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ESTUDOS RELATIVOS ÀS MUDANÇAS
CLIMÁTICAS E RECURSOS HÍDRICOS PARA
EMBASAR O PLANO NACIONAL DE
ADAPTAÇÃO ÀS MUDANÇAS CLIMÁTICAS
Eixo IV – Governança na Gestão dos Recursos Hídricos
Relatório 01: Identificação dos Principais Problemas e
Desafios para o SINGREH
Brasília DF
Outubro de 2014
________________________________________________________
______________________________________________________________________________
ii
© Centro de Gestão e Estudos Estratégicos
O Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE) é uma associação civil sem fins lucrativos e de interesse
público, qualificada como Organização Social pelo executivo brasileiro, sob a supervisão do Ministério da
Ciência, tecnologia e inovação (MCTI). Constitui-se em instituição de referência para o suporte contínuo de
processos de tomada de decisão sobre políticas e programas de ciência, tecnologia e inovação (CT&I). A
atuação do Centro está concentrada das áreas de prospecção, avaliação estratégica, informação e difusão
do conhecimento.
Presidente Mariano Francisco Laplane
Diretor Executivo Marcio de Miranda Santos
Diretores Antonio Carlos Filgueira Galvão
Gerson Gomes
Centro de Gestão e Estudos Estratégicos SCS Qd 9, Bl. C, 4º andas, Ed. Parque Cidade Corporate 70308-200, Brasília, DF. Telefone: (61) 34249600 http://www.cgee.org.br
Este estudo é parte integrante das atividades desenvolvidas no âmbito do Contrato Administrativo celebrado
entre o CGEE e a Agencia Nacional de Águas – ANA: Contrato Nº.110/ANA/2013
Todos os direitos reservados. É permitida a reprodução de dados e informações contidos nesta publicação,
desde que citada a fonte.
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iii
GOVERNANÇA NA GESTÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS
Supervisão Antonio Carlos Filgueira Galvão
Líder do CGEE Antonio Rocha Magalhães
Francisco Lobato (consultor)
______________________________________________________________________________
iv
Sumário
Introdução ____________________________________________________________ 1
1. Conceitos e Procedimentos Metodológicos Pertinentes à Avaliação da
Governança na Gestão de Recursos Hídricos _______________________________ 4
1.1. Planejamento Institucional Estratégico _______________________________ 4
1.2. Referência da Metodologia APEX ____________________________________ 8
2. Abordagens Regionais, com Diagnósticos e Diretrizes Gerais ______________ 14
2.1. Justificativas sobre a Necessidade de Diferentes Abordagens Regionais _ 14
2.2. Metodologia para a Sobreposição de Diferentes Leituras Territoriais _____ 17
2.1.1. Referências a Considerar _______________________________________ 20
2.3. Abordagem de Biomas Continentais Brasileiros_______________________ 24
2.4. Abordagens Regionais, com Diretrizes Gerais para Adaptação a Mudanças
Climáticas e Avanços na Gestão de Recursos Hídricos ____________________ 35
2.4.1. Gestão de Recursos Hídricos na Região Amazônica __________________ 35
2.4.2. Região Nordeste e do Semiárido Brasileiro __________________________ 42
2.4.3. Conjunto das Regiões Sul, Sudeste e do Centro-Oeste ________________ 53
2.4.3.(i) Áreas Territoriais voltadas a Atividades do Agronegócio ______________ 53
2.4.3.(ii) Trechos de Expansão do Agronegócio no Cerrado do Brasil Central ____ 58
2.4.3.(iii) Grandes Núcleos Urbano-Industriais, com ênfase em Regiões
Metropolitanas e Aglomerações de Cidades ______________________________ 60
2.5. A Importância de Cenários sobre Mudanças Climáticas em Relação à
Governança na Gestão de Recursos Hídricos ____________________________ 75
3. Base Legal e Institucional do SINGREH e de Certos SEGREHs ______________ 77
3.1. Descrição Geral do SINGREH ______________________________________ 77
3.2. Abordagem da Lei Federal nº 9.433/1997, como Lei Nacional ____________ 83
______________________________________________________________________________
v
3.3. Governança e Governabilidade vistas como Indispensáveis para uma Efetiva
Gestão de Recursos Hídricos __________________________________________ 86
3.4. Problemas Advindos da Dupla Dominialidade de Recursos Hídricos no Brasil
___________________________________________________________________ 94
3.5. Breves Notas sobre Alguns dos SEGREHs ___________________________ 95
3.5.1. Estados da Região Amazônica ___________________________________ 96
3.5.2. Estados da Região Nordeste e do Semiárido Brasileiro ________________ 96
3.5.3. Estados do Sudeste ____________________________________________ 99
3.5.4. Estados da Região Sul ________________________________________ 107
3.5.5. Estados do Centro-Oeste e Cerrado Brasileiro ______________________ 110
Anexo I – Insumos do GEO Brasil – Recursos Hídricos (PNUMA e ANA, 2007)
sobre a Região Amazônica.
Anexo II – Modelo de Gestão de Recursos Hídricos do Estado do Ceará
______________________________________________________________________________
1
Introdução
Tal como estabelecido no respectivo Termo de Referência e no Plano de Trabalho,
este Relatório 01 tem como objetivo principal a identificação dos principais
problemas e desafios voltados ao Sistema Nacional de Gerenciamento de
Recursos Hídricos (SINGREH) – também chegando a indicações sobre certos
Sistemas Estaduais (SEGREHs) –, tendo em vista a necessária adaptação às
mudanças climáticas, além de alguns problemas já existentes, que se tornaram
relevantes nos últimos anos.
Isto significa que o Plano Nacional de Adaptação às Mudanças Climáticas, por
certo deve abordar o tema da Governança na Gestão de Recursos Hídricos, ou
seja, o Eixo IV dos estudos em tela.
Para tanto, como subsídios fundamentais para que ocorram propostas voltadas a
novas estratégias e adequações institucionais e legais do SINGREH e de certos
SEGREHs, o presente Relatório 01 apresentará abordagens sobre os diferentes
perfis regionais do Brasil, os quais serão cruzados com o modelo de gestão que
foi genericamente desenhado para o SINGREH.
Em termos regionais, serão abordadas: a região amazônica, com seu perfil
climático e sua elevada relevância em termos de preservação de ecossistemas,
importantes para todo o planeta; o semiárido brasileiro, com clima singular e com
frequentes problemas de escassez hídrica; e, o conjunto das regiões sul, sudeste
e centro-oeste, tendo em vista sua maior densidade em termos de
desenvolvimento socioeconômico.
Em todas as abordagens regionais serão efetuadas análises sobre o estado da
arte da Governança e, também, da Governabilidade sobre os recursos hídricos e
as principais fragilidades, presentes e/ou previstas, tendo em vista a necessidade
de adaptações a mudanças climáticas. Ou seja, o presente Relatório 01 deverá
identificar nas mencionadas regiões a natureza dos principais problemas e seus
problem-sheds, indicando preliminarmente unidades territoriais estratégicas de
gestão, além dos principais atores envolvidos na gestão dos recursos hídricos,
com abordagem sobre suas capacidades e fragilidades para agir frente às
incertezas provenientes das alterações do clima.
______________________________________________________________________________
2
Com isto posto, percebe-se o entendimento de que as mudanças climáticas
constituem um problema complexo, com significativas repercussões sobre todas
as esferas de suas intervenções sobre a natureza e de seus impactos
decorrentes. Dessa forma, respostas aos seus impactos exigem diretrizes gerais
que serão formuladas segundo os diferentes perfis regionais, além de possíveis
recomendações e propostas para avanços na gestão e nos níveis da necessária
articulação entre os diferentes e múltiplos setores usuários das águas.
Isto significa que o presente trabalho do Eixo IV, voltado à Governança na gestão
dos recursos hídricos, mesmo estando sob o contexto do Plano Nacional de
Adaptação a Mudanças Climáticas, também deve considerar outras abordagens
voltadas a eventuais ajustes e adequações dos sistemas de gestão de recursos
hídricos vigentes no Brasil – tanto no caso do SIGREH, quanto de muitos dos
SEGREHs –, portanto, sob uma ótica mais conjunta e articulada, notadamente no
caso da formulação de propostas para certas modificações institucionais e
jurídico-legais, vez que será bem mais realista e pragmático considerar o
necessário processo de abordagens e negociações políticas junto ao Congresso
Nacional, para que ocorra a desejada aprovação de propostas.
Em outras palavras, cumpre ressaltar que muitas das recomendações que serão
elaboradas pelo presente trabalho do Eixo IV não devem considerar somente ou
isoladamente as adaptações a mudanças climáticas. Ao contrário, também devem
considerar e conceber em conjunto propostas para que os sistemas de gestão
vigentes (SINGREH e SEGREHs) tenham avanços mais amplos e consistentes
em seu conjunto, certamente com muitos deles voltados a mais resiliência,
flexibilidade e uma gestão mais adaptativa aos cenários de possíveis mudanças
climáticas.
Sob tal entendimento, dentre muitas outras, algumas das diretrizes que serão
formuladas terão subsídios importantes advindos do Plano Nacional sobre
Mudança do Clima, já oficialmente apresentado em dezembro de 2008 e revisado
no 2º semestre de 2012, tendo como objetivo principal incentivar o
desenvolvimento e aprimoramento de ações de mitigação das emissões de gases
de efeito-estufa, bem como criar condições internas para lidar com os impactos
______________________________________________________________________________
3
das mudanças climáticas globais, com adaptação, resiliência, mais flexibilidade,
segurança e robustez.
Portanto, de forma geral, as diretrizes, insumos e recomendações em pauta irão
considerar oportunidades de mitigação, adaptações aos níveis identificados de
vulnerabilidades e, também, as necessárias sistemáticas de comunicação e
capacitação de todos os atores socioeconômicos que estejam interligados e
afetados com problemas advindos de mudanças climáticas.
Outros insumos também deverão ser advindos do próprio Grupo de Trabalho
sobre Adaptação (GT – Adaptação), criado para a elaboração do Plano Nacional
de Adaptação a Mudanças Climáticas. Além de sua atuação sobre a temática de
recursos hídricos, em frente de trabalho denominada como Rede Água, este GT –
Adaptação também vem atuando paralelamente em mais oito temáticas, a saber:
saúde, cidades, biodiversidade, zonas costeiras, segurança alimentar e
agropecuária, indústria, transportes e logística, energia e desastres naturais.
A propósito dessas temáticas, percebe-se que a gestão das águas é transversal a
muitas delas, notadamente no caso de: saúde sanitária; saneamento ambiental
urbano; biodiversidade; zonas costeiras; tecnologias voltadas à produção
industrial, agropecuária e de perímetros irrigados; sistemas de logística com
hidrovias; geração hidroelétrica; e, também, em desastres naturais como secas
críticas e grandes inundações.
Chegando agora a uma abordagem específica à própria Rede Água, deverá
ocorrer uma constante articulação e interligação, portanto, com muitos subsídios a
serem trocados entre os cinco eixos de trabalhos relacionados aos recursos
hídricos, quais sejam: i) cenários sobre possíveis mudanças climáticas; ii) geração
de conhecimento, com ênfase em dados e informações; iii) instrumento para a
gestão de recursos hídricos; iv) governança (objeto do presente Relatório 01); e,
v) interação com todos os setores usuários.
Enfim, iniciado por este Relatório 01, o Eixo IV – Governança na Gestão de
Recursos Hídricos deverá ser desenvolvido simultaneamente e com constantes
diálogos e articulações com os demais eixos da Rede Água, além dos demais oito
temas relacionados ao Plano Nacional de Adaptação a Mudanças Climáticas.
______________________________________________________________________________
4
1. Conceitos e Procedimentos Metodológicos Pertinentes à Avaliação da
Governança na Gestão de Recursos Hídricos
1.1. Planejamento Institucional Estratégico
Para iniciar o trabalho sobre a avaliação da Governança na Gestão de Recursos
Hídricos, tendo em vista as adaptações que se mostrem necessárias frente às
mudanças climáticas, cabe lembrar que um conceito relevante refere-se ao fato
de que arranjos institucionais e modelos de gestão não devem ser constituídos
como um fim em si mesmo. Ao contrário, devem se apresentar como respostas
consistentes frente à plena natureza dos problemas a serem enfrentados.
Sob tal conceito, para que ocorra uma Governança efetiva e eficaz, deve-se
aplicar uma metodologia atualizada de Planejamento Institucional Estratégico,
tal como será disposta na sequência. Isto significa que, no contexto do presente
trabalho, antes de qualquer proposição devem ser abordados os diferentes perfis
regionais, tal como já mencionado na Introdução.
Assim, é possível antecipar que certos arranjos institucionais para a gestão das
águas, eventualmente deveriam ser distintos do formato genérico do SINGREH –
em alguns casos, também de SEGREHs definidos por suas leis estaduais
específicas –, tanto frente aos problemas hídricos, ambientais e socioeconômicos
diferenciados, quanto às opções que se mostrem mais possíveis e realistas, face
ao contexto político-institucional vigente.
Com isto posto, no que concerne aos conceitos e procedimentos metodológicos
mais avançados de um Planejamento Institucional Estratégico, sabe-se que
não implicam apenas em definir, como passo inicial, organogramas de sistemas e
entidades, mas sim, analisar contextos institucionais, atribuições e encargos, que
devem então instruir a estruturação de um sistema de gestão, com vistas a uma
indispensável Governança.
Em termos práticos, isto implica nos seguintes passos e questionamentos a
serem abordados:
diagnósticos sobre as naturezas distintas de problemas a serem
enfrentados, com a indispensável identificação de áreas-problema
______________________________________________________________________________
5
(chamadas de problem-sheds), para que modelos de gestão sejam
estruturados como respostas objetivas e consistentes frente às tipologias
de demandas e conflitos pelos usos múltiplos de recursos hídricos e
ambientais, para o presente trabalho com ênfase em casos onde devam
ocorrer adaptação a mudanças climáticas;
além de insumos dos diagnósticos, deve-se considerar o posicionamento
de órgãos públicos – federais, estaduais e municipais –, de usuários de
recursos hídricos e de organizações da sociedade civil, de modo a
identificar impressões e prioridades – em muitos casos, eventualmente
distintas – que atores identificados como estratégicos definam para o
traçado de modelos de gestão;
a consideração e análise sobre estruturas de gestão existentes em outras
áreas com problemas similares e, também, em outros países, tidos como
referências, com a investigação do background institucional, de modo a
considerar seus aprendizados como insumos para possíveis ajustes e
complementações sobre a organização institucional vigente; e,
a identificação e consideração das interfaces existentes com outras
instituições que apresentam interferências sobre a gestão de recursos
hídricos e ambientais, portanto, com implicações em termos da divisão de
encargos e trabalhos, de modo a evitar sobreposições e conflitos e
estabelecer um conjunto coerente e articulado de competências,
atribuições e atividades técnicas e operacionais.
Uma vez contando com tais subsídios, caberá então desenvolver uma proposta
mais detalhada para as adequações possíveis e necessárias do SINGREH e de
alguns SEGREHs, eventualmente no contexto de um programa a ser
empreendido pelo próprio Plano Nacional de Adaptação a Mudanças Climáticas.
A propósito, de acordo com o Termo de Referência genérico elaborado pela
Agência Nacional de Águas (ANA), cabe lembrar o seguinte, litteris:
O papel da Rede Água é trazer aporte técnico-científico
para a elaboração do Plano Nacional de Adaptação no que
diz respeito à água. Nesse sentido, a Rede iniciou seus
______________________________________________________________________________
6
trabalhos com um seminário no qual foram identificadas
propostas de objetivo, missão e estrutura do Plano no
que se refere à adaptação aos efeitos das mudanças
climáticas sobre os recursos hídricos, bem como atores que
podem contribuir para sua construção.
A partir dos consensos estabelecidos, a Rede Água, no
contexto do GT - Adaptação e sob a coordenação do núcleo
conformado por MMA (SMCQ e SRHU), MCTI e ANA,
deverá desenvolver insumos técnicos à construção do
Plano Nacional de Adaptação no que tange o conteúdo
relativo aos recursos hídricos.
Entre esses consensos, ficou acordado que o objetivo do
trabalho não é a elaboração de um plano de obras, mas
sim a construção de diretrizes de atuação estruturantes,
que possam servir de orientação para ações concretas dos
setores afetos diante das vulnerabilidades e potenciais
impactos identificados.
(destaques negritados e sublinhados)
Isto significa que, certamente, haverá limites no contexto do presente trabalho em
tela, que deve chegar apenas a diretrizes, insumos e recomendações gerais, sem
que diagnósticos e maiores detalhes sobre adequações institucionais e legais do
SINGREH e de alguns SEGREHs venham a ser formulados. Ou seja, tal como já
mencionado, “caberá então desenvolver uma proposta mais detalhada para as
adequações possíveis e necessárias do SINGREH e de alguns SEGREHs,
eventualmente no contexto de um programa a ser empreendido pelo próprio
Plano Nacional de Adaptação a Mudanças Climáticas”.
Assim, como recomendações metodológicas gerais antecipadas a respeito de um
Planejamento Institucional Estratégico, deverão ser respondidas ou revisadas
respostas existentes para as seguintes perguntas:
- Quais as diretrizes gerais em pauta e quais as diretrizes específicas,
advindas dos mencionados diagnósticos – hídricos, ambientais,
socioeconômicos e politico-institucionais – que devem instruir as possíveis
______________________________________________________________________________
7
e necessárias adequações do SINGREH e de alguns dos SEGREHs, tendo
em vista uma adaptação a mudanças climáticas?
- No contexto geral do Brasil e, também, das regiões que serão abordadas,
qual será a missão principal de modelos de Governança na gestão de
recursos hídricos, considerando o objetivo de adaptação a cenários de
mudanças climáticas?
- Segundo cada perfil regional, quais são as inserções institucionais e quem
são os seus principais interlocutores e “clientes” – internos e externos ao
aparelho dos estados federativos e da União, em certos casos, também
considerando o contexto de municípios regionalmente relevantes?
- Para o cumprimento da missão principal estabelecida, quais as funções,
responsabilidades e encargos estruturantes e quais as atividades de apoio
e parcerias transversais demandadas para o sistema de gestão a ser
definido, tendo em vista as demandas advindas dos diagnósticos e de
cenários prospectivos relacionados a mudanças climáticas?
- Postas as diretrizes gerais e específicas, a missão principal de sistemas de
gestão das águas, a inserção institucional, as funções, encargos gerais e
atribuições específicas, além de potenciais parcerias, qual a estrutura
organizacional mais adequada à consecução das funções e atividades
identificadas para a necessária adaptação a mudanças climáticas, dentre
possíveis alternativas?
- A respeito desta estrutura organizacional retraçada – tanto para o
SINGREH, quanto para alguns dos SEGREHs –, quais as instâncias e
instituições componentes e suas respectivas funções, encargos e
atribuições próprias, a serem estabelecidas como uma consistente divisão
de trabalho, chegando a traçados mais específicos no caso de certos
SEGREHs que estejam sujeitos a potenciais mudanças climáticas mais
críticas?
- No contexto dos sistemas de gestão das águas que foram retraçados,
considerando a necessária adaptação a mudanças climáticas, quais e
como desenvolver as fundamentais formas de parceria e interação com
______________________________________________________________________________
8
empresas e entidades – públicas e privadas – de setores usuários? E com
representantes da sociedade civil?
Tendo estas perguntas recomendadas como procedimentos metodológicos para
um eventual programa a ser desenvolvido, mais a frente, pelo próprio Plano
Nacional de Adaptação a Mudanças Climáticas, percebe-se que para ter
respostas completas e consistentes, demanda-se bem mais tempo de trabalho, a
ser empreendido na sequência das diretrizes, insumos e recomendações gerais
que serão formuladas na sequência deste Relatório 01.
Ademais, algumas das respostas demandam subsídios relacionados aos outros
eixos com estudos em paralelo, abrangendo: os efeitos esperados a partir de
cenários de mudanças climáticas sobre os recursos hídricos (Eixo I); uma
sistemática consistente de dados e informações (Eixo II); formas para aplicação
de instrumentos de gestão das águas (Eixo III); e, diretrizes para interlocução com
os diversos setores usuários (Eixo V).
Em acréscimo, para abordagens próprias a Sistemas Estaduais de
Gerenciamento de Recursos Hídricos (SEGREHs), notadamente no caso
daqueles que possam estar submetidos a alterações mais críticas do clima,
recomenda-se que estudos do Plano Nacional de Adaptações a Mudanças
Climáticas acompanhem as ações e acordos relacionados ao Pacto das Águas,
no presente, em pleno processo de implementação pela ANA, que já conta com
24 convênios celebrados com unidades federativas.
Mais do que isto, tendo em vista bacias compartilhadas com certos países
vizinhos, a exemplo da própria bacia do Rio Amazonas e do seu importante
afluente Rio Madeira, torna-se indispensável ter acesso a dados e informações
hidrometeorológicas sobre suas nascentes e perfis mais a montante, para que
projeções e diagnósticos relacionados a efeitos advindos de mudanças climáticas
possam ser abordados sob uma base consistente.
1.2. Referência da Metodologia APEX
Como última recomendação de procedimentos metodológicos para avaliação da
Governança na Gestão de Recursos Hídricos, notadamente para a formulação de
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9
diretrizes e recomendações sobre possíveis e necessárias adequações do
SINGREH e de certos SEGREHs, tendo em vista adaptação a mudanças
climáticas, cabe registrar a Metodologia APEX1, desenvolvida por estudos da
União Européia, a ser vista como uma base conceitual muito consistente para
avaliação de Políticas Públicas.
A aplicação da Metodologia APEX tem como objetivo identificar os espaços nos
quais ocorrem decisões efetivas relacionadas à gestão de recursos hídricos,
ambientais e do desenvolvimento urbano e/ou regional.
Ou seja, tendo em vista os desafios conceituais inerentes ao enfrentamento de
quadros complexos, em que se conjugam problemas relacionados a uma efetiva
gestão integrada entre os recursos hídricos e o meio ambiente e aspectos
decorrentes das dinâmicas socioeconômicas do desenvolvimento urbano e
regional, tornam-se relevantes referências metodológicas recentes, com particular
interesse em estudos conduzidos pela Comunidade Européia, no âmbito do Water
21 Project, que resultaram na denominada Metodologia APEX.
A sigla APEX sintetiza as três etapas de investigação metodológica que dão
suporte à avaliação e definição de Políticas Públicas, podendo ser perfeitamente
aplicáveis no caso do Plano Nacional de Adaptação a Mudanças Climáticas.
O primeiro estágio de investigação busca caracterizar o processo de formulação
das Políticas Públicas que são reais, e não de certos casos que seguem apenas
como ideais e/ou teóricas, fato que se pode anotar como uma das presentes
avaliações do SINGREH, que conta com seus princípios e fundamentos e com
uma formulação genérica consensual do modelo para gestão das águas, todavia,
sem que estejam ocorrendo muitas das respostas esperadas para uma efetiva
Governança sobre a gestão de recursos hídricos.
Sob uma referência mnemônica, este primeiro estágio de investigação trata dos
05 “As”, com investigações que podem ser sintetizadas pelos questionamentos
apresentados a seguir:
Arenas = Onde são tomadas decisões efetivas sobre as Políticas Públicas e
1 Fonte: Correia, Francisco Nunes et al., paper elaborado pelo Water 21 Project.
______________________________________________________________________________
10
a Governança para a gestão de recursos hídricos? Quais são os estágios
relevantes nos quais o processo decisório passa a ser efetivamente
empreendido? Quais são os fóruns - formais e informais - nos quais são
concebidas as propostas e feitas as escolhas?
Atores = No caso de sistemas de gestão de recursos hídricos há a devida
identificação e a efetiva presença dos principais atores estratégicos,
relacionados com as tipologias de problemas a serem enfrentados? Quais
instituições e atores individuais jogam papéis importantes em processos
decisórios? Quem é quem no processo de adoção de Políticas Públicas?
Objetivos (Aims) = Quais são os objetivos declarados e não declarados
perseguidos pelos diversos atores em jogo? Em que extensão eles
coincidem e em que extensão eles conflitam?
Ações = Por quais meios e instrumentos as Políticas Públicas são tornadas
como ações efetivas? Quais são os atores fundamentais para que sejam
instituídas e implementadas as ações necessárias? Como um real
enforcement pode ser assegurado?
Avaliação = Quais são os mecanismos para avaliar os resultados de adoção
de Políticas Públicas? Como estes resultados realimentam o processo de
formulação de ações de planejamento e da própria Política Pública? Como
são avaliados e reavaliados os mecanismos, de modo a conferir dinâmica às
Políticas adotadas? Qual o mecanismo de autoaprendizado inserido no
processo de formulação das Políticas Públicas? Quais os principais
indicadores?
O segundo estágio de investigação procura uma caracterização mais aprofundada
dos atores estratégicos em jogo. Novamente com uma referência mnemônica,
trata-se dos 05 “Ps”, com investigações sob os questionamentos que seguem:
Públicos = Qual a população envolvida nos problemas em questão? Como
participam do processo decisório? Qual o papel desempenhado pelos cidadãos
e por organizações não governamentais?
Privados = Qual o papel de negócios privados e como eles participam ou
interferem na formulação de Políticas Públicas? Quais os papéis particulares
______________________________________________________________________________
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de atores mais estratégicos e relevantes dos diversos setores usuários das
águas na formulação de Políticas Públicas? Como empresas estatais ou de
economia-mista, com elevados interesses particulares, também participam e
interferem em Políticas Públicas?
Profissionais = Quais as principais visões e abordagens sobre questões
relacionadas à Governança na gestão de recursos hídricos, além de aspectos
do meio ambiente e de desenvolvimentos socioeconômicos (urbanos e
regionais), que influenciam os profissionais envolvidos nas atividades
relacionadas a esses temas? Quais são os valores, os objetivos e as atitudes
tomadas por profissionais (planejadores e projetistas) que atuam em planos,
programas e projetos relacionados aos recursos hídricos? Que tipos de
backgrounds e de especialidades profissionais são arregimentados para fazer
frente às questões em tela? Como caracterizar a atuação dos profissionais da
Administração Pública envolvidos, especialmente de órgãos gestores de
recursos hídricos? Qual a sua cultura institucional?
Políticos = Como os atores políticos abordam as questões em pauta? Como
estas questões são inseridas no discurso político? Como as matérias sobre a
gestão das águas e do meio ambiente e do desenvolvimento urbano e regional
são, direta ou indiretamente, abordadas nos programas políticos dos partidos
da situação e da oposição?
Imprensa (Press) = Qual o papel da mídia de massa, em relação ao tema em
tela? Como a imprensa reflete a opinião pública e, mais importante, como
impacta a opinião pública? Como contribui para estabelecer a agenda das
Políticas Públicas?
Por fim, o terceiro e último estágio envolve procedimentos metodológicos
adicionais voltados a analisar a consistência e a Sustentabilidade de Políticas
Públicas relacionadas aos recursos hídricos, ao meio ambiente e ao
desenvolvimento urbano e regional. Essas análises devem ser aplicadas nos três
Eixos definidos como essenciais à Sustentabilidade, a saber: o Ecológico, o
Ético e o Econômico, completando a referência mnemônica com os 03 “Es”, da
sigla APEX.
______________________________________________________________________________
12
Neste último estágio, dada a complexidade das investigações a serem
conduzidas, cada vetor da Sustentabilidade deve ser focado em suas dimensões
essenciais, buscando equilíbrio entre cada uma das perspectivas de análise.
Assim, no vetor Ecológico, os questionamentos são dirigidos para a suficiência
de uma abordagem compreensiva dos problemas, que considere as principais
variáveis em questão. Por exemplo, preliminarmente, sabe-se que o Plano
Nacional de Adaptação a Mudanças Climáticas deve ter um de seus focos no trato
integrado de problemas de Governança e de Governabilidade sobre a gestão de
recursos hídricos, também abrangendo aspectos ambientais e de
desenvolvimento urbano e regional, por conseguinte, com eventuais proposições
para (re)ordenamento do território, que devem considerar as atuais dinâmicas
socioeconômicas.
No que concerne ao vetor Ético, a preocupação essencial está na estruturação
de arranjos institucionais – a exemplo do próprio SINGREH e de SEGREHs – que
possibilitem a inserção equitativa dos diferentes interesses em questão, sejam
aqueles de entidades públicas, de objetivos próprios a atores privados ou, com
particular atenção, das populações envolvidas, em muitos casos, regidas por
modelos informais, não institucionalizados. Ou seja, este vetor deve tratar de
modelos de gestão, desenhados sob uma perspectiva de equidade social.
Já no vetor Econômico, cabe a valoração dos benefícios e custos envolvidos – a
economia política de programas e projetos –, em uma perspectiva de análise que
não esteja limitada aos fluxos financeiros diretos, mas que incorpore aspectos
sociais mais amplos, por intermédio de metodologias capazes de aferir efeitos
distributivos e valores monetários não tangíveis.
Com os três eixos da Sustentabilidade já descritos, torna-se muito importante
sublinhar que não devem ser vistos e abordados isoladamente, ou seja, caso um
deles não esteja presente, pode-se questionar a consistência de uma
Sustentabilidade. Mais propriamente ao tema do presente trabalho, voltado à
Governança das águas, isto significa que arranjos institucionais serão
consistentes e sustentáveis se – e somente se – forem articulados ao conjunto
dos interesses econômicos relacionados aos processos sociais de apropriação
dos recursos hídricos e ambientais.
______________________________________________________________________________
13
Dizendo de outra forma, o conjunto dos interesses econômicos relacionados,
direta ou indiretamente, aos processos sociais de apropriação de recursos
hídricos e ambientais, deve ser valorado e equanimemente distribuído, no
contexto de um arranjo institucional que compartilhe responsabilidades e
possibilite a ancoragem da gestão sobre tal conjunto de interesses socialmente
identificados.
Assim, contando com tal concepção sofisticada e consistente, entende-se que
será possível depreender importantes aprendizados via Metodologia APEX.
Primeiramente, prevendo que intervenções na modalidade pretendida pelo Plano
Nacional em tela devem considerar abordagens diferenciadas entre as distintas
regiões do Brasil, com seus respectivos biomas e ecossistemas, infraestruturas
construídas e dinâmicas regionais de outra ordem, o que implica na identificação
de núcleos de problemas – os já mencionados problem-sheds –, com desafios
específicos para os sistemas de gestão e, por consequência, com arranjos
institucionais que respondam a tais naturezas diferenciadas de problemas.
