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ESCREVA MAIS E MELHOR LIVRO 2 25 DICAS E EXERCÍCIOS PRÁTICOS PARA ESCRITORES DE FICÇÃO

ESCREVA MAISE MELHOR ... · Sua formação técnica em escrita criativa inclui cursos e oficinas no Brasil, Austrália, Suíça, Estados Unidos, Alemanha, Inglaterra e Japão. Há

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ESCREVAMAIS EMELHORLIVRO 225 DICAS E EXERCÍCIOS PRÁTICOS PARA ESCRITORESDE FICÇÃO

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ESCREVA MAIS E

MELHOR 25 DICAS E EXERCÍCIOS PRÁTICOS

PARA ESCRITORES DE FICÇÃO

LIVRO 2: Pense e escreva como um escritor profissional

DIEGO SCHUTT 1ª Edição - Fevereiro 2019

Edição, revisão e design da capa: Diego Schutt

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Dedico este livro a você que,

apesar da ansiedade e incerteza inerentes

a todo processo de criação,

segue mergulhando dentro de si mesmo

em busca de algo de valor

para compartilhar com o mundo.

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SOBRE O AUTOR

Diego Schutt combina ideias de teoria literária, dramaturgia e psicologia social para

ajudar escritores iniciantes e  experientes a  desenvolver textos  com mais confiança,

foco e impacto.

Sua formação técnica em escrita criativa inclui cursos e oficinas no Brasil, Austrália,

Suíça, Estados Unidos, Alemanha, Inglaterra e Japão.

Há nove anos, ele escreve e edita o Ficção em Tópicos (www.ficcaoemtopicos.com), o

site mais completo sobre a arte de contar histórias em Português.

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DIREITOS AUTORAIS

Todos os direitos deste livro são reservados ao autor Diego Schutt. Você não tem

permissão para vender, copiar, distribuir, compartilhar ou reproduzir o conteúdo deste

livro em nenhum meio de distribuição impresso ou eletrônico sem a autorização formal

do autor. Qualquer violação dos direitos autorais estará sujeita a ações legais.

SUA AJUDA É BEM-VINDA

Este livro foi revisado com carinho e atenção incontáveis vezes, mas alguns erros

sempre passam despercebidos. Encontrou um erro de gramática ou digitação? Entre

em contato pelo [email protected]. Agradeço ao Thiago Santos pela leitura

cuidadosa deste livro e pelas sugestões de correção.

VALE A PENA LER DE NOVO

Este livro reúne textos inéditos e artigos originalmente publicados no Ficção em

Tópicos nos últimos anos. Os textos extraídos do site foram revisados, editados e

reorganizados para que você possa usá-los como uma oficina de escrita criativa. A

novidade é que cada dica traz uma proposta de exercício para você experimentar na

prática as técnicas apresentadas.

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ÍNDICE

É possível escrever sem inspiração? 8

Descubra se você é mais jardineiro ou arquiteto 11

Conheça os 3 tipos de estrutura narrativa 13

Separe enredo, história, drama, narrativa e prosa 15

Não julgue suas ideias como boas ou ruins 17

Use restrições criativas para evitar bloqueios 19

Escreva textos proativos e textos reativos 21

Evoque empatia cognitiva e emocional no leitor 23

Use arquétipos para evocar conexão imediata 25

Substitua adjetivos por verbos e substantivos 27

Pinte imagens vívidas na mente do leitor 29

Não economize palavras ao escrever histórias 31

Diagrame seus textos de forma profissional 33

Elogie seu processo de criação em vez do seu ego 35

Teste diferentes focos narrativos 37

Não tente agradar a todos com seus textos 39

Decida quais gêneros você quer escrever 41

Identifique a promessa que o início da sua história faz 43

Acredite no efeito cumulativo das frases 45

Entenda a diferença entre sumário narrativo e cena 47

Olhe para o mundo como seus personagens 49

Converse sobre suas ideias com outros escritores 51

Não reproduza a realidade nas suas histórias 53

Verdade não é o mesmo que realidade 55

Escrever é fazer julgamentos de valor 57

Conheça a única regra para escrever que importa 59

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Introdução

É POSSÍVEL ESCREVER SEM INSPIRAÇÃO?

Lançar o primeiro curso do Ficção em Tópicos estava no topo da minha lista de

objetivos para 2011. E para 2012. E para 2013. E para 2014. E estaria na minha lista de

objetivos até hoje caso eu seguisse esperando por inspiração para começar a trabalhar.

Racionalmente, eu já sabia que inspiração é apenas a motivação inicial para se

desenvolver uma ideia. O que faz um projeto ganhar vida é trabalho, disciplina,

persistência. Frase linda, fantástica, estimulante. Ainda assim, acreditar nisso não fez

grande diferença na prática. Ano após ano, o Jardineiro de Ideias seguia sendo apenas

o título de uma pasta vazia no meu computador.

Em janeiro de 2014, criei uma situação que tornou impossível adiar o lançamento do

curso. Sem nenhum conteúdo definido, abri as inscrições para a primeira edição do

Jardineiro de Ideias, que iniciaria na primeira semana de março. A cada

nova  inscrição, um ataque de pânico. Eu tinha apenas sete semanas até o início do

curso e nenhuma das lições estava finalizada.

Apesar de toda a minha ansiedade, consegui terminar a primeira lição um dia antes da

data de início do curso e eu estava bastante satisfeito com o resultado. Mas foram sete

semanas de trabalho para finalizar uma única lição. Meu tempo para criar o resto do

conteúdo era limitado. Na semana seguinte, a segunda lição precisava estar pronta. Na

seguinte, mais uma. E depois dessa, mais três.

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Além disso, eu precisava ler e comentar semanalmente os quatorze textos produzidos

pelos participantes das duas turmas do curso, sem contar os trabalhos paralelos de

redação que eu precisava terminar para outros clientes.

Pensei  que não conseguiria dar conta. Fiquei com raiva de ter me colocado  nessa

situação. Considerei adiar a continuação do curso para o mês seguinte. Vozes na minha

cabeça debochavam da minha estupidez. Quanto mais atenção eu dava para  essas

vozes, mais ansioso eu ficava. Quando isso acontecia, precisava parar tudo e sair para

caminhar. Era a única coisa que me acalmava.

Em uma dessas caminhadas, tomei uma decisão.  Não iria mais questionar se

conseguiria dar conta. Não iria mais duvidar da minha capacidade. Não iria mais

considerar outra opção. Cada lição do Jardineiro de Ideias precisava ficar pronta nas

datas planejadas. Ponto.

Nunca me senti tão focado e concentrado como naquelas semanas. Nenhum dia

questionei se estava me sentindo inspirado para criar o conteúdo do curso. Não havia

tempo para isso. Eu precisava trabalhar.

No final dessa maratona de sete semanas, o Jardineiro de Ideias não era mais apenas

uma pasta vazia no meu computador ou um item na minha lista de objetivos. O curso

ganhou  vida e me ajudou a descobrir, na prática, que a palavra inspiração esconde

uma mensagem importante na sua grafia. Uma mensagem tão óbvia que passa

despercebida. Ação-inspira.

Ação é pesquisa, é bunda da cadeira, é escrever, reescrever, revisar, editar, recomeçar

do zero se for preciso. Ação é trabalho.

