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64 An official publication of the Brazilian Society of Periodontology ISSN-0103-9393 Braz J Periodontol - December 2016 - volume 26 - issue 04 ENXERTO GENGIVAL LIVRE VERSUS ENXERTO DE TECIDO CONJUNTIVO LIVRE – RELATO DE CASO CLÍNICO Free Gingival Graft Versus Free Conective Tissue Graft – Clinical Case Report Arlete Rodrigues Ribas 1 , Juliana Terencio Gomes 1 , Aline Oliver da Silva 1 , Luciana Prado Maia 2 . 1 Cirurgiões-Dentistas graduados na UNOESTE. 2 Doutor, Professora de Periodontia da UNOESTE. Recebimento: 28/04/16 - Correção: 23/05/16- Aceite: 13/07/16 RESUMO O enxerto gengival livre (EGL) visa aumentar a faixa de mucosa queratinizada, porém tem como desvantagens o aspecto antiestético e a cicatrização por segunda intenção do sítio doador, com pós-operatório doloroso dessa área. O objetivo do presente estudo foi relatar um caso clínico no qual foi utilizada a técnica de enxerto de tecido conjuntivo livre (ETCL), comparada ao EGL, no tratamento de retrações gengivais múltiplas, com o intuito de se obter melhores resultados estéticos. Foi selecionado um paciente que apresentava retrações gengivais múltiplas em dentes contralaterais. Após ser submetido à terapia periodontal básica, foi realizada cirurgia para ganho de tecido queratinizado nos pré- molares inferiores. Aleatoriamente, um lado foi tratado com EGL, enquanto o outro recebeu ETCL. As duas cirurgias foram realizadas simultaneamente. Os seguintes parâmetros clínicos foram avaliados no baseline, 1, 3 e 6 meses após a cirurgia: profundidade de sondagem, altura de coroa clínica, nível de inserção clínico relativo, altura e espessura de tecido queratinizado. Após 6 meses de preservação observou-se resultado satisfatório quanto ao ganho de tecido queratinizado para os dois lados, mas com menor desconforto pós-operatório e melhores características estéticas no lado que recebeu o ETCL. A partir dos resultados observados pode-se concluir que o ETCL pode ser utilizado com previsibilidade para aumento de tecido queratinizado. UNITERMOS: Gengiva, retração gengival, cirurgia bucal, cirurgia plástica. R Periodontia 2016; 26: 64-70. INTRODUÇÃO As retrações gengivais constituem, por definição, a migração da gengiva marginal em direção apical em relação à junção cemento-esmalte, com consequente exposição da superfície radicular ao meio bucal (Langer & Langer, 1985). As retrações gengivais levam a uma diminuição importante na faixa de gengiva inserida, constituída por fibras colágenas densas e firmemente unidas, que bloqueiam melhor a infiltração de elementos inflamatórios do que aquelas esparsas, da mucosa alveolar. O estudo clássico de Lang & Loe (1972) sugere um mínimo de 2 mm de mucosa queratinizada para manter a saúde gengival, o que corresponde a 1 mm de gengiva inserida, considerando mais 1 mm de sulco gengival. Pode-se afirmar que a gengiva inserida fornece uma maior resistência ao periodonto contra as injúrias externas, contribui para a estabilização da posição da margem gengival e auxilia na dissipação de forças fisiológicas que são exercidas pelas fibras musculares da mucosa alveolar nos tecidos gengivais (Novaes et al., 2012). Diante dos problemas causados pela ausência de tecido queratinizado, tratamentos cirúrgicos periodontais são indicados com o objetivo de aliviar a sintomatologia dolorosa causada, corrigir defeitos estéticos e aumentar a faixa de tecido queratinizado (Segundo & Alves, 2005), e há uma grande variedade de técnicas descritas na literatura. A técnica do enxerto de tecido conjuntivo subepitelial (ETCS) foi adaptada por Langer & Langer (1985) com a finalidade de recobrimento radicular total, tornando-se atualmente, a técnica de maior previsibilidade quando o objetivo é ganho tecido queratinizado associado a recobrimento radicular (Chambrone et al ., 2010). Esse procedimento possui como vantagens a similaridade de coloração entre o enxerto e o tecido gengival adjacente, o

