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ESCRITURAS PÚBLICAS DE COMPRA E VENDA
DE ESCRAVOS NO SÉCULO XIX NO CEARÁ:
UM ESTUDO DAS UNIDADES FRASEOLÓGICAS
Maria Edineuda Teixeira Pinto (Bolsista Funcap – PosLA/UECE)
Prof. Dr. Expedito Eloíso Ximenes (Orientador – PoLA/UECE)
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ
PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA
CENTRO DE HUMANIDADES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA APLICADA – PosLA
Introdução
A leitura de textos antigos nos fornece vestígios
da cultura de uma época que saltam-nos aos
olhos expressos por meio da linguagem. Os
fatos da vida política, da estrutura
administrativa, dos órgãos públicos, dos códigos
de leis e dos administradores da justiça,
expostos nas linhas dos textos, assim como as
ideologias que circulavam em dado período,
pode ajudar a compreendermos como se
relacionavam as camadas da população.
Introdução
As manifestações religiosas, as crenças, o jeito
de viver diante dos fatos em todos os sentidos,
tudo isso podemos ver e interpretar nas
entrelinhas dos textos de que tratamos. Embora
todas essas informações não estejam
explicitadas nos textos, estão ali subjacentes e
ditas de forma implícita, cabendo nossa
interferência por meio da investigação e do
senso crítico para torná-las claras.
Introdução
As Escrituras de Compra e Venda nos levam de volta
aos séculos XVIII e XIX, período da colonização
portuguesa, da formação dos primeiros aglomerados
cearenses e do surgimento das mais antigas vilas do
Ceará que, posteriormente, transformaram-se nas
cidades atuais.
A Escritura Pública é uma declaração pública de um
negócio jurídico definitivo, irrevogável e quitado que se
deve fazer ao comercializar-se uma propriedade. Quem
lavra as Escrituras é o escrivão que, segundo a
definição do Diccionários do povo n° 1 de 1888, é:
official civil que escreve e expede os autos de justiça.
Introdução
Antes de termos o uso das escrituras no Ceará,
primeiramente é importante mencionar que a história de
colonização das terras cearenses só se concretizou
após várias tentativas com mais de cem anos de atraso
em relação ao período da chegada dos colonizadores ao
Brasil. No entanto, no Brasil já havia se instaurado a
escravidão como parte da vida cotidiana, gerando assim
negociações e transferências de cativos.
As velhas Escrituras de Compra e Venda de Escravos
se estabeleceram como registros das negociações
escravistas estabelecidas no Brasil e, mais
posteriormente, no Ceará.
Introdução
Ler esses códices é voltar no tempo e sentir um pouco
do universo que, ainda foi tão marcante na história
brasileira.
Esses documentos surgiram para legalizar, perante a
justiça, a compra e venda de cativos e fazem parte da
história da comunidade que se formou a partir da
Capitania Hereditária do Ceará, a qual, por muitos anos,
ficou esquecida pelos colonizadores.
Os textos são extremamente formais e padronizados,
tanto do ponto de vista da estrutura física quanto dos
padrões linguísticos.
Pesquisa sobre as Escrituras de
Compra e Venda no Ceará
Justificativa Esta pesquisa tem como propósito colaborar com a
preservação da história linguística da sociedade
cearense.
Para isso, optamos nos debruçar sobre os estudos das
unidades fraseológicas (UFs) presentes no gênero
textual Escritura Pública de Compra e Venda de
Escravos, do período imperial cearense, para podermos
descrever quais combinação de elementos linguísticos
constituem as UFs presentes na estrutura das escrituras
e quais aspectos históricos, sociais e políticos
favoreceram a gênese desse documento oficial.
Objetivos
Objetivo Geral
Investigar a estrutura e distribuição das unidades fraseológicas
recorrentes no gênero textual Escritura Pública de Compra e Venda
de Escravos do século XIX, do período imperial cearense.
