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El Clandestino El Clandestino Uma história sem precedentes O jornalista que virou notícia Episódio que marcou o jornalismo e fracassou a Condor Tupamaros administram o país desde 2004 D esde a primeira linha, a história parece mais um roteiro de cinema que um fato real. A imaginação trabalha para resgatar todos os detalhes transcritos nas 443 páginas de um episódio sem igual no jornalismo e na Operação Condor. Prefaciado em duas pá- ginas por Juca Kfouri e mais duas por José Roberto Guzzo, o livro “O seqüestro dos uruguaios: uma re- portagem dos tempos da ditadura” não desperdiça tempo nem espaço. Aproveita cada instante pra atrair o leitor. O livro demonstra a dedicação do jornalista Luiz Cláudio Cunha, por quase dois anos, para encontrar a solução da grande reportagem. E em 2008, 30 anos depois, remonta na obra cada detalhe da investiga- ção. A série de reportagens, que se prolongou durante 86 semanas, é trabalhada com todas as minúcias que LCC poderia escrever. O autor traz novidades a todo o momento. É como num filme, basta um segundo de distração para se perder. Com freqüência, o autor volta à história, como se estivesse te lem- brando do que aconteceu antes, relembra os principais fatos ocorri- dos e fundamentais para a compre- ensão. Mas, ainda assim vem com um “tempero” diferente. No final do livro, há dois anexos explicativos essenciais para entender o porque e como se deu a história. Um explica a ditadura do Uruguai, e o outro a Operação Condor e suas particula- ridades. Cunha recebe, através de um tele- fonema anônimo, a informação de um casal detido na Rua Botafogo, n° 621, apartamento 110, bloco três no bairro Menino Deus. Era dia de fechamento da revista Veja, da qual era diretor da sucursal em Porto Alegre, mas isso não atrapalharia o trabalho jornalístico de ir checar se estava acontecendo alguma coisa no endereço da fonte não declarada. Sabia apenas que não era brasileiro por causa do espanhol com carrega- do sotaque. “As pernas tremem, bambas. Não desabafo no chão porque estou sen- tado no banco da frente do Chevet- te. O cano escuro da pistola a um palmo da minha testa é a imagem que ainda gira solta dentro da mi- nha cabeça.” (p. 25). A partir daí, os 30 capítulos seguintes mergulham na história do sequestro, da ditadu- ra, da Condor. No horror que foram as décadas de 70 e 80 na América Latina. Numa época de repressão e tor- tura, o episódio do sequestro dos uruguaios trouxe à tona a organiza- ção de inteligência secreta entre os países membros do Cone Sul. Em- bora somente na década de 90 se tenha publicado informações sobre a Operação Condor, quando 24 mil documentos secretos sobre o Chile foram revelados durante a adminis- tração de Bill Clinton nos Estados Unidos, são descobertos relatórios sobre a cooperação militar entre os seis países da organização, que esta- vam sob o poder da CIA, agência de inteligência norte-americana. No “arquivo do terror”, foram en- contrados relatórios secretos da po- lícia política de Alfredo Stroessner, descoberto pelo ex-preso político paraguaio Martín Almada na ci- dade de Lambaré, no Paraguai, em 1992, onde existem mais de 700 mil arquivos, 23 mil nomes de pesso- as até hoje catalogadas e 300 siglas de organizações reprimidas. Nesse documentos aparecem evidencias sobre a estreita colaboração entre Brasil, Argentina, Uruguai, Para- guai, Bolívia e Chile para enfrentar os grupos que lutavam para a der- rubada de seus governantes naquele período. Em novembro de 1978, Lílian Ce- liberti seus dois filhos e Universin- do Diaz são seqüestrados no apar- tamento onde moravam. Os dois, militantes da oposição, foram tor- turados e presos em Porto Alegre, e levados clandestinamente para Montevidéu, onde ficaram presos durante cinco anos acusados por te- rem invadido o território uruguaio. A presença de LCC e do fotógrafo Scalco na residência do casal faria do desaparecimento uma reporta- gem de repercussão internacional. Com o vigor jornalístico, Cunha só termina a sua série quando os policiais são condenados pela jus- tiça, que acabou reconhecendo o seqüestro. Lílian Celiberti Rosas de Casarie- go era professora do nível primário e dirigente da Federação Uruguaia do Ministério quando foi presa por exercer atividades políticas em 1972 no Uruguai, cumpriu quase dois anos de pena e quando foi libertada, viajou para a Itália. De volta à Amé- rica do Sul, mudou-se para o Brasil em outubro de 1978, sob os cuida- dos das Nações Unidas, tinha o ob- jetivo de juntar informações sobre direitos humanos no Uruguai para entidades internacionais na Europa e nos Estados que denunciavam a violência política no Cone Sul. A ação não contava com os dois filhos de Lílian, Camilo de oito anos e Francesca de apenas três, que passaram por situações cons- trangedoras ao verem a mãe sendo torturada, ainda na capital gaúcha. Quando chegaram ao Uruguai, as crianças foram entregues aos pais de Lílian, Lilia Rosas de Casariego e Homero Rosas. O livro, ainda contém um portfó- lio de oito páginas, que identifica os personagens descritos ao longo da história. A obra-prima, como Kfou- ri classifica o livro, é um registro histórico e importante documento para o fortalecimento da democra- cia. Merecedora, a série de Luiz Cláu- dio Cunha é ganhadora dos maio- res prêmios de jornalismo do país em 1979: Esso, Vladmir Herzog, Telesp e Abril. A ordem de sequestro veio do Uruguai. Oficiais bra- sileiros e uruguaios recebe- ram instruções para capturar