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69 Estudo ergonômico e de segurança do trabalho em um ambiente artesanal de produção de papel reciclado Juliana Silveira Anselmo (UNIVILLE) [email protected] Denise Abatti Kasper Silva (UNIVILLE) [email protected] Marco Fabio Mastroeni (UNIVILLE) [email protected] Remi Lópes Antonio (UDESC) [email protected] Debora Barauna (UNIVILLE) [email protected] Resumo: À medida que a produção artesanal ganha destaque, problemas relacionados à produção, ao produto e principalmente ao bem-estar dos envolvidos na atividade crescem na mesma proporção. A partir dessa reflexão e sob a ótica dos conceitos de ergonomia e de segurança do trabalho estudou-se uma oficina de produção de papel reciclado artesanal. A base metodológica utilizada na pesquisa foi a qualitativa, especificamente o tipo pesquisa- ação, e como método de aplicação, a observação participante. A coleta de dados ocorreu em dois ambientes distintos: na oficina de um grupo de artesãs, por meio de visitas e entrevistas, e no Laboratório de Modelagem do Centro de Artes e Design (CAD) da instituição, com uso do quadro do parecer ergonômico e da fotografia. A partir da análise dos dados coletados e juntamente com as observações feitas pelas artesãs sobre o processo artesanal, foram delineadas e aplicadas propostas de melhorias relacionadas à ergonomia e segurança do trabalho. Destaca-se a aplicação de Equipamentos de Proteção Individual e a alteração de móveis e equipamentos, considerando para tanto, o bem-estar das artesãs. Conclui-se que a inserção de tecnologias melhorou o desempenho das atividades realizadas pelo grupo e otimizou o processo, sem alterar a autenticidade do trabalho artesanal. Palavras-chave: Ergonomia; Segurança do Trabalho; Trabalho Artesanal; Papel Reciclado. 1 INTRODUÇÃO O artesanato hoje é responsável por resgatar particularidades de uma determinada cultura e transportá-las para um produto, em cujo desenvolvimento prevalece a habilidade manual e a possibilidade do seu agente produtor o artesão, intervir em cada peça individualmente. Além de apresentar em sua essência, um papel social capaz de contribuir como forma de expressão e de socialização. Esse segmento não apenas preserva a tradição popular e a identidade cultural de um país, como é fonte potencial de emprego e renda. Nos últimos anos, o setor artesanal tem passado por avaliações e reestruturações quando se refere ao processo produtivo, ao produto e ao mercado. Esses aspectos do ambiente de produção e do crescimento do mercado artesanal se tornaram elementos importantes para o sucesso do artesão e da qualidade dos produtos artesanais, visto que, à medida que surgem as oportunidades de venda, intensificam-se a dedicação e as horas trabalhadas do artesão, bem como, segundo Wisner (1987), o aumento das cargas físicas, psíquicas e cognitivas. Lembrando ainda que muitos dos sistemas produtivos deste segmento são extremamente rudimentares e foram construídos para a produção de poucas peças. A soma desses fatores decorre em um prejuízo na qualidade final do produto e, principalmente, na saúde e na moral desse trabalhador (SAFAR, 2002). Partindo de uma pesquisa aplicada experimental e interdisciplinar, Bastianello (2005), propôs o uso de fibras vegetais, como a da bananeira, para a produção de papel INGEPRO Inovação, Gestão e Produção Abril de 2010, vol. 02, n o . 04 ISSN 1984-6193 www.ingepro.com.br

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Estudo ergonômico e de segurança do trabalho em um ambiente

artesanal de produção de papel reciclado

Juliana Silveira Anselmo (UNIVILLE) [email protected]

Denise Abatti Kasper Silva (UNIVILLE) [email protected]

Marco Fabio Mastroeni (UNIVILLE) [email protected]

Remi Lópes Antonio (UDESC) [email protected]

Debora Barauna (UNIVILLE) [email protected]

Resumo: À medida que a produção artesanal ganha destaque, problemas relacionados à

produção, ao produto e principalmente ao bem-estar dos envolvidos na atividade crescem na

mesma proporção. A partir dessa reflexão e sob a ótica dos conceitos de ergonomia e de

segurança do trabalho estudou-se uma oficina de produção de papel reciclado artesanal. A

base metodológica utilizada na pesquisa foi a qualitativa, especificamente o tipo pesquisa-

ação, e como método de aplicação, a observação participante. A coleta de dados ocorreu em

dois ambientes distintos: na oficina de um grupo de artesãs, por meio de visitas e entrevistas,

e no Laboratório de Modelagem do Centro de Artes e Design (CAD) da instituição, com uso

do quadro do parecer ergonômico e da fotografia. A partir da análise dos dados coletados e

juntamente com as observações feitas pelas artesãs sobre o processo artesanal, foram

delineadas e aplicadas propostas de melhorias relacionadas à ergonomia e segurança do

trabalho. Destaca-se a aplicação de Equipamentos de Proteção Individual e a alteração de

móveis e equipamentos, considerando para tanto, o bem-estar das artesãs. Conclui-se que a

inserção de tecnologias melhorou o desempenho das atividades realizadas pelo grupo e

otimizou o processo, sem alterar a autenticidade do trabalho artesanal.