Por fim, como outro aprendizado via Metodologia APEX, cabe reconhecer que o
Estado não detém poderes onipresentes que lhe permitam garantir a qualidade
ambiental e dos recursos hídricos, somente com base nos instrumentos
tradicionais de Comando & Controle (legislação e poder de fiscalização). Na
perspectiva de planos, programas e projetos voltados a um desenvolvimento
sustentável, inclusive em decorrência da necessidade de adaptação a mudanças
climáticas previstas, revela-se como fundamental adotar arranjos institucionais
com responsabilidades compartilhadas entre o Estado e a sociedade civil, que
englobe sistemas articulados e complementares.
______________________________________________________________________________
14
2. Abordagens Regionais, com Diagnósticos e Diretrizes Gerais
Seguindo à frente, de acordo com os conceitos e com certos passos dos
procedimentos metodológicos apresentados, agora entram em pauta as devidas
abordagens regionais, chegando a diagnósticos bem resumidos e a formulações
de diretrizes gerais, não considerando somente possíveis mudanças climáticas,
mas também, tendo como objetivo geral propor adequações para novos e
seguidos avanços do SINGREH e de certos SEGREHs, vigentes no Brasil.
2.1. Justificativas sobre a Necessidade de Diferentes Abordagens Regionais
Dentre os fundamentos, objetivos e diretrizes gerais que constam na Lei Nacional
nº 9.433, editada em 08 de janeiro de 1997, cabe destacar os seguintes tópicos
(negritados ou negritados e sublinhados), tendo em vista questões
relacionadas à adaptação a mudanças climáticas:
Art. 1º - A Política Nacional de Recursos Hídricos baseia-se
nos seguintes fundamentos:
I - a água é um bem de domínio público;
II - a água é um recurso natural limitado, dotado de valor
econômico;
III - em situações de escassez, o uso prioritário dos
recursos hídricos é o consumo humano e a dessedentação
de animais;
IV - a gestão dos recursos hídricos deve sempre
proporcionar o uso múltiplo das águas;
V - a bacia hidrográfica é a unidade territorial para
implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos e
atuação do Sistema Nacional de Gerenciamento de
Recursos Hídricos;
VI - a gestão dos recursos hídricos deve ser
descentralizada e contar com a participação do Poder
Público, dos usuários e das comunidades.
Art. 2º São objetivos da Política Nacional de Recursos
Hídricos:
I. assegurar à atual e futuras gerações a necessária
______________________________________________________________________________
15
disponibilidade de água, padrões de qualidade adequados
aos respectivos usos;
II. a utilização racional e integrada dos recursos
hídricos, incluindo o transporte aquaviário, com vistas ao
desenvolvimento sustentável;
III. a prevenção e a defesa contra eventos hidrológicos
críticos de origem natural ou decorrentes do uso
inadequado dos recursos naturais.
Art. 3º Constituem diretrizes gerais de ação para
implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos:
I - a gestão sistemática dos recursos hídricos, sem
dissociação dos aspectos de quantidade e qualidade;
II - a adequação da gestão de recursos hídricos às
diversidades físicas, bióticas, demográficas,
econômicas, sociais e culturais das diversas regiões do
País;
III - a integração da gestão de recursos hídricos com a
gestão ambiental;
IV - a articulação do planejamento de recursos hídricos
com o dos setores usuários e com os planejamentos
regional, estadual e nacional;
V - a articulação da gestão de recursos hídricos com a
do uso do solo;
VI - a integração da gestão das bacias hidrográficas com a
dos sistemas estuarinos e zonas costeiras.
Art. 4º A União articular-se-á com os Estados tendo em
vista o gerenciamento dos recursos hídricos de
interesse comum.
(negritados ou negritados e sublinhados pela consultoria)
Em relação ao Art. 1º e seus incisos II e III, as previsões da água como um
recurso natural limitado e possíveis situações de escassez já incentivam
abordagens de potenciais problemas relacionados a mudanças climáticas.
No inciso IV, ao tratar do uso múltiplo das águas, cabe destacar o Eixo V dos
estudos da Rede Água, com vistas à indispensável interação com os diferentes
______________________________________________________________________________
16
setores usuários de recursos hídricos.
O inciso V do Art. 1º estabelece que a bacia hidrográfica é a unidade territorial
para implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos e atuação do
Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos.
Contudo, como uma das diretrizes gerais, o inciso II do Art. 3º registra a
necessária adequação da gestão de recursos hídricos às diversidades
físicas, bióticas, demográficas, econômicas, sociais e culturais das diversas
regiões do País.
Em termos práticos, sem restrições ao fundamento estabelecido pelo inciso V do
Art. 1º, esta “adequação” significa que, face à extensa dimensão do Brasil (com
cerca de 8,5 milhões de km2) e distintas características regionais, torna-se
importante questionar se o modelo institucional estabelecido para o SINGREH
está sob uma tendência uniforme ou com modelos ajustados de acordo com
o perfil de cada região, inclusive em decorrência de distintos cenários
previstos para mudanças climáticas.
Neste sentido, o que poderá tornar o SINGREH e certos SEGREHs mais
consistentes em favor da gestão das águas será a definição de unidades
territoriais estratégicas para planejamento e gestão, na maioria dos casos
presentes, vistas apenas como certas bacias hidrográficas, as quais, geralmente,
não coincidem com os recortes administrativos municipais e estaduais, o que
dificulta o entrosamento entre as diferentes esferas de competência e de domínio
sobre as águas. Mais do que isto, deve-se perguntar: qual a escala de bacia que
deve ser abordada?
Seguindo a respeito deste tema, também cumpre questionar sobre quais os
conceitos e metodologias aplicadas no Brasil, para definir Unidades Territoriais
Estratégias de Gestão (UTEGs). Sob este questionamento, as abordagens
limitam-se apenas a leituras de bacias hidrográficas, neste caso, tal como já
questionado, em qual escala? Ou chegam a aplicar conceitos mais avançados,
como o de “geometria variável”, mediante o qual são sobrepostas diferentes
leituras territoriais (biomas e sistemas ecológicos, perfis climáticos distintos,
dinâmicas socioeconômicas regionais, divisão entre estados, infraestruturas
______________________________________________________________________________
17
setoriais instaladas, redes de cidades, problem-sheds, etc.)?
Isto significa que, no eixo de conhecimento caberá definir áreas de risco,
especialmente associadas a perfis de mudanças climáticas, com focos próprios
de gestão adequados ao planejamento e à intervenção nestas áreas.
Além disso, em relação aos SEGREHs verifica-se, comparativamente, que não há
um avanço similar, por vezes, com diferenças muito significativas quanto à
implementação de modelos de gestão das águas, mesmo em bacias hidrográficas
compartilhadas.
2.2. Metodologia para a Sobreposição de Diferentes Leituras Territoriais
Voltando à Lei Nacional nº 9.433/1997, com uma leitura conjunta dos incisos III, IV
e V do Art. 3º (sequentes ao inc. II, já abordado com destaque), reitera-se a
necessidade de sobreposição de diferentes leituras territoriais, tendo como
diretrizes a integração da gestão de recursos hídricos com a gestão
ambiental, a articulação do planejamento de recursos hídricos com o dos
setores usuários e com os planejamentos regional, estadual e nacional e,
também, a articulação da gestão de recursos hídricos com a do uso do solo.
Portanto, entra em pauta a chamada Metodologia de “Geometria Variável”, para
a sobreposição de diferentes leituras e para a definição de Unidades Territoriais
Estratégicas de Gestão (UTEGs), segundo diferentes naturezas de problemas e
do perfil de mudanças climáticas previstas.
Em consonância a conceitos já apresentados, isto significa que, de fato, deve ser
conferida uma transversalidade à temática dos recursos hídricos, frente às
políticas de desenvolvimento regional e de meio ambiente, ambas vistas como
variáveis supervenientes e, igualmente, às políticas dos diferentes setores
usuários das águas, vistas como variáveis intervenientes.
Em termos práticos, percebe-se que a leitura territorial não deve basear-se
apenas no traçado das bacias hidrográficas, a serem vistas e consideradas pelas
variáveis supervenientes e pelas intervenientes. Ao contrário, para que haja um
mútuo entendimento entre as diferentes políticas relacionadas com as águas, uma
gestão integrada dos recursos hídricos (GIRH) deve considerar outras
______________________________________________________________________________
18
abordagens e leituras territoriais, de acordo com a lógica própria a cada
segmento.
Colocando como pergunta, será que apenas os demais segmentos devem
considerar a abordagem de bacias hidrográficas, ou também a GIRH deve
entender como cada setor usuário e as políticas de desenvolvimento regional e do
meio ambiente fazem suas abordagens territoriais?
Ou seja, não obstante a bacia hidrográfica ser a unidade de planejamento e
gestão de recursos hídricos, a abordagem e estudos dos diferentes setores
usuários das águas deve sobrepor outros recortes territoriais, uma vez que, por
exemplo, a dinâmica econômica não é determinada pelo perfil do relevo do
território e pela lei da gravidade. Mais do que isto, as perspectivas de mudanças
climáticas não são determinadas sobre territórios de bacias hidrográficas, mas
sim, segundo diferentes aspectos regionais, bem mais complexos.
Neste sentido, tornam-se indispensáveis leituras territoriais estratégicas, sob o
conceito inovador da “Geometria Variável”. Para tanto, recomenda-se que a
Matriz 2.1, disposta na sequência, seja utilizada para organizar estas diferentes
leituras territoriais, com escalas distintas e conjuntos de variáveis a serem
abordadas.
Dentre as escalas regionais, para o traçado de ações e intervenções voltadas a
adaptações a mudanças climáticas, por certo deve ser vista a inserção
macrorregional do Brasil, o conjunto de seu território, com distintos biomas e suas
regiões hidrográficas, até chegar à divisão entre as unidades federativas e bacias
de rios afluentes, além de menores escalas, relacionadas a UTEGs e áreas-
problemas, a exemplo de certas regiões metropolitanas, onde elevadas
concentrações populacionais e de atividades urbano-industriais deverão ser
objeto de abordagens do Plano em pauta.
Quanto aos conjuntos de variáveis a serem analisadas, podem ser ordenados
segundo a base natural e a infraestrutura construída, os perfis das atividades de
produção e de consumo, além de diferentes formas de organização, formal e
informal, da sociedade.
______________________________________________________________________________
19
Matriz 2.1 – Ordenamento de Diferentes Leituras Territoriais a serem Abordadas
PERSPECTIVAS
ESPACIAIS DE
ANÁLISE
BASE FÍSICA ATIVIDADES ORGANIZAÇÃO DA
SOCIEDADE
Natural Construída Produção Consumo Formal Informal
Inserção
Macrorregional
do País
Dimensão Global
do Brasil
Biomas
Macrorregionais
Regiões
Hidrográficas
Divisas entre os
Estados da
Federação
Bacias
Hidrográficas
(rios principais e
afluentes )
Abordagem de
UTEGs e de
áreas-problema.
De forma resumida, nas diferentes escalas espaciais, devem ser efetuadas as
seguintes leituras territoriais:
- de biomas e ecossistemas, notadamente aqueles com elevada
vulnerabilidade ambiental e com potenciais problemas advindos de
mudanças do clima, cuja abrangência regional, no mais das vezes, não
coincide com os limites de bacias hidrográficas;
- em relação a diagnósticos e cenários prospectivos de desenvolvimento, as
áreas identificadas como críticas, em termos de balanços hídricos e de
qualidade das águas, além do potencial comprometimento ambiental,
notadamente devido a mudanças climáticas;
- rede de cidades, com sua hierarquia e articulações socioeconômicas;
______________________________________________________________________________
20
- as regras operacionais de usinas hidroelétricas, notadamente em sistemas
interligados por linhas de transmissão, cuja reservação ou liberação de
vazões não é estabelecida apenas no contexto de cada bacia hidrográfica,
mas sim em decorrência do cenário presente e de perspectivas de todo o
conjunto do sistema de geração de energia – ou seja, mediante uma
“geometria variável”;
- a infraestrutura intermodal de transporte, envolvendo hidrovias, que não
devem ser vistas isoladamente, mas articuladas devidamente com os
demais meios de transporte;
- infraestruturas de serviços instalados, a exemplo de sistemas de
distribuição de água, cuja dimensão pode extrapolar as áreas de bacias,
notadamente na região do semiáridos, sujeita a escassez hídrica, que
demandam reservatórios, canais e adutoras para transporte de água a
longa distância e redes de distribuição, por vezes, com transposição de
águas entre bacias – portanto, com geometria distinta;
- no que concerne ao desenvolvimento regional, as áreas ocupadas e as
fronteiras de expansão de atividades do agronegócio, da produção
industrial, dos pontos de exploração mineral, dentre outras atividades
econômicas e de serviços; e,
- por fim, em termos institucionais, as divisas entre estados, municípios e as
áreas delimitadas para atuação de instâncias coletivas, como os comitês
de bacias, além de ONGs e de perfis de cultura da sociedade.
2.1.1. Referências a Considerar
Como referências a considerar, torna-se importante lembrar uma abordagem
similar, já empreendida pela Agência Nacional de Águas (ANA), intitulada como
Mapa de Gestão, apresentado a seguir:
______________________________________________________________________________
21
Figura 2.1 – Mapa de Ações de Gestão por Bacias Hidrográficas
A = Monitoramento e Planej. Estratégico
B = (A) + Outorga e Organismos de bacias
C = (B) + Fiscalização
D = (C) + Comitê, Plano de Bacia, Agência e Cobrança
Abrangência Estadual
Fonte: Mapa de Ações de Gestão por Bacias Hidrográficas – ANA (2006).
A propósito deste Mapa de Gestão, que já foi aprovado pelo Conselho Nacional
de Recursos Hídricos (CNRH), a publicação GEO Brasil – Recursos Hídricos2
apresenta um resumo em seu Capítulo II, Item II.2.3 – Bases Territoriais para o
Planejamento e para a Gestão dos Recursos Hídricos, em parte transcrito a
seguir:
[...] estudos recentes da ANA chamam a atenção para o
2 Fonte: GEO Brasil - Recursos Hídricos (PNUMA e ANA, 2007).
______________________________________________________________________________
22
traçado de bases territoriais requeridas para a gestão
integrada dos recursos hídricos (GIRH), nos quais são
ponderados múltiplos fatores – hidrológicos, ambientais,
socioeconômicos e político-institucionais –, para delimitar
unidades geográficas e explicitar possíveis prioridades para
a gradativa e continuada implantação do SINGREH, em
convergência com os “recortes” espaciais adotados pelos
estados, sob a ótica de que não se justifica a adoção de
alternativas institucionais uniformes, para todo o território
nacional.
Assim, a metodologia proposta pela ANA, de modo bastante
flexível, permite que os “recortes” espaciais sejam ajustados
a diferentes ponderações dos fatores que interferem na
definição de unidades territoriais de gestão, o que
naturalmente repercute, de modo complementar, nas
ênfases adotadas para a implementação dos instrumentos
de gerenciamento dos recursos hídricos.
A matriz apresentada [na sequência] contém a
sistematização de tipologias, tal como proposta pela ANA,
com os modelos institucionais de complexidade crescente,
segundo a gravidade e prioridade dos problemas (Classes
de “A” a “D”) e os respectivos instrumentos de gestão a
serem aplicados.
Ao fim e ao cabo, quando tais avanços forem
consubstanciados, o traçado resultante constituirá o “Mapa
de Gestão” dos recursos hídricos no Brasil, por vezes com a
sobreposição entre unidades espaciais (menores) com
ênfase em problemas locais e outras (mais abrangentes, até
o limite das doze regiões hidrográficas nacionais) nas quais
devem ser convergidas e coordenadas políticas públicas
que afetam os recursos hídricos.
______________________________________________________________________________
23
Matriz 2.2 – Proposta de Tipologia para Sistemas Institucionais e para Instrumentos
de Gestão, Segundo Escalas Crescentes de Gravidade e Complexidade de
Problemas
Classes
para
Gestão
Sistema de Gestão Instrumentos e Mecanismos de Gestão de
Recursos Hídricos
Org
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CLASSE A
CLASSE B
CLASSE C
CLASSE D
Fonte: Mapa de Ações de Gestão por Bacias Hidrográficas – ANA (2006).
A respeito deste Mapa de Gestão, por óbvio que não deve ser definido como uma
determinação unilateral da ANA, a respeito de arranjos institucionais e da forma
de aplicação dos instrumentos de gestão que devem ser instalados em cada
bacia ou região hidrográfica. Ao contrário, à época sua leitura procurou
caracterizar uma avaliação institucional sobre as prioridades que deveriam ser
observadas e a consistência das soluções a serem empregadas nas diferentes
bacias e regiões, sem prejuízo ou limitação prévia às iniciativas locais que podem,
perfeitamente e de modo legítimo, avançar em relação às alternativas inicialmente
identificadas.
No presente, mesmo contando com elevados méritos dessa iniciativa, entende-se
que o Mapa de Gestão deve ser atualizado, inclusive em decorrência de
______________________________________________________________________________
24
demandas para identificar adaptação a mudanças climáticas, que passaram a
entrar em pauta mais recentemente.
Neste sentido, duas outras referências devem ser consideradas. Primeiramente, a
tese de doutorado da Arquiteta Ana Carolina Coelho Maran, no presente ausente
da ANA, pautada por pesquisas em metodologias que se encontram adotadas por
diversos países – como os Estados Unidos, França, Portugal, Espanha e
Alemanha. Nesta tese, houve avanços na abordagem inicialmente desenvolvida
pela ANA, mediante o acréscimo de mapas para as leituras territoriais e a inclusão
de fatores de ponderação que considerem a natureza dos problemas a enfrentar
em cada Unidade Territorial Estratégica de Gestão (UTEG).
Como outra referência, recomenda-se o Plano Estadual de Recursos Hídricos de
Minas Gerais, em cujo contexto foram traçadas UTEGs, inclusive com a
recomendação de critérios distintos para a emissão de outorgas para direitos de
uso da água. Neste caso, o território mineiro foi lido mediante a sobreposição de
cerca de 12 mapas (balanços hídricos quantitativos, problemas de qualidade das
águas, núcleos de vulnerabilidade do meio ambiente, rede de cidades,
infraestrutura hidroelétrica e de transporte, núcleos de produção industrial, mineral
e da agropecuária, com suas respectivas demandas sobre recursos hídricos, além
da fatores de organização institucional e social).
Os mapas puderam ser sobrepostos e relidos com base em microbacias
hidrográficas, a maioria na 8ª escala, onde foram distribuídos dados e
informações disponíveis. Ademais, também foram consideradas abordagens
estratégicas desenvolvidas pelo Plano Mineiro de Desenvolvimento Integrado
(PMDI) e pelo Zoneamento Ecológico – Econômico de Minas Gerais (ZEE/MG).
Com isto posto, agora seguem insumos para diferentes leituras territoriais,
voltadas ao Plano Nacional de Adaptação a Mudanças Climáticas.
2.3. Abordagem de Biomas Continentais Brasileiros
Como primeiro mapeamento importante para adaptação a mudanças do clima,
devem ser considerados os principais biomas do País, tal como traçados e
resumidamente descritos na sequência.
______________________________________________________________________________
25
Segundo abordagens do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em
parceria com o Ministério do Meio Ambiente (MMA), em 2004 foi publicado um
mapa com os seis biomas continentais brasileiros.
Figura 2.2 – Mapa dos Biomas Continentais Brasileiros
Fonte: IBGE (2004).
Observando-se o Mapa da Figura 2.2, assim como o Quadro 2.1, a seguir, é
possível verificar que o bioma continental com maior extensão é o da Amazônia,
com quase 50% do território nacional, com o Pantanal sendo o menor. Bem
importante em sua extensão é o do Cerrado, cujo interesse é elevado quando são
projetados cenários para o desenvolvimento do moderno agronegócio brasileiro.
______________________________________________________________________________
26
Quadro 2.1 – Áreas dos Biomas Continentais Brasileiros
Biomas Continentais Brasileiros Área Aproximada
(km2)
Área / Área Total do Brasil
Bioma Amazônia 4.196.943 49,29 %
Bioma Cerrado 2.036.448 23,92 %
Bioma Mata Atlântica 1.110.182 13,04 %
Bioma Caatinga 844.453 9,92 %
Bioma Pampa 176.496 2,07 %
Bioma Pantanal 150.355 1,76 %
Bioma Brasil 8.514.877 100,00%
Fonte: IBGE/MMA (2004).
No sentido de adaptações a mudanças climáticas, cumpre ressaltar que mapas de
biomas e da vegetação do Brasil são de grande utilidade para análises de
cenários e tendências em diferentes regiões, servindo, assim, de referência para
a adoção ou adequação de políticas públicas diferenciadas, com destaques para
o SINGREH e certos SEGREHs, sempre com as devidas consultas aos múltiplos
setores usuários das águas e aos representantes da sociedade civil.
A respeito de biomas, o físico Fritjof Capra, falando num evento organizado pela
Itaipu Binacional, afirmou que não se pode promover um desenvolvimento
sustentável senão adaptado a cada bioma, o qual é definido como um conjunto de
vida vegetal e animal, “constituído pelo agrupamento de tipos de vegetação
contíguos e identificáveis em escala regional, com condições geoclimáticas
similares e história compartilhada de mudanças, o que resulta em uma
diversidade biológica própria” (IBGE, 2004, com palavras sublinhadas pelo
presente documento).
Seguem agora, breves descrições dos perfis dos seis biomas continentais,
identificados pelo Mapa do IBGE (Figura 2.2) 3.
3 Fontes: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e site do Ministério do Meio
Ambiente (MMA) - http://www.mma.gov.br/biomas, com abordagens dos seis biomas.
______________________________________________________________________________
27
a) Amazônia4
A Amazônia é quase mítica: um verde e vasto mundo de águas e florestas, onde
as copas de árvores imensas escondem o úmido nascimento, reprodução e morte
de mais de um terço das espécies que vivem sobre a Terra.
Os números são igualmente monumentais. A Amazônia é o maior bioma do Brasil:
num território de 4.196.943 milhões de km2 (IBGE, 2004), crescem 2.500 espécies
de árvores (ou um terço de toda a madeira tropical do mundo) e 30 mil espécies
de plantas (das 100 mil da América do Sul).
A bacia amazônica é a maior bacia hidrográfica do mundo: cobre cerca de 6
milhões de km2 e tem 1.100 afluentes. Seu principal rio, o Amazonas, corta a
região para desaguar no Oceano Atlântico, lançando ao mar cerca de 175 mil m3
de água a cada segundo.
As estimativas situam a região como a maior reserva de madeira tropical do
mundo. Seus recursos naturais – que, além da madeira, incluem enormes
estoques de borracha, castanha, peixe e minérios, por exemplo – representam
uma abundante fonte de riqueza natural. A região abriga também grande riqueza
cultural, incluindo o conhecimento tradicional sobre os usos e a forma de explorar
esses recursos naturais sem esgotá-los nem destruir o habitat natural.
Porém, cabe ressaltar que toda essa grandeza não esconde a fragilidade do
ecossistema local, fato que destaca este bioma para fins de adaptação a
mudanças climáticas. A floresta vive a partir de seu próprio material orgânico, e
seu delicado equilíbrio é extremamente sensível a quaisquer interferências,
notadamente em casos que têm ocorrido nos últimos anos, decorrentes das
frentes de expansão do agronegócio brasileiro (produção agrícola e pecuária).
Enfim, os possíveis danos causados por ações antrópicas são muitas vezes
irreversíveis neste bioma. Ademais, a riqueza natural da Amazônia se contrapõe
dramaticamente aos baixos índices sociais da região, de baixa densidade
demográfica e crescente urbanização. Desta forma, o uso dos recursos florestais
é estratégico para o desenvolvimento da região.
4 Fontes: Idem anterior.
______________________________________________________________________________
28
b) Cerrado
O Cerrado predomina em grande parte do território brasileiro, distribuindo-se
quase que integralmente pelos Estados de Tocantins e de Goiás, além do Distrito
Federal, e por parte do Mato Grosso (leste e sudeste), Mato Grosso do Sul
(centro-leste e nordeste), Maranhão (centro-sul), Piauí (extremo sudoeste), Minas
Gerais (centro-oeste) e Bahia (extremo oeste). Estas unidades federativas
formam o chamado Planalto Central Brasileiro (ver Figura 2.3).
Figura 2.3 – Área Ocupada pelo Cerrado no Brasil e nas Unidades da Federação
Fonte: IBGE (1993), citado em Conservação Internacional (2004).
Entre os rios formadores de grandes bacias hidrográficas brasileiras que nascem
no Cerrado, destaca-se o São Francisco. Como formadores do Rio São Francisco
no Cerrado estão o Urucuia e o Paracatu, na margem esquerda, e o Rio das
Velhas, na margem direita, os quais, junto com o Paraopeba, são os principais
formadores do seu alto curso.
Apesar do Cerrado contar com uma grande quantidade de água superficial, boa
parte deve ser reconhecida como advinda de camadas mais profundas do solo
(aquíferos), onde se encontram as maiores reservas de água desse bioma.
______________________________________________________________________________
29
No presente, mesmo com o Cerrado Brasileiro ainda sendo reconhecido como
uma das savanas mais ricas do mundo em biodiversidade, já se encontra sob
uma forte pressão, provocada pela expansão da pecuária e de atividades
econômicas do agronegócio, notadamente com novas frentes para plantio de soja,
que teve fortes expansões a partir da década de 1960. Nesta data, cabe lembrar
que foi implantada a nova capital federal – Brasília –, acompanhada com abertura
de novas redes de rodovias.
A propósito, vale lembrar que, de 1975 até início dos anos 1980, foram lançados
vários programas governamentais visando o desenvolvimento do Cerrado,
recorrendo aos mecanismos de subsídios para estimular o estabelecimento de
fazendas e melhorias tecnológicas para a agricultura, o que resultou no aumento
significativo da produção agropecuária da região. Neste contexto, grandes
extensões do Cerrado também são usadas para reflorestamento, destinado à
produção de polpa de celulose para a indústria de papel.
Segundo avaliações do IBAMA, já em 2008, cerca de 67% da área do Cerrado
encontrava-se altamente modificada, notadamente em decorrência da expansão
de atividades relacionadas ao agronegócio brasileiro.
Hoje o Cerrado já é responsável por 55% da produção de carne bovina no País.
Ademais, neste bioma localizam-se 14 milhões de hectares de culturas anuais e
3,5 milhões de hectares de cultura perenes. Essa produção tende a aumentar
com o uso de fertilizantes e, também, de muitos sistemas irrigados, para suprir a
necessidade de água na superfície cultivada, fato que demanda avaliações de
impactos ambientais sobre a região e potenciais mudanças climáticas decorrentes
deste novo perfil socioeconômico.
c) Mata Atlântica
A riqueza da biodiversidade dos ecossistemas do bioma Mata Atlântica, sua
beleza natural e seu valor universal para a humanidade fizeram com que as áreas
remanescentes fossem declaradas Reserva da Biosfera pela UNESCO, em 1992,
e inscritas como Patrimônio Mundial da Humanidade, em 1999.
Esse bioma distribui-se por mais de 17 estados brasileiros. De forma mais
marcante, compreende a região costeira, por vezes, expandindo parte de suas
______________________________________________________________________________
30
fronteiras para o interior, em extensões variadas. Atualmente, cabe destacar que a
maioria da área litorânea coberta pela Mata Atlântica é ocupada por grandes
cidades. Porém, apesar da devastação acentuada, ainda contem uma parcela
significativa da diversidade biológica do Brasil.
Da sua cobertura original de 1,3 milhões de km², representando 15% do território
brasileiro, hoje restam somente cerca de 6%, especialmente em certas porções
dos litorais dos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e do Paraná, além de uma
pequena parte no sul da Bahia. Há contradições quanto a este número, mas ainda
é o mais aceito entre os pesquisadores.
A Mata Atlântica é um bioma caracterizado pela elevada precipitação
pluviométrica, em virtude das chuvas de encostas provocadas pelo relevo
montanhoso. As florestas desse bioma são essenciais para a manutenção dos
processos hidrológicos que asseguram a qualidade e a quantidade das águas,
portanto, torna-se necessário considerar impactos advindos de possíveis
desmatamentos, que trarão evidentes repercussões sobre mudanças climáticas,
por conseguinte, com diminuições regionais das disponibilidades hídricas. Ou
seja, a supressão da vegetação deve provocar o assoreamento de rios e, por
vezes, o desaparecimento de mananciais, muito relevantes para grandes cidades
e certas regiões metropolitanas.
Por fim, ainda a respeito deste bioma da Mata Atlântica, cabe anotar que, em
parte de suas encostas, desenvolve-se uma agricultura voltada à produção local
de certos gêneros alimentícios, como vegetais e fruticulturas.
d) Caatinga
A Caatinga é o principal bioma da Região Nordeste. Abrange parte dos estados do
Maranhão e do Piauí, além do Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba,
Pernambuco, Sergipe, Alagoas e Bahia, chegando até ao norte de Minas Gerais e
estendendo-se por área sob o domínio do clima semiárido, com uma vegetação
que se distribui de forma irregular, contrastando áreas semelhantes a florestas
com outras de solo quase descoberto. Entretanto, aqui e ali surgem ilhas de
umidade – os chamados brejos –, normalmente próximos às serras, onde a
abundância de chuvas é maior.
______________________________________________________________________________
31
No caso de Minas Gerais, esse bioma ocupa apenas uma pequena área ao norte,
porém, contando com certas cidades importantes, como a de Montes Claros, cuja
população residente já supera 385 mil moradores (estimativa de 2013).
Revendo o Mapa dos Biomas Continentais Brasileiros (Figura 2.2), percebe-se
que se trata de um bioma situado entre a Mata Atlântica, bem mais estreita a
leste, e o trecho centro-norte do Cerrado. Tal como já mencionado, a Caatinga se
estende pelo domínio do semiárido brasileiro, caracterizado pela presença de
solos rasos, embora férteis em certas porções territoriais, porém, sempre com
elevados índices de evaporação e baixos níveis anuais de chuvas, além de
prolongados períodos de estiagem, sempre com índices pluviométricos bastante
irregulares.
Neste sentido, tendo em vista possíveis mudanças climáticas, por certo que este
bioma deve ser uma das prioridades do Plano Nacional em pauta. De fato, mesmo
considerando a existência de certas porções de solos férteis, seu maior problema
é o regime escasso e incerto de chuvas, onde a maioria dos rios seca no verão,
pois a área esta sujeita a períodos de estiagem que tendem a durar sete meses,
podendo chegar a cobrir períodos anuais e, até, plurianuais. Enfim, sabe-se que a
maioria de seus rios nasce nas bordas das chapadas, percorrendo depressões
entre planaltos quentes e secos, até o mar ou desaguando na bacia do rio São
Francisco.