Inspiração preenche páginas com texto. Trabalho transforma o texto em uma narrativa

com propósito.  Inspiração foca em como o escritor se sente enquanto cria. Trabalho

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foca em como o leitor vai se sentir enquanto lê. Inspiração dá vida para uma ideia.

Trabalho cria um contexto para uma ideia fazer sentido e ganhar significado.

Inspiração é registro da emoção do escritor. Trabalho é criação de uma experiência de

leitura prazeirosa para o leitor.  Inspiração traz boas ideias. Trabalho resulta em boas

histórias. Inspiração é plantar semente. Trabalho é jardinar até aparecer flor.

Você não precisa de inspiração para escrever. Você precisa apenas começar a trabalhar.

Ação inspira ação e inspiração. Minha ação foi abrir as inscrições para o Jardineiro de

Ideias sem ter nenhum material pronto. Minha inspiração para produzir o conteúdo de

cada lição foi saber que os participantes do curso aguardavam ansiosos pelo conteúdo

que eu estava criando.

As vinte e cinco dicas e exercícios deste livro sugerem ações que você pode colocar

em prática imediatamente para começar a pensar e escrever como um escritor

profissional e reencontrar inspiração para trabalhar nas suas histórias.

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Dica 1

DESCUBRA SE VOCÊ É MAIS JARDINEIRO OU ARQUITETO

Para produzir o primeiro rascunho de uma história,  você pode escrever como um

escritor arquiteto ou como um escritor jardineiro.

Um escritor arquiteto prefere refletir sobre sua ideia, planejar os pilares da estrutura da

história e projetar uma experiência de leitura antes de começar a escrever. Ele decide

de antemão quem são os personagens, os principais acontecimentos do enredo e o

que deseja expressar  com seu texto. Escritores com esse perfil começam

desenvolvendo uma visão macro e conceitual da estrutura da narrativa e, mais tarde,

usam essa planta baixa como referência para construir cada cômodo da história. 

Um escritor jardineiro prefere plantar uma semente de ideia na página em branco e

começar a escrever seguindo seu instinto. Ele descobre sua história à medida que seu

texto vai crescendo e ganhando corpo. Escritores com esse perfil gostam de mão na

terra, pé no barro, de observar as cores das palavras e sentir a textura das frases. Eles

começam a escrever seguindo uma inspiração  e vão,  aos poucos, investigando

terrenos, fertilizando ideias e podando os excessos até que a história cresça e floresça.

Em algum momento do processo de criação, escritores arquitetos precisam jardinar

suas ideias e escritores jardineiros precisam arquitetar suas histórias. Nenhum processo

de criação é melhor que o outro, mas identificar qual deles o motiva a terminar o

primeiro rascunho de um texto vai tornar você um escritor mais produtivo.

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COLOQUE EM PRÁTICA

Se você costuma jardinar suas ideias, experimente começar um texto novo planejando

a história que vai contar antes de começar a escrever. Não é preciso decidir detalhes

sobre todos os ingredientes da narrativa. Defina um destino para a história e imagine

que passos poderia dar para chegar lá. Enquanto escreve uma primeira versão do

texto, mantenha a mente aberta para descobrir novas possibilidades.

Se você costuma arquitetar suas histórias, experimente começar um texto novo

escrevendo livremente, sem nenhuma preocupação com o rumo que a narrativa vai

tomar. Deixe que o processo de criação revele o que essa ideia deseja ser. Quando

começar a editar o texto, considere como você pode reorganizar a estrutura da

narrativa para que a história ganhe em expressividade.

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Dica 2

CONHEÇA OS 3 TIPOS DE ESTRUTURA NARRATIVA

Estrutura narrativa é a forma como o escritor organiza as informações do texto para

expressar suas ideias e pensamentos sobre um tema. Estrutura não é o mesmo que

enredo. Muitas histórias usam estruturas similares, mas têm enredos completamente

diferentes.

Um texto que usa a estrutura de Arco Dramático foca na criação de situações

concretas que colocam o protagonista sob pressão, forçando o personagem a assumir

um papel ativo na resolução de conflitos e obstáculos primordialmente externos. Os

acontecimentos do enredo são conectados por uma relação de causa e consequência,

seguem uma cronologia narrativa linear e culminam com algum tipo de transformação

do personagem no final da história.

Um texto que usa a estrutura Minimalista foca na apresentação de um ou mais

episódios da vida de um ou mais protagonistas e na investigação de conflitos

psicológicos. A narrativa revela diferentes dimensões dos personagens, convidando o

leitor para tirar suas próprias conclusões sobre o significado do texto.

Um texto que usa Antiestrutura se caracteriza pela ausência de uma formatação

intencional e uma despreocupação com coerência, causalidade ou linearidade. O texto

transita pelo tempo e o espaço narrativo sem se ater à cronologia dos eventos ou a

temáticas específicas. São textos menos interessados em contar uma história, mais

focados na expressão artística e na experimentação com a produção de sentido.

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COLOQUE EM PRÁTICA

Releia seus textos favoritos e identifique quais usam estrutura de Arco Dramático,

quais usam estrutura Minimalista e quais usam Antiestrutura. Muitos textos apresentam

características de dois ou mesmo três tipos de estrutura narrativa, mas normalmente

uma delas prevalece.

Preste atenção especial à forma como o escritor organiza o enredo. Geralmente,

narrativas fáceis de acompanhar e entender usam a estrutura de Arco Dramático.

Narrativas mais focadas na subjetividade dos personagens usam estrutura minimalista.

Narrativas mais enigmáticas e difíceis de interpretar se caracterizam como

Antiestrutura.

Releia seus próprios textos e faça esse mesmo exercício. Considere se as histórias que

você não conseguiu terminar ou que você não gostou do resultado podem ser

estruturadas de uma forma diferente. Pense em qual tipo de estrutura narrativa (ou

qual combinação entre dois ou três tipos) permitirá a você explorar o potencial que

reconhece nas suas ideias de uma forma mais envolvente.

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Dica 3

SEPARE ENREDO, HISTÓRIA, DRAMA, NARRATIVA E PROSA

Enredo é a sequência de acontecimentos concretos de uma narrativa de ficção. Um

enredo representa uma  linha de ação,  ou seja, uma sequência cronológica de

eventos. O enredo gira em torno dos comportamentos do protagonista.

História é como o protagonista se sente em relação ao que acontece no enredo. Uma

história representa a forma particular como um personagem interpreta uma mudança

(positiva ou negativa) que acontece em sua vida.

Drama é o uso de ações e reações concretas dos personagens para representar o

conteúdo emocional da história. Dramatizar significa apresentar em forma de cena,

permitindo ao leitor testemunhar um momento se desenrolando em “tempo real”.

Narrativa é o conjunto de informações que o escritor decide incluir em cada momento

do texto e a forma como ele as ordena em uma sequência específica para criar uma

determinada experiência de leitura.

Prosa é o texto tal como aparece na página. São os detalhes, imagens, expressões e

referências que dão textura e substância para a história e que representam o estilo

particular como o escritor expressa suas ideias.

Pensar separadamente sobre tais definições ajuda a clarificar que história você deseja

contar e por quê – a melhor referência para refinar a forma e o conteúdo do texto.

