Upload
phamquynh
View
222
Download
1
Embed Size (px)
Citation preview
DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO
REGIONAL DE SANTOS – UNIDADE SÃO VICENTE Rua Major Loretti, 11 – Parque Bitaru – São Vicente/SP
1
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO
EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO.
, assistida pela DEFENSORIA PÚBLICA DO
ESTADO DE SÃO PAULO, nomeada pelo Juízo de origem para atuar em defesa
da agravante, dispensada da apresentação do instrumento de mandato nos termos
do artigo 16 da Lei 1.060/50, fazendo uso das prerrogativas previstas no artigo
5º, parágrafo 5º, da Lei 1.060/50, vem, respeitosamente, à presença de Vossa
Excelência, com fundamento no artigo 522 e seguintes do Código de Processo
Civil, tempestivamente, interpor o presente recurso de
AGRAVO DE INSTRUMENTO,
COM PEDIDO DE EFEITO SUSPENSIVO,
contra a respeitável decisão de fl. 38, de acordo com os motivos de fato e de
direito expostos nas razões anexas.
DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO
REGIONAL DE SANTOS – UNIDADE SÃO VICENTE Rua Major Loretti, 11 – Parque Bitaru – São Vicente/SP
2
Requer, outrossim, seja o presente recurso recebido e que
seja concedido efeito suspensivo, na forma do artigo 527, inciso III, combinado
com o artigo 558, ambos do Código de Processo Civil, e processado na forma da
lei.
Formam o presente instrumento recursal não apenas as peças
obrigatórias indicadas no inciso I do artigo 525 do estatuto processual citado,
mas cópia integral dos autos.
Declara o defensor público da agravante que as peças
processuais e documentos que formam o presente instrumento são autênticos, nos
termos do parágrafo 1º do artigo 544 do Código de Processo Civil, com a redação
que lhe deu a Lei 10.352/01, ficando desde já requerida a observância do prazo
em dobro, bem como a prerrogativa da intimação pessoal dos membros da
Defensoria Pública para a prática de todos os atos processuais, conforme disposto
no artigo 5º, parágrafo 5º, da Lei 1.060/50.
Por fim, as partes poderão ser intimadas nos seguintes
endereços:
a) Defensoria Pública do Estado de São Paulo, Unidade
São Vicente: Rua Major Loretti, 11, Parque Bitaru, CEP: 11.310-380, na pessoa
do subscritor do presente recurso;
b)
Termos em que,
pede deferimento.
DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO
REGIONAL DE SANTOS – UNIDADE SÃO VICENTE Rua Major Loretti, 11 – Parque Bitaru – São Vicente/SP
3
São Vicente, 11 de março de 2011.
Rafael Rocha Paiva Cruz
Defensor Público
DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO
REGIONAL DE SANTOS – UNIDADE SÃO VICENTE Rua Major Loretti, 11 – Parque Bitaru – São Vicente/SP
4
RAZÕES DO RECURSO DE AGRAVO
Agravante:
Agravada:
Natureza: Internação involuntária
Processo:
Origem: 2ª Vara de Família e Sucessões da Comarca de São
Vicente
EGRÉGIO TRIBUNAL
COLENDA CÂMARA
EMÉRITOS JULGADORES
I. Do relatório
Trata-se de ação, com pedido liminar, que objetiva a
internação compulsória da agravante no Hospital Geral Guilherme Álvaro ou, na
falta de vagas, em qualquer outro hospital da rede pública de saúde ou particular,
com a nomeação da agravada como curadora provisória para acompanhamento
da ação e da internação involuntária.
A agravada sustenta que a agravante possui esquizofrenia
paranóide e transtorno afetivo bipolar, mas se recusa a aceitar a internação em
hospital psiquiátrico.
Narra, ainda, que a agravante foi presa em flagrante em surto
psicótico no dia 08.02.11 e que, após pedido de liberdade provisória, obteria
alvará de soltura no dia 09.02.11, por volta das 14h.
DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO
REGIONAL DE SANTOS – UNIDADE SÃO VICENTE Rua Major Loretti, 11 – Parque Bitaru – São Vicente/SP
5
Argumenta que a agravante tem direito à saúde, que a Lei
10.216/01 garante a internação involuntária e que os genitores da agravante são
pessoas de idade que sofrem muito com as crises psiquiátricas, de forma que
necessitam da internação da agravante para que possam se restabelecer física,
emocional e psicologicamente.
O Ministério Público manifestou-se pelo concessão da
medida liminar, para o fim de determinar a internação psiquiátrica da agravante.
Em seguida, o MMº. Juiz proferiu a r. decisão de fl. 38:
“Vistos.
1 – Defiro a gratuidade.
2 – Estão presentes os requisitos para a concessão da liminar.
Os documentos médicos juntados, lavrados por psiquiatras,
atestam ser a ré portadora de ESQUIZOFRENIA
PARANÓIDE, com surtos psicóticos, e que ela se recusa a se
submeter a tratamento ambulatorial ou mesmo internação
voluntária. A autora, sua mãe, relata ser a ré agressiva e
oferecer risco à integridade física dos pais, pessoas já com
certa idade, e que não conseguem convencer a filha a se
tratar. O que gera circula vicioso de surtos e agressões.