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Braz J Periodontol - December 2016 - volume 26 - issue 04

ENXERTO GENGIVAL LIVRE VERSUS ENXERTO DE TECIDO CONJUNTIVO LIVRE – RELATO DE CASO CLÍNICOFree Gingival Graft Versus Free Conective Tissue Graft – Clinical Case Report

Arlete Rodrigues Ribas1, Juliana Terencio Gomes1, Aline Oliver da Silva1, Luciana Prado Maia2.

1 Cirurgiões-Dentistas graduados na UNOESTE.2 Doutor, Professora de Periodontia da UNOESTE.

Recebimento: 28/04/16 - Correção: 23/05/16- Aceite: 13/07/16

RESUMO

O enxerto gengival livre (EGL) visa aumentar a faixa de mucosa queratinizada, porém tem como desvantagens o aspecto antiestético e a cicatrização por segunda intenção do sítio doador, com pós-operatório doloroso dessa área. O objetivo do presente estudo foi relatar um caso clínico no qual foi utilizada a técnica de enxerto de tecido conjuntivo livre (ETCL), comparada ao EGL, no tratamento de retrações gengivais múltiplas, com o intuito de se obter melhores resultados estéticos. Foi selecionado um paciente que apresentava retrações gengivais múltiplas em dentes contralaterais. Após ser submetido à terapia periodontal básica, foi realizada cirurgia para ganho de tecido queratinizado nos pré-molares inferiores. Aleatoriamente, um lado foi tratado com EGL, enquanto o outro recebeu ETCL. As duas cirurgias foram realizadas simultaneamente. Os seguintes parâmetros clínicos foram avaliados no baseline, 1, 3 e 6 meses após a cirurgia: profundidade de sondagem, altura de coroa clínica, nível de inserção clínico relativo, altura e espessura de tecido queratinizado. Após 6 meses de preservação observou-se resultado satisfatório quanto ao ganho de tecido queratinizado para os dois lados, mas com menor desconforto pós-operatório e melhores características estéticas no lado que recebeu o ETCL. A partir dos resultados observados pode-se concluir que o ETCL pode ser utilizado com previsibilidade para aumento de tecido queratinizado.

UNITERMOS: Gengiva, retração gengival, cirurgia bucal, cirurgia plástica. R Periodontia 2016; 26: 64-70.

INTRODUÇÃO

As retrações gengivais constituem, por definição, a migração da gengiva marginal em direção apical em relação à junção cemento-esmalte, com consequente exposição da superfície radicular ao meio bucal (Langer & Langer, 1985).

As retrações gengivais levam a uma diminuição importante na faixa de gengiva inserida, constituída por fibras colágenas densas e firmemente unidas, que bloqueiam melhor a infiltração de elementos inflamatórios do que aquelas esparsas, da mucosa alveolar. O estudo clássico de Lang & Loe (1972) sugere um mínimo de 2 mm de mucosa queratinizada para manter a saúde gengival, o que corresponde a 1 mm de gengiva inserida, considerando mais 1 mm de sulco gengival. Pode-se afirmar que a gengiva inserida fornece uma maior resistência ao periodonto contra as injúrias externas, contribui para a estabilização da posição

da margem gengival e auxilia na dissipação de forças fisiológicas que são exercidas pelas fibras musculares da mucosa alveolar nos tecidos gengivais (Novaes et al., 2012).

Diante dos problemas causados pela ausência de tecido queratinizado, tratamentos cirúrgicos periodontais são indicados com o objetivo de aliviar a sintomatologia dolorosa causada, corrigir defeitos estéticos e aumentar a faixa de tecido queratinizado (Segundo & Alves, 2005), e há uma grande variedade de técnicas descritas na literatura.

