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7/28/2019 Estado e Soberania
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE SANTA CRUZ
JOO LUCAS IJINO SANTANA
O PAPEL DA PARADIPLOMACIA NAS RELAES INTERNACIONAIS:
a ascenso das unidades subnacionais num contexto mundial globalizado
ILHUS BAHIA2009
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE SANTA CRUZ
JOO LUCAS IJINO SANTANA
O PAPEL DA PARADIPLOMACIA NAS RELAES INTERNACIONAIS:
a ascenso das unidades subnacionais num contexto mundial globalizado
ILHUS BAHIA2009
Monografia apresentada para obteno de ttulode bacharel em Lnguas Estrangeiras Aplicadass Negociaes Internacionais UniversidadeEstadual de Santa Cruz.
rea de concentrao: Relaes Internacionais
Orientador: Prof. Ms Clodoaldo Silva da Anunciao
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JOO LUCAS IJINO SANTANA
O PAPEL DA PARADIPLOMACIA NAS RELAES INTERNACIONAIS:
a ascenso das unidades subnacionais num contexto mundial globalizado
Ilhus BA, / /2009
_______________________________________________Prof. Ms. Clodoaldo Silva da Anunciao
(Orientador)
_______________________________________________Prof. Ms. Cesrio Alvim Pereira Filho
(Parecerista)
_______________________________________________Prof. Ms. Samuel Leandro Oliveira de Mattos
(Parecerista)
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DEDICATRIA
Dedico este trabalho aos meus pais, Jos
Carlos e Eunice, aos meus irmos, Mateus
e Marcos e a todos aqueles que de alguma
forma contriburam para a realizao
deste sonho.
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AGRADECIMENTO
A Deus pela fidelidade e infinitas bnos derramadas ao longo dos ltimos quatro
anos e meio;
A minha famlia pelo carinho e apoio incondicional de todas as horas, sem os quais
no teria chegado at aqui;
A Sara pela amizade, incentivo e companheirismo que marcaro para sempre a minhavida, o meu muitssimo obrigado e eterna admirao;
Ao meu orientador professor Clodoaldo Anunciao que com muita disposio e
entusiasmo dedicou parte do seu escasso tempo, incluindo finais de semana, para orientar-me
na conduo deste trabalho.
Aos professores Srgio de Cerqueda, Patrcia Argolo, Sylvie de Magalhes, Janana
Soares, Eduardo Mielke, Reinaldo Soares, Samuel Mattos e Jorge Miguel, pelo aprendizadoacadmico e de vida. Um agradecimento especial ao prof. Cesrio Alvim pela amizade
constante e pelos conselhos sempre sinceros;
Aos querido colegas e amigos, em especial aos membros da diretoria: Vincius,
Juliana, Samara, Geraldo, Joildo, Ilana e Gabriela;
A Ilka Menezes que, mais do que uma simples secretria, foi uma amiga sempre
disposta a solucionar os problemas burocrticos, demonstrando competncia e
profissionalismo no exerccio de suas atribuies no Colegiado do LEA;
Por fim, a todos os colegas e amigos que de alguma maneira passaram pela minha vida
ao longo da caminhada acadmica, o meu muito obrigado.
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Epgrafe
Mas o puro realismo no pode oferecer nada alm de uma luta nua pelo poder, que
torna qualquer tipo de sociedade internacional impossvel. Tendo demolido a utopia
atual com as armas do realismo, ainda necessitamos construir uma nova utopia para
ns mesmos, que um dia haver de sucumbir diante das mesmas armas. (...) aqui,
portanto, est a complexidade, o fascnio e a tragdia de toda vida poltica. A poltica
composta de dois elementos utopia e realidade pertencentes a dois planos
diferentes que jamais se encontram.
Edgar Carr, Vinte Anos de Crise
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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ABM Associao Brasileira de Municpios
AFEPA Assessoria Especial de Assuntos Federativos e Parlamentares
CNM Confederao Nacional de Municpios
DIP Direito Internacional Pblico
EUROCITIES Rede de cidades europias
FNP Frente Nacional de Prefeitos
MERCOCIDADES Rede de cidades do Mercosul
MRE Ministrio das Relaes Exteriores
OEA Organizao dos Estados Americanos
ONU Organizao das Naes Unidas
SCI Sister Cities International
UE Unio Europia
UNALE Unio Nacional dos Legislativos Estaduais
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SUMRIO
Resumo.................................................................................................................................. viii
Abstract................................................................................................................................. xix
INTRODUO.................................................................................................................... 10
1. ESTADO E SOBERANIA............................................................................................... 12
1.1 Elementos Constitutivos do Estado.................................................................................. 15
1.2 Origem e Evoluodo Estado.......................................................................................... 17
2. A SOBERANIA NA ATUALIDADE............................................................................. 24
2.1 Soberania e Globalizao.................................................................................................. 24
2.2 Soberania eDiplomacia.................................................................................................... 30
3. PARADIPLOMACIA...................................................................................................... 37
3.1 Paradiplomacia: definies e elementos conceituais....................................................... 37
3.2 Paradiplomacia: uma viso dialtica............................................................................... 41
3.2.1 Aspectos cooperativos da paradiplomacia................................................................. 43
3.2.2 Aspectos conflitivos da paradiplomacia..................................................................... 44
3.3. AParadiplomacia no Brasil............................................................................................. 48
CONSIDERAES FINAIS.............................................................................................. 53
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O PAPEL DA PARADIPLOMACIA NAS RELAES INTERNACIONAIS:
a ascenso das unidades subnacionais num contexto mundial globalizado
RESUMO
As novas tecnologias da comunicao e do transporte transcontinental modificaramradicalmente no apenas o modo como vemos ao outro, mas tambm a percepo que temos
de ns mesmos, alterando profundamente nossa viso de mundo. Em funo destastransformaes, vivencia-se na atualidade uma revoluo epistemolgica que alcana todas asreas do conhecimento humano. Nesta perspectiva, as Relaes Internacionais assistem aosurgimento de um novo e dinmico fenmeno, nominado paradiplomacia, qual seja, oconjunto de relaes estabelecidas entre unidades subnacionais (estados, regies,departamentos, provncias, municpios, etc.) em mbito regional, internacional e global. A
participao ativa destes novos atores no cenrio internacional requer uma reviso do conceitoclssico de soberania, uma vez que a atuao das unidades subnacionais, grosso modo, carecede embasamento e regulamentao jurdica, tanto do Direito Internacional quanto das
legislaes internas de cada pas. Diante da atualidade e relevncia acadmica que o temaencerra, este trabalho objetiva analisar o papel da paradiplomacia nas Relaes Internacionaisa partir de um estudo que procura sistematizar a literatura existente sobre o assunto, fazendouma retrospectiva histrica da origem e evoluo do fenmeno. Este estudo que leva em contaos aspectos cooperativos e conflitivos da paradiplomacia por meio de uma abordagemhistrico-dialtica, visa tambm apresentar um panorama do atual estgio de desenvolvimentoda paradiplomacia no Brasil e prope uma reflexo acerca dos avanos e desafios impostos sua expanso e consolidao no cenrio nacional e internacional.
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THE ROLE OF PARADIPLOMACY IN INTERNATIONAL RELATIONS:The emergency of subnational units in a globalized world context
ABSTRACT
The new technologies of communication and transcontinental transports have changed
radically not only the way we see other people, but also how we understand ourselves,changing deeply our perception of the world. As a result of those changes there is anepistemologic revolution nowadays that reachs all human knowledges fields. In this regard,it is possible to identify the emergency of a new and dynamic phenomenon called
paradiplomacy, which means the relations established among the subnational units (states,departaments, cities, etc.) in the regional, international and global stage. The proactive
participation of those new players in the international scenario demands a review of theclassical concept of sovereignty, because the initiatives of the subnational units do not havethe support of the International Law nor the legislations of the countries either. Since it is an
up to date important subject, this paper aims to do an analysis of the role of paradiplomacy inthe International Relations. In order to do so, it does a bibliografic review performing ahistorical reconstitution of the origin and evolution of the phenomenon taking into account theelements of tension and co-operation of the paradiplomacy through a historic-dialeticapproach. It also seeks to give a briefing of the current level of paradiplomacy development inBrazil. Finally, it proposes a discussion about the gains and challenges to the expansion andconsolidation of paradiplomacy in the national and international scenario.
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INTRODUO
O aprofundamento do processo de globalizao ocorrido com a quebra do paradigma
bipolar da Guerra Fria, que norteou as Relaes Internacionais por quase meio sculo, e a
consequente configurao de um mundo multipolar, abriu novas perspectivas para a atuao
dos Estados nacionais no concerto das naes, sobretudo entre os ditos pases emergentes ou
em desenvolvimento. Se por um lado, este novo cenrio multipolar e participativo favorece a
atuao dos Estados nacionais, por outro, constitui-se em espao aberto para a atuao de
novos atores, os quais se constituem objeto desta pesquisa.
A mundializao da economia capitalista, a interdependncia dos mercados
financeiros, a expanso exponencial do mercado mundial, a criao de zonas de livre
comrcio e blocos econmicos e a proliferao de ONGs e organismos internacionais, entre
outros, demonstram claramente o grau de complexidade e polifonia por que passam asRelaes Internacionais contemporneas, estas, j no mais restritas a atuao exclusiva dos
Estados nacionais. No bojo deste conjunto de mudanas, surge a paradiplomacia, fenmeno
poltico-social relativamente recente e ainda pouco estudado em mbito acadmico que,
diante do contexto atual de interdependncia das Relaes Internacionais, tende a observar um
notvel crescimento durante as prximas dcadas.
O objeto de estudo desta pesquisa analisar o papel exercido pela paradiplomacia nas
Relaes Internacionais, a partir da constatao de que as unidades subnacionais (estadosfederados, municpios, cantes, departamentos, provncias, landers etc.) vem assumindo um
papel mais participativo na conduo da poltica externa dos Estados, fato que tem provocado
uma revoluo paradigmtica na poltica internacional tradicional.
O objetivo deste trabalho discutir o fenmeno paradiplomtico, analisar sua gnese e
evoluo e buscar compreender sua dinmica na atualidade. Os objetivos especficos so:
definir a paradiplomacia luz da literatura especializada; avaliar seus aspectos cooperativos e
conflitivos; e traar o panorama atual da atividades paradiplomticas em curso no Brasil.