A respeito desta relevante bacia, pode-se estabelecer uma diferença entre a
Caatinga mineira e a restante do país, pois seus afluentes em Minas Gerais são
grandes rios perenes, a exemplo do Carinhanha, Jequitai e Verde Grande. A partir
do trecho médio do rio São Francisco, muitos dos afluentes situados no polígono
das secas são intermitentes, alternando períodos em que seus leitos estão secos
e outros em que se transformam em torrentes provocadas pelas chuvas.
Por fim, no que tange à dinâmica produtiva regional, o potencial da Caatinga é
formado em certas áreas, onde ocorre a presença de solos férteis e de um relevo
mais plano, nas quais vêm ocorrendo mais um fator de conflito pelo uso da água,
tanto pela demanda provocada pela expansão de agricultura irrigada, quanto pela
formação e manutenção de pastagens para uma pecuária, com ambas
aprofundando demandas por recursos hídricos.
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A par disso, há que levar em conta certas concentrações urbanas, que tendem a
se expandir em função de um desenvolvimento regional em curso, que também
geram demandas para consumo humano e lançamento de esgotos não tratados.
Abordagens adicionais a respeito serão feitas no contexto da região do Nordeste
e do Semiárido brasileiro, mais a frente.
e) Pampa
O bioma do Pampa está restrito ao estado do Rio Grande do Sul, onde ocupa
uma área de 176.496 km² (IBGE, 2004). Isto corresponde a 63% do território
estadual e a 2,07% do território brasileiro. As paisagens naturais do Pampa são
variadas, de serras a planícies, de morros rupestres a coxilhas. O bioma exibe um
elevado patrimônio cultural associado à biodiversidade. As paisagens naturais do
Pampa se caracterizam pelo predomínio dos campos nativos, mas também com a
presença de matas ciliares, de encostas e de pau-ferro, além de formações
arbustivas, butiazais, banhados e afloramentos rochosos, dentre outras. A
respeito de aspectos hidrogeológicos, a maior parte do aquífero Guarani fica no
Pampa.
Por ser um conjunto de ecossistemas muito antigos, o Pampa apresenta floras e
faunas próprias e grande biodiversidade, ainda não completamente descrita pela
ciência. Estimativas indicam valores em torno de 3.000 espécies de plantas, com
notável diversidade de gramíneas, que somam mais de 450 espécies. Nas áreas
de campos naturais, também se destacam as espécies compostas e de
leguminosas, que juntas somam 150 espécies. Por fim, nas áreas de
afloramentos rochosos podem ser encontradas muitas espécies de cactáceas.
A fauna é expressiva, com quase 500 espécies de aves. Também se verifica a
existência de mais de 100 espécies de mamíferos terrestres. Ademais, o Pampa
abriga um ecossistema muito rico, com muitas espécies endêmicas e algumas
ameaçadas de extinção.
Desde a colonização ibérica, a pecuária extensiva sobre os campos nativos vinha
sendo a principal atividade econômica da região. Além de promover resultados
econômicos importantes, proporcionava a conservação dos campos e ensejava o
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33
desenvolvimento de uma cultura mestiça singular, de caráter transnacional
representada pela figura do gaúcho.
Contudo, a progressiva introdução e expansão das monoculturas e das pastagens
com espécies exóticas, no presente, têm levado a uma rápida degradação e
descaracterização de paisagens naturais do Pampa. Estimativas de perda de
hábitat dão conta de que, em 2002, restavam 41,32% e, em 2008, passaram a
restar apenas 36,03% da vegetação nativa do bioma Pampa (CSR/IBAMA, 2010).
Em relação às áreas naturais protegidas no Brasil, o Pampa é o bioma que menos
tem representatividade no Sistema Nacional de Unidades de Conservação
(SNUC), representando apenas 0,4% da área continental brasileira protegida por
unidades de conservação. A Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), da
qual o Brasil é signatário, prevê dentre suas metas para 2020 a proteção de, pelo
menos, 17% de áreas terrestres representativas da heterogeneidade de cada
bioma.
Por fim, um dos elementos essenciais para assegurar a conservação do Pampa
refere-se ao fomento para atividades econômicas de uso sustentável. A
diversificação da produção rural, a valorização da pecuária com manejo do campo
nativo, juntamente com o planejamento regional e com o devido zoneamento
ecológico-econômico, além de um respeito indispensável a limites
ecossistêmicos, são partes do caminho para assegurar a conservação da
biodiversidade e o desenvolvimento econômico e social deste bioma.
f) Pantanal
O bioma Pantanal é considerado uma das maiores extensões úmidas contínuas
do planeta, portanto, com grande importância, mesmo sendo o de menor
extensão territorial no Brasil. De fato, a sua área aproximada é de 150.355 km²,
assim ocupando apenas 1,76% do território brasileiro.
Em seu espaço territorial, este bioma, a ser visto como uma planície aluvial, é
influenciado por rios que drenam a bacia do Alto Paraguai. Ademais, face à sua
localização (rever Mapa da Figura 2.2), o Pantanal sofre influência direta de dois
importantes biomas brasileiros: Amazônia e Cerrado. Além disso, sofre alguma
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influencia da Mata Atlântica e, também, do bioma Chaco, nome dado ao Pantanal
localizado ao norte do Paraguai e a leste da Bolívia.
No presente, o bioma Pantanal ainda mantêm 86,77% de sua cobertura vegetal
nativa. A vegetação não florestal (savana do cerrado, savana estéptica do chaco,
formações pioneiras e áreas de tensão ecológica ou contatos florísticos de
ecótonos e encraves) é predominante em 81,70% do bioma. Desses, 52,60% são
cobertos por savana do cerrado e 17,60% são ocupados por áreas de transição
ecológica ou ecótonos. Os tipos de vegetações florestais (floresta estacional
semidecidual e floresta estacional decidual) representam 5,07% do Pantanal.
Uma característica interessante desse bioma é que muitas espécies ameaçadas
em outras regiões do Brasil persistem sob formas avantajadas na região, como é
o caso do tuiuiú – ave símbolo do Pantanal. Estudos indicam que o bioma abriga
os seguintes números de espécies catalogadas: 263 espécies de peixes, 41
espécies de anfíbios, 113 espécies de répteis, 463 espécies de aves e 132
espécies de mamíferos, sendo 2 endêmicas. Segundo a Embrapa Pantanal,
quase duas mil espécies de plantas já foram identificadas no bioma e
classificadas de acordo com seu potencial, com algumas apresentando vigoroso
potencial medicinal.
Apesar de sua exuberante beleza natural, nos últimos anos o bioma vem sendo
bem impactado pela ação humana, principalmente pela atividade agropecuária,
sobretudo nas áreas de planalto adjacentes do bioma. De fato, no que concerne a
alterações advindas de ações antrópicas, a maior parte dos 11,54% afetados no
bioma é utilizada para a criação extensiva de gado em pastos plantados
(10,92%), com apenas 0,26% usado para lavoura.
Mesmo sob tais frentes de pressão, como a fauna e flora da região são
admiráveis, há de se destacar a rica presença de comunidades tradicionais, como
as indígenas, os quilombolas, os coletores de iscas ao longo do Rio Paraguai e a
comunidade Amolar e Paraguai Mirim, dentre outras. Assim, no decorrer dos anos
essas comunidades têm influenciado diretamente a formação cultural da
população pantaneira.
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Contudo, na medida em que apenas 4,4% do Pantanal encontram-se protegidos
por unidades de conservação, das quais 2,9% correspondem a UCs de proteção
integral e 1,5% a UCs de uso sustentável, mesmo com Reservas Particulares do
Patrimônio Natural (RPPNs), até o momento, ocorrendo apenas no Pantanal,
cabe uma abordagem desse bioma junto Plano Nacional de Adaptação a
Mudanças Climáticas, tendo em vista, potenciais impactos mais abrangentes.
2.4. Abordagens Regionais, com Diretrizes Gerais para Adaptação a
Mudanças Climáticas e Avanços na Gestão de Recursos Hídricos
Tal como já mencionado na Introdução, em termos regionais serão abordadas: a
região amazônica, com seu perfil climático e sua elevada relevância em termos de
preservação de ecossistemas, importantes para todo o planeta; o semiárido
brasileiro, com clima singular e com frequentes problemas de escassez hídrica; e,
o conjunto das regiões sul, sudeste e centro-oeste, tendo em vista sua maior
densidade em termos de desenvolvimento socioeconômico.
2.4.1. Gestão de Recursos Hídricos na Região Amazônica5
Em relação aos recursos hídricos, a Amazônia é a região brasileira de maior
abundância hídrica, reunindo cerca de 74% das disponibilidades nacionais, que
somam algo como 48 mil m3/hab/ano. Essas disponibilidades decorrem tanto da
população rarefeita e da precipitação média regional de 2.240 mm/ano, quanto
das dimensões da bacia do rio Amazonas e de seus principais afluentes, não
somente em território nacional (com disponibilidades de 131.950 m3/s), como
também nos países a montante (Venezuela, Colômbia, Peru e Bolívia,
responsáveis por aportes de outros 86.320 m3/s).
Segundo abordagem já apresentada sobre o bioma da Amazônia, é reconhecida
sua elevada importância ambiental, dotada de enorme biodiversidade. As
ameaças (reais ou imaginárias) à integridade da Amazônia apresentam
repercussão internacional, notadamente em razão da exuberância, vastidão e, ao
mesmo tempo, da fragilidade da floresta, assentada, em toda a sua extensão
territorial, em planície sedimentar dotada de camada orgânica delgada e
5 Fonte: GEO Brasil - Recursos Hídricos (PNUMA e ANA, 2007), com certos dados atualizados.
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36
superficial, dependente da manutenção da cobertura vegetal, para sua
autorreprodução e para a estabilidade dos solos.
Demais disso, segundo conceitos mais recentes, a reconhecida importância da
Amazônia está associada aos “serviços ambientais” prestados ao Planeta Terra,
em termos climáticos, principalmente pela reserva e difusão de umidade pela
floresta, e de captura de gás carbônico, ambos com repercussões globais, que
subsidiaram uma proposta brasileira para que países desenvolvidos, em
reconhecimento aos referidos “serviços ambientais”, se dispusessem a
compensar financeiramente países em desenvolvimento que empreendessem
ações em favor da manutenção de suas coberturas florestais.
Naturalmente, conceitos dessa ordem podem ser aplicados em outros biomas e
áreas naturais, sempre sob a perspectiva de reconhecer a importância dos
“serviços ambientais” prestados à sociedade e ao Planeta Terra.
Todavia, hoje seguem elevados riscos ambientais envolvendo a velocidade e a
amplitude do desmatamento da Amazônia, com repercussões potenciais
associadas a hipóteses de alterações climáticas do planeta, assim como,
significativos interesses relacionados à conservação e à exploração de sua
reserva de biodiversidade, ainda a ser mais amplamente conhecida.
No que concerne à utilização dos recursos hídricos, a Região Amazônica se
caracteriza pelas baixas densidades populacionais e pela ausência de
concentrações urbanas de grande porte, à exceção: (i) de Manaus, que passou a
abrigar cerca de 1,9 milhão de habitantes, em 2013, com um crescimento da
ordem de 6,5% neste ano, chegando a mais de 120 mil novos moradores, fato
que fez esta capital chegar a pouco mais de 50% dos habitantes do Estado do
Amazonas; e, (ii) da Região Metropolitana de Belém, no Estado do Pará, que
compreende 2,360 milhões de moradores, com 1,485 milhões na própria cidade
de Belém.
Dentre cidades de médio porte, cabe registrar Porto Velho, capital de Rondônia,
que já abriga 485 mil moradores, segundo estimativa do IBGE para 2013, com
crescimentos elevados mais recentes, tanto em decorrência de sua proximidade
com frentes de expansão do agronegócio brasileiro, quanto pela construção, em
______________________________________________________________________________
37
pleno curso, das usinas hidroelétricas de Santo Antônio e de Jirau, ambas no Rio
Madeira, fato que proporcionou milhares de novos empregos.
Mesmo considerando estas cidades e seus contornos metropolitanos, não existem
limitações significativas relacionadas ao abastecimento doméstico, a não ser
algumas associadas a águas de boa qualidade nas cercanias de aglomerações
urbanas, além de muitos casos em pequenas cidades do interior, nos quais a falta
se refere à ausência de infraestrutura para uma distribuição eficaz e segura.
Quanto a problemas de contaminação hídrica, são pontuais e localizados, em
cidades (esgotos domésticos em Belém e Manaus, particularmente graves pela
contaminação dos igarapés) e em empreendimentos de extração mineral
(deposição de sólidos e de mercúrio em garimpos) e florestal (desmatamentos,
com consequente erosão e perda das camadas férteis superficiais do solo).
Também cabe registrar que no trecho brasileiro da bacia, a jusante, já se acusam
traços de algumas das atividades desenvolvidas nos países a montante, onde se
originam, por exemplo, problemas com mercúrio utilizado nos garimpos, além de
agroquímicos conservativos amplamente aplicados nas plantações de coca.
Igualmente ocorrem alguns problemas de natureza sanitária, valendo lembrar que
o cólera reintroduziu-se no País, na década de 1990, por meio da presença do
vibrião na Amazônia peruana. Ademais, há problemas relacionados aos vetores
de doenças tropicais que dependem da água em, pelo menos, uma de suas fases
de desenvolvimento (malária, entre outras).
No que tange a questões regionais mais amplas, a importância dos recursos
hídricos está muito relacionada a características de navegabilidade, com os
maiores cursos d’água constituindo-se como os principais corredores de
transporte e comunicação da região. Deve-se, também, mencionar a pesca, não
somente como meio de subsistência, assim como para fins de abastecimento de
mercados locais e das demais regiões do País.
Em acréscimo, face às elevadas vazões e a ocorrência de transições de planaltos
para planícies, é muito expressivo o potencial de aproveitamento hidrelétrico da
região. Com efeito, no presente, mesmo com o Brasil contando com cerca de 72%
de sua infraestrutura para geração de energia mediante usinas hidroelétricas
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(UHEs), cujo consumo, em alguns anos, chega a responder por 85 a 90% das
demandas, vale lembrar que apenas 35% do potencial já se encontra explorado,
enquanto outros países já passaram de 70%.
Isto significa que, tendo em vista formas mais sustentáveis para a geração de
energia, cabe considerar o grande potencial hidrelétrico que se encontra na
Amazônia, o qual chega próximo a 40% do total brasileiro, no presente, com sua
contribuição não superando mais do que 3%.
Todavia, é importante reconhecer questionamentos sobre limitações a serem
aplicadas para o aproveitamento desse potencial remanescente, tanto no que
tange a impactos e intervenções sobre a navegação regional, no mais das vezes,
com barragens de UHEs não incluindo eclusas, fundamentais para a região,
quanto pela referência negativa da Usina de Balbina, que teve seu início
operacional em 1989, vista com muitos problemas decorrentes da elevada área
florestal inundada pelo reservatório, com nível um tanto baixo da barragem e da
energia gerada, além da falta de preocupações e abordagens consistentes sobre
os impactos ambientais que foram causados.
Olhando mais a leste da Região Amazônica, no Estado do Pará há certas frentes
importantes relacionadas a infraestruturas e atividades produtivas. A primeira a
citar refere-se à Usina de Belo Monte, prevista como a 4ª maior do mundo. Esta
UHE está sendo construída sobre o Rio Xingu, nas proximidades da cidade de
Altamira, no sudoeste do Pará. Sua potência instalada será de 11.233 MW,
contudo, por operar com um reservatório que foi bem reduzido, deverá produzir
efetivamente cerca de 4.500 MW, em média ao longo do ano, o que representa
aproximadamente 10% do consumo nacional.
Quanto a atividades produtivas, grandes núcleos de mineração, especialmente
com iniciativas da Vale S.A., passaram a ser empreendidos nos últimos anos, os
quais também exigem abordagens consistentes sobre impactos ambientais.
Enfim, face aos perfis da Região Amazônica que foram abordados, incluindo o de
seu bioma, caberá maior rigor em termos da devida preservação ambiental,
inclusive em decorrência de preocupações com potenciais mudanças climáticas.
Neste sentido, fica o registro do período muito recente onde ocorreram
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inundações significativas sobre os Estados do Acre e de Rondônia, com o nível do
Rio Madeira tendo superado sua altura média em mais de 20 metros, fato que
resultou em significativos impactos sobre as estradas locais, por conseguinte,
com críticas deficiências em serviços e produtos básicos a serem distribuídos pela
região, chegando ao ponto do Estado do Acre ficar isolado, por algumas
semanas. Essas inundações não devem ser vistas apenas em decorrência de
chuvas mais fortes, mas também como resultado das altas temperaturas que
ocorreram a partir do início de 2014, as quais devem ter resultado em degelos
advindos da Cordilheira dos Andes, de onde saem muitas das nascentes da bacia
do Rio Amazonas e do próprio Rio Madeira.
Por fim, como mais um insumo advindo da publicação GEO Brasil – Recursos
Hídricos (PNUMA e ANA, 2007), no Anexo I segue a transcrição de um Box
voltado a “Vulnerabilidade Climática e Antrópica dos Recursos Hídricos da Bacia
Amazônia”.
Diretrizes Gerais
Chega-se, agora, à formulação de diretrizes gerais advindas do perfil da Região
Amazônica, voltadas a possíveis e necessárias adequações do SINGREH, tendo
em vista, tanto os objetivos próprios relacionados ao Plano Nacional de
Adaptação a Mudanças Climáticas, quanto para que ocorram novos e seguidos
avanços na gestão de recursos hídricos no Brasil. Sob tal abordagem, mais
articulada e conjunta, com essas diretrizes busca-se articular muitos dos aspectos
e singularidades regionais da Amazônia, que compõem a tipologia dos principais
problemas e desafios apresentados.
De pronto, deve-se reconhecer a importância de ações e atividades voltadas à
proteção e preservação ambiental, que devem ser consideradas como essenciais
no trato de quaisquer dos eventuais problemas de recursos hídricos.
Para tanto, no que concerne a um possível Sistema Regional de Gestão – tendo
em vista o perfil amazônico, com predominância de baixa densidade populacional,
à exceção de certas concentrações em um número restrito de cidades e/ou áreas
metropolitanas –, cabe destacar a importância de uma estrutura institucional mais
consistente dos órgãos estaduais gestores do meio ambiente e dos recursos
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40
hídricos, não somente para fins de fiscalização, como também para as devidas
articulações e definições de políticas relacionadas ao ordenamento do uso e da
ocupação territorial, incluindo a indispensável criação de área protegidas e
unidades de conservação.
Ou seja, cabe uma ênfase particular a ser conferida para a concessão de áreas
de florestas (Lei Federal nº 11.284, de 02 de março de 2006), que abre novas
perspectivas para o enfrentamento dos cruciais problemas derivados do
desmatamento ilegal, com vistas a um manejo sustentável da Amazônia. Neste
sentido, projeções deverão ser formuladas para identificar áreas de risco,
notadamente para as sujeitas a certos períodos de escassez ou, principalmente,
para inundações críticas, tais como ocorreram neste ano de 2014.
De fato, há demandas importantes para a mitigação de impactos socioambientais
(diretos e/ou de cunho regional) decorrentes da implantação de grandes
empreendimentos na região. Seguindo a respeito, deve ser previamente
identificado um número restrito de áreas onde possam ser instaladas futuras
usinas hidroelétricas, sob uma perspectiva do Sistema Interligado Nacional,
portanto, também considerando a viabilidade e graus de risco de redes de
transmissão, sem que se deixe de considerar, sobretudo, os perfis de hidrovias
presentes, além de atividades produtivas locais, com destaque para a pesca.
Voltando a abordar um ideal Sistema Regional de Gestão, no que concerne a
instâncias sociais coletivas, frente à dispersão da população e grande extensão
territorial, tornam-se evidentes as dificuldades de instalação e funcionamento de
comitês de bacia hidrográfica na Região Amazônica.
Sob tal contexto, como possível agenda básica da gestão regional, pode-se
anotar: o mapeamento de áreas onde se localizam os principais usuários de
recursos hídricos e ambientais; a ampliação da rede hidrometeorológica, para
mais conhecimento das disponibilidades; instrumentos para prevenção de efeitos
deletérios de cheias, em especial, com o ordenamento do uso e da ocupação do
solo; pesquisas sobre a biodiversidade; apoio a consórcios com finalidades
específicas (serviços relacionados a recursos hídricos e proteção ambiental); e,
projetos para problemas localizados de saneamento (por exemplo, poluição de
igarapés e nas áreas urbanas de maior dimensão).
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41
Por fim, sob tais diretrizes gerais, para que ocorram avanços e adaptações do
SINGREH, como também de SEGREHs – eventualmente com a constituição de
um Sistema Regional de Gestão, via Termos de Compromisso e um Convênio
Coletivo –, sem que se esqueça do Pacto das Águas, já em pleno
empreendimento pela ANA, devem estar presentes ao processo os seguintes
atores institucionais, identificados como estratégicos, face aos problemas e
desafios apresentados:
- Ministério do Meio Ambiente e sua Secretaria de Mudanças Climáticas e
Qualidade Ambiental, responsável pelo Plano Nacional de Adaptação a
Mudanças Climáticas;
- Conselhos Nacionais de Recursos Hídricos (CNRH) e do Meio Ambiente
(CONAMA);
- Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
(IBAMA) e sua instâncias regionais;
- Agência Nacional de Águas (ANA);
- Ministério de Minas e Energia e a Empresa de Pesquisa Energética (EPE);
- Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, com a presença de
instâncias regionais da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
(EMBRAPA);
- Ministério da Pesca e Aquicultura;
- Ministério dos Transportes, com instâncias voltadas a hidrovias;
- Fundação Nacional do Índio (FUNAI);
- Secretarias de Estado de Planejamento (Amazonas, Pará, Roraima,
Amapá, Acre, Rondônia, Mato Grosso e Tocantins6);
- Órgãos Estaduais Gestores do Meio Ambiente e de Recursos Hídricos;
- Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos e do Meio Ambiente;
6 Mesmo com Tocantins fazendo parte da Região Norte, será mais abordado e considerado como
frente de expansão do agronegócio brasileiro, portanto, mais articulado ao Cerrado Centro-Oeste.
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- Concessionárias Estaduais de Saneamento Básico, empresas municipais
ou do setor privado, responsáveis por sistemas de abastecimento da água
e coleta e tratamento de esgotos sanitários;
- Principais Prefeituras Municipais, incluindo Manaus, Belém, Porto Velho,
Rio Branco, Macapá, Boa Vista e algumas outras, com suas Secretarias
voltadas ao planejamento urbano, com abordagem de uso e ocupação do
solo;
- Departamentos municipais responsáveis pela coleta e disposição final de
resíduos sólidos;
- Confederação Nacional da Agricultura (CNA) e suas Federações Estaduais
associadas, além de outras entidades regionais relacionadas a este
segmento produtivo;
- Confederação Nacional da Indústria (CNI) e suas Federações Estaduais
associadas;
- Principais empresas de grande porte na região; e,
- Secretarias de Defesa Civil.
2.4.2. Região Nordeste e do Semiárido Brasileiro7
Com maior desenvolvimento socioeconômico nas regiões Sudeste e Sul, e as
maiores expansões das fronteiras de agronegócios e de produção pecuária nas
regiões do Centro-Oeste, e já ao sul da Amazônia, no presente, o Brasil já
apresenta uma taxa média de urbanização da ordem de 86%, com a mais elevada
no Sudeste, que já deve superar os 92%, onde se concentra a maior parte da
população do País.
Especificamente em relação à região Nordeste, já ocupada a longos anos da
história, mesmo sujeita a problemas climáticos próprios com a sua significativa
porção semiárida – denominada como Polígono das Secas, abrangendo cerca
de 1.350 municípios –, a taxa de urbanização deve limitar-se a 75%, portanto,
bem abaixo da média nacional, com sua população urbana concentrada nas
7 Fontes: Planos das Bacias Hidrográficas dos Rios Grande e Corrente (Bahia/2013), e GEO
Brasil - Recursos Hídricos (PNUMA e ANA, 2007), com certos dados atualizados.
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43
regiões metropolitanas, formadas ao entorno das capitais dos estados nordestinos
(que serão abordadas mais à frente, no item 2.4.3.(iii)), todas junto ao litoral e
Zona da Mata, tendo suas periferias dominadas por famílias de baixa renda, e
com o interior dos estados apresentando um pequeno número de cidades de
porte significativo, portanto, com poucos núcleos interiores de expansão urbana,
tendo como consequência boa parte da população nordestina mantendo-se
dispersa no semiárido, ainda que sigam ocorrendo muitas migrações.
De modo bem sintético, mesmo com algumas porções das demais regiões do
País demandando a devida instalação de sistemas de abastecimento de água
potável, seja em periferias ocupadas desordenadamente em grandes cidades ou
em municípios interiores de pequeno porte, pode-se afirmar que o problema mais
significativo do Brasil, sem dúvidas, concentra-se no semiárido, onde a escassez
de água é mais elevada do que em todas as demais regiões.
Ou seja, as regiões Norte e Centro-Oeste, mesmo com níveis socioeconômicos
em processos mais recentes de expansão, têm seus problemas de abastecimento
de água relacionados apenas à falta de infraestrutura e/ou à qualidade dos
recursos hídricos (de forma surpreendente, também na própria região Norte), com
as regiões Sudeste e Sul apresentando menores deficiências de infraestrutura
sanitária em áreas pontuais, notadamente em favelas e em periferias ocupadas,
assim como em determinadas regiões rurais, por vezes devido a conflitos entre
usos múltiplos da água.
Mais especificamente a respeito da região Nordeste, verifica-se que sua maior
porção abrange o semiárido brasileiro, tal como demonstra o Mapa apresentado
pela Figura 2.4, a seguir.
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44
Figura 2.4– Mapa da Porção Territorial do Semiárido Brasileiro
Fonte: SUDENE (2009).
Contando com tais perfis, por certo que a gestão de recursos hídricos nesta
região deve considerar objetivos articulados com elevação de renda social e
abastecimento de água essencial às populações de extrema pobreza, com
atenção particular para o atendimento às famílias e comunidades dispersas na
zona rural, sem deixar de considerar a oferta hídrica para a produção de
alimentos e criação de animais, além de perspectivas de problemas crescentes
advindos de mudanças climáticas, com secas mais frequentes.
Esta inequívoca prioridade do semiárido também advém da presença de um solo
______________________________________________________________________________
45
regional cristalino, no qual atividades agrícolas enfrentam desafios de elevar sua
produtividade. Outra questão importante, identificada sob a ótica do contexto
nacional da Região Nordeste, refere-se ao fato de que os extremos a leste e ao
nordeste do Cerrado brasileiro ocupam o oeste da Bahia, além do sudoeste do
Piauí e do centro-sul do Maranhão. Em termos da dinâmica econômica do Brasil,
particularmente das áreas de expansão de atividades agropecuárias e de
mineração, isto implica que tais porções dos estados mencionados encontram-se
sujeitas a estas dinâmicas de expansão, no mais das vezes, ocorridas ao longo
dos últimos 20 a 30 anos.
Trata-se, portanto, de uma vertente de avanços socioeconômicos não limitada a
iniciativas próprias aos estados nordestinos. Ao contrário, segundo uma
reportagem apresentada pelo programa Globo Rural, no presente, o Brasil conta
com uma importante região de expansão do agronegócio denominada como
MAPITOBA, nome composto pelas iniciais dos estados do Maranhão, Piauí,
Tocantins e Bahia8.
Assim, de acordo com o contexto sintetizado, mesmo no semiárido brasileiro é
importante considerar duas frentes paralelas de pesquisas e ações: (a) de um
lado, com a perspectiva de seguir com um desenvolvimento regional
socioeconômico mais consistente, identificando áreas com menores graus de
risco do semiárido, voltadas a arranjos produtivos locais (APLs), que atraiam as
vertentes nacionais de expansão; e, (b) de outro, para fins de Governança na
gestão de recursos hídricos e adaptação a mudanças climáticas, com abordagens
adequadas para conferir maior segurança hídrica, ambiental e social em áreas de
risco (problem-sheds), por vezes, a serem desocupadas por seus moradores e
comunidades dispersas, sempre submetidas a graves problemas de escassez.
Ambas as frentes mencionadas devem ser associadas a estratégias dos estados
nordestinos. Isto significa que uma das possíveis soluções mais abrangentes e
estratégicas, para facilitar o abastecimento de água às populações rurais
dispersas de elevada pobreza, pode ser concebida pela concentração desses
moradores rurais em núcleos de desenvolvimento – os Oásis do Semiárido
8 Este programa pode ser visto no site http://www.youtube.com/watch?v=ICpjUOMebbg
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46
Brasileiro –, por vezes, em algumas das cidades da região a serem
selecionadas9.
Enfim, ainda que a maior parte da região Nordeste se concentre no semiárido
brasileiro, será muito importante identificar núcleos regionais estratégicos ao
desenvolvimento, com vistas à APLs e cidades do interior, além de definir áreas a
serem desocupadas, em decorrência de serem de mais elevados graus de risco.
Voltando ao contexto nacional, sabe-se que o semiárido brasileiro estende-se
pelos estados de Minas Gerais (somente em seu extremo norte e nordeste),
Bahia, Sergipe, Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará e
Piauí, sem abranger o Estado do Maranhão. Caracteriza-se pela escassez de
recursos hídricos, com precipitação anual média na casa dos 900 mm, chegando
próxima a 400 mm, no interior da Paraíba, com elevada variabilidade na
distribuição espacial e temporal de chuvas na região (sazonalidade interanual),
acompanhada de limitações nas possibilidades de extração de águas
subterrâneas, devido tanto à formação cristalina, quanto à salubridade dos solos.
Essas características climatológicas, hidrológicas e geológicas, associadas à
conformação do relevo regional (que propicia escoamentos para a vertente
atlântica), dão origem a uma rede hidrográfica na qual são recorrentes cursos
com nascentes intermitentes, em geral, situadas no planalto do sertão semiárido e
nos trechos médios que começam a estabilizar suas vazões após vencer o
agreste, até assumir corpo e volume já próximos de seu deságue no litoral, ora ao
Leste (da Bahia ao Rio Grande do Norte), ora ao Norte brasileiro (do Rio Grande
do Norte ao Ceará e Piauí).
As condições climáticas implicam na dificuldade de disponibilizar água a partir do
simples armazenamento em açudes e reservatórios, não obstante seu expressivo
número regional, dada a significativa evapotranspiração potencial, que supera os
2.000 mm anuais em grande parte do Nordeste brasileiro.
