14
ELEMENTOS DA TEORIA DE CHARLES SANDERS PEIRCE PARA A HERMENÊUTICA JURÍDICA ELEMENTS OF CHARLES SANDERS PEIRCE THEORY FOR JURIDICAL HERMENEUTICS Marcos Antônio Striquer Soares RESUMO Analisa a limitação da experiência do conhecimento da norma jurídica como experiência do sujeito que verifica o significado da norma. Constata que além da norma e do fato ainda é necessário a verificação do sentido que a norma deve ter diante de um fato específico. Investiga a teoria de Immanuel Kant para encontrar a limitação da experiência do conhecimento pelo sujeito do conhecimento. Levanta informações, então, da teoria de Charles Sanders Peirce para possibilitar uma compreensão dialógica da norma. Para tanto, investiga a relação triádica e a cadeia semiótica e semiose de Peirce para concluir com o debate sobre o signo no meio social. PALAVRAS-CHAVES: INTERPRETAÇÃO; PEIRCE; SEMIÓTICA; PRAGMATISMO; TEORIA PROCESSUAL DA CONSTITUIÇÃO; HERMENÊUTICA JURÍDICA. ABSTRACT This work analyses the limitation of the experience of knowledge of the juridical regulation as a personal experience of who verifies the meaning of the regulation. It verifies that besides the regulation and the fact, it is also necessary to verify the meaning that such regulation must have before a specific fact. It investigates the theory of Immanuel Kant to find the limitation of the experience of knowledge. It raises information, than, of Charles Sanders Peirce’s theory to allow a dialogic comprehension of the regulation. For that, it investigates the triadic relation and the semiotic chain and semiosis of Pierce to conclude with the debate about the sign in the social environment. KEYWORDS: INTERPRETATION; PIERCE; SEMIOTICS, PRAGMATISM, CONSTITUTIONAL PROCESS THEORY; JURIDICAL HERMENEUTICS. O estudo da interpretação da norma pode ser situado, dentro da Filosofia, no campo da teoria do conhecimento. A interpretação correta ou adequada da norma, o significado da norma é, em primeiro lugar, um problema relacionado com o conhecimento dessa norma. O homem, enquanto sujeito dotado de razão, tem diante de si o problema do conhecimento para definir o significado da norma. 4816

ELEMENTOS DA TEORIA DE CHARLES SANDERS PEIRCE PARA A ... · HERMENÊUTICA JURÍDICA ELEMENTS OF CHARLES SANDERS PEIRCE THEORY FOR JURIDICAL HERMENEUTICS Marcos Antônio Striquer Soares

  • Upload
    others

  • View
    13

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: ELEMENTOS DA TEORIA DE CHARLES SANDERS PEIRCE PARA A ... · HERMENÊUTICA JURÍDICA ELEMENTS OF CHARLES SANDERS PEIRCE THEORY FOR JURIDICAL HERMENEUTICS Marcos Antônio Striquer Soares

ELEMENTOS DA TEORIA DE CHARLES SANDERS PEIRCE PARA A HERMENÊUTICA JURÍDICA

ELEMENTS OF CHARLES SANDERS PEIRCE THEORY FOR JURIDICAL HERMENEUTICS

Marcos Antônio Striquer Soares

RESUMO

Analisa a limitação da experiência do conhecimento da norma jurídica como experiência do sujeito que verifica o significado da norma. Constata que além da norma e do fato ainda é necessário a verificação do sentido que a norma deve ter diante de um fato específico. Investiga a teoria de Immanuel Kant para encontrar a limitação da experiência do conhecimento pelo sujeito do conhecimento. Levanta informações, então, da teoria de Charles Sanders Peirce para possibilitar uma compreensão dialógica da norma. Para tanto, investiga a relação triádica e a cadeia semiótica e semiose de Peirce para concluir com o debate sobre o signo no meio social.

PALAVRAS-CHAVES: INTERPRETAÇÃO; PEIRCE; SEMIÓTICA; PRAGMATISMO; TEORIA PROCESSUAL DA CONSTITUIÇÃO; HERMENÊUTICA JURÍDICA.

ABSTRACT

This work analyses the limitation of the experience of knowledge of the juridical regulation as a personal experience of who verifies the meaning of the regulation. It verifies that besides the regulation and the fact, it is also necessary to verify the meaning that such regulation must have before a specific fact. It investigates the theory of Immanuel Kant to find the limitation of the experience of knowledge. It raises information, than, of Charles Sanders Peirce’s theory to allow a dialogic comprehension of the regulation. For that, it investigates the triadic relation and the semiotic chain and semiosis of Pierce to conclude with the debate about the sign in the social environment.

KEYWORDS: INTERPRETATION; PIERCE; SEMIOTICS, PRAGMATISM, CONSTITUTIONAL PROCESS THEORY; JURIDICAL HERMENEUTICS.

O estudo da interpretação da norma pode ser situado, dentro da Filosofia, no campo da teoria do conhecimento. A interpretação correta ou adequada da norma, o significado da norma é, em primeiro lugar, um problema relacionado com o conhecimento dessa norma. O homem, enquanto sujeito dotado de razão, tem diante de si o problema do conhecimento para definir o significado da norma.

4816

Page 2: ELEMENTOS DA TEORIA DE CHARLES SANDERS PEIRCE PARA A ... · HERMENÊUTICA JURÍDICA ELEMENTS OF CHARLES SANDERS PEIRCE THEORY FOR JURIDICAL HERMENEUTICS Marcos Antônio Striquer Soares

Por outro lado, a experiência do conhecimento é sempre do sujeito do conhecimento, o sujeito que verifica o significado da norma. Essa experiência é do indivíduo, é resultado de uma relação que se estabelece entre o sujeito do conhecimento e o objeto conhecido. Desse modo, a interpretação também acaba como um ato do indivíduo, resultado de uma relação entre sujeito e objeto. O sujeito conhece e interpreta o objeto (norma), estabelecendo o seu significado. Ainda é preciso levar em consideração que o sujeito que interpreta a norma descarrega na interpretação as suas preferências, fazendo com que a interpretação de um sujeito tenha uma chance muito grande de ser diferente da interpretação realizada por outro sujeito.