A técnica do enxerto de tecido conjuntivo subepitelial (ETCS) foi adaptada por Langer & Langer (1985) com a finalidade de recobrimento radicular total, tornando-se atualmente, a técnica de maior previsibilidade quando o objetivo é ganho tecido queratinizado associado a recobrimento radicular (Chambrone et al., 2010). Esse procedimento possui como vantagens a similaridade de coloração entre o enxerto e o tecido gengival adjacente, o

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favorecimento do suporte sanguíneo para o periósteo e para o enxerto no leito receptor, o que minimiza a probabilidade de necrose tecidual e insucesso da técnica. O ETCS corrige, de forma eficaz, retrações isoladas e largas, retrações múltiplas, hipersensibilidade dentinária e pequenas abfrações cervicais, além de proporcionar a reabilitação anatômica do periodonto de proteção através da criação de um epitélio juncional longo

(Duarte et al., 2003). Contudo, fatores como fundo de vestíbulo raso ou largura

insuficiente de tecido queratinizado, contraindicam o emprego da técnica de ETCS, já que não é possível a manipulação tecidual e posicionamento coronal do retalho. Para esses casos o enxerto gengival epitélio-conjuntivo, também denominado enxerto gengival livre (EGL) passou a ser encarado como uma opção de tratamento previsível (Feitosa et al., 2008).

A técnica de EGL, descrita por Björn (1963), com objetivo de aumentar a faixa de mucosa queratinizada, se tornou uma das primeiras técnicas de cirurgia plástica periodontal. O EGL apresenta como vantagens aumento tecidual em altura e espessura e previsibilidade de enxerto. Porém, as desvantagens estão relacionadas com aspecto antiestético, cicatrização por segunda intenção do sítio doador, pós-operatório doloroso do sítio doador e riscos de complicações (Björn, 1963). Apesar dos bons resultados obtidos, a morbidade do paciente e problemas na coloração e contorno do EGL foram fatores que conduziram ao desenvolvimento de técnicas alternativas

(Messora et al., 2009). A técnica do enxerto de tecido conjuntivo livre (ETCL) foi

descrita originalmente por Edel (1974) e baseia-se no fato de que o tecido conjuntivo carrega a mensagem genética para o epitélio que o recobre se tornar queratinizado. Portanto, apenas tecido conjuntivo de zona queratinizada pode ser usado como enxerto. Essa técnica tem a vantagem de obter o tecido doador da porção interna de um retalho palatino, o qual é suturado para cicatrização de primeira intenção. Isso resulta em menos desconforto pós-operatório para o paciente no local doador e uma estética melhor devido a uma semelhança de cor do tecido enxertado com as áreas adjacentes (Edel, 1974). Porém, a diferença mostrou-se pequena quando comparado ao EGL e o emprego desse tipo de enxerto banalizou-se. E apesar de a técnica não ter sido mais investigada ou relatada na literatura, atualmente, com a maior exigência estética por parte dos pacientes, o ETCL voltou a ser utilizado com frequência na rotina clínica. Contudo, é importante investigar se o uso de um enxerto gengival livre desepitelizado apresenta resultados similares à técnica clássica (EGL) quanto ao ganho de tecido queratinizado.

Sendo assim, o objetivo do presente estudo foi avaliar o uso da técnica de ETCL, comparado ao uso de EGL, no

tratamento de retrações gengivais múltiplas através de um relato de caso clínico.

RELATO DE CASO

O paciente D.V., gênero masculino, leucoderma, com 65 anos de idade, compareceu à clínica de Periodontia da Universidade do Oeste Paulista (UNOESTE) para tratamento reabilitador. Durante a anamnese o paciente afirmou não ser fumante e apresentar boa saúde, sem qualquer comprometimento sistêmico ou uso de medicação contínua. Após exame intraoral foi observada a presença de retrações gengivais múltiplas, com estreita faixa de tecido queratinizado, principalmente na região de pré-molares inferiores (Figura 1 e 2).

Figura 1. Aspecto clínico inicial dos dentes selecionados para o procedimento cirúrgico: 44 e 45 (A) e 34 e 35 (B).

