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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO UNIVERSITÁRIO DE ESTUDOS E PESQUISAS SOBRE DESASTRES ESPECIALIZAÇÃO EM PLANEJAMENTO E GESTÃO EM DEFESA CIVIL ESTUDO SOBRE INCÊNDIOS DE PROGRESSO RÁPIDO MARCOS DE OLIVEIRA Ten Cel BM FLORIANÓPOLIS – SC - NOVEMBRO – 2005

ESTUDO SOBRE INCÊNDIOS DE PROGRESSO … · IFSTA – International Fire Service Training Association Associação Internacional de Treinamento de Serviços de Bombeiro IE – Ignição

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

CENTRO UNIVERSITÁRIO DE ESTUDOS E PESQUISAS SOBRE D ESASTRES

ESPECIALIZAÇÃO EM PLANEJAMENTO E GESTÃO EM DEFESA C IVIL

ESTUDO SOBRE

INCÊNDIOS DE PROGRESSO RÁPIDO

MARCOS DE OLIVEIRA

Ten Cel BM

FLORIANÓPOLIS – SC - NOVEMBRO – 2005

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

CENTRO UNIVERSITÁRIO DE ESTUDOS E PESQUISAS SOBRE D ESASTRES

ESPECIALIZAÇÃO EM PLANEJAMENTO E GESTÃO EM DEFESA C IVIL

ESTUDO SOBRE

INCÊNDIOS DE PROGRESSO RÁPIDO

Monografia apresentada ao Centro

Universitário de Estudos e Pesquisas sobre

Desastres da Universidade Federal de Santa

Catarina como requisito para obtenção do

Grau de Especialista em Planejamento e

Gestão em Defesa Civil.

ORIENTADORA:

Professora Dra. POLIANA DIAS DE MORAES

MARCOS DE OLIVEIRA

FLORIANÓPOLIS – SC - NOVEMBRO - 2005

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

CENTRO UNIVERSITÁRIO DE ESTUDOS E PESQUISAS SOBRE D ESASTRES

ESPECIALIZAÇÃO EM PLANEJAMENTO E GESTÃO EM DEFESA C IVIL

A Comissão Examinadora, abaixo assinada, aprova a monografia:

ESTUDO SOBRE

INCÊNDIOS DE PROGRESSO RÁPIDO

MARCOS DE OLIVEIRA

Como requisito final para obtenção do Grau de Especialista em Planejamento e

Gestão em Defesa Civil.

Comissão Examinadora:

POLIANA DIAS DE MORAES

FLAVIA REGINA RAMOS

ANTÔNIO EDÉSIO JUNGLES

Nota final: _________

FLORIANÓPOLIS - NOVEMBRO - 2005

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DEDICATÓRIA

À Marisol Jaine Purey de Oliveira, companheira e apoio solidário em todos os

momentos de minha vida conjunta, registro minha carinhosa homenagem e

reconhecimento pelas contribuições do contínuo e fecundo diálogo que tanto

ampliou minha sensibilidade ao humano e ao profissional.

Mais que uma justa homenagem, este trabalho de conclusão de curso

representa também o resultado de sua presença.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, por ter-me permitido chegar aos dias de hoje.

A meus pais, Walmor (in memorian) e Paula, sem os quais tudo perderia sua

significação.

À Marisol, minha mulher, e aos meus filhos, Isabella e João Gabriel, por toda

compreensão, apoio e pela continuada paciência em repartir o tempo de convivência

do marido e pai, com minhas obrigações como aluno e como Comandante de um

Batalhão de Bombeiro Militar.

Ao Centro Universitário de Estudos e Pesquisas sobre Desastres da

Universidade Federal de Santa Catarina, aos mestres, aos companheiros de curso e

a todos os colaboradores por terem iluminado os caminhos para a concretização

deste importante Curso de Especialização em Planejamento e Gestão em Defesa

Civil.

Ao Comando Geral do Corpo de Bombeiros Militar de Santa Catarina pela

confiança e pelo incondicional apoio recebido, sem o qual, todo esse trabalho de

pesquisa não teria sido possível.

Ao Professor Dr. Antônio Edésio Jungles, Chefe do Departamento de

Engenharia Civil da Universidade Federal de Santa Catarina e Coordenador do

Curso e a Professora Dra. Poliana Dias de Moraes, minha orientadora, pelo

fornecimento do valioso material de pesquisa utilizado na elaboração desta

monografia, pelas inúmeras lições de saber e, pelas constantes orientações que me

permitiram as ferramentas para a conclusão desta tarefa.

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“Vulgar é o ler, raro o refletir. O saber não

está na ciência alheia, que se absorve, mas,

principalmente, nas idéias próprias, que se geram

dos conhecimentos absorvidos, mediante a

transmutação, por que passam no espírito que os

assimila. Um sabedor não é armário de sabedoria

armazenada, mas um transformador reflexivo de

aquisições digeridas.”

Rui Barbosa de Oliveira

Oração aos Moços (1920)

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LISTA DE ANEXOS

Anexo I - Representação do desenvolvimento de um backdraft . . . . . . . . . . . 73

Anexo II – Fotografia de um backdraft . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 74

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GLOSSÁRIO DE SIGLAS

ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas

BSI – British Standards Institution

Instituição Britânica de Padrões

BM – Bombeiro Militar

BBMM – Bombeiros Militares

CBMSC – Corpo de Bombeiro Militar de Santa Catarina

CIPA – Comissão Interna de Prevenção de Acidentes

CEPED – Centro Universitário de Estudos e Pesquisas sobre Desastres

EPI – Equipamento de Proteção Individual

FRS – Fire Research Station

Estação de Pesquisa de Incêndio

IFE – Institution of Fire Engineers

Instituição de Engenheiros de Incêndio

IFSTA – International Fire Service Training Association

Associação Internacional de Treinamento de Serviços de Bombeiro

IE – Ignição Explosiva

IGI – Ignição dos Gases do Incêndio

IPR – Incêndio de Progresso Rápido

ISG – Ignição Súbita Generalizada

ISO – International Standards Organisation

Organização Internacional de Padrões

LIE – Limite Inferior de Explosividade

LSE – Limite Superior de Explosividade

NBR – Norma Brasileira de Regulamentação

NFPA – National Fire Protection Association

Associação Nacional de Proteção Contra Incêndio dos EUA

NIOSH – National institute Of Occupational Safety and Healty

Instituto Nacional de Saúde e Segurança Ocupacional dos EUA

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OBM – Organização de Bombeiro Militar

PN – Plano Neutro

UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina

ZPP – Zona de Pressão Positiva

ZPP – Zona de Pressão Negativa

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RESUMO

Esta monografia é direcionada ao estudo da dinâmica do fogo, mais

especificamente ao incêndio de progresso rápido.

Através de uma pesquisa bibliográfica e da análise de dados estatísticos,

foram relacionadas as principais dificuldades da atividade de extinção de incêndios

em compartimento, dentre as quais, destacamos as deficiências de treinamento, a

falta de condutas operacionais padronizadas, a dificuldade de acesso a pesquisas

atualizadas sobre o assunto e, uma maior cooperação entre os diversos organismos

de resposta e os centros universitários para o estudo aprofundado desse tipo de

atividade.

Ao final do trabalho, apresentaremos além de uma série de sugestões para

minimizar esses problemas, uma sugestão de terminologias em português para

classificar os incêndios de progresso rápido e seus diversos fenômenos associados.

PALAVRAS CHAVES: incêndio, dinâmica do fogo, incêndio de progresso rápido,

ignição súbita generalizada, ignição explosiva, ignição dos gases do incêndio.

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ABSTRACT

This monograph is directed to the fire dynamics, more specifically the rapid fire

progress.

By means of researches and the analysis of statistical facts, were related the

main difficulties of the activity of extinction of compartment fires. We detach the

deficiencies of training, the absence of operational conducts standardized, the

difficulty of access to new researches and a bigger cooperation between the diverse

agencies and the university centers for the study of activity.

To the end of the work, we will present a series of suggestions for minimize

those problems, a suggestion of terminology in portuguese for classify the rapid fires

progress and his diverse phenomena associated.

WORDS KEYS: fire, fire dymamics, rapid fire progress, flashover, backdraft, fire gas

ignition.

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SUMÁRIO

DEDICATÓRIA

AGRADECIMENTOS

SIGNIFICADO DAS SIGLAS UTILIZADAS

RESUMO

1. INTRODUÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 01

1.2 Objetivos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 03

1.2.1 Objetivo geral . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 03

1.2.2 Objetivos específicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 03

2. A PROTEÇÃO CONTRA INCÊNDIO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 04

2.1 A evolução dos serviços de proteção contra incêndios . . . . . . . . . 04

2.2 O poder destrutivo do fogo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 06

2.3 Aspectos legais da competência dos Corpos de Bombeiros . . . . . 07

3. O RISCO DA LUTA CONTRA O FOGO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10

3.1 Os perigos potenciais dos incêndios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10

3.2 Entendendo a dinâmica do fogo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14

3.2.1 Considerações sobre o agente oxidante (oxigênio) . . . . . . . . . . . 16

3.2.2 Considerações sobre o combustível . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17

3.2.3 Considerações sobre o calor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18

3.2.4 Considerações sobre a reação química em cadeia . . . . . . . . . . . 19

3.3 Chamas de difusão e chamas de pré-mistura . . . . . . . . . . . . . . . . . 20

3.4 Inflamabilidade dos gases do incêndio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20

3.4.1 Limites de inflamabilidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21

3.4.2 Limite Inferior de Inflamabilidade ou Explosividade . . . . . . . . . . . . 21

3.4.3 Limite Superior de Inflamabilidade ou Explosividade . . . . . . . . . . 22

3.4.4 Faixas ou Limites de Inflamabilidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22

3.5 Transferência do calor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23

3.5.1 Condução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24

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3.5.2 Convecção . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24

3.5.3 Irradiação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24

3.6 O desenvolvimento do fogo (fases do incêndio) . . . . . . . . . . . . . . . . 25

3.6.1 Fase da ignição . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26

3.6.2 Fase do crescimento do fogo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26

3.6.3 Fase da ignição súbita generalizada . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27

3.6.4 Fase do desenvolvimento completo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28

3.6.5 Fase da diminuição . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29

3.7 Fatores que afetam o desenvolvimento do fogo . . . . . . . . . . . . . 30

3.8 Balanço térmico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31

3.9 Modelo cúbico da propagação do fogo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32

3.10. Valores característicos de temperatura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32

4. INCÊNDIOS DE PROGRESSO RÁPIDO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34

4.1 Novas terminologias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34

4.1.1 Ignição súbita generalizada . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37

4.1.2 Ignição explosiva . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39

4.1.3 Ignição dos gases do incêndio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42

4.2 As principais diferenças entre os fenômenos causadores de IPR . . . 44

4.3 Como identificar os sinais de um incêndio de progresso rápido (IPR) . 47

4.4 Os novos paradigmas do combate a incêndio . . . . . . . . . . . . . . . . . 48

4.5 Aprendendo a ler o fogo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55

4.5.1 Sinais relacionados com a observação da fumaça . . . . . . . . . . . . 55

4.5.2 Sinais relacionados com as correntes gravitacionais ou fluxos de ar . 56

4.5.3 Sinais relacionados com a observação do calor . . . . . . . . . . . . . . . 57

4.5.4 Sinais relacionados com a observação das chamas . . . . . . . . . 58

4.6 Considerações sobre ventilação tática . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59

4.6.1 Considerações sobre a ventilação pela vida . . . . . . . . . . . . . . . . . 60

4.6.2 Considerações sobre a ventilação pelo fogo . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61

4.6.3 Considerações sobre a ventilação pela segurança . . . . . . . . . . . . . 62

4.6.4 Ventilação por Pressão Positiva (VPP) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 62

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 64

6. REFERÊNCIAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1: Efeitos fisiológicos da redução do oxigênio (hipóxia) . . . . . . . 05

Tabela 2: Atmosferas tóxicas associadas ao incêndio . . . . . . . . . . . . . . 11

Tabela 3: Efeitos tóxicos do monóxido de carbono (CO) . . . . . . . . . . . . 12

Tabela 4: Faixas ou Limites de Inflamabilidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23

Tabela 5: Taxas de liberação de calor da NFPA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31

Tabela 6: Efeitos destrutivos causados pelas ondas de pressão . . . . . . 47

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1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho de monografia se propõe analisar os perigos dos

incêndios estruturais em recintos fechados (incêndios em compartimento) e as

diferentes ações táticas empreendidas por bombeiros para avaliar e gerenciar essas

situações emergências.

Segundo Drysdale (1998, pág. 291), “o termo incêndio em compartimento é

usado para descrever um incêndio que seja confinado dentro de uma sala ou

cômodo similar dentro de um edifício”.

No Brasil, muito pouco tem sido pesquisado sobre tal fenômeno e este

conhecimento certamente ajudará os bombeiros a melhor identificar riscos potenciais

e a melhor forma de identificar e extinguir esses incêndios com segurança e eficácia.

Sabe-se que é difícil prever com exatidão quando irá ocorrer um incêndio e,

uma vez iniciado qual será o seu alcance, no entanto, através do conhecimento

científico da dinâmica do fogo, pode-se determinar os métodos mais adequados

para controlar os perigos dos incêndios e explosões.

É oportuno lembrar Shan Raffel, Diretor do Departamento de Operações do

Departamento de Bombeiros de Queensland, da Austrália

(http://www.uq.net.au/~zzsraffe/papers/reading_the_fire.htm), quando o autor

ressalta que todos os incêndios fornecem uma série de sinais que podem ajudar os

bombeiros a determinar em que momento do seu desenvolvimento eles se

encontram.

Essa habilidade para interpretar estes sinais é essencial para assegurar uma

correta extinção e um trabalho seguro e ainda, evitar a tomada de decisões

baseadas na sorte ou na suposição de que algo irá acontecer.

A escolha deste tema também está relacionada com minha qualificação

pessoal, tendo em vista que, nos últimos vinte anos, venho desenvolvendo minhas

atividades profissionais em Organizações de Bombeiro Militar sempre ligado a área

de desastres e emergências.

Este trabalho pretende também iniciar uma aproximação do Corpo de

Bombeiros Militar de Santa Catarina (CBMSC) com a Universidade Federal de Santa

Catarina (UFSC), de forma a ampliar as experiências e testes estruturais no campo

da Engenharia de Incêndio (Fire Engineering) que é o termo que agora substitui a

antiga expressão engenharia de segurança de incêndio (Fire Safety Engineering).

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O combate a incêndios estruturais devido à sua complexidade e

conseqüências, requer especial atenção por parte dos serviços de bombeiro em todo

o mundo, portanto, faz-se necessária a realização de uma pesquisa para identificar a

relação dos bombeiros combatentes com a atividade, bem como, as melhores

formas de combater os incêndios em compartimento com segurança, a partir do

estudo do comportamento dos materiais combustíveis, a teoria do desenvolvimento

do fogo em ambientes fechados e os fenômenos dos incêndios de propagação

rápida.

O desenvolvimento da presente monografia caracteriza-se pela pesquisa

descritiva de natureza exploratória. A pesquisa é utilizada para analisar e explicar os

problemas representados pelos incêndios de progresso rápido e sua influência na

segurança dos bombeiros combatentes durante a atividade de combate e extinção

de incêndios em compartimentos.

O presente trabalho é estruturado em cinco capítulos. A descrição de cada

um dos capítulos é a seguinte:

No primeiro capítulo, apresenta-se a parte introdutória, caracterizando e

justificando o tema, expondo os objetivos da monografia e apresentando as

informações relativas aos procedimentos metodológicos empregados.

No segundo capítulo é apresentado o referencial teórico da evolução dos

serviços de proteção contra incêndios, considerações sobre o poder destruidor dos

incêndios e alguns aspectos legais relativos à competência do Corpo de Bombeiros

Militar de Santa Catarina (CBMSC).

O terceiro capítulo contém informações sobre os perigos potenciais dos

incêndios estruturais e considerações sobre a dinâmica do fogo (ciência do fogo e

combustão).

O quarto capítulo aborda o estudo sistemático dos incêndios de progresso

rápido, suas terminologias científicas, formas de reconhecimento dos perigos e

considerações sobre ações táticas para o enfrentamento desses riscos potenciais.

Finalizando, o quinto e último capítulo apresenta as considerações finais

referentes ao presente estudo, nas quais evidenciam-se as formas mais seguras e

eficientes de se conduzir os trabalhos de combate a incêndios em compartimento, a

partir do conhecimento da dinâmica do fogo e dos sinais de advertência dos

incêndios de progresso rápido.

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3

1.2 Objetivos

1.2.1 Objetivo geral

Através do presente trabalho de monografia pretende-se estudar a dinâmica

do fogo em incêndios em compartimento e os perigos dos incêndios de progresso

rápido, também chamados de incêndios de desenvolvimento rápido, verificando os

fatores que poderão contribuir para a melhoria da segurança dos bombeiros

combatentes durante as operações de combate e extinção de incêndios estruturais e

um melhor entendimento dos fenômenos associados aos incêndios de

desenvolvimento rápido.

1.2.2 Objetivos específicos

Realizar uma revisão bibliográfica dos conceitos básicos da ciência do fogo e

combustão, bem como, da teoria do desenvolvimento do fogo em recintos fechados,

objetivando indicar as melhores opções táticas para o enfrentamento desses

incêndios e seus perigos associados.

Propor alternativas para padronizar, ampliar e fundamentar a prática

profissional do combate a incêndios estruturais no CBMSC.

Estabelecer uma conceituação, bem como a tradução de termos relacionados

com os incêndios de progresso rápido para uso em português, no CBMSC.

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4

2. A PROTEÇÃO CONTRA INCÊNDIO

2.1 A evolução dos serviços de proteção contra incê ndios

Não há uma posição única em relação à evolução dos serviços de proteção

contra incêndios, no entanto, a maioria dos autores acredita que esses serviços

surgiram como quase tudo o que o homem criou, por necessidade.

O fogo sempre foi uma séria ameaça à humanidade. Quando os homens

ainda eram nômades, podiam fugir dos incêndios e não precisavam enfrentá-los. A

partir do momento em que o homem se sedendarizou, ele acabou obrigado a

proteger-se do fogo sempre que ele ameaçava sua vida ou seu patrimônio.

Certamente a preocupação com incêndios é tão antiga como a própria vida

social, nas diferentes culturas do mundo, e certamente, a evolução dos serviços de

bombeiros está diretamente ligada com as grandes tragédias vividas pela

humanidade ao longo dos últimos séculos. Foi a partir dessas grandes tragédias,

que surgiu a necessidade de se criar um serviço para fazer frente a esse tipo de

sinistro. Assim nasceram as primeiras corporações de bombeiros.

Atualmente, a extinção de incêndios realizada pelos Corpos de Bombeiros é

de vital importância, mas em qualquer situação, deve ser entendida como um último

recurso. Os passos lógicos que devem preceder a atuação dos serviços públicos de

proteção contra incêndios são, por ordem, a educação preventiva das comunidades,

a prevenção dos incêndios baseada na adoção de códigos e leis de proteção contra

sinistros, a detecção e a extinção automática dos incêndios e, a instalação de

barreiras contra a propagação do fogo (Cote e Bugbee, 1988).

Como é fato conhecido, os objetivos primordiais da segurança contra incêndio

são minimizar o risco à vida humana e reduzir as perdas patrimoniais (Vargas e

Silva, 2003). Nesse contexto, entende-se como risco à vida, a exposição aos

produtos da combustão (os gases da combustão, as chamas propriamente ditas, o

calor irradiado e as fumaças visíveis) por parte dos usuários da edificação sinistrada

ou o eventual desabamento de elementos construtivos sobre esses mesmos ou

ainda sobre os integrantes das equipes de combate ao fogo e resgate.