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COLOQUE EM PRÁTICA

Escolha uma de suas histórias favoritas e descreva brevemente qual é o enredo, a

história, os principais momentos dramáticos, a estrutura narrativa e o estilo da prosa.

Cada definição representa um aspecto da história que contribui para a investigação

das diferentes camadas de significado do texto. Faça esse mesmo exercício com uma

história que você já escreveu ou está escrevendo.

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Dica 4

NÃO JULGUE SUAS IDEIAS COMO BOAS OU RUINS

Não importa se sua ideia de história é boa ou ruim. Uma ideia é apenas um ponto de

partida para se  começar a escrever. Além disso, o leitor não está nem um pouco

interessado na genialidade e originalidade da sua ideia. Essa preocupação é apenas

sua, prezada escritora, prezado escritor. Tudo que o leitor quer é uma experiência de

leitura que recompense seu tempo. Não existe experiência de leitura em uma ideia.

As qualidades de muitas  ideias só se revelam quando começamos a escrever, na

escolha das palavras, no acúmulo de frases e nas imagens e sensações evocadas por

uma sequência de parágrafos. Nunca descarte  uma ideia por classificá-la

superficialmente como ruim ou clichê, sendo essa a sua avaliação  ou a de outra

pessoa. Possivelmente, você está apenas com dificuldade de articular as qualidades e

o potencial que você reconhece nessa história.

Ao encarar sua inspiração apenas como um pontapé inicial para começar a escrever,

você se mantém flexível para explorar novas ideias que surgirem durante o processo

de criação. Nesse primeiro momento, quando você acabou de encontrar uma ideia de

história, comece escrevendo simplesmente para explorar, na prática, o potencial desse

universo de ficção. 

Não  se preocupe  com o que a ideia é. Em vez disso, concentre seus esforços  em

imaginar o que a ideia pode ser.

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COLOQUE EM PRÁTICA

Em vez de julgar suas ideias como boas ou ruins, eis alguns pontos mais interessantes

para você considerar:

- Por que, dentre outras milhares  de ideias, você escolheu esta em particular para

desenvolver?

- Especificamente, o que nessa ideia despertou sua imaginação? Um personagem, um

conflito, uma cena, um cenário, um diálogo, um tema? Por quê?

- Que características a  narrativa precisa ter para expressar o potencial que você

enxerga nessa ideia?

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Dica 5

USE RESTRIÇÕES CRIATIVAS PARA EVITAR BLOQUEIOS

Não caia na armadilha de criar restrições objetivas para sua história relacionadas aos

personagens, o cenário, o conflito ou o enredo. Isso pode limitar o potencial de

desenvolvimento da sua ideia. Experimente definir restrições criativas relacionadas ao

que você deseja expressar com seu texto.

Em vez de definir “quero escrever a história de uma adolescente que sofre bullying na

escola”, experimente “quero escrever sobre a sensação de isolamento e impotência

em um ambiente onde a ameaça de violência é constante”. Em vez de definir “quero

escrever a história de um homem que viaja para o passado para tentar consertar um

erro que cometeu”, experimente “quero escrever sobre a ilusão de que nossa vida

seria melhor se pudéssemos consertar nossos erros”.

Todo texto representa uma forma particular de contemplar o mundo. Ao focar sua

atenção no tema que você deseja explorar na sua história, você se mantém aberto e

flexível para seguir testando que personagens, enredo, estrutura narrativa, cenários e

conflitos podem ajudar você a criar a experiência de leitura que deseja.

Sem essa consciência sobre a sua intenção, as decisões sobre que eventos incluir na

narrativa e qual a melhor forma de apresentá-los se tornam completamente aleatórias

e, por isso, é comum que resultem em bloqueios criativos.

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COLOQUE EM PRÁTICA

Revisite um texto que você nunca conseguiu terminar por se sentir bloqueado.

Identifique as restrições objetivas que você definiu para os personagens, os conflitos, o

enredo, os cenários e a estrutura da história.

Na sequência, identifique que tema você deseja explorar neste texto. Descreva esse

tema sem mencionar detalhes específicos sobre a sua história.

Finalmente, foque em encontrar a sensação ou emoção que melhor representa o que

você deseja expressar com essa narrativa. Com base nisso, decida que eventos

dramáticos podem evocar tal sensação ou emoção no leitor.

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Dica 6

ESCREVA TEXTOS PROATIVOS E TEXTOS REATIVOS

Textos proativos são narrativas que nascem de um estímulo interno para escrever –

uma curiosidade, uma inspiração, uma reflexão. Ao escrever textos proativos, o escritor

tem total liberdade de criação.

Textos reativos, em contrapartida, nascem como uma resposta a um estímulo externo

para escrever – um exercício de uma oficina literária, um desafio de escrita sugerido

em um livro, um tema que você precisa desenvolver na redação de um concurso. Ao

escrever textos reativos, o escritor precisa responder a esse estímulo externo

respeitando certos limites estabelecidos.

Textos proativos e reativos estimulam o escritor a desenvolver habilidades diferentes.

Um texto proativo evoca um mergulho profundo na sua subjetividade e convida a

prática da escrita livre. Seu instinto guia o processo de criação. Esse tipo de texto

exige que você identifique o potencial de uma ideia, use sua imaginação para

desenvolvê-la e crie critérios pessoais para avaliar o resultado.

Um texto reativo evoca um diálogo mais objetivo com suas ideias. A busca por uma

resposta a um estímulo externo guia o processo de criação. Textos reativos convidam a

prática da escrita intencional, forçando você a considerar a experiência de leitura que

deseja criar e as estratégias que pode usar para alcançar esse objetivo.

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COLOQUE EM PRÁTICA

Se você tem a tendência de abandonar textos por não saber como continuar

desenvolvendo uma ideia, provavelmente está acostumado a escrever textos proativos.

Portanto, um bom exercício é você experimentar escrever mais textos reativos. Faça

uma oficina de escrita criativa ou procure por desafios de escrita (você vai encontrar

alguns neste livro) que permitam a você exercitar a escrita intencional.

Se você sente que seus textos são pouco imaginativos ou previsíveis, talvez você esteja

limitando sua criatividade com ideias preconcebidas de como seu texto “precisa ser”.

Neste caso, um bom exercício é praticar a escrita de textos proativos. Preste atenção a

situações, pessoas e temas que provocam sua imaginação. Escreva livremente sobre

esses tópicos até encontrar uma ideia de história.

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Dica 7

EVOQUE EMPATIA COGNITIVA E EMOCIONAL NO LEITOR

As histórias que mais gostamos nos envolvem em dois níveis. No primeiro nível,

esquecemos temporariamente dos nossos planos e preocupações e  focamos nos

planos e preocupações dos personagens. Nos colocamos no lugar deles e imaginamos

o que eles estão sentindo.

No segundo nível, nossas próprias emoções são evocadas diante das circunstâncias em

que os personagens se encontram na história. Quando isso acontece, emprestamos

para a vida  deles  uma importância  que, normalmente, damos apenas  para

nossa própria vida ou a vida de pessoas importantes para nós.

