3
EGOCENTRISMO ADOLESCENTE. REVISÃO BIBLlOGRAFICA DOS PRINCIPAIS ESTUDOS RECENTEMENTE PUBLICADOS. JOS~ TELMOVALENÇA * o objetivo desta revisão é remeter o estudioso interes- sado em egocentrismo adolescente às principais publica- ções de trabalhos realizados em várias partes do mundo, assim como informar ao leitor o sentido que vêm dando os autores modernos a este estudo. Algumas aplicações práticas decorrentes de recentes pesquisas já se prenunciam de modo promissor. 1. ESTUDOS DE ELKIND Alguns autores, ultimamente, têm-se ocupado do estudo do egocentrismo metafísico. Dentre eles Elkind (1978), .que aprofundou o estudo deste constructo iniciado por Piaget. Segundo Elkind, o pensamento operacional- formal habilita o adolescente a conceituar seu próprio pensamento, permitindo também que o faça em relação ao pensamento de outros. Curiosamente, essa capacidade se constitui no ponto crucial do egocentrismo adolescente. Este egocentrismo emerge porque o adolescente não consegue diferenciar entre seu pensamento e os dos outros. "O fato de acreditar que os outros estão preocu- pados com sua aparência e comportamento constitui o egocentrismo adoles- cente." (Elkind, 1978, p, 99). Assim, por não conseguir estabelecer esta diferen- ciação, julga que os outros estão demasiadamente preocupados com ele. Devido a sua experiência clínica, Elkind Iop, cit.) introduziu no constructo "egocentrismo adolescente" os conceitos de audiência imaginária e fábula pessoal. O adolescente acredita ser o foco das atenções gerais (audiência), entre- tanto, na realidade, tal não ocorre. A fábula pessoal origina-se da audiência • Departamento de Psicologia da UFC Rev. de Psicologia, Fortaleza, 3 (I) : 63-66, jan/jun. 1985 63

EGOCENTRISMO ADOLESCENTE. REVISÃO BIBLlOGRAFICA … · EGOCENTRISMO ADOLESCENTE. REVISÃO BIBLlOGRAFICA DOS PRINCIPAIS ESTUDOS RECENTEMENTE PUBLICADOS. JOS~ TELMOVALENÇA * o objetivo

Embed Size (px)

Citation preview

EGOCENTRISMO ADOLESCENTE. REVISÃO BIBLlOGRAFICADOS PRINCIPAIS ESTUDOS RECENTEMENTE PUBLICADOS.

JOS~ TELMOVALENÇA *

o objetivo desta revisão é remeter o estudioso interes-sado em egocentrismo adolescente às principais publica-ções de trabalhos realizados em várias partes do mundo,assim como informar ao leitor o sentido que vêm dando osautores modernos a este estudo. Algumas aplicaçõespráticas decorrentes de recentes pesquisas já se prenunciamde modo promissor.

1. ESTUDOS DE ELKIND

Alguns autores, ultimamente, têm-se ocupado do estudo do egocentrismometafísico. Dentre eles Elkind (1978), .que aprofundou o estudo desteconstructo iniciado por Piaget. Segundo Elkind, o pensamento operacional-formal habilita o adolescente a conceituar seu próprio pensamento, permitindotambém que o faça em relação ao pensamento de outros. Curiosamente, essacapacidade se constitui no ponto crucial do egocentrismo adolescente. Esteegocentrismo emerge porque o adolescente não consegue diferenciar entre seupensamento e os dos outros. "O fato de acreditar que os outros estão preocu-pados com sua aparência e comportamento constitui o egocentrismo adoles-cente." (Elkind, 1978, p, 99). Assim, por não conseguir estabelecer esta diferen-ciação, julga que os outros estão demasiadamente preocupados com ele.

Devido a sua experiência clínica, Elkind Iop, cit.) introduziu no constructo"egocentrismo adolescente" os conceitos de audiência imaginária e fábulapessoal. O adolescente acredita ser o foco das atenções gerais (audiência), entre-tanto, na realidade, tal não ocorre. A fábula pessoal origina-se da audiência

• Departamento de Psicologia da UFC

Rev. de Psicologia, Fortaleza, 3 (I) : 63-66, jan/jun. 1985 63

maginária e o mecanismo é mais ou menos assim: "já que sou tão observado, tãocomentado; já que sou motivo de preocupação para tanta gente (audiênciaimaginária), devo ser uma pessoa muito especial, possuo sentimentos muito espe-ciais, sou único e imortal" (fábula pessoal).