Esse panorama regional é cindido pelo curso principal do Rio São Francisco,
com nascentes e alguns tributários de elevado porte em Minas Gerais, aliados à
9 A propósito, cabe registrar: (i) a Política e o Marco de Reassentamento Involuntário associado
ao Programa Águas de Sergipe; e, (ii) ações contra a desertificação do semiárido brasileiro.
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grande extensão territorial de sua bacia de contribuição, proporcionando-lhe
perenidade e vazão suficientes para transpassar o semiárido, possibilitando
aproveitamentos múltiplos – irrigação e geração de energia, principalmente –,
mesmo com as enormes perdas devidas à evaporação, pela amplitude dos
espelhos d'água dos reservatórios de usinas geradoras. Em seu trecho inferior, o
Rio São Francisco conta com vazões regularizadas da ordem de 1.850 m3/s,
tendo sido definida sua vazão mínima final em 1.100 m3/s.
Não obstante esse cenário, de adversidade climática e hidrológica somada a
solos de baixa fertilidade, persiste elevado contingente de população dispersa na
região, no meio rural ou em pequenos núcleos urbanos (cerca de 25% dos mais
de 50 milhões de nordestinos), com amplo predomínio dos extratos inferiores de
renda, incluindo núcleos de quilombolas.
Tal como já mencionado, quando não rural, a população localiza-se em pequenos
núcleos do interior, sem que se verifique, em qualquer dos estados nordestinos,
uma malha urbana organizada10, em tipologia e hierarquia funcional, capaz de
ordenar espacialmente as demandas por serviços públicos essenciais (saúde,
educação e moradia, com destaque para o saneamento básico, no essencial,
limitado ao abastecimento de água potável).
Sem embargo de alternativas de baixo custo para fornecimento de água potável,
também cumpre reconhecer os limites decorrentes da incipiência das atividades
produtivas do semiárido (problemas de emprego e renda), restringindo a
população rural à mera sobrevivência, quando possibilitada por meios alternativos
como poços de pequeno porte, barragens subterrâneas e cisternas para captação
das águas de chuva.
O quadro incipiente do desenvolvimento regional resulta na manutenção de um
verdadeiro "exército rural de reserva", em equilíbrio instável, sustentado por
políticas compensatórias11, com significativo potencial de migração para as
10 Esta assertiva é atestada pela comparação de qualquer dos estados nordestinos frente à Santa
Catarina, p. ex., que conta com a rede urbana mais bem distribuída do país (número e população
de pequenas, médias e grandes cidades).
11 Em muitas cidades e pequenos núcleos urbanos, a aposentadoria e a Bolsa Família se
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demais áreas do País (São Paulo, em um passado recente, e metrópoles
regionais, atualmente). A permanência implica em elevados custos sociais, seja
para a população em si, sujeita à miséria absoluta e castigada pelas adversidades
regionais, seja em termos de gastos governamentais em programas recorrentes
de cunho assistencialista (carros-pipa, cestas básicas e frentes de emergência).
O que se deduz, portanto, é que a problemática dos recursos hídricos no
semiárido brasileiro congrega ambas as frentes: no gerenciamento da oferta
(estoques e transporte de água) e na gestão da demanda (ordenamento espacial
e eficiência na utilização de um recurso escasso), podendo a disponibilidade de
água, embora necessária, não ser suficiente para imprimir dinâmica à economia
regional, persistindo uma questão subjacente de ordem social.
Diretrizes Gerais
Considerando este contexto nacional descrito do semiárido nordestino, é então
possível formular as seguintes diretrizes gerais, as quais são voltadas, tanto para
objetivos próprios ao Plano Nacional de Adaptação a Mudanças Climáticas,
quanto para que ocorram novos e seguidos avanços na gestão de recursos
hídricos no Brasil:
foco no gerenciamento das disponibilidades, incluindo: (i) a infraestrutura
de armazenamento corretamente construída (mitigar efeitos da
evapotranspiração e otimizar regularização); (ii) a infraestrutura de
transporte de água (canais e adutoras), definida segundo eixos com
localização compatível com o desenvolvimento de atividades econômicas e
estratégias de consolidação e adensamento da rede urbana; (iii) o
desenvolvimento de alternativas de baixo custo para sistemas localizados
de suprimento (cisternas, poços locais, barragens subterrâneas e outras
formas); e, (iv) informações hidrometeorológicas, hidrogeológicas e
sistemas de apoio à decisão (SADs) para gerenciamento das
disponibilidades (curvas cota-áreas e volume de açudes), operados por
instituições autossustentadas, capazes de garantir sua aplicação junto aos
usuários e comunidades rurais;
constituem nas principais fontes de renda regional.
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49
o gerenciamento da demanda, incluindo: (i) a redução de perdas e
desperdícios e a operação e manutenção de sistemas; (ii) o uso de
instrumentos econômicos (negociações relacionadas a alocação das
disponibilidades entre setores usuários); e, (iii) o ordenamento espacial da
demanda (indução positiva à migração intrarregional e consolidação de
redes urbanas);
a adequação dos instrumentos de gestão às peculiaridades regionais: (i) os
planos deverão estar centrados na construção e operação da infraestrutura
hídrica; (ii) o enquadramento qualitativo permanece distante da ordem do
dia, embora a proteção da qualidade da água disponibilizada pela
infraestrutura construída seja de grande relevância; (iii) a outorga deve ser
flexibilizada para a curta duração e sujeita a regimes de racionamento;
(iv) a cobrança deve ser efetuada na forma de tarifa pelos serviços de
fornecimento de água bruta e como mecanismo de compensação às
decisões de alocação de água para usos com maior valor agregado; (v) os
sistemas de informações são essenciais aos processos de tomada de
decisões;
sob a ótica de alternativas para arranjos institucionais: (i) as Unidades
Territoriais Estratégicas para Gestão de Recursos Hídricos (UTEGs) devem
ser traçadas segundo os perfis locais de conservação da biodiversidade ou
de potencial expansão socioeconômica, além de considerar a infraestrutura
instalada de reservatórios, açudes e adutoras; (ii) os comitês terão
dinâmica social centrada nos usuários-consumidores, apoiados pela
operadora (agência) de água bruta12; (iii) cabe estabelecer uma lógica
particular para empreendimentos econômicos, irrigação principalmente,
com foco em arranjos produtivos locais (APLs – clusters) e nas
correspondentes cadeias produtivas; (iv) deve-se incentivar e,
eventualmente, subsidiar, a adequação do perfil de atividades ao meio
físico regional; e, (v) em termos regionais, deve ser destacado e reservado
12 Principal referência, a Companhia de Gerenciamento de Recursos Hídricos (COGERH), do
Estado do Ceará, cujo modelo de gestão é apresentado no Anexo II.
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50
um papel fundamental para os SEGREHs, devido a abordagens
predominantes de núcleos de problemas (problem-sheds), sem que se
deixe de celebrar acordos em bacias hidrográficas compartilhadas, a
exemplos do conjunto da bacia do Rio São Francisco e da bacia do Rio
Piranhas - Açu (entre Paraíba e Rio Grande do Norte).
Como última diretriz geral, recomenda-se que sejam articuladas iniciativas em
conjunto com o Plano Nacional de Combate à Desertificação (PAN), importante
documento referencial a ser recuperado e reposto em pauta, para que surjam
diretrizes, ações e atividades voltadas à problemática dos recursos hídricos em
regiões mais críticas do semiárido brasileiro.
Sob tais diretrizes, para que ocorram avanços na Governança sobre a gestão de
recursos hídricos, devem estar presentes ao processo atores e instituições
identificadas como estratégicas, face aos problemas e desafios apresentados.
Neste sentido, tendo em vista que no semiárido é possível identificar inúmeros
pontos críticos, com ênfase em centenas de comunidades rurais dispersas, as
abordagens devem ocorrer segundo o perfil e as condições próprias a cada um
dos estados nordestinos, inclusive de seus SEGREHs e de suas instituições
relacionadas ao meio ambiente, aos recursos hídricos e a possíveis adaptações a
mudanças climáticas.
Isto significa que a estratégia será diferente do que se propôs na Amazônia, onde
predominou uma ótica mais abrangente e regional. Assim, no caso de problemas
do Nordeste, a abordagem deverá ser efetuada de forma própria a cada um dos
estados, mesmo naqueles com menores dimensões territoriais – Alagoas e
Sergipe –, uma vez que o foco tende a ser predominante sobre áreas-problemas,
com fatores críticos que impactam comunidades locais, a exemplo de
quilombolas.
Mais do que isso, tendo em vista que há diferentes avanços nos SEGREHs,
ações e atividades voltadas à adaptação a mudanças climáticas devem levar em
conta potenciais frentes de trabalho que estão sendo definidas a partir do Pacto
das Águas, em pleno empreendimento pela ANA.
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Com isto posto, sem chegar a maiores detalhes próprios a cada um dos estados
nordestinos, sob uma forma geral devem estar presentes as seguintes instituições
e atores, vistos como estratégicos (stakeholders):
- Ministério do Meio Ambiente e sua Secretaria de Mudanças Climáticas e
Qualidade Ambiental, responsável pelo Plano Nacional de Adaptação a
Mudanças Climáticas;
- Conselhos Nacionais de Recursos Hídricos (CNRH) e do Meio Ambiente
(CONAMA);
- Agência Nacional de Águas (ANA);
- Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
(IBAMA) e sua instâncias regionais;
- Ministério da Integração Nacional e suas Secretarias de Desenvolvimento
Regional e de Infraestrutura Hídrica, além de importantes entidades
vinculadas – CODEVASF, DNOCS e SUDENE – e da Coordenação de
alguns programas, especialmente o “Água para Todos” e “Revitalização de
Bacias Hidrográficas”;
- Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, com a presença de
instâncias regionais da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
(EMBRAPA);
- Ministério de Minas e Energia e a Operadora Nacional do Sistema
interligado (ONS), além da Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais
(CPRM) e do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM);
- Companhia Hidroelétrica do São Francisco (CHESF), com operadores de
usinas de grande porte (Moxotó, Três Marias, Paulo Afonso, Sobradinhos e
Xíngó), além de algumas Pequenas Centrais Hidroelétricas (PCHs);
- Petrobrás e superintendentes de suas refinarias localizadas na região;
- Comitê da Bacia do Rio São Francisco e a Agência AGB Peixe Vivo, além
de outros comitês federais e estaduais importantes, como o da bacia do
Rio Piranhas – Açu e do Rio Sergipe;
- Ministério dos Transportes, com instâncias voltadas ao transporte
hidroviário no Rio São Francisco;
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- Ministério das Cidades e sua Secretaria Nacional de Saneamento
Ambiental;
- Fundação Nacional de Saúde (FUNASA);
- Secretarias de Estado do Meio Ambiente e de Recursos Hídricos, além de
algumas Secretarias de Planejamento (Minas Gerais, vez que tem trecho
no Semiárido; Bahia; Sergipe; Alagoas; Pernambuco; Paraíba; Rio Grande
do Norte; Ceará; Piauí; e, Maranhão), especialmente em casos onde haja
um planejamento para fins de ordenamento territorial;
- Órgãos Estaduais Gestores do Meio Ambiente e de Recursos Hídricos;
- Empresas estaduais de economia mista, voltadas à operação de
infraestrutura de recursos hídricos e/ou de atividades regionais, a exemplo
da COGERH (Ceará) e da Companhia de Engenharia Ambiental e de
Recursos Hídricos (CERB/Bahia);
- Agências Estaduais Reguladoras sobre serviços de saneamento, e energia
e outros;
- Fundações de Ciência e Tecnologia, com ênfase na FUNCEME (Ceará);
- Concessionárias Estaduais de Saneamento Básico, empresas municipais
ou do setor privado, responsáveis por sistemas de abastecimento da água
e coleta e tratamento de esgotos sanitários;
- Principais prefeituras municipais, incluindo capitais e cidades
representativas de áreas de risco, muito preliminarmente com indicação de:
Montes Claros, Jequitinhonha e Divinópolis (MG); Salvador, Barreiras, Luis
Eduardo Magalhães, Santa Rita de Cássia, Santana, Buritirana e Nova
Redenção (BA); Aracajú, Pedra Mole e Poço Redondo (SE); Maceió,
Pariconha e Mata Grande (AL); Recife, Santa Cruz do Capibaribe,
Petrolina, Salgueiro, Dormentes e Ipubi (PE); João Pessoa, Campina
Grande, Belém do Brejo da Cruz e Santa Helena (PB); Natal, Mossoró,
Apodi e Jardim do Seridó (RN); Fortaleza, Juazeiro do Norte, Salitre e
Quiterianópolis (CE); Teresina, Fartura do Piauí e Queimada Nova (PI); e,
São Luis, Balsas e São Francisco do Brejão (MA), além de algumas outras;
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- Representantes de pequenas comunidades rurais dispersas em estados do
Nordeste;
- Confederação Nacional da Agricultura (CNA) e suas Federações Estaduais
associadas, além de outras entidades regionais relacionadas a este
segmento produtivo, a exemplo de associações de usuários das águas ou
de comissões gestoras de açudes e reservatórios;
- Confederação Nacional da Indústria (CNI) e suas Federações Estaduais
associadas, com ênfase em representantes do setor produtivo de
mineração;
- Principais empresas de grande porte na região; e,
- Secretarias de Defesa Civil.
2.4.3. Conjunto das Regiões Sul, Sudeste e do Centro-Oeste
Tendo em vista sua maior densidade em termos de desenvolvimento
socioeconômico, além do entendimento de que deve haver grande proximidade
entre seus modelos de gestão voltados para uma Governança consistente sobre
os recursos hídricos, agora serão abordadas, em conjunto, as regiões Sul,
Sudeste e Centro-Oeste do território nacional.
Mesmo abordadas em conjunto, três leituras serão efetuadas, com base em
dinâmicas diferenciadas de atividades produtivas e de perfis socioambientais, a
saber: (i) primeiramente, as dinâmicas relacionadas à produção do agronegócio;
(ii), em segundo lugar, aspectos próprios a porções do Cerrado, onde frentes de
expansão produtiva ainda seguem em curso; e, (iii) a indispensável abordagem de
grandes núcleos urbano-industriais, com ênfase em regiões metropolitanas e
aglomerações de cidades, onde impactos relacionados a questões hídricas,
ambientais e a mudanças climáticas têm se tornado muito relevantes.
2.4.3. (i) Áreas Territoriais voltadas a Atividades do Agronegócio
Como áreas territoriais voltadas às principais atividades do agronegócio brasileiro,
incluindo frentes de produção pecuária, devem ser consideradas: o interior dos
estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e do Paraná (Região Sul); a
porções do interior paulista, o triangulo mineiro e o centro-oeste de Minas Gerais,
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além de alguns núcleos do Rio de Janeiro e do Espírito Santo (Região Sudeste);
e, grandes porções dos estados de Goiás, Mato Grosso do Sul e do Mato Grosso
(Região Centro-Oeste), além da consideração do Estado de Tocantins.
Mais especificamente, sob uma forma muito resumida, cabe assinalar que: (a) no
Estado do Rio Grande do Sul merece destaque a produção de arroz com cultivo
inundado para irrigação, abrangendo cerca de 1,1 milhão de hectares, além da
pecuária e de cultivo para produção vinícola; (b) em Santa Catarina e no Paraná
há predomínio de cultivos de grãos (soja, milho e trigo), cana-de-açúcar e, junto
ao extremo oeste, a suinocultura; (c) em São Paulo e a oeste de Minas Gerais,
maior ênfase presente para o cultivo de cana-de-açúcar, voltado a usinas de
biocombustíveis (como o etanol), além de frentes de soja; (d) a leste de Minas
Gerais e em parte do Espírito Santo, grandes núcleos para a produção voltada a
papel e celulose, além de café; (e) já no trecho do centro-leste e do sudeste
mineiro, merece destaque a exploração mineral; e, (f) em Goiás, Mato Grosso do
Sul e em parte do Mato Grosso e de Tocantins, predominam grandes áreas com
cultivos de graus de soja, além das principais frentes pecuárias do País.
Todas estas e muitas outras atividades produtivas das regiões Sul, Sudeste e do
Centro-Oeste (mais Tocantins) sempre puderam contar com características
hidrometeorológicas bem favoráveis, com precipitação média anual da ordem de
1.450 mm, razoavelmente distribuída ao longo do ano, somadas à ocorrência de
solos com boa fertilidade, mesmo considerando certas singularidades, a exemplo
da porção mais central do Brasil, onde períodos com falta de chuva, entre abril a
outubro de cada ano, demandam relevantes sistemas de irrigação.
Sob tais condições regionais e climáticas, o Brasil pôde contar com uma
agricultura dinâmica, moderna e diversificada, composta por grãos (soja, milho e
trigo), cana-de-açúcar, algodão, café e fruticultura, a ser vista como resultado de
um longo processo associado ao próprio histórico da ocupação do território
nacional e a ciclos econômicos que marcaram o desenvolvimento do País.
Contudo, deve-se registrar que, no presente, há dificuldades significativas para o
transporte de produtos a partir do Centro-Oeste, na sua maioria absoluta
dependente de rodovias.
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A respeito desse processo histórico de desenvolvimento, cumpre lembrar que, já
no início do século passado (década de 1930), a expansão das fronteiras
agrícolas, capitaneada pelo vetor dominante da cafeicultura, propiciava a
ocupação do sudoeste paulista, norte e noroeste paranaense, em um processo
planejado e muito veloz, que marcou a fundação da própria rede urbana de apoio
àquela cultura de exportação13.
Nas décadas seguintes (1950 e 1960), movimento similar, porém mais atenuado,
ocorreu a partir da colonização promovida pelos gaúchos, a oeste de Santa
Catarina e sudoeste do Paraná, espraiando-se até o Mato Grosso do Sul. Na
sequência, durante os anos de 1970 ampliou-se o movimento que passou a
atingir as novas fronteiras agrícolas do Brasil, hoje já superando o extremo
noroeste do Cerrado e fustigando parte da Região Amazônica, com ênfase em
Tocantins, Mato Grosso, sul do Pará e até em Rondônia e em parte do Acre14.
Sob tais processos de seguidas expansões da agricultura, com esgotamento das
fronteiras do Sul e do Sudeste, cabe considerar fatores crescentes e
determinantes de problemas relacionados à oferta de recursos hídricos, hoje
muito observados na zona rural do Centro-Oeste brasileiro, onde grandes
perímetros de irrigação têm sido instalados nas últimas décadas.
Neste sentido, por certo que há relevância para uma necessária adaptação a
potenciais mudanças climáticas, tanto no que concerne a áreas rurais de
produção agrícola – a exemplo da bacia do Rio São Marcos, onde há constantes
conflitos entre usos múltiplos da água, especialmente entre irrigação e geração de
hidroeletricidade –, quanto em grandes núcleos urbanos, que serão abordados
mais à frente, a exemplo da Grande São Paulo, onde o Sistema Cantareira
chegou, neste ano de 2014, a seu período mais crítico da história, com apenas
8,6% do seu volume reservado para abastecimento de mais de 8 milhões de
moradores, fato que demandou o uso do chamado “volume morto”.
13 Fundação da cidade de Londrina em 1935, hoje com cerca de 540 mil habitantes.
14 Na porção do extremo leste e do nordeste do Cerrado, cabe lembrar a área de expansão
denominada como MAPITOBA, já mencionada no item sobre o semiárido brasileiro.
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Ademais, além de potenciais conflitos crescentes nas regiões do Centro-Oeste e
do Sudeste, cabe lembrar que já ocorriam problemas sobre o uso das águas
voltado a agricultura na bacia do Rio Uruguai, no Rio Grande do Sul, em razão
dos volumes expressivos aplicados ao cultivo de arroz por inundação,
demandando, inclusive, barragens para a regularização de vazões.
Seguindo a respeito desse panorama geral produtivo, predominante nas regiões
Sul, Sudeste e do Centro-Oeste, também deve ser considerada a sua estreita
vinculação com a chamada agroindústria, portanto, com tendências crescentes de
serviços terceirizados e de um comando urbano, fato que implica em menor oferta
de empregos rurais e mais possibilidades de servidores atenderem a apoios
produtivos mecanizados. Ou seja, no presente, nas regiões em pauta, a própria
expansão da produção agrícola, chamada de agronegócio, implica num inexorável
processo de urbanização, fato que se mostra inquestionável ao se verificar que a
taxa urbanizada da região do Sudeste brasileiro, já chegou a 92%.
Agora, sob uma ótica mais ambiental, na maioria absoluta das áreas aplicadas a
cultivos agrícolas, cabe lembrar os impactos gerados por plantios até a beira de
cursos d’água, com remoção quase completa da cobertura vegetal, inclusive de
matas ciliares, com vistas a explorar todo o potencial disponível nos terrenos, fato
que seguiu implicando em elevada mecanização e aragem dos solos, além de um
uso intensivo de agroquímicos (com pesticidas e fertilizantes) e de colheitas
sazonais sucessivas, tendo como consequência muitos impactos ambientais
decorrentes de tais procedimentos, os quais eram desconsiderados à época.
Assim, dentre as repercussões ambientais – e potencialmente climáticas – mais
graves, relacionadas a esse conjunto de atividades, deve-se anotar: (i) a perda
das camadas superficiais dos solos, em ciclo vicioso de menor fertilidade e uso
mais intensivo de nutrientes; (ii) o assoreamento decorrente nos cursos d’água,
com elevação da turbidez devida a sólidos suspensos; (iii) contaminação por
agroquímicos, inclusive conservativos; (iv) poluição das águas por dejetos de
animais in natura; e, (v) como consequência, a elevação generalizada dos custos
relacionados ao aproveitamento dos recursos hídricos, para abastecimento
doméstico ou insumo industrial, inclusive para a própria agroindústria alimentar.
Mais recentemente, contando com a referência de certas iniciativas que surgiram
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a partir de meados da década de 1980, esse quadro de problemas ambientais
passou a ser parcialmente mitigado, mediante a difusão de práticas de plantio
direto e de manejo integrado entre solos e águas, em certas áreas de cultivo,
especialmente no Paraná, após sucessivos programas de cooperação
multilateral15, que propiciaram reduções importantes em indicadores de
carreamento de sólidos aos corpos d’água.
Todavia, sem embargos a tais iniciativas, cumpre reconhecer que persistem
problemas generalizados de comprometimento das disponibilidades hídricas, em
razão das atividades agropecuárias desenvolvidas no meio rural das regiões Sul,
Sudeste e do Centro-Oeste, com largas margens para melhorias de desempenho
em termos ambientais, além das previstas adaptações necessárias a mudanças
climáticas.
Por fim, como outra forma de problemas mais específicos gerados por atividades
primárias, deve-se anotar casos pontuais de contaminação e de redução de
fontes de águas subterrâneas, advindas de núcleos voltados à exploração
mineral, com ênfase no chamado Vale do Aço, em Minas Gerais, e de atividades
de carvão mineral em Criciúma, ao sudeste de Santa Catarina.
Diretrizes Gerais
Contando com uma abordagem resumida dos principais problemas advindos de
atividades produtivas do agronegócio sobre as regiões do Sul, Sudeste e do
Centro-Oeste brasileiro, agora podem ser formuladas diretrizes gerais voltadas ao
enfrentamento de problemas relacionados aos recursos hídricos, quer seja para
avanços na atual gestão, como também em decorrência de possíveis e
necessárias adaptações a mudanças climáticas, sempre sob uma perspectiva de
uma gestão mais adaptativa, com mais flexibilidade, resiliência e robustez.
Neste sentido, políticas e programas do País deveriam voltar a conferir prioridade
para a difusão de práticas de manejo e conservação de solos e da água,
incluindo: o plantio direto e em curvas de nível; barreiras de contenção de erosão;
15 PMISA - Programa de Manejo Integrado de Solos e Água (1983-1989); Pró-rural (1982-1986);
Paraná Rural (1989-1997); e, Paraná 12 Meses (1997), além do Programa da Rede da
Biodiversidade (2002), aprovado pelo GEF (Global Environment Facility).
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58
remanejamento de estradas rurais que geram escoamento do solo sobre corpos
d’água; programas para a recomposição de matas ciliares, tendo como referência
principal o Produtor de Águas; a redução e controle da aplicação de
agroquímicos e do acondicionamento de embalagens usadas; o desenvolvimento
e difusão de controles biológicos; e, o monitoramento de indicadores da poluição
por run-off rural, segundo a tipologia adequada de solos, declividades e índices de
precipitação.
Além disso, muitas das intervenções regionais a serem empreendidas sempre
deverão ter como um de seus objetivos a consolidação de corredores da
biodiversidade, mediante a união, pela via de matas ciliares, de áreas de
conservação e de florestas nativas. A propósito, recomenda-se que ações dessa
natureza passem a ser inseridas em planos de bacias hidrográficas, de modo a
possibilitar sua viabilidade mediante subsídios cruzados, provenientes de maiores
preços unitários pagos pelos segmentos da indústria e de concessionárias de
serviços de saneamento e de energia, via Cobrança pelo Uso da Água e de
outros mecanismos financeiros para subsídios.
Mais propriamente no que tange a sistemas de gestão dos recursos hídricos, dos
vários estados e, também, do próprio SINGREH, tendo em vista diversas áreas de
conflitos entre usos múltiplos da água, recomenda-se incentivo à constituição de
associações de usuários, para que negociações internas sejam efetuadas, sob
uma perspectiva de limitações antecipadas para captações, decorrentes de
cenários previstos para períodos de escassez hídrica.
Por fim, mesmo tendo em vista as extensas áreas de atividades produtivas
abordadas, notadamente no caso do Centro-Oeste brasileiro, entende-se que
devem ser identificadas bacias de rios afluentes com maiores problemas críticos,
a serem vistas como problem-sheds, para que soluções específicas a seus casos
venham a ser definidas, sob o princípio da subsidiariedade, sem que se deixe
de tratar o conjunto da bacia do rio principal, a ser vista como espaço para a
atuação de um comitê de integração, com estes fatores negritados sendo mais
propriamente abordados no Cap. 3 deste Relatório 01, em pauta.
2.4.3. (ii) Trechos de Expansão do Agronegócio no Cerrado do Brasil Central
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59
Ainda com boa parte da elevada extensão do Cerrado brasileiro estando, nas
últimas décadas, sob um processo de ocupação pelas atividades produtivas do
agronegócio, entende-se que devem ser abordados os atuais trechos de
expansão de novas fronteiras agrícolas, em termos de uma adequada gestão
hídrica, ambiental e de adaptação a possíveis mudanças climáticas previstas.
Neste sentido, cabe lembrar que esses trechos de expansão, localizados mais ao
norte e aos extremos leste e noroeste do Cerrado, se caracterizam pela
predominância de um relevo plano, típico do Planalto Central do Brasil, e por uma
precipitação média da ordem de 1.600 mm anuais, sujeita a variações sazonais
significativas, com períodos pronunciados de chuvas intensas, principalmente no
próprio verão, além de estiagens severas, com 4 a 6 meses de duração,
especialmente ao longo da primavera e do inverno, fato que tem causado
situações sazonais com baixa relativa da disponibilidade de recursos hídricos.
Assim, face às mencionadas estiagens sazonais, as frentes de expansão sempre
tendem a demandar perímetros de irrigação, fato que deve resultar em sobre-
exploração dos recursos hídricos, tem como resultados conflitos entre usos
múltiplos das águas. Por outro lado, na ocasião de chuvas intensas podem ser
previstos problemas de assoreamento e, por vezes, de contaminação por
agroquímicos, a serem bem mais graves caso ocorra uma indevida retirada de
matas ciliares, fato este já abordado pelo recente Novo Código Florestal
Brasileiro16.
Como outra das questões a serem abordadas nos trechos de expansão de novas
fronteiras agrícolas, deve-se anotar a definição de vias alternativas para
transporte maciço da produção regional, com destaque para a possibilidade de
um funcionamento viável e efetivo de hidrovias, com grande ênfase no Rio
Tocantins- Araguaia, que pode contemplar produtores com um acesso privilegiado
ao norte do País, para exportações via o Porto de Belém, do Pará, assim como de
São Luis, do Maranhão, e de Fortaleza, do Ceará, tendo em vista os mercados
norte-americano e europeu.
16 Este Novo Código Florestal foi estabelecido pela Lei Federal nº 12.651, de 25 de maio de
2012, além de outras providências pela posterior Lei Federal nº 12.727, de 17 de outubro de 2012,
que trouxe mais algumas alterações.
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60
Enquanto o Rio Tocantins já se encontra alterado por sucessivos aproveitamentos
hidrelétricos, o Araguaia reúne importante acervo ambiental, merecendo cuidados
e avaliação dos impactos potenciais sobre o meio ambiente, decorrentes de seu
eventual aproveitamento para novas usinas hidrelétricas e/ou como hidrovia.
Diretrizes Gerais
Sob tal contexto, como diretrizes gerais devem ser repetidas muitas das que já
foram dispostas no tópico anterior, com ênfase no sentido de que ocorra um
planejamento antecipado para um ordenamento consistente da ocupação do
território sujeito a novas fronteiras agrícolas, além de formas mais rigorosas para
fiscalização hídrica e ambiental, de forma a prevenir e evitar potenciais impactos
inadequáveis.
Ademais, tendo como referências algumas das diretrizes propostas para a Região
Amazônica, deve-se reconhecer a importância de ações voltadas à proteção e
preservação de certas áreas ambientais, identificadas como relevantes para o
trato de potenciais problemas relacionados aos recursos hídricos, inserindo em
pauta a criação de área protegidas e unidades de conservação.
Neste sentido e como última observação, ao olhar para o extremo oeste do
Cerrado, entra em pauta o Bioma do Pantanal, para o qual cabe registrar a
seguinte pergunta: tendo em vista a sua elevada importância como um
ecossistema ambiental e hídrico, esta região do Pantanal deve ser tratada em
conjunto com a abordagem de preservação da Amazônia, ou deve contar com um
sistema próprio e específico para sua gestão?
2.4.3. (iii) Grandes Núcleos Urbano-Industriais, com ênfase em Regiões
Metropolitanas e Aglomerações de Cidades
Como terceira leitura do conjunto das regiões Sul, Sudeste e do Centro-Oeste
brasileiro, torna-se muito importante abordar seus grandes núcleos urbano-
industriais, com ênfase em regiões metropolitanas e aglomerações de cidades, as
quais demandam diagnósticos próprios à natureza e ao perfil de seus principais
problemas, no presente, com muitos já advindos de possíveis mudanças
climáticas.
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61
De fato, mesmo que, em geral, as regiões em pauta contem com boas
disponibilidades hídricas, razoavelmente bem distribuídas ao longo do ano – um
pouco menos no Centro-Oeste, onde há meses com predomínio de chuvas e
outros com escassez –, aspectos próprios a grandes núcleos urbano-industriais
devem ser analisados mais especificamente, sobretudo, tendo em vista a
ocorrência esporádica de eventos críticos, a exemplo da estiagem que, neste ano,
está impactando significativamente a Região Metropolitana de São Paulo, além de
muitas cidades do interior.
