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N 8 Outubro/2001 Revista para a formao de professores de educao infantil e sries iniciais do ensino fundamental
Produo de texto na educao infantil
Especial: trabalho comartes visuais
Alimentao, umcuidado essencial
Conselho editorial
Aparecida Bento
Helosa Dantas
Isabel Galvo
Lino de Macedo
Marta Gil
Monique Deheinzelin
Regina Scarpa Leite
Rosa Iavelberg
Telma Weisz
Coordenao GeralSilvia Pereira de Carvalho
Coordenao de edioSilvana Augusto
Projeto grfico e diagramaoAzul Publicidade
Reviso de textoAndria Gomes
Jornalista ResponsvelAna Maria Sanchez
Tiragem 2000 exemplares
avisa l Revista para a formao de professores de educao infantil e sriesiniciais do ensino fundamental. Publicao trimestral do Instituto Avisa-lAno II no8 outubro de 2001
O INSTITUTO Avisa l umaorganizao no-governamental, herdeirado currculo, conhecimento e experinciadesenvolvidos pelo Crecheplan desde1986. Durante esses anos ampliou seucampo de ao e centrou os esforosprincipalmente na formao continuadade professores, formadores e outrosprofissionais que trabalham na educaoinfantil e sries iniciais do ensinofundamental.
MissoMelhorar a qualidade da educao pormeio do desenvolvimento profissional epessoal de educadores e dofortalecimento do potencial educativodas escolas e centros educacionais.
ObjetivosContribuir para a qualificao e odesenvolvimento de competncias doseducadores que atuam em instituieseducacionais voltadas para oatendimento de crianas de baixa renda.Oferecer suporte tcnico paraorganizaes no-governamentais,agncias governamentais e escolas deeducao infantil e ensino fundamental.Agir como um centro de produo deinformaes e conhecimentos paraeducao por meio de site na Internete da produo de vdeos de formao,informaes e publicaes.Contribuir para a formulao eimplementao de polticas pblicas queresultem em uma educao de maiorqualidade.
Instituto Avisa L
Diretoria
Marly de Souza Gouvea Maria Helena B. C. da Rocha Maria Luiza Ferreira
Conselheiros
Monique DeheinzelinSnia H. Dria LondonTelma Weisz Nair BasbaumClice Capelossi HaddadIrene Franciscato
Coordenao Executiva
Silvia Pereira de Carvalho
Coordenao de projetos
Cisele OrtizCoordenao dos Formadores
Regina Scarpa Leite
Equipe de Formadores
Adriana KlisysAna Benedita G. BrentanoBeatriz Bontempi GouveiaCllia CortezDbora RanaDenise NaliniEdi FonsecaElza Corsi de OliveiraHelosa A. PachecoLuciana Q. HubnerMarcia SbrissaMaria Priscila B. MonteiroMaria Virgnia GastaldiSilvana AugustoSimone de Alcntara Pinto
Apoio Administrativo
Andria dos Santos VianaJoselita Dias Santos ReisIone Alves de Campos
creche
2
4 Jeitos de cuidar Comidas da Alma A alimentao como cuidadoessencial Entrevista com Elza Corsi
9 Especial Artes Visuais10 Tempo didtico 1Entre o acaso e a intenoComo conciliar atividadesdirigidas pelo professor e aspropostas pelas crianas
Sumario
Comidas da Alma
pg. 4
3Esta edio da revista dedicada a
diferentes tipos de alimentos. Comeamos
falando de comida propriamente dita. De
pratos que nos remetem infncia, daque-
las comidas que nutrem no s fisicamente,
mas tambm do alento e trazem uma com-
pensao afetiva: as comidas da alma. Usan-
do o recurso da leitura de uma crnica, co-
zinheiras de creches so levadas a lembrar e
resgatar seus pratos preferidos, aqueles que
fazem recordar uma ateno especial, indi-
vidualizada, to em falta nos dias de hoje.
Em seguida, damos destaque especial ao
que sustenta, estimula e fomenta a criao da
criana em artes visuais. No h nada mais e-
mocionante do que observar uma criana pe-
quena empenhada em produzir um desenho,
uma pintura.A sensao de quem assiste que
h uma completa comunho entre os mate-
riais, os suportes e a criana, e ficamos com a
impresso de que qualquer interveno do a-
dulto dispensvel. Porm, isso no verdade.
H muito o que fazer para colaborar com o
percurso criador de quem se inicia nos segre-
dos da produo artstica. Dedicamos a esse as-
sunto vrios artigos, que foram reunidos em um
encarte especial.
Seguindo essa linha, trazemos mais sustento
para o trabalho didtico. Contrariando o mito de
que no se pode dar receitas aos professores,
publicamos uma bem-humorada produo de
texto com as crianas. O projeto revisita, de for-
ma prazerosa e competente, o tradicional traba-
lho com profisses.Vale a pena conferir!
Terminamos com uma pequena crnica que
fala tambm de alimento. Daquele que passamos a
absorver quando temos acesso ao universo dos
livros, quando ganhamos intimidade com a palavra
escrita. Portanto, uma edio com muita sustana.
Bom proveito!
Silvia Pereira de CarvalhoInstituto Avisa l
editorial
18 Conhecendo a CrianaEu sou assimLinguagem escrita e artes visuaisnum projeto de auto-retratos
20 Reflexes do formador 1Cadernos de desenhoComo os cadernos podem apoiar apesquisa e o planejamento doprofessor Ana B. Guedes Brentano
23 SustanaInos Corradin, o artista que escreves crianas Maria Helena da Silva
26 Reflexes do formador 2Para alm do desenho livreQuando a interferncia grficaajuda a criana na hora dedesenhar Ana Cristina Romani
32 Tempo didtico 2 Finalmente uma receita Passo a passo da professora rumo produo de texto informativo porcrianas de 5 anos.Denise Milan Tonello
38 Dicas de leitura Indicaes de boa literatura porjovens leitores
40 Parablicas Cartas do leitor, sites deeducao, sugestes deexposies etc.
42 Dia-a-dia da profisso Um mundo na pgina de um livro A entrada no mundoletrado Cisele Ortiz
umareceita
Finalmente
pg. 32
pg. 26
livre
Para alemdo desenho
ara Elza Corsi,
biloga, nutri-
cionista, amante da
boa cozinha e dedi-
cada formadora, os
cozinheiros, nas ins-
tituies de educa-
o, fazem muito
mais do apenas pre-
parar alimentos: es-
ses profissionais esto
ligados aos papis que a alimentao exer-
ce nas relaes humanas, pois certo que
a alimentao serve para nutrir mas tam-
bm para intermediar relaes, tranqilizar,
festejar, celebrar, acolher etc..
Contudo, muitos dos profissionais
que lidam com a alimentao no tm
conscincia de seu papel. Por isso, im-
portante que o processo de formao
garanta a construo de uma identidade
profissional que amplie e fortalea sua
atuao. Para tanto, Elza utiliza diversas
estratgias. Uma delas a apresentao
de crnicas sobre o assunto, como as de
Nina Horta, autora de Comida de Alma,
que est no livro No Sopa. Na en-
trevista a seguir, Elza nos fala das rela-
es entre cultura, alimentao e educa-
o e de como utiliza o texto de Nina
no trabalho de formao de cozinheiros
de educao infantil, em especial nos en-
contros com a equipe da Gota de Leite.
4
Jeitos de cuidar
Comida
Uma tradio de cuidados por meio da alimentao
de almaSopas, chs, mingaus e outros que tais. Mais que alimentos, essas delicadas delcias so um
verdadeiro banquete para a alma nos momentos de tristeza, saudade ou at mesmo de dor decotovelo. Isso o que pensa a cronista e gourmet Nina Horta em seu livro No Sopa.Inspirados pela autora a equipe de operacionais da creche e pr-escola Gota de Leite,em Santos, SP, resgatou suas prprias comidas da alma para editar um pequeno livro.
Para falar sobre o assunto avisa l convidou a nutricionista Elza Corsi1,que orientou o grupo
PMineira de origem, Nina Horta che-
gou a So Paulo aos cinco anos e poraqui ficou. Formou-se em pedagogia, masdedicou grande parte de sua carreira aestudar a arte culinria. O bom humor, aperspiccia e a inteligncia com que Ni-na escrevia as crnicas para o jornal Fo-lha de So Paulo conquistaram os leitorescuriosos e amantes da culinria, sempredispostos a folhear uma pgina a maispara encontrar as delcias do sabor, damemria, da arte e da histria. Onde es-to as receitas de antanho, repetidas numsem-fim, perpetuadas atravs dos temposcomo histrias infantis em que no se podemudar uma vrgula? Onde aquele compro-misso com o passado? A paz de criana dor-mindo, o conforto do conhecido, do madu-
ro?, diz ela ao de-fender o bom livrode receitas tradici-onais. Certamentepodemos encontrarisso e muito maisnas pginas de seulivro No Sopa, daeditora Cia. das Letras. Entremeadas deboa prosa, encontram-se receitas tradi-cionais, inventadas, copiadas ou ofereci-das pelas leitoras e colaboradoras daboa mesa. Procurada pela avisa l, Ninamostrou-se satisfeita com a repercussode seu trabalho nas creches e diz estaranimada e inspirada para escrever umnovo livro. Ns, leitores fiis, aguarda-mos ansiosos!
Quem Nina Horta a escritora que regala o paladar
1 Nutricionista, biloga e formadora do Instituto Avisa l, trabalha com profissionais da rea da sade e gerenciamento em creches e centros de juventude.
avisa l: Como voc v o papel da
alimentao na vida das pessoas?
Elza: A alimentao muito im-
portante para o ser humano. Comer
uma ao presente em toda sua vida, li-
teralmente, do nascimento at a morte.
Existe a funo de nutrir o corpo, pro-
priamente falando, para que se garanta a
sobrevivncia, mas no s isso. Muitas
vezes nos alimentamos para nos rela-
cionarmos com as pessoas. Pensamos
num jantar para os amigos, numa ceia
para a famlia. Quando arrumamos um
namorado novo, por exemplo, a primei-
ra coisa que pensamos :de que prato
que ele gosta ou a que restaurante
vou lev-lo, que h uma comida boa? A
comida traz consigo um sentido de
aproximao, abre espao para conver-
sar mais tranqilamente, para mostrar
afetividade, compartilhar.
avisa l:E a comida da alma,o que ?
Elza: a comida que a gente no
precisa mastigar muito, que escorrega
pela garganta, segundo a Nina Horta.
mida, quentinha, gostosa. Pode ser um
ch com canela, uma sopinha de po
com leite morno. uma comida que
no foi obrigatoriamente feita para ali-
mentar o corpo mas sim a alma, para a-
mainar a tristeza, a dor de cotovelo, pa-
ra consolar, apaziguar. a comida do
consolo que precisamos quando camos
e machucamos o joelho ou quando o
namorado foi embora. O livro No
Sopa da Nina Horta traz al-
gumas receitas da alma que
ela resgata da infncia, aquelas
que nos relacionam com nos-
sas histrias e nos remetem
memria de algum momento
em que fomos cuidados por al-
gum que nos preparou um ali-
mento especial.
avisa l: A gente pede ou
ganha a comida da alma?
