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Ensinar ciências físico-químicas no ensino básico
Uma análise sociológica do programa do 8º ano
Adélia F. Lopes Escola Secundária Camões Ana Maria Morais Centro de Investigação em Educação Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa
Versão pessoal revista do texto final do artigo publicado em: Revista de Educação, X (1), 139-159 (2001). Homepage da Revista de Educação: http://revista.educ.fc.ul.pt/
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Ensinar ciências físico-químicas no ensino básico Uma análise sociológica do programa do 8º ano
Adélia F. Lopes Escola Secundária Camões
Ana Maria Morais Centro de Investigação em Educação
Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa
INTRODUÇÃO
A reforma curricular é o vector principal de qualquer reforma educativa, não havendo,
portanto, reforma do sistema educativo sem uma reforma curricular. O estudo que se
apresenta neste artigo relaciona-se com a Reforma do Sistema Educativo de 1991, e
refere-se a uma análise do programa de Ciências-Físico-Químicas (CFQ), do 8º ano de
escolaridade, em vigor no ano lectivo de 1995.
Num contexto mais específico, insere-se numa recente e ampla investigação,
desenvolvida no âmbito do Grupo ESSA (Estudos Sociológicos da Sala de Aula), que se
centra na análise de textos pedagógicos (programas, manuais, lei de bases) da actual
reforma e reformas anteriores para analisar o seu significado e também o grau de
recontextualização ocorrido. Assim, têm sido feitas análises diversificadas que
permitiram comparar textos da actual reforma (1991) com textos da reforma precedente
(1975)1.
Usando como objecto de estudo o Discurso Pedagógico Oficial (DPO) expresso no
programa de CFQ do 8º ano de escolaridade, da actual Reforma do Sistema Educativo,
pretendemos caracterizar a mensagem sociológica veiculada por esse programa. Esta
análise do programa de CFQ, de cariz sociológico, foi feita com base na teoria do
discurso pedagógico de Bernstein (Bernstein, 1990, 1996; Domingos et al, 1986).
Recorreu-se fundamentalmente à análise de conteúdo como metodologia de
investigação.
A análise do conteúdo2 do programa de CFQ incidiu nos aspectos que dizem
respeito ao contexto de transmissão-aquisição, quer na componente instrucional quer na
componente reguladora do DPO, e centrou-se em dois aspectos: o que o Ministério da
Educação legitima como DPO e que diz respeito aos conteúdos e relações a serem
2
transmitidos e o como, que diz respeito à forma de transmissão desses conteúdos e
relações (Domingos et al, 1986).
Neste estudo, ao fazermos a análise de o que do DPO expresso no programa
pretendemos, apenas, ver que discursos (regulador geral, instrucional específico e
regulador específico) e que competências (cognitivas e sócio-afectivas, simples e
complexas) propõe o Ministério (ME) que sejam desenvolvidos no processo ensino-
aprendizagem. Na análise de o como do DPO expresso no programa pretendemos ver
que relações entre conhecimentos (relações intradisciplinares e interdisciplinares), que
relações entre a Escola/comunidade (relações espaço da escola/espaço da comunidade,
relações entre conhecimento académico/não académico e relações entre a comunidade e
a escola, a nível de sujeitos) são consideradas importantes pelo ME para o ensino-
aprendizagem e também que teoria de instrução é proposta pelo ME (relação
professor/aluno). A análise centra-se assim, no que e no como preconizado pelo
Ministério da Educação e não no que realmente se vem a passar na sala de aula e que
corresponde a recontextualizações feitas pelos autores de compêndios escolares e pelos
professores.
Na descrição do estudo começa-se por apresentar o seu enquadramento teórico.
Seguidamente refere-se a metodologia usada e apresentam-se e analisam-se os dados.
Por fim, apresentam-se as conclusões e discutem-se os resultados do estudo. Uma
descrição mais pormenorizada do estudo pode encontrar-se em Lopes (1998).
A importância do estudo pode ser equacionada sob a perspectiva de contribuir para
o corpo de resultados da investigação no domínio da análise sociológica de textos
pedagógicos, já que são relativamente escassos os estudos desta natureza.
2. ENQUADRAMENTO TEÓRICO
Dentro do amplo quadro conceptual da teoria de Bernstein (1990, 1996) foi possível
fazer a análise sociológica da mensagem veiculada pelo programa de C.F.Q. do 8º ano
de escolaridade.
O modelo do discurso pedagógico de Bernstein, apresentado na Figura 1, mostra
3
Campo Internacional
CAMPO DO
ESTADO
PRINCÍPIOS DOMINANTES
(DRG)
Campo de Recontextualização Oficial
DISCURSO PEDAGÓGICO OFICIAL
(DPO)
Campo de Recontextualização Pedagógica
DISCURSO PEDAGÓGICO DE REPRODUÇÃO
Campo do
Controlo Simbólico
Campo da
Produção
Nív
el I
G
era
ção
Nív
el I
I R
eco
nte
xtua
liza
ção
P R O D U Ç Ã O D O D P
que o Campo do Estado influi e recebe influências do Campo Internacional. Por outro
lado, o Campo do Estado influencia quer o campo de Controlo Simbólico, onde se
produz o conhecimento relacionado com as diferentes áreas do saber, quer o Campo da
Produção que diz respeito à produção de bens e serviços e à distribuição e circulação de
capital económico (empresas, fábricas). Estes campos influenciam, por sua vez, o
Campo do Estado. É no Campo do Estado que se produz o discurso oficial do Estado,
que constitui o Discurso Regulador Geral – DRG (expresso em textos legais como
constituições políticas, leis de bases, decretos, diplomas e discursos políticos).
Figura 1 – Modelo de produção e reprodução do discurso pedagógico de Bernstein (Adapt. Domingos et al, 1986, p. 296)
O DPO é uma expressão dos princípios dominantes da sociedade que são gerados ao
nível do Campo do Estado e, posteriormente, recontextualizados no Campo de
Recontextualização Oficial, que inclui o Ministério da Educação e suas agências.
Assim, como resultado dessa recontextualização oficial do DRG, resulta o Discurso
4
Pedagógico Oficial – DPO. Estamos, pois, perante uma recontextualização que integra
os princípios dominantes, dando forma à produção de DPO.
As insatisfações existentes ao nível do Campo da Produção por sentir, por exemplo,
que a escola não prepara convenientemente os alunos para a vida activa, e ao nível do
Campo do Controlo Simbólico, através da verificação de que os currículos não
transmitem determinados conteúdos e capacidades, podem ser determinantes, pela
influência que exercem na tomada de iniciativa por parte do Campo do Estado que,
através do Campo de Recontextualização Oficial, pode promover a implementação de
uma reforma no Sistema Educativo. As modificações podem surgir, também, pela
insatisfação directa do Campo do Estado, que através do Campo de Recontextualização
Oficial, pode igualmente conduzir à implementação de reformas do Sistema Educativo.
As modificações podem surgir ainda devido a pressões do Campo Internacional. Assim,
por motivos económicos, sociais ou políticos, aspectos como a forma de progressão dos
alunos e o número de anos de escolaridade obrigatória podem ser alterados e ainda o
que devem e como devem os alunos aprender. As Reformas Educativas têm a sua
origem no campo de recontextualização oficial, em Portugal o Ministério da Educação.
O DPO incorpora directrizes sobre a organização e gestão escolares, currículos,
sistemas de avaliação. Estas directrizes reflectem a formação política e científica do
corpo de agentes a quem for destinada a tarefa de execução dessa recontextualização.
Neste processo, a principal actividade dos campos de recontextualização leva à
produção de um texto oficial em que é definido o que do DP, que se refere a conteúdos
e relações a serem transmitidos, isto é, à classificação do discurso, e o como do DP, que
se refere à forma de transmissão dos conteúdos e relações, isto é, ao enquadramento do
discurso (Domingos et al, 1986). O discurso pedagógico é definido pela relação DI/DR
em que DI corresponde ao discurso instrucional (discurso de competências relativas a
uma dada disciplina ou área disciplinar), DR corresponde ao discurso regulador
(discurso de ordem, relação e identidade) e o traço significa a incorporação do DI no
DR, com o domínio deste sobre aquele (Domingos et al, 1986). O DI controla a
transmissão, aquisição, e avaliação do conhecimento indispensável à aquisição de
competências especializadas; o DR regula a transmissão-aquisição de normas de
conduta social (valores, atitudes, condutas, comportamentos). O discurso pedagógico
veicula, como mensagem sociológica, determinadas relações de poder e de controlo
entre as categorias discursos, espaços e sujeitos, que reflectem, em maior ou menor
5
grau, consoante a recontextualização sofrida, as relações legitimadas no DRG
subjacente.
A existência destas diferentes categorias pressupõe relações de poder entre elas,
levando à definição de fronteiras mais ou menos acentuadas, o que, segundo Bernstein,
é traduzido pelo conceito de classificação. A classificação (C) é um conceito que
«quantifica» as relações de poder (Antunes, 1991, p.21). A classificação pode variar, o
que significa que pode tomar valores fortes (C+) ou fracos (C-). Uma classificação forte
indica que há um forte isolamento entre categorias, enquanto uma classificação fraca
indica um débil isolamento entre as mesmas. Por outro lado, as diferentes categorias
estabelecem entre si e dentro de si relações de comunicação cujo controlo é traduzido
pelo conceito de enquadramento. A existência de comunicação entre as diferentes
categorias, e ainda dentro de cada categoria, pressupõe relações de controlo. O
enquadramento (E) é um conceito que «quantifica» essas relações de controlo (Antunes,
1991, p.21). O enquadramento pode variar, o que significa que pode tomar valores
fortes (E+) ou fracos (E-). Um enquadramento forte indica um controlo centrado na
categoria que detém o poder, isto é, hierarquicamente com uma posição mais elevada,
enquanto um enquadramento fraco indica um controlo partilhado pelas diferentes
categorias envolvidas na comunicação. O discurso pedagógico pode ser traduzido por
uma gama variável de valores de classificação e de enquadramento (entre valores fortes
a valores fracos) relativamente às categorias sujeitos, discursos e espaços. Diferentes
valores de classificação e de enquadramento dão origem a modalidades distintas de
código pedagógico. A prática pedagógica específica que ocorre na sala de aula
corresponde à realização de um determinado código pedagógico.
Em qualquer situação de prática pedagógica, isto é, de transmissão-aquisição, a
relação entre sujeitos é regulada pelas regras hierárquicas e pelas regras discursivas.