Mais do que isso, caso eventos críticos passem a crescer em decorrência de
mudanças climáticas, tornar-se-á indispensável definir significativas intervenções
em muitas das cidades, para a redução de elevados graus de risco, sendo que:
(a) no caso da falta de chuvas, com a identificação de eventuais novos
mananciais, mais racionalidade no uso da água e com a redução dos atuais
índices de perdas em sistemas de distribuição; e, (b) em casos de períodos com
muita chuva, com ações votadas para evitar inundações ainda mais elevadas e
deslizamento de encostas, em muitos casos, indevidamente ocupadas por
favelas, nas quais pequenas moradias de famílias de baixa renda são bem
frágeis, com acidentes sempre significativos e inúmeras mortes.
A propósito, cabe lembrar que muitos desses problemas são inequivocamente
advindos de características dos processos de urbanização no Brasil, no mais das
vezes, sem um planejamento antecipado, ordenamento e fiscalização do uso e
ocupação do solo, fato que tem gerado muitas áreas de risco em cidades. Com
efeito, a malha urbana do País recebeu, em um lapso de 70 anos, algo como 120
milhões de novos moradores, partindo de uma taxa de urbanização da ordem de
35% na década de 1940, para os atuais 85% na média nacional, já prevista para
90% em 2020 (IBGE, 2013).
Em seu conjunto, todas as regiões metropolitanas17, incluídas as nordestinas, já
17 São 23 (vinte e três) as regiões metropolitanas definidas em leis estaduais, incluindo áreas de
expansão: Porto Alegre (RS); Florianópolis, Vale do Itajaí e Norte - Nordeste Catarinense (SC);
Curitiba, Londrina e Maringá (PR); São Paulo, Campinas e Baixada Santista (SP); Rio de Janeiro
(RJ); Vitória (ES); Belo Horizonte e Vale do Aço (MG); Goiânia (GO); Brasília (DF); Maceió (AL);
Salvador (BA); Recife (PE); Natal (RN); Fortaleza (CE); São Luiz (MA); e, Belém (PA).
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62
representam mais de 50%, ou quase 87 dos 172 milhões dos habitantes das
cidades brasileiras (IBGE, 2010), concentrando-se em apenas 160.000 km2 do
território nacional, portanto, em menos de 2,0% dos 8,5 milhões de km2.
Ainda sobre as regiões metropolitanas, cabe destacar que somente a chamada
Macrometrópole Paulista (composta pela Grande São Paulo, Região
Metropolitana de Campinas e pela Baixada Santista) concentra perto de 65% do
Produto Interno Bruto (PIB) do Estado de São Paulo, chegando próximo a 23% do
PIB Nacional, em uma área pouco superior a 14.000 km2.
Números igualmente impressionantes são obtidos mesmo quando se amplia o
horizonte de análise para o eixo urbano-econômico que une as duas maiores
metrópoles nacionais – de São Paulo e do Rio de Janeiro –, margeando o Rio
Paraíba do Sul, ainda que sejam consideradas perspectivas mais recentes de
desconcentração de alguns segmentos industriais importantes (parque
automotivo, principalmente), com maiores articulações deste eixo SP-RJ com as
regiões metropolitanas de Curitiba (ao sul) e de Belo Horizonte (ao norte).
Sob este contexto, embora a taxa anual de crescimento urbano do Brasil tenha
decaído dos 4,4%, observados na década de 1970 a 1980, atualmente para algo
ao redor de 2,1%, indicando alguma atenuação do fluxo migratório rural – urbano,
o fato é que a elevada concentração nas áreas metropolitanas e nas maiores
aglomerações urbanas do País tende a manter seus significativos impactos
hídrico-ambientais, ainda que, já na década de 1990, tenha sido verificada uma
tendência de crescimentos maiores em cidades do interior, sobretudo no Estado
de São Paulo.
De fato, segundo consta na Parte II, item II.3 (p. 64) da publicação GEO Brasil –
Recursos Hídricos (PNUMA e ANA, 2007), litteris:
..., no período 1991/96 as cidades com 100 a 499 mil
habitantes passaram a abrigar 11,3% da população total
contra 10,7% em 1991; as cidades com 50 a 99 mil hab.
passaram de 5,4% a 9,1%, muitas dessas localizadas no
entorno de áreas metropolitanas. Já as cidades com mais de
500 mil hab. passaram de 35,2% para 35,7%. Verifica-se
essa tendência mesmo nos estados com rede urbana bem
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63
distribuída: Santa Catarina, por exemplo, onde a
concentração é crescente em Joinville; ou no Paraná, com a
Região Metropolitana de Curitiba reunindo 56% do PIB
industrial e mais de um terço da população do estado.
Ainda segundo esta publicação, em termos intrarregionais, o crescimento se dá,
marcadamente, nas periferias e em enclaves (favelas e cortiços) ocupados pelos
extratos inferiores de renda, em que as taxas de crescimento chegam a superar a
marca de 15% ao ano (!), em contraponto à relativa estabilidade dos núcleos
centrais (Tucci et al., 2001).
Assim, torna-se evidente que esse processo descrito, de um elevado crescimento
da urbanização no Brasil, teve como resultado um quadro de comprometimento
do meio ambiente urbano, não somente no que tange ao conjunto das regiões do
Sul, Sudeste e do Centro-Oeste, como também nas regiões metropolitanas do
Nordeste, todas localizadas junto ao litoral e na Zona da Mata (Salvador, Aracajú,
Maceió, Recife, João Pessoa, Natal e Fortaleza), por vezes, apresentando perfis
hídrico-ambientais e sociais também severos. Portanto, tal como já mencionado,
problemas próprios às regiões metropolitanas do Nordeste deverão ser abordados
neste tópico, mais à frente.
Sob tal processo inexorável de urbanização e tendo em vista os objetivos do
presente trabalho sobre a Governança na gestão de recursos hídricos,
relacionados ao Plano Nacional de Adaptação a Mudanças Climáticas, torna-se
importante sublinhar que não devem ser abordadas apenas questões
relacionadas à disponibilidade hídrica, ora com escassez ou com inundações,
mas sim, uma devida sobreposição de diversos problemas hídricos em pontos
territoriais críticos de núcleos urbanos, portanto, sob uma ótica transversal voltada
à gestão integrada dos recursos hídricos (GIRH).
Dizendo de outra forma, isto significa que também devem ser considerados
fatores próprios ao planejamento das cidades, a ser visto como uma das variáveis
supervenientes à GIRH. Enfim, cabe uma abordagem mais ampla e consistente,
em decorrência da elevada complexidade de problemas hídrico-ambientais
urbanos, em sua maioria, sempre relacionados ao uso e ocupação do solo.
Com efeito, além de questões relacionadas à disponibilidade hídrica, na maioria
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64
quase absoluta das cidades brasileiras – no presente, com certas exceções de
municípios do interior paulista, a exemplo de Itu e de Jundiaí, que já contam com
mais de 90% de seus esgotos coletados e tratados – também ocorrem agudos
problemas de qualidade, com forte poluição das águas e com intervenção e
redução dos potenciais aproveitamentos hídricos, assim como, com repercussões
negativas causadas sobre a própria saúde pública. Ou seja, seguem vários
problemas decorrentes de lacunas relacionadas à infraestrutura do saneamento
básico, que ainda persistem no Brasil18.
A propósito, sabe-se que a maioria das cidades apresenta inúmeras fontes
poluidoras, pontuais e dispersas, como resultado: da disposição de esgotos
domésticos não coletados e/ou tratados19; de resíduos sólidos também não
devidamente coletados ou sem uma disposição final adequada; além de efluentes
industriais igualmente não tratados. Por vezes, indevidos dejetos hospitalares
acabam repercutindo graves problemas sobre a saúde pública.
Ademais, no que tange a fatores relacionados a mudanças climáticas, cabe
lembrar que núcleos urbano-industriais são alguns dos principais pontos de onde
ocorre a emissão de gases de efeito estufa, portanto, sempre demandando
intervenções relacionadas a interesses do Plano Nacional em pauta, para que se
tenha maior Governabilidade sobre a gestão dos recursos hídricos.
Todas essas fontes poluidoras ocorrem mais gravemente em encostas, fundos de
vale, áreas alagadas, várzeas e beiras de rios e córregos, geralmente ocupados
de modo irregular por favelas e loteamentos desconformes, configurando nichos
onde se conjugam a pobreza urbana, a ausência de serviços de infraestrutura
básica, a degradação ambiental e o comprometimento de mananciais de
abastecimento, além de certas áreas que poderiam servir ao lazer (a exemplo de
parques urbanos atrativos).
18 Segundo dados recentes do Plano Nacional de Saneamento Básico (dezembro de 2013),
estima-se que o montante necessário para a instalação da devida infraestrutura sanitária chega a
mais de R$ 500 bilhões.
19 Estima-se que algo como 90% das descargas de DBO nas grandes cidades seja de origem
doméstica, contra apenas 10% industrial. Em Contagem, na Região Metropolitana de Belo
Horizonte, estes percentuais são respectivamente de 93 e de 7%.
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Sob esse aspecto, ainda que as principais cidades do Sul e do Sudeste, além de
algumas do Centro-Oeste, notadamente no caso de Brasília, detenham maior
capacidade institucional, renda per capita e potencial de arrecadação e de
investimentos20, seguem convivendo com importantes problemas de saneamento
ambiental urbano, notadamente com desafios concernentes à disponibilidade
qualiquantitativa de recursos hídricos.
Como uma referência social e financeiramente importante, volta-se a mencionar
que, frente a possíveis mudanças climáticas, devem agravar-se os recorrentes
problemas de inundações, os quais, virtualmente, paralisam cidades, como a de
São Paulo, resultando em custos que se repercutem amplamente sobre toda a
sociedade, pela obstrução do tráfego, perdas patrimoniais e interrupção de várias
atividades, em geral.
Seguindo a respeito, como conhecidos exemplos vale lembrar que fatos dessa
ordem já ocorreram em Blumenau, cidade importante de Santa Catarina, onde
muitas inundações, advindas do Rio Itajaí-Açu, causaram substantivos impactos
durante vários anos; além de Angra dos Reis, localizada no litoral sul do Rio de
Janeiro, e de Teresópolis, na Serra Fluminense, com ambas submetidas a
grandes chuvas e deslizamentos de encostas, que afetaram muitos moradores
locais e alguns turistas, sempre com elevados impactos e gastos para a
sociedade.
Enfim, agora sob uma abordagem genérica, destacam-se os seguintes fatores
como os de maior expressão na delimitação do quadro de problemas hídrico-
ambientais e sociais que ocorrem nos núcleos urbanos que estão sendo
abordados21:
(i) os baixos níveis de tratamento dos esgotos domésticos, mesmo em
cidades já com altos níveis de coleta de águas servidas, o que implica em
lançamentos in natura concentrados;
20 A renda per capita média nas cidades do interior paulista é substancialmente superior do que a
observada nas metrópoles do Nordeste; o orçamento da cidade de São Paulo é o terceiro do País,
superando muitos dos principais estados brasileiros.
21 Fonte: GEO Brasil - Recursos Hídricos (PNUMA e ANA, 2007).
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(ii) a disposição inadequada de resíduos sólidos, em lixões a céu aberto,
quando não a ausência ou insuficiência de coleta em áreas de difícil
acesso natural ou sem vias de circulação, particularmente em favelas e
ocupações irregulares;
(iii) a impermeabilização crescente do solo urbano, com redução nos tempos
de concentração e interferência nas condições naturais de drenagem,
amplificando os efeitos de cheias, muitas vezes sem alternativas viáveis –
técnica e/ou financeiramente – para intervenções em macrodrenagem;
(iv) o comprometimento de mananciais próximos, com escassez de
disponibilidade hídrica com a qualidade adequada; e,
(v) a mútua interdependência entre todos estes e outros fatores, devido a
condições operacionais decorrentes dos próprios padrões inadequados de
urbanização e de uso e ocupação do solo, acarretando problemas para a
prestação de diferentes serviços de interesse público, como, p. ex., a
obstrução da rede de drenagem pelo lixo não coletado, ligações de esgotos
em galerias de águas pluviais (e vice-versa) e a inacessibilidade para a
O&M de redes e serviços, dentre as interferências mais comuns.
Em acréscimo, sabe-se que a carga potencial proveniente de run-off urbano é
igualmente relevante para fins de controle da poluição hídrica, não obstante ser
pouco conhecida no presente e ainda ausente da pauta prioritária das cidades,
tanto no Brasil, quanto na maioria dos demais países, lacuna esta que não deverá
perdurar por muito tempo, tendo em vista a necessária adaptação a mudanças
climáticas22.
Todavia, a mera identificação genérica dos fatores que foram descritos não torna
trivial o desafio das soluções reclamadas para um saneamento ambiental urbano
consistente e para a desejada Governança na gestão de recursos hídricos, em
núcleos urbanos relevantes, tendo em vista uma adaptação a mudanças do clima.
22 Estima-se que, em São Paulo, o aporte de nutrientes pela via difusa aproxime-se de um terço da
carga total, superando a 40% na bacia do reservatório do Guarapiranga, importante manancial de
abastecimento da Grande São Paulo, com cerca de 12 m3/s.
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67
Com efeito, a múltipla e complexa combinação desses fatores, frente a outras
variáveis de natureza geomorfológica, peculiares a cada espaço geográfico, bem
como, a questões institucionais, socioculturais e econômicas, exige esforços
analíticos e metodológicos importantes para o enfrentamento desses problemas,
dentre os quais os principais pontos de inundação, deslizamento de encostas,
poluição hídrica e de preservação de mananciais (qualidade versus escassez)
tendem a ocupar prioridade.
Por fim, para encerrar o diagnóstico dos núcleos urbano-industriais em pauta,
agora cabe destacar certas especificidades próprias às regiões metropolitanas do
Nordeste23. Neste sentido, sabe-se que a primeira consequência do quadro
descrito do Semiárido (ver item 2.4.2) consiste na migração da população, em
percurso direto da área rural para as periferias das grandes capitais (Fortaleza,
João Pessoa, Recife e Salvador, além de Natal, São Luis, Teresina, Maceió e
Aracaju), onde são notáveis os problemas ambientais urbanos, sempre
associados à concentração de pobreza em favelas e ocupações irregulares,
notadamente em áreas de risco, tais como alagados, encostas, várzeas e
margens de rios e córregos.
De fato, no presente, grande parte da população nordestina ocupa uma estreita
faixa não superior a 100 km do litoral, o que justifica uma abordagem específica
desta zona costeira do Brasil. Na Grande Recife, por exemplo, parte ponderável
da população, que já supera 4,0 milhões de habitantes, reside em mais de 650
favelas, onde a renda familiar média não supera dois salários mínimos.
Nessas áreas, localizadas nos trechos perenizados a jusante dos principais
cursos d'água, com precipitações médias anuais de 1.120 mm, as
disponibilidades hídricas são comprometidas, via de regra, pela conjugação de
poluição urbana originada por esgotos domésticos, disposição de resíduos sólidos
e algumas descargas industriais não tratadas, sobre a qual se sobrepõem cheias
periódicas, amplificadas pela impermeabilização crescente do solo urbano. Em
acréscimo, a contaminação dos mananciais superficiais é seguida da sobre-
exploração de aquíferos, caso no qual Recife novamente constitui um destacado
23 Fonte: GEO Brasil - Recursos Hídricos (PNUMA e ANA, 2007), com alguns dados atualizados.
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exemplo negativo. Problema similar também ocorre em Natal (RN).
Dado o grande potencial turístico do litoral nordestino, a ser visto como uma das
principais alternativas para o desenvolvimento socioeconômico da região, passam
a ser economicamente relevantes os problemas associados à ausência de
infraestrutura sanitária, muitas vezes resultando em comprometimento da
balneabilidade de praias e, quando menos, na perda de potencial paisagístico
(deságue de linhas negras e problemas de odor, dentre outros).
Finalmente, cabe mencionar que esse quadro das grandes capitais nordestinas é
reproduzido, com pequenas variações, sobre o número reduzido de cidades do
interior, algumas de médio porte, que se desenvolvem no Agreste e no Sertão,
originando focos localizados de poluição urbana. Sendo assim, algumas dessas
cidades do interior, por estarem localizadas a montante dos cursos d’água de
vertente atlântica, repercutem negativamente sobre as disponibilidades hídricas
das grandes concentrações litorâneas (caso de Feira de Santana, que apresenta
despejos sobre o reservatório de Pedra do Cavalo, manancial da Grande
Salvador).
Diretrizes Gerais
Com esses complexos problemas hídrico-ambientais urbanos já dispostos, agora
devem ser elaboradas diretrizes gerais, tendo em vista o objetivo de Governança
na gestão das águas e adaptação a mudanças climáticas.
Todavia, cabe novamente lembrar que as abordagens a ser feitas em áreas
urbanas não devem considerar apenas questões relacionadas à disponibilidade
hídrica, ora com escassez ou com inundações, mas sim, com uma devida
sobreposição de diversos problemas hídricos em pontos territoriais críticos de
núcleos urbanos, portanto, sob uma ótica transversal voltada à GIRH. Isto
significa que também devem ser considerados fatores próprios ao planejamento
das cidades, a ser visto como uma das variáveis supervenientes à gestão de
recursos hídricos.
Sob este entendimento, de pronto cabe sublinhar que, para resolver problemas
dessa ordem, procedimentos metodológicos não devem se limitar ao “o que
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69
fazer?”, mas também, na maioria dos casos, devem conferir destaque sobre
“como fazer?”. Isto significa que modelos de gestão próprios a áreas-problema
(problem-sheds) devem entrar em pauta.
Como referências a respeito, pode-se mencionar a bacia e o respectivo Comitê do
Alto Tietê, onde se localiza a Grande São Paulo, assim como as bacias do Alto
Rio Iguaçu e do Alto Ribeira, ambas agregadas e com seu Comitê “unificado”, em
função da localização da Região Metropolitana de Curitiba.
A propósito, entende-se que o SEGREH de São Paulo, definido pela legislação
paulista como Sistema Integrado de Gerenciamento de Recursos Hídricos
(SIGRH), estabeleceu as suas 22 Unidades de Gerenciamento Integrado de
Recursos Hídricos (UGRHIs), em função de vários aspectos, inclusive de
associações históricas entre certos municípios, fato que indica uma visão de
diferentes leituras territoriais e de uma gestão realmente integrada dos recursos
hídricos24.
Mesmo sob tais abordagens com foco em problemas de núcleos urbanos,
recomenda-se que sejam previstos comitês de integração para o contexto geral
de bacias hidrográficas, quando estiverem em pauta balanços hídricos gerais e
problemas conjuntos, de montante para jusante e vice-versa.
Ainda sem chegar a detalhes mais próprios a sistemas de gestão, que serão
abordados no próximo Cap. 3, e voltando agora a diretrizes gerais relacionadas
às regiões em pauta, cabe registrar a relevância do posicionamento nacional do
Estado de Minas Gerais, entendido como a “Caixa d’água do Brasil”, uma vez
que muitas das nascentes dos principais rios do País, notadamente no caso do
Rio São Francisco, se localizam em território mineiro.
Em termos práticos, isto significa que Minas Gerais deve, de um lado, seguir com
a abordagem de suas 38 Unidades de Planejamento e Gestão de Recursos
Hídricos (UPGREHs), para que núcleos de problemas estaduais possam ser
tratados, mesmo que algumas dessas UPGRHs sejam territorialmente revistas; e,
24 Esta leitura ocorreu sob o mérito do destacado profissional Flávio Terra Barth, principal
responsável pela proposição da Lei Estadual n º 7.663, publicada em 30 de dezembro de 1991, a
qual serviu como a base mais relevante para a própria Lei Nacional nº 9.433/1997.
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de outro, estar presente em comitês de integração, para que ocorram
convergências, acordos e cooperações com estados vizinhos e a jusante em
bacias hidrográficas compartilhadas.
De fato, como este estado federativo situa-se a montante dos principais rios
brasileiros, os problemas mencionados “poderão potencialmente impactar quase
todo País” (Tucci, 2001).
Com isto posto, percebe-se que um dos principais desafios em pauta refere-se à
conjugação de abordagens com base em problem-sheds (sub-bacias com
externalidades hídricas e ambientais negativas concentradas) e na coordenação
de políticas no âmbito das bacias hidrográficas como um todo. Neste sentido, o
enfrentamento de problemas pode ser advindo, tanto de movimentos top-down,
quanto bottom-up, a serem definidos segundo conveniências de ordem tática
(identificação de “janelas de oportunidade”).
Em termos práticos, essas diretrizes dispostas devem ser consideradas quando
estiver em plena pauta o imperativo de implementação de Programas de Ação, a
serem vistos como uma das frentes de trabalho de planos de bacias hidrográficas,
além de sempre definidos sob uma forma integrada no caso de núcleos urbano-
industriais, portanto, envolvendo: sistemas de abastecimento de água; coleta e
tratamento de esgotos domésticos; efluentes industriais; coleta e disposição de
resíduos sólidos; redes de micro e de macrodrenagem; além de certas
infraestruturas urbanas, inclusive com eventuais reassentamentos de moradores
localizados em áreas de risco, até chegar à indispensável proteção de certas
áreas ambientais, notadamente no caso de mananciais identificados como
relevantes.
Em relação aos mencionados Programas de Ação, por certo que deverão ser
definidos e aplicados critérios para a priorização de investimentos, levando em
consideração: (i) o objetivo e metas voltadas à redução de impactos hídricos e
ambientais urbanos, além de aspectos sociais, também considerando a
perspectiva de cenários advindos de potenciais mudanças climáticas; (ii) a
factibilidade de sua implementação, em termos gerenciais e político-
administrativos; e, (iii) a distribuição social de benefícios econômicos associados
a melhorias, segundo relações entre custos/benefícios.
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Tal como já mencionado, cabe reafirmar que para esses Programas de Ação deve
ser conferida ênfase particular a práticas de gerenciamento de suas
implementações (como fazer?), por vezes mais desafiadora do que suas
concepções (o que fazer?). Mesmo assim, deve-se reconhecer a indispensável e
complexa visão para uma efetiva gestão integrada dos recursos hídricos (GIRH),
fato que demanda articulações com outras políticas urbanas, com merecido
destaque para o planejamento do uso e ocupação do solo.
Ou seja, sempre deve ser considerada a inter-relação da gestão de recursos
hídricos com suas variáveis supervenientes, do meio ambiente e do
desenvolvimento urbano e regional, e das intervenientes, envolvendo os diversos
setores usuários das águas.
Chegando agora a diretrizes gerais para as regiões metropolitanas do Nordeste,
registra-se que, por certo, deve ser definido um modelo institucional distinto
daquele a ser empreendido no Semiárido brasileiro, portanto, com suas
específicas unidades territoriais para planejamento e gestão, sempre
caracterizadas por suas elevadas densidades populacionais, tal como foi proposto
para os problem-sheds das regiões do Sul, Sudeste e do Centro-Oeste.
De fato, frente à elevada concentração da população lindeira ao mar, os
problemas estão vinculados ao uso e ocupação do solo e ao potencial
comprometimento de mananciais, inclusive de certos aquíferos. Sendo assim,
também serão necessárias abordagens integradas, no caso do Nordeste com
ênfase em áreas de concentração de pobreza (favelas, cortiços e ocupações
desconformes). Isto significa que as ações devem considerar um duplo objetivo,
envolvendo o combate à pobreza e a melhoria hídrico-ambiental urbana, o que é
possível na medida em que ambos os problemas encontram-se sobrepostos no
território.
Com isto posto, no que tange aos mencionados Programas de Ação, cabe anotar:
(i) a infraestrutura de armazenamento corretamente construída, para mitigar
efeitos da evapotranspiração e otimizar a regularização, portanto, com
reservatórios e açudes com a maior profundidade possível e menores áreas
inundadas; (ii) a infraestrutura de transporte de água (canais e adutoras) definida
segundo eixos com localização compatível com o desenvolvimento de atividades
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econômicas e com estratégias para ordenamento do território, por vezes, voltadas
à consolidação e adensamento da rede urbana; (iii) o desenvolvimento de
alternativas de baixo custo para sistemas localizados de suprimento (cisternas,
poços locais, barragens subterrâneas e outras formas); (iv) informações
hidrometeorológicas, hidrogeológicas e sistemas de apoio à decisão (SADs),
voltados ao gerenciamento das disponibilidades e das demandas, a serem
operados por instituições capazes de garantir sua aplicação junto aos usuários e
comunidades.
Em acréscimo, os Programas de Ação também devem tratar: da redução de
perdas e desperdícios, chegando a uma operação e manutenção mais
consistente dos sistemas de reservação e de distribuição de água; de
negociações relacionadas à alocação das disponibilidades entre os diferentes
setores usuários; e, da adequação dos instrumentos de gestão às peculiaridades
regionais, por exemplo, com a outorga sendo mais flexibilizada para curta
duração, em certos períodos sujeita a regimes de racionamento.
Por fim, em termos das UTEGs, tendo em vista a interligação de bacias mediante
reservatórios, açudes, canais e adutoras, será indispensável considerar a devida
O&M dessa infraestrutura hídrica.
Instituições e Atores Estratégicos
Para encerrar o presente item 2.4.3, com diagnósticos e diretrizes gerais
relacionadas às regiões Sul, Sudeste e do Centro-Oeste, também incluindo as
áreas metropolitanas do Nordeste, agora serão listadas, de forma muito genérica,
as principais instituições e atores considerados como estratégicos para uma
efetiva Governança na gestão de recursos hídricos.
- Ministério do Meio Ambiente e suas Secretarias de Recursos Hídricos e
Ambiente Urbano (SRHU) e de Extrativismo e Desenvolvimento Rural
Sustentável, além da Secretaria de Mudanças Climáticas e Qualidade
Ambiental, responsável pelo Plano Nacional de Adaptação a Mudanças
Climáticas;
- Conselhos Nacionais de Recursos Hídricos (CNRH) e do Meio Ambiente
(CONAMA);
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- Agência Nacional de Águas (ANA);
- Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
(IBAMA), com suas instâncias locais próprias;
- Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e suas Secretarias de
Política Agrícola, de Defesa Agropecuária e de Produção e Agroenergia,
além da presença de instâncias regionais da Empresa Brasileira de
Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA);
- Ministério de Minas e Energia, contando com a Empresa de Pesquisa
Energética (EPE), Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL),
Operadora Nacional do Sistema interligado (ONS), Companhia de
Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM) e o Departamento Nacional de
Produção Mineral (DNPM), além da Eletrobrás, da Itaipu Binacional25 e,
para determinadas ações, da própria Petrobrás;
- Ministério dos Transportes, com instâncias voltadas a redes logísticas de
transporte, com inclusão de hidrovias;
- Ministério das Cidades e sua Secretaria Nacional de Saneamento
Ambiental;
- Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior e sua
Secretaria do Desenvolvimento da Produção;
- Secretarias Estaduais do Meio Ambiente e de Recursos Hídricos (Rio
Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro, Minas
Gerais, Espírito Santo, Goiás e Distrito Federal, Mato Grosso do Sul e Mato
Grosso, além de Tocantins), assim como seus respectivos Órgãos
Gestores do Meio Ambiente e de Recursos Hídricos, com interesse sobre a
experiência recente do Instituo Estadual do Ambiente (INEA/RJ) e das
Agências Reguladoras sobre Saneamento e Energia, com destaques para
a ARSESP (SP) e ADASA (DF), sem esquecer a abordagens de instituições
similares relacionadas com as regiões metropolitanas nordestinas;
25 Como referência da Itaipu Binacional, cabe lembrar o Programa Cultivando Água Boa, com
abordagem da bacia hidrográfica do Paraná III.
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- Secretarias de Estado de Planejamento, com inclusão de órgãos
coordenadores de regiões metropolitanas, a exemplo da COMEC -
Coordenação da Região Metropolitana de Curitiba;
- Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos e do Meio Ambiente e os
principais comitês de bacias, tanto estaduais quanto federais, tais como o
CEIVAP (Comitê do Paraíba do Sul), o do Piracicaba, Capivari e Jundiaí
(PCJ), do Alto Tietê, da bacia do Rio Doce, do Rio das Velhas (MG), do Rio
Gravataí (RS), do Rio Itajaí-Açu (SC) e do Rio Paranaíba (DF, GO, MG e
MS), além de muitos outros;
- Concessionárias Estaduais de Saneamento Básico, departamentos e
empresas municipais ou do setor privado, responsáveis por sistemas de
abastecimento da água e coleta e tratamento de esgotos sanitários, com
destaques para a Sabesp (SP), Sanepar (PR), Cedae (RJ), Copasa (MG) e
Caesb (DF), além de muitas outras e das concessionárias nordestinas que
atendem as regiões metropolitanas, a exemplo da Embasa (BA), Compesa
(PE) e da Caern (RN);
- Companhias de Geração de Energia Elétrica, de economia mista ou
privada, com destaques para Furnas (MG), vinculada à Eletrobrás, Cemig
(MG), Copel (PR) e Light (privada), além da Itaipu Binacional (já listada), de
muitas Pequenas Centrais Hidroelétricas (PCHs) e de empresas do
Nordeste, como a Coelba (BA);
- Principais Prefeituras Municipais, incluindo: Porto Alegre, Sapucaia do Sul,
Caxias do Sul, São Luiz Gonzaga e Santa Maria (RS); Florianópolis,
Blumenau, Joinvile e Chapecó (SC); Curitiba, Londrina, Cascavel e Foz do
Iguaçu (PR); São Paulo, Campinas, Piracicaba, Santos, Presidente
Prudente, Andradina e São José do Rio Preto (SP); Rio de Janeiro, Angra
dos Reis, Teresópolis, Resende e Macaé (RJ); Belo Horizonte, Contagem,
Uberlândia, Paracatu, Montes Claros, Jequitinhonha, Governador
Valadares e Juiz de Fora (MG); Vitória, Colatina e Itapemirim (ES); Brasília
(DF); Goiânia, Rio Verde e São Miguel do Araguaia (GO); Campo Grande,
Dourados, Ponta Porã, Sonora e Corumbá (MS); Cuiabá, Guarantã do
Norte, Juruena e Rondonópolis (MT); e, Palmas, Sandolãndia e Araguaína
______________________________________________________________________________
75
(TO), além das capitais nordestinas (Salvador, Aracajú, Maceió, Recife,
João Pessoa, Natal, Fortaleza, Teresina e São Luis) e de outras cidades,
seja com suas presenças voltadas ao planejamento urbano para uso e
ocupação do solo ou a respeito de áreas de expansão agropecuária;
- Departamentos municipais e empresas privadas responsáveis pela coleta e
disposição final de resíduos sólidos;
- Confederação Nacional da Agricultura (CNA) e suas Federações Estaduais
associadas, além de outras entidades regionais relacionadas a este
segmento produtivo, com destaque para cooperativas agroindustriais, a
exemplo da Cooperativa Mista de Prudentópolis e da Copagil, e de
diversas associações de produtores rurais;
- Confederação Nacional da Indústria (CNI) e suas Federações Estaduais
associadas, com ênfase em industriais que demandem elevadas vazões de
recursos hídricos, superficiais ou subterrâneos; e,
- Secretarias de Defesa Civil.
