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Estudos pessoanos

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Fernando Pessoa e os heterónimos

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Estudos Pessoanos Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra

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Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra

MUNDO PESSOANO: UNIVERSO CRUZADO

Curso de Portugus Estudos Pessoanos

INDICE TEMTICO

Quadro sinptico .... Pgina 3Sinopse . Pgina 4Fernando Pessoa Traos Biogrficos . Pgina 4Fernando Pessoa Ortnimo .... Pgina 6Fernando Pessoa Heternimos Alberto Caeiro . Pgina 11 Ricardo Reis ......... Pgina 15 lvaro de Campos ...... Pgina 19Eplogo .. Pgina 23Bibliografia ... Pgina 24

I. Quadro sinptico

II. Sinopse

A literatura portuguesa engloba uma extensa lista de nomes que, desde o incio, portaram Portugal para os lbios do Mundo, com escritores que lhes escreveram a nossa histria, com poetas que lhes narraram os nossos feitos ou com personalidades literrias que, no s fizeram tudo isso, mas tambm ensinaram aos outros, a prosdia da lngua e da Cultura portuguesa, enquanto nao valente e povo respeitador. Fernando Antnio Pessoa, que viveu entre os finais do sc. XIX e a primeira metade do sc. XX, est, inequivocamente, entre os nomes que mais contriburam para o relance literrio de Portugal no mundo. A sua riqueza estilstica, contedos, traos de vida, embora com algum grau de complexidade pela pluralidade que nele assistimos, fazem dele o imperativo a conhecer, no s, ao mundo, porm, to ou mais importante, aos que falam a lngua outrora escrita por ele.

III. Fernando pessoa traos biogrficos

Se depois de eu morrer, quiserem escrever a minha biografia,No h nada mais simples.Tem s duas datas - a da minha nascena e a da minha morte.Entre uma e outra todos os dias so meus.

Fernando Antnio Nogueira Pessoa, nasceu a 13 de junho de 1888 na cidade de Lisboa, e desde muito cedo, a procura pelos estudos literrios deu a tnica que mais tarde se havia de tornar num percurso de vida, enquanto poeta, tradutor e escritor. Depois de algum tempo de produo de poemas na Lngua Inglesa, aquando este se encontrava sediado na frica do Sul, Fernando Pessoa regressa em definitivo a Portugal aos 18 anos de idade, onde procede os estudos humansticos matriculando-se no Curso Superior de Letras da Universidade de Lisboa, no obstante a que o tenha abandonado tempo depois. A partir de 1908, dedicou-se traduo de correspondncia comercial, uma ocupao a que poderamos dar hoje o nome de "correspondente estrangeiro". Nessa actividade trabalhou a vida toda, tendo uma modesta vida pblica. O poeta um fingidor (...)

Fernando Pessoa marcou profundamente o movimento modernista portugus com a sua poesia. O que mais distingue a sua obra a capacidade de outrar-se, isto , a criao da heteronmia - personalidades poticas completas: identidades que, em princpio falsas, se tornam verdadeiras atravs da sua manifestao artstica prpria e diversa do autor original.Entre os heternimos, o prprio Fernando Pessoa passou a ser chamadoortnimo, porquanto era a personalidade original. Entretanto, com o amadurecimento de cada uma das outras personalidades, o prprio ortnimo tornou-se apenas mais um heternimo entre os outros. Os trs heternimos mais conhecidos (e tambm aqueles com maior obra potica) foramlvaro de Campos,Ricardo ReiseAlberto Caeiro. Um quarto heternimo de grande importncia na obra de Pessoa Bernardo Soares, autor doLivro do Desassossego, importante obra literria do sculo XX.Atravs dos heternimos, Pessoa conduziu uma profunda reflexo sobre a relao entreverdade,existnciaeidentidade. Este ltimo fator possui grande notabilidade na famosa misticidade do poeta.Com uma tal falta de gente coexistvel, como h hoje, que pode um homem de sensibilidade fazer seno inventar os seus amigos, ou quando menos, os seus companheiros de esprito?