Entenda-se como perda patrimonial, a destruição parcial ou total de uma

edificação, dos seus estoques, dos documentos, dos equipamentos ou dos

acabamentos da edificação sinistrado ou das demais que porventura estejam

próximos.

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5

Contrariamente a opinião popular, o maior risco à vida devido aos incêndios,

não se constitui nem das chamas, nem do calor, mas da inalação de fumaça e dos

gases aquecidos e tóxicos, assim como também pela deficiência de oxigênio (Cote e

Bugbee, 1988).

Segundo Vargas e Silva (2003, p.76):

“Sabe-se que a segurança absoluta, em qualquer situação de nossas vidas, é

uma condição inviável de ser alcançada, pois a segurança é proporcional ao

custo para obtê-la. Assim, não se deve procurar a segurança absoluta, mas

sim a melhor solução possível, levando em conta a segurança e o seu custo”.

Segundo as informações contidas no manual “Fundamentos da luta contra o

fogo”, da IFSTA (2002, p.93), os efeitos fisiológicos da redução do oxigênio (hipóxia)

produzem os seguintes sinais e sintomas no homem: aumento do ritmo respiratório,

falta de coordenação, dor de cabeça (cefaléia), fadiga, enjôo, inconsciência e até

morte em poucos minutos por falha respiratória e insuficiência cardíaca.

Tabela 1: Efeitos fisiológicos da redução do oxigênio (hipóxia)

Oxigênio no ar (porcentagem) Sinais e sintomas no homem

21 % Nenhum, condições normais

17 % Aumento do ritmo respiratório e algum dano

muscular em relação a coordenação

12 % Dor de cabeça (cefaléia), fadiga e enjôo

9 % Inconsciência

6 % Morte em poucos minutos por falha

respiratória e insuficiência cardíaca

Fonte: Tabela 4.1 do Manual de fundamentos da luta contra o fogo, IFSTA, 2002, p.93.

Observação: Estes dados não são absolutos já que tem-se que levar em conta as diferenças do

ritmo respiratório de cada pessoa e os tempos de exposição. Estes sinais e sintomas se

produzem unicamente pela redução do oxigênio. Se a atmosfera está contaminada com gases

tóxicos, poderão surgir outros problemas.

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2.2 O poder destrutivo do fogo

Desde os tempos pré-históricos, o fogo tem sido considerado uma força tanto

benéfica como destruidora. A utilização do fogo pela raça humana seguiu

provavelmente quatro etapas. Em primeiro lugar, o homem apenas conheceu o fogo

a partir de recursos naturais, como por exemplo, num incêndio em uma floresta

resultante de uma descarga atmosférica. Em segundo lugar, o homem obteve o fogo

a partir destas fontes naturais e o utilizou para iluminar, se aquecer e se proteger de

animais. Posteriormente, o homem aprendeu a criar o fogo por si mesmo e, por

último, foi capaz de controlá-lo fazendo sua vida mais agradável e confortável.

Devido à sua natureza benéfica, o fogo tem sido considerado em várias

culturas como um elemento sagrado. A maioria das mitologias trata da chegada do

fogo à humanidade. De qualquer modo, além de seu caráter benéfico, o fogo pode

ser tremendamente destruidor.

Uberto C. Grosby, vice-presidente da NFPA, descreveu estas duas facetas da

natureza do fogo, em uma conferência durante o 4º Congresso Anual da

Associação, realizado na cidade de Nova Iorque, em 1900.

“Es una cosa extraña este fuego del que pretendemos protegernos. Adorado

en la antigüedad como un Dios y cuidado celosamente por el hombre

primitivo. Un desconocido, inconsistente, una fuerza con dos facetas que

siempre há estado con el hombre: por una parte dándole confort y

beneficios, y por outra, modificando y destruyendo sus bienes, sin avisar. El

fuego calienta e ilumina nuestros hogares, hace funcionar nuestras fábricas y

da vida y energía a nuestra moderna civilización. Se nos presenta como un

amigo, como una bendición; pero mientras nos reparte ventajas y beneficios,

pretende destruir com persistencia y astucia, y mientras descansamos en una

seguridad económica, rompe las barreras con las que intentamos

protegernos, y como una avalancha poderosa arrasa nuestras casas, edificios,

pueblos y ciudades. Es al mismo tiempo amigo y enemigo; desde siempre el

hombre há trabajado para obtener sus beneficios y al mismo tiempo,

prevenir los siniestros que ocasiona.”

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7

2.3 Aspectos legais da competência dos Corpos de Bo mbeiros

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 reconheceu os

direitos à vida, à saúde, à segurança, à propriedade e a incolumidade das pessoas e

do patrimônio, como direitos constitucionais.

Aos Corpos de Bombeiros Militares, entidades públicas, organizadas com

base na hierarquia e disciplina, incumbidas da realização dos serviços de prevenção

de sinistros, de combate a incêndios e de busca e salvamento de pessoas e bens,

nos respectivos Estados e no Distrito Federal, coube a garantia desses direitos, pois,

a segurança da população é dever do Estado, direito e responsabilidade da

cidadania.

Convém ainda, verificarmos que os Corpos de Bombeiros Militares,

autônomos ou não (em alguns Estados os Corpos de Bombeiros Militares são parte

integrante das Polícias Militares), são órgãos da Administração Pública dos Estados

e do Distrito Federal. Eles integram, em outras palavras, o Poder Executivo,

sujeitando-se, como qualquer outro órgão da Administração Pública, às normas e

princípios jurídicos que regem as suas atividades, em especial aos princípios da

legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade (art. 37, caput, da Constituição

da República).

Como órgãos da Administração Pública, eles têm o correspondente Poder de

Polícia (poder instrumental conferido à Administração Pública para que ela possa

realizar os seus fins, na realização do bem comum) para que bem possam exercer a

atividade fim que a norma constitucional e a infraconstitucional lhes atribuíram.

A Constituição Federal, verdade seja dita, não atribuiu aos Corpos de

Bombeiros Militares competência bem definida a respeito de sua atividade fim, salvo

a de execução das atividades de defesa civil, pois, por força do art. 144, § 5º, as

demais são definidas em lei. No entanto, o óbvio, é ser da competência dessas

corporações, tradicionalmente, as atividades de prevenção e combate a incêndios,

além da busca e salvamento de pessoas e de bens.

No Estado de Santa Catarina, essas atividades estão previstas para o Corpo

de Bombeiros Militar na Lei nº. 6.217, de 10 de fevereiro de 1983, que dispõe sobre

a Organização Básica do Corpo de Bombeiro Militar, competindo-lhe realizar os

serviços de prevenção e de extinção de incêndios, simultaneamente com os de

proteção e salvamento de vidas e materiais no local do sinistro, bem como os de

busca e salvamento, prestando socorro em casos de afogamento, inundações,

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desabamentos, acidentes em geral, catástrofes e calamidades públicas, como

consta no art. 2º, Capítulo II, da aludida lei barriga-verde, que, com certeza, está

recepcionada pelo art. 144, § 5º, da Constituição Federal, como também pelo art.

108 da Constituição Estadual Catarinense de 1989 (alterada pela Emenda

constitucional 033, de 17 de junho de 2003, publicada no DOE nº. 17.176) a qual

estabelece que o Corpo de Bombeiros Militar, órgão permanente, força auxiliar,

reserva do Exército, organizado com base na hierarquia e disciplina, subordinado ao

Governador do Estado, cabe, nos limites de sua competência, além de outras

atribuições estabelecidas em Lei:

I - realizar os serviços de prevenção de sinistros ou catástrofes, de

combate a incêndio e de busca e salvamento de pessoas e bens e o

atendimento pré-hospitalar;

II - estabelecer normas relativas à segurança das pessoas e de seus

bens contra incêndio, catástrofe ou produtos perigosos;

III - analisar, previamente, os projetos de segurança contra incêndio

em edificações, contra sinistros em áreas de risco e de

armazenagem, manipulação e transporte de produtos perigosos,

acompanhar e fiscalizar sua execução, e impor sanções

administrativas estabelecidas em Lei;

IV - realizar perícias de incêndio e de áreas sinistradas no limite de

sua competência;

V - colaborar com os órgãos da defesa civil;

VI - exercer a polícia judiciária militar, nos termos de lei federal;

VII - estabelecer a prevenção balneária por salva-vidas; e

VIII - prevenir acidentes e incêndios na orla marítima e fluvial.

Com a instalação da primeira Seção de Bombeiros na cidade de Florianópolis,

a 26 de setembro de 1926, temos o marco histórico da fundação do Corpo de

Bombeiros Militar no Estado de Santa Catarina. Criada pela Lei nº. 1.288, de 16 de

setembro de 1919, a Seção foi instalada somente em 26 de setembro de 1926,

conforme ata de inauguração, documento que iniciou oficialmente a instituição.

Atualmente, o Corpo de Bombeiros Militar do Estado de Santa Catarina

entende que o seu negócio é: “Proteger a vida, o patrimônio e o meio ambiente” e

desenvolve suas ações com base na seguinte missão: “Prover e manter serviços

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profissionais e humanitários que garantam a proteção da vida, do patrimônio e do

meio ambiente, visando proporcionar qualidade de vida à sociedade”. Os rumos da

organização Bombeiro Militar Catarinense baseiam-se na seguinte visão estratégica:

“Ser referência e modelo de excelência na prestação de serviços de bombeiro”.

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3. O RISCO DA LUTA CONTRA O FOGO

3.1 Os perigos potenciais dos incêndios

O ambiente físico onde atuam os bombeiros combatentes possui uma série

de perigos potenciais relacionados com o incêndio e as altas temperaturas. A luta

contra o fogo envolve um trabalho árduo e riscos que podem incluir: o contato direto

com a chama, a exposição às temperaturas extremas, o calor radiante intenso, a

exposição ao vapor d’água super aquecido, a exposição a produtos químicos

perigosos, o choque elétrico, a exposição à luz UV e ao ozônio, e outros perigos

físicos.

Estes incêndios podem envolver uma variedade das substâncias e perigos, a

presença e a severidade dessas circunstâncias definirão a gravidade da

emergência.

Os tipos principais de ferimentos, segundo dados da NFPA (1991), são as

entorses, os ferimentos cortantes e as hemorragias. As mãos são as partes do corpo

que mais sofrem ferimentos.

De acordo com Cote e Bugbee (1988, pág. 55), “os principais produtos da

combustão são os gases da combustão, as chamas propriamente ditas, o calor

irradiado e as fumaças visíveis. Contrariamente a opinião popular, o maior risco à

vida devido aos incêndios, não se constitui nem das chamas, nem do calor, senão

da inalação de fumaça e gases aquecidos e tóxicos, assim como a deficiência de

oxigênio”.

A combustão dos materiais no ar quase sempre estará acompanhada de

chamas visíveis. O contato direto das chamas, assim como a irradiação direta do

calor das mesmas podem produzir graves queimaduras. Os danos produzidos pelas

queimaduras são dolorosos, duradouros, difíceis de tratar e muito penosos para os

pacientes.

Já o calor produzido pelos incêndios afeta diretamente as pessoas expostas

em função da distância e das temperaturas alcançadas e poderá produzir desde

pequenas queimaduras até a morte. A exposição ao ar aquecido aumenta o ritmo

cardíaco, provoca desidratação, esgotamento, bloqueio do trato respiratório e

queimaduras. Pessoas expostas a ambientes com excesso de calor podem morrer

se este ar quente entrar nos pulmões. Os bombeiros não devem entrar em

ambientes com atmosferas que excedam os 50 graus Celsius sem roupas de

proteção e conjuntos de proteção respiratória.

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O máximo nível de calor suportável num incêndio (considerando uma

atmosfera seca durante um curto período de exposição) é estimado em 150ºC, mas

qualquer umidade no ar aumentará notadamente esse perigo e reduzirá

drasticamente o tempo de sobrevivência. O problema é que, de forma geral, o

ambiente de um incêndio é eminentemente úmido.

As fumaças são constituídas por partículas sólidas e líquidas transportadas

pelo ar e por gases desprendidos dos materiais que queimam. Combustíveis comuns

desprendem minúsculas partículas pretas de carbono chamadas de fuligem ou pó de

carvão que são visíveis na fumaça e se acomodam sob superfícies por deposição. A

fumaça, incluindo os gases venenosos invisíveis que a mesma contém, é a principal

causa de mortes em incêndios, sendo responsável por cerca de 50 a 75% das

mortes. A fumaça irrita os olhos e os pulmões e normalmente cria pânico (Cote e

Bugbee,1988,pág. 59).

Os gases tóxicos específicos liberados em um incêndio variam de acordo com

cinco fatores principais: a natureza do combustível, a taxa de calor, a taxa ou

velocidade de aquecimento, a temperatura dos gases desprendidos e as

concentrações de oxigênio.

A tabela abaixo inclui alguns dos gases que se encontram mais habitualmente

em incêndios estruturais. As concentrações de perigo imediato para a vida e para a

saúde (IDLH, em inglês) são indicadas em conformidade com o guia Pocket Guide to

Chemical Hazards da National Institute for Occupational Safety and Health (NIOSH).

Tabela 2: Atmosferas tóxicas associadas ao incêndio

Atmosferas tóxicas Sensibilidade IDLH* Causado por Reação

Dióxido de

carbono (CO²)

Incolor; inodoro 40.000

ppm**

Queima livre da

comsbustão

completa

Produto final

dos materiais

carboníferos

Monóxido de

carbono (CO)

Incolor; inodoro 1.200 ppm Combustão

incompleta

Principal causa

de mortes

relacionadas

com incêndios

Cloreto de

hidrogênio (HCl)

Incolor ou

levemente

50 ppm Plásticos

queimando (por

Irrita os olhos e

as vias

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amarelado; odor

acre

exemplo, o

PVC)

respiratórias

Cianeto de

hidrogênio (HCN)

Incolor; odor de

amêndoas amargas

50 ppm Incêndio em lã,

nylon, espuma

de poliuretano e

papel

Asfixia química,

dificulta a

respiração ao

nível celular

Dióxido de

nitrogênio (NO²)

Marrom; odor acre 20 ppm Se libera em

silos e celeiros

Irrita o nariz e a

garganta

Fonte: Tabela 4.2 do Manual de fundamentos da luta contra o fogo, IFSTA, 2002, p.94.

*IDLH sigla em inglês para perigo imediato para a vida e para a saúde, qualquer atmosfera

que indique um perigo imediato à vida ou produza efeitos debilitantes imediatos ou

irreversíveis para a saúde.

**ppm, partes por milhão, percentagem do volume de contaminantes (partes) em comparação

com o volume dear (partes por milhão).

As concentrações de monóxido de carbono no ar acima de 0,05% (500 partes

por milhão - ppm) podem ser perigosas. Quando o nível alcança 1% ou mais, a

perda da consciência e a morte podem se produzir sem sinais fisiológicos de

advertência. Segundo as informações contidas no manual “Fundamentos da luta

contra o fogo”, da IFSTA (2002, p.95), os efeitos tóxicos do monóxido de carbono

podem produzir os seguintes sinais e sintomas no homem: dor de cabeça (cefaléia),

enjôo, desmaio, inconsciência e até a morte.

Tabela 3: Efeitos tóxicos do monóxido de carbono (CO)

Monóxido de

carbono (CO) (ppm)

Monóxido de carbono

(CO) no ar (porcentagem)

Sinais e sintomas

100 0,01 Sem sintomas, nem danos

200 0,02 Discreta dor de cabeça (cefaléia)

400 0,04 Dor de cabeça depois de 1 ou 2 horas

800 0,08 Dor de cabeça depois de 45 minutos,

enjôo, desmaio e inconsciência depois

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de 2 horas

1.000 0,10 Perigoso, inconsciência depois de 1 hora

1.600 0,16 Dor de cabeça e enjôo depois de 5 a 10

minutos, inconsciência depois de 30

minutos

3.200 0,32 Dor de cabeça e enjôo depois de 5 a 10

minutos, inconsciência depois de 30

minutos

6.400 0,64 Dor de cabeça e enjôo depois de 1 a 2

minutos, inconsciência depois de 10 a

15 minutos

12.800 1,26 Inconsciência imediata, morte em 1 a 3

minutos

Fonte: Tabela 4.3 do Manual de fundamentos da luta contra o fogo, IFSTA, 2002, p.95.

Segundo Grimwood (2003):

“O fenômeno denominado de flashover, em seu sentido genérico, é um

assassino significativo de bombeiros. Nos EUA, por exemplo, as estatísticas

da NFPA no período de 1985 e 1994 demonstraram que um total de 47

bombeiros combatentes perderam suas vidas devido ao flashover. De 87

bombeiros combatentes mortos nos EUA durante os anos 1990-1999 em

razão de operações em incêndios estruturais, as principais causas das lesões

que produziram o óbito estão:

1) perder-se dentro da estrutura sinistrada e ficar sem ar respirável = 29

mortes;

2) preso pelo progresso do fogo - backdraft ou flashover = 23 mortes;

3) preso em estruturas colapsadas = 18 mortes”.

Ainda tem-se poucos dados estatísticos confiáveis no Brasil, especialmente

em relação a incêndios, no entanto, segundo o editorial da Revista Incêndio, n.º 29,

do Grupo CIPA (http://www.cipanet.com.br), estima-se que aconteçam cerca de 60

mil ocorrências de incêndio estrutural por ano no Brasil, aproximadamente 500

mortos e mais de 1.500 feridos.

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Somente no Reino Unido, morrem cerca de 800 pessoas por ano devido a

incêndios (Roy, 1997). Em termos reais, as perdas diretas (mortes de pessoas)

produzidas pelos incêndios podem não ter aumentado nas duas últimas décadas,

mas a ação do fogo tem aumentado outros custos associados, especialmente

aqueles ligados à perda de propriedades (Drysdale, 1998).

Cada vez que um prédio é incendiado são gastos milhões na sua

recuperação. As seguradoras se preocupam com o material, mas a vida e o meio

ambiente não têm a mesma importância.

Os Corpos de Bombeiros da maioria dos Estados não têm poder de polícia

para interditar ou atuar nas edificações irregulares. As prefeituras pouco ou nada

fazem para exigir dos proprietários e locatários edificações seguras contra incêndios

e assim acabam contribuindo para aumentar os sinistros e a irresponsabilidade dos

que não respeitam as leis.

3.2 Entendendo a dinâmica do fogo

Segundo a teoria básica do desenvolvimento do fogo, seu efetivo controle e

extinção requerem um entendimento da natureza físico/química do fogo e isso inclui

informações sobre fontes de calor, composição e características dos combustíveis e

as condições necessárias para a ocorrência da combustão ou fogo.

Fogo e combustão são termos freqüentemente usados como sinônimos.

Entretanto, tecnicamente, o fogo é uma forma de combustão (Carter, 1998).

Como um processo, o fogo pode assumir muitas formas, que envolvem

reações químicas entre substâncias combustíveis e o oxigênio do ar. O fogo quando

aproveitado corretamente fornece grandes benefícios que podem suprir nossas

necessidades industriais e domésticas, mas, quando descontrolado, pode causar

danos materiais e sofrimento humano (Drysdale, 1998).

Segundo Richard L. Tuve (1976, p.46), “o fogo é um processo (reação

química) de oxidação rápida, auto-sustentável, acompanhada pela produção de luz e

calor em intensidades variáveis.”

Nessa conceituação existem três elementos essenciais para o início

(ignição) de um fogo, ou seja, algo que queime (combustível), uma fonte de ignição

(calor ou energia térmica) e o oxigênio (comburente). A oxidação é uma reação

química onde um agente oxidante e um agente redutor, se combinam para formar

produtos menos reativos que os materiais de origem.