Universindo Rodriguez Diaz e Lílian Celiberti, membros do Partido por la vitória del pue- blo, organização comunista da esquerda uruguaia. O casal de uruguaios estava refugiado no Brasil com o objetivo de fa- zer contatos para aumentar a resistência contra a ditadura. A ação foi executada por mi- litares uruguaios no dia 12 de novembro de 1978. Na sexta-feira, 17, a presen- ça inesperada do jornalista Luiz Cláudio Cunha (LCC) e do repórter fotográfico João Baptista Scalco no apartamen- to onde estava o casal seques- trado pelos policiais, acelerou a transferência dos detidos para o Uruguai. Os filhos de Lílian - Camilo, de oito anos e Francesca, de apenas três - fo- ram entregues aos avôs. O primeiro comunicado das forças conjuntas do Uru- guai dizia que eles estavam presos porque tentaram inva- dir território uruguaio. Uma mentira deslavada, já que os jornalistas da Veja tinham sido testemunhas do ocor- rido. Na terra natal, Lílian e Universindo ficaram presos por cinco anos. O episódio do “Sequestro dos uruguaios”, como ficou conhecido, foi a primeira e única ação conjunta da Ope- ração Condor que fracassou internacionalmente, e a pri- meira evidencia de que o Bra- sil participava da organização clandestina. O casal foi libera- do em 1984 depois das inúme- ras torturas e humilhações, na época em que o Uruguai volta à democracia. O governo rio- grandense os indenizou em 1991 e o Uruguai redemocra- tizado indenizou o casal no ano seguinte Estima-se que a Operação Condor deixou 50 mil mortos, 30 mil desaparecidos e 400 presos. A sobrevivência dos quatro uruguaios deve-se a rá- pida atuação do repórter LCC e do fotógrafo Scalco. Se eles não tivessem ido ao endereço passado pelo telefonema anô- nimo, este jornal mural sequer existiria. O mais recente avanço da esquerda política do Uruguai é a segunda as- censão consecutiva ao go- verno através das eleições. Desde 1° de março deste ano, José “Pepe” Mujica, com 74 anos, cofundador do movimento radical da oposição, ocupa o cargo de presidente do país repre- sentando a Frente Ampla (FA). O atual governante pro- mete dar continuidade às ações da administração anterior que deram popu- laridade ao partido. A luta contra a pobreza e a disse- minação do conhecimen- to em “todos os cantos do país” fazem parte das prin- cipais preocupações para o seu mandato. O primeiro ex-guerrilheiro a chegar à presidência do Uruguai participou do Movimen- to de Libertação Nacional (MLN), ficou preso duran- te 14 anos e foi torturado pela ditadura militar. O seu antecessor, Taba- ré Vazquez (2004-2009), triplicou o investimento externo, reduziu o gasto público e deixou o governo com um avanço também nos setores social e militar, porém a política externa e a segurança não foram muito bem sucedidas. Liderado por Bolivar Moreira, Gustavo Robaina e Romina Napilotti, um grupo setorizado da FA decidiu formar um novo espaço político chamado “Ir”. O objetivo é demo- cratizar a participação na estrutura organizacional e influenciar na resolução de questões de importância. O argumento do grupo é que atualmente a FA não tem capacidade para motivar a militância e gerar discus- sões. Pretendem “recupe- rar a essência perdida” A constituição uruguaia de 1967 institucionalizou uma presidência forte, su- jeita ao controle judiciário e legislativo. O presidente, ao mesmo tempo o che- fe de estado e o chefe de governo, é eleito por voto popular para um mandato de cinco anos. O governo é composto por treze minis- tros, nomeados pelo presi- dente, que dirigem depar- tamentos executivos. Depois de encontro inesperado com os policiais e a situação desagradável no apartamento da Rua Botafogo, Luiz Cláudio Cunha, que recebeu um telefo- nema anônimo apenas com a informa- ção de desaparecidos, descobriu uma operação clandestina e ajudou a desven- dar o episódio do seqüestro junto com outros jornalistas, o único fracasso de repercussão internacional da Operação Condor. Também participou de outro momento importante na história do jor- nalismo brasileiro, quando abriu o off do senador Antônio Carlos Magalhães na revista Isto É. El Clandestino - Quais informações foram indispensáveis para desvendar o episódio do seqüestro? Luiz Claúdio Cunha - Todas as in- formações foram importantes, porque elas formavam um mosaico, um qua- dro racional que ajudava a dar coerên- cia à investigação. Mas considero duas delas decisivas para o conjunto da re- portagem. O depoimento do Camilo, descrevendo de memória o local de seu cativeiro, a sede do DOPS gaúcho, e o resgate da foto do Didi Pedalada, a partir da insis- tência do fotógrafo Ricardo Chaves na conversa comigo no táxi, refazendo todos os passos do sequestro. Sem os dois, Camilo e Kadão, a investigação não teria avançado com a mesma rapi- dez. Talvez chegasse ao mesmo resulta- do, mas iria durar muito mais tempo e exigir muito mais esforço. EC - Como é ignorar a corrida pelo furo jornalístico e trabalhar em conjun- to (união dos jornalistas) pra desvendar o caso? LCC - É difícil acreditar, mas não havia a obsessão do furo, neste caso. Simplesmente porque os inimigos não estavam nas outras redações, mas nas catacumbas da repressão. Na ditadura, a gente se unia e não se dividia para resistir com mais inteligência e mais força ao arbítrio da ditadura. Quando alguém avançava em um detalhe na investigação do sequestro, eu não fica- va triste. Eu vibrava, porque era mais um elemento poderoso para chegar à verdade, contra as mentiras persis- tentes da polícia e dos