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UNIVERSIDADE ANHANGUERA - UNIDERP
AGUINALDO ROCHA GOMES
EVIDENCIAÇÃO DO VALOR CONTÁBIL DAS RECEITAS DE SERVIÇOS
ECOSSISTÊMICOS NAS ATIVIDADES AGROPECUÁRIAS
CAMPO GRANDE – MS
2017
AGUINALDO ROCHA GOMES
EVIDENCIAÇÃO DO VALOR CONTÁBIL DAS RECEITAS DE SERVIÇOS
ECOSSISTÊMICOS NAS ATIVIDADES AGROPECUÁRIAS
Tese apresentada ao Programa de Pós-
graduação em Meio Ambiente e
Desenvolvimento Regional da
Universidade Anhanguera-Uniderp, como
parte dos requisitos para a obtenção do
título de Doutor em Meio Ambiente e
Desenvolvimento Regional.
Orientação:
Profa. Dra. Lídia Maria Lopes Rodrigues
Ribas
CAMPO GRANDE
2017
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Anhanguera-Uniderp
Gomes, Aguinaldo Rocha. G612e Evidenciação do valor contábil das receitas de serviços
ecossistêmicos nas atividades agropecuárias. / Aguinaldo Rocha Gomes. -- Campo Grande, 2017.
107f. : il. color.
Tese (doutorado) – Universidade Anhanguera-Uniderp, 2017. “Orientação: Profa. Dra. Lídia Maria Lopes Rodrigues Ribas.”
1. Desenvolvimento regional. 2. Contabilidade ambiental. 3.
Ecossistemas. 4. Bacia Hidrográfica – Rio São Lourenço, MT. 5. Ativo biológico. 6. Receita ecossistêmica. I. Título.
CDD 21.ed. 338.9
657.4
AGRADECIMENTOS
Desejo expressar o meu agradecimento a todos aqueles que tornaram
possível a concretização deste trabalho. A Deus, por permitir a realização desses
acontecimentos.
pObrigado Profa. Dra. Lídia Maria Lopes Rodrigues Ribas pelo
crescimento científico e intelectual que me proporcionou, o qual irá acompanhar
por toda a vida, pela forma como sabiamente orientou a execução desta tese,
pela sua disponibilidade, incentivo, compreensão e confiança que me transmitiu
ao longo de toda a pesquisa.
Obrigado Prof. Dr. Gilberto Luiz Alves e Prof. Dr. Sandino Hoff pela
receptividade e pela constante disponibilidade de ensinar. Muito obrigado à
Profa. Dra. Rosemary Matias e ao Prof. Dr. Celso Correia de Souza, pelo
aprendizado imprescindível para conclusão deste trabalho. Obrigado aos
membros da banca de qualificação pelas valiosas contribuições.
Obrigado aos colegas de turma pelo convívio prazeroso, pelas disciplinas
compartilhadas e pelas contribuições direta e indireta para a realização deste
curso de doutorado e especialmente pela amizade.
Obrigado a toda a minha família, em especial à minha esposa Rosimeire
Mariano Sanquite Gomes pela paciência e compreensão, aos meus Filhos
Juliano e Gustavo, pois sem vosso apoio e carinho tudo seria certamente mais
difícil.
Obrigado a todas as pessoas que contribuíram para esta realização
pessoal e profissional que infelizmente não foram mencionadas.
SUMÁRIO
1. Resumo Geral................................................................................ 06
2. General Summary.......................................................................... 07
3. Introdução Geral............................................................................ 08
4. Revisão da literatura...................................................................... 13
5. Referencias Bibliográficas............................................................. 35
6. Artigos
Artigo I............................................................................................ 41
Internalização contábil dos serviços ecossistêmicos nas atividades
agropecuárias................................................................................. 41
Resumo.......................................................................................... 41
Abstract.......................................................................................... 42
Introdução...................................................................................... 42
Material e Método.......................................................................... 46
Resultados e Discussão................................................................ 48
Conclusão...................................................................................... 66
Referencias bibliográficas.............................................................. 67
Artigo II........................................................................................... 72
Contabilidade de serviços ecossistêmicos nas atividades
agropecuárias: validação modelo contábil na bacia do Rio São
Lourenço......................................................................................... 72
Resumo.......................................................................................... 72
Abstract.......................................................................................... 73
Introdução...................................................................................... 73
Material e Método.......................................................................... 75
Resultados e Discussão................................................................ 78
Conclusão..................................................................................... 102
Referências bibliográficas............................................................. 103
7. Conclusão Geral........................................................................... 106
6
1. Resumo Geral
As atividades agropecuárias sempre dependeram dos ecossistemas e da
provisão dos seus serviços para desenvolvimento biológico de vegetais, de
animais e para manutenção da capacidade produtiva do solo. Embora os
serviços providos sejam absorvidos pelas atividades produtivas, o seu valor
econômico não é ainda levado em conta na apuração dos resultados contábeis
das entidades que auferiram tais benefícios. Isso ocorre mesmo sendo
imprescindível a evidenciação desses bens e serviços no resultado das
entidades que exploram as atividades agropecuárias. Diante dessas
considerações, esta pesquisa objetivou o desenvolvimento de linhas
orientadoras e procedimentos para implementação da contabilização dos
serviços ecossistêmicos por parte das entidades agropecuárias. O tema de
estudo enquadra-se na linha de pesquisa: Sociedade, Ambiente e
Desenvolvimento Regional Sustentável. Para atingir os objetivos, analisaram-se
as demonstrações contábeis das entidades agropecuárias constituídas na forma
de sociedade anônima que exercem atividades na bacia hidrográfica do rio São
Lourenço em Mato Grosso. Tal análise se deu na perspectiva de identificar as
práticas contábeis adotadas e o usufruto dos serviços ecossistêmicos. Na
sequência, foram analisados os conceitos, classificações e os métodos de
avaliação desses serviços e apresentaram-se proposições a respeito da
classificação contábil das receitas ecossistêmicas. Logo após, procurou-se
demonstrar a forma de contabilização dos serviços ecossistêmicos. Nesse
sentido, o estudo permitiu concluir positivamente sobre a possibilidade de
internalização dos serviços ecossistêmicos, de modo a classificá-los como:
receitas ecossistêmicas de produção de bens e receitas ecossistêmicas de
provisão de serviços. A aplicação do método do valor justo para valoração
econômica dos serviços ecossistêmicos providos na bacia hidrográfica do rio
São Lourenço permitiu sua internalização contábil com receitas pelas entidades
agropecuárias mesmo quando seus preços não são observáveis. Constatou-se
que as receitas ecossistêmicas, quando evidenciadas contabilmente, constituem
uma medida de eficácia da entidade agropecuária e expressam as contribuições
dos ecossistemas para a formação do resultado da entidade.
Palavras-chave: Contabilidade ambiental, Ecossistema, Bacia hidrográfica.
7
2. General Summary
Agricultural and livestock activities have always depended on ecosystems and
the provision of their services for the biological development of plants and animals
and for maintaining the productive capacity of the soil. Although the services
provided are absorbed by the productive activities, their economic value is not
yet taken into consideration in the calculation of the accounting results of the
entities that receive such benefits, in spite of the fact that it is essential that these
goods and services be displayed in the result of the entities that exploit the
agricultural and livestock activities. In view of these considerations, this research
aims the development of guidelines and procedures for the implementation of the
accounting of ecosystem services by agricultural entities. The theme of the study
fits in line with the research: Society, Environment and Sustainable Regional
Development. In order to reach the objectives, there were analyzed the financial
statements of agricultural entities established as public limited company and that
execute their activities in the São Lourenço river basin in Mato Grosso with the
purpose to identify the accounting practices adopted and the usufruct of the
ecosystem services. Subsequently, the concepts, classifications and methods of
evaluation of these services were analyzed and proposals regarding the
accounting classification of the ecosystem revenues were presented. Shortly
after, endeavors were made in order to demonstrate the form of the accounting
of the ecosystem services by the agricultural entities. The study enabled to
conclude positively on the possibility of the internalization of the ecosystem
services, by classifying them as: ecosystem revenues from the production of
goods and ecosystem revenues from provision of services by the agricultural
entities. The application of the fair value method for economic valuation of the
ecosystem services provided by the São Lourenço river basin allowed its
internalization with revenues by the agricultural entities even when their prices
are not apparent. It was verified that the ecosystem revenues, when evidenced
in the accounting, constitute a measure of effectiveness of the agricultural entity
and express the contributions of the ecosystems to the formation of the entity's
result.
Keywords: Environmental accounting, Ecosystem, Hydrographic basin.
8
3. Introdução Geral
Os produtos agropecuários destinados ao consumo, ao beneficiamento
ou à industrialização, dentre os quais se destacam cereais, fibras, madeiras,
carne, leite, ovos, entre outros que satisfazem as demandas da população
humana são ofertados. IASB (2003, p.5), conceitua a atividade agrícola como “a
gestão por uma entidade da transformação biológica e colheita de ativos
biológicos para venda ou para conversão em produtos agrícolas ou em ativos
biológicos adicionais”. O processo biológico do qual está submetido a produção
agropecuária é constituído de variáveis não controlável totalmente pelos seres
humanos, consequentemente, deve-se atuar sobre as variáveis controláveis
para alcançar melhores resultados.
BRESCIANI (2003, p. 43) afirma que produção agropecuária “consiste em
produzir bens econômicos a partir da combinação dos esforços do homem e da
natureza, para favorecer a atividade biológica de plantas e animais incluindo
produção, o melhoramento e o crescimento”. De modo geral, o homem
transforma a potencialidade da natureza com a finalidade de produzir de bens
econômicos. A atividade agropecuária usufrui de bens e serviços da natureza.
Dentre os serviços que os ecossistemas oferecem, uma serie deles é
essencial para o desenvolvimento das atividades agropecuárias, concretizados
na forma de bens e serviços e usufruídos pelas entidades no cultivo das plantas
e na criação de animais. As atividades produtivas geralmente usufruem de
serviços ecossistêmicos, porém, não suportam os sacrifícios necessários para
sua provisão. O usufruto dos serviços ecossistêmicos não gera obrigação
financeira para a entidade, não ocorrendo, pelo menos nesta visão, os sacrifícios
pelos benefícios obtidos.
Consequentemente, por não suportarem os sacrifícios necessários para
oferta de tais serviços, as entidades agropecuárias geralmente desconsideram
o valor correspondente aos serviços ecossistêmicos na apuração dos resultados
de suas atividades. Além disso, o desconhecimento dos custos e das receitas
providas pelos ecossistemas contribui para aumentar as incertezas com relação
à capacidade da provisão dos serviços ecossistêmicos.
TURNER et al. (2003) afirmam que o uso monetário como critério de
mensuração dos benefícios oferecidos pelo ecossistema estabelece uma
relação transparente com outros usos de seus ativos e atributos, já que o
9
mercado e a economia são difundidos em bases monetárias.
Semelhantemente, a quantificação monetária dos bens e serviços
providos pelos ecossistemas, e o seu reconhecimento como receitas das
entidades que usufruíram destes para a formação dos resultados globais das
suas atividades agropecuárias, permite subsidiar os processos de tomadas de
decisões com informações uteis e relevantes.
Entende-se que a produção agropecuária é afetada pelo crescimento e
pelo desenvolvimento vegetativo dos seres vivos, ou seja, as características
biológicas do processo produtivo e a dependência das demais condicionantes
dos ecossistemas proporcionam mudanças quantitativas e qualitativas nos
ativos das entidades. Embora, o CONSELHO FEDERAL DE CONTABILIDADE
- CFC (2011) prescreva o reconhecimento das variações biológicas como
receitas das atividades agropecuárias, a grande maioria dos serviços providos
pelos ecossistemas não têm sido devidamente valorados e nem contabilizados.
Em outras palavras a contabilidade não tem consciência ou percepção
dos serviços ecossistêmicos, embora, os serviços ecossistêmicos sejam
consumidos na produção de bens da agropecuária, os seus respectivos custos
não são computados na apuração dos resultados das atividades desenvolvidas.
Normalmente, apenas os grãos, frutos madeiras e fibras são avaliados e
reconhecidos contabilmente como receita de produção, mas não os efeitos
econômicos resultantes da produção da biomassa total e de grãos na atividade
agropecuária.
Em linhas gerais, os serviços ecossistêmicos quando desfrutados
contribuem com a entidade agropecuária para o desempenho de suas atividades
econômicas. Nesse cenário, a contabilidade, por meio das funções de registro,
controle e evidenciação, possui um importante papel no processo de aprimorar
o processo contábil, uma vez que as informações disponibilizadas podem
subsidiar os tomadores de decisão, com dados sobre as contribuições providas
pelos ecossistemas para desempenho dessa atividade.
Segundo GENELLETI (2011), a questão ambiental com foco nos serviços
ecossistêmicos vem sendo discutida na literatura internacional, como uma
ferramenta potencial para comunicar e integrar a questão ambiental em diversos
setores e políticas. No setor agropecuário, a contabilidade constitui uma
ferramenta com potencial para contribuir com a gestão dos ecossistemas e,
10
consequentemente, com a capacidade deste de prover bens e serviços. Nesse
sentido, é imprescindível a contabilização dos custos e das receitas
ecossistêmicas, bem como sua evidenciação nas demonstrações contábeis.
Contemplar informações sobre os serviços ecossistêmicos por meio do
sua internalização contábil como receitas das entidades agropecuárias pode
permitir ampliar as análises das demonstrações contábeis. Segundo o estudo
TEEB (2010), isso se dá com os objetivos de prover informações que possam
solucionar conflitos entre os usuários dos serviços provenientes dos
ecossistemas, poupar custos futuros, melhorar a qualidade de vida e garantir
meios de subsistência.
Para contabilizar serviços ecossistêmicos como receitas, propôs-se sua
classificação em: receitas de produção ecossistêmica e receitas de serviços
ecossistêmicos. Entende-se que os serviços ecossistêmicos apresentam as
características de serem intangíveis, simultaneamente providos e consumidos e,
ainda, serem perecíveis, ou seja, quando não consumidos, podem ser perdidos.
Por outro lado, os produtos ecossistêmicos possuem características tais como
serem tangíveis e terem a produção desvinculada do consumo e poderem ser
estocados. Alguns bens e serviços ecossistêmicos ainda apresentam a
característica comum de não serem comercializados, ou seja, seus preços são
não conhecidos.
Nesse sentido, a presente pesquisa pretendeu responder ao seguinte
questionamento: de que modo o valor dos serviços ecossistêmicos pode ser
levado em conta na apuração contábil dos resultados das atividades
agropecuárias? Esse questionamento indica que o valor de tais serviços não é
levado em conta na apuração do resultado, desse modo não contabiliza-se essa
receita e, consequentemente, subavalia-se os custos dos produtos
agropecuários.
Neste estudo assumiu-se as hipóteses: é imprescindível que os serviços
ecossistêmicos sejam contabilizados como receitas ecossistêmicas, o que
possibilita a evidenciação, com fidedignidade, do resultado das entidades
agropecuárias, de modo a contribuir para que o produtor rural e a sociedade
tenham conhecimento das contribuições dos ecossistemas para concretização
das atividades econômicas desenvolvidas.
11
Os bens e serviços ecossistêmicos usufruídos pelas entidades
agropecuárias podem ser identificados em função de uma série de
consequências observadas no processo produtivo, dentre as quais se destacam:
o menor consumo de insumos de produção por reciclagem de nutrientes;
menores incidências de pragas e doenças pelo usufruto de serviços de controle
biológico; redução de custos de controle de erosão, de inundações, de secagem
e armazenagem, entre outros, o que possibilita sua quantificação, registro e
evidenciação pelo sistema contábil.
No intuito de destacar as metas propostas por este trabalho, apresentam-
se os seus objetivos. Em âmbito geral, teve como objetivo o desenvolvimento de
diretrizes e procedimentos para implementação da contabilização e
evidenciação das receitas de serviços ecossistêmicos, a fim de subsidiar os
produtores rurais com informação úteis para a gestão de suas atividades
econômicas e dos ecossistemas. Esse objetivo geral se subdivide em três
específicos:
Identificar, mediante modelos conceituais, os serviços ecossistêmicos
providos em de bacia hidrográfica e auferidos por entidades que se dedicam à
agropecuária;
Analisar modelos contábeis conceituais e as ferramentas para valoração
e precificação dos serviços ecossistêmicos e;
Propor, a partir das práticas contábeis adotadas pelas entidades
investigadas e dos resultados de estudos científicos, um modelo contábil a fim
de reconhecer as receitas de serviços ecossistêmicos por parte das entidades
agropecuárias.
Este estudo foi estruturado em quatro seções: introdução geral, que
contextualiza e problematiza a necessidade de contabilização dos serviços
ecossistêmicos por parte das atividades agropecuárias; os objetivos da pesquisa
e a fundamentação teórica compõem a primeira seção. Na seção seguinte (artigo
1), discutiu-se a multiplicidade de percepções sobre serviço ecossistêmico, as
formas de classificação, a qualificação, quantificação e valoração econômica dos
serviços ecossistêmicos.
Além disso, discutiu-se a relação da estrutura contábil para captar,
mensurar, registrar e evidenciar as receitas ecossistêmicas de produção
agropecuária, de provisão de serviços ecossistêmicos, bem como analisou-se as
12
demonstrações contábeis das entidades agropecuárias investigadas. Em
seguida, refletiu-se sobre as práticas contábeis adotadas por parte das entidades
agropecuárias constituídas sob a forma de sociedade anônima na bacia
hidrográfica do rio São Lourenço, no estado de Mato Grosso. Por fim,
apresentou-se a proposição de um modelo contábil com objetivo de internalizar
as receitas ecossistêmicas.
A terceira seção (artigo 2) descreve uma proposta de modelo contábil de
reconhecimento dos serviços ecossistêmicos. Analisou-se as demonstrações
contábeis das entidades agropecuárias e a partir dos dados divulgados nas
demonstrações contábeis de forma reversa identificou-se os serviços providos
pelos ecossistemas e auferidas pelas entidades investigadas. Por último, ilustra
a aplicação desse modelo contábil na bacia hidrográfica do rio São Lourenço. A
conclusão geral da pesquisa é apresentada na quarta seção.
13
4. Revisão de Literatura
Esta parte do trabalho é dedicada a identificar conceitos, classificação e
métricas de valoração dos serviços ecossistêmicos. Assim, procurou-se dialogar
com as teorias contábeis relacionadas ao reconhecimento dos serviços
ecossistêmicos com ênfase na atividade agropecuária. Além disso, buscou-se
demonstrar a necessidade da evidenciação pelo sistema contábil das receitas
de produção e provisão de serviços ecossistêmicos por parte da atividade
agropecuária.
Alguns estudos sobre biodiversidade e os serviços ecossistêmicos que
contribuíram para construção deste referencial teórico, devido a sua abrangência
espacial e temporal, merecem destaque, tais como: MILLENNIUM ECOSYSTEM
ASSESSMENT - MEA (2003); THE ECONOMICS OF ECOSYSTEMS AND
BIODIVERSITY - TEEB (2010). Estudos realizados por MAY et al. (1999); por
CAMPHORA e MAY (2006); e por ROMA et al. (2013).
Os referidos estudos demonstram a importância do entendimento sobre
valor econômico da biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos, o que visa a
levá-los em consideração nos processos de tomada de decisão. Apresentam os
resultados de revisões bibliográficas e estudos de caso que valoraram ou
evidenciaram a importância dos serviços ecossistêmicos e da biodiversidade,
além dos métodos utilizados nos exercícios de valoração.
4.1 Conceitos de Serviços Ecossistêmicos
Os serviços ecossistêmicos, inicialmente, foram definidos por EHRLICH e
MOONEY (1983). Em seguida, DAILY (1997) conceituou-os como as condições
e processos através dos quais os ecossistemas sustentam e satisfazem a vida
humana. COSTANZA et al. (1997) definiram como os benefícios que as
populações humanas obtêm direta e indiretamente das funções ecossistêmicas.
No início deste milênio um estudo denominado MILLENNIUM ECOSYSTEM
ASSESSMENT - MEA (2003), conceituou os serviços ecossistêmicos como os
benefícios que provêm dos ecossistemas aos seres humanos e contribui para
tornar a vida possível e também digna. Mais recentemente, outro estudo
denominado TEEB (2010), definiu os serviços dos ecossistemas como as
contribuições diretas e indiretas dos ecossistemas para o bem-estar humano.
Isso, basicamente, segue a mesma definição MEA, exceto por reconhecer que
14
os serviços possam beneficiar as pessoas por meio de múltiplas formas, ou seja,
direta e indireta.
Embora ainda não encontre na literatura uma definição única para os
serviços ecossistêmicos, ao longo das décadas foram obtidos avanços
significativos em conhecimentos que permitem identificá-los, classificá-los e,
inclusive, valorá-los. A classificação dos serviços ecossistêmicos contribui para
a compreensão de suas definições. NAHLIK et al. (2012) apresenta um resumo
das definições de serviços ecossistêmicos em ordem cronológica mais
difundidas na literatura, como pode ser observado no (quadro 1).
Quadro 1. Definições de serviços ecossistêmicos encontrados na literatura
Definições de serviços ecossistêmicos Fonte
Benefícios para população humana decorrentes, direta
ou indiretamente, das funções ecossistêmicas.
COSTANZA et al.
(1997)
A capacidade dos processos naturais e seus
componentes de fornecer produtos e serviços que
satisfaçam as necessidades humanas, direta ou
indiretamente.
GROOT et al.
(2002)
Os componentes da natureza diretamente aproveitados,
consumidos ou utilizados em função do bem-estar
humano.
BOYD e
BANZHAF(2007)
Benefícios que os homens reconhecem como obtidos a
partir dos ecossistemas, que suportam, direta ou
indiretamente, sua sobrevivência e qualidade de vida.
HARRINGTON et
al. (2010)
Fonte: Adaptado de NAHLIK et al. (2012).
Nenhuma das definições dos serviços ecossistêmicos apresentadas no
quadro 1 é utilizada como padrão. Essa diversidade de definições dos serviços
ecossistêmicos está relacionada aos diversos estudos que englobam esse tema
de pesquisa, tais como: estudos de avaliação de impactos ambiental, de gestão
da paisagem, de pagamento por serviços ambientais entre outros. A definição
adotada depende da abordagem dos serviços ecossistêmicos, porém, essas
definições têm, em comum, o objetivo de tornar mais compreensíveis as
contribuições providas pelos ecossistemas e usufruídas pelos seres humanos.
15
De forma similar à pluralidade de definições, são encontrados diversos
modos de classificação dos serviços ecossistêmicos na literatura. As
classificações propostas por COSTANZA et al. (1997), FERNANDEZ (1997),
GROOT et al. (2002) foram elaboradas com base nas funções ecossistêmicas.
Segundo COSTANZA et al. (1997), as funções são classificadas de modo geral
em: funções de regulação, de produção, de suporte e de informação.