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As principais referncias tericas utilizadas para a realizao desta pesquisa foram os
estudos pioneiros de SOLDATOS (1990) e DUCHACEK (1990). Nos anos 80, os referidos
autores deram o ponta p inicial nos estudos acadmicos sobre a temtica paradiplomtica,
tomando como base a experincia canadense no Quebc. Logo, os pressupostos tericos
elaborados em seus escritos constituem ponto de partida da maioria dos trabalhos sobre sobre
o tema realizados no Brasil e em outros pases. Tambm foram utilizados trabalhos de autores
nacionais, a exemplo de SALOMN & NUNES (2007), SILVA (2006) e GAMBINI (2007),
entre outros. Alm dos autores supracitados, foram consultadas obras de autores clssicos da
Cincia Poltica, como Rousseau, Maquiavel, Hobbes e Locke. Lanou-se mo, igualmente,
de estudiosos nacionais da Teoria Geral do Estado, como FIGUEIREDO (2001), MALUF
(2008) e AZAMBUJA (1995). Ademais, procedeu-se a coleta de dados primrios esecundrios em stios institucionais na internet. Para a estruturao do trabalho, utilizou-se o
mtodo dialtico, com enfoque no aspecto terico-conceitual.
O trabalho est estruturado em trs captulos. No primeiro deles, revisitamos os
conceitos clssicos de Estado e soberania a partir da perspectiva histrica da formao e
evoluo dos Estados. Esta contextualizao histrica acerca da evoluo da noo de Estado
e de soberania fundamental para se compreender o modo como o Estado moderno foi
estruturado e como se encontra nos dias atuais.No segundo, debatemos a relativizao do conceito de soberania estatal frente s
mudanas introduzidas pela globalizao e refletimos acerca dos processos de reconfigurao
das Relaes Internacionais a partir da atuao dos chamados novos atores globais.
No terceiro e ltimo captulo, estudamos o fenmeno paradiplomtico e suas
implicaes. Este captulo subdivide-se em trs partes: na primeira, analisamos a
paradiplomacia do ponto de vista terico-conceitual com base na literatura existente. Na
segunda, analisamos os aspectos de cooperao e de conflito que secundam as relaesparadiplomticas. Na terceira, apresentarmos um panorama dessas relaes no Brasil,
estudando sua gnese, evoluo e estgio atual, para ento apresentarmos as consideraes
finais.
A paradiplomacia, por tratar-se de fenmeno em pleno desenvolvimento, constitui
assunto de grande relevncia para a compreenso das novas dinmicas presentes nas Relaes
Internacionais. Logo, este trabalho visa a contribuir para a discusso acadmica sobre o tema
e avaliar seus reflexos e implicaes para as Relaes Internacionais na atualidade.
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1. ESTADO E SOBERANIA
Neste captulo sintetizaremos os processos de formao e evoluo, bem como as
formas de classificao do Estado, ou da sociedade poltica. Para tanto, mister revisar alguns
conceitos que so caros compreenso do fenmeno estatal e do feixe de relaes que se
estabelecem entre o Estado e a coletividade dos indivduos.
Inicialmente cabe procedermos distino entre as noes de Estado e nao, posto
que, no raras vezes, ambos os termos so utilizados de modo inadequado e em sentidos
diametralmente opostos. Maluf (2008) afirma que, se por um lado, a nao compreende uma
realidade sociolgica, por outro, o Estado representa uma realidade jurdica. Para ele A
nao anterior ao Estado. Alis, pode ser definida como a substncia humana do Estado1.
Neste sentido, a palavra nao pode ser substituda por Povo, sem qualquer prejuzo
semntico ou conceitual.
No entender de Clvis Bevilqua, citado por Maluf (2008, p. 21), o Estado a
sociedade que se coage; e para poder coagir que ela se organiza tomando a forma pela qual
o poder coativo social se exercita de um modo certo e regular; em uma palavra, a
organizao das foras coativas sociais. Para Montesquieu, um Estado (civitas) a
unificao de uma multiplicidade de homens sob leis jurdicas (MONTESQUIEU apudRUSS, 1991, p. 93). Figueiredo (2001, p.44), por sua vez, defende que o Estado
[...] a pessoa poltica e jurdica, fenmeno que pode ser estudadosociologicamente ou juridicamente. O Estado o poder institucionalizado que devesempre garantir a liberdade do homem, de acordo com seus desejos legtimos,mediante regras preestabelecidas pelo homem. igualmente centro de decises e decomportamentos ou impulsos, visando realizao das finalidades humanas. Devesobretudo ser controlado pelo homem e no ao contrrio. Em sua dinmica deve
procurar o equilbrio entre o desenvolvimento e a paz, a tecnologia e o humanismo,
sem prevalncia da burocracia.
1 Ibid., p.16.
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Devemos ter em mente que o Estado, antes de tudo, se constri socialmente, porquanto
obra da inteligncia e da vontade dos membros do grupo social, ou dos que nele exercem o
governo e influncia (AZAMBUJA, 1995, p. 3). Ao contrrio de outras formas de
organizao social como a famlia e a igreja a sociedade poltica inescapvel, uma vez
que todos os indivduos esto sujeitos s leis, independente de sua vontade. Azambuja
corrobora esse conceito ao declarar que da tutela do Estado, o homem no se emancipa
jamais. O Estado o envolve na teia de laos inflexveis, que comeam antes de seu
nascimento, com a proteo dos direitos do nascituro, e se prolongam at depois da morte, na
execuo de suas ltimas vontades2.
Para melhor apreendermos o conceito de Estado cabe elucidar o conceito de soberania,
uma vez que este se confunde com a prpria idia de Estado. Para tanto, tomemos como base
o que tratam alguns autores a respeito do tema.
Accioly (1978) conceitua soberania como sendo a autoridade que possui o Estado para
decidir sobre questes de sua competncia. Para Maluf (2008, p.29), o Estado definido
como a autoridade superior que no pode ser limitada por nenhum outro poder. J a
soberania traduz-se por poder de imprio, ou seja, a capacidade que possui o Estado de
coagir e constranger o cidado para o cumprimento das regras, leis e princpios estabelecidosna esfera social e no ordenamento jurdico. Santos (2008), por sua vez, define a concepo
clssica de soberania onipresente no pensamento de Jean Bodin como absoluta, perptua,
indivisvel, inalienvel e imprescritvel.
A concepo de soberania est ligada a idia de uso da fora enquanto instrumento de
legitimao do poder do Estado. Em outras palavras, a capacidade de o Estado fazer valer a
sua vontade. Vale salientar que a doutrina da soberania surge da luta travada, nos sculos
XVII e XVIII, entre a monarquia francesa, o papado e as foras feudais pela proeminncia
poltica (FIGUEIREDO, 2001). Assim, a afirmao da idia de soberania na acepo
clssica do termo est intimamente ligada ao surgimento do absolutismo na Europa e a
consequente perda de poder relativo da igreja no plano temporal.
2 Ibid., p. 4.
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No obstante, a viso rousseauniana considera a soberania como o exerccio da
volont gnral3, ou seja, a materializao da vontade da maioria dos membros da sociedade
organizada politicamente. Em sntese, Rousseau introduz o conceito de soberania popular, em
contraposio a idia de soberania estatal. Cabe aqui uma distino feita pelo autor entre a
vontade de todos e a vontade geral. A vontade de todos, nada mais que a soma dos
interesses particulares, ao passo que a vontade geral tem como alvo a satisfao dos anseios
da coletividade, ou seja; a busca do bem comum, sendo esta a que deve nortear as aes do
Estado.
A Constituio brasileira de 1988 utiliza o princpio roausseauniano de soberania
popular, expresso em seu Art. 1, pargrafo nico, ao declarar que: Todo o poder emana do
povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente.... Na carta magna, a
soberania popular vista como um dos princpios fundamentais do Estado brasileiro.
A soberania4 ousumma potestas pode ser vista sob dois aspectos: o da autonomia e o
da independncia ou igualdade dos Estados. O primeiro aspecto se d no plano interno,
enquanto poder de imprio. a capacidade que possui o Estado de gerir os negcios internos
sem qualquer interveno aliengena. O segundo aspecto reflete-se nas relaes que se
estabelecem entre diferentes soberanias. Logo, entre dois ou mais Estados.Segundo o Direito Internacional, todos os Estados so formalmente iguais, assim
como, segundo a constituio brasileira, todos os cidados so iguais perante a lei. Vale
salientar que tal igualdade encontra-se exclusivamente no plano terico-normativo, j que os
Estados, em sendo entidades soberanas, decidem submeter-se ou no s resolues
internacionais, segundo seus prprios interesses e circunstncias. Ademais, o poderio
econmico e militar, e a preponderncia poltica, alm de outros fatores, fazem com que
pases iguais, in juris, na prtica, recebam tratamento diferenciado segundo o seu grau deimportncia. A esse respeito, reflete Ferrajoli (apud SANTOS, 2008, p. 49, 50):
3 Vontade geral (traduo livre).4 Jos Incio de Freitas Filho, em artigo intitulado A Relativizao da Soberania Estatal, elenca as seguintes
caractersticas da soberania: una e indivisvel; prpria e indelegvel; irrevogvel; suprema e independente.Disponvel em: . Acessoem: 22 abr. 2009.
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Aps a descolonizao promovida pelas Naes Unidas, o paradigma do Estadosoberano estendeu-se no mundo todo. E, todavia, o antigo princpio vitoriano daigual soberania dos Estados, sancionado pelo artigo 2 da Carta, hoje, mais doque nunca, desmentido pela concreta desigualdade entre eles, fruto inevitvelda prevalncia do mais forte e, portanto, pela existncia de soberanias limitadas...
(grifo de Santos).
Segundo Ferrrajoli (2002), o Estado constitucional, pelo qual o direito regula-se a si
prprio, funciona como dispositivo limitador da soberania interna. A soberania externa, por
sua vez, s passa a sofrer limitao, com a adoo da Carta da ONU de 1945 que, nas palavras
do prprio Ferrajoli equivale a um contrato social internacional, e a Declarao Universal
dos Direitos do Homem de 1948. Por estes dois instrumentos jurdicos os Estados so
retirados, ao menos em tese, do estado de natureza, sendo introduzidos no convvio social dacomunidade internacional, convvio este que regido pelos princpios de manuteno da paz e
respeito aos direitos humanos.
