4
Thekla Hartmann (*) o ENTERRO DE CURT NIMUENDAJÚ (1883-1945) ABSTRACT The paper furnishes data on the long process that eventually led to the definitive burial of the remains of Curt Nimuendajú, deceased 1945, in a cemetery in São Paulo, Brazil. A 24 de setembro de 1981, deu-se a inumação definitiva dos restos mortais de Curt Nimuendajú, na sepultura n:' 21 da quadra IV do Cemitério do Reden- tor, situado à avenida Dr. Arnaldo, n? 1.105, na cidade de São Paulo. Seus despojos encontram-se agora ao lado do jazigo de um amigo, a quem ofere- ceu, nos idos de 7 de agosto de 1920, um exemplar do trabalho sobre os Apa- pokuva. Esse livro de encadernação antiga está entre os meus mais caros guar- dados e apresenta anotações a lápis, do próprio punho de Nimuendajú, inclu- sive uma dedicatória redigida em Belém, que diz: "Ao meu querido, velho amigo Paul Alicke, lembrança da época das visitas de índios em sua hospitalei- ra casa". Termina assim um longo processo administrativo na Universidade de São Paulo, iniciado a 7 de junho de 1978 (Proc. RUSP 17.453/78) a pedido do Se- tor de Etnologia do Museu Paulista. O processo em si apresentou lances de hu- mor negro, alguns surrealistas, mas esses ficarão sepultados na memória dos poucos que se empenharam em dar um destino, se não condigno, pelo menos decente, ao que sobrou do indivíduo Curt Nimuendajú. Supérfluo falar de Nimuendajú aos antropólogos. Falecido a 10 de de- zembro de 1945 numa aldeia tukúna perto de Santa Rita do Weil, Curt Ni- muendajú, por sua vida a favor dos índios e sua obra sobre os índios, tornou- se quase um mito na Etnologia do Brasil. Conhecem-no as velhas e as novas gerações de antropólogos; foi tema de uma série de publicações de especialistas e de leigos, sendo a mais recente o livro de cunho popular de Georg Menchént»; inspirou projetos de pesquisa do vulto de um convênio Harvard University - Museu Nacional para a investigação sistemática das populações de fala jê, que levaram à maioridade a teoria antropológica no Brasil; é exem- plo citado por correntes de ação e pensamento tão contraditórias, como gover- no, Igreja e "inteligentsia"; ainda hoje constitui preocupação central de pelo menos três dissertações ou teses. Supérfluo falar de Nimuendajú aos antropó- logos. Se a pesquisa sobre sua vida e sua obra ainda continua, não é supérfluo falar da morte e dos despojos de Nimuendajú, pelo menos para fins de docu- mentação. Lástima que se trate de um capítulo de que a comunidade científica, a mesma que tanto enaltece Curt Nimuendajú, certamente não se pode orgu- lhar. (*) Do Setor de Etnologia do Museu Paulista da USP. (I) Menchén, Georg. Nimuendajú, Bruderder Indianer. Leipzig, VEB F.A. Brockhaus, 1979, 236 pp., I mapa, numerosas ilustrações e bibliografia. - -187- Hartmann, Thekla. O enterro de Curt Nimuendajú (1883-1945). Revista do Museu Paulista, n.s., vol. 28, p. 187-190, 1981/82. http://www.etnolinguistica.org/biblio:hartmann-1981-enterro

Enterro de Curt Nimuendaju

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Hartmann 1981 Enterro

Citation preview

  • Thekla Hartmann (*)

    ara viver muito". Isto , que no faz nada. Porfamlia?

    o ENTERRO DE CURT NIMUENDAJ (1883-1945)

    .enas da vida cotidianaABSTRACT

    o Waldemar chamou ao ndio e temos dele um

    The paper furnishes data on the long process that eventually led to the definitiveburial of the remains of Curt Nimuendaj, deceased 1945, in a cemetery in So Paulo,Brazil.