IV. Fernando pessoa Ortnimo

Em Fernando Pessoa, h uma personalidade potica ativa, designada de ortnimo, que conserva o nome do seu criador e uma pequena humanidade, formada por heternimos, que corresponde a personalidades distintas. No ortnimo, coexistem duas vertentes: a tradicional, na continuidade do lirismo portugus, e a modernista, que se manifesta como processo de rutura. Na primeira, observa-se a influncia da lrica de Garrett ou do sebastionismo e do saudosismo, apresentando suavidade rtmica e musical, em versos geralmente curtos; na segunda, encontramos experimentaes modernistas com a procura da intelectualizao das sensaes e dos sentimentos.

a) Fingimento artstico

O eu potico, para exprimir a arte, precisa de intelectualizar o conhecimento, o que pode levar a confundir a elaborao esttica com um acto de fingimento. O poeta parte da realidade mas s consegue, com autntica sinceridade representar com palavras ou outros signos o fingimento, que no mais do que uma realidade nova. O fingimento artstico no impede a sinceridade, apenas implica o trabalho de representar, de exprimir intelectualmente as emoes ou o que quer representar. O conceito de fingimento o de transfigurar, pela imaginao e pela inteligncia, aquilo que sente naquilo que escreve. Fingir inventar, elaborar mentalmente conceitos que exprimem emoes ou que quer comunicar.O poeta um fingidor.Finge to completamenteQue chega a fingir que dorA dor que deveras sente.E os que lem o que escreve,Na dor lida sentem bem,No as duas que ele teve,Mas s a que eles no tm.E assim nas calhas de rodaGira, a entreter a razo,Esse comboio de cordaQue se chama corao.

Na Autopsicografia, a poesia est no na dor experimentada ou sentida mas no fingimento dela, apesar do poeta partir da dor real a dor que deveras sente. No h arte sem imaginao, sem que o real seja imaginado de maneira a exprimir-se artisticamente e ser concretizado em arte. Esta concretizao opera na memria a dor inicial fazendo parecer a dor imaginada mais autntica do que a dor real. Podemos chegar concluso de que h 4 dores: a real (inicial), a que o poeta imagina (finge), a dor real do leitor e a dor lida, ou seja, intelectualizada, que provm da interpretao do leitor.

b) Dor de pensar

O sujeito potico com uma inteligncia analtica e imaginativa a interferir em toda a sua relao com o mundo e com a vida, tanto aceita a conscincia como sente uma verdadeira dor de pensar, que traduz insatisfao e dvida sobre a utilidade do pensamento.Impedido de ser feliz, devido lucidez, procura a realizao do paradoxo de ter uma conscincia inconsciente. Mas ao pensar sobre o pensamento, percebe o vazio que no permite conciliar a conscincia e a inconscincia. Este, no consegue fruir instintivamente a vida por ser consciente e pela prpria efemeridade. Muitas vezes, a felicidade parece existir na ordem inversa do pensamento e da conscincia.Ela canta, pobre ceifeira,Julgando-se feliz talvez;Canta, e ceifa, e a sua voz, cheiaDe alegre e annima viuvez, ()Ouvi-la alegra e entristece, Na sua voz h o campo e a lida, E canta como se tivesse Mais razes pra cantar que a vida. ()Ah, poder ser tu, sendo eu!Ter a tua alegre inconscincia,E a conscincia disso! cu! campo! cano! A cincia.

Pesa tanto e a vida to breve!Entrai por mim dentro!Tornai Minha alma a vossa sombra leve!Depois, levando-me, passai!

