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Elementos Para Uma Clínica Comtemporânea

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Artigo sobre a clínica psicanalítica comtemporânea

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Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=30701212

Red de Revistas Científicas de América Latina, el Caribe, España y Portugal

Sistema de Información Científica

Nelson Ernesto Junior Coelho

Reseña de "Psicanálise: elementos para uma clínica contemporânea" de Luis Claudio Figueiredo

Psychê, vol. VII, núm. 12, dezembro, 2003, pp. 177-180,

Universidade São Marcos

Brasil

Como citar este artigo Fascículo completo Mais informações do artigo Site da revista

Psychê,

ISSN (Versão impressa): 1415-1138

[email protected]

Universidade São Marcos

Brasil

www.redalyc.orgProjeto acadêmico não lucrativo, desenvolvido pela iniciativa Acesso Aberto

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Psychê — Ano VII — nº 12 — São Paulo — jul-dez/2003 — p. 177-180

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FIGUEIREDO, Luis Claudio. Psicanálise: elementos para

uma clínica contemporânea. São Paulo: Escuta, 2003. 201p.

ISBN 85-7137-213-6.

Uma psicanálise da

clínica contemporânea

ejetos explosivos, multiplicidade indis-ciplinada, crise, trauma, cisão, disso-

ciações, desintegração, ataques, equilíbrioinstável. Noções recorrentes na descriçãoda experiência psíquica dos assim chama-dos pacientes difíceis, cada vez mais co-muns na clínica psicanalítica, ou um retra-to fiel do mundo contemporâneo? A arti-culação delicada entre o estudo crítico damodernidade tardia e a clínica psicanalíticacontemporânea é o tema dos dois primei-ros ensaios que abrem o novo livro do psi-canalista, professor e pesquisador LuisClaudio Figueiredo. Não por acaso, coubeaos ensaios “Modernidade, trauma e dis-sociação” e “Subjetivação e esquizoidia nacontemporaneidade: questões metapsico-lógicas” fazer o caminho de iniciação doleitor no campo de idéias desenvolvidas aolongo do livro, já que são os que mais clara-mente retomam as temáticas consagradasem outras obras do autor.

Quem acompanha o trabalho de LuisClaudio Figueiredo, pelo menos desde omarcante Invenção do psicológico: qua-tro séculos de subjetivação – 1500-1900,de 1992, passando por Escutar, recordar,dizer: encontros heideggerianos com a clí-nica psicanalítica, de 1994, Modos de sub-jetivação no Brasil e outros escritos, de1995, até o mais recente Ética e técnicaem psicanálise, de 2000, do qual tive o

prazer de ser co-autor, conhece o rigor ea incansável curiosidade do autor – tantoem temas que articulam os campos da psi-canálise e da psicologia aos da filosofia,sociologia, antropologia e história, comoem temas específicos da clínica psicanalíti-ca, em suas dimensões simultaneamentetécnica, psicopatológica e metapsicológi-ca. O que talvez diferencie esse novo livrodos anteriores é a ênfase na caracterizaçãominuciosa da experiência e do pensamentoclínico do autor. Boa parte do esforço clíni-co e teórico de Luis Claudio Figueiredo,neste recente conjunto de ensaios agorapublicados, dirige-se para o que ele mes-mo denomina de uma clínica dos “quadrospatológicos contemporâneos que não se or-ganizam no campo das neuroses” (p. 59) –quadros em torno dos quais vemos o autorestabelecer sua sensibilidade de analistae de pesquisador. O leitor ver-se-á convi-dado a participar de um diálogo com umagrande variedade de aspectos da práticaclínica contemporânea, sempre na segu-ra companhia de um autor atento às maisdiferentes direções dos debates psicana-líticos atuais.