Objetivos Específicos
Analisar o uso e a recorrência das Unidades Fraseológicas (UFs)
usadas no gênero textual Escrituras Públicas de Compra e Venda
de Escravos, escritas na província do Ceará.
Investigar a distribuição e a estruturação das UFs nas partes
constituintes do documento.
Elaborar um glossário das UFs usadas na composição do gênero
Escrituras Públicas de Compra e Venda de Escravos.
Referencial Teórico
Os maiores pilares em que se apóia a nossa base teórica são:
Os estudos filológicos e conceito de Filologia - Melo (1975) e
Lamas (2000);
A edição semidiplomática de textos - Spina (1977) e Cambraia
(2005);
Os estudos do léxico, com foco nas unidades fraseológicas em
textos de especialidades.
Estrutura da macro e microestrutura para a organização de
glossários.
Referencial Teórico Os estudos filológicos e conceito de Filologia
A Filologia tem como proposta de estudo pleno das línguas,
considerando a morfologia, semântica dos vocábulos, o uso dos
dialetos diversos, além da trajetória de permanência e mudanças de
termos nas línguas, ou seja, seus aspectos de mudança que
possibilitam estabelecer parâmetros para a história de uma língua.
Tais aspectos direcionam as pesquisas em Filologia e demonstram
de forma mais clara os produtos finais de seu trabalho: a edição de
textos inteligíveis, a produção de glossários e o registro da história e
de aspectos distintivos da língua de uma dada região.
Em outras palavras, a Filologia, em um conceito mais amplo,
propõem um estudo dos textos e dos gêneros textuais em todas as
suas realizações nas diversas áreas da vida humana.
Referencial Teórico Os estudos filológicos e conceito de Filologia
Com base nessa concepção, e de acordo com Lamas (2009), a
Filologia busca integrar todos os estudos da língua em um amplo
universo denominado de Linguística do Texto Integral. Por essa
proposta o autor afirma que
[...] a atitude filológica corresponde plenamente ao estudo da Linguística do
Texto, em qualquer de suas modalidades ou manifestações particulares, atuais
e pretéritas, enquanto ciência que se ocupa da técnica para a explicação do
sentido de cada discurso particular, ou o que é o mesmo, enquanto
hermenêutica do dito. Ocupa-se neste sentido de desenvolver uma técnica para
a interpretação sistemática e fundada, isto é, de uma heurística ou registro de
feitos do texto que permitem alcançar determinados sentidos: por exemplo, se
ocupa de nos ensinar a ver o sentido de passagens literárias, mas também em
textos cotidianos, publicitários, coloquiais, históricos, bíblicos ou jornalísticos, e
inclusive os de “descarte”. (LAMAS, 2009, p. 25-26, grifos do autor).
Referencial Teórico A edição semidiplomática de textos
No geral, podemos dizer que atividade filológica mostra-se
essencial, pois essa se debruça amiúde sobre textos,
principalmente os antigos, sendo indispensável para editá-los
cientificamente.
Segundo Cambraia (2005, p.23), os estudos dos textos devem ser
realizados sob uma perspectiva transdisciplinar, pois, para que
possamos realizar a Crítica Textual de forma efetiva, é necessário o
resgate dos textos, conservando-os e compreendendo-os, sendo
que para essa tarefa torna-se mister o diálogo com outras áreas
como a Paleografia, a Codicologia, a Diplomática e a Linguística.
Referencial Teórico A edição semidiplomática de textos
Ainda segundo o autor, no procedimento de edição dos texto
[...] há diversos tipos de edição para tornar acessível ao público um
texto manuscrito, que são distribuídos em duas grandes classes: as
edições monotestemunhais (baseadas em apenas um testemunho de
um texto) e as edições politestemunhais (baseadas no confronto de
dois ou mais testemunhos de um mesmo texto). (CAMBRAIA, 2005,
p.91).
