ENTRE A VISIBILIDADE

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    n b ng n n

    f np

    An dr a d a S i lva R osa

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    o lel

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    Dedico este trabalho aos meus pais, Alcides e Elisa, (in memorian).Com amor slido e verdadeiro entre si escreveram pgina por

    pgina da minha vida. Eles vivem em mim todos os dias.E a cada dia vivido um dia a menos na contagem

    do tempo para o reencontro.Aos meus pais toda a minha saudade.

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    SUMRIO

    PREFCIO .............................................................................7ANOTAES .........................................................................9APRESENTAO - Meus Anseios de Intrprete......................11INTRODUO .....................................................................17

    CAPTULO I

    LNGUA DE SINAIS: GRAMTICA E ESCRITA ...................................... 21Gramtica da Lngua de Sinais .......................................... 26Fonologia da Lngua de Sinais Brasileira ........................... 26Sistema morfolgico da lngua de sinais. ........................... 36

    Sintaxe da lngua de sinais.................................................46Escrita Visual da Lngua Brasileira de Sinais(Sign Writing) .................................................................... 56Comunidades Surdas: Minorias Lingsticas ..................... 58OBJETIVOS .........................................................................63

    CAPTULO IITRADUO, FIDELIDADE E SOBREVIDA .................................65Questes de Fidelidade em Paulo Rnai............................67Traduo, Verso e Recriao em Erwin Theodor .............. 76

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    Jacques Derrida - A Traduo como Sobrevida doOriginal ............................................................................85

    CAPTULO III

    LINGUAGEM e TRADUO ....................................................97

    CAPTULO IV

    O INTRPRETE SUA FORMAO E LIMITES DE ATUAO

    INTERPRETAO ..............................................................113Limites e Abusos no Ato Interpretativo ........................... 129Alguns Aspectos da Formao do ILS ConsideradosImportantes na Formao do Intrprete deLngua de Sinais. ............................................................. 133

    CAPTULO VTEORIA DA TRADUO E PRTICA DO INTRPRETE DE

    LNGUA DE SINAIS: DILOGOS POSSVEIS....................................... 143Como nos Tornamos Intrpretes ..................................... 147O Lugar da Formao na Prtica do Intrprete deLngua de Sinais.............................................................. 162Educao dos Surdos Mediada pelo Intrprete deLngua de Sinais.............................................................. 179CONSIDERAES FINAIS ....................................................193REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ...........................................197

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    PREFCIO

    O prefcio sempre tem idias que indicam o queest no livro, mostrar a leitura, apontar, dizer quetem isto e isto. No uma coisa que eu gostode fazer.

    Andra algum que comeou com atraopela cultura surda, pelo conhecimento da lnguade sinais. Depois ela, com seu olhar atento, perce-be a importncia da lngua de sinais, pela qual ossurdos ensinam uns aos outros surdos.

    Ela quis construir uma escrita sobre o intr-

    prete e a sua presena nas fronteiras das culturassurda e ouvinte. Ela aproxima o trabalho dos ILSdaqueles conceitos dos Estudos da Traduo. De-pois disto ela quer pensar como seria a formaodestes profissionais.

    Para ela, no h o mito da neutralidade do

    intrprete de lngua de sinais. A neutralidade umainveno. A participao do intrprete depende desua concepo poltica, de sua interpretao cul-tural, de sua formao.

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    Que os intrpretes devem entender sua identidade, suarepresentao e buscar sua formao para que acontea uma

    melhor traduo. a proposta de Andra.Andra est presente no que nos escreve a. Ela nos

    deixa muitas coisas para pensar, para seguir, para continuar pro-curando.

    Que este trabalho de Andra seja um ponto de partida,possibilite aos nossos intrpretes sentir de outro jeito, fazer de

    outro jeito, arejar uma idia, construir uma idia.Andra soube dizer: so Tradutores e Intrpretes de ln-

    gua de sinais! Vamos olhar, vamos construir uma idia tam-bm ns com Andra, com os intrpretes.

    Gladis Perlin

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    A tabela abaixo corresponde ao movimentodos sinais e foi elaborada pelo Ministrio da Edu-cao, Secretaria de Educao Especial, - Ensino deLngua Portuguesa para Surdos, 2002, p.85.

    ANOTAES

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    O meu interesse pelas comunidades surdas come-ou na Igreja do Nazareno Central de Campinas,onde no ms de maio de 1994 teve incio um cur-so de lngua de sinais com o propsito de comear

    um trabalho de evangelizao com os surdos deCampinas. O curso, gratuito, teve durao de doismeses e foi ministrado por um fluente intrpretede lngua de sinais, atuante no trabalho com sur-dos h muitos anos.

    Naquela poca, em Campinas, quase nada sesabia sobre a profisso de instrutor surdo de ln-gua de sinais, assim como no havia na cidadenenhum surdo formado pela FENEIS1.

    1 Federao Nacional de Integrao e Educao dos Surdos.

    APRESENTAO

    MEUS ANSEIOS DE INTRPRETE

    Minhas mos doceiras...Jamais ociosas.

    Fecundas. Imensas e ocupadas.Mos laboriosas.Abertas sempre para dar, ajudar, unir

    e abenoar.

    Cora Coralina, 1997, p.63.

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    A princpio imaginei que conseguiria aprender lngua desinais somente freqentando os cultos, observando os intr-

    pretes e treinando os sinais na frente do espelho, como se fossepossvel simplesmente transportar, para os sinais, os significa-dos das palavras do Portugus. Procurava ser rigorosa na esco-lha dos sinais, pois meu principal objetivo era reproduzir comfidelidade as letras das msicas cantadas durante os cultos, ima-ginando que no deixaria escapar nenhuma palavra sequer. A

    traduo pensava, deveria ser construda palavra por palavra.Mesmo com os treinos em casa, no momento de inter-

    pretar, a construo que fazia das msicas em sinais revelava-sequase totalmente incompreensvel, para os surdos, cuja a ex-presso facial denunciava o meu fracasso.

    Meus primeiros momentos de interpretao foram mar-

    cados por imensa angstia e seguidas frustraes: eu tinha cons-cincia de que no os alcanava. Ao mesmo tempo, nutria oanseio de transmitir a eles todos os conhecimentos que domi-nava desde a mais tenra infncia. No conseguia compreenderporque os meus sinais nada lhes diziam.

    Durante os dois primeiros anos de trabalho com pessoassurdas no Ministrio Voz no Silncio, da Igreja do NazarenoCentral de Campinas, atuei como coadjuvante nas tarefas di-versas que envolviam o trabalho com os surdos. Raramenteinterpretava nos lugares onde surdos e ouvintes cultuavam jun-tos; normalmente interpretava as msicas no culto das sextas-feiras noite somente para os surdos.

    No incio o grupo era composto por 30 intrpretes, mas

    com o tempo esse nmero foi diminuindo, o que me permitiuaproximar-me da melhor intrprete. Pude, ento, fazer-lhe aseguinte pergunta: Como voc consegue interpretarto bem?Elescompreendem tudo o que voc diz! bvio que eu esperava uma

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    receita pronta, pois todos ns tnhamos aprendido lngua de si-nais na mesma poca e com o mesmo professor, nenhum de ns

    tinha conhecimento ou contato prvio com os surdos. A res-posta foi simples: Procuro conversar com eles, freqentar os mes-mos lugares que eles, dessa forma os surdos colocam em minhasmos a lngua de sinais.

    Para que isso fosse possvel, eu sabia que teria que fre-qentar noite os lugares onde os surdos se encontravam, um

    dos quais era o Suco2

    . Encontravam-se ali aps os cultos, osjogos de futebol, as reunies da associao e ficavam at altashoras conversando.

    A deciso de conviver com os surdos s aconteceu, pois,por minha determinao em aprender a lngua de sinais brasi-leira, para poder ensinar-lhes o que sabia, mas contraditoria-

    mente, s aprendi essa lngua quando interagi com eles livre daresponsabilidade de lhes ensinar algo.A princpio no tinha nenhum assunto em comum com

    os surdos. Estranhava aqueles gestos exuberantes e a empolga-o na conversa. Passava a maior parte do tempo calada, ten-tando compreender um ou outro sinal. Naquele lugar eu era aestrangeira, a que nada sabia. A liberdade com a qual falavamde todo e qualquer assunto atravs dos sinais me deixavaestarrecida.

    No comeo da minha tentativa de aproximao, era dei-xada de lado pelos surdos que se perguntavam, desconfiados, oque eu estava fazendo ali. Em razo da suspeita de que estava lpara bisbilhot-los me ensinaram muitos sinais errados.

    2 A Associao de Surdos de Campinas no possui sede prpria, por isso os surdos se encontram em lugarespblicos. Em 1997, o lugar demarcado para o encontro era o Suco, lanchonete localizada no permetrocentral e de fcil acesso aos surdos moradores de diferentes bairros de Campinas.

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    Nessa mesma poca comecei a trabalhar com os surdosno grupo de teatro da igreja. Elaborvamos a encenao cor-

    respondente ao texto bblico a ser pregado no dia seguinte,no culto dos surdos por um pastor ouvinte. Tendo cinciaprvia do texto bblico explicava-o, no culto, com os poucossinais que possua, com uma exagerada expresso facial e usodo Portugus oral. Alguns surdos, que j conheciam os textosbblicos, me auxiliavam na tarefa de transmitir a mensagem

    para os outros. Aqueles foram meus momentos de maioraprendizado; olhava atenta o modo como eles ensinavam unsaos outros, e assim, fui aprendendo a construir a traduopara a lngua de sinais, percebendo a diferena entre meumodo de sinalizar e a forma como eles conversam entre si.Aos poucos, e naturalmente, os surdos me nomearamintrprete.

    Um novo trabalho veio somar-se a esse: iniciei, em 1998,um trabalho de leitura de jornal em lngua de sinais na RedeAnhangera de Comunicao- RAC, cujo objetivo era incen-tivar a leitura de jornais por pessoas em diferentes contextossociais, como: hospitais, consultrios, escolas, bibliotecas eoutros.

    Trabalhei nesse projeto entre agosto de 1998 e agosto de1999, sempre s teras-feiras, no auditrio do jornal Diriodo Povo. Os meus esforos eram centrados na motivao - dossurdos que para ali iam para a leitura de reportagens e infor-maes contidas no jornal.

    Vale ressaltar que nem todos os leitores surdos eram alfa-

    betizados, porm dominavam a lngua de sinais. Durante al-gum perodo de suas vidas, longo ou curto, a maior parte jhavia freqentado os bancos escolares, mas, por diferentes ra-zes, abandonara a escola sem adquirir a escrita.

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    As reportagens do jornal comearam a ser compreendi-das a partir do conhecimento dos sinais; a matria era escolhida

    pelos surdos que, aps examinarem todo o jornal, geralmenteacabavam por demonstrar maior interesse pelo caderno de es-portes. O enunciados futebolsticos traziam notcias j conhe-cidas parcialmente e as fotos auxiliavam na compreenso dotexto que, por sua vez, era lido por mim em sinais. Em segui-da, os sinais eram os mediadores para a escrita do Portugus.