Posto isso, DEFIRO A LIMINAR para autorizar a
internação da ré, por iniciativa de seus pais, em
estabelecimento psiquiátrico adequado para o seu quadro de
saúde, em regime fechado, independentemente do
consentimento da própria paciente, no local e pelo tempo que
for necessário segundo critério médico. Deixo de indicar o
hospital por não ser atribuição do juízo, posto que cada
unidade hospitalar tem suas regras próprias com relação a
vagas, tipo de paciente que recebe, etc., não se podendo
impor judicialmente a internação em determinado
estabelecimento sem que seja o local indicado por médico em
conjunto com a família do paciente.
Expeça-se a autorização.
3 – Sendo manifesta a incapacidade civil da ré, para receber
citação válida, nomeio CURADORA a sua mãe, autora, .
Depois de cumprida a liminar, dê-se vista dos autos à
Defensoria Pública para se manifestar na defesa dos
interesses da ré, no processo.
Int.”
DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO
REGIONAL DE SANTOS – UNIDADE SÃO VICENTE Rua Major Loretti, 11 – Parque Bitaru – São Vicente/SP
6
Em cumprimento à ordem judicial, foi expedido alvará para
internação voluntária, assinado o compromisso de curatela e, só então, aberta
vista dos autos à Defensoria Pública.
II. Da impossibilidade de conversão do presente recurso de agravo de
instrumento em retido
Sabe-se que a Lei nº 11.187/05 alterou de modo significativo
os dispositivos que regem os recursos interpostos contra as decisões
interlocutórias, no intuito de retirar a sobrecarga dos Tribunais pátrios, assim
como privilegiar as decisões proferidas pelos juízes singulares.
A mais significativa alteração introduzida pela aludida lei foi
a elevação definitiva do agravo retido à condição de regra, para os recursos a
serem manejados contra as decisões interlocutórias, sendo certo que a
interposição de recurso de agravo na forma instrumental ficou restrita a poucas
hipóteses, dentre as quais se encontra aquela representada pela possibilidade de
se tratar de decisão suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação.
Pode-se constatar que tal alteração dá força imperativa ao
preceito, obrigando o relator a converter, invariavelmente, o agravo de
instrumento em retido, exceto na ocorrência de uma das hipóteses previstas no
artigo 527, inciso II, do Código de Processo Civil.
No caso, mostra-se evidente a necessidade de recebimento
do presente agravo na forma de instrumento, pois, caso ele seja recebido como
retido, causará lesão grave e de difícil reparação à agravante, que terá sua
liberdade cerceada por internação involuntária e ilegal em hospital psiquiátrico,
podendo sofrer danos irreparáveis à sua saúde.
DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO
REGIONAL DE SANTOS – UNIDADE SÃO VICENTE Rua Major Loretti, 11 – Parque Bitaru – São Vicente/SP
7
Assim, nos termos do artigo 527, inciso II, do Código de
Processo Civil, o presente recurso deverá ser obrigatoriamente recebido na forma
de instrumento, tendo em vista o perigo de lesão grave e de difícil ou incerta
reparação.
III. Do mérito
a) Da nulidade da r. decisão de fl. 38
Inicialmente, verifica-se que a ordem liminar é nula, motivo
pelo qual deve ser cassada e imediatamente suspensa.
Nota-se que a r. decisão de fl. 38 foi concedida e cumprida
sem a citação da agravante, que ainda não ocorreu, sem a observância do
procedimento previsto no artigo 218, parágrafo 1º do Código de Processo Civil e
antes da nomeação de curador especial para atuar em sua defesa, em violação aos
princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal.
De acordo com o artigo 218, “caput”, do Código de Processo
Civil, a citação não será feita quando se verificar que o réu é demente ou está
impossibilitado de recebê-la. Para tanto, exige o parágrafo 1º do referido artigo
que o oficial de justiça elabore certidão, descrevendo minuciosamente a
ocorrência, e que, em seguida, seja nomeado médico para examinar o citando.
Apenas após apresentação do laudo, o juiz nomeará curador ao réu e determinará
a citação na pessoa do curador, nos termos dos parágrafos 2º e 3º do Código de
Processo Civil.
Não obstante, no caso em tela, todo procedimento foi
ignorado. Sem qualquer certidão do oficial de justiça e sem laudo médico de
DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO
REGIONAL DE SANTOS – UNIDADE SÃO VICENTE Rua Major Loretti, 11 – Parque Bitaru – São Vicente/SP
8
perito judicial, a r. decisão de fl. 38 considerou que a agravada era incapaz para
receber a citação válida e nomeou como curadora a agravada.
Ao assim proceder, presumindo a incapacidade da agravante
para receber a citação, a r. decisão impugnada desconsiderou por completo a
condição de sujeito de direitos da agravante e todos os direitos garantidos às
pessoas com sofrimento mental, previstos na Constituição Federal, em diversos
tratados internacionais e na legislação infraconstitucional, como a Lei nº
10.216/01.
Além disso, descumpriu o previsto no artigo 218 do Código
de Processo Civil e os princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido
processo legal, criando procedimento não previsto em lei, impedindo que a
agravante tenha ciência da ação e, inclusive, possa constituir advogado de sua
confiança para a defender.
Observa-se que o artigo 2º, parágrafo único, incisos V e VII,
da Lei nº 10.216/01, considerando que a pessoa com transtorno mental é sujeito
de direitos e deve ser tratada sem qualquer tipo de discriminação, nos termos do
artigo 1º da referida lei, garante à pessoa com transtorno mental o direito de ter a
presença médica, em qualquer tempo, para esclarecer a necessidade ou não de
sua hospitalização involuntária e o direito de receber o maior número de
informações a respeito de sua doença e de seu tratamento.