seqüestradores. Quanto maior o medo, quanto maior a prepotência, mais união se estabelece entre os jornalistas e os diferentes ór- gãos de comunicação. O inimigo co- mum, a ditadura, nos dava então força e unidade. EC - Levando em consideração que você já conhecia os seqüestrados, se fos- se outro jornalista que tivesse recebido a ligação você acha que o sequestro teria sido descoberto? LCC - Não posso imaginar qual seria o desdobramento do caso com outro repórter no meu lugar. Não fez dife- rença o fato de eu conhecer Lilian e Universindo previamente, mesmo com outros nomes. Qualquer repórter faria o que é a obrigação de todos nós: inves- tigar aquele crime e descobrir os seus responsáveis. Se eu não os conhecesse, o desfecho ainda assim poderia ser o mesmo, desde que a apuração tivesse o mesmo progresso. Se ou- tro repórter tivesse visto o que eu vi, no apartamento da rua Botafogo, teria as mesmas condi- ções de testemunhar sobre as mentiras da polícia gaúcha e dos militares uru- guaios, que inventaram uma versão fal- sa para tentar acobertar o sequestro. EC - Outro fotógrafo poderia ter aju- dado de que forma, se não fosse Scalco? LCC - A presença do Scalco ao meu lado foi fundamental para desmontar a farsa. Sua condição de fotógrafo de uma revista esportiva, a Placar, foi de- cisiva para o reconhecimento posterior de um ex-jogador, o Didi Pedalada, que naquele dia vestia a camiseta dos seqüestradores do time do DOPS co- mandados pelo delegado Pedro Seelig. Outro fotógrafo ao meu lado talvez não tivesse me dado a chance de fisgar com rapidez esta pista, que acabou levando à identificação dos policiais do DOPS. EC - Hoje a investigação seria mais fácil? Por quê? LCC - É difícil redesenhar o presente sob a ótica do passado. Aquilo acon- teceu em 1978 e foi investigado sob as condições políticas específicas daquele período. Mas acho que dá para afir- mar, com segurança, que trabalhar na ditadura é sempre mais complicado do que na democracia. As razões são ób- vias. Além das dificuldades inerentes de uma investigação complexa como essa, havia o medo intrínseco do cli- ma policial, da violência que se abatia sobre o país — principalmente sobre a imprensa. Os jornalistas tinham, antes de tudo, de vencer o medo para fazer o que era preciso ser feito. Os riscos de retaliação eram evidentes, mas todos nós tínhamos um compromisso ainda maior: resistir à força e à truculência. E tudo ficava mais suportável quando se sabia que estávamos ao lado da verda- de. Cedo ou tarde, ela iria prevalecer. Esta certeza nos amparava e conforta- va, diante de todas as dificuldades que acabamos superando todos juntos. EC - Em 2003, você quebrou o off do senador Antônio Carlos Magalhães no caso do grampo, o que gerou uma gran- de polêmica. Como foi a decisão de reve- lar a declaração em off do ACM? LCC - No dia em que o senador me passou a transcrição das gravações, que ele tinha mandado grampear, per- cebi que não era uma informação que eu poderia sair publicando logo, aquilo era um crime. Em seguida, descobri- mos que a Polícia Federal investigava uma denúncia do deputado federal do mesmo estado do ACM, Geddel Vieira Lima. Tratava-se de um mega grampo na Bahia envolvendo mais de 700 telefones. Foi quando percebi que aquele material era a prova de um cri- me que o senador havia assumido na conversa em off comigo. Primeiro ele falou que uns amigos tinham feito as gravações, e depois descobrimos que eram os funcionários da secretaria de segurança. Ficou claro para mim que ele não estava à altura da confiança que eu devia manter com ele, então resolvi quebrar o sigilo. Se eu ficasse quieto, iria ser cúmplice dele. Nós, jornalistas, trabalhamos eventualmente na condi- ção do off para preservar a informa- ção e a verdade, e deixar o leitor bem informado. Naquele caso, percebi que ele estava me desviando da verdade, da informação correta e da boa informa- ção, portanto ele não merecia mais o silêncio. EC - Como é a cumplicidade entre jor- nalistas e políticos? LCC - É impossível circular no centro do poder sem ter certa cumplicidade. Deve haver um pouco de intimida- de com a fonte para que ela confie no repórter a ponto de revelar coisas que não revelaria a outro. Mas, ela deve ter sempre a noção que está falando com um repórter, que mais cedo ou mais tarde vai publicar a informação com ou sem off, pois o importante é informar o leitor. Não há problema nenhum em ser amigo e íntimo de um político, ali- ás, seria problemático se um repórter não conhecesse ninguém vivendo em Brasília. O que não pode acontecer é, em nome dessa intimidade, ficar pri- sioneiro da fonte e não revelar a infor- mação. Um bom repórter será sempre identificado por um político como um bom repórter. Decadência: o Uruguai próspero e o palco da guerrilha A maior organização repressiva da América do Sul A pós a independência em 1828, o Uruguai tem um desenvolvimento favorável e esta- belece rapidamente uma base da organização político-econômica. O alto índice de qualidade de vida do país atraiu muitos imigrantes no final do século XIX, ficando conhecido como a Suíça americana. A queda repentina do preço da carne e da lã, os dois principais produtos de exportação do Uruguai, trouxe desemprego em massa, infla- ção e um brusco descenso do padrão de vida. A crise instaurada na década de 60 deu forças para a criação do Movimento de Liberação Nacional (MLN) da esquerda parlamentar, fundado em 1963, mais conhecido como tupamaros. Num primeiro momento, o grupo de guerrilha urbana fez