A esses modelos de edição também podemos acrescentar a edição
fac-similar que, segundo Spina (1977), pode ser definida como a
fotografia do texto, na qual o editor interfere minimamente, pois limita-
se apenas a digitalizar o original.
Referencial Teórico Os estudos do léxico, com foco nas unidades
fraseológicas em textos de especialidades
Nos estudos do léxico, as unidades fraseológicas podem ser
concebidas como uma combinação de termos linguísticos,
relacionados à sintaxe e à semântica da gramática de uma língua
específica, que assumem uma unidade de sentido denominada
unidade fraseológica. Esse tipo de estrutura linguística pode
apresentar termos inseparáveis ou despendidos de uma unidade,
bem como podem também se associar de forma mais livre.
No âmbito das pesquisas linguísticas, o estudo das UFs se integra
tanto à Lexicologia e à Lexicografia, como também aos estudos das
linguagem comum e da especializada, sendo esta última
representada pela Terminologia, por exemplo
Referencial Teórico Os estudos do léxico, com foco nas unidades
fraseológicas em textos de especialidades
Segundo Bevilacqua (1996), podemos entender as Ufs como
[...] unidades formadas por um núcleo eventivo, considerado como
tal por ser de base verbal ou derivada de verbo (nominalização ou
particípio), e por um núcleo terminológico (termo). Entre estes dois
núcleos se estabelecem relações sintáticas, mas principalmente
semânticas, determinadas pelas propriedades do texto em que são
utilizadas. Portanto, são unidades que se conformam no e pelo
texto em que são utilizadas. Cumprem, tal como os termos, a
função de representar e transmitir conhecimento especializado
(BEVILACQUA, 2004, p. 16-17).
Referencial Teórico Os estudos do léxico, com foco nas unidades
fraseológicas em textos de especialidades
Já, em um sentido mais amplo, Corpas Pastor (1996) que UFs
podem ser definadas como
São unidades léxicas formadas por mais de duas palavras gráficas
em seu limite inferior, cujo limite superior se situa no nível da oração
composta. Ditas unidades se caracterizam por sua alta freqüência
de uso, e de coaparição de seus elementos integrantes; por sua
institucionalização entendida nos termos de fixação e
especialização semântica; por sua idiomaticidade e variação
potenciais; assim como pelo grau no qual se dão todos estes
aspectos nos diferentes tipos. (CORPAS PASTOR, 1996, p. 20,
grifo da autora)
Referencial Teórico Estrutura da macro e microestrutura para a
organização de um glossário de UFs
Para produzir um dicionário, inicialmente, devemos pensar
acerca da organização das estruturas que o compõem e
determinar mecanismos que servirão para orientar a sua
produção. No caso, com base nas estruturas propostas por
Pontes (2009), um glossário de UFs poderá seguir a seguinte
definição de estruturas:
Macroestrutura: que pode ser entendida como “[...] o conjunto de
entradas organizadas verticalmente no corpo do dicionário ou
nomenclatura. Essa entradas em geral estão em ordem alfabética para
facilitar a leitura por parte do usuário.[...]” (PONTES, 2009, p. 73) Sua
composição global é comporta pelos seguintes itens: a) as partes
introdutórias, b) o corpo, c) as partes complementares;
Referencial Teórico Estrutura da macro e microestrutura para a
organização de um glossário de UFs
Microestrutura: “[...] consiste em um conjunto de paradigmas (ou
informações) ordenados e estruturados, dispostos horizontalmente, ou
seja, linearmente, após a entrada, dentro de cada verbete.” (PONTES,
2009, p.95).
Tal modelo de estruturas nos permitirá a estabelecer parâmetros
de organização conforme os propostos pelas ciências do léxico e
nos norteará na produção do glossário de Ufs.
Tipo de Pesquisa
A pesquisa fundamenta-se em uma perspectiva filológica, tendo
como base a pesquisa e a edição do corpus, que permite,
através de sua leitura, um estudo lexical dos documentos em
apreço.