Contudo, tais dispositivos legais acabaram por ser
completamente desrespeitados, diante da r. decisão judicial que determinou a
internação involuntária da agravante sem que ela tenha sido sequer citada da ação
judicial.
DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO
REGIONAL DE SANTOS – UNIDADE SÃO VICENTE Rua Major Loretti, 11 – Parque Bitaru – São Vicente/SP
9
Salienta-se que a agravante possui vinte e quatro anos de
idade, já atingiu a maioridade há seis anos e, até a presente data, não há notícia
de que tenha sido proposta qualquer ação de interdição por seus familiares. Aliás,
a agravada propôs ação pleiteando apenas a internação involuntária da agravante,
mas não a sua interdição, o que indica que a agravante possa não ser incapaz para
a prática dos atos da vida civil.
Ademais, dependendo do tipo e intensidade do transtorno
mental, a agravante poderia ter absoluta capacidade para receber a citação
judicial, de forma que a presunção de sua inaptidão caracteriza preconceito
repelido pelo ordenamento jurídico pátrio.
Evidente que, apenas após certificação do oficial de justiça e
laudo judicial circunstanciado e devidamente fundamentado, é que se poderia
efetuar a citação da agravante na pessoa de seu curador, em observância ao artigo
218, parágrafos 1º, 2º e 3º, do Código de Processo Civil, e artigo 6º da Lei nº
10.216/01.
Por outro lado, a ordem judicial foi proferida por juiz
absolutamente incompetente para tanto, visto que a demanda, na forma como foi
proposta pela agravada, não é de competência do Juízo de Família e Sucessões,
até porque não foi formulado qualquer pedido de interdição.
Tanto é assim que a própria agravada endereçou sua petição
inicial à Vara Cível da Comarca de São Vicente. Contudo, sem qualquer
justificativa, a ação foi remetida para o Juízo de Família, que, também sem
qualquer motivação, apreciou o pedido liminar e o deferiu.
No caso, a incompetência funcional do juiz caracteriza
incompetência absoluta e enseja a nulidade da r. decisão impugnada.
DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO
REGIONAL DE SANTOS – UNIDADE SÃO VICENTE Rua Major Loretti, 11 – Parque Bitaru – São Vicente/SP
10
Não bastasse isso, a petição inicial é inepta, pois dos fatos
narrados não decorre o pedido formulado, há falta de interesse de agir e o pedido
é juridicamente impossível, de modo que a petição inicial deveria ter sido
indeferida e o processo extinto.
Verifica-se que a agravada narra que a agravante possui
transtorno mental e recomendação médica para internação, mas não deseja ser
internada. Diante disso, requer seja determinada judicialmente a internação
involuntária da agravante sem discriminar prazo.
Contudo, caso a agravante realmente tivesse transtorno
mental e laudo circunstanciado determinando a sua internação, como determina o
artigo 6º da Lei nº 10.216/01, a internação involuntária poderia ocorrer
independentemente de ação judicial, desde que presentes as demais exigências
legais, como estabelecem os artigos 6º, inciso II, 7º e 8º da Lei nº 10.216/01.
Nesse caso, faltaria interesse de agir a agravada, que não
necessitaria da ação judicial para ter sua pretensão reconhecida, já que a
internação involuntária ocorre a pedido de terceiro e por recomendação médica,
não por ordem judicial.
Na verdade, a internação somente se dá por ordem judicial
quando ocorre na modalidade da internação compulsória, prevista no artigo 6º,
inciso III, da Lei nº 10.216/01, que é reservada para casos distintos do presente,
como os casos de medida de segurança.
Ademais, conforme já asseverado, não foi formulado pedido
de interdição da agravante, o qual seria necessário, nos termos do artigo 1777 do
Código Civil, de modo que o provimento jurisdicional pleiteado não é adequado
e, portanto, falta interesse de agir. Apenas foi requerida a internação involuntária
DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO
REGIONAL DE SANTOS – UNIDADE SÃO VICENTE Rua Major Loretti, 11 – Parque Bitaru – São Vicente/SP
11
sem discriminar prazo, de forma ampla e ilegal, até porque a internação depende
de laudo médico circunstanciado.
No caso em tela, ainda, o pedido judicial formulado pela
agravada não é compatível com os fatos por ela narrados e, do modo como foi
feito, sem prévia interdição e de forma ampla, representa pleito juridicamente
impossível.
Acrescenta-se, também, que a r. decisão impugnada é nula
por ausência de fundamentação suficiente e de razoabilidade.
Como se sabe, o artigo 93, inciso IX, da Constituição
Federal e o artigo 165 do Código de Processo Civil exigem que qualquer decisão
judicial seja fundamentada. De forma ainda mais específica, o artigo 273,
parágrafo 1º, do Código de Processo Civil, estabelece que, “na decisão que
antecipar a tutela, o juiz indicará, de modo claro e preciso, as razões de seu
convencimento”.
Nesse sentido, a jurisprudência deste Egrégio Tribunal de
Justiça:
“NULIDADE - Decisão que revoga anterior designação de
audiência de justificação prévia e defere liminar de
reintegração de posso, sem referência aos elementos
caracterizadores dos requisitos do fumus boni iuris e
periculum in mora - Inadmissibilidade - Violação à norma do
art. 471, do CPC - Ausência de fundamentação também
verificada - Afronta aos arts. 93, IX da CF e 165, do Código
de Processo Civil - Nulidade decretada - Recurso provido
para este fim.”
(Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo; Agravo de
Instrumento nº 0068357-86.2010.8.26.0000; 38ª Câmara de
Direito Privado; Rel. Spencer Almeida Ferreira; data do
julgamento 19.05.10; data de registro 21.06.10).
DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO
REGIONAL DE SANTOS – UNIDADE SÃO VICENTE Rua Major Loretti, 11 – Parque Bitaru – São Vicente/SP
12
“AGRAVO DE INSTRUMENTO – Reintegração de posse –
Liminar - Deferimento - Alegação de posse velha e ausência
de comprovação do esbulho além da falta de fundamentação
da decisão - Ausência dos requisitos necessários à concessão
da medida - Decisão sem fundamentação - Liminar indeferida
- Recurso provido.”
(Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo; Agravo de
Instrumento nº 9001844-17.2009.8.26.0000; 20ª Câmara de
Direito Privado; Rel. Miguel Petroni Neto; data do
julgamento 14.12.09; data de registro 28.01.10).
No caso em tela, nota-se que a r. decisão de fl. 38 não foi
baseada em laudo médico circunstanciado, como exige o artigo 6º da Lei nº
10.216/01, e nem apresentou motivação suficiente sobre a real necessidade de
internação.
Observa-se que o artigo 4º da Lei nº 10.216/01 estabelece a
excepcionalidade da internação hospitalar, que somente será indicada quando os
recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes, circunstância que não foi
exposta e apreciada pela r. decisão impugnada como exigem o artigo 93, inciso
IX, da Constituição Federal e o artigo 165 do Código de Processo Civil.
Outrossim, a r. decisão impugnada foi extremamente ampla
e ultrapassou os limites do próprio pedido da agravada e da Lei nº 10.216/01. A
absoluta ausência de limitação temporal e de local concedeu verdadeira carta
branca à agravada, violando por completo a Lei nº 10.216/01, que estabelece que
a internação deve ser limitada ao período de surto e não pode ser feita em
estabelecimentos asilares ou desprovidos dos recursos que assegurem assistência
integral à pessoa portadora de transtorno mental, incluindo serviços médicos, de
assistência social, psicológicos, ocupacionais, de lazer e outros, além dos direitos
previstos no artigo 2º da lei referida.
DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO
REGIONAL DE SANTOS – UNIDADE SÃO VICENTE Rua Major Loretti, 11 – Parque Bitaru – São Vicente/SP
13
Por fim, salta aos olhos que a r. decisão impugnada não fez
qualquer menção aos requisitos do artigo 273 do Código de Processo Civil,
necessários para a concessão da tutela antecipada que acabou por ser deferida.
O que se percebe é que a r. decisão impugnada realizou
verdadeiro juízo antecipado de mérito, como se sentença fosse, mas no início do
processo, antes da citação da agravante, da apresentação de defesa, da oitiva
agravante e da realização de perícia, ignorando o direito de defesa, o
contraditório e o devido processo legal.
Dessa forma, as questões preliminares apontadas e a
ausência de motivação suficiente e de razoabilidade da r. decisão impugnada
ensejam a sua nulidade, de modo que se faz necessária a sua cassação e imediata
suspensão.
b) Da ausência de cabimento da medida liminar deferida
Ainda que não se considere nula a ordem liminar deferida,
faz-se imprescindível a sua cassação e imediata suspensão, pois ela não observou
as estreitas hipóteses legais para a concessão de tutela antecipada.
Como se sabe, a concessão de tutela antecipada é medida
excepcional, visto que a Constituição Federal garante os direitos à ampla defesa,
ao contraditório e ao devido processo legal.
De acordo com o artigo 5º, inciso LIV, da Constituição
Federal, “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido
processo legal”. Já o inciso LV do mesmo artigo prevê que “aos litigantes, em
processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o
contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.”
DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO
REGIONAL DE SANTOS – UNIDADE SÃO VICENTE Rua Major Loretti, 11 – Parque Bitaru – São Vicente/SP
14
Assim, para que uma obrigação judicial possa ser imposta no
início do processo, antes do exercício da defesa e da produção de prova, é
necessário que haja prova inequívoca da verossimilhança das alegações e
fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, além da
reversibilidade do provimento, conforme previsto no artigo 273 do Código de
Processo Civil. Ademais, o princípio da proporcionalidade deve ser aplicado,
ponderando-se o benefício trazido ao autor e o prejuízo imposto ao réu com a
antecipação da tutela.
No caso em tela, é evidente que os requisitos legais não
estão presentes em seu conjunto com a intensidade necessária para a antecipação
do provimento final, o qual, por se tratar de internação, representa violenta
intervenção aos direitos da agravante, sobretudo aos seus direitos à liberdade e
saúde.
De um lado, não há comprovação cabal da verossimilhança
das alegações. Isso porque, a internação é medida excepcional, conforme prevê o
artigo 4º da Lei nº 10.216/01, que somente pode ser realizada após frustrados os
recursos extra-hospitalares, durante período de surto, e mediante laudo médico
circunstanciado que caracterize os seus motivos, conforme dispõe o artigo 6º da
referida lei.
Nota-se que a agravada não apresentou documentos
suficientes que demonstrem a insuficiência dos recursos extra-hospitalares, pois
os receituários juntados indicam apenas que a agravante estava em tratamento
com médica particular Dra. , sem especificar a frequência, característica e
recursos envolvidos nos atendimentos para que se possa aferir se foram
esgotados todos os recursos extra-hospitalares disponíveis.
DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO
REGIONAL DE SANTOS – UNIDADE SÃO VICENTE Rua Major Loretti, 11 – Parque Bitaru – São Vicente/SP
15
Da análise dos documentos juntados pela agravada, percebe-
se que somente foram apresentados receituários de atendimento no sistema
público de saúde no ano de 2009, que não prescrevem a necessidade de
internação, o que indica que, desde então, a agravante apenas vinha fazendo
atendimento psiquiátrico particular e não vinha fazendo uso de todos os diversos
programas e recursos extra-hospitalares disponíveis para o seu atendimento, que
são eminentemente públicos.
Ressalta-se que, de acordo com o artigo 2º, parágrafo único,
incisos I, VIII e IX, da Lei nº 10.216/01, a pessoa com transtorno mental tem
direito a ter acesso ao melhor tratamento do sistema de saúde, consentâneo às
suas necessidades; a ser tratada em ambiente terapêuticos pelos meios menos
invasivos possíveis; ser tratada, preferencialmente, em serviços de saúde mental.
Ademais, verifica-se que a agravante não juntou aos autos
laudo médico circunstanciado que caracterize adequadamente os motivos da
internação.
Observa-se que o relatório médico mais recente, apresentado
pela agravada, indica, sucintamente, que a agravante apresenta crises psicóticas
frequentes e necessita de internação psiquiátrica, embora esteja fazendo uso
diário de medicamento.
É certo que o relatório apresentado não se trata do laudo
médico circunstanciado previsto no artigo 6º da Lei 10.216/01, pois, além de ter
sido elaborado por médico particular, não apresenta a motivação necessária.
Observa-se que os casos excepcionais de internação
psiquiátrica demandam análise de equipe técnica de saúde mental, de composição
multidisciplinar e pública, que avalie a condição do paciente em sua
DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO
REGIONAL DE SANTOS – UNIDADE SÃO VICENTE Rua Major Loretti, 11 – Parque Bitaru – São Vicente/SP
16
complexidade e que considere a normativa e os recursos disponíveis no sistema
público de atendimento, para que haja efetivo controle da extrema medida.
Nesse sentido, o relatório final da III Conferência Nacional
de Saúde Mental, convocada pelo Ministro da Saúde e organizada pelo Conselho
Nacional de Saúde (SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. CONSELHO NACIONAL
DESAÚDE. Comissão Organizadora da III CNSM. Relatório Final da III
Conferência Nacional de Saúde Mental. Brasília, 11 a 15 de dezembro de 2001.
Brasília: Conselho Nacional de Saúde/Ministério da Saúde, 2002, 213 p., ISBN
85-334-0592-8):
“6. Controle da internação psiquiátrica
No curso do processo de Reforma Psiquiátrica, é necessário
que os gestores estaduais e municipais estabeleçam
mecanismos efetivos para o controle das internações
psiquiátricas. Com este objetivo, foram aprovadas também as
seguintes propostas:
119. Estabelecer formas de controle único para a emissão de
AIH, assegurando que todas as internações necessárias sejam
autorizadas pelo serviço público, preferencialmente de base
territorial, constituído por equipe de saúde mental.
120. A internação e a reinternação psiquiátrica deverão
ocorrer após avaliação da equipe técnica de saúde mental dos
serviços substitutivos.
121. Estimular a criação de centrais de regulação de
internaçãopsiquiátrica com o objetivo de evitar internações
não indicadas.
122. Rever o critério de tempo de internação e garantir, por
meio de supervisões institucionais e fiscalizações, que o
tempo de internação seja o mais breve possível, de acordo
com avaliação e conduta psiquiátrica e da equipe
multiprofissional.” (p. 46-48, g.n.).
De outro lado, não há comprovação suficiente nos autos de
que a ausência de concessão da tutela antecipada cause dano irreparável ou de
difícil reparação à agravada e muito menos à agravante.
DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO
REGIONAL DE SANTOS – UNIDADE SÃO VICENTE Rua Major Loretti, 11 – Parque Bitaru – São Vicente/SP
17
Conforme já salientado, embora a agravada narre que os
transtornos da agravante começaram na adolescência e esta já conte com 24 anos,
sua interdição nunca foi pleiteada e sequer há nos autos documentos que atestem
que a agravante tenha iniciado tratamento médico antes de 2009. Salienta-se que
não há qualquer comprovação nos autos de que a agravante possua o
comportamento violento alegado.
Importante observar que não se pode utilizar o transtorno
mental da agravante, de intensidade e natureza ainda não suficientemente
demonstradas, de forma discriminatória, presumindo-se a necessidade de
internação como forma de auto-preservação, como veda o artigo 1º da Lei
10.216/01, até porque as internações são excepcionais, temporárias e não
configuram a melhor alternativa terapêutica.
Não bastasse isso, certamente, a internação representa
extrema violência ao direito de liberdade da agravante e pode caracterizar grave
ou até irreparável prejuízo à sua saúde, caso realmente ela não seja necessária,
sobretudo da forma severa, ampla e ilimitada como foi determinada pela r.
decisão impugnada.
Nesse sentido, há inequívoca violação ao princípio da
proporcionalidade, pois a r. decisão liminar, a pretexto de preservar o direito da
agravada, traz enorme violação ao direito da agravante, que pode ser encarcerada
em qualquer estabelecimento de internação psiquiátrica, em regime fechado, no
local e pelo tempo que qualquer médico determinar.