assaltos a bancos, a lojas de armas e empresas privadas, para reunir recursos e arma- mentos. Em seguida usaram os sequestros polí- ticos para demonstrar a impotência do governo. A ação mais conhecida foi o sequestro do agen- te da CIA, Dan Mitrione, que adotava a tortura como método para obter informações, e o cônsul brasileiro Aloízio Gomide. Como o governo re- cusou as negociações de troca de prisioneiros, os Tupamaros mataram o agente Norte-americano. Toda essa tensão culminou no golpe de Estado pelas Forças Armadas em 1973. O Uruguai passa a ser reconhecido pela re- pressão e por ser o país com maior número de presos políticos, chegando a 4700 detidos em 1976. Os militares que tinham tomado o poder, frente ao presidente Juan Maria Bordaberry com o objetivo de vencer a crise e derrotar o grupo guerrilheiro. Só pioram a situação, tiram o MLN de cena, a inflação aumenta, o desemprego atin- ge 15% e a dívida externa alcança 5500 milhões de dólares. Em 1984, os protestos da população contra a ditadura militar ferviam. Uma greve geral que durou 24 horas resultou nas eleições do mesmo ano. Julio María Sanguinetti ganha as eleições e toma posse em 1985, redemocratizando o país. A história com detalhes inéditos Reencontro de Lílian com a filha Lílian Celiberti Universindo Diaz Mujica, presidente uruguaio Luiz Cláudio Cunha, autor do livro Repressão militar contra as manifestações Ano I Página 1 Livro: Operação Condor: o sequestro dos uruguaios Florianpópolis, quinta-feira, 10 de junho de 2010 Ano I Página 2 Livro: Operação Condor: o sequestro dos uruguaios Florianpópolis, quinta-feira, 10 de junho de 2010 Curso de jornalismo da UFSC Atividade da disciplina Edição Professor: Ricardo Barreto Arte: Joice Balboa Edição, texto e editoração gráfica:Joice Balboa Serviços Editoriais: Zero, junho/2003; acervo digital da revista Veja ; sepiencia.org.mx Colaboração: Diego Cardoso e Rosielle Machado Impressão: Postmix Junho/2010 Curso de jornalismo da UFSC Atividade da disciplina Edição Professor: Ricardo Barreto Arte: Joice Balboa Edição, texto e editoração gráfica:Joice Balboa Serviços Editoriais: Zero, junho/2003; acervo digital da revista Veja ; sepiencia.org.mx Colaboração: Diego Cardoso e Rosielle Machado Impressão: Postmix Junho/2010 A descoberta que abalou uma operação militar conjunta dos países do Cone Sul Luiz Claúdio Cunha protagoniza duas importantes histórias do país e da imprensa “O off é um escudo necessário quando está em jogo a integridade da informação, a segurança da fonte, o interesse da sociedade” “A gente tinha medo. Sabia do risco que era fazer o nosso trabalho, mas ele é importante para a sociedade” Carlos Latuff - Gaza Arquivo Nizkor Miguel Rojo - AFP Reprodução Arquivo Zero Hora Ichiro Guerra Arquivo Zero Hora O meio mais fácil de obter informações é a tortura, um mal menor, mas necessário, que deve ser usado para evitar o mal maior do terrosimo General Paul Aussaresses O peração Condor foi o nome dado a uma força multinacional que envolvia Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai, além de uma participação do Peru. O objetivo da orga- nização secreta era a troca de informações acerca de pessoas subversivas para os militares, grupos de esquerda, comunistas e marxistas. Essa arti- culação permitia que Forças Armadas e grupos paramilitares circulassem livremente entre os países para seqüestrar, matar e sumir com quem fosse suspeito de ações contra o governo. A or- ganização apenas reforçou os laços político-mi- litares existentes, reorientando a união entre os governos para a perseguição de seus opositores. Quem concebeu e planejou a operação foi o general chileno Manuel Contreras, chefe da Di- reção de Inteligência Nacional (DINA), o braço direito de Augusto Pinochet , ex-ditador chile- no. No dia 25 de novembro de 1975 uma reu- nião entre os seis países do Cone Sul no Chile inaugurava a Operação Condor - nome sugerido pelo anônimo subchefe da delegação do Uruguai em homenagem ao país sede da organização, que tinha o animal como símbolo nacional. O Con- dor-dos-andes, maior ave voadora do mundo, inspirou o nome que se encaixava perfeitamente com a organização: “A ave saprófaga que se ali- menta de carne podre, que tem o olho e faro para cadáveres.” Contreras viajou para Argentina, Bolívia, Pa- raguai, Venezuela e Estados Unidos para expor seu projeto de repressão transnacional e pedir apoio dos chefes dos serviços secretos desses pa- íses para auxiliar a eliminação do comunismo e “defender a sociedade ocidental e cristã”. A CIA treinou os agentes da DINA, os melhores oficiais das Forças Armadas chilenas, na Escola Nacio- nal de Informações do Brasil, com técnicas de interrogatório e tortura. Não há documento que comprove a participação efetiva dos EUA nas fa- ses da operação. Todo o esquema se dividia em três etapas. Na Fase I, era preciso obter, comunicar e trocar in- formações sobre o mundo da “subversão”, rela- cionando nomes e organizações como se fosse uma base central, coisas que já eram feitas natu- ralmente, mas agora tinham mais disciplina. A Fase II entrava em cena a ação contra os comu- nistas, capaz de atravessar fronteiras para cap- turar militantes em operações combinadas. Na última fase estava prevista a vigilância dos ini- migos até a eliminação longe das fronteiras dos países. A maior ação da Fase III da Condor foi a explosão do carro do ex-embaixador de Salvador Allende, Orlando Letellier, e sua secretária ame- ricana em Washington. Cena do documentário O condor 2007

