Estilo Composicional de Boulez

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  • Universidade de Aveiro 2007

    Departamento de Comunicao e Arte

    Miguel Barata Gonalves

    O Estilo Composicional de Pierre Boulez nas obras Anthmes e Anthmes 2

  • Universidade de Aveiro 2007

    Departamento de Comunicao e Arte

    Miguel Barata Gonalves

    O Estilo Composicional de Pierre Boulez nas obras Anthmes e Anthmes 2

    Dissertao apresentada Universidade de Aveiro para cumprimento dos requisitos necessrios obteno do grau de Mestre em Msica, realizada sob a orientao cientfica da Professora Doutora Isabel Soveral do Departamento de Comunicao e Arte da Universidade de Aveiro.

  • o jri

    presidente Prof. Doutora Nancy Louisa Lee Harper professora associada com agregao da Universidade de Aveiro

    Prof. Doutor Benot Gibson professor auxiliar da Universidade de vora

    Prof. Doutora Isabel Maria Machado Abranches Soveral professora auxiliar da Universidade de Aveiro

    Prof. Doutora Helena Santana professora auxiliar da Universidade de Aveiro

  • Dedico este trabalho aos meus pais.

  • agradecimentos

    Agradeo, a todos, as provas de amizade, colaborao e incentivo para a realizao deste trabalho e de modo especial Professora Doutora Isabel Soveral pela sua orientao e pelo apoio na investigao que realizei na Fundao Paul Sacher, em Basileia e no IRCAM, em Paris, pesquisas que contriburam de forma decisiva para esta dissertao. Os meus agradecimentos ainda ao compositor Virglio Melo, ao musiclogoRobert Piencikowski, ao Paolo Molin, Filipa Corteso e aos colaboradores da Fundao Paul Sacher, em Basileia.

  • palavras-chave

    msica, anlise musical, Pierre Boulez, Anthmes, Anthmes 2.

    resumo

    A presente dissertao prope-se realizar um estudo analtico das obras Anthmes e Anthmes 2 do compositor Pierre Boulez. O corpo do texto constitudo por cinco captulos e bibliografia. Em apndice encontram-se as transcries do material que esteve na origem da composio destas obras e que consultmos na Fundao Paul Sacher, em Basileia. Este trabalho pretende ser um contributo para o conhecimento analtico da obra deste compositor que marcou profundamente a evoluo da msica a partir da segunda metade do sculo XX.

  • keywords

    music, musical analysis, Pierre Boulez, Anthmes, Anthmes 2.

    abstract

    The proposal of this work is to make an analytical study of the pieces Anthmes and Anthmes 2 of the composer Pierre Boulez. The corpus of the work is made of five chapters and a bibliography. In append there are the transcriptions of the material which was in the origin of the composition of these works that was consulted in the Foundation Paul Sacher, in Basel. This dissertation pretends to give some information for the analytical knowledge of the work of this composer which marked profoundly the evolution of music after the second half of the twentieth centaury.

  • vii

    NDICE

    INTRODUO ................................................................................................. 1

    CAPTULO I O ESTILO COMPOSICIONAL DE PIERRE BOULEZ

    1.1. As primeiras influncias musicais ............................................................. 7 1.2. Pierre Boulez compositor, ensasta, director de orquestra e investigador 1.2.1. Obra musical ....................................................................................... 15 1.2.2. Reflexo e produo terica .................................................................37 1.2.3. Direco de orquestra ...........................................................................40 1.2.4. Investigao musical sobre os meios electroacsticos ........................ 44

    CAPTULO II FUNDAMENTAO E METODOLOGIAS DE INVESTIGAO

    2.1. Apresentao e justificao do objecto de estudo ................................. 49 2.2. Objectivos ............................................................................................... 51 2.3. Metodologias e estratgias de investigao ........................................... 51

    CAPTULO III ANTHMES OBRA DA FAMLIA EXPLOSANTE-FIXE

    3.1. A encomenda de explosante-fixe ......................................................59 3.2. As primeiras verses de explosante-fixe. ....................................... 63 3.3. A encomenda de Anthmes ................................................................... 65

  • viii

    CAPTULO IV ANLISE MUSICAL DO PROCESSO DE CRIAO DE ANTHMES

    4.1. Nomenclatura utilizada nas referncias analticas ................................. 69 4.2. Evoluo da partitura de Anthmes ....................................................... 72 4.2.1. Origem do material musical ................................................................. 74 4.2.2. Anlise da expanso do gesto meldico entre as duas verses de violino

    Originel de explosante-fixe e Anthmes ....................................................... 79 4.2.3. Seco Introdutria ............................................................................106 4.3. O ttulo Anthmes um jogo com as palavras anthem e thmes ........ 107 4.3.1. A macro organizao de Anthmes ................................................... 108 4.3.2. Alguns aspectos de estilo no desenvolvimento temtico de Anthmes 4.3.2.1. A metamorfose das figuras temticas de Anthmes ...................... 113 4.3.3. O contorno meldico das figuras anacrouse ....................................... 120 4.4. Anlise timbrica de Anthmes .............................................................. 123 4.5. Elementos simtricos de Anthmes .......................................................125

    CAPTULO V INTERACO ENTRE O VIOLINO A ELECTRNICA EM ANTHMES 2

    5.1. A realizao de Anthmes 2 no IRCAM ................................................ 129 5.2. Anlise da interaco violino / electrnica ........................................... 137

    CONSIDERAES FINAIS ..........................................................................159

    BIBLIOGRAFIA ........................................................................................... 165

  • ix

    APNDICES

    Apndice I Transcrio da correspondncia referente encomenda de explosante-fixe (Boulez Drew)........................................................................ 175

    Apndice II Transcrio da matriz de explosante-fixe ................................... 179

    Apndice III Transcrio do Originel de violino de explosante-fixe (1972)..... 183

    Apndice IV Transcrio do Originel de violino de explosante-fixe (1974)..... 187

    Apndice V Transcrio da correspondncia referente encomenda de Anthmes (Boulez Menuhin)................................................................................................... 193

    ANEXOS

    Anexo I Reproduo da matriz de explosante-fixe... (1972).............................. 201

    Anexo II Reproduo do Originel de violino de explosante-fixe (1972).......... 211

    Anexo III Reproduo do Originel de violino de explosante-fixe (1974)......... 215

    Anexo IV Partitura de Anthmes (1992)................................................................ 221

    Anexo V Partitura de Anthmes 2 (1997).............................................................. 227

    Anexo VI Conferncia de Pierre Boulez sobre Anthmes 2 (1997)....................... 243

    Anexo VII Artigo de Andrew Gerzso sobre Anthmes 2 (1997)............................. 257

  • x

    LISTA DE SIGLAS

    CDMC Centre de Documentation de Musique Contemporaine UE Universal Edition FPS Fundao Paul Sacher IRCAM Institut de Recherche et de Coordination Acoustique Musical

    LISTA DE ABREVIATURAS

    a. anacrouse

    ac. accent

    acc. accelerando c. compasso cc. compassos cres. crescendo d. dsinence ex. exemplo exs. exemplos esq. esquema esqs. esquemas F figura N nota B bloco gliss. glissando p. pgina pp. pginas pizz. pizzicato

  • Introduo

    A presente dissertao de Mestrado em Msica resultou do interesse em aprofundar a anlise das obras Anthmes e Anthmes 2 do compositor Pierre Boulez. Este estudo, iniciado na parte curricular deste Mestrado, teve como motivao principal a possibilidade de enriquecer e dar uma nova perspectiva nossa anlise inicial. A investigao que desenvolvemos levou-nos ao estudo de manuscritos musicais realizados pelo compositor durante o processo de criao destas obras. Foi com entusiasmo que analismos os manuscritos originais de Boulez que se encontram arquivados na Fundao Paul Sacher, em Basileia.

    Este trabalho de pesquisa e anlise desenvolveu-se a partir da leitura de um artigo de Andrew Gerzso, assistente musical de Pierre Boulez, publicado no endereo electrnico do IRCAM, em que faz referncia origem de Anthmes e sua ligao gentica a uma obra anterior do prprio Boulez:

    Anthmes trouve son origine dans une partie inutilise d'une des toutes premires versions de ...explosante-fixe.... Certains extraits d'Anthmes - notamment la section du rapide pizzicato au dbut de la pice -, rappellent, en effet, la partition pour violon du mouvement Originel d'...explosante-fixe.... Dans ce mouvement, la texture musicale de l'criture est quelque peu uniforme et par consquent, ne convient pas pour une pice soliste. Aussi, l'un des moyens de modifier ce matriau initial tait de raliser une partition l o l'criture tait plus diffrencie et les figures musicales plus caractristiques ().

    On retrouve dans Anthmes une habitude caractristique chez Boulez qui consiste composer une pice par l'entrelacs d'un nombre restreint de familles d'criture musicale. Une famille musicale sera fonde sur un mode d'criture (bas sur des rgles, une mthode de prolifration ou un principe de gnration) garantissant son identit et sa cohsion. Les matriaux provenant d'une famille donne forment des trames qui traversent toute l'oeuvre. 1

    1 GERZSO : 1998 (cf. Anexo VII).

  • O estilo composicional de Pierre Boulez nas obras Anthmes e Anthmes 2

    2

    A informao recolhida neste artigo conduziu a uma reflexo exaustiva sobre a direco a dar ao trabalho de investigao e perspectivou uma nova anlise de Anthmes e Anthmes 2. Estas obras, inicialmente consideradas na sua verso final, foram enquadradas como o resultado de um processo de desenvolvimento. Neste sentido, procurmos reconstituir a cronologia e as fases mais importantes deste processo de criao, que conduziram finalmente s obras em anlise. Foram estudadas e transcritas diversas fontes primrias2 atravs das quais pudemos enquadrar a anlise musical destas obras na evoluo da linguagem musical de Boulez, procurando, deste modo, dar um contributo para a compreenso do seu estilo composicional.

    Pierre Boulez marcou a segunda metade do sculo XX, no s como compositor, mas tambm como terico musical e director de orquestra. O conhecimento do seu estilo composicional e esttico essencial na fundamentao de opes analticas, como referem Hopkins e Griffiths, no seu artigo sobre Boulez publicado no Dicionrio Musical Grove:

    Boulez's famous phrase about 'organized delirium' - 'Son et verbe', 1958, in Relevs d'apprenti, 1966, is a most useful starting-point for examining his style and aesthetics. Delirium situates the music's essential poetics: it points to the post-Expressionist colouring of individualist subjectivism in which the humanism of Boulez's music has its deepest roots; and it directs the listener's attention to the unique inflections of the composer's voice. Organization, on the other hand, speaks of the effort to exteriorize expression in universal terms: it indicates the nature of the Platonic model to which Boulez relates his work, and instructs one to seek out the logic in its workings. Composers of Boulez's generation have commonly seen the inseparability of style and logic as a criterion of musical excellence; and it is within such terms as theirs that critical analysis of Boulez's music has most often been conducted.3

    2 Cf. Apndices I, II, III, IV e V.

    3 HOPKINS, G. W., GRIFFITHS, Paul Boulez, Pierre, in GROVE : 2001, Tomo II, p. 98.

  • Introduo

    3

    Neste sentido, elegemos, como corpus de estudo para o primeiro captulo da dissertao, os aspectos biogrficos que influenciaram mais directamente o estilo composicional de Pierre Boulez. Esta reflexo constituiu um valioso suporte para a contextualizao das obras que nos propusemos analisar.