    :u USO, ela uma forma)S no-verbais, como a-estabelecidas e que no) isso uma forma codi-.iliza esses elementos pa-, o ndio usa a palavra.Ido isto em homenagemaI.

    quisando, eu e a Prof"aldemar conseguiu cap-acuidade na interpreta-, preso a uma mitologiaverso mtico. Acho ques, que so uma lingua-ponto de vista esttico,Linguagem essa, comoado atravs do que co-'eparao e a cerimnia

    A 24 de setembro de 1981, deu-se a inumao definitiva dos restos mortaisde Curt Nimuendaj, na sepultura n:' 21 da quadra IV do Cemitrio do Reden-tor, situado avenida Dr. Arnaldo, n? 1.105, na cidade de So Paulo. Seusdespojos encontram-se agora ao lado do jazigo de um amigo, a quem ofere-ceu, nos idos de 7 de agosto de 1920, um exemplar do trabalho sobre os Apa-pokuva. Esse livro de encadernao antiga est entre os meus mais caros guar-dados e apresenta anotaes a lpis, do prprio punho de Nimuendaj, inclu-sive uma dedicatria redigida em Belm, que diz: "Ao meu querido, velhoamigo Paul Alicke, lembrana da poca das visitas de ndios em sua hospitalei-ra casa".

    irn esteretipo do ndio." ou como o "maucivilizao e que no se

    Termina assim um longo processo administrativo na Universidade de SoPaulo, iniciado a 7 de junho de 1978 (Proc. RUSP 17.453/78) a pedido do Se-tor de Etnologia do Museu Paulista. O processo em si apresentou lances de hu-mor negro, alguns surrealistas, mas esses ficaro sepultados na memria dospoucos que se empenharam em dar um destino, se no condigno, pelo menosdecente, ao que sobrou do indivduo Curt Nimuendaj.

    Suprfluo falar de Nimuendaj aos antroplogos. Falecido a 10 de de-zembro de 1945 numa aldeia tukna perto de Santa Rita do Weil, Curt Ni-muendaj, por sua vida a favor dos ndios e sua obra sobre os ndios, tornou-se quase um mito na Etnologia do Brasil. Conhecem-no as velhas e as novasgeraes de antroplogos; foi tema de uma srie de publicaes de especialistase de leigos, sendo a mais recente o livro de cunho popular de GeorgMenchnt; inspirou projetos de pesquisa do vulto de um convnio HarvardUniversity - Museu Nacional para a investigao sistemtica das populaesde fala j, que levaram maioridade a teoria antropolgica no Brasil; exem-plo citado por correntes de ao e pensamento to contraditrias, como gover-no, Igreja e "inteligentsia"; ainda hoje constitui preocupao central de pelomenos trs dissertaes ou teses. Suprfluo falar de Nimuendaj aos antrop-logos.

    Se a pesquisa sobre sua vida e sua obra ainda continua, no suprfluofalar da morte e dos despojos de Nimuendaj, pelo menos para fins de docu-mentao. Lstima que se trate de um captulo de que a comunidade cientfica,a mesma que tanto enaltece Curt Nimuendaj, certamente no se pode orgu-lhar.

    prpria maneira de verom selvagem. So duasno brasileira, porque,tureza, aquele bom sel-:seau pensava, mas que:> volta para a natureza.rma tecnologia avana-somos felizes voltandoeria, no caso, quando oIa desse desenvolvimen-

    a natureza e retira delaesenvolvimento popula-

    (*) Do Setor de Etnologia do Museu Paulista da USP.(I) Menchn, Georg. Nimuendaj, Bruderder Indianer. Leipzig, VEB F.A. Brockhaus, 1979,

    236 pp., I mapa, numerosas ilustraes e bibliografia.---187-

    Hartmann, Thekla. O enterro de Curt Nimuendaj (1883-1945). Revista do Museu Paulista, n.s., vol. 28, p. 187-190, 1981/82.

    http://www.etnolinguistica.org/biblio:hartmann-1981-enterro

  • No Cartrio do Judicial de Mais Ofcios Anexos de S. Paulo de Olivenaconsta, no Livro n. B-6 de Registro Especial de Ttulos e Documentos, s fls.8/v a 9, sob o n? 12, a seguinte entrada:

    "Aos dezenove dias do mes de fevereiro do ano de mil novecentos e cin-qenta e seis, nesta Vila de Santa Rita do Weil, do Municpio de So Paulo deOlivena, do Estado do Amazonas, s dez horas, no Cemitrio denominadoSanta Maria, onde for vindo o Delegado Geral de Polcia deste Municpio,Teodomiro Patrcio, comigo Escrivo de seu cargo, a presentes os peritos no-tificados Henrique Geissler e Roberto Backsmann, proprietrios, residentesnesta Vila, e as testemunhas Ricardo Geissler e Arlinda Backsmann, aqui tam-bm residentes, aos mesmos deferia o Delegado o compromisso legal, que foipor les aceito, de bem e fielmente desempenharem sua misso na exumaodos restos mortais do cientista CURT NIMUENDAJU UNCKEL. Em segui-da, a mesma autoridade intimou Antonio Lopes, morador do referido lugar, aindicar o local em que no dia onze de dezembro do ano de mil novecentos equarenta e cinco, foi sepultado o corpo do referido cientista. O ordenou entoa dita autoridade, que Ricardo Geissler e Antonio Lopes procedessem exu-mao e abertura do local ou seja da sepultura, o que fizeram com todas ascautelas, sendo pouco e pouco removida a terra. Descoberto o caixo que erade madeira e que se encontrava envadido por um lenol d'gua, aberto que foi,retiraram os restos mortais encontrados que constou de: Calota Craniana, doisfemor, massa enceflica apresentada slida consistncia, uma gravata e umpar de botinas, que foi reconhecido pelos pontos como sendo do mesmo faleci-do de que se trata, de nacionalidade alem, naturalizado brasileiro, nascidoem mil oitocentos e oitenta e tres (1883), na Alemanha, ento domiciliado emBelm do Par, tendo vindo em estudo no local onde falecera, e cuja Identida-de desse modo constataram, do que para constar lavrei o presente auto de Exu-mao de restos mortais, que lido e achado conforme vai por todos assinados erubricados.

    "Aos 19 de abril de 1958 realizou-se no Museu Paulista a Sesso Soleneda Sociedade Brasileira de Sociologia convocada especialmente para a cerim-nia de transladao dos restos mortais de Curt Nimuendaj' para uma urna fu-nerria, mandada fazer pela Sociedade no tipo de uma igaaba, cuja guarda confiada ao Museu Paulista at que se construa, junto a herma em homena-gem ao grande etnlogo, a cripta onde dever ser recolhida.

    O Dr. Herbert Baldus, Diretor do Museu Paulista, abriu a sesso e passoua Presidncia ao Dr. Fernando de Azevedo, Presidente da Sociedade Brasileirade Sociologia, que depois de proferir algumas palavras sbre o significado dareunio, deu a palavra ao Prof. Egon Schaden para, em nome da Sociedade,entregar a urna funerria guarda do Museu. Em seguida, a palavra foi dadaao Prof. Harald Schultz, antigo aluno de Curt Nimuendaj que falou sbre apersonalidade de seu antigo mestre. O Prof. Herbert Baldus encerra a sesso,

    .....-1 .......

    ( ... ) So Paulo de Olivena, 11 de Setembro de 1957".

    Nos arquivos mortos do Setor de Etnologia foi encontrado o seguinte do-cumento:

    CURl

    Sepultura n. 21 da quadran.