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Jornal Mural sobre o livro "O sequetro dos uruguaios: uma reportagem dos tempos da ditadura" realizado para a disciplina de Edição da 4ª fase do curso de Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina, ministrada pelo professor Ricardo Barreto

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Page 1: El Clandestino

El Clandestino El ClandestinoUma história sem precedentes O jornalista que virou notícia

Episódio que marcou o jornalismo e fracassou a Condor

Tupamaros administram o país desde 2004

Desde a primeira linha, a história parece mais um roteiro de cinema que um fato real. A

imaginação trabalha para resgatar todos os detalhes transcritos nas 443 páginas de um episódio sem igual no jornalismo e na Operação Condor. Prefaciado em duas pá-ginas por Juca Kfouri e mais duas por José Roberto Guzzo, o livro “O seqüestro dos uruguaios: uma re-portagem dos tempos da ditadura” não desperdiça tempo nem espaço. Aproveita cada instante pra atrair o leitor.

O livro demonstra a dedicação do jornalista Luiz Cláudio Cunha, por quase dois anos, para encontrar a solução da grande reportagem. E em 2008, 30 anos depois, remonta na obra cada detalhe da investiga-ção. A série de reportagens, que se prolongou durante 86 semanas, é trabalhada com todas as minúcias que LCC poderia escrever. O autor traz novidades a todo o momento. É como num filme, basta um segundo de distração para se perder.

Com freqüência, o autor volta à história, como se estivesse te lem-brando do que aconteceu antes, relembra os principais fatos ocorri-dos e fundamentais para a compre-ensão. Mas, ainda assim vem com um “tempero” diferente. No final do livro, há dois anexos explicativos essenciais para entender o porque e como se deu a história. Um explica a ditadura do Uruguai, e o outro a Operação Condor e suas particula-ridades.

Cunha recebe, através de um tele-fonema anônimo, a informação de um casal detido na Rua Botafogo, n° 621, apartamento 110, bloco três no bairro Menino Deus. Era dia de fechamento da revista Veja, da qual era diretor da sucursal em Porto Alegre, mas isso não atrapalharia

o trabalho jornalístico de ir checar se estava acontecendo alguma coisa no endereço da fonte não declarada. Sabia apenas que não era brasileiro por causa do espanhol com carrega-do sotaque.

“As pernas tremem, bambas. Não desabafo no chão porque estou sen-tado no banco da frente do Chevet-te. O cano escuro da pistola a um palmo da minha testa é a imagem que ainda gira solta dentro da mi-nha cabeça.” (p. 25). A partir daí, os 30 capítulos seguintes mergulham na história do sequestro, da ditadu-ra, da Condor. No horror que foram as décadas de 70 e 80 na América Latina.

Numa época de repressão e tor-tura, o episódio do sequestro dos uruguaios trouxe à tona a organiza-ção de inteligência secreta entre os países membros do Cone Sul. Em-bora somente na década de 90 se tenha publicado informações sobre a Operação Condor, quando 24 mil documentos secretos sobre o Chile

foram revelados durante a adminis-tração de Bill Clinton nos Estados Unidos, são descobertos relatórios sobre a cooperação militar entre os seis países da organização, que esta-vam sob o poder da CIA, agência de inteligência norte-americana.

No “arquivo do terror”, foram en-contrados relatórios secretos da po-lícia política de Alfredo Stroessner, descoberto pelo ex-preso político paraguaio Martín Almada na ci-dade de Lambaré, no Paraguai, em 1992, onde existem mais de 700 mil arquivos, 23 mil nomes de pesso-as até hoje catalogadas e 300 siglas de organizações reprimidas. Nesse documentos aparecem evidencias sobre a estreita colaboração entre Brasil, Argentina, Uruguai, Para-guai, Bolívia e Chile para enfrentar os grupos que lutavam para a der-rubada de seus governantes naquele período.

Em novembro de 1978, Lílian Ce-liberti seus dois filhos e Universin-do Diaz são seqüestrados no apar-tamento onde moravam. Os dois, militantes da oposição, foram tor-turados e presos em Porto Alegre, e levados clandestinamente para Montevidéu, onde ficaram presos

durante cinco anos acusados por te-rem invadido o território uruguaio. A presença de LCC e do fotógrafo Scalco na residência do casal faria do desaparecimento uma reporta-gem de repercussão internacional. Com o vigor jornalístico, Cunha só termina a sua série quando os policiais são condenados pela jus-tiça, que acabou reconhecendo o seqüestro.

Lílian Celiberti Rosas de Casarie-go era professora do nível primário e dirigente da Federação Uruguaia do Ministério quando foi presa por exercer atividades políticas em 1972 no Uruguai, cumpriu quase dois anos de pena e quando foi libertada, viajou para a Itália. De volta à Amé-rica do Sul, mudou-se para o Brasil em outubro de 1978, sob os cuida-dos das Nações Unidas, tinha o ob-jetivo de juntar informações sobre direitos humanos no Uruguai para entidades internacionais na Europa e nos Estados que denunciavam a violência política no Cone Sul.

A ação não contava com os dois filhos de Lílian, Camilo de oito anos e Francesca de apenas três, que passaram por situações cons-trangedoras ao verem a mãe sendo torturada, ainda na capital gaúcha. Quando chegaram ao Uruguai, as crianças foram entregues aos pais de Lílian, Lilia Rosas de Casariego e Homero Rosas.

O livro, ainda contém um portfó-lio de oito páginas, que identifica os personagens descritos ao longo da história. A obra-prima, como Kfou-ri classifica o livro, é um registro histórico e importante documento para o fortalecimento da democra-cia.