O que faz com que a gente se envolva com uma história no primeiro nível é empatia

cognitiva, a capacidade de interpretar os dramas de uma pessoa a partir da

perspectiva e das circunstâncias da vida dela. O que faz com que a gente se envolva

com uma história no segundo nível é empatia emocional, a capacidade de sentir as

emoções de outra pessoa como se fossem nossas.

Ao escrever uma história, portanto, você não deve somente expressar as emoções dos

personagens. É importante que a narrativa crie oportunidades para que as emoções do

leitor também sejam ativadas. Você faz isso compartilhando anedotas, referências,

comparações, momentos e reflexões que revelem – no contexto da história – suas

emoções e pensamentos mais íntimos e expressem  com o maior grau de precisão

possível as partes misteriosas, abstratas e ignoradas da consciência humana.

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COLOQUE EM PRÁTICA

Escreva uma narrativa com até mil palavras com o objetivo de criar empatia cognitiva,

ou seja, fazer o leitor simplesmente entender como o protagonista pensa e se sente

diante das circunstâncias em que ele se encontra.

Na sequência, usando o mesmo personagem criado no texto do exercício acima,

escreva um texto com até mil palavras com o objetivo de criar empatia emocional, ou

seja, descrever as circunstâncias em que o protagonista se encontra de forma a fazer o

leitor sentir o que o personagem está sentindo.

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Dica 8

USE ARQUÉTIPOS PARA EVOCAR CONEXÃO IMEDIATA

Um arquétipo representa um modelo universal e reconhecível de uma ideia,

experiência ou papel social. São os conceitos, mitos, símbolos e padrões de

comportamento que ganharam status de “verdade testada pelo tempo” porque

fizeram sentido para um grande número de pessoas ao longo dos séculos. Por isso,

eles continuam sendo ensinados e reproduzidos até hoje.

Em narrativas de ficção, é comum o uso de personagens arquetípicos (o órfão, o

herói, o forasteiro, o vilão, o mentor, a deusa, a matriarca, a princesa etc), imagens arquetípicas (o sol, o rio, o deserto, as montanhas, um coração, uma cobra, uma

semente etc), eventos arquetípicos (nascimento, separação dos pais, casamento,

morte etc) e experiências arquetípicas (a perda da inocência, se apaixonar, a busca

por objetivos, a luta do bem contra o mal, o contato com nosso lado negro, a busca

por uma identidade etc). Por reproduzir ideias universalmente compreensíveis e

familiares, arquétipos são capazes de evocar no leitor uma conexão imediata com o

texto e uma reação profunda e inconsciente à narrativa. O reconhecimento do familiar

no desconhecido permite uma interpretação mais pessoal da história, o que resulta em

empatia emocional – a capacidade de sentir as emoções de outra pessoa como se

fossem nossas.

Arquétipos se tornam clichês quando o escritor os reproduz de forma genérica e

superficial, sem estabelecer uma relação com o contexto específico da história e sem

oferecer uma interpretação pessoal de seus significados.

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COLOQUE EM PRÁTICA

Escreva um conto com até duas mil palavras usando um personagem, uma imagem,

uma experiência e/ou um evento arquetípico. Por exemplo, a história de um forasteiro

que tenta vender aos habitantes de um vilarejo sementes mágicas capazes de dar

frutos mesmo na terra árida da região.

Pense em como descrever os personagens, o cenário e as circunstâncias da história de

forma a evocar um senso de “familiaridade imprevisível”, ou seja, compartilhando

ideias, símbolos, experiências e personagens reconhecíveis, mas que mantenham o

leitor curioso e intrigado para descobrir a forma particular como você vai usar

arquétipos conhecidos para expressar suas próprias ideias.

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Dica 9

SUBSTITUA ADJETIVOS POR VERBOS E SUBSTANTIVOS

Adjetivos são palavras que modificam o significado de substantivos. Você pode usá-los

para atribuir uma característica (o carro vermelho), uma qualidade (a menina

inteligente) ou um julgamento (o rapaz idiota) a uma pessoa, objeto ou situação.

Adjetivos são os recursos descritivos mais básicos que um escritor pode usar. Seus

significados são totalmente dependentes das referências e opiniões do leitor. Se você

escreve “A professora ficou exausta após subir dois lances de escada”, está dando ao

leitor a possibilidade de associar à personagem quaisquer imagens e sensações que o

adjetivo “exausta” evoca em sua memória.

Observe esta outra forma de descrever: “A professora para após subir o segundo lance

de escadas. Ela larga a bolsa no chão e coloca as mãos sobre os joelhos. Com os olhos

fechados, ela segura o peito com as duas mãos, como se os pulmões estivessem

prestes a se descolar do corpo.” Aqui, o texto oferece uma imagem mais específica e

original em comparação à versão da frase que usa o adjetivo “exausta”.

São justamente os detalhes que você escolhe para descrever certas imagens e ações

em cenas importantes da história que tornam sua voz de escritor única e dão um estilo

original para o texto. Quanto melhor você escolher verbos e substantivos, menos

adjetivos serão necessários para ilustrar as emoções e sensações que você quer

expressar em cada momento da narrativa.

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COLOQUE EM PRÁTICA

Escreva uma cena descrevendo a experiência de uma mulher do momento em que ela

percebe que seu prédio está pegando fogo até o momento em que ela é resgatada

pelos bombeiros. No primeiro rascunho, use adjetivos para descrever superficialmente

o que ela está fazendo e sentindo em cada momento da cena.

Quando terminar, revise o texto e encontre uma forma de substituir todos os adjetivos

por verbos e substantivos que ilustrem com mais clareza e precisão as imagens e

sensações que você deseja expressar. Substitua também advérbios (palavras que

indicam as circunstâncias em que uma ação ocorre) terminados em “mente”, tais como

rapidamente, bruscamente e desesperadamente.

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Dica 10

PINTE IMAGENS VÍVIDAS NA MENTE DO LEITOR

Descrições genéricas entregam ao leitor a responsabilidade de transformar suas

palavras em imagens. É um convite a elaboração de detalhes da história que você,

escritor, poderia usar para destacar passagens importantes do texto e expressar sua

visão artística com mais fidelidade. Na frase “Era uma casa suja, com um jardim mal

cuidado”, “suja” e “mal cuidado” representam adjetivos genéricos e, por isso,

tal  descrição carece de energia. Ao descrever um elemento importante da história,

escolha palavras que evoquem imagens mais específicas.

Seu objetivo é oferecer referências concretas para ajudar o leitor a imaginar com mais

clareza o que você está tentando expressar. Eis uma outra forma de descrever a tal

casa com mais especificidade: “A casa 613 era um dente sujo estragando o sorriso de

casas brancas na Rua Almeida de Barros. As trepadeiras secas cobriam parte do

telhado e da fachada, quase escondendo as janelas do segundo andar. Em frente à

entrada, um jardim de terra dura, grumosa, e uma única árvore que mal se aguentava

de pé. Era um sertão em plena cidade tropical.” Perceba como essa descrição reforça

a ideia de negligência  que o escritor deseja expressar. Como as imagens são mais

precisas, a passagem ganha vida e sinaliza para o leitor a importância da compreensão

do estado desta casa para o texto.

Ao descrever detalhes importantes de algum elemento da história, faça comparações e

ofereça referências. Use linguagem específica e simbólica para pintar imagens mais

vívidas e expressar suas ideias de uma forma mais precisa e original. Mas não exagere.