Sobre o tema, conveniente a transcrição da posição
jurisprudencial:
DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO
REGIONAL DE SANTOS – UNIDADE SÃO VICENTE Rua Major Loretti, 11 – Parque Bitaru – São Vicente/SP
18
“Interdição pretensão da curadora provisória à internação
compulsória J do interditando decisão que indeferiu a
antecipação da tutela, determinando a realização de perícia
médica ausência de dispositivo legal a amparar o pleito
conveniência de se aguardar a conclusão da perícia, para
melhor se aquilatar a necessidade ou não da internação.
Agravo improvido”.
(TJ/SP; Agravo de Instrumento n° 0162775-
16.2010.8.26.0000; Relator (a): Testa Marchi; Órgão
julgador: 10ª Câmara de Direito Privado; da Comarca de
Bauru; Data do julgamento: 18/01/2011).
Em referido julgado, o Desembargador Relator bem
observou a excepcionalidade da internação psiquiátrica e a necessidade de prévia
perícia médica, com laudo circunstanciado, considerando que a medida
representa extremo cerceamento à liberdade:
“Tendo em vista a exigência legal, ainda não atendida pela
requerente, reputa-se conveniente, dada a situação
superveniente da alegada piora no estado de saúde do
requerido, uma prévia elaboração de perícia médica, com
laudo circunstanciado em que constem os elementos hábeis a
respaldar a medida que, conquanto possa ser salutar ao
interdito e à família, se mostra constritiva, em razão da
compulsoriedade. A cautela se justifica em virtude de que a
Lei n° 10.216/01, em seu art. 4o estabelece um limite
temporal para a internação e prevê que só deve ser indicada
quando os recursos extra-hospitalares ministrados tenham se
revelado insuficientes e, no caso, se revele a conveniência de
manter o paciente internado.
Acresce, ainda, que o mesmo art. 4o, em seus parágrafos
disciplina que o tratamento deve primar pela reinserção social
do paciente e oferecer assistência integral através de uma
equipe multidisciplinar. Ademais, em face da ausência de
dispositivo legal que autorize, de forma automática, ou ao
menos, desprovida de melhores elementos, a concessão da
tutela pleiteada, determinando a internação do paciente em
estabelecimento psiquiátrico, deve ser mantida a r. decisão
impugnada, até que ultimada a perícia médica, uma vez que a
internação compulsória, embora se destine à preservação da
saúde do paciente e bem estar dos que o cercam, não deixa de
ser um ato que, ao menos em tese, cerceia sua liberdade, o
que revela o cuidado com que agiu o MM. Juiz.
4. Ante o exposto, nega-se provimento ao agravo.”
DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO
REGIONAL DE SANTOS – UNIDADE SÃO VICENTE Rua Major Loretti, 11 – Parque Bitaru – São Vicente/SP
19
É certo, ainda, que a ordem liminar deferida aponta em
sentido contrário aos princípios da reforma psiquiátrica e ao Relatório Final da
IV Conferência Nacional de Saúde Mental (SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE.
CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE. Comissão Organizadora da IV
Conferência Nacional de Saúde Mental – Intersetorial. Relatório Final da IV
Conferência Nacional de Saúde Mental – Intersetorial, 27 de junho a 1º de julho
de 2010. Brasília: Conselho Nacional de Saúde/Ministério da Saúde, 2010, 210
p.), convocada pelo Ministro da Saúde, que objetiva a desinstitucionalização e a
extinção dos hospitais psiquiátricos para internação em regime fechado:
“2.4 Atenção às pessoas em crise na diversidade dos
serviços
Princípios e diretrizes gerais
396. A consolidação da reforma psiquiátrica exige a
priorização, por parte dos gestores dos níveis federal,
estadual e municipal, da atenção à crise no âmbito da rede
substitutiva em saúde mental, considerando sua importância
fundamental na implementação de um processo efetivo que
possibilite a extinção dos hospitais psiquiátricos e de
quaisquer outros estabelecimentos em regime fechado.
397. Dessa forma, a IV Conferência ratifica a criação, o
fortalecimento, e a ampliação da rede de saúde mental e de
ações articuladas saúde mental na atenção básica,
ambulatórios de saúde mental, Núcleos de Apoio à Saúde da
Família (NASF), Núcleos de Atenção Psicossocial (NAPS),
Residências Terapêuticas, CAPS I, II, III, CAPSi, CAPSad,
Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU 192),
Unidades de Pronto Atendimento (UPA)/Pronto
Atendimento, e leitos em hospitais regionais e gerais ,
destacando que essa rede deve atuar na lógica antimanicomial
e interdisciplinar, integrada nas três esferas de governo.
398. Em paralelo, a Conferência enfatiza o
descredenciamento progressivo dos leitos psiquiátricos da
rede privada e a desativação progressiva dos hospitais
psiquiátricos públicos, com o cumprimento dos prazos
estabelecidos pelo Programa Nacional de Avaliação dos
Serviços Hospitalares/Psiquiatria (PNASH/Psiquiatria), e a
necessidade de garantir a participação das organizações de
usuários e de familiares, assim como o deslocamento dos
recursos financeiros para a criação e manutenção dos serviços
substitutivos.
(...)
DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO
REGIONAL DE SANTOS – UNIDADE SÃO VICENTE Rua Major Loretti, 11 – Parque Bitaru – São Vicente/SP
20
Atenção à crise na rede
403. Extinguir definitivamente toda e qualquer forma de
internação de cidadãos com sofrimento psíquico em hospitais
psiquiátricos e em quaisquer outros estabelecimentos de
regime fechado, acabando também com a
eletroconvulsoterapia no Brasil.
404. Garantir e ampliar o atendimento das situações de crise
em saúde mental 24 horas, priorizando CAPS III, no Pronto
Socorro Geral em articulação com a rede SAMU 192; em
municípios que não tenham estes dispositivos, garantir que os
serviços de emergência atendam às situações de crise em
saúde mental facilitando o acesso aos demais serviços de
saúde.
405. Garantir, sempre que o usuário com sofrimento psíquico
estiver em crise e que se faça necessária a intervenção em
emergência hospitalar, esta ocorra nos hospitais gerais que
tenham serviço de urgência e emergência.
406. Atender as emergências psiquiátricas em unidades gerais
24 horas, contando ainda com equipes volantes para dar
suporte matricial às unidades básicas e secundárias de saúde.
407. Garantir, em todo território nacional, a implantação
imediata de CAPS III, conforme a legislação vigente, dando
ênfase à importância desse dispositivo na atenção à crise na
rede substitutiva de saúde mental, dispensando o recurso ao
hospital psiquiátrico.
408. Garantir leitos de retaguarda noturna, finais de semana e
feriados, em Hospitais Gerais, inclusive em municípios de
pequeno porte, para cidadãos com sofrimento psíquico, assim
como leitos para síndrome de abstinência e desintoxicação
para adultos, crianças e adolescentes, com equipe capacitada
possibilitando tratamento humanizado.
(...)
2.5 Desinstitucionalização, inclusão e proteção social:
Residências Terapêuticas, Programa de Volta para Casa e
articulação intersetorial no território
Princípios e diretrizes gerais
425. A consolidação da política de saúde mental do SUS,
orientada pelos princípios da reforma psiquiátrica, exige
estimular, ampliar e garantir os programas de
desinstitucionalização com o conseqüente fechamento dos
leitos psiquiátricos e a rede de serviços substitutivos que
favoreçam a inclusão e proteção a todos os cidadãos com
sofrimento psíquico.
426. Com essa perspectiva, a IV Conferência enfatiza a
necessidade de garantir e ampliar o acesso aos Serviços
Residenciais Terapêuticos e ao Programa de Volta para Casa
às pessoas com transtornos mentais que deles precisem, com
ampliação do processo de financiamento. No sentido de
DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO
REGIONAL DE SANTOS – UNIDADE SÃO VICENTE Rua Major Loretti, 11 – Parque Bitaru – São Vicente/SP
21
garantir a acessibilidade devem ser desencadeados
movimentos na direção de revisão das normativas e
legislação existentes.
427. Nesse contexto, é de fundamental importância ampliar
estratégias para fortalecer o protagonismo das famílias e dos
usuários dos serviços de saúde mental, tendo em vista a
necessidade de lutar contra o estigma e de favorecer a
inclusão social das pessoas com transtornos mentais.
428. Destacase, ainda, a relevância de todos os atores
assumirem o compromisso de não admitir nenhum tipo de
postura ou incentivo que contrarie os princípios da reforma
psiquiátrica, assim como não admitir políticas públicas
discriminatórias e excludentes aos cidadãos com sofrimento
psíquico.” (fls. 74-78, g.n.)
Acrescenta-se que os princípios da reforma psiquiátrica
foram incorporados inclusive no âmbito da aplicação das medidas de segurança,
conforme prevê o artigo 17 da Resolução nº 113, de 20 de abril de 2010, do
Conselho Nacional de Justiça:
“Art. 17 O juiz competente para a execução da medida de
segurança, sempre que possível buscará implementar
políticas antimanicomiais, conforme sistemática da Lei nº
10.216, de 06 de abril de 2001.”
No mesmo sentido, os artigos 1º e 4º da Resolução nº 4, de
30 de julho de 2010, do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária:
“Art. 1º - O CNPCP, como órgão responsável pelo
aprimoramento da política criminal, recomenda a adoção da
política antimanicomial no que tange à atenção aos pacientes
judiciários e à execução da medida de segurança.
§ 1° - Devem ser observados na execução da medida de
segurança os princípios estabelecidos pela Lei 10.216/2001,
que dispõe sobre a proteção dos direitos das pessoas
portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo
assistencial de tratamento e cuidado em saúde mental que
deve acontecer de modo antimanicomial, em serviços
substitutivos em meio aberto;
(...)
Art. 4º - Em caso de internação, mediante o laudo médico
circunstanciado, deve ela ocorrer na rede de saúde municipal
DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO
REGIONAL DE SANTOS – UNIDADE SÃO VICENTE Rua Major Loretti, 11 – Parque Bitaru – São Vicente/SP
22
com acompanhamento do programa especializado de atenção
ao paciente judiciário.
Parágrafo único - Recomenda-se às autoridades responsáveis
que evitem tanto quanto possível a internação em manicômio
judiciário.”
Percebe-se, por fim, que a r. decisão impugnada foi
extremamente ampla e ultrapassou os limites do próprio pedido da agravada e da
Lei nº 10.216/01, contrariando os princípios da reforma psiquiátrica, pois
autorizou a internação psiquiátrica em regime fechado, em qualquer local e por
tempo indeterminado, segundo o critério de qualquer médico, sem exigir
qualquer tipo de prestação de contas ou obrigação por parte do curador.