FERNANDEZ (1997, p. 32) classifica as funções ecossistêmicas da seguinte
forma:
“Produção: natural (biomassa, mineral, água, luz, calor ...) e
agraria (produtos agrícolas, florestais, pecuários ...);
Acolhidas de: atividades agrárias, atividades urbanas,
atividades minerais, atividades recreativas, atividades de
educação, cultura, ciências e investigação. Monumentos e
demais patrimônio artístico, infraestruturas de comunicação,
transporte energético, transporte água;
Recepção: natural (restos de biomassa, água, calor, cinzas
vulcânicas...) e antropogênica (emissões da atmosfera,
vertidos aquáticos e ao solo, resíduos…);
Regulação: atmosférica (térmica, acústica, ionizante...),
hidrosférica (evaporação, absorção...), edafológica (gênesis,
morfológica, erosão, sedimentação...), biótica (biosanitária,
praguicida...) e descontaminante (purificação, filtração,
absorção...)”
A classificação proposta por FERNANDEZ (1997) distingue a função de
produção natural e produção agrária e a função de recepção natural e recepção
antropocêntrica. GROOT et al. (2002) entendem que as funções ecossistêmicas
podem ser agrupadas também em quatro categorias, quais sejam: funções de
produção, funções de regulação, funções de informação e funções de habitat.
Para COSTANZA (2008), as classificações não devem apontar para um
único modelo, mas sim para um pluralismo de tipologias úteis a propósitos
variados. Embora haja divergência quanto à classificação das funções
ecossistêmicas, existe consenso de que elas se traduzem em benefícios para a
16
manutenção da diversidade biológica, para a preservação dos processos
evolucionários e para o bem-estar humano. De igual forma, há divergências
quanto à classificação dos serviços ecossistêmicos. Os estudos divergem
quanto a forma de categorizar as contribuições ecossistêmicas denominando
genericamente de serviços ecossistêmicos conforme demonstrado a seguir.
MEA (2003) divide os serviços em quatro grupos: (i) Provisão: os bens e
produtos extraídos dos ecossistemas tais como os alimentos, a água doce, a
madeira, produtos químicos, etc.; (ii) Regulação: os que controlam os processos
naturais e mantêm o planeta habitável, tais como o clima, a doença, a erosão,
os caudais da água, a polinização bem como a proteção contra riscos naturais;
(iii) Serviços culturais: os benefícios intangíveis que contribuem para o bem-estar
dos seres humanos, como a recreação, os valores espirituais e a satisfação
estética; (iv) Suporte: os processos naturais, tais como os ciclos da energia, de
nutrientes e a produção primária que mantém os outros serviços.
A classificação dos serviços ecossistêmicos adotada pela MEA (2003),
apesar de ser amplamente empregada em uma série de estudos, principalmente
por serem os serviços classificados em categorias compreensíveis, permite
difundir conhecimentos sobre os bens e serviços providos pelos ecossistemas.
Ainda assim, para fins de contabilização, essa classificação não é a mais
apropriada.
Devido à emergente necessidade de internalização dos serviços
ecossistêmicos nos sistemas contábeis, HAINES YOUNG e POTSCHIN (2013)
propõem uma classificação denominada Common International Classification of
Ecosystem Services - (CICES). Tal proposta classifica os serviços
ecossistêmicos em três categorias: serviços de provisionamento; regulação e
manutenção; e serviços culturais.
A classificação CICES é, atualmente, usada no sistema de contabilidade
econômico ambiental da Organização das Nações Unidas. Esta classificação
apresenta cinco níveis de detalhamento (seção, divisão, grupo, classe e tipo de
classe). As seções, que correspondem às categorias descritas, compreendem
três grupos distintos: serviços de provisão; serviços de regulação e manutenção;
e serviços culturais. Essa classificação é um refinamento da descrita pela MEA
(2005) e TEEB (2010). A proposta de classificação CICES considera que os
17
serviços de suporte MEA (2005) e os serviços de habitats TEEB (2010) são uma
subclasse dos serviços de regulação e manutenção.
A diversidade de classificações e definições dos serviços ecossistêmicos,
embora sejam mais complementares que excludentes, está relacionada aos
diversos propósitos e contexto dos estudos realizados. COSTANZA (2008)
afirma que a complexidade natural dos ecossistemas não comportaria tal
singularidade. Na mesma linha de raciocínio, FISHER et al. (2009) afirmam que
a definição e classificação escolhidas devem estar relacionadas ao contexto.
Para FISHER et al. (2009), as distintas definições e classificações reflete
o processo científico para tornar operativo um marco conceitual a ser aplicado
em distintos contextos de tomada de decisões e com distintos propósitos. Alguns
autores, como BOVD e BANZHAF (2007) e WALLACE (2007), advertem sobre
a ambiguidade dessas classificações, que se resultam pouco operativas para o
desenvolvimento do exercício da contabilidade. Entende-se que classificação
dos serviços ecossistêmicos, para a sua internalização pela contabilidade,
dentre outros fatores, deve-se segregar os serviços ecossistêmicos em:
produção de bens e provisão de serviços. Essa segregação se fundamenta no
conceito de serviços, apresentado de LYRA (2003, p. 21):
“Serviço é um conjunto de ações e interações que, sem
necessariamente assumir a forma de um bem tangível, deve
satisfazer as necessidades do cliente. O cliente é visto como
o elemento principal desta relação, pois são as suas
necessidades que devem ser satisfeitas”.
De igual forma, SILVA et al. (2007, p. 3) afirmam que:
“Serviço pode ser entendido como sendo qualquer ação ou
desempenho que uma parte possa oferecer a outra e que
seja, essencialmente intangível e não resulte na posse de
algo. Sua prestação pode ou não estar vinculada a um
produto físico”.
Os serviços ecossistêmicos são entendidos como benefícios, segundo
18
MEA (2005), ou como contribuições, conforme TEEB (2010), proporcionados
pelos ecossistemas que satisfaçam direta e indiretamente as necessidades
humanas como, por exemplo, os alimentos, o ar que respiramos, o equilíbrio
climático, o controle de doenças, entre outros. Da mesma forma, uma série de
serviços ecossistêmicos também contribui com desempenho da atividade
agropecuária, por favorecer a produtividade biológica das plantas e dos animais
transformados em cultivos agrícolas e/ou criações.
Neste trabalho de tese, propõe-se classificar os serviços ecossistêmicos,
para fins do seu reconhecimento contábil, em produção bens e provisão de
serviços. Tal classificação considera que os bens produzidos pelos
ecossistemas (produção natural, produção agropecuária, produção aquícola)
podem ser armazenados e, consequentemente, podem ser usufruídos em locais
diferentes daquele onde ocorreu a sua produção. Por sua vez, os serviços
ecossistêmicos (serviços de regulação, serviços de suporte, serviços culturais)
não podem ser nem armazenados e nem estocados, uma vez que são
consumidos no momento da provisão e/ou desperdiçados. Além disso, mostram-
se imprescindíveis para existência produção bens ecossistêmicos. Nesse
sentido, apresenta-se a seguinte classificação:
Receita de produção ecossistêmica: produção natural, (frutos silvestres,
biomassa); produção agropecuária total, (produtos agropecuários, restos
culturais, dejetos), etc.
Receita de serviço ecossistêmico: serviços de suporte (capacidade de
acolhida); serviços de regulação; serviços de informação e amenidade.
A proposta de classificação objetiva somente contribuir para valoração e
contabilização das receitas ecossistêmicas por entidades agropecuárias que
usufruem dos serviços ecossistêmicos para atingir seus objetivos.
4.2 Contextualização das Atividades Agropecuárias
A atividade agropecuária apresenta como principal característica a
vulnerabilidade a eventos de diversas naturezas, tais como fenômenos
econômicos, naturais e financeiros. Os fenômenos naturais são abióticos e
bióticos e condicionam o crescimento e o rendimento, de modo a determinar
quais são as variedades biológicas e seus manejos que permitem alcançar
maiores produtividades dos bens e serviços providos pelos ecossistemas. É
19
necessário o conhecimento do ambiente e da oferta de serviços ecossistêmicos
mediante os quais nutrem, desenvolvem e reproduzem plantas e animais. Tal
conhecimento torna-se imprescindível para alcançar um nível adequado de
gestão do resultado da atividade agropecuária.
Nesse sentido, reconhece-se que o resultado da atividade agropecuária
está vinculado à integridade dos ecossistemas e na provisão adequada dos
serviços de regulação e de suporte, como controle biológico, polinização,
ciclagem de nutrientes e formação do solo. Segundo NICODEMO et al. (2008, p.
8):
“As ações do homem, que é parte dos ecossistemas, podem
contribuir para manter a integridade desses ecossistemas ou
podem ocasionar desequilíbrios irremediáveis. A
conservação da biodiversidade é necessária para a
manutenção dos serviços ambientais, exigidos para a
produção de alimentos, para a produção de bens de uso
humano e animal e para a conservação da qualidade e das
condições de vida.”
Em uma perspectiva da absorção de serviços pelas atividades
agropecuárias, identificam-se os esforços humanos e os esforços da natureza.
No primeiro caso, os esforços humanos correspondem aos sacrifícios
desempenhados pelos seres humanos, consumidos na produção. No segundo
caso, os esforços da natureza compreendem os benefícios proporcionados pelos
ecossistemas e desfrutados pelas entidades agropecuárias para
desenvolvimento de plantas e animais.
Segundo MEA (2005, p. 17), “o bem-estar humano está intrinsecamente
relacionado com a disponibilidade, em quantidade e qualidade, dos serviços
ecossistêmicos, os quais, na ordem de 60%, encontram-se degradados”. Afirma,
ainda, que a destruição dos ecossistemas e o uso insustentável dos serviços
providos acarretam não apenas problemas ambientais graves, mas a
intensificação das desigualdades sociais e da pobreza em todo o mundo, o que
afeta, em particular, as populações tradicionais.
O acesso a esses bens e serviços ecossistêmicos pelas atividades
20
agropecuárias necessitam de uma conscientização sobre as limitações de uso
dos recursos naturais. MAY (1995) considera que, ao contrário de se praticar a
exploração de recursos naturais até seu esgotamento físico ou econômico, deve
haver investimentos dos rendimentos derivados da extração desses recursos em
capital natural, de modo que a mudança líquida seja maior ou igual a zero.
Dado o exposto, por MAY (1995), acrescenta-se que a contabilidade
permite controlar a evolução do patrimônio de uma entidade. Por meio dela é
possível valorar e registrar as receitas ecossistêmicas auferidas em certo
período, de modo a produzir informações que podem ser usadas para fornecer
aos seus usuários (internos e externos) informações úteis e relevantes para
análise da situação econômica e patrimonial da entidade e das condições dos
ecossistemas que suportam as respectivas atividades. O reconhecimento
contábil dos serviços ecossistêmicos pode ainda auxiliar na conscientização da
existência de dependência entre as atividades agropecuárias e a provisão de
serviços ecossistêmicos, o que contribui para a preservação dos ecossistemas.
4.3 Contabilidade e os Serviços Ecossistêmicos na Agropecuária
A contabilidade, segundo IUDÍCIBUS et al. (2005), possui a capacidade
de capturar, primeiro, a ocorrência dos eventos econômicos que impactam um
determinado estado de riqueza, depois a de precificá-lo e, por último, de
comunicar seus efeitos. Entende-se que a contabilidade deve registrar os
fenômenos que afetam as situações patrimoniais, inclusive os serviços
ecossistêmicos que são usufruídos para a concretização dos objetivos das
entidades.
Quando aplicada a uma atividade econômica específica, a contabilidade
classifica-se conforme o campo de atuação ou atividade desempenhada e, na
agropecuária, a contabilidade é definida por MARION (2012, p. 33) como:
“A contabilidade de ativos biológicos abrange tudo aquilo
que nasce, cresce e morre, desde as culturas temporárias
e permanentes até os animais, rebanhos de reprodução e
corte. [...] Dessa forma, Ativos Biológicos estão em
constantes mudanças, merecendo contínuas avaliações.
Essas avaliações, normalmente positivas, além de
21
aumentar o ativo, produzem ganho econômico para a
entidade, devendo ser reconhecido como receita na
demonstração de resultado enquanto o produto não for
vendido”.
Para o autor, as transformações nos ativos biológicos das entidades
relacionadas com as características biológica do processo produtivo devem ser
reconhecidas como receitas. Contudo, acresce que as transformações nos
ativos biológicos são dependentes da provisão de serviços ecossistêmicos. Na
contabilidade, a relação entre os ecossistemas e os seres humanos é
reconhecida pelo IASB (2003, p. 5) através da norma internacional de
contabilidade 41, quando conceitua a atividade agrícola como a “gestão por uma
entidade da transformação biológica e colheita de ativos biológicos para venda
ou para conversão em produtos agrícolas ou em ativos biológicos adicionais”.
BRESCIANI (2003, p.43), afirma que a produção agropecuária “consiste
em produzir bens econômicos a partir da combinação do esforço do homem e
da natureza, para favorecer a atividade biológica de plantas e animais incluindo
sua produção, desenvolvimento e/ou crescimento”. Os esforços humanos e dos
ecossistêmicos devem ser considerados como custo absorvido pelas entidades
agropecuárias para a concretização da produção, o que torna imprescindível sua
valoração e contabilização.
As técnicas de valoração econômica disponíveis, embora possuam muitas
limitações, têm o potencial de valorar os benefícios econômicos provenientes do
usufruto dos bens e serviços dos ecossistemas para o desempenho das
atividades econômicas e para a manutenção do patrimônio da entidade.
O patrimônio em contabilidade é o conjunto de elementos materiais e
imateriais de uma entidade contábil que permite, por meio do usufruto, se
alcançar a finalidade para o qual foi constituído. Os elementos heterogêneos que
formam o patrimônio e as operações da entidade agropecuária devem ser
homogeneizados pelo denominador comum, normalmente o denominador
monetário. A expressão monetária do patrimônio deve atender a critérios
acomodáveis à legislação e ao avanço técnico científico não exclusivo da
contabilidade.
Apesar de essas técnicas de valoração dos bens e serviços
22
ecossistêmicos estarem se popularizando, seu uso ainda é pouco frequente por
parte do sistema contábil. Neste sentido, o IASB (2003) por meio da norma
internacional de contabilidade 41 apresenta como aspectos substanciais o
reconhecimento do resultado por produção, definido como o incremento de valor
por mudanças quantitativas e qualitativas (volume físico e/ou qualidade) nos
bens com crescimento vegetativo, em consequência de seus processos
biológicos. Ademais, prescreve uma hierarquia de valoração destinada mensurar
os ativos biológicos e os bens produzidos na agropecuária.
Segundo o IASB (2003), a receita de produção consiste na variação
patrimonial não vinculada diretamente aos custos incorridos. A inversão dos
custos desencadeia um acréscimo que, no curso normal das atividades, é
irreversível, não sendo, por tanto, o custo incorrido representativo do valor do
bem. Ao se reconhecer que o custo incorrido não é representativo dos ativos
sujeitos ao crescimento vegetativo, a norma prescreve que ao mensurar os
ativos biológicos é necessário qualificar e quantificar o processo de
desenvolvimento biológico.
No Brasil o COMITÊ DE PRONUNCIAMENTOS CONTÁBEIS (2009, p.
3), através do CPC 29, em convergência com a norma internacional de
contabilidade 41, afirma que o processo de transformação biológica resulta dos
seguintes eventos:
“Procriação: aumento com o nascimento de novos animais
ou plantas; Crescimento: aumento da quantidade ou
melhora da qualidade de um animal planta, como aumento
do peso ou crescimento de uma plantação; e Degeneração:
diminuição na quantidade ou deterioração na qualidade de
um animal ou planta”.
A norma contábil brasileira reconhece o conceito de desenvolvimento
biológico ou produção de novos ativos biológicos da atividade agropecuária
como o motivo principal da geração de ingressos (receitas) do setor. Entretanto,
apenas uma parte dos bens produzidos (produtos agropecuários) é reconhecido
como receita. A biomassa, proveniente principalmente dos restos culturais, e os
dejetos das criações, normalmente, não são reconhecidos como receitas.
23
Semelhantemente, os serviços ecossistêmicos necessários para a
transformação biológica de animais e plantas também não são reconhecidos.
Pelo exposto, conclui-se que a contabilidade, apesar de significativos
avanços, não tem contemplado todas as receitas obtidas nas atividades
agropecuárias. Dessa maneira, a contabilidade precisa desenvolver meios
próprios para reconhecer os impactos, proporcionados pela incidência das
receitas ecossistêmicas na formação do resultado da atividade agropecuária, por
meio de suas funções típicas de registro, controle e divulgação.
4.4 Receitas Ecossistêmicas
O IASB (2003), por meio da NIC 41 determina o tratamento contábil para
as entidades que atuam na agropecuária, prescreve a obrigatoriedade da
avaliação e a divulgação dos ativos biológicos ao valor justo. Valor justo é
conceituado com o valor pelo qual um ativo pode ser negociado, ou um passivo
liquidado, entre partes interessadas, conhecedoras do negócio e independentes
entre si, com a ausência de fatores que pressionem para a liquidação da
transação ou que caracterizem uma transação compulsória.
De acordo com CPC 29 (2009, p. 4), o valor justo para reconhecer uma
receita deve ser utilizado quando forem satisfeitas a seguintes condições:
“A entidade: (a) controla o ativo como resultado de eventos
passados; (b) for provável que benefícios econômicos
futuros associados com o ativo fluirão para a entidade; e (c)
o valor justo ou custo do ativo puder ser mensurado
confiavelmente”.
Ressalta-se que o acréscimo nos ativos proporcionados por sua valoração
a valor justo corresponde a uma receita. Receitas são definidas, pelo CPC 30
(2012, p. 2), como:
“Aumentos nos benefícios econômicos durante o período
contábil sob a forma de entrada de recursos ou aumento de
ativos ou diminuição de passivos, que resultem em aumento
do patrimônio líquido e que não sejam provenientes de
24
aporte dos proprietários da entidade”.
A norma contábil brasileira destinada ao setor agropecuário propõe o
reconhecimento do resultado por produzir como um fato independente do
momento das transações comerciais. Neste sentido, propõe que o usufruto dos
serviços providos pelos ecossistemas corresponda às receitas de serviços
ecossistêmicas propriamente ditas. Já as transformações quantitativas e
qualitativas de seres biológicos, tais como: gestação, nascimento,
desenvolvimento, engorda, germinação, frutificação, produção de biomassa,
entre outras, corresponde às receitas de produção ecossistêmicas.
A receita derivada da utilização dos serviços ecossistêmicos não gera a
obrigação de pagamento, ou compromisso de pagamento, não ocorrendo, dessa
forma, pelo menos nessa visão, os sacrifícios pelos benefícios obtidos. No
entanto, quando tais serviços não são providos pelos ecossistemas, as
entidades devem arcar com os sacrifícios necessários para sua realização. Caso
os serviços ecossistêmicos não sejam providos e não possuam substitutos, a
entidade não terá condições operacionais para cumprir sua missão.
Por esse entendimento, constata-se que, apesar das dificuldades de
valoração monetária dos serviços ecossistêmicos, é necessário o
reconhecimento contábil, especialmente quando o objetivo é determinar o custo
e a receita dos produtos agropecuários, bem como, a correta apuração do
resultado das atividades desenvolvidas.
4.5 Custos de produção das atividades agropecuárias
As entidades devem ter ciência dos seus custos de produção, inclusive, e
principalmente, o custo dos serviços ecossistêmicos, pois essa informação
viabilizará a melhor tomada de decisão em questões que se relacionam com a
biodiversidade e o lucro do negócio. A partir daí, poderão influenciar atitudes que
resultem em benefícios para a geração atual e futura REINOSA (2009, p. 229),
afirma:
“Dentro das áreas mais importantes da contabilidade
ambiental encontra se os custos ambientais, entendidos
como a estimação do custo global que supõe a mitigação
25
dos danos ambientais que se hajam causado a partir de um
produto, atividade o processo. O problema é que a maioria
das empresas não estão preparadas para gerar esse tipo de
informação, posto que os sistemas tradicionais de
contabilidade ocultam os custos ambientais nas contas de
gastos gerais. Na medida que a empresa identifique estes
custos por separado, terão a possibilidade de analisar as
vantagens financeiras de aplicar práticas de conservação
ambiental”.
Os custos ambientais derivam do relacionamento das atividades e das
entidades com o meio ambiente. De acordo CARVALHO et al. (2000, p. 15): “os
custos ambientais correspondem a todos aqueles gastos relacionados direta ou
indiretamente com a proteção do meio ambiente, e que serão ativados em função
de sua vida útil”. Alguns exemplos são citados pelos autores, tais como:
amortização, exaustão e depreciação; aquisição de insumos para controlar,
reduzir ou eliminar poluentes; tratamento de resíduos derivados da produção;
disposição dos resíduos poluentes; recuperação e restauração de áreas
contaminadas; mão-de-obra utilizada nas atividades de controle, preservação e
recuperação do meio ambiente.
Entende-se que os custos ambientais compreendem a soma de todos os
recursos utilizados pela atividade desenvolvida com o propósito de controle,
preservação e recuperação ambiental. Nessa mesma linha de raciocínio,
RIBEIRO et al. (2010) expõem que os custos ambientais são resultantes da
aplicação de recursos no sistema de gerenciamento ambiental tanto no processo
produtivo como em atividades ecológicas.
Neste trabalho de tese, propõe-se incluir como custos ambientais os bens
e serviços ecossistêmicos absorvidos pelas atividades produtivas das entidades
agropecuárias, como por exemplo: o custo do controle biológico, do controle de
erosão, da formação de solo, da reciclagem de nutrientes, além de outros bens
e serviços. Sua internalização pela contabilidade como receitas de serviços
ecossistêmicos permite diagnosticar o desempenho desses ecossistemas.
Os custos das receitas ecossistêmicas são aqueles gastos incorridos na
produção bens ou na provisão serviços ecossistêmicos. Esses custos
26
apresentam diversas classificações; para REINOSA (2009), os custos
ambientais classificam-se em: custos de prevenção, custos de controle e custos
de mitigação de fracassos.
Na visão de KRAEMER (2002), é possível considerar custos ambientais
sob dois aspectos: aspecto do bem comum e aspecto social.
Aspecto do bem comum: trata-se dos recursos naturais utilizados no
processo produtivo que não tem proprietário, por exemplo: a água de um lago
ou rio que é utilizada no processo de irrigação do cultivo agrícola e não
agrega, ao custo final da safra, essa água utilizada, por considerá-la um bem
público;
Aspecto custo social: considera custos decorrentes de externalidades como
o aspecto anterior, mas, nesse caso, paga pelo custo monetário em si e é
prejudicada em decorrência de resíduos expelidos no processo produtivo.
Nesse caso, deve-se arcar também com esse custo, que não será
incorporado por quem o produziu; como por exemplo: a contaminação dos
lençóis freáticos, a contaminação do ar devido ao uso intensivo de
agrotóxicos na agricultura, etc.