As regras hierárquicas são princípios que regulam as regras de conduta social e
relacionam-se com o modo como é concretizada a hierarquia entre os sujeitos
envolvidos na interacção. São inerentes à prática reguladora específica que está presente
em qualquer prática mesmo quando ocorre a transmissão-aquisição de um discurso
instrucional. Podemos ter relações de enquadramento mais forte (controlo posicional ou
imperativo) ou mais fraco (controlo pessoal). As regras discursivas são regras relativas
à transmissão-aquisição do discurso e são, de acordo com Bernstein, a selecção, a
sequência, a ritmagem e os critérios de avaliação. São inerentes à prática instrucional
6
específica através da qual se realiza a transmissão-aquisição de conhecimentos e de
competências quer do domínio cognitivo quer do domínio sócio-afectivo. A selecção diz
respeito a quem (transmissor ou aquisidor) selecciona o quê (conteúdos, objectivos,
estratégias, processos de avaliação); a sequência diz respeito a quem (transmissor ou
aquisidor) estabelece a ordem relativamente a algo (conteúdos, objectivos, estratégias,
processos de avaliação); a ritmagem diz respeito a quem (transmissor ou aquisidor)
estabelece a relação entre a quantidade de assuntos a serem transmitidos (conteúdos,
objectivos, estratégias, processos de avaliação) e o tempo necessário para os adquirir; os
critérios de avaliação dizem respeito a quem (transmissor ou aquisidor) estabelece o
texto legítimo, podendo, portanto, ser explícitos ou implícitos.
Relativamente a qualquer destas regras (selecção, sequência, ritmagem e critérios de
avaliação) o respectivo controlo pode estar fundamentalmente centrado no transmissor
ou no aquisidor, o que vai corresponder, a valores fortes ou a valores fracos de
enquadramento. Se o enquadramento for forte, então o poder do professor é explícito e
estamos em presença de uma teoria de instrução de natureza didáctica, centrada no
transmissor. Se o enquadramento for fraco, então o poder do professor é implícito e
estamos em presença de uma teoria de instrução de natureza auto-reguladora, centrada
no aquisidor. Podem ainda ocorrer situações em que a par de regras exclusivamente
controladas pelo transmissor há outras cujo controlo é também permitido ao aquisidor
(Morais, Neves e Fontinhas, 1998).
O programa de uma dada disciplina representa um texto oficial produzido pelo
ministério da Educação (agência do campo de recontextualização oficial). A análise que
se desenvolve do programa de CFQ do 8º ano de escolaridade incide na parte relativa ao
contexto de transmissão-aquisição e está centrada em dois aspectos: o que o Ministério
da Educação legitima como DPO e que diz respeito aos conteúdos e relações a serem
transmitidos e o como que diz respeito à forma de transmissão desses conteúdos e
relações. Neste estudo, ao fazermos a análise de o que do DPO expresso no programa
pretendemos, apenas, ver que discursos (regulador geral, instrucional específico e
regulador específico) e que competências (cognitivas e sócio-afectivas, simples e
complexas) propõe o ME que sejam desenvolvidos no processo ensino-aprendizagem.
Na análise de o como do DPO expresso no programa pretendemos ver que relações
entre conhecimentos (relações intradisciplinares e interdisciplinares), que relações entre
a Escola /comunidade (relações espaço da escola/espaço da comunidade, relações entre
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conhecimento académico/não académico e relações entre a comunidade e a escola, a
nível de sujeitos) são consideradas importantes pelo ME para o ensino-aprendizagem.
Pretendemos também analisar a teoria de instrução proposta pelo ME (relação
professor-aluno). A figura 2 representa o diagrama destas relações.
Que discursos?
Que competências?
o que do DPO
Que teoria de Que relações entre
instrução? o como do DPO conhecimentos?
Que relações entre Escola/comunidade?
PROPÕE O MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
Figura 2 - O que e o como do DPO e os seus parâmetros de análise
A caracterização de qualquer contexto sociológico de ensino-aprendizagem, em
termos de poder e de controlo, passa pela análise das relações sociológicas entre as
categorias discursos, agentes e espaços, presentes em qualquer processo de transmissão-
aquisição. Neste contexto de análise está-se a centrar a atenção nas práticas instrucional
e reguladora preconizadas no programa. Na relação entre sujeitos a análise contempla
as interacções professor-alunos ao nível das regras discursivas e as interacções
Escola/comunidade, ao nível do contexto instrucional. Na relação entre discursos a
análise contempla as formas de interacção entre conhecimento académico e não
académico, entre os conhecimentos da disciplina considerada e os conhecimentos de
outras áreas disciplinares – relação interdisciplinar e entre diferentes assuntos da mesma
disciplina – relação intradisciplinar – ao nível do contexto instrucional. Na relação entre
espaços a análise contempla as interacções espaço da escola-espaço da comunidade, ao
nível do contexto regulador.
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Considerámos, para orientação do estudo que, a nível do contexto instrucional, a
relação entre os sujeitos Escola/comunidade e a relação entre conhecimento
académico/conhecimento não académico, e que, a nível do contexto regulador, a relação
espaço da escola/espaço da comunidade, definem a Relação Escola/comunidade; a
relação entre conhecimentos da mesma disciplina, a nível do contexto instrucional, e a
relação entre conhecimentos da disciplina considerada e conhecimentos de outras áreas
disciplinares, a nível do contexto instrucional, definem a Relação entre conhecimentos;
a relação professor/aluno ao nível das regras discursivas e do contexto instrucional,
definem a Teoria de instrução. A Figura 3 mostra as relações consideradas no estudo,
na análise de o como.
RELAÇÃO ENTRE SUJEITOS (contexto instrucional)
Escola/comunidade (C)
Professor-aluno (E) Regras discursivas: Selecção
Sequência
Ritmagem
Critérios de avaliação
RELAÇÃO ENTRE DISCURSOS (contexto instrucional)
Interdisciplinar (C)
Intradisciplinar (C) Relação entre conhecimentos
Académico/não académico (C E)
RELAÇÃO ENTRE ESPAÇOS (contexto regulador) Relação Escola/comunidade
Espaço da escola/espaço da comunidade (C)
Figura 3 - As diferentes relações de análise de o como, consideradas no estudo
Para as relações indicadas podem definir-se relações de controlo (enquadramento) e
relações de poder (classificação) que caracterizam as mensagens veiculadas pelo
programa. Nas relações professor-aluno e nas relações professor-pais a classificação é,
em geral, forte, o mesmo não se passando com o enquadramento, que pode apresentar
uma gama de valores. Entre as várias disciplinas do currículo e entre os vários
Teoria de instrução
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conteúdos de uma dada disciplina podem existir fronteiras mais ou menos nítidas, o que
traduz uma diferente classificação. Entre o conhecimento académico e o conhecimento
não académico as fronteiras são, em geral, nítidas, podendo, no entanto, variar o grau de
enquadramento. Entre os espaços da escola e da comunidade pode haver diferentes
graus de classificação. Por estas razões a análise que se desenvolve centra-se no
enquadramento nas relações professor-aluno3, na classificação nas relações inter e
intradisciplinares e na relação entre espaços e na classificação e no enquadramento nas
relações escola-comunidade.
3. METODOLOGIA
O programa de uma dada disciplina representa um texto oficial produzido pelo
Ministério da Educação (agência do campo de recontextualização oficial). Neste artigo
analisa-se o discurso pedagógico expresso no texto do programa de CFQ do 8º ano de
escolaridade. A análise realizada enquadra-se, do ponto de vista metodológico, no
paradigma qualitativo/interpretativo. Através de uma análise de conteúdo, de todos os
excertos4 do programa, procedemos à análise da mensagem expressa no conteúdo do
programa que estivesse relacionado com o contexto de transmissão-aquisição5.
Para proceder à análise daquela mensagem foram construídos quadros gerais6: um
quadro que se refere à parte comum e que engloba todos os tópicos ou subtópicos que
tratam de aspectos comuns à Física e à Química dos 8º e 9º anos e um outro quadro que
se refere à parte específica e que engloba todos os tópicos ou subtópicos que tratam de
aspectos específicos da Física e da Química do 8º ano, contendo todos os excertos do
programa que seriam objecto de análise, à excepção do tópico relacionado com a
avaliação. Todos os excertos foram numerados e indicou-se, à frente de cada um, a área
correspondente, medida através do número total de caracteres constituintes do excerto.
Neste estudo, considerou-se também os excertos que, sendo comuns a todo o currículo
dos 2º e 3º ciclos do ensino básico, se aplicam igualmente à disciplina de CFQ do 8º ano
e que constituem a parte curricular do programa (Lopes, 1998)7.
Indicou-se para cada excerto, no instrumento de registo da análise, a classificação
que resultou da análise, quer da parte comum aos 8º e 9º anos, quer da parte específica do
10
8º ano, inicialmente realizada por duas investigadoras e, posteriormente, validada por
duas outras investigadoras8. O instrumento de registo de análise usado neste estudo, já
tinha sido testado, aquando da sua utilização em outros estudos. Com base neste
instrumento obtiveram-se os Quadro gerais, B e C, já referidos, que serviram de base ao
registo de análise dos discursos (DRG, DIE e DRE), competências e relações na sala de
aula. Os quadros foram organizados de forma a mostrar, para cada excerto, o seu
significado teórico em função das categorias analisadas – discursos e competências,
relação escola-comunidade, relação entre conhecimentos e teoria de instrução (Figura 4).
RUBRICAS
DO PROGRAMA
FRASES DISCURSOS E COMPETÊNCIAS RELAÇÃO ESCOLA-
COMUNIDADE
RELAÇÃO ENTRE CONHECIMENTOS
TEORIA DE INSTRUÇÃO
DRG
DIE DIE DRE Interdisciplinar Intradisciplinar
DRE CS CC SAS SAC C++ E++
C+ E+
C – E –
C++ C+ C – C++ C+ C – E++ E+ E –
Figura 4 – Quadro de Registo
Relativamente à análise global foi usado um asterisco (*) quando o excerto foi
considerado ambíguo relativamente ao que estava a ser analisado e um ▬ quando o
excerto não permitia qualquer interpretação quanto à análise em causa. Quando o
excerto permitia fazer a análise da ênfase, relativamente à categoria Discursos e
competências, recorreu-se ao uso de X colocado na coluna referente ao DRG, se o
excerto se referia ao macronível educacional; ou assinalando a ênfase atribuída ao DIE
e/ou ao DRE, na coluna respectiva DI e/ou DR, se o excerto se referia ao micronível
educacional. Competências do DIE e/ou do DRE9 foram também assinaladas com X,
na(s) coluna(s) respectiva(s).