No poema Ela canta, pobre ceifeira, o poeta manifesta o desejo da simplicidade, da busca da inconscincia das coisas e do no pensar dos seres comuns ou simples, utilizando a imagem de uma pobre ceifeira que com o seu comportamento cria um exemplo de uma metonmia paradoxal entre pobre e duma annima viuvez, com feliz, de voz alegre, cantando ()como se tivesse /Mais razes para cantar que a vida. Portanto, a ceifeira canta como se tivesse razes para cantar. No as tem. Logo, o seu canto inconsciente. Apesar disso, ou por isso, a sua voz alegre, cheia de vida, encantando e prendendo o poeta, que, por um lado, se alegra por a ver feliz e, por outro, se entristece, porque sabe que, se aquela ceifeira fosse capaz de tomar conscincia da sua situao, no encontraria motivos para cantar.

c) Nostalgia da infncia mtica

No eu potico apoderam-se sentimentos de melancolia, saudade ou nostalgia, sobre um passado que viveu, descrito como momentos inundados pela nostalgia do bem perdido, pela inconscincia e simplicidade, pelo mundo fantstico da infncia, esse nico momento possvel de felicidade. Ele, que foi criana contente de nada e que em adolescente aspirou a tudo, experimenta agora a desagregao do tempo e de tudo. Um profundo desencanto e angstia acompanham o sentido da brevidade da vida e da passagem dos dias.

Quando as crianas brincam E eu as oio brincar, Qualquer coisa em minha alma Comea a se alegrar.

E toda aquela infncia Que no tive me vem, Numa onda de alegria Que no foi de ningum.

Se quem fui enigma, E quem serei viso, Quem sou ao menos sinta Isto no corao.

Quando as crianas brincam, expressa com palavras os sentimentos de saudade presente no poeta. A sua memria visual activada pelo movimento das crianas, sobretudo pelos sons. A memria humana guarda eventos, muitas das vezes, relacionando-os com os sentidos (cheirar algo pode activar a nossa memria, assim como ver algo, ou sentir algo com as mos). Neste caso o som que activa a memria do eu potico. Ao mesmo tempo que gostava de ter a infncia das crianas que brincam, sente a saudade de uma ternura que lhe passou ao lado, mantendo, no entanto, vivo, o enigma e a viso do que foi, restando-lhe a inquietao, a solido e a ansiedade.

d) Fragmentao do eu

O sujeito potico vive interiormente uma batalha que dissolve todo o seu ser enquanto um s, desmembrando-o em pluralidades distintas, incapacitando-o de viver uma nica unidade do seu eu. Esta perda de identidade confronta-o numa dicotomia entre sonho ou realidade, entre um ou mais que um, provocando nele sentimentos de morte, tais como, solido, desespero, angstia existencial, tdio, fastio e horror pela prpria realidade ou vida. Desta forma, uma nova fase se introduz na vida de Fernando Pessoa, onde o caminho da realidade migra para o sonho, onde a vida existencial solitria se transforma na incua noo de viver somente no pensamento. Nesse pensamento, tudo existe e tudo lhe permitido, mesmo a existncia das verdades inexistentes, das companhias que delatam a rutura do eu com a sanidade e da criao de um outro mundo isolado do real.

V. Fernando pessoa Heteronmia

a) Alberto Caeiro O Mestre ingnuo (1887 1915)

Eu no tenho filosofia: tenho sentidos...Se falo na Natureza no porque saiba o que ela .Mas porque a amo, e amo-a por isso,Porque quem ama nunca sabe o que amaNem por que ama, nem o que amar...

Fernando Pessoa explicou a vida de cada um de seus heternimos. Assim apresenta a vida do mestre de todos, Alberto Caeiro: "Nasceu em Lisboa, mas viveu quase toda a sua vida no campo. No teve profisso, nem educao quase alguma, s instruo primria; morreram-lhe cedo o pai e a me, e deixou-se ficar em casa, vivendo de uns pequenos rendimentos. Vivia com uma tia velha, tia av. Morreu tuberculoso."