A aplicação da norma, no entanto, ocorre no ambiente social e não no mundo restrito do sujeito do conhecimento. Essa aplicação da norma acaba condicionada pelas circunstâncias históricas e sociais em que a norma é aplicada. A aplicação, desse modo, não depende apenas do conhecimento do sujeito em relação a um objeto, depende também das circunstâncias históricas e sociais em que a norma é aplicada. O objeto do conhecimento, desse modo, não é somente a norma, mas também é o ambiente histórico-social onde essa norma é aplicada[1].

Desse modo, é preciso proporcionar o encontro do sujeito do conhecimento (experiência do conhecimento que é individual - diante de um objeto sobre o qual não se tenha a consolidação de seu significado - e não se dá de modo coletivo) com o objeto do conhecimento (a norma e a realidade histórica e social).

O exame do significado da norma encontra suporte na lingüística e na lógica. O exame da realidade histórico-social, no entanto, está cercada de subjetividade e de compreensões parciais. O que seja esse ambiente histórico-social gera grande dificuldade na aplicação da norma e não pode ser explicado somente pelo sujeito do conhecimento. Desse modo, é preciso proporcionar o encontro da interpretação (do indivíduo) com uma compreensão possível da realidade histórico-social (o que não pode ser feito de modo individual, pois o indivíduo não consegue apreender totalmente essa realidade e suas explicações são sempre parciais).

Muito além da subsunção: o sentido dos enunciados

A compreensão da interpretação como subsunção, como mera conformação da lei ao fato, não pode sobreviver em um mundo onde os teóricos já demonstraram que além da lei e além do conflito sobre o qual incide a lei, é preciso verificar o sentido que a lei deve ter em relação a determinado conflito.

O lógico alemão Frege - Johann Gottlob Frege - citado por Marilena Chauí[2], explica que é preciso distinguir em nosso pensamento e em nossa linguagem três níveis: o objeto a que nós nos referimos, os enunciados que empregamos e o sentido desses enunciados em relação com o objeto referido. Extrai-se, daí, portanto, que entre a lei e fato existe o sentido que deve ser atribuído à lei diante de um fato determinado.

4817

Page 3: ELEMENTOS DA TEORIA DE CHARLES SANDERS PEIRCE PARA A ... · HERMENÊUTICA JURÍDICA ELEMENTS OF CHARLES SANDERS PEIRCE THEORY FOR JURIDICAL HERMENEUTICS Marcos Antônio Striquer Soares

Encontramos em Habermas outras explicações sobre a lingüística de Frege: "´Há uma diferença entre nossos pensamentos e nossas representações'. Representações sempre são minhas ou tuas representações; elas têm que ser atribuíveis a um sujeito identificável no espaço e no tempo, ao passo que os pensamentos ultrapassam os limites de uma consciência individual. Mesmo que sejam apreendidos por sujeitos diferentes, em lugares e épocas distintas, eles continuam sendo, de acordo com o seu conteúdo e em sentido estrito, os mesmos pensamentos"[3].

A lógica clássica e tradicional[4] sofre, com isto, um ataque severo indicando a necessidade de se encontrar uma decisão dialógica, estabelecida do diálogo entre as pessoas, tendo o texto da norma como limite. Esse diálogo estabelecido para se buscar o sentido da norma a aplicar, permite inclusive a superação da dualidade sujeito que conhece/objeto conhecido ou a superação da subsunção, uma vez que a decisão deixa de ser mera conformação da norma a um fato conflituoso, mas passa a ser expressão de um debate sobre o sentido da norma a aplicar.

Ente Kant e Peirce

Conforme explica Artur Kaufmann[5], na teoria do conhecimento de Kant atribui-se ao entendimento a possibilidade de pensar o objeto da intuição sensível, isto é, ao conhecimento não cabe qualquer faculdade criadora, mas apenas a espontaneidade dos conceitos. Os objetos do pensamento não têm origem no entendimento, mas sim na sensibilidade e valem, por isso, apenas a posteriori. A priori apenas nos são dadas as formas da sensibilidade e as formas do pensamento. Mais adiante Kaufmann[6] explica que Kant superou a ontologia substancialista, mas isto não foi suficiente para superar a lógica aristotélica e kantiana, que apenas conhecem predicados qualificadores[7].

Embora Kant aceite a interferência da experiência na formação do conhecimento, uma vez que a construção do conhecimento se dá a partir do objeto, a importância maior é reconhecida à razão. Marilena Chauí explica: "Analisando a faculdade de conhecer, na Crítica da Razão Pura, Kant distingue duas formas de conhecimento: o empírico ou a posteriori, e o puro ou a priori. O conhecimento empírico, como diz a própria expressão, reduz-se aos dados fornecidos pelas experiências sensíveis. (...) O conhecimento puro ou a priori, ao contrário, não depende de qualquer experiência sensível, distinguindo-se do empírico pela universalidade e necessidade. (...) A experiência sensível por si só - mostra Kant - jamais produz juízos necessários e universais, de tal forma que todas as vezes que se está diante de juízos desse tipo tem-se um conhecimento puro ou a priori"[8].

As explicações de Marilena Chauí continuam: "Ao lado da distinção entre a posteriori ou empírico, e a priori ou puro, impõe-se - segundo Kant - distinguir entre juízo analítico e juízo sintético. No primeiro, o predicado já está contido no sujeito, de tal forma que o juízo em questão consiste apenas em um processo de análise, através do qual se extrai do sujeito aquilo que já está contido nele. (...) Os juízos sintéticos, ao contrário, unem o conceito expresso pelo predicado ao conceito do sujeito, constituindo o único tipo de juízo que enriquece o conhecimento"[9]. Daí surgem três tipos de juízos:

4818

Page 4: ELEMENTOS DA TEORIA DE CHARLES SANDERS PEIRCE PARA A ... · HERMENÊUTICA JURÍDICA ELEMENTS OF CHARLES SANDERS PEIRCE THEORY FOR JURIDICAL HERMENEUTICS Marcos Antônio Striquer Soares

analítico, sintético a posteriori e sintético a priori. Para Kant, "os juízos analíticos não teriam maior interesse(...). Os juízos sintéticos a posteriori também carecem de importância porque são todos contingentes e particulares, referindo-se a experiências que se esgotam em si mesmas. Portanto, o verdadeiro núcleo da teoria do conhecimento situar-se-ia no terreno dos juízos sintéticos a priori, os quais, ao mesmo tempo, são universais e necessários, enriquecendo e fazendo progredir o conhecimento"[10].