Palavras-chave: Ergonomia; Segurança do Trabalho; Trabalho Artesanal; Papel Reciclado.

1 INTRODUÇÃO

O artesanato hoje é responsável por resgatar particularidades de uma determinada

cultura e transportá-las para um produto, em cujo desenvolvimento prevalece a habilidade

manual e a possibilidade do seu agente produtor – o artesão, intervir em cada peça

individualmente. Além de apresentar em sua essência, um papel social capaz de contribuir

como forma de expressão e de socialização. Esse segmento não apenas preserva a tradição

popular e a identidade cultural de um país, como é fonte potencial de emprego e renda.

Nos últimos anos, o setor artesanal tem passado por avaliações e reestruturações

quando se refere ao processo produtivo, ao produto e ao mercado. Esses aspectos do ambiente

de produção e do crescimento do mercado artesanal se tornaram elementos importantes para o

sucesso do artesão e da qualidade dos produtos artesanais, visto que, à medida que surgem as

oportunidades de venda, intensificam-se a dedicação e as horas trabalhadas do artesão, bem

como, segundo Wisner (1987), o aumento das cargas físicas, psíquicas e cognitivas.

Lembrando ainda que muitos dos sistemas produtivos deste segmento são extremamente

rudimentares e foram construídos para a produção de poucas peças. A soma desses fatores

decorre em um prejuízo na qualidade final do produto e, principalmente, na saúde e na moral

desse trabalhador (SAFAR, 2002).

Partindo de uma pesquisa aplicada experimental e interdisciplinar, Bastianello

(2005), propôs o uso de fibras vegetais, como a da bananeira, para a produção de papel

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reciclado artesanal e que pudesse ser empregada como fonte de renda para grupos

artesanais. Como fonte de matéria-prima natural disponível, o emprego de fibras naturais na

fabricação de papel artesanal é uma alternativa que, além de atribuir valor estético ao papel,

proporciona-lhe um reforço.

Assim, em 2006 deu-se início o trabalho de extensão universitária denominado Mulher

com Fibra, que desenvolve produtos em produção comunitária a partir de resíduos de papel de

escritório e de subprodutos do cultivo da banana, apoiando inicialmente um grupo formado

por mulheres artesãs de Joinville/SC, que, além do gosto pelo fazer tradicional, buscam no

artesanato outra forma de gerar trabalho e renda.

A técnica de produção de papel reciclado artesanal reforçado com fibra de bananeira

adotado pelo projeto Mulher com Fibra é o mesmo proposto por Bastianello (2005) e

Asunción (2002). Entretanto, durante o período de repasse da técnica ao grupo de artesãs,

foram observados diversos fatores que abrangem questões de saúde e segurança (ergonomia e

segurança do trabalho) e bem-estar das pessoas envolvidas na atividade. Assim, viu-se a

importância de uma análise e atuação mais específicas para orientar o grupo de mulheres e

propor melhores condições no ambiente de produção artesanal (ANSELMO et al., 2007).

Desse modo, o objetivo deste trabalho foi propor melhorias no ambiente de produção

do papel reciclado artesanal reforçado com fibra de bananeira aplicando conceitos de

ergonomia e de segurança do trabalho.

2 REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 O artesanato e a produção de papel reciclado artesanal

O artesanato possui valores sociais – pela quantidade de mão de obra que ocupa, e

culturais – por ser a expressão mais autêntica do saber e do fazer popular. No Brasil, o

artesanato sempre foi considerado uma atividade inserida no âmbito dos programas de

assistência social, tratado sob uma ótica paternalista, sem considerar uma dimensão

econômica e social (BARROSO NETO, 2001).

Segundo dados do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas -

Sebrae (2007), estima-se que o artesanato gere 8,5 milhões de empregos e movimente cerca

de R$ 28 bilhões/ano, em torno de 2,8% do Produto Interno Bruto - PIB, o que demonstra o

seu importante papel social como gerador de trabalho, renda e cidadania. Outro número

apontado pelo Sebrae (2008) foi que, em 2006, conforme dados da Agência de Promoção de

Exportações e Investimentos - Apex, o Brasil exportou R$ 1,41 milhões em artesanato.