Poesia das sensaes

Caeiro foi o heternimo que melhor sentiu as sensaes que o rodeavam e preenchiam, isto , a sua vida era fundamentada num princpio filsofo-esttico e lgico de sensacionismo, onde todo o pensamento metafsico recusado para dar lugar filosofia de que pensar no compreender ou estar doente, para se libertar de todos os modelos ideolgicos, culturais ou outros, e poder ver uma realidade concreta.Para Caeiro, ver conhecer e compreender o mundo, devendo-se reduzir a vida ao puro sentir, ao saber ver sem estar a pensar, dando lugar, verdadeiramente, ao realismo sensorial, criando nele uma poesia das sensaes. um sensacionista a quem s interessa o que capta pelas sensaes e a quem o sentido das coisas reduzido percepo da cor, da forma e da existncia: a intelectualidade do seu olhar volta-se para a contemplao dos objectos originais. Constri os seus poemas a partir de matria no-potica, mas o poeta da Natureza e do olhar, o poeta da simplicidade completa, da objectividade das sensaes e da realidade imediata (Para alm da realidade imediata no h nada), negando mesmo a utilidade do pensamento.

IXSou um guardador de rebanhos.O rebanho os meus pensamentosE os meus pensamentos so todos sensaes.Penso com os olhos e com os ouvidosE com as mos e os psE com o nariz e a boca.Pensar uma flor v-la e cheir-laE comer um fruto saber-lhe o sentido.Por isso quando num dia de calorMe sinto triste de goz-lo tanto,E me deito ao comprido na erva,E fecho os olhos quentes,Sinto todo o meu corpo deitado na realidade,Sei a verdade e sou feliz.

No excerto do Guardador de rebanhos apresentado, Alberto Caeiro apresenta-se como um simples guardador de rebanhos, que s se importa em ver de forma objetiva e natural a realidade, com a qual contacta a todo o momento. Da o seu desejo de integrao e de comunho com a natureza. Ele, enquanto sujeito na poesia, d especial importncia ao ato de ver, mas sobretudo inteligncia que discorre sobre as sensaes, num discurso em verso livre, em estilo coloquial e espontneo. Passeando a observar o mundo, personifica o sonho da reconciliao com o universo, com a harmonia pag e primitiva da Natureza.

Poesia da Natureza

Poeta do real e objetivo, Caeiro afirma fui o nico poeta da natureza, o que est de acordo com ela e a v na sua constante renovao. E porque s existe a realidade, o tempo a ausncia de tempo, sem passado, presente ou futuro, pois todos os instantes so a unidade do tempo.V o mundo sem necessidade de explicaes, sem princpio nem fim, e confessa que existir um facto maravilhoso; por isso, cr na eterna novidade do mundo. Para Caeiro o mundo sempre diferente, sempre mltiplo; por isso, aproveita cada momento da vida e cada sensao na sua originalidade e simplicidade.I() Minha alma como um pastor,Conhece o vento e o solE anda pela mo das EstaesA seguir e a olhar.Toda a paz da Natureza sem genteVem sentar-se a meu lado.Mas eu fico triste como um pr do SolPara a nossa imaginao,Quando esfria no fundo da plancie se sente a noite entradaComo uma borboleta pela janela.Mas a minha tristeza sossegoPorque natural e justaE o que deve estar na almaQuando j pensa que existeE as mos colhem flores sem ela dar por isso.

No excerto do Guardador de rebanhos apresentado, o sujeito potico demonstra ver o mundo dos sentidos, sensvel ao que o rodeia sem a necessidade de conscincia e de pensamento. Ao procurar ver as coisas como elas realmente so, Caeiro sublima o real numa atitude pantesta de divinizao das coisas da Natureza, desvalorizando o tempo. Mestre dos outros

Alberto Caeiro, v-se contrudo e idolatrado por todos os seus seguidores porque constri, com as vivncias, uma doutrina orientada para o sensacionismo e a objetividade, para a contemplao dos objetos originais, para o conhecimento intuitivo da Natureza e para a utilizao verdadeira dos sentidos humanos, sobretudo, viso. Com a recusa da metafsica, do misticismo e do sentimentalismo, liberta-se de preconceitos e de ideologias, liberta-se de pensamentos feitos para ensinar aos outros a filosofia do no filosofar.i. Fernando Pessoa, chamou a Caeiro o seu Mestre por este ser aquilo que Pessoa no conseguia ser: algum que no procurava o sentido da existncia porque lhe basta aquilo que v e sente em cada momento. Vive exclusivamente de sensaes e sente sem pensar.