    Como atividade de encerramento dos trabalhos no De-partamento de Educao da RAC, no ano de 1998, os leitoressurdos foram convidados para participar de uma exposio noCentro de Convivncia, com uma apresentao teatral; o temafoi escolhido a partir de uma reportagem que leram sobre AIDS.O nome que deram pea foi: Surdo oua o recado da vida:

    eviteAIDS. Foi encenada em sinais, com traduo para o Por-tugus, seguida de uma apresentao de dana sobre o mesmotema.

    Por ser a primeira oportunidade de apresentarem, publi-camente, uma atividade cultural em sua lngua, o evento foi deimportncia peculiar para os leitores surdos, tendo recebido

    ampla divulgao no seio da comunidade surda.Na ocasio recebi o convite para compor a diretoria da

    Associao de Surdos de Campinas - ASSUCAMP, como Dire-tora de Educao e Cultura, com o propsito de promovernovas atividades educacionais e culturais para os associados.

    No incio de 1999 comecei um trabalho voluntrio na

    ASSUCAMP. De 21 a 24 de abril desse mesmo ano, participeido V Congresso Latino-Americano de Educao Bilinge paraSurdos, realizado na Universidade Federal do Rio Grande doSul/UFRGS. Pela primeira vez tive contato com intrpretes

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    envolvidos na educao de surdos e pude perceber que haviaum movimento no Brasil sobre a educao dos surdos, do qual

    a comunidade surda de Campinas estava totalmente parte.Nessa ocasio conheci a professora Regina Maria de Souza,palestrante no evento.

    Ao retornar a Campinas comecei a freqentar o Grupode Pesquisa Pensamento e Linguagem GPPL, e, ocasional-mente, interpretava para os surdos que freqentavam o grupo.

    A traduo era livre e no me despertava grandes angstias.A partir de outubro de 1999, tendo o GPPL comeado aorganizar diversos eventos acadmicos em parceria com a comu-nidade surda de Campinas, fui solicitada a interpretar esses even-tos. Senti a responsabilidade de ser fiel em minha traduo, oque fez com que as angstias retornassem com intensidade.

    Eu sempre me perguntava: Fao a traduo de tudo o que

    est sendo dito, mesmo que eles no compreendam devido faltade conhecimento prvio do assunto, ou explico a idia do queest sendo dito do modo que julgo compreensvel a eles? Inde-pendentemente da minha escolha, as indagaes persistiam:Traduzindo tudo, eles perderiam o sentido da mensagem, jque (como supunha) no conheciam seus assuntos e seus con-

    ceitos. Neste caso, no estaria eu remetendo a comunidadesurda mesma situao do passado, ou seja, a excluso dosaber, e pior, usando como ferramenta de excluso suaprpria lngua?

    Se a escolha fosse por explicar a idia que estava sendodiscutida, no estaria eu selecionando previamente o que era,ou no, cabvel de ser compreendido pela comunidade surda?

    Essas foram e ainda so as minhas grandes perguntas acada nova interpretao. Talvez por essa razo que muitasvezes me distanciei do ato interpretativo e me aproximei dacomunidade surda e dos intrpretes.

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    INTRODUO

    O tradutor precisa urgentemente ser visto comoaquilo que :

    verdadeiro catalisador da tenso entre o de fora edo de dentro.

    Se isso no se faz, porque no dada a essa

    problemtica social a importncia devida.(Benedetti, 2004, p.30)

    A escolha do ttulo da minha pesquisa seguramente devido ao lugar que o intrprete de lngua desinais ocupa, ou seja, entre duas lnguas, indo e

    vindo na elaborao de seu trabalho. Nunca en-contra repouso, pois, mal chega na lngua-alvo (alngua de sinais) e j precisa tomar o caminho devolta, para compreender o discurso na sua prprialngua (o Portugus). Imediatamente, preciso re-fazer o percurso sua tarefa estar em trnsito.

    Outra concepo possvel do entre poderiaser o da visibilidade da traduo, pois sendo a ln-gua de sinais visual-espacial, o ato interpretativos acontece na presena fsica do intrprete.Entretanto uma presena sem voz.

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    A invisibilidade est no fato de que este trabalhador no tido como profissional, apesar de terem ocorrido algumas

    mudanas na representao social que os ouvintes fazem daspessoas surdas, antes ditas como deficientes auditivos ou sur-dos-mudos o que os remetia incapacidade, inferioridade.O mesmo no ocorreu em relao ao intrprete. Este ainda tomado como assistencialista uma vez que normalmente oriundo de instituies religiosas.

    No meu caso especfico estou estudando o meu prpriotrabalho e repensando sobre a minha prpria prtica e a prti-ca de outros intrpretes, levantando questes sobre a tarefa dointrprete de lngua de sinais, e como pode ser essa tarefa equi-parada tarefa dos tradutores.

    As discusses recentes em torno da traduo surgiram com-

    prometidas principalmente com as relaes entre sujeito e lin-guagem, possibilitando uma reviravolta significativa na reflexosobre o papel exercido pelo tradutor.

    Para fazer parte do processo de aprendizagem do alunosurdo, a educao tem convocado o intrprete de lngua desinais, sem entretanto conhecer a sua funo e abrangncia nasala de aula. Conseqentemente, no se tem preocupado emcriar cursos de formao para o intrprete educacional. Fica,portanto, sob a responsabilidade de cada profissional a suaprpria formao.

    medida que novas posturas relativas traduo se forta-lecem, fundamental nos debruarmos sobre os pressupostosque as sustentam.

    Considerando a traduo como transformao de umalngua para outra, no Captulo I examinarei a legitimao dalngua de sinais como lngua natural dos surdos pela lingsti-ca e alguns itens gramaticais dessa lngua.

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    Discutiremos, no Captulo II, as concepes tericas detrs autores sobre a traduo, com o intuito de investigar o que

    significa traduzir e quais as suas possveis respostas para os in-trpretes de lngua de sinais no que se refere a questes como:fidelidade, equivalncia e sobrevida no ato tradutrio e/ouinterpretativo.

    No Captulo III, trataremos sobre a concepo de lingua-gem a partir da relao dialgica de Bakhtin, e a forma como o

    sujeito se constitui na linguagem, no sendo nem escravo enem servo da lngua e, sim, trabalhador.

    O Captulo IV analisar a atuao do intrprete: como seconstitui o ato interpretativo a partir da compreenso que esseprofissional faz do discurso de pronunciado em Portugus e,ainda, quais os limites e abusos que ocorrem na atividade de

    interpretao.O Captulo V consiste na anlise das entrevistas realizadaspor intrpretes de diferentes estados brasileiros, comentriosque sero tecidos luz da teoria da traduo estudas no per-curso deste trabalho.

    O exerccio de traduo neste trabalho ser do Portuguspara a Lngua Brasileira de Sinais e vice-versa. Apesar de a ln-gua de sinais ser nativa, pois lngua brasileira, reconhecidaem 24 de abril de 20021 utiliz-la-ei como exemplo de tradu-o por se constituir como a minha segunda lngua. Mesmo,no sendo possvel consider-la estrangeira.

    1 Lei 10.436, de 24 de abril de 2002. Art. 1 reconhecida como meio legal de comuni-

    cao e expresso a Lngua Brasileira de Sinais Libras e outros recursos de expresso a elaassociados.

    Pargrafo nico. Entende-se como Lngua Brasileira de Sinais Libras a forma decomunicao e expresso, em que o sistema lingstico de natureza visual-motora, com estru-tura gramatical prpria, constituem um sistema lingstico de transmisso de idias e fatos,

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    A opo por uma intrpretee no por um surdo parailustrar os exemplos em lngua de sinais justifica-se pelo recor-

    te deste trabalho, ou seja, discutir o espao contraditrio doIntrprete de Lngua de Sinais ILS. Adensar e discutir o ILS a

    partir dos Estudos da Traduo de lnguas orais.

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    [...] existindo a lngua, existe tambm a traduo.(Theodor, 1976, p.14)

    Este captulo objetiva expor a questo da lngua desinais como lngua reconhecida pela lingstica.Nosso intuito demonstrar que as lnguas de

    sinais so lnguas naturais.

    (...) so uma realizao especfica da facul-dade de linguagem que se dicotomiza num siste-ma abstrato de regras finitas, as quais permitem a

    produo de um nmero ilimitado de frases. Almdisso, a utilizao efetiva desse sistema, com fimsocial, permite a comunicao entre os seus usu-rios. (Quadros e Karnopp, 2004, p.30).

    As lnguas de sinais existem de forma natural

    em comunidades lingsticas de pessoas surdas e,conseqentemente, partilham uma srie de carac-tersticas que lhes atribuem carter especfico e asdistinguem dos demais sistemas de comunicaono-verbal.

    CAPTULO I

    LNGUA DE SINAIS: GRAMTICA

    E ESCRITA

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    De fato, uma vez que Epe concebeu o projeto nobre deauto-dedicao para a educao do surdo, ele prudentemente

    observou que os surdos possuam uma lngua natural para co-municao entre eles. Como esta lngua no tinha anteceden-tes, ele se virou para entend-la, e a satisfao da sua promessaseria assegurada. Esta compreenso foi justificada pelo seu su-cesso. Ento, abb lEpe no foi o inventor ou criador destalngua; inteiramente ao contrrio, ele aprendeu esta com ossurdos, simplesmente consertou o que achou defeituoso; am-

    pliou essa lngua e lhe concedeu regras metdicas. (Desloges,1984)5

    A Lngua Brasileira de Sinais Libras como toda lnguade sinais, foi criada em comunidades surdas que se contataramentre si e a passavam ao longo de geraes. uma lngua de

    modalidade gestual-visual porque utiliza, como canal ou meiode comunicao, movimentos gestuais e expresses faciais queso percebidos pela viso para captar movimentos, principalmentedas mos, afim de transmitir uma mensagem, diferenciando-seda Lngua Portuguesa, que uma lngua de modalidade oral-audi-tiva por utilizar, como canal ou meio de comunicao, sons articu-

    lados que so percebidos pelos ouvidos.Devido a essa diferena de canal de comunicao, nor-malmente os sinais utilizados nas lnguas de sinais so entendi-dos como simples gestos. Outras vezes toda a lngua sinalizada dita como mera mmica ou pantomima. Durante muito tem-po, foi considerada e para alguns ainda o um sistema

    natural de gestos, sem nenhuma estrutura gramatical prpria ecom reas restritas de uso.