Descreva somente detalhes que, no contexto de cada passagem, mereçam destaque.

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COLOQUE EM PRÁTICA

Transforme as seguintes frases genéricas em descrições mais específicas e vívidas.

“O escritório estava limpo e organizado.”

“Ele era muito cuidadoso com seus sapatos.”

“Ela chorava como uma criança enquanto lia a carta.”

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Dica 11

NÃO ECONOMIZE PALAVRAS AO ESCREVER HISTÓRIAS

Uma história só nos parece longa demais quando é desinteressante. Boas histórias

envolvem nosso intelecto – as melhores também envolvem nossas emoções – e nos

fazem esquecer do tempo. Mas escrever uma história longa é diferente de “encher

linguiça” ou “incluir mais informações para dar corpo ao livro”. O número de páginas

de uma história não tem nenhuma relação com a complexidade ou profundidade do

texto.

Não existem regras quanto à extensão que uma história deve ter. A decisão de quantas

páginas um texto precisa depende do tipo de história que você quer contar, de quanto

tempo você precisa para introduzir o universo de ficção, para revelar o que os

personagens têm de interessante, para desenvolver os conflitos do enredo e para

explorar o tema da história com o nível de complexidade e profundidade que você

deseja.

Um escritor profissional não economiza palavras na busca pela melhor estrutura e pelas

melhores ideias para desenvolver sua história. Ainda que nem tudo que você escreva

seja incluído na versão final do texto, esse exercício de soltar a imaginação, mergulhar

fundo em suas ideias e considerar diferentes possibilidades tem o potencial de

enriquecer suas narrativas.

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COLOQUE EM PRÁTICA

Escreva um texto com no mínimo mil palavras que foca em descrever a rotina matinal

de um personagem. Na sequência, edite a narrativa mantendo apenas as informações

que você considerar mais interessantes e relevantes sobre tal personagem. Essa

segunda versão do texto deve ter, no máximo, trezentas e cinquenta palavras.

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Dica 12

DIAGRAME SEUS TEXTOS DE FORMA PROFISSIONAL

Reserve sua originalidade para o desenvolvimento dos personagens e da trama da

história. Não tente reinventar a roda ao diagramar seus textos. Siga as melhores

práticas do mercado editorial.

Use como referência a diagramação de livros impressos por grandes editoras (se o

texto será impresso) e sites de grandes portais de conteúdo (se o texto será publicado

na internet). Preste atenção à escolha da tipografia, ao tamanho e às cores da fonte, ao

alinhamento, às margens e ao espaçamento entre linhas, letras e parágrafos.

Fontes elaboradas demais, pequenas demais, grandes demais, coloridas demais ou

sobrepostas em um fundo que não oferece bom contraste dificultam a leitura e são

distrações do que realmente importa: o conteúdo do texto.

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COLOQUE EM PRÁTICA

Compare vários livros que você já leu e considere que tipo de diagramação torna a

leitura mais agradável para você. Fontes com serifa ou sem serifa? Espaçamento de

linha simples ou duplo? Alinhamento justificado ou à esquerda? Revisite textos que

você escreveu e repense suas escolhas de diagramação os comparando a essas

referências.

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Dica 13

ELOGIE SEU PROCESSO DE CRIAÇÃO EM VEZ DO SEU EGO

Quando eu conseguia terminar um texto com relativa facilidade e ficava satisfeito com

o resultado, costumava elogiar quem eu acreditava ser o responsável por tal conquista:

meu ego. No entanto, me engrandecer por alcançar bons resultados por muito tempo

impediu que eu desenvolvesse uma visão crítica das minhas habilidades.

O problema não estava no ato de me elogiar, mas sim para onde eu direcionava os

elogios. Quando encontrava dificuldades para desenvolver outros textos, quem eu

considerava responsável pelos meus sucessos anteriores também era responsabilizado

pelos meus fracassos: meu ego.

O problema de direcionar elogios para seu ego está no fato de que você também vai

direcionar suas críticas para ele. As características  positivas que você associa a sua

personalidade quando tudo dá certo são substituídas por críticas severas que geram

extrema ansiedade e insegurança quando você não alcança os resultados que deseja.

Quando você avalia o que escreve pensando “Será que sou talentoso? Será que esse

texto está mostrando minha inteligência e sensibilidade?”, está focando suas

preocupações nas opiniões de outras pessoas e no efeito que o texto tem no seu ego.

Em vez disso, experimente pensar “Como posso melhorar esse texto? Como posso me

tornar um escritor melhor?”. Tais perguntas focam no processo de criação, no que

você pode fazer para desenvolver suas habilidades e criar experiências de leitura mais

envolventes.

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COLOQUE EM PRÁTICA

A partir de agora, quando ficar satisfeito com algo que escreveu, não elogie seu ego

dizendo para si mesmo o quanto você é maravilhoso, criativo e original. Em vez disso,

elogie o seu processo de criação. Pense na curiosidade, na dedicação, na disciplina e

na persistência com que você trabalhou para alcançar esse resultado.

Lembre-se que você nunca poderá escolher quando será uma escritora ou um escritor

criativo e original, mas você sempre pode escolher trabalhar o quanto for necessário

para se orgulhar do que produziu.

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Dica 14

TESTE DIFERENTES FOCOS NARRATIVOS

O foco narrativo é o ponto de vista a partir do qual o narrador conta a história. Ele

pode ser na primeira pessoa, segunda pessoa, terceira pessoa ou uma combinação

dessas opções. O narrador  pode ser um personagem da história  ou uma entidade

abstrata que o escritor cria para narrá-la, que também pode ser considerada um tipo

de personagem.

A escolha do foco narrativo determina a extensão do conhecimento do narrador sobre

a história e a  forma como ele  vai apresentar informações para o leitor ao longo do

texto. É, portanto, uma decisão que tem grande influência na experiência de leitura.

Ao revisar os primeiros rascunhos de um texto, considere como a história seria

diferente caso fosse narrada a partir do ponto de vista de outros personagens. Imagine

as vantagens e desvantagens de escolher um narrador ou outro, avaliando qual deles

tem mais potencial de permitir a você explorar o tema da história com a profundidade

e complexidade que deseja.

Considere que personagem – sozinho ou em combinação com outros personagens –

pode oferecer ao leitor algo de verdadeiro, novo ou inusitado sobre o tema da história.

Esse exercício de testar diferentes focos narrativos também ajudará você a ampliar sua

compreensão sobre os principais dramas e conflitos da narrativa.

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COLOQUE EM PRÁTICA

Escreva três versões de uma cena onde ocorre um assalto. Uma do ponto de vista da

pessoa assaltada, outra do ponto de vista do assaltante, outra do ponto de vista de

uma pessoa que testemunhou o assalto da janela de sua casa. De qual das versões

você gosta mais? Por quê?

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Dica 15

NÃO TENTE AGRADAR A TODOS COM SEUS TEXTOS

Ao estruturar sua história seguindo as convenções de um determinado gênero ou

escolher explorar certos temas, você está automaticamente limitando o alcance do seu

texto a um determinado grupo de pessoas.