SPALLAROSSA (2000), na mesma linha de interpretação, explica que os
custos ambientais são os custos internos e também os custos externos
(externalidades). Para o autor, custos internos são aqueles que derivam das
atividades da empresa em sua interação com o ambiente e é o resultado da
harmonização do processo produtivo com ambiente, o que impacta somente no
resultado contábil da entidade. Já os custos externos surgem do impacto
ambiental (contaminação do solo e água, o desmatamento, a erosão de tipo
eólica e mecânica) e, como consequência, têm ação dos agentes contaminantes
que afetam os indivíduos, a sociedade, e o ambiente externo à entidade.
CARVALHO (2011) sugere que os custos de degradação ambiental,
relacionados com a atividade produtiva, devem ser internalizados pela entidade,
ser classificados e imputados aos bens e serviços produzidos, de forma que, no
valor desses bens e serviços, conste também o valor da natureza degradada ou
o valor de sua preservação.
SANCHES (1997) afirma que uma externalidade surge sempre que a
produção ou consumo de um bem acarreta efeitos paralelos sobre terceiros
(produtores, consumidores, etc.), e que esses efeitos não estão refletidos nos
27
preços de mercado. Nesse sentido, buscando neutralizar as externalidades,
podem-se procurar medidas para valorar os danos causados ao meio ambiente,
e acrescê-los aos produtos, o que representaria a internalização dos custos
ambientais.
Para ARCE (2015), a apuração contábil dos custos ambientais e dos
custos em geral no setor agropecuário, considerando as características do
desenvolvimento vegetativo dos seres vivos que corresponde ao ciclo da
natureza, exige a compatibilização dos ciclos econômicos ao ciclo da natureza.
Em termos genéricos, ARCE (2015) afirma que na atividade agropecuária, o ciclo
da natureza apresenta uma ordem cronológica produtiva comum: preparação,
implante; crescimento e ou desenvolvimento; e frutificação. Em algumas
circunstâncias, pode-se acrescentar armazenamento, conservação,
acondicionamento e comercialização,
Na visão de RIBEIRO (1998), os custos ambientais de preservação e
controle ambiental podem ser identificados e mensurados ao se empregar o
sistema de custeio por atividades. Por suas características, o sistema de custeio
por atividades, segundo a autora, presta-se melhor para identificar e mensurar
os custos ambientais, dado que o seu objeto são as atividades relevantes,
desenvolvidas com fins específicos.
4.6 Abordagem Contábil da Valoração dos Serviços Ecossistêmicos
Para D'ÁURIA (1959, p.397), genericamente, "valor é a medida mental da
utilidade ou eficiência das coisas (...)" e continua "(...) e são fatores positivos ou
negativos do valor dos componentes: o uso, o tempo, a moeda, as leis
econômicas e as condições da sociedade."
Em contabilidade, não é suficiente apenas a valoração qualitativa do
patrimônio, pois, é igualmente necessária a valoração quantitativa. O patrimônio
de uma entidade agropecuária compõe-se de uma heterogeneidade de
elementos na data de confecção das demonstrações contábeis que podem
apresentar diversos níveis de desenvolvimentos, desde matérias primas, cultivos
e animais em desenvolvimento até produtos agropecuários acabados. Para a
necessária homogeneização do conjunto de elementos que compõem o
patrimônio a contabilidade adota o valor monetário como instrumento que
conduz a homogeneidade.
28
De acordo com COSTANZA et al. (1997), o objetivo da valoração
monetária do meio ambiente e trazer a uma mesma base os serviços
ecossistêmicos, de modo a capacitar os indivíduos a tomarem decisões
economicamente comparáveis.
CHAVES et al. (2005) classificam os critérios de mensuração dos
elementos componentes do patrimônio da seguinte forma:
Valores de entrada: custos históricos, custos históricos corrigidos, custos
correntes e custos correntes corrigidos.
Valores de saída: preços correntes de saída ou valor realizável líquido, valor
de liquidação, equivalentes correntes de caixa e valores descontados de
entradas de caixa futuro.
Conforme CHAVES et al. (2005), os métodos de mensuração de valores
de entrada adotam valores históricos do passado. Por outro lado, os métodos de
mensuração de valores de saída adotam valores praticados no tempo presente.
Em virtude das diversas alternativas disponíveis para avaliar os
componentes patrimoniais das entidades agropecuárias, JUNG (2006, p. 36)
apresenta definição de avaliação contábil de ativos ecológicos e conclui que:
“Avaliar significa determinar o valor de forma objetiva ou,
ainda proceder a uma estimativa baseada em dados e
critérios objetivo que possa dar a ideia do valor mais
aproximado possível para determinado bem, direito ou
obrigação que se pretende quantificar. Portanto para que
qualquer ativo possa ser registrado nas operações das
organizações é requisito básico que possa ser avaliado com
base em algum critério técnico.”
Ainda segundo o autor, a forma de avaliação de ativos ecológicos utiliza-
se dos seguintes critérios: valor original ou histórico, valor original corrigido pelo
poder aquisitivo da moeda, valor de mercado, equivalência patrimonial, fluxo de
caixa descontado a valor presente e valor econômico total.
Nesse sentido, FERNANDEZ (1997, p. 39) afirma que, para o estudo e o
manejo dos ecossistemas, “em primeiro lugar deve-se ter em conta o seu valor
e em segundo, para preserva-lo de maneira indefinida, o comportamento ante
29
as diferentes formas possíveis de utilização pelo homem”.
Já na concepção de FERNANDES (1997), as formas de valoração dos
ecossistemas se classificam em quatro aspectos principais: valor ecológico,
valor produtivo, valor paisagístico e valor cultural. Os critérios técnicos de valorar
os ativos ecológicos, dentre estes os bens e serviços ecossistêmicos usufruídos
por uma entidade, podem variar em função de aspectos científicos, tributários e
legais vigentes.
A definição do método de avaliação deve levar em conta as características
dos elementos patrimoniais. Para as receitas de produção (cereais, fibra,
madeira, etc.), medir os valores econômicos é relativamente direto, uma vez que
esses bens são amplamente comercializados no mercado.
Deve-se utilizar estimativa, em alguns casos específicos, como por
exemplo quando o processo de produção biológica não atingiu o seu
desenvolvimento vegetativo e ainda não é possível identificar preços de mercado
para a produção em desenvolvimento. O preço de mercado dos produtos
agropecuários fornece uma base tangível para a valoração econômica, muito
embora possa estar significativamente distorcida, devido às externalidades ou
intervenções do governo e, por isso, talvez, requeira alguns ajustes.
4.7 Abordagem Econômica de Valoração dos Serviços Ecossistêmicos
O valor de um serviço ecossistêmico está relacionado com o seu uso
efetivo ou potencial, enquanto o ecossistema, além de possuir o seu valor
relacionado com o seu uso, apresenta um valor de existência. No mesmo
sentido, FERNANDEZ (1997) aponta que os ecossistemas produzem bens e
serviços, em maior ou menor medida, na forma de recursos acessíveis ou de
recursos potenciais, em que a produtividade de um ecossistema possui um valor
por si mesma.
A avaliação econômica dos serviços ecossistêmicos, segundo
COSTANZA et al. (1997), constitui em instrumento que permite aos gestores
considerar a importância dos ecossistemas e dos bens e serviços que provém o
bem-estar das sociedades. Apenas uma pequena parte dos serviços é
atualmente valorada em termos monetários embora as habilidades para avaliar
os serviços ecossistêmicos sejam limitadas, quer pela falta de informação
relacionada as interações existentes em vários níveis nos ecossistemas ou por
30
esses serviços não serem comercializáveis.
Para alguns serviços como o de regulação e o de suporte, que
normalmente geram benefícios monetários pelo seu usufruto por parte das
entidades, por não serem comercializáveis, a sua valoração econômica torna-se
ainda mais complexa. Entretanto, um conjunto de técnicas vêm sendo
desenvolvidas para estimar o valor dos bens e serviços ecossistêmicos que não
possuem valores observáveis no mercado.
Na produção agropecuária são usufruídos serviços de regulação e
suportes que passam despercebidos pelos sistemas contábeis. A valoração
desses serviços ecossistêmicos pode permitir a sua contabilização de modo a
incluí-los na tomada de decisão. Segundo PEARCE e MORAN (1994) e MOTTA
(2011), o valor monetário dos serviços ecossistêmicos (VSE) pode ser expresso
pelo montante dos seus valores de uso e de opção, conforme a seguinte
equação:
VSE = (VUD + VUI + VO) + VE
onde: VSE - valor dos serviços ecossistêmicos; VUD - valor de uso direto; VUI -
valor de uso indireto; VO - valor de opção; VE - valor de existência.
Assim, o valor dos serviços ecossistêmicos consiste no seu valor de uso,
acrescido do valor de não uso. Para determinar o valor dos serviços
ecossistêmicos auferidos na atividade agropecuária utilizando a expressão
matemática vista acima, é possível entender que:
Valor dos serviços ecossistêmicos (VSE) corresponde ao valor monetário
dos benefícios diretos e indiretos providos pelos ecossistemas;
Valor de uso direto (VUD): é representado pelo valor que produtores rurais
atribuem a um serviço ecossistêmico utilizado de forma direta, como por
exemplo, a tração animal, o nascimento e/ou crescimento biológico de plantas e
animais;
Valor de uso indireto (VUI) – compreende o valor que os produtores rurais
atribuem a um serviço ecossistêmico absorvido de forma indireta, como por
exemplo, o controle biológico de pragas e doenças que contribuem para
desenvolvimento das explorações agropecuárias;
Valor de opção (VO) – valor que mede o benefício que o produtor pode
obter no futuro em usos diretos e indiretos de recursos, cuja preservação pode
ser ameaçada em futuro próximo. Por exemplo, o benefício obtido por meio de
31
fármacos desenvolvidos com base em propriedades medicinais, que ainda não
foram descobertas de plantas de florestas tropicais;
Valor de existência (VE) – deriva de uma posição adotada por produtores
em relação aos direitos de existência de outras espécies que não a humana.
O valor de opção e o valor de existência, não são apropriados na
valoração de serviços ecossistêmicos, pois tais serviços apresentam a
característica de simultaneidade. MEIRELLES (2006, p 133) define a natureza
da intangibilidade e simultaneidade dos serviços da seguinte forma:
“(...) a natureza intangível dos serviços está associada à sua
natureza de processo e não ao produto resultante, sendo
processo é a priori intangível. Por ser um processo de
trabalho, a prestação de serviço tende a acontecer pari
passu ao consumo, ou seja, a produção é simultânea ao
consumo. A produção só acontece a partir do momento em
que o serviço é demandado e se encerra assim que a
demanda é atendida. Esta simultaneidade entre o ato de
produzir e consumir torna, por sua vez, o serviço inestocável,
pois o seu fornecimento se dá de forma contínua no tempo
e no espaço e ele se extingue tão logo se encerra o processo
de trabalho”.
Enfatiza-se que os serviços ecossistêmicos são caracterizados pela
simultaneidade entre a provisão e consumo, o que impossibilita constituir
reservas e/ou estoques de serviços ecossistêmicos. Não usufruir desses
serviços ecossistêmicos, providos atualmente, torna impossível auferir desses
mesmos serviços no futuro, embora seja possível que, futuramente, o
ecossistema mantenha a sua capacidade de provê-los, o que permite a sua
utilização.
É inegável a necessidade de se valorar os bens e serviços ecossistêmicos
devido à sua importância quando gerados pelos ecossistemas para o
desenvolvimento econômico e bem-estar humano e para o suporte da vida no
planeta. Os métodos de valoração ambiental dimensionam os valores dos
serviços ecossistêmicos, internalizando-os à economia. A utilização desse
32
método permite a evidenciação do valor dos serviços ecossistêmicos pelo
sistema de informação contábil, de modo a prover um instrumento de gestão
ambiental útil para as tomadas de decisão.
Os métodos de valoração dos serviços ecossistêmicos fundamentam-se
na teoria econômica, que atribui valor quantitativo e monetário aos serviços
providos pelo ecossistema, independentemente de possuir ou não preços
observáveis no mercado. Consiste fundamentalmente na estimação da
disposição a pagar ou da disposição para aceitá-los. Segundo MOTTA (2011, p.
183):
“Os métodos de valoração ambiental são classifica em:
métodos da função de produção e métodos da função de
demanda. Ainda segundo este autor o método da função de
produção são: métodos da produtividade marginal e de
mercados de bens substitutos (reposição, gastos defensivos
ou custos evitados e custos de controle). Métodos da função
de demanda: métodos de mercado de bens complementares
(preços hedônicos e do custo de viagem) e método da
valoração contingente.”
São vários os métodos de valoração ambiental, cada um com suas
especificidades. Considerando os objetivos deste estudo, enfatiza-se o método
do custo de oportunidade. Segundo MOTTA (2011), o método de custo
oportunidade estima o custo de preservar um ecossistema pela não realização
de uma atividade. Portanto, o método do custo de oportunidade não valora
diretamente o recurso em questão. Em outras palavras, o método avalia o custo
de oportunidade da renda sacrificada em virtude do não aproveitamento dos
ecossistemas em outras atividades econômicas.
4.8 Aspectos Conceituais de Modelos Contábeis
Os propósitos dos modelos contábeis podem variar entre o
desenvolvimento de simples modelos conceituais, os quais fornecem um
entendimento geral do comportamento do sistema modelado, a modelos de
aplicações realistas. O presente estudo também propõe desenvolver um modelo
33
de aplicação realista, cujo objetivo é a representação das interações entre os
ecossistemas (serviços ecossistêmicos) e a atividade humana (agropecuária).
Modelo é conceituado por CHAVES et al. (1997, p. 107) como:
“Modelo é o esquema teórico, geralmente em forma
matemática, de um sistema o de uma realidade complexa
(por exemplo, a evolução econômica de uma região), que se
elabora para facilitar sua compreensão e o estudo de seu
comportamento”.
Nesse sentido, o modelo contábil é um instrumento de representação da
realidade, a fim de explicar a situação patrimonial, financeira e econômica da
entidade, assim como a sua evolução ao longo do tempo por meio de
demonstrativos. Portanto, os critérios utilizados para elaboração desses
demonstrativos constituem o modelo contábil. CHAVES et al. (1997, p. 108)
afirmam:
“Não existe, por hora, um único conjunto de critérios
irrefutáveis e unanimemente aceitos para elaborar os
demonstrativos contábeis. Pelo contrário, se sustenta
distintas posturas, tanto com respeito a temas essenciais
como em relação com questões especificas”.
Os critérios que intervêm na determinação dos diferentes modelos
contábeis, segundo CHAVES et al. (2005, p.43), são: “unidade de medida, o
capital a manter, o critério de avaliação aplicado ao patrimônio, o valor limite dos
ativos”. Além dos critérios acima mencionados, também existem posturas
contrapostas, que podem derivar em diferentes modelos contábeis, tais como o
sistema de custos adotado, o método de custeio, o critério de avaliação e mais
especificamente o tema de estudo desta tese o reconhecimento contábil das
receitas de serviços ecossistêmicos.
Dessa maneira, pode-se concluir que o modelo de evidenciação do valor
contábil das receitas de serviços ecossistêmicas refere-se aos procedimentos
específicos de atribuir valores, registrar em contas especificas e comunicar
através das demonstrações contábeis as contribuições providas pelos
34
ecossistemas, com o objetivo de prover informação aos tomadores de decisões.
Para CHAVES et al. (2005), em contabilidade, assim como em outras disciplinas,
os modelos cumprem uma finalidade muito importante: contribuir para o
aprofundamento da teoria, com o intuito de a obter uma descrição e uma
explicação da realidade.
35
5. Referências Bibliográficas
A ECONOMIA DOS ECOSSISTEMAS E DA BIODIVERSIDADE - TEEB.
Relatório para o setor de negócios - sumário executivo. Brasília:
Confederação Nacional da Indústria, 2010. 28p.
ARCE, H. S. Presupuestos, Costos y Decisiones de Empresas
Agropecuarias. Buenos Aires: Ediciones Macchi, 2015. 324p.
BRESCIANI, A. Contabilidad Agropecuaria. Enfoques Contabilidad y
Administración. Buenos Aires, n 11, p. 43-51, 2003.
BOYD, J.; BANZHAF, S. What are ecosystem services? The need for
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41
6. Artigos
Artigo I
Internalização contábil dos serviços ecossistêmicos na agropecuária
Aguinaldo Rocha Gomes
Resumo
Diversos bens e serviços são espontaneamente disponibilizados pelo
ecossistema para o desenvolvimento das atividades humanas e, mais
especificamente, as atividades agropecuárias, apesar dessa fonte de recursos
ainda não ser incluída na apuração do resultado das entidades que exercem
essa atividade. Devido a isso, é imprescindível o controle e contabilização dos
bens e serviços providos pelo ecossistema com o objetivo de ampliar a
efetividade na utilização das demonstrações contábeis no processo de tomada
de decisões. A internalização, por parte da contabilidade, do serviço
ecossistêmico subsidia os produtores rurais com informações do montante
desses bens e serviços, de modo a contribuir com os processos de gestão. O
presente artigo objetivou propor um modelo contábil de evidenciação das
receitas ecossistêmicas referentes aos benefícios provenientes dos
ecossistemas destinados, a subsidiar as entidades agropecuárias com
informações úteis para as tomadas de decisão. O estudo de contabilização de
serviços ecossistêmicos na atividade agropecuária foi desenvolvido na bacia
hidrográfica do rio São Lourenço, estado de Mato Grosso, em entidades
agropecuárias constituídas como Sociedades Anônimas, que publicaram suas
demonstrações contábeis no ano de 2015. As análises das demonstrações das
entidades investigadas permitiram identificar as práticas contábeis adotadas
para os registros dos ativos biológicos e a possibilidade da internalização dos
bens e serviços por parte dos sistemas contábeis. Os resultados encontrados
demonstraram a exequibilidade da internalização contábil dos serviços
ecossistêmicos. Demonstrou-se, também, a forma de internalização da receita
ecossistêmica, que visa não somente constatar o usufruto dos serviços
ecossistêmicos, mas também, e principalmente, gerar informações capazes de
subsidiar o produtor rural para uma adequada gestão dos ecossistemas.
Palavras-chave: Receita ecossistêmica, Bacia do São Lourenço, Contabilidade
ambiental.
42
Accounting internalization of ecosystem services in agricultural
Abstract
There are various spontaneously available goods and services provided by the
ecosystem for the development of human activities, and more specifically the
agricultural activities, although this source of resources is not yet included in the
calculation of the results by the entities that execute this activity. Therefore, it is
essential to control and account for the goods and services provided by the
ecosystem in order to improve the effectiveness of the financial statements in the
decision making process. The internalization of the accounting of the ecosystem
service subsidizes the rural producers with information about the amount of
goods and services being absorbed by the agricultural activities hence
contributing to the management processes. The present article's aim is to
propose an accounting model that puts in evidence the ecosystem revenues
related to the benefits derived from the functional and structural aspects of the
ecosystems destined to subsidize the agricultural entities with useful informations
for the decision making process. The study of accounting of the ecosystem
services in the agricultural and livestock sector fits in line with the research line:
Society, Environment and Sustainable Regional Development and it was
developed in the São Lourenço river basin in the State of Mato Grosso, including
agricultural entities constituted as public limited company based on their financial
statements in the year 2015. The analysis of the publications of the enquired
entities permitted to identify the accounting practices adopted for the registration
of biological assets and the possibility of internalization of goods and services by
the accounting systems. The results demonstrate the feasibility of accounting
internalization of the ecosystems services as well as the form of internalization of
the ecosystem revenue that aims not only to verify the usufruct of ecosystem
services, but also and mainly, to generate information capable of subsidizing the
rural producer for an adequate environmental management.
Keywords: Ecosystem revenue, São Lourenço basin, Evironmental accounting.
Introdução
A agropecuária é uma das principais atividades econômicas do Brasil,
pois, ela fornece à população os alimentos, vestuários, combustíveis, energia,
43
medicamentos, cosméticos, entre outros além da geração de empregos,
rendas e impostos. As maiores produções dos agropecuaristas brasileiros são:
milho, soja, cana-de-açúcar, arroz, algodão, trigo, café, laranja, bovinos,
suínos e aves.
Nesse contexto, entende-se que a atividade agropecuária para
concretização de seus objetivos combina os esforços dos ecossistemas com as
ações humanas, para favorecer o desenvolvimento de atividades agrícola,
pecuária, aquícola, entre outras. Como, TEEB (2010) mostra, os ecossistemas
disponibilizam bens e serviços, genericamente denominados serviços
ecossistêmicos, que inclui principalmente: a capacidade de desenvolvimento
biológico de plantas e animais; a manutenção da fertilidade dos solos; a ciclagem
de nutrientes; o controle biológico de pragas; a regulação do clima; a polinização,
entre outros.
Apesar de uma série de estudos, entre outros, os realizados por EHRLICH
e MOONEY (1983), DAILY (1997), COSTANZA et al. (1997) e, GROOT et al.
(2002), definiram os serviços ecossistêmicos, ainda não existe, até o momento,
consenso quanto à sua definição e, principalmente, quanto à sua classificação.
Geralmente, os conceitos e classificações de serviços ecossistêmicos deixa
explícita uma utilidade direta e indireta dos bens e serviços por parte dos seres
humanos. Ou seja, as sociedades humanas usufruem dos serviços
ecossistêmicos para a satisfação de suas necessidades ou para o
desenvolvimento das atividades econômicas.
HARRINGTON et al. (2010) afirmam que os serviços ecossistêmicos são
benefícios que os homens reconhecem como obtidos a partir dos ecossistemas,
que suportam, direta ou indiretamente, sua sobrevivência e qualidade de vida.
Pelo consumo de produtos agropecuários, os seres humanos usufruem
diretamente dos bens produzidos pelos ecossistemas, bem como usufruem de
forma indireta de uma série de serviços providos pelos ecossistemas
necessários para desenvolvimento biológico das plantas e animais, utilizados
como fonte de alimentos.
Embora os serviços ecossistêmicos sejam essenciais para produção
agropecuária, geralmente, não são contabilizados pelas entidades que deles
usufruíram. Diversamente disso, há necessidade do reconhecimento,
mensuração e divulgação dos ativos, passivos e custos, além das receitas
44
resultantes de transações e acontecimentos relacionados com o ecossistema.
Em outras palavras, devem-se internalizar, contabilmente, as receitas
ecossistêmicas usufruídas pelas entidades dedicadas às atividades
agropecuárias. Dentre outras vantagens, o reconhecimento das receitas de
serviços ecossistêmicas pode contribuir para o uso adequado dos bens e
serviços e também com a gestão dos ecossistemas.