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Na verdade, a combustão é um tipo particular de reação de oxidação onde o

oxigênio quase sempre é o agente oxidante e o combustível (aquele de queima) é o

agente redutor. Os agentes redutores (combustíveis) mais comuns são os materiais

que contém grande percentual de carbono e hidrogênio.

Afirmar que o processo de oxidação é auto-sustentável implica em dizer que

a reação de combustão continuará como se fosse uma reação em cadeia. A reação

deve continuar com suficiente rapidez para produzir suficiente energia, desprender

luz e calor e, continuar a desenvolver-se.

Essa combinação entre os termos rapidez e reação de oxidação auto-

sustentável deu lugar a um quarto elemento que é a reação em cadeia. Este

conceito converteu o conhecido triângulo do fogo em tetraedro do fogo.

Segundo Oliveira, (2005, p.16):

“É importante registrar que durante muitos anos, o triângulo do fogo

(oxigênio, combustível e calor) foi utilizado para ensinar os componentes do

fogo. Ainda que este exemplo seja simples e útil para uso nas instruções,

tecnicamente não é totalmente correto, pois para que se produza uma

combustão, necessitam-se quatro elementos, portanto, para efeito didático, se

adota o tetraedro (figura de quatro faces) para exemplificar e explicar o

fenômeno da combustão, atribuindo-se, a cada uma das faces, um dos

elementos essenciais do fogo, a saber: o oxigênio (agente oxidante), o

combustível, o calor e a reação química em cadeia.”

Este novo conceito é extremamente importante para bombeiros e pessoas

que estudam a prevenção, extinção e investigação de incêndios. Em resumo,

podemos afirmar que a ignição requer três elementos, o combustível, o oxigênio e a

energia (calor). Da ignição à combustão auto-sustentável um quarto elemento é

requerido, a reação em cadeia. Além disso, o combustível deve estar em presença

de oxigênio, em uma concentração adequada e na temperatura de ignição.

Devemos considerar ainda que a combustão continuará existindo até que o

combustível se consuma, o agente oxidante diminua sua concentração para níveis

abaixo dos necessários à combustão, o combustível se esfrie para abaixo da

temperatura de ignição ou a reação em cadeia se interrompa. Na falta de qualquer

um dos quatro elementos, a combustão não se produz.

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O termo, dinâmica do fogo (fire dynamics) foi aqui utilizado para descrever os

assuntos relacionados com o comportamento do fogo como disciplina da engenharia

de incêndio. No entanto, é comum encontrar também outras terminologias, tais como

química do fogo e ciência do fogo, especialmente quando se está trabalhando com

bombeiros profissionais e não engenheiros ou técnicos de segurança.

3.2.1 Considerações sobre o agente oxidante (oxigên io)

Os agentes oxidantes são aquelas substâncias que cedem oxigênio ou

outros gases oxidantes durante o curso de uma reação química. Os oxidantes não

são combustíveis em si, mas fazem com que se produza uma combustão quando

combinados com materiais combustíveis. O mais comum é que o oxigênio

desempenhe esse papel de agente oxidante, no entanto, apesar dele ser o oxidante

mais habitual, existem também outras substâncias que entram nessa categoria, ou

seja, os bromatos, os cloratos, os nitratos e nitritos, o ácido nítrico, os percloratos, os

permanganatos, os peróxidos, etc.

Sabe-se também que a atmosfera é composta por 21% de oxigênio, 78% de

nitrogênio e 1% de outros gases, por isso, em ambientes com a composição normal

do ar, a queima desenvolve-se com velocidade e de maneira completa e notam-se

chamas. Contudo, a combustão irá consumir o oxigênio do ar num processo

contínuo.

Quando a porcentagem do oxigênio do ar ambiente passar de 21% para a

faixa compreendida entre 16% e 8%, a queima tornar-se-á mais lenta, surgirão

brasas e não mais chamas. Quando o oxigênio contido no ar do ambiente atingir

concentrações menores de 8%, é muito provável, que a combustão deixe de existir.

Entretanto, as investigações mais recentes mostram que à medida que

aumenta a temperatura de um incêndio confinado, simultaneamente, menores

concentrações de oxigênio são exigidas para que siga existindo a combustão com

chama (fato normalmente observado em condições de temperatura de pós-flashover

– nas fases de desenvolvimento completo e diminuição do fogo – quando as

concentrações de oxigênio são muito baixas, mas a temperatura interna do ambiente

é muito alta).

Quando as concentrações de oxigênio ultrapassam os 21%, diz-se que a

atmosfera está enriquecida com oxigênio. Nessas condições, os materiais que

arderiam nos níveis normais de oxigênio (O2), queimam muito mais rapidamente e

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podem igualmente se incendiar mais facilmente. Os bombeiros devem ficar atentos e

lembrar que muitos materiais que não queimam nos níveis normais de oxigênio

poderão queimar com rapidez em atmosferas enriquecidas com oxigênio. Um

desses materiais é o conhecido Nomex (material resistente ao fogo que é utilizado

na fabricação de roupas de aproximação e combate ao fogo para bombeiros) que

em ambientes normais não se inflama, no entanto, arde rapidamente em atmosferas

com concentrações de 31% de oxigênio. Essas situações podem ocorrer em

indústrias químicas, ambientes hospitalares e até, em domicílios particulares cujos

inquilinos utilizem equipamentos portáteis para oxigenioterapia.

3.2.2 Considerações sobre o combustível

O combustível é o material ou substância que se oxida ou arde no processo

da combustão. Cientificamente, o combustível de uma reação de combustão é

conhecido como agente redutor. A maioria dos combustíveis mais comuns contém

carbono junto com combinações de hidrogênio e oxigênio. Estes materiais

combustíveis podem ser divididos em materiais derivados de hidrocarbonetos (como

a gasolina, óleos e plásticos) e materiais derivados da celulose (como a madeira e o

papel). De forma simplificada, pode-se dizer que o combustível é toda a substância

capaz de queimar-se e alimentar a combustão, ou seja, é o elemento que serve de

campo de propagação ao fogo. Os combustíveis podem ser sólidos, líquidos ou

gasosos e, a grande maioria precisa passar pelo estado gasoso para, então,

combinar-se com o oxigênio. A velocidade da queima de um combustível depende

de sua capacidade de combinar-se com o oxigênio (estado físico do combustível)

sob a ação do calor e da sua fragmentação (área de contato com oxigênio). Os

combustíveis sólidos se transformam em gases combustíveis mediante a pirólise.

Segundo Grimwood (2003, p.123), “a pirólise é a decomposição química de uma

substância mediante a ação do calor.”

A decomposição química de polímeros naturais (madeira) ou sintéticos cria

uma atmosfera tóxica que contém vários produtos. Determinados sólidos

combustíveis, tais como o sódio, o potássio, o fósforo e o magnésio, podem mesmo

ser oxidados diretamente pelo oxigênio no ar sem a necessidade de pirólise.

Sabemos que os combustíveis sólidos têm forma e tamanho definidos. Esta

propriedade afeta significativamente o modo como estes combustíveis se

incendeiam. É muito importante levar em conta o coeficiente de superfície-massa

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18

dos combustíveis, ou seja, a área de superfície do material combustível em

proporção a sua massa. Uns dos melhores exemplos de coeficiente de superfície-

massa é a madeira. Considere-se um pedaço bruto de um galho de árvore cortado.

A massa desse pedaço de madeira é bem alta, mas sua área de superfície é

relativamente pequena, por esse motivo o coeficiente de superfície-massa é baixo.

Se essa lenha bruta for cortada em chapas finas de madeira, ter-se-á uma redução

da massa das tábuas em relação ao galho bruto (primeiro pedaço de lenha), mas um

aumento na área de superfície, o que também aumentará o coeficiente de

superfície-massa. Se essas tábuas forem lixadas, o pó resultante terá um o

coeficiente de superfície-massa ainda maior que os exemplos anteriores. De tudo

isso, pode-se deduzir que à medida que o coeficiente aumenta, as partículas

combustíveis se apresentam menores e sua capacidade de ignição se incrementa

extraordinariamente. À medida que a área de superfície aumenta, expõe-se ao calor

mais material, o que gera mais gases inflamáveis em função da pirólise.

A posição do combustível sólido também afeta sua forma de queima, ou

seja, se uma determinada chapa de madeira está em posição vertical (de pé), a

exposição ao fogo será mais rápida do que se sua posição fosse na horizontal

(deitada).

No caso dos líquidos, os gases combustíveis são gerados a partir de um

processo chamado vaporização. A vaporização é a transformação de um líquido em

vapor, ou seja, a mudança do estado líquido para o estado gasoso. A taxa de

vaporização é determinada segundo o tipo de substância e a quantidade de energia

calorífica aplicada ou gasta. A vaporização de combustíveis líquidos geralmente

requer um gasto de energia bem menor do que a pirólise dos combustíveis sólidos.

3.2.3 Considerações sobre o calor

O calor é o componente energético do tetraedro do fogo. O calor é uma

forma de energia que eleva a temperatura e é gerado através da transformação de

outra energia, através de processos físicos ou químicos. O calor pode ser descrito

como uma condição da matéria em movimento, isto é, movimentação ou vibração

das moléculas que compõem a matéria. As moléculas estão constantemente em

movimento. Quando um corpo é aquecido, a velocidade das moléculas aumenta e o

calor também aumenta. O calor ou energia calorífica é gerado pela transformação de

outras formas de energia, a saber, energia química (a quantidade de calor gerado

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19

pelo processo de combustão), energia elétrica (o calor gerado pela passagem de

eletricidade através de um condutor, como um fio elétrico ou um aparelho

eletrodoméstico), energia mecânica (o calor gerado pelo atrito de dois corpos) ou

ainda, energia nuclear (o calor gerado pela fissão ou fusão de átomos).

3.2.4 Considerações sobre a reação química em cadei a

Como já foi visto anteriormente, a combinação entre os termos rapidez e reação

de oxidação auto-sustentável deu lugar a um quarto elemento essencial para o início

do fogo. Este conceito converteu o conhecido triângulo do fogo em tetraedro do

fogo. A função didática deste polígono de quatro faces é complementar o triângulo

do fogo com outro elemento de suma importância, a reação química em cadeia. Em

todo o processo de combustão há uma liberação de energia, representado por uma

série de reações entre os radicais livres (oxigênio - O, carbono - C, hidrogênio -H e

hidroxila - OH). Estas reações em cadeia, tanto ramificadas como não

ramificadas, podem ser consideradas a vida do fogo e são representadas

materialmente pela chama visível. Da mesma forma que o corpo

humano necessita de ar, alimentos, temperatura e sangue circulante, o fogo

necessita de ar, combustíveis, fontes de calor e das reações em cadeia para poder

existir.

Sabe-se que a combustão é uma reação química que se processa

rapidamente e em cadeia e, que após a partida inicial é mantida pelo calor produzido

durante o processamento da reação. A cadeia de reações, formada durante a

combustão, propicia a formação de produtos intermediários instáveis, principalmente

radicais livres, prontos a se combinarem com outros elementos, dando origem a

novos radicais ou, finalmente, a corpos estáveis. Conseqüentemente, sempre ter-se-

á a presença de radicais livres em uma combustão.

De forma simples, o calor irradiado das chamas atinge o combustível e este

é decomposto em partículas menores e energia térmica. As partículas menores

combinam-se com o oxigênio e queimam, irradiando outra vez calor para o

combustível, formando um ciclo constante. Portanto, a reação em cadeia torna a

queima auto-sustentável.

A reação química em cadeia e a propagação relativamente rápida são os

fatores que distinguem o fogo das reações de oxidação mais lentas. As reações de

oxidação lentas não produzem calor suficientemente rápido para chegar a uma

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ignição e nunca geram calor suficiente para uma reação em cadeia. Alguns

exemplos de oxidação lenta são a ferrugem em metais e o amarelado em papéis

velhos.

3.3 Chamas de difusão e chamas de pré-mistura

A aparência da chama produzida pela combustão de uma determinada

substância pode servir para que o bombeiro consiga informações sobre sua eficácia

(rendimento) do processo da combustão. A aparência das chamas pode ser dividida

em dois tipos principais: as chamas de difusão e as chamas de pré-mistura.

Segundo Blesa (2002, p.14-15): “A principal característica da chama de difusão é que o combustível e o

oxigênio (ar) são inicialmente separados e a combustão ocorre na zona onde

os gases se misturam. Todos já vimos este tipo de chama muitas vezes, por

exemplo, quando acendemos uma vela. Já na chama pré-misturada, o

combustível gasoso e ar (oxigênio) são misturados antes da ignição. A

propagação da chama pré-misturada é uma explosão do tipo deflagração

(exemplo: explosão de fumaça ou ignição dos gases do incêndio).”

A maioria as chamas existentes num incêndio estrutural em compartimento

são chamas de difusão, cuja característica principal da chama é aquela onde o

combustível e o oxigênio presente no ar são inicialmente separados e a combustão

ocorre somente na zona onde os gases se misturam.

3.4 Inflamabilidade dos gases do incêndio

A análise da inflamabilidade dos gases provenientes da pirólise deve ser

considerada da mesma maneira que qualquer outro gás inflamável. No entanto,

existe um fator que os diferencia, pois enquanto os gases da pirólise estão

compostos por uma mistura de diferentes componentes (provenientes dos diversos

materiais combustíveis e das próprias condições do incêndio – percentuais de

oxigênio presentes no ambiente, temperatura, etc.), os demais são gases de

composição simples, ou seja, de um só componente (butano, propano, metano, etc.).

É essa característica que torna difícil se aplicar os mesmos critérios de

inflamabilidade de um gás simples aos gases provenientes de um incêndio. Assim,

torna-se difícil à tarefa de determinar com exatidão os limites de inflamabilidade

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destes gases que são sempre influenciados pela temperatura do incêndio e as

concentrações de oxigênio, podendo inclusive não apresentar inflamabilidade se a

temperatura não estiver suficientemente elevada e o valor da mistura ideal

exageradamente alta.

3.4.1 Limites de inflamabilidade

Em uma mistura de gases, assim como aquelas que compõem os gases

aquecidos dos incêndios, existe uma série de moléculas diferentes entre si

submetidas a ação direta do calor. Este calor, como forma primária de energia,

transfere movimento a estas moléculas, além daquele que elas já possuem. Neste

estado, as moléculas de gás mais leve se movem com maior rapidez que as mais

pesadas, gerando uma série de choques entre elas, o que faz com que a energia

interna do gás aumente. À medida que esse calor aumenta, as moléculas

incrementam seu movimento aumentando paulatinamente o número de choques

entre elas e, por conseguinte, seu nível energético. O progresso desta situação nos

conduz a um estágio no qual a energia acumulada pelo gás é superior à energia que

mantém coesas as moléculas e estas acabam por se romper em função do efeito

dos choques repetidos, ou seja, elas se desintegram.

Se existe suficiente aporte de ar atmosférico com adequadas concentrações

de oxigênio, o combustível (agente redutor) ativado junto com o oxigênio (agente

oxidante) se inflamará. O aporte de oxigênio ao combustível (reação de oxidação) irá

gerar uma reação que desprenderá calor (reação exotérmica) graças à energia

(calor) aportada pelo mecanismo anteriormente descrito.

Pode-se dizer que a inflamabilidade de um gás é uma conseqüência

mecânica favorecida por uma fonte de energia que é o calor, mas podem existir

outras fontes de origem distintas como ondas de choque, ou ainda, a combinação de

ondas de choque e calor.

3.4.2 Limite Inferior de Inflamabilidade ou Explosi vidade

Com efeito, a simples desintegração das moléculas não é suficiente para que

a inflamação se produza. Faz-se necessário que o número de moléculas que se

desintegram sejam suficientes para que, junto com o oxigênio do ar atmosférico, se

inicie uma reação de combustão. O número mínimo de moléculas de combustível

necessárias para que se produza a ignição constitui a mínima concentração de

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gases do incêndio necessárias para que este se inflame em uma reação química de

combustão com o oxigênio. O valor desta concentração com respeito ao volume total

dos gases em um determinado ambiente é denominado de limite inferior de

explosividade (LIE). Essa relação é expressa e medida em percentagem de volume

de combustível no ar.

Objetivando trazer esse conceito teórico para uma situação mais real

considerar-se-á um cômodo de uma residência, por exemplo uma cozinha. Se for

aberto o botão de um queimador de um fogão a gás e liberado o gás GLP e num

outro extremo da cozinha alguém acender um isqueiro, em princípio, não irá ocorrer

nenhum efeito sobre o gás disperso, no entanto, se for permitido que o gás continue

a ser liberado e a chama do isqueiro for mantida acesa, após um certo tempo se

produzirá a inflamação (explosão) do gás. Isso tudo ocorre porque se está falando

de GLP (gás liquefeito de petróleo = mistura de gás butano e propano) quando o

mesmo alcança concentrações de cerca de 2% de volume total está pronto para

iniciar a inflamação, ou seja, atinge o LIE. Abaixo disso, em condições normais, não

se obtém nenhuma inflamação.

3.4.3 Limite Superior de Inflamabilidade ou Explosi vidade

Seguindo com a experiência anterior, desta vez encher-se-á a cozinha com o

gás GLP e apagar-se-á a chama do isqueiro. Passado um certo tempo, quando for

acesa novamente a chama do isqueiro, curiosamente não se produzirá nenhum

efeito, pois se a concentração do gás estiver acima de 10% do volume total, a

quantidade de oxigênio presente no recinto não será suficiente para reagir com a

quantidade de gás presente. Essa excessiva concentração de gás sobre a qual não

é possível que exista combustão é chamada de limite superior de explosividade

(LSE).

3.4.4 Faixas ou Limites de Inflamabilidade

Entre os limites, inferior e superior de explosividade, existe uma gama de

concentrações de gás que quando combinadas com o oxigênio são inflamáveis.

Esses limites são chamados de faixas ou limites de inflamabilidade. Para cada gás

ou mistura de gases existe uma certa concentração que é exatamente a necessária

para que a sua combinação com o oxigênio produza uma reação 100% efetiva. Este

ponto é onde ocorre com mais intensidade os efeitos da ignição. Esse ponto é

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denominado de mistura ideal para a combustão e é neste ponto que a mistura arde

perfeitamente, enquanto que nos limites extremos os fenômenos ocorrem com maior

dificuldade.

Tabela 4: Faixas ou Limites de Inflamabilidade

Produto LIE Mistura ideal LSE

Acetileno 2.0 7.4 80.0

Butano 1.8 3.0 9.0

Gasolina 0.7 1.6 7.0

Hidrogênio 4.0 28.8 76.0

Metano 5.0 9.0 15.0

Monóxido de carbono 12.0 28.8 74.0

Fonte: BLESA, José Miguel Basset. Flashover: Desarrollo y control. 2002, p.20.

Como conclusão, pode-se dizer que se existir um gás inflamável num

determinado recinto, com ar e mais uma fonte de ignição, este combustível só

poderá arder se os gases se encontrarem dentro da faixa de inflamabilidade, ou

seja, entre o LIE e o LSE.

3.5 Transferência do calor

A compreensão da química e física do fogo se faz necessária para interpretar

seus fenômenos, que incluem a dinâmica dos fluidos e a transferência do calor (Di

Nemmo et al, 1995).

O estudo da transferência do calor nos auxiliará a identificar as diferentes

formas de propagação de um incêndio. Existem três mecanismos básicos para a

transferência do calor, a saber: condução, convecção e irradiação (Drysdale, 1998).