    5 Pierre Desloges, surdo francs, foi a primeira pessoa a publicar uma defesa da lngua desinais em 1779 ( aos 32 anos).

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    Entretanto, pesquisas sobre as lnguas de sinais vm mos-trando que elas so comparveis, em complexidade e

    expressividade, a quaisquer lnguas orais: expressam idias sutis,complexas e abstratas. Essa lngua viva, tem sentimentos e desen-volve a imaginao. Nenhuma outra lngua mais apropriada paraexpressar grandes e fortes emoes(Desloges, 1984). Os seus usu-rios podem no apenas discutir filosofia, literatura ou poltica,alm de esportes, trabalho, moda, como tambm utiliz-la com

    funo esttica para fazer poesias, histrias, teatro e humor.Os estudos lingsticos sobre as lnguas de sinais datam

    de 1960, quando Stokoe (1960), americano, props uma an-lise lingstica da American Sign Language (ASL) em seus as-pectos estruturais bsicos (fonolgico, morfolgico e sintti-co), o que torna as lnguas de sinais equivalentes s lnguas

    orais constitudas de gramtica prpria6

    .Segunda Souza (1998), Stokoe empenhou-se em eviden-ciar a isomorfia entre sinal e fala, valendo-se de parmetrossimilares ao do distribucionalismo. O lingista americano no-meou quirema o segmento mnimo sinalizado, correspon-dente ao fonema da fala. Segundo ele, cada morfema, unidademnima de significao, seria composto por trs quiremas: pontode articulao, configurao das mos e movimento, possuindo,cada um deles, um nmero limitado de combinaes.

    Dessa forma, as palavras sinalizadas poderiam, pois, serdecompostas e descritas conforme a combinao entre essestrs traos. Stokoe props ainda um sistema notacional para arepresentao das possibilidades de cada um dos parmetros

    6No se tem, neste trabalho, a pretenso de esgotar o assunto ou abord-lo com profundida-de; para isso h trabalhos publicados especificamente sobre gramtica da lngua de sinais(Ferreira Brito, 1995; Felipe, 2001; Quadros & Karnopp, 2004).

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    descritos. Em suas anlises, demonstrou a dupla articulaocomo aspecto lingstico presente na formao dos sinais. Na

    parte final de seu texto, discute algumas propriedadesmorfolgicas e sintticas da ASL.

    No caso dos surdos, segundo Stokoe (1986), assistematicidades presentes na linguagem de sinais teriam sidoconseqncias tanto do convvio social como das interaes

    comunicativas particulares que os surdos estabeleceram entresi por sinais que, em decorrncia do uso e de sua penetraosocial, tornaram-se mais simblicos e menos icnicos. Em seuestgio atual, interagem um sistema completo de linguagem:um sistema de ajuntamento de elementos menores em palavrase um sistema de construo de sentenas a partir daquelas

    palavras. (Souza, 1998, p. 190)

    A lngua de sinais contm todos os componentes perti-nentes s lnguas orais, como gramtica, fonologia, semntica,morfologia, sintaxe preenchendo, assim, os requisitos cientfi-cos para ser considerada instrumento lingstico de poder e

    fora. Alm de possuir todos os elementos classificatriosidentificveis de uma lngua, a libras demanda prtica para seuaprendizado, como qualquer outra lngua.

    Uma lngua nem sempre corresponde ao conceito estritoda nao, como estado constitudo politicamente. Em um mes-

    mo pas pode vigorar mais de uma lngua nacional, como ocaso da Sua e da Blgica. Em verdade, em todos os pasesonde existe uma comunidade de surdos que se comuniquempor meio da lngua de sinais h, por direito, ainda que nem

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    sempre reconhecidas oficialmente, duas lnguas em contato: aoral-auditiva e a espao-visual. (Fernandes, 2003, p.39.)

    As lnguas de sinais so diferentes umas das outras eindependem das lnguas orais-auditivas utilizadas em outrospases; por exemplo: o Brasil e Portugal possuem a mesma ln-gua oficial, o Portugus, mas as lnguas de sinais desses pasesso diferentes, ou seja, no Brasil usada a Lngua Brasileira de

    Sinais Librase, em Portugal, usa-se a Lngual Gestual Portu-guesa LGP ; o mesmo acontece com os Estados Unidos:American Sign Language ASL e a Inglaterra: BLS, alm deoutros pases. Os sinais so prprios de cada pas, ou seja, sesurdos de pases diferentes se encontrarem, provavelmente umno entender exatamente o que o outro est querendo dizer.

    Pode ocorrer, tambm, que uma mesma lngua de sinais sejautilizada por dois pases, como o caso da lngua de sinaisamericana, usada pelos surdos dos Estados Unidos e da parteinglesa do Canad (Felipe, 2001).

    Desse modo, a lngua de sinais no uma lngua univer-sal, pois adquire caractersticas diferentes em cada pas e, atmesmo, dentro das diversas comunidades de surdos de ummesmo pas. Alm da Libras, que a lngua de sinais utilizadanas comunidades surdas de diferentes cidades do Brasil, h re-gistros de uma outra lngua de sinais, utilizada pelos ndiossurdos Urubus-Kaapor, no Estado do Maranho junto ao rioGurupi. (Ferreira Brito, 1993)

    Entretanto, apesar dos traos peculiares a cada lngua, to-

    das elas possuem algumas caractersticas que as identificamcomo lngua e no linguagem, como, por exemplo, a lingua-gem das abelhas, dos golfinhos, dos macacos, enfim, a comu-nicao dos animais. (Felipe, 2001)

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    Uma das caractersticas comuns s lnguas que todasso estruturadas a partir de unidades mnimas que formam

    unidades mais complexas e todas possuem os seguintes nveislingsticos: o fonolgico, o morfolgico, o sinttico, o se-mntico e o pragmtico.

    Veremos a seguir alguns desses conceitos, discutidos e ilustra-dos nas estruturas da Libras.

    GRAMTICADA LNGUADE SINAISA Libras dotada de uma gramtica composta por itens

    lexicais, que se estruturam a partir de mecanismos morfolgicos,sintticos e semnticos, os quais, embora apresentem especifi-cidade, seguem tambm princpios bsicos gerais. Estes sousados na gerao de estruturas lingsticas de forma produti-

    va, possibilitando um nmero infinito de construes, a partirde um nmero finito de regras.

    H, tambm, componentes pragmticos convencionais,codificados no lxico e na estrutura da Libras que permitem agerao de implcitos, sentidos metafricos, ironias e outrossignificados no literais. Esses princpios regem tambm o uso

    adequado das estruturas lingsticas da Libras, isto , permi-tem aos seus usurios usar estruturas nos diferentes contextosque se lhes apresentam, de forma a corresponder s diversasfunes lingsticas que emergem da interao no dia-a-dia,bem como dos outros tipos de uso da lngua.

    FONOLOGIADA LNGUA BRASILEIRADE SINAIS

    A fonologia das lnguas de sinais estuda as configura-es e movimentos dos elementos envolvidos na produodos sinais.

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    A primeira tarefa da fonologia para a lngua de sinais determinar quais so as unidades mnimas que formam os

    sinais. A segunda tarefa estabelecer quais so os padres possveisde combinao entre essas unidades e as variaes possveis noambiente fonolgico. (Quadros e Karnopp, 2004, p. 47)

    O que denominado palavra ou item lexical nas lnguasorais-auditivas recebe, nas lnguas de sinais, o nome de sinal, o

    qual formado a partir da combinao do movimento das moscom um determinado formato em um determinado lugar, po-dendo esse lugar ser uma parte do corpo ou um espao emfrente ao corpo.

    Os articuladores primrios das lnguas de sinais so as mos,

    que se movimentam no espao em frente ao corpo e articulamsinais em determinadas locaes nesse espao. Um sinal pode serarticulado com uma ou duas mos. Um mesmo sinal pode serarticulado tanto com a mo direita quanto com a esquerda; talmudana, portanto, no distintiva. Sinais articulados comuma mo so produzidos pela mo dominante (tipicamente

    direita para destros e a esquerda para canhotos), sendo que si-nais articulados com as duas mos tambm ocorrem e apresen-tam restries em relao ao tipo de interao entre as mos.(Quadros e Karnopp, 2004, p. 51)

    Essas articulaes das mos, que podem ser comparadas

    aos fonemas e s vezes aos morfemas, so chamadas deparmetros, que, nas lnguas de sinais, so: Configurao dasMos (CM), o Movimento (M), Ponto de Articulao (PA) eOrientao (O). Alm dessas caractersticas, ainda podem ser

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    considerados os componentes no-manuais dos sinais, tais comoas expresses facial e/ou corporal, o movimento da cabea e

    do corpo. Tomamos como exemplo o sinal CERTO.

    I. CONFIGURAO DE MO (CM): A CM pode permanecer amesma durante a articulao de um sinal, ou pode ser alterada

    passando de uma configurao para outra. As configuraespodem variar apresentando uma mo pode estar configuradasobre a outra que serve de apoio, tendo esta sua prpria confi-gurao (p.ex. ESPERAR); duas mos de forma espelhada (p.ex.NASCER).

    Ferreira Brito, 1995, p.24

    ESPERAR NASCER

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    Segundo Ferreira-Brito(1995), existem 46 configuraesde mo diferentes para a Libras, e elas podem ser diferenciadas

    quanto s posies, nmero de dedos estendidos, o contato e acontrao (mos fechadas ou compactas) dos dedos. Conformequadro abaixo:

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    configurao da mo pode ser mantida constante durante aarticulao de um sinal, ou ainda pode alterar para uma outra

    configurao. Por exemplo, os sinaisEDUCAO e COSTUME tmos demais parmetros iguais (ou seja, movimentos, pontode articulao e orientao).

    II. O PONTO DE ARTICULAO (PA) o local do corpo dosinalizador onde o sinal realizado; assim, uma maior especifi-cao da posio necessria, j que a regio no espao muitoampla. Esse espao limitado e vai desde o topo da cabea ata cintura sendo alguns pontos mais precisos, tais como a pontado nariz, e outros, mais abrangentes, como a frente do trax.

    FERREIRA BRITO, 1995, p.37 e 38

    FERREIRA BRITO, 1995, p.215

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    Em situaes em que o local onde o sinal realizadono for relevante, este PA chamado espao neutro. H si-

    nais que se diferenciam somente pelo ponto de articulao, p.ex., SBADO e APRENDER.

    III. MOVIMENTO: Para que seja realizado, preciso haver um

    objeto e um espao. Nas lnguas de sinais, a(s) mo(s) doenunciador representa(m) o objeto, enquanto o espao emque o movimento se realiza a rea em torno do corpo doenunciador. O movimento pode ser analisado levando-se em

    conta o tipo, a direo, a maneira e a freqncia do sinal. Otipo refere-se s variaes do movimento das mos, pulsos eantebraos; ao movimento interno dos pulsos ou das mos(p.ex., palestra); e aos movimentos dos dedos. Quanto dire-o, o movimento pode ser unidirecional, bidirecional ou

    multidirecional. J a maneira descreve a qualidade, a tenso e a

    velocidade, podendo, assim, haver movimentos mais rpidos, maistensos, mais frouxos, enquanto a freqncia indica se os movi-

    mentos so simples ou repetidos. (Ferreira Brito, 1995; Quadros& Karnopp, 2004).