Elza: No comeo a gente
ganha de um adulto mais expe-
riente que sabe cuidar, percebe
nossas necessidades e vem con-
solar. Depois que a gente desco-
bre o que , rapidamente apren-
de a pedir. Eu, por exemplo, sem-
pre fui cercada por mulheres que
sabiam fazer comidas da alma.
Minha av acordava bem cedinho, cinco
horas da manh, na fazenda, e ia para o
curral buscar leite. Os netos dormiam
num quarto que dava para o curral. Ela
corria para l com um monte de copos
e uma bandeja, tirava um monte de leite
da vaca, com aquela espuma branqui-
nha, voltava com os copos cheios e ba-
tia na janela.A gente levantava da cama
e bebia o leite morninho, ali mesmo na
janela. Depois voltava para a cama. Uma
tia fazia fios de ovos. Cortava papel-
manteiga e fazia bolinhos com os fios de
ovos, como se fossem balas, e a gente
ganhava no fim da tarde. A outra av
servia uma sopinha
pela manh: pegava
uma cumbuquinha, pu-
nha leite, po e canela.
Era dada na cama, bem
quentinha, no inverno.
Era muito bom. Por is-
so, claro, a gente
aprendia a pedir.
avisa l: Como voc
usa o texto de Nina
Horta na formao
das cozinheiras?
Elza: A crnica Comida de Alma
um belssimo gancho para comear a
construir a identidade profissional, para
trabalhar com a esttica e criao de
receitas. Eu leio para as cozinheiras.
impressionante a identificao que elas
demonstram. Rapidamente comeam a
falar de suas memrias de infncia, his-
trias s vezes tristes, outras divertidas,
recursos e artimanhas que utilizavam,
quando crianas, para receber ateno
e carinho. Depois de ler e conversar so-
bre a crnica de Nina Horta eu convido
as cozinheiras a escrever suas receitas
da alma. Em geral elas se tornam orgu-
lhosas de seu trabalho, porque com-
preendem que cozinhar em uma insti-
tuio de educao no s fazer co-
mida. Sabem que tm um papel educa-
cional na formao das crianas que se
alimentam por suas mos no mnimo
trs vezes por dia. Passam a perceber as
crianas, a olhar para elas. Desenvolvem
uma atitude mais carinhosa e se permi-
tem fazer coisas que antes no faziam.
Num dia de chuva, por exemplo, podem
fazer bolinhos de chuva, para agradar.
Quando algum est mais manhoso, po-
dem dispor de um tempo para fazer um
5
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Livro Mesa com Renoir. Salamandra
6Escrever re-ceitas da alma,acompanhadasde suas histrias,foi a tarefa queElza deixou para aequipe operacio-nal da Gota de
Leite. Parecia interessante, porm nadafcil. Sabemos da dificuldade que muitaspessoas encontram ao lidar com a lnguaescrita, sobretudo no caso de profissio-nais que, por diversos motivos, no tive-ram durante os anos de escolaridadeum contato mais ntimo com a leitura ea escrita. A dificuldade de se expressar
por escrito muitas vezes envergonha eimpede que as pessoas registrem esocializem suas idias. Mas, em Santos,isso no foi empecilho. A exemplo deDora representada pela atriz FernandaMontenegro no filme Central do Brasil,de Walter Salles , que se punha dia-riamente a escrever as cartas ditadaspelos nordestinos que mandavam not-cias aos familiares distantes, La, da e-quipe operacional da creche, se ps aregistrar as histrias que ouvia de suascompanheiras de trabalho nos corre-dores da Gota de Leite. Elogiada por unse criticada por outros, ela se explica:esto dizendo que eu que escrevi o
livro, mas no foi, no! Eu s ouvi as his-trias. Eu ia perguntando e depois es-crevia tudo. Melhorava um pouco paraescrever. Mas as histrias foram elas queme contaram. Graas escuta atentade La e o registro, Ruth Maria, Domin-gas, Maremy, Maria, Maria do Carmo, Ma-ria Jos dos Santos e Maria Jos Arrudapuderam transmitir suas tradies, le-vando adiante um conhecimento queservir no s s crianas e ao seu gru-po de trabalho, como tambm s cozi-nheiras de oito creches que tambm po-dero, depois desta agradvel leitura,descobrir as memrias e os cuidadosque esto por trs das comidas da alma.
Central do Brasil na cozinha: alternativaspara enfrentar a dificuldade de escrever
chazinho, sabendo que no vai alimentar o corpo e sim
levar carinho e ateno, um jeito de cuidar.
avisa l: Como surgiu Receitas da Alma em
Santos?
Elza: Na Gota de Leite, as cozinheiras e as faxinei-
ras esto h dois anos vivendo um intenso processo de
formao profissional.A equipe faz reunies de planeja-
mento de suas aes e encontros mensais para discutir
e aprender mais sobre as especificidades de seu traba-
lho. O grupo leu a crnica Comidas da Alma, de Nina
Horta, e durante alguns meses, com o apoio da diretora
Marlene Remio e de uma atenta escriba (veja box), as
pessoas levantaram as comidas que marcaram suas his-
trias, trazendo tona lembranas de cuidados essen-
ciais infncia.Ao final elas publicaram um livro, depois
doado a oito instituies de educao da cidade que
compareceram ao seminrio organizado na creche. O
livro dedicado a todas as pessoas que trazem no corao
receitas para praticar o amor, dizem as autoras logo nas
primeiras pginas. E ainda: so receitas elaboradas com
dedicao ... trazem histrias de pessoas especiais, trans-
mitidas a voc para que consigamos compartilhar a sen-
sao de estar alimentando no s o corpo, mas tambm
a alma. Quando fizermos algumas das receitas contidas
nesse livro, saberemos que se trata de muito mais que
uma simples refeio.
Jeitos de cuidar
La Medeiros da Silva
confortamVeja, a seguir, a crnica de Nina Horta e algumas das receitas
de infncia das cozinheiras da creche pr-escola Gota de Leite
Receitas que
Comida de Alma
Comida de alma aquela que consola, que escorre garganta
abaixo quase sem precisar ser mastigada, na hora de dor, de
depresso, de tristeza pequena. No , com certeza, um lei-
to pururuca, nem um menu nouvelle seguida risca. D se-
gurana, enche o estmago, conforta a alma, lembra a infn-
cia e o costume. a canja de me judia, panacia sagrada a
resolver os problemas de nusea existencial. O caldo de ga-
linha gelatinoso, tomado s colheradas. O leite quente com
canela, o arroz-doce, os ovos nevados, a banana cozida na
casca, as gelatinas, o pudim de leite.
Nora Ephron, autora de A difcil arte de amar, com o ca-
samento acabado, grvida, enjoada, trada, vota pelo consolo
da batata: Nada como ir para a cama com um bom pur
quando se est deprimido. Nada como ir para a cama com
um prato fundo de pur de batata j saturado de manteiga a
garfada.
Comida de alma tem de ser neutra. Sorvete comida de
alma? No .Tem um pique gelado que a tristeza no suporta.
A temperatura deve estar entre ambiente e morna. Choco-
late vale? No, nem pensar. sexy, sedutor, pressupe prazer
e culpa.
Tudo tem de ser especial na comida de alma.A tia Lonie
de Proust comia seus ovos com creme em pratos rasos, com
desenhos e legendas. Punha os culos e decifrava contente:
Ali Bab e os quarenta ladres, ou Aladim e a lmpada ma-
ravilhosa.
O mingau de aveia ou fub pode ser em prato fundo, o
quadrado de manteiga se derretendo por cima. O leite em boa
caneca grossa, o ch em xcara inglesa florida, e, para casos ex-
tremos, a mamadeira, claro.A comida, de preferncia, deve ser
bebida aos goles ou tomada de colher. A faca quase sempre
suprflua.
Um livro portugus trata do assunto, mostrando que a
preocupao com comidas de alma vem de longe. O cozinheiro
indispensvel (Porto, 1844), que traz um subttulo enigmtico:
Guia prtico indispensvel dos enfermos pobres, dos doentes ricos e
dos convalescentes remediados. D receitas como o caldo confor-
tativo, uma papinha pastosa, de se comer com lgrimas nos olhos.
No Sopa, Nina Horta, Ed. Cia. das Letras.
7
8Mingau de Canela
Quando eu estava meio adoentada ou um pouco triste,
minha me fazia esse mingau. Eu me lembro que gostava tanto
porque ela levava na cama e se preocupava perguntando se eu
estava melhor, se queria mais. s vezes eu pedia que ela fizesse,
mas no era a mesma coisa se eu no estivesse doente.
Ingredientes:1 copo de leite
1 colher de maisena
canela
acar a gosto
Modo de preparar:Engrossar no fogo, retirar, colocar no prato fundo e salpicar
canela.
(Marlene Remio)
Salada de batatas com ovos
Quando criana, lembro que minha me tinha uma criao
de galinhas e cada filho cuidava de uma em especial.
Quando a galinha botava os ovos era uma briga, porque eu
queria comer o ovo da minha galinha.
A minha irm mais velha, que tomava conta de mim e dos
meus irmos, preparava uma salada de ovos, que era a
minha favorita. Ento, quando eu chegava do colgio, ia
correndo ver se tinha a salada com ovos da minha galinha.
Ingredientes:Batatas
ovos
sal
Modo de preparar:Depois de cozidas, picar as batatas e misturar os ovos
tambm cozidos e picados.Temperar com sal.
(Ruth Maria da Silva Santos)
Capim Cidrao
Eu me chamo Maria Jos Arruda.Tenho 60
anos.
Quando nasci, j vim carregando comigo
sofrimento.Tivemos dificuldades financeiras,
ramos oito irmos.
Naquela poca, ns vivamos resfriados,
ento mame comeou a fazer esse ch, que
por sinal uma delcia.
Hoje em dia, quando meus filhos e netos
ficam resfriados, eu logo vou dando a eles o
que eu aprendi com mame.Todas as vezes
eu lembro da minha infncia, dos meus
irmos e da minha me, principalmente. Na
poca de chuva ela tambm dava esse ch
para ns, para prevenir doenas.
Pois essa uma lembrana que jamais se
apagar em minha mente.
Ingredientes:6 folhas de Capim Cidro
1 copo de gua
1 gema
Acar a gosto
Modo de preparar:Lave bem as folhas. Depois, coloque-as em
uma leiteira com 1 copo de gua. Leve ao
fogo para ferver. Depois de fervido, bata a
gema do ovo, coloque no ch ainda quente e
mexa para fazer a mistura. s beber.