ii. Ricardo Reis, que adquiriu a lio de paganismo espontneo de Caeiro, porm racionaliza toda a sensao, isto , chega a ser o contrrio de Caeiro, sobretudo ao procurar vivenciar poeticamente um sensacionismo interior, dentro de si, deixando que a razo controle todas as emoes e sensaes.

iii. lvaro de Campos, que, como Caeiro, recorre aos versos livres para se manifestar o homem da cidade e da indstria, procurando aplicar a lio sensacionista ao mundo da mquina, porm, ao no conseguir acompanhar tantas sensaes em desordem e a atividade mecanista, sente uma espcie de desumanizao e frustrao. Sente falta, assim, a tranquilidade to conseguida em Caeiro.

Numa linguagem direta, concreta e simples, Caeiro, procura ser a voz da Terra com naturalidade. Sem as preocupaes de ordem social e racional, desnuda as coisas de sentidos filosficos, vendo-as tal com sob) Ricardo Reis O poeta da razo (1887-1936?*) * Jos SaramagonO Ano da Morte de Ricardo Reis situa a morte de Reis em 1936 Ricardo Reis, distingue-se pela sabedoria racional e formao, ao contrrio dos outros, onde se destacava nos estudos clssicos, isto , cultura Clssica, Romana (latina) e Grega (helnica); num colgio de jesutas e era habilitado profissionalmente em Medicina, porm, era profisso que no exercia. Por volta do ano 1919, viveu no Brasil, expatriou-se voluntariamente por ser monrquico. Tal como em Caeiro, Reis seguia antiga crena nos deuses, enquanto disciplinadora das nossas emoes e sentimentos, mas defende, sobretudo, a busca de uma felicidade relativa alcanada pela indiferena perturbao.

Neopaganismo

Ricardo Reis, que adquiriu a lio do paganismo espontneo de Caeiro, onde cultivava um neoclassicismo neopago, isto , acreditava nos deuses e nas presenas quase divinas que habitavam todas as coisas, recorrendo mitologia greco-latina, e considerava a brevidade, a fugacidade e a transitoriedade da vida, pois sabia que o tempo passava e tudo era efmero. Considerava que a verdadeira sabedoria de vida seria viver de forma equilibrada e serena, sem desassossegos grandes.

S esta liberdade nos concedem Os deuses: submetermo-nos Ao seu domnio por vontade nossa. Mais vale assim fazermos Porque s na iluso da liberdade A liberdade existe.

Nem outro jeito os deuses, sobre quem O eterno fado pesa, Usam para seu calmo e possudo Convencimento antigo De que divina e livre a sua vida.

Ns, imitando os deuses, To pouco livres como eles no Olimpo, Como quem pela areia Ergue castelos para encher os olhos, Ergamos nossa vida E os deuses sabero agradecer-nos O sermos to como eles.

No poema S esta liberdade nos concedem, o sujeito potico faz referncia ao paganismo onde segue a mitologia greco-latina e a crena nos deuses antigos e aceita o destino com naturalidade e considera que os deuses esto acima do homem por uma questo de grau, mas que acima dos deuses encontra-se o Fado, ou seja, destino.Procura tambm alcanar a perfeio dos deuses, criando um mundo sua medida.Os deuses confundem-se connosco sempre que os imitamos. "Ns, imitamos os deuses".No so mais do que homens mais perfeitos ou aperfeioados. "S esta liberdade nos concedem/ Os deuses: submetermo-nos/ Ao seu domnio por vontade nossa".