    SBADO APRENDER

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    O movimento realizado pela mo (ou mos) ou pelos dedosquando o sinal produzido. Porm, um tanto complicado fazeras observaes quanto ao movimento, pois a mo um objetoaltamente assimtrico, alm do que os eixos podem se deslocarsimultaneamente, dificultando traar o percurso. Mas os sinais,em sua maior parte, podem ser subdivididos em pequenos segmentosde movimentos, a cada um dos quais pode ser relacionado umeixo. Outra caracterstica importante para descrever o movimento a sua velocidade, que pode carregar algumas variveis durantea realizao do sinal: tenso, reteno, continuidade e refreamento.Uma caracterstica interessante, quanto ao movimento, a

    necessidade de repeties de sinais em algumas situaes (por exem-plo, para explicar mais de uma vez, ou indicar vrias coisas,como no plural), em que o movimento de um sinal precisa serreduplicado no tempo.

    IV. ORIENTAO: os sinais podem ter uma direo ou no; exis-

    tem sinais que apresentam diferentes significados apenas pelaproduo de distintas orientaes da palma da mo. Por defini-o, orientao a direo para qual a palma da mo aponta naproduo do sinal. (Quadros e Karnopp, p.59)

    PALESTRA

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    V. EXPRESSO FACIAL E/OU CORPORAL: Alm dos parmetrosconstituintes dos sinais, outros elementos complementam sua

    formao. So as expresses no-manuais nas lnguas de si-nais, mas componentes extremamente importantes para atransmisso da mensagem. Muitas vezes, para expressar real-mente o que se deseja, o sinal requer caractersticas adicio-nais: uma expresso facial, ou dos olhos, para que sentimen-tos de alegria, de tristeza, uma pergunta ou uma exclamao

    possam ser completamente representados ao receptor da men-sagem. Muitos sinais, alm dos quatro parmetros mencio-nados acima, tm tambm, como trao diferenciador em suaconfigurao, a expresso facial e/ou corporal, como os sinaisALEGRE e TRISTE.

    Atravs dos exemplos acima, em Libras e em Portugus,mostramos que as palavras da Libras tambm so constitudas apartir de unidades mnimas distintivas, correspondentes aos

    fonemas das lnguas orais. O nmero dessas unidades finitoe pequeno porque, seguindo o princpio de economia, eles secombinam para gerar um nmero infinito de formas ou pala-vras. Parte-se, assim, da concepo de que cada lngua apresenta

    ALEGRE TRISTE

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    um nmero determinado de unidades mnimas cuja funo determinar a diferena de significado de um sinal em relao a

    um outro sinal. (Quadros &Karnopp, 2004, p.84).Portanto, o lxico da Libras, assim como o lxico de qual-

    quer lngua, infinito, no sentido de que sempre comporta agerao de novas palavras. At recentemente, pensava-se que aLibras fosse pobre, porque apresentava um nmero pequenode sinais ou palavras. Entretanto, pode acontecer de uma ln-

    gua no usada em todos os setores da sociedade ou usada emuma cultura bem distinta da que conhecemos no apresentarvocbulos para um determinado campo semntico; isso, en-tretanto, no significa que ela seja pobre, pois potencialmentetem todos os mecanismos para criar ou gerar palavras para qual-quer conceito que vier a ser compreendido e posteriormente

    utilizado pela comunidade sinalizadora.Fato que pode ser comprovado com a incluso dos surdosem diversos cursos nas universidades (com a presena do intr-prete de lngua de sinais): cada qual tem acrescido os sinais apscompreender o significado dos conceitos acadmicosdisseminados nos cursos universitrios. Exemplo: MOVIMENTOSSOCIAIS7.

    7 Este sinal foi criado por uma surda do curso de Pedagogia com nfase em Educao Espe-cial da Pontifcia Universidade Catlica de Campinas-PUCCAMP.

    MOVIMENTOSSOCIAIS

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    Vale ressaltar que h restries quanto criao de novossinais, pois, a partir das unidades mnimas da Libras, no ser

    aceito um sinal quando este fugir aos padres que regem aformao de suas palavras. (...) h duas restries fonolgicas naproduo de diferentes tipos de sinais envolvendo as duas mos: acondio de simetria e a condio de dominncia. (Quadros &Karnopp, 2004, p. 78). Segundo as autoras, no que se refere simetria, no caso de o sinal ser realizado com as duas mos,

    necessrio ter a mesma CM para ambas as mos; a localizaodas mos tambm no pode variar de uma mo para a outra, eo movimento deve ser simultneo ou alternado.

    E na questo de dominncia, no caso de haver distintasCMs, a mo ativa deve produzir o movimento, e a mo passivaservir de apoio, apresentando um conjunto restrito de CMs

    (no-marcadas). Por exemplo, um sinal em que o articuladorprincipal a mo esquerda ou em que a mo direita a mode apoio no ser considerado um sinal (palavra) bem forma-do em Libras.

    TRABALHAR

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    Na combinao dos cinco parmetros, tem-se o sinal. Fa-lar com as mos , portanto, combinar devidamente estes ele-mentos que formam as palavras e estas formam as frases emum contexto.

    Todos os sinais que incorporam ao lxico utilizam osparmetros considerados gramaticais e aceitos dentro dessa ln-

    gua. Isso constitui um dos aspectos que confirmam que a Li-bras um sistema lingstico que constri a partir de regras,distanciando-a dos gestos naturais e das mmicas que no pos-suem restries para a articulao. Mesmo os sinais com inter-ferncia da lngua oral, a serem incorporados lngua de si-nais, obedecem s regras e restries de sua estrutura. (FerreiraBrito, 1995, p.36)

    SISTEMAMORFOLGICODALNGUADESINAIS.

    Morfemas so elementos mnimos carregados de sig-nificado que compem palavras, organizando-as em diver-sas categorias, segundo um sistema prprio da lngua.As lnguas de sinais, assim como as lnguas orais, possuem um

    sistema de formao de palavras.Morfologia o estudo da estru-tura interna das palavras ou sinais, assim como das regras quedeterminam a formao das palavras. A palavra morfema derivado grego morph, que significa forma.Os morfemas so unidadesmnimas de significado. (Quadros &Karnopp, 2004, p.86)

    ESPERAR

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    Os morfemas, tanto nas lnguas orais como na lngua desinais, determinam no apenas o significado bsico das palavras,

    mas tambm a idia de gnero (masculino ou feminino); de n-mero (singular ou plural); de grau (aumentativo ou diminutivo);de tempo (passado, presente ou futuro).

    ITENS LEXICAISPARA TEMPO E MARCADE TEMPO

    A Libras no tem em suas formas verbais a marca de tem-

    po como o Portugus.Dessa forma, quando o verbo refere-se a um tempo pas-sado, futuro ou presente, o que vai marcar o tempo da aoou do evento sero itens lexicais ou sinais adverbiais como ONTEM, AMANH, HOJE, SEMANAPASSADA, SEMANAQUEVEM.Com isso, no h risco de ambigidade, porque sabe-se que,se o que est sendo narrado iniciou-se com uma marca no pas-

    sado, enquanto no aparecer outro item ou sinal para marcaroutro tempo, tudo ser interpretado como tendo ocorridonopassado. Os sinais que veiculam conceito temporal, emgeral, vm seguidos de uma marca de passado, futuro oupresente da seguinte forma: movimento para trs, para o passado;movimento para frente, para o futuro; e movimento no planodo corpo, para presente. Alguns desses sinais, entretanto,

    incorporam essa marca de tempo, no requerendo, pois, umamarca isolada, como o caso dos sinais ONTEM e ANTEONTEM,ilustrados a seguir:

    ONTEM ANTEONTEM

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    Outros sinais, como ANO, requerem o acompanhamentode um sinal de futuro ou de presente, mas, quando se trata de

    passado, ele sofre uma alterao na direo do movimentode para frente para trs e, por si s, j significa ANOPASSADO.

    Exemplo:

    interessante notar que uma linha do tempo constitu-da a partir das coordenadas: passado (atrs) - presente (no pla-

    no do corpo) - futuro (na frente).

    QUANTIFICAOE INTENSIDADE

    A quantificao obtida em Libras atravs do uso de

    quantificadores como MUITO. possvel observarmos nos exem-plos abaixo com o verbo olhar, partir dos exemplos abaixo:

    a) olhar durativo realizado apenas com um dedo

    estendido; b) o sinal realizado com todos os dedos estendidos.

    FERREIRABRITO, 1995, P.60

    ANO FUTURO

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    Dessa forma, esse tipo de alterao do parmetro Confi-gurao de Mo iconicamente representa uma maior intensi-

    dade na ao ou um maior nmero de referentes sujeitos.

    Essa mudana de configurao de mos, aumentando-se

    o nmero de dedos estendidos para significar uma quantidademaior pode ser ilustrado pelos sinais:

    Olhar (pontual) Todos esto olhandoFERREIRA BRITO, 1995, P.51-52

    uma vez duas vezes trs vezesFERREIRA BRITO, 1995, p. 43

    s vezes, alongando-se o movimento dos sinais e impri-mindo-se a ele um ritmo mais acelerado, obtm-se uma maiorintensidade ou quantidade. Isso o que ocorre com os sinaisFALAR e FALARSEMPARAR, ilustrados a seguir:

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    GNERO

    No caso de gnero: para a indicao do sexo, acrescenta-se osinal de mulher ou de homem, quer a referncia seja a pessoasou a animais. Entretanto, para indicar pai e me, no neces-srio, pois h sinais prprios.

    Alm disso, os sinais podem ser simples (apenas um sinal)ou compostos (dois ou mais sinais); arbitrrios ou icnicos; ouutilizar o recurso datilolgico (alfabeto manual), quando notiver um sinal prprio.

    Falar Falar sem pararFERREIRA BRITO, 1995, P, 51-52

    MULHER HOMEM

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    ELEMENTOSDATILOLGICOS

    A datilologia um alfabeto manual para nomear objetos,palavras que ainda no existem na lngua de sinais. Ela noapenas oferece ao surdo a possibilidade de fazer nomeaes,

    demandas lingsticas de trocas com um grupo da lngua es-trangeira, mas tambm se submete lei econmica da prprialngua.

    No alfabeto manual a lngua escrita serve de base e aspalavras so digitadas atravs das mos (no Brasil s se usa

    uma mo no uso do alfabeto manual, podendo ser mo direitaou esquerda), j na Libras existe uma codificaocontextualizada em torno de smbolos/sinais que resultaro emdilogos interativos lingstico. (Vilhalva, 2004)8

    Quando no existe um sinal para determinado conceito, utilizada para soletrar palavras da lngua oral. Nesse caso, diz-seque essas soletraes so emprstimos da lngua portuguesa.

    8 Shirley Vilhalva professora surda. uma das autoras do primeiro livro de lngua de sinaisde Mato Grosso Do Sul.Libras Lngua Brasileira de Sinais com dialetos regional de MS.

    HOMEM CASA ESTUDAR =+ESCOLA

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    O alfabeto manual a mera transposio para o espao,por meio das mos, dos grafemas da palavra da lngua oral.

    Vale ressaltar que cada pas tem um alfabeto manual9.