Figura 2 - Aspecto radiográfico inicial dos dentes selecionados para o procedimento cirúrgico: 44 e 45 (A) e 34 e 35 (B).

Inicialmente o paciente foi submetido à terapia periodontal básica, que consiste na adequação do meio bucal, com orientação de higiene oral, raspagem e alisamento radicular com instrumentos manuais (curetas de Gracey) e ultrassônicos e profilaxia em toda a cavidade bucal. O paciente foi instruído a utilizar escova de dente macia e a modificar a técnica de escovação diminuindo o trauma mecânico sobre as margens gengivais, para manter os resultados clínicos obtidos após a execução do tratamento cirúrgico.

Foram selecionados os dentes 34, 35, 44 e 45, que apresentavam retrações gengivais classe III de Miller (1993) com estreita faixa de tecido queratinizado. Medidas clínicas foram tomadas antes do procedimento cirúrgico (baseline), e 1, 3 e 6 meses após a cirurgia, no centro da face vestibular dos dentes selecionados, pelo mesmo examinador. Os seguintes parâmetros clínicos foram avaliados: profundidade

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de sondagem (PS), nível de inserção clínico relativo (NICR), altura de coroa clínica (ACC), altura (ATQ) e espessura de tecido queratinizado (ETQ). A PS (distância da margem gengival ao fundo do sulco), o NICR (distância do fundo de sulco à porção mais coronal da cúspide vestibular), a ACC (distância da margem gengival à porção mais coronal da cúspide vestibular) e a ATQ (distância da margem gengival à linha mucogengival) foram avaliados com o auxílio de uma sonda periodontal milimetrada da Carolina do Norte. Os parâmetros NICR e ACC foram utilizados tendo como referência a porção mais coronal da cúspide vestibular porque os dentes apresentavam lesão cervical não-cariosa, não sendo possível utilizar a junção cemento-esmalte como referência. A ETQ foi avaliada usando uma agulha anestésica com um disco de silicone (stop). A agulha foi posicionada 1 mm abaixo da margem gengival, perpendicular à superfície da mucosa através do tecido mole com leve pressão até tocar o osso, como descrito por Maia et al. (2013). A penetração da agulha foi medida com a sonda periodontal milimetrada.

No momento da cirurgia, sob anestesia local, os dois lados foram preparados da mesma forma, com incisões intrasulculares na face vestibular de cada dente selecionado, seguido de uma incisão horizontal na altura da junção cemento-esmalte e incisões verticais relaxantes mesial e distal dos elementos envolvidos, realizadas com o auxílio de uma lâmina de bisturi 15C (Figura 3A e B). Um retalho de espessura parcial foi dissecado além da linha mucogengival (Figura 3C e D). Os dentes receberam raspagem e alisamento radicular das áreas expostas com curetas de Gracey e em seguida a área foi irrigada abundantemente com solução salina estéril. Os enxertos foram removidos do palato, sendo que, aleatoriamente, do lado direito foi removido um enxerto epitélio-conjuntivo, (Figura 3E), enquanto do lado esquerdo foi removido um enxerto de tecido conjuntivo de acordo com a técnica descrita por Reino et al. (2013) (Figura 3F). O sítio doador (palato) foi suturado com fio de seda 4.0. Os dentes 44 e 45 receberam o EGL (Figura 3G), enquanto os dentes 34 e 35 foram tratados com ETCL (Figura 3H). Os enxertos foram então suturados no leito receptor usando fio de sutura de nylon 5.0. As duas cirurgias foram realizadas simultaneamente. Foi aplicado cimento cirúrgico na área receptora, o qual foi trocado após 7 dias e removido aos 14 dias.