Seguem as explicações: "Assim, o problema do conhecimento foi formulado por Kant em torno de três questões: 'como são possíveis os juízos sintéticos a priori na matemática?'; 'como são possíveis os juízos sintéticos a priori na física?'; 'são possíveis os juízos sintéticos a priori na metafísica?'. Kant pretendeu solucionar esses problemas mediante uma revolução (compatível à de Copérnico (1473-1543) na astronomia) no modo de encarar as relações entre o conhecimento e seu objeto. A revolução consistiria em, ao invés de admitir que a faculdade de conhecer se regula pelo objeto, mostrar que o objeto se regula pela faculdade de conhecer. A filosofia deveria investigar a possível existência de certos princípios a priori, que seriam responsáveis pela síntese dos dados empíricos. Estes, por sua vez, deveriam ser encontrados nas duas fontes de conhecimento, que seriam a sensibilidade e o entendimento"[11]- [12] .

Desse modo, embora Kant tenha provocado realmente uma revolução, uma vez que incorporou a interferência da experiência na formação do conhecimento, apesar de dar maior ênfase à razão, ele acabou limitado pelas possibilidades da própria razão em formular conceitos, uma vez que destacou a importância dos juízos sintéticos a priori (aqueles que unem o conceito expresso pelo predicado ao conceito do sujeito, constituindo um tipo de juízo que enriquece o conhecimento, que são a priori em decorrência da universalidade e necessidade de seus termos). A experiência interfere na formação do conhecimento, mas o conhecimento somente pode ser enriquecido e progredir com o uso da razão, quando desenvolve juízos sintéticos a priori.

O limite desse conhecimento é encontrado no instante em que o juízo sintético a priori esgota suas possibilidades de desenvolvimento, ou seja, quando se chega a juízos, dados pela razão, tão universais que já não é mais possível desenvolver tal juízo. Mas a experiência, onde fica? A experiência fica na limitação do próprio indivíduo, o qual tem a experiência do conhecimento, provocando a formação de juízos sintéticos a priori, que se esgota em princípios universais e necessários. Isto porque, conforme anotado, os juízos sintéticos a posteriori são todos contingentes e particulares, referindo-se a experiências que se esgotam em si mesmas.

Tais limitações da teoria kantiana serviram de impulso para construções teóricas de Peirce. Primeiramente, a comprovação da existência dessa limitação, a partir da lógica das relações, depois pelo desenvolvimento de teorias que permitiram explicar a formação do conhecimento humano conjugado com a experiência, não como uma relação sujeito-objeto, mas como uma relação entre o sujeito que conhece, o objeto conhecido e o signo, elemento que carrega as possibilidades de informar a diversidade do mundo (da experiência) para o sujeito que conhece.

Conforme explicações do próprio Peirce: "Creio que estão familiarizados com a reiterada insistência de Kant afirmando que o raciocínio necessário nada mais faz além de explicar o 'significado' das premissas"[13]. "Kant e os lógicos cujas obras conhecia (...) não deram atenção à lógica das relações; e o resultado foi que a única análise que

4819

Page 5: ELEMENTOS DA TEORIA DE CHARLES SANDERS PEIRCE PARA A ... · HERMENÊUTICA JURÍDICA ELEMENTS OF CHARLES SANDERS PEIRCE THEORY FOR JURIDICAL HERMENEUTICS Marcos Antônio Striquer Soares

puderam fornecer do significado dum termo (sua 'significação' como lhe chamaram) é que era composta de todos os termos que podiam ser predicados do termo em análise. Conseqüentemente, ou a análise da significação prossegue mais e mais sem limite (opinião de Kant manifestada numa passagem muito conhecida mas que não desenvolveu), ou se chega a conceitos derradeiros, absolutamente simples, como Ser, Qualidade, Relação, Ação, Liberdade, etc., incapazes de definição, e perfeitamente luminosos e claros[14]-[15]. Em outra passagem é possível complementar essa idéia: "A doutrina de então era, como ainda é nos tratados de lógica depois de 1900, que não existe maneira de definir um termo a não ser através da enumeração de todos os seus predicados universais, cada um dos quais mais geral e abstrato que o termo definido. A menos que o processo pudesse prosseguir sem fim, a explicação de um conceito estacava em idéias como Ser Puro, Ação, consciência e outras semelhantes, tidas como perfeitamente simples, que não requeriam mais explicação. Esta doutrina grotesca foi despedaçada pela lógica de relações, que mostrou que as mais simples concepções - Qualidade, Relação, Consciência de si - podiam ainda ser definidas (...)"[16].

Comprovadas as limitações da lógica de sua época, no desenvolvimento de suas teorias Peirce demonstrou que os pensamentos logicamente controlados compõem um número reduzido de nossos pensamentos. No entanto, nossas ações são acionadas não só por pensamentos logicamente controlados, mas também por pensamentos que ficam fora de nosso controle, de nosso entendimento. Daí a necessidade de se realizar o controle da ação, "que é onde a energia lógica retorna às partes incontroladas e inanalisadas da mente"[17].

Lúcia Santaella explica: "o modelo dualista da percepção entra em ideal conjunção com a intuição cartesiana, com as primeiras impressões dos sentidos dos empiristas e a intuição sensível de Kant, pois, em sentido genérico, em qualquer uma dessas fontes, a intuição se traduz como impressão que apresenta uma correspondência mais ou menos perfeita com seu objeto"[18].

