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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS
Programa de Pós-Graduação em Direito
Helena Patrícia Freitas
EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO:
necessidade de sua (des)construção para efetivação do modelo constitucional de processo
Belo Horizonte
2018
Helena Patrícia Freitas
EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO:
necessidade de sua (des)construção para efetivação do modelo constitucional de processo
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Direito da Pontifícia Universidade
Católica de Minas Gerais, como requisito parcial
para obtenção do título de Mestre em Direito.
Orientadora: Profa. Dra. Flaviane de Magalhães
Barros Bolzan de Morais.
Área de Concentração: Direito Processual.
Belo Horizonte
2018
FICHA CATALOGRÁFICA
Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
Freitas, Helena Patrícia
F866e Eficiência da jurisdição: necessidade de sua (des)construção para efetivação
do modelo constitucional de processo / Helena Patrícia Freitas. Belo Horizonte,
2018.
228 f.
Orientadora: Flaviane de Magalhães Barros Bolzan de Morais
Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
Programa de Pós-Graduação em Direito
1. Jurisdição. 2. Eficiência (Direito). 3. Princípio da efetividade. 4. Direito
constitucional - Brasil. 5. Processo civil. I. Morais, Flaviane de Magalhães Barros
Bolzan de. II. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de
Pós-Graduação em Direito. III. Título.
CDU: 342
Ficha catalográfica elaborada por Fernanda Paim Brito - CRB 6/2999
Helena Patrícia Freitas
EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO:
necessidade de sua (des)construção para efetivação do modelo constitucional de processo
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Direito da Pontifícia Universidade
Católica de Minas Gerais, como requisito parcial
para obtenção do título de Mestre em Direito.
Área de Concentração: Direito Processual.
___________________________________________________________________________
Profa. Dra. Flaviane de Magalhães Barros Bolzan de Morais – PUC Minas (Orientadora)
__________________________________________________________________________
Prof. Dr. Dierle José Coelho Nunes – PUC Minas (Banca Examinadora)
__________________________________________________________________________
Prof. Dr. José Luís Bolzan de Morais – Faculdade de Direito de Vitória (Banca Examinadora)
_______________________________________________________________________
Prof. Dr. José Adércio Leite Sampaio – PUC Minas (Suplente)
Belo Horizonte, 07 de dezembro de 2018.
Ao Andrezinho e à Olívia, que, em mim, causam
(R)EVOLUÇÃO por um amor
que transcende...
AGRADECIMENTOS
Gratidão é reconhecer no outro toda a importância da luta. É saber que precisamos
estar juntos para valer a pena. É sentir que os laços são mais fortes que os nós.
Com humildade, reconheço as dificuldades de chegar até aqui. E não digo isso a
partir do meu ingresso no PPGD PUC Minas. Digo isso, pois tive uma infância dolorida.
Uma infância na qual perdi meu pai, quem eu amava demais, e, naquele momento, pensei que
não fosse mais conseguir estudar. A dor de perdê-lo e as incertezas que vieram dali tiveram
que fazer irromper em mim uma força que eu nunca soube que tinha. A caminhada foi
duríssima, foi preciso me desdobrar para seguir. E só consegui, de verdade, pois tive pessoas
especiais para me ajudar.
Assim, reconheço em Deus todo o poder de ter me guiado e feito de mim alguém capaz
de seguir com coragem e fé.
Ao meu pai, Israel Chaves de Freitas, homem íntegro e inteligente, em quem me
espelho para ser uma pessoa melhor. Ele me ensinou, entre tantas coisas, o amor pelos
estudos e a não desistir. É tão estranho e tão bom: mesmo que a presença física não se
perfaça, sinto de perto seu coração tocar o meu o tempo todo!
Agradeço à minha mãe, Lourdinha, que cuida de nós com tanto carinho. Ao mesmo
tempo em que expresso gratidão, peço desculpas pela minha ausência tão constante,
sobretudo, durante o período (tão importante) de desenvolvimento desta pesquisa.
Todas as palavras que eu tentar utilizar jamais serão capazes de expressar minha
gratidão aos meus irmãos, Israel e Letícia, que são incríveis (em tudo que fazem) e que
cuidaram (sempre) da mamãe muito melhor que eu. Agradeço ainda por terem me
presenteado com os sobrinhos mais lindos, Guilherme, Mariana e Pedro, além do que devo
agradecer aos meus cunhados, Léo e Cris.