Além do baixo custo de investimento, o artesanato atenua o crescimento desordenado

dos centros urbanos, promove a inserção da mulher e do adolescente em atividades

produtivas, estimula a prática do associativismo, fixa o artesão no local de origem, além de

utilizar, por muitas vezes, matérias-primas renováveis (SEBRAE, 2008).

Nas atividades artesanais é possível valer-se de aspectos que podem refletir uma

melhora nos processos produtivos, preservando as características do fazer artesanal e

valorizando o artesanato com um novo padrão de qualidade. A capacitação da mão-de-obra e

o emprego de novas tecnologias colaboram nessa melhoria, da mesma forma que

reaproximam o homem à natureza e resgatam técnicas tradicionais, como a produção de papel

reciclado artesanal reforçado com fibra de bananeira (GARAVELLO e MOLINA, 2005;

SEBRAE, 2005).

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Diversos são os tipos de processos para a produção do papel artesanal, porém o

método adotado pelo projeto Mulher com Fibra se divide, basicamente, em três fases, como

apresenta o organograma da Figura 1:

Figura 1 – Organograma do processo de produção de papel reciclado artesanal reforçado com fibra de bananeira.

Fonte: Adaptado de Bastianello (2005).

a) Fase1 – Preparação de polpa branca a partir de aparas: Seleciona-se as aparas

(papel que resulta das atividades comerciais, industriais e domésticas, entre outras fontes,

utilizadas para fins de reciclagem) e as separa de outros papéis, como jornais e papéis

plastificados. Estas folhas devem estar desprovidas de quaisquer manchas, grampos e clipes

(separação – Figura 2 – A). A seguir, as aparas são picadas manualmente ou com o auxílio de

fragmentadora (picotagem). A etapa de desinfecção (Figura 2 – B) ocorre quando o material

picotado é colocado em recipiente plástico, com adição de hipoclorito de sódio e água potável

até que fiquem imersas. A partir desse momento, as aparas chamam-se polpas e devem ser

conservadas em molho por um dia, posteriormente, lavadas em água corrente (torneira), com

o auxílio de peneiras para reter a polpa e eliminar a água. Esse processo deve ser repetido por,

pelo menos, mais duas vezes. A próxima etapa é a cocção, que consiste em colocar a polpa

em uma panela de alumínio com água e hidróxido de sódio, deixar cozinhar por 30 min. O

próximo passo caracteriza-se por esfriamento e lavagem da polpa em água corrente por 3

vezes, também com auxílio de peneiras. Como última etapa desta fase, a polpação consiste

em bater em liquidificador a polpa com água até formar uma massa mais refinada.

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Posteriormente a polpa (Figura 2 – C) é coada, acondicionada em baldes e conservada em um

refrigerador sem congelar.

Figura 2 – “A” Separação; “B” Desinfecção; “C” Polpa de aparas.

Fonte: Projeto Mulher com Fibra.

b) Fase 2 – Preparação de polpa de fibra de bananeira: Extraí-se pseudocaules

já em estágio de senescência (ciclo vegetativo finalizado). Separa-se manualmente em

camadas (separação). Corta-se as fibras em sentido longitudinal e as macera com o apoio

de martelo, tipo batedor de carne, para a quebra das paredes parenquianas e separação dos

sais minerais existentes (maceração); pica-se as fibras em pedaços menores (picotagem –

Figura 3 – A). A seguir, a fibra percorre o mesmo processo de desinfecção, cocção

(Figura 3 – B) e polpação (Figura 3 – C) da produção da polpa de papel descrita na fase 1.

Figura 3 – “A” Picotagem; “B” Cocção; “C” Polpa de fibra de bananeira.

Fonte: Projeto Mulher com Fibra.

c) Fase 3 – Obtenção de folhas de papel artesanal: A confecção consiste em

adicionar polpas e aglutinantes (cola branca ou cola de quiabo) em um tanque com água que

permita cobrir a metade da tela em pé. Em seguida, a tela deve ser mergulhada no tanque,

elevada na posição horizontal, planando-a com movimentos circulares para escorrer o excesso

de água (Figura 4 – A). Em uma bancada, devem estar carpetes já umedecidos, onde será

transferida a folha da tela (Figura 4 – B) e, a seguir coloca-se uma folha de TNT (confecção).

Após serem intercaladas 10 folhas de papel com carpete e TNT, este conjunto deve ser

prensado com 10 t (Figura 4 – C), levada à bancada para trocar carpete e TNT e prensar mais

uma segunda vez, agora com 6 t (prensagem). Por último, pendurar as folhas para secagem

em varal convencional com o prendedor fixo no carpete (secagem – Figura 4 – D).