Por fim, pensando em passos executivos do presente estudo, a serem
empreendidos mais a frente, torna-se evidente que listagens bem mais
específicas e detalhadas sobre as instituições e atores deverão ser abordadas
com óticas próprias às três leituras regionais que foram apresentadas.
2.5. A Importância de Cenários sobre Mudanças Climáticas em Relação à
Governança na Gestão de Recursos Hídricos
Como último tópico do presente capítulo, além das leituras regionais que foram
feitas, devem ser considerados cenários prospectivos, notadamente em
decorrência de possíveis mudanças climáticas.
Neste sentido, cabe lembrar que a própria Lei Nacional nº 9.433, em seu Art. 2º,
retranscrito a seguir, menciona os seguintes objetivos:
Art. 2º São objetivos da Política Nacional de Recursos
Hídricos:
I. assegurar à atual e futuras gerações a necessária
disponibilidade de água, padrões de qualidade adequados
______________________________________________________________________________
76
aos respectivos usos;
II. a utilização racional e integrada dos recursos
hídricos, incluindo o transporte aquaviário, com vistas ao
desenvolvimento sustentável;
III. a prevenção e a defesa contra eventos hidrológicos
críticos de origem natural ou decorrentes do uso
inadequado dos recursos naturais.
(destaques negritados)
Para considerar futuras gerações e perspectivas, sob a ótica de um
desenvolvimento sustentável e com a previsão de eventos hidrológicos
críticos, fica destacada a importância do Eixo I dos estudos da Rede Água,
voltado a cenários sobre possíveis mudanças climáticas.
A propósito, cabe lembrar que dentre as diretrizes já dispostas pelos consultores
deste Eixo I, merecem ser anotadas as seguintes26:
- os sistemas de gestão devem seguir com maior flexibilidade, para que
ocorra melhor resiliência face à indispensável adaptação a graus de risco
advindos de mudanças climáticas; e,
- os instrumentos de gestão não devem ser abstratos, mas sim ter como
base dados mais reais e consistentes.
Com isto posto, percebe-se a complexidade do presente trabalho, com os estudos
em tela podendo consolidar suas proposições somente mais à frente, voltadas a
eventuais adequações da Governança sobre a Gestão de Recursos Hídricos,
sempre sob a visão de que não devem ser empreendidas de forma isolada e
pontual, mas sim, com as devidas articulações e considerações dos demais eixos
da Rede Água.
26 Diretrizes dispostas por Francisco de Assis Souza Filho, em debates que ocorreram durante o
Evento Adaptation Futures 2014, ocorrido entre 12 a 16 de maio de 2014, em Fortaleza, no Ceará.
______________________________________________________________________________
77
3. Base Legal e Institucional do SINGREH e de Certos SEGREHs
As abordagens regionais que foram apresentadas no capítulo anterior, já
contando com diretrizes gerais, agora serão cruzadas com o modelo de gestão
que foi genericamente desenhado para o SINGREH, assim como, com certos
SEGREHs, sob o intuito de avaliar o estado da arte da Governança e, também,
da Governabilidade sobre a gestão dos recursos hídricos. Portanto, pretende-se
identificar as principais frentes de adequação, para reduzir deficiências e
fragilidades, presentes e/ou previstas, tendo em vista a necessidade de
adaptações a mudanças climáticas.
3.1. Descrição Geral do SINGREH
Em termos do contexto do Aparelho do Estado, então vigente no País, cabe
ressaltar que o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos
(SINGREH), criado pela Lei Federal nº 9.433, publicada em 8 de janeiro de 1997,
estabeleceu um arranjo institucional inovador, com base em novos princípios
sociais de organização, com a intenção de estabelecer uma gestão compartilhada
das águas.
A publicação desta Lei Federal – provinda do Projeto de Lei nº 2.249/1991,
proposto pelo Poder Executivo, ainda sob um formato um tanto centralizador –
teve como principal referência o modelo francês para gestão de recursos hídricos,
o qual já havia sido transcrito e adaptado a condições locais do Brasil mediante a
Lei Estadual do Sistema de Gerenciamento de Recursos Hídricos de São Paulo
(Lei nº 7.663/1991). Além disso, também foram considerados conceitos e
referências externas definidas em Dublin (1992), muitos dos quais tiveram
destaques durante o evento ECO-92, que ocorreu no Rio de Janeiro, onde esteve
em pauta a Agenda 21.
Em sua formulação geral, existe relativa similaridade entre a legislação federal e a
grande maioria das leis estaduais vigentes, relativas aos sistemas de
gerenciamento de recursos hídricos. Com efeito, em todas é possível identificar
três blocos principais, cujos conteúdos podem ser assim sintetizados:
______________________________________________________________________________
78
fundamentos, objetivos e diretrizes gerais de ação, que expressam conceitos
amplamente aceitos, relativos a: visão abrangente dos problemas; usos
múltiplos dos recursos hídricos; água como recurso escasso dotado de valor
econômico; articulação e integração com outros setores, uso da bacia
hidrográfica como unidade de planejamento e gestão; e uma gestão
descentralizada e participativa, dentre outros;
um modelo institucional, composto de um colegiado deliberativo superior
(Conselho Nacional e seus correspondentes nos estados); colegiados
regionais deliberativos a serem instalados nas unidades de planejamento e
gestão (os Comitês de Bacia); e, as instâncias executivas das decisões dos
colegiados regionais (as agências de água de bacias hidrográficas); e,
um conjunto de instrumentos de gestão composto: dos planos nacional e
estaduais de recursos hídricos e de planos de bacias hidrográficas;
enquadramento dos corpos d’água em classes, sinalizando objetivos de
qualidade a serem alcançados quando da implantação dos planos de bacia;
outorga pelo direito de uso da água, como instrumento de regulação pública
(estatal) de uso, tornada compatível com os objetivos socialmente
estabelecidos nos planos e respectivos enquadramentos; cobrança pelo uso
de recursos hídricos, sinalizando que a água tem valor econômico e que sua
disponibilidade corresponde a um preço social (público); e, sistemas de
informações de recursos hídricos, onde estão reunidos, consistidos e
disponíveis dados de oferta (disponibilidades), de demandas (cadastros de
usuários) e sistemas de apoio à decisão.
A abordagem do modelo institucional adotado pelo SINGREH, apresentado pelo
Esquema 3.1, implica na enumeração das instâncias decisórias que o estruturam,
as quais não devem ser vistas isoladamente, mas sim com uma divisão de
encargos e de trabalhos conjuntos de um Sistema, assim composto:
Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH);
Conselhos de Recursos Hídricos dos Estados e do Distrito Federal;
Comitês de Bacias Hidrográficas (CBHs);
______________________________________________________________________________
79
Agência Nacional de Águas (ANA) 27;
órgãos dos poderes públicos federal e estaduais, cujas competências se
relacionem com a gestão de recursos hídricos; e,
Agências de Água de Bacias Hidrográficas.
Esquema 3.1 – Estrutura Geral do SINGREH
CONSELHO
NACIONAL DE
RECURSOS
HÍDRICOS - CNRH
MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE
SECRETARIA DE
RECURSOS
HÍDRICOS - SRH
Estrutura federal conforme
Lei Federal 9.433/97 e lei
9.984/00 da ANA; a SRH
exerce os papéis de
formuladora de políticas a
serem aprovadas pelo
CNRH e de sua secretaria
executiva; a ANA é a
entidade operacional do
sistema, responsável por
sua implantação.
AGÊNCIA
NACIONAL DE
ÁGUAS - ANA
COMITÊS DE
BACIAS
HIDROGRÁFICAS
DE RIOS
FEDERAIS
AGÊNCIAS DE
ÁGUA
Estrutura da bacia
hidrográfica conforme Lei
Federal 9.433/97
CONSELHO
ESTADUAL DE
RECURSOS
HÍDRICOS - CERH
COMITÊS DE
BACIAS
HIDROGRÁFICAS
DE RIOS
ESTADUAIS
SECRETARIA ESTADUAL COM ATRIBUIÇÕES EM
RECURSOS HÍDRICOS
ÓRGÃO
ESTADUAL
GESTOR DE
RECURSOS
HÍDRICOS
AGÊNCIAS DE
ÁGUA
Estruturas estaduais
variáveis em cada Estado,
conforme as leis
respectivas; a Autarquia ou
Empresa Paraestatal de
Recursos Hídricos é uma
tendência observada na
região nordeste, a ser
confirmada no restante do
país, de entidade
operacional do sistema,
responsável pela sua
implantação, no todo ou em
parte, a exemplo da ANA,
no âmbito federal.
AUTARQUIA OU
EMPRESA
PARAESTATAL DE
GESTÃO DE
RECURSOS HÍDRICOS
AMBITO FEDERAL
AMBITO FEDERAL
COMPARTILHADO COM
ESTADOS
AMBITOS ESTADUAIS
Fonte: Agência Nacional de Águas (ANA)
No que concerne à gestão descentralizada e participativa do SINGREH, cabe
ressaltar que, após dezessete anos da promulgação da Lei Federal nº 9.433//97,
já foram instalados mais de 200 comitês, no âmbito de bacias em rios sob o
domínio da União ou sob o domínio dos estados federativos.
27 A Agência Nacional de Águas (ANA) foi criada posteriormente, em 2000, segundo a Lei Federal
nº 9.984/2000, passando a exercer um papel de grande relevância junto ao SINGREH.
______________________________________________________________________________
80
Assim, as dinâmicas em curso mostram que, havendo vontade política e não se
permitindo práticas de cooptação, o papel dos diversos atores e sua participação
na gestão hídrica tende a aprimorar os padrões de Governança, estabelecendo
novas mediações entre o Estado, usuários das águas e representantes da
sociedade civil, com base no aperfeiçoamento dos princípios de uma gestão
compartilhada, descentralizada e participativa dos recursos hídricos.
Mesmo assim, a propósito Carlos E. M. Tucci28 escreveu, litteris:
Após a criação da lei nacional de recursos hídricos em 1997,
o desafio foi de implementar e regulamentar as instituições
previstas e passar à descentralização setorial e espacial
(Estados e bacias) e à sustentabilidade econômica de longo
prazo. Esta construção institucional é a condição
necessária, mas não é suficiente para obter o
desenvolvimento sustentável dos recursos hídricos e do
meio ambiente, pois o marco institucional é um
processo e não um fim em si próprio. Este processo
deve ser suficiente para criar os arranjos, as
informações e as decisões para que o desenvolvimento
da água seja sustentável.
(negritados e sublinhados pela consultoria)
Com isto posto, cabe ressaltar que essa abordagem de C.E.M. Tucci mostra-se
bastante convergente com muitos dos questionamentos dispostos pelos
procedimentos metodológicos que foram apresentados no capítulo 1,
nomeadamente com o Planejamento Institucional Estratégico e a Metodologia
APEX, além da devida consideração de outros procedimentos que deverão entrar
em pauta em decorrência da necessária adaptação a mudanças climáticas.
Ademais, cabe ressaltar que, não obstante os avanços que já foram obtidos pelo
SINGREH, torna-se fundamental ao Brasil dar respostas consistentes a certos
28 Artigo sob o título: Desenvolvimento Institucional dos Recursos Hídricos no Brasil. In: Revista
REGA, vol. 2, nº 2, p. 81-93, jul/dez. 2005.
______________________________________________________________________________
81
questionamentos sobre a sua efetiva aplicabilidade e pragmatismo, tanto frente a
perspectivas de mudanças climáticas, quanto em decorrência da constatação
presente de que vêm ocorrendo certas estagnações e lacunas, portanto, sem que
muitos dos resultados necessários e soluções concretas estejam sendo
alcançados.
Isto significa que a legislação constitui um “veículo” (meio) para que sejam
consubstanciados conceitos e operacionalizados instrumentos para a gestão dos
recursos hídricos, segundo as bases teóricas e aprendizados práticos
desenvolvidos nas últimas décadas, no Brasil e em outros países.
Portanto, para que sejam mantidos e retomados objetivos inicialmente
apresentados, antes de seguir na mera aplicação mecânica da legislação, cumpre
um esforço adicional para recuperar e buscar o pleno entendimento dos conceitos
que conferem substrato à moderna gestão das águas, de modo a identificar
eventuais desvios ou perdas de conteúdo, seja na interpretação da base legal
vigente ou na aplicação prática das disposições da Lei Federal nº 9.433/1997.
Neste sentido, sob a ótica do Plano Nacional de Adaptação a Mudanças
Climáticas, cabe questionar se houve um pragmatismo do SINGREH para
abordagens de distintos problemas regionais, os quais podem se tornar ainda
mais relevantes e específicos em cenários prospectivos, portanto, com muitas das
leis estaduais não devendo apenas reproduzir genericamente a lei e o Sistema
Nacional em pauta.
Ao contrário, entende-se que será preciso rever uma leitura territorial do País, sob
uma perspectiva própria ao gerenciamento dos recursos hídricos, tal como já
recomendado para a atualização do Mapa de Gestão elaborado pela ANA. Neste
sentido, pode-se afirmar que a mera divisão geográfica em macrobacias está
longe de responder à complexidade inerente ao tema.
Sendo assim, em plena consonância com procedimentos metodológicos já
apresentados, cabe lembrar como necessários:
o cruzamento da natureza dos problemas e de suas prioridades com os
conceitos identificados como úteis para seu enfrentamento, tendo em vista
os limites e condicionantes do contexto legal e institucional vigente, para a
______________________________________________________________________________
82
abordagem de questões e problemas atuais e futuros, a exemplo de
mudanças climáticas;
a formatação de um mapa hidrogeográfico nacional para gerenciamento dos
recursos hídricos no Brasil, com a identificação de núcleos de problemas (os
problem-sheds em bacias de afluentes e em sub-bacias) e de abordagens
mais regionais, que possam indicar referências para uma divisão de funções
e de trabalhos entre os níveis federal, estadual e, inclusive, municipal, em
conformidade com o processo decisório relacionado à gestão dos recursos
hídricos;
assim, este Mapa de Gestão deve possibilitar a definição de uma
abordagem institucional adequada para acessar os problemas, de acordo
com sua natureza e background específico (áreas de ação de políticas
públicas e de participação do setor privado);
o Mapa pode, também, auxiliar na identificação de instrumentos de
implementação, notadamente quanto à delimitação e traçado de planos de
trabalho, com o possível apoio financeiro da União (para problemas
regionais mais abrangentes) e dos próprios estados da federação (para
problemas mais específicos a seus territórios);
a respeito de leituras com base em bacias hidrográficas, que sempre serão
essenciais, cabe ressaltar que devem ser vistas como um espaço geográfico
natural de solidariedade, uma vez que atividades a montante impactam a
jusante (por vezes, vice-versa), sempre com essa leitura voltada para
convergência e coordenação de políticas, entre desenvolvimento regional,
questões de meio ambiente, gerenciamento de recursos hídricos e de
setores usuários; e,
por fim, sob tal abordagem, com base na sobreposição de diferentes leituras
territoriais estratégicas (com aplicação do conceito de “geometria variável”),
cabe ressaltar que tornar-se-á indispensável identificar diferentes unidades
territoriais para uma implementação pragmática de programas e projetos,
quer sejam focados em áreas com problemas concentrados ou em questões
mais voltadas ao desenvolvimento regional e à proteção do meio ambiente.
______________________________________________________________________________
83
Com isto posto, como resposta a um questionamento sobre os rebatimentos do
SINGREH sobre as legislações estaduais de recursos hídricos, será abordada a
leitura da Lei Federal nº 9.433, como sendo uma Lei Nacional.
3.2. Abordagem da Lei Federal nº 9.433/1997, como Lei Nacional
Sob uma ótica jurídico-legal, principalmente levando em conta a Constituição
Brasileira, cabe ressaltar que a Lei Federal nº 9.433/1997 sobrepõe-se, enquanto
texto normativo, a todas as esferas de poder legislativo na convivência federativa
brasileira. Ou seja, não é uma restrita norma federal, mas deve ser vista como
uma Lei Nacional.
Por isso, na sua ementa está escrito que ela institui a Política Nacional de
Recursos Hídricos e cria o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos
Hídricos. É, pois, uma lei de observância nacional, inobstante ter, formalmente,
a característica de lei ordinária federal.
Esta questão, por sinal, evoca incursão de análise doutrinária aceita pelo direito
constitucional brasileiro, como bem demonstra o jurista Gabriel Ivo29, litteris:
O Estado Federal é aquele cuja ordem jurídica é composta
do subconjunto de normas centrais, vigentes para todo o
território e produzida por um órgão central, e do subconjunto
de normas locais, válidas para partes do território e
produzidas por outros órgãos que não o central. O conjunto
das normas centrais e normas locais – ambas parciais –
forma a ordem jurídica global do Estado.
(...)
O regime jurídico brasileiro possui quatro Sistemas: a) o
Sistema Nacional; b) o Sistema Federal; c) os Sistemas
Estaduais; e d) os Sistemas Municipais.
Isto significa que o âmbito de validade de uma lei nacional é mais abrangente e
diverso do que leis federais específicas. Sendo assim, no caso do Brasil, as leis
estaduais, do Distrito Federal e dos municipais podem seguir com seus princípios,
29 In: Constituição Estadual, São Paulo, Max Limonad, 1977, p. 83-84.
______________________________________________________________________________
84
voltando-se a abordagens locais mais próprias, mas não se confundindo ou se
contradizendo mutuamente.
Ao contrário, devem considerar e respeitar fundamentos, objetivos e diretrizes
gerais, tais como os que foram dispostos pela Lei Nacional no 9.433, ancorada
nos pressupostos constitucionais, próprios e exclusivos da Carta de 1988, sob
uma ordem pública e interesse coletivo, em que pese a vigente dupla
dominialidade dos recursos hídricos, hoje com certos reservatórios, lagos e rios
federais e outros estaduais.
Como exemplo a respeito, cabe lembrar que, segundo a Constituição Federal
(CF), somente o Aparelho do Estado pode e deve empreender certas atividades
que se caracterizam como funções públicas essenciais. Ou seja, por certo que o
SINGREH não pode ser visto ou estruturado como se estivesse por fora do
Aparelho de Estado, ainda que muitas deliberações significativas tenham sido
delegadas, via a Lei Nacional nº 9.433, a comitês e conselhos de recursos
hídricos – instâncias coletivas decisórias, sem personalidades jurídicas30.
Enfim, sempre cabe manter encargos regulatórios devidos sob uma
responsabilidade própria ao Poder Público, notadamente no caso da emissão de
outorgas para direitos de uso da água, além da tipificação de ações e atividades
sujeitas a advertências, infrações e penalidades.
Neste sentido, cumpre destacar o inciso XIX do Art. 21 da CF, transcrito litteris:
Art. 21. Compete à União:
(...)
XIX - instituir sistema nacional de gerenciamento de
recursos hídricos e definir critérios de outorga de
direitos de seu uso;
30 Deve-se reconhecer que decisões definitivas a respeito da emissão de outorgas para direitos
de uso da água não devem ser dispostas sob a responsabilidade exclusiva de comitês de bacias
e/ou de conselhos de recursos hídricos, uma vez que tais instâncias coletivas podem ser
dominadas por determinados segmentos com interesses particulares, por conseguinte, com certas
decisões podendo ser questionadas e revistas por órgãos gestores de recursos hídricos, federal
ou estaduais, aos quais legalmente compete a emissão de outorgas, sob perspectivas do Aparelho
do Estado, e não sob interesses particulares, inclusive de um Governo em mandato.
______________________________________________________________________________
85
(...)
(negritos pela consultoria)
Mesmo assim, em que pese a existência de uma Política Nacional de Recursos
Hídricos, cada unidade federativa (envolvendo todos os estados e o DF) pode e
deve elaborar sua própria política das águas, desde que esta não contrarie o
disposto pela legislação nacional. Ou seja, sem deixar de considerar o contexto
constitucional, é importante resublinhar uma das principais diretrizes da própria
Política Nacional de Recursos Hídricos, notadamente no caso do inciso II do
Art. 3º, da Lei nº 9.433 (já destacada no início do Cap. 2), que menciona a
necessária “adequação da gestão de recursos hídricos às diversidades
físicas, bióticas, demográficas, econômicas, sociais e culturais das diversas
regiões do País”.
Além disso, cumpre considerar o regime de atribuições legislativas concorrentes,
tal como fixado pela Constituição Federal, segundo a qual compete à União
estabelecer as diretrizes (normas gerais) sobre os temas arrolados no art. 24 do
texto constitucional, ao passo que cabe aos Estados e ao Distrito Federal (em
certos casos, também aos municípios) suplementar essas diretrizes,
considerando suas respectivas peculiaridades, tal como transcrito litteris:
Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito
Federal legislar concorrentemente sobre:
(...)
VI - florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza,
defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio
ambiente e controle da poluição;
(...)
VIII - responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao
consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético,
histórico, turístico e paisagístico;
§ 1º - No âmbito da legislação concorrente, a
competência da União limitar-se-á a estabelecer normas
gerais.
______________________________________________________________________________
86
§ 2º - A competência da União para legislar sobre
normas gerais não exclui a competência suplementar
dos Estados.
(itens negritados e sublinhados pela consultoria)
Portanto, segundo as abordagens jurídico-legais e conceituais dispostas, justifica-
se a edição de leis estaduais mais próprias às características regionais, vez que,
sob uma ótica mais pragmática e realista, devem ocorrer condições mais
compatíveis à aplicabilidade e efetividade da Política Nacional de Recursos
Hídricos. Assim, prevalece o entendimento de que pertence à União a
competência para legislar sobre águas, em sentido genérico (normas gerais),
competência esta que não deve constranger o espaço constitucional e a
possibilidade dos entes federados estabelecerem regras mais específicas e
próprias sobre os recursos hídricos que se encontram sob seu respectivo
domínio, regras estas entendidas em termos de guarda, gestão e administração
de recursos hídricos, isso porque os Estados e o DF podem suplementar as
diretrizes gerais, de acordo com suas peculiaridades regionais e culturais.
Enfim, mesmo considerando o contexto nacional da Lei nº 9.433, há espaço para
questionar algumas das meras reproduções ou de eventuais limitações de certos
SEGREHs frente ao SINGREH, podendo-se afirmar, de pronto, que as unidades
federativas não devem ficar simplesmente submetidas ao desenho geral do
Sistema Nacional, deixando de observar seus perfis regionais e problemas
específicos.
Isto não quer dizer que o SINGREH seja visto sob um aspecto negativo, mas sim,
com o objetivo de assegurar seus fundamentos e princípios genéricos, sempre
voltados a uma gestão descentralizada e participativa, abordado a seguir.
3.3. Governança e Governabilidade vistas como Indispensáveis para uma
Efetiva Gestão de Recursos Hídricos
Contando com as abordagens jurídico-legais já dispostas, agora devem ser
revistos e considerados certos conceitos, entendidos como fundamentais para
que ocorra uma efetiva gestão dos recursos hídricos, inclusive tendo em vista as
necessárias e possíveis adaptações a mudanças climáticas.
______________________________________________________________________________
87
Neste sentido, em relação ao SINGREH, cabe lembrar seu perfil, com base em
fundamentos e diretrizes para um Sistema descentralizado e participativo, tal
como consta no Inciso VI do Art. 1º da Lei Nacional nº 9.433/1997, transcrito a
seguir:
VI - a gestão dos recursos hídricos deve ser
descentralizada e contar com a participação do Poder
Público, dos usuários e das comunidades.
Com isto posto, torna-se evidente a intenção de que o SINGREH conte com uma
Governança para a gestão de recursos hídricos, a ser entendida como a
indispensável interação participativa com os diversos stakeholders, públicos e
privados, envolvidos em processos decisórios, de modo a conferir substância,
sustentabilidade e permanência para uma gestão integrada dos recursos hídricos.
Isto significa que a gestão das águas não deve ser tratada como um setor
específico e sob a predominância de interesses particulares, mas sim, como um
campo de atuação abrangente e transversal, portanto, envolvendo e incentivando
todos os setores usuários a se aderirem substantivamente ao Sistema de Gestão,
sempre considerando aspectos ambientais e dos ecossistemas presentes.
Neste sentido, cabe ressaltar que a qualidade do meio ambiente e dos recursos
hídricos é socialmente construída, ou seja, é resultado da atuação de múltiplos
atores sociais, com o Estado sendo um deles, na maioria dos casos, sempre o
mais importante, todavia, nem sempre o mais incisivo.
Assim, sob o contexto de um Governo autoritário e centralizador, os mecanismos
de Comando e Controle (C&C) costumam ser insuficientes, ainda que a regulação
pública deva ser reconhecida como essencial e entendida como uma instância do
Aparelho de Estado, equidistante do Governo em plantão, dos operadores de
sistemas e dos consumidores finais.
Sob tal entendimento e mediante uma concepção mais moderna, a GIRH deve
ser concebida na direção de modelos institucionais com responsabilidades
compartilhadas, mediante os quais objetivos e metas hídrico-ambientais são
convergidos e os próprios atores sociais assumem conjuntamente seus encargos.
______________________________________________________________________________
88
Quanto a estratégias institucionais para Modelos de Gestão, uma abordagem
importante refere-se às diferenças entre desconcentrar decisões ou descentralizá-
las efetivamente. De fato, operar mediante instâncias regionalizadas, todavia, com
núcleos decisórios junto a um Governo central, revela baixa compreensão do
chamado Princípio da Subsidiariedade, universalmente reconhecido como um
dos fatores fundamentais para uma eficácia na gestão dos recursos hídricos.
Segundo este princípio, toda e qualquer decisão que possa ser assumida
localmente e que não afete terceiros e/ou áreas mais abrangentes, não deverá
subir a instâncias hierárquicas superiores.
Assim, com o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos
(SINGREH) apresentando o fundamento de uma gestão descentralizada – e não
apenas desconcentrada –, cumpre destacar que decisões locais sejam tomadas
mais próximas à base, em espaços institucionalizados. Portanto, os SEGREHs
tornam-se fundamentais para o Brasil, notadamente em decorrência da grande
extensão territorial do País e de suas distintas características regionais, já
abordadas, além de diferenças que poderão ocorrer devido a mudanças
climáticas.
Sob tais conceitos, no que tange a uma Governança descentralizada e
participativa, devem ser novamente e mais profundamente abordados os perfis
dos chamados “comitês de integração”, sempre a serem constituídos sobre uma
maior abrangência territorial, que envolva e integre comitês mais locais, para que
negociações, acordos e decisões conjuntas venham a ser tomadas por estas
instâncias locais, sem que se deixe de considerar questões mais estratégicas e
conjuntas (ver Figura 3.1).
Figura 3.1 – Esquema Genérico de um Comitê de Integração
Unidades territoriais para enfrentar problemas em trechos e/ou sub-bacias
Coordenação e integração de políticas e de programas no âmbito do conjunto da bacia
______________________________________________________________________________
89
Seguindo a respeito, é importante destacar que a integração entre comitês mais
locais não deve ser vista como uma necessária agregação imperativa, muitas
vezes pretendida para uniformizar certos procedimentos, tendo como resultado
potenciais afastamentos das realidades próprias, inclusive de áreas-problema.
Com isto posto, entra em pauta a seguinte pergunta: cabe evitar que em bacias
hidrográficas de maior extensão territorial sejam instalados comitês em bacias de
afluentes, ou mesmo em trechos de rios, motivados por problemas específicos ou
por níveis mais elevados de mobilização social, a exemplo do Alto Tietê?
A resposta é não, fato que revela o entendimento de que as instâncias sub-
regionais mencionadas não devem ser vistas como concorrentes do comitê que
abranja a totalidade da bacia, mas sim, como possíveis parceiros estratégicos,
com maior potencial de representatividade social, na proporção de sua
proximidade com problemas, temas e interesses locais ou sub-regionais.
Assim, volta-se a sublinhar o Princípio da Subsidiariedade no trato de uma
pragmática divisão de encargos, sempre zelando para que os problemas sejam
resolvidos no âmbito mais próximo à sua gênese, sendo alçadas instâncias mais
abrangentes – como os comitês de integração – somente quando ocorrer a
impossibilidade de um equacionamento local tornar-se adequado e efetivo, seja
em razão de insuficiência de capacitação, seja em casos de impasses decisórios,
de falta de recursos ou, ainda, nos casos em que as instâncias locais não abrigam
todos os interessados das questões em pauta, a exemplo de temas regionais
mais abrangentes e estratégicos.
Como um exemplo a respeito, pode-se destacar a bacia do Rio São Francisco,
com área de 638 mil km2, na qual há muitos afluentes vistos como bacias mais
críticas, algumas delas já com seus comitês próprios, como no caso do Rio das
Velhas, que abrange boa parte da Região Metropolitana de Belo Horizonte, a ser
abordada segundo perfis de problemas urbano-industriais predominantes, bem
______________________________________________________________________________
90
diferentes de problemas de outras bacias de afluentes, notadamente daquelas
onde predominam populações rurais dispersas, em boa parte do semiárido (ver
Figura 3.2).
______________________________________________________________________________
91
Figura 3.2 – Bacia do Rio São Francisco e de seus afluentes com diferentes níveis e
perfis de conflitos
Fonte: Plano Decenal da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (ANA, agosto de 2004)
Agora seguindo à frente, sem qualquer restrição à essencial Governança a ser
aplicada em Sistemas de Gestão, cabe lembrar, tal como já mencionado, que as
modernas metodologias para planejamento institucional estratégico destacam que
um modelo institucional não deve constituir um fim em si mesmo, mas sim, ser
estruturado como uma resposta efetiva ao enfrentamento de determinados
problemas, o que significa que a Governança é uma frente fundamental, porém,
não suficiente para se chegar a respostas concretas.
Isto significa que, mesmo com a constituição do SINGREH contemplando uma
indispensável Governança, entendida como a devida interação com a sociedade,
por meio da atuação de instâncias coletivas (conselhos e comitês de bacias), em
______________________________________________________________________________
92
acréscimo cabe ressaltar que é fundamental e também indispensável identificar as
relações entre causas e efeitos, com base em dados e informações técnicas e em
diagnósticos e planejamentos mais consistentes, ou seja, com maior
Governabilidade dos modelos para uma efetiva gestão de recursos hídricos,
notadamente em decorrência da perspectiva de possíveis mudanças climáticas.