Ao André, meu amor, que merece o mundo! Só agradecer ao André é pouco demais, já
que tem sido capaz de, carinhosamente, entender minha loucura e meus sonhos. É capaz de
manter meu coração tranquilo e de compreender minha mente sempre tão inquieta, que não
cessa de querer mudar o mundo.
Devo agradecer ao Andrezinho e à Olívia, meus filhos amadíssimos, que, com doçura,
inteligência e me dando os abraços mais gostosos do mundo, cobriram meus dias difíceis de
luz! Meus filhos, que têm poder transformador e que fazem de mim uma pessoa mais feliz.
São eles, a minha inspiração para a busca de um mundo melhor...
De todo o coração, agradeço à vovó Helena, que, em vida, deixou o maior exemplo de
honestidade e de força que eu poderia ter, e que, mesmo após sua partida, continua sendo
referência para mim.
Agradeço ao Arnaldo, meu amigo-irmão e sócio, que desde a graduação acompanha
minha trajetória, sempre torcendo para que tudo dê certo para nós todos, além de ser um
exemplo inabalável de fé.
Ao Sérvio, que confiou em mim desde os tempos de estágio, meu reconhecimento,
carinho e gratidão eternos. O Grupo Barcelos é importante demais para mim.
Ao Dr. José Anchieta, grande amigo de nossa família, jamais serei capaz de externar
toda a minha gratidão, sobretudo, por ter me ajudado em momentos importantes da vida.
Agradeço à Patrícia, que me ajuda a cuidar do Andrezinho e da Olívia sempre com
tanto amor e carinho.
Serei eternamente grata a cada um de meus professores, desde aqueles que me
acompanharam no maternal até os mais recentes. Ensinar é ato de doação e, sem vocês, eu
jamais teria chegado até aqui. Eu gostaria de nomear todos, mas, diante da impossibilidade
de fazê-lo, agradeço a cada um, na pessoa de minha professora querida, que lecionou no
Instituto Maria Montessori, Ivone Gomes.
À minha orientadora, Flaviane de Magalhães Barros Bolzan de Morais, que me guiou
de maneira exemplar, prestando o auxílio necessário para o melhor desenvolvimento da
pesquisa. Todo o meu reconhecimento e admiração.
Aos demais professores do Programa de Pós-Graduação em Direito da PUC Minas,
que contribuíram para a minha formação e desenvolvimento, Ronaldo Brêtas de Carvalho
Dias, Rosemiro Pereira Leal, Dierle Nunes, Vicente de Paula Maciel Júnior, Alberico Alves
da Silva Filho e Lucas Gontijo.
Aos amigos que o PPGD PUC Minas trouxe para mim e que facilitaram a árdua
caminhada, Armando Ghedini Neto, Luciana Morato, Nathália Medeiros, Lorena Ribeiro,
Érica Aragão, Luís Gustavo Mundim, Felipe Vaz, Allan Milagres, Alexandre Varela,
Alexandre Rocha, Alisson Martins, Danúbia Paiva, Sílvio de Sá Batista, Lorena Rogedo
Bastianetto, Aline Nahas, Lidiane Reis, Reginaldo Gomes, André Bragança, Bruno Borges,
Francisco Dourado, Luís Henrique Vieira Rodrigues, Luís Sérgio Arcanjo, Flávia Penido,
Túlio Márcio Santos Trindade, Vinícius Monteiro de Barros, Gabriela Oliveira Freitas,
Rodrigo Fonte Boa.
Aos funcionários da secretaria do PPGD PUC Minas, Erinalda, Fernando, Breno,
Arthur, Bárbara e Léo, que sempre nos dão o suporte necessário.
Aos bibliotecários da PUC Minas, agradeço a todos na pessoa da Suelen, por terem
auxiliado na busca dos livros e artigos importantes para o desenvolvimento da pesquisa.
E a todos que, direta ou indiretamente, contribuíram para esta construção.
“E por isso ser contemporâneo é, antes de tudo, uma questão de coragem: porque
significa ser capaz não apenas de manter fixo o olhar no escuro da época, mas também de
perceber nesse escuro uma luz que, dirigida para nós, distancia-se infinitamente de nós.”
(AGAMBEN, 2010, p. 65).