Antes de ser abordado o tema do declínio ou superação da audiênciaimaginária e fábula pessoal, convém lembrar a posição de Piaget (1972) sobre oegocentrismo:

O eqocentrismo metafísico encontra, pouco a pouco, uma· correção nareconciliação entre o pensamento formal e a realidade. O equilíbrio éatingido quando a reflexão compreende que sua função não é contradizer,mas, se adiantar e interpretar a experiência. (p. 65).

A superação do egocentrismo, segundo Elkind (1978), dá-se sob umatransformação de caráter duplo: no plano cognitivo e no plano da afetividade.Esta interpretação difere da explicação piagetiana pela introdução de uma ênfasetambém no plano afetivo. Seria a tentativa de reconciliação entre a estruturacognitiva e as dinâmicas da personalidade.

Para Elkind, ocorre uma diminuição do egocentrismo da primeira adoles-cência, em torno dos 15/16 anos. Nesta idade, as operações formais já se estabe-leceram fortemente. O que parece é que "a audiência imaginária, que é original-mente uma audiência antecipatória, vai-se modificando progressivamente emdireção às reações da audiência real". (Elkind, op. cito p. 102). A audiênciaimaginária pode ser comparada a uma hipótese ou série de' hipóteses. O adoles-cente testa a hipótese e começa a distinguir entre seus interesses e preocupaçõese os interesses e preocupações dos outros.

A fábula pessoal será superada, provavelmente pelo estabelecimento daintimidade, conceito esse utilizado por Erikson. Quando o adolescente partilhaconfidências com outrem e também trata de assuntos de interesse mútuopercebe que os sentimentos dos outros são semelhantes aos seus e que os outrossofrem ou se alegram como ele.

2. ESTUDOS POS-ELKIND: RI:PLlCAS E DESCOBERTAS DENOVOS FATORES ASSOCIADOS AO EGOCENTRISMO.

Os estudos de Elkind suscitaram uma série de pesquisas. Pode-se começarpor Enright et alii (1979), que confirmam o declínio da audiência imaginária,mas fazem restrições ao declínio da fábula pessoal. Quanto ao foco não-socialos autores não encontraram correlação com o egocentrismo em seu estudo:Também afirmam que o egocentrismo não é um traço unitário:

O quadro do adolescente velho a partir deste estudo não é um quadro dedeclínio do egocentrismo e crescimento do sociocentrismo com tal intensi-dade como é um decréscimo em certos aspectos do egocentrismo em favorde outra dimensão auto-focada. (p. 694).

64 Rev. de Psicologia, Fortaleza, 3 (l) : 63-66, jan/jun. 1985

Muuss (1982) registra o início do trabalho de Elkind e Bowen (1979), nosentido de examinar empiricamente o conceito de egocentrismo adolescente,focalizando a audiência imaginária. Entretanto, Gray e Hudson (1984) criticamuma escala construída para medição desse constructo (Imaginary AudienceScalel, apesar de acreditarem nele. Sugerem esses autores a volta ao métodoclínico piagetiano como melhor tentativa para mensurar a audiência imaginária.Em oposição à opinião de Gray et ai, Anolik (1981) afirma que a IAS é umamedida confiável e válida.

A audiência imaginária poderá apresentar uma face psicopatológica, deacordo com Elkind e Weiner, (apud Anolik, 1981). Isto ocorre a um pequenonúmero de adolescentes jovens. Assim, um interesse anormalmente alto pelaaudiência imaginária conduziria o jovem adolescente a certos tipos de psico-patias, inclusive à delinqüência juvenil. Esta crença se apoia num estudo feito porChandler (1973) em que adolescentes delinqüentes mostram maior grau daegocentrismo que adolescentes não-delinqüentes. Com base nos estudos deChandler (1973), Elkind (1976, 1978), Elkind e Bowen (1979) e de Elkind eWeiner (1978), Anolik (1981) desenvolveu um trabalho para ampliar o conceitode audiência imaginária dirigido a adolescentes rotulados de delinqüentes juvenis.Ele previu correlação entre interesse por audiência imaginária e percepçõesnegativas dos pais e de fato comprovou que delinqüentes estão mais interessadosem audiência imaginária que não-delinqüentes.

Para Adams e Jones (1982), a maioria de suas descobertas dão suporte àhipótese de que autoconsciência durante a adolescência pode resultar dasrelações entre pais e adolescentes. Para chegarem a esta conclusão, empreen-deram um estudo exploratório envolvendo a relação entre estilo de socializaçãoparental e comportamento de audiência imaginária. Por seu turno, Gray eHudson (1984) replicaram diversos resultados de Elkind e Bowen (1979), masnão concordaram que os escores de audiência imaginária fossem mais altos emsujeitos que estavam no início das habilidades operatórias formais. A crescidasubjetividade característica da personalidade adolescente é um produto necessá-rio e suficiente das operações concretas.