Além disso, acresce que os serviços ecossistêmicos são suscetíveis de
afetar o patrimônio das entidades de modo negativo e positivo. Para prover
informações contábeis sobre as diversas variações patrimoniais, as entidades,
por meio do sistema contábil, devem conhecer detalhadamente o meio
envolvente em que se inserem e, principalmente, expressar em termos de valor,
as contribuições dos ecossistemas em prol das atividades econômicas
desenvolvidas.
Segundo MERICO (2002), é necessário reconhecer que os recursos
naturais, representados pelos bens e serviços deles advindos, têm funções
econômicas e valores econômicos positivos. Assim, tratá-los como preços zero
configura em um descuido que poderá levar ao seu mau uso ou a sua exaustão.
Reconhece-se que, atualmente, existem preocupações da sociedade
quanto aos eventos relacionados ao meio ambiente e de sua internalização pelo
sistema de contabilidade.
O IASB, por meio de publicação de diversas normas internacionais de
contabilidade, estabeleceu disposições e princípios contabilísticos aplicáveis ao
tratamento das matérias ambientais. No Brasil, o Comitê de Pronunciamento
Contábil (CPC) para harmonizar as normas contábeis brasileiras às normas
internacionais de contabilidade relacionadas às atividades agropecuárias, emitiu
o CPC 29. O referido pronunciamento técnico estabeleceu o tratamento contábil
a ser adotado aos ativos biológicos e aos produtos agropecuários, de modo a
determinar a avaliação dos ativos biológico pelo método de valor justo.
Embora as práticas contábeis adotadas no Brasil, com ênfase ao CPC 29,
reconheçam as mudanças quantitativas e qualitativas dos ativos biológicos, tais
como, procriação, desenvolvimento e/ou crescimento, e terminação,
semelhantemente, não reconhecem a biomassa proveniente dos restos culturais
e os dejetos das criações como receitas de produção não estabelecem ainda
quaisquer práticas quanto ao reconhecimento dos serviços ecossistêmicos. Isso
45
acontece mesmo que tais benefícios sejam auferidos pela entidade no
desempenho de suas atividades.
Todavia, a internalização contábil dos serviços ecossistemas deve levar
em consideração que eles fazem parte de um processo produtivo, seja por meio
do aproveitamento das propriedades de algum bem indispensável na produção
ou pelo usufruto das funções desempenhada pelos seus componentes físicos ou
biológicos que afetam o desempenho das atividades agropecuárias.
Apesar dos esforços científicos e técnicos no sentindo do reconhecimento
por parte dos sistemas contábeis dos serviços ecossistêmicos, esses são,
normalmente, tratados de forma superficial nos relatórios das entidades e são,
raramente, percebidos como materiais financeiros ou como relevantes para sua
internalização nas demonstrações contábeis. Isso resulta em decisões que,
progressiva e cumulativamente, podem degradar o ecossistema, de modo a
implicar sérios custos ecológicos, sociais e econômicos.
As entidades investigadas neste estudo não reconhecem contabilmente
as receitas de serviços ecossistêmicas e não relatam o valor desse benefício
usufruído para desenvolvimento de suas atividades em seus demonstrativos
contábeis. Consequentemente, informam um valor de custo de produção
realizado inferior ao efetivamente absorvido para concretização do nível de
atividades executadas.
Nesse sentido, questionou-se: os bens e serviços provenientes dos
ecossistemas, apropriados pelas entidades agropecuárias, cujos preços não
podem ser visualizados no mercado, são passíveis de lhes atribuir valores
econômicos, visando a sua internalização pelo sistema contábil?
Assim, entende-se que o sistema contábil deveria contemplar os custos e
as receitas de serviços ecossistêmicos. Para tanto, ferramentas e metodologias
que se propõem a valorar os bens e serviços ecossistêmicos em termos
monetários foram, e têm sido frequentemente desenvolvidas. Embora ainda não
exista consenso sobre a aplicação desses métodos e ferramentas de valoração,
é imprescindível a internalização desses custos e receitas.
A valoração monetária dos serviços ecossistêmicos torna-se necessária
por ser o primeiro passo do processo que conduzirá ao reconhecimento e à
evidenciação contábil.
46
Historicamente, a contabilidade enfrenta um dilema relacionado às
diversas formas de precificar os bens, os serviços e as obrigações. O usufruto
dos serviços ecossistêmicos por parte das entidades dedicadas às atividades
agropecuárias contribui para formação do resultado dessas entidades. Nesse
sentido, o objetivo do presente trabalho consiste no desenvolvimento de
diretrizes e procedimentos para internalizar e evidenciar contabilmente os
serviços ecossistêmicos por parte das entidades que exploram as atividades
agropecuárias.
Dessa forma, nos objetivos específicos deste trabalho, identificou-se o
conceito de serviços ecossistêmicos e suas classificações; analisaram-se as
demonstrações contábeis publicadas por entidades agropecuárias situadas na
bacia hidrográfica do Rio São Lourenço-MT, a fim de identificar metodologias
contábeis de mensuração e evidenciação, com foco nos ativos biológicos e;
propôs-se esse modelo contábil, para inclusão dos serviços ecossistêmicos
providos em bacia hidrográfica na apuração do resultado das atividades
agropecuárias, de modo a refletir sobre as possibilidades de aplicações futuras.
Material e Métodos
Para atingir os objetivos propostos, valeu-se, inicialmente, de revisão
bibliográfica acerca dos serviços ecossistêmicos, os métodos de valoração
deste, os aspectos contábeis relativos à mensuração e ao registro dos custos e
das receitas. Em seguida, analisaram-se as demonstrações contábeis das
entidades agropecuárias constituídas na forma de sociedades anônimas que
exercem suas atividades na bacia hidrográfica do rio São Lourenço em Mato
Grosso. Finalmente, com base na teoria contábil e nas práticas contábeis
adotadas por parte das entidades agropecuárias, propôs-se um modelo contábil
para a internalização e evidenciação das receitas ecossistêmicas.
A delimitação da área de abrangência deste estudo consistiu nas áreas
exploradas pelas entidades agropecuárias constituídas juridicamente como
sociedades anônimas, que se dedicam às atividades agropecuárias na bacia
hidrográfica do rio São Lourenço. Esta se encontra localizada no sudeste mato-
grossense, em uma área de transição entre o planalto dos Guimarães e a
planície do Pantanal mato-grossense, que abrange a área de 26.623 km² de
47
extensão e ocupa, aproximadamente, 15,05% da área de 176.800 km² da bacia
do rio Paraguai, da qual é sub-bacia.
A bacia do rio São Lourenço-MT está inserida no bioma do cerrado e
acolhe uma diversidade biológica tanto da fauna como da flora. Engloba total ou
parcialmente os municípios mato-grossenses de Santo Antônio do Leverger,
Campo Verde, Dom Aquino, Alto Garça, Itiquira, Jaciara, Juscimeira, Pedra
Preta, Rondonópolis, Guiratinga, Poxoréo e São José Povo. A figura 1 ilustra a
área de estudo.
Figura 1. Mapa de localização e uso e ocupação do solo da bacia hidrográfica
do rio São Lourenço – MT. Fonte: adaptado CAMARGO (2011).
Segundo CORRADINE (2011, p. 4), o megaleque do São Lourenço está
localizado na porção centro-norte do Pantanal Mato-Grossense (MT), entre as
coordenadas 16º12’ S e 54º32’ W e 17º24’ S e 56º43’ W. Com bacia de
drenagem nos planaltos dos Guimarães e do Taquari-Itiquira, o rio São Lourenço
é o principal tributário da margem esquerda do rio Cuiabá, o qual integra a
hidrografia do alto do rio Paraguai.
Na bacia hidrográfica investigada foram identificadas as entidades
agropecuárias constituídas sob a forma de sociedade anônima, identificação
48
essa que se deu por meio do cadastro nacional de empresas do Brasil, e
posteriormente, por consulta pública ao cadastro do Estado de Mato Grosso,
junto à Secretaria de Estado de Fazenda. Foi identificado um total de 10
entidades. Desse universo de entidades, quatro foram descartadas da amostra:
uma entidade por encontrar-se em recuperação judicial e, três entidades por não
terem publicado suas demonstrações contábeis no ano de 2015.
As demais publicaram suas demonstrações nos seguintes instrumentos:
Diário Oficial de Mato Grosso, nº 26559, 26514, 26581, 26611; Diário Oficial de
Mato Grosso do Sul nº 8970; Diário empresarial de São Paulo em 01/05/2015,
pg. 6 e 7. A leitura e a análise das demonstrações contábeis publicadas
objetivaram identificar: os custos e as receitas das atividades desenvolvidas, as
práticas adotadas na avaliação dos ativos biológicos, os tipos de produtos
agropecuários produzidos, entre outros dados.
Das seis entidades que publicaram suas demonstrações contábeis no ano
de 2015 uma entidade foi descarta da amostra, tendo em vista que as suas
demonstrações foram publicadas apenas de forma consolidada por sua
controladora.
Com base nas atuais práticas contábeis adotadas pelas entidades
agropecuárias, na área de abrangência deste estudo e na literatura contábil,
mais especificamente, na contabilização dos serviços ecossistêmicos e sua
apropriação pelas atividades agropecuárias, foi proposto um modelo para
contabilização dos bens e serviços providos pelos ecossistemas, integrado e
coordenado pelo sistema contábil adotado pelas entidades agropecuárias.
Resultados e Discussão
Bases Conceituais para a Proposta de Modelo: Valoração e Serviços
Ecossistêmicos na Atividade Agropecuária
Na contextualização dos serviços ecossistêmicos foi possível observar a
coexistência de uma série de conceitos e classificações. As diferentes
classificações são adotadas conforme a finalidade e o contexto dos estudos e
pesquisas. Destacam-se, principalmente, avaliações de impacto ambiental,
pagamento de serviços ambientais, gestão de uso da ocupação do solo,
preservação ambiental e reconhecimento contábil. As diversas classificações
dos serviços ecossistêmicos existentes contribuem para a identificação dos
49
serviços ecossistêmicos no processo de internalização contábil.
As mudanças quantitativas e qualitativas derivadas de transformações
biológicas de plantas e animais e o usufruto dos serviços providos pelos
ecossistemas produzem acréscimos no ativo e no patrimônio das entidades
agropecuárias. KANAGARETNAM et al. (2009) afirma que há uma visão de que
o resultado do período deve medir todas as mudanças no valor econômico de
uma entidade, resultantes de todas as atividades e circunstâncias. Esses
acréscimos nos ativos biológicos resultantes do usufruto dos serviços
ecossistêmicos pelas entidades representam receitas. IUDICIBUS (2000, p. 155)
define que:
“Receita é a expressão monetária, validada pelo mercado,
do agregado de bens e serviços da entidade, em sentido
amplo (em determinado período de tempo), e que provoca
um acréscimo concomitante no ativo e no patrimônio
líquido.”
A partir do conceito genérico de receita, entende-se que os serviços
ecossistêmicos absorvidos nas atividades agropecuárias provocam variações
qualitativas e quantitativas no ativo, entre a quais destacam-se: a geração de
novos ativos por germinação e/ou nascimento, acréscimos nos ativos biológico
existentes por crescimento e/ou desenvolvimento vegetativo. Portanto, pode-se
afirmar que os serviços ecossistêmicos usufruídos pelas entidades,
contabilmente, constituem receitas para a entidade que usufrui desses serviços.
A etapa inicial para o reconhecimento dos acréscimos nos ativos
biológicos e das receitas de serviços ecossistêmicos é a valoração monetária, a
qual se mostra imprescindível por ser o primeiro passo do processo que
conduzirá ao reconhecimento e à evidenciação deste pela contabilidade. De
acordo com COSTANZA et al. (1997), o objetivo da valoração monetária do meio
ambiente é trazer a uma mesma base os serviços ecossistêmicos, de modo a
capacitar os indivíduos a tomarem decisões economicamente comparáveis.
Para MELO et al. (2017), a percepção e a valoração ambiental constituem
um canal de contribuição para a educação ambiental com o poder de produzir
efeitos positivos quanto à sensibilização a respeito das diversas questões
50
ambientais.
As valorações dos serviços ecossistêmicos são positivas, pois, além de
aumentarem o ativo, produzem ganho econômico para a entidade agropecuária.
Por essa razão, devem ser reconhecidas como receita no momento que a
entidade usufrui das contribuições providas pelos ecossistemas. O IASB (2003)
determina o tratamento contábil para as entidades que atuam na agropecuária,
o que contribui para a divulgação de informações úteis aos vários usuários, além
de trazer a obrigatoriedade da avaliação e a divulgação dos ativos biológicos ao
valor justo.
No Brasil, a mensuração contábil dos ativos biológicos deve ser elaborada
em conformidade com o CPC 29 (2009). O referido pronunciamento reflete o
processo de harmonização das práticas contábeis brasileiras e das normas
internacionais contábeis. O marco legal do processo de harmonização das
normas brasileiras de contabilidade com as Normas Internacionais de
Contabilidade, emitidas pelo International Accounting Standards Board (IASB),
ocorreu a partir da promulgação da Lei 11.638/07.
O conceito de valor justo, em conformidade com o CPC 29, é o valor pelo
qual um ativo pode ser negociado ou um passivo liquidado entre partes
interessadas, conhecedoras do negócio e independentes entre si, com a
ausência de fatores que pressionem para a liquidação da transação ou que
caracterizem uma transação compulsória. O método de valor justo é
caracterizado por determinar diferentes formas de valoração de um bem ou
serviço. Os seguintes níveis de hierarquia que devem ser utilizados na
mensuração de bens e serviços pelo método de valor justo, segundo o Comitê
de Pronunciamento Contábil CPC 46 (2012) são:
Nível 1 de inputs, utilização de preços cotados no mercado para ativos e
passivos idênticos;
Nível 2 de inputs, ativos e passivos não-observáveis no mercado utilizam-se
a cotação de itens similares e;
Nível 3 de inputs, utilização de técnicas de avaliação.
Essa norma contábil reconhece que os preços cotados no mercado
provêm a mais fiel evidência da mensuração a valor justo. Por isso, recebem alta
prioridade no nível de mensuração. Dados não observáveis podem ser apurados
segundo três abordagens: mercado, lucro e custo.
51
Na abordagem de mercado, a entidade deve obter dados de transações
similares e/ou utilizar técnicas de valoração econômica para precificação dos
bens e serviços ecossistêmicos. A abordagem do lucro se baseia na utilização
de técnicas matemáticas para converter valores futuros (fluxos de caixa ou
receitas e despesas) em valores presentes. Já a abordagem do custo refere-se
à quantia que seria despendida para repor a capacidade de serviço do ativo, ou
seja, utiliza-se o conceito de custo corrente de reposição.
PARTIDÁRIO e GOMES (2013) desenvolveram uma metodologia para
incorporar os serviços ecossistêmicos no processo de avaliação de impactos
ambientais. A metodologia propõe a identificação e mapeamento dos serviços
ecossistêmicos e dos atores sociais; a priorização dos serviços ecossistêmicos;
e valoração qualitativas e quantitativas dos serviços ecossistêmicos.
O presente estudo utilizou a metodologia proposta por PARTIDÁRIO e
GOMES (2013) para a identificação dos serviços ecossistêmicos usufruídos
pelas entidades agropecuárias. Neste sentido, considerou-se que os diversos
serviços ecossistêmicos são providos em diferentes escalas que podem ser
muito mais ampla do que as áreas de produção de uma entidade agropecuária
que se apropria de tais serviços. Consequentemente, a capacidade para prover
determinados serviços pode variar significativamente devido, principalmente, às
diversas formas de uso e ocupação do solo da bacia hidrográfica onde a entidade
investigada exerce suas atividades.
Variados estudos realizados, dentre os quais se destacam os de FÜRST
et al. (2010), assumem o uso e ocupação do solo como indicador da provisão de
serviços ecossistêmicos. Considerando que o uso e ocupação do solo são
indicativos da oferta desses serviços, propõe-se identificar os serviços
ecossistêmicos nas áreas produtivas das propriedades investigadas, bem como
nas áreas naturais da bacia hidrográfica na qual a propriedade da entidade está
inserida, a partir da classificação de uso e ocupação do solo dessas áreas.
Propõe-se, ainda, identificar os serviços ecossistêmicos providos nos
ecossistemas contidos na bacia hidrográfica, a partir de sua absorção no
processo produtivo desenvolvido em cada entidade investigada. Segundo
BURKHARD et al. (2012), a capacidade individual do ecossistema para prover
serviços está fortemente ligada às condições naturais, isso porque as mudanças
nos ecossistemas indicam queda na provisão de determinados bens e serviços.
52
Segundo FAVERO et al. (2012) quanto maior nível de consolidação de
uma área natural maior oferta de recursos, tendo como consequência uma maior
abundancia, diversidade, riqueza, similaridade e equitabilidade.
De igual forma, RAPPORT et al. (1998), afirmam que a saúde do
ecossistema é vital para que este possa suprir os bens e serviços necessários à
nossa sobrevivência. Os autores elencam três indicadores de saúde do
ecossistema. O primeiro é o vigor, mensurado pela atividade de metabolismo ou
a produção primária do sistema. O segundo é a organização, que pode ser
avaliada com a biodiversidade e o número de interações entre os componentes
do sistema. Já o terceiro, pela resiliência, é a capacidade apresentada pelo
sistema que lhe permite recuperar o equilíbrio depois de ter sofrido uma
perturbação. Segundo ALHO (2012, p. 157)
“A conservação da biodiversidade e a proteção dos
ecossistemas naturais não implicam necessariamente
confrontar o progresso do homem e o retorno da sociedade
ao convívio primitivo com a natureza. As novas técnicas de
produção da agropecuária, com o avanço da biotecnologia,
têm permitido produtividade de alimentos e novos
medicamentos para a humanidade. O progresso social,
científico e tecnológico da humanidade tem que ser
celebrado.”
Embora, as atividades agropecuárias, ao alterar o padrão de uso e
ocupação do solo e, consequentemente, alterar as funções ecológicas locais,
reduziu progressivamente a oferta de múltiplos serviços ecossistêmicos,
diferentemente disso, pode atuar como conservadora deles.
Isso acontece quando são adotadas técnicas compatíveis com a
preservação dos ecossistemas, tais como conservação do solo, manejo
integrado de pragas e doenças, manutenção de áreas de preservação, dentre
muitas outras. A utilização dessas práticas de produção contribui para que a
agropecuária possa produzir, além de produtos, uma série de serviços
ecossistêmicos.
53
Bases Empíricas para Elaboração do Modelo: Práticas Contábeis Adotadas
nas Entidades Agropecuárias na Bacia do Rio São Lourenço
Os dados apresentados a seguir foram extraídos das demonstrações
contábeis das entidades agropecuárias constituídas juridicamente sob a forma
de sociedade anônima, exercendo as suas atividades na bacia hidrográfica do
rio São Lourenço - MT. As fontes de informações utilizadas para realização das
análises consistiram nas demonstrações contábeis dessas entidades referentes
às safras 2014/2015, publicadas no Diário Oficial de Mato Grosso e no Diário
Oficial de Mato Grosso do Sul, no ano de 2015.
Analisando o grupo das demonstrações contábeis de cada entidade,
pode-se identificar o montante e os tipos de receitas reconhecidas no período.
Percebe-se que as entidades não reconhecem os serviços ecossistêmicos como
receita. Isso ocorre mesmo que as entidades utilizem o critério de mensuração
dos ativos biológicos pelo valor justo e reconheçam parte da produção
agropecuária (produtos agropecuários) como receita de produção, na
demonstração do resultado do exercício publicada.
É importante salientar que uma entidade publicou no relatório da
administração que “atenta ao cumprimento da legislação ambiental e às
alternativas para o desenvolvimento sustentável e dando continuidade à sua
política, a empresa expande suas atividades com absoluto respeito ao meio
ambiente”.
O método utilizado pelas entidades agropecuárias investigadas para
mensuração dos estoques foi o de custo histórico e o de valor justo. No método
de avaliação de custo histórico, o custo será sempre utilizado, exceto na hipótese
de que o valor de mercado seja inferior ao custo. Para FAVERO et al. (1997),
esse critério de avaliação de estoques é norteado pelo Princípio Contábil
Geralmente Aceito do Custo Original como Base de Valor. Nesse sentido,
FAVERO et al. (1997, p. 38) continua esclarecendo que:
“A premissa básica desse princípio define que os ativos
serão incorporados pelo preço pago para adquiri-los ou
fabricá-los acrescido de todos os gastos necessários para
colocá-los em condições de gerar benefícios para a
empresa, quer por sua venda ou por sua imobilização”.
54
Por outro lado, no método de valor justo os estoques são valorados pelo
valor de saída. Conforme o CFC (2011, p. 608), “valor justo é o preço que seria
recebido pela venda de um ativo ou que seria pago pela transferência de um
passivo em uma transação ordenada entre participantes do mercado na data de
mensuração”. No método de avaliação valor justo, os ativos biológicos são
classificados em duas categorias distintas: ativos biológicos com preços
observáveis no mercado e ativos biológicos sem preços observáveis, como por
exemplo os cultivos em desenvolvimento, rebanho em formação, raízes de
cultivos permanente (soqueira de cana).
Os ativos biológicos das entidades investigadas na safra 2014/15 eram
compostos por: rebanho bovinos, rebanho suínos, cultivos agrícolas de soja,
milho e cultivo de cana de açúcar e os produtos obtidos desses respectivos
ativos biológicos das entidades. Tais ativos, de maneira geral, estão sujeitos a
mudanças quantitativas e qualitativas e, consequentemente, provocam
alterações nos valores desses ativos. Essa circunstância intrínseca aos ativos
biológicos torna a decisão de escolha do método de avaliação de grande
relevância para que seja refletido o real valor dos ativos.
O CPC 29 (2009) prescreve o valor justo com método de avaliação dos
ativos biológicos e produtos agrícolas. Salienta-se que as normas emitidas pelo
Comitê de Pronunciamento Contábil CPC não possuem poder coercitivo. Nesse
sentido, algumas entidades ainda utilizavam o custo de formação para registro
dos seus estoques de ativos biológicos e produtos agropecuários.
Os estoques constituem um ativo importante para as entidades
agropecuárias, são geralmente constituídos de insumos de produção, cultivos e
rebanhos em desenvolvimentos, e os respectivos produtos agropecuários. Os
reflexos da escolha do método de valoração dos estoques de ativos biológicos
provocam alterações no resultado do exercício apurado pela entidade. Os
métodos de valoração adotados pelas entidades investigadas foram: custo
histórico e valor justo. No método de custo histórico, os ativos biológicos foram
mensurados pelo montante dos gastos efetivos para obtê-lo, o que corresponde
ao preço combinado entre o comprador e o vendedor na data de aquisição. As
práticas contábeis adotadas pelas entidades agropecuárias na mensuração dos
ativos biológicos, na safra 2014/2015, são descritas no (quadro 1).