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Figura 4 – “A” e “B” Formação da folha; “C” Prensagem; “D” Secagem.

Fonte: Projeto Mulher com Fibra.

À medida que aumenta o volume da produção, muitos dos sistemas produtivos

artesanais precisam ser revistos em função não apenas ao atendimento do mercado, mas

também, em função do bem-estar do artesão que realiza a atividade (FREITAS e ROMEIRO

FILHO, 2004). E para isso, os conceitos de ergonomia e segurança do trabalho colaboram

como ferramentas perspicazes.

2.2. Ergonomia e segurança do trabalho

Considera-se que a ergonomia tem pelo menos duas finalidades: 1) o melhoramento e

a conservação da saúde dos trabalhadores e 2) a concepção e o funcionamento satisfatórios do

sistema técnico do ponto de vista da produção e da segurança (WISNER, 1994).

Para Wisner (1987) e Iida (2005) a ergonomia pode contribuir na melhoria de

situações de trabalho, conforme a etapa em que elas ocorrem e também segundo a

abrangência com que é realizada. A contribuição ergonômica, de acordo com a ocasião em

que é feita, classifica-se sob três fatores:

a) Ergonomia de concepção: a contribuição ergonômica é realizada durante a fase

inicial de projeto de produto, da máquina ou ambiente;

b) Ergonomia de correção: aplicada em situações reais para resolver problemas que se

refletem na segurança, na fadiga excessiva, em doenças do trabalhador ou na quantidade e

qualidade da produção;

c) Ergonomia de conscientização: trata da importância de conscientizar o operador,

por meio de cursos de treinamento e freqüentes reciclagens, ensinando-o a trabalhar de forma

segura, reconhecer os fatores de risco que podem surgir no ambiente de trabalho.

Moraes e Mont'Alvão (1998) afirmam que durante a apreciação ergonômica cumpre

ter como orientação categorias de problemas que compreendem deficiências e faltas e falhas

específicas. Dentre as diversas categorias podemos citar as informacionais/visuais,

movimentacionais, espaciais/arquiteturais, de acessibilidade, físico-ambientais, químico-

ambientais, securitárias, operacionais, acidentárias, organizacionais, dentre outros. Já para os

objetivos deste estudo, destacam-se:

Movimentacionais: excesso de peso, freqüência de movimentação dos objetos a

levantar ou transportar;

Físico-Ambientais: temperatura, ruído, iluminação, vibração, radiação;

Químico-Ambientais: partículas, elementos tóxicos e aero-dispersóides em

concentração no ar acima dos limites permitidos;

Acidentárias: comprometem os requisitos securitários que envolvem a segurança

do trabalho. Deficiência de rotinas e equipamentos para emergências e incêndios.

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Para a problematização, que constitui o reconhecimento, a delimitação e a formulação

do problema do sistema humano-máquina (relação recíproca entre o ser humano e a máquina),

particularizam-se as categorias acima às situações problemáticas específicas estudadas. Pode-

se considerar esta fase exploratória e pode ser concluída com o parecer ergonômico, que

compreende uma síntese dos problemas identificados em um “Quadro do parecer ergonômico:

Formulação do problema e sugestões preliminares de melhoria” (Quadro 1) e deve conter os

problemas selecionados dentre aqueles apresentados durante a problematização.

Classe de problema Problemas Requisitos Constran-

gimentos

da tarefa

Custos humanos

do trabalho

Disfunções

do Sistema

Sugestões preliminares

de melhoria

Restrições

do sistema

Movimentacionais

Físico-ambientais

Químico-ambientais

Acidentárias

Quadro 1 – Quadro do parecer ergonômico: Formulação do problema e sugestões preliminares de melhoria.

Fonte: Adaptado de Moraes e Mont'alvão (1998, p. 88).

Para um melhor entendimento da relação do homem e seu posto de trabalho, vê-se

necessário conhecer algumas considerações para projetos de estações de trabalho e manuseio

de cargas, segundo os estudos de Grandjean (2005) e Couto (2002).

Para os trabalhos manuais de pé, as alturas recomendadas de bancadas ou mesas são

de 50 a 100 mm abaixo da altura dos cotovelos, ou seja, em média a altura de trabalho para

mulheres ocidentais é de 900 a 950 mm na posição em pé. Para trabalhos delicados

recomenda-se um apoio para os cotovelos, pois assim a musculatura do tronco ficará aliviada

da carga estática. Recomenda-se ainda, que as mesas tenham altura regulável, ao invés de

estrados para os pés ou o aumento das pernas das mesas. Porém, se não for possível modificar

a altura da mesa, em princípio, a altura de trabalho deve tomar como base as pessoas altas,

pois se tem como recurso o uso de plataformas (palletis ou estrados) como superfície de apoio

de compensação para as pessoas baixas ficarem de pé.