Epicurismo e Estoicismo

O epicurismo e o estoicismo tm comocaractersticacomum garantir ao homem o bem supremo, a serenidade, a paz, a apatia.Relativamente aoepicurismo, filosofia moral de Epicuro (341-270 a.C.), defendia o prazer como caminho da felicidade.A filosofia de Reis rege-se pelo ideal Carpe Diem do poeta Horcio a sabedoria consiste em saber-se aproveitar o presente, porque se sabe que a vida breve; acredita que a felicidade se acha na tranquilidade ataraxia, procurando a calma ou, pelo menos, a iluso dela, seguindo um ideal tico da indiferena apatia. Estas filosofias de vida, conduzem-nos ao destino, como a que rege a felicidade e o bem individual, em que segundo esta corrente se deve viver em conformidade com o mesmo, permanecendo indiferente s paixes e apetites estoicismo.Em suma, a filosofia de Ricardo Reis a de um epicurismo triste, pois defende o prazer do momento como caminho da felicidade, mas sem ceder aos impulsos dos instintos. Apesar deste prazer que procura e da felicidade que deseja alcanar, considera que nunca se consegue a verdadeira calma e tranquilidade. O destino rege aquilo que hoje vivo.H que nos contentarmos com o que o destino nos trouxe. H que viver com moderao, sem nos apegarmos s coisas, e por isso as paixes devem ser comedidas, para que a hora da morte no seja demasiado dolorosa.

Pois que nada que dure, ou que, durando,Valha, neste confuso mundo obramos,E o mesmo til para ns perdemos Connosco, cedo, cedo.O prazer do momento anteponhamos absurda cura do futuro, cujaCerteza nica o mal presente Com que o seu bem compramos.Amanh no existe. Meu somente o momento, eu s quem existeNeste instante, que pode o derradeiro Ser de quem finjo ser?

No poema Pois que nada que dure, ou que, durando, observa-se explcita a ideologia niilista, sempre to presente em Reis, e as ideias epicuristas e estoicas, onde as tnicas aparecem notrias: Pois que nada que dure () , O prazer do momento () e Amanh no existe () . Para Reis, s real o presente e todo o futuro a um destino pertence, sendo ele uma incgnita varivel, havendo, naturalmente necessidade de antepor O prazer do momento () a um amanh que no existe.

Classicismo (erudito)

Quando enuncia o termo clssico, este tambm se pode aplicar, embora no especificamente a Fernando Pessoa Ortnimo, pela constncia e universalidade dos temas, pela severa reduo do real ao no-real, que a realidade que fica, igualmente pela sobriedade translcida, pela facilidade aparente, pela discrio dos sentimentos mentalizados ou j de raiz intelectual, de qualquer modo serenados, clarificados, contidos.Porm, o classicismo de Reis, alm deste sentido amplo, tem um sentido histrico-literrio mais estrito: consiste no tratamento de temas tpicos da literatura greco-latina, alimentada por conceitos de vida pagos e que Reis se apropriou, e ainda no recurso a processos versificatrios e lingusticos que evocam a poesia horaciana ou a poesia neoclssica romnica. Logo, enquanto Pessoa Ortnimo tende a subtrair-se s cadeias temporais, Reis faz-nos recuar a uma poca ou pocas determinadas, e em consequncia o seu estilo intencionalmente antigo, anacrnico, artificial.O uso da preciso verbal, os gregos como um modelo filosfico de sabedoria, o privilgio da ode, do epigrama, da elegia e o recurso mitologia associados aos princpios da moral e da esttica epicurista e estoicas ou tranquila resignao ao destino so marcas do classicismo erudito de Reis.S o ter flores pela vista foraNas leas largas dos jardins exactosBasta para podermosAchar a vida leve.

()

Quando, acabados pelas Parcas, formos,Vultos solenes de repente antigos,E cada vez mais sombras,Ao encontro fatal

Do barco escuro no soturno rio,E os nove abraos do horror estgio,E o regao insacivelDa ptria de Pluto.