Assim, para estabelecer tais relações entre causas e efeitos torna-se necessária:
uma consistência de dados e informações sobre disponibilidades hídricas,
fato que demanda uma rede adequada de monitoramento pluviométrico,
hidrológico, hidrogeológico e de qualidade das águas;
o cadastramento do perfil de usos e usuários das águas, além da devida
fiscalização de usos efetivos;
estudos e balanços hídricos para desenvolver Sistemas de Apoio a Decisões
(SADs); e,
também, um Marco Lógico para planejamento, com a conexão entre
objetivos geral e específicos, indicadores e produtos, intermediários e finais,
a serem alcançados em cada período dos planos de bacias hidrográficas.
Torna-se então evidente a importância da interação do presente trabalho com os
Eixos II e III definidos pela Rede Água, respectivamente voltados à consistência
de dados e informações e à aplicação de instrumentos de gestão de recursos
hídricos, além do Eixo V, voltados aos diferentes setores usuários.
Apenas como uma referência genérica sobre o chamado Marco Lógico, cabe
recomendar que seja pautado por uma Matriz que sintetize a conexão entre os
objetivos geral e específicos, associados a indicadores e produtos, intermediários
e finais, que deverão ser alcançados em cada período de implementação dos
componentes, subcomponentes e respectivos projetos de planos de bacias, com
alguns dos indicadores a serem relacionados a metas definidas para adaptação a
mudanças climáticas, no caso do Plano Nacional em pauta.
Os indicadores devem ser dispostos a partir da escala de macrorresultados,
descendo progressivamente a detalhes dos projetos e de suas respectivas ações
específicas, de modo a facilitar o monitoramento e a avaliação periódica da
execução e dos resultados previstos. Assim, como um mero exemplo, segue o
______________________________________________________________________________
93
formato geral da Matriz a ser aplicada para a formação de um Marco Lógico.
Matriz de Marco Lógico
Objetivo Geral do
Plano e de
programas e
Objetivos
Específicos e seus
respectivos
Componentes e
Subcomponentes
Projetos para
Ações e
Intervenções
Estruturais e
Não
Estruturais.
Frentes de
Trabalho dos
Projetos, com o
Cronograma das
Principais Ações
e Intervenções
Programadas.
Prazos
Estimados,
Produtos
Parciais e
Finais.
Para cada Frente
de Trabalho,
Entidades
Responsáveis
pela execução e
pelo
monitoramento
continuado.
No contexto de adaptação a possíveis mudanças climáticas previstas, tendo em
vista os conceitos já dispostos pelo Eixo I da Rede Água, cabe ressaltar que
diversos dos objetivos, metas e indicadores a serem alcançados devem ser
definidos sob uma ótica mais flexível e adaptativa, em decorrência do crescimento
de graus de incerteza, notadamente quanto a dados e informações
hidrometeorológicas.
Também é importante perceber que os atores intervenientes na implementação de
projetos componentes de planos de bacias, ou de certos programas regionais,
apresentam diferentes atribuições, segundo as etapas, o cronograma geral e os
resultados – locais e regionais – que traduzem a performance global desses
planos ou programas. Além disso, para que sistemas de gestão de recursos
hídricos e seus respectivos instrumentos tenham avanços sucessivos, com as
devidas adequações e inserção de novos conceitos, cabe manter um processo
continuado de avaliação, para o qual se deve criar o tal Marco Lógico que também
corresponda aos objetivos do sistema de gestão e de cada instrumento, com os
períodos devidos às suas implementações e aplicações, em termos de
indicadores executivos e de resultados.
Enfim, para que seja possível contar com um SINGREH consistente, realista e
pragmático, assim como no caso dos SEGREHs, ambas a frentes abordados, da
Governança e da Governabilidade, devem estar em plena pauta, inclusive para
fins das negociações, consensos e acordos que serão necessários para a
adaptação a mudanças climáticas.
______________________________________________________________________________
94
3.4. Problemas Advindos da Dupla Dominialidade de Recursos Hídricos no
Brasil
Mesmo já contando com as devidas abordagens sobre um Sistema de Gestão
descentralizado e participativo (Governança) e da indispensável identificação das
relações entre causas e efeitos (Governabilidade), segue presente um dos
principais desafios sobre o gerenciamento das águas, inclusive a ser considerado
para fins de possíveis e necessárias adaptações a mudanças climáticas: a dupla
dominialidade de recursos hídricos no Brasil.
A propósito, sabe-se que este é um dos temas mais complexos e difíceis, uma
vez que, segundo estabelecido pela Constituição Federal de 1988 (CF):
(a) de um lado, tal como já transcrito, compete à União “instituir sistema
nacional de gerenciamento de recursos hídricos e definir critérios de
outorga de direitos de seu uso” (Inciso XIX do Art. 21); e,
(b) de outro, as águas podem estar sob os diferentes domínios da União, do
Distrito Federal e dos demais estados, fato que impõe uma indispensável
articulação entre os níveis federativos, para assegurar uma gestão
integrada e consistente no âmbito de muitas bacias hidrográficas que são
compartilhadas.
Sendo assim, mesmo considerando a CF, cumpre reconhecer que, no presente,
são os próprios estados e o DF que definem critérios para a emissão de outorgas
em águas sob seus domínios, na maioria dos casos, com a predominância de
interesses próprios, que podem resultar em critérios distintos e contraditórios,
mesmo em bacias hidrográficas que são compartilhadas, por conseguinte, com o
surgimento de certos conflitos e problemas entre estados.
Além de muitos outros casos, como um mero exemplo a respeito, cabe lembrar
que seguindo num rio sob domínio estadual, ao surgir um reservatório construído
pelo Governo Federal, as águas passam ao domínio da União, voltando a ser do
estado logo a jusante da barragem. Neste e em vários casos similares, diferentes
critérios para emissão de outorgas e distintos níveis de fiscalização podem
resultar em contradições e problemas em balanços gerais relacionados ao
conjunto da bacia hidrográfica.
______________________________________________________________________________
95
Vários fatos dessa ordem já ocorreram mesmo com a Lei Nacional nº 9.433 tendo
estabelecido, em seu Art. 4º, que “a União articular-se-á com os estados tendo em
vista o gerenciamento dos recursos hídricos de interesse comum”.
Enfim, entra em pauta a relevante pergunta sobre a modificação ou continuidade
dessa dupla dominialidade das águas no Brasil, cabendo lembrar o recente caso
de crise no Sistema Cantareira, que abastece cerca de 42% da população da
Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), para cuja solução foi proposta, pelo
Governo paulista, a transposição de 5 m3/s a partir da represa Jaguari, situada
entre os ribeirões das Palmeiras e da Boa Vista, portanto, em afluentes estaduais
localizados bem a montante da bacia do Rio Paraíba do Sul, cujas vazões são
consideradas muito relevantes a interesses próprios ao Estado do Rio de Janeiro,
fato que tem demandado a indispensável presença da ANA, para mediar acordos
entre ambos os estados, sob uma ótica mais abrangente e estratégica.
Possíveis alternativas e propostas a respeito da pergunta em pauta serão
abordadas no próximo Relatório 02, sem que se deixe de registrar o mérito sob a
iniciativa da ANA voltada ao Pacto de Gestão das Águas, que tem como
principal referência a Diretiva Quadro das Águas (DQA), desenvolvida pela
União Européia, com acordos entre países europeus baseados em objetivos e
metas, sem interferência na autonomia dos países, em termos legais e
institucionais, fato que revela que não deve ocorrer uma intervenção autoritária
sobre como fazer, mas sim, com um pragmatismo para que sejam efetivamente
atendidos os objetivos e metas, contando com apoios técnicos e de financiamento
e, no caso de não atendimento de acordos, com a aplicação de advertências e
penalidades.
Por fim, como última observação do tópico presente, cabe registrar que, no
mesmo sentido, igualmente deverão ocorrer avanços relacionados à cooperação
internacional, dado que algumas das principais bacias hidrográficas do Brasil
apresentam suas águas compartilhadas com países vizinhos da América do Sul,
notadamente nos casos das bacias do Rio Amazonas e do Paraná - Prata.
3.5. Breves Notas sobre Alguns dos SEGREHs
______________________________________________________________________________
96
Agora, para encerrar o presente Relatório 01, neste tópico serão feitas apenas
breves notas sobre alguns dos SEGREHs, tendo em vista referências sobre
possíveis e necessárias adaptações a mudanças climáticas e avanços na
Governança para gestão dos recursos hídricos.
Assim, em futuras frentes de trabalhos, recomenda-se que ocorram avaliações
bem mais detalhadas sobre todos os SEGREHs, eventualmente no contexto de
um programa a ser empreendido pelo próprio Plano Nacional de Adaptação a
Mudanças Climáticas, tal como já mencionado.
Neste sentido, por certo que estas avaliações deverão procurar uma articulação
conjunta com o Pacto das Águas, no presente, em pleno processo de
implementação pela ANA, que já conta com 24 convênios celebrados com
unidades federativas.
3.5.1. Estados da Região Amazônica
Em relação aos SEGREHs da Região Amazônica, cabe reconhecer que não há
referências importantes, inclusive com o Acre ainda não tendo seu próprio
Conselho Estadual de Recursos Hídricos em plena atuação.
Sendo assim e levando em consideração o perfil regional já descrito (item 2.4.1),
cabe reafirmar a importância de uma abordagem mais ampla e regional, com o
reconhecimento da necessidade de ações e atividades voltadas à proteção e
preservação ambiental, que devem ser consideradas como essenciais no trato de
quaisquer dos eventuais problemas de recursos hídricos, não só para o Brasil,
como também para todo o Planeta.
Portanto, deve entrar em pauta um possível Sistema Regional de Gestão, tendo
em vista “o perfil amazônico, com predominância de baixa densidade
populacional, à exceção de certas concentrações em um número restrito de
cidades e/ou áreas metropolitanas...”.
3.5.2. Estados da Região Nordeste e do Semiárido Brasileiro
Em relação ao Nordeste e, principalmente ao semiárido brasileiro, cabe ressaltar
a referência do modelo de gestão desenvolvido pelo Estado do Ceará, cuja
descrição é apresentada no Anexo II.
______________________________________________________________________________
97
Trata-se de uma abordagem conjunta para gerenciamento e operação da
infraestrutura hídrica que interliga bacias hidrográficas mediante reservatórios,
açudes, canas e adutoras, para que haja reserva, transporte e entrega de água
bruta, voltada aos núcleos onde ocorrem as principais demandas, sem que se
deixe de considerar os usuários locais, no mais das vezes, voltados a produção
agrícola e familiar.
Ainda a respeito do Ceará, no que tange ao abastecimento de água para
comunidades rurais dispersas, outra referência advém do chamado Sistema
Integrado de Abastecimento Rural (SISAR), mediante o qual são definidas formas
estratégicas para ocupação do território e possíveis formas de um gerenciamento
conjunto desses sistemas, incluindo operação e manutenção (O&M).
Mais especificamente em relação à adaptação a mudanças climáticas, outra
significativa referência advém da Fundação Cearense de Meteorologia e
Recursos Hídricos (FUNCEME), tanto no que concerne a dados e informações
consistentes, quanto a SADs, para que ocorra uma distribuição mais segura das
disponibilidades hídricas, com base em acordos negociados entre os vários
usuários.
Mesmo assim, há recentes comentários de que, nos últimos anos, este Estado
não vem apresentando novos e seguidos avanços, em alguns casos, com certa
estagnação. Caso seja assim, é possível afirmar que a presença da FUNCEME
no contexto da elaboração do Plano Nacional de Adaptação a Mudanças
Climáticas tende a dar novo ressalte ao SEGREH do Ceará.
Outra potencial referência entre os estados do Nordeste poderá ocorrer no caso
de Sergipe, tendo em vista o significativo Programa Águas de Sergipe – no
presente, em pleno início –, que será empreendido mediante um Acordo de
Empréstimo celebrado junto ao Banco Mundial, contemplado tanto aspectos de
infraestrutura, quanto da gestão dos recursos hídricos, chegando aos
instrumentos, dados e informações necessárias, assim como, à constituição de
um novo órgão estadual gestor das águas e de uma agência regulatória de
saneamento e energia.
______________________________________________________________________________
98
Sob tal contexto de um Acordo de Empréstimo, entende-se que uma futura
atualização prevista para o Programa Águas de Sergipe poderá contemplar
aspectos relacionados à adaptação a mudanças climáticas, na medida em que
durante a concepção inicial dos programas e projetos componentes, que ocorreu
em meados da década de 2000, esse tema não era tão considerado quanto no
presente.
Sob um contexto similar, também os Estados de Pernambuco e da Paraíba têm
apresentados certos avanços, inclusive como resultados de alguns Acordos de
Empréstimo, que proporcionaram o desenvolvimento institucional de seus órgãos
gestores das águas, além da criação de agências reguladoras estaduais.
Não obstante e salvo melhor juízo, ainda não chegaram ao patamar do Ceará, ou
seja, como referências regionais para uma consistente gestão de recursos
hídricos, com ambos seguindo frente a certos problemas, a exemplo dos volumes
de água para abastecimento da Região Metropolitana de Recife e, no caso da
Paraíba, especialmente de Campina Grande, onde o principal reservatório segue
com certos conflitos entre usos múltiplos, vez que volumes são captados para
irrigação, portanto, gerando graus de risco para esta cidade.
No caso da Bahia, cabe registrar que, nos últimos anos, o Instituto Estadual do
Meio Ambiente e Recursos Hídricos (INEMA) tem contratado a elaboração de
vários planos de bacias hidrográficas, a exemplo das bacias dos rios Grande e
Corrente, afluentes da margem esquerda no trecho médio do Rio São Francisco,
porém, ainda com larga distância para que efetivamente ocorram suas
implementações.
Ademais, cabe lembrar que a Bahia também conta com uma empresa de
economia mista – portanto, com personalidade jurídica similar à COGERH do
Ceará – denominada como Companhia de Engenharia Ambiental e de
Recursos Hídricos (CERB), voltada a garantir oferta de água para
abastecimento de certas cidades do interior e de comunidades rurais, além de
atividades agropecuárias. Contudo, esta empresa é pouco reconhecida no Brasil,
fato que revela certas limitações e a falta de resultados relevantes, notadamente
no caso da solução de riscos próprios ao semiárido, quando períodos de
______________________________________________________________________________
99
escassez pluviométrica apresentam rebatimentos negativos sobre comunidades
rurais dispersas.
No caso do Rio Grande do Norte, ao final da década de 1990 e no início dos
anos 2000 foram tomadas importantes iniciativas voltadas à gestão das águas, a
exemplo da construção da grande Adutora Monsenhor Expedito, que abrange
mais de 200 km e transporta água tratada para centenas de municípios do interior
potiguar, além de comunidades rurais dispersas, alguns atendidos por estruturas
secundárias ou terciárias.
Na sequência, em outubro de 2003 houve a aprovação da Carta-Consulta para a
celebração de um Acordo de Empréstimo com o Banco Mundial, voltado à
implementação do Programa Estadual de Desenvolvimento Sustentável e
Convivência com o Semiárido Potiguar (PSP), porém, com este Acordo sendo
celebrado apenas em 20 de junho de 2008, cujos recursos financeiros aplicados
chegaram, em meados de 2013, a pouco mais de 60% dos gastos previstos por
seus inúmeros projetos, fato que demandou dois aditivos de prazo, um deles
muito recente e ainda vigente.
Assim, torna-se clara uma referência negativa quanto a implementação deste
Programa, que teve cerca de metade de seus projetos não implementados ou
“excluídos” do PSP, além de resultados bem mais modestos do que os previstos,
como no caso de três leis estaduais complementares de recursos hídricos, que só
foram aprovadas recentemente, em janeiro de 2013, ainda sem os seus devidos
decretos de regulamentação.
Por fim, em relação ao Estado do Piauí, cuja região a leste e ao sudeste aborda
parte do semiárido brasileiro, deve-se mencionar que, embora contando com
apoio da ANA, mediante um convênio, e tendo estudos de planejamento
institucional voltados a um novo órgão gestor de recursos hídricos, ainda não
ocorreu sua nova constituição, fato que volta a apontar diversos casos de estudos
que seguem estagnados em prateleiras.
3.5.3. Estados do Sudeste
Em termos de SEGREHs, cabe reconhecer a importância do Estado de São
Paulo, tanto em decorrência de sua legislação estadual já ter sido publicada em
______________________________________________________________________________
100
30 de dezembro de 1991, quanto pela referência que apresentou para o próprio
SINGREH, definido pela Lei Nacional nº 9.433, em 08 de janeiro de 1997.
A respeito deste Sistema paulista, é importante registrar que, em novembro de
2011, foi realizado um Seminário intitulado como Avanços e Desafios na
Gestão dos Recursos Hídricos no Estado de São Paulo, tendo em vista o
elevado período de 20 anos após sua legislação ter sido aprovada e publicada.
Sob tal iniciativa, cabe destacar que São Paulo demonstrou uma elevada
maturidade institucional ao colocar seu Sistema Estadual como objeto de debates,
solicitando não somente a identificação dos avanços que foram obtidos, mas
também dos principais problemas existentes, sempre com vistas ao traçado de
novas frentes de trabalho que pudessem propiciar aprimoramentos e avanços em
todo o Sistema, em seus Instrumentos de Gestão e na interação com os diversos
atores sociais (stakeholders) com interfaces e interesses relacionados à temática
dos recursos hídricos.
Com efeito, é comum que muitos governos e entidades públicas tenham
restrições a avaliações críticas, priorizando somente eventos para elogios
próprios. Já no caso de São Paulo, sem dúvidas com um Sistema pioneiro e dos
mais avançados do país – ao lado do Ceará, que é referência ao semiárido
brasileiro –, a iniciativa de avaliação e identificação de frentes de trabalho
reafirma a tendência para que novos avanços venham a ocorrer, por
consequência, sublinhando a maturidade e o exemplo conferido às demais
unidades da federação.
Neste sentido, como referência aos demais estados, consta no Relatório Geral do
evento, que o Plano Estadual de Recursos Hídricos (PERH/SP) foi identificado
como uma das principais frentes para atuação, desde que, tal como parcialmente
transcrito:
“...seja revisto em sua concepção, contendo os tópicos
que seguem, além de um Marco Lógico, ligado a objetivos,
metas, prazos e entidades responsáveis por sua execução e
avaliação:
______________________________________________________________________________
101
abordagens estratégicas nas relações com estados
vizinhos e bacias hidrográficas compartilhadas,
segundo a inserção macrorregional;
ações estruturais que extrapolam as capacidades e
interesses locais;
a transversalidade em problemas comuns aos diversos
planos de bacias, notadamente para estabelecer linhas
de crédito para tipologias de problemas definidos como
prioritários para o Estado, tendo os planos locais como
contrapartidas e executores;
a efetiva implementação de IGs, ...;
a coordenação regulatória com todos os setores
usuários das águas;
(...)
avaliação institucional do SIGRH/SP, segundo a
Metodologia APEX;
com base nos resultados, a revisão da legislação e
aprimoramentos institucionais do SIGRH/SP, com
destaques para: (a) a figura jurídica das agências de
bacias (hoje, centradas em fundação de direito privado),
de modo a conferir maior atratividade aos usuários-
pagadores e aos municípios; e, (b) o percentual de
representatividade tripartite, com o reconhecimento de
que a sociedade civil deve ser separada em termos de
ONGs, usuários de recursos hídricos e outros segmentos;
(...)
uma estratégia interinstitucional para que o PERH/SP
seja estabelecido como um Programa de Governo, a
ser assumido, em termos executivos, pelos diversos
setores, suas secretarias de estado e entidades
vinculadas;
rever o traçado das UGRHIs, de modo estratégico e
segundo a profundidade de problemas e da dinâmica
dos comitês em atuação;
______________________________________________________________________________
102
(...)
convergência entre o PERH/SO e o ZEE, como
também com os Planos Diretores Municipais,
mediante a adoção de indicadores comuns e
complementares, para conferir transversalidade à
Política dos Recursos Hídricos.
(destaques negritados)
Além dessa referência geral, entende-se que o Comitê das bacias dos Rios
Piracicaba, Capivari e Jundiaí (vistas como o “complexo PCJ”), e sua respectiva
agência, seguem como um dos principais exemplos ao País. De fato, cabe
lembrar que já em 1989 foi constituído um consórcio intermunicipal, no formato de
pessoa jurídica privada, sem fins lucrativos, contando com a essencial
participação de muitas das prefeituras municipais integrantes da bacia em tela,
como também, com os principais usuários de recursos hídricos, tanto sob a
prevalência estatal – a exemplos das empresas da Petrobrás e da Sabesp –,
quanto do setor privado, fato que tende a assegurar a presença dos principais
atores estratégicos para uma gestão regional consistente das águas, mediante
um “consorciamento coletivo”, o qual propiciou a aplicação da cobrança estadual
pelo uso de recursos hídricos.
Também a recente versão atualizada de seu Plano de Bacia deve ser vista como
um bom exemplo, especialmente em termos da aplicação do instrumento de
enquadramento dos corpos d’água, para o qual o território do complexo PCJ, com
cerca de 15 mil km2, foi dividido em nada menos do que 350 unidades para
avaliação das relações entre causas e efeitos, fato que elevou a efetiva
aplicabilidade das classes definidas segundo os usos predominantes.
Seguindo a respeito, porém passando a considerar o perfil do Plano Nacional de
Adaptação a Mudanças Climáticas, por certo que os Planos Estaduais, em sua
maioria absoluta, devem ser revistos, sob a perspectiva de inclusão de novos
cenários que abranjam maiores graus de riscos e possíveis incertezas que serão
advindas das mudanças do clima, fato que demanda uma gestão adaptativa para
todos os SEGREHs.
______________________________________________________________________________
103
Ainda sobre o caso do Estado de São Paulo, volta-se a sublinhar os atuais
problemas relacionados ao Sistema Cantareira, cuja elevada crise presente
coloca em pauta certos questionamentos sobre a atual consistência e capacidade
institucional do Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE/SP), vez que
este órgão gestor de recursos hídricos poderia ter definido, antecipadamente,
certas regras operacionais para a captação de água pela Sabesp. Enfim, tal como
vem ocorrendo na maioria absoluta dos estados federativos, percebe-se a
necessidade de um fortalecimento – em alguns casos, com reestruturação – dos
órgãos estaduais gestores das águas, os quais devem ser submetidos a um
planejamento institucional estratégico, inclusive tendo em vista adaptações a
mudanças climáticas.
Chegando agora a Minas Gerais, não obstante o reconhecimento de avanços
anteriores, especialmente os relacionados à bacia do Rio das Velhas, quando foi
constituída a Associação Executiva de Apoio à Gestão de Bacias Hidrográficas
(AGB Peixe Vivo), posteriormente aprovada como agência da bacia do Rio São
Francisco, deve-se registrar que a versão mais recente de seu Plano Estadual de
Recursos Hídricos (PERH/MG) foi aprovada em outubro de 2010, contando com
muitas das indicações mencionadas para o PERH/SP.
De fato, além de programas concebidos como mecanismos para um apoio à
execução de projetos de vários dos planos locais de bacias hidrográficas, esta
versão do PERH/MG chegou a indicar potenciais fontes para financiamentos,
assim como, determinados avanços quanto a critérios para a emissão de
outorgas. Mesmo assim, até o presente o PERH/MG segue em prateleira, sem
que a maioria de seus programas tenha sido empreendida, fato que repercute o
atual perfil da gestão das águas no Brasil, qual seja, com uma estagnação
predominante.
Mesmo assim, como referência aos demais estados federativos do Brasil, cabe
anotar que, em Minas Gerais, o seu Plano Estadual foi abordado mediante os
seguintes volumes, a considerar:
Volume I: Diagnósticos de Problemas e Aspectos Estratégicos para a Gestão
de Recursos Hídricos, incluindo:
______________________________________________________________________________
104
- as bases conceituais e metodológicas do PERH;
- a interação dialética entre o PERH e o Plano Nacional de Recursos Hídricos;
- a inserção macrorregional do Estado, com destaque para seus interesses
estratégicos relacionados aos recursos hídricos, limites e condicionantes de
bacias compartilhadas com outros estados;
- abordagens indispensáveis advindas de diagnósticos regionais atualizados e
de suas devidas complementações identificadas como necessárias,
incluindo balaços hídricos e a indicação de áreas críticas hídrico-ambientais
e sociais;
- a identificação de insumos e compatibilidades com outros planos
desenvolvidos pelo Governo do Estado, a exemplo de Zoneamento
Ecológico e Econômico (ZEE);
- a identificação e insumos de políticas, programas e projetos de setores
usuários de recursos hídricos; e,
- cenários prospectivos de desenvolvimento, assim como adaptações a
mudanças climáticas previstas, com as projeções de balanços hídricos e
identificação de Unidades Territoriais Estratégicas de Gestão (UTEGs).
Volume II: Instrumentos de Gestão de Recursos Hídricos, incluindo:
- conceitos gerais sobre instrumentos a serem aplicados pela moderna gestão
ambiental e dos recursos hídricos, inclusive tendo em vista a adaptação a
mudanças climáticas;
- Sistema Estadual de Informações sobre Recursos Hídricos;
- cadastramento de usos e usuários de recursos hídricos;
- monitoramento das águas, superficiais e subterrâneas;
- Outorga para Direito de Uso de Recursos Hídricos;
- Enquadramento dos Corpos D’Água em classes, segundo usos
preponderantes;
- Cobrança pelo Uso da Água e outras opções para Instrumentos Econômicos
de Gestão; e,
- mapeamento e diretrizes regionais voltadas à aplicação e integração entre
______________________________________________________________________________
105
os Instrumentos de Gestão de Recursos Hídricos no Estado em estudo.
Volume III: Contexto da Legislação Vigente e Abordagem Institucional do
Sistema Estadual de Gerenciamento de Recursos Hídricos, incluindo:
- contexto das legislações vigentes – federal, estadual e dos principais
municípios –, próprias ou com importantes interfaces com a gestão dos
recursos hídricos;
- descrição do SINGREH e do contexto em que se insere o SEGREH;
- análise geral e avaliação do Sistema Estadual, incluindo a identificação de
seus principais problemas e deficiências genéricas – operacionais,
estruturais e estratégicas –, além de sua efetiva representatividade social e
de resultados objetivos que estejam sendo alcançados;
- propostas de uma estratégia institucional e de eventuais recomendações
para ajustes e aprimoramentos na estrutura e no funcionamento do
SEGREH, inclusive tendo em vista mudanças climáticas previstas; e,
- estimativas sobre a sustentabilidade financeira do SEGREH, para custeio
administrativo e operacional.
Volume IV: Propostas de Programas, Projetos e Ações para Intervenções
Estruturais e/ou Estratégicas a empreender no Estado, incluindo:
- Marco Lógico e estrutura do Plano Estadual de Recursos Hídricos;
- Governabilidade sobre o gerenciamento de recursos hídricos;
- Governança e representatividade do SEGREH;
- propostas de programas, projetos e ações a serem implementados;
- proposta para o gerenciamento executivo do PERH e de sua avaliação
periódica e continuada; e,
- análises e simulações sobre as potenciais fontes de financiamento para
implementação dos programas, projetos e ações do PERH.
No que tange ao Rio de Janeiro, a principal referência tende a ser advinda da
experiência que segue ocorrendo, a partir da fusão entre os órgãos gestores dos
recursos hídricos e do meio ambiente, com o agora presente sendo denominado
______________________________________________________________________________
106
como Instituto Estadual do Ambiente (INEA), com iniciativas similares também
ocorrendo no Estado do Espírito Santo e, mais recentemente, na Bahia.
A propósito, para que ocorra uma indispensável gestão integrada dos recursos
hídricos (GIRH), inclusive tendo em vista uma adaptação a mudanças climáticas,
cabe perguntar se os órgãos gestores do meio ambiente e dos recursos hídricos
devem ser necessariamente fundidos?
Na verdade, sob a intenção de promover a integração entre a gestão ambiental e
dos recursos hídricos, duas alternativas se colocam: (i) a fusão das instituições
que detenham responsabilidades regulatórias sobre a gestão ambiental e a dos
recursos hídricos; ou, (ii) a integração e mútua complementação entre os
procedimentos para licenciamento ambiental e para a emissão de outorgas para
direito de uso das águas.
Contando com tais alternativas, cumpre reconhecer que a eventual fusão entre
instituições não necessariamente integra procedimentos, enquanto a devida
integração entre os processos para licenciamento ambiental e para a emissão de
outorgas não necessariamente implica na fusão entre instituições.
De fato, uma referência positiva a respeito já ocorreu em Minas Gerais, cujos
procedimentos seguem sob um processo unificado, tendo em vista que dados de
outorga devem ser consistentes para um devido licenciamento ambiental. Por
outro lado, como referência negativa, em estudos realizados no Espírito Santo,
em meados de 2007, verificou-se que, ainda sob o contexto da mesma instituição
– no caso, o Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (IEMA) –,
havia divergência entre os dados de licenciamentos e de outorgas, os quais não
eram cruzados, comparados e vistos em conjunto, como mútuos subsídios
importantes.
Assim, segue a atual experiência do INEA do Estado do Rio de Janeiro como
referência a ser considerada, além da afirmação de que certos planos de bacias
estão sendo efetivamente implementados no contexto do RJ31.
31 Afirmações efetuadas pela Dra. Rosa Maria Formiga Johnsson, uma das coordenadoras do
INEA/RJ, durante o XX Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos, realizado em Bento Gonçalves,
no Rio Grande do Sul, em novembro de 2013.
______________________________________________________________________________
107
Para encerrar as abordagens e as referências gerais dos SEGREHs da região
Sudeste, tendo em vista a dupla dominialidade das águas no Brasil, no caso das
bacias compartilhadas entre Minas Gerais (a montante) e o Espírito Santo (a
jusante), com ênfase para a bacia do Rio Doce, cabe questionar se um domínio
único da União facilitaria a resolução de problemas e conflitos? Ou, ao contrário,
seria mais pragmático tratar de acordos e consensos entre ambos os estados,
sempre contando com a mediação da Agência Nacional de Águas, quando se
mostre como necessária?
3.5.4. Estados da Região Sul
Em relação à região Sul, até o final dos anos 1990 e início da década de 2000, o
Estado do Paraná se apresentava como uma das principais frentes de avanços
na gestão de recursos hídricos, em paralelo e com mútua troca de aprendizados
com o Sistema CEIVAP – AGEVAP (bacia do Rio Paraíba do Sul) e, também, com
o complexo PCJ, cujo consórcio intermunicipal foi uma das principais referências
para o SEGREH do Paraná.