O estado de rebelião significava um certo olhar, uma certa inflexão de voz; no
máximo uma ou outra palavra cochichada. Os proletas, porém, se de algum modo
acontecesse o milagre de que se conscientizassem da força que possuíam, não teriam
necessidade de conspirar. Bastava que se sublevassem e se sacudissem, como um
cavalo se sacode para expulsar as moscas. Se quisessem, podiam acabar com o
Partido na manhã seguinte. Mais cedo ou mais tarde eles teriam a ideia de acabar
com o Partido, não teriam? (ORWELL, 2009, p. 88-89).
Onde fica o homem dentro disto tudo? Qual a sua função dentro da natureza, do
universo? Ele rege ou é regido? E este esforço tremendo que o homem fez durante
séculos para ser o dominador, o que detém o poder? Teria o homem ido além,
ousando alterar a estrutura interna do universo? Modificá-la, antes sequer de
compreender, ou dominar, as pequenas estruturas que somadas formam o nosso
mundo? Quer dizer: ele ainda não estava preparado para a grande modificação e
cometeu um grande erro. Em algum ponto. (BRANDÃO, 1982, p. 80).
RESUMO
O objetivo geral da presente pesquisa é analisar se a eficiência da jurisdição pode contribuir
para a efetivação do modelo constitucional de processo. Trata-se de tema significativo, vez
que a eficiência foi o mote que direcionou as reformas estruturais no Brasil, realizadas pela
Emenda Constitucional n. 19/98 (Reforma Administrativa) e pela Emenda Constitucional n.
45/04 (Reforma do Judiciário). Além disso, o Código de Processo Civil de 2015, em seu
artigo 8o, traz a eficiência como norma fundamental do processo civil, o que repercute na
diretriz de interpretação e aplicação do ordenamento jurídico pelos juízes. Para tanto, haverá a
necessidade de averiguar o neoliberalismo, que acabou por orientar a introjeção da eficiência
e realização de ajustes estruturais nos Estados, além de ter incutido um discurso de crise,
como estratégia para justificar a desregulamentação e permear o Estado de Direito a partir de
reformas legislativas de cunho eficientista neoliberal. Analisar-se-á, ainda, a eficiência, desde
sua concepção econômica até a concepção adotada pela metodologia do Law and Economics,
permitindo que, por fim, averigue-se a forma pela qual a eficiência vem sendo interpretada e
aplicada em termos jurídicos. Para viabilizar esse desenvolvimento, adota-se como marco a
teoria do processo como procedimento realizado em contraditório, desenvolvida por Elio
Fazzalari, agregada à categoria teórica do modelo constitucional de processo de Ítalo
Andolina e Giuseppe Vignera. Para tratar da eficiência, parte-se da categorização feita por
Michele Taruffo. A hipótese aventada é no sentido de que a eficiência deve se vincular à
jurisdição e não ao processo. O processo deve ser efetivo, com observância de direitos e
garantias fundamentais. Assim, cogita-se que, para que se possa atingir a eficiência da
jurisdição, em uma perspectiva processual democrática, deve haver a sua efetivação a partir
do modelo constitucional de processo. Para isso, no entanto, propõe-se a desconstrução da
eficiência, em sua concepção neoliberal, para posterior reconstrução em termos democráticos,
com base no modelo constitucional de processo.
Palavras-chave: Eficiência. Efetividade. Modelo Constitucional de Processo.
ABSTRACT
The general aim of this research is to analyze if the efficiency of the jurisdiction can
contribute to the effectiveness of the constitutional model of process. This is a relevant issue,
since efficiency was the motto that directed the structural reforms in Brazil, carried out by the
Constitutional Amendment n. 19/98 (Administrative Reform) and by the Constitutional
Amendment n. 45/04 (Reform of the Judiciary). In addition, the Code of Civil Procedure of
2015, in its Article 8, brings efficiency as a fundamental norm of civil procedure, which has
repercussions on the guideline of interpretation and application of the legal system by the
judges. In order to do so, there will be a need to investigate neoliberalism, which eventually
led to the insertion of efficiency and structural adjustments in the States, as well as to instill a
crisis discourse as a strategy to justify deregulation and to permeate the rule of law from
legislative reforms of neoliberal efficiency. The efficiency will also be analyzed, from its
economic conception to the one adopted by the Law and Economics methodology, allowing,
finally, to investigate the way in which the efficiency has been interpreted and applied in legal
terms. In order to facilitate this development, the theory of the process as a contradictory
procedure, developed by Elio Fazzalari, is adopted added to the theoretical category of the
constitutional model of process of Italo Andolina and Giuseppe Vignera. In order to deal with
efficiency, the beginning is the categorization made by Michele Taruffo. The hypothesis put
forward is that efficiency must be linked to jurisdiction rather than to process. The process
must be effective with observance of fundamental rights and guarantees. Thus, it is
considered that, in order to achieve the efficiency of the jurisdiction, in a democratic
procedural perspective, it must be carried out from the constitutional model of process. For
this, however, it is proposed the deconstruction of efficiency, in its neoliberal conception, for
later reconstruction in democratic terms, based on the constitutional model of process.