Feitas as considerao iniciais acerca das noes de Estado e de soberania, passemos a
anlise de seu surgimento e evoluo ao longo dos sculos.
1.1 Elementos Constitutivos do Estado
Segundo os tericos o Estado constitudo por trs elementos: populao, territrioe
governo. O primeiro termo enumerado apresenta grande controvrsia conceitual entre os
doutrinadores. Para alguns estudiosos da Teoria Geral do Estado, a exemplo de Marcelo
Figueiredo, o termo mais adequado seria povo ao invs depopulao, ao passo que autores
como Sahid Maluf preferem o termo populao. O conceito, grosso modo, circunscreve-se ao
campo semntico. Isto , da forma como o autor classifica o primeiro elemento constitutivo
do Estado.
Segundo Kant, povo pressupe nao, pois entendido como (...) a massa dos
homens reunidos numa determinada regio, desde que constituam um todo. Esta massa, ou os
elementos desta massa, a quem uma origem comum permite reconhecer-se como unida numa
totalidade civil, chama-se nao (gens) (KANT apud RUSS, p. 193, 1991).
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Pelo exposto, denota-se que a palavra povo expressa uma realidade subjetiva-
valorativa, ao passo que populao encerra um conceito objetivo e quantificvel. Neste caso,
tomaremos o termo populao, por ajustar-se conceitualmente aos objetivos do nosso
trabalho. Tal como apontado por Maluf (2008, p. 17), populao a expresso que envolve
um conceito aritmtico, quantitativo, demogrfico, pois designa a massa total dos indivduos
que vivem dentro das fronteiras e sob o imprio das leis de um determinado pas.
O territrio segundo elemento constituinte concebido por Figueiredo (2001)
como a base fsica do Estado. Segundo GROPPALI (1953, p. 150), territrio o limite
espacial dentro do qual o Estado exerce de modo efetivo e exclusivo o poder de imprio sobre
pessoas. Sem territrio no h Estado possvel, ainda que haja nao. A ttulo de exemplo,
consideremos o caso do povo judeu. O sionismo movimento nacionalista que congregou
judeus de todo o mundo foi a base ideolgica que legitimou a reivindicao dos judeus pela
constituio do Estado de Israel. A nao hebraica, desprovida de territrio, no possua um
Estado, at que, com o fim da II Guerra Mundial, criou-se o Estado de Israel com capital em
Tel-Aviv.
O governo terceiro elemento constituinte entendido por Foucault (apud RUSS,
p.125, 1991) como o conjunto de tcnicas e procedimentos destinados a dirigir a conduta doshomens. Nos regimes democrticos (parlamentares ou presidencialistas) o governo
formado pela populao, a qual detentora da soberania nacional. Isto implica na delegao
de poderes a um partido ou grupo de partidos para que este promova o bem comum, j que a
titularidade da soberania, em ltima instncia, pertence ao povo, isto , a populao, ou a
parte da populao possuidora de direitos polticos e civis: os votantes e a sociedade civil
organizada.
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1.2Origem e evoluo do Estado
Em Cincia Poltica, a discusso acerca da origem do Estado , sem dvida, das mais
controversas, dada a multiplicidade de teorias e hipteses levantadas, no intuito de elucidar tal
conceito. Estas teorias classificam-se do seguinte modo: teorias da origem familial do Estado;
teorias da origem violenta do Estado e teorias da origem contratual do Estado. Os Estados
tambm podem ser classificados a partir do modo como surgiram: formao natural; formao
histrica e formao jurdica. Consideremos o que prepem cada uma destas hipteses.
As teorias da origem familial teoria patriarcal ou patriarcalista, pater familias, e teoriamatriarcal ou matriarcalista partem do princpio de que o Estado uma extenso da famlia,
pois, assim como essa a unidade nuclear da sociedade, seria igualmente o ponto de partida
para o surgimento do Estado. Segundo as teorias da origem familial, as relaes endogmicas,
responsveis pela expanso do ncleo familiar, teriam ampliado o poder do lder patriarca
ou matriarca dando origem s primeiras reas de ocupao que, aglomerando-se umas s
outras, originaram os primeiros povoamentos e, por conseguinte, as primeiras experincias de
organizao social.
As teorias da origem violenta do Estado partem da premissa de que as guerras de
conquista forjaram toda a evoluo da humanidade e, como no poderia ser diferente, esto no
cerne da criao e consolidao das primeiras formas de Estado. Nos estgios iniciais da
civilizao os vencedores costumavam sacrificar os povos vencidos em rituais
antropofgicos. Com o passar do tempo, descobriram que ao invs de sacrific-los, poderiam
escraviz-los. Assim, os povos vencedores passaram a explorar economicamente os povos
vencidos em benefcio prprio, dando origem a vrios Estados.
A terceira grande corrente epistemolgica corresponde s teorias contratuais, segundo
as quais, o Estado surgiu de um acordo de vontades entre os membros da sociedade, atravs
do estabelecimento de um contrato subjetivo.
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A idia da existncia de um contrato social antiga e remonta aos pensadores da Grcia
antiga. , porm, com Rousseau e Hobbes que tal concepo ir atingir o seu pice,
constituindo a base da construo do Estado moderno. Para Rousseau, o Estado est a servio
do cidado, ou da volont gnrale resulta do livre acordo entre os membros da sociedade.
Por esse contrato, cada indivduo decide ceder parte de sua autonomia em prol do bem
comum. , por assim dizer, do livre consentimento dos cidados que surge o Estado. Este
nada mais do que mero instrumento de promoo da liberdade e da igualdade entre os
homens.
Em contrapartida, Hobbes afirma que o contrato social no resultou da aquiescncia dos
indivduos, mas da necessidade premente de controle e organizao social. A tese hobbesiana
parte do princpio de que o homem, ao viver em estado de natureza, precisava criar condies
mnimas para o convvio em sociedade, j que este mesmo homem originariamente egosta e
competitivo Homo homine lupus . Dito em outras palavras, o contrato social, pelo qual os
cidados cedem ao Leviat (o Estado, deus mortal) a Soberania antes uma contingncia que
uma livre eleio. Se para Rousseau a Soberania reside no povo, para Hobbes ela o prprio
Leviat, absoluto e soberano.
Segundo a teoria da formao natural, o Estado teria surgido da prpria evoluo dacivilizao, a partir do momento em que o homem abandonou o nomadismo e se estabeleceu
definitivamente em dado territrio. As novas atividades resultantes da fixao do homem na
terra teriam criadoper si as condies para o surgimento do Estado. Azambuja (1995) parece
compartilhar da teoria da formao natural ao afirmar que o Estado surge quando os homens
atingem o estgio de civilizao, fato que ocorre com a transformao das sociedades
nmades em sociedades sedentrias.
A teoria da formao histrica, por sua vez, aponta trs modos bsicos de formao dos
Estados, quais sejam: a) formao originria quando um Estado surge sem derivar de outro
preexistente; b) formao secundria esta decorre da unio de vrios Estados ou da diviso
de um Estado anterior e; c) formao derivada quando foras exteriores atuam na
constituio de um novo Estado.
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Por fim, h que se mencionar a teoria da formao jurdica. Esta teoria dicotmica,
uma vez que os doutrinadores se dividem entre aqueles que identificam o nascimento de um
Estado a partir do momento em que o mesmo dotado de constituio, e aqueles que
acreditam ter o Estado o seu nascimento no momento em que recebe o reconhecimento da
comunidade internacional. Contudo, essa uma questo menor, j que tal divergncia no
afasta uma corrente da outra, posto que ambas identificam o surgimento do Estado sob o
aspecto jurdico.
O crivo da histria nos mostra que as concepes de Estado mudaram bastante ao longo
dos sculos, atendendo aos imperativos sociais de cada poca. Na antiguidade, o Estado
forjado dentro da religio e vice-versa. Prova disto a formao de inmeros Estados
teocrticos, a exemplo do Egito e do Estado hebreu. recorrente nesse perodo, a divinizao
da pessoa do monarca. Neste perodo ele prprio era a personificao do Estado, pois era
dotado de prerrogativas temporais e espirituais, tornando-se o representante direto de Deus na
terra, quando no o prprio Deus. Neste tempo histrico, os Estados eram, via de regra,
divididos em castas e a mobilidade social era praticamente inexistente. O Estado era, antes de
tudo, um meio de conteno das tenses sociais e visava manuteno dostatus quo.
, contudo, napolis grega e na civitas romana onde se encontram os primeiros ensaiosde organizao scio-estatal que serviro de modelo para os Estados ocidentais das eras
seguintes. As cidades-estado gregas, as quais constituam micro repblicas, regiam-se sob o
princpio da democracia e da cidadania, muito embora grande parte da populao vivesse a
margem da vida poltica da polis. J as civitas, centro poltico do Imprio Romano,
forneceram-nos instituies scio-jurdicas ainda latentes na sociedade contempornea. O
direito romano e a prpria noo de repblica res publica ou coisa pblica so
exemplos desse legado.
Com a desagregao do Imprio Romano, o direito e o Estado passam por um longo
perodo de retrao. A insegurana e a instabilidade social, ocasionadas pelas invases dos
povos germanos, ensejam um retorno forado a formas genricas de aglomerao tribal, do
qual os feudos so o maior expoente.
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Neste perodo, nominado Idade Mdia, a igreja romana exerce a proeminncia poltica
no mundo ocidental, atravs da teoria da investidura divina e da indivisibilidade dos poderes
espiritual e temporal. Eram os papas quem coroavam e destituam os reis, declaravam guerra,
selavam a paz e extinguiam ou criavam reinos, segundo o alvitre e a convenincia poltica de
cada um. Vive-se, ento, a era da personificao do Estado na pessoa do soberano, dentre os
quais, o chefe da igreja era o sumo sacerdote e rbitro inconteste das disputas polticas.
No obstante, com o advento do absolutismo na Europa continental, este poder
aparentemente inabalvel, passa a ser contestado. Inmeros pensadores, dos quais Nicolau
Maquiavel, Jean Bodin e Thomas Hobbes, so os mais clebres expoentes, questionaram a
subordinao do Estado Igreja e advogaram em favor da soberania estatal atravs de seus
escritos. O iderio absolutista que pode ser sintetizado na clebre frase atribuda a Luis
XIV: o Estado sou eu foi fundamental no processo de secularizao da vida poltica na
Europa, uma vez que se contrapunha ao poder da Igreja.