Quando o excerto permitia fazer a análise da ênfase atribuída à relação Escola-
comunidade e teoria de instrução foi usada uma escala de enquadramento com três
graus E++, E+, E-: E++ quando o excerto não fazia referências explícitas a qualquer das
relações em causa; E+ quando o excerto evidenciava a presença de relação, embora de
forma pouco explícita ou precisa; E- quando o excerto fazia referências explícitas a
11
qualquer das relações em causa. Da mesma forma, foi utilizada uma escala de
classificação, C++, C+, C -, indicando presença ou ausência de fronteiras, quando o
excerto permitia fazer a análise da relação Escola-comunidade e da relação entre
conhecimentos.
A partir da classificação dos excertos referentes ao programa geral para os 2º e 3º
ciclos do ensino básico e ao programa de CFQ do 8º ano – aspectos comuns ao 9º ano
de escolaridade e aspectos específicos, organizaram-se outros quadros, de forma a
permitir aprofundar a análise do programa.
Criaram-se cinco categorias de análise: A – Finalidades do currículo (Introdução do
currículo, Objectivos do currículo e Princípios orientadores da acção pedagógica); B –
Estrutura do currículo (Estrutura curricular e Componentes dos programas de ensino);
C – Finalidades da disciplina de CFQ (Introdução à disciplina de CFQ, Finalidades da
disciplina de CFQ, Objectivos gerias da disciplina de CFQ, Objectivos específicos de
Física e Objectivos específicos de Química); D – Conteúdos programáticos da
disciplina de CFQ (Conteúdos da disciplina de CFQ, Conteúdos de Física e Conteúdos
de Química) e E – Orientações metodológicas para a disciplina de CFQ (Orientação
metodológica da disciplina de CFQ, Sugestões metodológicas para a Física e Sugestões
metodológicas para a Química).
As categorias A e B referem-se ao programa geral dos 2º e 3º ciclos do ensino
básico, isto é, à parte curricular do programa (adaptação de trabalho já realizado),
enquanto que as categorias C, D e E se referem, de modo global, à parte comum e à
parte específica do programa de CFQ do 8º ano, isto é, aos aspectos relacionados com a
disciplina de CFQ.
Com o objectivo de obter elementos sobre a extensão do texto contido no
programa elaborou-se um quadro onde se indica para cada uma destas categorias de
análise (A, B, C, D e E) e, dentro de cada categoria, para cada um dos tópicos do
programa, o número e percentagem de excertos e a área por eles ocupada e a
respectiva percentagem.
Foram ainda elaborados outros quadros contendo, não só para a globalidade do
programa, mas também para cada uma destas categorias de análise e, dentro de cada
categoria, para cada um dos tópicos do programa, os seguintes dados: (a) número (e
12
respectiva percentagem) de excertos que contêm indicações sobre discursos e
competências e ainda a área (e respectiva percentagem) ocupada por esses excertos; (b)
número e área de excertos classificados como dando ênfase aos vários discursos e
competências e ambíguos e respectivas percentagens e com os seguintes dados: (c)
número ( e respectiva percentagem) de excertos que contêm indicações sobre: relação
Escola-comunidade, relação interdisciplinar entre conhecimentos, relação
intradisciplinar entre conhecimentos e teoria de instrução; (d) número e área de excertos
classificados como E++, E+ e E- e/ou C++, C+ e C- e de excertos ambíguos e
respectivas percentagens (Lopes, 1998).
A título de exemplo, transcrevem-se alguns excertos, para categorias distintas do
programa, que ilustram a presença, no texto do programa, dos diferentes discursos e
competências e das várias relações consideradas. Cada excerto é seguido da
indicação do quadro de que faz parte e do número de ordem nesse quadro, tal como
se encontra em Lopes 1998. Esse procedimento destina-se a facilitar a consulta do
texto original.
Discursos e competências
Esta análise refere-se às intenções e princípios gerais do sistema educativo ou aos
conhecimentos e competências a desenvolver no processo ensino-aprendizagem,
expressos nos excertos.
E. ORIENTAÇÕES METODOLÓGICAS PARA A DISCIPLINA DE CFQ/ ORIENTAÇÃO METODOLÓGICA DA
DISCIPLINA DE CFQ.
DRG
Todo este processo problematizador à partida, deverá desenrolar-se numa procura e exploração
permanentes, alimentando e, por isso, incrementando a curiosidade e suscitando a interrogação constante.
Deste e doutros modos se ajuda a formar um cidadão cientificamente culto e não apenas um cidadão
informado. (Excerto 53, Quadro B)
Interpretação
O excerto faz referências que se situam ao nível das grandes intenções do sistema educativo, nomeadamente
13
quando é referido que se ajuda a formar um cidadão culto e não apenas um cidadão informado.
DIE (CC)
Desta forma será assegurado aos alunos a possibilidade de pesquisarem e seleccionarem individualmente
a informação mais relevante sobre uma questão que lhes interessa, ou que é num dado momento
fundamental para uma dada tarefa, promovendo-se nos alunos o desenvolvimento de competências na
área de recolha, selecção e uso da informação, competências essas de inestimável valor pela vida fora.
(Excerto 132, Quadro B).
Interpretação
O excerto faz referências explícitas a competências do domínio cognitivo complexas (CC) como a
pesquisa e a selecção de informação.
DRE (SAC)
No sentido de fomentar a aquisição e desenvolvimento de atitudes de autonomia, do sentido de
responsabilidade, da cooperação e do respeito mútuo, torna-se fundamental incentivar os alunos a
participarem na organização e gestão das várias actividades de aprendizagem. (Excerto 87, Quadro
B).
Interpretação
O excerto faz referências explícitas a competências sócio-afectivas complexas (SAC) como a autonomia,
a responsabilidade, a cooperação, o respeito mútuo.
DIE/DRE (CS, CC, SAC)
Acresce, ainda, que a organização do ensino por áreas temáticas não limitadas ao ambiente directo diário
dos alunos permitirá aumentar o domínio real de aplicabilidade dos conhecimentos, estimulará um
desenvolvimento cognitivo estruturado de acordo com os interesses dos jovens, facilitará o processo de
memorização partindo de problemas do quotidiano e da sua relação com os conhecimentos científicos
relevantes para a compreensão e explicação daqueles e, finalmente, permitirá contribuir para a percepção
do papel que cada indivíduo tem de desempenhar na vida do dia-a-dia face à sociedade, tanto no presente
como no futuro. (Excerto 58, Quadro B).
Interpretação
O excerto faz referência explícita a competências do domínio cognitivo simples (CS) como a
memorização, a competências cognitivas complexas (CC) como a compreensão e explicação dos
problemas do quotidiano e a competências sócio-afectivas complexas (SAC) como a cooperação.
14
Relação Escola/comunidade
Esta análise refere-se às relações que se estabelecem entre o conhecimento
académico/não académico e entre a Escola e outros órgãos da comunidade, quer a nível
de espaços, quer a nível de sujeitos.
C. FINALIDADES DA DISCIPLINA DE CFQ/ OBJECTIVOS GERAIS
C++ E++
Adquirir procedimentos e métodos inerentes à forma como a Física e a Química analisam e estudam os
fenómenos e situações.
Exemplos: Seleccionar e usar técnicas, aparelhos e materiais adequados a uma actividade
experimental/prática, observando as regras de segurança necessárias; analisar dados e interpretar
observações experimentais; utilizar correctamente processos de medição; fazer previsões; planear e
realizar investigações, etc. (Excerto 20, Quadro B)
Interpretação
O excerto faz referência, apenas, ao conhecimento escolar, significando pois que, na relação
conhecimento académico/conhecimento não académico, os conhecimentos são apresentados de forma
totalmente isolada.
C+ E+
Adquirir competências e práticas de recolha, selecção, interpretação, organização e apresentação da
informação, visando simultaneamente o domínio da língua materna.
Exemplos: Descrever de forma rigorosa, objectiva e com correcção linguística e científica, actividades
experimentais, pequenas investigações, visitas de estudo ou outros trabalhos; tratar e apresentar dados e
resultados de forma diversificada, usando gráficos, tabelas, quadros, etc.; recolher e analisar informação a
partir de fontes diversificadas, etc. (Excerto 22, Quadro B)
Interpretação
O excerto faz referência vaga à relação escola/outros orgãos da comunidade, quer a nível de sujeitos quer
a nível de espaços, quando refere a realização de visitas de estudo.
C- E-
Adquirir saberes e práticas que lhe permitam lidar com situações quotidianas que envolvam
conhecimentos científicos ou produtos tecnológicos.
Exemplos: Descrever e explicar como é que a água aquece numa chaleira; ser capaz de fazer reparações
15
simples em material eléctrico; montar uma ficha de corrente, ser capaz de determinar as causas de um
curto-circuito em casa; ser capaz de planear e pôr em prática medidas para diminuição do consumo de
energia ou da poluição sonora, saber calcular distâncias de segurança na estrada, saber orientar-se com
uma bússola e um mapa, interpretar rótulos de produtos alimentares, actuar em casos de corrosão,
controlar a velocidade de transformações desejáveis ou indesejáveis, tomar precauções adequadas no caso
de produtos de uso doméstico tóxicos ou inflamáveis, etc. (Excerto 21, Quadro B)
Interpretação
O excerto faz referência explícita a actividades que estabelecem relações entre os conhecimentos da
disciplina de CFQ e conhecimentos do quotidiano, como interpretar rótulos de produtos alimentares ou
tomar precauções adequadas no caso de usar produtos de uso doméstico tóxicos ou inflamáveis. Isto
sugere que, na relação conhecimento académico/conhecimento não académico, os conhecimentos são
apresentados de forma largamente integrada.
Relação entre conhecimentos
Nesta análise considerou-se, apenas, as relações entre conhecimentos e não as relações entre
as competências. Foi contemplada a relação interdisciplinar e a relação intradisciplinar.
• Relação interdisciplinar
Esta análise refere-se às relações que se estabelecem entre os conhecimentos da
disciplina de CFQ e os conhecimentos de outras disciplinas do currículo.
A articulação possível entre os conhecimentos de Física e os conhecimentos de
Química no programa não foi entendida como uma forma de interdisciplinaridade,
porque aquelas áreas do conhecimento fazem parte da mesma disciplina.