Keywords: Efficiency. Effectiveness. Constitutional Model of Process.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AED
Art.
Análise Econômica do Direito
Artigo
BSC Balanced Scorecard
CNJ
CPC
CRFB/88
DEC
DPJ
FMI
IBDP
IPC-Jus
LINDB
MARE
n.
OCDE
ONU
RDM
REsp
STF
STJ
UFMG
Conselho Nacional de Justiça
Código de Processo Civil
Constituição da República Federativa do Brasil
Development Economics Department
Departamento de Pesquisas Judiciárias
Fundo Monetário Internacional
Instituto Brasileiro de Direito Processual
Índice de Produtividade Comparada do Poder Judiciário
Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro
Ministério da Administração e Reforma do Estado
número
Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico
Organização das Nações Unidas
Relatório de Desenvolvimento Mundial
Recurso Especial
Supremo Tribunal Federal
Superior Tribunal de Justiça
Universidade Federal de Minas Gerais
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 25
2 NEOLIBERALISMO E SUA RELAÇÃO COM A EFICIÊNCIA ................................ 35
2.1 O colóquio de Walter Lippmann e o “novo liberalismo” ............................................. 36 2.2 Keynesianismo: um dos inimigos neoliberais ................................................................. 39 2.3 O neoliberalismo a partir de Mont Pèlerin .................................................................... 42 2.4 Bretton Woods: a origem do Banco Mundial e do FMI ................................................ 45 2.5 O percurso neoliberal para ajustes voltados aos interesses do mercado ..................... 48
2.6 A desregulamentação como estratégia do Banco Mundial ........................................... 53
3 A CRISE COMO ESTRATÉGIA NEOLIBERAL DE DETURPAÇÃO DO ESTADO
DE DIREITO .......................................................................................................................... 63 3.1 Da acepção e da concepção de crise como justificativa para realização de reformas 66 3.2 Direitos fundamentais e direitos “fundamentais” do mercado .................................... 75 3.2.1 Teorias processuais e modelo constitucional de processo .............................................. 79
3.2.2 A formulação das decisões jurisdicionais e a legitimidade no modelo constitucional de
processo .................................................................................................................................... 83
3.2.3 Da concepção de legitimidade que serve ao mercado .................................................... 88
3.3 Jurisdição: legitimadora do Estado de Direito ou do Estado de Exceção? ................. 91
4 OS FUNDAMENTOS DA EFICIÊNCIA NO BRASIL ................................................. 105
4.1 A introjeção da eficiência para fixação da matriz neoliberal: a Emenda
Constitucional n. 19/98 e a nova racionalidade da Administração Pública gerencial .... 105 4.2 A Emenda Constitucional n. 45/04 e a eficiência como meta da jurisdição .............. 110 4.2.1 Da celeridade e da razoável duração do processo ....................................................... 113 4.2.2 A eficiência para o Conselho Nacional de Justiça: a quantificação como estratégia
precípua .................................................................................................................................. 115
4.3 Eficiência e sistema judicial ........................................................................................... 121 4.3.1 Eficiência e gestão do Judiciário (ajuste macroestrutural) .......................................... 121 4.3.2 Eficiência e decisão jurisdicional (ajuste microestrutural) .......................................... 127
5 DA EFICIÊNCIA E SUAS PERSPECTIVAS PARA A CIÊNCIA ECONÔMICA,
PARA A ADMINISTRAÇÃO E PARA A METODOLOGIA DO LAW AND
ECONOMICS ........................................................................................................................ 133 5.1 Eficiência na Ciência Econômica .................................................................................. 133 5.1.1 O utilitarismo de Bentham ............................................................................................. 133 5.1.2 Eficiência de Pareto ...................................................................................................... 135 5.1.3 Eficiência em Kaldor-Hicks .......................................................................................... 137