    9 Sugiro para os interessados nesse assunto, a coleo da Revista Lngua de Sinais, Ed. Escala/SP, que em cada uma das dez publicaes que integrou a referida coleo apresenta o alfabetomanual de diferentes pases.

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    Este tambm um recurso usado para soletrar, quando, nomomento da apresentao, se pretende informar o nome das

    pessoas; ou ainda quando no se conhece o sinal do conceito,para que o interlocutor ensine o sinal pessoa que o desconhece.

    A diferena entre sinal e a soletrao manual de uma pa-lavra em portugus pode ser percebida no seguinte exemplo:INTRPRETE (INTRPRETE)

    CLASSIFICADORNALIBRAS

    Atribuir-se uma qualidade a uma coisa como, por exem-plo: arredondada, quadrado, cheio de bolas, de listras, etc., re-presenta um tipo de classificao, porque uma adjetivaodescritiva, mas isso no quer dizer que seja, necessariamente,um classificador, como este conceito vem sendo trabalhadonos estudos lingsticos.

    Para os estudiosos deste assunto, um classificador ele-mento gramatical que existe em nmero restrito e estabeleceum tipo de concordncia.

    Los predicados com classificador son um tipo de seasque parecen ser utilizadas em la mayora de las lenguas de las

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    comunidades sordas. Estas seas informan acerca de eventos oacciones, y la forma que adopta la mano al ejecutarias

    corresponden a representaciones de alguna de las personas ocosas relacionadas com esos eventos o acciones. (Oviedo, 2000,p. 61)

    Na Libras, os classificadores so configuraes de mosque, relacionadas coisa, pessoa e animal, funcionam como

    marcadores de concordncia. O classificador modifica o pr-prio nome, mas no um advrbio.

    Os classificadores tm distintas propriedades morfolgicas,so formas complexas em que a figurao de mo, o movimen-to e a locao da mo podem especificar qualidades de um

    referente. Classificadores so geralmente usados para especifi-car o movimento e a posio de objetos e pessoas ou para des-crever o tamanho em um labirinto, o sinalizador deve usarum classificador em que a configurao da mo (referindo pessoa) move-se em ziguezague para descrever um carro an-dando, o sinalizador produz uma configurao de mo emB, que se refere a veculos. Essas configuraes de mo ocor-rem em predicados que especificam a locao de um objeto(por exemplo, a posio de um relgio, uma folha de papel ouum copo) ou a forma de um objeto (por exemplo, uma varafina e comprida). (Quadros & Karnopp, 2004, p. 93)

    Assim, na Libras, os classificadores so formas que, subs-

    tituindo o nome que as precede, podem vir junto ao verbopara classificar o sujeito ou o objeto que est ligado ao doverbo. Portanto, os classificadores na Libras so marcadores deconcordncia de: PESSOA, ANIMAL, COISA.

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    Os classificadores para PESSOA e ANIMAL podem ter plu-ral, que marcado ao se representarem duas pessoas ou ani-

    mais simultaneamente com as duas mos, ou fazendo um mo-vimento repetido em relao ao nmero.

    Os classificadores para COISArepresentam, atravs da con-cordncia, uma caracterstica do objeto da ao verbal.

    No se deve confundir os classificadores que so algu-mas configuraes de mos incorporadas ao movimento de

    certos tipos de verbos com os adjetivos descritivos que, naslnguas de sinais, por estas serem espao-visuais, representamiconicamente qualidades de objetos. Por exemplo, para dizernestas lnguas que uma pessoa est vestindo uma blusa debolinhas, quadriculada ou listrada, tais expresses adjetivassero desenhadas no peito do emissor.

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    Segundo Ferreira Brito (1995), na Libras, como dificil-mente se pode falar em prefixo e em sufixo, porque os

    morfemas ou outros componentes dos sinais se juntam ao ra-dical simultaneamente, preferimos dizer que os classificadoresso afixos incorporados ao radical verbal ou nominal. Assim,nos exemplos abaixo, pode-se observar os classificadores [V eV], que, respectivamente, referem-se maneira como uma pes-soa anda e como um animal anda.

    So diversos os classificadores da Libras, dos quais mencio-namos apenas um, a ttulo de ilustrao.

    SINTAXEDALNGUADESINAIS

    Analisar alguns aspectos da sintaxe de uma lngua de sinaisrequer ver esse sistema, que espao-visual e no oral auditivo.

    FERREIRA BRITO, 1995, P.107

    ANDAR (para pessoa) ANDAR (para animal)FEREIRABRITO, 1995, p. 105

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    A organizao espacial da Libras apresenta possibilidades deestabelecer relaes gramaticais no espao, por meio de dife-

    rentes formas.Para Quadros & Karnopp (2004) no espao em que so

    executados os sinais, o estabelecimento nominal e o uso dosistema pronominal so fundamentais para as relaes sintti-cas. Em qualquer discurso em lngua de sinais, necessriohaver a definio de um local no espao de sinalizao (espao

    definido na frente do sinalizador).

    Na lngua de sinais brasileira, os sinalizadores estabelecem osreferentes associados localizao no espao, sendo que tais referentespodem estar fisicamente presentes ou no. Depois de serem introdu-zidos no espao, os pontos especficos podem ser referidos posterior-mente no discurso. (Quados & Karnopp, 2004, p. 130.)

    A base para a sinalizao no espao ir depender da pre-sena ou no do referente: caso esteja presente, os pontosno espao sero delineados a partir da posio real ocupadopelo referente; caso contrrio, sero escolhidos pontos abstra-tos no espao. (Quadros & Karnopp, 2004).

    Formas pronominais usadas com referentes presentes.

    (Quadros & Karnopp, 2004, p. 131).

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    A ORDEMBSICADAFRASE

    A sintaxe descreve a ordem e a relao entre as palavras e os

    termos da orao, caracterizando-se, em Libras, na maioria das

    vezes, pela organizao sinttica dos sinais na seguinte ordem:sujeito verbo objeto (SVO), que um dos princpios uni-

    versais possveis para a organizao das palavras na frase. (Ferreira

    Brito, 1995; Quadros & Karnopp, 2004)

    Segundo essas autoras, o estudo da descrio quanto

    relao dos elementos estruturais e das regras que regem a com-

    binao de sentenas ainda no completo na Libras; esta,entretanto, apresenta regras prprias e bsicas.

    As lnguas de sinais utilizam as expresses faciais e corpo-

    rais para estabelecer tipos de frases, como as entonaes na

    lngua portuguesa; por isso, para perceber se uma frase em Li-

    bras est na forma afirmativa, exclamativa, interrogativa, nega-

    tiva ou imperativa, precisa-se estar atento s expresses faciais e

    corporais que se realizam simultaneamente com certos sinais ou

    com toda a frase, como se pode notar nos exemplos:

    Formas pronominais usadas com referentes ausentes.

    (Quadros & Karnopp, 2004, p. 131).

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    FORMA AFIRMATIVA: a expresso facial neutra.

    FORMA INTERROGATIVA: sobrancelhas franzidas e umligeiro movimento da cabea inclinando-se para cima.

    FORMA EXCLAMATIVA: sobrancelhas levantadas e um li-geiro movimento da cabea inclinando-se para cima e parabaixo. Pode ainda vir tambm com um intensificador repre-sentado pela boca fechada com um movimento para baixo.

    Ele(a) professor(a) (Felipe, 2001, p.52)

    Voc casado? (Felipe, 2001, p.52)

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    FORMA NEGATIVA: a negao, pode ser feita atravs detrs processos:a) Com o acrscimo do sinal NO frase afirmativa:

    b) Com a incorporao de um movimento contrrio ao do sinalnegado:

    Que carro bonito! (Felipe, 2001, p.53)

    Eu no sou ouvinte. (Felipe, 2001, p.50)

    Eu no gosto. (Felipe, 2001, p.54)

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    c) Com um aceno de cabea, que pode ser feito simultanea-mente com a ao que est sendo negada, ou juntamente com

    os processos acima:

    10 A palavra sinal to polissmica como qualquer outra. Tanto pode se aplicar a elementosrepresentacionais de significados unos e estveis (como sinais de trnsito) como referir-se aitens lexicais de lnguas visomotoras, sendo, nestes casos, signos lingsticos de fato, como ossinais que compem a Libras. (Souza, 1998, p. 41)

    Eu no sou casado. (Felipe, 2001, p.54)

    Compreender a gramtica de uma lngua apreender suasregras de formao e de combinao dos elementos. Nesta intro-duo, a Libras pde ser percebida a partir de algumas classes

    gramaticais. Os estudos, j em andamento, aprofundando ospontos aqui apresentados e outros no mencionados, poderomostrar a gramtica dessa lngua.

    PALAVRASPOLISSMICAS

    Toda palavra polissmica possui vrios significados eprecisa de um contexto para ser compreendida, pois est sem- pre carregada de um contedo ou de um sentido ideolgico ouvivencial. (BAKHTIN, 2004, p.95.) Em Libras, os sinaispolissmicos podem no ter equivalentes polissmicos emPortugus e vice-versa.

    Apenas o sinal10, e no o signo lingstico, estvel e sem-

    pre idntico a si mesmo. O locutor lida com o signo em sua

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    natureza mvel e flexvel. Quanto ao interlocutor (destina-trio ou receptor), seu ato de compreenso no se reduz a

    um ato mecnico de decodificao pelo reconhecimento deuma forma lingstica dada: esse o mtodo utilizado apenaspor algum diante de uma lngua estrangeira ou que poucoconhece. No o reconhecimento, mas a compreenso do signonum contexto particular e preciso que importa ao receptor.(Souza, 1998, p.41)

    Sendo assim, s no contexto enunciativo que se defineo significado a palavra, ou, no caso da lngua de sinais, o sinal.Ento, o sentido produzidopor sinalizadores no pode ser con-siderado apenas como combinao de unidades lingsticas,mas como resultado do discurso, ou seja, da interlocuo comos que compreendem os sinais do locutor, e tm outras refe-

    rncias de conhecimento e experincia.Bakhtin (1992) d um papel destacado ao contexto social,

    na medida em que a situao social (no sentido imediato) e omeio social (no sentido amplo) determinam a enunciao (uni-dade real da cadeia verbal, para este autor). Assim, o centroorganizador da enunciao est no exterior, no meio social.

    O sinal abaixo demonstra bem a afirmao de que a lngua desinais polissmica.

    SBADO/LARANJA

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    O sinal acima pode significar SBADO ou LARANJA e ir depen-der do contexto para que se possa distinguir o seu significado

    na frase.

    ESCRITA VISUALDA LNGUA BRASILEIRADE SINAIS (SIGNWRITING)

    Em 1974, Valerie Sutton, coregrafa americana criou umsistema notacional (Dance Writing) para descrever os movi-

    mentos das danas. Esse sistema despertou o interesse dosdinamarqueses da Universidade de Copenhague, uma vez queparecia possvel utiliz-lo para escrever os sinais. Eles, ento,pediram que, com base no mesmo sistema, Valerie Suttoncriasse um sistema de escrita para a lngua de sinais. (Stumpf,2002).