E. ORIENTAÇÕES METODOLÓGICAS PARA A DISCIPLINA DE CFQ/ ORIENTAÇÕES METODOLÓGICAS DA
DISCIPLINA DE CFQ
C++
É importante sublinhar que, ao trabalhar uma área temática, os alunos devem adquirir conhecimentos de
Física úteis e com significado actual, devem apreender os fundamentos necessários à compreensão do
mundo que os rodeia e devem adquirir alguns processos básicos de trabalho científico, a par de
competências de tratamento de informação, em geral. (Excerto 59, Quadro B)
16
Interpretação
O excerto só refere conhecimentos da disciplina de CFQ, isto é, é omisso quanto aos conhecimentos de
outras disciplinas do currículo, o que significa que, na relação interdisciplinar, os conhecimentos são
apresentados de forma totalmente isolada.
C+
A título meramente ilustrativo apresenta-se uma sugestão de uma organização possível para uma área
temática. Uma área temática poderá começar com um período de orientação ou introdução sobre a relação
entre domínios específicos da Física e contextos da vida diária. Durante este período poderá descrever-se
como é que os conhecimentos científicos podem ser úteis no uso de aparelhos técnicos, na compreensão
de um assunto de natureza científico-social ou tecnológica, ou ainda para tomar decisões como
consumidor. Estas relações deverão aparecer reflectidas numa questão central que define o «cenário» para
toda a área e que servirá de critério de escolha dos conhecimentos e competências a desenvolver nessa
área temática. (Excerto 70, Quadro B)
Interpretação
O excerto refere conhecimentos de outras áreas do saber, nomeadamente quando refere “a compreensão
de um assunto de natureza científico-social ou tecnológica”, significando pois que, na relação
interdisciplinar, os conhecimentos são apresentados de forma algo isolada.
C-
Entende-se aqui como um ensino temático, tematizado ou por áreas temáticas, um ensino que tem como
ponto de partida temas exteriores á disciplina que possam dar significado prático aos assuntos científicos
tratados nessa disciplina. Significa ainda um tipo de ensino que cobre diferentes conhecimentos e
processos, cuja sequência não é idêntica ao ensino tradicional centrado nas estruturas básicas da Física.
Os temas podem centrar-se mais em aspectos de natureza científica, social, tecnológica ou histórica ou,
ainda, combinar todos ou alguns destes aspectos; além destes, pode acontecer que seja necessária, em
certos temas, a abordagem de conhecimentos de outras disciplinas, como, por exemplo, de Biologia ou
Geografia. (Excerto 56, Quadro B)
Interpretação
O excerto contém referências explícitas aos conhecimentos de outras disciplinas do currículo como a
Biologia ou a Geografia, significando que, na relação interdisciplinar, os conhecimentos são apresentados
de forma largamente integrada.
• Relação intradisciplinar
Esta análise refere-se às relações que se estabelecem entre os conhecimentos
17
relativos à disciplina de CFQ ou à abrangência, ou não, dos conhecimentos.
A articulação possível entre os conhecimentos de Física e de Química, no programa,
foi entendida como uma forma de intradisciplinaridade, dado que aquelas áreas do
conhecimento fazem parte da mesma disciplina.
E. ORIENTAÇÕES METODOLÓGICAS PARA A DISCIPLINA DE CFQ/ ORIENTAÇÕES METODOLÓGICAS DA
DISCIPLINA DE CFQ
C++
Assim, frases como, por exemplo, «durante a ebulição aumenta apenas a energia potencial molecular»
deverão ser substituídas por explicações mais simples como «é necessário transferir energia para que um
líquido evapore (passe do estado líquido ao estado de vapor) e essa energia é novamente transferida para
o ambiente quando o líquido arrefece e condensa (passa do estado de vapor ao estado líquido)». Este
último tipo de explicação, além de mais simples, é também mais útil para explicar não só fenómenos de
vaporização e condensação, como também por que é que a temperatura durante a noite não desce muito
abaixo do ponto de orvalho, por que é que não faz tanto frio junto da costa como no interior, etc (Excerto
76, Quadro B)
Interpretação
O excerto não expressa quaisquer relações entre conhecimentos da disciplina de CFQ, significando pois
que, na relação intradisciplinar, os conhecimentos são apresentados de forma totalmente isolada.
C+
Entende-se aqui como um ensino temático, tematizado ou por áreas temáticas, um ensino que tem como
ponto de partida temas exteriores á disciplina que possam dar significado prático aos assuntos científicos
tratados nessa disciplina. Significa ainda um tipo de ensino que cobre diferentes conhecimentos e
processos, cuja sequência não é idêntica ao ensino tradicional centrado nas estruturas básicas da Física.
Os temas podem centrar-se mais em aspectos de natureza científica, social, tecnológica ou histórica ou,
ainda, combinar todos ou alguns destes aspectos; além destes, pode acontecer que seja necessária, em
certos temas, a abordagem de conhecimentos de outras disciplinas, como, por exemplo, de Biologia ou
Geografia. (Excerto 56, Quadro B)
Interpretação
O excerto faz referência a um ensino temático e, portanto, consideramos que há relações simples entre os
conhecimentos que fazem parte da área temática; isto significa que, na relação intradisciplinar, os
conhecimentos são apresentados de forma algo integrada.
18
C-
Contudo, qualquer que seja a forma de abordagem escolhida, o planeamento e a organização do ensino
devem ser feitos tendo em conta as ideias prévias dos alunos, quer adquiridas através do ensino
precedente quer através das suas experiências pessoais. Deverá, ainda, tanto quanto possível, procurar-se
que os alunos contactem com uma longa lista de fenómenos naturais e da vida quotidiana e possam
explicá-los com um número cada vez menor de conceitos e leis físicas, estabelecendo a sua interligação,
de forma a adquirirem uma visão global razoavelmente ordenada e coerente dos conhecimentos
científicos. Tal facto deve significar que os alunos deverão interpretar um grande número de fenómenos
físicos e não apenas ouvir falar deles ou ler sobre eles. Os conceitos, leis, e modelos deverão constituir
ferramentas conceptuais que os alunos devem adquirir de forma a interpretar situações variadas e tendo
em conta o maior número possível de contextos. (Excerto 62, Quadro B)
Interpretação
O excerto faz referência explícita à aquisição de “conceitos, leis e modelos a ser usados como ferramentas
conceptuais para fazer interpretações variadas, tendo em conta o maior número possível de contextos” o
que pressupõe relações entre os diferentes conteúdos da disciplina de CFQ; isto significa que, na relação
intradisciplinar, os conhecimentos são apresentados de forma algo integrada.
Teoria de instrução
Na análise desta dimensão, considerámos apenas a relação professor-aluno sob o ponto
de vista das regras discursivas (selecção, sequência, ritmagem e critérios de avaliação).
Geralmente, os excertos não são suficientemente elucidativos para que se possa
analisar cada uma das regras discursivas e, por isso, a atribuição dos graus da escala é
feita em termos globais da teoria de instrução. O excerto poderá expressar a teoria de
instrução ao nível macro ou ao nível micro.
E. ORIENTAÇÕES METODOLÓGICAS PARA A DISCIPLINA DE CFQ/ ORIENTAÇÕES METODOLÓGICAS DA
DISCIPLINA DE CFQ
E++
Qualquer que seja a forma de trabalho escolhida, os alunos deverão saber previamente o trabalho que
terão de realizar e deverão percepcionar por que é que têm de realizar uma determinada actividade,
investigação ou experiência de laboratório, com base numa informação conceptual mínima prévia. Poderá
19
começar-se por clarificar aos alunos quais os objectivos do trabalho, a extensão deste e o tipo de
participação que se espera deles na escolha e delimitação do estudo. Nestas condições, os alunos podem
participar melhor e aprofundar os detalhes mais significativos para eles, favorecendo a memorização e a
transferência dos conceitos ou leis aprendidos para outros contextos. Neste sentido, os alunos devem ser
incentivados a equacionar as suas tarefas e a reflectir sobre elas, sob a forma de questões do tipo: «Preciso
de aprender isto porque...», «Esta actividade é necessária porque...», «Temos de construir isto porque...»,
«Vamos utilizar três aulas a investigar... porque...», «Podemos procurar referências sobre tal assunto nos
jornais porque...», «Temos de preparar o material para arranjar os placards sobre o trabalho de...», «É
necessário procurar saber qual o melhor material a utilizar na...», etc. (Excerto 64, Quadro B)
Interpretação
O excerto refere que os critérios devem estar bem explícitos. Portanto o processo ensino-aprendizagem
está exclusivamente centrado no transmissor, não conferindo qualquer margem de controlo ao aluno.
E+
Numa situação ideal, a selecção de áreas temáticas e a sua sequenciação durante o ciclo de estudos
deveriam ser feitas exclusivamente pelos professores em função dos interesses dos alunos, escola ou
região. No entanto, dada a necessidade de prevenir uma preparação básica comum a todos os alunos que
terminem a escolaridade básica e de obviar a possíveis desajustamentos ocasionados por transferências
interescolas de alunos, procedeu-se a uma selecção de áreas temáticas obrigatórias para os 8º e 9º anos.
Contudo, foi considerada vantajosa e estimulante para alunos e professores a existência de áreas temáticas
opcionais e de alguns conteúdos opcionais dentro das várias áreas temáticas. (Excerto 42, Quadro B)
Interpretação
O excerto refere que ao nível macro a selecção e sequenciação das áreas temáticas deviam ser feitas
exclusivamente pelos professores, mas em função dos interesses dos alunos. Este facto indica que o aluno
tem alguma intervenção na selecção e na sequência das áreas temáticas e, portanto, os alunos têm uma
razoável margem de controlo.
E-
Saliente-se, ainda, que, na organização ou planeamento de actividades experimentais ou práticas, é
importante ter em conta as características de cada aluno, não permitindo que os alunos mais brilhantes
liderem o ritmo de trabalho. (Excerto 98, Quadro B)
Interpretação
O excerto refere que aos alunos deve ser dado o tempo necessário para atender ao seu ritmo de trabalho,
quando realizam as suas actividades na sala de aula. O processo ensino-aprendizagem está
fundamentalmente centrado no aquisidor, isto é, o aluno tem uma larga margem de controlo nesse
processo.
20
Com base nos dados obtidos procedeu-se a uma análise da mensagem do
programa de CFQ do 8º ano, em vigor no ano de 1995, quer na sua globalidade, quer
ao nível de cada uma das diferentes categorias consideradas, quer, ainda, ao nível de
cada uma das categorias consideradas e das suas partes específicas: a Física e a
Química.
4. APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS
Os dados resultantes da análise do programa estão expressos nos gráficos das figuras
5, 6, 7, 8, 9, 10. Embora tenhamos considerado, na análise dos excertos, a sua
frequência e a sua área, as análises referidas foram feitas em função do número de
excertos (em termos percentuais ou não), pois, em termos comparativos, a
frequência e a área dos excertos, de modo geral, mostram uma variação semelhante.
