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ESTUDOS RELATIVOS ÀS MUDANÇAS CLIMÁTICAS E RECURSOS HÍDRICOS PARA EMBASAR O PLANO NACIONAL DE ADAPTAÇÃO ÀS MUDANÇAS CLIMÁTICAS Eixo IV Governança na Gestão dos Recursos Hídricos Relatório 01: Identificação dos Principais Problemas e Desafios para o SINGREH Brasília DF Outubro de 2014 ________________________________________________________

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ESTUDOS RELATIVOS ÀS MUDANÇAS

CLIMÁTICAS E RECURSOS HÍDRICOS PARA

EMBASAR O PLANO NACIONAL DE

ADAPTAÇÃO ÀS MUDANÇAS CLIMÁTICAS

Eixo IV – Governança na Gestão dos Recursos Hídricos

Relatório 01: Identificação dos Principais Problemas e

Desafios para o SINGREH

Brasília DF

Outubro de 2014

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© Centro de Gestão e Estudos Estratégicos

O Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE) é uma associação civil sem fins lucrativos e de interesse

público, qualificada como Organização Social pelo executivo brasileiro, sob a supervisão do Ministério da

Ciência, tecnologia e inovação (MCTI). Constitui-se em instituição de referência para o suporte contínuo de

processos de tomada de decisão sobre políticas e programas de ciência, tecnologia e inovação (CT&I). A

atuação do Centro está concentrada das áreas de prospecção, avaliação estratégica, informação e difusão

do conhecimento.

Presidente Mariano Francisco Laplane

Diretor Executivo Marcio de Miranda Santos

Diretores Antonio Carlos Filgueira Galvão

Gerson Gomes

Centro de Gestão e Estudos Estratégicos SCS Qd 9, Bl. C, 4º andas, Ed. Parque Cidade Corporate 70308-200, Brasília, DF. Telefone: (61) 34249600 http://www.cgee.org.br

Este estudo é parte integrante das atividades desenvolvidas no âmbito do Contrato Administrativo celebrado

entre o CGEE e a Agencia Nacional de Águas – ANA: Contrato Nº.110/ANA/2013

Todos os direitos reservados. É permitida a reprodução de dados e informações contidos nesta publicação,

desde que citada a fonte.

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GOVERNANÇA NA GESTÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS

Supervisão Antonio Carlos Filgueira Galvão

Líder do CGEE Antonio Rocha Magalhães

Francisco Lobato (consultor)

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iv

Sumário

Introdução ____________________________________________________________ 1

1. Conceitos e Procedimentos Metodológicos Pertinentes à Avaliação da

Governança na Gestão de Recursos Hídricos _______________________________ 4

1.1. Planejamento Institucional Estratégico _______________________________ 4

1.2. Referência da Metodologia APEX ____________________________________ 8

2. Abordagens Regionais, com Diagnósticos e Diretrizes Gerais ______________ 14

2.1. Justificativas sobre a Necessidade de Diferentes Abordagens Regionais _ 14

2.2. Metodologia para a Sobreposição de Diferentes Leituras Territoriais _____ 17

2.1.1. Referências a Considerar _______________________________________ 20

2.3. Abordagem de Biomas Continentais Brasileiros_______________________ 24

2.4. Abordagens Regionais, com Diretrizes Gerais para Adaptação a Mudanças

Climáticas e Avanços na Gestão de Recursos Hídricos ____________________ 35

2.4.1. Gestão de Recursos Hídricos na Região Amazônica __________________ 35

2.4.2. Região Nordeste e do Semiárido Brasileiro __________________________ 42

2.4.3. Conjunto das Regiões Sul, Sudeste e do Centro-Oeste ________________ 53

2.4.3.(i) Áreas Territoriais voltadas a Atividades do Agronegócio ______________ 53

2.4.3.(ii) Trechos de Expansão do Agronegócio no Cerrado do Brasil Central ____ 58

2.4.3.(iii) Grandes Núcleos Urbano-Industriais, com ênfase em Regiões

Metropolitanas e Aglomerações de Cidades ______________________________ 60

2.5. A Importância de Cenários sobre Mudanças Climáticas em Relação à

Governança na Gestão de Recursos Hídricos ____________________________ 75

3. Base Legal e Institucional do SINGREH e de Certos SEGREHs ______________ 77

3.1. Descrição Geral do SINGREH ______________________________________ 77

3.2. Abordagem da Lei Federal nº 9.433/1997, como Lei Nacional ____________ 83

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v

3.3. Governança e Governabilidade vistas como Indispensáveis para uma Efetiva

Gestão de Recursos Hídricos __________________________________________ 86

3.4. Problemas Advindos da Dupla Dominialidade de Recursos Hídricos no Brasil

___________________________________________________________________ 94

3.5. Breves Notas sobre Alguns dos SEGREHs ___________________________ 95

3.5.1. Estados da Região Amazônica ___________________________________ 96

3.5.2. Estados da Região Nordeste e do Semiárido Brasileiro ________________ 96

3.5.3. Estados do Sudeste ____________________________________________ 99

3.5.4. Estados da Região Sul ________________________________________ 107

3.5.5. Estados do Centro-Oeste e Cerrado Brasileiro ______________________ 110

Anexo I – Insumos do GEO Brasil – Recursos Hídricos (PNUMA e ANA, 2007)

sobre a Região Amazônica.

Anexo II – Modelo de Gestão de Recursos Hídricos do Estado do Ceará

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1

Introdução

Tal como estabelecido no respectivo Termo de Referência e no Plano de Trabalho,

este Relatório 01 tem como objetivo principal a identificação dos principais

problemas e desafios voltados ao Sistema Nacional de Gerenciamento de

Recursos Hídricos (SINGREH) – também chegando a indicações sobre certos

Sistemas Estaduais (SEGREHs) –, tendo em vista a necessária adaptação às

mudanças climáticas, além de alguns problemas já existentes, que se tornaram

relevantes nos últimos anos.

Isto significa que o Plano Nacional de Adaptação às Mudanças Climáticas, por

certo deve abordar o tema da Governança na Gestão de Recursos Hídricos, ou

seja, o Eixo IV dos estudos em tela.

Para tanto, como subsídios fundamentais para que ocorram propostas voltadas a

novas estratégias e adequações institucionais e legais do SINGREH e de certos

SEGREHs, o presente Relatório 01 apresentará abordagens sobre os diferentes

perfis regionais do Brasil, os quais serão cruzados com o modelo de gestão que

foi genericamente desenhado para o SINGREH.

Em termos regionais, serão abordadas: a região amazônica, com seu perfil

climático e sua elevada relevância em termos de preservação de ecossistemas,

importantes para todo o planeta; o semiárido brasileiro, com clima singular e com

frequentes problemas de escassez hídrica; e, o conjunto das regiões sul, sudeste

e centro-oeste, tendo em vista sua maior densidade em termos de

desenvolvimento socioeconômico.

Em todas as abordagens regionais serão efetuadas análises sobre o estado da

arte da Governança e, também, da Governabilidade sobre os recursos hídricos e

as principais fragilidades, presentes e/ou previstas, tendo em vista a necessidade

de adaptações a mudanças climáticas. Ou seja, o presente Relatório 01 deverá

identificar nas mencionadas regiões a natureza dos principais problemas e seus

problem-sheds, indicando preliminarmente unidades territoriais estratégicas de

gestão, além dos principais atores envolvidos na gestão dos recursos hídricos,

com abordagem sobre suas capacidades e fragilidades para agir frente às

incertezas provenientes das alterações do clima.

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Com isto posto, percebe-se o entendimento de que as mudanças climáticas

constituem um problema complexo, com significativas repercussões sobre todas

as esferas de suas intervenções sobre a natureza e de seus impactos

decorrentes. Dessa forma, respostas aos seus impactos exigem diretrizes gerais

que serão formuladas segundo os diferentes perfis regionais, além de possíveis

recomendações e propostas para avanços na gestão e nos níveis da necessária

articulação entre os diferentes e múltiplos setores usuários das águas.

Isto significa que o presente trabalho do Eixo IV, voltado à Governança na gestão

dos recursos hídricos, mesmo estando sob o contexto do Plano Nacional de

Adaptação a Mudanças Climáticas, também deve considerar outras abordagens

voltadas a eventuais ajustes e adequações dos sistemas de gestão de recursos

hídricos vigentes no Brasil – tanto no caso do SIGREH, quanto de muitos dos

SEGREHs –, portanto, sob uma ótica mais conjunta e articulada, notadamente no

caso da formulação de propostas para certas modificações institucionais e

jurídico-legais, vez que será bem mais realista e pragmático considerar o

necessário processo de abordagens e negociações políticas junto ao Congresso

Nacional, para que ocorra a desejada aprovação de propostas.

Em outras palavras, cumpre ressaltar que muitas das recomendações que serão

elaboradas pelo presente trabalho do Eixo IV não devem considerar somente ou

isoladamente as adaptações a mudanças climáticas. Ao contrário, também devem

considerar e conceber em conjunto propostas para que os sistemas de gestão

vigentes (SINGREH e SEGREHs) tenham avanços mais amplos e consistentes

em seu conjunto, certamente com muitos deles voltados a mais resiliência,

flexibilidade e uma gestão mais adaptativa aos cenários de possíveis mudanças

climáticas.

Sob tal entendimento, dentre muitas outras, algumas das diretrizes que serão

formuladas terão subsídios importantes advindos do Plano Nacional sobre

Mudança do Clima, já oficialmente apresentado em dezembro de 2008 e revisado

no 2º semestre de 2012, tendo como objetivo principal incentivar o

desenvolvimento e aprimoramento de ações de mitigação das emissões de gases

de efeito-estufa, bem como criar condições internas para lidar com os impactos

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das mudanças climáticas globais, com adaptação, resiliência, mais flexibilidade,

segurança e robustez.

Portanto, de forma geral, as diretrizes, insumos e recomendações em pauta irão

considerar oportunidades de mitigação, adaptações aos níveis identificados de

vulnerabilidades e, também, as necessárias sistemáticas de comunicação e

capacitação de todos os atores socioeconômicos que estejam interligados e

afetados com problemas advindos de mudanças climáticas.

Outros insumos também deverão ser advindos do próprio Grupo de Trabalho

sobre Adaptação (GT – Adaptação), criado para a elaboração do Plano Nacional

de Adaptação a Mudanças Climáticas. Além de sua atuação sobre a temática de

recursos hídricos, em frente de trabalho denominada como Rede Água, este GT –

Adaptação também vem atuando paralelamente em mais oito temáticas, a saber:

saúde, cidades, biodiversidade, zonas costeiras, segurança alimentar e

agropecuária, indústria, transportes e logística, energia e desastres naturais.

A propósito dessas temáticas, percebe-se que a gestão das águas é transversal a

muitas delas, notadamente no caso de: saúde sanitária; saneamento ambiental

urbano; biodiversidade; zonas costeiras; tecnologias voltadas à produção

industrial, agropecuária e de perímetros irrigados; sistemas de logística com

hidrovias; geração hidroelétrica; e, também, em desastres naturais como secas

críticas e grandes inundações.

Chegando agora a uma abordagem específica à própria Rede Água, deverá

ocorrer uma constante articulação e interligação, portanto, com muitos subsídios a

serem trocados entre os cinco eixos de trabalhos relacionados aos recursos

hídricos, quais sejam: i) cenários sobre possíveis mudanças climáticas; ii) geração

de conhecimento, com ênfase em dados e informações; iii) instrumento para a

gestão de recursos hídricos; iv) governança (objeto do presente Relatório 01); e,

v) interação com todos os setores usuários.

Enfim, iniciado por este Relatório 01, o Eixo IV – Governança na Gestão de

Recursos Hídricos deverá ser desenvolvido simultaneamente e com constantes

diálogos e articulações com os demais eixos da Rede Água, além dos demais oito

temas relacionados ao Plano Nacional de Adaptação a Mudanças Climáticas.

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1. Conceitos e Procedimentos Metodológicos Pertinentes à Avaliação da

Governança na Gestão de Recursos Hídricos

1.1. Planejamento Institucional Estratégico

Para iniciar o trabalho sobre a avaliação da Governança na Gestão de Recursos

Hídricos, tendo em vista as adaptações que se mostrem necessárias frente às

mudanças climáticas, cabe lembrar que um conceito relevante refere-se ao fato

de que arranjos institucionais e modelos de gestão não devem ser constituídos

como um fim em si mesmo. Ao contrário, devem se apresentar como respostas

consistentes frente à plena natureza dos problemas a serem enfrentados.

Sob tal conceito, para que ocorra uma Governança efetiva e eficaz, deve-se

aplicar uma metodologia atualizada de Planejamento Institucional Estratégico,

tal como será disposta na sequência. Isto significa que, no contexto do presente

trabalho, antes de qualquer proposição devem ser abordados os diferentes perfis

regionais, tal como já mencionado na Introdução.

Assim, é possível antecipar que certos arranjos institucionais para a gestão das

águas, eventualmente deveriam ser distintos do formato genérico do SINGREH –

em alguns casos, também de SEGREHs definidos por suas leis estaduais

específicas –, tanto frente aos problemas hídricos, ambientais e socioeconômicos

diferenciados, quanto às opções que se mostrem mais possíveis e realistas, face

ao contexto político-institucional vigente.

Com isto posto, no que concerne aos conceitos e procedimentos metodológicos

mais avançados de um Planejamento Institucional Estratégico, sabe-se que

não implicam apenas em definir, como passo inicial, organogramas de sistemas e

entidades, mas sim, analisar contextos institucionais, atribuições e encargos, que

devem então instruir a estruturação de um sistema de gestão, com vistas a uma

indispensável Governança.

Em termos práticos, isto implica nos seguintes passos e questionamentos a

serem abordados:

diagnósticos sobre as naturezas distintas de problemas a serem

enfrentados, com a indispensável identificação de áreas-problema

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(chamadas de problem-sheds), para que modelos de gestão sejam

estruturados como respostas objetivas e consistentes frente às tipologias

de demandas e conflitos pelos usos múltiplos de recursos hídricos e

ambientais, para o presente trabalho com ênfase em casos onde devam

ocorrer adaptação a mudanças climáticas;

além de insumos dos diagnósticos, deve-se considerar o posicionamento

de órgãos públicos – federais, estaduais e municipais –, de usuários de

recursos hídricos e de organizações da sociedade civil, de modo a

identificar impressões e prioridades – em muitos casos, eventualmente

distintas – que atores identificados como estratégicos definam para o

traçado de modelos de gestão;

a consideração e análise sobre estruturas de gestão existentes em outras

áreas com problemas similares e, também, em outros países, tidos como

referências, com a investigação do background institucional, de modo a

considerar seus aprendizados como insumos para possíveis ajustes e

complementações sobre a organização institucional vigente; e,

a identificação e consideração das interfaces existentes com outras

instituições que apresentam interferências sobre a gestão de recursos

hídricos e ambientais, portanto, com implicações em termos da divisão de

encargos e trabalhos, de modo a evitar sobreposições e conflitos e

estabelecer um conjunto coerente e articulado de competências,

atribuições e atividades técnicas e operacionais.

Uma vez contando com tais subsídios, caberá então desenvolver uma proposta

mais detalhada para as adequações possíveis e necessárias do SINGREH e de

alguns SEGREHs, eventualmente no contexto de um programa a ser

empreendido pelo próprio Plano Nacional de Adaptação a Mudanças Climáticas.

A propósito, de acordo com o Termo de Referência genérico elaborado pela

Agência Nacional de Águas (ANA), cabe lembrar o seguinte, litteris:

O papel da Rede Água é trazer aporte técnico-científico

para a elaboração do Plano Nacional de Adaptação no que

diz respeito à água. Nesse sentido, a Rede iniciou seus

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trabalhos com um seminário no qual foram identificadas

propostas de objetivo, missão e estrutura do Plano no

que se refere à adaptação aos efeitos das mudanças

climáticas sobre os recursos hídricos, bem como atores que

podem contribuir para sua construção.

A partir dos consensos estabelecidos, a Rede Água, no

contexto do GT - Adaptação e sob a coordenação do núcleo

conformado por MMA (SMCQ e SRHU), MCTI e ANA,

deverá desenvolver insumos técnicos à construção do

Plano Nacional de Adaptação no que tange o conteúdo

relativo aos recursos hídricos.

Entre esses consensos, ficou acordado que o objetivo do

trabalho não é a elaboração de um plano de obras, mas

sim a construção de diretrizes de atuação estruturantes,

que possam servir de orientação para ações concretas dos

setores afetos diante das vulnerabilidades e potenciais

impactos identificados.

(destaques negritados e sublinhados)

Isto significa que, certamente, haverá limites no contexto do presente trabalho em

tela, que deve chegar apenas a diretrizes, insumos e recomendações gerais, sem

que diagnósticos e maiores detalhes sobre adequações institucionais e legais do

SINGREH e de alguns SEGREHs venham a ser formulados. Ou seja, tal como já

mencionado, “caberá então desenvolver uma proposta mais detalhada para as

adequações possíveis e necessárias do SINGREH e de alguns SEGREHs,

eventualmente no contexto de um programa a ser empreendido pelo próprio

Plano Nacional de Adaptação a Mudanças Climáticas”.

Assim, como recomendações metodológicas gerais antecipadas a respeito de um

Planejamento Institucional Estratégico, deverão ser respondidas ou revisadas

respostas existentes para as seguintes perguntas:

- Quais as diretrizes gerais em pauta e quais as diretrizes específicas,

advindas dos mencionados diagnósticos – hídricos, ambientais,

socioeconômicos e politico-institucionais – que devem instruir as possíveis

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e necessárias adequações do SINGREH e de alguns dos SEGREHs, tendo

em vista uma adaptação a mudanças climáticas?

- No contexto geral do Brasil e, também, das regiões que serão abordadas,

qual será a missão principal de modelos de Governança na gestão de

recursos hídricos, considerando o objetivo de adaptação a cenários de

mudanças climáticas?

- Segundo cada perfil regional, quais são as inserções institucionais e quem

são os seus principais interlocutores e “clientes” – internos e externos ao

aparelho dos estados federativos e da União, em certos casos, também

considerando o contexto de municípios regionalmente relevantes?

- Para o cumprimento da missão principal estabelecida, quais as funções,

responsabilidades e encargos estruturantes e quais as atividades de apoio

e parcerias transversais demandadas para o sistema de gestão a ser

definido, tendo em vista as demandas advindas dos diagnósticos e de

cenários prospectivos relacionados a mudanças climáticas?

- Postas as diretrizes gerais e específicas, a missão principal de sistemas de

gestão das águas, a inserção institucional, as funções, encargos gerais e

atribuições específicas, além de potenciais parcerias, qual a estrutura

organizacional mais adequada à consecução das funções e atividades

identificadas para a necessária adaptação a mudanças climáticas, dentre

possíveis alternativas?

- A respeito desta estrutura organizacional retraçada – tanto para o

SINGREH, quanto para alguns dos SEGREHs –, quais as instâncias e

instituições componentes e suas respectivas funções, encargos e

atribuições próprias, a serem estabelecidas como uma consistente divisão

de trabalho, chegando a traçados mais específicos no caso de certos

SEGREHs que estejam sujeitos a potenciais mudanças climáticas mais

críticas?

- No contexto dos sistemas de gestão das águas que foram retraçados,

considerando a necessária adaptação a mudanças climáticas, quais e

como desenvolver as fundamentais formas de parceria e interação com

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empresas e entidades – públicas e privadas – de setores usuários? E com

representantes da sociedade civil?

Tendo estas perguntas recomendadas como procedimentos metodológicos para

um eventual programa a ser desenvolvido, mais a frente, pelo próprio Plano

Nacional de Adaptação a Mudanças Climáticas, percebe-se que para ter

respostas completas e consistentes, demanda-se bem mais tempo de trabalho, a

ser empreendido na sequência das diretrizes, insumos e recomendações gerais

que serão formuladas na sequência deste Relatório 01.

Ademais, algumas das respostas demandam subsídios relacionados aos outros

eixos com estudos em paralelo, abrangendo: os efeitos esperados a partir de

cenários de mudanças climáticas sobre os recursos hídricos (Eixo I); uma

sistemática consistente de dados e informações (Eixo II); formas para aplicação

de instrumentos de gestão das águas (Eixo III); e, diretrizes para interlocução com

os diversos setores usuários (Eixo V).

Em acréscimo, para abordagens próprias a Sistemas Estaduais de

Gerenciamento de Recursos Hídricos (SEGREHs), notadamente no caso

daqueles que possam estar submetidos a alterações mais críticas do clima,

recomenda-se que estudos do Plano Nacional de Adaptações a Mudanças

Climáticas acompanhem as ações e acordos relacionados ao Pacto das Águas,

no presente, em pleno processo de implementação pela ANA, que já conta com

24 convênios celebrados com unidades federativas.

Mais do que isto, tendo em vista bacias compartilhadas com certos países

vizinhos, a exemplo da própria bacia do Rio Amazonas e do seu importante

afluente Rio Madeira, torna-se indispensável ter acesso a dados e informações

hidrometeorológicas sobre suas nascentes e perfis mais a montante, para que

projeções e diagnósticos relacionados a efeitos advindos de mudanças climáticas

possam ser abordados sob uma base consistente.

1.2. Referência da Metodologia APEX

Como última recomendação de procedimentos metodológicos para avaliação da

Governança na Gestão de Recursos Hídricos, notadamente para a formulação de

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diretrizes e recomendações sobre possíveis e necessárias adequações do

SINGREH e de certos SEGREHs, tendo em vista adaptação a mudanças

climáticas, cabe registrar a Metodologia APEX1, desenvolvida por estudos da

União Européia, a ser vista como uma base conceitual muito consistente para

avaliação de Políticas Públicas.

A aplicação da Metodologia APEX tem como objetivo identificar os espaços nos

quais ocorrem decisões efetivas relacionadas à gestão de recursos hídricos,

ambientais e do desenvolvimento urbano e/ou regional.

Ou seja, tendo em vista os desafios conceituais inerentes ao enfrentamento de

quadros complexos, em que se conjugam problemas relacionados a uma efetiva

gestão integrada entre os recursos hídricos e o meio ambiente e aspectos

decorrentes das dinâmicas socioeconômicas do desenvolvimento urbano e

regional, tornam-se relevantes referências metodológicas recentes, com particular

interesse em estudos conduzidos pela Comunidade Européia, no âmbito do Water

21 Project, que resultaram na denominada Metodologia APEX.

A sigla APEX sintetiza as três etapas de investigação metodológica que dão

suporte à avaliação e definição de Políticas Públicas, podendo ser perfeitamente

aplicáveis no caso do Plano Nacional de Adaptação a Mudanças Climáticas.

O primeiro estágio de investigação busca caracterizar o processo de formulação

das Políticas Públicas que são reais, e não de certos casos que seguem apenas

como ideais e/ou teóricas, fato que se pode anotar como uma das presentes

avaliações do SINGREH, que conta com seus princípios e fundamentos e com

uma formulação genérica consensual do modelo para gestão das águas, todavia,

sem que estejam ocorrendo muitas das respostas esperadas para uma efetiva

Governança sobre a gestão de recursos hídricos.

Sob uma referência mnemônica, este primeiro estágio de investigação trata dos

05 “As”, com investigações que podem ser sintetizadas pelos questionamentos

apresentados a seguir:

Arenas = Onde são tomadas decisões efetivas sobre as Políticas Públicas e

1 Fonte: Correia, Francisco Nunes et al., paper elaborado pelo Water 21 Project.

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a Governança para a gestão de recursos hídricos? Quais são os estágios

relevantes nos quais o processo decisório passa a ser efetivamente

empreendido? Quais são os fóruns - formais e informais - nos quais são

concebidas as propostas e feitas as escolhas?

Atores = No caso de sistemas de gestão de recursos hídricos há a devida

identificação e a efetiva presença dos principais atores estratégicos,

relacionados com as tipologias de problemas a serem enfrentados? Quais

instituições e atores individuais jogam papéis importantes em processos

decisórios? Quem é quem no processo de adoção de Políticas Públicas?

Objetivos (Aims) = Quais são os objetivos declarados e não declarados

perseguidos pelos diversos atores em jogo? Em que extensão eles

coincidem e em que extensão eles conflitam?

Ações = Por quais meios e instrumentos as Políticas Públicas são tornadas

como ações efetivas? Quais são os atores fundamentais para que sejam

instituídas e implementadas as ações necessárias? Como um real

enforcement pode ser assegurado?

Avaliação = Quais são os mecanismos para avaliar os resultados de adoção

de Políticas Públicas? Como estes resultados realimentam o processo de

formulação de ações de planejamento e da própria Política Pública? Como

são avaliados e reavaliados os mecanismos, de modo a conferir dinâmica às

Políticas adotadas? Qual o mecanismo de autoaprendizado inserido no

processo de formulação das Políticas Públicas? Quais os principais

indicadores?

O segundo estágio de investigação procura uma caracterização mais aprofundada

dos atores estratégicos em jogo. Novamente com uma referência mnemônica,

trata-se dos 05 “Ps”, com investigações sob os questionamentos que seguem:

Públicos = Qual a população envolvida nos problemas em questão? Como

participam do processo decisório? Qual o papel desempenhado pelos cidadãos

e por organizações não governamentais?

Privados = Qual o papel de negócios privados e como eles participam ou

interferem na formulação de Políticas Públicas? Quais os papéis particulares

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de atores mais estratégicos e relevantes dos diversos setores usuários das

águas na formulação de Políticas Públicas? Como empresas estatais ou de

economia-mista, com elevados interesses particulares, também participam e

interferem em Políticas Públicas?

Profissionais = Quais as principais visões e abordagens sobre questões

relacionadas à Governança na gestão de recursos hídricos, além de aspectos

do meio ambiente e de desenvolvimentos socioeconômicos (urbanos e

regionais), que influenciam os profissionais envolvidos nas atividades

relacionadas a esses temas? Quais são os valores, os objetivos e as atitudes

tomadas por profissionais (planejadores e projetistas) que atuam em planos,

programas e projetos relacionados aos recursos hídricos? Que tipos de

backgrounds e de especialidades profissionais são arregimentados para fazer

frente às questões em tela? Como caracterizar a atuação dos profissionais da

Administração Pública envolvidos, especialmente de órgãos gestores de

recursos hídricos? Qual a sua cultura institucional?

Políticos = Como os atores políticos abordam as questões em pauta? Como

estas questões são inseridas no discurso político? Como as matérias sobre a

gestão das águas e do meio ambiente e do desenvolvimento urbano e regional

são, direta ou indiretamente, abordadas nos programas políticos dos partidos

da situação e da oposição?

Imprensa (Press) = Qual o papel da mídia de massa, em relação ao tema em

tela? Como a imprensa reflete a opinião pública e, mais importante, como

impacta a opinião pública? Como contribui para estabelecer a agenda das

Políticas Públicas?

Por fim, o terceiro e último estágio envolve procedimentos metodológicos

adicionais voltados a analisar a consistência e a Sustentabilidade de Políticas

Públicas relacionadas aos recursos hídricos, ao meio ambiente e ao

desenvolvimento urbano e regional. Essas análises devem ser aplicadas nos três

Eixos definidos como essenciais à Sustentabilidade, a saber: o Ecológico, o

Ético e o Econômico, completando a referência mnemônica com os 03 “Es”, da

sigla APEX.

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Neste último estágio, dada a complexidade das investigações a serem

conduzidas, cada vetor da Sustentabilidade deve ser focado em suas dimensões

essenciais, buscando equilíbrio entre cada uma das perspectivas de análise.

Assim, no vetor Ecológico, os questionamentos são dirigidos para a suficiência

de uma abordagem compreensiva dos problemas, que considere as principais

variáveis em questão. Por exemplo, preliminarmente, sabe-se que o Plano

Nacional de Adaptação a Mudanças Climáticas deve ter um de seus focos no trato

integrado de problemas de Governança e de Governabilidade sobre a gestão de

recursos hídricos, também abrangendo aspectos ambientais e de

desenvolvimento urbano e regional, por conseguinte, com eventuais proposições

para (re)ordenamento do território, que devem considerar as atuais dinâmicas

socioeconômicas.

No que concerne ao vetor Ético, a preocupação essencial está na estruturação

de arranjos institucionais – a exemplo do próprio SINGREH e de SEGREHs – que

possibilitem a inserção equitativa dos diferentes interesses em questão, sejam

aqueles de entidades públicas, de objetivos próprios a atores privados ou, com

particular atenção, das populações envolvidas, em muitos casos, regidas por

modelos informais, não institucionalizados. Ou seja, este vetor deve tratar de

modelos de gestão, desenhados sob uma perspectiva de equidade social.

Já no vetor Econômico, cabe a valoração dos benefícios e custos envolvidos – a

economia política de programas e projetos –, em uma perspectiva de análise que

não esteja limitada aos fluxos financeiros diretos, mas que incorpore aspectos

sociais mais amplos, por intermédio de metodologias capazes de aferir efeitos

distributivos e valores monetários não tangíveis.

Com os três eixos da Sustentabilidade já descritos, torna-se muito importante

sublinhar que não devem ser vistos e abordados isoladamente, ou seja, caso um

deles não esteja presente, pode-se questionar a consistência de uma

Sustentabilidade. Mais propriamente ao tema do presente trabalho, voltado à

Governança das águas, isto significa que arranjos institucionais serão

consistentes e sustentáveis se – e somente se – forem articulados ao conjunto

dos interesses econômicos relacionados aos processos sociais de apropriação

dos recursos hídricos e ambientais.

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Dizendo de outra forma, o conjunto dos interesses econômicos relacionados,

direta ou indiretamente, aos processos sociais de apropriação de recursos

hídricos e ambientais, deve ser valorado e equanimemente distribuído, no

contexto de um arranjo institucional que compartilhe responsabilidades e

possibilite a ancoragem da gestão sobre tal conjunto de interesses socialmente

identificados.

Assim, contando com tal concepção sofisticada e consistente, entende-se que

será possível depreender importantes aprendizados via Metodologia APEX.

Primeiramente, prevendo que intervenções na modalidade pretendida pelo Plano

Nacional em tela devem considerar abordagens diferenciadas entre as distintas

regiões do Brasil, com seus respectivos biomas e ecossistemas, infraestruturas

construídas e dinâmicas regionais de outra ordem, o que implica na identificação

de núcleos de problemas – os já mencionados problem-sheds –, com desafios

específicos para os sistemas de gestão e, por consequência, com arranjos

institucionais que respondam a tais naturezas diferenciadas de problemas.