(Maria Jos de Morais Arruda)
Bibliografia:
No Sopa.
Nina Horta.
Ed. Cia. das Letras.Tel.: (11) 3846-0801
Ficha tcnica:
Participaram do projeto proposto por Elza Corsi: Domingas V. de Andrade,
Maremy Ortiz de O. Santos, Maria B. de Oliveira, Maria do Carmo de Jesus, Maria
Jos dos Santos, Maria Jos Arruda e Ruth Maria da S. Santos, sob a coordenao
de Marlene Remio.Valdila Alves M. Silva escreveu e preparou os originais
editados e diagramados por Carla Luizato.
Gota de Leite.Av. Conselheiro Nbias, 388, Encruzilhada, Santos, SP, 11045-000.
Tel.: (13) 3234-5933. Site:www.gotadeleite.hpg.com.br
E-mail: [email protected]
Contatos com Elza: [email protected]
Jeitos de cuidar
Artes Visuais
Oficinas: o que o professor pode fazer para ajudar as
crianas em seu percurso criador. Pg. 10
Sugestes para montar um ateli: lista de materiais
e dicas para aproveitar melhor os espaos. Pg. 16
Auto Retrato Pg. 18
Resgatando o uso do caderno de desenho. Pg. 20
Quando uma interferncia grfica pode ajudar
as crianas na hora de desenhar. Pg. 26
E ainda
Minipster de Inos Corradin, um pintor
que est encantando as crianas. Pg. 25
Da organizaao do espaoas intervenoes didaticas
Avisa l Especial
Que a arte deve estar presente nos currculos escolares dado, e ningum discorda.O como, no entanto, est sujeito a diferentes interpretaes.Vemos hoje, no Brasil, pelo
menos duas tendncias de ensino da arte que se apresentam quase sempre como opostas: oubem os educadores levam sala apenas atividades propostas por eles, ou bem apostam nas
surpresas da criao espontnea das prprias crianas. Nesta matria, voc vai conhecer umaexperincia que pode ajudar a equilibrar as duas prticas.A introduo da oficina de percurso
possibilita uma autoria infantil mais elaborada e autnomaValria Pimentel 1
uando pensamos quais conte-
dos as crianas podem aprender
nos primeiros anos da educao infantil,
logo lembramos da rea de artes vi-
suais. Pintar, desenhar, colar, recortar,
montar, modelar, ou a combinao de
todos esses fazeres, so alguns dos pri-
meiros procedimentos que os peque-
nos experimentaro na escola.
Ao realizar essas aes, eles se
deparam com o que so capazes de
produzir, surpreendendo-se e mara-
vilhando-se com o processo e com
o resultado de seus trabalhos, da
mesma forma que se encantam
com os jogos e as brincadeiras,
pois essas atividades possuem as-
pectos comuns que os seduz: o a-
caso, o imprevisto, a surpresa.
Enquanto crescem, vo sendo
capazes de refletir sobre suas experi-
ncias de produo e somam ao as-
pecto da surpresa, do acaso e do impre-
visto, a intencionalidade e o planejamen-
to, conquistando autonomia de criao,
um dos elementos fundamentais no de-
senvolvimento do percurso criador.
Apesar de os educadores compre-
enderem como importante para a
formao integral do aluno ele ser ca-
paz de se comunicar e se expressar de
maneira pessoal atravs da linguagem
visual, muitos ainda se perguntam sobre
quais aes didticas podem ser enca-
minhadas para atingir este objetivo.
O que normalmente encontramos
no panorama do ensino das artes visu-
ais nas escolas brasileiras so aes di-
dticas opostas: atividades em que as
questes artsticas so internas com
problemas e solues que as prprias
crianas descobrem e criam ou ativi-
dades em que as questes artsticas
partem de propostas externas, sempre
com problemas colocados pelo pro-
fessor. Podemos dizer que, ultimamen-
te, h mesmo um predomnio deste
segundo tipo de ao didtica.
Usos e abusos das propostasfeitas pelo professor
Muitas escolas no consideram a
construo do percurso criador pes-
soal como um dos objetivos centrais
para a rea de artes visuais. Por isso a-
brem mo do investimento nas ques-
tes trazidas pelas crianas e encami-
Tempo Didtico 1
Entre o acasoe a intenao
Como a criana pode conquistar autonomia para criar
1 Coordenadora de artes da Escola Verde que Te Quero Verde So Vicente, SP.2 A autora coloca a palavra releitura entre aspas por acreditar que crianas de 2a srie no fazem releitura propriamente. Para saber mais, leia o artigo Cpia ou releitura
como no levar gato por lebre, na revista Ptio, nmero 14, de Valria Pimentel e Marisa Szpigel.
Q
10
nham apenas as pro-
postas externas.
Algumas escolas priorizam o ensi-
no de contedos da histria da arte, co-
mo, por exemplo, a vida do artista e seu
processo criador, ou mesmo a produ-
o artstica em pocas e culturas dife-
rentes. So bastante recorrentes as re-
leituras2 de obras de artistas, propos-
tas de interferncia grfica em que as
crianas precisam continuar pedaos de
obras de arte, enquanto estudam sobre
os artistas, ou ento a produo de tin-
tas naturais e seu uso, enquanto estu-
dam a histria das tintas.
Outras privilegiam o ensino de tc-
nicas e procedimentos, encaminhando
propostas sem contexto e totalmente
isoladas, carentes de qualquer seqn-
cia ou relao, como, por exemplo, pin-
tar fazendo pintinhas com cotonete,
pintar e dobrar a folha ao meio, dese-
nhar com giz de cera cobrindo com
nanquin preto para riscar por cima,
montar uma imagem colando pedaci-
nhos de papel, como se fosse um mo-
saico etc.
Sabemos que a criana aprende
melhor os contedos das artes visuais
quando tem questes, ou seja, proble-
mas a resolver. No entanto, para desen-
volver seu percurso criador, no basta
que ela resolva apenas questes artsti-
cas prticas nas atividades de produo.
preciso tambm que se aproprie de
conhecimentos proporcionados pelas
reflexes que surgem a partir da obser-
vao e apreciao de imagens que j
produziu e sobre aquelas feitas por ou-
tras crianas, artistas e povos de dife-
rentes culturas. No entanto, todo o cui-
dado pouco nessas prticas
Uma boa questo vinculada a pro-
postas externas a que possibilita res-
postas diferentes. Por exemplo: na 2a s-
rie da escola Verde que Te Quero Verde,
a professora props a apreciao de al-
gumas pinturas de Lasar Segall, para que
os alunos comparassem suas cores e te-
mas.Aps chegarem concluso de que
todas eram muito tristes por causa dos
temas e das cores empregadas, a pro-
fessora encaminhou uma proposta de
produo: pediu s crianas que fizessem
uma pintura triste, usando tinta acrlica e
canetinha quando necessrio. Para resol-
ver essa questo tinham que pensar nas
cores, nas suas combinaes e no tema
que iriam representar.
Deixar livre ou dirigiro trabalho de artes?Um falso dilema
Encaminhar unicamente
atividades a partir de propos-
tas externas pode gerar um
percurso criador dependente.
Ao contrrio, propor apenas ati-
vidades que possibilitem a elabo-
rao de questes internas mui-
tas vezes resulta num percurso
criador de menor qualidade, com
um repertrio mais limitado.
A resoluo de problemas tra-
zidos pelo professor, bem como de
questes que as prprias crianas
levantam, so atividades igualmente
importantes e fundamentais para de-
senvolver o percurso criador do alu-
no e devem acontecer equilibrada-
mente dentro da rotina escolar. No se
pode esquecer que os contedos da
histria da arte, de tcnicas e proce-
dimentos, tm maior significado para os
alunos quando possibilitam a ampliao
do seu repertrio de questes
artsticas internas, surgidas de seu pr-
prio fazer, e tambm quando mobilizam
seus conhecimentos prvios, constru-
dos nos momentos de livre escolha,
como vemos a seguir:
Olvia, da 2a srie, fez a queda deum helicptero usando cinzas, azuise verdes, numa combinao de tonsplidos, para representar um tematriste, como fez Lasar Segall.
11
Tempo Didtico 1
Marina (esq.) e Arthur (abaixo), da 2a srie, escolheram um tema daatualidade que consideraram muitotriste, o atentando s Torres Gmeasnos EUA. Cuidaram para que combinao de cores criasse umaatmosfera aterradora.
O desafio proposto s duplas Gabriel eBrbara (6 anos) e Gabriela e Ana Luiza(5 anos) foi conhecer mais sobremateriais, modalidades e procedimentos.Primeiro tiveram que desenhar, pintar erecortar, desmontando a imagem feita.Depois, colaram as partes em um outrosuporte, criando nova composio.O tema era livre.
12
Arte na rotina da escola Verde
Acreditamos que a conquista da au-
tonomia de criao se d com o traba-
lho conjunto desses dois tipos de aes
didticas. Na Escola Verde que te Quero
Verde as crianas, desde a educao in-
fantil, aprendem artes visuais com esta
proposta e, enquanto crescem, vo pro-
gressivamente conseguindo relacionar
os conhecimentos adquiridos a partir
dos dois tipos de encaminhamento.
Dessa forma, permitimos que o aluno
se alimente simultaneamente dos desa-
fios que o educador lhe encaminha e
dos que ele prprio se prope a resol-
ver.Transitando entre essas duas possi-
bilidades, a criana relaciona o que ex-
perimentou em ambas, conseguindo,
muitas vezes, resolver questes exter-
nas com solues encontradas a partir
das questes internas e vice-versa. Isso
torna o aprendizado da arte mais sli-
do, j que possvel lanar mo de um
mesmo conhecimento em contextos
diferentes.
Portanto, o planejamento e a pr-
tica das aulas de artes visuais na rotina
escolar devem contemplar tanto as ati-
vidades que encaminham as questes
externas, contidas nas propostas, quan-
to as que encaminham as internas, que
esto presentes nas oficinas de per-
curso.
Entendendo a Oficina
A oficina de percurso uma ati-
vidade que permite sempre a livre es-
colha do aluno sobre o trabalho que ir
fazer. Isso quer dizer que ele poder de-
finir quais materiais ir usar, quanto
tempo precisar para terminar seu tra-
balho e se o far sozinho ou no.
O nome oficina de percurso foi
escolhido porque representa muito
bem o que prope essa atividade: per-
mitir que o aluno administre seu per-
curso criador, percebendo no decorrer
da escolaridade que uma produo sur-
ge a partir das experincias de produ-
o anteriores.