Como tudo na natureza tende ao equilíbrio, o calor é transferido de objetos

com temperatura mais alta para aqueles com temperatura mais baixa, ou seja, o

mais frio de dois objetos absorverá calor até que esteja com a mesma quantidade de

energia do outro.

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3.5.1 Condução

Condução é a transferência de calor através de um corpo sólido de molécula

a molécula. Colocando-se, por exemplo, a extremidade de uma barra de ferro

próxima a uma fonte de calor, as moléculas desta extremidade absorverão calor;

elas vibrarão mais vigorosamente e se chocarão com as moléculas vizinhas,

transferindo-lhes calor. Essas moléculas vizinhas, por sua vez, passarão adiante a

energia calorífica, de modo que o calor será conduzido ao longo da barra para a

extremidade fria. Na condução, o calor passa de molécula a molécula, mas nenhuma

molécula é transportada com o calor. Quando dois ou mais corpos estão em contato,

o calor é conduzido através deles como se fosse um só corpo.

3.5.2 Convecção

É a transferência de calor pelo movimento de massas de gases ou de líquidos

dentro de si próprios. Quando a água é aquecida num recipiente de vidro, pode-se

observar um movimento, dentro do próprio líquido, de baixo para cima. À medida

que a água é aquecida, ela se expande e fica menos densa (mais leve) provocando

um movimento para cima. Da mesma forma, o ar aquecido se expande e tende a

subir para as partes mais altas do ambiente, enquanto o ar frio toma lugar nos níveis

mais baixos. Em incêndios de edifícios, essa é a principal forma de propagação de

calor para andares superiores, quando os gases aquecidos encontram caminho

através de escadas, poços de elevadores, etc.

3.5.3 Radiação

A radiação ou irradiação térmica é a transmissão de energia em forma de

ondas eletromagnéticas (como ondas de luz ou de raio X). Todos os corpos emitem

ondas eletromagnéticas de forma contínua, devido a agitação térmica de suas

moléculas e todos os objetos quentes irradiam calor. A irradiação é, portanto, a

transmissão de calor por ondas de energia calorífica que se deslocam através do

espaço. Considerando que se está tratando de ondas eletromagnéticas, a energia

viaja em linha reta e a velocidade da luz. É essa irradiação térmica que causa o

início de muitos incêndios de exposição. Quando um incêndio cresce, irradia cada

vez mais energia calorífica. As ondas de calor propagam-se em todas as direções e

a intensidade com que os corpos são atingidos aumenta ou diminui à medida que

estão mais próximos ou mais afastados da fonte de calor. Um corpo mais aquecido

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emite ondas de energia calorífica para um outro mais frio até que ambos tenham a

mesma temperatura. Deve-se estar atento aos materiais ao redor de uma fonte que

irradie calor para protegê-los, a fim de que não ocorram novos incêndios.

3.6 O desenvolvimento do fogo (fases do incêndio)

Sabe-se que se o fogo ocorrer em área ocupada por pessoas, há grandes

chances de que ele seja descoberto logo no seu início e a situação mais facilmente

resolvida. Mas se ele ocorrer quando a edificação estiver deserta ou fechada, ele

continuará crescendo até ganhar grandes proporções.

Para melhor compreender como tudo acontece, deve-se considerar que

quando os quatros componentes do tetraedro do fogo estão presentes, produz-se a

ignição do fogo e nesta fase inicial do incêndio, o calor gerado acaba formando uma

coluna de gás aquecido que se eleva.

Se o fogo se desenvolve em um ambiente confinado (incêndio interior) é

sempre mais complexo que um incêndio em ambientes abertos (incêndio exterior).

Neste contexto, o termo incêndio interior ou incêndio em compartimento se define

como um incêndio que se produz dentro de um determinado espaço fechado de uma

edificação.

Segundo Drysdale (1998, p. 291), “O termo incêndio em compartimento é

usado para descrever um fogo confinado dentro de uma sala ou outro cômodo

similar dentro de um edifício. As dimensões totais são importantes, mas a grande

maioria dos estudos está dirigindo a atenção para cômodos com volumes da ordem

de até 100 m³. O comportamento do fogo em ambientes maiores (espaços com mais

de 1000m³) dependerá muito da geometria do espaço”.

O crescimento e a propagação de um incêndio interior depende normalmente

da existência de combustível e de oxigênio. Até pouco tempo atrás, as fases do

incêndio eram estudadas a partir de três etapas – a fase inicial, a fase da queima

livre e fase da queima lenta. Atualmente, a maioria das organizações de bombeiro e

programas de treinamento estão sofrendo alterações e passando a estudar o

processo a partir de cinco fases distintas, a saber: ignição, crescimento, flashover,

desenvolvimento completo e diminuição.

No entanto, convém observar que a ignição e o desenvolvimento de um

incêndio interior é algo complexo, que depende de uma série de numerosas

variáveis. Por isso, pode ser que nem todos os incêndios se desenvolvam seguindo

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cada uma das fases descritas a seguir, no entanto, os incêndios poderão ser mais

bem entendidos se estudarmos esse modelo de seqüência em fases.

3.6.1 Fase da ignição

A ignição do fogo descreve o período em que os quatro elementos do

tetraedro do fogo se juntam e se inicia a combustão. Neste ponto, o incêndio é

pequeno e geralmente se restringe ao material que se incendiou primeiro. Todos os

incêndios interiores e exteriores são o resultado de algum tipo de ignição. A ignição

do fogo é o principio de qualquer incêndio, quando por atuação de um agente ígneo

é atingido o ponto de inflamação ou ignição de um combustível presente, fazendo-o

entrar em processo de combustão viva. Os investigadores de incêndio (peritos)

chamam o lugar onde ocorre a ignição do fogo de foco inicial do incêndio.

3.6.2 Fase do crescimento do fogo

Pouco depois da ignição, o calor gerado no foco inicial se propaga,

determinando o aquecimento gradual de todo o ambiente e se inicia a formação de

uma coluna de gás aquecido (pluma) sobre o combustível que queima. Enquanto

essa coluna se desenvolve e sobe, começa a atrair e arrastar o ar ambiente do

espaço em volta para dentro dela. Logo em seguida, essa coluna de ar e gases

aquecidos se vê afetada pelo teto e pelas paredes do espaço. À medida que os

gases aquecidos se elevam, estes começam a se propagar para os lados quando

tocam o teto da edificação até chegarem as paredes do compartimento, então a

profundidade da capa de gás começa a crescer, ou seja, os gases aquecidos

espalham-se preenchendo o ambiente, de cima para baixo (estudos mostram que as

temperaturas diminuem à medida que nos distanciamos da linha central da coluna

de ar quente). Nesta fase de crescimento, o oxigênio contido no ar está

relativamente normalizado e o fogo está produzindo vapor d’água (H2O), dióxido de

carbono (CO2), monóxido de carbono (CO) e outros gases. Grande parte do calor

está sendo consumido no próprio aquecimento dos combustíveis presentes e, neste

estágio, a temperatura do ambiente está ainda pouco acima do normal. No entanto,

o calor está sendo gerado e evoluirá com o aumento do fogo e a fase de

crescimento ou incubação continuará seguindo se houver suficiente combustível e

oxigênio disponíveis. À medida que o incêndio cresce, a temperatura geral do

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ambiente aumenta, da mesma forma que a temperatura da camada de gases

aquecidos no nível do teto.

3.6.3 Fase da ignição súbita generalizada

Esta fase é uma etapa de transição entre a fase do crescimento e o

desenvolvimento completo do incêndio. Essa fase poderá desenvolver-se

normalmente mediante um crescimento gradual ou manifestar-se por dois

fenômenos distintos, variando conforme o nível de oxigenação do ambiente.

Havendo uma oxigenação adequada com semelhante elevação de

temperatura, o incêndio poderá progredir para uma ignição súbita generalizada, se

do contrário, a oxigenação é inadequada e a temperatura permanece em elevação,

poderemos progredir para uma ignição explosiva, ambos, fenômenos que serão

melhor estudados a seguir.

É importante considerar o fato de que o fogo e os gases aquecidos

naturalmente se moverão para cima, depois lateralmente, e só então para baixo. Tal

fenômeno é explicado através do modelo cúbico da propagação do fogo (cube

model of firespread) que serve para facilitar o entendimento da propagação normal

de um incêndio em compartimento (Grimwood e Desmet, 2003).

Se a oxigenação é adequada, as condições do ambiente alteram-se muito

rapidamente à medida que o incêndio atinge todas as superfícies de combustão

expostas. Isso acontece porque a capa de gás aquecido que se cria no teto da

edificação durante a fase de crescimento irradia calor para os materiais combustíveis

situados longe da origem do fogo. Esse calor irradiado produz a pirólise dos

materiais combustíveis do ambiente. Os gases que se produzem durante este

período se aquecem até a temperatura de ignição e poderá ocorrer um fenômeno

denominado de ignição súbita generalizada (flashover, em inglês), ficando toda a

área envolvida pelas chamas.

Se ao contrário a oxigenação é inadequada, a queima se torna lenta e a

combustão incompleta porque não há oxigênio suficiente para sustentar o fogo.

Grandes quantidades de calor e gases do fogo podem se acumular nos espaços não

ventilados. Estes gases podem até atingir a temperatura de ignição, mas carecem de

oxigênio suficiente para se inflamar. Contudo, o calor interior permanece e as

partículas de carbono não queimadas (bem como outros gases inflamáveis, produtos

da combustão) estão prontas para incendiar-se rapidamente assim que o oxigênio

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for suficiente e, na presença de oxigênio, esse ambiente explodirá. A essa explosão

chamamos ignição explosiva (backdraft, em inglês). Nesses casos, os bombeiros

precisam realizar uma adequada ventilação para permitir que a fumaça e os gases

combustíveis superaquecidos sejam retirados do ambiente, no entanto, isso deve ser

realizado com cautela, pois uma ventilação inadequada suprirá abundante e

perigosamente o local com o elemento que faltava (oxigênio), provocando a ignição

explosiva.

Depois da ocorrência da ignição súbita generalizada, as superfícies expostas

de todos os materiais combustíveis do compartimento estarão queimando e a taxa

de liberação do calor (TLC) atingirá seu ponto máximo, produzindo altas

temperaturas - tipicamente, essas temperaturas poderão atingir 1.100ºC ou mais em

determinadas circunstâncias especiais (Drysdale, 1998).

3.6.4 Fase do desenvolvimento completo

A fase do desenvolvimento completo do incêndio tem lugar quando todos os

materiais combustíveis de um determinado espaço físico são envolvidos pelo fogo.

Durante este período de tempo, os combustíveis que ardem no ambiente liberam a

máxima quantidade de calor possível, calor este irradiado dos combustíveis

presentes, os quais produzem grandes volumes de gases e fumaça. Esse calor

intenso reduz os combustíveis a seus componentes básicos, liberando, assim, os

vapores combustíveis. O calor liberado e os gases da combustão que se produzem

dependem do número e do tamanho das aberturas de ventilação do ambiente

incendiado. Nessa fase, os incêndios se convertem, com freqüência, em incêndios

controlados pela falta de adequada ventilação, pois as chamas normalmente

diminuem ou deixam de existir por falta de ar suficiente para mantê-las

(concentrações na faixa de 8% de oxigênio ou menos). O incêndio é normalmente

reduzido a brasas, o ambiente se torna completamente ocupado por fumaça densa e

os gases se expandem. Devido à pressão interior ser maior que a externa, os gases

podem sair do ambiente através de fendas em forma de lufadas. Ainda durante esta

fase, poderá surgir um fenômeno denominado de rollover ou flameover, o qual se

distingue do flashover porque implica somente na queima dos gases aquecidos do

incêndio e não na queima das superfícies dos outros materiais combustíveis

presentes no ambiente sinistrado. Esse fenômeno pode ser explicado como uma

queima dos gases aquecidos provenientes da combustão, os quais fluíram para fora

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do ambiente de origem e acabaram atingindo outros ambientes adjacentes. Estes

gases podem arder (se inflamar) ao se misturarem com o ar abundante existente nos

outros espaços e chamas poderão surgir visíveis na capa térmica.

Durante a fase do desenvolvimento completo, de forma geral, o ar

atmosférico, rico em oxigênio, é arrastado para dentro do ambiente pelo efeito da

convecção, já que o ar quente tende a subir e sair do ambiente. Isto acaba forçando

a entrada de ar fresco pelas aberturas nos pontos mais baixos. A fumaça (mistura

quente de ar, gases e partículas) sobe, espalhando-se e preenchendo o ambiente de

cima para baixo, forçando o ar frio a permanecer junto ao solo. Em condições de

normalidade, os incêndios em estruturas fechadas (incêndios confinados) têm os

níveis mais altos de calor na altura do teto e os níveis mais baixos de calor na altura

do solo. Essa temperatura nas áreas superiores (nível do teto) podem chegar

próximas dos 700ºC ou mais. Se for feita uma abertura no teto da edificação, a

fumaça sairá do ambiente para o exterior. O conceito da camada de gases

aquecidos (capa térmica) é vital para as atividades de proteção contra incêndios,

pois quanto mais os gases quentes saírem do ambiente, mais seguros serão os

níveis inferiores para os trabalhos dos bombeiros.

3.6.5 Fase da diminuição

À medida que o incêndio consome todos os combustíveis disponíveis do

ambiente, a taxa de liberação de calor começa a diminuir. Uma vez mais o incêndio

se converte em um incêndio controlado, agora por falta de material combustível. A

quantidade de fogo diminui e as temperaturas do ambiente começam a reduzir,

entretanto, as brasas podem manter temperaturas ainda elevadas durante algum

tempo. Esta fase representa a decadência do fogo, ou seja, a redução progressiva

das chamas até o seu completo desaparecimento, quer seja por exaustão dos

materiais combustíveis que tiveram todo seu gás combustível emanado e

consumido, pela carência de oxigênio ou mesmo pela supressão do fogo pela eficaz

atuação de uma equipe de bombeiros combatentes.

Resumindo, pode-se dizer que, de forma genérica, um incêndio em

compartimento pode ser dividido basicamente em três estágios:

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1) na fase de crescimento do fogo, também chamada de pré-flashover, a

temperatura média do compartimento é relativamente baixa e o incêndio se

restringe basicamente ao seu ponto de origem;

2) na fase do desenvolvimento completo do incêndio, também chamado de pós-

flashover, todos os materiais combustíveis do ambiente são envolvidos pelo fogo

e as chamas enchem todo o compartimento. A taxa de liberação do calor (TLC)

atingirá seu ponto máximo, produzindo altas temperaturas; e

3) a fase da diminuição do incêndio é freqüentemente identificada como o estágio

no qual o fogo tem sua temperatura média caindo cerca de 80% abaixo do seu

valor máximo.

3.7 Fatores que afetam o desenvolvimento do fogo

À medida que o fogo avança da fase de ignição até a fase da diminuição,

muitos fatores afetam seu comportamento e desenvolvimento. A seguir, listam-se

alguns desses fatores:

• o tamanho e o número de aberturas de ventilação do ambiente sinistrado;

• o volume do ambiente sinistrado;

• as propriedades térmicas das paredes do compartimento;

• a altura do teto do compartimento; e

• o tamanho, a composição e a localização dos materiais combustíveis que se

inflamaram primeiro no compartimento.

Além de tudo, também deve-se considerar que, num incêndio, a energia

resultante do fogo se apresenta em forma de calor e luz. A quantidade de energia

calorífica liberada ao longo de um incêndio se chama de taxa de liberação de calor

ou TLC. Essa taxa é medida em Btu (British Thermal Unit) ou kW (kilowatt).

A taxa de liberação de calor se relaciona diretamente com a quantidade de

combustível que se consome em um determinado tempo e o calor da combustão do

produto que queima.

Apresenta-se a seguir uma tabela da NFPA com as taxas de liberação de

calor de alguns objetos conhecidos:

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Tabela 5: Taxas de liberação de calor da NFPA

Descrição do material TLC máxima em

kW

TLC máxima

em Btu

Cadeira com tapeçaria e forro em algodão (peça de 32

Kg)

15 14,2

4 cadeiras empilhadas montadas em estruturas metálicas,

poliuretano e espuma (7,5 Kg cada uma)

160 151,7

Colchão de algodão (25 Kg) 40 37,9

Colchão em espuma de poliuretano (14 Kg) 2.630 2.493,0

Colchão de molas em algodão e espuma de poliuretano

(62,4 Kg)

660 626,0

Sofá com tapeçaria e espuma de poliuretano (51,5 Kg) 3.200 3.033,0

Árvore de Natal seca (7,5 Kg) 500 474,0

Fonte: Norma NFPA 921, Guia de investigaciones sobre incêndios y explosiones, tabla 3-4,

Edición 1995.

3.8 Balanço térmico

Em termos de combate a incêndio, o conceito de balanço térmico (thermal

balance) ou equilíbrio térmico, ainda varia muito, no entanto, parece que a referência

mais conclusiva sobre o tema vem do trabalho produzido por Keith Royer e Floyd

Nelson, ambos da Universidade de Iowa, EUA, durante os anos 50.

Royer e Nelson afirmaram que um incêndio sempre procura algum equilíbrio

entre os produtos que fluem para dentro do fogo e os produtos que saem dele. Essa

manutenção do equilíbrio térmico é algo realmente crítico, pois a aplicação

excessiva de água num incêndio criará uma turbulência e a circulação do vapor,

calor e fumaça que produzirá um desequilíbrio térmico. Quando a água do combate

ao fogo é usada em demasia, surge o desequilíbrio e a inversão térmica, que conduz

as altas temperaturas dos níveis mais elevados para as áreas mais baixas (nível do

assoalho), podendo inclusive exceder no piso as temperaturas do teto.

De forma simples, o balanço térmico pode ser definido como o grau de

equilíbrio térmico existente em um cômodo fechado durante o desenvolvimento de

um incêndio dependente do suprimento de combustível e da disponibilidade de ar e

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outros fatores. A área quente existente sobre o fogo (denominada freqüentemente

de pluma ou coluna térmica) produz uma coluna de gases aquecidos que sobe e

arrasta o ar para dentro da mesma. Entretanto, quando o teto, o forro ou as partes

superiores, se tornam superaquecidas, inicia-se a formação de uma camada de

gases aquecidos (camada de pressão positiva) que cresce para os lados e depois

de cima para baixo até que o quarto inteiro alcance um equilíbrio térmico,

uniformemente distribuído horizontalmente em todo o compartimento. Em termos de

desenvolvimento vertical as temperaturas aumentam continuamente do alto para

baixo com altas concentrações de calor nos níveis mais elevados.

O chamado plano de pressão neutra (neutral pressure plane) ou plano neutro

é o espaço horizontal existente entre a camada de pressão positiva (superior) e a

camada de pressão negativa (inferior). Essa interface entre as camadas (pressão

positiva e pressão negativa) normalmente são vistas facilmente em modelos de

computador, mas obviamente as turbulências existentes no ambiente real sinistrado

nem sempre podem ser simplificadas e observadas como num modelo perfeito.

3.9 Modelo cúbico da propagação do fogo

O modelo cúbico da propagação do fogo serve para facilitar o entendimento

da propagação normal de um incêndio em compartimento (Grimwood e Desmet,

2003). Segundo os autores, se todas as paredes do compartimento forem iguais, a

tendência da propagação será vertical e a primeira parte do ambiente a ser afetada

pelo calor do fogo será a superior, ou seja, o teto. Depois o calor irá se propagar

horizontalmente para as paredes laterais. Finalmente, a propagação será

descendente e afetará o chão. No entanto, essa propagação irá depender ainda da

natureza dos materiais combustíveis e dos limites do compartimento sinistrado.