    Sutton comeou a trabalhar com os surdos, e suas nota-es grficas evoluram para um sistema, o Sign Writing, quepode registrar qualquer lngua de sinais sem passar pela tradu-o da lngua falada. O fato de o sistema representar unidadesgestuais faz com que ele possa ser aplicado a qualquer lnguade sinais do mundo. Para usar o Sign Writing, preciso saberbem uma lngua de sinais. Cada lngua de sinais vai adapt-lo asua prpria ortografia (Stumpf, 2002).

    Sign Writing um sistema de escrita visual direta desinais. Ele capaz de transcrever as propriedades sublexicaisdas lnguas de sinais (i.e., os quiremas ou configuraes demos, sua orientao e movimentos no espao e as expressesfaciais associadas), do mesmo modo como o Alfabeto Fonti-co Internacional capaz de transcrever as propriedadessublexicais das lnguas faladas (i.e, os fonemas). (Capovillae Raphael, 2002, p.55)

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    Segundo Capovilla e Raphael (2002), o sistema SignWriting bem flexvel e pode ser escrito de qualquer perspecti-

    va, isto , h pesquisadores de outros pases que escolheramescrever os sinais a partir de uma perspectiva de cima parabaixo. Outros escolheram escrever a partir do ponto de vistareceptivo, quer de perfil, de frente, ou de trs quartos. E haqueles que optam por mudar de uma perspectiva para outra,dentro de um mesmo documento.

    A escrita Sign Writing no Dicionrio EnciclopdicoTrilnge escrita de uma perspectiva expressiva, como se oleitor estivesse por trs do sinalizador, repetindo exatamenteaquilo que o sinalizador faz.

    O sinalizador l e produz os sinais a partir de sua prpriaperspectiva natural. Isso permite ao leitor tornar-se o prprio

    sinalizador, no tendo necessidade de fazer diversas tentativasde compreender o sinal escrito e descobrir a qual mo, direitaou esquerda, a escrita est se referindo.

    Segundo Capovilla e Raphael (2002), na perspectiva ex-pressiva, possvel ao sinalizador escrever a face, tal como ele ofaz quando realiza o sinal. Dessa forma, as expresses faciaisso escritas da prpria perspectiva do sinalizador. Algumas ca-ractersticas principais dessa escrita so:1) Sinais escritos como se o leitor estivesse atrs do sinalizador.

    Capovilla e Raphael, 2002, p.59

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    2) Expresses faciais:

    3) Os sinais so escritos na vertical, de cima para baixo:

    4) Se a linha dos ombros for necessria, ela descrita:

    5) Formas de mo bsicas:

    Capovilla e Raphael, 2002, p.59

    Capovilla e Raphael, 2002, p.60

    Capovilla e Raphael, 2002, p.61

    Capovilla e Raphael, 2002, p.61

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    7) Alfabeto em Sign Writing

    A primeira vez que se tem registro de que o Sign Writinge a Libras foram usados conjuntamente foi noDicionrio En-ciclopdico Ilustrado Trilnge (Capovilla e Raphael, 2002). Se-gundo os autores, o propsito era mostrar um sistema de escri-ta visual de um modo suficientemente claro, para permitir aosurdo brasileiro ler e escrever sinais da Libras e empregar estaescrita como ferramenta para o registro e aperfeioamento desua lngua para, posteriormente, dar-se incio ao registro da

    histria de sua produo cultural e literria em sua prprialngua materna.

    A escrita de sinais est para ns, os surdos, como umahabilidade que pode nos dar muito poder de construo e

    6) Orientao da mo e da palma:

    Capovilla e Raphael, 2002, p.62

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    desenvolvimento de nossa cultura. Pode nos permitir tambmmuitas escolhas e participao no mundo civilizado do qual

    tambm somos herdeiros, mas do qual at agora temos ficado margem, sem poder nos apropriar dessa representao. Duran-te todos os sculos da civilizao ocidental, a escrita prpriafez falta para os surdos, sempre dependentes de escrever e lerem outra lngua, que no podem compreender bem, vivendocom isso uma grande limitao.(Stumpf, 2002, p.63)

    J se pode notar esse comeo de registro da releitura que ossurdos fazem da literatura infantil em Sign Writing: existemduas publicaes bilnges em Portugus escrito e em SignWriting , a saber: Cinderela Surda e RapunzelSurda11.

    11Os autores destas obras so: Fabiano Rosa surdo, estudante de pedagogia da ULBRA ebolsista de Iniciao Cientfica; Lodenir Karnopp ouvinte, doutora em lingstica e profes-sora na ULBRA; Carolina Hessel surda, designergrfica pela Universidade Luterana doBrasil ULBRA e professora de lngua de sinais.

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    uma lngua que est sendo usada recentemente e, como

    todas as lnguas escritas, deve sofrer conseqncias da econo-

    mia do sistema: possvel que ela mude, tornando-se mais emais formal.

    Nem todos os surdos do Brasil conhecem essa escrita, mas

    j se vem indcios dela em diversos estados brasileiros. Atual-

    mente, a escrita da lngua de sinais mais usada como ferra-

    menta da informtica. No site http://www.signwriting.org h

    todos os elementos necessrios para escrev-la.

    COMUNIDADES SURDAS

    Em todos os pases, os surdos constituem um grupo

    lingstico, o que, entretanto, no se deve migrao ou etnia,

    visto que a maioria dos surdos so filhos de pais ouvintes falan-tes da lngua majoritria. Os surdos so grupos lingsticos por

    serem falantes de uma lngua espao-visual, que sua primeira

    lngua.A lngua de sinais anula a deficincia e permite que os

    surdos constituam, ento, uma comunidade lingstica

    minoritria diferente e no um desvio da normalidade. Com a

    lngua de sinais o surdo toma a palavra. (Skliar, 1999, p. 142).Com o uso da lngua de sinais, a comunidade surda pode ser

    vista a partir dos discursos prprios. a, dentro da sua esfera

    cultural, que ela revela sua diferena, seu texto-limite, suas es-

    tratgias e sua definio.

    Dentro da comunidade dos surdos, o mundo visto comosendo dividido em mundo dos surdos e mundo dos ouvintes.

    No mundo dos surdos, os surdos no so incapazes, mas sim-

    plesmente usam uma linguagem diferente que visual/gestual.

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    A comunidade dos surdos quer ser vista como uma comu-

    nidade lingstica e cultural diferente, e no ser vista como

    diferente por causa da incapacidade. A viso de mundodominante dos surdos continua a ser o mundo como uma

    dicotomia de pessoas ouvintes e surdos. Isto necessrio

    para construir uma comunidade de surdos coesiva, auto

    consciente e orgulhosa. (Garcia, 1999, p.155 apud

    Miranda, 2001, p. 16)

    H pessoas surdas sinalizadoras em todos os estados

    brasileiros, e muitas delas vm se organizando e formando

    associaes pelo Pas, originando diferentes comunidades sur-

    das brasileiras.

    A histria do surgimento das comunidades surdas pro-vavelmente decorrncia do trabalho dos surdos vendedores

    de cartelas (santinhos com o alfabeto manual). Eram viajan-

    tes que percorriam diversas cidades brasileiras e, ao retornarem

    a sua cidade de origem, levavam na bagagem novos sinais, en-

    riquecendo seu prprio vocabulrio e dos outros surdos com

    os quais mantinham contato nas associaes de surdos, nas fes-

    tas e nos movimentos de lutas. Esses vendedores de cartelas

    so surdos que no conseguiram oralizar-se, alfabetizar-se, res-

    tando-lhes duas opes: 1) situao de isolamento, de incapa-

    cidade, de desinteresse pela vida; 2) migrao para o encontro

    com outros surdos. Provavelmente, eles tinham suas comunida-des em muitos lugares e a juntavam-se, solidariamente, aos sur-

    dos de sua regio. A migrao uma viagem de ida. No h

    morada para regressar. (Hall ,1997 apud Miranda, 2001, p.21).

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    Como acadmico, uso o termo comunidade surda por-

    que o mesmo se adapta facilmente. Mas aqui tenho de separar

    mundo surdo, comunidade surda, cultura surda. Enten-do mundo surdo como a produo de significados ou de ex-

    presso dos surdos, cultura surda como as significaes produ-

    zidas no interior da comunidade surda e porcomunidade

    surda , claramente passo a mencionar a comunidade, o mo-

    mento de encontro das pessoas surdas. Por que isto? Porque os

    surdos tm tendncia a encontrar-se com identidades iguais

    que se diluem pelo uso constante da lngua de sinais como

    forma de comunicao, como forma de expresso cultural que

    difere da expresso do ouvinte. Por exemplo, as reunies de

    diverso dos surdos raramente comportam o elemento msica,

    comportam sim as muitas horas passadas no sinalizar, na di-

    luio do contedo de suas vidas na comunicao entre seme-

    lhantes. (Miranda, 2001, p.18)

    A forma poltica de organizao das comunidades surdas

    do Brasil um acontecimento recente. Essas comunidades, em

    sua maioria, esto presentes nos grandes centros urbanos, ondeprevalece a tendncia de importar a cultura surda de outras

    regies. Segundo uma pesquisadora surda americana, uma comu-

    nidade surda um grupo de pessoas que mora em uma localizao

    particular, compartilha as metas comuns de seus membros e, de

    vrios modos, trabalha para alcanar estas metas. (Ladden, apud

    Felipe, 2001, p. 38)A diferena entre diferentes comunidades surdas encon-

    tra-se na forma como estas so politicamente organizadas.

    Alguns membros das comunidades surdas escolheram viver,

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    a partir das experincias de organizao, no convvio de ou-tros surdos, resistindo opresso e marginalizao; outros,

    entretanto, vivem colonizados pelo poder dos ouvintes, semconseguir romper de suas amordaas. (Miranda, 2000)

    Legitimar a existncia das comunidades surdas significater conscincia da representao das diferenas: cultural, his-trica e de identidade, j que, nas comunidades surdas sefazem presentes a diferena, a excluso e a discriminao, bem

    como o poder do discurso ouvintista.Tentar construir uma comunidade surda ter os dis-

    cursos produzidos nela ou que a legitimam, atravessando acultura surda. Esses atravessamentos geralmente vm, nasltimas dcadas, enfocando ou utilizando diferentes formas,das quais a mais expressiva e visvel a lngua de sinais.

    Esses so espaos comuns de lutas levantadas pelos movi-mentos surdos.Segundo Miranda12 (2001, p.18-19), h mltiplas formas

    de mencionar comunidades surdas:

    A) FAMLIASURDA: d-se a partir da unio de duas pessoas sur-das pelos laos do matrimnio. s vezes, constituda de

    pai, me e filhos surdos e, em outros casos, apenas os paissurdos. Nesta ltima situao, quando pais surdos sinaliza-dores participam da comunidade surda e concebem filhosouvintes, estes so maternados na lngua de sinais e desde atenra infncia freqentam a comunidade surda, tornando-se intrpretes primeiramente dos pais e posteriormente da

    comunidade surda que freqentam.