O excerto do poema S o ter flores pela vista fora, -nos destacado na forma, no contedo e na sua estrutura as caractersticas de um poeta erudito. Nota-se a filosofia carpe diem, o prazer natural, mas controlado, sem paixes violentas, a noo da brevidade temporal e o uso ideolgico dos antigos, referente escola antiga grega.

Ricardo Reis, tal como acontecia com os gregos da Antiguidade, d-nos uma filosofia assente na reflexo sobre a efemeridade e o destino que imposto aos homens e aos deuses.Para conseguir superar a angstia causada pelo Fado ou destino, procura viver de forma serena, anulando o que o rodeia com uma viso niilista do mundo, anulando os pensamentos que o conduzem a um destino que o prprio considera inevitvel.

c) lvaro de Campos O outro eu (1890-?)

lvaro de Campos surge quando Fernando Pessoa sente um impulso para escrever. O prprio Pessoa considera que Campos se encontra no extremo oposto, inteiramente oposto, a Ricardo Reis, apesar de ser como este um discpulo de Caeiro. Campos o filho indisciplinado da sensao e para ele a sensao tudo. O sensacionismo faz da sensao a realidade da vida e a base da arte. O eu do poeta tenta integrar e unificar tudo o que tem ou teve existncia ou possibilidade de existir.Engenheiro naval e viajante, lvaro de Campos configurado biograficamente por Pessoa como vanguardista e cosmopolita, espelhando-se este seu perfil particularmente nos poemas em que exalta, em tom futurista, a civilizao moderna e os valores do progresso.

O

Vanguarda e Sensacionismo

Campos um poeta vanguardista que, numa linguagem impetuosa, onomatopaica, talvez excessiva, canta o mundo moderno, exaltando a civilizao industrial, as mquinas velozes e mecnicas. envolto pelas sensaes de um mundo moderno que o rodeia numa nova viso esttica, embelezando a fria dos maquinismos e a beleza da fora ou barulho, em oposio beleza tradicionalmente concebida.O Sensacionismo uma fase designada futurista inspirada pela intelectualizao das sensaes ou pela desordem do mundo industrial. Esta realidade de um novo mundo, cria no eu potico um xtase compreendido pela novidade da inovao, compreendido por sons nunca antes ouvidos. Ao vanguardismo agregam-se as sensaes, o sentir da mquina nova e treinam-se os sentidos humanos s novas tecnologias obrigando-os a ultrapassar os prprios limites das sensaes. Assim, assistir-se-, na linguagem potica em Campos, a expresso enrgica manifestada na vida que o prprio sente enquanto descritor do que vive e sente.

dolorosa luz das grandes lmpadas elctricas da fbrica Tenho febre e escrevo. Escrevo rangendo os dentes, fera para a beleza disto, Para a beleza disto totalmente desconhecida dos antigos.

rodas, engrenagens, r-r-r-r-r-r-r eterno! Forte espasmo retido dos maquinismos em fria! Em fria fora e dentro de mim, Por todos os meus nervos dissecados fora, Por todas as papilas fora de tudo com que eu sinto! Tenho os lbios secos, grandes rudos modernos, De vos ouvir demasiadamente de perto, E arde-me a cabea de vos querer cantar com um excesso De expresso de todas as minhas sensaes, Com um excesso contemporneo de vs, mquinas!()

Do excerto da Ode Triunfal, v-se expresso todas as sensaes de um mundo moderno, quase sempre com uso de onomatopeias bem expressivas, hiperblicas at, cantando a fraternidade de todas as dinmicas. Canta a civilizao e a corrupo na poltica, os progressos, todas as coisas modernas; canta a raiva mecnica em contraste com o desejo de sossego e de serenidade. Eis descrita, tambm. A sensao de uma frustrao radical, isto , na mquina, irracional e exterior, que se projetam os sonhos e os desejos do poeta: Ah poder exprimir-me como um motor se exprime! () , exclama Campos exaltando a energia, a dinmica, a vivacidade e velocidade de um sistema mecnico que, claramente, desejaria ver descrito nele mesmo, enquanto sujeito potico e enquanto pessoa.