    Na primeira alnea deste captulo abordamos os pontos mais relevantes do percurso biogrfico de Boulez, sublinhando as influncias mais marcantes no seu estilo composicional. A compreenso da sua obra musical est intimamente ligada sua produo terica na qual Boulez nos transmite a sua reflexo sobre o universo musical, em geral, e sobre a sua prpria criao artstica, em particular. A extensa produo deste compositor, quer no que se refere s suas obras musicais, quer aos seus ensaios, revela a complexidade do seu vocabulrio e a evoluo que este tem tido ao longo da sua carreira musical.

    Na segunda alnea pretendemos fazer uma cronologia das suas obras, considerando as mais relevantes e abrangendo a sua criao desde os tempos de estudante at actualidade.

    Na terceira alnea desenvolvemos uma reflexo sobre a esttica bouleziana, a partir dos seus ensaios tericos, apresentados nas conferncias de Darmstadt e no Collge de France. Estes ensaios fornecem uma srie de informaes extremamente importantes para compreendermos o universo esttico que fundamenta o pensamento e a tcnica musical de Pierre Boulez. Estes textos foram reunidos e apresentados por Jean-Jacques Nattiez na coleco Musique / Pass / Present da editora Christian Bourgois, com os ttulos Points de Rpere4 e Jalons.5

    Na quarta alnea apresentamos o seu percurso enquanto director de orquestra. Esta actividade foi determinante na compreenso de compositores seus contemporneos, motivando-o a um estudo mais aprofundado das suas obras, o que conduziu a uma mudana de opinio sobre os seus estilos de composio. Os dois exemplos mais relevantes so a obra de Wagner e de Berg.6

    4 BOULEZ : 1981.

    5 BOULEZ : 1989.

    6 No caso deste ltimo podemos destacar a posio de Boulez em relao a Lulu, pera que

    inicialmente Boulez criticou e que depois de um estudo mais aprofundado, recomendado por Adorno, vem a dirigir.

  • O estilo composicional de Pierre Boulez nas obras Anthmes e Anthmes 2

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    Na quinta alnea deste captulo so abordadas questes relacionadas com o pensamento de Pierre Boulez quanto utilizao dos meios electroacsticos na produo musical. So apresentados alguns dos pontos mais importantes da sua experincia com estes meios tecnolgicos, desde a sua passagem pelo estdio de Schaeffer, at ao projecto de criao do IRCAM.

    No segundo captulo apresentamos a fundamentao e justificao do nosso objecto de estudo a anlise de Anthmes e Anthmes 2 os objectivos e a metodologia de investigao adoptada.

    No terceiro captulo apresentamos um estudo sobre explosante-fixe, obra que esteve na origem da criao de Anthmes.

    O quarto captulo centra-se na anlise musical de Anthmes. Neste captulo so abordadas questes como:

    a) Origem gentica do material musical utilizado na criao desta pea; b) Estrutura formal da obra, recriada a partir dos hinos litrgicos; c) Desenvolvimento temtico e sua relao com os conceitos anacrouse-

    accent-dsinence e satlite nota polar; d) Os diversos modos de ataque e elementos virtuossticos desta pea7; e) Anlise dos esboos realizados pelo compositor e a sua aplicao em Anthmes; f) A utilizao da sequncia intervalar do registo fixo da partitura de violino Originel na construo de algumas figuras musicais de Anthmes.

    No captulo quinto colocada a questo da interaco entre o violino e a electrnica, na obra Anthmes 2. Este trabalho incluiu as anlises da partitura da obra, dos esboos realizados pelo compositor para a elaborao electrnica e da gravao udio da prpria obra.

    7 O virtuosismo desta obra deve-se, provavelmente, ao facto de ser uma encomenda de Yehudi

    Menuhin para um concurso de violino.

  • CAPTULO I

    O ESTILO COMPOSICIONAL DE PIERRE BOULEZ

  • O estilo composicional de Pierre Boulez nas obras Anthmes e Anthmes 2

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    1.1. As primeiras influncias musicais

    Aps a Segunda Guerra Mundial d-se uma revoluo na arte fundada em princpios romnticos como o individualismo, a originalidade, o progresso e a vanguarda. No domnio da msica esta revoluo d incio a um novo ciclo marcado por um grande confronto ideolgico entre geraes e culturas musicais. Uma das personalidades que estabeleceu as bases tericas e tcnicas que conduziram a um novo pensamento musical e a uma ruptura com o passado foi o compositor francs Pierre Boulez que Paul Griffiths descreve do seguinte modo: It was through admiration and curiosity that Boulez was led to recognize his musical forefathers, but it was through challenge and rejection that he led to recognize himself.1 esta atitude simultaneamente de curiosidade e rejeio que define o estilo composicional de Boulez, que se encontra marcado por vrias personalidades que o influenciaram profundamente como iremos ver ao longo deste captulo.

    Pierre Boulez nasceu a 26 de Maro de 1925, em Montbrison, cidade prxima de Lyon. Teve uma educao marcada pela personalidade severa do pai e pelo ensino catlico e austero das instituies religiosas, onde realizou o seu percurso acadmico inicial. Era um aluno brilhante em tudo o que fazia, aplicado, rigoroso e disciplinado. Estas caractersticas eram reconhecidas, tanto pelos professores, como pelos seus colegas. Estes traos da personalidade de Boulez reflectem-se nos seus ensaios musicais e no seu estilo composicional.

    Tendo crescido numa pequena cidade de provncia, no centro de Frana, sem vida musical erudita, a sua ligao msica aconteceu aos seis anos, quando comeou a receber aulas particulares de piano. Desde logo, o jovem aluno se dedica com entusiasmo ao estudo daquele instrumento, com muito bom aproveitamento. Aps algum tempo, inicia a prtica de msica de cmara, com msicos amadores, locais. Esta experincia alargou os seus horizontes musicais, porque lhe permitiu conhecer um repertrio musical diferente daquele que estudava a solo. Boulez, na mesma entrevista a Delige, reconhece a importncia 1 GRIFFITHS : 1995, p. 4.

  • O estilo composicional de Pierre Boulez

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    da prtica de msica coral, que teve enquanto aluno no Seminrio de Montbrison o Institut Victor-de-la-Prade. Esta vivncia trouxe-lhe ainda um mais vasto conhecimento da literatura musical, destacando-se alguns compositores: Josquin des Prez, Orlando di Lasso, J. S. Bach.

    Foi certamente atravs do contacto com estas diversas prticas musicais que o jovem Boulez desenvolveu um crescente gosto pelo universo musical que o levaria, uns anos mais tarde, a escolher a msica como o centro da sua existncia2.

    Aps oito anos de estudo no Seminrio de Montbrison, entre 1932 e 1940, Boulez passa a frequentar o pensionato de Saint-Louis em Saint-tienne. Nesta cidade continua os seus estudos de piano apercebendo-se da importncia das sonatas de Beethoven, Debussy e Ravel3.

    O ano de 1941 marcado por mudanas significativas na vida cultural de Boulez, que passa a viver em Lyon, onde conhece um ambiente musical que lhe proporciona ir pela primeira vez pera e a um concerto de orquestra, com uma margem de liberdade que no tinha vivido antes. Durante este perodo, encorajado pela soprano francesa Ninon Vallin, Boulez candidata-se, ao curso de piano, no Conservatrio de Lyon. Como no conseguiu ser admitido, o pai persuade-o a estudar matemtica. Boulez tinha sido um brilhante aluno nesta disciplina, no Colgio de Saint-Etienne, alm disso o pai gostaria que o seu filho seguisse a sua profisso de engenheiro. Assim, Boulez passa a frequentar um curso especial de matemtica em Lyon e, simultaneamente, tem aulas particulares de piano e harmonia com Lionel Pachmann. Pierre Boulez chega a Paris no Outono de 1943, motivado pela oportunidade de encontrar neste centro urbano melhores condies para continuar os seus estudos musicais, pois havia tomado a deciso de se dedicar

    2 BOULEZ DELIGE : 1975, p. 8 : Ces diffrents niveaux de pratique musicale ont

    probablement ancr en moi, trs jeune, lide () de faire de la musique le vritable centre de mon existence () 3 A propsito destas aulas Boulez refere, em entrevista a Jean-Louis de Rambures : Une fois par

    semaine jallais maintenant prendre mes leons chez une vielle demoiselle, Saint-tienne. Lorsquil avait des pannes dlectricit, on allumait des chandelles fixes de chaque ct du piano. A la lueur tremblotant de leur flammes, je dcouvrais les premires sonates de Beethoven, Debussy, Ravel BOULEZ RAMBURES (Ralits, Abril, 1965).

  • O estilo composicional de Pierre Boulez nas obras Anthmes e Anthmes 2

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    exclusivamente msica.4 Inscreve-se no Conservatrio Nacional Superior de Msica de Paris, onde comea por frequentar a classe preparatria de harmonia leccionada por Georges Dandelot. Durante este ano, Boulez trabalhou o Tratado de Harmonia de Caussade utilizado por Dandelot, assim como realizou baixos e cantus firmus compostos por este professor. Estudou ainda os mtodos de Reyer e Dubois.

    Durante o primeiro ano de estudos no Conservatrio de Paris conhece o compositor Arthur Honegger e a sua esposa, Mme. Vaurabourg, com quem inicia aulas particulares de contraponto, entre Abril de 1944 e Maio de 1946.5

    Estas lies tiveram uma influncia marcante em Boulez como compositor. Para alm da importncia acadmica e tcnica dos exerccios de contraponto, o resultado mais significativo da pedagogia da Mme. Vaurabourg foi o desenvolvimento de um pensamento contrapontstico que se tornou um elemento estruturante do seu estilo composicional. Este um trao de identificao da obra de Boulez que, desde incio, marcou a diferena em relao ao estilo quase exclusivamente homofnico de Messiaen.

    Em Outubro de 1944, Boulez iniciou aulas de harmonia com Messiaen no Conservatrio de Paris. Este mestre foi para ele o primeiro ponto de referncia para a sua formao como compositor e ensasta. Messiaen era uma figura multifacetada, alm de ter desenvolvido trabalho como pedagogo, compositor e terico, tambm se afirmou no meio musical devido sua vasta cultura, no s ocidental, mas tambm extra-europeia.