As dimensões indicadas na Figura 5 são de orientação geral, já que se baseiam nos

valores médios de medidas antropométricas ocidentais e não levam em consideração as

variações individuais. A linha de referência (±0) é a altura do cotovelo a partir do chão, e que

em média é 1.050 mm para os homens e 980 mm para as mulheres.

Figura 5 – Alturas de mesas recomendadas para trabalhos em pé.

Fonte: Grandjean (2005, p. 48).

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Quanto à disposição de prateleiras, sugere-se que estas não estejam acima de 1.400 a

1.500 mm para as mulheres, e as mais baixas a 750 mm do chão, com 600 mm de

profundidade.

Grandjean (2005) apresenta alguns conselhos práticos para o levantamento de pesos,

baseados tanto na experiência como no conhecimento científico descritos por Kroemer et al.

(1997) e Mittal et al. (1993), tais como: segurar a carga e levantá-la com as costas retas e os

joelhos dobrados; segurar a carga o mais próximo possível do corpo, mantendo-a, sempre que

possível, entre os joelhos e com uma boa colocação dos pés; assegurar que o lugar de pega da

carga não esteja abaixo do nível do joelho; se a carga não tiver alças, amarrar uma corda em

torno da carga e usar cintas ou ganchos; evitar movimentos de rotação ou torção do tronco

quando levantar ou abaixar uma carga; entre outros.

O ambiente de trabalho e as condições em que ele se realiza são fundamentais para

contribuir na formação da qualidade de um produto, principalmente para a saúde do

trabalhador ou artesão, ou seja, para a sua qualidade de vida (FREITAS, 2006).

O emprego de boas práticas em laboratórios é essencial para o desenvolvimento

seguro das mais diversas atividades. Estas por sua vez, minimizam os riscos de acidentes,

otimizam as atividades, aumentam a produtividade bem como melhoram a qualidade do

produto e o ambiente de trabalho. E o uso de Equipamentos de Proteção Individual (EPI) é

uma forma eficiente de o trabalhador se proteger diante das diversas atividades que ele

desempenha (MASTROENI, 2008; SKRABA et al., 2006).

3 METODOLOGIA

Para o desenvolvimento deste estudo fez-se o uso da pesquisa qualitativa, que segundo

Goldemberg (2000), promove uma descrição detalhada da situação estudada com o objetivo

de compreender os indivíduos em seus próprios termos, proporcionando, ainda, maior

flexibilidade e criatividade na coleta e análise dos dados.

Já o tipo de pesquisa adotado foi a pesquisa-ação, em especial, devido à sua característica

social. A pesquisa-ação é freqüentemente utilizada em ações que visam resolver problemas de

ordem mais técnica, como a inserção de uma nova tecnologia, ou ainda, de esclarecer os

problemas da situação observada (THIOLLENT, 2000). Este tipo de pesquisa enquadra-se nos

objetivos desse estudo, no que diz respeito à avaliação do processo de trabalho num ambiente

de produção artesanal de modo a detectar a ocorrência de problemas que interfiram na sua

produção e no bem-estar das participantes.

O método de aplicação desse tipo de pesquisa foi a observação participante. A

observação participante consiste na participação real do conhecimento na vida cotidiana da

comunidade, do grupo ou de uma situação determinada (GIL, 1999). Portanto,

acompanharam-se as atividades realizadas na oficina das artesãs, mas sem interferir na

produção em si.

Os sujeitos desse estudo foram as mulheres integrantes do grupo de artesãs apoiado

pelo projeto de extensão Mulher com Fibra. Atualmente, o grupo é constituído por quatro

mulheres que trabalham em uma oficina situada na Rodovia SC 301, km 0, distrito de

Pirabeiraba, junto à Fundação Municipal de Desenvolvimento Rural 25 de Julho, montada

especialmente para este tipo de atividade.

Para garantir a completa análise dos aspectos pretendidos no estudo e não interferir no

processo de produção do grupo de artesãs apoiado pelo projeto Mulher com Fibra, uma vez

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que o grupo está produzindo com a finalidade comercialização, os dados referentes ao aspecto

de saúde e segurança no trabalho artesanal foram coletados em dois ambientes distintos:

3.1 Na oficina do grupo de artesãs

Inicialmente, foram realizadas visitas junto ao grupo, onde aplicou-se um formulário

para traçar o perfil das artesãs, como dados cadastrais, sociais e técnicos. Posteriormente, o

grupo passou por uma capacitação com um profissional técnico em Segurança do Trabalho

sobre acidentes de trabalho e a importância do uso de EPIs. Nessa oportunidade, foi entregue

ao grupo um kit básico contendo luva de látex, óculos de acrílico, protetor auricular, máscara

descartável, bota de borracha, jaleco e uma ficha-controle de entrega desses equipamentos.