5.2 Eficiência na Administração .......................................................................................... 138 5.3 A eficiência para a metodologia do Law and Economics ............................................. 140 5.3.1 Eficiência e Teorema dos custos da transação de Coase .............................................. 141 5.3.2 Posner e a maximização da riqueza .............................................................................. 144 5.3.3 A análise econômica da litigância de Kaplow e Shavell ............................................... 153
6 DA EFICIÊNCIA E SUA PERSPECTIVA JURÍDICA ................................................ 157
6.1 Eficiência para Taruffo .................................................................................................. 157 6.2 Eficiência na concepção doutrinária brasileira ........................................................... 160
6.3 O cerne eficientista de viés quantitativo do CPC/15 ................................................... 164
6.4 A eficiência como norma fundamental do processo e como critério de aplicação do
ordenamento jurídico ........................................................................................................... 171
7 DA DESCONSTRUÇÃO DA EFICIÊNCIA E DA SUA NECESSÁRIA
RESSIGNIFICAÇÃO A PARTIR DO ALINHAMENTO À EFETIVIDADE DO
PROCESSO ........................................................................................................................... 175 7.1 Direito como violência e poder: a eficiência e a necessidade de sua desconstrução . 175 7.2 Eficiência da jurisdição e efetividade do processo: distinção fundamental .............. 180 7.2.1 Da efetividade do processo e da fiscalidade (accountability judicial decisional) ........ 189 7.2.2 Da proposta de reconstrução da eficiência pela conformação das decisões ao modelo
constitucional de processo ..................................................................................................... 195
8 CONCLUSÃO .................................................................................................................... 199
REFERÊNCIAS ................................................................................................................ 209
25
1 INTRODUÇÃO
A pesquisa proposta apresenta como tema a eficiência da jurisdição, visando a analisar
de que forma a eficiência contribui (ou não) para a efetivação do modelo constitucional de
processo. Assim, conjectura-se que, em uma perspectiva processual democrática, a eficiência
da jurisdição poderá ser obtida a partir de sua desconstrução e posterior reconstrução pela
observância do modelo constitucional de processo.
Para isso, é preciso considerar que a eficiência foi incorporada à Constituição da
República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88), a partir da Emenda Constitucional n.
19/98, que consagrou a eficiência como princípio e meta da Administração Pública. Com esse
alicerce, a eficiência veio a ser pautada pela Emenda Constitucional n. 45/04, que impôs a
celeridade e a razoável duração do processo (art. 5o, LXXVIII, da CR/88).
As mencionadas emendas constitucionais, ambas com orientação neoliberal, foram
impostas pelo Banco Mundial, que emitiu um relatório intitulado Documento Técnico n. 319,
em 1996, com o intuito de delinear o setor judiciário na América Latina e no Caribe,
definindo elementos para a reforma no seguinte sentido: “um poder judiciário eficaz e
funcional é relevante ao desenvolvimento econômico. [...] A reforma do judiciário tem como
alvo o aumento da eficiência e equidade na resolução de conflitos, ampliando o acesso à
justiça e promovendo o desenvolvimento do setor privado” (DAKOLIAS, 1996, p. 19).
Nessa medida, as reformas processuais que se sucederam foram motivadas pela
convicção do Banco Mundial de que o exercício da atividade jurisdicional no Brasil
mostrava-se ineficiente, moroso e burocrático, de modo a obstaculizar o desenvolvimento.
Vincada no discurso de crise do Judiciário, a eficiência foi, assim, incutida no
ordenamento jurídico brasileiro de forma violenta, com o objetivo de atendimento do
mercado, sem se perquirir se o eficientismo proposto seria alicerçado na observância aos
direitos e garantias fundamentais. Ao contrário, a eficiência vislumbrada pela ideologia
neoliberal buscou celeridade e redução de custos para o mercado, de modo a lhe assegurar
segurança e mitigação de riscos negociais. Dessa forma, as reformas processuais acabaram
por inobservar direitos e garantias fundamentais, o que demonstrou desmazelo ao preconizado
pelo Estado Democrático de Direito.
Assim, cumpre questionar: a eficiência é compatível com o processo democrático? No
modelo constitucional de processo, de que forma se pode implementar eficiência no exercício
da atividade jurisdicional? São esses os problemas que se busca apontar na presente pesquisa.