Para tanto, optamos desenvolver este estudo em cunho
qualitativo-interpretativo, por privilegiar a descrição detalhada
das unidades fraseológicas e dos contextos histórico e social
que as envolvem.
Procedimentos Metodológicos
Optamos estruturar este estudo em três passos:
Primeiro foi feita a edição semidiplomática dos manuscritos
recolhidos (fotografados digitalmente) e sua contextualização
sócio-histórica;
Em seguida foram selecionadas e analisadas as unidades
fraseológicas que compõem o gênero escritura pública de
compra e venda de escravos.
Finalmente, iniciou-se a organização de um glossário das
unidades fraseológicas recolhidas do corpus.
Descrição do corpus
Imagem 01 – Capa do Livro de Notas de Escravos, de 26 de Julho de 1861 a 1º de Julho de 1865,
abrigado no Arquivo Público do Estado do Ceará (APEC).
Descrição do corpus
O corpus deste estudo é constituído por 50 Escrituras Públicas de
Compra e Venda de Escravos, da província do Ceará.
O recorte temporal abrange documentos oficiais datados do século
XIX, que se encontram catalogados no Livro de Notas de Escravos,
de 26 de Julho de 1861 a 1º de Julho de 1865, o qual está abrigado
no Arquivo Público do Estado do Ceará (APEC).
Os fólios são manuscritos em ambas as faces (rosto e verso) e traz
aproximadamente 156 Escrituras de Compra e Venda de Escravos.
O livro é costurado e coberto por capa dura, sua encadernação e
dimensões seguem o padrão de arquivamento da APEC.
O Livro de Notas de Escravos fica arquivado no fundo das
Capitanias, no entanto, não está guardado em caixa. A seguir é
apresentada a capa do livro
Descrição do corpus
Imagem 02 – Escritura Pública de Compra e Venda de Escravos, de 26 de Julho de 1861 - Província do Ceará.
Livro de Notas de Escravos, pág. 03 e pág. 04. Arquivo Público do Estado do Ceará (APEC).
Descrição do corpus
Os fólios medem cerca de 340 mm por 220 mm;
Entre os documentos que compõem o livro, há alguns que se
encontram em avançado estado de deterioração;
Todas as escrituras são manuscritas em Língua Portuguesa e a
quantidade de linhas em cada uma varia entre 103 e 114;
Sobre os tipos de letras é muito comum encontrarmos a letra
ramista que se caracterizava pelo fato dos escribas da Idade Média.
Estrutura textual das escrituras
Em síntese, os segmentos que constituem a estrutura textual as
escrituras são:
Termo de abertura: no qual é informada a nominação contratual da
escritura; a descrição do nome do(s) vendedor(es) e do(s)
comprador(es); a declaração de intenção das partes de praticar
negócio jurídico da compra e venda; o nome e o preço do escravo
negociado e o pagamento dos impostos que legitimavam a escritura
pública;
05
Em nome de Deus - Amem Fl.3r.
Escriptura publica de compra e venda de um escravi
nho de nome Camillo, que fez Luiz Cavalcante d’Albuquerque
á Manoel Antonio da Rocha Juni
or pela quantia de um centos mil reis digo oi
to centos mil reis , de que pagou o Comprador
e Siza e Sello Nacional, como abaixo se declara.