Por fim, como outro aprendizado via Metodologia APEX, cabe reconhecer que o

Estado não detém poderes onipresentes que lhe permitam garantir a qualidade

ambiental e dos recursos hídricos, somente com base nos instrumentos

tradicionais de Comando & Controle (legislação e poder de fiscalização). Na

perspectiva de planos, programas e projetos voltados a um desenvolvimento

sustentável, inclusive em decorrência da necessidade de adaptação a mudanças

climáticas previstas, revela-se como fundamental adotar arranjos institucionais

com responsabilidades compartilhadas entre o Estado e a sociedade civil, que

englobe sistemas articulados e complementares.

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2. Abordagens Regionais, com Diagnósticos e Diretrizes Gerais

Seguindo à frente, de acordo com os conceitos e com certos passos dos

procedimentos metodológicos apresentados, agora entram em pauta as devidas

abordagens regionais, chegando a diagnósticos bem resumidos e a formulações

de diretrizes gerais, não considerando somente possíveis mudanças climáticas,

mas também, tendo como objetivo geral propor adequações para novos e

seguidos avanços do SINGREH e de certos SEGREHs, vigentes no Brasil.

2.1. Justificativas sobre a Necessidade de Diferentes Abordagens Regionais

Dentre os fundamentos, objetivos e diretrizes gerais que constam na Lei Nacional

nº 9.433, editada em 08 de janeiro de 1997, cabe destacar os seguintes tópicos

(negritados ou negritados e sublinhados), tendo em vista questões

relacionadas à adaptação a mudanças climáticas:

Art. 1º - A Política Nacional de Recursos Hídricos baseia-se

nos seguintes fundamentos:

I - a água é um bem de domínio público;

II - a água é um recurso natural limitado, dotado de valor

econômico;

III - em situações de escassez, o uso prioritário dos

recursos hídricos é o consumo humano e a dessedentação

de animais;

IV - a gestão dos recursos hídricos deve sempre

proporcionar o uso múltiplo das águas;

V - a bacia hidrográfica é a unidade territorial para

implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos e

atuação do Sistema Nacional de Gerenciamento de

Recursos Hídricos;

VI - a gestão dos recursos hídricos deve ser

descentralizada e contar com a participação do Poder

Público, dos usuários e das comunidades.

Art. 2º São objetivos da Política Nacional de Recursos

Hídricos:

I. assegurar à atual e futuras gerações a necessária

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disponibilidade de água, padrões de qualidade adequados

aos respectivos usos;

II. a utilização racional e integrada dos recursos

hídricos, incluindo o transporte aquaviário, com vistas ao

desenvolvimento sustentável;

III. a prevenção e a defesa contra eventos hidrológicos

críticos de origem natural ou decorrentes do uso

inadequado dos recursos naturais.

Art. 3º Constituem diretrizes gerais de ação para

implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos:

I - a gestão sistemática dos recursos hídricos, sem

dissociação dos aspectos de quantidade e qualidade;

II - a adequação da gestão de recursos hídricos às

diversidades físicas, bióticas, demográficas,

econômicas, sociais e culturais das diversas regiões do

País;

III - a integração da gestão de recursos hídricos com a

gestão ambiental;

IV - a articulação do planejamento de recursos hídricos

com o dos setores usuários e com os planejamentos

regional, estadual e nacional;

V - a articulação da gestão de recursos hídricos com a

do uso do solo;

VI - a integração da gestão das bacias hidrográficas com a

dos sistemas estuarinos e zonas costeiras.

Art. 4º A União articular-se-á com os Estados tendo em

vista o gerenciamento dos recursos hídricos de

interesse comum.

(negritados ou negritados e sublinhados pela consultoria)

Em relação ao Art. 1º e seus incisos II e III, as previsões da água como um

recurso natural limitado e possíveis situações de escassez já incentivam

abordagens de potenciais problemas relacionados a mudanças climáticas.

No inciso IV, ao tratar do uso múltiplo das águas, cabe destacar o Eixo V dos

estudos da Rede Água, com vistas à indispensável interação com os diferentes

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setores usuários de recursos hídricos.

O inciso V do Art. 1º estabelece que a bacia hidrográfica é a unidade territorial

para implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos e atuação do

Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos.

Contudo, como uma das diretrizes gerais, o inciso II do Art. 3º registra a

necessária adequação da gestão de recursos hídricos às diversidades

físicas, bióticas, demográficas, econômicas, sociais e culturais das diversas

regiões do País.

Em termos práticos, sem restrições ao fundamento estabelecido pelo inciso V do

Art. 1º, esta “adequação” significa que, face à extensa dimensão do Brasil (com

cerca de 8,5 milhões de km2) e distintas características regionais, torna-se

importante questionar se o modelo institucional estabelecido para o SINGREH

está sob uma tendência uniforme ou com modelos ajustados de acordo com

o perfil de cada região, inclusive em decorrência de distintos cenários

previstos para mudanças climáticas.

Neste sentido, o que poderá tornar o SINGREH e certos SEGREHs mais

consistentes em favor da gestão das águas será a definição de unidades

territoriais estratégicas para planejamento e gestão, na maioria dos casos

presentes, vistas apenas como certas bacias hidrográficas, as quais, geralmente,

não coincidem com os recortes administrativos municipais e estaduais, o que

dificulta o entrosamento entre as diferentes esferas de competência e de domínio

sobre as águas. Mais do que isto, deve-se perguntar: qual a escala de bacia que

deve ser abordada?

Seguindo a respeito deste tema, também cumpre questionar sobre quais os

conceitos e metodologias aplicadas no Brasil, para definir Unidades Territoriais

Estratégias de Gestão (UTEGs). Sob este questionamento, as abordagens

limitam-se apenas a leituras de bacias hidrográficas, neste caso, tal como já

questionado, em qual escala? Ou chegam a aplicar conceitos mais avançados,

como o de “geometria variável”, mediante o qual são sobrepostas diferentes

leituras territoriais (biomas e sistemas ecológicos, perfis climáticos distintos,

dinâmicas socioeconômicas regionais, divisão entre estados, infraestruturas

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setoriais instaladas, redes de cidades, problem-sheds, etc.)?

Isto significa que, no eixo de conhecimento caberá definir áreas de risco,

especialmente associadas a perfis de mudanças climáticas, com focos próprios

de gestão adequados ao planejamento e à intervenção nestas áreas.

Além disso, em relação aos SEGREHs verifica-se, comparativamente, que não há

um avanço similar, por vezes, com diferenças muito significativas quanto à

implementação de modelos de gestão das águas, mesmo em bacias hidrográficas

compartilhadas.

2.2. Metodologia para a Sobreposição de Diferentes Leituras Territoriais

Voltando à Lei Nacional nº 9.433/1997, com uma leitura conjunta dos incisos III, IV

e V do Art. 3º (sequentes ao inc. II, já abordado com destaque), reitera-se a

necessidade de sobreposição de diferentes leituras territoriais, tendo como

diretrizes a integração da gestão de recursos hídricos com a gestão

ambiental, a articulação do planejamento de recursos hídricos com o dos

setores usuários e com os planejamentos regional, estadual e nacional e,

também, a articulação da gestão de recursos hídricos com a do uso do solo.

Portanto, entra em pauta a chamada Metodologia de “Geometria Variável”, para

a sobreposição de diferentes leituras e para a definição de Unidades Territoriais

Estratégicas de Gestão (UTEGs), segundo diferentes naturezas de problemas e

do perfil de mudanças climáticas previstas.

Em consonância a conceitos já apresentados, isto significa que, de fato, deve ser

conferida uma transversalidade à temática dos recursos hídricos, frente às

políticas de desenvolvimento regional e de meio ambiente, ambas vistas como

variáveis supervenientes e, igualmente, às políticas dos diferentes setores

usuários das águas, vistas como variáveis intervenientes.

Em termos práticos, percebe-se que a leitura territorial não deve basear-se

apenas no traçado das bacias hidrográficas, a serem vistas e consideradas pelas

variáveis supervenientes e pelas intervenientes. Ao contrário, para que haja um

mútuo entendimento entre as diferentes políticas relacionadas com as águas, uma

gestão integrada dos recursos hídricos (GIRH) deve considerar outras

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abordagens e leituras territoriais, de acordo com a lógica própria a cada

segmento.

Colocando como pergunta, será que apenas os demais segmentos devem

considerar a abordagem de bacias hidrográficas, ou também a GIRH deve

entender como cada setor usuário e as políticas de desenvolvimento regional e do

meio ambiente fazem suas abordagens territoriais?

Ou seja, não obstante a bacia hidrográfica ser a unidade de planejamento e

gestão de recursos hídricos, a abordagem e estudos dos diferentes setores

usuários das águas deve sobrepor outros recortes territoriais, uma vez que, por

exemplo, a dinâmica econômica não é determinada pelo perfil do relevo do

território e pela lei da gravidade. Mais do que isto, as perspectivas de mudanças

climáticas não são determinadas sobre territórios de bacias hidrográficas, mas

sim, segundo diferentes aspectos regionais, bem mais complexos.

Neste sentido, tornam-se indispensáveis leituras territoriais estratégicas, sob o

conceito inovador da “Geometria Variável”. Para tanto, recomenda-se que a

Matriz 2.1, disposta na sequência, seja utilizada para organizar estas diferentes

leituras territoriais, com escalas distintas e conjuntos de variáveis a serem

abordadas.

Dentre as escalas regionais, para o traçado de ações e intervenções voltadas a

adaptações a mudanças climáticas, por certo deve ser vista a inserção

macrorregional do Brasil, o conjunto de seu território, com distintos biomas e suas

regiões hidrográficas, até chegar à divisão entre as unidades federativas e bacias

de rios afluentes, além de menores escalas, relacionadas a UTEGs e áreas-

problemas, a exemplo de certas regiões metropolitanas, onde elevadas

concentrações populacionais e de atividades urbano-industriais deverão ser

objeto de abordagens do Plano em pauta.

Quanto aos conjuntos de variáveis a serem analisadas, podem ser ordenados

segundo a base natural e a infraestrutura construída, os perfis das atividades de

produção e de consumo, além de diferentes formas de organização, formal e

informal, da sociedade.

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Matriz 2.1 – Ordenamento de Diferentes Leituras Territoriais a serem Abordadas

PERSPECTIVAS

ESPACIAIS DE

ANÁLISE

BASE FÍSICA ATIVIDADES ORGANIZAÇÃO DA

SOCIEDADE

Natural Construída Produção Consumo Formal Informal

Inserção

Macrorregional

do País

Dimensão Global

do Brasil

Biomas

Macrorregionais

Regiões

Hidrográficas

Divisas entre os

Estados da

Federação

Bacias

Hidrográficas

(rios principais e

afluentes )

Abordagem de

UTEGs e de

áreas-problema.

De forma resumida, nas diferentes escalas espaciais, devem ser efetuadas as

seguintes leituras territoriais:

- de biomas e ecossistemas, notadamente aqueles com elevada

vulnerabilidade ambiental e com potenciais problemas advindos de

mudanças do clima, cuja abrangência regional, no mais das vezes, não

coincide com os limites de bacias hidrográficas;

- em relação a diagnósticos e cenários prospectivos de desenvolvimento, as

áreas identificadas como críticas, em termos de balanços hídricos e de

qualidade das águas, além do potencial comprometimento ambiental,

notadamente devido a mudanças climáticas;

- rede de cidades, com sua hierarquia e articulações socioeconômicas;

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- as regras operacionais de usinas hidroelétricas, notadamente em sistemas

interligados por linhas de transmissão, cuja reservação ou liberação de

vazões não é estabelecida apenas no contexto de cada bacia hidrográfica,

mas sim em decorrência do cenário presente e de perspectivas de todo o

conjunto do sistema de geração de energia – ou seja, mediante uma

“geometria variável”;

- a infraestrutura intermodal de transporte, envolvendo hidrovias, que não

devem ser vistas isoladamente, mas articuladas devidamente com os

demais meios de transporte;

- infraestruturas de serviços instalados, a exemplo de sistemas de

distribuição de água, cuja dimensão pode extrapolar as áreas de bacias,

notadamente na região do semiáridos, sujeita a escassez hídrica, que

demandam reservatórios, canais e adutoras para transporte de água a

longa distância e redes de distribuição, por vezes, com transposição de

águas entre bacias – portanto, com geometria distinta;

- no que concerne ao desenvolvimento regional, as áreas ocupadas e as

fronteiras de expansão de atividades do agronegócio, da produção

industrial, dos pontos de exploração mineral, dentre outras atividades

econômicas e de serviços; e,

- por fim, em termos institucionais, as divisas entre estados, municípios e as

áreas delimitadas para atuação de instâncias coletivas, como os comitês

de bacias, além de ONGs e de perfis de cultura da sociedade.

2.1.1. Referências a Considerar

Como referências a considerar, torna-se importante lembrar uma abordagem

similar, já empreendida pela Agência Nacional de Águas (ANA), intitulada como

Mapa de Gestão, apresentado a seguir:

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Figura 2.1 – Mapa de Ações de Gestão por Bacias Hidrográficas

A = Monitoramento e Planej. Estratégico

B = (A) + Outorga e Organismos de bacias

C = (B) + Fiscalização

D = (C) + Comitê, Plano de Bacia, Agência e Cobrança

Abrangência Estadual

Fonte: Mapa de Ações de Gestão por Bacias Hidrográficas – ANA (2006).

A propósito deste Mapa de Gestão, que já foi aprovado pelo Conselho Nacional

de Recursos Hídricos (CNRH), a publicação GEO Brasil – Recursos Hídricos2

apresenta um resumo em seu Capítulo II, Item II.2.3 – Bases Territoriais para o

Planejamento e para a Gestão dos Recursos Hídricos, em parte transcrito a

seguir:

[...] estudos recentes da ANA chamam a atenção para o

2 Fonte: GEO Brasil - Recursos Hídricos (PNUMA e ANA, 2007).

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traçado de bases territoriais requeridas para a gestão

integrada dos recursos hídricos (GIRH), nos quais são

ponderados múltiplos fatores – hidrológicos, ambientais,

socioeconômicos e político-institucionais –, para delimitar

unidades geográficas e explicitar possíveis prioridades para

a gradativa e continuada implantação do SINGREH, em

convergência com os “recortes” espaciais adotados pelos

estados, sob a ótica de que não se justifica a adoção de

alternativas institucionais uniformes, para todo o território

nacional.

Assim, a metodologia proposta pela ANA, de modo bastante

flexível, permite que os “recortes” espaciais sejam ajustados

a diferentes ponderações dos fatores que interferem na

definição de unidades territoriais de gestão, o que

naturalmente repercute, de modo complementar, nas

ênfases adotadas para a implementação dos instrumentos

de gerenciamento dos recursos hídricos.

A matriz apresentada [na sequência] contém a

sistematização de tipologias, tal como proposta pela ANA,

com os modelos institucionais de complexidade crescente,

segundo a gravidade e prioridade dos problemas (Classes

de “A” a “D”) e os respectivos instrumentos de gestão a

serem aplicados.

Ao fim e ao cabo, quando tais avanços forem

consubstanciados, o traçado resultante constituirá o “Mapa

de Gestão” dos recursos hídricos no Brasil, por vezes com a

sobreposição entre unidades espaciais (menores) com

ênfase em problemas locais e outras (mais abrangentes, até

o limite das doze regiões hidrográficas nacionais) nas quais

devem ser convergidas e coordenadas políticas públicas

que afetam os recursos hídricos.

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Matriz 2.2 – Proposta de Tipologia para Sistemas Institucionais e para Instrumentos

de Gestão, Segundo Escalas Crescentes de Gravidade e Complexidade de

Problemas

Classes

para

Gestão

Sistema de Gestão Instrumentos e Mecanismos de Gestão de

Recursos Hídricos

Org

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CLASSE A

CLASSE B

CLASSE C

CLASSE D

Fonte: Mapa de Ações de Gestão por Bacias Hidrográficas – ANA (2006).

A respeito deste Mapa de Gestão, por óbvio que não deve ser definido como uma

determinação unilateral da ANA, a respeito de arranjos institucionais e da forma

de aplicação dos instrumentos de gestão que devem ser instalados em cada

bacia ou região hidrográfica. Ao contrário, à época sua leitura procurou

caracterizar uma avaliação institucional sobre as prioridades que deveriam ser

observadas e a consistência das soluções a serem empregadas nas diferentes

bacias e regiões, sem prejuízo ou limitação prévia às iniciativas locais que podem,

perfeitamente e de modo legítimo, avançar em relação às alternativas inicialmente

identificadas.

No presente, mesmo contando com elevados méritos dessa iniciativa, entende-se

que o Mapa de Gestão deve ser atualizado, inclusive em decorrência de

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demandas para identificar adaptação a mudanças climáticas, que passaram a

entrar em pauta mais recentemente.

Neste sentido, duas outras referências devem ser consideradas. Primeiramente, a

tese de doutorado da Arquiteta Ana Carolina Coelho Maran, no presente ausente

da ANA, pautada por pesquisas em metodologias que se encontram adotadas por

diversos países – como os Estados Unidos, França, Portugal, Espanha e

Alemanha. Nesta tese, houve avanços na abordagem inicialmente desenvolvida

pela ANA, mediante o acréscimo de mapas para as leituras territoriais e a inclusão

de fatores de ponderação que considerem a natureza dos problemas a enfrentar

em cada Unidade Territorial Estratégica de Gestão (UTEG).

Como outra referência, recomenda-se o Plano Estadual de Recursos Hídricos de

Minas Gerais, em cujo contexto foram traçadas UTEGs, inclusive com a

recomendação de critérios distintos para a emissão de outorgas para direitos de

uso da água. Neste caso, o território mineiro foi lido mediante a sobreposição de

cerca de 12 mapas (balanços hídricos quantitativos, problemas de qualidade das

águas, núcleos de vulnerabilidade do meio ambiente, rede de cidades,

infraestrutura hidroelétrica e de transporte, núcleos de produção industrial, mineral

e da agropecuária, com suas respectivas demandas sobre recursos hídricos, além

da fatores de organização institucional e social).

Os mapas puderam ser sobrepostos e relidos com base em microbacias

hidrográficas, a maioria na 8ª escala, onde foram distribuídos dados e

informações disponíveis. Ademais, também foram consideradas abordagens

estratégicas desenvolvidas pelo Plano Mineiro de Desenvolvimento Integrado

(PMDI) e pelo Zoneamento Ecológico – Econômico de Minas Gerais (ZEE/MG).

Com isto posto, agora seguem insumos para diferentes leituras territoriais,

voltadas ao Plano Nacional de Adaptação a Mudanças Climáticas.

2.3. Abordagem de Biomas Continentais Brasileiros

Como primeiro mapeamento importante para adaptação a mudanças do clima,

devem ser considerados os principais biomas do País, tal como traçados e

resumidamente descritos na sequência.

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Segundo abordagens do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em

parceria com o Ministério do Meio Ambiente (MMA), em 2004 foi publicado um

mapa com os seis biomas continentais brasileiros.

Figura 2.2 – Mapa dos Biomas Continentais Brasileiros

Fonte: IBGE (2004).

Observando-se o Mapa da Figura 2.2, assim como o Quadro 2.1, a seguir, é

possível verificar que o bioma continental com maior extensão é o da Amazônia,

com quase 50% do território nacional, com o Pantanal sendo o menor. Bem

importante em sua extensão é o do Cerrado, cujo interesse é elevado quando são

projetados cenários para o desenvolvimento do moderno agronegócio brasileiro.

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Quadro 2.1 – Áreas dos Biomas Continentais Brasileiros

Biomas Continentais Brasileiros Área Aproximada

(km2)

Área / Área Total do Brasil

Bioma Amazônia 4.196.943 49,29 %

Bioma Cerrado 2.036.448 23,92 %

Bioma Mata Atlântica 1.110.182 13,04 %

Bioma Caatinga 844.453 9,92 %

Bioma Pampa 176.496 2,07 %

Bioma Pantanal 150.355 1,76 %

Bioma Brasil 8.514.877 100,00%

Fonte: IBGE/MMA (2004).

No sentido de adaptações a mudanças climáticas, cumpre ressaltar que mapas de

biomas e da vegetação do Brasil são de grande utilidade para análises de

cenários e tendências em diferentes regiões, servindo, assim, de referência para

a adoção ou adequação de políticas públicas diferenciadas, com destaques para

o SINGREH e certos SEGREHs, sempre com as devidas consultas aos múltiplos

setores usuários das águas e aos representantes da sociedade civil.

A respeito de biomas, o físico Fritjof Capra, falando num evento organizado pela

Itaipu Binacional, afirmou que não se pode promover um desenvolvimento

sustentável senão adaptado a cada bioma, o qual é definido como um conjunto de

vida vegetal e animal, “constituído pelo agrupamento de tipos de vegetação

contíguos e identificáveis em escala regional, com condições geoclimáticas

similares e história compartilhada de mudanças, o que resulta em uma

diversidade biológica própria” (IBGE, 2004, com palavras sublinhadas pelo

presente documento).

Seguem agora, breves descrições dos perfis dos seis biomas continentais,

identificados pelo Mapa do IBGE (Figura 2.2) 3.

3 Fontes: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e site do Ministério do Meio

Ambiente (MMA) - http://www.mma.gov.br/biomas, com abordagens dos seis biomas.

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a) Amazônia4

A Amazônia é quase mítica: um verde e vasto mundo de águas e florestas, onde

as copas de árvores imensas escondem o úmido nascimento, reprodução e morte

de mais de um terço das espécies que vivem sobre a Terra.

Os números são igualmente monumentais. A Amazônia é o maior bioma do Brasil:

num território de 4.196.943 milhões de km2 (IBGE, 2004), crescem 2.500 espécies

de árvores (ou um terço de toda a madeira tropical do mundo) e 30 mil espécies

de plantas (das 100 mil da América do Sul).

A bacia amazônica é a maior bacia hidrográfica do mundo: cobre cerca de 6

milhões de km2 e tem 1.100 afluentes. Seu principal rio, o Amazonas, corta a

região para desaguar no Oceano Atlântico, lançando ao mar cerca de 175 mil m3

de água a cada segundo.

As estimativas situam a região como a maior reserva de madeira tropical do

mundo. Seus recursos naturais – que, além da madeira, incluem enormes

estoques de borracha, castanha, peixe e minérios, por exemplo – representam

uma abundante fonte de riqueza natural. A região abriga também grande riqueza

cultural, incluindo o conhecimento tradicional sobre os usos e a forma de explorar

esses recursos naturais sem esgotá-los nem destruir o habitat natural.

Porém, cabe ressaltar que toda essa grandeza não esconde a fragilidade do

ecossistema local, fato que destaca este bioma para fins de adaptação a

mudanças climáticas. A floresta vive a partir de seu próprio material orgânico, e

seu delicado equilíbrio é extremamente sensível a quaisquer interferências,

notadamente em casos que têm ocorrido nos últimos anos, decorrentes das

frentes de expansão do agronegócio brasileiro (produção agrícola e pecuária).

Enfim, os possíveis danos causados por ações antrópicas são muitas vezes

irreversíveis neste bioma. Ademais, a riqueza natural da Amazônia se contrapõe

dramaticamente aos baixos índices sociais da região, de baixa densidade

demográfica e crescente urbanização. Desta forma, o uso dos recursos florestais

é estratégico para o desenvolvimento da região.

4 Fontes: Idem anterior.

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b) Cerrado

O Cerrado predomina em grande parte do território brasileiro, distribuindo-se

quase que integralmente pelos Estados de Tocantins e de Goiás, além do Distrito

Federal, e por parte do Mato Grosso (leste e sudeste), Mato Grosso do Sul

(centro-leste e nordeste), Maranhão (centro-sul), Piauí (extremo sudoeste), Minas

Gerais (centro-oeste) e Bahia (extremo oeste). Estas unidades federativas

formam o chamado Planalto Central Brasileiro (ver Figura 2.3).

Figura 2.3 – Área Ocupada pelo Cerrado no Brasil e nas Unidades da Federação

Fonte: IBGE (1993), citado em Conservação Internacional (2004).

Entre os rios formadores de grandes bacias hidrográficas brasileiras que nascem

no Cerrado, destaca-se o São Francisco. Como formadores do Rio São Francisco

no Cerrado estão o Urucuia e o Paracatu, na margem esquerda, e o Rio das

Velhas, na margem direita, os quais, junto com o Paraopeba, são os principais

formadores do seu alto curso.

Apesar do Cerrado contar com uma grande quantidade de água superficial, boa

parte deve ser reconhecida como advinda de camadas mais profundas do solo

(aquíferos), onde se encontram as maiores reservas de água desse bioma.

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No presente, mesmo com o Cerrado Brasileiro ainda sendo reconhecido como

uma das savanas mais ricas do mundo em biodiversidade, já se encontra sob

uma forte pressão, provocada pela expansão da pecuária e de atividades

econômicas do agronegócio, notadamente com novas frentes para plantio de soja,

que teve fortes expansões a partir da década de 1960. Nesta data, cabe lembrar

que foi implantada a nova capital federal – Brasília –, acompanhada com abertura

de novas redes de rodovias.

A propósito, vale lembrar que, de 1975 até início dos anos 1980, foram lançados

vários programas governamentais visando o desenvolvimento do Cerrado,

recorrendo aos mecanismos de subsídios para estimular o estabelecimento de

fazendas e melhorias tecnológicas para a agricultura, o que resultou no aumento

significativo da produção agropecuária da região. Neste contexto, grandes

extensões do Cerrado também são usadas para reflorestamento, destinado à

produção de polpa de celulose para a indústria de papel.

Segundo avaliações do IBAMA, já em 2008, cerca de 67% da área do Cerrado

encontrava-se altamente modificada, notadamente em decorrência da expansão

de atividades relacionadas ao agronegócio brasileiro.

Hoje o Cerrado já é responsável por 55% da produção de carne bovina no País.

Ademais, neste bioma localizam-se 14 milhões de hectares de culturas anuais e

3,5 milhões de hectares de cultura perenes. Essa produção tende a aumentar

com o uso de fertilizantes e, também, de muitos sistemas irrigados, para suprir a

necessidade de água na superfície cultivada, fato que demanda avaliações de

impactos ambientais sobre a região e potenciais mudanças climáticas decorrentes

deste novo perfil socioeconômico.

c) Mata Atlântica

A riqueza da biodiversidade dos ecossistemas do bioma Mata Atlântica, sua

beleza natural e seu valor universal para a humanidade fizeram com que as áreas

remanescentes fossem declaradas Reserva da Biosfera pela UNESCO, em 1992,

e inscritas como Patrimônio Mundial da Humanidade, em 1999.

Esse bioma distribui-se por mais de 17 estados brasileiros. De forma mais

marcante, compreende a região costeira, por vezes, expandindo parte de suas

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fronteiras para o interior, em extensões variadas. Atualmente, cabe destacar que a

maioria da área litorânea coberta pela Mata Atlântica é ocupada por grandes

cidades. Porém, apesar da devastação acentuada, ainda contem uma parcela

significativa da diversidade biológica do Brasil.

Da sua cobertura original de 1,3 milhões de km², representando 15% do território

brasileiro, hoje restam somente cerca de 6%, especialmente em certas porções

dos litorais dos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e do Paraná, além de uma

pequena parte no sul da Bahia. Há contradições quanto a este número, mas ainda

é o mais aceito entre os pesquisadores.

A Mata Atlântica é um bioma caracterizado pela elevada precipitação

pluviométrica, em virtude das chuvas de encostas provocadas pelo relevo

montanhoso. As florestas desse bioma são essenciais para a manutenção dos

processos hidrológicos que asseguram a qualidade e a quantidade das águas,

portanto, torna-se necessário considerar impactos advindos de possíveis

desmatamentos, que trarão evidentes repercussões sobre mudanças climáticas,

por conseguinte, com diminuições regionais das disponibilidades hídricas. Ou

seja, a supressão da vegetação deve provocar o assoreamento de rios e, por

vezes, o desaparecimento de mananciais, muito relevantes para grandes cidades

e certas regiões metropolitanas.

Por fim, ainda a respeito deste bioma da Mata Atlântica, cabe anotar que, em

parte de suas encostas, desenvolve-se uma agricultura voltada à produção local

de certos gêneros alimentícios, como vegetais e fruticulturas.

d) Caatinga

A Caatinga é o principal bioma da Região Nordeste. Abrange parte dos estados do

Maranhão e do Piauí, além do Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba,

Pernambuco, Sergipe, Alagoas e Bahia, chegando até ao norte de Minas Gerais e

estendendo-se por área sob o domínio do clima semiárido, com uma vegetação

que se distribui de forma irregular, contrastando áreas semelhantes a florestas

com outras de solo quase descoberto. Entretanto, aqui e ali surgem ilhas de

umidade – os chamados brejos –, normalmente próximos às serras, onde a

abundância de chuvas é maior.

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No caso de Minas Gerais, esse bioma ocupa apenas uma pequena área ao norte,

porém, contando com certas cidades importantes, como a de Montes Claros, cuja

população residente já supera 385 mil moradores (estimativa de 2013).

Revendo o Mapa dos Biomas Continentais Brasileiros (Figura 2.2), percebe-se

que se trata de um bioma situado entre a Mata Atlântica, bem mais estreita a

leste, e o trecho centro-norte do Cerrado. Tal como já mencionado, a Caatinga se

estende pelo domínio do semiárido brasileiro, caracterizado pela presença de

solos rasos, embora férteis em certas porções territoriais, porém, sempre com

elevados índices de evaporação e baixos níveis anuais de chuvas, além de

prolongados períodos de estiagem, sempre com índices pluviométricos bastante

irregulares.

Neste sentido, tendo em vista possíveis mudanças climáticas, por certo que este

bioma deve ser uma das prioridades do Plano Nacional em pauta. De fato, mesmo

considerando a existência de certas porções de solos férteis, seu maior problema

é o regime escasso e incerto de chuvas, onde a maioria dos rios seca no verão,

pois a área esta sujeita a períodos de estiagem que tendem a durar sete meses,

podendo chegar a cobrir períodos anuais e, até, plurianuais. Enfim, sabe-se que a

maioria de seus rios nasce nas bordas das chapadas, percorrendo depressões

entre planaltos quentes e secos, até o mar ou desaguando na bacia do rio São

Francisco.