Nessas oficinas ocorre uma diversi-
dade e simultaneidade de questes bas-
tante enriquecedoras. interessante
perceber como as questes trazidas
pelas crianas vo se transformando
medida que ampliam seu conhecimento
artstico. No incio da escolaridade elas
se preocupam mais com a explorao e
combinao de materiais. Mais tarde,
pensam nas modalidades se questio-
nam sobre se produziro pintura, dese-
nho, colagem etc. e no tema que iro
desenvolver.
Ao observarmos, por exemplo, um
momento de oficina de percurso da
1a srie dessa escola, comum ver as
crianas propondo-se a produzir
trabalhos abstratos nas moda-
lidades que conhecem, combinan-
do ou no os materiais disponveis
no ateli. Isso acontece porque
nessa srie as crianas aprendem
sobre arte abstrata e figurativa por
meio de propostas que o pro-
fessor leva: atividades de
apreciao e produo.
Os problemas que as
crianas se colocam vo fi-
cando mais complexos
medida que persistem tra-
balhando. No Grupo 2 (3
a 4 anos), por exemplo,
encontramos uma criana
que se props a fazer dois
trabalhos bem diferentes
numa mesma oficina. Em um
ela colou palitos em todo o
suporte, experimentando as
possibilidades da fita crepe e
da cola ao mesmo tempo.
No outro, explorou e com-
binou materiais em dife-
rentes modalidades.
Filipe, da 1a srie: encontra fita crepe no lugar de sempre.
Lucas, da 1a srie, escolhendo sucatapara iniciar um trabalho.
13
Foto
s:Va
lria
Pim
ente
l
Na
2a srie, um
grupo de meninas tinha
uma questo: fazer uma base
ecolgica.Para resolv-la elas usaram duas
aulas de artes.Na primeira, foram em bus-
ca dos materiais que acharam mais ade-
quados para realizar a sua idia: usaram
sucata de isopor para a base, argila para o
tronco das rvores e papel celofane para
as copas, pedindo ajuda da professora
para fixar as copas. O trabalho teve de
secar de uma aula para outra.
Na segunda aula, quando se depara-
ram com o resultado final,no ficaram sa-
tisfeitas e partiram para mais um desafio:
melhorar o trabalho.Depois de muito ti,
ti, ti chegaram a uma soluo: trocar os
materiais do suporte e da copa (que nada
tinham de ecolgicos) por papel mach.
Neste novo desafio, experimentaram
misturar o papel mach com tinta, a-
prendendo assim mais sobre os materiais.
Oficinas como esta tanto quanto
os projetos ou seqncias didticas
encaminhados atravs das propostas
exigem um planejamento complexo
que deve seguir orientaes didticas
especficas, que por sua vez do pa-
rmetros para organizar tempo, espao
e materiais e garantem boas inter-
venes do professor. Para quem quiser
se aventurar neste tipo de ao did-
tica, damos, a seguir, algumas das orien-
taes construdas na escola Verde ao
longo dos anos.
Tempo Didtico 1
Na mesma oficina Francisco, de 3 anos,fez dois trabalhos explorando materiais e
combinando desenho e colagem em um deles.
Olvia, Sabrina, Camila e Luciana usaram duasaulas de oficina para realizar esse trabalho.
14
Orientaes didticas para asoficinas
Antes de iniciar a oficina o professor deve
apresentar esta atividade para os alunos e conver-
sar sobre as regras para usar e cuidar dos mate-
riais. medida que as crianas vo crescendo, as
regras devem ser construdas por todos, edu-
cador e alunos.
Durante a oficina cabe ao professor estimular
a pesquisa e a investigao das vrias linguagens e
materiais, sempre respeitando as escolhas dos
alunos e a diferena entre as produes, favore-
cendo a troca de informaes entre os colegas
sobre as experincias artsticas.
Para garantir o percurso convm que a pro-
fessora guarde os trabalhos no terminados para
que as crianas continuem a faz-los na prxima
oficina. Os materiais no podem faltar. A docu-
mentao de produes bidimensionais pode ser
feita em pastas, que a prpria professora monta
com papel craft, grampeador e fita crepe. J as
produes tridimensionais exigem mais espao, o
que normalmente falta nas escolas. Portanto, ao fi-
nalizar e apreciar esses trabalhos, as crianas po-
dem lev-los para casa.
Oferta e organizao de materiais
Para iniciar pela primeira vez uma oficina
de percurso com as crianas, a professora
pode oferecer como escolha apenas os ma-
teriais secos e os suportes. Nas oficinas se-
guintes acrescentar materiais prprios
para a colagem, por exemplo. Depois, in-
teressante introduzir os materiais aquo-
sos e, por fim, as sucatas e os materiais
para modelar.Oferecer os materiais nes-
ta ordem normalmente deixa os alunos
mais seguros para fazer escolhas, j que
vo ampliando gradualmente as possi-
bilidades de utilizao dos materiais.
Isso no quer dizer que, necessaria-
mente, uma oficina deva acontecer
sempre assim.
A introduo deste ou daquele
material para crianas de diferentes
faixas etrias depende das condi-
es materiais e dos recursos hu-
manos disponveis, nmero de
alunos por turma etc. Esta an-
lise de condies depende da
avaliao do educador.
Giovana (7 anos), estudando sobre arteabstrata, recebeu a proposta detransformar uma parte de seu desenhofigurativo numa imagem abstrata. NaOficina de Percurso faz tambm umtrabalho com seu amigo Thoms.
15
Organizao do espao fsico
Considerar e planejar o lugar onde
vai ocorrer uma atividade fundamen-
tal para que ela funcione bem.A oficina
pode acontecer num ateli ou na pr-
pria sala de aula.
Por tratar-se de uma atividade que
no centralizada no professor, a orga-
nizao dos materiais deve assegurar ao
aluno independncia e autogerencia-
mento do prprio trabalho.
Os materiais precisam estar sepa-
rados por tipos: materiais aquosos e
tintas juntos, papis e papelo no mes-
mo espao, cola, tesouras, fita crepe e
durex organizados de maneira que fi-
quem prximos e assim por diante. O
mesmo deve ser feito com as sucatas.
Dependendo da idade, os alunos podem
ajudar na organizao. interessante
que os materiais permaneam sempre
no mesmo lugar, para assegurar a loco-
moo dos alunos no espao e o plane-
jamento do que iro fazer.
Organizao do tempo
A criana poder
fazer vrios trabalhos
numa mesma oficina
ou, se preciso, usar v-
rias oficinas para fazer
um mesmo trabalho. O
tempo de durao da
oficina varia conforme
a idade das crianas e
seu envolvimento. Uma
oficina para crianas de
2 anos costuma durar
20 minutos, para os 6
anos, at 1 hora. Na educao infantil
interessante propor de uma a duas
oficinas por semana; j no ensino fun-
damental, no mnimo duas por ms, in-
tercalando com momentos para desen-
volver propostas trazidas pelo profes-
sor. Essa organizao deve ser flexvel e
se adaptar a cada realidade. Importan-
te reservar um tempo no final da ofi-
cina para que os alunos arrumem e lim-
pem todos os materiais e o espao on-
de trabalharam.
Apreciao das produes daoficina
A sala de aula ou ateli deve ter um
espao reservado para expor imagens
produzidas por adultos ou crianas. Ima-
gens artsticas livros de arte, catlogos
de exposio, revistas tambm devem
ficar disposio das crianas, pois
observar bons modelos amplia a possi-
bilidade de criao de novas imagens.As
crianas costumam apenas olh-las ou
us-las como inspirao para fazer seus
Numa oficina, os materiais ficam dis-posio das crianas para que possamfazer suas escolhas. A lista abaixo trazboas sugestes para quem quer mon-tar ou reorganizar o espao de ateli,seja numa sala reservada s para isso,seja num canto da sala de aula.
Materiais secos: giz de cera,
canetinhas, lpis, giz de lousa, carvo
para churrasco. Caso seja possvel, tente
conseguir giz pastel oleoso e carvo
para desenho.
Papis variados (chamamos os
papis de suportes): estes devem ser
oferecidos aos alunos sempre cortados
em formas e tamanhos diferentes: papel
sulfite, jornal, revista, cartolina, papel
espelho, laminado,
seda, celofane, color
set, camura, cre-
pom, craft e outros como, por exemplo,
saco de papel. possvel aumentar o ta-
manho dos suportes colando um papel
no outro.
Materiais para colar, juntar e
recortar: cola branca, cola de farinha
(caseira), fita crepe, durex, tesouras, fios,
barbante, grampeador, furador, estilete
para a professora usar e objetos varia-
dos para serem colados (palitos, teci-
dos, tampinhas, areia, papis j picados,
papelo, macarro, l, algodo, sementes,
folhas, gravetos etc.)
Materiais aquosos: tinta de p
xadrez juntar o p xadrez, que se com-
pra em casa de construo, com gua e co-
la branca , tinta de terra igual ao p
xadrez , pintura a dedo, tinta com pa-
pel crepom colocar o papel crepom na
gua ou no lcool, o efeito parecido com
a anilina , guache, plasticor e tinta de
anilina.
Instrumentos para usar com os
materiais aquosos: pincis e broxinhas
de tamanhos variados, rolinhos de pin-
tura de parede, esponja, escova de dente,
paninhos para limpeza e potes para gua
(alm do prprio dedo, naturalmente).
Sucata (lixo limpo): garrafas pls-
ticas, tampinhas, latas, embalagens (pe-
quenas e grandes) de plstico, papel,
papelo, isopor, tocos de madeira etc.
Material para modelar: argila ou
papel mach (papel picado misturado
com gua e cola branca ou de farinha).
Sugestes de materiais
Tempo Didtico 1
Espao organizado dentro da sala, pronto para receber as crianas do Grupo 4 (5 a 6 anos).
16
trabalhos, observando-as para reprodu-
zi-las ou transform-las.
Cabe ao professor promover a
apreciao dos trabalhos das crianas,
organizando o espao para que todas
vejam o que foi produzido.
importante fazer apreciao dos
trabalhos das crianas, mesmo que ain-
da no estejam terminados, inclusive
para discutir como termin-los. No
necessrio repetir o procedimento em
todas as oficinas, evitando que a ativi-
dade se torne burocrtica e perca o sig-
nificado.A apreciao pode ser feita no
comeo ou final da oficina, sempre indi-
cando o processo dos alunos: como re-
alizou o trabalho, que materiais usou, o
que pretende fazer na prxima etapa. O
professor tambm pode propor aos a-
lunos que relacionem seus prprios
trabalhos com os de outros produto-
res, artistas ou no.