Estrutura textual das escrituras A datação e determinação do lugar onde a escritura foi lavrada:
marcados, respectivamente, pela forma arcaica “Saibão quantos” e
pela citação “no Anno do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo”;
10
15
Saibão quantos este publico instrumento de Escrip
tura de venda virem, que sendo no Anno do Nasci
mento de Nosso Senhor Jesus Christo de mil
oitocentos e sessenta e hum, aos vinte seis dias do
mes Junho do dito anno, nesta Capital do
Ceará , em meo Escriptorio comparecerão,
Estrutura textual das escrituras A descrição da negociação: onde é narrado a apresentação das partes;
o conhecimento dessas pelo tabelião; as condições do pacto; o valor de
negociação do escravo e a descrição de suas características; a forma de
pagamento, com quitação total ou parcial; a aceitação do comprador pela
compra e quitação; a transferência de posse entre as partes e os nomes
das testemunhas;
20
25
30
(...) uma parte como vendedor Luiz Cavalcante
d’Albuquerque , representado por seo bastante
Procurador Theotonio Pereira de Oliveira Veras
morador desta Cidade; e de outra como compra
dor o Negociante Manoel Antonio da Rocha
Junior, conhecidos de mim Tabellião, e das teste
munhas abaixo; e pelo procurador do vende
dor me foi dito perante as mesmas testemunhas
que em nome de seo constituinte vendia um
escravo de nome Camillo , mulato de dez an
nos , natural de Frequezia de Gurabira na
Província da Paraíba, ao comprador Manoel
Antonio da Rocha Junior pela quantia de
oito centos mil reis em dinheiro de contado,
que ao passar desta confessou haver recebido
do comprador pelo que lhe dava plena e geral
quitação de paga para lhe não ser mais pe (...)
Estrutura textual das escrituras O registro de procuração, ou de outros dispositivos jurídicos, no
corpo da escritura pública: quando houver, conferindo veracidade ao
documento ao abranger todas as ações envolvidas na legalização da
negociação;
40
45
(...)
sada, e pagou o Sello e Siza como dos conhecimentos
que com a Procuração bastante de vendedor aqui
transcrevo , e que tudo é do Théor seguinte – Procu
ração bastante , que faz Luiz Cavalcante d’Al
buquerque – Saibão quantos este publico ins
trumento de Procuração bastante virem, que no An
no de Nascimento de NOSSO Senhor JESUS Christo de
mil oito centos e sessenta e hum, aos dous dias do mez
de Julho do dito anno, nesta Povoação de Boa
(...)
Estrutura textual das escrituras O fechamento: no qual se faz a menção de ter sido lida às partes a
escritura; a declaração de validade do tabelião; a reafirmação da data e
local onde o documento foi lavrado; e finalmente, as assinaturas das
partes, das testemunhas e do tabelião.
90
95
100
(...)
Numero um – reis oito centos – Pagou oito centos reis.
Ceará vinte de Julho de mil oito centos e sessenta e
hum = Macahiba = Hollanda – Em fé e teste
munho de verdade assim o dicerão, e outor
garão, e a pedido dos mesmos faço este
instrumento nesta nota por me ser dis
tribuído o qual sendo por mim lido a
acceitarão e assignarão com as testemunhas prezentes Fran
cisco Weyne Cambery, e Antonio Lustoza de Lacerda Maca
hiba, maiores de excepção e conhecidos de mim MiguelSevero
deSouzaPereira, Tabellião o escrevi =
Theotonio Pereira Oliveira Veras
Manoel Antonio de Rocha Junior
Testemunhas – [espaço] Francisco Weyne Camboty
Antonio Lustoza de Lacerda Macaniba.
Objeto de pesquisa
Esta pesquisa tem como objeto de estudo a análise das Unidades
Fraseológicas (UFs) presentes em 50 Escrituras Públicas de Compra
e Venda de Escravos, da província do Ceará, datadas do século XIX.
A escolha deve-se à concepção de que a história das línguas está
ligada à história dos seus falantes, relacionando tanto os fatores
históricos, quanto os linguísticos, na constituição de sua língua, os
quais podem ser evidenciados pela ocorrência, pelo uso, pela função
discursivas das UFs que constituintem partes dos textos
Finalmente, esta pesquisa também tem como propósito de descrever
os aspectos estruturais e textuais do gênero em questão, procurando
identificar quais fatores extralinguísticos foram pertinentes à
organização da forma e dos termos constituintes desse gênero
textual.
A edição e as normas
A transcrição das escrituras seguiu o modelo de edição
semidiplomático, segundo as normas de edição do grupo PRAETECE
(Práticas de Edição de Textos do Estado do Ceará).