3.10. Valores característicos de temperatura (Ponto s de temperatura)

Os combustíveis são pirolizados ou vaporizados pelo calor e a partir desta

transformação, é que se combinam com o oxigênio, resultando a combustão. Essa

transformação se desenvolve em temperaturas diferentes, à medida que o material

vai sendo aquecido. Com o aquecimento, chega-se a uma temperatura em que o

material começa a liberar vapores, que se incendeiam caso houver uma fonte

externa de calor. Neste ponto, chamado de “Ponto de Fulgor”, as chamas não se

mantêm, devido à pequena quantidade de vapores. Prosseguindo no aquecimento,

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atinge-se uma temperatura em que os gases desprendidos do material, ao entrarem

em contato com uma fonte externa de calor, iniciam a combustão, e continuam a

queimar sem o auxílio daquela fonte. Esse ponto é chamado de “Ponto de

Combustão”. Continuando o aquecimento, atinge-se um ponto no qual o

combustível, exposto ao ar, entra em combustão sem que haja fonte externa de

calor. É o chamado “Ponto de Ignição”.

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4. INCÊNDIOS DE PROGRESSO RÁPIDO

4.1 Novas terminologias

Segundo os autores Grimwood e Desmet (2003, p. 123), o incêndio de

progresso rápido (rapid fire progress) ou IPR é definido pela National Fire Protection

Association (NFPA) como todo tipo de incêndio que se desenvolve rapidamente, a

partir de fenômenos conhecidos, tais como o flashover, o backdraft e outros

similares.

Nessa mesma linha de pensamento, Brian Hume (2004, p.12) da Fire

Statistics and Research Division de Londres, registrou no documento intitulado

“Firefighting in under-ventilated compartments: Literature review”:

“As fatalidades em ocorrências de incêndio, às vezes ocorrem porque o fogo

acaba se propagando de forma mais rápida que o esperado. Isto acontece

particularmente no caso de um incêndio de desenvolvimento rápido (rapid

fire development) que ocorre na forma de um flashover, um backdraft ou

uma ignição dos gases do incêndio.”

O primeiro fenômeno descrito oficialmente foi o backdraft, também chamado

pelos ingleses de backdraught. Seu conceito não é novo e, segundo Fleischmann,

Pagni e Williamson (1993, p. 298), o primeiro a usar esse termo específico foi

Steward, em 1914 (1914, p. 424).

Steward dava a seguinte descrição para o evento:

“Explosões de fumaça que freqüentemente ocorrem em edifícios em chamas

e que comumente são denominados de correntes reversas ou explosões de ar

quente. Um incêndio na parte mais baixa de um edifício acabará enchendo

toda a sua estrutura com fumaça densa antes de ser descoberto pela

eliminação da fumaça através das fendas ao redor das janelas. Após a

chegada dos bombeiros são feitas aberturas no edifício que permitem a

entrada do ar fresco e a mistura desse ar com os gases aquecidos da

combustão poderá queimar, às vezes com força suficiente para destruir

janelas, portas de lugares fechados onde a fumaça penetrou, tetos sob sótãos,

etc.”

A terminologia flashover só foi introduzida mais tarde, pelo cientista britânico

P. H. Thomas, já nos anos 60, e serviu inicialmente para descrever a teoria do

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crescimento de um fogo até o ponto onde ele se tornava um incêndio totalmente

desenvolvido (GRIMWOOD, Disponível em: http://www.firetactics.com/FLASHOVER-

Q&A.htm). Segundo P. H. Thomas, este período de crescimento acabava de forma

habitual culminando numa combustão generalizada, embora admitisse também que

sua definição original era imprecisa e poderia ser usada para significar coisas

diferentes, em diferentes contextos.

É fundamental ressaltar que, somente a partir dos anos 80, as terminologias

científicas começaram a ser redefinidas e serviram para aclarar alguns fenômenos

que eram conhecidos na prática, mas que apresentavam uma série de conflitos em

relação a sua definição.

Como veremos mais adiante, o termo flashover foi inicialmente utilizado por

bombeiros e cientistas em um sentido mais genérico para descrever vários tipos de

incêndios de progresso rápido.

Isso nos leva a concluir que no início, e talvez ainda hoje (especialmente no

Brasil) para a maioria dos bombeiros não havia um entendimento claro das

diferenças básicas entre um backdraft e um flashover.

Um estudo preliminar da Fire Experimental Unit (FEU) concluiu que o evento

chamado de flashover estava suficientemente entendido, no entanto, o backdraft

exigia maiores considerações (Thomas M., 1993). A FEU é baseada no Fire Service

College (http://www.fireservicecollege.ac.uk/), o qual mantém instalações para

pesquisa com serviços de salvamento e incêndio e equipamentos especializados.

O estudo dos incêndios de progresso rápido não é tarefa fácil. Vejamos o que

dizem os pesquisadores W.G. Weng e W.C. Fan sobre o backdraft (2004, p.447):

“A ocorrência do fenômeno do backdraft em um cômodo incendiado é um

perigo grave que ameaça a segurança das pessoas, especialmente a dos

bombeiros, devido ao seu surgimento inesperado e seu elevado poder de

destruição. Embora o backdraft esteja relacionado aos componentes quentes

da fumaça, temperatura e condições do ambiente, atualmente, não há

nenhum modelo matemático acabado para aferi-lo, e os atuais métodos de

estudo do fenômeno são restritos às experiências. Entretanto, devido a seu

comportamento não-linear, é bastante difícil compreender tal fenômeno

usando as circunstâncias experimentais atuais.”

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Num artigo sobre flashover, publicado no Fire Safety Journal, Peacock,

Reneke, Bukowski e Babrauskas (1999, p.345) escreveram:

“Apesar da considerável variação em experimentos, os dados indicam que a

prática comum seja consistente com uma escala experimental, os quais

apontam para os seguintes dados do flashover: temperatura dos gases do

incêndio superior a 600 °C, calor ou energia radiante produzida pelo fluxo

de calor acima dos 20 kW/m². É também evidente que ainda há uma

incerteza considerável nesta definição dependendo dos materiais e das

configurações do ambiente (cômodo) envolvido. Muita desta incerteza é

compreensível dada a natureza do fenômeno (flashover).”

De acordo com Raffel (Disponível em: http://www.firetactics.com/RAFFEL-

QFRA.htm) foi só a partir dos anos 90, que as teorias formuladas pelos engenheiros

suecos, Krister Giselsson e Mats Rosander, revolucionaram os conceitos sobre a

dinâmica do fogo, ampliando o entendimento sobre seu comportamento e ajudando

a entender melhor algumas ocorrências trágicas onde bombeiros foram mortos ou

gravemente feridos durante o combate a incêndios interiores. O problema é que

essas teorias acabaram tendo algumas de suas definições traduzidas

incorretamente, o que causou alguma confusão inicial.

Em 1997, os autores também suecos Bengtsson (Universidade de Lund) e

Karlsson (Departamento de Bombeiros de Helsingborg), tentaram redefinir os

primeiros conceitos (de Giselsson e Rosander), de forma a encontrar um modelo que

melhor atendesse ao padrão internacional e acabassem com as terminologias

contraditórias.

Esse trabalho resultou na definição de três conceitos principais, os quais são

hoje terminologias considerados cientificamente comprovadas, a saber:

• Flashover ou övertändning;

• Backdraft ou back-draught; e

• Smoke gas explosion ou brandgasexplosion.

Esse último termo smoke gas explosion ou explosão dos gases da fumaça foi

modificado em 1999 para fire gas explosion ou explosão dos gases do incêndio.

A partir de 1999, a terminologia foi mais uma vez alterada e passou a ser

chamada de fire gas ignition ou ignição dos gases do incêndio. Desde então, os

termos permanecem inalterados.

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Em português, não temos nenhuma publicação científica que forneça uma

tradução padronizada para esses termos, motivo pelo qual sugerimos a adoção dos

seguintes verbetes:

• Ignição súbita generalizada (flashover);

• Ignição explosiva (backdraft); e

• Ignição dos gases do incêndio (fire gas ignition).

No entanto, ainda é comum encontrarmos outras terminologias, tais como

inflamação generalizada (flashover), explosão de fumaça ou explosão por fluxo

reverso (backdraft), etc.

4.1.1 Ignição súbita generalizada (ISG)

Pela norma Britânica (British Standard Institution, 1987) a definição de

flashover é dada como:

“Repentina transição da superfície de todos os materiais combustíveis

existentes dentro de um compartimento em fogo.”

A International Standards Organisation (ISO, 1990) usa uma definição

bastante semelhante:

“A transição rápida da superfície de todos os materiais combustíveis

existentes dentro de um ambiente enclausurado em fogo.”

Estas definições são bastante coerentes, contudo não ressaltam que essa

transição é repentina e sustentada, o que nos parece uma característica marcante

do fenômeno.

Já outras descrições encontradas nos trabalhos de Drysdale (1998) ou Walton

e Thomas (1998) citam praticamente o mesmo mecanismo para o fenômeno.

Cote e Bugbee (1996, p. 68), no conceituado livro “Princípios de protección

contra incêndios”, da NFPA, explicam o flashover da seguinte forma:

“Se um incêndio se desenvolve em um recinto fechado, poderá alcançar as

condições de um flashover. O flashover tem lugar quando a radiação térmica,

proveniente da parte superior do recinto, esquenta todos os materiais

combustíveis do recinto até o ponto em que se produz uma ignição

simultânea de todos estes. Em segundos, a temperatura alcança valores cinco

vezes maior, o oxigênio se reduz consideravelmente, o monóxido de carbono

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é produzido em níveis letais e aumentam igualmente as concentrações de

dióxido de carbono. Este fenômeno foi demonstrado em numerosos

experimentos realizados a partir de incêndios interiores. Dessa forma, os

bombeiros devem estar permanentemente informados sobre os perigos do

flashover”.

Em artigo editado na revista “Bombeiros em Emergências” (2004, pág. 16 a

27), o Cel BM RR Edson Sampaio traduz uma definição de flashover a partir do

original da Fire Research Station da seguinte forma:

“Em um determinado ambiente, o fogo pode chegar a uma situação na qual a

radiação térmica total desprendida pelo fogo, pelos gases aquecidos e pelas

paredes e teto aquecido do compartimento causam a combustão de todos

materiais combustíveis expostos dentro do mesmo. Esta inesperada e

contínua transição do fogo em desenvolvimento para um incêndio totalmente

desenvolvido é chamada de flashover (Fire Research Station – UK 1993)”.

Segundo o livro “Fundamentos da luta contra o fogo”, da IFSTA (2002, p.52),

considerado a “bíblia" das habilidades básicas do bombeiro combatente e manual de

treinamento mais usado pelos Departamentos de Bombeiro Norte-americanos o

flashover é conceituado como:

“Uma etapa de transição entre o crescimento e o desenvolvimento completo

das fases do incêndio. Durante o flashover, as condições do compartimento

mudam muito rapidamente a medida que o incêndio passa da queima dos

materiais que se incendiaram primeiro a uma queima de todas as superfícies

expostas no compartimento.”

Particularmente, entende-se que a ignição súbita generalizada deva ser

conceituado de forma mais abrangente, conforme segue:

“Em um incêndio em compartimento (incêndio interior) podemos chegar a

um estágio onde a radiação térmica total emitida pelo incêndio afete de tal

forma os gases aquecidos provenientes da pirólise dos materiais

combustíveis que irá se produzir uma ignição súbita generalizada, ou seja, a

inflamação de todas as superfícies combustíveis expostas no ambiente. Esse

evento, chamado ignição súbita generalizada (flashover, em inglês), resultará

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numa transição repentina e sustentada de um incêndio crescente em um

incêndio totalmente desenvolvido.”

4.1.1.1 Outros termos utilizados para descrever uma ISG

• Flashover induzido pela temperatura (Temperature Induced Flashover):

Termo usado por Cooke e Ide (1985).

• Flashover pobre ou fraco (Lean Flashover): Termo sugerido por Giselsson e

Rosander (1991). Esta descrição pode ser aqui interpretada como o

surgimento de chamas intermitentes na parte alta do ambiente incendiado que

aparecem logo no início da transição do fenômeno, antes do flashover

propriamente dito. Essa situação também pode ser descrita pelo termo

rollover.

4.1.2 Ignição explosiva (IE)

O conceito de backdraft não aparece nas normas da British Standards

Institution, nem tampouco nas normas ISO (International Standards Organisation),

entretanto, encontramos definições dadas pela Institution of Fire Engineers (IFE,

1979) e pela National Fire Protection Association (NFPA, 1980).

A definição da IFE diz:

“Uma explosão, de maior ou menor grau, causado pela introdução de ar

fresco proveniente de qualquer fonte, num edifício incendiado, onde

combustão estava controlada pela falta de ar”.

E a NFPA diz:

“A explosão ou queima rápida dos gases aquecidos que ocorre quando

oxigênio é introduzido num edifício que não foi adequadamente ventilado e

no qual o abastecimento de oxigênio foi reduzido pelo incêndio”.

Já a definição apresentada pela Fire Research Station (FRS/UK 1993) afirma:

“Uma reduzida ventilação pode levar um incêndio em compartimento a

produzir gases e fumaça que contêm significativas porções de produtos de

combustão parcial e produtos não queimados originários da pirólise. Se esses

se acumulam, ao se fazer uma abertura para entrada de ar, poderemos ter

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uma repentina deflagração. Essa deflagração movimentando-se pelo

compartimento e para fora da abertura é o backdraft”.

Em relação a esta última definição, os autores Fleischmann, Pagni and

Williamson (1993, p. 298) sugerem que o termo “produtos não queimados originários

da pirólise” deveria ser substituído por “gases aquecidos” na definição da Fire

Research Station.

Ainda citando o artigo editado na revista “Bombeiros em Emergências” (2004,

pág. 16 a 27), SAMPAIO explica que:

“O backdraft é uma combustão instantânea e explosiva dos gases inflamáveis

e partículas de carbono emitidas pelos materiais combustíveis que estão

queimando na condição de insuficiência de oxigênio. Esse evento é causado

pela ignição das partículas de carbono, que, por sua vez, se transmite aos

demais gases inflamáveis. A razão desse fenômeno é explicada pela

temperatura de ignição dos gases inflamáveis, que usualmente, é bem menor

do que a das partículas de carbono.”

De acordo com o manual “Fundamentos da luta contra o fogo”, da IFSTA

(2002, p. 58), o backdraft é assim explicado:

“À medida que cresce o incêndio grandes volumes de calor e gases do fogo

se não queimados podem se acumular em espaços não ventilados. Estes gases

podem alcançar a temperatura de ignição, mas carecem de suficiente

oxigênio para acender. Qualquer condição que permita que o ar entre e se

misture com esses gases quentes pode provocar uma ignição explosiva ou

explosão de fumaça.”

A ignição explosiva (backdraft, em inglês), segundo nosso entendimento,

pode ser entendida conforme segue:

“A diminuição da oferta de oxigênio (limitação da ventilação) poderá gerar o

acúmulo de significativas proporções de gases inflamáveis, produtos parciais

da combustão e das partículas de carbono (C) ainda não queimadas. Se estes

gases acumulados forem oxigenados por uma corrente de ar proveniente de

alguma abertura no compartimento produzirão uma deflagração repentina.

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Esta explosão que se move através do ambiente e para fora da abertura é

denominada de backdraft/backdraught ou ignição explosiva. De forma bem

simplificada podemos dizer que a ignição explosiva é uma ignição induzida

pela oxigenação dos gases inflamáveis provenientes da combustão.”

4.1.2.1 Outros termos usados para descrever uma IE:

• Flashover induzido pela ventilação (Ventilation Induced Flashover): Termo

usado por Cooke e Ide (1985).

• Flashover rico (Rich Flashover): Termo usado por Giselsson e Rosander

(1985) para descrever um backdraft ou uma explosão de fumaça. A explosão

de fumaça (smoke explosion) é citada como a explosão de uma mistura de

gases inflamáveis do incêndio (combustíveis pirolizados e produtos parciais

da combustão) e o ar.

• Flashover quente e rico (Hot-Rich Flashover): Termo usado por Giselsson e

Rosander (1985) para descrever uma situação onde o ar é adicionado a uma

mistura rica de combustíveis aquecidos e espontaneamente se acende em

forma explosiva. No flashover quente e rico os gases do incêndio

superaquecidos inflamam-se imediatamente em contato com o ar. Esse efeito

também já havia sido previamente denominado somente de auto-ignição.

• Flashover demorado ou atrasado (Delayed Flashover): Termo usado por

Giselsson e Rosander (1985) para descrever um evento onde a ignição da

mistura inflamável (combustível e ar) ocorre de forma mais demorada, o que

permite um certo aumentando no volume dos gases e o alcance de

concentrações mais próximas da mistura ideal (ponto estequiométrico). Em

conseqüência, o fenômeno se torna mais violento. Normalmente, tal situação

ocorre pelo cancelamento temporário da fonte de ignição.

• Backdraft pobre ou fraco (Lean Backdraft): Termo usado pelos autores

Fleischmann, Pagni and Williamson (1993) para descrever um variante do

backdraft, ou seja, a situação na qual a ignição dos gases inflamáveis

acumulados é proveniente do contato com uma chama quando as

concentrações estão no limite inferior de explosividade. Esse evento não

requer uma ventilação repentina, mas ocorre em situações de incêndio que

estão ardendo de forma ineficiente.

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4.1.3 Ignição dos gases do incêndio (IGI)

Segundo GRIMWOOD (2005), o termo fire gas ignition ou ignição dos gases

do incêndio é ainda pouco conhecido, no entanto, já vem sendo usado em muitos

países e suas definições são em grande parte semelhantes, ou seja, quando os

gases do incêndio vazam para uma área adjacente ao compartimento em chamas,

esses gases superaquecidos podem se misturar com o ar fresco do novo ambiente

ou do exterior e se inflamar espontaneamente. Se a mistura encontra uma fonte de

calor, isto também poderá produzir a ignição dos gases do incêndio.

Portanto, ainda que esteja claro que o flashover (no qual a força disparadora

está centrada no aumento da temperatura dos gases presentes no ambiente) e o

backdraft (no qual a força disparadora está na oferta de ar fresco para um incêndio

controlado pela falta de ventilação) sejam fenômenos distintos, existem também

outras situações que poderão produzir incêndios de progresso rápido em incêndios

em compartimentos. Estes fenômenos adicionais podem não se ajustar

necessariamente a qualquer uma das definições anteriores, mas apresentar um

desfecho muito similar em termos de resultados.

Para os bombeiros, é fundamental possuir esse conhecimento básico sobre

todos as situações que podem levar a tais ignições súbitas, as quais sob condições

variáveis, afetam a estrutura sinistrada e a vida dos próprios combatentes e

possíveis vítimas.

A formação de chamas de tamanho variável, a partir dos gases provenientes

do incêndio, podem ocorrer no interior de um edificação. Estas chamas poderão

surgir no próprio cômodo incendiado ou ainda em ambientes adjacentes e

corredores. A formação das chamas poderá ocorrer em pontos distantes através do

deslocamento dos gases aquecidos através de espaços ocos e tetos falsos e do

contato destes com novas fontes de calor. No momento em que os gases

alcançarem a fonte de ignição, produzir-se-á uma deflagração que se parecerá com

um backdraft, no entanto, o que realmente ocorre é uma ignição dos gases do

incêndio (IGI).

Poderá ainda ocorrer uma ignição dos gases aquecidos no ponto onde esses

gases escapam do cômodo sinistrado em um estado inflamável e se misturam com o

ar do ambiente adjacente, num ponto de saída, tal qual uma fresta na parte alta de

uma porta ou janela. O fogo resultante poderá propagar o incêndio e também

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provocar um retrocesso da chama até o interior do primeiro compartimento

incendiado.