Intervenes do professor
O papel do professor de extrema
importncia em todos os momentos da
oficina. Ele no pra de avaliar, para
saber intervir quando necessrio, orien-
tando seus alunos sobre como agir, dan-
do idias e ajuda. Como esta uma ati-
vidade em que cada criana escolhe o
que fazer, a professora precisa aqui,mais
do que nunca, desenvolver um olhar
atento para o grupo e ao mesmo tem-
po para o que cada criana est reali-
zando: que materiais escolhe e combina,
como faz, por que e para qu faz, em
quanto tempo faz e com quem faz. De-
senvolvendo o olhar sobre a produo
dos alunos , a professora saber como
intervir. Um exemplo: a professora
observa que um aluno nunca desenvol-
ve trabalhos sozinho, ento deve pro-
por, em algum momento, que ele expe-
rimente faz-lo.Vale lembrar que, como
as intervenes didticas acontecem
para favorecer avanos no processo de
criao dos alunos, preciso olhar e in-
tervir durante o processo e no apenas
nos resultados finais.
Ficha tcnica:
Valria Pimentel, alm de orientar o trabalho com artes na escola Verde, tambm
desenvolve oficinas e propostas no ateli [email protected]
Escola Verde que Te Quero Verde, Rua Pero Correia, 533, Itarar, So Vicente, SP,
11320-140,Tel.: (13) 3468-9370. www.verde.com.br
Apreciao dos trabalhos: momento para trocar informaes e descobertas.
Giovana,Thoms e Rafael decididos a pintar.
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Conhecendo a Criana
Eu sou assimComo as crianas elaboram seus auto-retratos
18
Dica deleitura
No livro Espelho deArtista, de Katia Canton,voc vai encontrar vriostipos de auto-represen-tao, desde as marcasde mos deixadas nas pa-redes das cavernas, napr histria, at os auto-retratos contemporneos. uma fonte interessantepara quem quiser pensar em projetos parecidoscom o da professora Eliane.
Espelho de Artista. Katia Canton. Ed. Cosac &Naify.Tel.: (11) 255-8808
Estamos nesse grupo e precisamos nos conhecer melhor, o que dizem ascrianas de uma creche em So Paulo ao apresentar os auto-retratos da turma.Observar imagens, conhecer procedimentos e formas diversas de expressar-se
foram algumas das oportunidades oferecidas ao grupo nas propostas levadas pelaprofessora. O resultado salta aos olhos: imagens belssimas que recheiam as pginas
seguintes. Conhea essas crianas por meio de suas letras, traos e coresEliane Feitosa1
ntes de pedir para a criana
fazer seu auto-retrato, o que
no nada simples, tento deix-la
familiarizar-se com o tema. Conversa-
mos sobre o que um auto-retrato,
observamos vrios exemplos de artis-
tas, em diferentes linguagens. Tambm
observamos o rosto do amigo para ana-
lisar como so os olhos, o nariz, a boca
etc. Peo tambm para que se olhe no
espelho, e s ento deixo-a produzir
seu retrato segundo os critrios que ela
definir.
As crianas so to precisas que
deixam em evidncia, em suas produ-
es, os detalhes dos olhos, como os c-
lios, e as curvas do formato
da boca. Detalhes que, talvez,
no constariam em suas pro-
dues se no tivessem todo
esse processo de preparao.
Algumas dessas produ-
es ilustram a capa desta
edio. So resultado de eta-
pas finais, mas antes as crianas
tambm experimentaram ou-
tros materiais, como carvo e
giz pastel, por exemplo. Para os
leitores que apreciam o fazer
das crianas, compartilho os
auto-retratos que ilustram essas
pginas.
A
Alm da preparao da imagem, a pro-fessora tambm criou oportunidades paraque as crianas pudessem ampliar o prprioconceito de auto-retrato. Ela props quecada uma discutisse e escrevesse itens deuma lista de suas preferncias:que time torce,de que comida mais gosta, do que brinca maisetc. Pensar sobre essas respostas levou cadauma a falar sobre si e a conhecer mais sobreas outras crianas do grupo, trazendo tonaelementos que podiam compor a construode uma imagem que as representasse bem, in-cluindo as particularidades.
Essa escrita pde ser aproveitada emoutros momentos, a fim de que o grupo pu-desse aprender mais sobre a lngua por-tuguesa. Dando oportunidades para queescrevessem de prprio punho, segundosuas hipteses, apresentassem suas pro-dues e discutissem sobre elas, Elianepermitiu s crianas conhecer mais sobreoutro modo de representao, a escrita.
Situaes de escrita num projeto de artes
Creche Amuno. Rua Aparecida Ivone Munhoz,
91, Jd. Novo Osasco, Osasco, SP, 06142-050.
Tel.: (11) 3609-1091. E-mail:
Ficha tcnica:
1 Eliane Feitosa educadora da creche Amuno.
19
urante muito tempo de minha vida escolar,
tive como companheiro meu caderno de
desenho. Confesso que no tinha tanta paixo por
ele pois desenhar o que envolvia perspectiva,
sombreado, luminosidade etc. me parecia uma
tarefa bastante difcil. Mas eu precisava dar conta da
tarefa, que valia nota. Como a professora era muito
severa ao avaliar, eu procurava sempre fazer tal e
qual ela pedia, no como eu gostaria ou quisesse.
Muitas vezes, Irm Alice a professora do
colgio de freiras se dispunha a me ajudar
equivocadamente. Ora pegava na minha mo, ora
se prontificava a fazer o acabamento, dando um
toque de artista que meus desenhos careciam. Eu
invejava quem o tinha. Invejava, por exemplo, a
capacidade de uma amiga que deslizava o lpis
no2 com muita perfeio. Recordo hoje com
saudades desses cadernos. Pena que no
guardei nenhum: com certeza faria hoje obser-
vaes que na poca, por no dispor de um
olhar para minha prpria trajetria de dese-
nho, no pude fazer.
Quando meus filhos foram para a escola,
o caderno de desenho j no era mais usado.
Reflexes do formador 1
D
Cadernosde Desenho
Tradicionalmente o caderno de desenho era usado paraaprender geometria ou para copiar imagens, nem sempre de boaqualidade. Hoje, ele est de volta com novos usos e significados:
para a criana, pode ser um recurso que ajuda a perceber asmudanas de seus traados. Para o educador, pode ser um objeto
de pesquisa que apia o planejamento de seu trabalho. Saiba maissobre o uso do caderno de desenho nas pginas seguintes
Ana B. Guedes Brentano1
1 Formadora do Instituto Avisa l e do MEC.
Gabriel, 6 anos, passa vriosdias tentando chegar figurade um barquinho com abandeira do Brasil.Aqui vemosquatro etapas de sua pesquisa,partindo de uma forma simplesat chegar concepo de cu,mar e, finalmente, a um barcocom a vela-bandeira brasileirahasteada.
1
2
3
4
Um dirio do percurso criador das crianas
20
Eles desenhavam em folhas soltas, guar-
dadas em pastas, de forma que era pos-
svel acompanhar a evoluo e a con-
tinuidade de seus traados. Como eles
desenhavam muito em casa, tive acesso
a esse percurso de criao.
Hoje os cadernos de desenho vol-
taram, com uma inteno que no exis-
tia no meu tempo: a de possibilitar
criana se apropriar de seu percurso
como desenhista. Eles passam a ter um
carter de dirio, onde o aluno define o
que desenhar e como desenhar, permi-
tindo a expresso da individualidade.A
criana convocada pelo caderno a ver
e rever seus desenhos. Muitas vezes, j
com um olhar mais apurado, ela se v
tentada a completar alguma coisa que
faltou, a colorir ou a desenhar nova-
mente um antigo tema. Mais que isso,
ao percorrer cada pgina de seu cader-
no, ela poder perceber a mudana de
seus traados: como fazia antes e como
faz agora. Neste sentido, o caderno de
desenho passa a ser um instrumento
de pesquisa.
Caderno de desenho comoapoio para o professor
O educador tambm pode utilizar
o caderno como apoio ao planejamento
do trabalho. Para tanto, importante
que ele tenha uma pauta que o auxilie a
observar alguns aspectos como:a ao expressiva: como a criana secoloca frente tarefa? Demonstrainteresse, indiferena, soltura?
o uso de material: mistura cores, variao uso dos riscantes, apresenta dificul-dade no controle dos pincis?
objetos de pesquisa: desenha semprea mesma coisa ou varia os temas nassuas representaes?
Mrcia, professora da turma de 3 a
4 anos da creche So Rafael, por exem-
plo, utilizou o caderno para estudar o
percurso do grafismo infantil. Diz ela:
por meio do caderno eu pude visualizar
quais interferncias eu podia oferecer du-
rante esse perodo, acrescentando desafios
s diferentes propostas.
2
Barcos no so o nicotema de interesse deGabriel.Aqui, seusesforos para estruturar afigura humana, entre abrile agosto.
3
1
Ilustrao de conto defadas sugerida pelascenas do Gato de Botas.
tambm possvel pesquisar novos
interesses que esto brotando no grupo
e que podem gerar diferentes projetos.
Esses so alguns exemplos que po-
dem ajudar o educador na tarefa de
pesquisar e avaliar a aprendizagem de
seus alunos, abrindo espao para plane-
jar intervenes necessrias, capazes de
instigar novas aprendizagens para as cri-
anas. Tudo para manter vivo o praze-
roso e constante convite ao desenho.
21
Direto da prticaA professora conta como o caderno de desenho entrou em sua sala
No comeo do ano tivemos a
idia de usar o caderno de desenho.
Pedi que os pais trouxessem de casa
um caderno com pginas brancas para
seus filhos e esperei at que todas as
crianas tivessem o seu. Ento deixei
que elas colocassem etiquetas com
seus nomes. Ofereci momentos para
que fizessem seus desenhos, a princ-
pio livres, at acharmos um objetivo.
Foi ento que a Ana, formadora de
nossa equipe, pediu que eu deixasse o
caderno num canto da sala para que
as crianas desenhassem quando
quisessem. Em apenas um dia as
crianas desenharam o caderno
quase todo. Ento dei tambm
folhas de sulfite: quando termina-
vam suas produes, guardavam
dentro de uma pasta.
Achei mais interessante traba-
lhar com caderno de desenho por-
que assim pude observar como as cri-
anas foram evoluindo. Eu no tinha
uma seqncia de propostas para o ca-
derno, mas olhando-o agora, diante
dos registros de uma semana, pude ver
como as produes mudaram: dese-
nhos mais detalhados, coloridos, com
temas diversificados. s vezes eu per-
guntava se queriam mudar algo. Geral-
mente no queriam,de tanto que apre-
ciavam os trabalhos.At mesmo as cri-
anas que no comeo tinham dificul-
dades j conseguiam fazer um desenho
melhor. Ao fim da atividade elas guar-
davam o material com mais autono-
mia, dizendo sempre:esse meu, dei-
xa que eu guardo.
Acho que as crianas tero uma
boa recordao quando sarem daqui,
levando embora seus cadernos com
tantos desenhos. Maria Aparecida dos Santos,
Mo Cooperadora.
Bibliografia:
Arte na sala de aula. Escola da Vila.
Ed.Artmed.Tel.: (11) 3062-9544.