O paciente foi instruído a não escovar os dentes e uma solução de digluconato de clorexidina 0,12% foi prescrita como enxaguante bucal para ser usado duas vezes ao dia por 15 dias. O paciente também recebeu prescrição de anti-

Figura 3. A e B: incisões intrasulculares na face vestibular de cada dente selecionado, seguido de uma incisão horizontal na altura da junção cemento-esmalte e incisões verticais relaxantes mesial e distal dos elementos envolvidos; C e D: retalho de espessura parcial; E: palato direito após remoção de um enxerto epitélio-conjuntivo; F: palato esquerdo após remoção de enxerto de tecido conjuntivo; G: enxerto gengival livre suturado na vestibular dos dentes 44 e 45; H: enxerto de tecido conjuntivo livre suturado na vestibular dos dentes 34 e 35.

Figura 4. A e B: Pós-operatório de 1 mês; C e D: Pós- operatório de 3 meses; E e F: Pós-operatório de 6 meses.

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inflamatório por 3 dias e analgésico em caso de dor. As suturas da área doadora foram removidas após 7 dias, e da área receptora após 15 dias. O paciente foi então orientado a voltar a escovar cuidadosamente a área. O paciente também foi chamado para procedimentos de reorientação de higiene oral com 2 e 4 semanas pós-operatórias, e então mensalmente até completar 6 meses de pós-operatório.

O paciente relatou leve desconforto pós-operatório na primeira semana, principalmente na região do palato do lado direito, onde o EGL foi removido. Após 30 dias foi observada boa cicatrização (Figura 4A e B), o que foi mantido por 6 meses (Figura 4E e F). Após 1 e 3 meses observou-se clinicamente maior queratinização no lado que recebeu o EGL (Figura 4A e

C), quando comparado ao lado que recebeu o ETCL (Figura 4B e D), sem diferenças aos 6 meses (Figura 4E e F). Após 6 meses o paciente mostrou-se satisfeito com os resultados obtidos.

A Tabela 1 descreve os parâmetros clínicos observados no baseline, 1, 3 e 6 meses após a cirurgia. Nos dentes 34 e 35, que receberam o ETCL, houve um aumento na ATQ de 2,5 e 0,5 mm, respectivamente, e um aumento na ETQ de 1 mm. Não houve variação na PS, NICR e ACC nesses dentes. Já nos dentes 44 e 45, que receberam EGL, houve um aumento na ATQ de 3 e 2 mm, respectivamente, e um aumento na ETQ de 1 e 1,5 mm, respectivamente. O dente 44 apresentou aumento na PS de 2 mm, sem alteração na ACC tanto no elemento 44 quanto no 45.

TABELA 1. PARÂMETROS CLÍNICOS NO BASELINE, 1, 3 E 6 MESES APÓS A CIRURGIA

Técnica Dente Parâmetros Baseline 1 mês 3 meses 6 mesesBaseline

– 6 meses

ETCL

34

PS 2 2 2 2 0

ACC 12 12 12 12 0

NICR 14 14 14 14 0

ATQ 1,5 8 4 4 2,5

ETQ < 1 2 1,5 2 >1

35

PS 2 2 1 2 0

ACC 11 11 11 11 0

NICR 12 13 12 12 0

ATQ 2,5 8 4 3 0,5

ETQ 1 2 1,5 2 1

EGL

44

PS 1 2 2,5 3 2

ACC 13 13 13 13 0

NICR 14 15 15,5 16 2

ATQ 2 6 7 5 3

ETQ < 1 3 1,5 2 >1

45

PS 2 3 2,5 2 0ACC

11 11 12 11 0NICR

13 14 14,5 13 0ATQ

2 8 5 4 2ETQ

1 4 2 2,5 1,5

ETCL: enxerto de tecido conjuntivo livre; EGL: enxerto gengival livre; PS: profundidade de sondagem; ACC: altura de coroa clínica; NICR: Nível de inserção clínica relativa; ATQ: altura de tecido queratinizado; ETQ: espessura de tecido queratinizado.