Um épico de fantasia medieval sobre estratégias políticas de diferentes facções

automaticamente exclui leitores que não se interessam por política, por épicos, por

fantasia e por histórias ambientadas em passados distantes.

Suas histórias nunca vão interessar cem por cento dos leitores. Nem mesmo livros

considerados obras-primas da literatura mundial despertam o interesse de todo mundo

e certamente seus textos não são e nunca serão exceções. Existe uma única pessoa

que deve gostar de todas as suas histórias: você.

Por isso, você precisa ler diferentes autores e gêneros para seguir ampliando seu

repertório linguístico, técnico e estético. Isso permitirá a você desenvolver

sensibilidade para reconhecer as qualidades e defeitos dos seus próprios textos.

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COLOQUE EM PRÁTICA

Peça para um amigo uma recomendação de livro ou conto conhecido entre os fãs de

um gênero que você não costuma ler. Ainda que você não goste do texto, procure

articular as qualidades linguísticas, técnicas e estéticas da narrativa que você acredita

tornarem essa história popular.

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Dica 16

DECIDA QUAIS GÊNEROS VOCÊ QUER ESCREVER

Ainda que você se interesse por diversos gêneros, decida em quais você deseja se

especializar. Escolha aqueles com os quais você mais se identifica e invista no

aperfeiçoamento de suas habilidades nesses gêneros.

Se você quer escrever romances policiais, leia todos os livros desse gênero que

encontrar pela frente. Pesquise a rotina do trabalho da polícia, conheça os

procedimentos envolvidos na investigação de crimes, estude leis e direitos civis.

Se você quer escrever comédias românticas, leia uma atrás da outra. Estude a

psicologia das relações, encontre regularmente seus amigos com problemas

emocionais, leia o perfil de centenas de pessoas em sites de relacionamentos.

Ler textos de diferentes gêneros enriquece seu repertório linguístico, técnico e

estético, mas não se desespere achando que, como escritor profissional, você precisa

saber escrever todo tipo de história.

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COLOQUE EM PRÁTICA

Faça um inventário das suas histórias favoritas e reflita sobre que gêneros literários

você mais gosta de ler e quais também deseja ser capaz de escrever (talvez eles sejam

diferentes). Considere que conhecimentos técnicos ou experiências poderiam ajudar

você a enriquecer suas histórias.

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Dica 17

IDENTIFIQUE A PROMESSA QUE O INÍCIO DA SUA HISTÓRIA FAZ

Imagine que você tem diante de si uma infinidade de portas entreabertas. Escolher

uma história para ler é como se aproximar de uma dessas portas. No início, você espia

pela frestinha procurando por algo que o ajude a decidir se vale a pena explorar esse

espaço.

Você escuta os diálogos, observa os personagens, examina o cenário e, intuitivamente,

avalia se as suas emoções e o seu intelecto estão sendo estimulados. Como escritor,

seu objetivo é deixar as pessoas que se aproximam da sua porta inquietas, curiosas,

inspiradas ou entusiasmadas com o que conseguem enxergar pela frestinha.

Nesse primeiro contato com o texto, o leitor está tentando entender que história você

quer contar e como você organizou a narrativa. Ele quer uma noção da experiência de

leitura que você pretende criar com sua história para, assim, decidir se vai continuar

lendo.

Todo texto que você escreve é uma promessa para o leitor de que ele vai encontrar

algo importante, bonito, divertido, intrigante, poético ou inspirador para pensar a

respeito. Identifique a promessa que o início da sua história faz e revise o texto

considerando que passagens podem ser aperfeiçoadas para que sua promessa seja

cumprida ao longo da narrativa.

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COLOQUE EM PRÁTICA

Escolha um daqueles livros que você comprou e nunca leu ou peça uma

recomendação de livro para um amigo que conhece seu gosto literário. Leia o

equivalente a um sexto do livro, ou seja, se o livro tem duzentas e quarenta páginas,

leia somente as primeiras quarenta páginas.

Faça anotações sobre o que deixar você curioso (personagens peculiares, situações

esquisitas, mistérios intrigantes etc), sobre o que você gostar no estilo do escritor (a

forma clara de se expressar, o ritmo da narrativa, o trabalho com a linguagem etc), e

sobre suas expectativas de como será a experiência de leitura deste texto (eletrizante,

inspiradora, engraçada, informativa, surpreendente, chocante etc). Termine de ler o

livro e avalie se a história cumpriu a promessa que fez no início do texto.

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Dica 18

ACREDITE NO EFEITO CUMULATIVO DAS FRASES

Emergência é um fenômeno que acontece quando uma série de unidades menores

formam uma unidade maior com propriedades que representam mais do que a mera

soma das propriedades de cada unidade individual. Emergência é complexidade que

surge de simplicidade, é algo incomum criado pelas interações entre várias unidades

individuais comuns que vão se acumulando e, a cada adição de uma nova unidade,

aumentam seu impacto.

Emergência acontece quando todas as unidades individuais de um todo seguem o

mesmo conjunto de regras. Por estarem próximas, tais unidades começam a interagir,

criando um efeito que, individualmente, nenhuma delas poderia alcançar. Emergência

é o que transforma, por exemplo, milhares de gotas d’água em um alagamento.

Histórias também são resultado de emergência. Elas só existem porque uma série de

frases interagem entre si com base no mesmo conjunto de regras ditadas pela

experiência de leitura que o escritor deseja criar. Sozinha, uma única frase raramente

tem grande impacto. Um  conjunto de frases, entretanto, tem o poder de fazer uma

história emergir na mente do leitor e envolvê-lo no texto. 

Não é a beleza, profundidade ou criatividade de cada frase individual que envolve o

leitor, mas o impacto cumulativo da emergência das imagens, pensamentos e emoções

que as frases evocam em conjunto quando apresentadas em uma determinada

sequência.

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COLOQUE EM PRÁTICA

Releia um texto que você começou, mas não conseguiu terminar. Preste especial

atenção aos primeiros parágrafos da narrativa. Que estratégia você empregou para

tentar demonstrar para o leitor que seu texto vale a pena ser lido?

Você compartilhou informações estranhas e incompreensíveis para despertar

curiosidade? Ou você fez  afirmações melodramáticas, compartilhou reflexões

filosóficas profundas, escreveu diálogos sentimentais ou revelou experiências

traumáticas dos personagens para gerar envolvimento? Ainda que sua intenção seja

nobre, comumente tais estratégias empobrecem a história porque deixam transparecer

a pressa do escritor em impressionar o leitor.

Avalie como você pode editar cada passagem da narrativa considerando o efeito

cumulativo dos parágrafos. Pense em como cada frase pode enriquecer e aprofundar o

que você compartilhou nas frases anteriores, gerando um envolvimento gradual do

leitor com a narrativa.

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Dica 19

ENTENDA A DIFERENÇA ENTRE SUMÁRIO NARRATIVO E CENA

Em sua forma mais clássica, uma história é uma sequência de acontecimentos que

apresenta um personagem enfrentando obstáculos que o impedem de  alcançar um

desejo. O escritor pode apresentar tais acontecimentos para o leitor de duas formas:

usando sumários narrativos ou cenas.