    -188-

  • no de mil novecentos e cin-Municpio de So Paulo deno Cemitrio denominadole Polcia deste Municpio,, a presentes os peritos no-n, proprietrios, residentesinda Backsmann, aqui tam-compromisso legal, que foiTI sua misso na exumaoAJU UNCKEL. Em segui-rorador do referido lugar, a10 ano de mil novecentos ecientista. O ordenou entoLopes procedessem exu-que fizeram com todas asescoberto o caixo que eraiol d'gua, aberto que foi,I de: Calota Craniana, doistncia, uma gravata e ummo sendo do mesmo faleci-alizado brasileiro, nascidonha, ento domiciliado eme falecera, e cuja Identida-rei o presente auto de Exu-te vai por todos assinados e

    '{os de S. Paulo de Olivena.tulos e Documentos, s fIs.

    e 1957".

    encontrado o seguinte do-

    LI Paulista a Sesso Soleneiecialmente para a cerim-iendajpara uma urna fu-ma igaaba, cuja guarda mto a herma em homena-'ecolhida.

    :ta, abriu a sesso e passouite da Sociedade Brasileira-ras sbre o significado da1, em nome da Sociedade,eguida, a palavra foi dadauendaj que falou sbre at Baldus encerra a sesso,

    CURT NIMUENDAJU (1883 - 1945)

    Sepultura n. 21 da quadra IV do Cemitrio do Redentor, Avenida Dr. Amaldo,n. 1.105, em So Paulo, Capital.

  • agradecendo a presena do Sr. representante do Secretrio da Educao doGoverno do Estado de So Paulo, bem como das autoridades e professorespresentes e entregando ao Presidente da Sociedade Brasileira de Sociologia,para que fique no Arquivo da Sociedade, a certido da exumao dos restosmortais de Curt Nimuendaj, expedida pelo Cartrio do Juzo Municipal deSo Paulo de Olivena, do Estado do Amazonas a 25 de setembro de 1957, Re-gistro do Auto de Exumaco constante do Livro n? 6 ff. 8v a 9. So Paulo,19 de abril de 1958".

    CONTRI

    HENRY

    Os nomes constantes do documento so os de Herbert Baldus, Fernandode Azevedo, Moacyr Expedito Vaz Guimares (representante do MinistroPaula Lima, Secretrio da Educao), Fernando Altenfelder Silva, A.C. deMello e Souza, Egon Schaden, Dante Moreira Leite, Aziz Simo, FernandoHenrique Cardoso, Octvio lanni e Renato Jardim Moreira.

    E a urna e os despojos de Nimuendaj ficaram desde ento no MuseuPaulista, s portas do Setor de Etnologia. A igaaba foi violada, um tapetinhovermelho esgueirou-se para seu interior, a cera de numerosas velas escorreu pe-lo granito polido, e durante 23 anos antroplogos visitantes, nacionais e es-trangeiros, fitaram-na compadecidos ou com revolta nos olhos. Diariamente aurna lembrava ao Setor de Etnologia do Museu Paulista do que valem as ex-presses 'de respeito a um grande pesquisador.

    Depois de 3 anos de viagens pelos labirintos da burocracia, o processo deinumao definitiva engordou em 49 folhas, mas Curt Nimuendaj, falecidoem 1945, exumado em 1956, recolhido a uma igaaba em 1958, foi sepultadoem 1981.

    Sem cerimnias, sem discurso nem solenidade. Simplesmente.

    First information aboutFerreira during his 1783-17~ar the University of Coimbrthe collection attributed to

    Em 1968, Otto Zerriestrumental para a aspiraojas esculpidas com motivoqueolgico do complexo nltre os Maw do rio Tapaj6:nexo entre a Floresta Trc

    Por seu turno, o pesqianos o uso de alucin6genmtrabalhos sobre o assuntoTal interesse levou-o Melra tomar o tabaco paric, rfevereiro de 1786, na localMemria, o sbio baiano cViagem Philosophica de r,impressionante riqueza demar o pari c, as ocasies eria a artefatos efetivamentenfatizou em duas ocasie:Rodrigues Ferreira, larnensn, 1970 e 1981).

    Tinha razo o etnlognida por um homem de cinho naturalista ao Brasil.

    Grande parte dos artesua memorvel viagem, neboratrio Antropolgico dLisboa em 1806 (Gouveia,

    Com o intuito de evoc

    ( *) Etnloga do Museu Paulist:(**) Do Museu e Laboratrio A

    -190-