EXEMPLOS:
Abreviaturas, alfabéticas ou não, serão desenvolvidas, marcando-se, em itálico e
em negrito, as letras omitidas na abreviatura - Ds a ser transcrita “Deus”;
Não será estabelecida fronteira de palavras que venham escritas juntas -
Exemplos: epor ser; aellas; daPiedade; ominino; dosertão; mostrandoselhe;
achandose; sesegue.
À essa edição também foi acrescida a edição fac-similar do
documento, por essa nos permitir visualizarmos características dos
manuscritos que são perdidas pela edição semidiplomática.
Ao final, as Ufs selecionadas irão constituir o glossário da linguagem
especializada que constitui a estrutura das escrituras públicas.
A coleta dos dados
Inicialmente, para a coleta do corpus, todas as 50 escrituras foram
fotografadas digitalmente e, quando necessário, foram transcritas
ou revisadas no próprio arquivo público quando a fotografia digital
não oferecida uma boa legibilidade do texto.
Após a transcrição das escrituras, optamos por realizar os seguintes
passos para coleta das unidades fraseológicas:
1 - Ler cada documento e analisar a ocorrência e função das UFs nas
partes que formam o documento;
2 - Selecionar, manualmente, as UFs com base nos critérios de
identificação;
3 - Registrar as UFs em fichas para, posteriormente, facilitar a
organização do glossário.
Exemplo de ficha
Ocorrência no corpus: 100% Código: Escritura 001_ 26 de Julho de 1861
Se encontro no fólio número: Fl.3r. Data: 26 de Julho de 1861 Local: Boa Viagem – CE
Assunto da escritura: Venda de um escravinho de nome Camillo, que fez Luiz Cavalcante d’Albuquerque á Manoel
Antonio da Rocha Junior
Segmentos que constituem a estrutura das escrituras: Descrição de data e local
UF com ortografia atualizada: Ano do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de (...)
UF (conforme ocorrência): Anno do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de (...)
Variações:
1 - _______________________________________________________________
Registro do(s) contexto(s) e da(s) referência(s):
Contexto 1: Anno do Nasci | mento de Nosso Senhor Jesus Christo de (mil | oitocentos e sessenta e hum, aos vinte
seis dias do | mes Junho) <L.N., Fl.3r.>
Sistemas de Notas:
NL: Essa UF é uma sentença comum na abertura do segmento de datação e determinação do lugar onde a escritura
foi lavrada. Tem a função pragmática de situar os atos da negociação no tempo e no espaço, pois apresenta em
seguida o dia, mês e ano em que ocorreu o registro da escritura. Essa UF não pertence à linguagem especializada
jurídica, mas por ser essencial e recorrente pelo critério de pertinência que adotamos, tornar-se fundamental catalogar
seu uso nesse gênero documental, uma vez que as informações sobre o dia, mês e ano essenciais para contextualizar
precisamente os fatos históricos.
NH: O aspecto sagrado se faz presente na marcação do tempo, o que evidencia que a fé e religiosidade estavam
fortemente presentes na sociedade cearense, do século XIX, tanto na vida pessoal, quanto nos documentos oficiais.
NL - Nota Linguística ; NH - Nota Histórica ; NE - Nota Etimológica
Organização do glossário A macroestrutura
Para orientar a nossa proposta de composição de um glossário de
UFs, seguiremos o modelo de organização estrutural de dicionário
terminográfico proposto por Pontes (1997). Sendo assim,
tomaremos como principais a macro e microestruturas para a
organização do nosso glossário.
1 – Macroestrutura – serão consideradas as entradas das UFs de
acordo com a ordem de ocorrência em cada parte que compõem a
estrutura textual das Escrituras Públicas de Compra e Venda de
Escravos, ou seja, a ordem alfabética não será considerada.