Merecedora, a série de Luiz Cláu-dio Cunha é ganhadora dos maio-res prêmios de jornalismo do país em 1979: Esso, Vladmir Herzog, Telesp e Abril.

A ordem de sequestro veio do Uruguai. Oficiais bra-

sileiros e uruguaios recebe-ram instruções para capturar Universindo Rodriguez Diaz e Lílian Celiberti, membros do Partido por la vitória del pue-blo, organização comunista da esquerda uruguaia. O casal de uruguaios estava refugiado no Brasil com o objetivo de fa-zer contatos para aumentar a resistência contra a ditadura. A ação foi executada por mi-litares uruguaios no dia 12 de novembro de 1978.

Na sexta-feira, 17, a presen-ça inesperada do jornalista Luiz Cláudio Cunha (LCC) e do repórter fotográfico João Baptista Scalco no apartamen-to onde estava o casal seques-trado pelos policiais, acelerou a transferência dos detidos para o Uruguai. Os filhos de Lílian - Camilo, de oito anos e Francesca, de apenas três - fo-ram entregues aos avôs.

O primeiro comunicado das forças conjuntas do Uru-guai dizia que eles estavam presos porque tentaram inva-dir território uruguaio. Uma mentira deslavada, já que os jornalistas da Veja tinham sido testemunhas do ocor-rido. Na terra natal, Lílian e Universindo ficaram presos por cinco anos.

O episódio do “Sequestro dos uruguaios”, como ficou conhecido, foi a primeira e única ação conjunta da Ope-ração Condor que fracassou internacionalmente, e a pri-meira evidencia de que o Bra-sil participava da organização clandestina. O casal foi libera-do em 1984 depois das inúme-ras torturas e humilhações, na época em que o Uruguai volta à democracia. O governo rio-grandense os indenizou em 1991 e o Uruguai redemocra-tizado indenizou o casal no ano seguinte

Estima-se que a Operação Condor deixou 50 mil mortos, 30 mil desaparecidos e 400 presos. A sobrevivência dos quatro uruguaios deve-se a rá-pida atuação do repórter LCC e do fotógrafo Scalco. Se eles não tivessem ido ao endereço passado pelo telefonema anô-nimo, este jornal mural sequer existiria.

O mais recente avanço da esquerda política

do Uruguai é a segunda as-censão consecutiva ao go-verno através das eleições. Desde 1° de março deste ano, José “Pepe” Mujica, com 74 anos, cofundador do movimento radical da oposição, ocupa o cargo de presidente do país repre-sentando a Frente Ampla (FA).

O atual governante pro-mete dar continuidade às ações da administração anterior que deram popu-laridade ao partido. A luta contra a pobreza e a disse-minação do conhecimen-to em “todos os cantos do país” fazem parte das prin-cipais preocupações para o seu mandato. O primeiro ex-guerrilheiro a chegar à presidência do Uruguai participou do Movimen-to de Libertação Nacional (MLN), ficou preso duran-te 14 anos e foi torturado pela ditadura militar.

O seu antecessor, Taba-ré Vazquez (2004-2009), triplicou o investimento externo, reduziu o gasto público e deixou o governo com um avanço também nos setores social e militar, porém a política externa e a segurança não foram muito bem sucedidas.

Liderado por Bolivar Moreira, Gustavo Robaina e Romina Napilotti, um grupo setorizado da FA decidiu formar um novo espaço político chamado “Ir”. O objetivo é demo-cratizar a participação na estrutura organizacional e influenciar na resolução de questões de importância. O argumento do grupo é que atualmente a FA não tem capacidade para motivar a militância e gerar discus-sões. Pretendem “recupe-rar a essência perdida”

A constituição uruguaia de 1967 institucionalizou uma presidência forte, su-jeita ao controle judiciário e legislativo. O presidente, ao mesmo tempo o che-fe de estado e o chefe de governo, é eleito por voto popular para um mandato de cinco anos. O governo é composto por treze minis-tros, nomeados pelo presi-dente, que dirigem depar-tamentos executivos.

Depois de encontro inesperado com os policiais e a situação desagradável no apartamento da Rua Botafogo, Luiz Cláudio Cunha, que recebeu um telefo-nema anônimo apenas com a informa-ção de desaparecidos, descobriu uma operação clandestina e ajudou a desven-dar o episódio do seqüestro junto com outros jornalistas, o único fracasso de repercussão internacional da Operação Condor. Também participou de outro momento importante na história do jor-nalismo brasileiro, quando abriu o off do senador Antônio Carlos Magalhães na revista Isto É.

El Clandestino - Quais informações foram indispensáveis para desvendar o episódio do seqüestro?

Luiz Claúdio Cunha - Todas as in-formações foram importantes, porque elas formavam um mosaico, um qua-dro racional que ajudava a dar coerên-cia à investigação. Mas considero duas delas decisivas para o conjunto da re-portagem. O depoimento do Camilo, descrevendo de memória o local de seu cativeiro, a sede do DOPS gaúcho, e o resgate da foto do Didi Pedalada, a partir da insis-tência do fotógrafo Ricardo Chaves na conversa comigo no táxi, refazendo todos os passos do sequestro. Sem os dois, Camilo e Kadão, a investigação não teria avançado com a mesma rapi-dez. Talvez chegasse ao mesmo resulta-do, mas iria durar muito mais tempo e exigir muito mais esforço.

EC - Como é ignorar a corrida pelo furo jornalístico e trabalhar em conjun-to (união dos jornalistas) pra desvendar o caso?