Os gráficos que se apresentam mostram apenas as percentagens, para o programa
global, para a Física e para a Química, de cada um dos aspectos considerados. A
percentagem de casos ambíguos e ainda os dados por categorias são referidos na
análise, embora, de modo a não sobrecarregar o texto, não se tenham incluído os
gráficos respectivos (ver Lopes, 1998).
4.1 Análise do programa de Ciências Físico-Químicas do 8º ano de escolaridade em
termos de extensão
A análise do programa de CFQ do 8º ano em vigor em 1995, quando se considera a
totalidade do texto nele expresso (Figura 5), mostra que a categoria mais enfatizada
é a E (Orientações metodológicas para a disciplina de Ciências Físico-Químicas)
(39,3% do texto global do programa), sendo, portanto, ao nível da categoria E que os
autores do programa usaram de maior explicitação. Salienta-se, ainda, que a
explicitação é maior quando as Sugestões metodológicas se referem aos conteúdos
do programa relacionados com a Física (16,2%), do que com os conteúdos
relacionados com a Química (5,5%). Pelo contrário a explicitação dos objectivos
específicos de Física é menor (11,3%) do que a explicitação dos objectivos
específicos de Química (17,8%). Relativamente aos conteúdos programáticos da
21
Física e da Química, verificamos que o grau de explicitação para a Física e para a
Química é idêntico. A categoria menos enfatizada quando se considera a totalidade
do texto do programa é a B (Estrutura do Currículo).
Figura 5 – O programa de ciências físico-químicas do 8º ano de 1995, quando se considera a extensão
das finalidades, dos conteúdos programáticos e das orientações metodológicas
4.2 Análise do programa de CFQ, de acordo com os parâmetros considerados no
estudo.
4.2.1 Discursos e competências
Com base nos dados referidos na Figura 6 e considerando a globalidade do texto do
programa, verificamos que o DRG é bastante menos enfatizado (13,5%) que o(s) DIE
e/ou DRE (86,5%), o que nos permite dizer que a ênfase está centrada, sobretudo, nos
discursos específicos. Relativamente às categorias consideradas, verificamos que é a
categoria B (Estrutura do Currículo) que dá mais ênfase ao DRG (90,0%), sendo
seguida pela categoria A (Finalidades do Currículo) (53,4%). A categoria que dá menos
ênfase ao DRG é a categoria E (Orientação Metodológica para a Disciplina) (0,4%).
Podemos concluir que as categorias que dizem respeito a aspectos curriculares (A e B)
dão muito menos ênfase ao DRG.
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
90%
Global Física Química
Fre
quên
cia
(%)
Orientações metodológicas
Conteúdos programáticos
Objectivos específicos
22
Figura 6 – O programa de ciências físico-químicas do 8º ano, de 1995, quando se considera os excertos com DRG, DRE e DIE
Ainda com base nos dados referidos na Figura 6, verificamos que dos excertos que
dão ênfase a discursos, 78,2% dão ênfase ao DIE. Relativamente às categorias
consideradas, verificamos que é a categoria C (Finalidades da Disciplina) que dá mais
ênfase ao DIE (95,8%), sendo seguida pela categoria D (Conteúdos Programáticos da
Disciplina) (88,3%). A categoria que dá menos ênfase ao DIE é a categoria B (Estrutura
do Currículo) (9,5%). Podemos concluir que as categorias que dizem respeito a aspectos
curriculares (A e B) dão menos ênfase ao DRG, enquanto que as categorias mais
directamente ligadas à disciplina (C, D e E) dão muito mais ênfase ao DIE.
Mais uma vez, com base nos dados referidos na Figura 6, verificamos que o DRE é
muito menos enfatizado (14,6%) face ao DIE (78,2%), o que nos permite dizer que a
ênfase recai, sobretudo, no DIE. Considerando uma análise por categorias, verificamos
que é a categoria A (Finalidades do Currículo) que dá mais ênfase ao DRE (27,5%). A
categoria que dá menos ênfase ao DRE é a categoria D (Conteúdos Programáticos da
Disciplina) (6,7%). Constata-se que, de modo geral, as categorias que dizem respeito a
aspectos curriculares (A e B) e as categorias mais directamente ligadas à disciplina (C,
D e E) dão idêntica ênfase ao DRE.
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
90%
100%
110%
Global Física Química
Fre
quên
cia
(%)
DIE
DRE
DRG
23
Com base, nos dados referidos na Figura 7, e considerando a totalidade do
programa, verificamos que às Competências cognitivas simples (CS) é dada mais ênfase
(57,5%) que às Competências cognitivas complexas (CC) (42,5%).
Figura 7 – O programa de ciências físico-químicas do 8º ano, de 1995, quando se considera os excertos com CS, CC, e SAS, SAC
Considerando uma análise por categorias, verificamos que a categoria que dá
mais ênfase a competências cognitivas simples (CS) é a categoria C (Finalidades da
Disciplina) (71,5%) e a categoria que dá menos ênfase a competências cognitivas
simples (CS) é a B (Estrutura do Currículo) (0,0%). Constata-se que as categorias
que dizem respeito a aspectos curriculares (A e B) dão menos ênfase às CS,
enquanto que as categorias mais directamente ligadas à disciplina (C, D e E) dão
mais ênfase às CS. A categoria que dá mais ênfase a competências cognitivas
complexas (CC) é a D (Conteúdos Programáticos da Disciplina) (66,0%) e a que dá
menos ênfase a competências cognitivas complexas é a B (Estrutura do Currículo)
(0,0%). Relativamente às CC, constata-se que, de modo geral, as categorias que dizem
respeito a aspectos curriculares (A e B) e as categorias mais directamente ligadas à
disciplina (C, D e E) dão idêntica ênfase às CC. Em todas as categorias, com excepção
da B (Estrutura do Currículo), alguns excertos dão, simultaneamente, ênfase a
competências cognitivas simples (CS) e competências cognitivas complexas (CC).
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
90%
100%
110%G
loba
l
Fís
ica
Quí
mic
a
Glo
bal
Fís
ica
Quí
mic
a
Fre
quên
cia
(%)
CS/ SAS
CC/ SAC
Competênciascognitivas
Competênciassocio-afectivas
24
Ainda com base nos dados referidos na Figura 7 e considerando a totalidade do
programa, verificamos que às Competências sócio-afectivas simples (SAS) é dada
muito menos ênfase (17,8%) que às Competências sócio-afectivas complexas (SAC)
(68,3%).
Considerando uma análise por categorias, verificamos que a categoria que dá
mais ênfase a competências sócio-afectivas simples (SAS) é a categoria D
(Conteúdos Programáticos da Disciplina) (50,0%) e a categoria que dá menos ênfase
a competências sócio-afectivas simples (SAS) é a B (Estrutura do Currículo) (0,0%).
Constata-se que as categorias que dizem respeito a aspectos curriculares (A e B) dão
menos ênfase às SAS, enquanto que as categorias mais directamente ligadas à
disciplina (C, D e E) dão muito mais ênfase às SAS, tal como acontecia com as CS.
A categoria que dá mais ênfase a competências sócio-afectivas complexas (SAC) é a
E (Orientação Metodológica para a Disciplina) (76,9%) e as que dão menos ênfase a
competências sócio-afectivas complexas são a B (Estrutura do Currículo) (25,0%) e
a D (Conteúdos Programáticos da Disciplina) (25,0%). Relativamente às SAC,
constata-se que, de modo geral, as categorias que dizem respeito a aspectos
curriculares (A e B) e as categorias mais directamente ligadas à disciplina (C, D e E)
dão idêntica ênfase às SAC, tal como acontecia com as CC. É de salientar que em
todas as categorias, com excepção da B (Estrutura do Currículo), os excertos dão,
simultaneamente, ênfase a competências sócio-afectivas simples (SAS) e a
competências sócio-afectivas complexas (SAC).
Com base nos dados das Figuras 6 e 7 e, considerando, agora, as duas áreas
específicas do programa: a Física e a Química, incluindo, portanto, os Objectivos
específicos, os Conteúdos programáticos e as Sugestões metodológicas respectivos,
podemos chegar às constatações que se seguem.
Os objectivos específicos, os conteúdos programáticos e as sugestões
metodológicas da Física e da Química não dão ênfase ao DRG, enquanto que ao DIE
dão uma ênfase muito superior à que dão ao DRE, sendo esta, também, a tendência
manifestada pela globalidade do programa;
A globalidade do texto específico da área científica de Física atribui uma ênfase
superior às competências cognitivas simples (CS) (65,7%), relativamente às
25
competências cognitivas complexas (CC) (37,6%), seguindo pois a tendência
manifestada pela globalidade do programa. O mesmo se passa com a globalidade do
texto específico da área de Química, que atribui às competências cognitivas simples
(CS) uma ênfase de 71,3% e às competências cognitivas complexas (CC) uma ênfase
de 32,8%.
Quanto às competências sócio-afectivas, os programas de Química e de Física
não atribuem ênfases do mesmo tipo: a globalidade do texto específico da área
científica de Física atribui uma ênfase superior às competências sócio-afectivas
complexas (SAC) (77,7%), relativamente às competências sócio-afectivas
complexas (SAS) (22,2%), de acordo com a tendência manifestada pela globalidade
do programa. Pelo contrário, a globalidade do texto específico da área científica de
Química atribui uma ênfase superior às competências sócio-afectivas simples (SAS)
(75,0%), relativamente às competências sócio-afectivas complexas (SAC) (25,0%),
contrariando a tendência manifestada pela globalidade do programa.
4.2.2 Relação Escola-comunidade
Considerando a globalidade do texto do programa, verificámos que 81,4% dos
excertos do programa contêm informações sobre a relação Escola-comunidade,
apresentando as categorias que dizem respeito a aspectos curriculares (A e B) menos
informações sobre esta relação, que as categorias mais directamente ligadas à
disciplina (C, D e E).
Aprofundando a análise, e com base nos dados referidos na Figura 8,
constatamos que a globalidade do texto do programa manifesta grande omissão
relativamente à relação Escola-comunidade (54,9%), já que em 54,9% dos excertos
não são referidas relações entre o conhecimento académico/não académico e/ou
entre a Escola e outros órgãos da comunidade, quer a nível de espaços, quer a nível
de sujeitos. Esta grande omissão é sobretudo patente nas categorias relacionadas
com a disciplina (C, D e E), já que apresentam uma elevada percentagem de excertos
C++ E++ (64,5%, 37,0% e 57,1%, respectivamente), relativamente às categorias
relacionadas com os aspectos curriculares do programa (A e B) que apresentam uma
menor percentagem de excertos C++ E++ (14,7% e 31,3%, respectivamente). É,
26
pois, ao nível curricular que se dá mais realce a esta relação.