Organização do glossário A microestrutura
2 – Microestrutura – a configuração da microestrutura do nosso
glossário se valerá do seguinte esquema:
As notas da microestrutura serão compostas por: Notas linguística
(NL) ; Notas etimológicas (NE) e Notas históricas (NH).
Vale ressaltar que as notas não serão obrigatórias e se farão
presentes quando for necessário apresentar comentários acerca de
qualquer conteúdo da história social, cultural, jurídica, política ou
religiosa relevantes e que esclareçam os fatos narrados documentos.
01. Organização por segmentos que constituem a estrutura das escrituras;
02. Registro da UF com ortografia atualizada;
03. Registro das variações;
04. Definição das UFs;
05. Registro dos contextos e das referências;
06. Sistema de Notas.
Exemplo de UF no glossário Peça 1 - A datação e determinação do lugar onde a escritura foi lavrada
Em casa de [x] de (y)
UF: em caza de [rezidencia] de (Dona Maria Mendes Pacheco...)
Definição: Local da vila onde se achavam o escrivão ou tabelião, as partes negociantes,
testemunhas e cativo(s) negociados para lavrar os atos de compra e venda.
Contexto 1: em caza de | [rezidencia] de (Dona Maria Men | des Pacheco) [...] <L.N., Fl.13r.>
NL: Observamos que essa matriz se constitui sintaticamente em torno de uma palavra dada,
casa, à qual se liga outra colocação, por meio de um elemento gramatical com o qual se liga. A
UF se compõem apenas com a variável [x], sendo que a segunda variável (y) representa uma das
partes que se apresenta na negociação. A variável (y) não é necessariamente um conteúdo
integrante da UF, mas se agrega a essa para ampliar seu sentido. Essa UF tem valor pragmático
de informar o local onde a ação de lavrar as escrituras estava praticada.
NE: É de conhecimento de todos que a palavra casa significa domicílio, ou seja, é a casa em que
alguém habita. Em conjunto com a palavra residência amplia o significado para local em que há
maior permanência. Em outros contextos, casa também pode significar casa de habitação dada
pelo governo, ou por algum indivíduo particular, a um funcionário enquanto exerce o seu cargo
em determinada localidade. No entanto, no contexto que apresentamos consideremos, apenas, a
conceito de casa em que alguém habita.
Exemplo de UF no glossário Peça 2 - A datação e determinação do lugar onde a escritura foi lavrada
Em meu escritório compareceram [x] (y)
UF: em meo Escriptorio [comparecerão] (de | uma parte como vendedor...)
UF: em meo escriptorio [comparecerão] (partes juntas e contractadas...)
UF: em meo Escriptorio [comparecerão] (partes justas havidas...)
UF sinonímia 2: em meo cartorio [appareceo] (prezente...)
Definição: Ato em que as partes negociantes procuravam a justiça para terem registrada pelo escrivão
ou tabelião a escritura pública.
Contexto 1: em meo Escriptorio [comparecerão], (de | uma parte como vendedor Luiz Cavalcante |
d’Albuquerque , representado por seo bastante | Procurador Theotonio Pereira de Oliveira Veras) <L.N.,
Fl.3r.>
Contexto 2: em meo escriptorio [comparecerão] (partes juntas e contractadas; a saber, | de uma parte
como vendedor Antonio José da Silva Leite, e d'outra como com | pradora Dona Maria da Solidade)
<L.N., Fl.23r.>
Contexto 3: em meo Escriptorio [comparece | rão] (partes justas havidas, e contractadas estipulantes e
acceitantes a | saber de uma como vendedores os Negociantes Pacheco & Irmão) <L.N., Fl.15r.>
Contexto 4: em meo cartorio [appareceo] (prezente Luiz | Cavalcante de Albuquerque...) <L.N., Fl.4v.>
NL: O espaço de (y), além de ser preenchido pelos nomes das partes, também pode apresentar outro
elemento linguístico, com um verbo, por exemplo, o qual complementa a informação da UF, mas não é
parte integrante da UF.
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