Considerando que a experiência da interpretação jurídica não é, em princípio, obtida de uma mente coletiva, mas de um indivíduo, o qual descarrega na interpretação a sua pré-compreensão e sua visão de mundo; considerando que a aplicação da norma ocorre no meio social, o qual acaba condicionando pelas circunstâncias históricas e sociais, essa aplicação da norma; isto implica na possibilidade de se obter uma decisão que vá além desse esquema dualista, "no qual a percepção é um intercurso que se estabelece entre um sujeito e um objeto"[19] e permita a delimitação do significado da norma pelo grupo social ou, ao menos, de modo controlado pelo grupo social (sob pena de não se poder falar em ciência do direito). É necessário encontrar um método de obtenção de significado da norma que vá além da análise do texto da lei e do conflito posto, que extrapole tais limites de análise. A interpretação no Direito deve ser capaz de criar mecanismos de controle sobre elementos ou variáveis não identificadas de imediato no texto da lei ou nos fatos a examinar. A interpretação se depara com elementos imprevisíveis (a interpretação exigida terá, além dos fatos e além da lei, o sentido - destacado por Frege - que se deve atribuir ao texto, diante dos fatos). Esses elementos imprevisíveis serão inseridos, muitas vezes sem que o próprio intérprete perceba que eles estão ali[20]. São muitos esses elementos, mas serão utilizados pelo intérprete em decorrência de sua pré-compreensão e sua visão de mundo (o que inclui o momento histórico, a predominância de uma ideologia, a humildade ou a arrogância do intérprete, entre outros elementos).

4820

Page 6: ELEMENTOS DA TEORIA DE CHARLES SANDERS PEIRCE PARA A ... · HERMENÊUTICA JURÍDICA ELEMENTS OF CHARLES SANDERS PEIRCE THEORY FOR JURIDICAL HERMENEUTICS Marcos Antônio Striquer Soares

Elementos da teoria de Charles Sanders Peirce para a Hermenêutica Jurídica

São inúmeras as contribuições de Charles Sanders Peirce para a Filosofia e para a Ciência. As suas contribuições para a formação do conhecimento humano também podem ser estendidas para a Ciência do Direito. Contudo, Peirce não produziu textos voltados para o Direito, o que obriga o estudioso deste campo do conhecimento a vasculhar aquelas teorias e a rebuscar conceitos para dotar o Direito daquelas estruturas e informações apresentadas por ele.

A RELAÇÃO TRIÁDICA DE PEIRCE

A relação triádica é explicada por Julio Plaza, citando Peirce: "Assim como o pensamento as linguagens contêm três aspectos: a) as suas qualidades materiais que dão ao pensamento sua qualidade; b) a aplicação denotativa ou conexão real que põe um pensamento-signo em relação a outro; c) a função representativa. Fazendo uma distinção nítida entre as qualidades materiais do signo, seu objeto e significado, Peirce estabeleceu que todo processo sígnico opera por relações triádicas entre esses três elementos de semiose."[21]

O objeto é tudo o que pode ser apreciado pela mente humana, tendo existência real ou apenas apresentado à nossa razão de modo ideal. O signo é a representação de um objeto, a representação de algo que é apreciado pela mente humana. Já o significado é a idéia que um signo expressa, ou seja, o significado é a idéia que se extrai de um signo referente a um objeto.

"Diante de qualquer fenômeno, isto é, para conhecer e compreender qualquer coisa, a consciência produz um signo, ou seja, um pensamento como mediação irrecusável entre nós e os fenômenos. E isto, já ao nível do que chamamos de percepção. Perceber não é senão traduzir um objeto de percepção em um julgamento de percepção, ou melhor, é interpor uma camada interpretativa entre a consciência e o que é percebido."[22]

"O objeto de um signo é uma coisa, seu significado outra. Seu objeto é a coisa ou ocasião, ainda que indefinida, à qual ele deve aplicar-se. Seu significado é a idéia que ele atribui àquele objeto."[23]

Citando Peirce, Lúcia Santaella explica: "Um signo intenta representar, em parte pelo menos, um objeto que é, portanto, num certo sentido, a causa ou determinante do signo, mesmo se o signo representar seu objeto falsamente. Mas dizer que ele representa seu objeto implica que ele afete uma mente, de tal modo que, de certa maneira, determine naquela mente algo que é mediatamente devido ao objeto."[24] Em seguida a autora esclarece: "o signo é uma coisa que representa uma outra coisa: seu objeto. Ele só pode funcionar como signo se carregar esse poder de representar, substituir uma outra coisa

4821

Page 7: ELEMENTOS DA TEORIA DE CHARLES SANDERS PEIRCE PARA A ... · HERMENÊUTICA JURÍDICA ELEMENTS OF CHARLES SANDERS PEIRCE THEORY FOR JURIDICAL HERMENEUTICS Marcos Antônio Striquer Soares

diferente dele. Ora, o signo não é o objeto. Ele apenas está no lugar do objeto. Portanto, ele só pode representar esse objeto de um certo modo e numa certa capacidade."[25]

Segundo Julio Plaza, "a plenitude tricotômica do signo-pensamento ou semiose genuína significa que o objeto tem primazia real sobre o signo, ou seja, o objeto determina o signo. Primazia real, no entanto, não significa primazia lógica, quer dizer, embora o signo seja determinado pelo objeto, este, por sua vez, só é logicamente acessível pela mediação do signo. Nessa medida, o signo não se confunde com o objeto, visto que este é algo que está fora do signo, mas só pode ser apreendido através do signos. Desse modo, o signo não pode ser o objeto, pode apenas representá-lo porque, de uma forma ou de outra, carrega este poder de representação."[26] (grifos nossos).

Dessa ligação objeto/signo emerge na mente de um observador, conhecedor dos signos, um significado apropriado para essa relação. Este significado denomina-se interpretante. Lúcia Santaella explica: "Ora, o signo só pode representar seu objeto para um intérprete, e porque representa seu objeto, produz na mente desse intérprete alguma outra coisa (um signo ou quase-signo) que também está relacionada ao objeto não diretamente, mas pela mediação do signo. Cumpre reter da definição a noção de interpretante. Não se refere ao intérprete do signo, mas a um processo relacional que se cria na mente do intérprete. A partir da relação de representação que o signo mantém com seu objeto, produz-se na mente interpretadora um outro signo que traduz o significado do primeiro (é o interpretante do primeiro). Portanto, o significado de um signo é outro signo - seja este uma imagem mental ou palpável, uma ação ou mera reação gestual, uma palavra ou um mero sentimento de alegria, raiva... uma idéia, ou seja lá o que for - porque esse seja lá o que for, que é criado na mente pelo signo, é um outro signo (tradução do primeiro)."[27]