Ainda a propsito do absolutismo, vale mencionar a importncia do pensamento
maquiavelista para sua legitimao e justificao. A teoria de Maquiavel parte de uma viso
pessimista do ser humano, na qual todos os homens so maus por natureza. Dos homens, em
realidade, pode-se dizer genericamente que eles so ingratos, volveis, fementidos edissimulados, fugidios quando h perigo, e cobiosos (MAQUIAVEL, 2007, p. 80).
Em sua filosofia finalstica, Maquiavel prega que, se preciso for, o soberano deve-se
utilizar de meios moralmente reprovveis para obter os resultados polticos desejados. Sua
concepo vulgarizou-se como a teoria dos fins justificam os meios. O referido autor
explica que:
[...] a experincia nos faz ver que, nestes nossos tempos, os prncipes que mais sedestacaram pouco se preocuparam em honrar as suas promessas; que, alm disso,eles souberam, com astcia, ludibriar a opinio pblica; e que, por fim, aindalograram vantagens sobre aqueles que basearam as suas condutas na lealdade(MAQUIAVEL, 2007, p. 84).
E prossegue afirmando
Assim, devemos saber que h dois modos de combater: um, com as leis; o outro,com a fora. O primeiro modo prprio do homem; o segundo, dos animais. Porm,como o primeiro muitas vezes mostra-se insuficiente, impem-se um recurso aosegundo. Por conseguinte, a um prncipe necessrio valer-se dos seus atributos deanimal e de homem (MAQUIAVEL, 2007, p. 84).
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Para Maquiavel a poltica essencialmente exerccio de poder que, s vezes, ocorre por
meio da fora. Neste sentido afirma que o prncipe deve fazer por onde alcanar e sustentar o
poder: os meios sero sempre julgados honrosos e por todos elogiados [...] (MAQUIAVEL,
2007, p. 87). Seu pensamento crivado de idiossincrasias sustenta a personificao do
soberano, este, depositrio da soberania estatal.
Em sntese, no se pode dizer que sua filosofia poltica seja imoral, mas sim amoral.
Uma teoria finalstica que tem como princpio basilar o divrcio entre a poltica e a moral.
Neste universo gravita a obra de Maquiavel, sempre citada e criticada por inmeros
pensadores ao longo dos ltimos quinhentos anos.
A superao do Estado absolutista ocorre graas a um conjunto de modificaes
polticas, econmicas e sociais nominado liberalismo que nasce e consolida-se ao longo
dos sculos XVII e XVIII. Com base neste novo paradigma funda-se o chamado Estado
Moderno, o qual tem como uma de suas principais caractersticas a supremacia da soberania
estatal em contraposio ao poder desptico e ilimitado dos reis.
A reao antiabsolutista desencadeada pelo liberalismo desestabilizou o ancien
rgime5, deixando marcas profundas na sociedade ocidental. A doutrina liberal forjada no
pensamento dos contratualistas John Lock, Rousseau e Montesquieu tem na defesa
incondicional das liberdades individuais seu principal corolrio. Este princpio fundamental
em muito contribuiu para as Revolues Liberais como as Revolues Francesa e
Americana , delineando as bases que moldaram a moderna democracia. Ademais, o
liberalismo econmico dos pensadores clssicos, a exemplo de Adam Smith e David Ricardo,
bem como o advento da Revoluo Industrial, contriburam para a extino definitiva do
regime monrquico absolutista europeu.
No obstante, com a vitria do liberalismo sobre o absolutismo observou-se, no incio
do sculo XX, o surgimento de vrios projetos alternativos e antagnicos ao modelo liberal,
numa aspiral dialtica que levou a novas formas de organizao estatal, a exemplo do
socialismo. Enquanto o termo liberal remete-nos a idias como individualismo e livre
iniciativa, o socialismo que vem da raiz social tem como inspirao a construo do bem
comum de maneira coletiva, visando mitigar as desigualdades existentes no mundo real. Estas
desigualdades, por sua vez, no so levadas em conta na filosofia liberal, a qual coloca todos
5 Antigo regime (traduo livre)
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os homens em p de igualdade no plano formal. Vale salientar que, ao contrrio do Estado
comunista-marxista, o Estado socialista, no necessariamente anti-capitalista. O Estado
social toma pra si a incumbncia de atender s presses sociais, a prestar servios de toda
ordem, a interferir na realidade social e econmica a fim de distribuir ou atingir a justia
social (FIGUEIREDO, 2001, p. 77). O Estado socialista objetiva a promoo do bem estar
social, sem, contudo, comprometer as liberdades individuais ou contestar as bases do sistema
econmico liberal.
O modelo de Estado comunista, por sua vez, prope uma soluo radical. Este o
cerne do totalitarismo, o qual se apresenta sob as mais variadas formas, tais como o fascismo,
o nazismo e o comunismo. Ainda que apresentem orientaes poltico-ideolgicas distintas, o
eixo que une esses modelos tericos a elevao do Estado condio de protagonista na
vida poltica, sendo o individuo absorvido por ele. luz de tais concepes, o cidado deixa
de ser servido pelo Estado, passando a servi-lo. Tudo pelo Estado, atravs do Estado e para o
Estado. Sobre isso, Figueiredo designa que Estado totalitrio toda e qualquer organizao
de poder em que o autoritarismo e a centralizao esto fortemente presentes6.
Durante o sculo XXo mundo assistiu a um grande embate ideolgico, travado entre
duas propostas de Estado opostas e excludentes. De um lado, o Estado liberal democrtico-burgus, representado pelos Estados Unidos, e de outro, o modelo estatal comunista-marxista,
capitaneado pela extinta Unio Sovitica. Vale ressaltar que, alm das inconciliveis
divergncias ideolgicas, ambos os Estados apresentavam propostas diferenciadas do ponto
de vista do papel do Estado na economia. O primeiro, propugnando o Estado gendarme, o
segundo, pregando a interveno do Estado na economia, atravs de um projeto
desenvolvimentista que tinha como eixo o intervencionismo estatal.
Com a expanso da globalizao e a desagregao da Unio Sovitica, fato que ps
fim a dicotomia Estado liberal versus Estado comunista, instaurou-se um novo momento
histrico na evoluo do Estado. A vitria da ideologia democrtica e do modelo capitalista
de produo geraram uma onda de otimismo na sociedade mundial que levou muitos a
acreditarem na configurao de um mundo multipolar, no fim definitivo dos grandes embates
ideolgicos e no nascimento de uma era de paz duradoura e prosperidade mundial.
6 Ibid., p, 69.
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A elevao dos Estados Unidos a categoria de super-potncia mundial e o avano
tecnolgico advindo da revoluo telemtica contriburam para a mundializao da economia
e das finanas mundiais. Neste contexto de reformulao das estruturas de produo e de
acumulao de riquezas, forjou-se o neoliberalismo, o qual fora consagrado pelo Consenso de
Washington. A partir da a filosofia neoliberal se expandiu para quase todos os cantos do
planeta, levando a globalizao a um estgio de avano e desenvolvimento inditos.
Este turbilho de transformaes desatado com a queda do muro de Berlim teve como
conseqncia inevitvel o enfraquecimento do poder do Estado. A predominncia da
economia sobre a poltica, o crescimento vertiginoso das grandes corporaes multinacionais,
o avano do crime organizado e de prticas delitivas em nvel mundial, as recentes correntes
migratrias e o surgimento de novas formas de organizao poltica e social constituem
alguns dos grandes desafios do Estado moderno, demandando, portanto, uma releitura do
conceito clssico de soberania estatal. Neste sentido, o capitulo seguinte discute a Soberania
sob dois aspectos: o da globalizao e o da diplomacia.
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2. A SOBERANIA NA ATUALIDADE
2.1Soberania e Globalizao
Neste captulo discutiremos de que forma e em que profundidade as mudanas do
mundo ps-moderno, introduzidas pela globalizao, tem afetado ou modificado a concepo
clssica de soberania do Estado-nao. Para tanto, vejamos o que diz Mller (2009, p.1)
acerca do tema:
A questo da soberania hoje inseparvel de uma anlise das transformaesprofundas que a figura do Estado e a da soberania sofreram nos ltimos trinta anos,principalmente com a mundializao da produo capitalista, com o surgimento das
empresas transnacionais, da internacionalizao dos circuitos financeiros e o esboode formao de uma sociedade civil transnacional, que provocam uma eroso dopoder pblico e a fragmentao das atribuies da soberania estatal, quando no oseu desmantelamento, freqentemente executado, alis, por um poder pblicoobediente s injunes da concorrncia capitalista, da diviso internacional dotrabalho e do monitoramento das agncias financiadoras internacionais.
Diante dos fatos contemporneos e da anlise de Mller (2009) acerca da evoluo do
sistema capitalista de produo, com a internacionalizao dos circuitos financeiros e a
formao de uma sociedade civil transnacional, percebe-se a descentralizao e a
instabilidade do Estado, devido quebra das hierarquias e fundamentos que o caracterizavam.
Esta tendncia descentralizadora emerge num contexto de continua globalizao por que
passa a sociedade hodierna. Para Bauman (1999, p.67), o significado mais profundo
transmitido pela idia da globalizao o do carter indeterminado, indisciplinado e de
autopropulso dos assuntos mundiais; a ausncia de um centro, de um painel de controle, de
uma comisso diretora, de um gabinete administrativo.
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Pode-se definir a globalizao como um conjunto de estruturas e processos
econmicos e sociais, tecnolgicos, polticos e culturais suscitados pela evoluo da
produo, do consumo e do comrcio de produtos e de bens que esto base da economia
poltica internacional cujo movimento tem como essncia a tentativa de dissoluo dos
espaos nacionais (RIBEIRO, 2008, p. 40, 41). Sendo assim, a globalizao constitui um
elemento de contestao e relativizao da soberania dos Estados.