Em seguida, foram realizadas duas entrevistas semi-estruturadas individuais, aplicadas num

intervalo de onze meses entre uma e outra que registraram as percepções delas quanto ao uso

de EPIs durante as atividades na oficina e à estrutura física desse ambiente.

Com o intuito de adequar algumas medidas de móveis e equipamentos da oficina às

artesãs, aferiu-se, com o auxílio de um estadiômetro de parede da marca Gofeka, de 220 cm,

a 90º em relação ao piso, as medidas de estatura e altura dos cotovelos (distância do chão

até o lado inferior do cotovelo dobrado em ângulo reto, com o braço na posição vertical).

Essas medidas foram tomadas no Laboratório de Fisiologia do Exercício – LAFIEX da

universidade. Aferiu-se ainda, com uso de uma trena, a altura de alguns móveis e

equipamentos presentes na oficina.

3.2 No Laboratório de Modelagem do CAD

Foram realizadas duas atividades de produção de papel no Laboratório de Modelagem

situado no CAD da universidade, onde todas as fases inerentes ao processo de produção de

folhas de papel artesanal foram desempenhadas. A técnica utilizada para a coleta de dados no

CAD foi com base no método da observação participante. De acordo com a necessidade de

observar as várias etapas do processo de produção do papel – examinar o ambiente de

trabalho (equipamentos e forma de execução da técnica), considerando aspectos ergonômicos

e de segurança, contou-se com uma equipe de acadêmicos que possibilitou um caráter e um

olhar multidisciplinar para o trabalho.

Os instrumentos utilizados para as observações e registros referentes ao processo e

produto, nesta etapa, foram a fotografia e o quadro do parecer ergonômico, adaptado para as

classes de problemas detectadas conforme os objetivos desta pesquisa: movimentacionais;

físico-ambientais; químico-ambientais e acidentários. A escolha do quadro do parecer

ergonômico se deu devido à flexibilidade e aos aspectos que esse instrumento proporciona,

mas, também, à sua estrutura que facilitou a coleta de informações do processo de produção

do papel artesanal.

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO

A partir dos dados obtidos no CAD, puderam-se delinear as propostas de melhorias

com ênfase aos aspectos ergonômicos e de segurança do trabalho (destaque em EPIs) dos

envolvidos no processo artesanal de produção de papel.

4.1 Quanto aos aspectos ergonômicos

Na oficina do grupo ateve-se a aspectos ergonômicos que estão diretamente ligados à

qualidade de vida das artesãs, e que conforme a literatura de Wisner (1987) e Iida (2005)

classifica-se como ergonomia de correção e de conscientização, pois se enquadram numa

situação real, e sugerem a conscientização das artesãs a trabalharem corretamente e

reconhecerem possíveis riscos. A seguir, o Quadro 2 apresenta algumas propostas de

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melhorias para os problemas identificados, seguindo as recomendações de Grandjean (2005),

Couto (2002) e Asunción (2002):

Equipamento/móvel Problema Proposta de melhoria

Bancada Todas as bancadas possuem a mesma altura (1000 mm) e são utilizadas para

todas as atividades da produção artesanal;

uso de estrados com vãos entre uma

madeira e outra que prendem o pé.

Recomenda-se bancadas com altura

regulável ou empregar bancadas com

alturas diferentes e que atendam os tipos de atividades realizadas: leve (900 mm) –

produção de polpa e folhas), e de precisão

(1000 mm) – criação dos produtos

artesanais; rodinhas com dispositivo de

trava; espaço de 100 mm para os joelhos

e recuo de 130 x 100 mm para o pé da

pessoa que está trabalhando; aplicação de

um sistema de escoamento de água para

evitar o acúmulo de líquidos e sujeira.

Liquidificador caseiro

Formato pequeno; pouco potente; instalado em cima de bancadas altas.

Aplicação de um liquidificador industrial de 10 L, instalado em cima de um suporte

com 400 mm de altura.

Prensa hidráulica Esforço físico para movimentar a alavanca de estimulação do óleo que faz a

prensa funcionar; manipulação de peças

pesadas; piso molhado em volta da prensa

hidráulica, devido o excesso de água que

escorre da pilha de folhas prensadas.