    Boulez, com cerca de vinte anos, encontra em Messiaen um pedagogo generoso e de esprito aberto a todo o universo musical.6 Messiaen d a conhecer aos seus alunos a msica de culturas extra europeias, de origem asitica e africana, que exerce um enorme fascnio sobre Boulez e constitui uma lufada de ar fresco em relao ao panorama musical da Europa ocidental do ps-guerra. 4 ds dix-sept ans, je me suis retrouv matre de mon destin, matre, en tout cas, de choisir la

    musique comme fonction principale de mon existence. BOULEZ : 1975, p. 7. 5 Pierre Boulez first came here on Wednesday 19 April 1944, at 3 pm. He continued to come

    weekly until 2 May 1946. He never missed a lesson and he was never late. (HEYWORTH : 1986, p. 5). 6 La vocation pdagogique contient en elle une part dapostolat () je vise une gnrosit plus

    profonde: cette gnrosit de comprhension vis--vis dun tre encore jeune et mallable. () cette exprience au dbut de ma carrire de compositeur a t, je puis le dire, un vnement non seulement marquant, mais irremplaable. BOULEZ : 1981, p. 555.

  • O estilo composicional de Pierre Boulez

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    Esta poca extraordinria de explorao e libertao permitiu-lhe a descoberta dum maravilhoso mundo novo.7 Posteriormente, Boulez continua a ouvir msica de origem Asitica, no Museu Guimet e, atravs de Andr Schaeffner, do Muse de lHomme, que lhe d acesso a inmeros discos e gravaes, registadas por ele prprio. Esta abertura de esprito e o despertar da curiosidade para outras criaes musicais, foram um marco essencial no percurso de Pierre Boulez.

    Aps um ano de formao com este professor, foi galardoado, em 1945, com o primeiro prmio em harmonia, pelo Conservatrio de Paris.

    Boulez beneficiou ainda das sesses extra curriculares orientadas por Messiaen8 dedicadas anlise musical de obras fundamentais do sculo XX9. O mtodo utilizado por Messiean colocava a tnica nas obras e no nos tratados musicais de carcter acadmico.10 O trabalho analtico realizado com Messiaen nestas sesses extracurriculares contribuiu de um modo decisivo na formao de Boulez. Uma das obras mais marcantes, nestas sesses de anlise, foi, sem dvida, a Sagrao da Primavera de Stravinsky, sobre a qual Boulez, posteriormente, publica o ensaio, Stravinsky Demeure11. Neste ensaio, Boulez reconhece a importncia que aquela obra teve como marco para a renovao do ritmo, elemento essencial na pedagogia de Messiaen.12 A anlise desta obra por Pierre Boulez centra-se na utilizao temtica rtmica por Stravinsky, a qual se define pela construo de acordes estticos, repetidos, organizados em pequenas 7 La seule Europe navait point le privilge de nos investigations; approcher lAsie et lAfrique

    nous apprit que les prrogatives de la tradition ntaient pas circonscrites, nous ravit au stade o la musique tait, plus quun objet dart, un vritable mode dtre : brlure indlbile. BOULEZ : 1981, p. 552. 8 () Il [Messiaen] avait alors une classe dharmonie ; en dehors de ce temps strictement

    pdagogique, il prenait quelques-uns de ses lves pour leur analyser des uvres importantes de la littrature contemporaine et leur ouvrir ainsi le monde de la composition. BOULEZ : 1981, p. 553. 9 Il [Messiaen] nous proposait comme modles les sonates pour piano et violon de Bartk, ses

    quatuors cordes ou sa Musique pour cordes, percussion et clesta, la Suite lyrique dAlban Berg ou le Pierrot lunaire de Schoenberg. BOULEZ : 1981, p. 553. 10

    A quoi servent, en effet, des exercices dcriture fastidieux lorsquils sont abstraits de leur ncessit intrinsque ? Ce que Messiaen avait trs bien compris, ce quil nous a fait clairement saisir : sen rfrer aux uvres plus quaux traits. BOULEZ : 1981, p. 553. 11

    In BOULEZ : 1966. 12

    il [Messiaen] nous faisait galement participer lvolution de sa propre pense, ses dcouvertes, son cheminement quotidien. Cest ainsi que nous avons aperu, au moment o il en prenait lui-mme conscience, limportance dun renouveau rythmique, puis dans cette source unique, le Sacre du printemps. Les conceptions de Messiaen dans le domaine du rythme sont, sans doute, ce qui a le plus fortement et le plus profondment influenc ses premiers lves. BOULEZ : 1981, p. 554.

  • O estilo composicional de Pierre Boulez nas obras Anthmes e Anthmes 2

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    clulas rtmicas e que so pontuados por acentuaes irregulares e assimtricas. A esta instabilidade rtmica contrape-se uma utilizao de pouca variedade intervalar. Deste modo, Stravinsky cria uma dialctica que reside na oposio entre imobilidade e movimento. Esta organizao da estrutura rtmica, tendo por base o conceito de clulas rtmicas e os princpios de desenvolvimento destas, por contraco, extenso, interpolao e sobreposio, constituem a influncia, mais significativa da msica de Stravinsky na linguagem musical de Boulez.

    A descoberta da msica da Segunda Escola de Viena, que durante os anos da Segunda Guerra Mundial era desconhecida em Frana, constituiu tambm, uma influncia fundamental para o estilo composicional de Boulez. Esse contacto aconteceu em Fevereiro de 1945, logo aps a libertao francesa, quando Leibowitz apresentou em Paris o Quinteto de Sopros op. 26 de Schenberg. Este concerto foi uma revelao para Boulez que, motivado por conhecer melhor a msica de Schenberg, organizou um grupo de estudo sobre aquele compositor, orientado por Leibowitz.13 Estas lies tiveram incio no Outono de 1945.

    No Inverno de 1945/46, alguns meses aps iniciar as aulas com Leibowitz, Boulez considerou a hiptese de efectuar estudos de etnologia musical numa misso ao Cambodja o que no chegou a realizar-se devido ao incio da guerra na Indochina. Este projecto constitua uma reaco face ao desapontamento que sentiu pela tradio dodecafnica europeia, que, no seu entender, estava a tornar-se acadmica.14 A figura central desta tradio dodecafnica era precisamente o compositor Leibowitz. O seu modelo de anlise serial, baseado na chiffrage, criticado por Boulez no ensaio Ide, ralisation, mtier, referindo-se anlise que recherche les formes qui permettront denserrer luvre, ou ce quil en reste, dans la carcasse dune connaissance primaire et chiffrable. Mais derrire

    13

    Ce fut, pour moi, comme une illumination. Jeus le dsir passionn de me familiariser avec cette musique et surtout, pour commencer, dapprendre comment ctait fait. Jtais encore, la classe de Messiaen. Avec plusieurs de mes camarades, jai constitu un groupe et nous avons demand Leibowitz des leons dinitiation. GLEA : 1958, p. 27. 14

    Cet intrt tait aussi une raction contre ce que reprsentait le dodcaphonisme europen lpoque. Jtais bien sr intress par les questions de langage, mais lespce de tradition dodcaphonique qui risquait de devenir acadmique magaait profondment. BOULEZ BROS : 2005, p. 11.

  • O estilo composicional de Pierre Boulez

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    ces constructions, quelquefois impeccables, luvre a disparu, ou du moins son sens profond. Le comment a t non pas explor mais plutt rglement. 15

    Para alm desta divergncia quanto aos modelos de anlise, vai existir outro ponto de ruptura entre os dois msicos, provocado pela posio conflituosa do jovem Boulez, ento com cerca de vinte anos, em relao msica serial de Schenbeg. Esta atitude resulta do facto de Boulez considerar que Schenberg faz uma utilizao contraditria da organizao serial dodecafnica. Apesar de se interessar por esta linguagem, Boulez, acha incompreensvel e pouco audacioso que Schenberg, depois da descoberta do dodecafonismo, persista na utilizao de formas preestabelecidas da tradio germnica.16 Do mesmo modo, a sua utilizao da srie de doze sons continua ligada ao desenvolvimento temtico, tipicamente tonal.17 Estas foram as principais incompatibilidades que levaram Boulez a escrever, em Fevereiro de 1952, no primeiro aniversrio da morte do compositor Vienense, o artigo, Schenberg est mort. Este artigo foi escrito aps as pesquisas sobre a extenso da organizao serial dos quatro parmetros musicais, que culminaram na criao da obra, Structures (1951-52). Neste artigo, Boulez vinca a unilateralidade da explorao serial de Schenberg: il manque le plan rythmique, et mmes le plan sonore proprement dit: les intensits et les attaques., que contrape sua proposta de organizao serial, utilizando questes retricas: Peut-tre pourrait-on rechercher, ainsi que ce Webern, lVIDENCE sonore en sessayant un engendrement de la structure partir du matriau. Peut-tre pourrait-on largir le domaine sriel des intervalles autres que le demi ton : microdistances, intervalles irrguliers, sons complexes. Peut-tre pourrait-on gnraliser le principe de la srie aux quatre composantes sonores : hauteur, dure, intensit et attaque, timbre. Deste modo, Boulez pretendia demonstrar, no apenas o modo como a msica de Schenberg permanecia 15

    BOULEZ : 1989, p. 34. 16

    il est loisible chacun de mditer sur cette trs expressionniste rencontre de la premire composition dodcaphonique [quinta pea do op. 23 uma Valsa] avec un produit-type du romantisme allemand BOULEZ : 1966, p. 267 e, mais frente, referindo-se em geral sua obra serial : Les formes prclassiques ou classiques qui rgissent la plupart de ses architectures ntant, historiquement, aucunement lies la dcouverte dodcaphonique () ces architectures annihilent les possibilits dorganisations incluses en ce nouveau langage. Deux mondes sont incompatibles ibid., p. 269. 17

    Lapparition de la srie chez Schenberg est donc lie un phnomne thmatique ; la srie, pour lui, est un ultra thme ; jusqu la fin de sa vie, il concevra la srie comme devant assumer un rle quivalent celui du thme dans la musique tonale. ibid., p. 296

  • O estilo composicional de Pierre Boulez nas obras Anthmes e Anthmes 2

    13

    ligada tradio musical germnica, por ele rejeitada, como apresentar propostas no sentido de edificar os novos padres, que, segundo ele, iriam constituir a msica do futuro. Com esta posio, Boulez pretendia dissociar a msica de Schenberg do fenmeno serial e ao mesmo tempo elegia, como referncia cimeira, o nome de Webern, apontando, assim, uma nova direco criativa, um novo paradigma.