A principal face, mas no a nica, da globalizao a economia capitalista, que tem na
expanso dos mercados financeiros seu principal veculo de disseminao. Este fator leva a
uma situao de preeminncia da economia em relao poltica, resultando em menor
presena do Estado nas questes de ordem econmica, mesmo quando essas possam ter
reflexos na esfera social. Por esta razo, Bauman (1999, p. 63) afirma que o capital [...]move-se rpido; rpido o bastante para se manter permanentemente um passo adiante de
qualquer Estado [...] que possa tentar conter e redirecionar suas viagens.
A perda da autonomia estatal no tocante conduo de polticas econmicas
autnomas sintomtica do aspecto extraterritorial do capital (financeiro, comercial e
industrial), fato que resulta na eroso da prpria soberania do Estado. Neste sentido, Ribeiro
(2008, p. 51) declara que mesmo quando no plenamente aceita como tal, a globalizao
transformou certamente o papel do Estado na gesto econmica nacional, vez que a economialiberalizada est acompanhada de uma eroso, freqentemente desejada, aceita e organizada
pelo Estado da soberania poltica. Ainda segundo a autora, a falncia do Estado conduz [...]
a uma apropriao parcial da sua soberania pelas organizaes internacionais [...] a exemplo
do Banco Mundial que refora no seu discurso a primazia dada ao mercado7. Logo, observa-
se que a globalizao impe um grande desafio a primazia do Estado, uma vez que sua
expanso implica na relativizao do conceito de soberania.
Outro grande desafio do Estado contemporneo diz respeito ao seu poder de polcia. Aporosidade das fronteiras resultado do avano tecnolgico dos meios de transporte e
comunicao propicia a disseminao de prticas delitivas em escala mundial. Por esta
razo, a conteno do crime organizado transnacional nas suas mais variadas formas: trfico
de drogas, trfico de rgos, trfico de pessoas, prostituio e o contrabando de armas, entre
outros. Tais fatos desafiam a manuteno do Estado de direito, a exemplo do que ocorre na
Colmbia no combate ao trfico de drogas e na Itlia no enfrentamento das mfias.
7 Ibid., p, 48.
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No obstante, Arnaud e Capeller (2005, p. 229) acreditam no fortalecimento do poder
do Estado frente s ameaas e desafios impostos pelo crime organizado. Afirmam eles que os
efeitos perversos da globalizao, como o caso da criminalidade transnacional, acabam por
determinar novas posies do Estado. Este, ao invs de enfraquecer-se [...] parece aumentar
sua fora quando confrontado ao ataque de sua soberania e sua autodeterminao.
Se por um lado o crime organizado representa uma ameaa ao Estado de direito, ele
vem sendo constantemente confrontado por meio de aes conjuntas dos Estados. Neste
sentido, diversos pases e grupos de pases, a exemplo dos Estados Unidos e da Unio
Europia, vem estabelecendo estratgias supranacionais de controle e monitoramento de
atividades delitivas no intuito de conter o avano do crime organizado transnacional. Apesar
dos fluxos e refluxos, a cooperao entre Espanha e Frana no combate ao grupo ETA,
constitui exemplo de exitosa cooperao internacional em nvel institucional, uma vez que
envolve no somente os respectivos governos, mas tambm as polcias e agncias de
inteligncia dos dois pases.
As recentes correntes migratrias sentido sul-norte fruto do agravamento do
processo de empobrecimento das naes de menor desenvolvimento relativo tambm tem
contribudo para o questionamento da autonomia do Estado no tocante ao controle de suasfronteiras. Neste contexto a globalizao revela seu carter falacioso e contraditrio, pois, ao
contrrio do que pensam alguns, o avano da globalizao tem contribudo para o aumento da
concentrao de riqueza e o agravamento das desigualdades entre ricos e pobres. Neste
cenrio de pobreza e excluso, milhares de pessoas tentam migrar, diariamente, para pases
onde acreditam dispor de melhores condies de vida. Entretanto, vale salientar que reduzir o
fenmeno migratrio ao aspecto puramente econmico seria um erro grave e inconsistente,
haja vista que a imigrao possui diversos elementos causadores, os quais no podem serreduzidos exclusivamente a fatores de ordem econmica.
Os processos de integrao regional desencadeados na segunda metade do sculo XX
constituem verdadeiro divisor de guas para a Teoria Geral do Estado, medida que impem
maior ou menor relativizao do conceito de Soberania, conforme o modelo de integrao
adotado. Todo processo de integrao, seja ela econmica e/ou poltica, implica em cesso de
parte da soberania dos Estados membros em prol do alcance dos objetivos traados pelo
bloco. mister distinguir dois modelos estruturais bsicos de integrao regional, quais
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sejam: a integrao regional supranacional, e a integrao regional interestatal ou
intergovernamental. No primeiro caso:
A noo de supranacionalidade, do ponto de vista prtico, vincula-se a transfernciade parcelas de soberania por parte dos Estados-Membros em benefcio de umorganismo que, ao funcionar, avoca-se desse poder, que opera por cima das unidadesque o compe, na qualidade de titular absoluto (KERBER apud SANTOS, 2008, p.51).
No segundo caso:
Atravs do ponto de vista da organizao intergovernamental, os Estados envolvidosem uma integrao, embora desprenda de esforos que beneficiem o bloco como umtodo, prioriza a resoluo dos interesses internos [...] Percebe-se, portanto, que emuma viso intergovernamental de integrao prioriza-se a preservao da soberanianacional... (SANTOS, 2008, p. 52).
Destarte, a diferena fundamental entre o modelo de integrao regional supranacional
e o modelo interestatal ou intergovernamental o grau de autonomia conferido ao organismo
internacional representativo, o que implica na maior ou menor cesso de parcelas da
Soberania estatal para o organismo regional.
O MERCOSUL um exemplo de estrutura intergovernamental de alcance regional,
vis--vis seu baixo nvel de institucionalizao. A Unio Europia, por sua vez, optou pelo
modelo supranacional de integrao, levado a termo pelo fortalecimento dos seus rgos
constitutivos, tais como o Parlamento Europeu e o Banco Central Europeu. Este, responsvel
pela conduo da poltica monetria de todo o bloco. A respeito da constituio de blocos
econmicos, Figueiredo (2001, p. 33) afirma que o desenrolar dos mercados comuns em todo
o mundo nos leva a crer em uma nova concepo de Estado, onde o carter nacionalista ceda
espao, ou mesmo seja mitigado, cooperao internacional.
Consoante Font e Rufi (2006, apud RIBEIRO, 2008, p. 52) o Estado tende a ceder
parte de sua soberania a dois tipos de instncias: as instncias superiores constitudas por
organizaes paraestatais, transnacionais e demais agentes de globalizao e as instncias
inferiores constitudas por regies e cidades. [...] a dupla cesso de soberania [...] ocorre
porque o novo sistema mundial outorga aos Estados menor capacidade de intermediao do
que em pocas anteriores, apesar do Estado continuar sendo imprescindvel, em muitos
sentidos, inclusive para a prpria globalizao. Assim, Ribeiro (2008, p. 52, 53) afirma que:
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Diante da inegvel realidade contempornea, constata-se de fato que a expanso dosprocessos de globalizao e a interdependncia crescente acabam erodindo aindamais as fronteiras entre o que domstico e o que internacional, tornando cada vezmais difusas as discusses acerca da validade e da extenso do princpio desoberania nacional.
Santos (2008, p.54), por sua vez, advoga a plena compatibilidade entre o conceito de
soberania e integrao ao afirmar que
O fenmeno de globalizao tem se mostrado de forma a desconsiderar as barreirase os limites impostos pela soberania, sobretudo no que concerne ao avano deinovaes tecnolgicas e econmicas. Entretanto, no devido a essadesconsiderao da soberania por parte da globalizao que seja possvel afirmar aincompatibilidade entre a integrao e a soberania.
Para Locateli (apud SANTOS, 2008, p 55), preciso rediscutir o conceito deSoberania estatal, uma vez que
a viso do conceito de soberania como um dogma poltico intocvel estdescaracterizada devido a sua interao com a necessidade de adotar normas decarter internacional em favor do benefcio da nao, pressuposto que rejeita ocarter absoluto da soberania, sem que estas modificaes sejam traumticas ouesvaziem seu contedo...
Cabe ainda ressaltar o papel de destaque exercido pela defesa dos direitos humanos na
discusso sobre a inalienabilidade da soberania estatal. Santos (2008) afirma que a tendncia
atual de integrao dos direitos humanos na ordem internacional. Segundo o referido autor,
cada vez mais forte o discurso em torno da possibilidade de que organismos, como a ONU,
interfiram no mbito do Estado para a resoluo de conflitos ou problemas dessa natureza 8.
A Declarao Universal dos Direitos do Homem e as dezenas de convenes e acordos
internacionais em defesa do tema so uma prova inconteste do forte apelo exercido pela
defesa dos direitos humanos junto sociedade civil mundial. Deste modo, torna-se imperativo
aos Estados o respeito s liberdades fundamentais e a integridade fsica e moral de seus
cidados.
8 Ibid., p, 26.
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Destarte, os Estados que se opuserem ao princpio da prevalncia dos direitos
humanos tendem a sofrer com o isolamento da comunidade internacional, alm de arcar com
sanes diplomticas e embargos comerciais9. Tais sanes tem o efeito prtico de limitar ou
cercear a soberania do Estado dito infrator. Entretanto, preciso esclarecer que a deciso de
punir ou no determinado Estado menos humanitria que poltica, posto que a soberania,
mais alm de um princpio formal, tambm um campo poltico de conflitualidades e
negociaes entre sociedades do Norte e do Sul, entre Estados mais poderosos e perifricos do
sistema internacional (RIBEIRO, 2008, p. 47). Esta constatao revela que o princpio da
igualdade entre os Estados positivado pelo direito internacional no se aplica ipsis litteris
na prtica da conduta dos Estados. Igualmente, sanes a possveis violadores dos direitos
humanos no so isentas de interferncia poltica.Velasco e Cruz (2004, apud RIBEIRO, 2008, p. 50) prope um modelo que engloba
trs estgios distintos de soberania. No primeiro deles, chamado pelo autor de ordem
internacional clssica, os Estados soberanos prevaleciam com total poder de mando e
liberdade de ao em detrimento dos direitos humanos. No segundo estgio, a integridade da
pessoa humana ganha relevo em relao ao poder outrora ilimitado dos Estados. A partir
desse momento, a condio humana j no mais pode ser suprimida em nome da raison dtat
(razo de Estado). No ltimo estgio, hipottico, os princpios normativos que garantizam osdireitos humanos sero universalmente compartilhados pelos membros da comunidade
internacional.