55
Quadro 1. Práticas contábeis de mensuração dos estoques adotadas pelas
entidades agropecuárias nas bacias do São Lourenço
Critérios adotados no registro dos ativos
biológico
Método de
avaliação
Entidade A Os estoques estão avaliados de acordo com
o critério de custo ou mercado dos dois o
menor valor.
Custo histórico
Entidade B Mensurado pelo preço de mercado de
bovinos na data base do balanço. Valor justo
Entidade C Os estoques são mensurados pelo valor justo
dos ativos biológicos na data da colheita. As
soqueiras e a cana de açúcar em pé durante
o período de crescimento são mensurados ao
valor justo, pelo método de fluxo de caixa
descontado.
Valor justo
Entidade D Os estoques de commodities mensurados
pelo seus valores justos Valor justo
Entidade E Os produtos em estoques estão registrados
pelo custo de produção. Custo histórico
Conforme demonstrado no Quadro 1, 40% do total das entidades
investigadas utilizam o método de custo histórico, pelo qual somente as
variações negativas nos estoques são reconhecidas (custo ou mercado, dos dois
o menor). As demais entidades, ou seja 60%, utilizam o método de valor justo.
No método de valor justo, são reconhecidas as variações nos estoques,
independentemente de serem positivas ou negativas. O valor justo é o critério de
mensuração que permite incorporar as novas condições do mercado em cada
momento, de modo a proporcionar informações relevantes e de maior utilidade
para as tomadas de decisão econômicas. Destaca-se que um dos grandes
obstáculos da mensuração dos bens e serviços ecossistêmicos está relacionado
à ausência de um mercado desses bens e serviços.
56
No método de valor justo, os ativos biológicos das entidades investigadas
foram mensurados pelos valores de mercado na data das demonstrações
contábeis na inexistência de um mercado para determinado ativo, buscou-se
evidenciar um provável mercado. O critério adotado pelas entidades para
avaliação dos ativos biológicos está em conformidade com CF (2011, p. 595),
que assim prescreve.
“Em algumas circunstâncias, o preço ou valor determinado
pelo mercado pode não estar disponível para um ativo
biológico nas condições atuais. Nessas circunstâncias, a
entidade deve utilizar o valor presente do fluxo de caixa
líquido esperado do ativo, descontado à taxa corrente do
mercado, para definição do valor justo”.
Enfatiza-se, ainda, que o uso do justo valor para mensurar os bens e
serviços ecossistêmicos tem como ponto forte a relevância que confere à
informação. Segundo o CPC 00 (2011, p, 15) “informação contábil-financeira
relevante é aquela capaz de fazer diferença nas decisões que possam ser
tomadas pelos usuários”. Na valoração dos bens e serviços ecossistêmicos por
seu valor justo pressupõe o reconhecimento de ganhos e perdas
independentemente da comercialização, além de permitir, também, atribuir
valores atuais de mercado aos bens e serviços na data das demonstrações
contábeis.
Consequentemente, as informações do montante de receitas
ecossistêmicas usufruídas pelas entidades são capaz de habilitar os usuários a
predizer a vulnerabilidade dos ecossistemas e sua capacidade de prover
serviços, bem como, possibilita planejar o desenvolvimento da atividade
agropecuária.
Modelo Contábil de Evidenciação dos Serviços Ecossistêmicos
Os estudos realizados por DAILY (1997) GROOT et al. (2002) e MEA
(2005) apontam que os bens obtidos pelas atividades agropecuárias são
beneficiados graças às crescentes ações humanas sobre uma série de serviços
oferecidos pelos ecossistemas. Tais serviços necessitam ser valorados para
57
serem internalizados contabilmente por parte das entidades que os absorveram
no desenvolvimento de suas atividades.
O reconhecimento contábil dos serviços ecossistêmicos deve ser
integrado com o restante da escrituração de cada entidade. O modelo para ser
integrado com o restante da escrituração contábil da entidade utilizará método
contábil propriamente dito, que compreende o conjunto de elementos
constitutivos da teoria contábil: princípios, regras, critérios, postulados, normas,
pronunciamentos, procedimentos, métodos, técnicas, instrumentos e
terminologia.
O conjunto de parâmetros adotados no reconhecimento das receitas
ecossistêmicas de produção e de serviços no modelo contábil é apresentado a
seguir:
O modelo é caracterizado pelo reconhecimento dos serviços ecossistêmicos
providos na abrangência de determinada bacia hidrográfica;
As receitas ecossistêmicas devem ser contabilizadas pelas entidades, em
consonância com as normas, técnicas e princípios fundamentais de
contabilidade no momento do fato gerador;
O reconhecimento das receitas de serviços ecossistêmicos deve ser
realizado de forma proporcional aos serviços efetivamente usufruídos;
Os valores justos das receitas de serviços ecossistêmicos são acumulados
no exercício social e encerrados na apuração do resultado do período;
Na apuração da produção ecossistêmica, deve-se considerar o volume total
produzido, não somente os grãos, os frutos e as fibras da produção agrícola,
mas também o volume de galhos, folhas, e raízes e;
Na valoração das receitas de serviços ecossistêmicos providos em bacia
hidrográfica, utiliza-se o método de custo de oportunidade. As áreas
classificadas como naturais existentes na bacia hidrográfica são
remuneradas pela média das margens de contribuições, o que pode ser
auferido pelas atividades agropecuárias desenvolvidas no período analisado.
Para a entidade internalizar as receitas ecossistêmicas contabilmente,
propõem-se quatro ações a serem desenvolvidas:
Identificar os serviços ecossistêmicos;
Estabelecer critérios de medidas e valoração;
Inserir contas específicas no plano de contas para a respectiva
58
contabilização;
Reconhecer e divulgar as receitas ecossistêmicas nas demonstrações
contábeis.
A seguir detalha-se as ações que se propõe a desenvolver no modelo
contábil.
Identificação dos Serviços Ecossistêmicos
A identificação dos serviços ecossistêmicos deve ser realizada em duas
dimensões: a interna e a externa. Na dimensão interna, ou seja, na propriedade
rural da entidade agropecuária, diz respeito aos serviços ecossistêmicos
providos e absorvidos na própria entidade e se referem à geração de novos
ativos ou variações em ativos existentes, por exemplo, manutenção da fertilidade
do solo, desenvolvimento de cultivos e rebanhos, etc. Propõe-se a implantação
e/ou ampliação de controle interno que permite visualizar a produção total da
agropecuária, bem como os respectivos custos de produção, dentre outros
serviços ecossistêmicos.
No que tange à dimensão externa, sua delimitação estende-se além do
perímetro da propriedade da entidade. Propõe-se a delimitação da dimensão
externa a área total da bacia hidrográfica onde está inserida a propriedade rural
da entidade. Inclui os diversos ecossistemas pertencentes à bacia hidrográfica.
Já os usos e ocupação do solo na área de abrangência da bacia hidrográfica
expressam a capacidade de oferta, por outro lado, os usufrutos dos serviços
ofertados pelos ecossistemas são identificados de forma reversa, a partir dos
produtos agropecuários de cada entidade identifica-se quais os respectivos
serviços ecossistêmicos foram necessários para concretização do processo
produtivo.
Nesse sentido, devem-se analisar mapas da classificação do uso e
ocupação do solo da área (bacia hidrográfica), de modo a identificar tipos de uso
e ocupação do solo e sua capacidade de oferta dos serviços ecossistêmicos.
Conjuntamente com a classificação de uso e ocupação do solo deverá classificar
as receitas de serviços ecossistêmicas. A classificação das receitas de serviços
ecossistêmicos tem por objetivo auxiliar a entidade a identificar o usufruto dos
bens e serviços ecossistêmicos na concretização da produção.
59
No que concerne à classificação das receitas de serviços ecossistêmicos
destaca-se a proposta de MURALHA (2002, p. 45), na qual as receitas são
denominada proveitos ambientais sendo classificadas em: “diminuição de
custos, melhor gestão de resíduos, redução de indemnizações, poupança em
custos operativos, aumento das vendas por melhoria da imagem pública e
recebimentos efetivos”.
Dada a importância da identificação das receitas de serviços
ecossistêmicas, propõe-se, a seguir, as prováveis consequências provocadas
pelos usufrutos dos serviços ecossistêmicos correspondente a perspectiva de
classificação proposta por MURALHA (2002), por parte das entidades
agropecuárias:
Economia de recursos: em tratos culturais, em adubação do solo, em controle
de doenças, pragas e similares dos cultivos e rebanhos;
Redução de custos: na conservação do solo, no consumo de matéria prima;
na reciclagem e reutilização de matéria orgânica, principalmente, os dejetos
e restos culturais;
Acréscimos na produtividade: maiores produtividades ocasionadas por
condições ecossistêmicas favoráveis;
Geração de novos ativos: por nascimentos e por desenvolvimentos
vegetativos.
Critérios de Medidas e Valoração
Vários são os métodos de valorar os serviços ecossistêmicos possíveis
de serem utilizados. No entanto, o método de custo oportunidade apresenta-se
como uma ferramenta útil para valorar o conjunto de serviços ofertados em bacia
hidrográfica e absorvidos pelas atividades agropecuárias. Ele possibilita, assim,
estimar o valor da remuneração dos serviços ecossistêmicos, com base no valor
do benefício renunciado para manutenção da capacidade dos ecossistemas em
provê-los.
Ressalta-se que a valoração das receitas ecossistêmicas visa a atribuir
valor apenas aos bens e serviços desfrutados. Logo, excluem-se dessa
valoração os valores dos próprios ecossistemas que proveram tais bens e
serviços. Entende-se que o desfrute dos bens e serviços ecossistêmicos pelas
entidades permite reduzir os custos de produção agropecuária, o que reflete
60
diretamente na margem de contribuição das atividades desenvolvidas.
A aplicação do método do valor justo, na valoração das receitas
ecossistêmicas, objeto deste trabalho, justifica-se pelo fato de tal método prever
critérios que possibilitam valorar serviços ecossistêmicos mesmo quando os
bens e serviços a serem valorados não são comercializáveis e
consequentemente seus preços não são visualizados no mercado. Ou seja, em
alguns casos, os bens e ou serviços ecossistêmicos não podem ser vendidos e
nem comprados em mercado algum. Quando os valores de um bem ou serviço
ecossistêmico não podem ser observados no mercado, os métodos de valoração
econômica existentes são passíveis de serem aplicados para estimar o valor
justo do bem ou serviço a ser valorado.
Contas Especificas de Receitas de Serviços Ecossistêmicas
A internalização das receitas de serviços ecossistêmicos deve ser
integrada ao restante da escrituração, de modo a manter uma visão integral da
entidade. Para atingir esse objetivo, são necessárias contas que possam retratar
o aproveitamento dos bens e serviços providos pelos ecossistemas.
Segundo SÁ (2000, p. 12), as contas em contabilidade “visam a registrar
fatos da mesma natureza, de forma organizada, envolvendo a identificação, a
cronologia, o valor e a correlação de acontecimentos, ensejando conhecer a
dinâmica dos acontecimentos e a expressão estática dos mesmos”.
Portanto, contabilmente, é necessário que o plano de contas contemple
grupos de contas especificas para o reconhecimento das receitas
ecossistêmicas, bem como, os respectivos controles internos que possam fazer
gerar dados gerenciais relativos ao usufruto dos serviços ecossistêmicos.
Neste trabalho propõe-se pela criação de um grupo específico
denominado receitas ecossistêmicas, com as seguintes contas receita de
produção ecossistêmica e receita de serviço ecossistêmico. A receita de
produção ecossistêmica compreende aos produtos agropecuários estocáveis e
tangíveis. A receita de serviços ecossistêmicos, por outro lado, são considerados
atividades meio. Esses serviços são intangíveis, não podem ser estocados, são
providos e consumidos e/ou perdidos simultaneamente. Podem, ainda, estar
vinculados a um ou mais bens, como por exemplo, a produção de biomassa
61
vinculada com a regulação climática, a reciclagem de nutriente e o controle de
erosão.
Enfatiza-se que a classificação adotada no reconhecimento desses
serviços pelo sistema contábil deve, primordialmente, evitar a duplicidade de
contagem dos serviços ecossistêmicos. A receita de produção ecossistêmica
compreende todas as variações quantitativas e/ou qualitativas nos ativos
biológicos da entidade. Na agropecuária, o processo produtivo é de origem
biológica, ou seja, a reprodução, o crescimento e o desenvolvimento vegetativo
dos seres vivos produzem variações nos ativos da entidade e, quando positiva,
corresponde a uma receita de produção.
O modelo contábil proposto reconhece como receita ecossistêmica a
produção agropecuária total, nos cultivos agrícolas: grãos, folhas, galhos e
raízes, ou seja, as matérias orgânicas provenientes de resíduos vegetais dos
cultivos agrícolas, de plantas invasoras e de plantas utilizadas como cobertura
do solo. Na atividade pecuária, variações quantitativas e qualitativas derivadas
das características biológicas nos rebanhos e os seus dejetos. Os restos
culturais e os dejetos geralmente não são comercializados, porém contribuem
para o sistema de produção, por meio da reciclagem de nutriente. Os resultados
dos estudos de AITA e GIACOMINI (2003) demonstraram que as características
qualitativas dos resíduos vegetais alteram a velocidade de decomposição dos
resíduos orgânicos, o que reflete sobre a disponibilidade de nutrientes ao solo.
Nesse sentido, classificam-se como receitas de produção ecossistêmica:
produtos agrícolas, pecuários, florestais e aquícolas, independentemente de sua
destinação final: comercialização, consumo ou fator de produção. Incluem
também os produtos conjuntos, como biomassa vegetal e dejetos das criações.
As receitas de serviços ecossistêmicos são os proveitos usufruídos pelas
entidades agropecuárias no desenvolvimento de cultivos e/ou criação,
representam os serviços ecossistêmicos propriamente ditos, que contribuem
para a existência da receita de produção ecossistêmica. Entende-se que
usufruto dos serviços ecossistêmicos agrega valores econômicos e financeiros
à entidade, o que provoca mudanças na situação patrimonial. Normalmente, os
serviços ecossistêmicos são providos independentemente do seu consumo
pelas atividades agropecuárias. Quando usufruídos para o desenvolvimento das
atividades produtivas, representam concomitantemente uma receita e um custo
62
de produção.
As receitas de serviços ecossistêmicos podem ser compostas por
subdivisões mais pormenorizadas, realizadas por diversas perspectivas, a que
correspondem classificações expostas por diferentes autores. Apresentam-se
duas classificações que podem ser úteis:
MEA (2003) divide os serviços em quatro grupos: Provisão; Regulação;
Cultural e Suporte. HAINES YOUNG e POTSCHIN (2013) propõem uma
classificação denominada classificação internacional comum para os serviços de
ecossistema (CICES – Common International Classification of Ecosystem
Services). Essa proposta apresentada pelos autores classifica os serviços
ecossistêmicos em 3 categorias: serviços de provisionamento; regulação e
manutenção; e serviços culturais.
Reconhecimento e Divulgação das Receitas de Serviços Ecossistêmicos
Na contabilização e evidenciação das receitas de serviços
ecossistêmicos, reconhece-se uma receita (valor dos serviços ecossistêmicos)
e, no mesmo valor, reconhece-se também um custo de produção. Tal
procedimento não produz nenhum efeito no resultado final da entidade porque,
concomitantemente, registra-se uma conta de custo e uma conta receita de igual
valor. Porém, com esse procedimento, as contribuições usufruídas pelas
entidades obtidas pelos usufrutos dos serviços ecossistêmicos são evidenciadas
como receitas, além de serem também reconhecidos como custos os bens e
serviços absorvidos no processo produtivo inclusive os providos pelos
ecossistemas.
A contabilização da receita ecossistêmica, em uma entidade
agropecuária, implica o registro de duas contas de resultado. As contas objeto
de registro seriam: a conta de “receita de serviços ecossistêmica” e a conta de
“custos de produção”. O lançamento contábil da receita de serviços
ecossistêmicos está demonstrado no exemplo a seguir: Supondo que um cultivo
agrícola foi acometido de determinada enfermidade (pragas), entretanto, a
enfermidade foi controlada biologicamente de forma voluntária por predadores
naturais existentes no ecossistema onde é desenvolvido o cultivo agrícola. Na
hipótese de inexistência de predadores naturais, a entidade teria de arcar com
os custos necessários para o seu controle.
63
O valor dos serviços ecossistêmicos de controle biológico desfrutados
pela entidade foi medido pela economia de recursos financeiros para o efetivo
controle da enfermidade. Por um lado, relata o real custo de produção do cultivo
e, por outro lado, evidencia como receita ecossistêmica a economia obtida com
contribuições providas pelos ecossistemas. Os seguintes registros contábeis são
necessários para o reconhecimento da receita de serviço ecossistêmico: débito
de custo de produção e crédito de receitas (tabela 1).
Tabela 1. Exemplo de registro das receitas de serviços ecossistêmicas
Contas Débito Credito
Custos das Atividades Agrícolas
Manejo Fitossanitário $ 0,00
Receitas de Serviços Ecossistêmicos
Controle Biológico $ 0,00
O custo das atividades executadas em uma entidade é a soma da mão de
obra, gastos gerais e matéria-prima empregada. O custo informado não traduz o
verdadeiro resultado apurado pela entidade quando o serviço é exercida por
seres humanos remunerados e pela biodiversidade existente no ecossistema de
forma gratuita para concretização das atividades desenvolvidas, e a respectiva
entidade não contabiliza os serviços ecossistêmicos.
A divulgação dos impactos do reconhecimento das receitas de serviços
ecossistêmicos deve ser realizada no balanço patrimonial, na demonstração dos
resultados do exercício e nas notas explicativas. Os valores reconhecidos com
custos de serviços ecossistêmicos que impactaram os estoques devem ser
evidenciados separadamente no balanço patrimonial.
O valor real do custo dos serviços consumidos nas atividades executadas
por uma entidade que desfrutou de serviços ecossistêmicos é a soma da
remuneração efetivamente desembolsadas e suas respectivos provisões com
economia de recursos obtida pelo usufruto dos serviços providos pelos
ecossistemas.
A entidade agropecuária que internalizou os serviços ecossistêmicos
usufruídos gratuitamente que impactaram os custos de suas atividades e
64
concomitantemente as receitas do exercício, semelhantemente ao procedimento
dispensado no balanço patrimonial na demonstração do resultado do exercício,
devem apresentar as receitas ecossistêmicas de forma resumida e separadas
das demais receitas da entidade. Para ilustrar a internalização dos serviços
ecossistêmicos, apresenta-se, a título de exemplo, um caso prático.
Considerando o resultado apurado por uma das entidades investigada,
neste estudo, que publicou suas demonstrações contábeis em 22/05/2015 no
Diário Oficial de Mato Grosso número 26559. Observou-se que a entidade não
contabilizou as receitas de serviços ecossistêmica e, em razão disso, apurou o
lucro na safra 2014/2015 no montante de R$ 971.000,00. As receitas liquidas
dessa entidade totalizam R$1.958.000,00, embora, no desenvolvimento de suas
atividades a entidade tenha usufruído de uma série de serviços providos pelos
ecossistemas, como se viu, não foram computados como receitas do período. O
montante dos custos de produção no valor de R$ 987.000,00 é composto por
matérias primas consumidas, mão de obra absorvida na produção e os custos
indiretos de produção.
Para contabilizar a receita de serviços ecossistêmicos usufruída pela
respectiva entidade para concretização de suas atividades, primeiramente, é
necessário atribuir um valor monetário a essa contribuição de serviços
recebidos. No caso presente, os valores de bens e serviços providos pelos
ecossistemas e apropriados pela entidade, apurados pelo método do valor justo,
totalizam $ 490.000,00.
O reconhecimento das receitas de serviços ecossistêmicos, evidenciou
que 50,46% do lucro de $ 971.000,00 apurado pela entidade investigada ou seja
$ 490.000,00 é formado pela contribuição dos ecossistemas na forma de bens e
serviços. O resultado apurado, em conformidade com o modelo contábil
proposto, evidenciou que o resultado final de R$ 971.000,00.
Este montante coincide com o valor evidenciado nas demonstrações
contábeis publicadas, ou seja, não sofreu alterações após a internalização das
receitas ecossistêmicas que totalizaram R$ 490.000,00. Pode-se inferir que as
receitas ecossistêmicas internalizada no modelo proposto para a entidade
investigada, são contribuições dos ecossistemas para concretização das
atividades agrícolas desenvolvidas.
Acresce que, na contabilização das receitas ecossistêmicas, alteram-se
65
os custos de produção e, consequentemente, o valor dos produtos
agropecuários em estoque, na medida em que os produtos agropecuários são
comercializados à mesma proporção de receitas ecossistêmicas são realizadas,
pela transferência dos valores registrados como custos de serviços
ecossistêmicos para o custo dos produtos vendidos, conforme mostra (Tabela
2).
Tabela 2. Mensuração das receitas ecossistêmicas evidenciada na apuração
do resultado (safra 2014/2015 em milhares de reais)
Demonstração do Resultado do Exercício – DRE
Serviços ecossistêmicos não
evidenciados
Evidenciação dos serviços
ecossistêmicos
Receita atividades agrícolas 1.958 1.958 00 1.958
Custo Ecossistêmico de produção 00 (490) (490)
Custos dos produtos vendidos (987) (987) 00 (987)
Receita ecossistêmica 490 490
Lucro bruto 971 481 490 971
Dessa forma, conclui-se que, no estoque final de produtos agropecuários,
pode estar contido um percentual proporcional de receitas serviços
ecossistêmicos, contabilizada como custo de produção a ser realizada.
Cabe destacar que mensuração dos serviços ecossistêmicos evidencia
como é formado o resultado total da entidade, de modo a demonstrar a clara
dependência das atividades agropecuárias com os ecossistemas e sua
capacidade de prover bens e serviços. Em outras palavras, este valor representa
o nível de contribuição dos ecossistemas para formação do resultado da
entidade.
Observa-se que a atividade agropecuária desenvolvida pela entidade
consegue gerar resultados superiores aos serviços ecossistêmicos R$
481.000,00. Entende-se que o resultado apurado nas atividades desenvolvidas
971.000,00 é suficiente para remunerar os serviços ecossistêmicos absorvidos.
Em uma situação inversa, quando o montante dos resultados gerado pela
entidade for inferior aos valores serviços ecossistêmicos desfrutados para
66
concretização do processo produtivo e consequentemente fosse necessário à
entidade efetivamente adquirir esses serviços no mercado, o resultado apurado
seria deficitário.
Algumas Considerações Acerca do Modelo contábil proposto
No modelo contábil proposto, entende-se que as contribuições providas
pelos ecossistemas (bens e serviços) para as atividades agropecuárias
representam uma economia de recursos que a entidade obtém para execução
de suas atividades. Na contabilização das contribuições ecossistêmicas,
somente é possível reconhecer aquelas que cumprem as seguintes condições:
Os bens e serviços ecossistêmicos contribuem para atender aos objetivos da
entidade e, por conseguinte, podem aumentar o valor dos ativos ou reduzir o
valor dos passivos e concomitantemente aumentar as receitas do período.