LCC - É difícil acreditar, mas não havia a obsessão do furo, neste caso. Simplesmente porque os inimigos não estavam nas outras redações, mas nas catacumbas da repressão. Na ditadura, a gente se unia e não se dividia para resistir com mais inteligência e mais força ao arbítrio da ditadura. Quando

alguém avançava em um detalhe na investigação do sequestro, eu não fica-va triste. Eu vibrava, porque era mais um elemento poderoso para chegar à verdade, contra as mentiras persis-tentes da polícia e dos seqüestradores. Quanto maior o medo, quanto maior a prepotência, mais união se estabelece entre os jornalistas e os diferentes ór-gãos de comunicação. O inimigo co-mum, a ditadura, nos dava então força e unidade.

EC - Levando em consideração que você já conhecia os seqüestrados, se fos-se outro jornalista que tivesse recebido a ligação você acha que o sequestro teria sido descoberto?

LCC - Não posso imaginar qual seria o desdobramento do caso com outro repórter no meu lugar. Não fez dife-rença o fato de eu conhecer Lilian e Universindo previamente, mesmo com outros nomes. Qualquer repórter faria o que é a obrigação de todos nós: inves-tigar aquele crime e descobrir os seus responsáveis. Se eu não os conhecesse,

o desfecho ainda assim poderia ser o mesmo, desde que a apuração tivesse o mesmo progresso. Se ou-tro repórter tivesse visto o que eu vi, no apartamento da rua Botafogo, teria as mesmas condi-

ções de testemunhar sobre as mentiras da polícia gaúcha e dos militares uru-guaios, que inventaram uma versão fal-sa para tentar acobertar o sequestro.

EC - Outro fotógrafo poderia ter aju-dado de que forma, se não fosse Scalco?

LCC - A presença do Scalco ao meu lado foi fundamental para desmontar a farsa. Sua condição de fotógrafo de uma revista esportiva, a Placar, foi de-cisiva para o reconhecimento posterior de um ex-jogador, o Didi Pedalada, que naquele dia vestia a camiseta dos seqüestradores do time do DOPS co-mandados pelo delegado Pedro Seelig. Outro fotógrafo ao meu lado talvez não tivesse me dado a chance de fisgar com

rapidez esta pista, que acabou levando à identificação dos policiais do DOPS.

EC - Hoje a investigação seria mais fácil? Por quê?

LCC - É difícil redesenhar o presente sob a ótica do passado. Aquilo acon-teceu em 1978 e foi investigado sob as condições políticas específicas daquele período. Mas acho que dá para afir-mar, com segurança, que trabalhar na ditadura é sempre mais complicado do que na democracia. As razões são ób-vias. Além das dificuldades inerentes de uma investigação complexa como essa, havia o medo intrínseco do cli-ma policial, da violência que se abatia sobre o país — principalmente sobre a imprensa. Os jornalistas tinham, antes de tudo, de vencer o medo para fazer o que era preciso ser feito. Os riscos de retaliação eram evidentes, mas todos nós tínhamos um compromisso ainda maior: resistir à força e à truculência. E tudo ficava mais suportável quando se sabia que estávamos ao lado da verda-de. Cedo ou tarde, ela iria prevalecer. Esta certeza nos amparava e conforta-va, diante de todas as dificuldades que acabamos superando todos juntos.

EC - Em 2003, você quebrou o off do senador Antônio Carlos Magalhães no caso do grampo, o que gerou uma gran-de polêmica. Como foi a decisão de reve-lar a declaração em off do ACM?

LCC - No dia em que o senador me passou a transcrição das gravações, que ele tinha mandado grampear, per-cebi que não era uma informação que eu poderia sair publicando logo, aquilo era um crime. Em seguida, descobri-mos que a Polícia Federal investigava uma denúncia do deputado federal do mesmo estado do ACM, Geddel Vieira Lima. Tratava-se de um mega grampo na Bahia envolvendo mais de 700 telefones. Foi quando percebi que aquele material era a prova de um cri-me que o senador havia assumido na conversa em off comigo. Primeiro ele falou que uns amigos tinham feito as gravações, e depois descobrimos que eram os funcionários da secretaria de segurança. Ficou claro para mim que ele não estava à altura da confiança que

eu devia manter com ele, então resolvi quebrar o sigilo. Se eu ficasse quieto, iria ser cúmplice dele. Nós, jornalistas, trabalhamos eventualmente na condi-ção do off para preservar a informa-ção e a verdade, e deixar o leitor bem informado. Naquele caso, percebi que ele estava me desviando da verdade, da informação correta e da boa informa-ção, portanto ele não merecia mais o silêncio.

EC - Como é a cumplicidade entre jor-nalistas e políticos?

LCC - É impossível circular no centro do poder sem ter certa cumplicidade. Deve haver um pouco de intimida-de com a fonte para que ela confie no repórter a ponto de revelar coisas que não revelaria a outro. Mas, ela deve ter sempre a noção que está falando com um repórter, que mais cedo ou mais tarde vai publicar a informação com ou sem off, pois o importante é informar o leitor. Não há problema nenhum em ser amigo e íntimo de um político, ali-ás, seria problemático se um repórter não conhecesse ninguém vivendo em Brasília. O que não pode acontecer é, em nome dessa intimidade, ficar pri-sioneiro da fonte e não revelar a infor-mação. Um bom repórter será sempre identificado por um político como um bom repórter.

Decadência: o Uruguai próspero e o palco da guerrilhaA maior organização repressiva da América do Sul

Após a independência em 1828, o Uruguai tem um desenvolvimento favorável e esta-

belece rapidamente uma base da organização político-econômica. O alto índice de qualidade de vida do país atraiu muitos imigrantes no final do século XIX, ficando conhecido como a Suíça americana.