    Foi tambm durante as lies de Leibowitz que Boulez conheceu a msica de Webern. No apenas pela anlise da partitura que, como vimos, Boulez considerava muito acadmica, mas sobretudo, pela experincia que teve num concerto, dirigido por Leibowitz, em Dezembro de 1945, na sala do antigo Conservatrio em que foi apresentada a Sinfonia op. 21 de Webern.18 Boulez encontra na msica serial de Webern uma nova dimenso sonora na medida em que a sua msica procura coerncia e responsabilidade, fundada numa Lei que governa toda a organizao musical da obra. Cada srie um universo sonoro singular, com uma organizao intervalar distinta. O contedo intervalar da srie est na base da organizao estrutural da prpria obra, conferindo uma coerncia entre a parte e o todo.19

    Apesar das inovaes trazidas por Webern no domnio da organizao serial da altura do som, Boulez considerava que as suas composies continuavam ligadas tradio germnica de escrita rtmica. A dissociao do domnio rtmico do meldico na linguagem musical serviu de base, tanto s descobertas rtmicas de Stravinsky, como explorao serial dodecafnica da Segunda Escola de Viena.20 No entanto, segundo a opinio de Boulez, a nvel

    18

    Mais ce qui, ce concert, me frappa surtout, ce fut la Symphonie de Webern. Je sentis quil y avait l quelque chose aux possibilits dvolution encore insouponnes. Ctait mal jou, mais tout de mme Je crois avoir compris, obscurment encore, ce jour-l, quil y avait autre chose, dans la musique srielle, que le maniement des seules sries de hauteurs sonores, maniement dont Leibowitz mettait surtout en vidence le ct mcanique qui, aussitt, mirrita et me dplut. GOLA : 1958, p. 28. 19

    Le seul, en ralit, qui ait conscience dune nouvelle dimension sonore, dabolition de lhorizontal oppos au vertical, pour ne plus voir en la srie quune faon de donner une structure lespace sonore, le fibrer, le seul est Webern. () Plus tard, il sattachera une rpartition fonctionnelle des intervalles qui marque, croyons nous, un moment extrmement important dans lhistoire du langage. BOULEZ : 1966, p. 223 20

    Pour faire ses dcouvertes rythmiques, Stravinsky avait besoin dun matriau plus simples et plus mallable sur quoi les exprimenter. De mme, Webern avait loisir de soccuper dune morphologie proprement dite en ne se souciant point outre mesure des structures rythmiques. BOULEZ : 1966, p. 224.

  • O estilo composicional de Pierre Boulez

    14

    rtmico, a msica de Webern distingue-se nesta Escola na medida em que consegue um refinamento e subtileza que disfara a sua quadratura.21

    Com a descoberta da msica de Webern, vai ocorrer uma mudana profunda no estilo de composio de Boulez. A sua ligao ao pensamento serial na linha de Webern de tal modo profunda, que passa a adoptar a linguagem dodecafnica, como o nico mtodo vlido para a criao musical, rejeitando qualquer outro meio de expresso, pois como refere, tout musicien qui na pas ressenti nous ne disons pas compris, mais bien ressenti la ncessit du langage dodcaphonique est INUTILE. Car tout son oeuvre se place en de des ncessits de son poque.22 Esta mudana de atitude e a revolta que Boulez exprime nos seus ensaios da dcada de 50, notada por Messiaen: When he first entered class, he was very nice. But soon he became angry with whole world. He thought everything was wrong with music. The next year he discovered the serial language and converted to it with immense passion, judging it the only viable grammar. 23

    O perodo de dois anos, entre o incio das aulas com Messiaen e a descoberta dos compositores da Segunda Escola de Viena, marca o fechar de um ciclo nos estudos musicais de Boulez, enquanto aluno.24 Foi um perodo de intensas descobertas e revelaes, que o jovem estudante, com o seu sentido crtico e perspicaz, constantemente analisava e questionava. O rpido processo de criao da sua personalidade e identidade musical, absorvendo/rejeitando as influncias de outros compositores, uma das caractersticas que distingue o gnio de Boulez.25

    21

    Webern malgr son attachement la tradition dcriture rythmique est arrive disloquer la mesure rgulire par un emploi extraordinaire des contretemps, des syncopes, des accents sur temps faibles, des chutes sur temps forts, et tous autres artifices adapts pour nous faire oublier la carrure. BOULEZ : 1966, p. 68. 22

    BOULEZ : 1966, p. 149. 23

    MESSIAEN : 1995, p. 49-50. 24

    Jai achev mes tudes jeune. Je lai toujours dit mes lves : quelques tudes quon fasse mais spcialement les tudes musicales -, elles doivent tre faites rapidement. Il y a trs peu de choses apprendre dun professeur. Personnellement, en deux ans, jai appris tout ce que pouvais apprendre dun professeur. Aprs, je me suis duqu moi-mme, naturellement, mais lge de vingt et un ans, javais fini. Cette priode a correspondu exactement la dcouverte de lcole de Vienne, de Messiaen, de Stravinsky, etc. () BOULEZ : 1975, p. 42-43. 25

    Si on est dou dune espce dinstinct crateur () on absorbe ce qui sduit, ce qui est ncessaire, et on rejette les contraintes qui paraissent insuffisamment fructueuses. BOULEZ : 1975, p. 10-11.

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    1.2 Pierre Boulez compositor, ensasta, director de orquestra e investigador

    1.2.1 Obra musical

    O piano um instrumento que tem uma presena marcante no seu desenvolvimento como compositor.26 As primeiras obras27 de Pierre Boulez foram compostas nos anos de 1942 e 1943, enquanto estudava com Lionel Pachmann, em Lyon. So canes com acompanhamento de piano, sobre textos de Baudelaire e Rilke, e uma Berceuse para violino e piano. O seu estilo, nesta fase, tem influncia de alguns elementos standard da msica francesa de salo da poca, utilizando escalas de tons inteiros, escalas pentatnicas e politonalidade.

    J em Paris, no Inverno de 1944-45, Boulez compe uma srie de peas para piano: Prlude, Psalmodie, Toccata, Scherzo e Nocturne, onde possvel identificar, atravs do desenvolvimento rapsdico da voz superior e na construo do acompanhamento, a influncia de Messiaen. Na sua prxima pea, Tema e variaes para a mo esquerda, escrita em Junho de 1945, portanto numa fase final do seu estudo com Messiaen, podemos identificar a influncia do seu professor ao nvel da estrutura rtmica, atravs da utilizao de um sistema de aumento/diminuio rtmico utilizando pequenos valores, racionais ou irracionais, que conferem maior subtileza rtmica pela ausncia da diviso mtrica regular. Para alm desta experimentao tcnica, o que caracteriza o estilo musical de Boulez nestas peas, a violncia da sua msica que a distingue do perodo pr-Paris. Ainda em 1945, durante o ms de Agosto, Boulez inicia a composio de um quarteto para ondas martenot, que mais tarde, no vero de 1948, seria revisto e adaptado para dois pianos.

    Em Janeiro de 1946, apenas alguns meses depois de ter iniciado aulas com Leibowitz, Boulez termina as suas Onze Notaes para piano. Nestas peas possvel identificar claramente as influncias combinadas de Bartk e Messiaen, em particular no que diz respeito inquitude rhytmique, cara ao segundo. um 26

    Jai toujours eu une communication directe avec le piano ; il est l ma naissance musicale. BOULEZ : BROS, Accents, p. 10. 27

    Estas obras no esto editadas.

  • O estilo composicional de Pierre Boulez

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    discurso mais conciso, articulado em frases e temas curtos, notvel pela utilizao mais diferenciada das dinmicas e pelo desenvolvimento do material musical.

    Apesar das crticas severas em relao msica dodecafnica de Schenberg, a msica pr serial deste compositor exerce um enorme fascnio em Boulez. As obras para piano deste perodo, sobretudo, a terceira pea do op. 11 e Die Kreuze do Pierrot lunaire foram as que mais impressionaram Boulez pela sua densidade de textura e a violncia de expresso, caractersticas que considerou inovadoras para a poca. 28

    Estes elementos da escrita para piano de Schenberg, conjugadas com a tcnica de desenvolvimento rtmico de Messiaen e a organizao serial da altura do som de Webern, foram as influncias mais significativas na sua obra para piano, designadamente: na Sonatina para flauta e piano, e nas duas primeiras Sonatas para piano. Estas duas ltimas obras constituram um importante perodo de explorao das potencialidades da srie e do ritmo, conduzindo-o ao mundo serial integral.29

    A Sonatina para flauta e piano, escrita em 1946, teve a sua primeira audio um ano mais tarde, em Bruxelas, por Van Botterdael e Mercenier. Foi editada pela Amphion em 1954. uma pea que demonstra o carcter musical de Boulez pela sua linguagem complexa e fora expressiva. Apesar da sua originalidade, esta obra tem, no entanto, vrias influncias. A nvel formal, Boulez inspirou-se na Sinfonia de Cmara n. 1 de Schenberg. O que interessou a Boulez nesta obra foi, essencialmente, a ambiguidade da forma resultante do processo de desenvolvimento temtico, que confere obra uma unicidade contrariando a sua estrutura em quatro andamentos.30

    No que diz respeito organizao do material de base da Sonatina, Boulez utilizou a srie de doze sons como suporte para o desenvolvimento de motivos

    28

    Cest la troisime pice de lop. 11 et aussi, naturellement, lop. 23 qui mont aiguill vers une criture de piano compltement diffrente de ce que je voyais, mis part il faut tre juste lcriture de piano de Messiaen : non son vocabulaire musical en gnral, mais son criture de piano. () cest--dire un traitement du clavier insolite pour lpoque : une grande densit de texture et une violence de lexpression () cest linstrument mme du dlire : soit dans cette troisime pice de lop. 11, soit dans la pice Die Kreuze du Pierrot lunaire. BOULEZ : 1975, pp. 34-35. 29

    () Cest avec, dj, ma Premire Sonate pour piano, et plus encore que celle-ci [segunda sonata para piano], le pas dcisif vers un monde sriel intgral GOLA : 1958, p. 83. 30

    Ainsi, une ambigut est cre entre une petite et une grande forme. BOULEZ : 1975, p. 31.

  • O estilo composicional de Pierre Boulez nas obras Anthmes e Anthmes 2

    17

    temticos que sofrem metamorfoses ao longo da obra. Deste modo, os quatro andamentos encontram-se ligados entre si pela plasticidade do material temtico, que confere obra uma unidade, uma ideia de forma em contnuo desenvolvimento. Por outro lado, a sua escrita imitativa contrapontstica e a organizao intervalar dos acordes, sugerem a linguagem de Webern. Outra influncia, nesta obra, foi a utilizao de tons inteiros, que sugerem texturas impressionistas de Debussy. E finalmente, o desenvolvimento rtmico de Stravinsky e ainda alguns momentos onde utilizou a permutao de clulas rtmicas, que revelam a influncia de Messiaen.

    A Primeira Sonata para piano foi escrita em 1946 e estreada no mesmo ano por Yvette Grimaud, em Paris. A sua partitura foi editada pela Amphion em 1951. uma obra composta por dois andamentos, Lent Assez large/rapide, ao mesmo tempo contrastantes e complementares. Esta dualidade, caracterstica da forma sonata, mantm-se no interior de cada andamento.