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DISCUSSÃO

O enxerto de tecido conjuntivo tem sido empregado com diversas finalidades na odontologia, sendo associado a dentes ou implantes, no tratamento de pigmentações (Campbell & Deas, 2009), recobrimento radicular (Langer & Langer, 1985), aumento de volume de rebordo, aumento da faixa de tecido queratinizado, entre outros usos (Langer & Calagna, 1982). A utilização da melhor técnica varia de acordo com a necessidade de cada caso, mas o bom senso indica que, dentro do possível, deve-se escolher a técnica mais simples, a que proporcione o menor desconforto ao paciente e a que necessite do menor número de novas intervenções (Ricaldi et al., 2003). A quantidade de tecido queratinizado, espessura gengival, presença/ausência de lesões cervicais, altura e largura das papilas e mal posicionamento dentário também podem influenciar na decisão da técnica mais apropriada

(Carvalho et al, 2007).O sucesso do tratamento com enxertos está condicionado

à sobrevivência do enxerto, a qual depende de três pontos de circulação colateral proveniente do tecido conjuntivo e do espaço periodontal, ou seja, circulação plasmática colateral e do ligamento periodontal (Cortes et al., 2006). O controle do biofilme é fundamental para o sucesso da terapia cirúrgica, pois na presença da resposta inflamatória há um comprometimento da nutrição gengival, que acaba descamando e levando ao surgimento da retração gengival

(Fontanari et al., 2009).No presente relato de caso foi constatado um ganho

em altura e espessura de tecido queratinizado em ambas as técnicas utilizadas. Os dentes que receberam o EGL apresentaram um maior ganho de altura de tecido queratinizado, finalizando com 4 e 5 mm para esse parâmetro, contudo aqueles que receberam o ETCL também apresentaram uma altura de tecido queratinizado satisfatória após 6 meses, de 3 e 4 mm, considerando que um mínimo de 2 mm de mucosa queratinizada é suficiente para manter a saúde gengival (Lang & Loe, 1972).

Quanto à espessura, não houve variações significativas entres as duas técnicas avaliadas, pois todos os dentes apresentaram um aumento nesse parâmetro, finalizando com ETQ entre 2 e 2,5 mm. Esses resultados mostram que o ETCL é capaz de aumentar a espessura do tecido gengival e a faixa de tecido queratinizado de forma comparável ao EGL. Segundo Zucchelli (2012), uma gengiva fina com espessura < 1 mm (o que foi observado inicialmente no presente caso clínico nos dentes 34, 35 e 44) torna-se mais suscetível à destruição rápida pelo processo inflamatório de origem traumática ou microbiana, sendo que 1,5 – 1,8 mm são suficientes para

garantir uma boa estabilidade dos tecidos moles. É importante salientar que não houve alteração na

altura da coroa clínica em nenhum dos elementos dentários avaliados, o que indica não ter ocorrido alteração na altura de retração gengival. O objetivo das técnicas empregadas foi de aumentar a faixa de tecido queratinizado, essencial para manutenção da saúde periodontal e prevenção das recessões, melhorando também as condições teciduais para que posteriormente um procedimento cirúrgico visando o recobrimento radicular seja realizado. Contudo, sabe-se que o EGL pode facilitar a migração coronária pós-operatória do tecido gengival marginal sobre superfícies radiculares anteriormente desnudas, proporcionando recobrimento radicular tardio. Este fenômeno é denominado creeping attachment e ocorre no período pós-operatório de até dois anos (Edel, 1974). No estudo de Cortelline et al. (2012), após um período de 1 ano de acompanhamento foi observada a ocorrência de creeping attachment. Um pós-operatório de apenas 6 meses é apresentado no presente relato de caso, o que de acordo com alguns estudos é tempo suficiente para avaliar o sucesso da técnica (Wennström & Pini Prato, 1999; Cortes et al., 2006), mas não para que ocorresse algum recobrimento radicular.

No dente 44, que recebeu EGL, houve um aumento de 2 mm na profundidade de sondagem, o que sugere a cicatrização através de epitélio juncional longo, mas após 6 meses observou-se profundidade de sondagem de 3 mm, o que está de acordo com os parâmetros de saúde periodontal. Nos demais dentes não foi observada variação nesse parâmetro.