Aprendiz da arte, trilhas do sensvel
olhar-pensante. Miriam Celeste
Martins. Espao Pedaggico.
Tel.: (11) 5505-1135
Ficha tcnica:
A anlise dos cadernos de desenho foi uma das
estratgias formativas propostas por Ana B. Guedes
Brentano, como parte de seu projeto de formao nas
creches da Mo Cooperadora Obras Sociais e Educacionais e Creche
Maria Natividade Machado. Participaram dessa experincia Mrcia Helena
da Silveira, professora da turma de 3 a 4 anos, e Maria Aparecida dos
Santos, professora do pr.
Mo Cooperadora Obras Sociais e Educacionais: Rua Prof. Francisco
Marques de Oliveira Junior, 151, Jd.Trs Coraes, Santo Amaro, 04855-
340.Tel.: (11) 5933-3982, fax: 5528-5738, [email protected]
Creche Maria Natividade Machado Sociedade Beneficente So
Camilo: Rua Ernesta Fracarolli,50, Jd. So Rafael, 04860-060,
Tel.: (11) 5972-5120
Apoio:
Reflexes do formador 1
22
Uma carta para Inos CorradinO artista que no pra de pintar
Aproximar crianas da produo dos artistas j uma prtica bastante comum naeducao. Nomes como Picasso, Mir,Volpi e Tarsila so freqentemente explorados e trazemum fato em comum: todos produziram num tempo passado. Ser que as produes artsticas
so mais consideradas depois que seu autor morre? E as obras de arte produzidas por artistasvivos? Essas preocupaes das educadoras levaram crianas de 4 a 5 anos a conhecerem Inos
Corradin, artista que trabalha nos dias de hoje.Denise Nalini e Maria Helena da Silva
or que importante que a cri-
ana entre em contato com as
obras dos artistas? Essa a pergunta de
muitos educadores. Para responder, po-
demos recorrer a uma comparao: va-
mos pensar em situaes de leitura.
Ningum duvida que, para uma criana
se tornar uma leitora interessada e po-
der escrever textos com qualidade, ela
precisa conhecer diversos textos. O
mesmo acontece com a capacidade de
representar por meio de linguagens
plsticas: para construir modos diferen-
tes de pintar, desenhar, esculpir, mode-
lar, pensar e fazer em arte, a criana
precisa entrar em contato com a diver-
sidade de produes artsticas. O re-
pertrio de imagens , para a criana,
uma fonte de referncia muito impor-
tante. Ao conversarmos sobre o modo
como determinado artista fez seu tra-
balho, ao experimentarmos seus proce-
dimentos, damos s crianas mais uma
oportunidade de alimentar um repert-
rio interno que ser fonte inspiradora
para novas pesquisas sobre desenho,
pintura, escultura etc.
Muitos educadores, reconhecendo
essa necessidade, tratam de apresentar
s crianas alguns dos nomes mais fa-
mosos do mundo da arte: Mir, Picasso,
Tarsila, Volpi, entre outros. Essas pro-
postas ficam, muitas vezes, restritas
observao e ao conhecimento da arte
constituda como tal, reconhecida pelos
crticos e pela histria da arte.Tal inicia-
tiva, quase sempre, leva a trabalhar com
artistas que j morreram. Mas ser que
a pintura, por exemplo, s vira obra de
arte depois que seu autor morre? E to-
da a produo de arte e da pesquisa em
atelis que acontecem hoje? Essa produ-
o tambm deve estar no horizonte da
criana para que possa ampliar o con-
ceito de arte e reconhec-la como uma
manifestao presente no seu tempo,
que continua a movimentar-se e no est
apenas nos museus e nas pginas dos li-
vros. No contato com o artista, pode-
mos ouvir e ver sua prpria anlise do
que faz, seus problemas, suas solues.
Essa reflexo levou Ana Benedita
Guedes Brentano, formadora do Ins-
tituto Avisa l, e Maria Helena da Silva,
professora da creche Mo Cooperado-
ra, a procurarem outras referncias
possveis e interessantes para as crian-
as. Foi assim que encontraram Inos
Corradin. A seguir, a professora Maria
Helena nos conta como promoveu esse
encontro:
Para apresentar Inos Corradin s
Vivo e atuante, Inos Corradin nasceuna Itlia em 14 de novembro de 1929, epor l iniciou seus estudos de pintura comgrandes mestres italianos.Aos 21 anos mu-dou-se para o Brasil e instalou-se em Jun-dia, So Paulo, tendo, logo cedo, integradoo grupo de pintores cooperados de diver-sas regies. Em 1953 sua carreira deu umimportante salto com a viagem Bahia: seuobjetivo era apresentar sua obra,TrinidadeLeal, mas sua estada por l acabou lhe ren-dendo muitos outros frutos. Manteve con-tato com msicos e artistas plsticos atu-antes na poca, um grupo do qual faziamparte Mario Cravo Jr.,Rubens Valentin,Agui-naldo dos Santos, Carib, Dorival Caimmy,Jenner Augusto,Wilson Rocha e Mirabeau.
No ano seguinte, recebeu uma pro-
posta que abriu novasportas para seu trabalho:foi convidado para fazerparte do grupo que con-cebeu a cenografia parao Bal do IV Centenriode So Paulo. Depois de anos de trabalhocomo cengrafo, Inos mudou-se paraIbina, no interior de So Paulo, onde re-tomou a pintura. Casou-se, teve trs filhose continua trabalhando at hoje. Suas obrasesto espalhadas pelo mundo todo, fazen-do parte de colees particulares na Itlia, Frana, Holanda, Blgica, Alemanha,Sua, Israel e ustria, onde esteve recen-temente, como contou para as crianas dacreche da entidade Social Mo Coope-radora.
Inos Corradin o artistaque responde s crianas
P
Sustana
23
crianas, levamos para a sala do grupo
algumas de suas imagens, em xerox
colorido, e as distribumos entre elas.
Que feio ! disse Regiane, uma
das crianas da turma, estranhando a
reproduo de O Equilibrista Olha!
Ele tem um passarinho no p!
Eu tambm posso pr um passa-
rinho no meu p disse Larissa.
Voc no pode, o passarinho voa!
retrucou Alessandro, provocando a
turma, que se ps a imitar o equilibrista
andando com um p s.
Mas o que a turma gostou mesmo,
foi de Flores com Fundo de Mar.
Como ele pintou no fundo do
mar? quis saber Raquel.
J vi um homem dentro de uma
caixa no mar. O Inos deve ter feito o
mesmo disse Gabriel.As crianas de-
senvolveram tanta intimidade que o
chamavam de Inos.
Depois de algum tempo aprecian-
do e pintando sob a inspirao de suas
obras, resolvemos escrever uma carta
ao artista contando que j o conheca-
mos e que gostvamos de sua pintura.
As crianas ditavam o que queriam es-
crever na carta e eu ia colocando na
lousa.Terminada a escrita, passamos a
limpo numa folha de papel e pedimos
a um funcionrio da creche
que digitasse no computa-
dor. Lemos o texto uma ltima
vez para que o grupo revisasse.Assina-
mos a carta e junto enviamos duas fo-
tos da turma e duas das pinturas feitas
pelas crianas naquele ms.
No espervamos que ele pudesse
de fato responder, pensvamos que de-
veria ser muito ocupado. Mas foi uma
surpresa geral quando o carteiro veio
creche trazendo o envelope. Estava es-
crito no lugar do remetente: Inos Corra-
din. Levamos a carta para a sala de aula e
a lemos para as crianas (veja box).
Animados com o resultado de
nosso trabalho, organizamos, no final do
semestre, uma exposio com todas as
pinturas das crianas. E ficou muito
bonita! Obrigada, Inos Corradin!
Bibliografia:
Brazilian Art Book. G&A editorial.
Tel.: (11) 3811-9550
Ficha tcnica:
As reprodues de Inos Corradin foram levadas pela formadora
Ana B. Guedes Brentano, do Instituto Avisa l, como parte do projeto
de formao que desenvolve na creche da Mo Cooperadora, Obras
Sociais e Educacionais. Maria Helena da Silva a professora do jardim, responsvel
pelo trabalho da turma desde a escrita da carta at a exposio final, contando com
o apoio da coordenadora pedaggica Mnica G.Alves.
Mo Cooperadora Obras Sociais e Educacionais: Rua Prof. Francisco Marques
de Oliveira Junior, 151, Jd,Trs Coraes, Santo Amaro, 04855-340
Tel.: (11) 5933-3982, fax 5528-5738, [email protected]
No respondi antes a gratificante carta que vocs me mandaram e que me entusiasmou
muito porque estava viajando no exterior com uma exposio (Vou novamente, agora, dia 31
de agosto, numa exposio na ustria).Agradeo infinitamente e me sinto orgulhoso que
vocs gostem da minha pintura. Quando voltar de viagem me porei de novo em contato com
vocs e quem sabe, ns nos conhecemos pessoalmente. Darei para vocs bastante material
sobre a minha carreira artstica. Prometo tambm um quadro para a escola logo depois que
voltar, em outubro. Bons estudos e grandes beijos a todos vocs junto com as professoras.
Do amigo
Inos Corradin
Ps. Parabns para Larissa por seu belo quadrinho
Flores com Fundo de Mar e para Regiane por seu
Equilibrista.
Beijos
Inos Corradin
Queridos meninos e queridas Mnica e professoras,
Sustana
24
Apoio:
25
iscutir questes relativas a nos-
so trabalho uma das melho-
res formas de aprender mais sobre o
fazer pedaggico.Aqui, no Centro de
Educao Infantil Adolfo Lutz, costu-
mamos nos reunir, professores e
equipe tcnica, para discutir as-
pectos do trabalho, a partir de de-
mandas que detectamos no grupo.
Um exemplo recente G,
uma das professoras que levantou
uma questo interessante: comen-
tou sobre crianas que j so artis-
tas desde pequenas, e que dese-
nham muito bem.
Disse que no po-
demos considerar
os trabalhos
que as cri-
anas fazem
como obras
de arte, pois
o artista estuda
para se aperfei-
oar no que faz. No
me convenci completa-
mente. Mais tarde, pen-
sando nisso, conversei
com Adriana Klisys2, que nos d super-
viso. Retomei a questo: crianas so
artistas? E ela respondeu-me: No exa-
tamente. Da mesma forma que no di-
zemos que a criana escritora, no sentido
profissional do termo, tambm no di-
zemos que artista. Mas a criana um
pouco artista de certa maneira. O artista
no s estuda, como tambm cria novas
formas, novos jeitos de olhar para a reali-
dade, transformando-a em sua prtica. Ele
cria uma proposio potica: seu trabalho
tem intencionalidade, pesquisa conceitual e
procedimental, busca um aprimoramento
constante. Penso que podemos dizer que
a criana tem intencionalidade e pesquisa
procedimentos, entretanto o produto do
que faz no tem status de produo ar-
tstica, tal como entendemos a arte em
nossa sociedade, embora possamos con-
siderar que existem produes de crian-
as superiores a de muitos que se dizem
artistas.