Sob este contexto, é importante lembrar que o primeiro Contrato de Gestão,
voltado à definição de responsabilidades e do plano de trabalho para uma agência
de bacia hidrográfica, foi celebrado no Paraná, em dezembro de 2002, entre o
Governo do Estado (Jaime Lerner) e a Associação de Usuários de Recursos
Hídricos das Bacias do Alto Rio Iguaçu e do Alto Ribeira, Contrato este que se
tornou referência para a Lei Federal nº 10.881, aprovada em junho de 2004,
mediante a qual a ANA pode delegar funções inerentes às agências de bacias
hidrográficas para as chamadas “entidades delegatárias”, desde que qualificadas
para tanto, a exemplo da AGEVAP, cujo Contrato de Gestão com a ANA já foi
celebrado em setembro de 2004.
No caso do Paraná, quando ocorreu a troca do Governo Estadual (janeiro de
2003), houve um entendimento completamente equivocado de que estaria
ocorrendo uma “privatização” das águas, fato que gerou o rompimento do
Contrato de Gestão que tinha sido celebrado e, mais do que isto, com uma
inadequada estagnação e um continuado retrocesso no SEGREH/PR, o qual
______________________________________________________________________________
108
escorreu para o final da fila dos demais estados federativos, em relação a uma
consistente e avançada gestão das águas.
No presente, mesmo contando com poucos avanços pontuais mais recentes, o
Paraná segue muito estagnado, inclusive com um significativo equívoco
institucional, relacionado ao atual Instituo das Águas do Paraná (criado como
Ipáguas), em cujo contexto institucional há: (a) de um lado, uma diretoria para
emissão de outorgas (ação regulatória e contratante); e, (b) de outro, uma
diretoria que exerce funções próprias à entidade executiva como agência de
bacias (a ser regulada e contratada), fato que explicita uma inadequada
sobreposição de responsabilidades, a exemplo da possibilidade de que fosse
admitido para a ANA o exercício de encargos de agências de bacias hidrográficas
em rios sob o domínio federal.
Com isto posto, além do rompimento do Contato de Gestão, no Paraná também
deixou de ocorrer a aplicação da Cobrança pelo Uso da Água, cujo valor – já
devidamente negociado com os principais usuários pagadores sobre recursos
hídricos e aprovado pelo Comitê do Alto Iguaçu e do Alto Ribeira e, também, pelo
Conselho Estadual de Recursos Hídricos – estava estabelecido em valor 10 (dez)
vezes acima do que acabou sendo aplicado na bacia do CEIVAP.
Isto significa que, aplicando a Cobrança sobre uma área com cerca de 6 mil km2,
a arrecadação prevista poderia chegar a R$ 25 milhões/ano, enquanto que na
bacia do Paraíba do Sul, com 56 mil km2, o montante não superou R$ 12 milhões
a cada ano.
Portanto, percebe-se que houve uma perda na referência do Paraná, cujo
Governo Estadual (de 2003 a 2010) nunca admitiu que a gestão hídrica e
ambiental deva ser socialmente construída, demandando assim uma Governança
efetivamente democrática, descentralizada e participativa, fato que não coloca
este Estado sob uma perspectiva positiva para um modelo de gestão voltado à
adaptação frente a mudanças climáticas.
Quanto ao Estado do Rio Grande do Sul, as abordagens de gestão referem-se a
três regiões hidrográficas que foram definidas, a saber: a do Rio Guaíba, a do Rio
Uruguai e a do Litoral, com ênfase ao extremo sudeste brasileiro.
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109
No caso da região do Rio Guaíba, a principal referência diz respeito a um
programa para saneamento ambiental e gerenciamento, desenvolvido no início
dos anos 1990, contando com um Acordo de Empréstimo celebrado junto ao
Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), que propiciou intervenções
estruturais, especialmente voltadas a serviços de saneamento básico, portanto,
com alguns avanços importantes naquela época, especialmente voltados à bacia
do Rio Gravataí, que abrange boa parte da Região Metropolitana de Porto Alegre.
Sobre esta bacia do Rio Gravataí, cumpre lembrar que teve um dos primeiros
comitês instalados no Brasil, já em fevereiro de 1989. Portanto, este Comitê vem
atuando há muitos anos, com uma adequação em 2004, porém, seguindo com
certas dúvidas sobre abordagens mais executivas, vez que segue predominando
no Rio Grande do Sul, a ideia de que agências de bacias sejam constituídas pelo
próprio Governo do Estado, no formato der autarquias públicas, para as três
regiões hidrográficas mencionadas.
Mesmo assim, até o presente, essas autarquias ainda não foram constituídas e
instaladas, fato que segue demandando novos avanços institucionais para uma
gestão que passe a ser mais executiva, além das devidas consultas junto à
sociedade civil.
Em relação à bacia do Rio Uruguai, bem mais abrangente do que o território do
Rio Grande do Sul, portanto, sob o domínio federal, vale registrar a elaboração
de seu respectivo plano de recursos hídricos, o qual, a exemplo da maioria dos
casos, contou com poucas frentes de execução.
Por fim, quanto à região do Litoral gaúcho, segue sob a devida predominância de
abordagens ambientais sobre ecossistemas a serem protegidos e conservados,
especialmente nas margens e áreas próximas às Lagoas dos Patos e do Mirim.
Muito resumidamente no que tange a Santa Catarina, duas abordagens distintas
devem ser registradas. De um lado, sob uma abrangência mais estadual, mesmo
contando com sua Lei de Recursos Hídricos já aprovada em 1994, poucas
iniciativas de gestão ocorreram para o conjunto do Estado, inclusive no que tange
à operacionalização do instrumento da outorga para direito de uso das águas.
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110
De outro, devido a sérios problemas de inundações que ocorreram no Rio Itajaí-
Açu, inclusive sobre a importante cidade de Blumenau, esta bacia foi objeto de
várias iniciativas próprias, não somente para a instalação de seu comitê, como
também para a constituição (em 2001) da primeira agência de bacia hidrográfica
do Brasil, neste caso, instituída no formato de direito privado como a Fundação
Agência de Água do Vale do Itajaí, além de diversas intervenções estruturais para
retenção de cheias, a exemplo de barragens a montante. Portanto, como certa
referência para planos voltados a problemas climáticos, o caso mais relevante de
Santa Catarina refere-se a essa bacia do Rio Itajaí-Açu.
Em acréscimo, depois de frentes de trabalho que foram abertas para a emissão
de outorgas – inclusive de outorgas coletivas voltadas a pequenos produtores
rurais, com ênfase para suinocultores –, mais recentemente o Governo do Estado
vem tratando de iniciativas relacionadas a um Acordo de Empréstimo junto ao
Banco Mundial, especialmente para o desenvolvimento de planos de bacias
hidrográficas, fato que poderá conferir outras referências a Santa Catarina.
3.5.5. Estados do Centro-Oeste e Cerrado Brasileiro
Chegando agora ao Centro-Oeste brasileiro, de pronto deve ser feita uma
abordagem específica sobre o Distrito Federal, notadamente em decorrência de
sua elevada concentração populacional, fato que destaca Brasília, e muitas de
suas cidades ao redor, como problem-sheds.
Com efeito, frente a seguidos meses sem chuvas, no mais das vezes, entre abril a
outubro de cada ano, além da proteção de mananciais voltados a grandes
volumes de abastecimento, também deve ser considerada a qualidade hídrica de
rios e lagos, com elevado destaque para o Lago Paranoá.
A propósito, cumpre reconhecer sua referência para a recuperação da qualidade
das águas, vez que houve um longo histórico de contaminação deste Lago,
durante o continuado processo de crescimento de Brasília, até que, em 1978, a
proximidade do Lago ficou inaceitável devido ao odor, mortandade de peixes e
proliferação de algas. Iniciou-se, então, um conjunto de intervenções, sobretudo
relacionadas à coleta e tratamento de esgotos, até chegar a preocupações mais
detalhadas sobre cargas difusas do meio urbano. Sob este aspecto, cabe lembrar
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111
que o Lago Paranoá exerce uma função importante para a capital do País, onde
turismo e lazer merecem destaque.
Sob este contexto histórico, no presente, a par de um monitoramento rigoroso e
de fiscalização sobre ligações e lançamentos clandestinos de efluentes e de
resíduos sólidos, a Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal tem
chegado ao patamar de transposição de esgotos para outras bacias vizinhas, uma
vez que modelos de simulação indicam que a capacidade de recepção do Lago
Paranoá encontra-se no limite, quando posta frente à desejada qualidade das
águas, onde deve ser permitido banho e recreação aos moradores de Brasília.
Dizendo em outras palavras, a variável que passou a ser o grande desafio refere-
se a limites de uso e ocupação do solo, sem que o setor público tenha um
domínio completo, capaz de impedir novas expansões urbanas na bacia drenante
ao Lago do Paranoá. Nota-se, portanto, a reafirmação da importância de planos
locais em áreas-problema, como em grandes cidades e aglomerações urbanas.
Conclui-se que preservar certos núcleos de recursos hídricos implica em limitar o
aporte de fósforo e de material sedimentável, e que a preservação da qualidade
da água é multidisciplinar, multifocal e multissetorial, ou seja, demanda uma
gestão integrada para interferir em diversas variáveis relacionadas aos recursos
hídricos.
Em relação ao Estado de Goiás, bem como ao Mato Grosso e Mato Grosso do
Sul, devido à predominância de significativas frentes produtivas do agronegócio
brasileiro, incluindo a pecuária, os SEGREHs tendem a abordar bacias
hidrográficas mais abrangentes, com planos e ações que, por recomendação,
deveriam considerar muitas das diretrizes gerais que já foram dispostas nos
tópicos 2.4.3. (i) e 2.4.3. (ii).
Em todos os casos, embora muitos planos de bacias já tenham sido elaborados
por esses estados, segue em pauta um dos principais desafios dispostos ao
Brasil, qual seja, uma efetiva implementação de planos estaduais e/ou de bacias
hidrográfica, a serem reconhecidos e adotados como Programas de Governo.
No que concerne a referências para esta região – não restrita ao Centro-Oeste,
mas também incluindo porções de outros estados (MG e Tocantins), com partes
______________________________________________________________________________
112
do bioma do Cerrado brasileiro –, deve-se registrar a recente elaboração do Plano
da Bacia do Rio Paranaíba, desenvolvido pela Agência Nacional de Águas (2012),
em cujo contexto cabe sublinhar: (i) a sua extensa dimensão territorial32, que
chega a 222.767 km2; (ii) o traçado de unidades territoriais estratégicas de gestão
(UTEGs), baseadas no perfil de certos aspectos regionais e de problemas
predominantes; (iii) a identificação dos principais atores estratégicos, relacionados
aos diferentes setores usuários de recursos hídricos; (iv) a consideração do
contexto jurídico-legal e institucional vigente, frente ao qual foram propostas
alternativas para estabelecer modelos de gestão, observando a abrangência de
toda a bacia, na qual deve atuar um “comitê de integração”, bem como, perfis de
gestão já estabelecidos33 ou a serem definidos para trechos mais locais de alguns
de seus afluentes; (v) o traçado de futuros cenários alternativos; e, (vi) por fim, a
indicação de custos e fontes para financiamento do Plano da Bacia em pauta.
Além dessa referência, também é importante anotar que, no contexto dos Estados
do Mato Grosso do Sul (principalmente) e, também, do Mato Grosso (mais
secundariamente), uma das iniciativas mais relevantes diz respeito ao projeto
intitulado como Implementação de Práticas de Gerenciamento Integrado de
Bacias Hidrográficas para o Pantanal e a Bacia do Alto Paraguai,
empreendido entre outubro de 1999 a maio de 2003, contando com a presença do
Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) e, também, do
Ministério do Meio Ambiente (MMA), chegando a custos totais da ordem de
US$ 16,5 milhões, voltados aos seguintes componentes: (i) qualidade da água e
proteção ambiental; (ii) conservação do bioma Pantanal; (iii) combate à
degradação da terra; (iv) envolvimento de interesses, com um desenvolvimento
sustentável; (v) estruturação organizacional; e, (vi) implementação do Programa
de Gerenciamento Integrado.
32 Esta bacia abrange parte dos Estados de: Goiás (65%); Minas Gerais (30%), com ênfase para a
bacia afluente do Rio Araguari, localizada no triângulo mineiro; Distrito Federal (3%); e, Mato
Grosso do Sul (2%), portanto, sem chegar ao Mato Grosso.
33 Sobretudo, no caso da Associação Multissetorial de Usuários da Bacia Hidrográfica do Rio
Araguari (ABHA), reconhecida como agência da bacia do Rio Araguari e, posteriormente, da
própria bacia do Rio Paranaíba.
______________________________________________________________________________
113
Não obstante esta relevante iniciativa, nos últimos anos não tem ocorrido notícias
sobre um conjunto de ações e intervenções continuadas, portanto, cabendo
preocupações relacionadas à preservação do Pantanal, tendo em vista cenários
prospectivos sobre possíveis mudanças climáticas.
Por fim, para encerrar o presente documento, resta uma leitura sobre o caso do
Estado de Tocantins, componente da Região Norte, porém sem um perfil
amazônico, mas sim, com seu território quase que totalmente ocupado pelo
Cerrado brasileiro, fato que explicita sua necessária abordagem junto ao Planalto
Central do Brasil e como uma das mais significativas frentes da atual expansão do
agronegócio brasileiro, portanto, com a presença das diretrizes gerais que já
foram dispostas nos tópicos 2.4.3.(i) e 2.4.3.(ii).
Como referência a respeito, cabe registrar o seu Plano Estadual de Recursos
Hídricos, desenvolvido durante os anos de 2008 a 2009, o qual foi abordado
considerando34, litteris:
...a conceituação de (re)divisão do espaço territorial
geográfico, apresentando as condicionantes afetas, direta
ou indiretamente, aos recursos hídricos. Com o resultado
obtido, busca-se minimizar os conflitos gerados pela
incompatibilidade entre as divisões político-administrativa e
ambiental. A propósito, o PERH/TO consolida a divisão das
bacias hidrográficas do Estado na regionalização em
Áreas Estratégicas de Gestão (AEGs), áreas essas com
homogeneidade de problemas a serem enfrentados e,
portanto, com um conjunto diferenciado de alternativas de
soluções apropriadas e factíveis para cada região analisada.
Entende-se que a aplicabilidade dessa metodologia se
constitui em uma poderosa ferramenta de suporte à
gestão e de tomada à decisão, na medida em que está
aberta à inclusão de dados futuros, em um processo
34 Fonte: Artigo publicado no XVIII Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos, ocorrido em
novembro de 2009, em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, intitulado como Desenvolvimento
do Diagnóstico do Plano Estadual de Recursos Hídricos de Tocantins, com autoria de C.E.
Curi Gallego, et al.
______________________________________________________________________________
114
dinâmico em constante retroalimentação das diversas
variáveis - supervenientes e intervenientes - pertinentes
aos recursos hídricos e áreas afins.
(destaques negritados)
______________________________________________________________________________
115
BIBLIOGRAFIA
AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS – ANA. Plano Decenal da Bacia Hidrográfica do Rio
São Francisco. Brasília, 2004.
BANCO MUNDIAL. Estratégias de Gerenciamento de Recursos Hídricos no Brasil: Áreas
de Cooperação com o Banco Mundial. Brasília, 2003. Autor: Lobato da Costa, F. J.
CONSÓRCIO OIKOS – COBRAPE. Planos das Bacias Hidrográficas dos Rios Grande e
Corrente – Diagnóstico e Arranjos Institucionais para Gestão (versão preliminar).
Salvador, 2013.
INSTITUTO MINEIRO DE GESTÃO DAS ÁGUAS – IGAM e GOVERNO DE MINAS
GERAIS. Plano Estadual de Recursos Hídricos. Belo Horizonte, 2011.
MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE – MMA e SECRETARIA DE RECURSOS HÍDRICOS
E AMBIENTE URBANO – SRHU. Plano Nacional de Recursos Hídricos (Revisão de
2010). Brasília, 2010.
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E CULTURA –
UNESCO. Gestão da Água no Brasil. Brasília, 2001. Autores: Tucci, C. E. M., Hespanhol,
I e Cordeiro Netto, O. de M.
PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O MEIO AMBIENTE – PNUMA e AGÊNCIA
NACIONAL DE ÁGUAS – ANA. GEO Brasil - Recursos Hídricos. Brasília, 2007.
PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O MEIO AMBIENTE – PNUMA e
MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE – MMA. Projeto de Implementação de Práticas de
Gerenciamento Integrado de Bacias Hidrográficas para o Pantanal e a Bacia do Alto
Paraguai. Campo Grande, 2003.
REVISTA REGA – Volume 2. Desenvolvimento Institucional dos Recursos Hídricos no
Brasil. Porto Alegre, 2005. Autor: Tucci, C. E. M.
SECRETARIA DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS HÍDRICOS – GOVERNO DO
ESTADO DO SERGIPE. Política e Marco de Reassentamento Involuntário - Programa
Águas de Sergipe. Aracajú, 2009.
SECRETARIA DE SANEAMENTO E RECURSOS HÍDRICOS – GOVERNO DE SÃO
PAULO. Relatório Geral sobre o Seminário Avanços e Desafios na Gestão dos Recursos
Hídricos no Estado de São Paulo. São Paulo, 2011.
______________________________________________________________________________
116
UNIÃO EUROPÉIA. Paper Water 21 Project. Lisboa/Portugal – 2001. Autores: Correia,
Francisco Nunes et al.
CONSULTAS
Site da Agência Nacional de Águas (ANA);
Site do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE);
Site do Ministério do Meio Ambiente (MMA);
Site da Associação Brasileira de Recursos Hídricos (ABRH).
______________________________________________________________________________
117
ANEXOS
______________________________________________________________________________
118
ANEXO I
Insumos do GEO Brasil – Recursos Hídricos (PNUMA e ANA, 2007) sobre a
Região Amazônica.
Box Transcrito: Vulnerabilidade Climática e Antrópica dos
Recursos Hídricos da Bacia Amazônia
A Bacia Amazônica tem uma enorme importância na dinâmica climática e no ciclo
hidrológico do planeta. A bacia representa aproximadamente 16% do estoque de água
superficial doce e consequentemente, uma importante contribuição no regime de chuvas
e evapotranspiração da América do Sul e do mundo. É também uma das mais úmidas
regiões da Terra, com pluviosidade média variando de 2.300 a 2.460 mm/ano (Fisch,
2006, e Molinier et al., 1996). Mudanças regionais e globais têm provocado alterações no
clima e na hidrologia da região. Notadamente, transformações no uso do solo com a
conversão de mais de 600.000 km2 de florestas tropicais em pastagens e culturas
agrícolas. De fato, o regime de vazão deste sistema fluvial é relativamente pressionado
pela ação antrópica e está sujeito à variabilidade interanual e de longo prazo na
precipitação tropical, o que resulta grandes variações grandes no escoamento superficial
(Marengo e Nobre, 2001).
A reciclagem da evaporação e precipitação local pela floresta responde por uma porção
considerável da disponibilidade hídrica regional, e como grandes áreas da bacia estão
sujeitas a intensas alterações de uso do solo, como perdas de florestas úmidas densas
para implantação de pastagens ou cultivos perenes como a soja, existe uma importante
preocupação como tais alterações do uso do solo e da biomassa podem afetar o ciclo de
hidrológico na Bacia Amazônica (cf. Marengo e Nobre, 2001, e Freitas, 2005). Assim
sendo, além da vulnerabilidade antrópica da bacia, que pode afetar a evapotranspiração
e o volume de sedimentos, será cada vez mais importante considerarmos a
vulnerabilidade climática que poderá sofrer a região Amazônica e seus recursos hídricos.
Em outras palavras, em uma bacia das dimensões continentais Amazônicas torna-se
importante à realização de estudos de previsão e avaliação de vulnerabilidade climática e
seus efeitos na precipitação, no gelo dos Andes, no nível do mar na foz do Amazonas,
com destaque para a avaliação das vazões afluentes a regiões de risco de cheias e a
disponibilidade hídrica nos períodos de eventos extremos de seca, como o que ocorreu
na bacia em 2005.
______________________________________________________________________________
119
Estes cenários serão fundamentais para definição dos riscos hidrológicos, e, portanto,
para antecipar medidas de adaptação conjunturais e estruturais de gestão da água. Com
efeito, a mudança de temperatura pode levar a várias outras alterações do meio
ambiente, dentre elas, a intensificação do ciclo hidrológico global, o que provocará
impactos sobre os recursos hídricos a nível regional. De fato, mudanças diferenciadas de
temperatura da atmosfera, dos continentes e dos oceanos, levam a mudanças de
padrões de pressão atmosférica e de ventos. Portanto, poder-se-ia esperar mudanças
nos padrões de precipitação, conforme os modelos matemáticos de previsão global do
clima do Hadley Center para 2050, que apresentam variações médias de 150 a 250
mm/ano nas chuvas da região. Além disto, o nível médio do mar à escala mundial
registrou um aumento médio de 1 a 2 mm/ano no decorrer do século XX, o que pode
alterar as áreas de inundação e de influência das águas marinhas no teor de salinidade
dos ecossistemas aquáticos da Amazônia.
A título de exemplificação dos riscos das alterações regionais nos recursos hídricos pode-
se destacar os seguintes pontos: 1) Degelo dos Andes - as geleiras estão reduzindo a
um ritmo mais rápido do que previsto, devido à intensificação do efeito estufa. O efeito de
degelo, embora mais intenso na Antártida, afeta as geleiras Andinas, que segundo alguns
levantamentos já podem ter tido uma diminuição de mais de 20% nos últimos 20 anos
(Asuncion, 2006); 2) Variação do Nível do Mar na Bacia Amazônica - a faixa de
variação das marés é de até 10 m em certos locais e, portanto as correntes devidas às
marés são importantes. Os gradientes inferiores dos rios permitem às ondas se
propagarem até 800 km rio acima. Problemas de salinização não têm sido relatados até o
momento, mas destruição em larga escala de manguezais na frente oceânica é relatada
no setor norte. Isto pode ser uma tendência de longo prazo ou somente um fenômeno
cíclico, como descrito por Proust et al. (1988, apud Muehe e Neves, 1995), para a costa
de mangue da Guiana Francesa. Para o setor sul, Franzinelli (1982, apud Muehe e
Neves, 1995) descreveu a presença de falésias em ativo processo de erosão na Praia de
Atalaia em Salinópolis. Falésias fósseis de até 7 m de altura são também encontradas em
muitas localidades em distâncias de cerca de 100 m do litoral, definindo um limite
territorial dos possíveis efeitos de um aumento do nível do mar; 3) Influência da
Temperatura na Superfície do Mar (TSM) no Regime de Chuvas da América do Sul e
Amazônia – a TSM tem sido um bom indicador para previsão de chuva sazonal, graças
ao papel do oceano no clima e pela sua inércia térmica. Muitos estudos usam as relações
entre chuva, descarga e TSM nos oceanos tropicais para elaborar previsões. Regiões
tropicais que são polos de anomalias de chuva relacionadas significantes com a TSM são
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120
as regiões das planícies da Bolívia e circunvizinhas. Em relação às anomalias de TSM do
Oceano Pacifico, as ocorrências de El Niño determinam eventos extremos de deficiência
de chuva e por consequência, baixas descargas nos rios da região, sobretudo, na parte
norte oriental da Amazônia. Já o fenômeno La Niña tem se caracterizado por uma
anomalia de aumento no volume das chuvas registrados em estações pluviométricas na
parte norte e central da Amazônia.
Existe também, uma relação entre a alteração do volume de chuvas da Bacia Amazônica
e a anomalia TSM do Atlântico. No ano de 2005, entre os meses de setembro e outubro,
ocorreu uma importante seca na Bacia Amazônica, tendo sido decretado “estado de
calamidade pública” em diversos municípios da região. De fato, nesta época do ano é
normal ter uma estação seca na Bacia Amazônica, de três a cinco meses dependendo da
região, também denominada na região de “verão Amazônico”, que ocorre entre os meses
de maio a setembro. Todavia, segundo o Centro de Previsão do Tempo e Estudos
Climáticos (CPTEC/INPE) & o Instituto Nacional de Meteorologia (INMET), no período de
setembro de 2004 a setembro de 2005, a Temperatura da Superfície do Mar (TSM)
esteve entre 0,5ºC e 1,5ºC acima da média no Oceano Atlântico Norte, ou seja, foi
registrada a persistência de um aquecimento anormal. Este fenômeno, possível
responsável pela seca de 2005, acabou alterando as correntes de massas de ar úmidas
da Amazônia, principalmente em parcelas importantes das bacias dos rios Solimões,
Negro, Madeira e Juruá, dentre outros. Entretanto, esta não foi a pior seca já registrada
nos rios da região. Os dados hidrológicos demonstram que esta ocupa o quarto lugar em
relação às cotas mínimas do Rio Negro em Manaus. A cota mais baixa já registrada foi
em 1963, quando foi registrada uma cota de 13,64 m no Porto de Manaus. Segunda a
Agência Nacional de Águas (ANA), em outubro de 2005 o nível na margem do Rio Negro,
em frente à Manaus, estava em 14,41 metros.
É importante destacar que com o aumento considerável da população Amazônica, nos
últimos quarenta anos, o impacto da seca tornou-se mais significativo. Somente no
Estado do Amazonas, a seca de 2005 afetou mais de 914 comunidades, o que equivale a
mais de 167 mil habitantes ou 32 mil famílias, segundo a Secretaria Nacional de Defesa
Civil. Todavia, embora não se tenha evidência cientifica clara que este aquecimento
possa ter relação com aquecimento climático do planeta, suspeita-se que este fenômeno
de aquecimento das águas dos oceanos poderá ter sua frequência mais elevada.
Fonte: Texto elaborado por Marcos Aurélio Vasconcelos de Freitas, Prof. da COPPE/UFRJ,
consultor do projeto GEF Amazonas ([email protected]).
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Anexo II
Modelo de Gestão de Recursos Hídricos do Estado do Ceará35
1. Descrição Geral
A experiência do Estado do Ceará na gestão de recursos hídricos é marcada pela
busca de um modelo próprio ao semiárido brasileiro. Em grande parte de seu
percurso, apoiado por sucessivas operações de crédito com o Banco Mundial, o
modelo adotado no Ceará pode ser assim caracterizado:
administração de estoques de água reservados em açudes, dada a escassez
decorrente da sazonalidade plurianual das precipitações e a elevada
evapotranspiração presentes no semiárido;
alocação de água para usos múltiplos, respaldada em decisões socialmente
negociadas em colegiados de usuários (associações de utilizadores dos
açudes, principalmente), tendo como suporte à decisão o traçado de curvas-
chave (relações cota-volume) que oferecem projeções e estimativas
relativamente confiáveis para as disponibilidades, em horizontes de curto e
médio prazos;
transporte de água bruta a longas distâncias, vencendo os limites das bacias
hidrográficas rumo aos maiores centros de demanda, em especial para a
Região Metropolitana de Fortaleza, onde se concentram as grandes
demandas de consumo industrial e doméstico;
tarifação por serviços de reservação, transporte e distribuição de água
não potabilizada aos usuários industriais e à concessionária de saneamento
(portanto, diferenciada e não excludente da Cobrança pelo Uso de Recursos
Hídricos), com larga diferenciação entre preços unitários da Cobrança
aplicada em outros estados e pela União, hoje da ordem de R$ 1,00/m3 aos
primeiros e R$ 0,05/m3 ao segundo, caracterizando subsídio cruzado em favor
do abastecimento doméstico;
35 Fonte: GEO Brasil - Recursos Hídricos (PNUMA e ANA, 2007), com alguns dados atualizados.
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122
adoção de mecanismos de negociação entre segmentos de usuários, de
modo a permitir alterações na alocação das disponibilidades hídricas, para
fins de aumento na eficiência de uso (setores com maior valor agregado
efetuam pagamentos para subsidiar a redução ou suspensão de atividades –
em particular, irrigação com demandas elevadas – dos utilizadores com menor
capacidade de pagamento);
promoção do associativismo local de pequenos usuários, com vistas a facilitar
os processos de negociação relativos à alocação das disponibilidades
hídricas;
o modelo é baseado na atuação de uma agência estatal única – a Companhia
de Gerenciamento de Recursos Hídricos (COGERH), constituída como
sociedade de economia mista –, com ação sobre todo o território estadual, na
medida em que opera para além das bacias hidrográficas mediante a
interligação de sistemas de açudes e adutoras, com demandas relativas à sua
operação e manutenção;
permanecem com a Secretaria de Recursos Hídricos as competências
próprias ao Estado, notadamente quanto à emissão de outorgas e à
sistemática de fiscalização, devendo-se mencionar a existência complementar
de uma entidade com especialização na construção de obras civis (a
Superintendência de Obras Hídricas – SOHIDRA) e outra para coleta e
sistematização de dados hidrometeorológicos (a Fundação Cearense de
Meteorologia e Recursos Hídricos – FUNCEME); e,
atualmente, a COGERH aufere arrecadação anual da ordem de R$ 18
milhões, parte substantiva da qual cobre despesas operacionais com sistemas
de reservação e transporte de água bruta.
2. Perfil da Estratégia e de Valores Adicionais
Nota-se que a estratégia do Sistema de Gestão de Recursos Hídricos do Estado
do Ceará é voltada à conciliação de conflitos entre múltiplos usos da água no
semiárido brasileiro, tanto entre usos rurais (agricultura familiar e cultivos
irrigados) quanto da Região Metropolitana de Fortaleza (consumo urbano e
industrial).
______________________________________________________________________________
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Portanto, aborda aspectos no atacado e no varejo, ou seja, sob uma ótica
regional de infraestrutura hídrica de maior porte em favor de todo o Estado, sem
deixar de observar que projetos executivos devam ser adequados e negociados
para cada caso, com vistas a uma expansão local, em conformidade com os perfis
dos usos e usuários das águas.
Como valor adicional, cabe citar a consistência dos dados e insumos necessários
e o espaço institucional para que ocorram negociações entre usos e usuários,
para fins de (re)alocação da água para sistemas de produção que gerem maior
valor agregado.
Os custos efetivos, notadamente para operação e manutenção dos sistemas de
açudes, canais e adutoras, é coberto pela tarifação de água bruta, a ser entregue,
sempre com o devido monitoramento hidrológico.
Enfim, neste Sistema de Gestão há Governança, Governabilidade, consistência
financeira, além de uma estratégia para o devido desenvolvimento regional.