A respeito desta relevante bacia, pode-se estabelecer uma diferença entre a

Caatinga mineira e a restante do país, pois seus afluentes em Minas Gerais são

grandes rios perenes, a exemplo do Carinhanha, Jequitai e Verde Grande. A partir

do trecho médio do rio São Francisco, muitos dos afluentes situados no polígono

das secas são intermitentes, alternando períodos em que seus leitos estão secos

e outros em que se transformam em torrentes provocadas pelas chuvas.

Por fim, no que tange à dinâmica produtiva regional, o potencial da Caatinga é

formado em certas áreas, onde ocorre a presença de solos férteis e de um relevo

mais plano, nas quais vêm ocorrendo mais um fator de conflito pelo uso da água,

tanto pela demanda provocada pela expansão de agricultura irrigada, quanto pela

formação e manutenção de pastagens para uma pecuária, com ambas

aprofundando demandas por recursos hídricos.

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A par disso, há que levar em conta certas concentrações urbanas, que tendem a

se expandir em função de um desenvolvimento regional em curso, que também

geram demandas para consumo humano e lançamento de esgotos não tratados.

Abordagens adicionais a respeito serão feitas no contexto da região do Nordeste

e do Semiárido brasileiro, mais a frente.

e) Pampa

O bioma do Pampa está restrito ao estado do Rio Grande do Sul, onde ocupa

uma área de 176.496 km² (IBGE, 2004). Isto corresponde a 63% do território

estadual e a 2,07% do território brasileiro. As paisagens naturais do Pampa são

variadas, de serras a planícies, de morros rupestres a coxilhas. O bioma exibe um

elevado patrimônio cultural associado à biodiversidade. As paisagens naturais do

Pampa se caracterizam pelo predomínio dos campos nativos, mas também com a

presença de matas ciliares, de encostas e de pau-ferro, além de formações

arbustivas, butiazais, banhados e afloramentos rochosos, dentre outras. A

respeito de aspectos hidrogeológicos, a maior parte do aquífero Guarani fica no

Pampa.

Por ser um conjunto de ecossistemas muito antigos, o Pampa apresenta floras e

faunas próprias e grande biodiversidade, ainda não completamente descrita pela

ciência. Estimativas indicam valores em torno de 3.000 espécies de plantas, com

notável diversidade de gramíneas, que somam mais de 450 espécies. Nas áreas

de campos naturais, também se destacam as espécies compostas e de

leguminosas, que juntas somam 150 espécies. Por fim, nas áreas de

afloramentos rochosos podem ser encontradas muitas espécies de cactáceas.

A fauna é expressiva, com quase 500 espécies de aves. Também se verifica a

existência de mais de 100 espécies de mamíferos terrestres. Ademais, o Pampa

abriga um ecossistema muito rico, com muitas espécies endêmicas e algumas

ameaçadas de extinção.

Desde a colonização ibérica, a pecuária extensiva sobre os campos nativos vinha

sendo a principal atividade econômica da região. Além de promover resultados

econômicos importantes, proporcionava a conservação dos campos e ensejava o

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desenvolvimento de uma cultura mestiça singular, de caráter transnacional

representada pela figura do gaúcho.

Contudo, a progressiva introdução e expansão das monoculturas e das pastagens

com espécies exóticas, no presente, têm levado a uma rápida degradação e

descaracterização de paisagens naturais do Pampa. Estimativas de perda de

hábitat dão conta de que, em 2002, restavam 41,32% e, em 2008, passaram a

restar apenas 36,03% da vegetação nativa do bioma Pampa (CSR/IBAMA, 2010).

Em relação às áreas naturais protegidas no Brasil, o Pampa é o bioma que menos

tem representatividade no Sistema Nacional de Unidades de Conservação

(SNUC), representando apenas 0,4% da área continental brasileira protegida por

unidades de conservação. A Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), da

qual o Brasil é signatário, prevê dentre suas metas para 2020 a proteção de, pelo

menos, 17% de áreas terrestres representativas da heterogeneidade de cada

bioma.

Por fim, um dos elementos essenciais para assegurar a conservação do Pampa

refere-se ao fomento para atividades econômicas de uso sustentável. A

diversificação da produção rural, a valorização da pecuária com manejo do campo

nativo, juntamente com o planejamento regional e com o devido zoneamento

ecológico-econômico, além de um respeito indispensável a limites

ecossistêmicos, são partes do caminho para assegurar a conservação da

biodiversidade e o desenvolvimento econômico e social deste bioma.

f) Pantanal

O bioma Pantanal é considerado uma das maiores extensões úmidas contínuas

do planeta, portanto, com grande importância, mesmo sendo o de menor

extensão territorial no Brasil. De fato, a sua área aproximada é de 150.355 km²,

assim ocupando apenas 1,76% do território brasileiro.

Em seu espaço territorial, este bioma, a ser visto como uma planície aluvial, é

influenciado por rios que drenam a bacia do Alto Paraguai. Ademais, face à sua

localização (rever Mapa da Figura 2.2), o Pantanal sofre influência direta de dois

importantes biomas brasileiros: Amazônia e Cerrado. Além disso, sofre alguma

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influencia da Mata Atlântica e, também, do bioma Chaco, nome dado ao Pantanal

localizado ao norte do Paraguai e a leste da Bolívia.

No presente, o bioma Pantanal ainda mantêm 86,77% de sua cobertura vegetal

nativa. A vegetação não florestal (savana do cerrado, savana estéptica do chaco,

formações pioneiras e áreas de tensão ecológica ou contatos florísticos de

ecótonos e encraves) é predominante em 81,70% do bioma. Desses, 52,60% são

cobertos por savana do cerrado e 17,60% são ocupados por áreas de transição

ecológica ou ecótonos. Os tipos de vegetações florestais (floresta estacional

semidecidual e floresta estacional decidual) representam 5,07% do Pantanal.

Uma característica interessante desse bioma é que muitas espécies ameaçadas

em outras regiões do Brasil persistem sob formas avantajadas na região, como é

o caso do tuiuiú – ave símbolo do Pantanal. Estudos indicam que o bioma abriga

os seguintes números de espécies catalogadas: 263 espécies de peixes, 41

espécies de anfíbios, 113 espécies de répteis, 463 espécies de aves e 132

espécies de mamíferos, sendo 2 endêmicas. Segundo a Embrapa Pantanal,

quase duas mil espécies de plantas já foram identificadas no bioma e

classificadas de acordo com seu potencial, com algumas apresentando vigoroso

potencial medicinal.

Apesar de sua exuberante beleza natural, nos últimos anos o bioma vem sendo

bem impactado pela ação humana, principalmente pela atividade agropecuária,

sobretudo nas áreas de planalto adjacentes do bioma. De fato, no que concerne a

alterações advindas de ações antrópicas, a maior parte dos 11,54% afetados no

bioma é utilizada para a criação extensiva de gado em pastos plantados

(10,92%), com apenas 0,26% usado para lavoura.

Mesmo sob tais frentes de pressão, como a fauna e flora da região são

admiráveis, há de se destacar a rica presença de comunidades tradicionais, como

as indígenas, os quilombolas, os coletores de iscas ao longo do Rio Paraguai e a

comunidade Amolar e Paraguai Mirim, dentre outras. Assim, no decorrer dos anos

essas comunidades têm influenciado diretamente a formação cultural da

população pantaneira.

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Contudo, na medida em que apenas 4,4% do Pantanal encontram-se protegidos

por unidades de conservação, das quais 2,9% correspondem a UCs de proteção

integral e 1,5% a UCs de uso sustentável, mesmo com Reservas Particulares do

Patrimônio Natural (RPPNs), até o momento, ocorrendo apenas no Pantanal,

cabe uma abordagem desse bioma junto Plano Nacional de Adaptação a

Mudanças Climáticas, tendo em vista, potenciais impactos mais abrangentes.

2.4. Abordagens Regionais, com Diretrizes Gerais para Adaptação a

Mudanças Climáticas e Avanços na Gestão de Recursos Hídricos

Tal como já mencionado na Introdução, em termos regionais serão abordadas: a

região amazônica, com seu perfil climático e sua elevada relevância em termos de

preservação de ecossistemas, importantes para todo o planeta; o semiárido

brasileiro, com clima singular e com frequentes problemas de escassez hídrica; e,

o conjunto das regiões sul, sudeste e centro-oeste, tendo em vista sua maior

densidade em termos de desenvolvimento socioeconômico.

2.4.1. Gestão de Recursos Hídricos na Região Amazônica5

Em relação aos recursos hídricos, a Amazônia é a região brasileira de maior

abundância hídrica, reunindo cerca de 74% das disponibilidades nacionais, que

somam algo como 48 mil m3/hab/ano. Essas disponibilidades decorrem tanto da

população rarefeita e da precipitação média regional de 2.240 mm/ano, quanto

das dimensões da bacia do rio Amazonas e de seus principais afluentes, não

somente em território nacional (com disponibilidades de 131.950 m3/s), como

também nos países a montante (Venezuela, Colômbia, Peru e Bolívia,

responsáveis por aportes de outros 86.320 m3/s).

Segundo abordagem já apresentada sobre o bioma da Amazônia, é reconhecida

sua elevada importância ambiental, dotada de enorme biodiversidade. As

ameaças (reais ou imaginárias) à integridade da Amazônia apresentam

repercussão internacional, notadamente em razão da exuberância, vastidão e, ao

mesmo tempo, da fragilidade da floresta, assentada, em toda a sua extensão

territorial, em planície sedimentar dotada de camada orgânica delgada e

5 Fonte: GEO Brasil - Recursos Hídricos (PNUMA e ANA, 2007), com certos dados atualizados.

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superficial, dependente da manutenção da cobertura vegetal, para sua

autorreprodução e para a estabilidade dos solos.

Demais disso, segundo conceitos mais recentes, a reconhecida importância da

Amazônia está associada aos “serviços ambientais” prestados ao Planeta Terra,

em termos climáticos, principalmente pela reserva e difusão de umidade pela

floresta, e de captura de gás carbônico, ambos com repercussões globais, que

subsidiaram uma proposta brasileira para que países desenvolvidos, em

reconhecimento aos referidos “serviços ambientais”, se dispusessem a

compensar financeiramente países em desenvolvimento que empreendessem

ações em favor da manutenção de suas coberturas florestais.

Naturalmente, conceitos dessa ordem podem ser aplicados em outros biomas e

áreas naturais, sempre sob a perspectiva de reconhecer a importância dos

“serviços ambientais” prestados à sociedade e ao Planeta Terra.

Todavia, hoje seguem elevados riscos ambientais envolvendo a velocidade e a

amplitude do desmatamento da Amazônia, com repercussões potenciais

associadas a hipóteses de alterações climáticas do planeta, assim como,

significativos interesses relacionados à conservação e à exploração de sua

reserva de biodiversidade, ainda a ser mais amplamente conhecida.

No que concerne à utilização dos recursos hídricos, a Região Amazônica se

caracteriza pelas baixas densidades populacionais e pela ausência de

concentrações urbanas de grande porte, à exceção: (i) de Manaus, que passou a

abrigar cerca de 1,9 milhão de habitantes, em 2013, com um crescimento da

ordem de 6,5% neste ano, chegando a mais de 120 mil novos moradores, fato

que fez esta capital chegar a pouco mais de 50% dos habitantes do Estado do

Amazonas; e, (ii) da Região Metropolitana de Belém, no Estado do Pará, que

compreende 2,360 milhões de moradores, com 1,485 milhões na própria cidade

de Belém.

Dentre cidades de médio porte, cabe registrar Porto Velho, capital de Rondônia,

que já abriga 485 mil moradores, segundo estimativa do IBGE para 2013, com

crescimentos elevados mais recentes, tanto em decorrência de sua proximidade

com frentes de expansão do agronegócio brasileiro, quanto pela construção, em

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pleno curso, das usinas hidroelétricas de Santo Antônio e de Jirau, ambas no Rio

Madeira, fato que proporcionou milhares de novos empregos.

Mesmo considerando estas cidades e seus contornos metropolitanos, não existem

limitações significativas relacionadas ao abastecimento doméstico, a não ser

algumas associadas a águas de boa qualidade nas cercanias de aglomerações

urbanas, além de muitos casos em pequenas cidades do interior, nos quais a falta

se refere à ausência de infraestrutura para uma distribuição eficaz e segura.

Quanto a problemas de contaminação hídrica, são pontuais e localizados, em

cidades (esgotos domésticos em Belém e Manaus, particularmente graves pela

contaminação dos igarapés) e em empreendimentos de extração mineral

(deposição de sólidos e de mercúrio em garimpos) e florestal (desmatamentos,

com consequente erosão e perda das camadas férteis superficiais do solo).

Também cabe registrar que no trecho brasileiro da bacia, a jusante, já se acusam

traços de algumas das atividades desenvolvidas nos países a montante, onde se

originam, por exemplo, problemas com mercúrio utilizado nos garimpos, além de

agroquímicos conservativos amplamente aplicados nas plantações de coca.

Igualmente ocorrem alguns problemas de natureza sanitária, valendo lembrar que

o cólera reintroduziu-se no País, na década de 1990, por meio da presença do

vibrião na Amazônia peruana. Ademais, há problemas relacionados aos vetores

de doenças tropicais que dependem da água em, pelo menos, uma de suas fases

de desenvolvimento (malária, entre outras).

No que tange a questões regionais mais amplas, a importância dos recursos

hídricos está muito relacionada a características de navegabilidade, com os

maiores cursos d’água constituindo-se como os principais corredores de

transporte e comunicação da região. Deve-se, também, mencionar a pesca, não

somente como meio de subsistência, assim como para fins de abastecimento de

mercados locais e das demais regiões do País.

Em acréscimo, face às elevadas vazões e a ocorrência de transições de planaltos

para planícies, é muito expressivo o potencial de aproveitamento hidrelétrico da

região. Com efeito, no presente, mesmo com o Brasil contando com cerca de 72%

de sua infraestrutura para geração de energia mediante usinas hidroelétricas

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(UHEs), cujo consumo, em alguns anos, chega a responder por 85 a 90% das

demandas, vale lembrar que apenas 35% do potencial já se encontra explorado,

enquanto outros países já passaram de 70%.

Isto significa que, tendo em vista formas mais sustentáveis para a geração de

energia, cabe considerar o grande potencial hidrelétrico que se encontra na

Amazônia, o qual chega próximo a 40% do total brasileiro, no presente, com sua

contribuição não superando mais do que 3%.

Todavia, é importante reconhecer questionamentos sobre limitações a serem

aplicadas para o aproveitamento desse potencial remanescente, tanto no que

tange a impactos e intervenções sobre a navegação regional, no mais das vezes,

com barragens de UHEs não incluindo eclusas, fundamentais para a região,

quanto pela referência negativa da Usina de Balbina, que teve seu início

operacional em 1989, vista com muitos problemas decorrentes da elevada área

florestal inundada pelo reservatório, com nível um tanto baixo da barragem e da

energia gerada, além da falta de preocupações e abordagens consistentes sobre

os impactos ambientais que foram causados.

Olhando mais a leste da Região Amazônica, no Estado do Pará há certas frentes

importantes relacionadas a infraestruturas e atividades produtivas. A primeira a

citar refere-se à Usina de Belo Monte, prevista como a 4ª maior do mundo. Esta

UHE está sendo construída sobre o Rio Xingu, nas proximidades da cidade de

Altamira, no sudoeste do Pará. Sua potência instalada será de 11.233 MW,

contudo, por operar com um reservatório que foi bem reduzido, deverá produzir

efetivamente cerca de 4.500 MW, em média ao longo do ano, o que representa

aproximadamente 10% do consumo nacional.

Quanto a atividades produtivas, grandes núcleos de mineração, especialmente

com iniciativas da Vale S.A., passaram a ser empreendidos nos últimos anos, os

quais também exigem abordagens consistentes sobre impactos ambientais.

Enfim, face aos perfis da Região Amazônica que foram abordados, incluindo o de

seu bioma, caberá maior rigor em termos da devida preservação ambiental,

inclusive em decorrência de preocupações com potenciais mudanças climáticas.

Neste sentido, fica o registro do período muito recente onde ocorreram

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inundações significativas sobre os Estados do Acre e de Rondônia, com o nível do

Rio Madeira tendo superado sua altura média em mais de 20 metros, fato que

resultou em significativos impactos sobre as estradas locais, por conseguinte,

com críticas deficiências em serviços e produtos básicos a serem distribuídos pela

região, chegando ao ponto do Estado do Acre ficar isolado, por algumas

semanas. Essas inundações não devem ser vistas apenas em decorrência de

chuvas mais fortes, mas também como resultado das altas temperaturas que

ocorreram a partir do início de 2014, as quais devem ter resultado em degelos

advindos da Cordilheira dos Andes, de onde saem muitas das nascentes da bacia

do Rio Amazonas e do próprio Rio Madeira.

Por fim, como mais um insumo advindo da publicação GEO Brasil – Recursos

Hídricos (PNUMA e ANA, 2007), no Anexo I segue a transcrição de um Box

voltado a “Vulnerabilidade Climática e Antrópica dos Recursos Hídricos da Bacia

Amazônia”.

Diretrizes Gerais

Chega-se, agora, à formulação de diretrizes gerais advindas do perfil da Região

Amazônica, voltadas a possíveis e necessárias adequações do SINGREH, tendo

em vista, tanto os objetivos próprios relacionados ao Plano Nacional de

Adaptação a Mudanças Climáticas, quanto para que ocorram novos e seguidos

avanços na gestão de recursos hídricos no Brasil. Sob tal abordagem, mais

articulada e conjunta, com essas diretrizes busca-se articular muitos dos aspectos

e singularidades regionais da Amazônia, que compõem a tipologia dos principais

problemas e desafios apresentados.

De pronto, deve-se reconhecer a importância de ações e atividades voltadas à

proteção e preservação ambiental, que devem ser consideradas como essenciais

no trato de quaisquer dos eventuais problemas de recursos hídricos.

Para tanto, no que concerne a um possível Sistema Regional de Gestão – tendo

em vista o perfil amazônico, com predominância de baixa densidade populacional,

à exceção de certas concentrações em um número restrito de cidades e/ou áreas

metropolitanas –, cabe destacar a importância de uma estrutura institucional mais

consistente dos órgãos estaduais gestores do meio ambiente e dos recursos

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hídricos, não somente para fins de fiscalização, como também para as devidas

articulações e definições de políticas relacionadas ao ordenamento do uso e da

ocupação territorial, incluindo a indispensável criação de área protegidas e

unidades de conservação.

Ou seja, cabe uma ênfase particular a ser conferida para a concessão de áreas

de florestas (Lei Federal nº 11.284, de 02 de março de 2006), que abre novas

perspectivas para o enfrentamento dos cruciais problemas derivados do

desmatamento ilegal, com vistas a um manejo sustentável da Amazônia. Neste

sentido, projeções deverão ser formuladas para identificar áreas de risco,

notadamente para as sujeitas a certos períodos de escassez ou, principalmente,

para inundações críticas, tais como ocorreram neste ano de 2014.

De fato, há demandas importantes para a mitigação de impactos socioambientais

(diretos e/ou de cunho regional) decorrentes da implantação de grandes

empreendimentos na região. Seguindo a respeito, deve ser previamente

identificado um número restrito de áreas onde possam ser instaladas futuras

usinas hidroelétricas, sob uma perspectiva do Sistema Interligado Nacional,

portanto, também considerando a viabilidade e graus de risco de redes de

transmissão, sem que se deixe de considerar, sobretudo, os perfis de hidrovias

presentes, além de atividades produtivas locais, com destaque para a pesca.

Voltando a abordar um ideal Sistema Regional de Gestão, no que concerne a

instâncias sociais coletivas, frente à dispersão da população e grande extensão

territorial, tornam-se evidentes as dificuldades de instalação e funcionamento de

comitês de bacia hidrográfica na Região Amazônica.

Sob tal contexto, como possível agenda básica da gestão regional, pode-se

anotar: o mapeamento de áreas onde se localizam os principais usuários de

recursos hídricos e ambientais; a ampliação da rede hidrometeorológica, para

mais conhecimento das disponibilidades; instrumentos para prevenção de efeitos

deletérios de cheias, em especial, com o ordenamento do uso e da ocupação do

solo; pesquisas sobre a biodiversidade; apoio a consórcios com finalidades

específicas (serviços relacionados a recursos hídricos e proteção ambiental); e,

projetos para problemas localizados de saneamento (por exemplo, poluição de

igarapés e nas áreas urbanas de maior dimensão).

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Por fim, sob tais diretrizes gerais, para que ocorram avanços e adaptações do

SINGREH, como também de SEGREHs – eventualmente com a constituição de

um Sistema Regional de Gestão, via Termos de Compromisso e um Convênio

Coletivo –, sem que se esqueça do Pacto das Águas, já em pleno

empreendimento pela ANA, devem estar presentes ao processo os seguintes

atores institucionais, identificados como estratégicos, face aos problemas e

desafios apresentados:

- Ministério do Meio Ambiente e sua Secretaria de Mudanças Climáticas e

Qualidade Ambiental, responsável pelo Plano Nacional de Adaptação a

Mudanças Climáticas;

- Conselhos Nacionais de Recursos Hídricos (CNRH) e do Meio Ambiente

(CONAMA);

- Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis

(IBAMA) e sua instâncias regionais;

- Agência Nacional de Águas (ANA);

- Ministério de Minas e Energia e a Empresa de Pesquisa Energética (EPE);

- Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, com a presença de

instâncias regionais da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária

(EMBRAPA);

- Ministério da Pesca e Aquicultura;

- Ministério dos Transportes, com instâncias voltadas a hidrovias;

- Fundação Nacional do Índio (FUNAI);

- Secretarias de Estado de Planejamento (Amazonas, Pará, Roraima,

Amapá, Acre, Rondônia, Mato Grosso e Tocantins6);

- Órgãos Estaduais Gestores do Meio Ambiente e de Recursos Hídricos;

- Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos e do Meio Ambiente;

6 Mesmo com Tocantins fazendo parte da Região Norte, será mais abordado e considerado como

frente de expansão do agronegócio brasileiro, portanto, mais articulado ao Cerrado Centro-Oeste.

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- Concessionárias Estaduais de Saneamento Básico, empresas municipais

ou do setor privado, responsáveis por sistemas de abastecimento da água

e coleta e tratamento de esgotos sanitários;

- Principais Prefeituras Municipais, incluindo Manaus, Belém, Porto Velho,

Rio Branco, Macapá, Boa Vista e algumas outras, com suas Secretarias

voltadas ao planejamento urbano, com abordagem de uso e ocupação do

solo;

- Departamentos municipais responsáveis pela coleta e disposição final de

resíduos sólidos;

- Confederação Nacional da Agricultura (CNA) e suas Federações Estaduais

associadas, além de outras entidades regionais relacionadas a este

segmento produtivo;

- Confederação Nacional da Indústria (CNI) e suas Federações Estaduais

associadas;

- Principais empresas de grande porte na região; e,

- Secretarias de Defesa Civil.

2.4.2. Região Nordeste e do Semiárido Brasileiro7

Com maior desenvolvimento socioeconômico nas regiões Sudeste e Sul, e as

maiores expansões das fronteiras de agronegócios e de produção pecuária nas

regiões do Centro-Oeste, e já ao sul da Amazônia, no presente, o Brasil já

apresenta uma taxa média de urbanização da ordem de 86%, com a mais elevada

no Sudeste, que já deve superar os 92%, onde se concentra a maior parte da

população do País.

Especificamente em relação à região Nordeste, já ocupada a longos anos da

história, mesmo sujeita a problemas climáticos próprios com a sua significativa

porção semiárida – denominada como Polígono das Secas, abrangendo cerca

de 1.350 municípios –, a taxa de urbanização deve limitar-se a 75%, portanto,

bem abaixo da média nacional, com sua população urbana concentrada nas

7 Fontes: Planos das Bacias Hidrográficas dos Rios Grande e Corrente (Bahia/2013), e GEO

Brasil - Recursos Hídricos (PNUMA e ANA, 2007), com certos dados atualizados.

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regiões metropolitanas, formadas ao entorno das capitais dos estados nordestinos

(que serão abordadas mais à frente, no item 2.4.3.(iii)), todas junto ao litoral e

Zona da Mata, tendo suas periferias dominadas por famílias de baixa renda, e

com o interior dos estados apresentando um pequeno número de cidades de

porte significativo, portanto, com poucos núcleos interiores de expansão urbana,

tendo como consequência boa parte da população nordestina mantendo-se

dispersa no semiárido, ainda que sigam ocorrendo muitas migrações.

De modo bem sintético, mesmo com algumas porções das demais regiões do

País demandando a devida instalação de sistemas de abastecimento de água

potável, seja em periferias ocupadas desordenadamente em grandes cidades ou

em municípios interiores de pequeno porte, pode-se afirmar que o problema mais

significativo do Brasil, sem dúvidas, concentra-se no semiárido, onde a escassez

de água é mais elevada do que em todas as demais regiões.

Ou seja, as regiões Norte e Centro-Oeste, mesmo com níveis socioeconômicos

em processos mais recentes de expansão, têm seus problemas de abastecimento

de água relacionados apenas à falta de infraestrutura e/ou à qualidade dos

recursos hídricos (de forma surpreendente, também na própria região Norte), com

as regiões Sudeste e Sul apresentando menores deficiências de infraestrutura

sanitária em áreas pontuais, notadamente em favelas e em periferias ocupadas,

assim como em determinadas regiões rurais, por vezes devido a conflitos entre

usos múltiplos da água.

Mais especificamente a respeito da região Nordeste, verifica-se que sua maior

porção abrange o semiárido brasileiro, tal como demonstra o Mapa apresentado

pela Figura 2.4, a seguir.

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Figura 2.4– Mapa da Porção Territorial do Semiárido Brasileiro

Fonte: SUDENE (2009).

Contando com tais perfis, por certo que a gestão de recursos hídricos nesta

região deve considerar objetivos articulados com elevação de renda social e

abastecimento de água essencial às populações de extrema pobreza, com

atenção particular para o atendimento às famílias e comunidades dispersas na

zona rural, sem deixar de considerar a oferta hídrica para a produção de

alimentos e criação de animais, além de perspectivas de problemas crescentes

advindos de mudanças climáticas, com secas mais frequentes.

Esta inequívoca prioridade do semiárido também advém da presença de um solo

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regional cristalino, no qual atividades agrícolas enfrentam desafios de elevar sua

produtividade. Outra questão importante, identificada sob a ótica do contexto

nacional da Região Nordeste, refere-se ao fato de que os extremos a leste e ao

nordeste do Cerrado brasileiro ocupam o oeste da Bahia, além do sudoeste do

Piauí e do centro-sul do Maranhão. Em termos da dinâmica econômica do Brasil,

particularmente das áreas de expansão de atividades agropecuárias e de

mineração, isto implica que tais porções dos estados mencionados encontram-se

sujeitas a estas dinâmicas de expansão, no mais das vezes, ocorridas ao longo

dos últimos 20 a 30 anos.

Trata-se, portanto, de uma vertente de avanços socioeconômicos não limitada a

iniciativas próprias aos estados nordestinos. Ao contrário, segundo uma

reportagem apresentada pelo programa Globo Rural, no presente, o Brasil conta

com uma importante região de expansão do agronegócio denominada como

MAPITOBA, nome composto pelas iniciais dos estados do Maranhão, Piauí,

Tocantins e Bahia8.

Assim, de acordo com o contexto sintetizado, mesmo no semiárido brasileiro é

importante considerar duas frentes paralelas de pesquisas e ações: (a) de um

lado, com a perspectiva de seguir com um desenvolvimento regional

socioeconômico mais consistente, identificando áreas com menores graus de

risco do semiárido, voltadas a arranjos produtivos locais (APLs), que atraiam as

vertentes nacionais de expansão; e, (b) de outro, para fins de Governança na

gestão de recursos hídricos e adaptação a mudanças climáticas, com abordagens

adequadas para conferir maior segurança hídrica, ambiental e social em áreas de

risco (problem-sheds), por vezes, a serem desocupadas por seus moradores e

comunidades dispersas, sempre submetidas a graves problemas de escassez.

Ambas as frentes mencionadas devem ser associadas a estratégias dos estados

nordestinos. Isto significa que uma das possíveis soluções mais abrangentes e

estratégicas, para facilitar o abastecimento de água às populações rurais

dispersas de elevada pobreza, pode ser concebida pela concentração desses

moradores rurais em núcleos de desenvolvimento – os Oásis do Semiárido

8 Este programa pode ser visto no site http://www.youtube.com/watch?v=ICpjUOMebbg

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Brasileiro –, por vezes, em algumas das cidades da região a serem

selecionadas9.

Enfim, ainda que a maior parte da região Nordeste se concentre no semiárido

brasileiro, será muito importante identificar núcleos regionais estratégicos ao

desenvolvimento, com vistas à APLs e cidades do interior, além de definir áreas a

serem desocupadas, em decorrência de serem de mais elevados graus de risco.

Voltando ao contexto nacional, sabe-se que o semiárido brasileiro estende-se

pelos estados de Minas Gerais (somente em seu extremo norte e nordeste),

Bahia, Sergipe, Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará e

Piauí, sem abranger o Estado do Maranhão. Caracteriza-se pela escassez de

recursos hídricos, com precipitação anual média na casa dos 900 mm, chegando

próxima a 400 mm, no interior da Paraíba, com elevada variabilidade na

distribuição espacial e temporal de chuvas na região (sazonalidade interanual),

acompanhada de limitações nas possibilidades de extração de águas

subterrâneas, devido tanto à formação cristalina, quanto à salubridade dos solos.

Essas características climatológicas, hidrológicas e geológicas, associadas à

conformação do relevo regional (que propicia escoamentos para a vertente

atlântica), dão origem a uma rede hidrográfica na qual são recorrentes cursos

com nascentes intermitentes, em geral, situadas no planalto do sertão semiárido e

nos trechos médios que começam a estabilizar suas vazões após vencer o

agreste, até assumir corpo e volume já próximos de seu deságue no litoral, ora ao

Leste (da Bahia ao Rio Grande do Norte), ora ao Norte brasileiro (do Rio Grande

do Norte ao Ceará e Piauí).