Ento, se a criana no artista
mas est em formao, convm que o
professor alimente seu processo, fa-
zendo propostas que a levem a dese-
nhar melhor.
A problematizao dasintervenes
Planejar boas situaes de aprendi-
zagem a partir da atividade de desenho
no simples. Exige do professor a an-
lise das produes das crianas e aten-
o a seus processos de criao. Pensei,
principalmente, na questo que a G,
professora da turma de 2 a 3 anos,
trouxe para a superviso. Ela contava
sobre sua experincia com a interfe-
rncia grfica (veja box) que props s
crianas:
Para alem do Reflexes do formador 2
desenho livreQuando a interferncia ajuda as crianas
1 Psicloga e coordenadora pedaggica do Centro de Educao Infantil Adolfo Lutz.2 Formadora do Instituto Avisa l.
Interferncia toda ao do pro-
fessor capaz de modificar o percurso cria-
dor da criana. Quando bem pensada po-
de ajud-la a avanar em algum aspecto
de sua produo. possvel interferir de
diversas formas.
A interferncia grfica, como as apre-
sentadas por Ana Cristina, um tipo de
proposta que traz alguma marca no su-
porte oferecido s crianas. Pode ser re-
cortes de imagens revistas, figuras reti-
radas de catlogos de arte, jornal etc.
ou mesmo xerox, linhas, pontos, curvas,
algo que convide a criana a procurar
uma soluo para continuar desenhando.
O que uma interferncia
D
Desenhar no uma atividade inata, mas aprendida.As crianas pequenas podeminiciar uma formao artstica desde que encontrem um professor que alimente seus
processos. Para que ele possa fazer propostas significativas e tomar decises adequadas aoque pretende ensinar, precisa conhecer o percurso criador das crianas e regular as
interferncias de acordo com as reais possibilidades de aprendizagemAna Christina Romani 1
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Tive o maior trabalho de separar fi-
guras de revistas, escolhi uns carros gran-
des, colei metade da folha de sulfite, e as
crianas s rabiscavam em cima.
Quando ela me disse isso, fiquei
pensando: ser que ela esperava que as
crianas dessa idade fizessem o restan-
te do carro? Percebi, ento, que talvez
houvesse alguns mal-entendidos sobre
como trabalhar com interferncias.
Quando interferimos, devemos saber
qual o nosso objetivo, nossa inteno,
para que tenhamos condies de ela-
borar propostas mais adequadas ao
que as crianas podem aprender. Mas
ser que todos sabem quando a inter-
ferncia grfica ajuda?
Pensando nisso, organizei um en-
contro de formao e selecionei algu-
mas estratgias para levantar a questo
com todo o grupo.
A tematizao da produode desenhos
Inicialmente propus a leitura de um
texto selecionado por mim, que falava
sobre possibilidades de trabalho com
interferncias. Levei, ento, alguns e-
xemplos de interferncia e pedi ao gru-
po que as avaliasse, apontando as dife-
renas entre elas. Tambm preparei al-
gumas folhas de sulfite com interfern-
cias grficas3, algumas boas, outras no,
para que as professoras desenhassem a
partir dali. Primeiro trabalharam com
suportes e figuras inadequados pro-
posta que eu tinha. Todas reclamaram
do material:
Assim no d, no tem espao para
fazer nada! disse uma delas.
O que voc quer que eu desenhe
aqui? No tem um papel maior? pediu
a outra.
Ento, em meio a isso tudo, uma das
professoras lembrou que as crianas fa-
ziam aquilo e no reclamavam de nada.
Aproveitei para perguntar se elas acha-
vam que as crianas ficavam satisfeitas
com suas produes. Uma delas disse
que achava que no, mas tambm no ti-
nham como reclamar, pois recebiam a-
quela nica proposta. E ainda:
A gente nem pensava se era uma
proposta boa, que ajudava no desenvolvi-
mento do desenho.
Depois dessa discusso, passei as
folhas com interferncias melhores. Es-
sa proposta foi melhor avaliada, porque
tinha gravuras mais definidas, mais espa-
o, oferecendo mais oportunidades de
criao, como vemos a seguir. Conclu-
mos que preciso pensar em boas in-
terferncias, seno vamos continuar
nos frustrando com os resultados.
Quando a interferncia pode ajudar
Partimos para a anlise da questo
dos desenhos feitos pelas crianas. Per-
guntei se era possvel propor, para to-
das as idades, interferncias como aque-
las que tnhamos visto h pouco. Salete
e Seb (educadoras) disseram que no,
pois as crianas s riscam o papel. A
Ftima, professora do grupo de crianas
de 2 a 3 anos, achava que era possvel.
Ento ela e sua companheira de sala,
Irene, apresentaram as propostas com
interferncia grfica que haviam feito
para sua turma. Elas colaram um trin-
gulo na folha e, antes de entreg-la s
crianas, fizeram com a classe uma
apreciao do calendrio do Volpi. As
professoras esperavam que elas comple-
tassem os desenhos geomtricamente,
mas no foi isso que produziram, como
vemos nos exemplos da pgina seguinte.
Propus, a partir da, a anlise do
grafismo. Li o texto Fases evolutivas do
desenho infantil, do volume I do livro Pro-
fessor da pr-escola e passei cpia para
todas as professoras. Pedi que obser-
vassem os exemplos do texto e compa-
rassem com o resultado da interfern-
cia inspirada em Volpi. Perguntei se aqui-
lo tinha alterado a produo das crian-
as. Ser que elas de fato utilizaram a
interferncia para fazer o desenho?
Tambm possvel interferir quanto
ao suporte, definindo a superfcie, bi ou
tridimensional, que ser trabalhada pela
criana. possvel variar tanto o forma-
to quanto o tamanho, bem como a es-
pessura e a textura, levando a criana a
mudar estratgias e a buscar caminhos
diferentes para adequar-se condio
imposta pelo suporte.
Por fim, o professor tambm po-
de interferir quanto aos meios que
vai oferecer, variando tipos de lpis,
giz e outros riscantes que exigem da
criana tratamento e procedimen-
tos bem diferentes. 3 A edio no 6 de avisa l trouxe exemplos desse tipo de interferncia.
27
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Algumas disseram que no, porque a
maioria s fez rabiscos. Outras acharam
que as crianas utilizaram a interfern-
cia colocada no papel, mas no como as
professoras esperavam.
Passamos ento a analisar a fase em
que cada desenho estava. Usei a seguinte
estratgia: mostrei os 20 traos bsicos,
segundo a autora Rhoda Kellogg (veja
box), e pedi que avaliassem os desenhos
das crianas trazidos por elas,procurando
identificar ali os que j faziam. Ento reto-
mei a pergunta:para qual grupo, baseado
no que disseram, poderamos trabalhar a
expectativa de completar o desenho
dessa forma, geometricamente? As pro-
fessoras perceberam que as crianas de 1
a 3 anos no conseguem atender a este
tipo de proposta.
Conclumos que a interferncia aju-
da a criana a desenhar melhor, mas
preciso adequar a proposta ao tipo de
trabalho grfico em que ela vem se em-
penhando. Oferecer uma folha com me-
tade da figura de um carro ou de um
rosto, por exemplo, esperando que cri-
anas to pequenas possam complet-
lo, no parece uma boa proposta, pois
coloca um nvel de desafio que fica fora
da real possibilidade da turma.
Por fim, disse que havia muitas pos-
sibilidades de interferir nas produes
infantis: podamos propor interferncias
quanto forma, ocupao do espao,
aos tipos de trao, ao colorido, intensi-
dade, suavidade, maneira de utilizar o
material etc.Tudo vale a pena e pode ser
interessante desde que o professor saiba
com clareza as razes que esto por trs
de suas propostas. Para quem quiser a-
preciar e discutir, apresentamos a seguir
uma pequena galeria. (pgs. 30 e 31)
Reflexes do formador 2
As crianas de 2 a 3 anos, nesses exemplosno atendem expectativa da professora de completar as figuras geometricamente;no entanto, elas interferem nas imagenscomo podem.
Crianas que j figuram enfrentam outro tipo de desafio nas propostas, como estas que sugerem a continuidade da imagem.
Durante as dcadas de 60 e 70, o
desenho infantil foi tema de muitas pes-
quisas. Entre os estudiosos, destacamos
Rhoda Kellogg, que analisou desenhos
de crianas de diferentes idades, em
vrios lugares do mundo. Rhoda des-
cobriu traos bsicos, formas de ocu-
pao do espao e jeitos de combinar
presentes em muitas das produes,
mostrando que h uma certa regulari-
dade e uma tipologia de elementos bsi-
cos em qualquer tentativa de represen-
tao simblica, seja infantil ou adulta.
Segundo sua pesquisa estes so os tra-
os bsicos:
Bibliografia
Analisis de la expression plstica del
preescolar. Rhoda Kellogg. Ed. Cincel.
(esgotada, encontra-se apenas em
bibliotecas).
Professor da Pr-Escola. Monique
Deheinzelin e Zlia Cavalcanti.
Ministrio da Educao Fundao
Roberto Marinho.
1. Ponto2. Linha vertical simples3. Linha horizontal simples4. Linha diagonal simples5. Linha curva simples6. Linha vertical mltipla7. Linha horizontal mltipla8. Linha diagonal mltipla9. Linha curva mltipla10. Linha errante aberta11. Linha errante envolvente12. Linha ziguezague ondulada13. Linha com um s lao14. Linha com vrios laos15. Linha espiral16. Crculo sobreposto de linha mltipla17. Crculo com uma circunferncia de linha mltipla18. Linha circular estendida19. Crculo cortado20. Crculo imperfeito
Conhecer os rabiscos que as crianas fazem, bem como os percur-
sos individuais de cada uma, ajuda o professor a compreender o traba-
lho das crianas, podendo tomar decises que impliquem num avano
das aprendizagens de sua turma.
Traos bsicos dos desenhos infantis
Julia, 5 anos
29
30
Reflexes do formador 2
Galeria
Ana Luiza, por sua vez, noutilizou a imagem, como um parde olhos, e sim botes queenfeitam a roupa de suamenininha, parecendo um cinto.
A imagem dos olhos de um felino sugeriu aRodrigo um enorme inseto, parecido com ospersonagens de fico das histrias em quadrinho.
31
Leonardo, da EscolaLogos, tem apenas 3anos mas j trabalha apartir de interferncias.Lucila, sua professora,colou um obstculo nocentro de uma folha decartolina de 50cm x 33cm. Estainterferncia levouLeonardo a expandirseu gesto para ocupartodo o espao, comovemos nessa garatuja.