A ampla rede de referências concei-tuais e teóricas, de diferentes origens (dosclássicos da psicanálise às mais recentescontribuições de analistas brasileiros e es-trangeiros), comparece nos sete ensaios dolivro como parceiros de interlocução como que há de mais vivo no cotidiano clínicodo autor. Os impasses e desafios da clínica

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psicanalítica contemporânea em momen-to algum são evitados, o que produz noleitor uma sensação revigorante, que só umpensamento que não busca refúgio em so-luções canônicas de teorias já consolida-das pode produzir. Mas nem por isso o lei-tor ver-se-á diante de uma obra “persona-lista”, em que as necessárias e saudáveisinfluências teóricas legadas pela tradiçãopsicanalítica e pelos inúmeros colegas sãorecobertas e escondidas, para que o efeitodo “novo” possa aparecer de forma maisresplandecente. Ao contrário, o que seacompanha nessa obra de Figueiredo é umclaro reconhecimento e diálogo com os au-tores que o influenciaram, ao lado de ummodo poliglota (em termos da pluralidadede “línguas” teóricas e técnicas) de rela-ção com o campo psicanalítico. Como o lei-tor poderá constatar, muito longe de qual-quer ecletismo psicanalítico, o que chamoaqui de modo poliglota está a serviço dorigor clínico, tanto na busca de melhorescompreensões sobre determinados fenô-menos psíquicos, como no enfrentamentodas questões técnicas que se impõem à clí-nica desses fenômenos.

Reencontramos nesse novo livro a preo-cupação permanente do autor em descons-truir um campo de conceitos e de formula-ções sobre a experiência subjetiva, que seapoie na necessidade de significados defi-nitivos e identidades inequívocas. Comisso, suas postulações sobre o fazer teóri-co e sobre o lugar do trabalho metapsico-lógico necessariamente acabam por ganharum significado próprio. Para Figueiredo, ametapsicologia cumpre “a função de ins-taurar um campo de inteligibilidade no qualse torna possível dar sentido ao materialclínico e manejá-lo” (p. 42-43). E, aindamais, a metapsicologia deveria ser entendi-da como discursos “nos quais fomos forma-dos e que recriamos em nossas atividadescotidianas – sempre ao nosso modo e com a

nossa cara” (p. 43). Como se pode ver, umembate corpo a corpo com a clínica em suamais pura expressão não deve servir de áli-bi para uma ingênua crença de que expe-riências emocionais e elaborações clínicassejam auto engendráveis. Mas o apoio rigoro-so em um pensamento metapsicológico,por outro lado, não deve servir de descul-pa para intermináveis repetições e imita-ções desvitalizadas que costumam infes-tar as produções acadêmicas, e o que é pior,as clínicas psicanalíticas.

O ensaio de número três do livro(“Verleugnung. A desautorização do pro-cesso perceptivo”) é um exemplo muitobem acabado da articulação entre aspec-tos metapsicológicos e as exigências daclínica psicanalítica contemporânea, nosmoldes defendidos pelo autor. Procurandoinvestigar a metapsicologia de experiên-cias psíquicas que se situam para além dasvivências neuróticas, Figueiredo nos dá aver as entranhas das vivências de pânico ede sensações permanentes de ameaças,marcas constantes dos assim chamadosquadros borderline. Na compreensão me-tapsicológica e psicopatológica dessas ex-periências, Figueiredo – acompanhado decomentadores contemporâneos como AlanBass – reconhece que a psicanálise “foi aospoucos reduzindo o alcance do recalque ereconhecendo cada vez mais a incidênciaprofunda da Verleugnung [recusa, ou comoprefere o autor, desautorização], não só emcasos de perversão e psicose, mas tambémnas neuroses e, finalmente, em toda equalquer constituição psíquica” (p. 73). Aoabordar o tema da percepção e suas aven-turas/desventuras através da Verleug-nung, Figueiredo avança decididamenteem direção a um projeto mais amplo, aser alcançado por meio da articulação en-tre psicopatologia, metapsicologia e téc-nica psicanalíticas na contemporaneida-de: integrar ao tronco freudiano e à sua

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ênfase na questão da sexualidade a fecun-da produção psicanalítica pós-freudianadedicada às cisões e dissociações, que in-clui as contribuições de analistas comoFairbairn, Klein, Bion e Winnicott. Esseambicioso projeto ganha, a cada novo en-saio, maior densidade e consistência.