O modelo explicativo de Velasco e Cruz, ainda que no se possa comprovar de modo
exato no campo prtico, possui o mrito de elucidar a evoluo da defesa dos direitos
humanos ao longo do tempo, muito embora este processo no seja linear, porquanto apresente
avanos e retrocessos, os quais so impulsionados pela participao ativa da opinio pblica
mundial e contidos, por vezes, por fatores de ordem interna dos Estados.Mediante tais reflexes, percebe-se a necessidade de rediscutir e reformular o conceito
de soberania luz dos desafios e da realidade do mundo contemporneo, uma vez que a
concepo de Estado-soberano, enquanto ente inflexvel e onipotente, j no mais
corresponde realidade scio-poltica dos tempos atuais.
9 Cuba, Coria do Norte e Mianmar so exemplos de Estados que sofrem o isolamento da comunidadeinternacional devido aos constantes desrespeitos aos Direitos Humanos. Tais aes, contudo, no esto isentas dequestes de ordem poltica e estratgica, sobretudo no que concerne a Cuba, pas que desde 1959 mantmrelaes conflituosas com os Estados Unidos da Amrica.
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Neste cenrio de crescente interdependncia e de reconfigurao das Relaes
Internacionais, torna-se cada vez mais complexo conciliar interesses e encontrar solues para
as disputas entre os Estados. Destarte, o exerccio da diplomacia de grande importncia,
medida que se torna ferramenta essencial para a convivncia entre os membros da
comunidade internacional.
Por esta razo, estudaremos a seguir como se d a relao entre Soberania e
diplomacia, a partir da anlise do surgimento da diplomacia e da evoluo de seus institutos
ao longo do tempo.
2.2Soberania e Diplomacia
O reconhecimento internacional de valores universais relacionados pessoa humana,
tais como os direitos humanos e as liberdades individuais, alm da consolidao de
parmetros reguladores das relaes interestatais, a exemplo dos princpios da no
interveno, da no ingerncia e da auto-determinao dos povos, devem-se a um longo e
rduo processo diplomtico, o qual fora exercitado continuamente ao longo de dcadas.
Tais princpios, gestados a partir do final do sculo XVIII ganham impulso no Ps-
Segunda Guerra Mundial. Com o fim do conflito, a diplomacia passa a exercer papel de
destaque nas relaes internacionais, medida que os pases receosos da ecloso de um
novo conflito mundial, desta vez de propores apocalpticas, haja vista o destrutivo potencial
nuclear demonstrado pelos Estados Unidos no lanamento das bombas atmicas sobre
Hiroshima e Nagasaki substituem a lgica belicista por esforos diplomticos, no sentido de
arquitetar uma sociedade internacional menos anrquica, tendo como princpio basilar o
Direito Internacional.
Por esta razo, pode-se afirmar que a diplomacia implica, em certa medida, elemento
de flexibilizao da Soberania, uma vez que as diversas convenes e acordos celebrados,
tanto em nvel bilateral quanto multilateral, vinculavam os Estados contratantes a obrigaes
internacionais pacta sunt servanda as quais se constituem, grosso modo, em limitao do
poder discricionrio dos Estados signatrios.
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Situados esses aspectos, convm analisar o percurso percorrido pela diplomacia para
compreender como esta arte desenvolveu-se e consolidou-se ao longo dos sculos, atingindo
o seu estgio atual.
Segundo Biancheri (2005, p.17), a diplomacia inconstante e difcil de definir na
essncia [...]. Ao contrrio do que possa parecer, o autor no afirma a impossibilidade de
apreender cognitivamente a diplomacia, mas sim a sua dificuldade de delimitao, dada a
abrangncia e a multiplicidade de conotaes que o termo encerra. Contudo, o prprio
Biancheri aponta que diplomacia a forma como um dado pas entre vrias opes
possveis procede a suas escolhas nas relaes internacionais e assevera que o objetivo da
diplomacia a busca do acordo. Por sua vez, para o Houaiss (2008), a diplomacia consiste na
conduo dos negcios estrangeiros de uma nao, seja diretamente por seus governantes,seja por seus representantes acreditados em outro pas ou rgo internacional, ou, cincia ou
arte de negociar, visando defesa dos direitos e interesses de um pas perante governos
estrangeiros.
O termo embaixador do latim ambactiare designa o cargo de mais alta distino
dentro da hierarquia diplomtica, sendo superado apenas pelo de chanceler, que equivale a
ministro das Relaes Exteriores. Embaixada, palavra de mesma raiz etimolgica, designa
tanto o local de residncia e trabalho do embaixador, quanto a comitiva que o acompanha emmisso. Os primeiros registros de atividades diplomticas substanciais e sistemticas ocorrem
na Grcia antiga. Durante a Guerra do Peloponeso, que ops os persas aos atenieneses e
espartanos, houve uma intensa atividade diplomtica que culminou com a aliana militar
celebrada entre a Liga do Peloponeso, sob a liderana de Esparta e a Liga de Delos, tendo a
frente Atenas.
A partir do sculo XIV a diplomacia vive um perodo de grande florescimento com as
atividades das repblicas italianas no mediterrneo. No sculo XV as embaixadas
extraordinrias so substitudas por misses residentes10 e no centenrio seguinte a atividade
diplomtica j se encontrava largamente difundida por toda a Europa. Entretanto, atribui-se ao
cardeal Richelieu, a primeira grande iniciativa de sistematizao da atividade diplomtica
dentro de uma estrutura burocrtica centralizada. Isto ocorre com a inaugurao do Ministrio
10
Francesco Sforza, duque de Milo, foi o primeiro chefe de misso diplomtica permanente, com sede emGnova no ano de 1455.
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das Relaes Exteriores da Frana, no ano de 1626, considerado por muitos o pioneiro dos
ministrios nos moldes modernos.
As negociaes da Paz de Westeflia podem ser consideradas uma espcie de prviadas conferncias internacionais da atualidade. Para Biancheri (2005), a Paz de Westeflia
marca o incio da diplomacia em sentido prprio. As funes do diplomata consistiam em
negociar, informar, representar e proteger os compatriotas, num contexto marcado pelo
equilbrio da balana de poder na Europa continental, formando o que se convencionou
chamar de diplomacia clssica.
A bem da verdade, ao longo de pouco mais de trs sculos, as atribuies bsicas do
diplomata permaneceram as mesmas. Representar o seu pas, negociar em nome do seu
governo, manter o Estado emitente atualizado acerca dos acontecimentos e conjuntura do pas
acreditado e zelar pelo bem estar dos seus compatriotas, continuam sendo as atribuies
dirias do diplomata. Pode-se dizer que as maiores mudanas ocorreram no ambiente de
atuao, devido grande quantidade de objetos possveis, que vo desde negociaes polticas
clssicas, at temas como imigrao ilegal, narcotrfico e proteo ambiental. Neste
sentido, o diplomata hodierno v-se obrigado a desenvolver mltiplas competncias e
demonstrar alta capacidade de adaptao e reciclagem, alm de preservar as caractersticastradicionais do ofcio, tais como o cosmopolitismo e o ecletismo intelectual.
Desde os primrdios, a atividade diplomtica caracterizou-se pelo formalismo e
seletividade de seus quadros, dando origem a uma classe homognea, corporativa e de difcil
penetrao por pessoas de fora do ciclo. Antes da introduo dos critrios de isonomia e
meritocracia to caros burocracia contempornea exigia-se, para o exerccio da carreira
diplomtica, que o candidato fosse oriundo de classes sociais mais elevadas e gozasse de alto
poder aquisitivo, condio sine qua non para o ingresso na carreira, disto resulta o carter
altamente aristocrtico da profisso. Isto era vlido no s no Brasil, mas em quase todo o
mundo.
Atualmente, a maioria dos pases realiza o recrutamento de seus quadros atravs de
concursos pblicos e outras formas de seleo. No Brasil, o Instituto Rio Branco o rgo
responsvel pelo recrutamento e aperfeioamento do corpo diplomtico brasileiro, rgo de
excelncia internacionalmente reconhecida, graas ao virtuosismo intelectual e slidaformao de seus recursos humanos.
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Com o fim da Segunda Grande Guerra, a vida internacional passou por um longo
processo de multilateralizao que se iniciou com a constituio das Naes Unidas, a que se
seguiu o surgimento de inmeras agncias internacionais reguladoras as chamadas agncias
ou organismos da famlia da ONU . No obstante, a tendncia de multilateralizar as relaes
internacionais sofreu um longo interstcio, devido ao antagonismo que ops a Unio Sovitica
aos Estados Unidos. Com a quebra da bipolaridade, a sociedade internacional volta a se
configurar de forma multilateral, malgrado o unilateralismo protagonizado pelos Estados
Unidos na defesa de seus interesses. A consequncia prtica do avano do multilateralismo a
crescente demanda de recursos humanos por que passam a maioria dos pases membros da
comunidade internacional.
A crescente institucionalizao de todas as reas da vida internacional resultou no
surgimento de um exrcito de profissionais que, de alguma maneira fazem diplomacia, ainda
que no sejam diplomatas de formao. Assim, se identifica, atualmente, no mundo
diplomtico dos organismos internacionais, dois tipos de profissionais em atuao. De um
lado, o diplomata de carreira diplomata clssico aquele profissional generalista que atua,
notadamente, em temas polticos e nas tomadas de deciso. E de outro, o especialista:
militares, tcnicos, burocratas, estudiosos de reconhecido saber, etc., os quais tem atuao
pontual sob determinadas questes e trabalham formalmente para organismos internacionais
ou exercem funes ad hoc em temas sobre os quais seu know how requisitado. Assim,
todo indivduo que participar de uma deciso entre Estados, seja ela sobre aconcesso de canais de televiso, sobre os nveis de emisso de gases nocivos ousobre os destinos da paz ou da guerra no Oriente Mdio, representar os interessesdo seu pas e, portanto, desenvolver atividade diplomtica e, desta forma, no quediz respeito, far poltica externa (BIANCHERI, 2005, p. 126).