E, finalmente, a partir da imagem do vaso,vemos Lucas brincar com o equilbrio,continuando uma imagem alongada,acompanhando o sentido do papel, que elefez questo de utilizar em toda sua longitude.
Daniel, diante de uma bela imagem arquitetnica,preocupou-se mais com a cor do que com a forma,tratando de combinar os tons dourado e prateadocom as tonalidades que a imagem trouxe.
H quem diga que, em matria de educao, no existem receitas. De fato, mais importantedo que o passo a passo, so as concepes de ensino e aprendizagem que esto por trs de
cada passo, o grau de abertura que oferecem e, principalmente, o reconhecimento ao processodas crianas. Esses so ingredientes imprescindveis para se respeitar as condies de uma boa
situao didtica. Como a que se ver a seguir, apresentada com graa, como uma boareceita, para desenvolver propostas de produo e reviso de texto com crianas de 5 anos
Denise Milan Tonello1
o colgio Nossa Senhora do
Morumbi Mopyat, crianas de
5 anos dedicaram parte de seu tempo
pesquisa e escrita de uma enciclopdia
das profisses, contando com verbetes
explicativos de cada uma das profisses
pesquisadas, como, por exemplo, a do
padeiro. No incio, muitas crianas no
sabiam ao certo o que de fato este
profissional fazia:
Padeiro que trabalha na padaria!
disse Lus Felipe.
Mas fazendo o qu? perguntei.
Po, u! respondeu Gabriel
Silveira.
Mas ele dono da padaria, o
padeiro... contou Camila.
, para ser padeiro tem que ser o
dono da padaria... confirmou Patrcia.
O padeiro faz e vende o po!
concluiu Andr Parise.
No me preocupei com informa-
es incorretas, do ponto de vista a-
dulto. Sabemos, por exemplo, que o pa-
deiro no o dono da padaria e nem
vende, apenas faz o po. Mas, naquele
momento, mais do que saber os fatos
corretos, queramos que as crianas
pesquisassem e descobrissem, a partir
de seus questionamentos, as informa-
es de que precisavam. Uma visita
padaria e uma entrevista com um profis-
sional garantiram as informaes neces-
srias para melhorar os textos
iniciais produzidos por elas.
Pode parecer simples, mas, de
fato, esta proposta muito ela-
borada se considerarmos que
as crianas precisam buscar in-
formaes e transmiti-las fa-
zendo uso da linguagem que se
escreve, muito diferente da fa-
lada no dia-a-dia.
Para os leitores de avi-
sa l, ofereo minha recei-
ta, cheia de observaes,
detalhes e com a vivaci-
dade de uma experi-
ncia bem-sucedida.
Tempo Didtico 2
Finalmente uma receita!
32
1 Professora de educao infantil do Colgio Nossa Senhora do Morumbi-Mopyat.
N
Ingredientes:
Um texto escrito sobre a profisso de padeiro a partir do
conhecimento prvio das crianas.
Programao de visita a uma padaria para a realizao de
pesquisa de campo com o profissional a ser entrevistado, no
caso o padeiro.
Elaborao de perguntas, por parte das crianas, para
conhecerem mais sobre a profisso.
Uma entrevista propriamente dita, com direito a gravador, lpis, papel, perguntas na ponta da lngua e
mquina fotogrfica.
Produo de um novo texto a partir de todo o conhecimento adquirido.
Alguns recursos de produo de imagens relacionados com os textos: desenhos de observao indireta,
direta, de memria, com textura etc.
Algumas leituras de textos que dem informaes passo a passo (como dobraduras em origami, confeco
de algo relacionado com artesanato etc.) para que possam produzir legendas explicativas para as fotografias
e mostrar cada etapa de como o padeiro faz o po.
Tempo de preparo:
Algumas semanas incrementadas de muita leitura, entrevistas e boa
vontade para inmeras revises.
Modo de fazer:
1 Divida as crianas em grupos pequenos e pea que escrevam o que sabem sobre tal profisso. Escolha umacriana j alfabtica para ser a escriba e deixe que as demais do grupo tenham a funo de ditar. Desse
modo, as crianas j alfabticas iro preocupar-se com o como escrever, enquanto as outras, produtoras
do texto, iro preocupar-se com o contedo do mesmo.
2 Pea s crianas que leiam ao grupo o que produziram. Reserve e deixe este texto descansar por algumtempo. Comece, ento, a preparar o recheio.
3 Marque a visita a uma padaria prxima e informe ao grupo. Explique que o padeiro vai dar uma atenoespecial a todos, num momento de trabalho, e que, portanto, ser preciso preparar algumas perguntas para
que no se corra o risco de ficar sem saber o que fazer.
33
Receita
A percepo da importncia de pla-
nejar a entrevista muito importante
para a qualidade da produo do texto
e para a construo de uma postura de
investigador. Antes de sair com as cri-
anas para a padaria, eu retomei com o
grupo o que sabiam at ento, registra-
do nos primeiros textos, a fim de escla-
recer a tarefa de cada um e decidir o
que perguntaramos ao padeiro. As cri-
anas elaboraram perguntas sobre as
informaes que estavam gerando con-
flitos no grupo justamente por no te-
rem certeza do que o padeiro faz real-
mente. Aps a retomada dos textos
iniciais produzidos pelos grupos, as
crianas concluram que estas deveriam
ser as perguntas ao padeiro:
Voc faz e vende o po ou s faz?
Voc que faz o bolo na padaria ou
existe outra pessoa?
Como chama a profisso de quem faz
o bolo?
Como voc faz o po?
Quanto tempo leva para fazer
o po?
Quantas vezes voc faz po num
dia?
Quantos pes saem numa fornada?
O que mais voc faz na padaria sem
ser po?
4 Registre cada pergunta da entrevistanum papel e divida (em partes i-
guais) o que cada criana ir pergun-
tar. Como as crianas desde muito
pequenas j percebem a funo da
escrita, voc pode se deparar com
sugestes como esta, da Maria Fer-
nanda:
Por que voc no escreve a pergunta
de cada um no papel e deixa a gente es-
tudar em casa?
5 Leve o grupo de crianas interessado,lpis, papel, gravador e muita empol-
gao. Chegue padaria e acrescente
tudo isso, aos poucos, do contrrio
voc corre o risco de as crianas fa-
larem todas de uma vez e no conse-
guirem ouvir o que est sendo res-
pondido e explicado pelo profissional
entrevistado.
Em nossas visitas, as crianas se
queixaram um pouco do calor dos for-
nos da padaria, mas, aps a entrevista,
pareciam estar comendo um po dife-
rente, com outro sabor, uma vez que ti-
veram a oportunidade de auxiliar no
seu preparo.
6 De volta classe, pegue o texto queestava reservado e releia-o para o
grupo. hora de reche-lo! No mes-
mo instante as crianas percebero
que h informaes incorretas, como
aconteceu em minha turma:
Ah, ele no vende po disse An-
dr Carvalho.
Ele s trabalha fazendo o po!
completou Maria Fernanda.
E ento, ser a hora de escrever um
novo texto, desta vez com a professora
como escriba.
7V retomando as perguntas que fo-ram feitas, para dar continuidade ao
recheio do texto, como fizemos em
grupo:
Como se chama a profisso de
quem faz o bolo? perguntei.
Confeiteiro disse Juliana.
melhor escrever no texto de outra
profisso! concluiu Luiz Gustavo.
Ele faz confeitos! completou
Beatriz.
E o que so confeitos? perguntei.
bala, brigadeiro, docinho... enu-
merou Brbara.
E o confeiteiro tambm confeita e
enfeita bolos! concluiu Patrcia.
8 Para registrar corretamente passo-a-passo como se faz o po, pergunte ao
grupo o que podemos fazer, que logo
surgir uma sugesto como a do
Lucas:
Vamos ouvir o gravador, no foi pra
isso que a gente gravou?
9 Faa intervenes pontuais para queas crianas percebam a necessidade
de explicar cada detalhe destes pro-
cedimentos.
Vocs j tinham visto algum colocar
gelo numa massa de po? No melhor
explicar para que serve? pontuei.
Escreve que para a massa no
ficar quente! disse Beatriz, ajudando a
completar o texto:
(...) O GELO NO DEIXA A
MASSA FICAR QUENTE.
DEPOIS ELE PE TODOS ESSES
INGREDIENTES...
Ateno: importante ressaltar
constantemente para as crianas a preo-
cupao com o leitor deste texto: pre-
ciso que elas se faam compreender a-
travs da escrita, pois no estaro pre-
sentes, ao lado do leitor, para explicar
melhor. Desse modo, portanto, estaro
percebendo e fazendo uso de uma im-
portante funo da escrita.
10Voc ver que, no tempo em que fi-cou descansando, o texto cresceu
muito. Continue anotando cada de-
talhe, como fizemos:
34
Tempo Didtico 2
Por que importanteplanejar com as crianas
OS INGREDIENTES VIRAM UMA
MASSA E ESSA MASSA VAI PARA
UMA OUTRA MQUINA: A CILIN-
DREIRA. A CILINDREIRA ABRE A
MASSA PARA DEIXAR BEM GRAN-
DE E LISA li para o grupo.
FUNCIONA QUE NEM O ROLO DE
ABRIR MASSA QUE A NOSSA ME
USA, S QUE BEM MAIS RPIDO
PORQUE UMA MQUINA con-
tribuiu Beatriz na tentativa de explicar
melhor o que era a cilindreira.
A MASSA VAI PARA A MESA DE
MASSA PARA DESCANSAR, continu-
ou Lo.
E O PADEIRO COBRE PARA
NO RESSECAR completou Cludia.
Mas cobre a massa com o qu?
Perguntei.
Cobre com um plstico, completa
que com um plstico! Gabriel Ghion.
DEPOIS ELE CORTA A MASSA
EM PEDAOS ditou Henrique.
Mas pedaos bem iguais! advertiu
Lus Felipe, propondo uma nova forma
de escrever: (...) CORTA A MASSA EM
PEDAOS BEM IGUAIS E JOGA NU-
MA MQUINA QUE ENROLA OS
PEZINHOS.
E CADA PO FRANCS TEM
QUE PESAR 50 GRAMAS. O PADEIRO
CORTA A MASSA COM A MO E OS
PEZINHOS SAEM DO MESMO TA-
MANHO; TEM QUE TER MUITA PR-
TICA concluiu Cludia, retomando no-
vamente a fala do padeiro no gravador.
11 Depois do texto pronto, passe para afase final da receita: increment-lo,
confeit-lo, dar o acabamento. As cri-
anas precisam agora revisar o texto
que escreveram, tornando-o mais bo-
nito, de acordo com as regras da lin-
guagem que se escreve e elaborando
questionamentos relacionados com a
produo do mesmo (combinao de
tempos verbais, pontuao, palavras
repetidas etc.).Transcre-
va o texto produzido an-
teriormente para um
cartaz grande ou uma
transparncia e