Figura 8 – O programa de ciências físico-químicas do 8º ano, de 1995, quando se considera a natureza
dos excertos do programa com relação Escola-comunidade
Apenas em 27,5% dos excertos a referência à relação é perfeitamente explícita,
apresentando as categorias A (Finalidades do Currículo) e D (Conteúdos
Programáticos da Disciplina) o grau mais elevado de explicitação da relação Escola-
comunidade, respectivamente, 44,1% e 42,6%.
Considerando, ainda, os dados referidos na Figura 8, verificamos que as áreas
específicas do programa, quer de Física, quer de Química, manifestam uma larga
omissão face à relação Escola-comunidade, já que a área específica de Física
apresenta 62,4% excertos C++ E++ e a área específica de Química apresenta 72,2%
excertos C++ E++. O grau de omissão, relativamente a esta relação é, nas duas
áreas, superior ao apresentado pela globalidade do programa.
Mais concretamente, na área específica de Física é, pois, mais patente a relação
entre a Escola e a comunidade, que na área específica de Química. Isso verifica-se,
quer a nível dos Objectivos, e sobretudo das Sugestões metodológicas, em que a
percentagem de excertos C++ E++ é para a Física 64,1% e 66,1%, respectivamente,
enquanto que para a Química é de 77,2% e 89,7%, respectivamente. Apesar de, a
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
90%
100%
Global Física Química
Fre
quên
cia
(%)
C - E -
C+ E+
C++ E++
27
nível dos Conteúdos tal não se verificar, o grau de explicitação desta relação é, para
a Física, mais elevado (22,5%) que para a Química (18,2%), o que parece estar
relacionado com o facto de na Física, os Conteúdos estarem organizados em áreas
temáticas, desenvolvendo-se em torno de uma questão central, ao passo que na
Química se desenvolverem segundo uma organização sequencial de matérias.
4.2.3 Relação entre conhecimentos
Relação interdisciplinar entre conhecimentos
Considerando a globalidade do texto do programa, verificámos que 70,8% dos
excertos do programa contêm informações sobre a relação interdisciplinar entre
conhecimentos, apresentando as categorias que dizem respeito a aspectos
curriculares (A e B) menos informações sobre esta relação, que as categorias mais
directamente ligadas à disciplina (C, D e E).
Aprofundando a análise, e ainda com base nos dados referidos na Figura 9,
constatamos que a globalidade do texto do programa manifesta grande omissão
relativamente à relação interdisciplinar entre conhecimentos (71,0%) já que em
71,0% dos excertos não são referidas relações entre os conhecimentos da disciplina
de CFQ e de outras disciplinas do currículo. A globalidade do texto do programa
manifesta, portanto, grande omissão, relativamente ao conhecimento de outras
disciplinas do currículo, isto é, em 71,0% do texto global só refere conhecimentos da
disciplina de CFQ. Esta grande omissão é sobretudo patente nas categorias
relacionadas com a disciplina (C, D e E), já que apresentam uma elevada
percentagem de excertos C ++ (83,6%, 49,0% e 72,3%, respectivamente),
relativamente às categorias relacionadas com os aspectos curriculares do programa
(A e B) que apresentam uma menor percentagem de excertos C++ (25,0% e 9,5%,
respectivamente). É, pois, ao nível curricular que a relação é mais explícita. Apenas
em 8,6% dos excertos a referência à relação é perfeitamente explícita, apresentando
as categorias B (Estrutura do Currículo) e D (Conteúdos Programáticos da
Disciplina) o grau mais elevado de explicitação da relação interdisciplinar entre
conhecimentos, respectivamente, 47,6% e 17,0%. Parece, portanto, ser evidente que
os autores do programa valorizam pouco a relação entre os conhecimentos de CFQ e
os conhecimentos de outras disciplinas do currículo.
28
Figura 9 – O programa de ciências físico-químicas do 8º ano de 1995, quando se considera a natureza dos excertos do programa com relação interdisciplinar e intradisciplinar
Considerando, ainda, os dados apresentados na Figura 9, verificamos que as áreas
específicas do programa, quer de Física, quer de Química, evidenciam uma larga omissão
face ao conhecimento de outras disciplinas do currículo, já que a área específica de Física
apresenta 76,8% excertos C++ e a área específica de Química apresenta 85,4% excertos
C++. O grau de omissão, relativamente a esta relação é, nas duas áreas, superior ao
apresentado pela globalidade do programa.
Mais concretamente, na área específica de Física é, pois, mais evidente a relação entre
os conhecimentos de Física e os conhecimentos de outras disciplinas do currículo, quer a
nível dos Objectivos, dos Conteúdos e das Sugestões metodológicas, em que a percentagem
de excertos C++ é para a Física 82,9%, 39,1% e 80,4%, respectivamente, enquanto que para
a Química é de 92,6%, 50,0% e 82,1%, respectivamente. No entanto, para a área específica
de Física, o grau de explicitação desta relação é, mais baixo (0,5%) que para a Química
(11,1%), o mesmo se passando a nível dos Objectivos, dos Conteúdos e das Sugestões
metodológicas respectivas. Mas, atendendo aos excertos do tipo C+ e C++, podemos dizer
que é ao nível da área de Física que se estabelece uma relação interdisciplinar mais forte.
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
90%
100%
Global Física Química Global Física Química
Fre
quên
cia
(%)
C -
C+
C++
Relações interdisciplinares
Relações intradisciplinares
29
Relação intradisciplinar entre conhecimentos
Considerando a globalidade do texto do programa, verificámos que 66,0% dos excertos
do programa contêm informações sobre a relação intradisciplinar entre conhecimentos. As
categorias que dizem respeito a aspectos curriculares (A e B) não foram consideradas,
visto os seus excertos não permitirem uma análise a este nível.
Aprofundando a análise, e com base nos dados referidos na Figura 9, constatamos que
a globalidade do texto do programa manifesta grande omissão relativamente à relação
intradisciplinar entre conhecimentos (52,7%), já que em 52,7% dos excertos não são
referidas articulações entre os conhecimentos da disciplina de CFQ ou os conhecimentos
referidos não são por natureza, abrangentes. Esta grande omissão é sobretudo patente nas
categorias C e E, já que apresentam uma elevada percentagem de excertos C++ (68,6% e
46,2%, respectivamente). Apenas em 8,8% dos excertos a referência à relação é
perfeitamente explícita, apresentado a categoria D (Conteúdos Programáticos da
Disciplina) o grau mais elevado de explicitação da relação intradisciplinar entre
conhecimentos, 32,1%. Parece, portanto, ser evidente que havendo, no programa,
referências a esta relação, estas foram, de modo geral, pouco explícitas.
Considerando, ainda, os dados referidos na Figura 9, verificamos que as áreas
específicas do programa, quer de Física, quer de Química, evidenciam uma larga omissão
face à articulação entre os conhecimentos respectivos ou à abrangência dos
conhecimentos, já que a área específica de Física apresenta 58,3% excertos C++ e a área
específica de Química apresenta 67,8% excertos C++. O grau de omissão, relativamente a
esta relação é, nas duas áreas, superior ao apresentado pela globalidade do programa.
Mais concretamente, na área específica de Física é, pois, mais evidente a relação
intradisciplinar entre conhecimentos, sobretudo ao nível das Sugestões metodológicas, em
que a percentagem de excertos C++ é para a Física 54,5% e para a Química 78,6%. Esta
evidência não se verifica a nível dos Objectivos, em que existe equilíbrio entre as duas
áreas, nem a nível dos Conteúdos, em que se passa precisamente o inverso. Apesar de,
sobretudo, a nível dos Objectivos e dos Conteúdos tal não se verificar, o grau de
explicitação desta relação é, para a Física idêntico (7,1%) ao da Química (7,0%). Mas,
atendendo aos excertos do tipo C+ e C++, para cada uma das áreas, podemos dizer que é
ao nível da área de Física que se estabelece uma relação intradisciplinar mais forte, o que
parece estar relacionado com o facto de na Física, os Conteúdos estarem organizados em
30
áreas temáticas, desenvolvendo-se em torno de uma questão central, ao passo que na
Química se desenvolverem segundo uma organização sequencial de matérias.
4.2.4 Teoria de instrução
Considerando a globalidade do texto do programa, verificamos que 65,2% dos excertos
do programa contêm informações sobre a teoria de instrução. Apesar de a categoria A,
que diz respeito a aspectos curriculares, conter 72,5% de excertos com informações sobre
esta relação, podemos dizer que as categorias que dizem respeito a aspectos curriculares
(A e B), apresentam menos informações sobre esta relação, que as categorias mais
directamente ligadas à disciplina (C, D e E).
Aprofundando a análise, e com base nos dados apresentados na Figura 10,
constatamos que a globalidade do texto do programa apresenta 13,3% de excertos E++,
isto é, apenas 13,3% do texto global do programa traduz a ideia de que o ensino-
aprendizagem está exclusivamente centrado no transmissor, isto é, centrado no professor.
Não temos, portanto, uma teoria de instrução de natureza didáctica. Atendendo, também,
a que 39,7% dos excertos são E+ e 28,2% dos excertos são E-, podemos dizer que temos
uma teoria de instrução relativamente centrada no aquisidor, isto é, uma teoria de
instrução mista. As categorias relativas aos aspectos curriculares (A e B) têm a
particularidade de não apresentar excertos E++, contribuindo, assim, para que o texto
global do programa corresponda a uma teoria de instrução tendencialmente menos
centrada no aquisidor, isto é, mista. É, pois, ao nível curricular, que o grau de explicitação
de uma teoria de instrução centrada no aquisidor é maior.
Figura 10 – O programa de ciências físico-químicas do 8º ano, de 1995, quando se considera a natureza dos excertos com teoria de instrução
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
90%
100%
Global Física Química
Fre
quên
cia
(%)
E -
E+
E++
31
É ao nível das categorias C e E que se observa uma tendência geral semelhante à
revelada na totalidade do programa, pois apresentam uma percentagem de excertos E++,
E+ e E-, respectivamente, igual a 12,8%, 45,9% e 23,9% e 15,6%, 39,8% e 31,6%.