Ainda que seja difícil diferenciar um backdraft de uma ignição dos gases do

incêndio, existem características que distinguem esse último fenômeno e o tornam

distinto. A principal diferença está na força disparadora do fenômeno que nesse

caso está na condução dos gases do incêndio, os quais podem se deslocar do

recinto original para outros cômodos (através de pequenas frestas ou ocos

existentes na edificação) até encontrar uma fonte de calor (IGI com fonte de calor a

distância). É importante lembrar que tal fenômeno poderá ocorrer sem a

necessidade de qualquer abertura no compartimento, o que apesar das

semelhanças, difere de um backdraft.

Outra possível situação de IGI é denominada de explosão induzida à frente

(Forward Induced Explosion). Esse termo foi introduzido pelo norte-americano Floyd

Nelson para descrever uma situação de ignição de bolsões de gases provenientes

do incêndio que são transportados para fora do compartimento sinistrado. O

fenômeno difere do backdraft, onde o ar fresco (oxigênio) é a força disparadora da

explosão. Na explosão induzida, a força disparadora é originada pelos próprios

gases que se movem adiante em direção a uma fonte de ar fresco. Isto pode ocorrer

de muitas maneiras distintas dentro de uma estrutura envolvida pelo fogo, por

exemplo, quando um teto desaba e força os gases do incêndio para fora da área de

colapso (área sinistrada). Bombeiros combatentes podem abrir caminhos para

passar com suas linhas de ataque e acabar permitindo tal situação. No final, esses

gases superaquecidos acabam se misturando com o ar fresco existente no exterior

em uma escala inflamável e se inflamam com efeito explosivo.

Finalmente, deve-se ter em conta que, habitualmente, a ignição dos gases do

incêndio não se produzem nos momentos iniciais da combustão.

Em janeiro de 2005, o termo ignição dos gases do incêndio e sua definição

foram aprovados oficialmente pelo European Funded FIRENET Research Program

como terminologia adequada para descrever:

“Fenômenos associados com ignições ou explosões de gases do incêndio

existentes ou transportados em um estado inflamável”.

Particularmente, entende-se que a ignição dos gases do incêndio (fire gas

ignition, em inglês) possa ser conceituada da seguinte forma:

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“É a ignição dos gases do incêndio existentes dentro do compartimento

incendiado ou dos gases transportados para fora deste em um estado

inflamável e potencialmente explosivo”.

4.1.3.1 Outros termos usados para descrever uma IGI

• Flameover e rollover são usados por Grimwood (2003, p. 123) para descrever

o princípio flamejante (chamas intermitentes) que surge nos pontos elevados

onde estão acumulados os gases aquecidos. Entre a fase do crescimento e a

fase do desenvolvimento completo do incêndio poderá surgir um fenômeno

denominado de flameover ou rollover, o qual se distingue do flashover, porque

implica somente na queima dos gases aquecidos do incêndio e não na

queima generalizada das superfícies dos outros materiais combustíveis

presentes no ambiente sinistrado.

• O termo flashback (Grimwood, 1992) significa a propagação da chama que

alcançou uma fonte de ignição até seu ponto de origem. O flashback pode ser

explicado como uma queima dos gases aquecidos provenientes da

combustão, os quais fluíram para fora do ambiente de origem e acabaram

atingindo outros ambientes adjacentes. Estes mesmos gases podem arder (se

inflamar) ao se misturarem com o ar abundante existente nos outros espaços.

O termo flashback é normalmente usado por bombeiros e cientistas para

explicar uma auto-ignição dos gases que escaparam por pequenas aberturas

(portas e janelas) e em contato com o ar do ambiente adjacente se

inflamaram e iniciaram uma queima para trás.

• Explosão de gás (gas explosion): A deflagração resultante da ignição de uma

mistura de gases inflamáveis superaquecidos em um ambiente (Grimwood,

1992).

4.2 As principais diferenças entre os fenômenos cau sadores de IPR

Segundo Oliveira, (2005, p.92), “A luta contra o fogo é considerada uma das

mais perigosas ocupações profissionais do mundo, pois o percentual de bombeiros

mortos ou feridos em serviço excede os indicadores da maioria das demais

profissões”.

Os incêndios e explosões podem ferir ou matar bombeiros de diversas

maneiras. Uma explosão do tipo backdraft pode atingir um bombeiro e lançá-lo para

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longe, pedaços de metal e vidro projetados pela mesma explosão podem ferir

gravemente até bombeiros que estejam longe da área sinistrada, o calor

desprendido de um incêndio de progresso rápido (flashover, backdraft ou similar)

pode causar sérias queimaduras e as ondas de choque da explosão podem destruir

portas, janelas, divisórias e até colapsar paredes e tetos esmagando bombeiros

posicionados próximos (Dunn, 2000).

Segundo Dunn (2000), existem quatro diferenças principais entre flashovers e

backdrafts.

A primeira delas é que um backdraft é um fenômeno explosivo (com a

liberação de ondas de choque que podem romper e lançar estruturas) e o flashover

não.

Sabemos que as explosões químicas são aquelas que liberam ondas de

choque uniformes em todas as direções, as quais podem romper e lançar estruturas.

Segundo a National Fire Protection Association (NFPA), as explosões são

conceituadas como súbitas liberações de gás a alta pressão no ambiente. Portanto,

a palavra chave desse conceito é explosão súbita, ou seja, a liberação de gás deve

ser rápida o suficiente para que a energia contida no gás se dissipe mediante uma

onda de choque. A súbita liberação de um gás a alta pressão e a dissipação de sua

energia em forma de onda de choque constituem o conceito fundamental de uma

explosão.

Já o flashover é o desenvolvimento acelerado do fogo, ou seja, algo que

produz um incêndio de progresso rápido. Esse fenômeno resultará numa transição

repentina e sustentada de um fogo crescente para um incêndio totalmente

desenvolvido (Grimwood e Desmet, 2003).

A segunda diferença diz respeito à freqüência com que os fenômenos

ocorrem, ou seja, enquanto é muito comum presenciarmos um flashover, pelo

contrário, os backdrafts são mais raros. Mesmo bombeiros experientes, podem

passar pela experiência de assistir a um backdraft somente um ou duas vezes

durante toda a sua carreira profissional.

Uma terceira diferença está ligada à causa do fenômeno. O termo backdraft é

usado para descrever um evento onde o ar (oxigênio) entra repentinamente num

espaço que contém um incêndio controlado pela falta de ventilação e acaba

provocando uma ignição explosiva, portanto o efeito disparador do backdraft está

ligado a uma abertura e a repentina oferta de ar (oxigênio). Já a causa de um

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flashover (efeito disparador) é o calor e não o ar. A teoria do flashover diz que

durante o crescimento do incêndio, o calor da combustão poderá aquecer

gradualmente todos os materiais combustíveis presentes no ambiente e fazer com

que eles alcancem, simultaneamente, seu ponto de ignição, produzindo a queima

instantânea e concomitante desses materiais (dita ignição súbita generalizada). Isso

acontece porque a camada de gás aquecido que se cria no teto da edificação

durante a fase de crescimento do fogo irradia calor para os materiais combustíveis

situados longe da origem do fogo. Esse calor irradiado produz a pirólise dos

materiais combustíveis do ambiente. Os gases que se produzem durante este

período se aquecem até a temperatura de ignição e ocorre o flashover, ficando toda

a área envolvida pelas chamas.

A diferença final entre um backdraft e um flashover está relacionada com o

momento em que o fenômeno ocorre durante o incêndio. Até pouco tempo atrás, as

fases do incêndio eram estudadas a partir de três etapas – a fase inicial, a fase da

queima livre e a fase da queima lenta. Atualmente, a maioria das organizações de

bombeiro (no Brasil e no Exterior) está sofrendo alterações e passando a estudar o

processo a partir de cinco fases distintas, a saber: ignição, crescimento, flashover,

desenvolvimento completo e diminuição. Portanto, as explosões tipo backdraft

ocorrem nas fases finais do incêndio quando existe muito calor e pouca ventilação e

o flashover ocorre nas fases mais iniciais do incêndio quando o calor cresce

podendo gerar uma queima simultânea dos gases e materiais combustíveis

presentes no ambiente sinistrado.

Segundo nossas pesquisas, há ainda dois outros fatores importantes que

todos os bombeiros, especialmente aqueles que atuam no combate a incêndio

estrutural, devem saber sobre os backdrafts. Um deles é que as explosões químicas

ocorrem com menos de 25% do volume do ambiente ocupado pela mistura

inflamável. Em suma, o incêndio requer somente um quarto da área do cômodo

incendiado para produzir uma mistura suficientemente explosiva para gerar um

backdraft quando algum bombeiro adentrar ao local do incêndio, e assim, permitir

que o ar fresco entre junto com ele (Dunn, 2000).

O outro fator é que não se faz necessária muita pressão explosiva em um

espaço confinado para que uma explosão cause destruição, ferimentos e morte.

Alguns dos principais efeitos destrutivos causados pelas ondas de pressão são:

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Tabela 6: Efeitos destrutivos causados pelas ondas de pressão

Pressão destrutiva Efeito da explosão

0,5 psi ou 0,03 kg/cm² Quebra de vidros

1 psi ou 0,06 kg/cm² Bombeiro é jogado no chão

2 psi ou 0,13 kg/cm² Destruição de divisórias de madeira

3 psi ou 0,20 kg/cm² Destruição parcial de paredes e blocos

8 psi ou 0,55 kg/cm² Colapso/destruição de paredes de tijolo

15 psi ou 1,03 kg/cm² Danos nos pulmões dos bombeiros

35 psi ou 2,41 kg/cm² Ponto inicial para fatalidades

50 psi ou 3,45 kg/cm² 50% de lesões mortais

65 psi ou 4,47 kg/cm² 99% de óbitos

Fonte: Dunn, 2000.

4.3 Como identificar os sinais de um incêndio de pr ogresso rápido (IPR)

Antes de adentrar ao compartimento incendiado, os bombeiros combatentes

necessitam avaliar a situação e decidir se tal procedimento é seguro. Sobre esse

assunto, Weng e Fan (2003, p. 19), em um artigo publicado numa revista

especializada, citam que:

“Ocorrências do tipo backdraft continuam a ser um perigo que pode causar a

morte de pessoas e o colapso de edifícios (Bukowski, 1995; Fleischmann,

1994). Determinar assim a condição crítica da ocorrência de tal fenômeno é

uma tarefa importante para investigadores e combatentes do fogo.”

Segundo nossas pesquisas (GRIMWOOD e DESMET, 2003), os sinais mais

comuns que indicam o desenvolvimento de um flashover são:

- incêndio ventilado;

- percepção de calor radiante doloroso (as equipes são forçadas a permanecerem

agachadas devido às altas temperaturas);

- existência de superfícies superaquecidas;

- chamas visíveis ao nível do teto;

- rebaixamento crescente do plano neutro;

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48

- aumento na velocidade da pirólise dos materiais existentes no cômodo

incendiado;

- aumento de turbulência no plano neutro (efeito ondular dos gases).

Já os sinais mais comuns que indicam o desenvolvimento de um backdraft são:

- incêndio com ventilação limitada ou incêndio controlado por falta de ventilação;

- existência de fumaça espessa/densa;

- aparecimento de chamas azuis;

- portas e janelas superaquecidas;

- janelas com vidros escurecidos pela fumaça e/ou vidros rachados;

- ausência de chamas visíveis;

- ciclo de pulsações (percepção de ar sendo arrastado - aspirado para dentro do

cômodo sinistrado com sons característicos seguido de lufadas de fumaça saindo

pelas frestas e pequenas aberturas);

- surgimento de chamas dançantes ou chamas fantasmas, que são relatadas como

línguas de fogo (chamas vivas) que não são unidas à fonte do combustível e

movem-se em torno do local onde o combustível e o ar se misturam em

condições favoráveis. Tal ocorrência em uma situação sob ventilação é um sinal

indicativo que precede o backdraft.

4.4 Os novos paradigmas do combate a incêndio

Viu-se anteriormente que a partir da última década diversos estudos e

pesquisas científicas internacionais criaram uma compreensão mais ampla dos

vários fenômenos associados com os incêndios de progresso rápido.

Estes estudos permitiram aos bombeiros uma maior consciência sobre como

o fogo produz gases inflamáveis dentro das estruturas envolvidas e sobre a dinâmica

desses incêndios, propiciando uma melhor apreciação do potencial dos riscos

dessas situações.

O bombeiro do século XXI precisa agora focar sua atenção na avaliação de

riscos e na identificação das melhores opções táticas para assegurar-se de que toda

a aproximação e combate sejam realizados corretamente pela combinação segura

de técnicas de acesso e supressão do fogo. Entretanto, antes de avaliar o risco e de

selecionar a melhor opção tática a seguir é essencial que o bombeiro aprenda sobre

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49

o comportamento do fogo, de modo que as implicações operacionais das várias

táticas e técnicas utilizadas sejam compreendidas inteiramente.

Vê-se que, enquanto todos os bombeiros são capazes de raciocinar

facilmente em termos bidimensionais e aplicar modelos tradicionais de combate para

a extinção de incêndios de superfície, poucos são capazes de enxergar o incêndio

de uma forma tridimensional, e utilizar técnicas para conter os perigos existentes nos

sinistros que atingiram a fase gasosa. A idéia da formação de gases inflamáveis

aquecidos e a constante exposição a esses perigos, muitas vezes são

desconsideradas por bombeiros, inclusive por aqueles com longo tempo de serviço,

devido à má formação e à negligência das próprias organizações que pouco

investem no treinamento continuado de seus funcionários.

É consenso na literatura internacional (Grimwood e Desmet, 2003), a

existência de três métodos de extinção de incêndios baseados no uso da água (dois

deles bem tradicionais e um ainda recente), a saber:

Método de ataque direto – É a aproximação tradicional utilizada pelos

bombeiros na maioria dos incêndios. Este método de ataque ao fogo se baseia na

aplicação de jatos de água diretamente na base do incêndio (Klaene e Sandres,

2000).

Método de ataque indireto – Método que se caracteriza pelo lançamento de

um jato neblinado de água direcionado para a parte superior da edificação a fim de

usar a propriedade de vaporização da água para deslocar o oxigênio e sufocar o

fogo. Este método baseado nos princípios de Lloyd Layman é também conhecido

como método Iowa ou método de Royer/Nelson e é normalmente aplicado a partir de

uma posição exterior, porta ou janela. Quando corretamente aplicado é eficiente e

serve tanto para lidar com incêndios na fase bidimensional, como na fase

tridimensional.

A teoria do ataque indireto, de Lloyd Layman, que foi inicialmente descrita no

seu livro Attacking and Extinguishing Interior Fires, é baseada no efeito de

resfriamento produzido eficazmente pela água que dentro da edificação sinistrada se

converte em vapor. Os testes de fogo realizados por Layman enquanto estava na

Guarda Costeira dos EUA são à base de sua teoria.

Hoje, sabe-se que teoricamente, o ataque indireto é válido, mas na prática,

essa técnica coloca a vida dos ocupantes da edificação em perigo e é pouco eficaz

para controlar a maioria das condições de incêndios estruturas. Isto prova dois

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pontos importantes sobre pesquisas na área de combate ao fogo; primeiro que as

hipóteses testadas podem parecer teoricamente lógicas, mas na prática produzirem

resultados ruins; e, segundo, que mesmo alguns bons métodos de teste podem levar

há resultados errôneos quando usados além do alcance da pesquisa.

Portanto, o ataque indireto (estratégia defensiva) deve ser utilizado somente

quando não existirem vítimas no interior do compartimento. O fogo poderá ser

extinto através do lançamento de um jato de água indireto na área mais elevada da

área sinistrada, a partir de uma área externa, para produzir vapor e criar uma

sobrepressão a qual deslocará o ar e sufocará o incêndio (Klaene e Sandres, 2000).

Método tridimensional com resfriamento dos gases (Grimwood e Desmet,

2003) - Método introduzido por bombeiros suecos durante os anos 80, que consiste

no direcionamento de curtos pulsos de água nebulizada na camada de pressão

positiva formada pelos gases aquecidos do incêndio. Esta forma de aproximação

também pode ser usada (defensivamente) para prevenir os efeitos de incêndios de

progressão rápida (ignição súbita generalizada, Ignição explosiva, ignição dos gases

do incêndio). O termo tridimensional se refere aos mecanismos de volume da

combustão na fase gasosa ou tridimensional e as aplicações associadas de água,

sempre calculadas em valores cúbicos (lpm/m³).

O ataque com resfriamento dos gases do incêndio se baseia na técnica de

resfriamento dos gases (técnica 3DWF) e é um método bastante recente e inovador.

É importante observar que essa técnica não serve propriamente para a extinção do

incêndio, mas sim para o resfriamento dos gases e a redução da temperatura do

ambiente sinistrado e, consequentemente, para assegurar uma entrada mais segura

até o foco principal do incêndio e a redução da probabilidade da ocorrência de

fenômenos ligados a incêndios de propagação rápida. A aplicação desses jatos de

água neblinados, de curta duração, é chamada de pulsações e, basicamente,

existem três diferentes técnicas de pulsar água num incêndio confinado: pulsações

curtas, pulsações médias e pulsações longas com varredura (Blesa, 2002).

Pulsação curta : Realizada através de jatos de água de curtíssima duração

(0,1 a 0,5 segundo) ajustados num ângulo médio (jato neblinado) dirigidos

diretamente sobre os gases provenientes da combustão na zona de pressão positiva

(parte mais elevada da área sinistrada). O esguicho deve estar regulado entre 40 e

60 graus e o bombeiro deverá posicionar-se agachado de forma que o jato lançado

forme um ângulo de 45º em relação ao solo. Usar mangueira de 1 ¹/²”, trabalhando

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com pressões superiores a 7 Kg/cm² e consumo que não supere 130 lpm e que

pulverize gotas bem pequenas (o ideal é gotículas de 300 microns). Os principais

efeitos da técnica são o resfriamento e inertização (diluição) dos gases inflamáveis

provenientes da combustão. A redução da temperatura do ambiente sinistrado irá

prevenir a ocorrência de fenômenos ligados a incêndios de propagação rápida

(flashover, backdraft e ignição dos gases do incêndio) evitando que os gases atinjam

temperaturas de auto-ignição.

Pulsação média : Realizada através de jatos de água de curta duração (0,5 a

1 segundo) ajustados num ângulo médio (jato neblinado) dirigidos à zona de pressão

positiva. A pulsação longa permite uma maior e melhor penetração da água e deve

ser utilizada nos casos de zonas de pressão positiva maiores com planos neutrais

mais baixos. Os principais efeitos da técnica são o resfriamento e inertização

(diluição) dos gases inflamáveis provenientes da combustão. A redução da

temperatura permitirá uma melhor penetração no interior do compartimento

sinistrado.

Pulsação longa com varredura : Técnica semelhante à forma anteriormente

descrita, onde o bombeiro combatente deve dirigir os jatos de água diretamente

sobre a zona de pressão positiva e os gases incendiados movendo a linha de ataque

de forma circular. A pulsação longa com varredura objetiva projetar a maior

quantidade possível de gotas de água na camada de gases aquecidos e deve ser

utilizada nas situações onde existem grandes volumes de gases aquecidos (zonas

de pressão positiva muito grandes). Seu efeito principal é o resfriamento das chamas

e inertização (diluição) dos gases inflamáveis provenientes da combustão.