Abulia e Tdio

lvaro de Campos caracteriza-se, essencialmente, nesta ltima fase, pela sua faceta anti-social ( maneira romntica), pelo desprezo social e pela renncia sociedade materialista, marcada por comportamentos estereotipados, cujos valores caducos o poeta contesta, numa revolta veemente, assumindo-se fechado, sempre pronto a provocar, a chocar os seguidores da ordem estabelecida, causando escndalo. Campos recusa a aco, no se insere no sistema social que o envolve e grita a sua diferena de uma forma pungente, reivindicando para si mesmo a condio daquele que "no nasceu para isso", aquele que tem conscincia de que entre o seu "eu" e os outros existe um abismo intransponvel.

O que h em mim sobretudo cansaoNo disto nem daquilo,Nem sequer de tudo ou de nada:Cansao assim mesmo, ele mesmo,Cansao.

A subtileza das sensaes inteis,As paixes violentas por coisa nenhuma,Os amores intensos por o suposto algum.Essas coisas todas -Essas e o que faz falta nelas eternamente -;Tudo isso faz um cansao,Este cansao,Cansao.

(...)

E o resultado?Para eles a vida vivida ou sonhada,Para eles o sonho sonhado ou vivido,Para eles a mdia entre tudo e nada, isto , isto...Para mim s um grande, um profundo,E, ah com que felicidade infecundo, cansao,Um supremssimo cansao.ssimo, ssimo. ssimo,Cansao...

No excerto de Apontamneto de Campos verifica-se notavelmente um cansao mais provvel psicolgico que o eu potico sente em si mesmo, e do abatimento nesta fase decadentista da vida deste heternimo. H a necessidade de busca de novas sensaes motivado pela nostalgia, a expresso de tdio e do cansao e da saturao social.Mesmo recorrendo aos estupefacientes, nesta fase de decadentismo, como escape monotonia, o sujeito potico continua a sentir falta de sentido na sua vida e a necessidade de fuga dela, conduzindo a um verdadeiro vazio existencial, a um abismo de vida.Voltam, tal como no Ortnimo, algumas sensaes da infncia que o conduzem a um niilismo que problematiza a sua existncia, como seguem os exemplos:

NO: No quero nada. J disse que no quero nada.

No me venham com concluses! A nica concluso morrer.

()

VI. Eplogo

Em suma, pode afirmar-se que a criao de figuras imaginrias, dentro do pensamento de Fernando Pessoa, resume e/ou estrutura a sua vida em fases to distintas, personificadas em pessoas com personalidades diferentes, estatura fsica variada, estados de espritos no iguais e recursos poticos ou estilsticos formados desigualmente. um compndio, no de uma vida, mas de trs ou quatro pessoas no iguais, como que se tratasse do estudo separado. No obstante, aceitando a afirmao das trs ou quatro pessoas no iguais, todos eles buscam sentimentos comuns a um Mestre, que, vivendo na ignorncia do complexo, sente, olha e vive a vida, na serenidade invejada por todos.Todos reunidos num s que sonhou, e porque Deus o pensou, assim a obra nasceu!

BIBLIOGRAFIA

Livros de consulta

Vasco Moreira, Hilrio Pimenta, Portugus 12, Porto editora, 2012

Ana Magalhes, Livro Espao 12, Porto editora, 2009

Lus Monteiro, Ana Magalhes, Livro Espao 12, Porto editora, 2012

Conceio Jacinto, Gabriela Lana, Anlise de poemas Fernando Pessoa Ortnimo e Heternimos, Porto Editora

Stios de consulta

http://pt.wikipedia.org/wiki/Fernando_Pessoa#Primeiros_anos_em_Lisboa

http://www.prof2000.pt/users/jsafonso/port/

http://ateus.net/artigos/miscelanea/o-guardador-de-rebanhos/