Apesar do catastrofismo de alguns e do excessivo conservadorismo de outros, a
crescente participao de no-diplomatas na vida poltica internacional no supe o fim da
carreira de diplomata, ou sequer, sua perda de importncia e prestgio. No complexo e
conflituoso mundo em que vivemos, a atuao do diplomata ser sempre necessria e
imprescindvel, prova disso, a importncia que os Estados do a suas respectivas
chancelarias. Importncia essa, observada no cuidadoso e exigente processo de recrutamento
de seus quadros.
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Em contrapartida, a proliferao de temas e objetos possveis atividade diplomtica
demanda de forma crescente a atuao de especialistas, quer seja na anlise de situaes reais,
quer seja na prospeco de cenrios futuros, atravs de observaes e proposies tcnicas.
Portanto, alm do olhar poltico do diplomata, necessita-se atualmente do olhar tcnico-
administrativo dos funcionrios internacionais, os quais tem como principal atribuio, munir
os negociadores de dados precisos e confiveis necessrios s tomadas de deciso.
No mundo contemporneo, marcado por um alto grau de complexidade, a diplomacia
torna-se ferramenta imprescindvel, j que os conflitos de interesse e as disputas tendem a se
intensificar em funo da maior interdependncia existente entre os atores da comunidade
internacional (Estados, Organismos Internacionais e No Governamentais, empresas, etc.). ,
portanto, neste cenrio de polifonia e instabilidade que a diplomacia exerce seu papel de
mediao, contribuindo para a construo de um mundo menos instvel e mais inclusivo.
Na discusso sobre o papel da diplomacia no mundo contemporneo, cabe analisar a
diplomacia multilateral das Naes Unidas. A ONU organismo criado em 1945 constitui a
maior experincia de organizao supranacional da histria da humanidade. Concebida como
instrumento de promoo da paz e da segurana internacional, sua atuao controvertida e
tem sido alvo de duras crticas, sobretudo durante os primeiros anos deste sculo.
Em que pesem as crticas dirigidas organizao, os progressos alcanados na esfera
diplomtica so notrios, vis-a-vis as dezenas de misses de manuteno da paz realizadas ao
longo de mais de cinco dcadas de existncia. Igualmente no se pode obliterar a importncia
da ONU para a promoo do multilateralismo e da convivncia pacfica entre os povos. Note-
se que a referida organizao foi o mecanismo pelo qual os novos Estados-nacionais, surgidos
das guerras de independncia dos anos 50, 60 e 70, ingressaram na comunidade internacional.
Ademais, o avano na discusso de inmeros temas da agenda internacional deve-se,
em grande medida, a atuao engajada da diplomacia multilateral onusiana. Neste sentido,
podem-se citar como exemplos as conferncias temticas ocorridas a partir da dcada de
noventa do sculo passado, dentre as quais merecem destaque a II Conferncia das Naes
Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento Humano conhecida como Rio 92 , a
Conferncia Mundial sobre Direitos Humanos, realizada em Viena em 1993 e o Protocolo de
Kioto, assinado em 1997.
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Se por um lado houve acertos, sobretudo no que diz respeito promoo do
multilateralismo e do Direito Internacional, vrias foram as ocasies nas quais a diplomacia
multilateral onusiana mostrou sua fragilidade, a exemplo da omisso da ONU com relao ao
genocdio de Ruanda, fato que constitui a maior mcula da histria da organizao.
Recentemente a crtica situao do Oriente Mdio, agravada pela guerra do Afeganisto e pela
invaso do Iraque, ambas ocasionadas por atitudes unilaterais dos Estados Unidos, gerou
imenso constrangimento a organizao, uma vez que tais medidas foram tomadas em
detrimento das suas resolues e contra as admoestaes e apelos de toda a comunidade
internacional.
Diante do desprestgio da ONU e do questionamento acerca da sua real capacidade de
promover e garantir a paz cabe indagar as razes diretas e indiretas de seu aparente fracasso.
Uma das principais causas diagnosticadas a necessidade de reformulao do organismo,
para que suas aes gozem de maior legitimidade e eficcia.
importante perceber que a ONU foi criada num contexto poltico marcado pelo fim
da II Guerra Mundial e pelo incio da Guerra Fria e que tal contexto reflete-se na estrutura
organizacional e no modus operandi da organizao. Com a exausto do paradigma bipolar
capitalista-socialista e o avano da globalizao, tal modelo j no mais reflete a correlao de
foras no mundo real. Sendo assim, faz-se necessria uma reformulao do organismo, de
modo a promover uma participao mais ativa e democrtica dos seus membros. A esse
respeito comenta Amorim que o projeto de reforma [ ] [da ONU] deve [...] buscar um
equilbrio satisfatrio entre a preservao da essncia do sistema multilateral, conforme os
preceitos da Carta de So Francisco, e sua adequao a condicionantes novas do mundo
contemporneo.11 As condicionantes novas a que o ministro se refere seriam os pases
emergentes, dentre os quais o Brasil.
A diplomacia brasileira, por sua vez, tem atuado intensamente a fim de impulsionar o
processo de reforma da organizao e, mais especificamente, do Conselho de Segurana,
tendo declarado seu interesse em fazer parte do rgo na qualidade de membro permanente.
Consoante o ministro Celso Amorim, a candidatura brasileira deve-se ao peso poltico,
econmico e demogrfico do pas e a suas credenciais diplomticas. Tais atributos, na sua
viso, credenciariam o pas no pleito por um assento permanente num conselho ampliado.
O conjunto de mudanas scio-polticas percebidas nas Relaes Internacionais, o
surgimento de novas demandas sociais em escala local e transnacional e a ineficcia das
11 AMORIM, Celso L. N. Conferncia proferida no IEA em 2 de abril de 1998.
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polticas pblicas dos governos centrais voltadas para a promoo do bem estar das
comunidades locais, aliada a forte influncia exercida pela revoluo telemtica, concorrem
para a reconfigurao interna do Estado e das formas de exerccio da diplomacia. Este novo
cenrio encerra uma tendncia de descentralizao e democratizao das esferas de poder.
Destarte, o monoplio poltico dos Estados-centrais passa a ser questionado, abrindo-se
terreno a experimentaes de toda a ordem.
Uma destas experimentaes diz respeito a paradiplomacia: o crescente envolvimento
de governos no-centrais nas Relaes Internacionais, fenmeno polmico que tem se
intensificado ao longo das ltimas dcadas, fornecendo um novo elemento de anlise do
Estado e das Relaes Internacionais. Vale ressaltar que tal fenmeno sintomtico do
processo de reestruturao e redistribuio de competncias por que passa o Estado moderno.A seguir, sistematizaremos alguns conceitos de paradiplomacia luz de alguns autores
e analisaremos os elementos de cooperao e conflito da paradiplomacia a partir de uma viso
dialtica, avaliando suas repercusses no Brasil.
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3. PARADIPLOMACIA
3.1.Paradiplomacia:definies e elementos conceituais
O primeiro passo para a compreenso do fenmeno paradiplomtico e suas
implicaes est na correta apreenso conceitual do termo. Para tanto, tomaremos suas
definies por parte de alguns autores.
Consoante Zabala (2000 apud RIBEIRO, 2008, p. 73),
[...] o neologismo paradiplomacia surgiu nos anos 1980 de forma inocente eemprica no campo da poltica comparada de estados federados e da teoriarenovada do federalismo, especificamente na literatura norte-americana, onde o
prefixo para designaria alm de algo paralelo, algo associado a uma capacidadeacessria ou subsidiria, referindo-se atuao diplomtica dos governossubnacionais.
Para Gambini (2007) paradiplomacia consiste na possibilidade de unidades
subnacionais (estados-membros, provncias, regies, cidades e demais unidades poltico-
administrativas) formularem e executarem uma poltica externa prpria, independentemente
do auxlio da Unio.
Conforme (MOREIRA, SENHORAS & VITTE, s/d, p. 2).
A paradiplomacia um tema de crescente importncia na rea das relaesinternacionais que se refere aos processos da extroverso de atores subnacionaiscomo governos locais e regionais, empresas, organizaes no governamentais que
procuram praticar atos e acordos internacionais a fim de se obterem recursos eresolverem problemas especficos de cada rea com maior rapidez e facilidade sem ainterveno dos governos centrais.
Segundo Mariana de Barros e Silva (2006), consiste em qualquer participao
supranacional de sujeitos desprovidos de personalidade jurdica internacional, ou seja,
unidades subnacionais (estados, municpios, etc.). Para ela, o fenmeno paradiplomtico
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encerra uma relativizao do conceito hobbesiano de soberania dos Estados12, refletindo a
tendncia do mundo ps-moderno de reinventar novas formas de lidar com as relaes de
poder. neste contexto que as unidades subnacionais passam a reivindicar maior autonomia
na conduo de polticas de alcance internacional, bem como participao ativa na formulao
da poltica externa estatal. o chamado movimento paradiplomtico centrfugo
(KUGELMAS E BRANCO, 2004).
Uma das mais difundidas definies deparadiplomacia afirma ser esta
o envolvimento de governos no centrais nas relaes internacionais, mediante oestabelecimento de contatos permanentes e ad hoc, com entidades pblicas ou
privadas estrangeiras, com o objetivo de promoo socioeconmico (sic) e cultural,bem como de qualquer outra dimenso exterior nos limites de sua competnciaconstitucional. (PIETRO apud RODRIGUES, 1998, p.443).
Pode-se ainda encontrar termos genricos referidos, tais como: a) Diplomacia
Federativa expresso oficialmente utilizada pelo Ministrio das Relaes Exteriores MRE
; b) Poltica Externa Federativa. Rodrigues (1998) faz distino entre esses dois termos.
Segundo ele, a Diplomacia Federativa refletiria a perspectiva do governo federal, ao passo
que a Poltica Externa Federativa, ilustraria a viso descentralizada dos governos
subnacionais; c) Micro-diplomacia, termo encontrado na literatura anglo-sax; d)PolticaExterna de Cidades terminologia exclusiva para cidades -; e) Protodiplomacia casoparticular do Quebec13 e f)Diplomacia Empresarial, que no se aplica esfera de atuao
do poder pblico, muito embora possa exercer influncia sobre ela.