Quando não providos pelos ecossistemas, a entidade necessita adquirir
esses bens e serviços ou outros equivalentes e substitutos junto a outras
fontes;
A entidade possui bases adequadas para medir o valor dos bens e serviços
ecossistêmicos que necessita registrar.
Assim como outros serviços, os ecossistêmicos têm custos para serem
providos, embora esses estejam relacionados com a integridade dos
ecossistemas. Normalmente, não são suportados pelos beneficiários desses
serviços, que, no caso, deveriam pagar por eles.
Embora no desenvolvimento da atividade agropecuária possam ser
suportados os custos que, de alguma forma, contribuam para provisão de
serviços ecossistêmicos, dentre outros, destacam-se: gastos realizados na
construção de curvas de nível e terraços, no autocontrole da erosão, na
prevenção de poluição e de incêndios, além da adoção de práticas
agropecuárias tais como: rotação de culturas, manutenção de áreas de
preservação, entre outros, que reduzem a produção e/ou produtividade. Estes
devem ser confrontados com as receitas ecossistêmicas objetivando apurar o
resultado relacionado com o meio ambiente.
Conclusão
Pela proposta apresentada, os serviços ecossistêmicos devem ser
67
contabilizados como receitas ecossistêmicas, por serem gratuidades auferidas e
simultaneamente como custos das atividades agropecuárias, haja vista que as
entidades usufruem dos ecossistemas na consecução dos seus objetivos. A
contabilização da receita de serviço ecossistêmico torna público quanto seria o
valor que a entidade deveria desembolsar para arcar totalmente com os custos
de produção.
Ao reconhecer as receitas de serviços ecossistêmicos, a contabilidade
potencializa o nível de informações disponibilizadas, pois facilita aos usuários
das demonstrações contábeis identificarem os níveis de contribuições
decorrentes dos ecossistemas para a formação do resultado total operacional da
entidade. Assim, a proposta representa uma alternativa para atender, por meio
da contabilidade, às necessidades informativas e adicionais dos diversos
usuários das áreas contábeis, principalmente, os produtores rurais.
Pelo exposto, conclui-se pela exequibilidade e pertinência da
internalização, pelo sistema contábil das receitas de serviços ecossistêmicos
provenientes dos usufrutos de bens e serviços auferidos pelas entidades
agropecuárias, mesmo quando seus valores não são visualizados no mercado.
A partir disso, entende-se que ainda são necessários novos estudos que
possam ampliar o conhecimento dos serviços ecossistêmicos, a fim de validar
ou não o modelo contábil proposto, no sentido de contribuir para maior
valorização da contabilidade como ferramenta indispensável na gestão dos
ecossistemas.
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72
Artigo ll
Contabilidade de serviços ecossistêmicos nas atividades agropecuárias:
validação modelo contábil na bacia do Rio São Lourenço
Aguinaldo Rocha Gomes
Resumo
Neste trabalho, demonstra-se a aplicação do modelo contábil de reconhecimento
dos serviços ecossistêmicos por parte das entidades agropecuárias que
exercem suas atividades na bacia hidrográfica do Rio São Lourenço, localizada
no estado de Mato Grosso. O modelo aplicado tem como objetivo internalizar as
receitas de serviços ecossistêmicos e evidenciar contabilmente o nível de
contribuição dos ecossistemas para formação de riqueza nas entidades
agropecuárias. No modelo contábil proposto, as transformações biológicas
decorrentes da reprodução e desenvolvimento dos ativos biológicos da entidade,
bem como o usufruto dos serviços ecossistêmicos pelas entidades
agropecuárias constituem receitas ecossistêmicas. As receitas ecossistêmicas
são identificadas em duas dimensões: interna, nas áreas utilizadas na produção
de cada entidade, e externa, constituída pelos ecossistemas naturais existentes
na bacia hidrográfica investigada e apropriado pela entidade para o
desenvolvimento de suas atividade econômicas. O estudo, de forma geral,
demonstrou o processo de internalização contábil das receitas de serviços
ecossistêmicos utilizando os métodos valoração econômicas, dentre outros, o
custo de oportunidade. O modelo foi aplicado em entidades agropecuárias
constituídas como Sociedades Anônimas a partir de suas demonstrações
contábeis publicadas no ano de 2015 e 2016. Os resultados mostraram a
contabilização dos restos culturais, dos dejetos de origens biológica e dos
serviços ecossistêmicos prestados na dimensão da bacia hidrográfica como
receitas ecossistêmica de serviços e de produção. A análise permitiu demonstrar
que as receitas ecossistêmicas constituíram uma parcela significativa na
formação do lucro bruto de cada entidade investigada.
Palavras-Chave: Ativo biológico, Receita ecossistêmica, Custo de oportunidade.
73
Accounting for ecosystems services in agriculture activities: validation of
the accounting model in the São Lourenço river basin.
Abstract
This study demonstrates the application of the accounting model of recognition
of the ecosystem services in the São Lourenço river basin located in the State of
Mato Grosso by the agriculture and livestock entities. The applied model has the
objective of internalizing the revenues from ecosystem services and to establish
the extent of the ecosystems' contribution to the creation of wealth in the
agriculture entities. In the proposed accounting model, the biological
transformations of plantations due to birth, growth, degeneration and procreation
in the biological assets of the entity, as well as, the use of ecosystem services by
the agricultural and livestock entities constitute ecosystem revenues. The
ecosystem revenues are identified in two dimensions: internal, in areas used in
each entities' production and external: consisting of services provided by the
natural ecosystem of the river basin and appropriated by the entity for the
development of its economic activities. The study demonstrated the
internalization accounting process for the ecosystem services revenue using the
economic valuation methods, among others, the opportunity cost. The model was
applied in agricultural entities constituted as public limited company based on
their financial statements published in the years 2015 and 2016. The results show
the accounting of the cultural remains, the biological waste and the ecosystem
services provided by the hydrographic basin as ecosystem revenues of services
and production. The analysis enabled to demonstrate that the ecosystem
revenues were a significant share of the gross profit formation of each entity.
Keywords: Biological assets, Ecosystem revenue, Opportunity cost.
Introdução
Embora existam na literatura várias propostas para definir os serviços
ecossistêmicos, não há ainda uma definição comumente aceita, tampouco um
único critério para sua classificação. A definição mais difundida na literatura
consultada foi a proposta pelo MEA (2005), que o define como os benefícios que
o homem obtém dos ecossistemas. Nesse sentido, entende-se que os seres
humanos desfrutam dos ecossistemas, prioritariamente para satisfação de suas
74
necessidades biológicas, bem como, para o desenvolvimento de atividades
científicas, recreativas e produtivas como: agropecuária, produção de energia,
extrativismo mineral e vegetal, entre outras.
Como demonstrado no estudo TEEB (2010) os benefícios providos pelos
ecossistemas para as entidades agropecuárias assumem a forma de bens ou de
serviços que, direta ou indiretamente, contribuem para o desempenho das
atividades realizadas. A internalização desses bens e serviços pela contabilidade
é particularmente importante para as entidades agropecuárias que dependem
dos ecossistemas. Isso evidencia o nível de contribuição dos ecossistemas para
a formação dos resultados das atividades desenvolvidas, consequentemente,
mostra também o processo de formação de riqueza por parte das entidades.
As contribuições ofertadas pelos ecossistemas de forma gratuita
constituem uma fonte de recursos para as entidades agropecuárias que
usufruíram desses bens e serviços e representam uma economia financeira, já
que a entidade não paga pelos serviços recebidos. Entretanto, teoricamente
seria obrigada a pagar na hipótese de os serviços não serem ofertados e deseja-
se realizar as mesmas atividades, embora muitos serviços ecossistêmicos sejam
insubstituíveis e, consequentemente, sem suas provisões muitas das atividades
desenvolvidas na agropecuária não poderiam ser realizadas.
Os custos das atividades executadas em uma entidade agropecuária,
corresponde à soma dos sacrifícios consumidos da mão de obra, dos custos de
estrutura, das matérias primas e dos bens e serviços ecossistêmicos,
independentemente de serem desembolsáveis ou não. Quando a entidade não
contabiliza um desses custos de produção, acaba por não traduzir o verdadeiro
resultado das suas atividades.
Para EUGÉNIO (2004), se esse sacrifício diz respeito aos recursos
naturais e à qualidade de vida, se está perante custos ecossistêmicos. O grande
desafio para a contabilidade consiste em apurar o resultado das atividades
agropecuárias o mais correto possível, e tornar-se necessário que os custos
totais incluam os custos ecossistêmicos.
O presente trabalho objetivou, demonstrar a operacionalização do modelo
contábil de internalização dos serviços providos pelos ecossistemas, de modo a
contribuir para apuração do resultado das entidades agropecuárias. Os objetivos
específicos identificou-se na dimensão interna de cada entidade investigada e
75
em sua dimensão externa os serviços ecossistêmicos dos quais dependeram as
entidades agropecuária investigadas para concretização de seus objetivos.
Demonstrou-se a forma de contabilizar as receitas de serviços ecossistêmicos
e, analisou-se o resultado da aplicação do modelo contábil de evidenciação das
receitas de serviços ecossistêmicas em entidades que exploram as atividades
agropecuárias.
Este trabalho está dividido em três seções. A primeira revisa brevemente
as principais interações entre ecossistemas e as atividades produtivas, na qual
especial ênfase é dada ao papel crucial dos serviços ecossistêmicos para a
concretização dos objetivos das atividades agropecuárias. A segunda seção
argumenta sobre os aspectos relacionados à operacionalização do modelo
contábil de reconhecimento dos serviços ecossistêmicos. Adicionalmente,
apresentam-se os dados das demonstrações contábeis das entidades
agropecuárias localizadas na área de estudo. Finalmente, demonstra-se a
operacionalização do modelo contábil nas entidades investigadas por meio dos
dados publicados em suas demonstrações contábeis referentes à safra 2014/15
e 2015/16.
Material e Método
O estudo foi desenvolvido na bacia do Rio São Lourenço – MT,
estendendo-se por uma área de aproximadamente 26.623 km2, que alberga,
segundo o IBGE (2013), aproximadamente 367.369 habitantes, que impactam
os ecossistemas existentes na bacia. A região serve como fonte de produção
agropecuária, geração de energia elétrica, atividades turísticas e recebe dejetos
de uma série de atividades, entre elas a agropecuária. Essa bacia pertence ao
bioma do cerrado, reconhecido por sua biodiversidade.
Segundo a ANA (2003), o rio São Lourenço compõe a bacia do Alto
Paraguai, de grande importância nacional e internacional, por abrigar o Pantanal,
uma das maiores extensões úmidas do planeta. Dentre as atividades
econômicas desenvolvidas ao longo da área de drenagem do rio São Lourenço,
a agricultura e a pecuária têm papel de destaque, pois representam a base
econômica da região, principalmente no cultivo da soja, do algodão, do milho e
na criação de bovinos.
Para alcançar os objetivos da pesquisa, buscou-se o número específico
76
de entidades agropecuárias constituídas juridicamente como sociedade anônima
que exercem suas atividades na bacia hidrográfica do Rio São Lourenço – MT e
que se dedicam às atividades agropecuárias. Foi identificado um total de 10
entidades. Desse universo de entidades, cinco foram descartadas da amostra:
uma entidade por encontrar-se em recuperação judicial, três entidades por não
terem publicado suas demonstrações contábeis no ano de 2015 e 2016, uma
entidade devido ao fato de suas demonstrações contábeis terem sido divulgadas
apenas de forma consolidada por sua controladora o que tornou impossível
identificar os resultados auferidos na área de estudo.
Os dados utilizados neste estudo foram as demonstrações contábeis das
entidades investigadas coletadas no endereço eletrônico do Diário Oficial de
Mato Grosso nº 26559/2015, 26513/2015, 26581/2015, 26611/2015,
26785/2016, 26846/2016, 26853/2016, do Diário Oficial de Mato Grosso do Sul
nº 8970/2015, 9215/2016
As demonstrações contábeis e as notas explicativas dessas entidades
foram interpretadas com o objetivo de: analisar as práticas contábeis adotadas
pela entidade, identificar os custos dos produtos agropecuários vendidos, o tipo
e montante das receitas reconhecidas no período, os estoques iniciais e finais.
Após a interpretação e análise dos dados, apurou-se o valor do custo de
produtos vendidos de cada entidade investigada no período contábil. Para
cálculo do custo de produção, foi utilizada a seguinte equação:
CPV = EI + C – EF
onde: CPV - custos dos produtos vendidos;
EI - estoque inicial;
C – custo de produção, e
EF - estoque final.
Os estoques inicial e final correspondem aos valores dos ativos biológicos
evidenciados no balanço patrimonial de cada entidade investigada. Os custos
dos produtos vendidos foram evidenciados na demonstração do resultado do
exercício publicado por cada entidade investigada. O montante do custo de
produção representa a soma dos custos absorvidos no período contábil para o
desenvolvimento dos ativos biológicos das entidades investigadas e
compreendem: a mão de obra, a matéria prima, os custos indiretos de produção.
77
Neste estudo, propôs-se adicionar aos custos de produção o valor dos custos de
bens e serviços ecossistêmicos absorvidos pelas atividades desenvolvidas e,
concomitantemente, reconhecer as receitas ecossistêmicas.
As informações divulgadas nas demonstrações contábeis de cada
entidade investigadas foram complementadas com os dados da situação da
bacia hidrográfica do São Lourenço, em função das questões ambientais, sociais
e econômicas. Para tal, foram utilizadas as informações disponíveis em fontes
oficiais, censos e trabalhos científicos. Foram utilizados dados secundários
referentes à produtividade média, custo de produção e margem de contribuição
para a área de abrangência do estudo, divulgados pela Secretaria de Estado de
Fazenda de Mato Grosso, pelo Instituto Mato-grossense de Economia
Agropecuária (IMEA) e pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Para contabilizar a receita de serviços ecossistêmicos e a receita de
produção ecossistêmica, primeiramente, atribuiu-se um valor monetário aos
serviços ecossistêmicos absorvidos por cada entidade investigada, o valor
aplicado neste estudo foi o valor justo. Para aplicação do método de valor justo,
os bens e serviços ecossistêmicos foram classificados em duas categorias: bens
e serviços com preços cotados em mercado e bens e serviços sem preços
cotados em mercado. Esta classificação permitiu valorar os bens e serviços
ecossistêmicos em conformidade com CPC 46 (2012), de modo a respeitar a
seguinte hierarquia:
Nível 1: avaliação baseada em preços cotados em mercado de itens (ativos
e passivos) idênticos;
Nível 2: valor justo determinado a partir de observações de preço cotado de
itens similares em mercado ou de outras informações extraídas de mercados
relacionados;
Nível 3: avaliação gerada por estimativa baseados em informações próprias
das entidades e observações de mercado.
A identificação dos bens e serviços ecossistêmicos usufruídos pelas
entidades foi realizada em duas dimensões: interna e externa. Na dimensão
interna, área do imóvel rural utilizada na produção agropecuária de cada
entidade investigada. Nesta etapa analisou-se o processo produtivo
agropecuário desenvolvido, estimou-se a produção agropecuária total (grãos e
biomassa), bem como, os serviços ecossistêmicos necessários para a
78
concretização dessa produção.
Na dimensão externa, na área da bacia hidrográfica apoiou-se no estudo
de GENELETTI (2014), que propõe a identificação dos serviços ecossistêmicos
de forma reversa, ou seja, identificam-se os elementos chaves para
desenvolvimento do processo produtivo e/ou bem-estar da população local e
analisam-se quais seriam aqueles relacionados aos serviços ecossistêmicos.
Esses, por sua vez, devem ser detectados e, de uma forma reversa, os
ecossistemas que os proveu. Nesse sentido, na dimensão externa, o conjunto
de bens e serviços ecossistêmicos foi identificado a partir do usufruto dos
serviços ecossistêmicos absorvidos pelo processo produtivo desenvolvido pelas
entidades agropecuárias, e provido pelos ecossistemas existentes na bacia
hidrográfica do rio São Lourenço.
Inicialmente, os diversos ecossistemas da bacia hidrográfica foram
identificados utilizando-se mapas indicando a classificação vegetal da região, e
uso e ocupação do solo. Em seguida, foi calculada a área referente a duas
classes: uso antrópico e natural. Posteriormente, foi calculada a margem de
contribuição das atividades agropecuárias desenvolvidas na área de uso
antrópico, para identificar o custo de oportunidade das áreas naturais que
confere os bens e serviços ecossistêmicos apropriados pelas entidades
agropecuárias para concretização de seus objetivos.
Na projeção do custo de oportunidade, considerou-se a expansão da
configuração produtiva atual da agropecuária desenvolvida nas áreas antrópicas
sobre as áreas naturais da bacia do São Lourenço. O montante possível de ser
auferido com essa expansão das atividades agropecuárias em tais áreas foi
reconhecido como sendo o valor dos serviços providos pelos respectivos
ecossistemas contidos nessas áreas. O custo de oportunidade total de expansão
das atividades agropecuárias sobre as áreas naturais da bacia hidrográfica
analisada foi alocado a cada entidade, de modo a considerar a quantidade das
áreas ocupadas com a produção.
Resultados e Discussão
Serviços Ecossistêmicos Produzidos na Bacia Hidrográfica do Rio São
Lourenço
Os ecossistemas contidos em uma bacia hidrográfica são responsáveis
79
por prover uma série de bens e serviços ecossistêmicos. PLOSTEL e
THOMPSON JR. (2005) afirmam que uma bacia hidrográfica, em boas
condições, é capaz de prover os seguintes bens e serviços: fornecimento de
água; filtração/purificação de água; regulação das vazões; controle de
enchentes; controle da erosão e sedimentação; pesca; madeiras e outros
produtos florestais; recreação/turismo; habitat para a preservação da
biodiversidade; beleza cênica; estabilização do clima; e valores culturais.
A vegetação natural predominante na área de estudo é o Cerrado. KLINK
e MACHADO (2005) afirmam que o Cerrado possui a mais rica flora dentre as
savanas do mundo, com alto nível de endemismo. A riqueza de espécies de
aves, peixes, répteis, anfíbios e insetos é igualmente grande, embora a riqueza
de mamíferos seja relativamente pequena.
O clima na bacia do rio São Lourenço-MT é quente e úmido, com duas
estações características: uma seca e outra chuvosa. A época mais seca do ano
é entre maio e setembro e, nos meses de julho e agosto, são registrados os
menores índices pluviométricos. Já entre dezembro e fevereiro ocorrem as
maiores precipitações. A biodiversidade faunística e florística, as condições
climáticas, o relevo dentre outras características da bacia do São Lourenço
contribuem para o desenvolvimento das atividades agropecuárias, o que torna
possíveis dois cultivos agrícolas em uma única área na mesma safra e,
adicionalmente, possibilita a criação de bovinos em áreas agrícolas na
entressafra.
Serviços Ecossistêmicos Absorvidos na Atividade Agropecuária
Os serviços ecossistêmicos, segundo MEA (2005), são os benefícios que
os seres humanos obtêm dos ecossistemas. Neste estudo, analisam-se os
serviços absorvidos nas atividades agropecuárias, definidos como os benefícios
que prestam os ecossistemas para desenvolvimento das atividades
agropecuárias.
Algumas atividades agropecuárias com forte presença na bacia
hidrográfica rio São Lourenço, como o cultivo de soja, milho, algodão, cana de
açúcar e a criação de suínos e bovinos, possuem grande importância econômica.
Constituem uma atividade potencialmente favorecida pela provisão dos serviços
ecossistêmicos, mas, ao mesmo tempo, consideradas críticas quanto aos seus
80
impactos sobre os ecossistemas e a provisões de seus serviços.
A atividade agropecuária depende de certos fatores dificilmente
controlados pelos homens. ANDRADE (2000) enumera as seguintes
características peculiares da agropecuária: dependência das condições
biológicas do processo produtivo, dependência do clima, terra como fator de
produção, entre outros e, na atividade agropecuária, consequentemente a
dependência dos ecossistemas por parte das atividades agropecuárias
assumem maiores proporções em comparação com outras atividades
econômicas.
A atividade agropecuária é um sistema de produção que compreende o
cultivo do solo e a criação de animais, realizada pelos seres humanos para
produção de produtos agropecuários destinados à subsistência ou ao mercado.
A vulnerabilidade relacionada ao desenvolvimento biológico da produção, bem
como, da dependência de fatores climáticos e dos demais serviços
ecossistêmicos, concomitantemente, representa riscos e oportunidades para o
desenvolvimento das atividades agropecuárias. Em outras palavras, o
ecossistema produz voluntária e gratuitamente diversos bens e provém uma
série de serviços que beneficiam o desenvolvimento biológico da produção
agropecuária.
Entende-se que os seres vivos necessitam de habitats adequados, que
os permitam nascer, crescer e reproduzir, porém, um habitat adequado para um
ser vivo pode não ser para outro. Os elementos que influenciam a
adequabilidade de habitat, dentre outros, são: o solo, a água, o ar e o relevo,
além das diversas interações entre estes elementos e os próprios seres vivos.
O solo apto, o clima adequado, água suficiente e o relevo favorável à
mecanização são componentes dos ecossistemas que representam vantagens
comparativas para o êxito das atividades agropecuárias. Tais componentes,
concomitantemente com a fauna e a flora, são responsáveis pela provisão dos
bens e serviços ecossistêmicos usufruídos pelos produtores rurais no
desenvolvimento de suas atividades agropecuárias.
Aplicação do Modelo Contábil de Evidenciação das Receitas
Ecossistêmicas
O modelo contábil proposto foi aplicado em cinco entidades agropecuárias
81
que exercem suas atividades na bacia do rio São Lourenço MT. As entidades
que foram objetos deste estudo não reconheceram, em suas demonstrações
contábeis publicadas no ano de 2015 e 2016, os serviços ecossistêmicos
providos e absorvidos no desenvolvimento de suas atividades produtivas. As
receitas reconhecidas nas demonstrações contábeis publicadas correspondem,
principalmente, à venda de produtos agropecuários, prestação de serviços,
recebimentos de contribuições. A seguir evidencia-se o montante das receitas
divulgadas de cada entidade investigada (tabela 1).
Tabela 1. Valor da receita e do lucro bruto de cada entidade agropecuária
investigada na bacia do rio São Lourenço (MT)
Número e data do Diário Oficial Receita Lucro Bruto
26514 de 13/04/2015 22.327.000,00 4.737.000,00
26559 de 22/06/2015 1.963.959,90 971.209,00
26581 de 22/07/2015 9.082.181,00 2.983.059,00
26611 de 02/09/2015 33.580.000,00 23.879.000,00
8970 de 27/07/2015 137.990.000,00 32.215.000,00
26785 de 25/05/2016 3.840.472,84 2.729.867,61
26846 de 23/08/2016 18.324.952,00 2.963.288,00
26853 de 01/09/2016 14.360.000,00 1.930.000,00
9215 de 28/07/2016 137.184.000,00 39.708.000,00
Os valores da tabela 1 correspondem à comercialização de produtos
agropecuários como soja, milho, cana de açúcar, suínos e bovinos. Conforme
afirmado anteriormente, em nenhuma das demonstrações contábeis das
entidades investigadas foram registradas receitas de serviços ecossistêmicos,
embora sejam reconhecidos como receita de produção as variações nos ativos
biológicos por desenvolvimento vegetativo em conformidade com CPC 29
(2009).