Alguns manuais ainda citam uma outra forma de ataque, denominado de

método de ataque (combate) combinado. Esta é uma forma de ataque empregada

para combater incêndios confinados com superaquecimento do ambiente, mas sem

risco de ignição explosiva. A técnica baseia-se no emprego simultâneo das duas

técnicas (ataque direto e ataque indireto), ou seja, o uso da produção de vapor

combinado com o lançamento de água diretamente sobre o foco principal do

incêndio. Para realizar um ataque combinado, o bombeiro chefe de linha

normalmente fica ajoelhado, com a linha de mangueira sobre os ombros,

movimentando o esguicho (com jato em forma de neblina) em forma de círculo,

atingindo o teto, as paredes internas e o piso da edificação. Quando o incêndio

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diminui, o bombeiro muda para a técnica de ataque direto e extingui os focos de

incêndio remanescentes aplicando uma série de jatos diretos.

Essa é uma técnica desaconselhável pelos mesmos motivos anteriormente

descritos em relação ao combate indireto, ou seja, essa forma de ataque poderá

comprometer seriamente a segurança de possíveis vítimas que estejam no interior

da área sinistrada e a expansão do vapor poderá acabar empurrando os produtos da

combustão para áreas ainda não afetadas da edificação.

Em situações em que não é possível usar o ataque direto, os bombeiros

podem utilizar uma técnica de ataque modificada (deflecting water off ceiling), ou

seja, direcionando o jato d’água para o teto de forma que ele bata no mesmo e

desvie para baixo até atingir a base do fogo escondida atrás de um obstáculo, no

entanto, essa é uma forma modificada de ataque direto e não deve ser confundida

com ataque ou combate combinado (Klaene e Sanders, 2000, p.275).

As diferentes fases por que passa um incêndio faz com que as zonas de

pressão alterem seus tamanhos e, por conseqüência, desloquem o plano neutro

(nome dado a interface entre a zona de pressão positiva superior e a zona de

pressão negativa inferior). De forma geral, à medida que o incêndio se desenvolve, a

zona de pressão positiva cresce fazendo diminuir o volume da camada inferior e, em

alguns casos, em incêndios com escassa alimentação de ar, isso poderá deslocar o

plano neutro até o nível do chão.

A água é sempre a escolha ideal para a extinção de incêndios interiores já

que se encontra rapidamente disponível e, quando corretamente aplicada, incide

sobre todos os lados do triângulo do fogo, ou seja: diminui o combustível (a rápida

conversão da água em vapor e sua grande expansão dilui os gases inflamáveis e

reduz a produção dos gases inflamáveis da pirólise já que promove uma redução do

calor), diminui o oxigênio (o vapor sufoca o incêndio limitando a quantidade de

oxigênio que chega até ele) e reduz o calor (a água absorve o calor quando se

converte em vapor).

Como meio extintor, a água tem uma capacidade de resfriamento teórica de

2.600 kW por litro e por segundo (2,6 MW), ainda que os testes práticos demonstrem

que durante a aplicação real em um ataque direto essa capacidade caia em 1/3, ou

seja, fique em torno de 840 kW (0,84 MW). Disso podemos deduzir que 2/3 da água

aplicada tem pouco ou nenhum efeito sobre o incêndio.

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53

Quando a água se transforma em vapor expande seu volume a razão de

1:1700 vezes a 100 graus Celsius. Se a temperatura aumenta a 450ºC o vapor

duplicará sua expansão, ou seja, 1:3500 vezes. Portanto, cerca de 80% da energia

dos incêndios será absorvida pela transformação da água do estado líquido ao

estado de vapor.

Uma intervenção bem conduzida supõe além da rápida extinção do incêndio e

de um mínimo de danos produzidos, a prevenção do surgimento de fenômenos do

tipo ignição súbita generalizada (flashover), ignição explosiva (backdraft) e ignição

dos gases do incêndio (fire gas ignition).

O principal objetivo da prevenção desses fenômenos está centrada na

redução da temperatura (resfriamento) dos gases provenientes do incêndio,

mediante a aplicação de água em forma de neblina na camada de pressão positiva,

que por sua vez, produzirá uma diluição (inertização) dos gases do incêndio pelo

vapor de água gerado, o qual evitará que as concentrações de gás quando

combinadas com o oxigênio tornam-se inflamáveis. Por questões lógicas, a extinção

dos principais focos de incêndio só serão atacadas posteriormente.

Segundo pesquisadores suecos (Gilselsson e Rosander, 1991) para

conseguirmos o efeito descrito anteriormente e extinguirmos o fogo, necessitamos

teoricamente de cerca de 200 milhões de gotas de água por metro cúbico de chama.

Se as gotas de água se moverem rapidamente entre as chamas, estas acabarão

esfriando um volume maior e este efeito começa a ser percebido quando as gotas de

água adquirirem um diâmetro igual ou inferior a 0,3 milímetros ou 300 microns.

As pesquisas sobre cálculos de fluxos de água ideais para bombeiros de

combate a incêndios estruturais tem apresentado muitos conflitos e desinformação

(Klaene e Sanders, 2000).

Nos dias atuais, usa-se a Fórmula Iowa, também conhecida como Fórmula de

Royer e Nelson (V/100) que serve para calcular a água ideal do método de ataque

indireto. Existe também a Fórmula da U.S. National Fire Academy (A/3) que serve

para calcular a água ideal do método de ataque direto, no entanto, ainda nos falta

uma fórmula simples e genérica que possa ser usada facilmente para calcular com

confiança a quantidade de água ideal que deverá ser utilizada pelos bombeiros na

supressão do fogo.

Acredita-se que não é difícil deduzir que nenhum método único será capaz de

extinguir um incêndio que se apresenta a partir de uma combustão bi e

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tridimensional (fase combustível e fase gasosa) com efeitos ótimos. Portanto, de

forma geral, o ataque ideal para um incêndio interior em compartimento deve

alternar o ataque tridimensional com resfriamento dos gases (3DWF) e o ataque

direto. Já o uso do ataque indireto deve ser considerado somente sob certas

condições muito especiais (incêndios controlados por falta de ventilação).

O autor deste trabalho entende que, a partir dos novos conhecimentos e das

novas tecnologias de combate a incêndio disponíveis, poder-se-á atuar de forma

mais segura e eficiente utilizando o seguinte parâmetro tático para enfrentar os

incêndios em compartimento:

Em incêndios menores:

Utilizar a tática do isolamento/confinamento do fogo e ataque (combate)

direto, seguido de ventilação.

Em incêndios em crescimento (pré- flashover ):

Utilizar a tática do isolamento/confinamento do fogo; ataque com resfriamento

dos gases do incêndio, seguido de ataque (combate) direto; ventilação tática e

ataque direto com ventilação com pressão positiva.

Em incêndios controlados pela falta de ventilação:

Utilizar a tática do isolamento/confinamento do fogo; ataque (combate)

indireto a partir do exterior, seguido de ataque com resfriamento dos gases do

incêndio e ventilação tática.

Em incêndios totalmente desenvolvidos (pós- flashover ):

Utilizar a tática do ataque com resfriamento dos gases do incêndio, seguido

de ataque (combate) direto, acompanhado de ventilação tática.

Entretanto, sabe-se que o desenvolvimento dos incêndios do ponto de vista

da análise de sua evolução depende primariamente de dois fatores, a saber: o tipo

de material que está queimando e a quantidade de oxigênio disponível.

Portanto, todas essas informações exigem ainda novas pesquisas,

especialmente estudos experimentos em escalas reais, sem os quais não

poderemos analisar corretamente as diferentes opções táticas para o enfrentamento

dos incêndios interiores.

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4.5 Aprendendo a ler o fogo

Todos os incêndios fornecem uma série de sinais que podem ajudar o

bombeiro combatente a determinar em que momento do desenvolvimento ele se

encontra, e o mais importante, as mudanças que podem igualmente ocorrer.

Essa habilidade para interpretar estes sinais é essencial para assegurar uma

ação de extinção segura e eficaz.

Existe uma ampla gama de informações que poderão ser observadas

rapidamente nos incêndios que os bombeiros atendem diariamente, no entanto,

vamos nos restringir a analisar aqui somente aqueles sinais ou indicadores

relacionados com os incêndios em compartimentos (incêndios interiores)

4.5.1 Sinais relacionados com a observação da fumaç a:

A cor da fumaça varia dependendo do tipo de combustível que está

queimando e da ventilação disponível. De forma geral, fumaças escuras indicam

condições de calor elevado e incêndios controlados pela falta de ar (combustão

incompleta). Quando se produz uma combustão com chama, o carbono (C) liberado

dos combustíveis se mistura na fumaça, deixando-a mais escurecida. Quando a

temperatura diminui e os níveis de oxigênio também ficam mais baixos para manter

a combustão com chamas, os combustíveis se decompõem (pirólise) sem chamas

ativas e a maioria do carbono permanece nos materiais combustíveis produzindo

uma fumaça de cor mais clara. Enquanto o incêndio progride, o nível de fumaça

(plano neutro ou PN) desce, ao mesmo tempo em que sua densidade aumenta. Em

geral, uma fumaça clara indica um acúmulo de gases pirolisados devido ao aumento

da temperatura no recinto e, uma fumaça escura indica condições de calor elevado e

um incêndio controlado pela falta de ar.

Já o volume da fumaça pode ser um bom indicador para se saber o tamanho

do fogo e sua situação, no entanto, em alguns casos, a fumaça pode nos dar uma

idéia falsa ou ainda, seguir por zonas ocultas (vazios ou ocos) e emergir em locais

totalmente inesperados. O princípio básico é que a fumaça aquecida tende sempre a

elevar-se verticalmente, quando alcança obstruções horizontais, a fumaça se

propaga buscando saídas verticais (para os lados) e quando mais distante ela fica

do ponto inicial, mais se esfriará (isto também acontece devido a mistura entre a

fumaça e o ar). Em relação à altura do plano neutro, pode-se dizer que enquanto o

incêndio se desenvolve, o PN irá descer mais e mais e sua densidade irá aumentar,

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portanto, um PN alto nos indica um fogo ainda crescente, nos seus primeiros

momentos e um PN muito baixo nos indica condições propícias para a produção de

uma explosão, tipo backdraft. A descida rápida e repentina do PN nos indica a

presença de ventilação ou a intensificação do fogo, enquanto uma descida gradual e

lenta pode nos indicar um acúmulo de gases inflamáveis que poderão desencadear

um flashover.

Deve-se ainda observar a possível existência de pulsações. Isso pode ser

explicado da seguinte forma: a fumaça pode ser vista em forma de pulsos, a partir de

pequenas aberturas. Isso normalmente indica um incêndio controlado pela falta de

ventilação e ocorre porque no interior do ambiente sinistrado existem variações de

pressão devido à falta de ar, a qual diminui o processo da combustão. Como nesses

casos a temperatura diminui e os gases inflamáveis se esfriam e acabam se

contraindo. Essa contração provoca uma diminuição da pressão interior e uma nova

entrada de ar. Quando esse ar chega novamente ao fogo, ele se reaviva, produzindo

um novo aumento da pressão até que o ar volte a ser consumido, iniciando assim

um novo ciclo. Esse fenômeno, chamado “ciclo de pulsação” (pulsation cycle) pode

ser conceituado como uma indicação da presença de vapores combustíveis ainda

não queimados dentro de um compartimento com potencial para uma pré-mistura e

posterior explosão. Esse fenômeno é um importante sinal de alerta da explosão de

fumaça ou Ignição explosiva (backdraft) que aparece como pulsos intermitentes de

fumaça para dentro e para fora num determinado ponto de abertura ou ventilação.

4.5.2 Sinais relacionados com a observação de corre ntes gravitacionais ou

fluxos de ar:

O fluxo de ar ou arraste do ar é o movimento produzido pelo ar ambiente, a

partir da base do fogo, e o movimento dos produtos superaquecidos da combustão

para fora do compartimento. O termo científico usado para descrever esses fluxos é

“corrente gravitacional”. Quando se promove uma abertura, o ar quente sairá pela

parte superior e o ar frio entrará pela parte inferior da mesma. Uma saída abundante

e repentina de fumaça e fluxos de ar nos indica que irá se produzir uma explosão

tipo backdraft. Em geral, tudo começa como uma saída rápida da fumaça, para

segundos mais tarde se produzir a explosão. Os bombeiros deverão procurar

observar a presença de correntes gravitacionais - também chamadas de ondas

gravitacionais – que de forma simples podem ser explicadas como fluxos opostos de

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dois fluidos causados por uma diferença de densidade (esse termo foi inicialmente

chamado de ar arrastado ou air-track). Em termos de bombeiro, isto se refere

basicamente a uma área específica no ambiente sinistrado onde se pode constatar a

presença de zonas de baixa pressão que puxam o ar para dentro do ambiente e

zonas de alta pressão que forçam a fumaça e os gases quentes do incêndio para

fora (uma espécie de área onde se misturam o ar fresco e os gases combustíveis do

incêndio próximos a uma abertura ou ponto de ventilação).

Esse fluxo de ar pode ser suave ou turbulento. Se o fluxo de ar é lento

(suave) ou laminar o fogo deve estar em sua fase mais inicial e o incêndio deve estar

controlado pelo combustível. Pelo contrário, se o fluxo de ar é rápido e turbulento

(normalmente o PN está muito baixo) o fogo está em pleno desenvolvimento e o

incêndio deve estar controlado pela falta de ventilação.

Os bombeiros podem ainda escutar os sons produzidos pelo incêndio. A

presença de sons sibilantes pode indicar que o ar está sendo empurrado para dentro

e para fora do compartimento sinistrado devido às alterações de pressão, isso nos

indica um incêndio controlado pela falta de ventilação. Em alguns casos, os

bombeiros relatam que ouviram o ar assobiando ao passar pelas frestas, no entanto,

essa habilidade de escutar pode ser comprometida pela grande quantidade de

barulho normalmente existente numa zona de incêndio.

4.5.3 Sinais relacionados com a observação do calor (temperaturas elevadas):

A avaliação do incêndio deve incluir a procura de indicadores de temperatura,

tais como: vidros de janelas enegrecidos ou impregnados de resíduos de fumaça, o

que indica uma situação potencial de pré-backdraft e vidros de janelas rachados, o

que indica a presença de altas temperaturas no interior dos compartimentos. Nesses

casos, os bombeiros devem tomar precauções extremas antes de adentrar ao

recinto.

Se forem identificadas a presença de bolhas ou alguma descoloração nos

revestimentos (pinturas) das paredes e aberturas (janelas e portas), os bombeiros

poderão projetar água em forma de neblina sobre as mesmas para melhor

comprovar o calor real. Se o material estiver muito aquecido, a água se evaporará

rapidamente. Em alguns casos, é possível com essa técnica perceber também a

altura do plano neutro, observando a linha onde cessa a evaporação da água

aplicada.

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58

O aumento repentino do calor é um indicador frequentemente citado durante a

ocorrência de incêndios de progressão rápida. Este é um indicador tardio e difícil de

ser observado, no entanto, um aviso importante de perigo iminente.

Outra forma de se avaliar a temperatura é aplicando uma rápida pulsação de

água neblinada na zona de pressão positiva (capa de gases existente na parte mais

alta do cômodo incendiado). Se a água cai em direção ao chão sem nenhum som

característico ou vaporização significa que a temperatura nessa zona é inferior a

100ºC. Se, por outro lado, a água não cai e percebe-se a vaporização da mesma e

sons de borbulha, a temperatura deve estar a 100ºC ou mais. Um bombeiro também

pode, cuidadosamente, elevar sua mão para o alto, para sentir a acumulação do

calor. Em alguns casos, é possível inclusive que se realize tal tarefa sem luvas, no

entanto, somente com um bom treinamento e com a prática regular dessas

habilidades pode-se melhor determinar as variações de temperatura.

4.5.4 Sinais relacionados com a observação das cham as:

A observação da cor das chamas pode ser utilizada para tentar descobrir o

tipo de combustível que está ardendo, no entanto, essa prática nem sempre é

confiável, pois um combustível misturado com o ar pode arder com cores distintas

dependendo do processo da combustão. Por exemplo, o GLP misturado com o ar

produz uma chama azul devido à presença de gás carbônico (CO2). Se esse

combustível e o ar se misturam num processo de difusão, as chamas serão

amareladas devido à presença de partículas de carbono. Outro exemplo é a

combustão de uma chapa de aglomerado. Quando o aporte de ar é bom, produzir-

se-ão chamas amarelas. Se a concentração de oxigênio se reduz, as chamas

mudarão para uma cor mais laranja avermelhado. Nos incêndios confinados,

chamas amarelas geralmente indicam um aporte razoável de ar. Pelo contrário,

chamas mais alaranjadas indicam pouco ar e, consequentemente, baixa quantidade

de oxigênio e grande probabilidade do desenvolvimento de um incêndio controlado

por falta de ventilação.

As formas das chamas também podem indicar o tipo de combustão que está

se desenvolvendo. As chamas de cor laranja avermelhado que resultam de uma

combustão com pouco ar são frequentemente turbulentas, com formação de

ondulações curtas. Já a inflamação dos produtos acumulados da pirólise produzem

uma chama amarela bem brilhante, às vezes ainda mais claras. Nesses casos, a

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59

forma da chama é uma onda mais comprida e de aparência mais suave e menos

turbulenta. A formação de chamas de cor azul próximas do plano neutro se deve a

presença de bolsões de monóxido de carbono (CO) que se misturaram com o ar e

se inflamaram espontaneamente. O mais importante é, desde o início observar a cor

das chamas e qualquer alteração na mesmas.

4.6 Considerações sobre ventilação tática

Em termos de combate a incêndio estrutural, a ventilação em pode ser

simplesmente conceituada como a remoção do ar quente, da fumaça e de outros

contaminantes transportados no ar de uma estrutura sinistrada e sua substituição

por um ar novo, mais fresco.

É verdade que, na maioria de casos, a ventilação facilita os trabalhos de

acesso ao fogo e a localização de vítimas no interior dos ambientes sinistrados, no

entanto, os bombeiros combatentes que estiverem trabalhando numa área

confinada, quando uma janela é aberta, poderão observar que o fogo aumentará sua

intensidade, enquanto os produtos da combustão serão empurrados para fora do

ambiente; portanto, a ventilação tem componentes tanto positivos, como também

negativos.

Exatamente por isso, defendemos a idéia de que a ventilação deve ser

coordenada em conjunto com o posicionamento das primeiras linhas de ataque ao

fogo, pois, de forma geral, linhas de ataque bem posicionadas podem minimizar os

efeitos negativos de uma ventilação inadequada. No entanto, quando um incêndio

for maior e exigir fluxos de água mais considerados, nem mesmo uma linha de

mangueira será capaz de parar o progresso de um fogo ventilado

inapropriadamente.

Segundo um artigo publicado no site (www.firetactics.com), em 1991, Paul

Grimwood conceituou ventilação tática como uma ação realizada pelos bombeiros

na zona do incêndio para controlar o regime ardente do fogo, num esforço para

ganhar alguma vantagem tática durante as operações de combate a incêndios

estruturais interiores.

De acordo com as informações constantes do manual “Fundamentos da luta

contra incêndios”, da IFSTA, nos Estados Unidos, desde há muito tempo, se aceita a

idéia de que a ventilação vertical antecipada auxilia a aproximação tática dos

bombeiros, pois alivia as condições extremas produzidas pelas altas temperaturas e

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60

pelos gases inflamáveis do incêndio. Esse procedimento também é visto como um

método viável de prevenir incêndios de progresso rápido e os incêndios secundários

produzidos pelo deslocamento horizontal do fogo através de escadas, sótãos, fossos

de elevador, etc.

Em contraste, a aproximação tática dos bombeiros europeus, de forma geral,

entende que a ventilação antecipada pode representar uma ação tática

problemática, pois as taxas de calor incrementadas pelo fluxo adicional de ar fresco

podem fluir pelos ambientes internos da edificação e prejudicar consideravelmente a

filosofia popular de combate ao fogo com linhas de mangueira (linhas de ataque) de

baixo fluxo de água.