Partindo de Valente e Brosso, vamos encontrar as seguintes explicações, até entendermos o interpretante: "Dirige-se o signo ao objeto, porém nunca é o objeto. Diz-se algo sobre este. Representa-o unicamente a relação e um tipo de idéia do objeto. Haverá um ou múltiplos signos referidos a um mesmo objeto, enquanto que, por sua vez, o signo pode ter, da mesma forma, múltiplos objetos. Conecta-se o Signo com a realidade que o torna vivo, existente, mas só se efetua ao gerar outro signo que novamente o representa. A tal representação mediadora Peirce designa Interpretante, por realizar o papel de um intérprete. Um signo significa por dirigir-se a outro signo que o interpreta; o mesmo objeto representando, em sentido semelhante ao signo inicial. Peirce parece nos fornecer aqui a chave para a compreensão da ação do signo, a Semiose. Não é o interpretante outra coisa senão o efeito signico produzido. Distingue Peirce três tipos de possíveis efeitos: uma sensação produzida (Interpretante Emocional); um esforço muscular externo ou um esforço que se exerce sobre o mundo interior (Interpretante Energético); e um conceito, quer seja, signo mental ou pensamento (Interpretante Lógico)."[28]

De todo o exposto, entendemos que o interpretante é o resultado de um signo comunicado à mente. A mente recebe a informação sígnica e transforma o recebido em outro signo, denominado interpretante. Podemos analisar a partir de agora a cadeia semiótica.

4822

Page 8: ELEMENTOS DA TEORIA DE CHARLES SANDERS PEIRCE PARA A ... · HERMENÊUTICA JURÍDICA ELEMENTS OF CHARLES SANDERS PEIRCE THEORY FOR JURIDICAL HERMENEUTICS Marcos Antônio Striquer Soares

A cadeia semiótica e semiose

A cadeia semiótica se apresenta como um processo a partir de um objeto, o qual passou a ser representado de algum modo, representação que passou a ser denominada signo, relacionado, este, àquele objeto. Esta representação produziu na mente do interlocutor/observado (alguém a quem foi comunicado o signo) uma compreensão daquele signo em relação àquele objeto, a qual já não é o mesmo signo que representou aquele objeto, simplesmente implantado na mente do interlocutor/observador, mas ele adquire outro significado em razão da interpretação de quem o recebe.

"Semiose (do grego semeiosis; sufixo -sis = ação ou processo), no sentido peirceano, significa ação interpretativa por meio de signos."[29] "É a semiose, pois, a ação de praticamente qualquer signo."[30] "A semiose é uma relação de momentos num processo seqüencial-sucessivo ininterrupto."[31] A semiose é possível, portanto, a partir da constatação da existência da relação triádica. Esta relação veicula o processo de interpretação, a semiose.

Julio Plaza explica que, "por seu caráter de transmutação de signo em signo, qualquer pensamento é necessariamente tradução. Quando pensamos, traduzimos aquilo que temos presente à consciência, sejam imagens, sentimentos ou concepções (que, aliás, já são signos ou quase-signos) em outras representações que também servem como signos. Todo pensamento é tradução de outro pensamento, pois qualquer pensamento requer ter havido outro pensamento para o qual ele funciona como interpretante."[32]

Segundo Valente e Brosso, "um signo representa um objeto, produzindo um novo signo que interpreta a representação. E é justamente o terceiro vértice criado por Peirce, o Interpretante, que é signo de signo, um supersigno, no dizer de Décio Pignatari, cujo objeto não é o mesmo do signo primeiro, pois engloba não somente Objeto e Signo, como a ele próprio, num contínuo jogo de espelhos. Peirce diz, fundamentalmente, que o significado de um signo é sempre outro signo. Logo, semiose é um processo que se desenvolve por relações triádicas. Pignatari esclarece que o interpretante é o signo-resultado contínuo que nasce desse processo. Interpretante é significação, interpretação de um signo. Interpretante é um signo vivo próprio da semiose."[33]

Para Lúcia Santaella, "compreender, interpretar é traduzir um pensamento em outro pensamento num movimento ininterrupto, pois só podemos pensar um pensamento em outro pensamento. É porque o signo está numa relação a três termos que sua ação pode ser bilateral: de um lado, representa o que está fora dele, seu objeto, e de outro lado, dirige-se para alguém em cuja mente se processará sua remessa para um outro signo ou pensamento onde seu sentido se traduz. E esse sentido, para ser interpretado tem de ser traduzido em outro signo, e assim ad infinitum. O significado, portanto, é aquilo que se desloca e se esquiva incessantemente. O significado de um pensamento ou signo é um outro pensamento. Por exemplo: para esclarecer o significado de qualquer palavra, temos que recorrer a uma outra palavra que, em alguns traços, possa substituir a anterior. Basta folhear um dicionário para que se veja como isto, de fato, é assim"[34].

A cadeia semiótica é, portanto, um processo de tradução de um pensamento em outro pensamento, da representação de um objeto em novo pensamento, o qual já é um novo

4823

Page 9: ELEMENTOS DA TEORIA DE CHARLES SANDERS PEIRCE PARA A ... · HERMENÊUTICA JURÍDICA ELEMENTS OF CHARLES SANDERS PEIRCE THEORY FOR JURIDICAL HERMENEUTICS Marcos Antônio Striquer Soares

pensamento, que gera nova representação e novo pensamento. O significado de um pensamento é outro pensamento, cujo significado já será outro pensamento, assim até o infinito, ou talvez até a morte do indivíduo.

O debate do signo no meio social

Lúcia Santaella explica o modelo de Charles Sanders Peirce[35]: o modelo peirceano da percepção é triádico e, portanto, mediado e contínuo. Diferentemente do esquema dualista no qual a percepção é um intercurso que se estabelece entre um sujeito e um objeto, para Peirce, em toda percepção, três elementos estão envolvidos: o percepto (é o que está lá, estrangeiro, fora de nós, é o objeto da percepção), o percipuum (corresponde ao modo como o percepto, traduzido pelos nossos órgãos sensórios, é imediatamente interpretado no julgamento de percepção) e o julgamento de percepção (é uma espécie de proposição que nos informa sobre aquilo que está sendo percebido).