Na etapa de análise das receitas de cada entidade agropecuária, uma
delas foi excluída da amostra tendo em vista que suas receitas foram
constituídas, conforme suas notas explicativas publicadas no Diário Oficial de
MT 26611, de: Receitas de comercialização de sementes licenciadas (as
82
variedades TMG – RR), frutos de parcerias técnicas; royalties; e verbas de
incentivos à pesquisa.
Embora a entidade descartada da amostra usufrua dos serviços
ecossistêmicos, principalmente dos serviços culturais absorvidos nas atividades
de pesquisa genética e desenvolvimento de variedades de soja e algodão, os
dados disponíveis nas demonstrações contábeis publicadas são insuficientes
para realização de seu reconhecimento. Para manter o anonimato das entidades
investigadas, esta são identificadas apenas pelos produtos agropecuários
produzidos, ou seja, soja e milho, cana de açúcar, criação de suínos e de
bovinos. Após a identificação das receitas das entidades foram identificados os
valores dos custos dos produtos vendidos, os estoques iniciais, e os estoques
finais que subsidiaram a elaboração da (tabela 2).
Tabela 2. Valor do estoque e do custo dos produtos vendidos de cada entidade
agropecuária investigada da bacia do rio São Lourenço referente ao ano de 2015
e 2016
Produto
biológico
Custo dos
Produtos
Vendido
Estoque
Inicial
Custo de
Produção
Estoque
Final
Cultivo de cana 105.775.000 99.916.000 107.497.000 101.638.000
Cultivo de soja 987.219,58 572.219,77 956.857,40 541.857,59
Suinocultura 5.633.584 1.655.050 8.612.000 5.233.486
Bovinocultura 17.590.000 4.662.000 16.865.000 3.937.000
Cultivo de cana 97.476.000 101.638.000 120.058.000 124.220.000
Cultivo de soja 1.076.395,08 541.857,59 1.277.650,46 743.112,97
Suinocultura 14.062.525 5.233.486 15.710.544 6.881.505
Bovinocultura 12.430.000 3.937.000 14.069.000 5.576.000
Na tabela 2, identificam-se os produtos agropecuários produzidos o valor
dos estoques, os custos dos produtos vendidos e os custos de produção
evidenciado nas demonstrações contábeis publicados por cada entidade. Para
identificar as áreas produtivas de cada entidade investigada foram consultados
informações disponíveis no cadastro público da Secretaria de Estado de
83
Fazenda de Mato Grosso, nos endereços eletrônico das próprias entidades
investigadas, ou com base no montante de receitas divulgadas nas
demonstrações contábeis foram realizadas estimativas da área necessária para
a concretização do volume produzido e vendido. O resultado apurado do custo
de produção dividido pela área produtiva de cada entidade ou pelo número de
unidades produzidas, obtém-se os custos unitários de produção, conforme
apresentado a seguir na (tabela 3).
Tabela 3. Apuração dos custos unitários de produção dos produtos
agropecuários produzidos por cada entidade investigada referente ao ano de
2015 e 2016
Produto
biológico
Custos de
produção
Área/Volume
produzido
Custos unitários de
produção
Cultivo de Cana 107.497.000,00 23.000 ha 4.673,78
Cultivo de Soja 956.857,40 550 ha 1.739,74
Suinocultura 8.612.000,00 24.095 un 357,41
Bovinocultura 16.865.000,00 8.569 un 1.968,14
Cultivo de Cana 120.058.000,00 23.000 ha 5.219,91
Cultivo de Soja 1.277.650,46 550 ha 2.323,00
Suinocultura 15.710.544,00 49.127 un 319,79
Bovinocultura 14.069.000,00 7.500 un 1.875,86
Nas entidades investigadas, concomitantemente com diversos produtos
agrícolas e pecuários, são produzidos uma série de bens e são providos diversos
serviços ecossistêmicos. Nesse sentido, a atividade agropecuária desempenha
um papel dúplice, isto é, pelo usufruto dos serviços ecossistêmicos no processo
produtivos é consumidora e, por outro lado, quando se incumbe de produzir e
prover bens e serviços ecossistêmicos, é provedora (produtora).
Entretanto, contabilmente na produção agrícola, via de regra, apenas os
grãos, frutos e fibras são considerados como receita de produção, embora,
nesse processo produtivo, ocorra a produção de folhas, galhos, troncos e raízes.
A produção conjunta de produtos agropecuários e biomassa têm um impacto
significativo sobre o desempenho das atividades agrícolas. Assim, a apuração
84
dos volumes produzidos de grãos e de biomassa são imprescindíveis para
procedimentos de controle e contabilização.
As entidades investigadas, embora adotem práticas agropecuárias que
valorizem a produção de biomassa (plantio direto, fértil irrigação), não empregam
procedimentos para medir sua produção e, consequentemente, sua valoração.
Neste estudo, para preencher a inexistência de dados referentes aos volumes e
composição dos restos culturais e dos dejetos da atividade de pecuária
(bovinocultura e suinocultura) da produção de cada propriedade, utilizaram-se
os dados disponíveis na literatura científica.
Em razão disso, os valores atribuídos às receitas ecossistêmicas foram
calculada utilizando os dados disponíveis nas demonstrações contábeis de cada
entidade e complementada com resultados oriundos de alguns estudos
localizados e não devem ser extrapolados para fins gerenciais.
No cultivo de soja, estimou-se o volume produzido de biomassa a partir
dos estudos realizados por ROSSI et al. (2013), que avaliaram as taxas de
decomposição e a dinâmica da liberação de N, P e K de resíduos culturais na
entressafra da soja cultivada sob plantio direto. Eles concluíram que a produção
média de biomassa seca de braquiária + soja foi de 6,1 toneladas por hectare.
Tendo em vista que no cultivo de soja na entidade agropecuária situada
na bacia hidrográfica do São Lourenço/MT na safra 2014/15 e 2015/16, as
práticas agropecuárias adotadas apresentaram algumas semelhanças com as
adotadas no estudo de ROSSI et al. (2013). Considerou-se o volume de
produção de biomassa apurado pelos autores como o volume aproximado ao
produzido na área de estudo, embora recomenda-se dispor dos volumes reais
de produção de grãos e biomassa.
A biomassa remanescente do cultivo de soja após a colheita não é
comercializada pela entidade investigada, portanto, entende-se o fato de seus
preços não serem observáveis no mercado. Para valorar a contribuição da
biomassa remanescente do cultivo agrícola através da reciclagem de nutriente,
apoiou-se nos dados de LACERDA (2014), que aferiu os níveis de NPK no cultivo
de soja – milho e observou uma redução de 13% na aplicação formulada NPK
10-32-10 com relação ás quantidades normalmente aplicadas nesses cultivos.
Deve-se considerar que parte da necessidade dos nutrientes necessários
para o cultivo (13%) é suprida pela reciclagem da biomassa. É preciso considerar
85
ainda dados divulgados pelo SENAR-MT, IMEA e EMBRAPA (2015), referentes
aos valores de custos unitários por hectare em Mato Grosso com fertilizantes no
cultivo de soja na safra 2014/15, no valor de R$ 690,84 com macronutrientes e
os custos de fertilizantes da cultura de milho de R$ 534,16 com macronutrientes,
o que totaliza um custo com fertilizantes de R$ 1.225,00 e, na safra 2015/16,
respectivamente, os custos foram: soja 807,04 e milho 613,86, de modo a
totalizar R$ 1.520,80.
Para determinar o valor da receita da produção da biomassa, assumiu a
hipótese de que os custos de fertilizantes apurados pelo IMEA (2015), de R$
1.225,00 e IMEA (2016) de R$ 1.520,80 por hectare, correspondentes apenas a
87% das necessidades de fertilização das culturas. O restante das necessidades
nutricionais do cultivo é provido pelos restos culturais (biomassa), no valor de R$
183,04 para o ano de 2015 e, de R$ 227,24 para o ano de 2016, estes valores
correspondem a 13% das necessidades nutricionais do cultivo.
Os valores de R$ 183,04 e R$ 227,24 representam o valor estimado por
hectare da receita de produção de biomassa para o sistema de cultivo soja/milho,
multiplicando pela quantidade de hectares cultivados. Considerando a área
produtiva da entidade de 550 hectares, encontra-se o valor total de receita
ecossistêmica de produção: R$ 100.672,00 na safra de 2014/15 e R$ 124.982,00
na safra de 2015/16.
No cultivo de cana de açúcar, a produção de biomassa foi estimada
considerando os dados de estudo realizados por PAULA et al. (2012), que
objetivou organizar informações da produção de cana de açúcar. Os autores
realizaram pesquisa sobre o cultivo de cana de açúcar e ressaltaram a
importância da reciclagem de nutrientes da palhada da cana-de-açúcar.
Além da reciclagem de nutriente, os autores apontam diversas vantagens:
o sequestro de carbono, a conservação do solo, a manutenção da unidade, a
redução de plantas daninhas e de erosão, entre outros. Ainda, demonstraram o
volume de matéria seca e de carbono contido na biomassa de cana açúcar por
hectare segundo alguns estudos analisado, dados esses mostrados na (quadro
1).
86
Quadro 1. Matéria seca (MS) e de carbono (C) contido na biomassa de cana de
açúcar
Cana de açúcar Biomassa MS há <% de C na MS t C há
Colmos 21,48 42,86 9,21
Palhada 10,47 42,86 4,49
Raízes 1,98 42,86 0,85
Total 33,88 t MS ha 42,86 14,55
Fonte: PAULA et al. (2012, p. 107).
O volume evidenciado de 33,88 tonelada por hectare de matéria seca é
bem próximo ao apurado por OLIVEIRA et al. (2014), que quantificaram a
produção de biomassa aérea e radicular do cultivo de cana em 32,42 toneladas
por hectare de matéria seca e de FRANCO (2008), que identificou o aporte da
palhada da parte aérea e da rebrota do sistema radicular em 28,9 toneladas por
hectare.
Quanto ao reconhecimento contábil das contribuições da produção de
biomassa dos cultivos agrícola, salienta-se que o sequestro de carbono na
biomassa somente poderá ser reconhecido como receita ecossistêmica quando
a entidade negociar os respectivos créditos. Embora o sequestro de carbono
seja um serviço ecossistêmico, ele não pode ser considerado um custo da
atividade agropecuária.
Na avaliação monetária da reciclagem dos nutrientes NPK, na biomassa
remanescentes após a colheita no cultivo de cana de açúcar, utilizaram-se os
resultados do estudo de LOMBARD et al. (2012). Os autores valoraram os
nutrientes presentes na biomassa da cana, transformam os nutrientes em
equivalente de fertilizante comercial e concluíram que a reciclagem de nutrientes
contidos na palhada da cana contribui com R$ 14,76 por tonelada/ano.
Os estudos analisados apontam que a produção e manutenção dos restos
culturais no solo podem contribuir para redução da erosão. Na valoração dos
serviços ecossistêmicos de controle de erosão, relacionados com produção e
manutenção da biomassa no cultivo de cana açúcar, consideraram-se os
resultados de estudo desenvolvido por ANDRADE et al. (2011). Eles avaliaram
as perdas de solo e consequentes os nutrientes em dois sistemas de produção:
cana queimada e cana crua. Concluíram que o custo de reposição de nutrientes,
87
em média, na cana queimada foi de R$ 33,92 por hectare/ano, e no de cana
crua, R$ 21,12 por hectare/ano.
Os autores argumentam que acúmulo da biomassa remanescente da
colheita mecanizada no sistema de cana crua contribui no controle da erosão.
Como se observa a diferença dos custos de reposição de nutrientes entre os
dois sistemas de produção de cana de açúcar no valor de R$ 12,80 corresponde
à perda evitada pelo acúmulo da biomassa no solo.
No cálculo da receita de serviços ecossistêmica nas safras 2014/15 e
2015/16, a partir da utilização dos dados apurados por LOMBARD et al. (2012)
e ANDRADE et al. (2011), que demonstraram um benefício de R$ 14,76 de
reciclagem de nutrientes e R$ 12,80 de controle de erosão por hectare/ano
proporcionado pela biomassa acumulada no solo. Para os 23.000 hectares
cultivados com cana de açúcar pela entidade investigada, tem-se estimativa de
receita de serviços ecossistêmicos de R$ 633.880,00 por ano.
A reciclagem de nutrientes na atividade de bovinocultura, considerou-se
que os dejetos de bovinos criados a pasto apresentam em seu conteúdo
quantidades consideráveis de nutrientes. A caracterização e a estimativa de
produção dos dejetos de bovinos apoiou-se nos dados apurados por SANTOS e
NOGUEIRA (2012). Eles estimaram, por meio de pesquisas bibliográficas, a
média de peso do rebanho bovino brasileiro a ser utilizado como parâmetro para
os cálculos da produtividade diária de dejetos, assim, o peso médio de bovino
foi estimado em 300 Kg e a produção diária de esterco em 21 kg.
A disponibilidade do nutriente NPK presente nos dejetos de bovino
apoiou-se nos dados de estudo realizado por SANTOS (2012). Para a autora, a
composição química dos dejetos de bovino é variável, sendo influenciada por
fatores como a espécie animal, a raça, a idade, a alimentação, o tratamento dado
ao dejetos, etc.
O nível de NPK de uma mistura ou formula comercial de fertilizante é
expresso em percentuais de nitrogênio, fosforo e potássio respectivamente. A
quantidade de nutrientes presentes nos dejetos de bovino, segundo alguns
autores organizados por SANTOS (2012), é demonstrada no (quadro 2).
88
Quadro 2. Quantidade de nutrientes em % presente nos dejetos de bovinos
Autores Nitrogênio N Fósforo P Potássio K
NOGUEIRA (1983) 0,34 0,13 0,4
KIEHL (1985) 1.67 0,86 1,37
AMORIM (2002) 2,05 1,44 1,49
PRESTES (2007) 0,3 0,17 0,1
Fonte: SANTOS (2012, p 42).
A disponibilidade média de N, P, K estimada por SANTOS (2012, p. 47)
em “N 0,11, P 0,04 e K 0,09 Kg por animal/dia” respectivamente, foi utilizada
para valoração monetária da reciclagem de nutriente dos dejetos de bovinos na
entidade investiga. Inicialmente converteu-se a quantidade de nutrientes para
uma fórmula comercial de NPK.
Segundo RIBEIRO et al. (1999) para encontrar as relações dos nutrientes
0,11Kg de nitrogênio; 0,04Kg fosforo e 0,09Kg potássio, basta dividir esses
quilogramas pelo menor deles (0,04), tem-se uma relação de NPK. 0,11/0,04 =
2,75; 0,04/0,04 = 1; 0,09/0,04 = 2,25.
O resultado apurado 2,75 – 1,0 – 2,25 multiplicado por x, considera-se x
os números naturais {1, 2, 3, 4, ..., n}, convertem-se os nutrientes para diversas
fórmulas comerciais de NPK compatíveis. Para x = 8, obtém-se a seguinte
fórmula: Nitrogênio 22% - Fosforo 8%-Potássio 18%, entretanto, a fórmula
comercial de fertilizantes equivalente é expressa apenas por números inteiros,
ou seja, 23-8-13.
Para atingir as respectivas quantidades de nutrientes, são necessários 0,5
Kg da fórmula de NPK 23-8-18, ou seja; 23% de 0,5Kg equivalem a 0,115Kg de
nitrogênio, 8% de 0,5 equivalem a 0,04Kg fosforo e 13% de 0,5 equivalem a
0,065kg de potássio.
O valor da receita ecossistêmica proveniente da reciclagem dos dejetos
de bovino foi calculado considerando a disponibilidade média de (N, P, K)
presentes nos dejetos, o número de animais da entidade estudada e os preços
dos fertilizantes NPK, com a formulação 23-8-13 na data do balanço. O volume
equivalente de NPK diários foram convertidos para volume anual, multiplicando-
o por 365 dias e, em seguida, pelo número de animais da entidade agropecuária
investigada.
89
O quantitativo do rebanho bovino da entidade agropecuária investigada
foi estimada para o ano de 2014 em 8.569 e para o ano de 2015 em 7.500
animais de acordo com o estoque evidenciado nas demonstrações contábeis
publicada. A receita de serviço ecossistêmico anual com a reciclagem de
macronutrientes NPK, presentes no dejeto de bovino foi calculada de acordo com
a seguinte equação:
Rser = qen*qrb*pçm*n
onde:
Rser – Receita de serviço ecossistêmico de reciclagem
qen – quantidade equivalente de nutriente
qrb – quantidade do rebanho bovino da entidade
pç – preço de mercado da formula equivalente de NPK
n – número de dias no ano (365)
Os preços praticados no mercado na bacia do São Lourenço – MT foram
R$ 1.573,00 e R$ 1.615,00 por tonelada respectivamente. O valor da receita
ecossistêmica de reciclagem de nutrientes N-P-K contidos nos dejetos de
bovinos da entidade investigada calculada foram em 2014 de R$ 2.459.924,25,
e em 2015 de R$ 2.210.531,25.
A produção de dejetos e a reciclagem de nutriente na suinocultura foi
estimada de acordo proposta de PEDOMO et al. (1999), os autores propõem a
utilização dos seguintes volumes (quadro 3).
Quadro 3. Volume de dejetos de acordo com o tipo de granja e nível de diluição
Tipo de granja Nível de diluição
Baixa Media Alta
Ciclo completo (litro/matriz/dia) 100 150 200
Unidade produção leitões (litro/matriz/dia) 60 90 120
Unidade de terminação (litro/animal/dia) 7,5 11,2 15
Fonte: PEDOMO et al. (1999).
A estimativa diária de dejetos do rebanho de suínos da entidade
investigada foi calculada multiplicando-se o número de matrizes da entidade
investigada pelo volume de dejetos considerando que entidade explora o ciclo
90
completo com o nível de diluição de 150 (litros/matriz/dia) informado na tabela 3.
A reciclagem da nutriente presentes nos dejetos de suínos foi calculada
considerando a disponibilidade de (N, P, K). Para o cálculo utilizou-se a
composição físico – química dos dejetos sugerida por PEDOMO et al. (1999)
esta apresentada no (quadro 4).
Quadro 4. Concentração de elementos nos dejetos suínos de acordo com o nível
de diluição
Tipo de nutriente Nível de diluição
Baixa Média Alta
Matéria seca MS (%) 5,70 3,80 2,90
Nitrogênio N (kg/m3) 2,70 1,80 1,40
Fósforo P (kg/m3) 0,94 0.62 0,47
Potássio K (kg/m3) 1,51 1,00 0,75
Fonte: PEDOMO et al. (1999).
A entidade investigada desenvolve as seguintes fases cria, recria e
terminação de suínos. O volume diário médio de dejetos produzidos por este
sistema de criação de suínos foi estimado por PEDOMO et al. (1999) em 150
(litro/matriz/dia). A entidade investigada possui no plantel de suínos 856 matrizes
que produz, aproximadamente, 128,4m3 de dejetos ao dia. Os resíduos são
manejados na forma líquida e conduzidos para o sistema de manejo e
tratamento, que é constituído por um conjunto de quatro lagoas e,
posteriormente, transferido para as atividades agrícolas.
Consideraram-se as concentrações de nutrientes NPK, nos dejetos dos
suínos estimadas por PEDEMO et al. (1999) em N de 1,8 Kg/m3; P de 0,62 Kg/m3
e K de 1,0 Kg/m3. Inicialmente, conforme propõe RIBEIRO et al. (1999),
converte-se a quantidade de nutrientes para uma fórmula comercial de NPK,
dividindo N 1,8Kg, P 0,62Kg e K 1,0Kg, pelo menor deles (0,62), tem-se uma
relação de NPK, conforme observa-se: 1,8/0,62 = 2,9; 0,62/0,62 = 1,0; 1,0/0,62
= 1,61. Os valores 2,9 – 1,0 – 1,61 multiplicados por x, considera-se x os
números naturais {1, 2,3, ..., n}, tem-se diversas fórmulas comerciais de NPK.
Para x = 8, por exemplo, obtém-se a seguinte fórmula comercial: Nitrogênio 23%
91
- fósforo 8%- Potássio 12,88%, entretanto, a fórmula comercial equivalente é
expressas apenas por números inteiros, ou seja 23-8-13.
Para atingir as respectivas quantidades de nutrientes, são necessários
7,82 Kg da fórmula de NPK 23-8-13, ou seja; 23% de 7,82Kg equivalem a 1,80Kg
de nitrogênio, 8% de 7,82 equivalem a 0,62Kg de fosforo e 13% de 7,82
equivalem a 1,0kg de potássio.
O valor da receita ecossistêmica proveniente da reciclagem dos dejetos
de suíno foi calculado considerando a disponibilidade média de (N, P, K)
presentes nos dejetos, o número de animais da entidade investigada e os valores
dos fertilizantes NPK, com a formulação 23-8-13 na data do balanço. A produção
anual dos dejetos foi estimada em 46.866 m3. O volume equivalente de NPK
7,82 kg diários por metro cúbico. A receita de serviço ecossistêmico anual com
a reciclagem de macronutrientes NPK, presentes no dejeto de suínos foi
calculada de acordo com a seguinte equação:
Rser = qen*pad*pçm*n
onde:
Rser – Receita de serviço ecossistêmico de reciclagem
qen – quantidade equivalente de nutriente
pad – produção anual de dejetos
pç – preço de mercado da formula equivalente de NPK
Para o ano de 2014, tem-se: 7,82 kg/m3 e a produção anual de dejetos
46.866 m3. Os preços praticados no mercado na bacia do São Lourenço – MT
na data das demonstrações contábeis foram R$ 1.573,00 e R$ 1.615,00
respectivamente. O valor da receita ecossistêmica de reciclagem de nutrientes
foi em 2014 de R$ 576.488,77, e em 2015 de R$ 591.881,35.
A contabilização da receita ecossistêmica de produção auferidas por cada
entidade investigada, identificada de forma reversa a partir da área utilizada na
produção e dos respectivos produtos agropecuários desenvolvidos na safra
2014/2015 (soja/milho; cana de açúcar; bovino e suíno) foi demonstrado a seguir
(tabela 4).