    Na Segunda Sonata para piano, composta em 1948, Boulez abandona definitivamente a utilizao clssica da srie dodecafnica. Passa a utilizar as estruturas seriais da altura do som, criando clulas sonoras que se desenvolvem por transposio ou inverso e com uma identidade intervalar constante, s quais se sobrepem estruturas rtmicas de valores racionais e irracionais. Nesta Sonata, composta por quatro andamentos, Boulez pretende, em cada um deles, realizar um ensaio de destruio das formas antigas.31 Esta Sonata tambm, um ponto de referncia na sua obra, na medida em que assinala o incio das suas pesquisas formais, sem referncia s formas passadas, procurando uma maior unidade entre forma e contedo.32 Esta Sonata foi a primeira obra a trazer visibilidade sua carreira de compositor, atravs da edio da partitura, em 1950 e das apresentaes pblicas, em Darmstadt, pela pianista Yvonne Loriod, em 1952, e pelo pianista Tudor junto dos ciclos da avant-garde Americana. 31

    Probablement influenc par tout lcole viennoise qui voulait essayer de rcuprer des formes anciennes, jai tent lexprience de les dtruire compltement : jentends par l un essai de destruction de ce qutait la forme-sonate dun premier mouvement, de dissolution de la forme du mouvement lent par le trope et de dissolution de la forme-scherzo rptitive par la forme-variation, de destruction, enfin, dans le quatrime mouvement, de la forme fugue et de la forme canonique. BOULEZ : 1975, p. 51-52 32

    Aprs cette Deuxime Sonate, je nai jamais plus crit en rfrence une forme passe. Jai toujours trouv une forme qui a t pense avec lide elle-mme. ibid., p. 52

  • O estilo composicional de Pierre Boulez

    18

    Em finais de 1945 1946, Boulez descobriu a poesia de Ren Char, cuja criao literria o impressionou, pela sua mensagem em estilo denso e expressivo, de uma violncia contida. Boulez encontrou, nos seus poemas, um tempo concentrado, que deu espao sua criao musical. As trs composies sobre poemas deste autor, Visage Nuptial (1946), Le Soleil des eaux (1948-52) e, mais tarde, Le Marteau sans Matre (1952-55), permitiram uma experincia de criao musical que evoluiu no sentido da reduo do material literrio: de um texto longo, no caso de Visage Nuptial, passa a utilizar poemas mais curtos, ou apenas alguns versos, em Le Marteau sans Matre.

    Le visage nuptial foi a sua primeira cantata, composta em 1946, a partir de um ciclo de cinco poemas de Ren Char. Originalmente, foi escrita para duas vozes femininas solistas, um soprano e um contralto, acompanhadas por um grupo instrumental reduzido. Em 1951 cria uma nova verso para grande orquestra, coro feminino e as mesmas duas vozes solistas, tendo esta ltima ficado como a verso definitiva. Boulez estrutura esta pea a partir do texto, de modo que a forma reflecte o prprio contedo do poema33. A sua densidade orquestral e riqueza polifnica sugerem o lirismo da msica expressionista de Berg e de Messiaen.

    A sua segunda cantata, Le soleil des eaux foi escrita em 1948, para trs vozes solistas e orquestra de cmara, tendo sido apresentada em Paris no ano de 1950. Originalmente, esta obra foi criada como a msica de cena para um programa da rdio Sdwestfunk de Baden-Baden, sobre Char. Esta cantata foi reorquestrada, em 1958, para trs solistas, soprano, tenor e baixo, coro e orquestra sinfnica; em 1965 esta obra assume a sua verso definitiva para soprano solo, coro e orquestra. Para esta cantata Boulez utilizou dois poemas de Ren Char intitulados: La Complainte du Lzard amoureux e La Sorgue. Estes poemas surgem de um misto de realidade e fico em que Char teve como objectivo transmitir uma mensagem revolucionria e de resistncia ao nazismo. Deste modo, na sua msica, Boulez vai criar uma atmosfera sonora que sugere o

    33

    Le fait que jaie employ un texte ma oblig trouver une forme diffrente. () Jai divis le texte suivant le sens, naturellement, jai utilis des squences parallles saccordant au sens du pome, mais la forme est, elle aussi, compltement adhrente au pome lui-mme. BOULEZ : 1975, p. 53.

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    imaginrio criado por Char nestes poemas. A sua escrita musical revela uma expressividade violenta que indicia as intenes surrealistas do autor do poema. Gola, quando o questionou sobre o porqu da escolha de Char, Boulez respondeu: Parce que Char reprsente une concentration de langage, une qualit, une fermet qui, dans la posie contemporaine, sont des modles. Parce que jaime, par-dessus tout, la violence taille de sa parole, son paroxysme exemplaire, sa puret. 34

    Estas duas obras marcam o incio do tratamento da harmonia como meio de definio do espao musical. Constituem a primeira experincia em que Boulez desenvolve estruturas formais no recorrendo a modelos preestabelecidos, utilizando material sonoro em que melodia, harmonia e ritmo so interdependentes.

    A sua prxima obra um quarteto de cordas, Livre pour quatuor, escrito entre 1948-49. Esta obra tem tambm uma influncia literria, no que se refere organizao formal. Boulez refere que a aluso palavra Livre tem subjacente uma ligao obra de Mallarm, nomeadamente, Igitur e Coup de ds. Nestes poemas, o compositor encontrou uma organizao formal contnua, no entanto, as suas partes podem ser separveis do todo pela sua validade e contedo individual.35 Foi a partir desta ideia de forma como continuidade separvel, onde existe um conceito central com organizaes locais que se desenvolvem autonomamente, que Boulez iniciou uma pesquisa que se centrava em trabalhar a forma como universos em expanso.

    Livre pour quatuor foi escrito no mesmo perodo da Segunda sonata para piano e acompanha a sua evoluo no sentido do serialismo integral. Em entrevista a Delige, interessante notar a referncia que Boulez faz ao trabalho desenvolvido no ltimo andamento deste quarteto, onde refere o processo que o conduziu no sentido da generalizao serial: Jai commenc par employer des schmas compltement indpendants, o les hauteurs, les dures, les rythmes 34

    GOLA : 1958, p. 99. 35

    Cette ide dune Livre pour quatuor, constitu au dpart de mouvements dtachables, mest venue en 1948-1949, probablement en lisant Igitur et le Coup de ds. Javais dcouvert que se pome ntait plus simplement un petit morceau spar, mais quil pouvait tre dune grande continuit, en mme temps quune continuit sparable : cest--dire une continuit dont on peut dtacher des pices parce quelles ont un sens et une validit, mme dtaches du contexte continu dans lequel elles se placent. (BOULEZ : 1975, p. 63-64)

  • O estilo composicional de Pierre Boulez

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    ont t combins partir de cellules dabord, mais ces cellules sont devenues tellement indpendantes quelle sont devenues pratiquement des sries rythmiques. Pour mettre en valeur ces sries rythmiques, jai t oblig de faire des sries de dynamiques. Progressivement, je me suis trouv face au problmes suivant : comment faire concider les inventions qui avaient rapport avec les hauteurs, cest--dire les notes elles-mmes, avec linvention du reste ? Il fallait trouver une technique qui puisse sallier la technique des hauteurs. Cest comme cela que, progressivement, mais par linvention des motifs et des cellules, jai commenc penser la gnralisation de la srie. 36

    O perodo que se segue composio de Livre pour quatuor, entre 1948 e 1952, dedicado quase exclusivamente reflexo terica musical e pesquisa e refinamento da sua tcnica serial. uma fase que marca o incio de uma intensa produo de ensaios musicais, bastante eclticos e sempre com uma brilhante lucidez intelectual, acompanhando a sua criao musical at actualidade. Estes textos constituem uma valiosa fonte documental sobre a evoluo do pensamento esttico e tcnico do seu autor, matria de estudo no prximo ponto.

    O ano de 1949 assinala o encontro entre Pierre Boulez e John Cage. Durante esse ano Cage realizou uma viagem de seis meses Europa37, e, quando se encontrava em Paris, foi-lhe sugerido por Roger Dsormire que entrasse em contacto com Boulez. Deste encontro nasce uma amizade profunda entre os dois msicos que, atravs da correspondncia que trocaram, puderam conhecer uma realidade musical distante.38

    Boulez apresenta Cage a Messiaen e ao seu crculo restrito de amigos, Bernard Saby, Armand Gatti, Pierre Jouffroy e Pierre Souvtchinsky. Por sua vez Cage apresenta Amphion e Heugel, os quais foram os primeiros editores da obra

    36

    BOULEZ : 1975, p. 62. 37

    Atravs do sucesso com a obra Sonatas e Interludes para piano preparado, Cage consegue um prmio da Fundao Guggenhiem e uma bolsa da American Academy and National Institute of Arts and Letters para realizar estudos na Europa durante um perodo de seis meses. A viagem tem lugar dia 23 de Maro de 1949. Em Paris Cage estuda a vida e obra de Eric Satie e apresenta dois trabalhos seus, realizados para bailados coreografados por Merce Cunningham, Amores e A Valentine Out of Season para Effusions avant lheure. Inicia tambm a composio de um quarteto de cordas. (Nattiez : 1993) 38

    At that time, there really wasnt anything apart from the asphyxiating academicism of Leibowitz. Messiaen had taken me to a certain point, and it was necessary to go beyond. And on the other hand, it is difficult to imagine today what attraction there was then in North America. Indeed, it was the same for Cage; the attraction of a continent to discover. NATTIEZ : 1993, p. 24.

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    de Boulez. O primeiro edita a sua Sonatina para flauta e piano e a Primeira Sonata para piano enquanto o segundo edita Le Visage Nuptial, Le Soleil des Eaux, Livre pour quatour e a Segunda Sonata para piano.

    Durante a sua estadia em Paris, Cage interpreta a sua pea mais recente Sonatas and Interludes para piano preparado. A obra foi apresentada em duas ocasies: dia 7 de Junho, no Conservatrio de Paris, para a classe de Messiaen e dez dias mais tarde num concerto privado realizado no salo de Suzanne Tzenas. Boulez manifesta um grande interesse pelo piano preparado de Cage pela transformao que ocorre nas suas propriedades acsticas39. Esta preparao realizada atravs da introduo de objectos metlicos, de madeira ou de borracha, entre as cordas do piano, em pontos determinados com preciso pelo compositor. Estes materiais vo modificar as quatro caractersticas do som das cordas: durao, amplitude, frequncia e timbre, criando um universo sonoro completamente distinto do piano40 atravs da criao de sons complexos.41

    As experincias de Cage com o piano preparado pareciam convergir com as pesquisas de Boulez quanto serializao dos quatro parmetros do som. Assim, aps a partida de Cage para os Estados Unidos da Amrica, os dois msicos mantm o contacto atravs de uma intensa correspondncia, onde trocam informaes e relatam as pesquisas que vo realizando.