A hipótese considerada é de que a eficiência trata-se de um conceito que deve se
26
vincular à jurisdição, enquanto atividade estatal, e não ao processo. Isso porque a CRFB/88
preceitua, no art. 37, que a eficiência é princípio que deve ser observado pela Administração
Pública direta e indireta, nas esferas executiva, legislativa e jurisdicional. Ou seja, há
direcionamento constitucional que exige eficiência no exercício da atividade jurisdicional.
Além disso, com a reforma do Judiciário, empreendida pela Emenda Constitucional n.
45/04, houve a criação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), nos termos do art. 103-B da
CRFB/88, objetivando a realização de planejamento e aumento de controle do Judiciário, a
partir da fixação de metas e mensuração de resultados. As reformas implementadas buscavam
oficializar a busca por eficiência na atuação estatal, o que reforça a hipótese referenciada de
que a eficiência deva se atrelar à jurisdição. O processo, enquanto garantia de direitos
fundamentais, deve ser efetivo, com plena observância ao contraditório, ampla argumentação
e imparcialidade do julgador, corroborando, assim, para a fundamentação racional das
decisões jurisdicionais.
Portanto, a presente pesquisa aventa a hipótese de que a eficiência seja da jurisdição e
não do processo, devendo, o processo, ser efetivo, abarcando as garantias fundamentais que
lhe dão contornos democráticos. Ou seja, supõe-se que, a partir de uma fundamentação
constitucionalmente adequada das decisões jurisdicionais, possa haver ganho de qualidade e
eficiência no exercício da atividade jurisdicional, a partir da diretriz traçada pelo modelo
constitucional de processo.
A eficiência, inserida no art. 8o do Código de Processo Civil (CPC) de 2015, é
colocada como diretriz para aplicação do ordenamento jurídico pelos juízes e, sendo a
codificação uma unidade que exige uma interpretação alinhada com as normas fundamentais
do processo, considera-se que deva haver fiscalidade (accountability decisional jurisdicional)
capaz de gerar transparência no exercício da atividade jurisdicional, tendo como diretriz o
processo democrático.
Portanto, o objetivo desta pesquisa é averiguar de que modo o neoliberalismo serve
como orientação para introjeção da eficiência e realização de ajustes estruturais nos Estados.
Deve-se também verificar de que modo a ideologia neoliberal tem evidenciado o discurso de
crise da jurisdição, como forma de abrir espaço para que reformas nos ordenamentos jurídicos
sejam realizadas, viabilizando o exercício de medidas de exceção em detrimento do Estado de
Direito. Almeja-se, ainda, estudar a eficiência, desde sua concepção para a Ciência
Econômica e para a Administração, passando pela metodologia do Law and Economics – ou
Análise Econômica do Direito (AED) – e apresentando crítica à mesma, já que coloca a
eficiência em um patamar precipuamente quantitativo, desconsiderando que precisa ser
27
correlacionada à garantia dos direitos fundamentais para que haja configuração democrática.
Além disso, objetiva-se analisar a perspectiva de eficiência dada por Michele Taruffo
e por alguns juristas brasileiros, para se elaborar a necessária distinção entre eficiência da
jurisdição e efetividade do processo. Por fim, busca-se avaliar a eficiência, enquanto critério
de aplicação do ordenamento jurídico (art. 8o do CPC/15), para aferir acerca da possibilidade
(ou não) de alinhamento ao modelo constitucional de processo.
Nesse ponto, foi preciso analisar o protagonismo judicial e a relação do exercício do
poder com a violência da lei, o que fez pressupor a necessidade da desconstrução do próprio
sentido da eficiência – na perspectiva desenvolvida por Jacques Derridá – e sua reconstrução,
a partir de uma visão processual democrática, a fim de viabilizar sua aderência ao modelo
constitucional de processo.
Para isso, adota-se, nesta pesquisa, a teoria do processo como procedimento realizado
em contraditório, a partir da qual deve, o juiz, construir a decisão com base nos argumentos e
provas produzidos pelos sujeitos processuais em simétrica paridade (FAZZALARI, 1975). A
noção de processo como procedimento em contraditório será agregada à categoria teórica do
modelo constitucional de processo, que reconhece na Constituição uma base principiológica
uníssona, de acordo com Andolina e Vignera (1997).