92
Tabela 4. Registro da receita de produção ecossistêmica
Cultivo de soja/milho, bacia do rio São Lourenço em 2014
D - Custos das Atividades Agrícolas
Fertilizantes $ 100.672,00
C - Receitas de Produção Ecossistêmica
Produção Biomassa $ 100.672,00
Cultivo de cana de açúcar, bacia do rio São Lourenço em 2014
D - Custos das atividades agrícola
Tratos culturais – fertilizantes $ 633.880,00
C - Receitas de Produção Ecossistêmica
Produção Biomassa $ 633.880,00
Atividade de bovinocultura, bacia do rio São Lourenço em 2014
D - Custos das atividades pecuárias
Tratos culturais de pastagens $ 2.459.924,25
C - Receitas de Produção Ecossistêmica
Produção Biomassa $ 2.459.824,25
Atividade de suinocultura, bacia do rio São Lourenço em 2014
D - Transferências internas
Biofertilizantes $ 576.488,77
C - Receitas de Produção Ecossistêmica
Produção Biomassa $ 576.488,77
Na entidade investigada que explora a atividade de suinocultura, os
dejetos dos suínos são utilizados na fertilização de cultivos agrícolas do grupo
de acionistas da entidade investigada, o intercâmbio dos dejetos representa uma
fonte de receitas para a suinocultura. Em outras palavras, a transferência dos
nutrientes para atividade agrícola representa uma venda interna para a atividade
de suinocultura. Nas demais entidades, as contribuições ecossistêmicas são
usufruídas pelas próprias atividades desenvolvidas.
A receita de serviços ecossistêmicos na dimensão externa, neste estudo,
compreende as contribuições ecossistêmicas usufruídas no desenvolvimento
das atividades agropecuárias providas nas áreas naturais da bacia hidrográfica
do São Lourenço. Segundo ANDRADE et al. (2012, p. 56)
93
“Entre os serviços ecossistêmicos prestados pelas bacias
hidrográficas, especial atenção deve ser dada aos serviços
hidrológicos, constituídos pelos serviços de purificação e
filtragem da água, regulação dos fluxos estacionais, controle
da erosão e dos sedimentos e preservação de hábitats
naturais. Bacias hidrográficas com alta proporção de áreas
florestadas possuem uma maior capacidade de moderação
de escoamento superficial, bem como de purificação de
recursos hídricos”.
Em face das características biológicas da produção agropecuária, os
serviços ecossistêmicos necessários para o desenvolvimento dos cultivos e
criações são absorvidos continuamente. As interrupções nas provisões destes
comprometem a continuidade e ou produtividade e a substituição pode ser
altamente custosa ou mesmo impossível. Neste sentido, o conjunto de serviços
ecossistêmicos absorvido por cada entidade agropecuária, para a concretização
dos seus processos produtivos providos pelos ecossistemas contidos na bacia
do São Lourenço, foram valorados pelo custo de oportunidade.
Os benefícios possíveis de serem auferidos com a expansão das
atividades agropecuárias foram calculados utilizando as margens de
contribuição das atividades agropecuárias desenvolvidas nas safras 2014/15 e
2015/16 e a quantidade de área classificada como natural da bacia hidrográfica.
Nesse contexto, pressupôs-se que a integridade dos ecossistemas é um fator
positivo para potencializar sua capacidade de prover bens e serviços. Dentre as
áreas naturais, destacam-se as unidades de conservação existentes na bacia do
Rio São Lourenço:
Parque Ecológico João Basso, área 3.624 ha;
Parque Estadual Dom Osório Stoffel, área 6.422 ha;
Terra Indígena Tadarimana, área 9.785 ha;
Terra Indígena Tereza Cristina, área 34.149 ha;
Área remanescente de reserva legal.
Segundo PAESE et al. (2012), a área de reserva legal remanescente da
bacia hidrográfica do Rio São Lourenço é composta por apenas 253.815
94
hectares. Os autores constataram, ainda, um déficit para adequação das
propriedades às obrigações ambientais vigentes de 127.012 hectares em
apenas sete municípios que compõem a bacia hidrográfica do São Lourenço -
MT. As áreas de reserva legal adicionadas a outras unidades de conservação
existentes na bacia hidrográfica são responsáveis pela provisão de grande parte
dos serviços ecossistêmicos absorvidos pelas atividades agropecuárias.
A alteração do uso do solo reflete nos ecossistemas bem como na
provisão de bens e serviços ecossistêmicos. Neste estudo considerou-se que o
mapa de uso do solo permite uma visão integrada da ocupação da bacia
hidrográfica. O mapa de uso e cobertura do solo na bacia do São Lourenço –
MT utilizado foi elaborado CAMARGO (2011), a classificação foi simplificada
para apenas 2 classes de uso e cobertura do solo, conforme é mostrado no
(quadro 5).
Quadro 5. Classe de uso e cobertura do solo na bacia São Lourenço-MT, em
2011
Classes Área (ha) % da Bacia
Uso antrópico 1.719.758,0 64,80 %
Natural 933.972,2 35,20 %
Total 2.653.730,2 100,00 %
Fonte: CAMARGO (2011).
O cálculo das áreas referentes a cada classe de uso e cobertura foi
organizada pelo Laboratório de Sensoriamento Remoto e Geoprocessamento –
DEGEO/ICHS/CUR/UFMT. O uso e cobertura do solo foi classificado em uso
antrópico e natural, área de cada classe e a respectiva distribuição percentual
na bacia.
Constatou-se a absorção dos serviços ecossistêmicos por parte de cada
entidade agropecuária de forma reversa, ou seja, os produtos agropecuários
desenvolvidos têm suas origens em processos biológicos, são dependentes de
condições climáticas favoráveis, de nutrientes em qualidade e quantidade
satisfatória, do controle de pragas e de doenças para o desenvolvimento
vegetativo dos cultivos e criações.
95
Na bacia hidrográfica do São Lourenço, situada sobre o bioma cerrado, o
sistema de produção adotado é determinado, principalmente, pelos
ecossistemas existentes na bacia hidrográfica, e a capacidade destes de prover
bens e serviços, concomitantemente com as condições climáticas, as
características físicas e química do solo e o relevo.
São desenvolvidas diversas atividades agropecuárias na bacia
investigada, tais como cultivos de soja, milho, algodão, cana de açúcar,
suinocultura e bovinocultura. Os principais produtos agropecuários
desenvolvidos e as respectivas áreas ocupadas na bacia hidrográfica
investigada, segundo o IBGE (2014) na safra 2014/15 classificadas por
municípios, são evidenciado no (quadro 6).
Quadro 6. Área utilizada na produção agropecuária, classificada por municípios
da bacia São Lourenço – MT em 2014
Município Área destinada ao cultivo em ha Bovinocultura
Soja Cana Milho Algodão Bovino Área há
Campo Verde 209.000 15 95.760 69.200 81.682 20.420
Alto Garça 97.169 15 30.485 7517 70.973 17.743
São J. Povo 30 100 76.144 19.036
Dom Aquino 36.900 0 14.310 18.600 95.713 23.928
Poxoréo 58.000 20 29.190 11.550 330.917 82.729
Jaciara 39.500 16.000 13.424 5.570 86.902 21.725
Juscimeira 33.300 150 12.500 5.500 173.320 43.330
Rondonópolis 85.072 50 30.000 6.015 328.397 82.099
Pedra Preta 53.910 100 22.556 16.113 322.508 80.627
Itiquira 177.325 5.000 92.355 12.932 292.461 73.115
Guiratinga 69.142 7 25.500 10.000 155.732 38.933
Total 859.318 21.387 366.180 162.997 503.685
% da área 44,90 1,12 19,14 8,52 26,32
Fonte: IBGE (2014).
O uso do solo para produção agropecuária gera benefícios econômicos,
o fato de renunciar a esses benefícios em detrimento da conservação dos
96
ecossistemas traduz-se em custo de oportunidade. Tal custo está relacionado
ao fato de as entidades agropecuárias renunciarem produzir em determinadas
áreas, em outras palavras, representa os valores que poderiam ser auferidos
com a conversão dessas áreas em atividades produtivas desenvolvidas por tais
entidades.
Os principais produtos agropecuários desenvolvidos e as respectivas
áreas ocupadas na bacia hidrográfica analisada, segundo o IBGE (2015) na safra
2015/16, são classificadas por municípios e demonstrados a seguir no (quadro
7).
Quadro 7. Área utilizada nas atividades agropecuárias, classificada por
municípios da bacia São Lourenço – MT em 2015
Município Área destinada ao cultivo em ha Bovinocultura
Soja Cana Milho Algodão Bovino Área (ha)
Campo verde 210.100 25 88.760 81.996 102.047 25.511
Alto Garça 97.015 15 34.677 4.524 75.192 18.798
São J. Povo 30 100 79.951 19.987
Dom Aquino 36.900 0 17.320 20.700 103.981 25.995
Poxoréo 58.000 20 28.090 28.784 350.695 87.673
Jaciara 39.500 14.817 14.710 7.822 92.049 23.012
Juscimeira 33.000 150 12.500 3.614 182.918 45.729
Rondonópolis 83.764 50 35.505 5.240 355.349 88.837
Pedra Preta 57.046 100 24.660 14.025 344.422 86.105
Itiquira 180.000 5.000 100.000 11.700 324.984 81.246
Guiratinga 63.008 4 31.587 5.810 167.821 41.955
Total 858.333 20.211 387.909 184.215 544.848
% da área 43,01 1.02 19,43 9,23 27,31
Fonte: IBGE.
A atividade de suinocultura é desenvolvida na área investigada,
entretanto, os suínos são confinados ocupando um percentual discreto da área
total da bacia hidrográfica. Por ocupar uma quantidade de área pequena na bacia
hidrográfica, não foi possível identificar o percentual da área da bacia do São
97
Lourenço-MT ocupado pela atividade. Acresce que os suínos são alojados em
instalações de alvenaria que permitem o controle da ventilação, da temperatura
e da umidade. A alimentação fornecida aos animais é balanceada por categoria
do plantel, os grãos (soja e milho) são ingredientes utilizados na produção de
ração de suínos.
Considerando que os serviços ecossistêmicos usufruídos pela entidade
investigada não foram computados na produção de soja e milho, os custos totais
de produtos agropecuários foram subestimados e, consequentemente, na
formação dos preços destes produtos não são considerados os custos totais de
produção. Consequentemente, a atividade de suinocultura quando consume
esses produtos agropecuários recebe uma subvenção no valor dos respectivos
serviços ecossistêmicos que não foram devidamente apurados e contabilizados.
As margens de contribuição dos principais produtos agropecuários
produzidos na bacia do São Lourenço, para fins de aplicação do presente estudo,
foram calculadas utilizando os valores apurados pelo SENAR, IMEA e
EMBRAPA (2015).
A quantificação da receita de serviços ecossistêmicos usufruída pelas
entidades agropecuárias foi calculada sobre as margens de contribuições,
possíveis de serem obtidas por meio de conversão das áreas naturais existentes
na bacia do São Lourenço para o desenvolvimento de atividades agropecuárias.
Embora esse procedimento não valore aos serviços ecossistêmicos, demonstra
o montante renunciado para manter a integridade dos ecossistemas e a oferta
destes serviços.
A partir das receitas e custos dos produtos agropecuários apurados pelo
SENAR, IMEA e EMBRAPA (2015), calculou-se a margem de contribuição dos
produtos soja, milho, cana de açúcar e bovino.
Salienta-se que a conversão das áreas naturais da bacia hidrográfica do
São Lourenço em áreas agropecuárias, consiste em alternativa inviável ou
proibitiva. Dentre outros motivos, pelo papel que desempenham na preservação
da biodiversidade, bem como pela sua contribuição para provisão de habitat,
para a regulação climática, para o controle da erosão, entre outros serviços. A
proposição do uso alternativo dessas áreas, no presente estudo, visa tão
somente mostrar a exequibilidade da valoração e contabilização das receitas de
serviços ecossistêmicos.
98
As margens de contribuição dos produtos agropecuários de cada entidade
são demonstradas no (quadro 8).
Quadro 8. Margem de contribuição unitária por tipo de cultura/criações das
entidades investigadas safra 2014/15 e 2015/16
Contas Soja Milho Bovino Cana
Safra 2014/2015
Preço de venda R$ 49,65 15,00 114,75@
Produtividade por ha 51,9 sc 128 sc 17@
Receita – R$/ha 2.484,95 1,895,50 1.343,80 3.846,78
Custos variáveis 1.671,74 1.258,11 991,72 3.254,93
Margem contribuição 813,21 637,39 352,08 591.85
Safra 2015/2016
Preço de venda R$/Sc 56,13 16,67
Produtividade por ha 53,13 sc 128 sc 17@
Receita – R$/ha 2.884,53 2.089,30 1.383,35 3.846,78
Custos variáveis 1.977,04 1.465,86 1.012,71 3.254,93
Margem contribuição 907,49 623,44 370,64 591.85
Fonte: SENAR, IMEA e EMBRAPA (2015).
A área natural da bacia do rio São Lourenço segundo CAMARGO (2011)
corresponde a 933.972,2 hectares. O valor do custo de oportunidade total, da
expansão das atividades agropecuária sobre as áreas naturais da bacia do rio
São Lourenço foi calculado de acordo com a seguinte equação:
Cot = mcu*%ac*qan
Onde:
Cot – custo de oportunidade total
mcu – margem de contribuição unitário por tipo de cultura/criação
%ac – percentual da área por tipo de cultura/criação
qan – quantidade de área natural da bacia do São Lourenço
99
O custo de oportunidade unitário foi calculado dividindo o custo de
oportunidade total pela área da bacia do São Lourenço ocupada por tipo de
produtos agropecuários produzidos, conforme mostrado no quadro 6 para safra
2014/15 e no quadro 7 para a safra 2015/16 (tabela 5).
Tabela 5. Custo de oportunidade na bacia do Rio São Lourenço safra 2014/15
Produtos MCU
R$/ha
% de
uso
Área
Natural
Custo oportunidade
Total Unitário
Soja 813,21 44,90 419.353 341.022.053,10 396,85
Milho 637,39 19,14 178.762 113.941.111,20 311,16
Cana de açúcar 591,85 1,12 1.046 619.075,10 28,94
Bovinocultura 352,08 26,32 245.821 86.548.657,68 143,36
Outros 8,52 88.990,2
O valor do custo de oportunidade unitário, corresponde ao valor monetário
por hectare dos benefícios disponibilizados pelos ecossistemas para o
desenvolvimento do processo produtivo das entidades agropecuárias.
A margem de contribuição da atividade agropecuária é sacrificada para
existência de áreas naturais e, os respectivos ecossistemas na bacia do São
Lourenço, correspondem ao valor possível de ser auferido pelas mudanças de
uso nas áreas preservadas, conforme mostra (tabela 6).
Tabela 6. Custo de oportunidade na bacia do Rio São Lourenço safra 2015/16
Produtos MCU % de
uso
Natural
933.972,2
Custo oportunidade
Total Unitário
Soja 907,49 43,10 402.542 365.302.839,60 425,59
Milho 623,44 19,43 181.470 113.135.656,80 291,65
Cana de açúcar 591,85 1,02 952 563.441.20 27,87
Bovinocultura 370,64 27,31 255.067 94.538.032,88 173,53
Outros 9,14 93.941,2
O valor das receitas de serviços ecossistêmicos é calculado multiplicando
custo de oportunidade unitário por hectare pela área de produção de cada
100
entidade. As receitas de serviços ecossistêmicos na dimensão externa (área
natural da bacia do São Lourenço das entidades investigadas são: soja/milho
safra 2014/15 área de 550 ha, e R$ 389.405,50; cana açúcar área de 23.000 ha,
e R$ 665.620,00, Bovino área de 2.000 ha, e R$ 286.720,00.
A atividade de suinocultura é desenvolvida pela entidade investigada é
realizada de forma intensiva, em uma pequena área composta de infraestrutura e
que gera grande concentração de matéria orgânica e nutrientes provenientes dos
dejetos suínos. Embora, no manejo e tratamento dos dejetos sejam necessários
serviços ecossistêmicos. Os dados disponíveis não permitiram sua mensuração.
Na safra 2014/15, o reconhecimento e a evidenciação das receitas
ecossistêmicas por parte das entidades agropecuárias investigadas demonstram
que, no cultivo de cana de açúcar, ocorreu menor impacto no resultado da
entidade. Por outro lado, na atividade bovinocultura após o registro das receitas
ecossistêmicas, ficou evidenciado que o resultado apurado foi insuficiente para
remunerar os serviços ecossistêmicos. Os impactos nos resultados das entidades
no ano de 2014, após a contabilização das receitas ecossistêmicas são
demonstrados a seguir (tabela 7).
Tabela 7. Reconhecimento dos custos e das receitas ecossistêmicas na
apuração do resultado das entidades investigas (safra 2014/15 em milhares de
reais)
CONTAS Soja Cana Bovino Suíno
Receita das atividades 1963 130.845 22.327 9.082
Deduções (5) (466)
Custos dos Produtos Vendidos (987) (95.630) (17.590) (5.633)
Custos ecossistêmicos (490) (1.299) (2.746) (576)
Lucro Antes Rec. Ser. Ecos. 481 30.916 1.991 2.407
Receita ecossistêmica 490 1.299 2.746 576
Lucro após Rec. Ser Ecos. 971 32.215 4.737 2.983
A contabilização das receitas ecossistêmicas demonstra o nível de
participação dessas receitas no resultado apurado por cada entidade. Evidencia-
se o valor monetário dos serviços ecossistêmicos apropriados pela entidade no
101
período contábil, em outras palavras, demonstra a dependência da provisão dos
serviços ecossistêmicos para concretização dos objetivos dessas entidades.
As receitas de serviços ecossistêmicos apuradas no modelo contábil
utilizou a margem de contribuição das atividades agropecuárias renunciadas por
não converter as áreas naturais da bacia do São Lourenço em áreas destinadas
ao desenvolvimento de atividade agrícola e atividade de pecuária. Dessa forma,
foi computado pelo método de custo de oportunidade o valor da renda sacrificada
em prol da preservação ecossistemas contidos nas áreas naturais da referida
bacia hidrográfica e, consequentemente, a capacidade destes de prover bens e
serviços.
Cabe destacar que tal modelo evidenciou a contribuição dos
ecossistemas para a formação do resultado das entidades agropecuárias. Todas
as entidades investigadas apresentavam lucro bruto antes do reconhecimento
contábil dos bens e serviços ecossistêmicos. Com a contabilização desses bens
e serviços, constatou-se que esse lucro bruto é constituído, em grande parte,
pela contribuição dos ecossistemas.
Os impactos nos resultados das entidades no ano de 2015, após a
contabilização das receitas ecossistêmicas são demonstrados a seguir (tabela 8).
Tabela 8. Reconhecimentos dos custos e das receitas ecossistêmicas na
apuração do resultado das entidades investigadas (safra 2015/16 em milhares
de reais)
Contas Soja Cana Bovino Suíno
Receita das Atividades 3.840 124.540 14.360 18.324
Deduções (34) (1.233)
Custos dos Produtos Vendidos (1.077) (84.832) (12.430) (14.128)
Custos ecossistêmicos (495) (1.274) (2.557) (591)
Lucro antes Rec. Ser, Ecos 2.234 38.434 (627) 2.372
Receita Ecossistêmica 495 1.274 2.557 591
Lucro após Rec. Ser. Ecos. 2.729 39.708 1.930 2.963
Na atividade agropecuária verificou-se a existência de diversas receitas
de produção ecossistêmicas: produtos agrícolas, biomassa, produtos pecuários,
102
dejetos, bem como, a provisão de diversas receitas de serviços ecossistêmicos,
como manutenção da biodiversidade, das paisagens rurais e provisão de hábitat
para espécies selvagens.
Verificou-se, ainda, que as contribuições dos ecossistemas para a
formação do lucro bruto das entidades investigadas nas safras 2014/15 e
2015/16 foram, respectivamente: cultivo de soja 54,4% e 18%; cultivo de cana
4,03% e 3,20%; bovinocultura 57,97% e 132,48%; suinocultura 19,8% e 19,9%.
Conclusão
As entidades investigadas neste estudo, além da produção de produtos
agropecuários, provêm uma série de bens e serviços. Alguns desses bens e
serviços são passíveis de serem absorvidos nos cultivos subsequentes da
entidade. Outros possuem um enorme potencial para promover o bem-estar
humano, como por exemplo, a regulação atmosférica por meio do sequestro de
carbono nos restos culturais.
Os resultados da contabilização das receitas de serviços ecossistêmicos
demonstram que as atividades agropecuárias estabelecem relações com os
ecossistemas que impactam os custos e o desempenho das entidades. O
reconhecimento e a comunicação do valor dos serviços ecossistêmicos
propiciam aos usuários das demonstrações contábeis condições de conhecer e
analisar a economia obtida com o usufruto dos ecossistemas e o real custo das
atividades executadas.
O modelo contábil aplicado se mostrou operacional, adequado aos
propósitos de sua utilização e de promissora aplicabilidade. Foi observado que
a internalização contábil dos serviços ecossistêmicos introduz novos dados na
apuração do resultado das entidades. Os novos dados enriquecem a análise das
demonstrações contábeis no sentido de capacitar os produtores rurais e os
demais usuários para a tomada de decisão.
Os limites principais desta pesquisa relacionam-se com a disponibilidade
de informações referentes às bacias hidrográficas. A maioria dos dados
disponíveis foram apurados por delimitações políticas e administrativas. Outro
limite diz respeito à inexistência de controle interno por parte das entidades do
consumo de bens e serviços providos pelos ecossistemas, dos volumes
produzidos de biomassa e dejetos das atividades desenvolvidas.
103
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7. Conclusão Geral
Este estudo propôs e aplicou um modelo contábil de reconhecimento das
receitas de serviços ecossistêmicos por parte das entidades agropecuárias na
bacia do São Lourenço – MT. Observou-se uma série de conceitos e
classificações dos serviços ecossistêmicos. As diferentes classificações são
adotadas conforme a finalidade e o contexto dos estudos e pesquisas. Para fins
de contabilização, propôs-se uma classificação que segregou os bens e os
serviços em duas categorias distintas.
O resultado obtido no estudo mostra a relevância dos serviços
ecossistêmicos para o desenvolvimento das atividades agropecuárias. Detectou-
se também uma duplicidade de funções exercidas pelas atividades
agropecuárias relacionadas ao seu processo produtivo. O resultado da pesquisa
apontou, ainda, que as entidades agropecuárias investigadas usufruem de uma
série de serviços ecossistêmicos providos nas dimensões internas e externas da
entidade.
A aplicação do modelo produziu informações relacionadas à economia
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obtida pelas entidades agropecuárias com usufruto dos ecossistemas e
concomitantemente proporciona a apuração de custo das atividades executadas
no período mais aproximada da realidade. Demonstrou a aplicabilidade do
método de valor justo para precificação dos bens e serviços ecossistêmicos, bem
como, a contabilização e evidenciação das receitas ecossistêmicas.
Por fim, concluiu-se pela exequibilidade e pertinência da internalização,
pelo sistema contábil dos bens e serviços provenientes dos ecossistemas
auferidos pelas entidades agropecuárias.