    De facto, ao ler a correspondncia entre Boulez e Cage apercebemo-nos do interesse que tm pelo pensamento um do outro. Esta proximidade foi facilitada pela necessidade que sentiam na troca de experincias uma vez que ambos exprimiam na sua correspondncia um isolamento face ao contexto artstico em que viviam nessa altura. Esta percepo pode comprovar-se pela citao de Cage em carta a Boulez, dia 17 de Janeiro de 1950, em que refere a falta de vida intelectual em Nova Iorque, The great trouble with our life here is the

    39

    () son emploi du piano prpar () il sagit plutt dune remise en question des notions acoustiques stabilises peu peu au cours de lvolution musicale de lOccident () BOULEZ : 1966, p. 176. 40

    John Cage estime, en effet, que les instruments crs pour les besoins du langage tonal ne correspondent plus aux ncessits nouvelles de la musique, qui refuse loctave comme intervalle privilgi partir duquel se reproduisent les diffrentes chelles. ibid. 41

    () ce piano prpar devenant un instrument capable de donner, par lintermdiaire dune tablature artisanale, des complexes de frquences. ibid.

  • O estilo composicional de Pierre Boulez

    22

    absence of an intellectual life. No one has an idea.42, assim como atravs do testemunho de Boulez nas suas cartas a Cage onde comenta os escassos eventos culturais em Paris: Here nothing! Or a little only.43

    Os dois msicos viviam uma etapa de experimentao e reflexo terica, que tinha em comum a necessidade de inovar e transformar o universo sonoro contemporneo. Na troca de correspondncia, estes compositores relatam as suas pesquisas musicais, o que faz destas cartas uma fonte valiosa para o conhecimento da evoluo das suas criaes artsticas, e permite observar a interaco e sinergias que surgiram entre ambos.

    Boulez encontrava-se a realizar as suas pesquisas no sentido da serializao musical dos quatro parmetros musicais; na obra de Cage, o compositor encontrou algumas ideias que o impressionaram e influenciaram de forma determinante na sua reflexo terica e no estilo composicional. Os mtodos de composio de Cage organizaes numricas para a construo do ritmo44 e a constante utilizao de tabelas para estabelecer relaes sonoras entre os diversos componentes sonoros,45 foram elementos que consideramos fundamentais nos mtodos de organizao serial que Boulez adoptou.

    Quanto a John Cage, procurava matrizes para a organizao rtmica das suas obras46 e, nesse sentido, sentiu um grande fascnio pelo detalhe das explicaes tcnicas de Boulez: The long letter you sent me with the details about your work was magnificent.47 O conceito de mobilidade foi outra influncia que Cage retirou do contacto com Boulez48, embora v utiliz-lo numa perspectiva diferente: enquanto Boulez se refere a este conceito sobre o posicionamento das

    42

    NATTIEZ : 1993, p. 50. 43

    NATTIEZ : 1993, p. 33. 44

    Nous signalerons encore sa faon de concevoir la construction rythmique qui sappuie sur lide de temps rel, mis en vidence para des relations numriques o le coefficient personnel nintervient pas ; de plus, un nombre donn dunits de mesure donne naissance un nombre gal dunits de dveloppement. On arrive de cette faon une structure numrique a priori, que John Cage qualifie de prismatique, que nous appellerions plutt structure cristallise. BOULEZ : 1966, p. 176-177. 45

    Plus rcemment, il sest proccup de crer des relations structurelles entre les diverses composantes du son, et, pour cela, il utilise des tableaux organisant chacune dentre elles en des rpartitions parallles, mais autonomes. ibid., p. 177. 46

    When Cage got rid of twelve-tone series, a strongly characterized rhythmic structure became necessary to him as a support for the musical argument. Boulez in NATTIEZ : 1993, p. 31. 47

    Cage in NATTIEZ : 1993, p. 92. 48

    Boulez influenced me with his concept of mobility Cage in NATTIEZ : 1993, p. 98.

  • O estilo composicional de Pierre Boulez nas obras Anthmes e Anthmes 2

    23

    notas em registo fixo / mvel49, Cage aplica este conceito em termos da introduo de chance no processo de composio.50 Finalmente, o universo literrio de Mallarm e Artaud, que Cage conheceu atravs de Boulez, foi determinante na sua actividade de composio.51

    Na fase inicial da correspondncia entre Boulez e Cage, encontramos uma sintonia e uma concordncia quanto direco das respectivas pesquisas52. No entanto, os dois msicos trabalhavam em direces opostas, sobretudo quanto ao processo de composio. Neste domnio, a clivagem foi-se acentuando medida que Cage foi adoptando mtodos aleatrios na composio musical, como o I Ching e o lanamento de moedas. Atravs destes mtodos, Cage pretendia estabelecer um distanciamento perante o acto de criao, procurando obter uma obra despersonalizada, ou seja, uma obra em que a sua interveno fosse mnima; esta postura foi severamente criticada por Boulez53. Distanciando-se destes mtodos de composio de Cage, Boulez encontrou na mobilidade da organizao formal da obra musical (ex. Terceira Sonata para Piano), uma forma de indeterminismo controlado, isto , dar ao intrprete a possibilidade de escolher o percurso que pretende realizar, dentro de um campo de possibilidades preestabelecido pelo compositor.

    importante referir ainda que, durante as pesquisas seriais de Boulez, Messiaen publica, em 1949, a sua pea Mode de valeurs et dintensits. Este o

    49

    Il sagirait dabord de dfinir ce que jentends par dynamisme ou statisme dans lchelle des sons. Il me parat imprieux que, dans la technique des douze sons, pour obtenir une sorte de valeurs correspondant aux valeurs tonales, telle que la modulation, on doit avoir recours des procds totalement diffrent et fonds sur la mobilit des notes ou sur leur fixit. Cest--dire que dans la mobilit, chaque fois quune note se prsentera, ce sera des registre divers ; et dans la fixit, le trac contrapunctique se fera lintrieur dune certaine disposition o les douze sons auront chacun leur place bien dtermine. BOULEZ : 1966, p. 68-69. 50

    The principle called mobility-immobility is this: everything is changing but while some things are changing others are not. Eventually those that were not changing being suddenly to change et vice versa ad infinitum. Cage in NATTIEZ : 1993, p. 16 (45 for speaker, Silence, p. 154) 51

    You can see from my present activity how interested I was when you wrote of the Coup de Des of Mallarm. And I have been reading a great deal of Artaud (this because of you). () The essential underlying idea is that each thing is it self, that its relations with other things spring up naturally rather than being imposed by any abstraction on an artists part. (see Artaud on an objective synthesis). Cage in NATTIEZ : 1993, p. 96. 52

    We are at the same stage of research. Boulez in NATTIEZ : 1993, p. 97. 53

    Cest lacceptation dune passivit par rapport ce qui est : cest une conception dabandon. Applique dautres catgories qu la musique, par exemple au phnomne social, une position antiesthtique pourrait donner, non pas labsurdit, mais lantisociale. La rsonance antisocial dune telle position est si vidente pour moi qu ce moment-l on est mr pour des socits de type fasciste qui vous laissent un coin pour jouer. BOULEZ:1975, p. 111.

  • O estilo composicional de Pierre Boulez

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    primeiro trabalho europeu escrito sob a esttica de organizao total, sendo que pesquisas musicais neste sentido j se detectam desde 1940 nas obras Liturgie de Cristal e no seu livro Technique de mon langage musical, de 1942. Boulez, aluno de Messiaen desde 1944, teve certamente grande proximidade com as pesquisas do seu mestre. Alis, Modes de valeurs et dintensits foi a obra que, segundo Boulez, os reconciliou: Ce Mode de valeurs fut mme loccasion de ma rconciliation avec Messiaen54. Por seu lado, Messiaen refere que their questions compelled me to undertake studies I might not have dreamed of, had it not been for them.55

    No entanto, foi Boulez o responsvel pelo mais abrangente, complexo e aprofundado trabalho de serializao musical, motivo pelo qual o seu nome a primeira referncia do serialismo integral.

    A sua primeira obra segundo esta tcnica serial foi Polyphonie X56 que resulta duma encomenda do Festival de Donaueschingen57 tendo sido a estreada a 6 de Outubro de 1951, pela orquestra do SWF de Baden-Baden, dirigida por Hans Rosbaud. A obra foi realizada no final da apresentao, aps o Duplo concerto para violino, piano e pequena orquestra de Ernst Krenek e uma sonata para violino e piano de Rolf Liebermann, obra que obteve grande sucesso. Pelo contrrio a recepo de Polyphonie X foi dividida: parte do pblico aplaudiu entusiasticamente enquanto a outra parte reagiu de forma bastante hostil, o que levou a considerarem a estreia desta obra como o maior escndalo deste Festival.

    54

    GOLA : 1958, p. 160. 55

    GRIFFITHS : 1995, p. 29. 56

    X () cest plutt un symbole graphique. Jai intitul cette uvre Polyphonie X, parce quelle contient certaines structures qui se croisent, dans le sens daugmentation et de diminutions venant la rencontre les unes des autres, de montres et de descentes sonores conues dans un mme esprit, de sries de cellules rythmiques enfin, se croisant de la mme faon. Ce sont ces sries de cellules rythmiques, dailleurs, qui constituent, sur le plan des structures, lessentiel de luvre. GOLA : 1958, p. 139. 57

    () En plein accord avec le grand patron du Sdwestfunk, lintendant Bischoff, Heinrich Strobel mit la disposition de Donaueschingen tout lappareil artistique et orchestral de Baden-Baden, avec, en tte, cet admirable dfenseur de la musique contemporaine quest le chef dorchestre Hans Rosbaud. Avec un tel concours artistique et financier, les concerts annuels de Donaueschingen, qui font partie, avec leurs rptitions, de la srie normale des services de la Radio [Sdwestfunk de Baden-Baden], qui enregistre les excutions et les diffuse plusieurs fois, pour le plus grand bien de la notorit des musiciens taient naturellement appels un clat quils navaient jamais encore connu. Et tout comme Darmstadt, anne aprs anne, les jeunes musiciens les plus hardis reoivent Donaueschingen des commandes duvres, confortablement rmunres, leur permettant de travailler en tout quitude matrielle () ibid. p. 138.

  • O estilo composicional de Pierre Boulez nas obras Anthmes e Anthmes 2

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    Polyphonie X ocupa uma posio transitria na produo musical de Boulez, na medida em que foi realizada durante uma fase em que se encontrava a apurar a sua tcnica serial. Por esse motivo esta obra sofre de um exagero terico e uma rigidez de concepo que a tornou praticamente impossvel de realizar dada a sua exigncia tcnica.58

    A sua prxima composio, Structures Ia, foi escrita para dois pianos.59 Tal como Polyphonie X, inscreve-se numa fase de experimentao e aperfeioamento da sua tcnica serial que tem como consequncia mais profunda a generalizao da prpria noo de srie. Deste modo, Boulez vai alargar a utilizao dos princpios seriais aos quatro parmetros musicais. Quanto organizao das alturas, Boulez vai ordenar os doze sons segundo a diviso I da pea para piano Mode de valeurs et dintensits, de Messiaen, prestando deste modo uma homenagem ao seu mestre.60

    Figura 1.1. Srie de alturas.