Nesse caso é importante considerar que a filosofia européia de enfrentamento

ao fogo é, freqüentemente, baseada no emprego de linhas de ataque com baixos

fluxos de água, instaladas a partir de viaturas auto bomba tanque, tal qual vemos

normalmente no Brasil.

Já a aproximação tática dos bombeiros norte-americanos geralmente lida com

incêndios em compartimentos maiores, construídos em madeira e com cargas de

incêndio mais elevadas.

Pensando em termos táticos, qualquer ação de ventilação demanda ações

baseadas numa intenção, ou seja, quais são os meus objetivos táticos com essa

ação? Portanto, as ações de ventilação podem se basear em três objetivos táticos

principais, a saber:

1. Ventilar pela vida.

2. Ventilar pelo fogo.

3. Ventilar pela segurança.

4.6.1 Considerações sobre a ventilação pela vida

As ações de ventilação pela vida podem ser consideradas como aqueles

procedimentos operacionais padronizados (POPs) que determinam a realização de

aberturas emergenciais (normalmente em janelas) de onde os bombeiros possam a

partir de uma posição exterior entrar e realizar uma busca primária em áreas

consideradas de alto risco na edificação. Isto pode ocorrer em cômodos existentes

no caminho do fogo ou em áreas bem próximas ao incêndio.

Este procedimento emergencial é normalmente chamado pelos bombeiros

norte-americanos de VES (Vent, Enter, Search ou Ventilar, Entrar e Salvar). Essa

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61

abordagem agressiva é normalmente muito tensa e está rodeada de perigos, no

entanto, em alguns casos é a única estratégia viável para se obter sucesso em

operações de busca e resgate de alto risco.

As ações de ventilação e entrada tipo VES, como qualquer processo de

ventilação tática, exige precisão (ventilar usando as janelas corretas) e também uma

antecipação da propagação potencial do fogo. O uso de tal procedimento deve ser

sempre autorizado pelo comandante da operação e, se possível, comunicado ao

efetivo bombeiro presente na zona do incêndio. Esse tipo de busca devido aos

riscos potenciais, deve ser realizada pelas equipes de bombeiro partindo da janela

em direção a porta existente no interior da edificação e depois retornando

novamente em direção a janela de entrada e não progredindo por corredores

internos, de forma a evitar longas progressões.

4.6.2 Considerações sobre a ventilação pelo fogo

As ações de ventilação pelo fogo podem ser consideradas aquelas cujo

objetivo principal é o de melhorar as condições interiores para os próprios

bombeiros, reduzindo os níveis de calor e ampliando as condições de visibilidade.

Existe uma crença comum que as janelas dos cômodos onde os bombeiros estão

trabalhando devam estar abertas, mas isso não é bem assim! A regra aqui é ventilar

as janelas que estão à frente do esguicho (linha de ataque) e próximas do fogo, de

modo que os produtos da combustão sejam forçados para fora do ambiente. É fato

que a maioria dos incêndios em compartimento queimam controlados pela falta de

ventilação. Assim como avançam os bombeiros de linha, também o fogo avança em

busca do ar. Qualquer condição de pressão negativa criada, pela abertura de uma

janela, por exemplo, conduzirá o fogo em direção ao novo estoque de ar e se isto

acontece na direção da linha de ataque não pode ser coisa boa. Além disso, a

adição de ar proporcionará um aumento na taxa de liberação de calor (TLC) e

tornará o incêndio mais quente, portanto é essencial que os efetivos de bombeiro

tenham um fluxo constante de água nas linhas de ataque para poderem fazer frente

a qualquer aumento do fogo. Nesses casos devemos prestar muita atenção na

direção e na intensidade dos ventos antes de realizar qualquer abertura na

edificação, pois uma conduta inadequada poderá jogar o fogo contra os próprios

bombeiros!

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62

4.6.3 Considerações sobre a ventilação pela seguran ça

Finalmente, as ações de ventilação pela segurança são reservadas para as

situações onde o incêndio está controlado pela falta de ar, no entanto, existe um

acúmulo de significativas proporções de gases inflamáveis e o calor gerado

anteriormente permanece, deixando as partículas de carbono não queimadas

prontas para se incendiar assim que o oxigênio for suficiente. Nesses casos, devido

ao ambiente confinado, o fogo se desenvolve bem lentamente e, são grandes as

chances de ocorrer uma deflagração repentina se estes gases acumulados forem

oxigenados por uma corrente de ar proveniente de alguma abertura no

compartimento, portanto, as ações de ventilação tática e a escolha da porta de

entrada no cômodo incendiado devem ser realizadas muito cuidadosamente. O

melhor nesses casos é partir para ações de ventilação através de aberturas a partir

do exterior da edificação, antes de se realizar as ações de entrada no ambiente

sinistrado.

Uma regra de ouro da ventilação diz que sempre que possível, deve-se tentar

abrir as janelas antes de quebrá-las, pois tal operação poderá ser modificada caso

seus resultados não estejam produzindo resultados satisfatórios. Já se uma janela é

destruída ou uma parede é aberta, tal abertura não poderá ser mais facilmente

fechada.

4.6.4 Ventilação por Pressão Positiva (VPP)

A introdução do ataque com ventilação por pressão positiva (VPP), surgida

nos anos 80, forneceu um meio de ventilar as edificações incendiadas ao mesmo

tempo em que se forçava a saída do calor, da fumaça e dos gases de incêndio por

um determinado ponto, enquanto os bombeiros avançavam pelo seu interior. Esta

tática ainda é vista como potencialmente perigosa por muitas autoridades de

combate ao fogo, no entanto, também existem seus defensores incondicionais.

A ventilação por pressão positiva (VPP) acabou tornando-se muito popular e é

uma ferramenta útil, no entanto, não serve em todos os casos. A chave para VPP

bem sucessiva está no controle das aberturas de entrada e saída. Se existem muitas

portas e janelas abertas, a VPP se torna ineficaz.

Os benefícios e vantagens de usar a VPP em situações defensivas de

incêndios post-flashover estão, sem dúvida, comprovados, no entanto, as mais

recentes pesquisas que analisam o uso da VPP em situações ofensivas, nos incita a

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63

considerar o equipamento como algo adequado, desde que cuidadosamente

utilizado, a partir de protocolos rígidos.

Particularmente, entende-se que no Brasil, o ataque VPP é ainda utilizado

como uma forma secundária de ventilação tática, normalmente usado por bombeiros

em áreas de recursos limitados e efetivos mais reduzidos, quer seja pelo custo dos

equipamentos, quer seja pela falta de estudos mais aprofundados sobre a técnica

em si.

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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Desde os primeiros tempos até a atualidade, as dimensões e o alcance das

conseqüências de um incêndio são impressionantes. O incêndio tem sido sempre

uma ameaça destrutiva para pessoas e patrimônios. No entanto, creio que isso não

deve nos conduzir a situações de desânimo ou mesmo levar a pensar que não se

teve progressos na prevenção e no combate a incêndios. Ainda que se tenha muito

que fazer para prevenir o sofrimento humano, os elevados custos econômicos do

incêndio e os riscos potenciais do fogo para os bombeiros combatentes, tem-se

experimentado um considerável avanço no conhecimento sobre a dinâmica do fogo

e a luta contra o incêndio, especialmente a partir das duas últimas décadas.

Nesse trabalho foram analisados mais especificamente os incêndios de

progresso rápido e as terminologias utilizadas para conceituar esses diferentes

fenômenos, algo ainda muito novo no Brasil, mas que representa um sério risco para

os bombeiros em geral.

A concluir esta monografia, entende-se que o mais importante é se unificar os

critérios e as terminologias adotadas, a partir do estudo rigoroso de tais fenômenos,

a fim de se poder atingir um padrão de atendimento mais eficiente e seguro.

Infelizmente, até bem pouco tempo, os processos que conduziam aos

fenômenos conhecidos como flashover e backdraft eram estudados no Brasil a partir

de um Manual do Corpo de Bombeiros da Polícia Militar de São Paulo, o qual utiliza

como referência uma versão antiga do Manual da IFSTA, intitulado Essencials of

Fire Fighting. Por isso, muitos bombeiros ainda pensam que considerações sobre

segurança devem incluir apenas o uso rotineiro de equipamentos especiais de

proteção e programas de controle, limpeza e manutenção desses materiais.

Discordo desse ponto de vista, pois a segurança dos profissionais dos Corpos

de Bombeiros deve envolver muitos outros aspectos, tais como: programas de saúde

e segurança ocupacional (para manter as equipes de bombeiro em bom estado de

saúde física e emocional), treinamento constante e, principalmente, investimentos

em equipamentos de combate e extinção de incêndios, equipamentos de proteção

pessoal - EPIs (infelizmente, a maioria de nossas OBMs ainda não dispõem de

roupas de proteção, incluindo capas, calças, balaclavas, luvas, botas e capacete) e

equipamentos de proteção respiratória (unidades autônomas de proteção

respiratória do tipo pressão positiva) para todos os seus integrantes.

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Cada Comandante de Organização de Bombeiro Militar (OBM) tem a

responsabilidade de discutir esses assuntos com seus comandados e buscar,

apesar de todas as dificuldades, uma melhoria constante no serviço de bombeiro.

Através da pesquisa bibliográfica e da experiência profissional do autor

verifica-se que ainda existem muitos óbices e dificuldades na atividade de combate e

extinção de incêndios em compartimento, dentre as quais, destaca-se as

deficiências de treinamento (os treinamentos ficam restritos aos cursos de

formação), a falta de condutas operacionais padronizadas (faltam manuais e

diretrizes para orientar procedimentos), a dificuldade de acesso a pesquisas

atualizadas sobre o assunto e, uma maior cooperação entre os diversos organismos

de resposta e os centros universitários para o estudo aprofundado desse tipo de

atividade.

Conclui-se que os incêndios de progresso rápido, também chamados de

incêndio de desenvolvimento rápido podem ser definidos como todos os tipos de

incêndios que se desenvolvem de forma mais rápida que a esperada, a partir da

ocorrência de fenômenos conhecidos, tais como uma ignição súbita generalizada

(flashover), uma ignição explosiva (backdraft) ou outros eventos similares.

A partir deste estudo, sugere-se a adoção do termo “ignição súbita

generalizada” para conceituar o termo em inglês flashover e apresenta-se a seguinte

definição para o fenômeno:

“Em um incêndio em compartimento (incêndio interior) podemos chegar a

um estágio onde a radiação térmica total emitida pelo incêndio afete de tal

forma os gases aquecidos provenientes da pirólise dos materiais

combustíveis que irá se produzir uma ignição súbita generalizada, ou seja, a

inflamação de todas as superfícies combustíveis expostas no ambiente. Esse

evento, chamado de ignição súbita generalizada ou flashover, resultará numa

transição repentina e sustentada de um incêndio crescente em um incêndio

totalmente desenvolvido.”

Sugere-se também a adoção do termo “ignição explosiva” para conceituar o

termo em inglês backdraft e apresenta-se a seguinte definição para o fenômeno:

“A diminuição da oferta de oxigênio (limitação da ventilação) poderá gerar o

acúmulo de significativas proporções de gases inflamáveis, produtos parciais

da combustão e das partículas de carbono (C) ainda não queimadas. Se estes

gases acumulados forem oxigenados por uma corrente de ar proveniente de

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alguma abertura no compartimento produzirão uma deflagração repentina.

Esta explosão que se move através do ambiente e para fora da abertura é

denominada de ignição explosiva ou backdraft. De forma bem simplificada

podemos dizer que o backdraft é uma ignição induzida pela oxigenação dos

gases inflamáveis provenientes da combustão.”

Finalmente, sugere-se a adoção do termo “ignição dos gases do incêndio”

para conceituar o termo em inglês fire gas ignition e inidica-se a seguinte definição

para o fenômeno:

“É a ignição dos gases do incêndio existentes dentro do compartimento

incendiado ou dos gases transportados para fora deste em um estado

inflamável e potencialmente explosivo”.

A percepção dos riscos e os sinais de advertência dos incêndios de progresso

rápido são importantes e devem ser bem conhecidos, mas é preciso esclarecer

também que alguns desses eventos acontecem rapidamente, às vezes de forma tão

súbita que alguns bombeiros não têm tempo para escapar ou proteger-se. Portanto,

as únicas proteções reais para uma explosão ou uma ignição súbita são o uso

constante de roupas de proteção completas (incluindo capacete, capa e calça de

aproximação, luvas, botas, balaclavas e proteção respiratória tipo pressão positiva),

o estudo sistemático desses fenômenos e a realização de treinamentos continuados.

O trabalho serviu ainda para identificar alguns sinais característicos (sinais de

advertência) que podem ser utilizados pelos bombeiros combatentes para perceber

antecipadamente os incêndios de progresso rápido segundo o tipo de fenômeno

específico.

Com base no estudo das táticas de combate e ventilação, verifica-se que sob

certas circunstâncias, ações de ventilação podem ser bem eficientes, no entanto, se

mal conduzidas, podem ser também um desastre. Por exemplo, a abertura de uma

porta de acesso para alcançar o fogo é vista, freqüentemente, como uma

necessidade e não como parte de um plano de ventilação, no entanto, o fluxo de ar

fornecido (criação de uma corrente gravitacional) neste ponto pode servir para

intensificar o fogo e aumentá-lo para além da capacidade da primeira linha de

ataque.

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De uma forma geral, pode-se concluir que a atual conduta européia coloca a

estabilização das condições interiores na frente das ações de ventilação como uma

tática inicial e utilizam o conceito do isolamento e do confinamento do fogo como

prioridades. No entanto, é igualmente importante aplicar-se princípios de avaliação

de risco no processo de tomada de decisão e reconhecer quando uma ação tática

de ventilação precoce poderá ser uma opção mais segura ou até mais produtiva no

combate ao fogo.

Certamente existirão casos onde a extração dos produtos da combustão em

um compartimento estrutural incendiado será algo mais benéfico aos ocupantes da

edificação do que qualquer outra ação de isolamento do fogo. Verifica-se que todo

bombeiro combatente experiente poderá lembrar de situações onde seus

companheiros não conseguiram efetuar uma busca primária em pisos superiores por

falta de uma adequada ventilação, assim como também, incêndios aonde uma

ventilação mal conduzida espalhou fumaça e calor por espaços vazios superiores e

acabou deixando o fogo fora de controle e vidas em risco.

Infelizmente, a maioria dos princípios táticos da ventilação sempre se

desenvolveu como um apêndice de uma estrutura maior que estuda o combate e a

extinção dos incêndios, e por isso, sugere-se que ainda teremos muitos anos de

pesquisa antes de encontrar-se um modelo confiável que possa ser aceito

universalmente para resolver os problemas da ventilação num incêndio.

Evidenciou-se também que a água é sempre a escolha ideal para a extinção

de incêndios em compartimento, pois aplicada corretamente, a água dilui os gases

combustíveis, reduz o oxigênio e diminui a temperatura (calor). No entanto, fazem-se

necessárias novas pesquisas, especialmente no tocante aos fluxos ideais de água

para uso no combate a incêndio estrutural. Atualmente, a maioria dos bombeiros do

Brasil continua a usar formulas dos anos 50 e 60, mais especificamente a Fórmula

de Iowa para calcular a água ideal do método de ataque indireto e Fórmula da U.S.

National Fire Academy para calcular a água ideal no método de ataque direto,

enquanto se aguarada uma nova fórmula simples e genérica que possa ser usada

facilmente para calcular com confiança a quantidade de água ideal que deverá ser

utilizada pelos bombeiros na supressão do fogo.

Viu-se que o ataque com resfriamento dos gases do incêndio (técnica mais

recente) deve ser o método preferencial de combate, pois apesar de não extinguir

propriamente o incêndio, auxilia numa aproximação tática mais segura e reduz

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consideravelmente a probabilidade da ocorrência de fenômenos ligados aos

incêndios de progresso rápido.

O ataque com resfriamento dos gases do incêndio pode ser utilizado a partir

de três diferentes técnicas (pulsações curtas, longas ou longas com varredura), as

quais serão definidas em conformidade com a altura do plano neutral (PN), ou seja,

quanto mais baixo o PN, mais longa (demorada) deverá ser a aplicação dos jatos de

água em forma de neblina.

O ataque indireto deve ser utilizado somente como um último recurso, quando

não existirem vítimas no interior do compartimento e, quando as condições do fogo

impedirem uma ação interior.

Finalmente, registra-se que todos os incêndios nos fornecem uma série de

sinais que podem ajudar a determinar em que momento do desenvolvimento ele se

encontra, e o mais importante, as mudanças que podem igualmente ocorrer. É essa

habilidade para interpretar estes sinais que se torna essencial para assegurar uma

ação de extinção segura e eficaz.

O profissional de combate ao fogo precisa focar sua atenção na avaliação de

riscos e na identificação das melhores opções táticas para assegurar-se de que toda

a aproximação e combate sejam realizados corretamente pela combinação segura

de técnicas de acesso e supressão do fogo.

Antes de avaliar o risco e de selecionar a melhor opção tática a seguir é

essencial que o bombeiro aprenda sobre o comportamento do fogo, de modo que as

implicações operacionais das várias táticas e técnicas utilizadas sejam

compreendidas inteiramente.

Este autor entende que, a partir dos novos conhecimentos e das novas

tecnologias de combate a incêndio, pode-se atuar de forma mais segura e eficiente

utilizando o seguinte parâmetro tático para enfrentar os incêndios em

compartimento:

Em incêndios menores, utilizar a tática do isolamento/confinamento do fogo e

ataque (combate) direto, seguido de ventilação.

Em incêndios em crescimento (pré-flashover), utilizar a tática do

isolamento/confinamento do fogo; ataque com resfriamento dos gases do incêndio,

seguido de ataque (combate) direto; ventilação tática e ataque direto com ventilação

com pressão positiva.

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Em incêndios controlados pela falta de ventilação, utilizar a tática do

isolamento/confinamento do fogo; ataque (combate) indireto a partir do exterior,

seguido de ataque com resfriamento dos gases do incêndio e ventilação tática.

Em incêndios totalmente desenvolvidos (pós-flashover), utilizar a tática do

ataque com resfriamento dos gases do incêndio, seguido de ataque (combate)

direto, acompanhado de ventilação tática.

Entretanto, todas essas informações e conclusões exigem ainda novas

pesquisas, especialmente estudos experimentos em escalas reais, sem os quais não

poderemos analisar corretamente as diferentes opções táticas para o enfrentamento

dos incêndios interiores.

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70

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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ANEXO “I”

REPRESENTAÇÃO DO DESENVOLVIMENTO DE UM BACKDRAFT

Fig. 1. The development of a backdraft (1999, p. 26 2) Observação : Figura representativa do desenvolvimento de um backdraft publicada no artigo intitulado “The development and mitigation of backdraft: a real-scale shipboard study” do Fire Safety Journal, n.º 33, de 1999, p. 261-282, de autoria dos pesquisadores Daniel T. Gottuk, Michelle J. Peatross, John P. Farley e Frederick W. Williams.

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ANEXO “II”

FOTOGRAFIA DE UM BACKDRAFT

Fig. 1. Photograph of a backdraft reball during an outdoor test BD101 (1999, p. 269)

Observação : Fotografia de um backdraft realizada durante um teste a oar livre e publicada no artigo intitulado “The development and mitigation of backdraft: a real-scale shipboard study” do Fire Safety Journal, n.º 33, de 1999, p. 261-282, de autoria dos pesquisadores Daniel T. Gottuk, Michelle J. Peatross, John P. Farley e Frederick W. Williams.