As condições climáticas implicam na dificuldade de disponibilizar água a partir do

simples armazenamento em açudes e reservatórios, não obstante seu expressivo

número regional, dada a significativa evapotranspiração potencial, que supera os

2.000 mm anuais em grande parte do Nordeste brasileiro.

Esse panorama regional é cindido pelo curso principal do Rio São Francisco,

com nascentes e alguns tributários de elevado porte em Minas Gerais, aliados à

9 A propósito, cabe registrar: (i) a Política e o Marco de Reassentamento Involuntário associado

ao Programa Águas de Sergipe; e, (ii) ações contra a desertificação do semiárido brasileiro.

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grande extensão territorial de sua bacia de contribuição, proporcionando-lhe

perenidade e vazão suficientes para transpassar o semiárido, possibilitando

aproveitamentos múltiplos – irrigação e geração de energia, principalmente –,

mesmo com as enormes perdas devidas à evaporação, pela amplitude dos

espelhos d'água dos reservatórios de usinas geradoras. Em seu trecho inferior, o

Rio São Francisco conta com vazões regularizadas da ordem de 1.850 m3/s,

tendo sido definida sua vazão mínima final em 1.100 m3/s.

Não obstante esse cenário, de adversidade climática e hidrológica somada a

solos de baixa fertilidade, persiste elevado contingente de população dispersa na

região, no meio rural ou em pequenos núcleos urbanos (cerca de 25% dos mais

de 50 milhões de nordestinos), com amplo predomínio dos extratos inferiores de

renda, incluindo núcleos de quilombolas.

Tal como já mencionado, quando não rural, a população localiza-se em pequenos

núcleos do interior, sem que se verifique, em qualquer dos estados nordestinos,

uma malha urbana organizada10, em tipologia e hierarquia funcional, capaz de

ordenar espacialmente as demandas por serviços públicos essenciais (saúde,

educação e moradia, com destaque para o saneamento básico, no essencial,

limitado ao abastecimento de água potável).

Sem embargo de alternativas de baixo custo para fornecimento de água potável,

também cumpre reconhecer os limites decorrentes da incipiência das atividades

produtivas do semiárido (problemas de emprego e renda), restringindo a

população rural à mera sobrevivência, quando possibilitada por meios alternativos

como poços de pequeno porte, barragens subterrâneas e cisternas para captação

das águas de chuva.

O quadro incipiente do desenvolvimento regional resulta na manutenção de um

verdadeiro "exército rural de reserva", em equilíbrio instável, sustentado por

políticas compensatórias11, com significativo potencial de migração para as

10 Esta assertiva é atestada pela comparação de qualquer dos estados nordestinos frente à Santa

Catarina, p. ex., que conta com a rede urbana mais bem distribuída do país (número e população

de pequenas, médias e grandes cidades).

11 Em muitas cidades e pequenos núcleos urbanos, a aposentadoria e a Bolsa Família se

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demais áreas do País (São Paulo, em um passado recente, e metrópoles

regionais, atualmente). A permanência implica em elevados custos sociais, seja

para a população em si, sujeita à miséria absoluta e castigada pelas adversidades

regionais, seja em termos de gastos governamentais em programas recorrentes

de cunho assistencialista (carros-pipa, cestas básicas e frentes de emergência).

O que se deduz, portanto, é que a problemática dos recursos hídricos no

semiárido brasileiro congrega ambas as frentes: no gerenciamento da oferta

(estoques e transporte de água) e na gestão da demanda (ordenamento espacial

e eficiência na utilização de um recurso escasso), podendo a disponibilidade de

água, embora necessária, não ser suficiente para imprimir dinâmica à economia

regional, persistindo uma questão subjacente de ordem social.

Diretrizes Gerais

Considerando este contexto nacional descrito do semiárido nordestino, é então

possível formular as seguintes diretrizes gerais, as quais são voltadas, tanto para

objetivos próprios ao Plano Nacional de Adaptação a Mudanças Climáticas,

quanto para que ocorram novos e seguidos avanços na gestão de recursos

hídricos no Brasil:

­ foco no gerenciamento das disponibilidades, incluindo: (i) a infraestrutura

de armazenamento corretamente construída (mitigar efeitos da

evapotranspiração e otimizar regularização); (ii) a infraestrutura de

transporte de água (canais e adutoras), definida segundo eixos com

localização compatível com o desenvolvimento de atividades econômicas e

estratégias de consolidação e adensamento da rede urbana; (iii) o

desenvolvimento de alternativas de baixo custo para sistemas localizados

de suprimento (cisternas, poços locais, barragens subterrâneas e outras

formas); e, (iv) informações hidrometeorológicas, hidrogeológicas e

sistemas de apoio à decisão (SADs) para gerenciamento das

disponibilidades (curvas cota-áreas e volume de açudes), operados por

instituições autossustentadas, capazes de garantir sua aplicação junto aos

usuários e comunidades rurais;

constituem nas principais fontes de renda regional.

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­ o gerenciamento da demanda, incluindo: (i) a redução de perdas e

desperdícios e a operação e manutenção de sistemas; (ii) o uso de

instrumentos econômicos (negociações relacionadas a alocação das

disponibilidades entre setores usuários); e, (iii) o ordenamento espacial da

demanda (indução positiva à migração intrarregional e consolidação de

redes urbanas);

­ a adequação dos instrumentos de gestão às peculiaridades regionais: (i) os

planos deverão estar centrados na construção e operação da infraestrutura

hídrica; (ii) o enquadramento qualitativo permanece distante da ordem do

dia, embora a proteção da qualidade da água disponibilizada pela

infraestrutura construída seja de grande relevância; (iii) a outorga deve ser

flexibilizada para a curta duração e sujeita a regimes de racionamento;

(iv) a cobrança deve ser efetuada na forma de tarifa pelos serviços de

fornecimento de água bruta e como mecanismo de compensação às

decisões de alocação de água para usos com maior valor agregado; (v) os

sistemas de informações são essenciais aos processos de tomada de

decisões;

­ sob a ótica de alternativas para arranjos institucionais: (i) as Unidades

Territoriais Estratégicas para Gestão de Recursos Hídricos (UTEGs) devem

ser traçadas segundo os perfis locais de conservação da biodiversidade ou

de potencial expansão socioeconômica, além de considerar a infraestrutura

instalada de reservatórios, açudes e adutoras; (ii) os comitês terão

dinâmica social centrada nos usuários-consumidores, apoiados pela

operadora (agência) de água bruta12; (iii) cabe estabelecer uma lógica

particular para empreendimentos econômicos, irrigação principalmente,

com foco em arranjos produtivos locais (APLs – clusters) e nas

correspondentes cadeias produtivas; (iv) deve-se incentivar e,

eventualmente, subsidiar, a adequação do perfil de atividades ao meio

físico regional; e, (v) em termos regionais, deve ser destacado e reservado

12 Principal referência, a Companhia de Gerenciamento de Recursos Hídricos (COGERH), do

Estado do Ceará, cujo modelo de gestão é apresentado no Anexo II.

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um papel fundamental para os SEGREHs, devido a abordagens

predominantes de núcleos de problemas (problem-sheds), sem que se

deixe de celebrar acordos em bacias hidrográficas compartilhadas, a

exemplos do conjunto da bacia do Rio São Francisco e da bacia do Rio

Piranhas - Açu (entre Paraíba e Rio Grande do Norte).

Como última diretriz geral, recomenda-se que sejam articuladas iniciativas em

conjunto com o Plano Nacional de Combate à Desertificação (PAN), importante

documento referencial a ser recuperado e reposto em pauta, para que surjam

diretrizes, ações e atividades voltadas à problemática dos recursos hídricos em

regiões mais críticas do semiárido brasileiro.

Sob tais diretrizes, para que ocorram avanços na Governança sobre a gestão de

recursos hídricos, devem estar presentes ao processo atores e instituições

identificadas como estratégicas, face aos problemas e desafios apresentados.

Neste sentido, tendo em vista que no semiárido é possível identificar inúmeros

pontos críticos, com ênfase em centenas de comunidades rurais dispersas, as

abordagens devem ocorrer segundo o perfil e as condições próprias a cada um

dos estados nordestinos, inclusive de seus SEGREHs e de suas instituições

relacionadas ao meio ambiente, aos recursos hídricos e a possíveis adaptações a

mudanças climáticas.

Isto significa que a estratégia será diferente do que se propôs na Amazônia, onde

predominou uma ótica mais abrangente e regional. Assim, no caso de problemas

do Nordeste, a abordagem deverá ser efetuada de forma própria a cada um dos

estados, mesmo naqueles com menores dimensões territoriais – Alagoas e

Sergipe –, uma vez que o foco tende a ser predominante sobre áreas-problemas,

com fatores críticos que impactam comunidades locais, a exemplo de

quilombolas.

Mais do que isso, tendo em vista que há diferentes avanços nos SEGREHs,

ações e atividades voltadas à adaptação a mudanças climáticas devem levar em

conta potenciais frentes de trabalho que estão sendo definidas a partir do Pacto

das Águas, em pleno empreendimento pela ANA.

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Com isto posto, sem chegar a maiores detalhes próprios a cada um dos estados

nordestinos, sob uma forma geral devem estar presentes as seguintes instituições

e atores, vistos como estratégicos (stakeholders):

- Ministério do Meio Ambiente e sua Secretaria de Mudanças Climáticas e

Qualidade Ambiental, responsável pelo Plano Nacional de Adaptação a

Mudanças Climáticas;

- Conselhos Nacionais de Recursos Hídricos (CNRH) e do Meio Ambiente

(CONAMA);

- Agência Nacional de Águas (ANA);

- Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis

(IBAMA) e sua instâncias regionais;

- Ministério da Integração Nacional e suas Secretarias de Desenvolvimento

Regional e de Infraestrutura Hídrica, além de importantes entidades

vinculadas – CODEVASF, DNOCS e SUDENE – e da Coordenação de

alguns programas, especialmente o “Água para Todos” e “Revitalização de

Bacias Hidrográficas”;

- Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, com a presença de

instâncias regionais da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária

(EMBRAPA);

- Ministério de Minas e Energia e a Operadora Nacional do Sistema

interligado (ONS), além da Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais

(CPRM) e do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM);

- Companhia Hidroelétrica do São Francisco (CHESF), com operadores de

usinas de grande porte (Moxotó, Três Marias, Paulo Afonso, Sobradinhos e

Xíngó), além de algumas Pequenas Centrais Hidroelétricas (PCHs);

- Petrobrás e superintendentes de suas refinarias localizadas na região;

- Comitê da Bacia do Rio São Francisco e a Agência AGB Peixe Vivo, além

de outros comitês federais e estaduais importantes, como o da bacia do

Rio Piranhas – Açu e do Rio Sergipe;

- Ministério dos Transportes, com instâncias voltadas ao transporte

hidroviário no Rio São Francisco;

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- Ministério das Cidades e sua Secretaria Nacional de Saneamento

Ambiental;

- Fundação Nacional de Saúde (FUNASA);

- Secretarias de Estado do Meio Ambiente e de Recursos Hídricos, além de

algumas Secretarias de Planejamento (Minas Gerais, vez que tem trecho

no Semiárido; Bahia; Sergipe; Alagoas; Pernambuco; Paraíba; Rio Grande

do Norte; Ceará; Piauí; e, Maranhão), especialmente em casos onde haja

um planejamento para fins de ordenamento territorial;

- Órgãos Estaduais Gestores do Meio Ambiente e de Recursos Hídricos;

- Empresas estaduais de economia mista, voltadas à operação de

infraestrutura de recursos hídricos e/ou de atividades regionais, a exemplo

da COGERH (Ceará) e da Companhia de Engenharia Ambiental e de

Recursos Hídricos (CERB/Bahia);

- Agências Estaduais Reguladoras sobre serviços de saneamento, e energia

e outros;

- Fundações de Ciência e Tecnologia, com ênfase na FUNCEME (Ceará);

- Concessionárias Estaduais de Saneamento Básico, empresas municipais

ou do setor privado, responsáveis por sistemas de abastecimento da água

e coleta e tratamento de esgotos sanitários;

- Principais prefeituras municipais, incluindo capitais e cidades

representativas de áreas de risco, muito preliminarmente com indicação de:

Montes Claros, Jequitinhonha e Divinópolis (MG); Salvador, Barreiras, Luis

Eduardo Magalhães, Santa Rita de Cássia, Santana, Buritirana e Nova

Redenção (BA); Aracajú, Pedra Mole e Poço Redondo (SE); Maceió,

Pariconha e Mata Grande (AL); Recife, Santa Cruz do Capibaribe,

Petrolina, Salgueiro, Dormentes e Ipubi (PE); João Pessoa, Campina

Grande, Belém do Brejo da Cruz e Santa Helena (PB); Natal, Mossoró,

Apodi e Jardim do Seridó (RN); Fortaleza, Juazeiro do Norte, Salitre e

Quiterianópolis (CE); Teresina, Fartura do Piauí e Queimada Nova (PI); e,

São Luis, Balsas e São Francisco do Brejão (MA), além de algumas outras;

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- Representantes de pequenas comunidades rurais dispersas em estados do

Nordeste;

- Confederação Nacional da Agricultura (CNA) e suas Federações Estaduais

associadas, além de outras entidades regionais relacionadas a este

segmento produtivo, a exemplo de associações de usuários das águas ou

de comissões gestoras de açudes e reservatórios;

- Confederação Nacional da Indústria (CNI) e suas Federações Estaduais

associadas, com ênfase em representantes do setor produtivo de

mineração;

- Principais empresas de grande porte na região; e,

- Secretarias de Defesa Civil.

2.4.3. Conjunto das Regiões Sul, Sudeste e do Centro-Oeste

Tendo em vista sua maior densidade em termos de desenvolvimento

socioeconômico, além do entendimento de que deve haver grande proximidade

entre seus modelos de gestão voltados para uma Governança consistente sobre

os recursos hídricos, agora serão abordadas, em conjunto, as regiões Sul,

Sudeste e Centro-Oeste do território nacional.

Mesmo abordadas em conjunto, três leituras serão efetuadas, com base em

dinâmicas diferenciadas de atividades produtivas e de perfis socioambientais, a

saber: (i) primeiramente, as dinâmicas relacionadas à produção do agronegócio;

(ii), em segundo lugar, aspectos próprios a porções do Cerrado, onde frentes de

expansão produtiva ainda seguem em curso; e, (iii) a indispensável abordagem de

grandes núcleos urbano-industriais, com ênfase em regiões metropolitanas e

aglomerações de cidades, onde impactos relacionados a questões hídricas,

ambientais e a mudanças climáticas têm se tornado muito relevantes.

2.4.3. (i) Áreas Territoriais voltadas a Atividades do Agronegócio

Como áreas territoriais voltadas às principais atividades do agronegócio brasileiro,

incluindo frentes de produção pecuária, devem ser consideradas: o interior dos

estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e do Paraná (Região Sul); a

porções do interior paulista, o triangulo mineiro e o centro-oeste de Minas Gerais,

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além de alguns núcleos do Rio de Janeiro e do Espírito Santo (Região Sudeste);

e, grandes porções dos estados de Goiás, Mato Grosso do Sul e do Mato Grosso

(Região Centro-Oeste), além da consideração do Estado de Tocantins.

Mais especificamente, sob uma forma muito resumida, cabe assinalar que: (a) no

Estado do Rio Grande do Sul merece destaque a produção de arroz com cultivo

inundado para irrigação, abrangendo cerca de 1,1 milhão de hectares, além da

pecuária e de cultivo para produção vinícola; (b) em Santa Catarina e no Paraná

há predomínio de cultivos de grãos (soja, milho e trigo), cana-de-açúcar e, junto

ao extremo oeste, a suinocultura; (c) em São Paulo e a oeste de Minas Gerais,

maior ênfase presente para o cultivo de cana-de-açúcar, voltado a usinas de

biocombustíveis (como o etanol), além de frentes de soja; (d) a leste de Minas

Gerais e em parte do Espírito Santo, grandes núcleos para a produção voltada a

papel e celulose, além de café; (e) já no trecho do centro-leste e do sudeste

mineiro, merece destaque a exploração mineral; e, (f) em Goiás, Mato Grosso do

Sul e em parte do Mato Grosso e de Tocantins, predominam grandes áreas com

cultivos de graus de soja, além das principais frentes pecuárias do País.

Todas estas e muitas outras atividades produtivas das regiões Sul, Sudeste e do

Centro-Oeste (mais Tocantins) sempre puderam contar com características

hidrometeorológicas bem favoráveis, com precipitação média anual da ordem de

1.450 mm, razoavelmente distribuída ao longo do ano, somadas à ocorrência de

solos com boa fertilidade, mesmo considerando certas singularidades, a exemplo

da porção mais central do Brasil, onde períodos com falta de chuva, entre abril a

outubro de cada ano, demandam relevantes sistemas de irrigação.

Sob tais condições regionais e climáticas, o Brasil pôde contar com uma

agricultura dinâmica, moderna e diversificada, composta por grãos (soja, milho e

trigo), cana-de-açúcar, algodão, café e fruticultura, a ser vista como resultado de

um longo processo associado ao próprio histórico da ocupação do território

nacional e a ciclos econômicos que marcaram o desenvolvimento do País.

Contudo, deve-se registrar que, no presente, há dificuldades significativas para o

transporte de produtos a partir do Centro-Oeste, na sua maioria absoluta

dependente de rodovias.

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A respeito desse processo histórico de desenvolvimento, cumpre lembrar que, já

no início do século passado (década de 1930), a expansão das fronteiras

agrícolas, capitaneada pelo vetor dominante da cafeicultura, propiciava a

ocupação do sudoeste paulista, norte e noroeste paranaense, em um processo

planejado e muito veloz, que marcou a fundação da própria rede urbana de apoio

àquela cultura de exportação13.

Nas décadas seguintes (1950 e 1960), movimento similar, porém mais atenuado,

ocorreu a partir da colonização promovida pelos gaúchos, a oeste de Santa

Catarina e sudoeste do Paraná, espraiando-se até o Mato Grosso do Sul. Na

sequência, durante os anos de 1970 ampliou-se o movimento que passou a

atingir as novas fronteiras agrícolas do Brasil, hoje já superando o extremo

noroeste do Cerrado e fustigando parte da Região Amazônica, com ênfase em

Tocantins, Mato Grosso, sul do Pará e até em Rondônia e em parte do Acre14.

Sob tais processos de seguidas expansões da agricultura, com esgotamento das

fronteiras do Sul e do Sudeste, cabe considerar fatores crescentes e

determinantes de problemas relacionados à oferta de recursos hídricos, hoje

muito observados na zona rural do Centro-Oeste brasileiro, onde grandes

perímetros de irrigação têm sido instalados nas últimas décadas.

Neste sentido, por certo que há relevância para uma necessária adaptação a

potenciais mudanças climáticas, tanto no que concerne a áreas rurais de

produção agrícola – a exemplo da bacia do Rio São Marcos, onde há constantes

conflitos entre usos múltiplos da água, especialmente entre irrigação e geração de

hidroeletricidade –, quanto em grandes núcleos urbanos, que serão abordados

mais à frente, a exemplo da Grande São Paulo, onde o Sistema Cantareira

chegou, neste ano de 2014, a seu período mais crítico da história, com apenas

8,6% do seu volume reservado para abastecimento de mais de 8 milhões de

moradores, fato que demandou o uso do chamado “volume morto”.

13 Fundação da cidade de Londrina em 1935, hoje com cerca de 540 mil habitantes.

14 Na porção do extremo leste e do nordeste do Cerrado, cabe lembrar a área de expansão

denominada como MAPITOBA, já mencionada no item sobre o semiárido brasileiro.

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Ademais, além de potenciais conflitos crescentes nas regiões do Centro-Oeste e

do Sudeste, cabe lembrar que já ocorriam problemas sobre o uso das águas

voltado a agricultura na bacia do Rio Uruguai, no Rio Grande do Sul, em razão

dos volumes expressivos aplicados ao cultivo de arroz por inundação,

demandando, inclusive, barragens para a regularização de vazões.

Seguindo a respeito desse panorama geral produtivo, predominante nas regiões

Sul, Sudeste e do Centro-Oeste, também deve ser considerada a sua estreita

vinculação com a chamada agroindústria, portanto, com tendências crescentes de

serviços terceirizados e de um comando urbano, fato que implica em menor oferta

de empregos rurais e mais possibilidades de servidores atenderem a apoios

produtivos mecanizados. Ou seja, no presente, nas regiões em pauta, a própria

expansão da produção agrícola, chamada de agronegócio, implica num inexorável

processo de urbanização, fato que se mostra inquestionável ao se verificar que a

taxa urbanizada da região do Sudeste brasileiro, já chegou a 92%.

Agora, sob uma ótica mais ambiental, na maioria absoluta das áreas aplicadas a

cultivos agrícolas, cabe lembrar os impactos gerados por plantios até a beira de

cursos d’água, com remoção quase completa da cobertura vegetal, inclusive de

matas ciliares, com vistas a explorar todo o potencial disponível nos terrenos, fato

que seguiu implicando em elevada mecanização e aragem dos solos, além de um

uso intensivo de agroquímicos (com pesticidas e fertilizantes) e de colheitas

sazonais sucessivas, tendo como consequência muitos impactos ambientais

decorrentes de tais procedimentos, os quais eram desconsiderados à época.

Assim, dentre as repercussões ambientais – e potencialmente climáticas – mais

graves, relacionadas a esse conjunto de atividades, deve-se anotar: (i) a perda

das camadas superficiais dos solos, em ciclo vicioso de menor fertilidade e uso

mais intensivo de nutrientes; (ii) o assoreamento decorrente nos cursos d’água,

com elevação da turbidez devida a sólidos suspensos; (iii) contaminação por

agroquímicos, inclusive conservativos; (iv) poluição das águas por dejetos de

animais in natura; e, (v) como consequência, a elevação generalizada dos custos

relacionados ao aproveitamento dos recursos hídricos, para abastecimento

doméstico ou insumo industrial, inclusive para a própria agroindústria alimentar.

Mais recentemente, contando com a referência de certas iniciativas que surgiram

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a partir de meados da década de 1980, esse quadro de problemas ambientais

passou a ser parcialmente mitigado, mediante a difusão de práticas de plantio

direto e de manejo integrado entre solos e águas, em certas áreas de cultivo,

especialmente no Paraná, após sucessivos programas de cooperação

multilateral15, que propiciaram reduções importantes em indicadores de

carreamento de sólidos aos corpos d’água.

Todavia, sem embargos a tais iniciativas, cumpre reconhecer que persistem

problemas generalizados de comprometimento das disponibilidades hídricas, em

razão das atividades agropecuárias desenvolvidas no meio rural das regiões Sul,

Sudeste e do Centro-Oeste, com largas margens para melhorias de desempenho

em termos ambientais, além das previstas adaptações necessárias a mudanças

climáticas.

Por fim, como outra forma de problemas mais específicos gerados por atividades

primárias, deve-se anotar casos pontuais de contaminação e de redução de

fontes de águas subterrâneas, advindas de núcleos voltados à exploração

mineral, com ênfase no chamado Vale do Aço, em Minas Gerais, e de atividades

de carvão mineral em Criciúma, ao sudeste de Santa Catarina.

Diretrizes Gerais

Contando com uma abordagem resumida dos principais problemas advindos de

atividades produtivas do agronegócio sobre as regiões do Sul, Sudeste e do

Centro-Oeste brasileiro, agora podem ser formuladas diretrizes gerais voltadas ao

enfrentamento de problemas relacionados aos recursos hídricos, quer seja para

avanços na atual gestão, como também em decorrência de possíveis e

necessárias adaptações a mudanças climáticas, sempre sob uma perspectiva de

uma gestão mais adaptativa, com mais flexibilidade, resiliência e robustez.

Neste sentido, políticas e programas do País deveriam voltar a conferir prioridade

para a difusão de práticas de manejo e conservação de solos e da água,

incluindo: o plantio direto e em curvas de nível; barreiras de contenção de erosão;

15 PMISA - Programa de Manejo Integrado de Solos e Água (1983-1989); Pró-rural (1982-1986);

Paraná Rural (1989-1997); e, Paraná 12 Meses (1997), além do Programa da Rede da

Biodiversidade (2002), aprovado pelo GEF (Global Environment Facility).

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remanejamento de estradas rurais que geram escoamento do solo sobre corpos

d’água; programas para a recomposição de matas ciliares, tendo como referência

principal o Produtor de Águas; a redução e controle da aplicação de

agroquímicos e do acondicionamento de embalagens usadas; o desenvolvimento

e difusão de controles biológicos; e, o monitoramento de indicadores da poluição

por run-off rural, segundo a tipologia adequada de solos, declividades e índices de

precipitação.

Além disso, muitas das intervenções regionais a serem empreendidas sempre

deverão ter como um de seus objetivos a consolidação de corredores da

biodiversidade, mediante a união, pela via de matas ciliares, de áreas de

conservação e de florestas nativas. A propósito, recomenda-se que ações dessa

natureza passem a ser inseridas em planos de bacias hidrográficas, de modo a

possibilitar sua viabilidade mediante subsídios cruzados, provenientes de maiores

preços unitários pagos pelos segmentos da indústria e de concessionárias de

serviços de saneamento e de energia, via Cobrança pelo Uso da Água e de

outros mecanismos financeiros para subsídios.

Mais propriamente no que tange a sistemas de gestão dos recursos hídricos, dos

vários estados e, também, do próprio SINGREH, tendo em vista diversas áreas de

conflitos entre usos múltiplos da água, recomenda-se incentivo à constituição de

associações de usuários, para que negociações internas sejam efetuadas, sob

uma perspectiva de limitações antecipadas para captações, decorrentes de

cenários previstos para períodos de escassez hídrica.

Por fim, mesmo tendo em vista as extensas áreas de atividades produtivas

abordadas, notadamente no caso do Centro-Oeste brasileiro, entende-se que

devem ser identificadas bacias de rios afluentes com maiores problemas críticos,

a serem vistas como problem-sheds, para que soluções específicas a seus casos

venham a ser definidas, sob o princípio da subsidiariedade, sem que se deixe

de tratar o conjunto da bacia do rio principal, a ser vista como espaço para a

atuação de um comitê de integração, com estes fatores negritados sendo mais

propriamente abordados no Cap. 3 deste Relatório 01, em pauta.

2.4.3. (ii) Trechos de Expansão do Agronegócio no Cerrado do Brasil Central

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Ainda com boa parte da elevada extensão do Cerrado brasileiro estando, nas

últimas décadas, sob um processo de ocupação pelas atividades produtivas do

agronegócio, entende-se que devem ser abordados os atuais trechos de

expansão de novas fronteiras agrícolas, em termos de uma adequada gestão

hídrica, ambiental e de adaptação a possíveis mudanças climáticas previstas.

Neste sentido, cabe lembrar que esses trechos de expansão, localizados mais ao

norte e aos extremos leste e noroeste do Cerrado, se caracterizam pela

predominância de um relevo plano, típico do Planalto Central do Brasil, e por uma

precipitação média da ordem de 1.600 mm anuais, sujeita a variações sazonais

significativas, com períodos pronunciados de chuvas intensas, principalmente no

próprio verão, além de estiagens severas, com 4 a 6 meses de duração,

especialmente ao longo da primavera e do inverno, fato que tem causado

situações sazonais com baixa relativa da disponibilidade de recursos hídricos.

Assim, face às mencionadas estiagens sazonais, as frentes de expansão sempre

tendem a demandar perímetros de irrigação, fato que deve resultar em sobre-

exploração dos recursos hídricos, tem como resultados conflitos entre usos

múltiplos das águas. Por outro lado, na ocasião de chuvas intensas podem ser

previstos problemas de assoreamento e, por vezes, de contaminação por

agroquímicos, a serem bem mais graves caso ocorra uma indevida retirada de

matas ciliares, fato este já abordado pelo recente Novo Código Florestal

Brasileiro16.

Como outra das questões a serem abordadas nos trechos de expansão de novas

fronteiras agrícolas, deve-se anotar a definição de vias alternativas para

transporte maciço da produção regional, com destaque para a possibilidade de

um funcionamento viável e efetivo de hidrovias, com grande ênfase no Rio

Tocantins- Araguaia, que pode contemplar produtores com um acesso privilegiado

ao norte do País, para exportações via o Porto de Belém, do Pará, assim como de

São Luis, do Maranhão, e de Fortaleza, do Ceará, tendo em vista os mercados

norte-americano e europeu.

16 Este Novo Código Florestal foi estabelecido pela Lei Federal nº 12.651, de 25 de maio de

2012, além de outras providências pela posterior Lei Federal nº 12.727, de 17 de outubro de 2012,

que trouxe mais algumas alterações.

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Enquanto o Rio Tocantins já se encontra alterado por sucessivos aproveitamentos

hidrelétricos, o Araguaia reúne importante acervo ambiental, merecendo cuidados

e avaliação dos impactos potenciais sobre o meio ambiente, decorrentes de seu

eventual aproveitamento para novas usinas hidrelétricas e/ou como hidrovia.

Diretrizes Gerais

Sob tal contexto, como diretrizes gerais devem ser repetidas muitas das que já

foram dispostas no tópico anterior, com ênfase no sentido de que ocorra um

planejamento antecipado para um ordenamento consistente da ocupação do

território sujeito a novas fronteiras agrícolas, além de formas mais rigorosas para

fiscalização hídrica e ambiental, de forma a prevenir e evitar potenciais impactos

inadequáveis.

Ademais, tendo como referências algumas das diretrizes propostas para a Região

Amazônica, deve-se reconhecer a importância de ações voltadas à proteção e

preservação de certas áreas ambientais, identificadas como relevantes para o

trato de potenciais problemas relacionados aos recursos hídricos, inserindo em

pauta a criação de área protegidas e unidades de conservação.

Neste sentido e como última observação, ao olhar para o extremo oeste do

Cerrado, entra em pauta o Bioma do Pantanal, para o qual cabe registrar a

seguinte pergunta: tendo em vista a sua elevada importância como um

ecossistema ambiental e hídrico, esta região do Pantanal deve ser tratada em

conjunto com a abordagem de preservação da Amazônia, ou deve contar com um

sistema próprio e específico para sua gestão?