    A partir desta organizao serial, Boulez realizou todas as transposies da srie inicial em duas tabelas. Sobre cada uma das notas est indicado o nmero de ordem de cada elemento da srie (fig. 1.1). Este procedimento vai ser seguido em relao aos outros parmetros musicais, durao, dinmica e modo de ataque. A organizao dos valores rtmicos corresponde a uma srie aritmtica crescente, de doze duraes, tomando como unidade a fusa:

    Figura 1.2. Srie de duraes. 58

    En fait, luvre est fonde sur une srialisation complte, mais en mme temps sur des cellules rythmiques, et cette extrme rigidit de lorganisation ma empch de moccuper du ct instrumental. BOULEZ : 1975, p. 74. 59

    A cause de la mauvaise exprience que javais faite avec Polyphonie X et aussi avec les tudes de musique concrte. Je voulais, pour lexprience intgrale que je dsirais faire, tre dbarrass de tout souci purement instrumental. En remplaant les timbres les plus divers par la srie complte des attaques possibles au clavier, jappauvrissais, certes, la palette sonore, mais je me donnais le moyen de raliser parfaitement ce que je voulais raliser. GLEA : 1958, p. 166. 60

    () jai pu employer dans mes Structures, comme srie dodcaphonique de base, la premire division du mode de 36 hauteurs sonores employ par Messiaen dans son tude. Dailleurs, ctait un hommage que je voulais, de cette faon, adresser Messiaen. GLEA : 1958, p. 161.

  • O estilo composicional de Pierre Boulez

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    Boulez vai criar tambm uma srie de doze nveis de dinmica (fig. 1.3):

    Figura 1.3. Srie de dinmicas.

    Em Structures, a organizao das dinmicas resulta de quatro sequncias simtricas extradas de diagonais das tabelas de transposio de alturas, escolhidas pelo compositor. Em virtude dos valores 4 e 10 no se encontrarem nestas diagonais, as dinmicas quasi p e f no so empregues na obra.

    Finalmente, Boulez elabora uma srie de dez nveis de ataque (fig. 1.4). Tal como aconteceu na srie de dinmicas, o compositor vai utilizar sequncias de ataques a partir de diagonais das duas tabelas de transposio de alturas:

    Figura 1.4. Srie de ataques.61

    Nesta pea Boulez procurou ensaiar uma experincia composicional liberta de toda a sua herana, e reconstituir, a partir do zero, uma nova escrita musical.62 uma obra em que prevalecem aspectos de automatismo que esto na base dos processos tcnicos de composio ficando a deciso limitada escolha do material musical de base, escolha dos registos, etc. A predeterminao que decorre deste processo de serializao rgido tem como resultado a impressibilidade do detalhe interno da prpria estrutura interna musical.63 Ao contrrio do automatismo da organizao serial da primeira Structure, onde o material musical extremamente inflexvel, na sua Structure Ib Boulez procura trabalhar o material de forma mais flexvel. Nesse sentido esta obra um primeiro passo no equilbrio entre deciso e automatismo.

    As Structures foram um ponto de viragem, no apenas na produo musical de Boulez, tornando-se uma obra de referncia para a msica da segunda metade do sculo XX. 61

    Os ataques 4 e 10 no so utilizados na obra e esto omissos na prpria srie (fig. 1.4). 62

    Ctait,() un essai, ce quon appelle le doute, le doute cartsien ; remettre tout en cause, faire table rase de son hritage et recommencer partir de zro pour voir comment on peut reconstituer lcriture partir dun phnomne qui a annihil linvention individuelle. BOULEZ : 1975, p. 70 63

    Para um conhecimento mais aprofundado desta obra consultar o segundo ponto do artigo Le systme mis a nu, in BOULEZ : 1981, pp. 135 140 e o artigo Dcision et automatisme dans la Structure Ia de Pierre Boulez, in LIGETI : 2001, pp. 89-126.

  • O estilo composicional de Pierre Boulez nas obras Anthmes e Anthmes 2

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    Le Marteau sans Matre uma obra que marca o triunfo de quatro anos de pesquisa e apuramento da tcnica serial64 que conduziram a uma maior liberdade composicional.65 Foi escrita entre 1953 e 1955, tendo sido estreada a 18 de Junho de 1955, no mbito do 29 Festival da Socit Internationale de Musique Contemporaine, em Baden-Baden, com a solista Sybilla Plate e msicos do SWF de Baden-Baden sob a direco de Hans Rosbaud. Entre um pblico de especialistas, o sucesso do Marteau foi imediato, o que projectou a obra internacionalmente em Viena, Zurique, Munique, Londres, Nova Iorque, Los Angels. A sua primeira audio em Paris aconteceu a 21 de Maro de 1956, no Thtre du Petit-Marigny, com um conjunto de instrumentistas franceses e a contralto solo Marie-Thrse Cahn, sob a direco do prprio Boulez.

    A obra composta sobre trs poemas de Ren Char, LArtisanat furieux, Bourreaux de solitude e Bel difice et les pressentiments, publicados em 1934. Longe do lirismo pastoral e fraterno do Soleil ou da evocao das paixes humanas e seu fatalismo em Visage Nuptial, os poemas do Marteau so duros, implacveis e cruis, evocando o perodo terrvel da luta clandestina de Char nos ltimos anos da Primeira Grande Guerra. Estes textos encontram-se no ponto culminante da sua poesia surrealista, que se inscreve numa revoluo no apenas potica e de linguagem, mas do Homem no seu todo, aspirando a uma liberdade individual e social. Tal como Char, tambm Boulez partilha desta posio artstica atravs da luta que trava contra as convenes, a reaco ao neoclassicismo e de um modo geral s frmulas do passado.

    A relao entre o texto e a msica em Le Marteau sans Matre diferente daquela que Boulez adoptou nas duas cantatas anteriores. Cada um dos poemas comentado por partes instrumentais que se entrelaam com a parte vocal do seguinte modo:

    1. avant LArtisanat furieux 2. Commentaire I de Bourreaux de solitude 3. LArtisanat furieux (com voz)

    64

    () la technique y est beaucoup plus pousse et plus savante. BOULEZ : 1975, p. 84. 65

    Le titre, tout dabord, est un de ces jeux de mots rvlateurs dune attitude philosophique, dune conception du monde. () Cest un marteau sans matre et sans mtre aussi ; un marteau en libert, () matre lui-mme de son propre destin, layant accept et le dpassant chaque instant, intgrant la nouvelle discipline vivante sa libert. GOLA : 1958, p. 216-217

  • O estilo composicional de Pierre Boulez

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    4. Commentaire II de Bourreaux de solitude 5. Bel difice et les pressentiments primeira verso (com voz) 6. Bourreaux de solitude (com voz)

    7. aprs LArtisanat furieux 8. Commentaire III de Bourreaux de solitude 9. Bel difice et les pressentiments double (com voz)

    Ao entrelaar os trs ciclos dos poemas desta forma, Boulez pretende construir um labirinto que evolui quanto sua complexidade, criando ligaes virtuais entre cada uma das partes que constituem a obra. Deste modo, realiza pela primeira vez uma concepo formal em que imbrica elementos formais interdependentes.66

    A forma como Boulez faz a ligao entre texto e msica diferente em cada ciclo. No primeiro ciclo, LArtisanat furieux, o texto tratado de forma mais directa e linear em relao msica. O poema cantado num estilo ornamental, acompanhado pela flauta solo que faz um contraponto com a voz, numa referncia directa stima pea do Pierrot lunaire de Schenberg. Deste modo, o poema ocupa uma posio de primeiro plano. No segundo ciclo, Bel difice et les pressentiments, primeira verso, o poema passa a desempenhar uma funo estrutural, articulando as diversas subdivises da forma geral deste ciclo. A sua importncia vocal grande, mas deixa de ter a primazia como anteriormente, devido envolvente instrumental. No terceiro ciclo, Bourreaux de solitude, passa a existir uma total unio entre o texto e a msica ligados por uma mesma estrutura musical: a voz emerge periodicamente do ensemble para enunciar o texto. Finalmente, no double de Bel difice et les pressentiments, ocorre uma ltima metamorfose quanto ao tratamento da voz: aps pronunciar as ltimas palavras do texto, a voz emerge no ensemble instrumental, em bouche ferme, renunciando sua individualidade. Por seu lado, a flauta, que servia de

    66

    () jai tch dimbriquer les trois cycles de telle sorte que la dmarche au travers de loeuvre en devienne plus complexe, usant de la rminiscence et des rapports virtuels; seule, la dernire pice donne, en quelque sort, la solution, la clef, de ce labyrinthe. Cette conception formelle ma entran, dailleurs, beaucoup plus loin, en librant totalement la forme dune prdtermination ; ici, le premier pas tait franchi, par la rupture avec la forme unidirectionnelle. BOULEZ : 1981, p.386.

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    acompanhamento no primeiro ciclo, passa a primeiro plano, assumindo um papel vocal.

    O ensemble instrumental que compe Le Marteau sans Matre, contralto, flauta alto, guitarra, vibrafone, xilofone, percusso e viola de arco, foi, naquela poca, o primeiro com esta configurao. Esta instrumentao revela a influncia da msica extra-europeia, perante a qual Boulez sentiu sempre um enorme fascnio. O compositor estabelece uma ligao entre os vrios instrumentos que se baseia nas suas propriedades acsticas, de modo a criar uma continuidade entre a voz e os restantes instrumentos.67

    A prtica de direco orquestral que Boulez foi adquirindo na Companhia Barrault, torna-o mais sensvel s questes da tcnica instrumental e sua consequente aplicao na composio musical; neste ponto que se cruzam as experincias de maestro e compositor levando-o a realizar investigao no domnio da instrumentao. Assim, poucos anos depois da sua obra Polyphonie X que, como referimos anteriormente, apresentava enormes dificuldades tcnicas, Le Marteau sans Matre uma obra que faz uma utilizao instrumental mais refinada, levando ao limite as possibilidades tcnicas de cada instrumento.