Para tratar da eficiência, parte-se da categorização feita por Taruffo, que entende que a
eficiência pode se vincular à busca de celeridade e redução de custos, assim como pode
buscar a formulação de decisões elaboradas a partir de uma dialogicidade que repercutirá na
construção do provimento (TARUFFO, 2008).
Para o desenvolvimento da investigação, foram realizadas pesquisas bibliográficas,
como análise de fontes primárias, incluindo documentos elaborados pelo Banco Mundial e
pelo CNJ, e pesquisa de documentos legislativos, fazendo-se, dessa forma, análise teórica e
interpretativa, viabilizando a crítica científica acerca do tema pesquisado.
Apresentadas, portanto, as premissas metodológicas utilizadas na presente pesquisa,
cumpre discorrer acerca do desenvolvimento realizado em cada capítulo, buscando-se o
enfrentamento do problema demarcado.
No capítulo 2, buscou-se demonstrar de que forma a eficiência ganhou proporções
mais evidentes dentro da estrutura do Estado e qual é o pano de fundo que traz a matriz
eficientista como discurso salvífico, que passa a permear a formulação das decisões
jurisdicionais. Assim, o capítulo trata da estruturação da ideologia neoliberal, que teve como
uma de suas principais diretrizes a introjeção da eficiência nos ordenamentos jurídicos dos
países em desenvolvimento, a exemplo do Brasil.
28
Partiu-se da análise do Colóquio de Walter Lippman, que aconteceu em 1938, onde
foram delineadas, as premissas do que chamavam de “novo liberalismo”, preconizador do
livre mercado e mínimo intervencionismo estatal. Ao mesmo tempo, mas com uma
formulação diversa e antagônica, John Keynes idealizou uma política de desenvolvimento
social interna dos países, a partir da promoção de bem-estar, em que o discurso de eficiência
era voltado para a organização interna dos Estados.
A fim de fazer frente à expansão do Estado de Bem-Estar Social keynesiano, em 1944,
aconteceu o encontro de Mont Pèlerin, que cuidou de delinear orientações específicas para o
neoliberalismo a partir de estudos feitos por Friedrich Hayek. Nesse sentido, o neoliberalismo
que se impôs defendia o Estado mínimo, regido pela lógica do mercado e pela busca da
maximização da riqueza, por meio da análise do melhor custo-benefício. Portanto, para a
ideologia neoliberal era importante sua introjeção, sobretudo, nos países em desenvolvimento,
já que apresentavam maior vulnerabilidade financeira.
Com esse intuito, organizou-se a Convenção de Bretton Woods, ocasião em que houve
a criação do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional (FMI), com o objetivo de
promover regulamentações visando à reorganização, por meio de ajustes estruturais, dos
países em desenvolvimento. Esses ajustes, no entanto, conforme demonstrar-se-á, tiveram a
intenção de viabilizar o desenvolvimento do mercado, com a imposição de reformas estatais,
em que a busca por eficiência esteve em voga.
Assim, a análise das fontes documentais primárias formuladas pelo Banco Mundial, a
exemplo dos Relatórios de Desenvolvimento Mundial (RDM) e documentos técnicos, teve o
intuito de demonstrar o viés efetivamente neoliberal que direcionou os ajustes estruturais
realizados no Brasil, que acabaram por utilizar um discurso de crise da jurisdição como
estratégia para manipular o Estado de Direito, como máscara para o neoliberalismo.
Embora a CRFB/88 tenha apontado o Estado Democrático de Direito como diretriz
principiológica, considera-se que sua implementação é um projeto em construção. É
indubitável que se vive um estado de crise – crise esta de fato existente ou propositadamente
implantada –, no qual não houve a concretização efetiva dos preceitos democráticos, pelo que
se cogita uma dimensão de contemporaneidade, que, de acordo com Agamben (2010),
contempla as definições não cumpridas do passado.
O desvirtuamento do Estado de Direito e a dificuldade de se concretizar a democracia
podem ser atribuídos à virulência neoliberal, que coloca em voga interesses das minorias
hegemônicas, em detrimento da sociedade, dos direitos e das garantias fundamentais. Desse
modo, aventa-se que a jurisdição esteja servindo para a implementação de medidas de
29
exceção, a fim de proteger os interesses do mercado e das elites, sob uma perspectiva
quantificadora da eficiência, em busca de celeridade, desburocratização e maximização de
lucros, que não se coaduna com a proteção de direitos fundamentais e observância de
garantias processuais.