Alm dos conceitos supracitados, h outros que nos auxiliam na compreenso do
termo paradiplomacia, a saber: relaes transgovernamentais as que vinculam os atores de
diferentes estruturas de governos que estabelecem relaes diretamente com representantes deestruturas similares em outros pases com organismos internacionais e com atores no
governamentais (SALOMN; NUNES, 2007, p. 102); Novos atores ou new voicesque so
unidades subnacionais ou subestatais (estados, municpios), sociedade civil organizada e
12Thomas Hobbes tinha uma viso bipolar da sociedade. Concentrava num plo a figura do indivduo (ou da
infinidade generalizada dos mesmos) e no outro, a do Leviat (Estado). Nem a famlia nem geraes e geraesmarcadas por uma potncia hereditria, enfim nada, era considerado relevante na estrutura de uma organizaosocial que no as duas partes do contrato social (SILVA, 2006).
13 O Quebec uma regio autnoma, localizada no sudeste do Canad, que possui lngua, costumes e legislaodiversa do restante do pas, constituindo exemplosuis generis de ao paradiplomtica.
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corporaes multinacionais; Unidades subnacionais - tambm chamadas de unidades
subestatais, entes federados, agentes de segmentao e unidades constituintes dizem respeito
s prefeituras, estados-federados, provncias, departamentos, cantes, regies, etc., segundo a
designao que dada em cada pas; Sovereignty-bound atores condicionados pela
soberania: governos centrais dos Estados-nacionais e; Sovereignty-free atores livres de
soberania: unidades subnacionais (ROSENAU apud SALOMN; NUNES, 2007).
A respeito dos atores livres de soberania Sovereignty-free e dos atores condicionados
pela soberania Sovereignty-bound, Salomn e Nunes (2007, p. 103) afirmam que os
atores condicionados pela soberania (basicamente os governos centrais) esto
obrigados por suas responsabilidades soberanas a prestar ateno s mltiplasquestes includas na agenda global e a distribuir seus recursos entre elas, enquantoos atores livres de soberania, com responsabilidades menos dispersas, tm liberdade
para buscar objetivos mais limitados e concretos.
O surgimento de new voices ou novos atores globais, compreende o conceito de
segmentao. Consoante Soldatos (1990), h dois tipos de segmentao: A segmentao
territorial ou vertical, que ocorre quando os diversos nveis da administrao (federal,
estadual, municipal) exercem atividades internacionais e participam do processo deelaborao da poltica externa do Estado. E a segmentao funcional ou horizontal, quando
dentro de um mesmo nvel administrativo, diversas agncias, secretarias, departamentos ou
ministrios participam da elaborao e conduo da poltica externa. Os dois tipos de
segmentao no so competitivos ou excludentes. Pelo contrrio, o que se observa uma
grande interao entre ambos, compondo uma terceira forma de segmentao - hbrida e
dinmica com benefcios mtuos para os dois nveis da burocracia.
Por sua vez, Salomn e Nunes (2007) propem uma diviso segundo as dimenses de
atuao dos entes paradiplomticos. A primeira, dimenso institucional, compreendendo a
estrutura paradiplomticaper si. A segunda, dimenso substancial, abrangendo a agenda e
os instrumentos utilizados. Logo, qualquer administrao, seja ela local ou regional, que se
proponha a desenvolver aes no plano internacional, deve levar em considerao essas duas
dimenses no planejamento de suas aes.
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Tratando sobre os diversos nveis de relaes paradiplomticas, Lessa (apud
BRANCO, 2007, p. 57, 58) prope uma classificao a partir dos conceitos de
microdiplomacia regional, microdiplomacia fronteiria, microdiplomacia transregional e
paradiplomacia global, significando, respectivamente:
contatos entre unidades no centrais fronteirias em diferentes Estados, contatosentre unidades no centrais sem fronteiras comuns, mas cujos Estados nacionais solimtrofes, e contatos polticos entre unidades pertencentes a Estados distantes, queestabelecem ligaes no apenas entre centros comerciais, industriais e culturais emoutros continentes, mas tambm com os vrios ramos ou agncias de governosnacionais estrangeiros.
Os exemplos supracitados certamente no exaurem toda a taxonomia relacionada ao
fenmeno paradiplomtico, servindo apenas para demonstrar a riqueza terminolgica e
conceitual produzida pela literatura especializada. O esforo de apreenso e a diversidade de
terminologias adotadas pelos estudiosos demonstram que a paradiplomacia no um
fenmeno estanque, porquanto apresente vrias nuances, segundo o contexto de cada regio
ou localidade. O ponto de convergncia entre todas estas formas de atuao paradiplomtica
a tendncia de descentralizao e compartilhamento de responsabilidades na conduo dapoltica externa dos Estados. Seja qual for a designao dada a estas atividades (relaes
transgovernamentais, microdiplomacia, paradiplomacia, etc.), todas tem como objetivo
fundamental a articulao de polticas externas mais participativas que levem em conta as
peculiaridades e necessidades regionais e locais .
3.2 Paradiplomacia: uma viso dialtica
O carter dialtico da paradiplomacia , antes de tudo, reflexo da dinmica do mundo
contemporneo, causada pelo aprofundamento do processo de globalizao. A quebra da
barreira espao-tempo e a flexibilizao das fronteiras propiciada pela expanso dos
mercados, remodelou a forma de interao dos agentes sociais em todas as partes do mundo.
Neste cenrio, a dicotomia local-global torna-se cada vez mais ilegvel, uma vez que os
elementos de um e de outro se confundem, formando um todo complexo e homogneo.
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Exemplo indelvel de tal afirmativa o processo de elaborao da poltica externa dos
Estados.
Num contexto onde a nova lgica internacional apresenta-se marcada pela ascensodas localidades [...] (RIBEIRO, 2008, p. 59), em funo da nova configurao do sistema
internacional, a qual favorece e estimula a participao direta do poder local nas relaes
internacionais (RODRIGUESb, 2004 apud RIBEIRO, 2008, p. 120), a poltica domstica
encontra-se de tal modo presente na formulao e conduo da poltica externa que, por vezes
confunde-se com aquela. Alm disso, a poltica externa, no raras vezes, um meio de
perseguir objetivos de poltica domstica, atendendo a demandas e presses de grupos
internos. Por esta razo, Silva (2006, p. 76) declara ser [...] infrutfero debater se a poltica
domstica que influencia as relaes internacionais, ou vice-versa. A resposta bvia:
ambas, s vezes. Logo, as perguntas mais pertinentes seriam em que momento e como
(traduo nossa)14.
Considerando esta reflexo, percebe-se a correlao de elementos endgenos e
exgenos nas aes dos Estados na seara internacional. Neste sentido, Brigago (apud
CEZRIO; ANDRADE, 2005, p. 5) afirma que a dinmica complexa da globalizao aponta
para o fortalecimento do poder local, que em muitas circunstncias se revela um espao de
mediao eficaz entre as demandas dos cidados e o carter transnacional.
Se para o autor a globalizao indica o fortalecimento do poder local e este representa
um espao privilegiado de mediao, podemos dizer, a partir disso, que se torna vivel uma
associao direta entre globalizao e paradiplomacia.
A onda pacifista do mundo ps II Guerra Mundial e o iderio de cooperao entre as
naes para o progresso da humanidade, expressa na criao da ONU e diversos organismos
internacionais, formaram o cimento sobre o qual a cooperao internacional se desenvolveu
em escala global e regional.
Coube ao continente europeu, devastado pela guerra, o papel de vanguarda, com a
criao em 1951 do Conselho de Municipalidades e Regies Europias. A idia da criao
das redes de cidades est vinculada com a de irmanamento de cidades, a qual teve sua
origem na Segunda Guerra Mundial, quando as cidades europias resolveram promover a
14
It is really fruitless to debate whether domestic politics really determine international relations , or the reverse.The answer is clearly Both, sometimes. The more interesting questions are When? and How? 14. Op. Cit.(p,76).
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integrao entre si para evitar o renascimento do revanchismo que poderia causar novos
conflitos (GAMBINI, 2007, p 9).
Vale salientar que a existncia de um sistema democrtico condio sine qua nonpara o desenvolvimento da paradiplomcia, haja vista o carter centralizador e no-
participativo dos regimes autocrticos, independentemente de sua orientao ideolgica. Este
fator inviabiliza o fortalecimento do poder local, suprimindo a diversidade de vozes e
pensamentos, em nome do pseudo-interesse nacional. Acreditamos que sistemas
federativos flexveis so positivamente predispostos a lidar com problemas de
interdependncia global e regional de maneira mais efetiva que sistemas autoritrios ou
unitrios (DUCHACEK, 1990, p. 4)15. Em seu trabalho, Duchaceck (1990) observa que as
experincias paradiplomticas mais avanadas e exitosas no mundo encontram-se em pases
democrticos altamente industrializados, a exemplo da Sua, da Alemanha e do Canad.
3.3. Aspectos cooperativos da paradiplomacia
As redes de cidades16 - tendncia crescente no mundo contemporneo - so
dispositivos eficazes na promoo da cooperao internacional e do desenvolvimento
regional/local sustentvel, pois constituem foros privilegiados para a discusso de alternativas
e troca de experincias em reas afins, tais como: urbanismo, infra-estrutura, habitao e
polticas pblicas voltadas para o combate pobreza e a violncia. Outro elemento positivo
a proximidade entre o poder pblico local e a populao na formulao de polticas de
interesse comum, o que torna os entes subnacionais interlocutores privilegiados das
populaes locais no debate internacional, medida que captam mais facilmente as demandasda populao, transformando-as em polticas concretas e compartilhadas. Dito de outro modo,
os entes subnacionais, com seus tentculos e ramificaes, vo onde os governos centrais no
conseguem alcanar, quebrando o distanciamento entre a poltica externa e os reais anseios da
populao.
15We may tentatively suggest the flexible federal systems are positively predisposed to handle the problems of
global and regional interdependence more effectively than unitary or authoritarian systems
16 Exemplos de redes de cidades: Sister Cities, European Sustainable Cities, Eurocities, International Networkfor Urban Development, World Association of Major Metropolises, World Federations of United Cities,International Union of Local Authorities, Organization of Islamic Capitals and Cities, Mercocidades, etc.
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Um dos principais aspectos da paradiplomacia a cooperao, uma vez que
[...] a insero internacional das unidades subnacionais, em especial de cunho
econmico,