Nos ensaios de número quatro (“Ocaso-limite e as sabotagens do prazer”) ecinco (“A clínica borderline”), o leitor po-derá acompanhar os resultados do projetoacima mencionado, por meio de elabora-ções clínicas que não teriam sido possíveissem uma criativa integração dos assim de-nominados “modelo estrutural-pulsional”freudiano e “modelo das relações de ob-jeto”. Nesses capítulos, a sensibilidade clí-nica do autor produz preciosas indicaçõestécnicas e discussões psicopatológicas so-bre a ampla gama de quadros e estadosborderline, trilhando o espaço de integra-ção e confrontação entre as diferentesconcepções psicanalíticas sobre o tema.Por exemplo, ao considerar como aspectocentral da dinâmica e da estrutura bor-derline a oscilação entre a problemáticanarcisista e a problemática esquizóide,Figueiredo recorre a autores tão distan-tes entre si como Paul Federn, William R.Fairbairn e Jean-Bertrand Pontalis. Dodiálogo com os autores ele acaba por eri-gir suas próprias conclusões: “quando seentrelaçam as problemáticas narcísicas eesquizóides, elas se fortalecem mutua-mente e tendem a formar uma estruturaequilibrada que se caracteriza, paradoxal-mente, pelo desequilíbrio...” (p. 100). Dian-te de quadros clínicos com alternâncias tãoextremas, torna-se fundamental a com-preensão do lugar a ser ocupado, e dasfunções a serem realizadas pelo analista.Para a elaboração dessas funções e desselugar, Figueiredo recorre a uma feliz ima-gem, a do boneco “joão-bobo” e à sua ca-pacidade de simultaneamente deslocar-se,

ficar no mesmo lugar e recuperar o equi-líbrio. E assim, por meio de seguidos con-trapontos entre as condições complexasde um quadro clínico e as elaboraçõessutis sobre as condições do analista, oautor nos instala no cerne da clínica psi-canalítica contemporânea.

Nos dois últimos ensaios do livro –“Transferência, contratransferência e outrascoisinhas mais, ou a chamada Pulsão deMorte” e “O paciente sem esperança e arecusa da utopia” – entre outras contribui-ções Figueiredo procura encontrar “nos pro-cessos psíquicos e terapêuticos sobriamenteconsiderados, uma fonte de esperança”, semcair na oscilação da gangorra borderlineentre a “ingenuidade clínica e o desânimofurioso ou entediado” (p. 126). São duas ashipóteses fundamentais que sustentarãoessa fonte de esperança:

a) a contratransferência primordial: capa-cidade do analista em deixar-se colo-car diante do sofrimento que se lheapresenta, independentemente dequalquer conhecimento prévio. É, comosugere Figueiredo, “um deixar-se afe-tar e interpelar pelo sofrimento alheiono que tem de desmedido e mesmoincomensurável, não só desconhecidocomo incompreensível” (p. 128);

b) a esperança e a utopia: a primeira sen-do um princípio organizador do apa-relho mental, que opera em planosmuito profundos e inconscientes dopsiquismo; e a segunda, uma tendên-cia básica à antecipação, uma aberturae uma disponibilidade para o futuro,independentemente de qualquer pro-jeto político social determinado.Com essas hipóteses teórico-clínicas,

Figueiredo põe em evidência os eixos desustentação de seu próprio trabalho. In-discutivelmente um trabalho que revelagrande sensibilidade para o sofrimento, euma esperança profunda nas capacidades

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da psicanálise em renovar-se a cada novodesafio imposto pelo cotidiano da clínica.Para muitos de nós, constantemente so-terrados por discursos passivo-pessimistasou maníaco-otimistas, ambos claramenteressentidos, acredito que essas hipótesespossam vir a ser aliadas de primeira linhana luta pela sustentação de um espaço vitale criativo de produção e de existência.

Nelson Ernesto Coelho Junior

Psicanalista; Doutor em Psicologia Clínica(PUC-SP); Professor, Orientador e Pesquisadordo Instituto de Psicologia/USP; Autor, entreoutros livros, de A força da realidade na clínicafreudiana e Ética e técnica em psicanálise (emco-autoria com Luis Claudio Figueiredo).

e-mail: [email protected]