2.4.3. (iii) Grandes Núcleos Urbano-Industriais, com ênfase em Regiões

Metropolitanas e Aglomerações de Cidades

Como terceira leitura do conjunto das regiões Sul, Sudeste e do Centro-Oeste

brasileiro, torna-se muito importante abordar seus grandes núcleos urbano-

industriais, com ênfase em regiões metropolitanas e aglomerações de cidades, as

quais demandam diagnósticos próprios à natureza e ao perfil de seus principais

problemas, no presente, com muitos já advindos de possíveis mudanças

climáticas.

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De fato, mesmo que, em geral, as regiões em pauta contem com boas

disponibilidades hídricas, razoavelmente bem distribuídas ao longo do ano – um

pouco menos no Centro-Oeste, onde há meses com predomínio de chuvas e

outros com escassez –, aspectos próprios a grandes núcleos urbano-industriais

devem ser analisados mais especificamente, sobretudo, tendo em vista a

ocorrência esporádica de eventos críticos, a exemplo da estiagem que, neste ano,

está impactando significativamente a Região Metropolitana de São Paulo, além de

muitas cidades do interior.

Mais do que isso, caso eventos críticos passem a crescer em decorrência de

mudanças climáticas, tornar-se-á indispensável definir significativas intervenções

em muitas das cidades, para a redução de elevados graus de risco, sendo que:

(a) no caso da falta de chuvas, com a identificação de eventuais novos

mananciais, mais racionalidade no uso da água e com a redução dos atuais

índices de perdas em sistemas de distribuição; e, (b) em casos de períodos com

muita chuva, com ações votadas para evitar inundações ainda mais elevadas e

deslizamento de encostas, em muitos casos, indevidamente ocupadas por

favelas, nas quais pequenas moradias de famílias de baixa renda são bem

frágeis, com acidentes sempre significativos e inúmeras mortes.

A propósito, cabe lembrar que muitos desses problemas são inequivocamente

advindos de características dos processos de urbanização no Brasil, no mais das

vezes, sem um planejamento antecipado, ordenamento e fiscalização do uso e

ocupação do solo, fato que tem gerado muitas áreas de risco em cidades. Com

efeito, a malha urbana do País recebeu, em um lapso de 70 anos, algo como 120

milhões de novos moradores, partindo de uma taxa de urbanização da ordem de

35% na década de 1940, para os atuais 85% na média nacional, já prevista para

90% em 2020 (IBGE, 2013).

Em seu conjunto, todas as regiões metropolitanas17, incluídas as nordestinas, já

17 São 23 (vinte e três) as regiões metropolitanas definidas em leis estaduais, incluindo áreas de

expansão: Porto Alegre (RS); Florianópolis, Vale do Itajaí e Norte - Nordeste Catarinense (SC);

Curitiba, Londrina e Maringá (PR); São Paulo, Campinas e Baixada Santista (SP); Rio de Janeiro

(RJ); Vitória (ES); Belo Horizonte e Vale do Aço (MG); Goiânia (GO); Brasília (DF); Maceió (AL);

Salvador (BA); Recife (PE); Natal (RN); Fortaleza (CE); São Luiz (MA); e, Belém (PA).

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representam mais de 50%, ou quase 87 dos 172 milhões dos habitantes das

cidades brasileiras (IBGE, 2010), concentrando-se em apenas 160.000 km2 do

território nacional, portanto, em menos de 2,0% dos 8,5 milhões de km2.

Ainda sobre as regiões metropolitanas, cabe destacar que somente a chamada

Macrometrópole Paulista (composta pela Grande São Paulo, Região

Metropolitana de Campinas e pela Baixada Santista) concentra perto de 65% do

Produto Interno Bruto (PIB) do Estado de São Paulo, chegando próximo a 23% do

PIB Nacional, em uma área pouco superior a 14.000 km2.

Números igualmente impressionantes são obtidos mesmo quando se amplia o

horizonte de análise para o eixo urbano-econômico que une as duas maiores

metrópoles nacionais – de São Paulo e do Rio de Janeiro –, margeando o Rio

Paraíba do Sul, ainda que sejam consideradas perspectivas mais recentes de

desconcentração de alguns segmentos industriais importantes (parque

automotivo, principalmente), com maiores articulações deste eixo SP-RJ com as

regiões metropolitanas de Curitiba (ao sul) e de Belo Horizonte (ao norte).

Sob este contexto, embora a taxa anual de crescimento urbano do Brasil tenha

decaído dos 4,4%, observados na década de 1970 a 1980, atualmente para algo

ao redor de 2,1%, indicando alguma atenuação do fluxo migratório rural – urbano,

o fato é que a elevada concentração nas áreas metropolitanas e nas maiores

aglomerações urbanas do País tende a manter seus significativos impactos

hídrico-ambientais, ainda que, já na década de 1990, tenha sido verificada uma

tendência de crescimentos maiores em cidades do interior, sobretudo no Estado

de São Paulo.

De fato, segundo consta na Parte II, item II.3 (p. 64) da publicação GEO Brasil –

Recursos Hídricos (PNUMA e ANA, 2007), litteris:

..., no período 1991/96 as cidades com 100 a 499 mil

habitantes passaram a abrigar 11,3% da população total

contra 10,7% em 1991; as cidades com 50 a 99 mil hab.

passaram de 5,4% a 9,1%, muitas dessas localizadas no

entorno de áreas metropolitanas. Já as cidades com mais de

500 mil hab. passaram de 35,2% para 35,7%. Verifica-se

essa tendência mesmo nos estados com rede urbana bem

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distribuída: Santa Catarina, por exemplo, onde a

concentração é crescente em Joinville; ou no Paraná, com a

Região Metropolitana de Curitiba reunindo 56% do PIB

industrial e mais de um terço da população do estado.

Ainda segundo esta publicação, em termos intrarregionais, o crescimento se dá,

marcadamente, nas periferias e em enclaves (favelas e cortiços) ocupados pelos

extratos inferiores de renda, em que as taxas de crescimento chegam a superar a

marca de 15% ao ano (!), em contraponto à relativa estabilidade dos núcleos

centrais (Tucci et al., 2001).

Assim, torna-se evidente que esse processo descrito, de um elevado crescimento

da urbanização no Brasil, teve como resultado um quadro de comprometimento

do meio ambiente urbano, não somente no que tange ao conjunto das regiões do

Sul, Sudeste e do Centro-Oeste, como também nas regiões metropolitanas do

Nordeste, todas localizadas junto ao litoral e na Zona da Mata (Salvador, Aracajú,

Maceió, Recife, João Pessoa, Natal e Fortaleza), por vezes, apresentando perfis

hídrico-ambientais e sociais também severos. Portanto, tal como já mencionado,

problemas próprios às regiões metropolitanas do Nordeste deverão ser abordados

neste tópico, mais à frente.

Sob tal processo inexorável de urbanização e tendo em vista os objetivos do

presente trabalho sobre a Governança na gestão de recursos hídricos,

relacionados ao Plano Nacional de Adaptação a Mudanças Climáticas, torna-se

importante sublinhar que não devem ser abordadas apenas questões

relacionadas à disponibilidade hídrica, ora com escassez ou com inundações,

mas sim, uma devida sobreposição de diversos problemas hídricos em pontos

territoriais críticos de núcleos urbanos, portanto, sob uma ótica transversal voltada

à gestão integrada dos recursos hídricos (GIRH).

Dizendo de outra forma, isto significa que também devem ser considerados

fatores próprios ao planejamento das cidades, a ser visto como uma das variáveis

supervenientes à GIRH. Enfim, cabe uma abordagem mais ampla e consistente,

em decorrência da elevada complexidade de problemas hídrico-ambientais

urbanos, em sua maioria, sempre relacionados ao uso e ocupação do solo.

Com efeito, além de questões relacionadas à disponibilidade hídrica, na maioria

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quase absoluta das cidades brasileiras – no presente, com certas exceções de

municípios do interior paulista, a exemplo de Itu e de Jundiaí, que já contam com

mais de 90% de seus esgotos coletados e tratados – também ocorrem agudos

problemas de qualidade, com forte poluição das águas e com intervenção e

redução dos potenciais aproveitamentos hídricos, assim como, com repercussões

negativas causadas sobre a própria saúde pública. Ou seja, seguem vários

problemas decorrentes de lacunas relacionadas à infraestrutura do saneamento

básico, que ainda persistem no Brasil18.

A propósito, sabe-se que a maioria das cidades apresenta inúmeras fontes

poluidoras, pontuais e dispersas, como resultado: da disposição de esgotos

domésticos não coletados e/ou tratados19; de resíduos sólidos também não

devidamente coletados ou sem uma disposição final adequada; além de efluentes

industriais igualmente não tratados. Por vezes, indevidos dejetos hospitalares

acabam repercutindo graves problemas sobre a saúde pública.

Ademais, no que tange a fatores relacionados a mudanças climáticas, cabe

lembrar que núcleos urbano-industriais são alguns dos principais pontos de onde

ocorre a emissão de gases de efeito estufa, portanto, sempre demandando

intervenções relacionadas a interesses do Plano Nacional em pauta, para que se

tenha maior Governabilidade sobre a gestão dos recursos hídricos.

Todas essas fontes poluidoras ocorrem mais gravemente em encostas, fundos de

vale, áreas alagadas, várzeas e beiras de rios e córregos, geralmente ocupados

de modo irregular por favelas e loteamentos desconformes, configurando nichos

onde se conjugam a pobreza urbana, a ausência de serviços de infraestrutura

básica, a degradação ambiental e o comprometimento de mananciais de

abastecimento, além de certas áreas que poderiam servir ao lazer (a exemplo de

parques urbanos atrativos).

18 Segundo dados recentes do Plano Nacional de Saneamento Básico (dezembro de 2013),

estima-se que o montante necessário para a instalação da devida infraestrutura sanitária chega a

mais de R$ 500 bilhões.

19 Estima-se que algo como 90% das descargas de DBO nas grandes cidades seja de origem

doméstica, contra apenas 10% industrial. Em Contagem, na Região Metropolitana de Belo

Horizonte, estes percentuais são respectivamente de 93 e de 7%.

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Sob esse aspecto, ainda que as principais cidades do Sul e do Sudeste, além de

algumas do Centro-Oeste, notadamente no caso de Brasília, detenham maior

capacidade institucional, renda per capita e potencial de arrecadação e de

investimentos20, seguem convivendo com importantes problemas de saneamento

ambiental urbano, notadamente com desafios concernentes à disponibilidade

qualiquantitativa de recursos hídricos.

Como uma referência social e financeiramente importante, volta-se a mencionar

que, frente a possíveis mudanças climáticas, devem agravar-se os recorrentes

problemas de inundações, os quais, virtualmente, paralisam cidades, como a de

São Paulo, resultando em custos que se repercutem amplamente sobre toda a

sociedade, pela obstrução do tráfego, perdas patrimoniais e interrupção de várias

atividades, em geral.

Seguindo a respeito, como conhecidos exemplos vale lembrar que fatos dessa

ordem já ocorreram em Blumenau, cidade importante de Santa Catarina, onde

muitas inundações, advindas do Rio Itajaí-Açu, causaram substantivos impactos

durante vários anos; além de Angra dos Reis, localizada no litoral sul do Rio de

Janeiro, e de Teresópolis, na Serra Fluminense, com ambas submetidas a

grandes chuvas e deslizamentos de encostas, que afetaram muitos moradores

locais e alguns turistas, sempre com elevados impactos e gastos para a

sociedade.

Enfim, agora sob uma abordagem genérica, destacam-se os seguintes fatores

como os de maior expressão na delimitação do quadro de problemas hídrico-

ambientais e sociais que ocorrem nos núcleos urbanos que estão sendo

abordados21:

(i) os baixos níveis de tratamento dos esgotos domésticos, mesmo em

cidades já com altos níveis de coleta de águas servidas, o que implica em

lançamentos in natura concentrados;

20 A renda per capita média nas cidades do interior paulista é substancialmente superior do que a

observada nas metrópoles do Nordeste; o orçamento da cidade de São Paulo é o terceiro do País,

superando muitos dos principais estados brasileiros.

21 Fonte: GEO Brasil - Recursos Hídricos (PNUMA e ANA, 2007).

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(ii) a disposição inadequada de resíduos sólidos, em lixões a céu aberto,

quando não a ausência ou insuficiência de coleta em áreas de difícil

acesso natural ou sem vias de circulação, particularmente em favelas e

ocupações irregulares;

(iii) a impermeabilização crescente do solo urbano, com redução nos tempos

de concentração e interferência nas condições naturais de drenagem,

amplificando os efeitos de cheias, muitas vezes sem alternativas viáveis –

técnica e/ou financeiramente – para intervenções em macrodrenagem;

(iv) o comprometimento de mananciais próximos, com escassez de

disponibilidade hídrica com a qualidade adequada; e,

(v) a mútua interdependência entre todos estes e outros fatores, devido a

condições operacionais decorrentes dos próprios padrões inadequados de

urbanização e de uso e ocupação do solo, acarretando problemas para a

prestação de diferentes serviços de interesse público, como, p. ex., a

obstrução da rede de drenagem pelo lixo não coletado, ligações de esgotos

em galerias de águas pluviais (e vice-versa) e a inacessibilidade para a

O&M de redes e serviços, dentre as interferências mais comuns.

Em acréscimo, sabe-se que a carga potencial proveniente de run-off urbano é

igualmente relevante para fins de controle da poluição hídrica, não obstante ser

pouco conhecida no presente e ainda ausente da pauta prioritária das cidades,

tanto no Brasil, quanto na maioria dos demais países, lacuna esta que não deverá

perdurar por muito tempo, tendo em vista a necessária adaptação a mudanças

climáticas22.

Todavia, a mera identificação genérica dos fatores que foram descritos não torna

trivial o desafio das soluções reclamadas para um saneamento ambiental urbano

consistente e para a desejada Governança na gestão de recursos hídricos, em

núcleos urbanos relevantes, tendo em vista uma adaptação a mudanças do clima.

22 Estima-se que, em São Paulo, o aporte de nutrientes pela via difusa aproxime-se de um terço da

carga total, superando a 40% na bacia do reservatório do Guarapiranga, importante manancial de

abastecimento da Grande São Paulo, com cerca de 12 m3/s.

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Com efeito, a múltipla e complexa combinação desses fatores, frente a outras

variáveis de natureza geomorfológica, peculiares a cada espaço geográfico, bem

como, a questões institucionais, socioculturais e econômicas, exige esforços

analíticos e metodológicos importantes para o enfrentamento desses problemas,

dentre os quais os principais pontos de inundação, deslizamento de encostas,

poluição hídrica e de preservação de mananciais (qualidade versus escassez)

tendem a ocupar prioridade.

Por fim, para encerrar o diagnóstico dos núcleos urbano-industriais em pauta,

agora cabe destacar certas especificidades próprias às regiões metropolitanas do

Nordeste23. Neste sentido, sabe-se que a primeira consequência do quadro

descrito do Semiárido (ver item 2.4.2) consiste na migração da população, em

percurso direto da área rural para as periferias das grandes capitais (Fortaleza,

João Pessoa, Recife e Salvador, além de Natal, São Luis, Teresina, Maceió e

Aracaju), onde são notáveis os problemas ambientais urbanos, sempre

associados à concentração de pobreza em favelas e ocupações irregulares,

notadamente em áreas de risco, tais como alagados, encostas, várzeas e

margens de rios e córregos.

De fato, no presente, grande parte da população nordestina ocupa uma estreita

faixa não superior a 100 km do litoral, o que justifica uma abordagem específica

desta zona costeira do Brasil. Na Grande Recife, por exemplo, parte ponderável

da população, que já supera 4,0 milhões de habitantes, reside em mais de 650

favelas, onde a renda familiar média não supera dois salários mínimos.

Nessas áreas, localizadas nos trechos perenizados a jusante dos principais

cursos d'água, com precipitações médias anuais de 1.120 mm, as

disponibilidades hídricas são comprometidas, via de regra, pela conjugação de

poluição urbana originada por esgotos domésticos, disposição de resíduos sólidos

e algumas descargas industriais não tratadas, sobre a qual se sobrepõem cheias

periódicas, amplificadas pela impermeabilização crescente do solo urbano. Em

acréscimo, a contaminação dos mananciais superficiais é seguida da sobre-

exploração de aquíferos, caso no qual Recife novamente constitui um destacado

23 Fonte: GEO Brasil - Recursos Hídricos (PNUMA e ANA, 2007), com alguns dados atualizados.

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exemplo negativo. Problema similar também ocorre em Natal (RN).

Dado o grande potencial turístico do litoral nordestino, a ser visto como uma das

principais alternativas para o desenvolvimento socioeconômico da região, passam

a ser economicamente relevantes os problemas associados à ausência de

infraestrutura sanitária, muitas vezes resultando em comprometimento da

balneabilidade de praias e, quando menos, na perda de potencial paisagístico

(deságue de linhas negras e problemas de odor, dentre outros).

Finalmente, cabe mencionar que esse quadro das grandes capitais nordestinas é

reproduzido, com pequenas variações, sobre o número reduzido de cidades do

interior, algumas de médio porte, que se desenvolvem no Agreste e no Sertão,

originando focos localizados de poluição urbana. Sendo assim, algumas dessas

cidades do interior, por estarem localizadas a montante dos cursos d’água de

vertente atlântica, repercutem negativamente sobre as disponibilidades hídricas

das grandes concentrações litorâneas (caso de Feira de Santana, que apresenta

despejos sobre o reservatório de Pedra do Cavalo, manancial da Grande

Salvador).

Diretrizes Gerais

Com esses complexos problemas hídrico-ambientais urbanos já dispostos, agora

devem ser elaboradas diretrizes gerais, tendo em vista o objetivo de Governança

na gestão das águas e adaptação a mudanças climáticas.

Todavia, cabe novamente lembrar que as abordagens a ser feitas em áreas

urbanas não devem considerar apenas questões relacionadas à disponibilidade

hídrica, ora com escassez ou com inundações, mas sim, com uma devida

sobreposição de diversos problemas hídricos em pontos territoriais críticos de

núcleos urbanos, portanto, sob uma ótica transversal voltada à GIRH. Isto

significa que também devem ser considerados fatores próprios ao planejamento

das cidades, a ser visto como uma das variáveis supervenientes à gestão de

recursos hídricos.

Sob este entendimento, de pronto cabe sublinhar que, para resolver problemas

dessa ordem, procedimentos metodológicos não devem se limitar ao “o que

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fazer?”, mas também, na maioria dos casos, devem conferir destaque sobre

“como fazer?”. Isto significa que modelos de gestão próprios a áreas-problema

(problem-sheds) devem entrar em pauta.

Como referências a respeito, pode-se mencionar a bacia e o respectivo Comitê do

Alto Tietê, onde se localiza a Grande São Paulo, assim como as bacias do Alto

Rio Iguaçu e do Alto Ribeira, ambas agregadas e com seu Comitê “unificado”, em

função da localização da Região Metropolitana de Curitiba.

A propósito, entende-se que o SEGREH de São Paulo, definido pela legislação

paulista como Sistema Integrado de Gerenciamento de Recursos Hídricos

(SIGRH), estabeleceu as suas 22 Unidades de Gerenciamento Integrado de

Recursos Hídricos (UGRHIs), em função de vários aspectos, inclusive de

associações históricas entre certos municípios, fato que indica uma visão de

diferentes leituras territoriais e de uma gestão realmente integrada dos recursos

hídricos24.

Mesmo sob tais abordagens com foco em problemas de núcleos urbanos,

recomenda-se que sejam previstos comitês de integração para o contexto geral

de bacias hidrográficas, quando estiverem em pauta balanços hídricos gerais e

problemas conjuntos, de montante para jusante e vice-versa.

Ainda sem chegar a detalhes mais próprios a sistemas de gestão, que serão

abordados no próximo Cap. 3, e voltando agora a diretrizes gerais relacionadas

às regiões em pauta, cabe registrar a relevância do posicionamento nacional do

Estado de Minas Gerais, entendido como a “Caixa d’água do Brasil”, uma vez

que muitas das nascentes dos principais rios do País, notadamente no caso do

Rio São Francisco, se localizam em território mineiro.

Em termos práticos, isto significa que Minas Gerais deve, de um lado, seguir com

a abordagem de suas 38 Unidades de Planejamento e Gestão de Recursos

Hídricos (UPGREHs), para que núcleos de problemas estaduais possam ser

tratados, mesmo que algumas dessas UPGRHs sejam territorialmente revistas; e,

24 Esta leitura ocorreu sob o mérito do destacado profissional Flávio Terra Barth, principal

responsável pela proposição da Lei Estadual n º 7.663, publicada em 30 de dezembro de 1991, a

qual serviu como a base mais relevante para a própria Lei Nacional nº 9.433/1997.

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de outro, estar presente em comitês de integração, para que ocorram

convergências, acordos e cooperações com estados vizinhos e a jusante em

bacias hidrográficas compartilhadas.

De fato, como este estado federativo situa-se a montante dos principais rios

brasileiros, os problemas mencionados “poderão potencialmente impactar quase

todo País” (Tucci, 2001).

Com isto posto, percebe-se que um dos principais desafios em pauta refere-se à

conjugação de abordagens com base em problem-sheds (sub-bacias com

externalidades hídricas e ambientais negativas concentradas) e na coordenação

de políticas no âmbito das bacias hidrográficas como um todo. Neste sentido, o

enfrentamento de problemas pode ser advindo, tanto de movimentos top-down,

quanto bottom-up, a serem definidos segundo conveniências de ordem tática

(identificação de “janelas de oportunidade”).

Em termos práticos, essas diretrizes dispostas devem ser consideradas quando

estiver em plena pauta o imperativo de implementação de Programas de Ação, a

serem vistos como uma das frentes de trabalho de planos de bacias hidrográficas,

além de sempre definidos sob uma forma integrada no caso de núcleos urbano-

industriais, portanto, envolvendo: sistemas de abastecimento de água; coleta e

tratamento de esgotos domésticos; efluentes industriais; coleta e disposição de

resíduos sólidos; redes de micro e de macrodrenagem; além de certas

infraestruturas urbanas, inclusive com eventuais reassentamentos de moradores

localizados em áreas de risco, até chegar à indispensável proteção de certas

áreas ambientais, notadamente no caso de mananciais identificados como

relevantes.

Em relação aos mencionados Programas de Ação, por certo que deverão ser

definidos e aplicados critérios para a priorização de investimentos, levando em

consideração: (i) o objetivo e metas voltadas à redução de impactos hídricos e

ambientais urbanos, além de aspectos sociais, também considerando a

perspectiva de cenários advindos de potenciais mudanças climáticas; (ii) a

factibilidade de sua implementação, em termos gerenciais e político-

administrativos; e, (iii) a distribuição social de benefícios econômicos associados

a melhorias, segundo relações entre custos/benefícios.

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Tal como já mencionado, cabe reafirmar que para esses Programas de Ação deve

ser conferida ênfase particular a práticas de gerenciamento de suas

implementações (como fazer?), por vezes mais desafiadora do que suas

concepções (o que fazer?). Mesmo assim, deve-se reconhecer a indispensável e

complexa visão para uma efetiva gestão integrada dos recursos hídricos (GIRH),

fato que demanda articulações com outras políticas urbanas, com merecido

destaque para o planejamento do uso e ocupação do solo.

Ou seja, sempre deve ser considerada a inter-relação da gestão de recursos

hídricos com suas variáveis supervenientes, do meio ambiente e do

desenvolvimento urbano e regional, e das intervenientes, envolvendo os diversos

setores usuários das águas.

Chegando agora a diretrizes gerais para as regiões metropolitanas do Nordeste,

registra-se que, por certo, deve ser definido um modelo institucional distinto

daquele a ser empreendido no Semiárido brasileiro, portanto, com suas

específicas unidades territoriais para planejamento e gestão, sempre

caracterizadas por suas elevadas densidades populacionais, tal como foi proposto

para os problem-sheds das regiões do Sul, Sudeste e do Centro-Oeste.

De fato, frente à elevada concentração da população lindeira ao mar, os

problemas estão vinculados ao uso e ocupação do solo e ao potencial

comprometimento de mananciais, inclusive de certos aquíferos. Sendo assim,

também serão necessárias abordagens integradas, no caso do Nordeste com

ênfase em áreas de concentração de pobreza (favelas, cortiços e ocupações

desconformes). Isto significa que as ações devem considerar um duplo objetivo,

envolvendo o combate à pobreza e a melhoria hídrico-ambiental urbana, o que é

possível na medida em que ambos os problemas encontram-se sobrepostos no

território.

Com isto posto, no que tange aos mencionados Programas de Ação, cabe anotar:

(i) a infraestrutura de armazenamento corretamente construída, para mitigar

efeitos da evapotranspiração e otimizar a regularização, portanto, com

reservatórios e açudes com a maior profundidade possível e menores áreas

inundadas; (ii) a infraestrutura de transporte de água (canais e adutoras) definida

segundo eixos com localização compatível com o desenvolvimento de atividades

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econômicas e com estratégias para ordenamento do território, por vezes, voltadas

à consolidação e adensamento da rede urbana; (iii) o desenvolvimento de

alternativas de baixo custo para sistemas localizados de suprimento (cisternas,

poços locais, barragens subterrâneas e outras formas); (iv) informações

hidrometeorológicas, hidrogeológicas e sistemas de apoio à decisão (SADs),

voltados ao gerenciamento das disponibilidades e das demandas, a serem

operados por instituições capazes de garantir sua aplicação junto aos usuários e

comunidades.

Em acréscimo, os Programas de Ação também devem tratar: da redução de

perdas e desperdícios, chegando a uma operação e manutenção mais

consistente dos sistemas de reservação e de distribuição de água; de

negociações relacionadas à alocação das disponibilidades entre os diferentes

setores usuários; e, da adequação dos instrumentos de gestão às peculiaridades

regionais, por exemplo, com a outorga sendo mais flexibilizada para curta

duração, em certos períodos sujeita a regimes de racionamento.

Por fim, em termos das UTEGs, tendo em vista a interligação de bacias mediante

reservatórios, açudes, canais e adutoras, será indispensável considerar a devida

O&M dessa infraestrutura hídrica.

Instituições e Atores Estratégicos

Para encerrar o presente item 2.4.3, com diagnósticos e diretrizes gerais

relacionadas às regiões Sul, Sudeste e do Centro-Oeste, também incluindo as

áreas metropolitanas do Nordeste, agora serão listadas, de forma muito genérica,

as principais instituições e atores considerados como estratégicos para uma

efetiva Governança na gestão de recursos hídricos.

- Ministério do Meio Ambiente e suas Secretarias de Recursos Hídricos e

Ambiente Urbano (SRHU) e de Extrativismo e Desenvolvimento Rural

Sustentável, além da Secretaria de Mudanças Climáticas e Qualidade

Ambiental, responsável pelo Plano Nacional de Adaptação a Mudanças

Climáticas;

- Conselhos Nacionais de Recursos Hídricos (CNRH) e do Meio Ambiente

(CONAMA);

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- Agência Nacional de Águas (ANA);

- Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis

(IBAMA), com suas instâncias locais próprias;

- Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e suas Secretarias de

Política Agrícola, de Defesa Agropecuária e de Produção e Agroenergia,

além da presença de instâncias regionais da Empresa Brasileira de

Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA);

- Ministério de Minas e Energia, contando com a Empresa de Pesquisa

Energética (EPE), Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL),

Operadora Nacional do Sistema interligado (ONS), Companhia de

Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM) e o Departamento Nacional de

Produção Mineral (DNPM), além da Eletrobrás, da Itaipu Binacional25 e,

para determinadas ações, da própria Petrobrás;

- Ministério dos Transportes, com instâncias voltadas a redes logísticas de

transporte, com inclusão de hidrovias;

- Ministério das Cidades e sua Secretaria Nacional de Saneamento

Ambiental;

- Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior e sua

Secretaria do Desenvolvimento da Produção;

- Secretarias Estaduais do Meio Ambiente e de Recursos Hídricos (Rio

Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro, Minas

Gerais, Espírito Santo, Goiás e Distrito Federal, Mato Grosso do Sul e Mato

Grosso, além de Tocantins), assim como seus respectivos Órgãos

Gestores do Meio Ambiente e de Recursos Hídricos, com interesse sobre a

experiência recente do Instituo Estadual do Ambiente (INEA/RJ) e das

Agências Reguladoras sobre Saneamento e Energia, com destaques para

a ARSESP (SP) e ADASA (DF), sem esquecer a abordagens de instituições

similares relacionadas com as regiões metropolitanas nordestinas;

25 Como referência da Itaipu Binacional, cabe lembrar o Programa Cultivando Água Boa, com

abordagem da bacia hidrográfica do Paraná III.

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- Secretarias de Estado de Planejamento, com inclusão de órgãos

coordenadores de regiões metropolitanas, a exemplo da COMEC -

Coordenação da Região Metropolitana de Curitiba;

- Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos e do Meio Ambiente e os

principais comitês de bacias, tanto estaduais quanto federais, tais como o

CEIVAP (Comitê do Paraíba do Sul), o do Piracicaba, Capivari e Jundiaí

(PCJ), do Alto Tietê, da bacia do Rio Doce, do Rio das Velhas (MG), do Rio

Gravataí (RS), do Rio Itajaí-Açu (SC) e do Rio Paranaíba (DF, GO, MG e

MS), além de muitos outros;

- Concessionárias Estaduais de Saneamento Básico, departamentos e

empresas municipais ou do setor privado, responsáveis por sistemas de

abastecimento da água e coleta e tratamento de esgotos sanitários, com

destaques para a Sabesp (SP), Sanepar (PR), Cedae (RJ), Copasa (MG) e

Caesb (DF), além de muitas outras e das concessionárias nordestinas que

atendem as regiões metropolitanas, a exemplo da Embasa (BA), Compesa

(PE) e da Caern (RN);

- Companhias de Geração de Energia Elétrica, de economia mista ou

privada, com destaques para Furnas (MG), vinculada à Eletrobrás, Cemig

(MG), Copel (PR) e Light (privada), além da Itaipu Binacional (já listada), de

muitas Pequenas Centrais Hidroelétricas (PCHs) e de empresas do

Nordeste, como a Coelba (BA);

- Principais Prefeituras Municipais, incluindo: Porto Alegre, Sapucaia do Sul,

Caxias do Sul, São Luiz Gonzaga e Santa Maria (RS); Florianópolis,

Blumenau, Joinvile e Chapecó (SC); Curitiba, Londrina, Cascavel e Foz do

Iguaçu (PR); São Paulo, Campinas, Piracicaba, Santos, Presidente

Prudente, Andradina e São José do Rio Preto (SP); Rio de Janeiro, Angra

dos Reis, Teresópolis, Resende e Macaé (RJ); Belo Horizonte, Contagem,

Uberlândia, Paracatu, Montes Claros, Jequitinhonha, Governador

Valadares e Juiz de Fora (MG); Vitória, Colatina e Itapemirim (ES); Brasília

(DF); Goiânia, Rio Verde e São Miguel do Araguaia (GO); Campo Grande,

Dourados, Ponta Porã, Sonora e Corumbá (MS); Cuiabá, Guarantã do

Norte, Juruena e Rondonópolis (MT); e, Palmas, Sandolãndia e Araguaína

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(TO), além das capitais nordestinas (Salvador, Aracajú, Maceió, Recife,

João Pessoa, Natal, Fortaleza, Teresina e São Luis) e de outras cidades,

seja com suas presenças voltadas ao planejamento urbano para uso e

ocupação do solo ou a respeito de áreas de expansão agropecuária;

- Departamentos municipais e empresas privadas responsáveis pela coleta e

disposição final de resíduos sólidos;

- Confederação Nacional da Agricultura (CNA) e suas Federações Estaduais

associadas, além de outras entidades regionais relacionadas a este

segmento produtivo, com destaque para cooperativas agroindustriais, a

exemplo da Cooperativa Mista de Prudentópolis e da Copagil, e de

diversas associações de produtores rurais;

- Confederação Nacional da Indústria (CNI) e suas Federações Estaduais

associadas, com ênfase em industriais que demandem elevadas vazões de

recursos hídricos, superficiais ou subterrâneos; e,

- Secretarias de Defesa Civil.