Na teoria de Peirce[36], o pensamento é um processo ininterrupto, uma relação entre três elementos: o signo-pensamento, o objeto, ou pensamento precedente, ao qual o signo se refere, e o pensamento subseqüente no qual o signo é pensado. Pensamentos são eventos, atos da mente. Cada pensamento é um evento no tempo. Dois pensamentos são dois eventos separados no tempo. Um pensamento só pode ser significado em outro pensamento. Em si mesmo, na sua imediaticidade, um pensamento é perfeitamente simples e inanalisável, sem valor intelectual, sem significado, pois esse valor e significado só podem existir e aparecer no momento em que o pensamento é interpretado, pensado, representado, num pensamento subseqüente.

Em outras passagens do trabalho de Lúcia Santaella ainda encontram-se esclarecimentos importantes para este estudo: "não há conhecimento sem interpretação, visto que todo conhecimento é condicionado pelos fatores anteriores a ele no processo de cognição e só se revela no momento em que é interpretado num conhecimento subseqüente"[37]. Na teoria peirceana "a verdade depende de uma comunidade de investigadores e não de um indivíduo isolado e fechado no regozijo de suas certezas"[38].

Encontram-se em Habermas[39] outras explicações significativas da teoria de Peirce: No lugar do conceito bipolar de um mundo representado lingüisticamente, surge em Peirce o conceito tripolar da representação lingüística de algo para um possível intérprete. O mundo como síntese de possíveis fatos só se constitui para uma comunidade de interpretação, cujos membros se entendem entre si sobre algo no mundo, no interior de um mundo da vida compartilhado intersubjetivamente. "Real" é o que pode ser representado em proposições verdadeiras, ao passo que "verdadeiro" pode ser explicado a partir da pretensão que é levantada por um em relação ao outro no momento em que assevera uma proposição. Com o sentido assertórico de sua afirmação, um falante levanta a pretensão, criticável, à validade da proposição proferida; e como ninguém dispõe diretamente de condições de validade que não sejam interpretadas, a "validade" (Gültgkeit) tem de ser entendida epistemicamente como "validade que se mostra para nós" (Geltung). A justificada pretensão de verdade de um proponente deve

4824

Page 10: ELEMENTOS DA TEORIA DE CHARLES SANDERS PEIRCE PARA A ... · HERMENÊUTICA JURÍDICA ELEMENTS OF CHARLES SANDERS PEIRCE THEORY FOR JURIDICAL HERMENEUTICS Marcos Antônio Striquer Soares

ser defensável, através de argumentos, contra objeções de possíveis oponentes e, no final, deve poder contar com um acordo racional da comunidade de interpretação em geral.

Desse modo, Peirce propõe o pragmatismo como método apropriado para se obter uma solução diante de tantas incertezas que se apresentam entre diferentes intérpretes. Para os objetivos deste trabalho são suficientes algumas explicações. Peirce questiona e explica[40]: Mas qual é o objetivo do pragmatismo? Que é que se espera dele? Espera-se que ponha um termo às disputas filosóficas que a mera observação de fatos não pode decidir, e na qual cada parte afirma que a outra é que está errada. O pragmatismo sustenta que ambos os adversários lavra no equívoco. Atribuem sentidos diferentes às palavras, ou usam-nas sem qualquer sentido definido. O que se deseja é um método capaz de determinar o verdadeiro sentido de qualquer conceito, doutrina, proposição, palavra, ou outro tipo de signo. O pragmatismo não toma a seu cargo dizer em que consistem os sentidos de todos os signos, mas apenas estabelecer um método para determinar os sentidos dos conceitos abstratos, isto é, aqueles sobre os quais trabalha o raciocínio. Para determinar o sentido de uma concepção intelectual devem-se considerar as conseqüências práticas pensáveis como resultantes necessariamente da verdade da concepção; e a soma dessas conseqüências constituirá o sentido total da concepção.

O desenvolvimento do pragmatismo na área do Direito deve ser feito a partir do processo. Processo não apenas como Direito Processual, como área do Direito voltada para a solução dos conflitos, aplicando o direito material. Mas processo como método destinado ao debate, ao confronto de idéias, ou simplesmente como conjunto de atos que devem ser confirmados pelos interlocutores de quem pratica esse ato (como é o caso do ato administrativo), e sempre tendente a uma finalidade. A idéia de processo, aqui, está diretamente relacionada com o Direito Constitucional, com a prática de atos oficiais pelo Estado, seja solucionando conflitos, na criação da lei ou na prática de atos pelo Executivo. O pragmatismo deve ser estudado, nessa dimensão, pela Hermenêutica Jurídica e por uma Teoria Processual da Constituição, voltada à interpretação e aplicação da Constituição.

Referências:

ARENDT, Hannah. Lições sobre a filosofia política de Kant, 2ª ed., tradução Ronald Boiner, 2ª ed., Rio de Janeiro, Relume-Dumará, 1994.

CHAUI, Marilena. Convite à Filosofia, 4ª ed., /São Paulo, Editora Ática, 1995.

_________________. Vida e obra de Kant, in Immanuel Kant, Os Pensadores, São Paulo, Abril Cultural, 1980.

HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade, vol. I, 2ª ed., tradução: Flávio Beno Siebeneichler, Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 2003.

4825

Page 11: ELEMENTOS DA TEORIA DE CHARLES SANDERS PEIRCE PARA A ... · HERMENÊUTICA JURÍDICA ELEMENTS OF CHARLES SANDERS PEIRCE THEORY FOR JURIDICAL HERMENEUTICS Marcos Antônio Striquer Soares

KAUFMANN, Artur. Filosofia do Direito, tradução: Antônio Ulisses Cortês, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2004.

MONTORO, André Franco. Lógica jurídica, ferramenta do jurista, in Direito, Cidadania e Justiça, coord.: DI GIORGI, Beatriz; CAMPILONGO, Celso Fernandes; e PIOVESAN, Flávia, São Paulo, Ed. RT, 1995.

PEIRCE, Charles Sanders. Os Pensadores, tradução de Armando Mora D'Olibeira e Sérgio Pomerangblum, 2ª ed., São Paulo, Abril Cultural, 1980.

PLAZA, Julio. Tradução intersemiótica, São Paulo, Editora Perspectiva, Coleção Estudos, 2001.

REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito, 8ª ed., São Paulo, Saraiva, 1981.

SANTAELLA, Lúcia. O método anticartesiano de C. S. Peirce, São Paulo, Editora UNESP, 2004.

_________________. O que é Semiótica, 1ª ed., 15ª reimpressão, São Paulo, Brasiliense, 1999.

_________________. Produção de linguagem e ideologia, 2ª ed., São Paulo, Cortez, 1996.

VALENTE, Nelson; e BROSSO, Rubens. Elementos de Semiótica: comunicação verbal e alfabeto visual, São Paulo, Editora Panorama, 1999.

[1] Entre os brasileiros, a Teoria Tridimensional do Direito, de Miguel Reale, apresenta fundamentos que caminham para a superação dessa limitação da relação sujeito/objeto. Segundo seu autor, essa teoria demonstra que: "a) onde quer que haja um fenômeno jurídico, há, sempre e necessariamente, uma fato subjacente (fato econômico, geográfico, demográfico, de ordem técnica etc.); um valor, que confere determinada significação a esse fato, inclinando ou determinando a ação dos homens no sentido de atngir ou preservar certa finalidade ou objetivo; e, finalmente, uma regra ou norma, que representa a relação ou medida que integra um daqueles elementos ao outro, o fato ao valor; b) tais elementos ou fatores (fato, valor e norma) não existem separados um dos outros, mas coexistem numa unidade concreta; c) mais ainda, esses elementos ou fatores não só se exigem reciprocamente, mas atuam como elos de um processo (já vimos que o Direito é uma realidade histórico-cultural) de tal modo que a vida do Direito resulta da interação dinâmica e dialética dos três elementos que a integram" (Lições Preliminares de Direito, 8ª ed., São Paulo, Saraiva, 1981, p. 65). Mais adiante o autor complementa: "o Direito se caracteriza por sua estrutura tridimensional, na qual fatos e valores se dialetizam, isto é, obedecem a um processo dinâmico que aos poucos iremos desvendando. Nós dizemos que esse processo do Direito obedece a uma forma especial de dialética que denominamos 'dialética de implicação-polaridade', que não se confunde com a dialética hegeliana ou marxista dos opostos. (...) Segundo a dialética de implicação-polaridade, aplicada à experiência jurídica, o fato e o valor nesta se correlacionam de tal modo que cada um deles se mantém irredutível ao outro

4826

Page 12: ELEMENTOS DA TEORIA DE CHARLES SANDERS PEIRCE PARA A ... · HERMENÊUTICA JURÍDICA ELEMENTS OF CHARLES SANDERS PEIRCE THEORY FOR JURIDICAL HERMENEUTICS Marcos Antônio Striquer Soares

(polaridade) mas se exigindo mutuamente (implicação) o que dá origem à estrutura normativa como momento de realização do Direito" (Lições Preliminares de Direito, p. 67).

[2] Johann Gottlob Frege, apud Marilena Chauí, Convite à Filosofia, São Paulo, Editora Ática, 1995, p. 62.

[3] Jürgen Habermas, Direito e democracia: entre facticidade e validade, vol. I, 2ª ed., tradução: Flávio Beno Siebeneichler, Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 2003, p. 27-28.

[4] Em artigo intitulado Lógica jurídica, ferramenta do jurista, Franco Montoro explica que "O termo 'Lógica' tem hoje, entretanto, diferentes significações. Aplica-se à Lógica clássica, à Lógica simbólica ou matemática, à Lógica da linguagem, à Lógica deôntica e às chamadas Lógicas do concreto". Depois de traçar os contornos de cada uma o autor apresenta a seguinte avaliação: "Diante dessa diversidade de opiniões, qual das modalidades de Lógica devemos utilizar no estudo da Lógica jurídica? Deixando de lado o radicalismo e o reducionismo de algumas posições, podemos afirmar que, em regra, essas correntes não se excluem. Constituem, antes, abordagens diferentes e podem trazer contribuições positivas para o estudo de problemas diferentes. Uma visão compreensiva da matéria nos leva, assim a considerar no campo do Direito todos os tipos de Lógica acima indicados. Eles representam focalizações ou perspectivas diferentes que podem ser aplicados a situações diferentes. O desenvolvimento dos estudos lógico-jurídicos vem demonstrando a utilidade incontestável de cada uma dessas abordagens para o exame de determinadas situações ou aspectos do Direito" (Franco Montoro, Lógica jurídica, ferramenta do jurista, in Direito, Cidadania e Justiça, coord.: Beatriz Di Giorgi, Celso Fernandes Campilongo e Flávia Piovesan, São Paulo, Ed. RT, 1995, p. 17-22).

[5] Artur Kaufmann, Filosofia do Direito, tradução: Antônio Ulisses Cortês, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2004, p. 39.

[6] Artur Kaufmann, Filosofia do Direito, 50.

[7] Conforme Lúcia Santaella, "Enquanto Kant olha a proposição que fala o mundo, Peirce olha o mundo nos modos como ele é apreendido e em que as proposições verbais surgem como um dentre os modos" (Produção de linguagem e ideologia, 2ª ed., São Paulo, Cortez Editora, 1996, p. 127).

[8] Marilena Chai, Vida e obra de Kant, in Immanuel Kant, Os Pensadores, São Paulo, Abril Cultural, 1980, p. IX.

[9] Marilena Chai, Vida e obra de Kant, p. IX.

[10] Marilena Chai, Vida e obra de Kant, p. IX.

[11] Marilena Chai, Vida e obra de Kant, p. IX.