Um sumário narrativo é um trecho do texto que  apresenta de maneira compacta

acontecimentos que têm alguma relevância  para o desenvolvimento  da história. É

uma  forma de  avançar rapidamente no tempo da narrativa, compartilhando com o

leitor  somente as informações mais importantes para contextualizar a cena seguinte

ou caracterizar certos personagens.

Uma cena é uma passagem  do texto  que foca nas ações e reações (internas e/ou

externas) dos personagens durante um período de tempo delimitado e ininterrupto,

dando a sensação de que a história está se desenrolando durante a leitura. Em vez de

simplesmente contar resumidamente o que aconteceu, cenas permitem que o leitor

testemunhe  em “tempo real” os personagens  se movimentando e interagindo  no

universo da história.

A principal função de toda cena é criar uma experiência de leitura que ofereça – ao

invés de uma compreensão abstrata – uma demonstração concreta de um evento

importante. As cenas mais envolventes criam um contexto que ajuda o leitor a se sentir

mais próximo dos personagens, sincronizando suas emoções com as emoções deles.

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COLOQUE EM PRÁTICA

Transforme esse sumário narrativo em uma cena:

“Depois de terminar o café da manhã, Heitor vestiu a camisa com a ajuda da esposa.”

Transforme este trecho de uma cena em um sumário narrativo:

“Heitor pede licença baixinho e entra. Seus olhos demoram alguns segundos para se

ajustar ao escuro de dentro da casa. O corredor era uma caverna longa e estreita. O

sol daquela manhã de céu limpo se espremia para entrar pelas frestas das persianas

fechadas. Heitor, tentando acompanhar os passos apressados do homem, tropeça na

cabeça torta de um prego mal colocado. Sua maleta de metal voa ao chão,

espalhando as ferramentas e deixando uma marca profunda no piso de madeira

ressequido.”

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Dica 20

OLHE PARA O MUNDO COMO SEUS PERSONAGENS

Para escrever histórias envolventes, você precisa emprestar sua mente para seus

personagens. Como?  Se colocando no lugar deles, reconhecendo a importância

dos seus desejos e imaginando o que você faria, pensaria e sentiria se estivesse nas

mesmas circunstâncias em que eles se encontram.

Se você fosse uma senhora idosa que está na fase terminal de uma doença crônica e,

por isso, desejasse morrer, como convenceria seu enfermeiro a ajudá-la a acabar com

seu sofrimento? Para responder a essa pergunta de forma original, você precisa olhar

para o mundo como essa personagem e imaginar o que ela faria nessas circunstâncias.

O que você, escritor, faria não interessa porque talvez você pense diferente dessa

personagem. O que você acredita que uma senhora idosa faria também não interessa

porque pensar assim é olhar para a personagem de forma superficial. O que interessa

é a resposta que você encontra ao se colocar na pele dessa mulher e olhar para essa

situação de um lugar de profunda empatia.

O ponto de partida para se olhar para o mundo com os olhos de um determinado

personagem é entender por que ele quer o que quer. Entender as motivações dos

seus personagens vai ajudar você a olhar para eles como seres humanos, ao invés de

simples ingredientes da sua história. Isso é escrever de dentro para fora, é emprestar

sua humanidade para cada personagem considerando quem ele foi, quem ele é e qual

o sentido do que ele deseja nas circunstâncias em que ele se encontra.

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COLOQUE EM PRÁTICA

Pense em uma pessoa próxima que agiu de uma forma que você nunca agiria. Esvazie

sua mente de qualquer tipo de julgamento moral sobre o que aconteceu e das ideias

preconcebidas que você tem desta pessoa. Reflita sobre o que pode ter motivado ela

a agir dessa forma.

Que objetivo ela queria alcançar naquele momento e por que isso era importante para

ela? O que o comportamento dessa pessoa nesta situação revela sobre suas

dificuldades, medos e limitações? Que circunstâncias provocariam em você uma

reação parecida?

Use essas reflexões como ponto de partida para escrever um texto na primeira pessoa

em que você se coloca no lugar de alguém que agiu de uma forma que você nunca

agiria. Compartilhe uma versão dos fatos que, ainda que não justifiquem, permitam

uma compreensão mais profunda dos comportamentos dessa pessoa.

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Dica 21

CONVERSE SOBRE SUAS IDEIAS COM OUTROS ESCRITORES

Concordo com o escritor Austin Kleon que um dos mitos mais destrutivos sobre

criatividade é a ideia do artista isolado e antissocial, um indivíduo com talentos e

habilidades extraordinárias que, livre da influência de outras pessoas, cria o

inimaginável e apenas compartilha seu trabalho depois de pronto.

Escrever, de fato, requer isolamento. O escritor precisa se distanciar do mundo externo

para entrar em contato com seu mundo interno. Ele precisa escrever, reescrever, editar

e revisar seus textos até chegar na melhor versão que consegue produzir sozinho. Só

então, a narrativa está pronta para encarar seus primeiros leitores beta.

Mas isso não significa que você precisa se isolar completamente até esse momento

chegar. Muito pelo contrário. Conversar com outros escritores sobre seus bloqueios

criativos pode ajudar você a ganhar perspectiva sobre uma ideia que está

desenvolvendo, clarificar o que você está tentando expressar com um texto e

despertar sua consciência para hábitos improdutivos que o impedem de terminar suas

narrativas ou alcançar os resultados que deseja.

Grupos de escritores são ótimos espaços para você testar ideias, trocar referências e

experiências com outras pessoas interessadas em desenvolver habilidades de escrita,

além de ampliar sua perspectiva sobre processos de criação e o que significa ser

escritor.

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COLOQUE EM PRÁTICA

Procure na sua cidade por grupos de escritores que se encontram regularmente para

compartilhar textos e conversar sobre suas ideias. Se não existe nenhum grupo na sua

cidade, tome a iniciativa de criar um. Você também pode procurar por grupos virtuais

em redes sociais.

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Dica 22

NÃO REPRODUZA A REALIDADE NAS SUAS HISTÓRIAS

Ao narrar uma experiência pessoal, é comum que você inclua, exclua ou até mesmo

exagere na descrição de certos acontecimentos e detalhes. Você faz isso para

influenciar seus ouvintes a interpretar sua história e reagir ao seu relato da forma que

você deseja. É o famoso “quem conta um conto aumenta um ponto”.

Muitas pessoas esquecem disso quando escrevem ficção. Elas tentam reproduzir a

realidade “como ela é” e descrever detalhes precisos e factuais. Como resultado, o

texto tira o foco do que realmente importa: o impacto da história no leitor.

O mundo real é repleto de detalhes irrelevantes e momentos repetitivos e sem

sentido, que não acrescentam valor ao mundo ficcional. Verossimilhança não é

resultado da reprodução fiel da realidade (até porque é impossível fazer isso com

palavras), mas sim da representação simbólica de eventos e idéias que criam a ilusão

de uma realidade plausível e coerente no contexto do universo de ficção.

Histórias são demonstrações criativas de ideias que o escritor acredita que merecem

ser contempladas. Portanto, precisão factual – descrições que procuram reproduzir a

realidade com o maior grau de fidelidade possível – é menos importante do que

verdade poética – a interpretação subjetiva de uma experiência que, apesar de sua

imprecisão factual, representa ideias, emoções e sensações de uma forma mais

expressiva.