Por fim, pensando em passos executivos do presente estudo, a serem

empreendidos mais a frente, torna-se evidente que listagens bem mais

específicas e detalhadas sobre as instituições e atores deverão ser abordadas

com óticas próprias às três leituras regionais que foram apresentadas.

2.5. A Importância de Cenários sobre Mudanças Climáticas em Relação à

Governança na Gestão de Recursos Hídricos

Como último tópico do presente capítulo, além das leituras regionais que foram

feitas, devem ser considerados cenários prospectivos, notadamente em

decorrência de possíveis mudanças climáticas.

Neste sentido, cabe lembrar que a própria Lei Nacional nº 9.433, em seu Art. 2º,

retranscrito a seguir, menciona os seguintes objetivos:

Art. 2º São objetivos da Política Nacional de Recursos

Hídricos:

I. assegurar à atual e futuras gerações a necessária

disponibilidade de água, padrões de qualidade adequados

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aos respectivos usos;

II. a utilização racional e integrada dos recursos

hídricos, incluindo o transporte aquaviário, com vistas ao

desenvolvimento sustentável;

III. a prevenção e a defesa contra eventos hidrológicos

críticos de origem natural ou decorrentes do uso

inadequado dos recursos naturais.

(destaques negritados)

Para considerar futuras gerações e perspectivas, sob a ótica de um

desenvolvimento sustentável e com a previsão de eventos hidrológicos

críticos, fica destacada a importância do Eixo I dos estudos da Rede Água,

voltado a cenários sobre possíveis mudanças climáticas.

A propósito, cabe lembrar que dentre as diretrizes já dispostas pelos consultores

deste Eixo I, merecem ser anotadas as seguintes26:

- os sistemas de gestão devem seguir com maior flexibilidade, para que

ocorra melhor resiliência face à indispensável adaptação a graus de risco

advindos de mudanças climáticas; e,

- os instrumentos de gestão não devem ser abstratos, mas sim ter como

base dados mais reais e consistentes.

Com isto posto, percebe-se a complexidade do presente trabalho, com os estudos

em tela podendo consolidar suas proposições somente mais à frente, voltadas a

eventuais adequações da Governança sobre a Gestão de Recursos Hídricos,

sempre sob a visão de que não devem ser empreendidas de forma isolada e

pontual, mas sim, com as devidas articulações e considerações dos demais eixos

da Rede Água.

26 Diretrizes dispostas por Francisco de Assis Souza Filho, em debates que ocorreram durante o

Evento Adaptation Futures 2014, ocorrido entre 12 a 16 de maio de 2014, em Fortaleza, no Ceará.

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3. Base Legal e Institucional do SINGREH e de Certos SEGREHs

As abordagens regionais que foram apresentadas no capítulo anterior, já

contando com diretrizes gerais, agora serão cruzadas com o modelo de gestão

que foi genericamente desenhado para o SINGREH, assim como, com certos

SEGREHs, sob o intuito de avaliar o estado da arte da Governança e, também,

da Governabilidade sobre a gestão dos recursos hídricos. Portanto, pretende-se

identificar as principais frentes de adequação, para reduzir deficiências e

fragilidades, presentes e/ou previstas, tendo em vista a necessidade de

adaptações a mudanças climáticas.

3.1. Descrição Geral do SINGREH

Em termos do contexto do Aparelho do Estado, então vigente no País, cabe

ressaltar que o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos

(SINGREH), criado pela Lei Federal nº 9.433, publicada em 8 de janeiro de 1997,

estabeleceu um arranjo institucional inovador, com base em novos princípios

sociais de organização, com a intenção de estabelecer uma gestão compartilhada

das águas.

A publicação desta Lei Federal – provinda do Projeto de Lei nº 2.249/1991,

proposto pelo Poder Executivo, ainda sob um formato um tanto centralizador –

teve como principal referência o modelo francês para gestão de recursos hídricos,

o qual já havia sido transcrito e adaptado a condições locais do Brasil mediante a

Lei Estadual do Sistema de Gerenciamento de Recursos Hídricos de São Paulo

(Lei nº 7.663/1991). Além disso, também foram considerados conceitos e

referências externas definidas em Dublin (1992), muitos dos quais tiveram

destaques durante o evento ECO-92, que ocorreu no Rio de Janeiro, onde esteve

em pauta a Agenda 21.

Em sua formulação geral, existe relativa similaridade entre a legislação federal e a

grande maioria das leis estaduais vigentes, relativas aos sistemas de

gerenciamento de recursos hídricos. Com efeito, em todas é possível identificar

três blocos principais, cujos conteúdos podem ser assim sintetizados:

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fundamentos, objetivos e diretrizes gerais de ação, que expressam conceitos

amplamente aceitos, relativos a: visão abrangente dos problemas; usos

múltiplos dos recursos hídricos; água como recurso escasso dotado de valor

econômico; articulação e integração com outros setores, uso da bacia

hidrográfica como unidade de planejamento e gestão; e uma gestão

descentralizada e participativa, dentre outros;

um modelo institucional, composto de um colegiado deliberativo superior

(Conselho Nacional e seus correspondentes nos estados); colegiados

regionais deliberativos a serem instalados nas unidades de planejamento e

gestão (os Comitês de Bacia); e, as instâncias executivas das decisões dos

colegiados regionais (as agências de água de bacias hidrográficas); e,

um conjunto de instrumentos de gestão composto: dos planos nacional e

estaduais de recursos hídricos e de planos de bacias hidrográficas;

enquadramento dos corpos d’água em classes, sinalizando objetivos de

qualidade a serem alcançados quando da implantação dos planos de bacia;

outorga pelo direito de uso da água, como instrumento de regulação pública

(estatal) de uso, tornada compatível com os objetivos socialmente

estabelecidos nos planos e respectivos enquadramentos; cobrança pelo uso

de recursos hídricos, sinalizando que a água tem valor econômico e que sua

disponibilidade corresponde a um preço social (público); e, sistemas de

informações de recursos hídricos, onde estão reunidos, consistidos e

disponíveis dados de oferta (disponibilidades), de demandas (cadastros de

usuários) e sistemas de apoio à decisão.

A abordagem do modelo institucional adotado pelo SINGREH, apresentado pelo

Esquema 3.1, implica na enumeração das instâncias decisórias que o estruturam,

as quais não devem ser vistas isoladamente, mas sim com uma divisão de

encargos e de trabalhos conjuntos de um Sistema, assim composto:

Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH);

Conselhos de Recursos Hídricos dos Estados e do Distrito Federal;

Comitês de Bacias Hidrográficas (CBHs);

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79

Agência Nacional de Águas (ANA) 27;

órgãos dos poderes públicos federal e estaduais, cujas competências se

relacionem com a gestão de recursos hídricos; e,

Agências de Água de Bacias Hidrográficas.

Esquema 3.1 – Estrutura Geral do SINGREH

CONSELHO

NACIONAL DE

RECURSOS

HÍDRICOS - CNRH

MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE

SECRETARIA DE

RECURSOS

HÍDRICOS - SRH

Estrutura federal conforme

Lei Federal 9.433/97 e lei

9.984/00 da ANA; a SRH

exerce os papéis de

formuladora de políticas a

serem aprovadas pelo

CNRH e de sua secretaria

executiva; a ANA é a

entidade operacional do

sistema, responsável por

sua implantação.

AGÊNCIA

NACIONAL DE

ÁGUAS - ANA

COMITÊS DE

BACIAS

HIDROGRÁFICAS

DE RIOS

FEDERAIS

AGÊNCIAS DE

ÁGUA

Estrutura da bacia

hidrográfica conforme Lei

Federal 9.433/97

CONSELHO

ESTADUAL DE

RECURSOS

HÍDRICOS - CERH

COMITÊS DE

BACIAS

HIDROGRÁFICAS

DE RIOS

ESTADUAIS

SECRETARIA ESTADUAL COM ATRIBUIÇÕES EM

RECURSOS HÍDRICOS

ÓRGÃO

ESTADUAL

GESTOR DE

RECURSOS

HÍDRICOS

AGÊNCIAS DE

ÁGUA

Estruturas estaduais

variáveis em cada Estado,

conforme as leis

respectivas; a Autarquia ou

Empresa Paraestatal de

Recursos Hídricos é uma

tendência observada na

região nordeste, a ser

confirmada no restante do

país, de entidade

operacional do sistema,

responsável pela sua

implantação, no todo ou em

parte, a exemplo da ANA,

no âmbito federal.

AUTARQUIA OU

EMPRESA

PARAESTATAL DE

GESTÃO DE

RECURSOS HÍDRICOS

AMBITO FEDERAL

AMBITO FEDERAL

COMPARTILHADO COM

ESTADOS

AMBITOS ESTADUAIS

Fonte: Agência Nacional de Águas (ANA)

No que concerne à gestão descentralizada e participativa do SINGREH, cabe

ressaltar que, após dezessete anos da promulgação da Lei Federal nº 9.433//97,

já foram instalados mais de 200 comitês, no âmbito de bacias em rios sob o

domínio da União ou sob o domínio dos estados federativos.

27 A Agência Nacional de Águas (ANA) foi criada posteriormente, em 2000, segundo a Lei Federal

nº 9.984/2000, passando a exercer um papel de grande relevância junto ao SINGREH.

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Assim, as dinâmicas em curso mostram que, havendo vontade política e não se

permitindo práticas de cooptação, o papel dos diversos atores e sua participação

na gestão hídrica tende a aprimorar os padrões de Governança, estabelecendo

novas mediações entre o Estado, usuários das águas e representantes da

sociedade civil, com base no aperfeiçoamento dos princípios de uma gestão

compartilhada, descentralizada e participativa dos recursos hídricos.

Mesmo assim, a propósito Carlos E. M. Tucci28 escreveu, litteris:

Após a criação da lei nacional de recursos hídricos em 1997,

o desafio foi de implementar e regulamentar as instituições

previstas e passar à descentralização setorial e espacial

(Estados e bacias) e à sustentabilidade econômica de longo

prazo. Esta construção institucional é a condição

necessária, mas não é suficiente para obter o

desenvolvimento sustentável dos recursos hídricos e do

meio ambiente, pois o marco institucional é um

processo e não um fim em si próprio. Este processo

deve ser suficiente para criar os arranjos, as

informações e as decisões para que o desenvolvimento

da água seja sustentável.

(negritados e sublinhados pela consultoria)

Com isto posto, cabe ressaltar que essa abordagem de C.E.M. Tucci mostra-se

bastante convergente com muitos dos questionamentos dispostos pelos

procedimentos metodológicos que foram apresentados no capítulo 1,

nomeadamente com o Planejamento Institucional Estratégico e a Metodologia

APEX, além da devida consideração de outros procedimentos que deverão entrar

em pauta em decorrência da necessária adaptação a mudanças climáticas.

Ademais, cabe ressaltar que, não obstante os avanços que já foram obtidos pelo

SINGREH, torna-se fundamental ao Brasil dar respostas consistentes a certos

28 Artigo sob o título: Desenvolvimento Institucional dos Recursos Hídricos no Brasil. In: Revista

REGA, vol. 2, nº 2, p. 81-93, jul/dez. 2005.

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questionamentos sobre a sua efetiva aplicabilidade e pragmatismo, tanto frente a

perspectivas de mudanças climáticas, quanto em decorrência da constatação

presente de que vêm ocorrendo certas estagnações e lacunas, portanto, sem que

muitos dos resultados necessários e soluções concretas estejam sendo

alcançados.

Isto significa que a legislação constitui um “veículo” (meio) para que sejam

consubstanciados conceitos e operacionalizados instrumentos para a gestão dos

recursos hídricos, segundo as bases teóricas e aprendizados práticos

desenvolvidos nas últimas décadas, no Brasil e em outros países.

Portanto, para que sejam mantidos e retomados objetivos inicialmente

apresentados, antes de seguir na mera aplicação mecânica da legislação, cumpre

um esforço adicional para recuperar e buscar o pleno entendimento dos conceitos

que conferem substrato à moderna gestão das águas, de modo a identificar

eventuais desvios ou perdas de conteúdo, seja na interpretação da base legal

vigente ou na aplicação prática das disposições da Lei Federal nº 9.433/1997.

Neste sentido, sob a ótica do Plano Nacional de Adaptação a Mudanças

Climáticas, cabe questionar se houve um pragmatismo do SINGREH para

abordagens de distintos problemas regionais, os quais podem se tornar ainda

mais relevantes e específicos em cenários prospectivos, portanto, com muitas das

leis estaduais não devendo apenas reproduzir genericamente a lei e o Sistema

Nacional em pauta.

Ao contrário, entende-se que será preciso rever uma leitura territorial do País, sob

uma perspectiva própria ao gerenciamento dos recursos hídricos, tal como já

recomendado para a atualização do Mapa de Gestão elaborado pela ANA. Neste

sentido, pode-se afirmar que a mera divisão geográfica em macrobacias está

longe de responder à complexidade inerente ao tema.

Sendo assim, em plena consonância com procedimentos metodológicos já

apresentados, cabe lembrar como necessários:

o cruzamento da natureza dos problemas e de suas prioridades com os

conceitos identificados como úteis para seu enfrentamento, tendo em vista

os limites e condicionantes do contexto legal e institucional vigente, para a

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abordagem de questões e problemas atuais e futuros, a exemplo de

mudanças climáticas;

a formatação de um mapa hidrogeográfico nacional para gerenciamento dos

recursos hídricos no Brasil, com a identificação de núcleos de problemas (os

problem-sheds em bacias de afluentes e em sub-bacias) e de abordagens

mais regionais, que possam indicar referências para uma divisão de funções

e de trabalhos entre os níveis federal, estadual e, inclusive, municipal, em

conformidade com o processo decisório relacionado à gestão dos recursos

hídricos;

assim, este Mapa de Gestão deve possibilitar a definição de uma

abordagem institucional adequada para acessar os problemas, de acordo

com sua natureza e background específico (áreas de ação de políticas

públicas e de participação do setor privado);

o Mapa pode, também, auxiliar na identificação de instrumentos de

implementação, notadamente quanto à delimitação e traçado de planos de

trabalho, com o possível apoio financeiro da União (para problemas

regionais mais abrangentes) e dos próprios estados da federação (para

problemas mais específicos a seus territórios);

a respeito de leituras com base em bacias hidrográficas, que sempre serão

essenciais, cabe ressaltar que devem ser vistas como um espaço geográfico

natural de solidariedade, uma vez que atividades a montante impactam a

jusante (por vezes, vice-versa), sempre com essa leitura voltada para

convergência e coordenação de políticas, entre desenvolvimento regional,

questões de meio ambiente, gerenciamento de recursos hídricos e de

setores usuários; e,

por fim, sob tal abordagem, com base na sobreposição de diferentes leituras

territoriais estratégicas (com aplicação do conceito de “geometria variável”),

cabe ressaltar que tornar-se-á indispensável identificar diferentes unidades

territoriais para uma implementação pragmática de programas e projetos,

quer sejam focados em áreas com problemas concentrados ou em questões

mais voltadas ao desenvolvimento regional e à proteção do meio ambiente.

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Com isto posto, como resposta a um questionamento sobre os rebatimentos do

SINGREH sobre as legislações estaduais de recursos hídricos, será abordada a

leitura da Lei Federal nº 9.433, como sendo uma Lei Nacional.

3.2. Abordagem da Lei Federal nº 9.433/1997, como Lei Nacional

Sob uma ótica jurídico-legal, principalmente levando em conta a Constituição

Brasileira, cabe ressaltar que a Lei Federal nº 9.433/1997 sobrepõe-se, enquanto

texto normativo, a todas as esferas de poder legislativo na convivência federativa

brasileira. Ou seja, não é uma restrita norma federal, mas deve ser vista como

uma Lei Nacional.

Por isso, na sua ementa está escrito que ela institui a Política Nacional de

Recursos Hídricos e cria o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos

Hídricos. É, pois, uma lei de observância nacional, inobstante ter, formalmente,

a característica de lei ordinária federal.

Esta questão, por sinal, evoca incursão de análise doutrinária aceita pelo direito

constitucional brasileiro, como bem demonstra o jurista Gabriel Ivo29, litteris:

O Estado Federal é aquele cuja ordem jurídica é composta

do subconjunto de normas centrais, vigentes para todo o

território e produzida por um órgão central, e do subconjunto

de normas locais, válidas para partes do território e

produzidas por outros órgãos que não o central. O conjunto

das normas centrais e normas locais – ambas parciais –

forma a ordem jurídica global do Estado.

(...)

O regime jurídico brasileiro possui quatro Sistemas: a) o

Sistema Nacional; b) o Sistema Federal; c) os Sistemas

Estaduais; e d) os Sistemas Municipais.

Isto significa que o âmbito de validade de uma lei nacional é mais abrangente e

diverso do que leis federais específicas. Sendo assim, no caso do Brasil, as leis

estaduais, do Distrito Federal e dos municipais podem seguir com seus princípios,

29 In: Constituição Estadual, São Paulo, Max Limonad, 1977, p. 83-84.

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voltando-se a abordagens locais mais próprias, mas não se confundindo ou se

contradizendo mutuamente.

Ao contrário, devem considerar e respeitar fundamentos, objetivos e diretrizes

gerais, tais como os que foram dispostos pela Lei Nacional no 9.433, ancorada

nos pressupostos constitucionais, próprios e exclusivos da Carta de 1988, sob

uma ordem pública e interesse coletivo, em que pese a vigente dupla

dominialidade dos recursos hídricos, hoje com certos reservatórios, lagos e rios

federais e outros estaduais.

Como exemplo a respeito, cabe lembrar que, segundo a Constituição Federal

(CF), somente o Aparelho do Estado pode e deve empreender certas atividades

que se caracterizam como funções públicas essenciais. Ou seja, por certo que o

SINGREH não pode ser visto ou estruturado como se estivesse por fora do

Aparelho de Estado, ainda que muitas deliberações significativas tenham sido

delegadas, via a Lei Nacional nº 9.433, a comitês e conselhos de recursos

hídricos – instâncias coletivas decisórias, sem personalidades jurídicas30.

Enfim, sempre cabe manter encargos regulatórios devidos sob uma

responsabilidade própria ao Poder Público, notadamente no caso da emissão de

outorgas para direitos de uso da água, além da tipificação de ações e atividades

sujeitas a advertências, infrações e penalidades.

Neste sentido, cumpre destacar o inciso XIX do Art. 21 da CF, transcrito litteris:

Art. 21. Compete à União:

(...)

XIX - instituir sistema nacional de gerenciamento de

recursos hídricos e definir critérios de outorga de

direitos de seu uso;

30 Deve-se reconhecer que decisões definitivas a respeito da emissão de outorgas para direitos

de uso da água não devem ser dispostas sob a responsabilidade exclusiva de comitês de bacias

e/ou de conselhos de recursos hídricos, uma vez que tais instâncias coletivas podem ser

dominadas por determinados segmentos com interesses particulares, por conseguinte, com certas

decisões podendo ser questionadas e revistas por órgãos gestores de recursos hídricos, federal

ou estaduais, aos quais legalmente compete a emissão de outorgas, sob perspectivas do Aparelho

do Estado, e não sob interesses particulares, inclusive de um Governo em mandato.

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(...)

(negritos pela consultoria)

Mesmo assim, em que pese a existência de uma Política Nacional de Recursos

Hídricos, cada unidade federativa (envolvendo todos os estados e o DF) pode e

deve elaborar sua própria política das águas, desde que esta não contrarie o

disposto pela legislação nacional. Ou seja, sem deixar de considerar o contexto

constitucional, é importante resublinhar uma das principais diretrizes da própria

Política Nacional de Recursos Hídricos, notadamente no caso do inciso II do

Art. 3º, da Lei nº 9.433 (já destacada no início do Cap. 2), que menciona a

necessária “adequação da gestão de recursos hídricos às diversidades

físicas, bióticas, demográficas, econômicas, sociais e culturais das diversas

regiões do País”.

Além disso, cumpre considerar o regime de atribuições legislativas concorrentes,

tal como fixado pela Constituição Federal, segundo a qual compete à União

estabelecer as diretrizes (normas gerais) sobre os temas arrolados no art. 24 do

texto constitucional, ao passo que cabe aos Estados e ao Distrito Federal (em

certos casos, também aos municípios) suplementar essas diretrizes,

considerando suas respectivas peculiaridades, tal como transcrito litteris:

Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito

Federal legislar concorrentemente sobre:

(...)

VI - florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza,

defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio

ambiente e controle da poluição;

(...)

VIII - responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao

consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético,

histórico, turístico e paisagístico;

§ 1º - No âmbito da legislação concorrente, a

competência da União limitar-se-á a estabelecer normas

gerais.

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§ 2º - A competência da União para legislar sobre

normas gerais não exclui a competência suplementar

dos Estados.

(itens negritados e sublinhados pela consultoria)

Portanto, segundo as abordagens jurídico-legais e conceituais dispostas, justifica-

se a edição de leis estaduais mais próprias às características regionais, vez que,

sob uma ótica mais pragmática e realista, devem ocorrer condições mais

compatíveis à aplicabilidade e efetividade da Política Nacional de Recursos

Hídricos. Assim, prevalece o entendimento de que pertence à União a

competência para legislar sobre águas, em sentido genérico (normas gerais),

competência esta que não deve constranger o espaço constitucional e a

possibilidade dos entes federados estabelecerem regras mais específicas e

próprias sobre os recursos hídricos que se encontram sob seu respectivo

domínio, regras estas entendidas em termos de guarda, gestão e administração

de recursos hídricos, isso porque os Estados e o DF podem suplementar as

diretrizes gerais, de acordo com suas peculiaridades regionais e culturais.

Enfim, mesmo considerando o contexto nacional da Lei nº 9.433, há espaço para

questionar algumas das meras reproduções ou de eventuais limitações de certos

SEGREHs frente ao SINGREH, podendo-se afirmar, de pronto, que as unidades

federativas não devem ficar simplesmente submetidas ao desenho geral do

Sistema Nacional, deixando de observar seus perfis regionais e problemas

específicos.

Isto não quer dizer que o SINGREH seja visto sob um aspecto negativo, mas sim,

com o objetivo de assegurar seus fundamentos e princípios genéricos, sempre

voltados a uma gestão descentralizada e participativa, abordado a seguir.

3.3. Governança e Governabilidade vistas como Indispensáveis para uma

Efetiva Gestão de Recursos Hídricos

Contando com as abordagens jurídico-legais já dispostas, agora devem ser

revistos e considerados certos conceitos, entendidos como fundamentais para

que ocorra uma efetiva gestão dos recursos hídricos, inclusive tendo em vista as

necessárias e possíveis adaptações a mudanças climáticas.

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Neste sentido, em relação ao SINGREH, cabe lembrar seu perfil, com base em

fundamentos e diretrizes para um Sistema descentralizado e participativo, tal

como consta no Inciso VI do Art. 1º da Lei Nacional nº 9.433/1997, transcrito a

seguir:

VI - a gestão dos recursos hídricos deve ser

descentralizada e contar com a participação do Poder

Público, dos usuários e das comunidades.

Com isto posto, torna-se evidente a intenção de que o SINGREH conte com uma

Governança para a gestão de recursos hídricos, a ser entendida como a

indispensável interação participativa com os diversos stakeholders, públicos e

privados, envolvidos em processos decisórios, de modo a conferir substância,

sustentabilidade e permanência para uma gestão integrada dos recursos hídricos.

Isto significa que a gestão das águas não deve ser tratada como um setor

específico e sob a predominância de interesses particulares, mas sim, como um

campo de atuação abrangente e transversal, portanto, envolvendo e incentivando

todos os setores usuários a se aderirem substantivamente ao Sistema de Gestão,

sempre considerando aspectos ambientais e dos ecossistemas presentes.

Neste sentido, cabe ressaltar que a qualidade do meio ambiente e dos recursos

hídricos é socialmente construída, ou seja, é resultado da atuação de múltiplos

atores sociais, com o Estado sendo um deles, na maioria dos casos, sempre o

mais importante, todavia, nem sempre o mais incisivo.

Assim, sob o contexto de um Governo autoritário e centralizador, os mecanismos

de Comando e Controle (C&C) costumam ser insuficientes, ainda que a regulação

pública deva ser reconhecida como essencial e entendida como uma instância do

Aparelho de Estado, equidistante do Governo em plantão, dos operadores de

sistemas e dos consumidores finais.

Sob tal entendimento e mediante uma concepção mais moderna, a GIRH deve

ser concebida na direção de modelos institucionais com responsabilidades

compartilhadas, mediante os quais objetivos e metas hídrico-ambientais são

convergidos e os próprios atores sociais assumem conjuntamente seus encargos.

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Quanto a estratégias institucionais para Modelos de Gestão, uma abordagem

importante refere-se às diferenças entre desconcentrar decisões ou descentralizá-

las efetivamente. De fato, operar mediante instâncias regionalizadas, todavia, com

núcleos decisórios junto a um Governo central, revela baixa compreensão do

chamado Princípio da Subsidiariedade, universalmente reconhecido como um

dos fatores fundamentais para uma eficácia na gestão dos recursos hídricos.

Segundo este princípio, toda e qualquer decisão que possa ser assumida

localmente e que não afete terceiros e/ou áreas mais abrangentes, não deverá

subir a instâncias hierárquicas superiores.

Assim, com o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos

(SINGREH) apresentando o fundamento de uma gestão descentralizada – e não

apenas desconcentrada –, cumpre destacar que decisões locais sejam tomadas

mais próximas à base, em espaços institucionalizados. Portanto, os SEGREHs

tornam-se fundamentais para o Brasil, notadamente em decorrência da grande

extensão territorial do País e de suas distintas características regionais, já

abordadas, além de diferenças que poderão ocorrer devido a mudanças

climáticas.

Sob tais conceitos, no que tange a uma Governança descentralizada e

participativa, devem ser novamente e mais profundamente abordados os perfis

dos chamados “comitês de integração”, sempre a serem constituídos sobre uma

maior abrangência territorial, que envolva e integre comitês mais locais, para que

negociações, acordos e decisões conjuntas venham a ser tomadas por estas

instâncias locais, sem que se deixe de considerar questões mais estratégicas e

conjuntas (ver Figura 3.1).

Figura 3.1 – Esquema Genérico de um Comitê de Integração

Unidades territoriais para enfrentar problemas em trechos e/ou sub-bacias

Coordenação e integração de políticas e de programas no âmbito do conjunto da bacia

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Seguindo a respeito, é importante destacar que a integração entre comitês mais

locais não deve ser vista como uma necessária agregação imperativa, muitas

vezes pretendida para uniformizar certos procedimentos, tendo como resultado

potenciais afastamentos das realidades próprias, inclusive de áreas-problema.

Com isto posto, entra em pauta a seguinte pergunta: cabe evitar que em bacias

hidrográficas de maior extensão territorial sejam instalados comitês em bacias de

afluentes, ou mesmo em trechos de rios, motivados por problemas específicos ou

por níveis mais elevados de mobilização social, a exemplo do Alto Tietê?

A resposta é não, fato que revela o entendimento de que as instâncias sub-

regionais mencionadas não devem ser vistas como concorrentes do comitê que

abranja a totalidade da bacia, mas sim, como possíveis parceiros estratégicos,

com maior potencial de representatividade social, na proporção de sua

proximidade com problemas, temas e interesses locais ou sub-regionais.

Assim, volta-se a sublinhar o Princípio da Subsidiariedade no trato de uma

pragmática divisão de encargos, sempre zelando para que os problemas sejam

resolvidos no âmbito mais próximo à sua gênese, sendo alçadas instâncias mais

abrangentes – como os comitês de integração – somente quando ocorrer a

impossibilidade de um equacionamento local tornar-se adequado e efetivo, seja

em razão de insuficiência de capacitação, seja em casos de impasses decisórios,

de falta de recursos ou, ainda, nos casos em que as instâncias locais não abrigam

todos os interessados das questões em pauta, a exemplo de temas regionais

mais abrangentes e estratégicos.

Como um exemplo a respeito, pode-se destacar a bacia do Rio São Francisco,

com área de 638 mil km2, na qual há muitos afluentes vistos como bacias mais

críticas, algumas delas já com seus comitês próprios, como no caso do Rio das

Velhas, que abrange boa parte da Região Metropolitana de Belo Horizonte, a ser

abordada segundo perfis de problemas urbano-industriais predominantes, bem

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diferentes de problemas de outras bacias de afluentes, notadamente daquelas

onde predominam populações rurais dispersas, em boa parte do semiárido (ver

Figura 3.2).