Apenas em 28,2% dos excertos a teoria de instrução é mais auto-reguladora, isto é,
tendencialmente mais centrada no aquisidor, apresentando as categorias B e E a
percentagem mais elevada dos excertos E-, respectivamente, 33,3% e 31,6%. É elevada
a percentagem de excertos ambíguos relativamente à Teoria de instrução (18,8%),
sendo de referir, sobretudo, a elevada percentagem correspondente à categoria B
(50,0%), o que pode mascarar a ênfase da mensagem.
Considerando, ainda, os dados apresentados na Figura 10, verificamos que, a área
específica de Física evidencia uma tendência geral inferior à revelada na totalidade do
programa, quanto à existência de uma teoria de instrução centrada no transmissor
(3,4%), pois apresenta 3,4% excertos E++, enquanto que a área específica de Química
evidencia uma tendência geral muito superior à revelada na totalidade do programa,
quanto à existência de uma teoria de instrução centrada no transmissor (41,4%), isto é,
centrada no professor, pois apresenta 41,4% excertos E++. Isto é, enquanto ao nível da
Física se dá mais ênfase a uma teoria de instrução mais centrada no aquisidor, ao nível
da Química a ênfase recai numa teoria de instrução fundamentalmente centrada no
transmissor.
Mais concretamente, na área específica de Física é, bem patente esta evidência, quer
a nível dos Objectivos, dos Conteúdos e das Sugestões metodológicas em que a
percentagem de excertos E++ é, respectivamente, 0,0%, 11,8% e 2,7%, enquanto para a
Química é de 25,0%, 42,9% e 72,4%, respectivamente. Podemos, ainda, referir que o
grau de explicitação de uma teoria centrada no aquisidor (aluno) é para a Física mais
elevado (36,5%) que para a Química (7,1%), o mesmo se passando a nível dos
Objectivos, dos Conteúdos e das Sugestões metodológicas respectivas (15,8%, 23,5% e
42,0% para a Física e 8,9%, 14,3% e 0,0% para a Química). Constata-se, ainda, que
47,1% dos excertos dos Conteúdos programáticos de Física são ambíguos, isto é, não se
compreende qual o tipo de instrução por eles evidenciado. A Física evidencia, portanto,
uma teoria de instrução mais centrada no aluno, isto é, de natureza mais auto-
reguladora, enquanto que a Química faz grande apelo a uma teoria de instrução mais
centrada no professor, isto é, de natureza essencialmente didáctica.
32
Em síntese, considerando a globalidade do programa, podemos dizer que as
categorias que dizem respeito a aspectos curriculares (A e B), apresentam menos
informações sobre a relação Escola-comunidade, relação intradisciplinar entre
conhecimentos e teoria de instrução, que as categorias mais directamente ligadas à
disciplina (C, D e E). No entanto, é ao nível curricular (A e B) que a relação Escola-
comunidade, a relação interdisciplinar entre conhecimentos e a teoria de instrução
centrada no aquisidor são mais explícitas. As categorias (C, D e E) dão mais ênfase ao
DIE, às CS e às SAS. As categorias que dizem respeito a aspectos curriculares (A e B),
dão mais ênfase ao DRG que as categorias mais directamente ligadas à disciplina (C, D
e E). As categorias que dizem respeito a aspectos curriculares (A e B) e as categorias
mais directamente ligadas à disciplina (C, D e E) dão idêntica ênfase ao DRE e ao
desenvolvimento das CC e das SAC.
Na secção que se segue iremos retirar conclusões e problematizá-las de acordo com
os parâmetros considerados no estudo.
5. DISCUSSÃO E CONCLUSÕES DO ESTUDO
A actual Reforma tem dado ênfase explícita ao desenvolvimento de valores, atitudes e
competências sociais, quer ao nível das intenções do Sistema Educativo, quer ao nível
do processo ensino-aprendizagem. O programa contém na sua mensagem os princípios
e normas que caracterizam o DRG, o qual caracteriza um dado contexto socio-político.
A acentuada ênfase dada ao DRG no programa, sobretudo na parte curricular, parece
visar a socialização dos alunos no sentido de os tornar mais livres, mais cooperantes,
mais solidários, mais autónomos, cidadãos mais informados. Os princípios dominantes
da sociedade, que constituem o DRG, são característicos de uma sociedade livre e
democrática. No mesmo contexto, é dada, também, ênfase saliente ao discurso
regulador específico, embora a ênfase atribuída ao discurso instrucional específico seja
muito superior. Também um estudo, desenvolvido por Neves e Morais (2000), permitiu
concluir que os programas de Ciências da Natureza dos 5º e 6º anos de escolaridade e de
Ciências Naturais do 7º ano de escolaridade, da Reforma de 1991, dão ênfase acentuada
ao DRG, da mesma forma que o programa de CFQ do 8º ano. Naqueles programas
33
valoriza-se também bastante o discurso regulador específico, sobretudo ao nível do 7º
ano de escolaridade.
O programa atribui uma ênfase mais acentuada às Competências cognitivas simples
(CS) do que às Competências cognitivas complexas (CC), o que tem, certamente, a ver
com o facto de a escolaridade obrigatória se ter estendido até ao 9ºano, tendo esta
massificação do ensino levado a que o grau de exigência no processo ensino-
aprendizagem seja baixo. Será que se caminha para a obtenção de um mais alto grau de
literacia científica dos cidadãos, dando o programa mais ênfase às competências
cognitivas simples do que às complexas? Contrariamente ao que se passa com o
programa de CFQ do 8º ano, os programas de Ciências da Natureza dos 5º e 6º anos de
escolaridade e o de Ciências Naturais do 7º ano de escolaridade, da Reforma de 1991,
dão mais ênfase às competências cognitivas complexas, relativamente às cognitivas
simples (Neves e Morais, 2000).
Quanto às competências sócio-afectivas o programa atribui mais ênfase às
competências complexas do que às simples. Isto talvez porque a escolaridade
obrigatória pretende levar todos os cidadãos a perfilharem um determinado conjunto de
valores relacionados com o desenvolvimento de competências sócio-afectivas
complexas. Este facto está, também, presente nos programas de Ciências da Natureza
dos 5º e 6º anos de escolaridade e no de Ciências Naturais do 7º ano de escolaridade, da
mesma reforma. A nível do 7º ano de escolaridade, os dados evidenciam mesmo um
grande aumento de importância atribuída às SAC relativamente Às SAS (Neves e
Morais, 2000).
Apesar de a Lei de Bases de 1986 prever uma inter-relação entre a cultura escolar e
a cultura do quotidiano, com a valorização das diferentes culturas (o que revela uma
fronteira muito esbatida entre o discurso académico e o não académico), como mostrou
o estudo realizado por Fontes, Morais e Neves (1997), o texto do programa manifesta
grande omissão relativamente à relação Escola-comunidade. Isto pode ter que ver com o
facto de os autores do programa de CFQ ainda encararem o ensino desta disciplina
numa abordagem demasiado centrada nos conteúdos, embora seja dada alguma
relevância aos processos científicos. Os programas não foram concebidos de forma a
conduzirem a uma abordagem diferente da tradicional.
34
O programa manifesta grande omissão relativamente ao conhecimento de outras
disciplinas do currículo – relação interdisciplinar entre conhecimentos, o que, também,
poderá ter que ver com o facto de os autores do programa de CFQ ainda encararem o
ensino desta disciplina numa abordagem demasiado centrada nos conteúdos de CFQ. O
programa manifesta, ainda, omissão considerável, relativamente ao estabelecimento da
relação intradisciplinar entre conhecimentos, o que tem, certamente, que ver com o
facto de a escolaridade obrigatória se ter estendido até ao 9º ano de escolaridade. O grau
de exigência conceptual é baixo e, portanto, as competências de baixo nível de
abstracção são as mais desenvolvidas. Não desenvolvendo as capacidades de nível de
abstracção mais elevadas, as relações entre os vários assuntos estão mais dificultadas,
existindo, pois, demasiada “fragmentação” dos assuntos.
O programa evidencia a existência de uma teoria de instrução centrada em parte no
aquisidor, isto é, uma teoria de instrução mista. Uma hipótese explicativa poderá ser a
de que, havendo actualmente, em Portugal, uma democracia plenamente estabilizada
com equilíbrio entre as diversas forças socio-políticas, esse equilíbrio ir-se-á também,
reflectir ao nível do programa. Este facto é igualmente evidente, em termos gerais nos
programas de Ciências da Natureza e de Ciências Naturais analisados.
A análise desenvolvida sugere que o programa de CFQ, apesar de apresentar temas
inovadores e de incluir novos conceitos científicos e de atribuir maior ênfase aos
processos científicos relativamente ao anterior, não foi concebido, no seu conjunto, de
forma a conduzir a uma abordagem muito diferente da tradicional.
Quando na análise separamos as duas áreas científicas do programa, a Física e a
Química, concluímos que elas não dão ênfase ao DRG, dando ao discurso instrucional
específico uma ênfase muito superior à do discurso regulador específico. Esta é
também, a tendência manifestada pela globalidade do programa. Esta tendência embora,
em termos globais, se possa considerar natural, já que se trata nesta disciplina de
aprender ciências, foge aos princípios estabelecidos na lei de bases que apontam para
uma ênfase considerável no discurso regulador. Quer a área específica de Física, quer a
de Química atribuem uma ênfase superior às Competências cognitivas simples (CS),
relativamente às Competências cognitivas complexas (CC), do mesmo modo que o
programa, na sua globalidade.
35
A Física atribui mais ênfase ao desenvolvimento das Competências sócio-afectivas
complexas (SAC) do que ao desenvolvimento das Competências sócio-afectivas simples
(SAS), do mesmo modo que o programa na sua globalidade, enquanto que com a Química
se passa o contrário. O caso da Química mostra claramente em que extensão os princípios
dominantes da sociedade podem ser recontextualizados. Os princípios autocráticos
subjacentes aos conteúdos de Química não estão em concordância com os princípios
democráticos da sociedade presente. De facto, ao longo de todas as recontextualizações se
podem criar situações propícias à mudança, mesmo que não seja a mais adequada.
A área específica de Física e a de Química manifestam, também, omissão superior à
do programa global, relativamente à relação Escola-comunidade, à relação
interdisciplinar entre conhecimentos e à relação intradisciplinar entre conhecimentos,
sendo esta omissão, superior no caso da Química. Podemos concluir que as partes
curricular e comum do programa dão mais ênfase à relação Escola-comunidade e
interdisciplinar entre conhecimentos que a parte específica, enquanto que a parte
comum do programa dá mais ênfase à relação intradisciplinar entre conhecimentos que
a parte específica. As relações referidas estão, pois, mais em evidência na Física que na
Química. O facto de na Física os conteúdos estarem organizados em áreas temáticas,
desenvolvendo-se em torno de uma questão central, enquanto na Química se
desenvolveram segundo uma organização sequencial de matérias, parece não ser
estranho a que a Física dê mais ênfase à relação Escola-comunidade e à relação
intradisciplinar entre conhecimentos que a Química.