    12 Wilson de Oliveira Miranda pesquisador surdo (falante da Libras) do Ncleo de Pesqui-sas de Estudos Surdos NUPES da Faculdade de Educao da UFRGS.

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    B) COMUNIDADESURDAPROPRIAMENTEDITA:pode-se definir comooencontro de surdos nos movimentos surdos, nas ONGs,

    nas associaes de surdos, nas festas, nos encontros de es-colas para surdos. As comunidades surdas urbanas do Bra-sil tm como fatores principais de integrao a Libras, osesportes e interaes sociais, por isso tm uma organizaohierrquica constituda por: uma Confederao Brasileirade Desportos de Surdos-CBDS; uma Federao Nacional

    de Educao e Integrao dos Surdos FENEIS; seis Fede-raes Desportivas e, aproximadamente, cinqenta e oitoassociaes, clubes ou congregaes, em vrias capitais ecidades do interior.(FENEIS13, 2004). So, em suma, locaisque favorecem o encontro surdo-surdo.

    Os surdos, que freqentam esses espaos de Surdos, convi-vem com duas comunidades e culturas: a dos surdos e dos ouvintes,e precisam utilizar duas lnguas: a Libras e a lngua portu-guesa. Portanto, numa perspectiva antropo-scio-lingstica,uma Comunidade Surda no um lugar onde pessoasdeficientes, que tm problema de comunicao, se encontram,mas um ponto de articulao poltica e social porque, cada vez

    mais, os Surdos se organizam nesses espaos enquanto minorialingstica que luta por seus direitos lingsticos e de cidada-nia, impondo-se no pela deficincia, mas pela diferena.(Felipe, 2001, p. 64)

    neste interstcio de diferena lingstica que adentra o

    intrprete de lngua de sinais, ou seja, a traduo de duas co-munidades surda e ouvinte , propiciando o dilogo entre

    13 www.feneis.com.br. Acesso em 10 de outubro de 2004.

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    elas. Assumindo tal perspectiva, faz-se necessrio a proble-matizao desse campo em um momento histrico da prtica

    e a inexistncia de material bibliogrfico no Brasil.

    OBJETIVOS

    O fazer sempre vem acompanhado dopensar sobre o fazer.

    Benedetti, 2004, p.17.

    Este estudo tem como objetivo colaborar na produo de co-nhecimentos na rea de traduo da lngua de sinais, conside-rando ser esta uma rea em formao e, portanto, sem cursouniversitrio.

    E tambm refletir sobre o percurso dos intrpretes de ln-gua de sinais a partir de um conjunto de discusses tericasque farei nos prximos captulos.

    Nesse sentido, aproveito meu mestrado para realizar aminha prpria formao terica, ao mesmo tempo em que mevejo na situao provocativa de me haver com a tarefa de in-

    terpretar, para surdos, em diversos espaos da sociedade, espe-cialmente em ambientes educacionais.

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    CAPTULO II

    TRADUO, FIDELIDADE E SOBREVIDA

    Este captulo destina-se, sem pretenso de esgotaras possibilidadesdo assunto, a examinar algumasdefinies sobre o que significa traduzir, com afinalidade de fundamentar teoricamente o presen-

    te trabalho.Poucos so os estudos que se ocupam em re-

    fletir sobre o intrprete de lngua de sinais e, quan-do ocorrem, so sobretudo escritos por tericosda educao, que examinam o assunto para tratarda lngua de sinais como mais um recurso pedag-

    gico facilitador e mediador do processo deaprendizagem .

    Assim sendo, como primeira aproximaoterica sobre o tema geral que anima este trabalho(traduo), apresentarei as idias de trs autores.Examinarei, as idias de Paulo Rnai, Erwin

    Theodor e Jacques Derrida.Uma viso bastante difundida sobre o ato de

    traduzir que ao realizar o seu trabalho o tradutordeveria tornar-se um mero canal para permitir a

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    passagem de uma lngua para outra, como se o tradutor, fosseum mal necessrio em situao plurilnge. Ainda hoje, o

    senso comum sustenta a idia de que para traduzir basta sa-ber falar duas ou mais lnguas, a correspondncia das pala-vras, da gramtica e dos idiomatismos, ignorando a pessoa dotradutor, mantendo a iluso de uma possvel invisibilidade dotradutor no processo tradutrio.

    Alguns tericos da traduo tm analisado o processo

    tradutrio tendo em conta os sujeitos envolvidos na lnguatraduzida. Isto , a traduo ocorre de fato quando o leitorpretendido se apropriar dos conhecimentos expostos inicial-mente na obra do original. Caso a obra no seja acessvel nalngua traduzida no h razo para a traduo, pois para osleitores monoglotas, a obra no original j inacessvel.

    A comunidade interpretativa aparece como medida noprocesso de traduo, pois a compreenso do texto traduzidopelo leitor pretendido o que legitima a traduo.

    E para que essa compreenso seja eficaz preciso que otradutor ao realizar o seu trabalho saiba da importncia dese levar em conta as diferenas culturais, viso de mundo,

    expresses idiomticas e outros fatores das lnguas envolvi-das na traduo, fatores que discutiremos ao longo destecaptulo.

    Assim sendo, a traduo deixa de ser vista como um atolingisticamente mecnico, ou seja, uma simples mudanade cdigo, mas como um (des)entendimento entre dois gru-

    pos lingsticos inseridos num determinado contexto.Uma traduo no o original, assim como a recepo

    de qualquer ato de comunicao tambm no o , mas umacriao outra sobre um objeto supostamente dado.

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    QUESTESDE FIDELIDADEEM PAULO RNAI

    (...)a traduo ainda uma arte puramente emprica,

    cujos segredos cada tradutor tem de redescobrir por contaprpria (e custas dos leitores).

    (Rnai, 1952, p.24)

    Rnai, em dois de seus livros sobre traduo, Escola de Tradu-tores (1952) e a Traduo Vivida (1976), faz reflexes sobre a

    sua prtica e coloca a traduo de obras literrias acima detudo, uma arte. Enquanto tal, uma tarefa impossvel. Paraexemplificar a impossibilidade da traduo literria, ele com-para a finalidade da traduo com a finalidade do artista aoretratar a sua obra.

    O objetivo de toda arte no algo impossvel? O poeta

    exprime (ou quer exprimir) o inexprimvel, o pintor reproduzo irreproduzvel, o estaturio fixa o infixvel. No surpreen-dente, pois, que o tradutor se empenhe em traduzir ointraduzvel. (Rnai, 1952, p.3)

    Essa impossibilidade tambm se relaciona, segundo Rnai(1952), com o fato de que, ningum pensa alm do idioma

    (p.14); ou seja, h certos conceitos e significados que s po-dem fazer sentido por pessoas que falam determinada lngua.Por exemplo: o famoso trocadilho italiano: traduttori/traditoritorna-se de difcil compreenso em idiomas em que no sejapossvel fazer esse jogo com as palavras. Nesse instante, o tra-dutor j se torna traidor para significar no idioma estrangeiroo sentido do trocadilho italiano. No existe nenhuma lnguacapaz de dar conta de outra lngua, pois a lngua se apresentacomo uma formao que se fecha sobre si mesma. S dentrodela sendo possvel, talvez, exprimir o que seu modo deconstruo.(Silveira Jr.,1981:16).

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    O trocadilho italiano exprime com muita propriedade arepresentao generalizada que se tem contra a traduo. Cons-

    tantemente em textos que tratam do assunto as tradues sotidas como secundrias, precrias e um mal necessrio.

    Segundo Rnai (1952), as palavras intraduzveis de umidioma para outro podem parecer, num primeiro momento, aum tradutor desatento, o maior problema. Entretanto, no o que ocorre, pois, para palavras que no tm equivalncia tex-

    tual na lngua-alvo, possvel fazer uso de notas de rodap;alm disso, o tradutor no se ilude em realizar uma traduodesejando alcanar a fidelidade. Est claro que no possvel(con)formar a obra do original na lngua de chegada, na tenta-tiva de obter a fidelidade.

    Para Rnai (1952), a dificuldade da traduo reside justa-

    mente nas palavras traduzveis: so essas que enganam ou ali-mentam a iluso de ser possvel a fidelidade da traduo.Essa armadilha se faz presente tambm na traduo do

    Portugus para a lngua de sinais. O intrprete, ansioso por serfiel e exato, faz tradues que mudam completamente o sen-tido do Portugus, como ocorreu na seguinte situao: o in-trprete, julgando estar sendo fiel palestrante ouvinte, tra-duziu a seguinte frase:A pobreza muito sria (em Portugus),da seguinte forma:pobre srio (em lngua de sinais).

    POBRE SRIO

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    Pensa-se, geralmente, que a traduo fiel a literal. Noexemplo citado, as palavras e os sinais foram os mesmos, po-

    rm o sentido foi transformado e a traduo para a lngua desinais ficou fora do contexto da palestra.

    Falava-se sobre a educao dos surdos no Brasil, e apalestrante explicava que o problema maior no estava na sur-dez e, sim, em ser pobre, pois surdos que tiveram acesso amelhores recursos apresentavam desempenho escolar

    semelhante ao ouvinte.A traduo poderia ter sido: Pobre problema difcil.

    Segundo Rnai (1952), a fidelidade do tradutor no serelaciona somente lngua de partida, mas com as duas ln-

    guas, ou seja, a lngua de partida e a lngua de chegada. Ocompromisso de fidelidade requereria do tradutor a busca deum equilbrio entre a alteridade e a identidade com o original.Esse compromisso no se restringiria somente na relao textooriginal/tradutor, mas existiria a preocupao de ser fiel s ex-pectativas e s necessidades do leitor pretendido.

    Todavia, s se poderia falar em traduo literal se hou-vesse lnguas bastante semelhantes para permitirem ao tradu-tor que se limitasse a uma simples transposio de palavras ou

    POBRE PROBLEMA DIFCIL

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    expresses de uma para outra. Mas lnguas assim no existem,no h, nem mesmo entre os idiomas cognatos. As inmeras

    divergncias estruturais, existentes entre a lngua do originale a traduo, obrigam o tradutor a escolher, cada vez, entre

    duas ou mais solues, e em sua escolha ele inspirado cons-tantemente pelo esprito da lngua para qual traduz. (Rnai,1952, p.10)

    As dificuldades do tradutor/intrprete so constantes e noh problema de traduo definitivamente resolvido, pois as pa-lavras se apresentam em contextos diferentes que lhes alteramo sentido, alteraes que por serem muito sutis so s vezesquase imperceptveis. Assim, nosso ofcio de tradutores um co-mrcio ntimo e constante com a vida, como diz Valery Larbaud;

    no , de forma alguma, um jogo de pacincia com palavras mor-tas e fichadas para sempre. (Rnai,1952, p.8).As palavras nopossuem sentido isoladamente, mas o sentido lhes atribudopelo contexto.