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Figura 3.2 – Bacia do Rio São Francisco e de seus afluentes com diferentes níveis e

perfis de conflitos

Fonte: Plano Decenal da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (ANA, agosto de 2004)

Agora seguindo à frente, sem qualquer restrição à essencial Governança a ser

aplicada em Sistemas de Gestão, cabe lembrar, tal como já mencionado, que as

modernas metodologias para planejamento institucional estratégico destacam que

um modelo institucional não deve constituir um fim em si mesmo, mas sim, ser

estruturado como uma resposta efetiva ao enfrentamento de determinados

problemas, o que significa que a Governança é uma frente fundamental, porém,

não suficiente para se chegar a respostas concretas.

Isto significa que, mesmo com a constituição do SINGREH contemplando uma

indispensável Governança, entendida como a devida interação com a sociedade,

por meio da atuação de instâncias coletivas (conselhos e comitês de bacias), em

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acréscimo cabe ressaltar que é fundamental e também indispensável identificar as

relações entre causas e efeitos, com base em dados e informações técnicas e em

diagnósticos e planejamentos mais consistentes, ou seja, com maior

Governabilidade dos modelos para uma efetiva gestão de recursos hídricos,

notadamente em decorrência da perspectiva de possíveis mudanças climáticas.

Assim, para estabelecer tais relações entre causas e efeitos torna-se necessária:

uma consistência de dados e informações sobre disponibilidades hídricas,

fato que demanda uma rede adequada de monitoramento pluviométrico,

hidrológico, hidrogeológico e de qualidade das águas;

o cadastramento do perfil de usos e usuários das águas, além da devida

fiscalização de usos efetivos;

estudos e balanços hídricos para desenvolver Sistemas de Apoio a Decisões

(SADs); e,

também, um Marco Lógico para planejamento, com a conexão entre

objetivos geral e específicos, indicadores e produtos, intermediários e finais,

a serem alcançados em cada período dos planos de bacias hidrográficas.

Torna-se então evidente a importância da interação do presente trabalho com os

Eixos II e III definidos pela Rede Água, respectivamente voltados à consistência

de dados e informações e à aplicação de instrumentos de gestão de recursos

hídricos, além do Eixo V, voltados aos diferentes setores usuários.

Apenas como uma referência genérica sobre o chamado Marco Lógico, cabe

recomendar que seja pautado por uma Matriz que sintetize a conexão entre os

objetivos geral e específicos, associados a indicadores e produtos, intermediários

e finais, que deverão ser alcançados em cada período de implementação dos

componentes, subcomponentes e respectivos projetos de planos de bacias, com

alguns dos indicadores a serem relacionados a metas definidas para adaptação a

mudanças climáticas, no caso do Plano Nacional em pauta.

Os indicadores devem ser dispostos a partir da escala de macrorresultados,

descendo progressivamente a detalhes dos projetos e de suas respectivas ações

específicas, de modo a facilitar o monitoramento e a avaliação periódica da

execução e dos resultados previstos. Assim, como um mero exemplo, segue o

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formato geral da Matriz a ser aplicada para a formação de um Marco Lógico.

Matriz de Marco Lógico

Objetivo Geral do

Plano e de

programas e

Objetivos

Específicos e seus

respectivos

Componentes e

Subcomponentes

Projetos para

Ações e

Intervenções

Estruturais e

Não

Estruturais.

Frentes de

Trabalho dos

Projetos, com o

Cronograma das

Principais Ações

e Intervenções

Programadas.

Prazos

Estimados,

Produtos

Parciais e

Finais.

Para cada Frente

de Trabalho,

Entidades

Responsáveis

pela execução e

pelo

monitoramento

continuado.

No contexto de adaptação a possíveis mudanças climáticas previstas, tendo em

vista os conceitos já dispostos pelo Eixo I da Rede Água, cabe ressaltar que

diversos dos objetivos, metas e indicadores a serem alcançados devem ser

definidos sob uma ótica mais flexível e adaptativa, em decorrência do crescimento

de graus de incerteza, notadamente quanto a dados e informações

hidrometeorológicas.

Também é importante perceber que os atores intervenientes na implementação de

projetos componentes de planos de bacias, ou de certos programas regionais,

apresentam diferentes atribuições, segundo as etapas, o cronograma geral e os

resultados – locais e regionais – que traduzem a performance global desses

planos ou programas. Além disso, para que sistemas de gestão de recursos

hídricos e seus respectivos instrumentos tenham avanços sucessivos, com as

devidas adequações e inserção de novos conceitos, cabe manter um processo

continuado de avaliação, para o qual se deve criar o tal Marco Lógico que também

corresponda aos objetivos do sistema de gestão e de cada instrumento, com os

períodos devidos às suas implementações e aplicações, em termos de

indicadores executivos e de resultados.

Enfim, para que seja possível contar com um SINGREH consistente, realista e

pragmático, assim como no caso dos SEGREHs, ambas a frentes abordados, da

Governança e da Governabilidade, devem estar em plena pauta, inclusive para

fins das negociações, consensos e acordos que serão necessários para a

adaptação a mudanças climáticas.

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3.4. Problemas Advindos da Dupla Dominialidade de Recursos Hídricos no

Brasil

Mesmo já contando com as devidas abordagens sobre um Sistema de Gestão

descentralizado e participativo (Governança) e da indispensável identificação das

relações entre causas e efeitos (Governabilidade), segue presente um dos

principais desafios sobre o gerenciamento das águas, inclusive a ser considerado

para fins de possíveis e necessárias adaptações a mudanças climáticas: a dupla

dominialidade de recursos hídricos no Brasil.

A propósito, sabe-se que este é um dos temas mais complexos e difíceis, uma

vez que, segundo estabelecido pela Constituição Federal de 1988 (CF):

(a) de um lado, tal como já transcrito, compete à União “instituir sistema

nacional de gerenciamento de recursos hídricos e definir critérios de

outorga de direitos de seu uso” (Inciso XIX do Art. 21); e,

(b) de outro, as águas podem estar sob os diferentes domínios da União, do

Distrito Federal e dos demais estados, fato que impõe uma indispensável

articulação entre os níveis federativos, para assegurar uma gestão

integrada e consistente no âmbito de muitas bacias hidrográficas que são

compartilhadas.

Sendo assim, mesmo considerando a CF, cumpre reconhecer que, no presente,

são os próprios estados e o DF que definem critérios para a emissão de outorgas

em águas sob seus domínios, na maioria dos casos, com a predominância de

interesses próprios, que podem resultar em critérios distintos e contraditórios,

mesmo em bacias hidrográficas que são compartilhadas, por conseguinte, com o

surgimento de certos conflitos e problemas entre estados.

Além de muitos outros casos, como um mero exemplo a respeito, cabe lembrar

que seguindo num rio sob domínio estadual, ao surgir um reservatório construído

pelo Governo Federal, as águas passam ao domínio da União, voltando a ser do

estado logo a jusante da barragem. Neste e em vários casos similares, diferentes

critérios para emissão de outorgas e distintos níveis de fiscalização podem

resultar em contradições e problemas em balanços gerais relacionados ao

conjunto da bacia hidrográfica.

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Vários fatos dessa ordem já ocorreram mesmo com a Lei Nacional nº 9.433 tendo

estabelecido, em seu Art. 4º, que “a União articular-se-á com os estados tendo em

vista o gerenciamento dos recursos hídricos de interesse comum”.

Enfim, entra em pauta a relevante pergunta sobre a modificação ou continuidade

dessa dupla dominialidade das águas no Brasil, cabendo lembrar o recente caso

de crise no Sistema Cantareira, que abastece cerca de 42% da população da

Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), para cuja solução foi proposta, pelo

Governo paulista, a transposição de 5 m3/s a partir da represa Jaguari, situada

entre os ribeirões das Palmeiras e da Boa Vista, portanto, em afluentes estaduais

localizados bem a montante da bacia do Rio Paraíba do Sul, cujas vazões são

consideradas muito relevantes a interesses próprios ao Estado do Rio de Janeiro,

fato que tem demandado a indispensável presença da ANA, para mediar acordos

entre ambos os estados, sob uma ótica mais abrangente e estratégica.

Possíveis alternativas e propostas a respeito da pergunta em pauta serão

abordadas no próximo Relatório 02, sem que se deixe de registrar o mérito sob a

iniciativa da ANA voltada ao Pacto de Gestão das Águas, que tem como

principal referência a Diretiva Quadro das Águas (DQA), desenvolvida pela

União Européia, com acordos entre países europeus baseados em objetivos e

metas, sem interferência na autonomia dos países, em termos legais e

institucionais, fato que revela que não deve ocorrer uma intervenção autoritária

sobre como fazer, mas sim, com um pragmatismo para que sejam efetivamente

atendidos os objetivos e metas, contando com apoios técnicos e de financiamento

e, no caso de não atendimento de acordos, com a aplicação de advertências e

penalidades.

Por fim, como última observação do tópico presente, cabe registrar que, no

mesmo sentido, igualmente deverão ocorrer avanços relacionados à cooperação

internacional, dado que algumas das principais bacias hidrográficas do Brasil

apresentam suas águas compartilhadas com países vizinhos da América do Sul,

notadamente nos casos das bacias do Rio Amazonas e do Paraná - Prata.

3.5. Breves Notas sobre Alguns dos SEGREHs

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Agora, para encerrar o presente Relatório 01, neste tópico serão feitas apenas

breves notas sobre alguns dos SEGREHs, tendo em vista referências sobre

possíveis e necessárias adaptações a mudanças climáticas e avanços na

Governança para gestão dos recursos hídricos.

Assim, em futuras frentes de trabalhos, recomenda-se que ocorram avaliações

bem mais detalhadas sobre todos os SEGREHs, eventualmente no contexto de

um programa a ser empreendido pelo próprio Plano Nacional de Adaptação a

Mudanças Climáticas, tal como já mencionado.

Neste sentido, por certo que estas avaliações deverão procurar uma articulação

conjunta com o Pacto das Águas, no presente, em pleno processo de

implementação pela ANA, que já conta com 24 convênios celebrados com

unidades federativas.

3.5.1. Estados da Região Amazônica

Em relação aos SEGREHs da Região Amazônica, cabe reconhecer que não há

referências importantes, inclusive com o Acre ainda não tendo seu próprio

Conselho Estadual de Recursos Hídricos em plena atuação.

Sendo assim e levando em consideração o perfil regional já descrito (item 2.4.1),

cabe reafirmar a importância de uma abordagem mais ampla e regional, com o

reconhecimento da necessidade de ações e atividades voltadas à proteção e

preservação ambiental, que devem ser consideradas como essenciais no trato de

quaisquer dos eventuais problemas de recursos hídricos, não só para o Brasil,

como também para todo o Planeta.

Portanto, deve entrar em pauta um possível Sistema Regional de Gestão, tendo

em vista “o perfil amazônico, com predominância de baixa densidade

populacional, à exceção de certas concentrações em um número restrito de

cidades e/ou áreas metropolitanas...”.

3.5.2. Estados da Região Nordeste e do Semiárido Brasileiro

Em relação ao Nordeste e, principalmente ao semiárido brasileiro, cabe ressaltar

a referência do modelo de gestão desenvolvido pelo Estado do Ceará, cuja

descrição é apresentada no Anexo II.

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Trata-se de uma abordagem conjunta para gerenciamento e operação da

infraestrutura hídrica que interliga bacias hidrográficas mediante reservatórios,

açudes, canas e adutoras, para que haja reserva, transporte e entrega de água

bruta, voltada aos núcleos onde ocorrem as principais demandas, sem que se

deixe de considerar os usuários locais, no mais das vezes, voltados a produção

agrícola e familiar.

Ainda a respeito do Ceará, no que tange ao abastecimento de água para

comunidades rurais dispersas, outra referência advém do chamado Sistema

Integrado de Abastecimento Rural (SISAR), mediante o qual são definidas formas

estratégicas para ocupação do território e possíveis formas de um gerenciamento

conjunto desses sistemas, incluindo operação e manutenção (O&M).

Mais especificamente em relação à adaptação a mudanças climáticas, outra

significativa referência advém da Fundação Cearense de Meteorologia e

Recursos Hídricos (FUNCEME), tanto no que concerne a dados e informações

consistentes, quanto a SADs, para que ocorra uma distribuição mais segura das

disponibilidades hídricas, com base em acordos negociados entre os vários

usuários.

Mesmo assim, há recentes comentários de que, nos últimos anos, este Estado

não vem apresentando novos e seguidos avanços, em alguns casos, com certa

estagnação. Caso seja assim, é possível afirmar que a presença da FUNCEME

no contexto da elaboração do Plano Nacional de Adaptação a Mudanças

Climáticas tende a dar novo ressalte ao SEGREH do Ceará.

Outra potencial referência entre os estados do Nordeste poderá ocorrer no caso

de Sergipe, tendo em vista o significativo Programa Águas de Sergipe – no

presente, em pleno início –, que será empreendido mediante um Acordo de

Empréstimo celebrado junto ao Banco Mundial, contemplado tanto aspectos de

infraestrutura, quanto da gestão dos recursos hídricos, chegando aos

instrumentos, dados e informações necessárias, assim como, à constituição de

um novo órgão estadual gestor das águas e de uma agência regulatória de

saneamento e energia.

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Sob tal contexto de um Acordo de Empréstimo, entende-se que uma futura

atualização prevista para o Programa Águas de Sergipe poderá contemplar

aspectos relacionados à adaptação a mudanças climáticas, na medida em que

durante a concepção inicial dos programas e projetos componentes, que ocorreu

em meados da década de 2000, esse tema não era tão considerado quanto no

presente.

Sob um contexto similar, também os Estados de Pernambuco e da Paraíba têm

apresentados certos avanços, inclusive como resultados de alguns Acordos de

Empréstimo, que proporcionaram o desenvolvimento institucional de seus órgãos

gestores das águas, além da criação de agências reguladoras estaduais.

Não obstante e salvo melhor juízo, ainda não chegaram ao patamar do Ceará, ou

seja, como referências regionais para uma consistente gestão de recursos

hídricos, com ambos seguindo frente a certos problemas, a exemplo dos volumes

de água para abastecimento da Região Metropolitana de Recife e, no caso da

Paraíba, especialmente de Campina Grande, onde o principal reservatório segue

com certos conflitos entre usos múltiplos, vez que volumes são captados para

irrigação, portanto, gerando graus de risco para esta cidade.

No caso da Bahia, cabe registrar que, nos últimos anos, o Instituto Estadual do

Meio Ambiente e Recursos Hídricos (INEMA) tem contratado a elaboração de

vários planos de bacias hidrográficas, a exemplo das bacias dos rios Grande e

Corrente, afluentes da margem esquerda no trecho médio do Rio São Francisco,

porém, ainda com larga distância para que efetivamente ocorram suas

implementações.

Ademais, cabe lembrar que a Bahia também conta com uma empresa de

economia mista – portanto, com personalidade jurídica similar à COGERH do

Ceará – denominada como Companhia de Engenharia Ambiental e de

Recursos Hídricos (CERB), voltada a garantir oferta de água para

abastecimento de certas cidades do interior e de comunidades rurais, além de

atividades agropecuárias. Contudo, esta empresa é pouco reconhecida no Brasil,

fato que revela certas limitações e a falta de resultados relevantes, notadamente

no caso da solução de riscos próprios ao semiárido, quando períodos de

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escassez pluviométrica apresentam rebatimentos negativos sobre comunidades

rurais dispersas.

No caso do Rio Grande do Norte, ao final da década de 1990 e no início dos

anos 2000 foram tomadas importantes iniciativas voltadas à gestão das águas, a

exemplo da construção da grande Adutora Monsenhor Expedito, que abrange

mais de 200 km e transporta água tratada para centenas de municípios do interior

potiguar, além de comunidades rurais dispersas, alguns atendidos por estruturas

secundárias ou terciárias.

Na sequência, em outubro de 2003 houve a aprovação da Carta-Consulta para a

celebração de um Acordo de Empréstimo com o Banco Mundial, voltado à

implementação do Programa Estadual de Desenvolvimento Sustentável e

Convivência com o Semiárido Potiguar (PSP), porém, com este Acordo sendo

celebrado apenas em 20 de junho de 2008, cujos recursos financeiros aplicados

chegaram, em meados de 2013, a pouco mais de 60% dos gastos previstos por

seus inúmeros projetos, fato que demandou dois aditivos de prazo, um deles

muito recente e ainda vigente.

Assim, torna-se clara uma referência negativa quanto a implementação deste

Programa, que teve cerca de metade de seus projetos não implementados ou

“excluídos” do PSP, além de resultados bem mais modestos do que os previstos,

como no caso de três leis estaduais complementares de recursos hídricos, que só

foram aprovadas recentemente, em janeiro de 2013, ainda sem os seus devidos

decretos de regulamentação.

Por fim, em relação ao Estado do Piauí, cuja região a leste e ao sudeste aborda

parte do semiárido brasileiro, deve-se mencionar que, embora contando com

apoio da ANA, mediante um convênio, e tendo estudos de planejamento

institucional voltados a um novo órgão gestor de recursos hídricos, ainda não

ocorreu sua nova constituição, fato que volta a apontar diversos casos de estudos

que seguem estagnados em prateleiras.

3.5.3. Estados do Sudeste

Em termos de SEGREHs, cabe reconhecer a importância do Estado de São

Paulo, tanto em decorrência de sua legislação estadual já ter sido publicada em

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30 de dezembro de 1991, quanto pela referência que apresentou para o próprio

SINGREH, definido pela Lei Nacional nº 9.433, em 08 de janeiro de 1997.

A respeito deste Sistema paulista, é importante registrar que, em novembro de

2011, foi realizado um Seminário intitulado como Avanços e Desafios na

Gestão dos Recursos Hídricos no Estado de São Paulo, tendo em vista o

elevado período de 20 anos após sua legislação ter sido aprovada e publicada.

Sob tal iniciativa, cabe destacar que São Paulo demonstrou uma elevada

maturidade institucional ao colocar seu Sistema Estadual como objeto de debates,

solicitando não somente a identificação dos avanços que foram obtidos, mas

também dos principais problemas existentes, sempre com vistas ao traçado de

novas frentes de trabalho que pudessem propiciar aprimoramentos e avanços em

todo o Sistema, em seus Instrumentos de Gestão e na interação com os diversos

atores sociais (stakeholders) com interfaces e interesses relacionados à temática

dos recursos hídricos.

Com efeito, é comum que muitos governos e entidades públicas tenham

restrições a avaliações críticas, priorizando somente eventos para elogios

próprios. Já no caso de São Paulo, sem dúvidas com um Sistema pioneiro e dos

mais avançados do país – ao lado do Ceará, que é referência ao semiárido

brasileiro –, a iniciativa de avaliação e identificação de frentes de trabalho

reafirma a tendência para que novos avanços venham a ocorrer, por

consequência, sublinhando a maturidade e o exemplo conferido às demais

unidades da federação.

Neste sentido, como referência aos demais estados, consta no Relatório Geral do

evento, que o Plano Estadual de Recursos Hídricos (PERH/SP) foi identificado

como uma das principais frentes para atuação, desde que, tal como parcialmente

transcrito:

“...seja revisto em sua concepção, contendo os tópicos

que seguem, além de um Marco Lógico, ligado a objetivos,

metas, prazos e entidades responsáveis por sua execução e

avaliação:

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abordagens estratégicas nas relações com estados

vizinhos e bacias hidrográficas compartilhadas,

segundo a inserção macrorregional;

ações estruturais que extrapolam as capacidades e

interesses locais;

a transversalidade em problemas comuns aos diversos

planos de bacias, notadamente para estabelecer linhas

de crédito para tipologias de problemas definidos como

prioritários para o Estado, tendo os planos locais como

contrapartidas e executores;

a efetiva implementação de IGs, ...;

a coordenação regulatória com todos os setores

usuários das águas;

(...)

avaliação institucional do SIGRH/SP, segundo a

Metodologia APEX;

com base nos resultados, a revisão da legislação e

aprimoramentos institucionais do SIGRH/SP, com

destaques para: (a) a figura jurídica das agências de

bacias (hoje, centradas em fundação de direito privado),

de modo a conferir maior atratividade aos usuários-

pagadores e aos municípios; e, (b) o percentual de

representatividade tripartite, com o reconhecimento de

que a sociedade civil deve ser separada em termos de

ONGs, usuários de recursos hídricos e outros segmentos;

(...)

uma estratégia interinstitucional para que o PERH/SP

seja estabelecido como um Programa de Governo, a

ser assumido, em termos executivos, pelos diversos

setores, suas secretarias de estado e entidades

vinculadas;

rever o traçado das UGRHIs, de modo estratégico e

segundo a profundidade de problemas e da dinâmica

dos comitês em atuação;

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(...)

convergência entre o PERH/SO e o ZEE, como

também com os Planos Diretores Municipais,

mediante a adoção de indicadores comuns e

complementares, para conferir transversalidade à

Política dos Recursos Hídricos.

(destaques negritados)

Além dessa referência geral, entende-se que o Comitê das bacias dos Rios

Piracicaba, Capivari e Jundiaí (vistas como o “complexo PCJ”), e sua respectiva

agência, seguem como um dos principais exemplos ao País. De fato, cabe

lembrar que já em 1989 foi constituído um consórcio intermunicipal, no formato de

pessoa jurídica privada, sem fins lucrativos, contando com a essencial

participação de muitas das prefeituras municipais integrantes da bacia em tela,

como também, com os principais usuários de recursos hídricos, tanto sob a

prevalência estatal – a exemplos das empresas da Petrobrás e da Sabesp –,

quanto do setor privado, fato que tende a assegurar a presença dos principais

atores estratégicos para uma gestão regional consistente das águas, mediante

um “consorciamento coletivo”, o qual propiciou a aplicação da cobrança estadual

pelo uso de recursos hídricos.

Também a recente versão atualizada de seu Plano de Bacia deve ser vista como

um bom exemplo, especialmente em termos da aplicação do instrumento de

enquadramento dos corpos d’água, para o qual o território do complexo PCJ, com

cerca de 15 mil km2, foi dividido em nada menos do que 350 unidades para

avaliação das relações entre causas e efeitos, fato que elevou a efetiva

aplicabilidade das classes definidas segundo os usos predominantes.

Seguindo a respeito, porém passando a considerar o perfil do Plano Nacional de

Adaptação a Mudanças Climáticas, por certo que os Planos Estaduais, em sua

maioria absoluta, devem ser revistos, sob a perspectiva de inclusão de novos

cenários que abranjam maiores graus de riscos e possíveis incertezas que serão

advindas das mudanças do clima, fato que demanda uma gestão adaptativa para

todos os SEGREHs.

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Ainda sobre o caso do Estado de São Paulo, volta-se a sublinhar os atuais

problemas relacionados ao Sistema Cantareira, cuja elevada crise presente

coloca em pauta certos questionamentos sobre a atual consistência e capacidade

institucional do Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE/SP), vez que

este órgão gestor de recursos hídricos poderia ter definido, antecipadamente,

certas regras operacionais para a captação de água pela Sabesp. Enfim, tal como

vem ocorrendo na maioria absoluta dos estados federativos, percebe-se a

necessidade de um fortalecimento – em alguns casos, com reestruturação – dos

órgãos estaduais gestores das águas, os quais devem ser submetidos a um

planejamento institucional estratégico, inclusive tendo em vista adaptações a

mudanças climáticas.

Chegando agora a Minas Gerais, não obstante o reconhecimento de avanços

anteriores, especialmente os relacionados à bacia do Rio das Velhas, quando foi

constituída a Associação Executiva de Apoio à Gestão de Bacias Hidrográficas

(AGB Peixe Vivo), posteriormente aprovada como agência da bacia do Rio São

Francisco, deve-se registrar que a versão mais recente de seu Plano Estadual de

Recursos Hídricos (PERH/MG) foi aprovada em outubro de 2010, contando com

muitas das indicações mencionadas para o PERH/SP.

De fato, além de programas concebidos como mecanismos para um apoio à

execução de projetos de vários dos planos locais de bacias hidrográficas, esta

versão do PERH/MG chegou a indicar potenciais fontes para financiamentos,

assim como, determinados avanços quanto a critérios para a emissão de

outorgas. Mesmo assim, até o presente o PERH/MG segue em prateleira, sem

que a maioria de seus programas tenha sido empreendida, fato que repercute o

atual perfil da gestão das águas no Brasil, qual seja, com uma estagnação

predominante.

Mesmo assim, como referência aos demais estados federativos do Brasil, cabe

anotar que, em Minas Gerais, o seu Plano Estadual foi abordado mediante os

seguintes volumes, a considerar:

Volume I: Diagnósticos de Problemas e Aspectos Estratégicos para a Gestão

de Recursos Hídricos, incluindo:

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- as bases conceituais e metodológicas do PERH;

- a interação dialética entre o PERH e o Plano Nacional de Recursos Hídricos;

- a inserção macrorregional do Estado, com destaque para seus interesses

estratégicos relacionados aos recursos hídricos, limites e condicionantes de

bacias compartilhadas com outros estados;

- abordagens indispensáveis advindas de diagnósticos regionais atualizados e

de suas devidas complementações identificadas como necessárias,

incluindo balaços hídricos e a indicação de áreas críticas hídrico-ambientais

e sociais;

- a identificação de insumos e compatibilidades com outros planos

desenvolvidos pelo Governo do Estado, a exemplo de Zoneamento

Ecológico e Econômico (ZEE);

- a identificação e insumos de políticas, programas e projetos de setores

usuários de recursos hídricos; e,

- cenários prospectivos de desenvolvimento, assim como adaptações a

mudanças climáticas previstas, com as projeções de balanços hídricos e

identificação de Unidades Territoriais Estratégicas de Gestão (UTEGs).

Volume II: Instrumentos de Gestão de Recursos Hídricos, incluindo:

- conceitos gerais sobre instrumentos a serem aplicados pela moderna gestão

ambiental e dos recursos hídricos, inclusive tendo em vista a adaptação a

mudanças climáticas;

- Sistema Estadual de Informações sobre Recursos Hídricos;

- cadastramento de usos e usuários de recursos hídricos;

- monitoramento das águas, superficiais e subterrâneas;

- Outorga para Direito de Uso de Recursos Hídricos;

- Enquadramento dos Corpos D’Água em classes, segundo usos

preponderantes;

- Cobrança pelo Uso da Água e outras opções para Instrumentos Econômicos

de Gestão; e,

- mapeamento e diretrizes regionais voltadas à aplicação e integração entre

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os Instrumentos de Gestão de Recursos Hídricos no Estado em estudo.

Volume III: Contexto da Legislação Vigente e Abordagem Institucional do

Sistema Estadual de Gerenciamento de Recursos Hídricos, incluindo:

- contexto das legislações vigentes – federal, estadual e dos principais

municípios –, próprias ou com importantes interfaces com a gestão dos

recursos hídricos;

- descrição do SINGREH e do contexto em que se insere o SEGREH;

- análise geral e avaliação do Sistema Estadual, incluindo a identificação de

seus principais problemas e deficiências genéricas – operacionais,

estruturais e estratégicas –, além de sua efetiva representatividade social e

de resultados objetivos que estejam sendo alcançados;

- propostas de uma estratégia institucional e de eventuais recomendações

para ajustes e aprimoramentos na estrutura e no funcionamento do

SEGREH, inclusive tendo em vista mudanças climáticas previstas; e,

- estimativas sobre a sustentabilidade financeira do SEGREH, para custeio

administrativo e operacional.

Volume IV: Propostas de Programas, Projetos e Ações para Intervenções

Estruturais e/ou Estratégicas a empreender no Estado, incluindo:

- Marco Lógico e estrutura do Plano Estadual de Recursos Hídricos;

- Governabilidade sobre o gerenciamento de recursos hídricos;

- Governança e representatividade do SEGREH;

- propostas de programas, projetos e ações a serem implementados;

- proposta para o gerenciamento executivo do PERH e de sua avaliação

periódica e continuada; e,

- análises e simulações sobre as potenciais fontes de financiamento para

implementação dos programas, projetos e ações do PERH.

No que tange ao Rio de Janeiro, a principal referência tende a ser advinda da

experiência que segue ocorrendo, a partir da fusão entre os órgãos gestores dos

recursos hídricos e do meio ambiente, com o agora presente sendo denominado

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como Instituto Estadual do Ambiente (INEA), com iniciativas similares também

ocorrendo no Estado do Espírito Santo e, mais recentemente, na Bahia.

A propósito, para que ocorra uma indispensável gestão integrada dos recursos

hídricos (GIRH), inclusive tendo em vista uma adaptação a mudanças climáticas,

cabe perguntar se os órgãos gestores do meio ambiente e dos recursos hídricos

devem ser necessariamente fundidos?

Na verdade, sob a intenção de promover a integração entre a gestão ambiental e

dos recursos hídricos, duas alternativas se colocam: (i) a fusão das instituições

que detenham responsabilidades regulatórias sobre a gestão ambiental e a dos

recursos hídricos; ou, (ii) a integração e mútua complementação entre os

procedimentos para licenciamento ambiental e para a emissão de outorgas para

direito de uso das águas.

Contando com tais alternativas, cumpre reconhecer que a eventual fusão entre

instituições não necessariamente integra procedimentos, enquanto a devida

integração entre os processos para licenciamento ambiental e para a emissão de

outorgas não necessariamente implica na fusão entre instituições.

De fato, uma referência positiva a respeito já ocorreu em Minas Gerais, cujos

procedimentos seguem sob um processo unificado, tendo em vista que dados de

outorga devem ser consistentes para um devido licenciamento ambiental. Por

outro lado, como referência negativa, em estudos realizados no Espírito Santo,

em meados de 2007, verificou-se que, ainda sob o contexto da mesma instituição

– no caso, o Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (IEMA) –,

havia divergência entre os dados de licenciamentos e de outorgas, os quais não

eram cruzados, comparados e vistos em conjunto, como mútuos subsídios

importantes.

Assim, segue a atual experiência do INEA do Estado do Rio de Janeiro como

referência a ser considerada, além da afirmação de que certos planos de bacias

estão sendo efetivamente implementados no contexto do RJ31.

31 Afirmações efetuadas pela Dra. Rosa Maria Formiga Johnsson, uma das coordenadoras do

INEA/RJ, durante o XX Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos, realizado em Bento Gonçalves,

no Rio Grande do Sul, em novembro de 2013.

