir que os
Tribunais Superiores, ao cuidarem do Direito Fundamental vida, apresentaram uma
tendência à aplicação de uma hermenêutica voltada para a interpretação
metodológica teleológica-finalística, sistemática e sociológica, pautada por vezes pela
aferição da razoabilidade/proporcionalidade, procurando sempre e na medida do
possível, dar relevo ao direito à vida, garantido o direito à distribuição gratuita de
medicamentos e à possibilidade de saque do FGTS para os portadores de HIV, de
fornecimento de medicação contra doenças mórbidas, como a Hepatite “C”, à
manutenção de desconto concedidos por lei a idosos na compra de medicamentos, o
dever do Estado em liberar verba para aquisição de aparelho terapêutico não
fabricado no Brasil a portador de doença congênita grave como a mielomeningocele
infantil, entre outros, somente tendo que prover de maneira diversa quando e
mediante a consideração de questão atinente a inviabilidade do Estado e da
sociedade em arcar com pesados ônus de tratamentos de saúde no exterior.
9) Assim, espera-se que, através de todo o marco teórico
apresentado acima, o Poder Judiciário Nacional possa se orientar dentro do que os
153
princípios constitucionais apresentam, bem como utilizar, devidamente, dos métodos
de interpretação e construção de direitos, de forma que possa, com o tempo, assistir
ao máximo de cidadãos possíveis, cujo resultado, tão desejado como a própria vida,
é a realização da cidadania plena, pautada em uma dignidade à pessoa humana
também plena e irrestrita.
154
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