Pelo exposto até agora, é possível verificar que Piaget se referiu generica-mente ao constructo egocentrismo metaf/sico. Os autores que o sucederam,neste particular, preocuparam-se em estabelecer correlações mais específicas, nabusca, talvez, de descobrir quais os fatores subjacentes ao egocentrismo adoles-cente. A busca das "causas" do egocentrismo no período operatório formal,bem como o mecanismo de decl ínio são de uma importância vital para o enten-dimento do pensamento adulto. Enquanto não for eliminado (caso isto seja defato possível), o egocentrismo impede que o adolescente cresça no plano social,em que pese já possuir instrumentos de uma lógica acadêmica.

Talvez fosse correto afirmar que Piaget localizou o "fenômeno", aunidade. Entretanto, foi Elkind que teve o mérito de detectar as partes compo-nentes desta unidade. Os conceitos de audiência imaginária e fábula pessoalparecem suficientes para completar a explicação sobre o constructo egocen-

Rcv. de Psicologia, Fortaleza, 3 (1) : 63-66, jan/jun. 1985 65

trismo meteitsico. Mas a pesquisa de Enright et alii (1979) coloca em dúvida,em certos aspectos, 0- decl ínio da fábula pessoal e, o que é mais importante,reforça a crença de que o egocentrismo não é um traço unitário. (V. Rubin,1973).

3. CONCLUsAO

Esta breve explanação sobre estudos passados e atuais a respeito doegocentrlsmo adolescente teve como objetivo demonstrar a complexidade dotema e a quase impossibilidade de esgotá-Io apenas em um artigo. No entanto,pode-se apresentar a conclusão de que, para muitos autores, até o períodooperatório-formal, não há um declínio total do egocentrismo, seja na forma deaudiência imaginária, seja na forma de fábula pessoal. Também se pode afirmarque alguns dos estudos aquí referidos parecem ter determinada aplicaçãoprática, como por exemplo, no combate à delinqüência juvenil.

4. REFERENCIAS BIBLlOGRAFICAS

AOA'MS, G. R. e JONES, R. M. Adolescent Egocentrism: Exploration into Possible Contri-butions of Parent - Child Relations; Journal of Youth and Adolescence; 11 (1): 25-31,1982.

ANOLlK, S. A.; Imaginary Audience Behavior and Perceptions of Parenta Among[)elinquent and Nondelinquent Adolescsnts: Journal of Youth and Adolescence;10 (6): 443-454, 1981.

CHANOLER, M. J.; Egocentrism and antisocial behavior: The assessmentand training ofsocial perspective-taking skills; Dev. Psychol.;9: 326-332,1973.

ELKINO, O.; Cognitive development and psychopathology: Observations on egocentrismand ego defense. In Schopler, E.; and Reichler, R. J. (eds), Psychopathology and Childõevetopment, Plenum, New York, pp 167-184, 1976, Apud Anolik (1981 L

--- Crianças e adolescentes: ensaios interpretetlvos sobre Jean Piaget, Rio de Janeiro,Zahar, 1978,3. Ed.

ELKINO, O. e. BOWEN, R.; Imaginary audience behavior in children and adolescents,Dev. Psychol., 15: 3844,1979, Apud Anolik (1981).

ELKINO, O. e WEINER, I. B., Development of tne Child, Wiley, New·York, 1978, ApudAnolik (1981).

ENRIGHT, R. O" LAPSLEY, O. K. e SHUKLA, O. G.; Adolescent Egocentrism in Earlyand Late Adolescence, Adolescence, 14 (56): 688-695, 1979.

GRAY, W. M. e HUOSON, L. M.; Formal Operations and the Imaginary Audience;Developmental Psychology; 20 (4): 619-627, 1984.

MUUSS, R. E., Social Cognition: Oavid Elkind's Theory of Adolescent Egocentrism;Adolescence, 17 (66): 249-265,1982. .

PIAGET, J., Seis estudos de Psicologia; Rio de Janeiro, Forense, 1972, 5.a reimpressão.RUBIN, K. H. Egocentrism in Childhood: A Unitary Construct? Child Devetopment,

44, 102-110,1973.

66 Rev. de Psicologia, Fortaleza, 3 (l) : 63-66, jan/jun. 1985