Com o EGL houve um aumento na espessura de tecido queratinizado, porém a coloração do tecido apresentou-se levemente esbranquiçada, com características da área doadora. Já na área que recebeu o ETCL houve uma queratinização mais lenta, no entanto o aspecto da área receptora foi nitidamente similar aos tecidos adjacente, em relação à cor, textura e contorno gengival. É certo que o EGL pode mostrar limitações e complicações. Muitas vezes, a cor do tecido pode se apresentar aquém do ideal, pois esta técnica tende a promover um reparo semelhante a uma cicatriz. A estética é, portanto, uma característica imprevisível. O EGL frequentemente resulta em uma aparência estética desagradável devido a suaves diferenças de tecido quanto a cor e textura, diferenças na espessura dos tecidos moles e desalinhamento da junção mucogengival. O segundo inconveniente é a morbidade pós-operatória. Os pacientes submetidos a estes procedimentos costumam necessitar de mais medicação pós-operatória e por um período mais prolongado que outras técnicas, em virtude da área doadora

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ficar desprotegida após o procedimento cirúrgico. Não há informações que comparem quantitativamente a satisfação estética e dor pós-operatória entre diferentes técnicas, sendo relatadas, em geral, apenas avaliações subjetivas, de maneira que, estas características, por si só, não restringem a indicação do procedimento (Feitosa et al., 2008).

A estética, contudo, é um ponto fraco do EGL. Um estudo recente relata melhores resultados estéticos utilizando enxertos pediculados submersos e envelope em comparação com técnicas não-submersas de enxertos (Kremer et al., 2009), e por isso os autores não recomendam EGL em caso de demanda estética.

Neste relato de caso observou-se bons resultados com o uso de ETCL em termos de aumento de tecido queratinizado e estética, contudo esses resultados clínicos devem ser considerados com cautela e devem ser confirmados por estudos independentes. Em particular, estudos clínicos controlados são necessários para comparar diretamente o desempenho do ETCL, com o desempenho de diferentes abordagens.

CONCLUSÃO

Os resultados obtidos permitiram aumentar e melhorar a qualidade do tecido gengival, melhorando a estética dos dentes tratados. O ETCL apresentou resultado satisfatório quanto ao ganho de tecido queratinizado, mas com menor desconforto pós-operatório e melhores características estéticas. Conclui-se que o ETCL pode ser utilizado com previsibilidade para aumento de tecido queratinizado.

ABSTRACT

The free gingival graft (FGG) is used to increase the keratinized mucosa amount, however it has as disadvantages the anti-aesthetic aspect and the healing by second intention of the donor site, with painful healing of this area. The aim of this case report was to evaluate the use of the free connective tissue graft (FCTG) technique, compared to the FGG, in the treatment of multiple gingival recession, with the aim to achieve better aesthetic results. A patient from the Periodontics clinic of Unoeste, who presented multiple gingival recessions in contralateral teeth, was selected. After being submitted to basic periodontal therapy, surgery for queratinized tissue gains was realized on mandibular pre-molars. Randomly, a side was treated with FGG, while the other received a FCTG. Both surgeries were performed simultaneously. The following parameters were evaluated on the baseline, 1, 3 and 6 months after the surgery: probing

depth, clinical crown height, relative clinical attachment level, height and thickness of the keratinized tissues. After 6 months satisfactory results regarding queratinized tissue gain were observed for both sides, but with less discomfort and better aesthetic characteristics for the side that received the FCTG. According to the results observed it can be concluded that the FCTG can be used with predictability for queratinized tissue augmentation.

UNITERMS: Gingiva, gingival recession, oral surgery, plastic surgery.

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Endereço para correspondência:

Luciana Prado Maia

Faculdade de Odontologia de Presidente Prudente

Universidade do Oeste Paulista (UNOESTE)

Rua José Bongiovani, 700 – Bloco B – Cidade Universitária

CEP: 19050-680 – Presidente Prudente – SP – Brasil

Tel.: (18) 3229-1052

E-mail: [email protected]

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