A queda repentina do preço da carne e da lã, os dois principais produtos de exportação do Uruguai, trouxe desemprego em massa, infla-ção e um brusco descenso do padrão de vida. A crise instaurada na década de 60 deu forças para a criação do Movimento de Liberação Nacional (MLN) da esquerda parlamentar, fundado em 1963, mais conhecido como tupamaros.

Num primeiro momento, o grupo de guerrilha urbana fez assaltos a bancos, a lojas de armas e empresas privadas, para reunir recursos e arma-mentos. Em seguida usaram os sequestros polí-

ticos para demonstrar a impotência do governo. A ação mais conhecida foi o sequestro do agen-te da CIA, Dan Mitrione, que adotava a tortura como método para obter informações, e o cônsul brasileiro Aloízio Gomide. Como o governo re-

cusou as negociações de troca de prisioneiros, os Tupamaros mataram o agente Norte-americano. Toda essa tensão culminou no golpe de Estado pelas Forças Armadas em 1973.

O Uruguai passa a ser reconhecido pela re-pressão e por ser o país com maior número de presos políticos, chegando a 4700 detidos em 1976. Os militares que tinham tomado o poder, frente ao presidente Juan Maria Bordaberry com o objetivo de vencer a crise e derrotar o grupo guerrilheiro. Só pioram a situação, tiram o MLN de cena, a inflação aumenta, o desemprego atin-ge 15% e a dívida externa alcança 5500 milhões de dólares.

Em 1984, os protestos da população contra a ditadura militar ferviam. Uma greve geral que durou 24 horas resultou nas eleições do mesmo ano. Julio María Sanguinetti ganha as eleições e toma posse em 1985, redemocratizando o país.

A história com detalhes inéditos

Reencontro de Lílian com a filha

Lílian Celiberti

Universindo Diaz

Mujica, presidente uruguaio

Luiz Cláudio Cunha, autor do livro

Repressão militar contra as manifestações

Ano IPágina 1Livro: Operação Condor: o sequestro dos uruguaiosFlorianpópolis, quinta-feira, 10 de junho de 2010

Ano IPágina 2Livro: Operação Condor: o sequestro dos uruguaiosFlorianpópolis, quinta-feira, 10 de junho de 2010

Curso de jornalismo da UFSCAtividade da disciplina Edição

Professor: Ricardo BarretoArte: Joice Balboa

Edição, texto e editoração gráfica:Joice BalboaServiços Editoriais: Zero, junho/2003; acervo

digital da revista Veja ; sepiencia.org.mxColaboração: Diego Cardoso e Rosielle Machado

Impressão: PostmixJunho/2010

Curso de jornalismo da UFSCAtividade da disciplina Edição

Professor: Ricardo BarretoArte: Joice Balboa

Edição, texto e editoração gráfica:Joice BalboaServiços Editoriais: Zero, junho/2003; acervo

digital da revista Veja ; sepiencia.org.mxColaboração: Diego Cardoso e Rosielle Machado

Impressão: PostmixJunho/2010

A descoberta que abalou uma operação militar conjunta dos países do Cone Sul Luiz Claúdio Cunha protagoniza duas importantes histórias do país e da imprensa

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“A gente tinha medo. Sabia do risco que era fazer o nosso trabalho, mas ele é importante para a sociedade”

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Operação Condor foi o nome dado a uma força multinacional que envolvia Argentina,

Bolívia, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai, além de uma participação do Peru. O objetivo da orga-nização secreta era a troca de informações acerca de pessoas subversivas para os militares, grupos de esquerda, comunistas e marxistas. Essa arti-culação permitia que Forças Armadas e grupos paramilitares circulassem livremente entre os países para seqüestrar, matar e sumir com quem fosse suspeito de ações contra o governo. A or-ganização apenas reforçou os laços político-mi-litares existentes, reorientando a união entre os governos para a perseguição de seus opositores.

Quem concebeu e planejou a operação foi o general chileno Manuel Contreras, chefe da Di-reção de Inteligência Nacional (DINA), o braço direito de Augusto Pinochet , ex-ditador chile-no. No dia 25 de novembro de 1975 uma reu-nião entre os seis países do Cone Sul no Chile inaugurava a Operação Condor - nome sugerido pelo anônimo subchefe da delegação do Uruguai em homenagem ao país sede da organização, que

tinha o animal como símbolo nacional. O Con-dor-dos-andes, maior ave voadora do mundo, inspirou o nome que se encaixava perfeitamente com a organização: “A ave saprófaga que se ali-menta de carne podre, que tem o olho e faro para cadáveres.”

Contreras viajou para Argentina, Bolívia, Pa-raguai, Venezuela e Estados Unidos para expor seu projeto de repressão transnacional e pedir apoio dos chefes dos serviços secretos desses pa-

íses para auxiliar a eliminação do comunismo e “defender a sociedade ocidental e cristã”. A CIA treinou os agentes da DINA, os melhores oficiais das Forças Armadas chilenas, na Escola Nacio-nal de Informações do Brasil, com técnicas de interrogatório e tortura. Não há documento que comprove a participação efetiva dos EUA nas fa-ses da operação.

Todo o esquema se dividia em três etapas. Na Fase I, era preciso obter, comunicar e trocar in-formações sobre o mundo da “subversão”, rela-cionando nomes e organizações como se fosse uma base central, coisas que já eram feitas natu-ralmente, mas agora tinham mais disciplina. A Fase II entrava em cena a ação contra os comu-nistas, capaz de atravessar fronteiras para cap-turar militantes em operações combinadas. Na última fase estava prevista a vigilância dos ini-migos até a eliminação longe das fronteiras dos países. A maior ação da Fase III da Condor foi a explosão do carro do ex-embaixador de Salvador Allende, Orlando Letellier, e sua secretária ame-ricana em Washington.

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