Repassou-se às artesãs que essa atividade fosse realizada em dupla. Sugeriu-se

aumentar o braço da alavanca da prensa

em 150 mm. Sugeriu-se a construção de

uma zona de escoamento de água em

volta da prensa e dos tanques de

confecção das folhas para deixar o ambiente mais seco e limpo.

Tanque Curva-se o corpo no tanque para produzir as folhas; grande (caixa d´água de 1000

L); difícil de deslocar.

Para evitar qualquer postura curvada ou não-natural do corpo, empregou-se um

novo tanque, de 372 L. Esse equipamento

possui formato retangular, com rodinhas

e tampa, e não precisa ser disposto em

cima de estrados para ficar com uma

altura confortável.

Martelo de

maceração

Respingo de sais minerais e barulho

provocados pela maceração do

pseudocaule.

Substituição por um cilindro de fazer

massa.

Prateleira Altas, com 2050 mm do chão, e baixas

(1.350 mm), com 245 mm de

profundidade.

Sugeriu-se que as prateleiras superiores

não estejam acima de 1.400 a 1.500 mm,

e as mais baixas a 750 mm do chão, com

600 mm de profundidade.

Design de pegas Baldes com alças finas. Disponibilizou-se ao grupo baldes com alças anatômicas e com encaixe para as

mãos na base, para proporcionar um

maior conforto.

Mangueira Limpeza da oficina e equipamentos; transportar baldes cheios de água e polpa.

Conscientizou-se o grupo de artesãs na utilização deste recurso.

Quadro 2 – Propostas de melhorias quanto aos aspectos ergonômicos.

Fonte: Os autores

Destaca-se aqui o liquidificador caseiro, onde a sua substituição por um aparelho mais

potente foi um dos pontos mais abordados nas entrevistas. Conforme o grupo, quando o

liquidificador caseiro era ligado por um longo período, esquentava e queimava trazendo

prejuízos e riscos na hora da utilização, além de tornar o processo mais lento. O uso de um

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modelo industrial proporcionou, segundo as artesãs, aumento no rendimento da produção da

polpa em sete vezes, sem prejudicar a qualidade da polpa obtida.

Outro fator observado no liquidificador foi o seu peso (10,7 kg) e sua altura (base com

300 mm e copo com 510 mm) para que as artesãs pudessem utilizá-lo sem prejuízo à saúde.

Atualmente, o equipamento é disposto no chão ou em cima das bancadas, pois a oficina não

possui suporte ou bancada apropriada para acomodar o equipamento e proporcionar um trabalho

adequado e sem esforço físico para as mulheres. Propõe-se, portanto, a construção de um

suporte de 400 mm de altura para que em cima do suporte, o liquidificador alcance 1200 mm.

4.2 Quanto aos EPIs

A capacitação do técnico em Segurança do Trabalho, as observações realizadas no

CAD, o acompanhamento das atividades junto ao grupo e as primeiras entrevistas realizadas

com as artesãs demonstraram a necessidade de aplicar EPIs ou melhorar os já utilizados por

elas na oficina. Logo, com base na literatura de Skraba et al. (2006) e Mastroeni (2008) e nas

evidências que surgiram durante o trabalho diário das artesãs, discute-se a aplicação de novos

equipamentos, além das recomendações sugeridas pelos autores e pelo técnico quanto aos

cuidados para prolongar a vida útil dos EPIs. Essas sugestões foram repassadas ao grupo de

artesãs no dia da capacitação e ao longo do ano.

a) Luvas: Uma das questões levantadas na primeira entrevista e que se confirmou

durante o acompanhamento das atividades do grupo, foi a necessidade do emprego de luvas

com comprimento próximo aos cotovelos e que pudessem atender as necessidade das mulheres

de não molhar o braço quando na formação da folha no tanque (fase 3 da produção). Para tanto,

realizou-se um teste com um modelo de luva de PVC com 56 cm de comprimento, mas sua

espessura prejudicava o tato à tela e demais equipamentos necessários durante a formação da

folha assim, efetuou-se o emprego de uma luva nitrílica de 50 cm. A luva nitrílica proporcionou

destreza às usuárias, além de possuir excelente propriedade física, caracterizada pela resistência

mecânica de seu filme à abrasão, perfuração e corte. Sua resistência química é considerada

muito boa quanto ao hidróxido de sódio, fator esse relevante nas atividades da oficina, já que o

hidróxido está presente no processo de produção das folhas.