Enquanto ao nível da Física se dá mais ênfase a uma teoria de instrução mais
centrada no aquisidor, isto é, tendencialmente mais auto-reguladora, ao nível da
Química a ênfase recai numa teoria de instrução fundamentalmente centrada no
transmissor, isto é, uma teoria de instrução de natureza didáctica (Bernstein, 1990).
Também foi evidente, nos estudos realizados por Morais, Neves e Fontinhas (1998), que
áreas científicas diferentes do programa do 7ºano de escolaridade (Biologia e Geologia)
têm orientações metodológicas diferentes.
Em síntese, podemos dizer que é na área específica de Física que se faz apelo a uma
mensagem mais inovadora, já que a Física valoriza mais a relação entre a Escola e a
comunidade, valoriza mais os conhecimentos das outras áreas do currículo, valoriza mais a
integração dos conhecimentos e proporciona ao aluno um maior controlo do processo
36
ensino-aprendizagem. A Física valoriza também mais as competências sócio-afectivas
complexas do que a Química. As diferentes áreas científicas são da responsabilidade de
autores distintos, tal como acontece no programa de Ciências Físico-Químicas que
analisámos. Esses autores parecem perfilhar claramente princípios pedagógicos distintos e
ideologias distintas que se reflectem na estruturação dos programas que desenvolveram e
que mostram uma recontextualização diferente da parte comum do programa. Este facto vai
interferir no processo ensino-aprendizagem já que os professores recebem orientações
díspares para duas partes do programa. Muitos desses professores não estarão preparados
para se aperceberem do significado subjacente a essas orientações e acabarão por proceder a
uma recontextualização de uma ou de ambas as partes, de acordo com os princípios
pedagógicos e ideológicos que eles próprios partilham.
Será que os autores da parte específica de Física e os autores da parte específica de
Química não poderiam ter realizado um trabalho coordenado, por forma a que as duas
áreas do programa não traduzissem mensagens diferentes, visto que este facto poderá ter
grandes implicações no sucesso escolar dos alunos?
As conclusões a que se chegou neste estudo para o 8º ano têm paralelo com as
conclusões de um estudo a nível do 9º ano. A investigação realizada por Nascimento
(1998) mostra que o programa de CFQ do 9º ano de escolaridade não apresenta
diferenças consideráveis, relativamente ao programa de CFQ do 8º ano de escolaridade,
provavelmente porque os autores são os mesmos. As diferenças existem apenas a nível
do desenvolvimento de competências cognitivas, em que no programa global do 9º ano
é dada ênfase mais acentuada ao desenvolvimento das competências cognitivas
complexas relativamente às simples, enquanto no 8ºano se passa o contrário.
Relativamente às duas áreas científicas do programa constata-se que, também, a nível
do desenvolvimento de competências cognitivas existem diferenças, pois no 9º ano as
CS e as CC são igualmente enfatizadas na Física e na Química, enquanto que no 8º ano
as CS são as mais enfatizadas nas duas áreas. No 9º ano de escolaridade as SAC são
mais enfatizadas na Física que na Química e às SAS não são feitas referências, ao passo
no 8º ano as SAC são mais enfatizadas na Física e as SAS na Química. A Física
apresenta, para o 9º ano, uma relação interdisciplinar entre conhecimentos mais fraca
que a Química, contrariamente ao 8º ano.
Na área específica de Física do 9º ano faz-se, portanto, apelo a uma mensagem mais
37
inovadora que na área de Química, tal como acontecia para o 8º ano de escolaridade.
Por outro lado, a verificação de que a Física do 9º ano apela ao desenvolvimento de
competências cognitivas complexas contem uma mensagem, que, a ser seguida pelos
professores, levará os alunos a atingirem um maior nível de conceptualização e portanto
de literacia científica a esse nível. Podemos dizer que, ao nível do 3º ciclo de
escolaridade básica, é apenas ao nível da aprendizagem da Física do 9º ano de
escolaridade que as Ciências Físico-Químicas ganham um significado mais profundo.
Finalmente é importante enfatizar a grande recontextualização que se operou, no
interior do programa, quando se passou dos aspectos gerais para os aspectos específicos,
no sentido de se perder a mensagem inovadora que explicitamente estava contida nos
primeiros. Isto é particularmente evidente a nível da Química. Essa recontextualização é
de tal forma marcada que torna os princípios gerais do programa mais próximos dos
princípios estabelecidos na lei de bases do sistema educativo do que os princípios
específicos do programa. Significa isto que foi maior a mudança operada no interior do
campo de recontextualização oficial do que entre o campo de Estado e aquele campo. A
mensagem que chega mais directamente aos professores e aos autores dos manuais
escolares está, assim, bem distanciada dos princípios estabelecidos na lei de bases.
Outro aspecto que deve ficar claro é o facto de a análise que desenvolvemos estar
focada na transmissão e não na aquisição. Quer isto dizer que analisar um programa não
significa analisar o que se passa na sala de aula. Isso vai depender dos autores de
manuais escolares mas, principalmente, dos professores que, na sua prática pedagógica,
podem alterar a mensagem do programa através de uma recontextualização que, dentro
de certos limites, pode ser mais ou menos profunda. Este facto direcciona a atenção para
uma formação de professores que lhes permita analisar a mensagem contida num
programa e modificá-la no sentido de conduzir os alunos a um nível mais elevado de
desenvolvimento científico, social e afectivo.
Embora a reforma a que diz respeito a análise desenvolvida neste estudo vá
brevemente dar lugar a outra reforma, considera-se que a publicação do estudo descrito
neste artigo continua a ser relevante. Em primeiro lugar, porque aponta para uma
metodologia e foco de análise não usuais, que ficam assim à disposição de outros
investigadores. Em segundo lugar, porque os resultados da análise poderão ser tidos em
conta nas novas alterações dos programas.
38
Notas
1. Ver, por exemplo, Morais et al (1995); Neves et al (1999); Neves e Morais (2000); Nascimento (1998).
2. O conteúdo do programa é entendido, neste estudo, em sentido genérico, incluindo todo o texto nele
expresso (introdução, objectivos, temas programático, sugestões metodológicas, etc).
3. Em todas estas situações, é o transmissor que detém o poder, pelo que é sempre forte a classificação
entre as categorias transmissor e aquisidor, o mesmo não se passando com o enquadramento. Por este
motivo, afigurou-se-nos adequado caracterizar as relações entre aquisidor e transmissor preconizadas no
programa, em termos de enquadramento (Neves e Morais, 1998).
4. Considerou-se como excerto um extracto do texto do programa, com um ou mais períodos, que, no seu
conjunto, têm um dado significado semântico.
5. Dado que os aspectos relacionados com o contexto de avaliação foram sendo objecto de sucessivas
directrizes do Ministério da Educação, posteriores aos documentos consultados, não se procedeu, neste
estudo, à análise desta dimensão do programa.
6. Os quadros indicados fazem parte da análise geral do programa de CFQ do 8º ano (Lopes,1998) e para
a sua construção usaram-se, como texto base, as publicações do Ministério da Educação (DGEBS,1995).
7. Adaptação, a partir de estudo já realizado por Morais et al, 1995.
8. Através da validação verificou-se ter havido os seguintes desvios em relação à classificação inicial
proposta para a parte comum dos 8º e 9º anos: Discursos e competências – 12,1%, Relação Escola-
comunidade – 14,4%, Relação interdisciplinar – 9,8%, Relação intradisciplinar –8,6% e Teoria de
instrução – 5,7%.
9. As competências cognitivas simples (CS) incluem todo o conhecimento cuja aprendizagem requer um
nível muito baixo de abstracção por parte de quem aprende (ex. conhecimento de factos, compreensão de
conceitos simples, etc.). As competências cognitivas complexas (CC) incluem todo o conhecimento cuja
aprendizagem requer um elevado nível de abstracção por parte de quem aprende (ex. compreensão de
conceitos complexos, aplicação de conceitos a novas situações, etc.). As competências sócio-afectivas
simples(SAS) incluem as atitudes e disposições ao mais baixo nível (ex. obedecer às regras da Escola,
etc.) As competências sócio-afectivas complexas (SAC) incluem todas as atitudes e disposições aos níveis
mais elevados (ex. cooperar em trabalho de grupo, etc.).
39
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41
Ensinar ciências físico-químicas no ensino básico Uma análise sociológica do programa do 8º ano
Resumo
O estudo centra-se no discurso pedagógico oficial (DPO) expresso no programa de Ciências físico-
químicas do 8º ano de escolaridade da actual reforma do sistema educativo. A análise é de natureza
sociológica e diz respeito ao contexto de transmissão-aquisição quer na componente instrucional quer na
componente reguladora do DPO. São analisados o que e o como do discurso.
A análise sugere que o programa apresenta temas inovadores, novos conceitos científicos e maior ênfase
nos processos científicos quando comparado com o programa anterior. Contudo, no seu conjunto, não foi
concebido para conduzir a uma abordagem muito distinta da abordagem tradicional. O estudo mostra que a
física contém uma mensagem mais inovadora do que a química: a física valoriza mais as competências
complexas, a relação entre a escola e a comunidade, os conhecimentos de outras áreas do currículo, a
interacção dos conhecimentos e atribui mais controlo ao aluno no processo de ensino-aprendizagem.
Palavras-chave: educação científica; físico-químicas; programas; relações sociais.
Teaching physics and chemistry in middle school A sociological analysis of the syllabus of the 8th year of schooling
Abstract
The study is focused on the official pedagogic discourse (OPD) contained in the physics and chemistry
syllabus of the 8th year of schooling (age 14-15) of the current reform of the educational system. The
analysis is sociological and respects to the transmission-acquisition process in both the instructional and
regulative dimension of the OPD. The what and the how of the discourse are both analysed.
The analysis suggests that the syllabus contains innovative themes, new scientific concepts and greater
emphasis on the scientific processes, when compared to the previous syllabus, and yet, on the whole, was not
conceived to lead to an approach very distinct from the traditional. The study shows that, within the syllabus,
the physics contains a more innovative message than the chemistry: the physics gives more value to the
complex competencies, to the school-community relation, to knowledges of other disciplines, to integration
between knowledges and also more control to the student on the teaching-learning process.
Key-words: science education; physics and chemistry; syllabuses; social relations.