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Para encerrar as abordagens e as referências gerais dos SEGREHs da região

Sudeste, tendo em vista a dupla dominialidade das águas no Brasil, no caso das

bacias compartilhadas entre Minas Gerais (a montante) e o Espírito Santo (a

jusante), com ênfase para a bacia do Rio Doce, cabe questionar se um domínio

único da União facilitaria a resolução de problemas e conflitos? Ou, ao contrário,

seria mais pragmático tratar de acordos e consensos entre ambos os estados,

sempre contando com a mediação da Agência Nacional de Águas, quando se

mostre como necessária?

3.5.4. Estados da Região Sul

Em relação à região Sul, até o final dos anos 1990 e início da década de 2000, o

Estado do Paraná se apresentava como uma das principais frentes de avanços

na gestão de recursos hídricos, em paralelo e com mútua troca de aprendizados

com o Sistema CEIVAP – AGEVAP (bacia do Rio Paraíba do Sul) e, também, com

o complexo PCJ, cujo consórcio intermunicipal foi uma das principais referências

para o SEGREH do Paraná.

Sob este contexto, é importante lembrar que o primeiro Contrato de Gestão,

voltado à definição de responsabilidades e do plano de trabalho para uma agência

de bacia hidrográfica, foi celebrado no Paraná, em dezembro de 2002, entre o

Governo do Estado (Jaime Lerner) e a Associação de Usuários de Recursos

Hídricos das Bacias do Alto Rio Iguaçu e do Alto Ribeira, Contrato este que se

tornou referência para a Lei Federal nº 10.881, aprovada em junho de 2004,

mediante a qual a ANA pode delegar funções inerentes às agências de bacias

hidrográficas para as chamadas “entidades delegatárias”, desde que qualificadas

para tanto, a exemplo da AGEVAP, cujo Contrato de Gestão com a ANA já foi

celebrado em setembro de 2004.

No caso do Paraná, quando ocorreu a troca do Governo Estadual (janeiro de

2003), houve um entendimento completamente equivocado de que estaria

ocorrendo uma “privatização” das águas, fato que gerou o rompimento do

Contrato de Gestão que tinha sido celebrado e, mais do que isto, com uma

inadequada estagnação e um continuado retrocesso no SEGREH/PR, o qual

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escorreu para o final da fila dos demais estados federativos, em relação a uma

consistente e avançada gestão das águas.

No presente, mesmo contando com poucos avanços pontuais mais recentes, o

Paraná segue muito estagnado, inclusive com um significativo equívoco

institucional, relacionado ao atual Instituo das Águas do Paraná (criado como

Ipáguas), em cujo contexto institucional há: (a) de um lado, uma diretoria para

emissão de outorgas (ação regulatória e contratante); e, (b) de outro, uma

diretoria que exerce funções próprias à entidade executiva como agência de

bacias (a ser regulada e contratada), fato que explicita uma inadequada

sobreposição de responsabilidades, a exemplo da possibilidade de que fosse

admitido para a ANA o exercício de encargos de agências de bacias hidrográficas

em rios sob o domínio federal.

Com isto posto, além do rompimento do Contato de Gestão, no Paraná também

deixou de ocorrer a aplicação da Cobrança pelo Uso da Água, cujo valor – já

devidamente negociado com os principais usuários pagadores sobre recursos

hídricos e aprovado pelo Comitê do Alto Iguaçu e do Alto Ribeira e, também, pelo

Conselho Estadual de Recursos Hídricos – estava estabelecido em valor 10 (dez)

vezes acima do que acabou sendo aplicado na bacia do CEIVAP.

Isto significa que, aplicando a Cobrança sobre uma área com cerca de 6 mil km2,

a arrecadação prevista poderia chegar a R$ 25 milhões/ano, enquanto que na

bacia do Paraíba do Sul, com 56 mil km2, o montante não superou R$ 12 milhões

a cada ano.

Portanto, percebe-se que houve uma perda na referência do Paraná, cujo

Governo Estadual (de 2003 a 2010) nunca admitiu que a gestão hídrica e

ambiental deva ser socialmente construída, demandando assim uma Governança

efetivamente democrática, descentralizada e participativa, fato que não coloca

este Estado sob uma perspectiva positiva para um modelo de gestão voltado à

adaptação frente a mudanças climáticas.

Quanto ao Estado do Rio Grande do Sul, as abordagens de gestão referem-se a

três regiões hidrográficas que foram definidas, a saber: a do Rio Guaíba, a do Rio

Uruguai e a do Litoral, com ênfase ao extremo sudeste brasileiro.

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No caso da região do Rio Guaíba, a principal referência diz respeito a um

programa para saneamento ambiental e gerenciamento, desenvolvido no início

dos anos 1990, contando com um Acordo de Empréstimo celebrado junto ao

Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), que propiciou intervenções

estruturais, especialmente voltadas a serviços de saneamento básico, portanto,

com alguns avanços importantes naquela época, especialmente voltados à bacia

do Rio Gravataí, que abrange boa parte da Região Metropolitana de Porto Alegre.

Sobre esta bacia do Rio Gravataí, cumpre lembrar que teve um dos primeiros

comitês instalados no Brasil, já em fevereiro de 1989. Portanto, este Comitê vem

atuando há muitos anos, com uma adequação em 2004, porém, seguindo com

certas dúvidas sobre abordagens mais executivas, vez que segue predominando

no Rio Grande do Sul, a ideia de que agências de bacias sejam constituídas pelo

próprio Governo do Estado, no formato der autarquias públicas, para as três

regiões hidrográficas mencionadas.

Mesmo assim, até o presente, essas autarquias ainda não foram constituídas e

instaladas, fato que segue demandando novos avanços institucionais para uma

gestão que passe a ser mais executiva, além das devidas consultas junto à

sociedade civil.

Em relação à bacia do Rio Uruguai, bem mais abrangente do que o território do

Rio Grande do Sul, portanto, sob o domínio federal, vale registrar a elaboração

de seu respectivo plano de recursos hídricos, o qual, a exemplo da maioria dos

casos, contou com poucas frentes de execução.

Por fim, quanto à região do Litoral gaúcho, segue sob a devida predominância de

abordagens ambientais sobre ecossistemas a serem protegidos e conservados,

especialmente nas margens e áreas próximas às Lagoas dos Patos e do Mirim.

Muito resumidamente no que tange a Santa Catarina, duas abordagens distintas

devem ser registradas. De um lado, sob uma abrangência mais estadual, mesmo

contando com sua Lei de Recursos Hídricos já aprovada em 1994, poucas

iniciativas de gestão ocorreram para o conjunto do Estado, inclusive no que tange

à operacionalização do instrumento da outorga para direito de uso das águas.

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De outro, devido a sérios problemas de inundações que ocorreram no Rio Itajaí-

Açu, inclusive sobre a importante cidade de Blumenau, esta bacia foi objeto de

várias iniciativas próprias, não somente para a instalação de seu comitê, como

também para a constituição (em 2001) da primeira agência de bacia hidrográfica

do Brasil, neste caso, instituída no formato de direito privado como a Fundação

Agência de Água do Vale do Itajaí, além de diversas intervenções estruturais para

retenção de cheias, a exemplo de barragens a montante. Portanto, como certa

referência para planos voltados a problemas climáticos, o caso mais relevante de

Santa Catarina refere-se a essa bacia do Rio Itajaí-Açu.

Em acréscimo, depois de frentes de trabalho que foram abertas para a emissão

de outorgas – inclusive de outorgas coletivas voltadas a pequenos produtores

rurais, com ênfase para suinocultores –, mais recentemente o Governo do Estado

vem tratando de iniciativas relacionadas a um Acordo de Empréstimo junto ao

Banco Mundial, especialmente para o desenvolvimento de planos de bacias

hidrográficas, fato que poderá conferir outras referências a Santa Catarina.

3.5.5. Estados do Centro-Oeste e Cerrado Brasileiro

Chegando agora ao Centro-Oeste brasileiro, de pronto deve ser feita uma

abordagem específica sobre o Distrito Federal, notadamente em decorrência de

sua elevada concentração populacional, fato que destaca Brasília, e muitas de

suas cidades ao redor, como problem-sheds.

Com efeito, frente a seguidos meses sem chuvas, no mais das vezes, entre abril a

outubro de cada ano, além da proteção de mananciais voltados a grandes

volumes de abastecimento, também deve ser considerada a qualidade hídrica de

rios e lagos, com elevado destaque para o Lago Paranoá.

A propósito, cumpre reconhecer sua referência para a recuperação da qualidade

das águas, vez que houve um longo histórico de contaminação deste Lago,

durante o continuado processo de crescimento de Brasília, até que, em 1978, a

proximidade do Lago ficou inaceitável devido ao odor, mortandade de peixes e

proliferação de algas. Iniciou-se, então, um conjunto de intervenções, sobretudo

relacionadas à coleta e tratamento de esgotos, até chegar a preocupações mais

detalhadas sobre cargas difusas do meio urbano. Sob este aspecto, cabe lembrar

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que o Lago Paranoá exerce uma função importante para a capital do País, onde

turismo e lazer merecem destaque.

Sob este contexto histórico, no presente, a par de um monitoramento rigoroso e

de fiscalização sobre ligações e lançamentos clandestinos de efluentes e de

resíduos sólidos, a Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal tem

chegado ao patamar de transposição de esgotos para outras bacias vizinhas, uma

vez que modelos de simulação indicam que a capacidade de recepção do Lago

Paranoá encontra-se no limite, quando posta frente à desejada qualidade das

águas, onde deve ser permitido banho e recreação aos moradores de Brasília.

Dizendo em outras palavras, a variável que passou a ser o grande desafio refere-

se a limites de uso e ocupação do solo, sem que o setor público tenha um

domínio completo, capaz de impedir novas expansões urbanas na bacia drenante

ao Lago do Paranoá. Nota-se, portanto, a reafirmação da importância de planos

locais em áreas-problema, como em grandes cidades e aglomerações urbanas.

Conclui-se que preservar certos núcleos de recursos hídricos implica em limitar o

aporte de fósforo e de material sedimentável, e que a preservação da qualidade

da água é multidisciplinar, multifocal e multissetorial, ou seja, demanda uma

gestão integrada para interferir em diversas variáveis relacionadas aos recursos

hídricos.

Em relação ao Estado de Goiás, bem como ao Mato Grosso e Mato Grosso do

Sul, devido à predominância de significativas frentes produtivas do agronegócio

brasileiro, incluindo a pecuária, os SEGREHs tendem a abordar bacias

hidrográficas mais abrangentes, com planos e ações que, por recomendação,

deveriam considerar muitas das diretrizes gerais que já foram dispostas nos

tópicos 2.4.3. (i) e 2.4.3. (ii).

Em todos os casos, embora muitos planos de bacias já tenham sido elaborados

por esses estados, segue em pauta um dos principais desafios dispostos ao

Brasil, qual seja, uma efetiva implementação de planos estaduais e/ou de bacias

hidrográfica, a serem reconhecidos e adotados como Programas de Governo.

No que concerne a referências para esta região – não restrita ao Centro-Oeste,

mas também incluindo porções de outros estados (MG e Tocantins), com partes

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do bioma do Cerrado brasileiro –, deve-se registrar a recente elaboração do Plano

da Bacia do Rio Paranaíba, desenvolvido pela Agência Nacional de Águas (2012),

em cujo contexto cabe sublinhar: (i) a sua extensa dimensão territorial32, que

chega a 222.767 km2; (ii) o traçado de unidades territoriais estratégicas de gestão

(UTEGs), baseadas no perfil de certos aspectos regionais e de problemas

predominantes; (iii) a identificação dos principais atores estratégicos, relacionados

aos diferentes setores usuários de recursos hídricos; (iv) a consideração do

contexto jurídico-legal e institucional vigente, frente ao qual foram propostas

alternativas para estabelecer modelos de gestão, observando a abrangência de

toda a bacia, na qual deve atuar um “comitê de integração”, bem como, perfis de

gestão já estabelecidos33 ou a serem definidos para trechos mais locais de alguns

de seus afluentes; (v) o traçado de futuros cenários alternativos; e, (vi) por fim, a

indicação de custos e fontes para financiamento do Plano da Bacia em pauta.

Além dessa referência, também é importante anotar que, no contexto dos Estados

do Mato Grosso do Sul (principalmente) e, também, do Mato Grosso (mais

secundariamente), uma das iniciativas mais relevantes diz respeito ao projeto

intitulado como Implementação de Práticas de Gerenciamento Integrado de

Bacias Hidrográficas para o Pantanal e a Bacia do Alto Paraguai,

empreendido entre outubro de 1999 a maio de 2003, contando com a presença do

Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) e, também, do

Ministério do Meio Ambiente (MMA), chegando a custos totais da ordem de

US$ 16,5 milhões, voltados aos seguintes componentes: (i) qualidade da água e

proteção ambiental; (ii) conservação do bioma Pantanal; (iii) combate à

degradação da terra; (iv) envolvimento de interesses, com um desenvolvimento

sustentável; (v) estruturação organizacional; e, (vi) implementação do Programa

de Gerenciamento Integrado.

32 Esta bacia abrange parte dos Estados de: Goiás (65%); Minas Gerais (30%), com ênfase para a

bacia afluente do Rio Araguari, localizada no triângulo mineiro; Distrito Federal (3%); e, Mato

Grosso do Sul (2%), portanto, sem chegar ao Mato Grosso.

33 Sobretudo, no caso da Associação Multissetorial de Usuários da Bacia Hidrográfica do Rio

Araguari (ABHA), reconhecida como agência da bacia do Rio Araguari e, posteriormente, da

própria bacia do Rio Paranaíba.

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Não obstante esta relevante iniciativa, nos últimos anos não tem ocorrido notícias

sobre um conjunto de ações e intervenções continuadas, portanto, cabendo

preocupações relacionadas à preservação do Pantanal, tendo em vista cenários

prospectivos sobre possíveis mudanças climáticas.

Por fim, para encerrar o presente documento, resta uma leitura sobre o caso do

Estado de Tocantins, componente da Região Norte, porém sem um perfil

amazônico, mas sim, com seu território quase que totalmente ocupado pelo

Cerrado brasileiro, fato que explicita sua necessária abordagem junto ao Planalto

Central do Brasil e como uma das mais significativas frentes da atual expansão do

agronegócio brasileiro, portanto, com a presença das diretrizes gerais que já

foram dispostas nos tópicos 2.4.3.(i) e 2.4.3.(ii).

Como referência a respeito, cabe registrar o seu Plano Estadual de Recursos

Hídricos, desenvolvido durante os anos de 2008 a 2009, o qual foi abordado

considerando34, litteris:

...a conceituação de (re)divisão do espaço territorial

geográfico, apresentando as condicionantes afetas, direta

ou indiretamente, aos recursos hídricos. Com o resultado

obtido, busca-se minimizar os conflitos gerados pela

incompatibilidade entre as divisões político-administrativa e

ambiental. A propósito, o PERH/TO consolida a divisão das

bacias hidrográficas do Estado na regionalização em

Áreas Estratégicas de Gestão (AEGs), áreas essas com

homogeneidade de problemas a serem enfrentados e,

portanto, com um conjunto diferenciado de alternativas de

soluções apropriadas e factíveis para cada região analisada.

Entende-se que a aplicabilidade dessa metodologia se

constitui em uma poderosa ferramenta de suporte à

gestão e de tomada à decisão, na medida em que está

aberta à inclusão de dados futuros, em um processo

34 Fonte: Artigo publicado no XVIII Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos, ocorrido em

novembro de 2009, em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, intitulado como Desenvolvimento

do Diagnóstico do Plano Estadual de Recursos Hídricos de Tocantins, com autoria de C.E.

Curi Gallego, et al.

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dinâmico em constante retroalimentação das diversas

variáveis - supervenientes e intervenientes - pertinentes

aos recursos hídricos e áreas afins.

(destaques negritados)

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BIBLIOGRAFIA

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BANCO MUNDIAL. Estratégias de Gerenciamento de Recursos Hídricos no Brasil: Áreas

de Cooperação com o Banco Mundial. Brasília, 2003. Autor: Lobato da Costa, F. J.

CONSÓRCIO OIKOS – COBRAPE. Planos das Bacias Hidrográficas dos Rios Grande e

Corrente – Diagnóstico e Arranjos Institucionais para Gestão (versão preliminar).

Salvador, 2013.

INSTITUTO MINEIRO DE GESTÃO DAS ÁGUAS – IGAM e GOVERNO DE MINAS

GERAIS. Plano Estadual de Recursos Hídricos. Belo Horizonte, 2011.

MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE – MMA e SECRETARIA DE RECURSOS HÍDRICOS

E AMBIENTE URBANO – SRHU. Plano Nacional de Recursos Hídricos (Revisão de

2010). Brasília, 2010.

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E CULTURA –

UNESCO. Gestão da Água no Brasil. Brasília, 2001. Autores: Tucci, C. E. M., Hespanhol,

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NACIONAL DE ÁGUAS – ANA. GEO Brasil - Recursos Hídricos. Brasília, 2007.

PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O MEIO AMBIENTE – PNUMA e

MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE – MMA. Projeto de Implementação de Práticas de

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REVISTA REGA – Volume 2. Desenvolvimento Institucional dos Recursos Hídricos no

Brasil. Porto Alegre, 2005. Autor: Tucci, C. E. M.

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ESTADO DO SERGIPE. Política e Marco de Reassentamento Involuntário - Programa

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PAULO. Relatório Geral sobre o Seminário Avanços e Desafios na Gestão dos Recursos

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UNIÃO EUROPÉIA. Paper Water 21 Project. Lisboa/Portugal – 2001. Autores: Correia,

Francisco Nunes et al.

CONSULTAS

Site da Agência Nacional de Águas (ANA);

Site do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE);

Site do Ministério do Meio Ambiente (MMA);

Site da Associação Brasileira de Recursos Hídricos (ABRH).

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ANEXOS

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ANEXO I

Insumos do GEO Brasil – Recursos Hídricos (PNUMA e ANA, 2007) sobre a

Região Amazônica.

Box Transcrito: Vulnerabilidade Climática e Antrópica dos

Recursos Hídricos da Bacia Amazônia

A Bacia Amazônica tem uma enorme importância na dinâmica climática e no ciclo

hidrológico do planeta. A bacia representa aproximadamente 16% do estoque de água

superficial doce e consequentemente, uma importante contribuição no regime de chuvas

e evapotranspiração da América do Sul e do mundo. É também uma das mais úmidas

regiões da Terra, com pluviosidade média variando de 2.300 a 2.460 mm/ano (Fisch,

2006, e Molinier et al., 1996). Mudanças regionais e globais têm provocado alterações no

clima e na hidrologia da região. Notadamente, transformações no uso do solo com a

conversão de mais de 600.000 km2 de florestas tropicais em pastagens e culturas

agrícolas. De fato, o regime de vazão deste sistema fluvial é relativamente pressionado

pela ação antrópica e está sujeito à variabilidade interanual e de longo prazo na

precipitação tropical, o que resulta grandes variações grandes no escoamento superficial

(Marengo e Nobre, 2001).

A reciclagem da evaporação e precipitação local pela floresta responde por uma porção

considerável da disponibilidade hídrica regional, e como grandes áreas da bacia estão

sujeitas a intensas alterações de uso do solo, como perdas de florestas úmidas densas

para implantação de pastagens ou cultivos perenes como a soja, existe uma importante

preocupação como tais alterações do uso do solo e da biomassa podem afetar o ciclo de

hidrológico na Bacia Amazônica (cf. Marengo e Nobre, 2001, e Freitas, 2005). Assim

sendo, além da vulnerabilidade antrópica da bacia, que pode afetar a evapotranspiração

e o volume de sedimentos, será cada vez mais importante considerarmos a

vulnerabilidade climática que poderá sofrer a região Amazônica e seus recursos hídricos.

Em outras palavras, em uma bacia das dimensões continentais Amazônicas torna-se

importante à realização de estudos de previsão e avaliação de vulnerabilidade climática e

seus efeitos na precipitação, no gelo dos Andes, no nível do mar na foz do Amazonas,

com destaque para a avaliação das vazões afluentes a regiões de risco de cheias e a

disponibilidade hídrica nos períodos de eventos extremos de seca, como o que ocorreu

na bacia em 2005.

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Estes cenários serão fundamentais para definição dos riscos hidrológicos, e, portanto,

para antecipar medidas de adaptação conjunturais e estruturais de gestão da água. Com

efeito, a mudança de temperatura pode levar a várias outras alterações do meio

ambiente, dentre elas, a intensificação do ciclo hidrológico global, o que provocará

impactos sobre os recursos hídricos a nível regional. De fato, mudanças diferenciadas de

temperatura da atmosfera, dos continentes e dos oceanos, levam a mudanças de

padrões de pressão atmosférica e de ventos. Portanto, poder-se-ia esperar mudanças

nos padrões de precipitação, conforme os modelos matemáticos de previsão global do

clima do Hadley Center para 2050, que apresentam variações médias de 150 a 250

mm/ano nas chuvas da região. Além disto, o nível médio do mar à escala mundial

registrou um aumento médio de 1 a 2 mm/ano no decorrer do século XX, o que pode

alterar as áreas de inundação e de influência das águas marinhas no teor de salinidade

dos ecossistemas aquáticos da Amazônia.

A título de exemplificação dos riscos das alterações regionais nos recursos hídricos pode-

se destacar os seguintes pontos: 1) Degelo dos Andes - as geleiras estão reduzindo a

um ritmo mais rápido do que previsto, devido à intensificação do efeito estufa. O efeito de

degelo, embora mais intenso na Antártida, afeta as geleiras Andinas, que segundo alguns

levantamentos já podem ter tido uma diminuição de mais de 20% nos últimos 20 anos

(Asuncion, 2006); 2) Variação do Nível do Mar na Bacia Amazônica - a faixa de

variação das marés é de até 10 m em certos locais e, portanto as correntes devidas às

marés são importantes. Os gradientes inferiores dos rios permitem às ondas se

propagarem até 800 km rio acima. Problemas de salinização não têm sido relatados até o

momento, mas destruição em larga escala de manguezais na frente oceânica é relatada

no setor norte. Isto pode ser uma tendência de longo prazo ou somente um fenômeno

cíclico, como descrito por Proust et al. (1988, apud Muehe e Neves, 1995), para a costa

de mangue da Guiana Francesa. Para o setor sul, Franzinelli (1982, apud Muehe e

Neves, 1995) descreveu a presença de falésias em ativo processo de erosão na Praia de

Atalaia em Salinópolis. Falésias fósseis de até 7 m de altura são também encontradas em

muitas localidades em distâncias de cerca de 100 m do litoral, definindo um limite

territorial dos possíveis efeitos de um aumento do nível do mar; 3) Influência da

Temperatura na Superfície do Mar (TSM) no Regime de Chuvas da América do Sul e

Amazônia – a TSM tem sido um bom indicador para previsão de chuva sazonal, graças

ao papel do oceano no clima e pela sua inércia térmica. Muitos estudos usam as relações

entre chuva, descarga e TSM nos oceanos tropicais para elaborar previsões. Regiões

tropicais que são polos de anomalias de chuva relacionadas significantes com a TSM são

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as regiões das planícies da Bolívia e circunvizinhas. Em relação às anomalias de TSM do

Oceano Pacifico, as ocorrências de El Niño determinam eventos extremos de deficiência

de chuva e por consequência, baixas descargas nos rios da região, sobretudo, na parte

norte oriental da Amazônia. Já o fenômeno La Niña tem se caracterizado por uma

anomalia de aumento no volume das chuvas registrados em estações pluviométricas na

parte norte e central da Amazônia.

Existe também, uma relação entre a alteração do volume de chuvas da Bacia Amazônica

e a anomalia TSM do Atlântico. No ano de 2005, entre os meses de setembro e outubro,

ocorreu uma importante seca na Bacia Amazônica, tendo sido decretado “estado de

calamidade pública” em diversos municípios da região. De fato, nesta época do ano é

normal ter uma estação seca na Bacia Amazônica, de três a cinco meses dependendo da

região, também denominada na região de “verão Amazônico”, que ocorre entre os meses

de maio a setembro. Todavia, segundo o Centro de Previsão do Tempo e Estudos

Climáticos (CPTEC/INPE) & o Instituto Nacional de Meteorologia (INMET), no período de

setembro de 2004 a setembro de 2005, a Temperatura da Superfície do Mar (TSM)

esteve entre 0,5ºC e 1,5ºC acima da média no Oceano Atlântico Norte, ou seja, foi

registrada a persistência de um aquecimento anormal. Este fenômeno, possível

responsável pela seca de 2005, acabou alterando as correntes de massas de ar úmidas

da Amazônia, principalmente em parcelas importantes das bacias dos rios Solimões,

Negro, Madeira e Juruá, dentre outros. Entretanto, esta não foi a pior seca já registrada

nos rios da região. Os dados hidrológicos demonstram que esta ocupa o quarto lugar em

relação às cotas mínimas do Rio Negro em Manaus. A cota mais baixa já registrada foi

em 1963, quando foi registrada uma cota de 13,64 m no Porto de Manaus. Segunda a

Agência Nacional de Águas (ANA), em outubro de 2005 o nível na margem do Rio Negro,

em frente à Manaus, estava em 14,41 metros.

É importante destacar que com o aumento considerável da população Amazônica, nos

últimos quarenta anos, o impacto da seca tornou-se mais significativo. Somente no

Estado do Amazonas, a seca de 2005 afetou mais de 914 comunidades, o que equivale a

mais de 167 mil habitantes ou 32 mil famílias, segundo a Secretaria Nacional de Defesa

Civil. Todavia, embora não se tenha evidência cientifica clara que este aquecimento

possa ter relação com aquecimento climático do planeta, suspeita-se que este fenômeno

de aquecimento das águas dos oceanos poderá ter sua frequência mais elevada.

Fonte: Texto elaborado por Marcos Aurélio Vasconcelos de Freitas, Prof. da COPPE/UFRJ,

consultor do projeto GEF Amazonas ([email protected]).

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Anexo II

Modelo de Gestão de Recursos Hídricos do Estado do Ceará35

1. Descrição Geral

A experiência do Estado do Ceará na gestão de recursos hídricos é marcada pela

busca de um modelo próprio ao semiárido brasileiro. Em grande parte de seu

percurso, apoiado por sucessivas operações de crédito com o Banco Mundial, o

modelo adotado no Ceará pode ser assim caracterizado:

administração de estoques de água reservados em açudes, dada a escassez

decorrente da sazonalidade plurianual das precipitações e a elevada

evapotranspiração presentes no semiárido;

alocação de água para usos múltiplos, respaldada em decisões socialmente

negociadas em colegiados de usuários (associações de utilizadores dos

açudes, principalmente), tendo como suporte à decisão o traçado de curvas-

chave (relações cota-volume) que oferecem projeções e estimativas

relativamente confiáveis para as disponibilidades, em horizontes de curto e

médio prazos;

transporte de água bruta a longas distâncias, vencendo os limites das bacias

hidrográficas rumo aos maiores centros de demanda, em especial para a

Região Metropolitana de Fortaleza, onde se concentram as grandes

demandas de consumo industrial e doméstico;

tarifação por serviços de reservação, transporte e distribuição de água

não potabilizada aos usuários industriais e à concessionária de saneamento

(portanto, diferenciada e não excludente da Cobrança pelo Uso de Recursos

Hídricos), com larga diferenciação entre preços unitários da Cobrança

aplicada em outros estados e pela União, hoje da ordem de R$ 1,00/m3 aos

primeiros e R$ 0,05/m3 ao segundo, caracterizando subsídio cruzado em favor

do abastecimento doméstico;

35 Fonte: GEO Brasil - Recursos Hídricos (PNUMA e ANA, 2007), com alguns dados atualizados.

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adoção de mecanismos de negociação entre segmentos de usuários, de

modo a permitir alterações na alocação das disponibilidades hídricas, para

fins de aumento na eficiência de uso (setores com maior valor agregado

efetuam pagamentos para subsidiar a redução ou suspensão de atividades –

em particular, irrigação com demandas elevadas – dos utilizadores com menor

capacidade de pagamento);

promoção do associativismo local de pequenos usuários, com vistas a facilitar

os processos de negociação relativos à alocação das disponibilidades

hídricas;

o modelo é baseado na atuação de uma agência estatal única – a Companhia

de Gerenciamento de Recursos Hídricos (COGERH), constituída como

sociedade de economia mista –, com ação sobre todo o território estadual, na

medida em que opera para além das bacias hidrográficas mediante a

interligação de sistemas de açudes e adutoras, com demandas relativas à sua

operação e manutenção;

permanecem com a Secretaria de Recursos Hídricos as competências

próprias ao Estado, notadamente quanto à emissão de outorgas e à

sistemática de fiscalização, devendo-se mencionar a existência complementar

de uma entidade com especialização na construção de obras civis (a

Superintendência de Obras Hídricas – SOHIDRA) e outra para coleta e

sistematização de dados hidrometeorológicos (a Fundação Cearense de

Meteorologia e Recursos Hídricos – FUNCEME); e,

atualmente, a COGERH aufere arrecadação anual da ordem de R$ 18

milhões, parte substantiva da qual cobre despesas operacionais com sistemas

de reservação e transporte de água bruta.

2. Perfil da Estratégia e de Valores Adicionais

Nota-se que a estratégia do Sistema de Gestão de Recursos Hídricos do Estado

do Ceará é voltada à conciliação de conflitos entre múltiplos usos da água no

semiárido brasileiro, tanto entre usos rurais (agricultura familiar e cultivos

irrigados) quanto da Região Metropolitana de Fortaleza (consumo urbano e

industrial).

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Portanto, aborda aspectos no atacado e no varejo, ou seja, sob uma ótica

regional de infraestrutura hídrica de maior porte em favor de todo o Estado, sem

deixar de observar que projetos executivos devam ser adequados e negociados

para cada caso, com vistas a uma expansão local, em conformidade com os perfis

dos usos e usuários das águas.

Como valor adicional, cabe citar a consistência dos dados e insumos necessários

e o espaço institucional para que ocorram negociações entre usos e usuários,

para fins de (re)alocação da água para sistemas de produção que gerem maior

valor agregado.

Os custos efetivos, notadamente para operação e manutenção dos sistemas de

açudes, canais e adutoras, é coberto pela tarifação de água bruta, a ser entregue,

sempre com o devido monitoramento hidrológico.

Enfim, neste Sistema de Gestão há Governança, Governabilidade, consistência

financeira, além de uma estratégia para o devido desenvolvimento regional.