Conforme sugestão do técnico em Segurança do Trabalho, confirmada durante a

produção de papel reciclado no CAD, verificou-se a importância do emprego de uma luva

para manuseio das panelas de alumínio em que as fibras e as aparas são cozidas (fase 1 e 2 da

produção). Sugeriu-se, portanto, a luva 100% silicone, com 35 cm de comprimento, esta luva

é totalmente impermeável, com palma antiderrapante, ambidestra e punho reto, resiste até

250ºC, o que atende as necessidades do grupo.

b) Máscara descartável: Outro ponto levantado na entrevista, e também pelo técnico

em Segurança do Trabalho, foi o uso do respirador descartável, considerado inadequado para

ser utilizado em ambiente com vapor cáustico proveniente da cocção das polpas. Portanto,

aplicou-se a Máscara Descartável PFF2 Valvulada, que foi testada e aprovada pelo grupo.

Essa máscara, segundo o fabricante, possui capacidade de retenção de 94% de partículas

sólidas. Indicados para proteção contra névoas de ácido e soda cáustica e vapores à baixa

pressão, e que, portanto, atende aos requisitos das atividades realizadas na oficina.

c) Roupa de proteção: Quanto à roupa de proteção, identificou-se a substituição do

jaleco de sarja por um avental de plástico de 1,20 m, que além de ser mais fresco proporciona

maior proteção a respingos de água e outros produtos como hipoclorito de sódio. Já o uso da

touca de rede se deve a possível queda dos cabelos das mulheres durante a produção, o que

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poderá prejudicar a qualidade do papel. Também foi repassado ao grupo, que os cabelos

longos devem ficar presos para se evitar acidentes.

d) Protetor auricular, óculos e bota: Tais EPIs fornecidos ao grupo no kit básico de

EPIs, foram testados pelas artesãs e considerados adequados e confortáveis.

A substituição dos EPIs no decorrer do estudo refletiu na conscientização por parte das

mulheres da forma correta de realizar suas atividades na oficina e que era necessário não

apenas mudar alguns equipamentos, mas também utilizá-los corretamente e com freqüência.

Após o acompanhamento do trabalho das artesãs com o uso dos EPIs e a substituição desses

equipamentos conforme entendia-se a necessidade de substituí-los, aplicaram-se novas

entrevistas para uma avaliação. Nessa segunda entrevista, todas responderam que costumam

utilizá-los, principalmente quando o trabalho exige manipulação da soda.

Ainda referente aos EPIs, o preenchimento do quadro do parecer ergonômico a partir

das atividades realizadas no CAD, apontou alguns problemas que não foram levantados pelas

artesãs nas entrevistas, mas que podem ser sanados com o uso de EPIs. Essas considerações

foram repassadas ao grupo de mulheres, conforme segue:

Barulho da fragmentadora no fracionamento do papel (duas horas a cada trinta

dias); barulho do liquidificador durante a polpação (duas horas a cada quinze dias): protetor

auricular de silicone.

Possível respingo da água quente do cozimento das polpas com hidróxido de

sódio: óculos de proteção.

Ambiente (chão) da oficina molhado devido a grande quantidade de água usada na

produção: bota.

Contato com papel armazenado há muito tempo na fase de picote; contato com

hipoclorito de sódio e hidróxido de sódio; uso de faca e cilindro para cortar e macerar o

pseudocaule: luva nitrílica.

Cabe destacar que, o uso de EPIs na produção do papel artesanal não impede que

acidentes de trabalho aconteçam, pois além de equipamentos, é necessária a atenção da artesã.

Essa percepção foi mencionada na primeira entrevista realizada junto ao grupo, onde uma

participante respondeu que também considera necessário evitar trabalhar sozinha na oficina.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Entende-se que é possível inserir tecnologias na produção artesanal, como o liquidificador

industrial, melhorando o desempenho das atividades realizadas e otimizando o processo, sem

alterar suas características e a autenticidade do trabalho realizado pelo grupo de mulheres.

O emprego dos EPIs auxiliou na proteção das atividades realizadas durante a produção

artesanal, além de ter proporcionado às artesãs maior confiança no trabalho que desenvolvem.

Os conceitos de ergonomia aliados aos de segurança do trabalho demonstraram que a oficina

possui problemas, mas que são possíveis de serem solucionados sem que para isso sejam

necessários grandes investimentos.

Conclui-se ainda que, além da substituição de equipamentos e o emprego de EPIs,

um dos maiores resultados desse estudo foi a possibilidade de trabalhar com a comunidade

– mulheres artesãs, proporcionando a elas melhora da auto-estima e possibilidade de

geração de renda.

Capacitar empreendimentos de produção artesanal, como o grupo apoiado pelo projeto

Mulher com Fibra, é uma forma de integração social, principalmente se o foco for além do

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produto em si. A valorização do artesanato deve alcançar o artesão e promover o seu bem-

estar, pois é neles em que a cultura do lugar está representada.

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