    O tradutor precisa conhecer as mincias semelhantes dalngua de partida com a lngua de chegada para poder perceber

    alm do contedo estritamente lgico: traduzir a maneiramais atenta de ler (Rnai, 1952, p.31). O tradutor no devetraduzir palavra a palavra; nem pode utilizar o texto de partidacomo um tema sobre o qual improvisa livremente. O atotradutrio s acontece a partir de uma mensagem que com-preendida pelo leitor/tradutor a transforma em nova mensa-

    gem compreensvel ao leitor da lngua de chegada. SegundoPaulo Ottoni (1996), traduo a materialidade de uma leitura.

    A leitura acontecimento que revela a interveno e aintegrao do leitor com a lngua. A traduo e a leitura so

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    fenmenos complexos de construo e transformao de significados

    de sentidos que ocorrem atravs da fuso do tradutor ou leitor

    com o texto. (Ottoni, 1996, p. 19).Na abordagem estrutural e formal, a compreenso, sem

    a participao do sujeito leitor, d-se a partir da leitura con-

    cebida como um processo que retira significados previamen-

    te colocados no texto. Nesta abordagem, o sujeito aparece

    somente no momento da interpretao do texto, aps sua

    compreenso. A separao entre compreenso e interpreta-

    o, em dois distintos momentos, condio necessria para

    o estabelecimento e o fortalecimento dessa abordagem que

    concebe essa separao como constitutiva do processo de lei-

    tura e de traduo, separando, dessa forma, o sujeito do

    objeto. (Ottoni, 1996)

    Os pressupostos tericos que sustentam a abordagem

    estrutural e formal, que distingue a compreenso da interpre-

    tao e o sujeito do objeto, so os mesmos que sustentam a

    idia de que h uma inteno inicial no texto. Se h uma in-

    teno, que foi colocada no texto, porque existe um sentido

    nico que pode ser decodificado atravs de uma informao.Ou seja, em um texto, h inteno de um indivduo ou de um

    grupo, independente de quem o produziu, mas acredita-se que

    essa inteno foi sedimentada no texto e ali permanece, para

    ser recuperada pelo leitor/tradutor e, depois, transportada para

    outra lngua, quando esse mesmo significado ser recuperado

    pelo leitor pretendido, na lngua traduzida.Segundo Ottoni (1996), na abordagem ps-estruturalista

    da linguagem, possvel afirmar que compreender interpre-

    tar, isto , no h compreenso de um texto, sem a interveno

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    de um sujeito. Contrria postura anterior, que pressupeuma relao simtrica entre leitor e texto, a dessimetria leitor/

    tradutor e texto mostra que uma significao no nica.A leitura dirigida por diversos fatores, tais como expe-

    rincia e conhecimento de cada leitor e condies de produode cada texto, tanto na lngua de partida, quanto na lngua dechegada. Entretanto, isso no isenta o tradutor da busca pelosentido, ou seja, da compreenso da obra original; sem isso,

    no haveria razo para traduzir. Porm, o tradutor no poderestringir-se a buscar um nico sentido, como se estivesse pr-determinado: necessrio considerar que toda obra algo aber-to, que pode ser cortada e recortada por mltiplas leituras einterpretaes e que a traduo no deve fechar essas leituras,limitando-se a apenas uma, quando existe a possibilidade de se

    obter mais de um sentido.Assim sendo, o sentido ser construdo pelo leitor e essa

    construo estar dependente de todo o contexto scio-histricoe psicolgico, assim como esteve, com o autor, no processo deproduo da obra original e, com o leitor/tradutor, no momentoda produo do outro/mesmo texto na lngua de chegada.

    O sentido no preexiste compreenso, entretanto constitudo por ela; todavia, o tradutor mais constri,reconstri, transforma e recria do que simplesmente transportaalgo que estava a princpio imutvel no texto dito comooriginal. A traduo nos obriga a investigar detalhadamente afuno de cada palavra, esquadrinhar atentamente o sentido

    de cada frase e, finalmente, reconstruir a paisagem mental doautor e descobrir-lhe o que o autor quis dizer [...] a traduo um mundo de mincias. (Rnai,1952, p.43). Em seu livro aTraduo Vivida (Rnai, 1976, p.1) o autor define traduo

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    como [...] a reformulao de uma mensagem num idioma

    diferente daquele em que foi concebida.

    Para que isso ocorra, necessrio que a mensagem dalngua dechegada seja submetida s mesmas vicissitudes da

    mensagem pretendida no original, passando por nova expres-

    so lingstica. E no caso das lnguas de sinais, no s a mensa-

    gem do original ser transformada, mas tambm a modalida-

    de da lngua de partida passando de uma lngua oral-auditiva

    ou escrita para uma lngua visual espacial.

    Segundo Rnai (1952), as duas fidelidades, para com a

    lngua de partida e com a lngua de chegada, instituem a

    diferena que se faz a prpria razo da traduo. Se no fossem

    diversos sistemas, as culturas, os momentos histricos no

    haveria motivo paratraduzir. Mas, se no houvesse a tentati-

    va da fidelidade, ainda que em vo, com que o autor do

    original quis dizer e de encontrar meios de expresso para

    essa suposta inteno comunicativa, tambm no haveria tra-

    duo, dilogo, intertextualidade, intersubjetividade, mas to

    somente diversos discursos cruzados, desconexos e mutua-

    mente incompatveis.Sendo assim, a traduo fiel alcanada muito menos

    pela traduo literal, do que por uma substituio contnua.A

    arte do tradutor consiste justamente em saber quando pode verter

    e quando deve procurar equivalncias. (Rnai, 1952, p.13)

    Dito de outra forma, quando se deixa de pensar na tra-

    duo como uma atividade puramente mecnica, em que umindivduo conhecedor de duas lnguas vai substituindo, uma

    por uma, as palavras de uma frase na lngua A por seus equiva-

    lentes na lngua B, o papel do tradutor torna-se singularmente

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    mais importante e se transforma numa atividade seletivae reflexiva.

    Procurar equivalncia, para um tradutor, no tarefa dasmais simples, pois na lngua de chegada nem sempre h

    equivalncias absolutas: uma frase ou expresso da lngua departida normalmente pode ser traduzida de maneiras diversas,sem que haja uma forma melhor do que a outra.Haver mui-tas tradues boas, mas noa traduo boa de um original. (Rnai,

    1952, p.13).Isso porque cada um vive a lngua materna deforma nica. Vrias pessoas podem aprender uma lngua es-trangeira de uma nica forma (na mesma escola, com os mes-mos livros didticos, submetidos mesma pedagogia); entre-tanto, o mesmo no acontecer com a lngua materna. Podemosfalar vrias lnguas, mas sempre numa delas que habitamos.

    Para assimilar totalmente duas lnguas seria necessrio viverem dois mundos diferentes ao mesmo tempo.

    Normalmente, o tradutor realiza seu trabalho a partir deuma lngua estrangeira para a sua lngua materna. Ocorre, nocaso do ILS o inverso: em geral, um ouvinte14 que verte sua

    lngua materna (Portugus) para uma outra que lhe estran-

    geira (lngua de sinais), isto , o estrangeiro (intrprete) vertepara uma comunidade interpretativa uma lngua que lhe es-trangeira. Usualmente, o ILS aprende a lngua de sinais emcomunidades formadas por surdos majoritariamente, a quechamarei, genericamente, de Comunidades Surdas.

    Como existem, no Brasil, vrias comunidades surdas, que

    vivenciam a lngua de sinais de uma forma prpria (dialetos),cada intrprete ter um aprendizado nico com a lngua de

    14 Salvo os filhos ouvintes de pais surdos que so maternados na lngua de seus pais, ou seja,a lngua de sinais.

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    sinais, ou seja, no h uma lngua de sinais estabelecida comoculta, ou seja, no h escolarizao da lngua de sinais, o que

    acontece que o ensino da lngua de sinais se d em situaono formal. A aprendizagem da lngua de sinais pelo intrprete no escolar, isso diferente do que ocorre com as outraslnguas, pois s se aprende na lida com os prprios usurios.

    Dessa forma, o intrprete ir carregar as marcas das vari-aes dialetais do contexto em que aprendeu os sinais.

    Na interpretao de lnguas orais, o intrprete pode setranqilizar (mais ou menos), pelo fato de verter uma lnguaestrangeira para uma lngua materna que a dele, por ter umacerta garantia de ter tido uma aprendizagem formal e ter for-malizado essa aprendizagem atravs de testes de proficinciaoferecidos por diferentes rgos competentes e reconhecidos.

    Ele pode se sentir confortvel em fazer uma traduo aindaque para diferentes regies do Brasil.

    O mesmo no acontece com o intrprete de lngua desinais. Ele no pode ter a iluso de estar preparado ou ter asegurana de um intrprete do estado de So Paulo em realizaruma traduo compreensvel ou satisfatria para um grupo de

    surdos que pertena a outros estados brasileiros.As dificuldades da atividade tradutria reside justamente

    nos diferentes modos de olhar a realidade e as formas distintasde nome-la. Os Estudos da Traduo nos remetem a umasituao contraditria: quanto mais se sabe sobre o modo comoas pessoas se comunicam, mais se conhecem os obstculos

    traduo. Por outro lado, suponho que quanto mais o tradutorest ciente disto, melhor aprende a contorn-los de modo atentar preservar, na traduo, seno toda, pelo menos, o mxi-mo de fidelidade ao original.

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    TRADUO, VERSO E RECRIAOEM ERWIN THEODOR

    O tradutor, ao realizar o seu trabalho, deve aspirar a sermediador ideal entre o original e seu pblico, no sentido da

    mxima de Goethe:Todas as reflexes verdadeiramente inteligentes j foram feitas;

    essencial tentar faz-las de novo!(Theodor, 1976, p.10)

    Segundo Theodor (1976), todos ns realizamos, a todahora, atos de traduo voluntrios e inconscientes. Quandopassamos algum pensamento de nossa linguagem cotidiana paraa escrita, executamos um ato de converso lingstica; agimosda mesma maneira quando assistimos a um filme estrangeiro ereconhecemos, sem ajuda das legendas, expresses utilizadas

    pelos atores, ou quando lemos uma revista estrangeira ou ex-presses em outras lnguas que aparecem entremeadas no flu-xo natural de uma orao da nossa lngua. Sendo assim, a tra-duo est presente na vida de todos ns eno visa exclusivamente passagem de um sistema lingstico para outro, mas alcana atmesmo o campo do prprio idioma. (Theodor, 1976, p. 13).

    O contato social e poltico em situaes de guerra ou paz,assim como a transmisso de conhecimentos, quer cientficos, filo-sficos ou literrios, seria muito restrito, ou mesmo impossvel,se no houvesse tradutores preocupados em ampliar o conheci-mento humano, possibilitando que indivduos de determinadalngua participem das conquistas tcnicas e prticas, cientficase filosficas, artsticas e literrias dos povos de outras lnguas.

    Hoje estamos vivendo em plena poca de traduo: omundo encolheu, a distncia est morta. H uma exploso deinformaes; a globaliza