[12] Conforme ensina Hannah Arendt: "Lembrem que em Kant a experiência e o conhecimento possuem dois troncos: intuição (sensibilidade) e conceitos (entendimento). A intuição sempre nos dá algo particular; o conceito torna o particular

4827

Page 13: ELEMENTOS DA TEORIA DE CHARLES SANDERS PEIRCE PARA A ... · HERMENÊUTICA JURÍDICA ELEMENTS OF CHARLES SANDERS PEIRCE THEORY FOR JURIDICAL HERMENEUTICS Marcos Antônio Striquer Soares

conhecido para nós. Se eu digo: 'esta mesa', é como se a intuição dissesse 'esta' e o entendimento complementasse: 'mesa'. 'Esta' relaciona-se apenas com esse item específico; 'mesa' o identifica e torna o objeto comunicável. Surgem duas questões. Em primeiro lugar, como essas duas faculdades relacionam-se? Certamente, os conceitos do entendimento propiciam ao espírito a ordenação do múltiplo das sensações. Mas de onde provém a síntese, o seu trabalho em conjunto? Em segundo lugar, esse conceito, 'mesa', é ele apenas um conceito? Não será também, talvez, uma espécie de imagem? De modo que algum tipo de imaginação também se faça presente no intelecto? A resposta é: 'A síntese de um múltiplo ... é o que primeiramente dá origem ao conhecimento ... [Ela] agrega os elementos para o conhecimento e os unifica em um certo conteúdo'; essa síntese 'é o mero resultado da faculdade da imaginação, uma função cega mas indispensável de nossa alma, sem a qual de modo algum teríamos um conhecimento, mas da qual raramente estamos conscientes'. E o modo pelo qual a imaginação produz a síntese é 'provendo uma imagem para um conceito'. Tal imagem é chamada 'esquema'. Aqui, Kant apela à imaginação para proporcionar a conexão entre as duas faculdades, e, na primeira edição da Crítica da razão pura, ele chama a imaginação de a 'faculdade da síntese em geral [überhaupt]'. Em outros lugares, onde fala diretamente do 'esquematismo' envolvido em nosso entendimento, chama-o de uma 'arte escondida nas profundezas da alma humana' (isto é, temos uma espécie de 'intuição' de algo que nunca está presente); pelo que Kant sugere que a imaginação é de fato a raiz comum das outras faculdades cognitivas, isto é, a 'raiz comum, mas para nós desconhecida', da sensibilidade e do entendimento, sobre a qual ele fala na Introdução da Crítica da razão pura e em seu último capítulo, em que menciona novamente essa faculdade, mas sem nomeá-la" (Lições sobre a filosofia política de Kant, 2ª ed., tradução Ronald Boiner, 2ª ed., Rio de Janeiro, Relume-Dumará, 1994, p. 80-81).

[13] Charles Sanders Peirce, Os Pensadores, tradução de Armando Mora D'Olibeira e Sérgio Pomerangblum, 2ª ed., São Paulo, Abril Cultural, 1980, p. 48

[14] Charles Sanders Peirce, Os Pensadores, p. 48-49.

[15] Explica-nos Peirce que "Um dos muitos serviços importantes prestados pela lógica das relações foi mostrar que estes chamados conceitos simples, apesar de não-afetados pelo tipo de combinação reconhecido na lógica-não-relacional, são, contudo, suscetíveis de análise devido a implicarem diversos modos de relacionamento" (Charles Sanders Peirce, Os Pensadores, p. 48-49). Ele cita, então exemplos de conceito simples desenvolvidos por ele (Primeiridade, Segundidade e Terceiridade) e explica que o fato de ter apresentado tais conceitos não impediu que ele os tenha definido, de maneira muito efetiva, aliás, uma vez que todos os seus enunciados sobre eles foram deduzidos daquelas definições.

[16] Charles Sanders Peirce, Os Pensadores, p. 58.

[17] Charles Sanders Peirce, Os Pensadores, p. 59-60.

[18] Lúcia Santaella, O método anticartesiano de C. S. Peirce, São Paulo, Editora UNESP, 2004, p. 118.

[19] Lúcia Santaella, O método anticartesiano de C. S. Peirce, p. 118.

4828

Page 14: ELEMENTOS DA TEORIA DE CHARLES SANDERS PEIRCE PARA A ... · HERMENÊUTICA JURÍDICA ELEMENTS OF CHARLES SANDERS PEIRCE THEORY FOR JURIDICAL HERMENEUTICS Marcos Antônio Striquer Soares

[20] Conforme explica Lúcia Santaella, "No instante em que o percepto [é o que está lá, estrangeiro, fora de nós] chega até nós, ele é imediatamente filtrado pelos nossos sentidos e capturado nas malhas dos esquemas mentais com que estamos equipados para traduzir aquilo que se apresenta à nossa mente. As operações desses esquemas escapam por completo do domínio de nossa consciência" (Lúcia Santaella, O método anticartesiano de C. S. Peirce, p. 119).

[21] Julio Plaza, Interpretação intersemiótica, São Paulo, Editora Perspectiva, Coleção Estudos, 2001, p. 21.

[22] Lúcia Santaella, O que é Semiótica, 1ª ed., 15ª reimpressão, São Paulo, Brasiliense, 1999, p. 51.

[23] Nelson Valente e Rubens Brosso, Elementos de Semiótica: comunicação verbal e alfabeto visual, São Paulo, Editora Panorama, 1999, p. 49.

[24] Lúcia Santaella, O que é Semiótica, p. 58.

[25] Lúcia Santaella, O que é Semiótica, 1999, p. 58.

[26] Julio Plaza, Tradução intersemiótica, p. 20.

[27] Lúcia Santaella, O que é Semiótica, p. 58 e 59.

[28] Nelson Valente e Rubens Brosso, Elementos de Semiótica, p. 87.

[29] Nelson Valente e Rubens Brosso, Elementos de Semiótica, p. 81.

[30] Nelson Valente e Rubens Brosso, Elementos de Semiótica, p. 86.

[31] Julio Plaza, Tradução intersemiótica, p. 17.

[32] Julio Plaza, Tradução intersemiótica, p. 18.

[33] Nelson Valente e Rubens Brosso, Elementos de Semiótica, p. 93 e 94.

[34] Lúcia Santaella, O que é Semiótica, p. 52.

[35] Lúcia Santaella, O método anticartesiano de C. S. Peirce, p. 118.

[36] Lúcia Santaella, O método anticartesiano de C. S. Peirce, p. 53-54.

[37] Lúcia Santaella, O método anticartesiano de C. S. Peirce, p. 57.

[38] Lúcia Santaella, O método anticartesiano de C. S. Peirce, p. 48.

[39] Jürgen Habermas, Direito e democracia, p. 31-33.

[40] Charles Sanders Peirce, Os Pensadores, p. 6-7.

4829