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COLOQUE EM PRÁTICA

Pense em uma experiência real que surpreendeu você e escreva um breve relato

usando como ponto de partida o que, de fato, aconteceu. Depois, reescreva o texto

como uma história de ficção modificando, incluindo ou excluindo detalhes dessa

experiência com o objetivo de tornar a narrativa mais expressiva.

Durante o processo de revisão e edição, considere o que você deseja que o leitor

pense sobre os personagens e como você deseja que ele interprete o que está

acontecendo em cada seção do texto. Decida que informações você precisa

compartilhar em cada momento da narrativa para alcançar esse objetivo.

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Dica 23

VERDADE NÃO É O MESMO QUE REALIDADE

A definição de verdade em escrita criativa não se refere à reprodução factual da

realidade. Como escritor, você precisa aprender a separar acontecimentos, situações e

ideias de seus significados. Muitas pessoas podem testemunhar um mesmo evento e,

ao compartilhá-lo com outras pessoas, escolher moldar seu relato para influenciá-las a

interpretar o que aconteceu de uma determinada forma.

Eventos são apenas fatos. Um acidente de carro, uma briga conjugal, a descoberta de

um bilhete premiado, o desenvolvimento de uma nova amizade. Tais experiências

representam apenas um nível superficial e objetivo da realidade. O que chamamos de

verdade em escrita criativa representa um nível mais profundo e subjetivo da realidade.

Verdade é uma interpretação pessoal de como e por que as coisas acontecem como

acontecem, como e por que as pessoas são como são, como e por que a vida é como

ela é. Verdade é o que o escritor acredita ser a causa de um evento e os efeitos que tal

acontecimento tem na vida de um personagem.

A frieza de um pai em relação à filha pode ser interpretada por um escritor como

resultado da reprodução instintiva do único modelo de paternidade que esse homem

conhece. Outra escritora pode olhar para a mesma situação e decidir que o

comportamento desse pai está relacionado ao fato de que ele queria um filho homem.

O trabalho do escritor é apresentar uma interpretação da relação entre os “comos" e

os “porquês" da vida dos personagens, fazendo o leitor sentir que, dentro do contexto

desse universo de ficção, a história está expressando a verdade.

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COLOQUE EM PRÁTICA

Na próxima vez que você ler um romance ou assistir a um filme, considere a relação

que a escritora estabelece entre os comportamentos de um personagem e suas

motivações profundas para agir de certa forma.

Que verdade a escritora está tentando expressar sobre como e por que as coisas

acontecem como acontecem, como e por que as pessoas são como são, como e por

que a vida é como ela é?

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Dica 24

ESCREVER É FAZER JULGAMENTOS DE VALOR

Julgar é formar uma opinião ou conclusão sobre alguma ideia, situação ou pessoa. O

ser humano instintivamente julga tudo ao seu redor porque este é seu mecanismo mais

primitivo de defesa e sobrevivência. Formamos opiniões rápidas e superficiais para

identificarmos possíveis ameaças a nossa integridade física, emocional ou social. Como

escritor, entretanto, você precisa aprender a tirar sua mente do piloto automático para

enxergar o mundo de uma forma mais complexa.

Escrever é fazer julgamentos de valor sobre certas situações, ideias, pessoas, pontos

de vista, escolhas, comportamentos, ideologias, hábitos, papeis sociais etc. Ao

compartilhar algo que você escreveu com outras pessoas, você está indiretamente

afirmando ter identificado e/ou compreendido certas verdades sobre as pessoas, as

relações sociais e/ou a sociedade que merecem ser contempladas. “Leia meu texto”

ou “Compre meu livro” é uma forma de dizer “Me escuta. Eu tenho algo para dizer

sobre o mundo que merece sua atenção”.

Esse julgamento de que ideias merecem a atenção é inseparável da escrita de

qualquer texto. Em textos não ficcionais – como editoriais, resenhas e artigos – o

escritor expressa as verdades em que acredita principalmente através de explicações,

exemplos, opiniões e argumentos lógicos. Em narrativas de ficção, o escritor expressa

as verdades em que acredita principalmente através das ações e reações de certos

personagens, das relações de causa e consequência que estabelece entre os eventos

do enredo e do destino que traça para cada participante da história.

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COLOQUE EM PRÁTICA

Releia seus textos com o objetivo de identificar os julgamentos de valor implícitos na

forma como você descreve seus personagens, nas ações e reações deles a certos

acontecimentos e no destino que você escolheu para cada participante da história no

final da narrativa.

Reflita se as escolhas que você fez para criar seu universo ficcional vieram de um lugar

de contemplação, empatia ou sensibilidade. Escrever histórias com base em

preconceitos, senso comum ou uma suposta superioridade moral é receita para a

criação de textos clichês, dogmáticos e superficiais.

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Dica 25

CONHEÇA A ÚNICA REGRA PARA ESCREVER QUE IMPORTA

Muitas pessoas confundem regras de escrita com técnicas de escrita. Eis a diferença.

Regras prescrevem orientações a que você deve obedecer para escrever bem. Técnicas

sugerem métodos que podem ajudar você a escrever melhor. Existem diversas técnicas

de escrita, mas uma única regra: não seja chato. 

Fazer arte é olhar para o ordinário de uma forma diferente. Artistas são pessoas que

conseguem interrogar suas percepções de uma forma clara e honesta. Muitas vezes, a

originalidade de certas ideias está, simplesmente, na sinceridade crua do artista para

expressar seus pensamentos e emoções.

A combinação do olhar autêntico e inocente de uma criança com a habilidade de se

expressar com beleza, precisão e clareza de um adulto é um antídoto poderoso contra

chatice. Um escritor interessante não é necessariamente alguém que teve experiências

extravagantes e escreve a respeito delas. Primordialmente, é alguém que aprendeu a

prestar atenção aos movimentos sutis dos seus pensamentos e emoções e, portanto,

consegue transformar em histórias as fantasias vívidas, as percepções elaboradas e as

aventuras excitantes que povoam a sua mente.

Quem lê histórias de ficção está à procura de uma experiência emocional. Faça seu

leitor rir, chorar, se surpreender, se interessar, se indignar, se aterrorizar. Faça ele sentir

alguma coisa, porque no momento em que ele ficar indiferente ao que está lendo, seu

texto será abandonado.

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COLOQUE EM PRÁTICA

Nenhuma dica de escrita é inquestionável, infalível e aplicável a toda e qualquer

história. Você precisa desenvolver senso crítico para avaliar quais técnicas podem

ajudá-lo a criar universos de ficção mais envolventes e a refinar seu estilo.

Técnicas são apenas ferramentas. Use-as como inspiração para começar a escrever,

como um guia para explorar sua ideia em mais profundidade ou como uma referência

para orientar a edição da narrativa. Estude os processos de criação de outros escritores

não com a ilusão de que você poderá reproduzí-los para alcançar resultados

semelhantes, mas para descobrir diferentes estratégias que você pode experimentar

ao escrever seus textos.

Não existe um jeito certo ou errado de fazer ficção. Se você está alcançando os

resultados que deseja, pouco importa como funciona o seu processo de criação. À

medida que você ganhar confiança em suas habilidades, crie suas próprias técnicas e

desenvolva um método próprio de escrever.

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