    Aps a concluso da sua obra Le Marteau sans Matre, Boulez inicia um novo ciclo criativo marcado pela obra literria68 de dois autores, Stphane Mallarm e James Joyce. Boulez encontra na poesia de Mallarm afinidades ao nvel da organizao formal que vo ao encontro do seu pensamento quanto elaborao de obras que se apoiam no indeterminismo.69 Neste sentido, a obra de Mallarm est nitidamente mais prxima de Boulez que a poesia de Char e

    67

    De la voix la flte, la liaison est claire: le souffle humain, et le pouvoir purement monodique dlocution. Flte et alto sont lis non plus par le souffle, mais par la monodie, lorsque lalto est jou avec larchet. Sur lalto, les cordes peuvent tres frottes ou pinces dans ce dernier cas, il rejoint la guitare, instrument cordes pinces, galement, mais au temps de rsonance plus long. En tant quinstrument rsonnant, la guitare rejoint le vibraphone, bas sur la vibration prolonge de lames mtalliques frappes. Les lames de vibraphone peuvent aussi bien tre frappes sans rsonance, et sapparentent alors directement aux lames de xylophone() BOULEZ:1981, p. 383 68

    Finalement, ma forme de pense actuelle a pris naissance plus des rflexions sur la littrature que sur la musique. BOULEZ : 1981, p. 151. 69

    Mais il reste une besogne considrable : repenser dans son entier la notion de forme. () Cette tche apparat de plus en plus urgente : mettre les pouvoirs formels de la musique en parit avec la morphologie et la syntaxe ; la fluidit de la forme doit intgrer la fluidit du vocabulaire. BOULEZ : 1981, p. 152.

  • O estilo composicional de Pierre Boulez

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    Michaux.70 Esta convergncia com a obra de Mallarm revela que o compositor encontrou um caminho distinto, face posio mais radical de outros, no que se refere introduo do hasard na criao musical. De facto, a posio esttica de Boulez quanto noo de obra aberta afasta-se do conceito de improvisao e/ou de espontaneidade, procurando antes a ideia de percurso.

    A consequncia mais profunda que Boulez retirou da anlise do Livre de Mallarm foi a compreenso da importncia em conceber um princpio geral, uma ideia nica que se reflecte no todo e nas suas partes: Il mest en plus tranger de concevoir des oeuvres comme productions fragmentaires ; jai une prdilection marque pour les grands ensembles, centrs autour dun faisceau de possibilits dtermines. (L, encore, linfluence de Joyce !...) () Ce Livre constituerait un labyrinthe, une spirale dans le temps. 71 Assim, a reutilizao de material proveniente de obras j elaboradas torna-se uma prtica caracterstica do seu estilo composicional. Por outro lado, comea a conceber cada obra como um universo em permanente expanso, resultado de um processo de desenvolvimento contnuo work in progress. Este tipo de elaborao resulta da maleabilidade do vocabulrio usado pelo compositor que se integra numa estrutura formal flexvel, como encontramos na sua Terceira sonata para piano.

    Estreada por Pierre Boulez a 25 de Setembro de 1957, no primeiro concerto da programao do Instituto de Kranichstein, em Darmstadt, a Terceira sonata para piano foi a sua primeira obra com uma concepo aberta, na medida em que deixa ao intrprete a possibilidade de escolher o percurso formal da mesma. A sua arquitectura labirntica72, ramificada e em expanso, o reflexo de uma evoluo que Boulez j ensaiava em obras anteriores, e que ia no sentido de renunciar a uma trajectria unidireccional na sua obra musical73. Esta

    70

    Chez Char ou chez Michaux puisque jai utilis ces deux potes avant darriver Pli selon Pli , jai trouv beaucoup de sources dinspiration ; mais les proccupations formelles ne sont pas exactement leur obsession. BOULEZ : 1975, p. 121. 71

    BOULEZ : 1981, p. 157. 72

    Pour moi, la notions de labyrinthe dans luvre dart est assez comparable celle de Kafka dans la nouvelle intitule Le Terrier () luvre doit assurer un certain nombre de parcours possibles, grce des dispositifs trs prcis, le hasard y jouant un rle daiguillage qui se dclenche au dernier moment. BOULEZ : 1981, p. 154. 73

    Pourquoi composer des uvres destines tres renouveles chaque excution ? Parce quun droulement fix dune manire dfinitive ma paru ne plus concider exactement avec ltat actuel de la pense musicale, avec lvolution mme de la technique musicale qui, vrai dire, se

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    concepo formal est intimamente relacionada com ideias literrias74 que nessa data o influenciavam, nomeadamente a leitura das obras de Mallarm, Coup de ds e Livre.

    A sonata constituda por cinco andamentos ou formants75: Antiphonie, Trope, Constellation (-Miroir), Strophe e Squences76. A organizao dos cinco formants baseia-se numa disposio simtrica e mvel em torno do formant central, Constellation (Constellation Miroir), como podemos observar no esquema seguinte:

    Figura 1.5. Transcrio do grfico elaborado para o artigo Sonate Que me veux-tu77

    Para a realizao desta obra Boulez refere: autour du noyau central (lui mme groupement de cellules) gravitent les 4 formants group deux deux sur des orbites concentriques, lorbite extrieure pouvant devenir intrieure et rciproquement. Cela donne en tout seulement 8 possibilits dexcution tant donnes les symtries auxquelles doivent obir les permutations. 78 Atravs deste procedimento, o compositor consegue evitar o livre arbtrio, hasard, criando uma liberdade dirigida.

    tourne de plus en plus vers la recherche dun univers relatif, vers une dcouverte permanente comparable une rvolution permanente. Ibid., p. 151. 74

    Quest-ce qui ma pouss crire une telle Sonate pour piano ? Ce sont moins des considrations musicales que les contacts littraires que jai pu avoir. Ibid., p.151. 75

    Je les ai ainsi appels par analogie avec lacoustique. On sait quun timbre est rendu caractristique par ses formants ; jestime que, de mme, la physionomie dune uvre provient de ses formants structurels : caractres spcifiques gnraux, susceptibles dengendrer des dveloppements. Ibid., p. 157. 76

    Destes cinco formants apenas dois esto editados e so interpretados: Trope e Constellation (-Mirroir). 77

    BOULEZ : 1981, p. 151-163. 78

    Ibid., p. 162.

  • O estilo composicional de Pierre Boulez

    32

    Ainda em 1957, durante o perodo em que trabalhava sobre os primeiros formants da Terceira sonata para piano, Boulez escreveu duas peas para voz e orquestra sobre sonetos de Mallarm, Improvisations sur Mallarm I e II. Em 1960, compe uma terceira Improvisations. Nos trs sonetos que escolheu para estas composies le vierge, le vivace, et le bel aujourdhui, Une dentelle sabolit e A la vue accablante tu, Boulez encontrou uma densidade formal que lhe despertou grande interesse.79 Nestas trs peas o compositor procurou fazer uma anlise progressivamente mais detalhada da estrutura dos sonetos.80 O seu interesse era transpor para o universo musical as inovaes lingusticas da poesia de Mallarm81 utilizando uma instrumentao que permitisse evocar a sonoridade destes poemas.82

    As Improvisations foram o ponto de partida para um projecto maior que Boulez reuniu sob o ttulo Pli selon Pli hommage Mallarm. Este ciclo composto por cinco peas que se organizam da seguinte forma:

    Don (1961-62) Improvisations I (1957) Improvisations II (1957) Improvisations III (1960) Tombeau (1959-61) As trs Improvisations ocupam uma posio central nesta obra, estando

    envolvidas por duas peas Don e Tombeau que servem de introduo e

    79

    Ce qui ma sduit chez Mallarm, au point o jen tais cette poque, cest lextraordinaire densit formelle de ses pomes. BOULEZ : 1975, p. 122. 80

    () ces improvisations sont une analyse de la structure du sonnet, mais dune faon de plus en plus dtaille, de plus en plus profonde. Cest pour cela que je les appeles Improvisations I, II, III. La premire a pris un sonnet en en dcortiquant seulement la nature strophique, ce que nest pas un travail trs intense ; la deuxime est travaille sur le plan de la ligne et du vers lui-mme, cest--dire que dj la strophe est analyse ; la troisime va dans le sens o le vers lui-mme comporte une structure dtermine en fonction de sa position dans le sonnet. BOULEZ : 1975, p. 123-124. 81

    Ce qui ma intress, cest de trouver un quivalent musical, potique et formel sa posie. Cest pourquoi jai choisi, de Mallarm, des formes trs strictes, pour leur donner une greffe qui soit prolifration de la musique partir dune forme stricte ; cela ma permis de transcrire en musique des formes auxquelles je navais jamais pens, issues des formes littraires quil a employes lui-mme. BOULEZ : 1975, p. 122. 82

    Il y a divers niveaux de convergence. Le plus simple et le plus motionnel est la convergence potique que jai cherche atteindre par certains quivalents de sonorit. Ainsi, quand il parle de vitre, de dentelle, dabsence, etc., il y a tout de mme une certaine sonorit de la musique qui est directement lie telles ides : par exemple, certains sons trs longs, trs tendus qui font partie de cette espce dunivers non pas fig, mais extraordinairement vitrifi. BOULEZ : 1975, p. 123.

  • O estilo composicional de Pierre Boulez nas obras Anthmes e Anthmes 2

    33

    concluso, respectivamente. Estas duas peas foram inspiradas nos poemas de Mallarm, Don du pome (1865) e Tombeau (1897). Existe um simbolismo na escolha destes poemas cuja temtica se enquadra na estrutura desta obra: Don expressa a ideia de nascimento e Tombeau a ideia de morte.

    Em 1958, durante a composio de Pli selon Pli, Boulez escreveu uma obra para orquestra e fita magntica inspirada no poema Posie pour Pouvoir83 de Henri Michaux. Esta obra foi o primeiro ensaio importante de Boulez na rea da msica electroacstica e um dos primeiros exemplos de msica mista na medida em que incorpora o som instrumental da orquestra e o som electroacstico da fita magntica. Segundo Boulez a tecnologia electroacstica um meio privilegiado de enriquecimento do universo sonoro na medida em que permite superar as limitaes acsticas dos instrumentos tradicionais e as limitaes tcnicas dos instrumentistas, abrindo um novo campo de possibilidades criativas. Boulez, desde o incio da investigao com esta tecnologia, teve como objectivo integrar, nas suas composies, os dois meios acsticos, o instrumental e o electrnico. Assim, a concepo de Posie pour Pouvoir indica duas direces importantes do pensamento de Boulez quanto utilizao destes recursos:

    1. Continuidade entre som instrumental / som electroacstico; 2. Espacializao do som. Quanto ao primeiro ponto Boulez refere: Javais tent lpoque cest

    une ide que jai encore, mais que jessaye dattraper par dautres moyens maintenant quil y ait une continuit entre lorchestre et la bande ; je ne dis pas que cela ait russi ; mais ctait en tout cas le but. 84 O problema com o qual Boulez se deparou ao realizar esta obra foi a heterogeneidade entre os dois meios sonoros : () quand on avait essay de mler les instruments et des musiques faites sur bandes, cest vraiment lhtrognit et la coupure complte entre les deux milieux. Dans lun il y avait un langage harmonique, cod, et une hirarchie extrmement prcise dun systme de hauteurs, et mme si on sortait extnu de ce systme de hauteurs, la hirarchie tait extrmement forte ; et

    83

    Posie pour pouvoir, para orquestra e fita magntica, composta em 1958 sobre textos de Henri Michaux, foi estreada a 19 de Outubro de 1958, em Donaueschingen, pela Orquestra Sinfnica do SWF de Baden-Baden, dirigida por Rosbaud e Boulez. 84

    BO