Conforme asseverado, foi concedida verdadeira carta branca
à agravada, ignorando-se que a internação deve ser limitada ao período de surto e
não pode ser feita em estabelecimentos asilares ou desprovidos dos recursos que
assegurem assistência integral à pessoa portadora de transtorno mental, incluindo
serviços médicos, de assistência social, psicológicos, ocupacionais, de lazer e
outros, além dos direitos previstos no artigo 2º da lei referida.
Ademais, na hipótese de internação por ordem judicial, cabe
ao juiz levar em conta as condições de segurança do estabelecimento quanto à
salvaguarda da paciente, dos demais internados e funcionários, nos termos do
artigo 9º da Lei 10.216/01, de forma que não é suficiente a menção genérica de
internação em estabelecimento adequado.
Além disso, incumbe ao Ministério Público o controle da
internação psiquiátrica involuntária e dos estabelecimentos adequados para tanto.
Contudo, no presente caso, o órgão ministerial deixou de especificar qualquer
estabelecimento adequado para tanto na região.
DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO
REGIONAL DE SANTOS – UNIDADE SÃO VICENTE Rua Major Loretti, 11 – Parque Bitaru – São Vicente/SP
23
Nunca é demais lembrar o trágico caso do Sr. Damião
Ximenes Lopes, que, em 1999, foi vítima de tortura, maus tratos e faleceu nas
dependências da clínica psiquiátrica Casa de Repouso Guararapes, o que
ocasionou a condenação do Brasil perante a Corte Interamericana de Direitos
Humanos.
Inequívoca, portanto, a necessidade de cassação e de
imediata suspensão da r. decisão impugnada.
IV. Atribuição de efeito suspensivo até decisão definitiva
O Código de Processo Civil, em seu artigo 527, inciso III,
estabelece a possibilidade de o Tribunal atribuir efeito suspensivo ao agravo,
assim como a antecipação de tutela, total ou parcial, da pretensão recursal.
No caso em tela, conforme exposto, há clara verossimilhança
das alegações da agravante, diante da nulidade da r. decisão impugnada e da
ausência de obediência aos requisitos legais para a concessão da ampla medida
liminar impugnada.
Por outro lado, a manutenção da r. decisão impugnada
causará lesão de grave e difícil reparação à agravante, com o cerceamento de sua
liberdade e o risco de dano grave à sua saúde.
Além disso, a manutenção da r. decisão impugnada também
causará inegável lesão grave e de difícil reparação ao Judiciário, que dará
efetividade a decisão nula, proferida em demanda que deve ser extinta.
Ante o exposto, necessária a concessão do efeito suspensivo
ao presente recurso, para suspender os efeitos da medida liminar deferida,
DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO
REGIONAL DE SANTOS – UNIDADE SÃO VICENTE Rua Major Loretti, 11 – Parque Bitaru – São Vicente/SP
24
cassando-se a curatela e o alvará deferidos e determinando-se a desinternação
judicial da agravante, bem como a intimação da agravada para que informe o
local de internação da agravante e do Ministério Público Estadual para que
informe se recebeu notícia da internação da agravante (artigo 8º, parágrafo 1º, da
Lei 10.216/01).
Caso assim não se entenda, no mínimo, requer-se a
concessão do efeito suspensivo para restringir a amplitude da ordem liminar, para
que a internação psiquiátrica seja realizada apenas após análise de equipe técnica
de saúde mental e elaboração de laudo médico circunstanciado, em Unidade de
Internação Psiquiátrica em Hospital Geral, comprovadamente adequado às
exigências da Lei 10.216/01, pelo prazo máximo de duração do surto, afastando-
se o regime fechado e exigindo-se do curador a apresentação de relatório mensal
sobre o estado de saúde da agravante e a necessidade de manutenção da
internação.
V. Dos pedidos
Diante de todo o exposto, requer-se:
a) seja recebido, processado e provido o presente recurso,
confirmando-se o efeito suspensivo pleiteado, para que a r. decisão de fl. 38 seja
definitivamente cassada, revogando-se a curatela e o alvará deferidos e
determinando-se a desinternação judicial da agravante, bem como a intimação da
agravada para que informe o local de internação da agravante e do Ministério
Público Estadual para que informe se recebeu notícia da internação da agravante
(artigo 8º, parágrafo 1º, da Lei 10.216/01);
b) subsidiariamente, que seja provido o presente recurso para
que a internação psiquiátrica seja realizada apenas após análise de equipe técnica
DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO
REGIONAL DE SANTOS – UNIDADE SÃO VICENTE Rua Major Loretti, 11 – Parque Bitaru – São Vicente/SP
25
de saúde mental e elaboração de laudo médico circunstanciado, em Unidade de
Internação Psiquiátrica em Hospital Geral, comprovadamente adequado às
exigências da Lei 10.216/01, pelo prazo máximo de duração do surto, afastando-
se o redime fechado e exigindo-se do curador a apresentação de relatório mensal
sobre o estado de saúde da agravante e a necessidade de manutenção da
internação;
c) a intimação do Ministério Público para apresentação de
parecer;
d) a concessão dos benefícios da justiça gratuita;
e) a concessão de prazo em dobro e a intimação pessoal de
todos os atos do processo, nos termos do artigo 5º, parágrafo 5º, da Lei 1.060/50.
Termos em que,
pede deferimento.
São Vicente, 11 de março de 2011.
Rafael Rocha Paiva Cruz
Defensor Público