Nesse sentido, no capítulo 3, houve a necessidade de aprofundamento na questão da
crise, que tem servido como estratégia para promover os ajustes estruturais em busca de
eficiência, o que deu ensejo, no Brasil, à realização da reforma da Administração Pública e da
reforma do Judiciário. Milton Friedman (2014) assume que a crise interessa ao neoliberalismo
e pode ser até mesmo propositadamente implantada, a fim de promover ajustes de perpectivas
eficientistas, que pugnam pela maximização da produtividade e dos lucros.
Além disso, visando a analisar o Estado de Direito, foi necessário realizar uma
incursão na temática dos direitos fundamentais, a fim de que, ao final, fosse possível
confrontá-los com os direitos que são prioritários para o neoliberalismo e que não se
compatibilizam com a perspectiva democrática.
Assim, fez-se imperioso discorrer acerca das teorias processuais, de modo a se
demarcar a matriz teórica adotada na presente pesquisa, qual seja, a teoria do processo como
procedimento em contraditório, de Fazzalari, aliada ao modelo constitucional de processo
desenvolvido por Andolina e Vignera. A partir dessa perspectiva, considera-se o processo
como garantia de direitos fundamentais (BARROS, 2009).
Feito isso, abriu-se espaço para o necessário tratamento das garantias processuais e de
como se promove a articulação entre a garantia do contraditório e a fundamentação racional
das decisões, capaz de gerar legitimidade ao processo de bases democráticas.
Delineada a concepção de legitimidade adotada, vincada nos marcos teóricos
indicados, avançou-se no sentido de analisar a concepção de legitimidade adotada pelo Banco
Mundial, que tem se prestado ao atendimento do mercado. Em seguida, houve necessidade de
analisar de que modo a jurisdição tem se comportado em face da ideologia neoliberal, e se o
exercício dessa função estatal tem servido para o fortalecimento do Estado de Direito, que
fixa os limites do poder estatal e busca a proteção de direitos fundamentais, ou se, ao
contrário, tem se prestado à formulação de decisões jurisdicionais submissas aos interesses
políticos e econômicos, em que a vontade da autoridade se impõe.
Considerou-se, então, que as decisões pautadas na vontade da autoridade, sem
formulação comparticipada dos sujeitos, são capazes de implementar medidas de exceção.
Para a respectiva averiguação, analisaram-se os desenvolvimentos feitos por Agamben, que
apontam que a exceção tem sido utilizada como técnica de governo, a partir da introjeção da
30
vontade da autoridade nas lacunas estrategicamente deixadas no ordenamento jurídico
(AGAMBEN, 2004). Assim, nomeiam-se a crise e a ineficiência estatal como inimigas, com o
fito de justificar (como se possível fosse) uma atuação estatal fora das bases democráticas e
que segue interesses da autoridade e dos mercados.
Buscou-se analisar, portanto, se a jurisdição tem se prestado ao atendimento dos
anseios neoliberais. O processo democrático deve guiar a atuação jurisdicional, com a afetiva
observância ao contraditório, ampla argumentação dos sujeitos processuais e imparcialidade
do julgador, para que, ao final, sejam formuladas decisões racionalmente fundamentadas.
Colocadas a crise e a ineficiência da jurisdição como inimigas, a fim de justificar uma
remodelação da forma de atuação, buscou-se demonstrar, no capítulo 4, de que modo a
CRFB/88 reforça a conjectura aventada. Assim, deve-se demonstrar que a eficiência foi
incorporada pela Emenda Constitucional n. 19/98, que pautou a reforma da Administração
Pública, e pela Emenda Constitucional n. 45/04, que apontou a eficiência como meta da
jurisdição, tanto inserindo o atributo da celeridade e da razoável duração do processo, quanto
definindo a criação do CNJ.
Por meio da análise de documentos emitidos pelo Banco Mundial, intentou-se
demonstrar que as reformas apontadas tiveram um conteúdo orientado para implantação da
ideologia neoliberal para atendimento dos ditames do mercado. Cuidou-se, ainda, de
demonstrar que houve pouca (ou nenhuma) preocupação em enfatizar a proteção a direitos e
garantias fundamentais, o que ficou evidenciado pela análise dos regulamentos do CNJ, que
trazem as estratégias de sua atuação, voltadas, de modo relevante, à busca de eficiência
quantitativa. Surgiu, também, a necessidade de analisar a eficiência relacionada ao sistema
judiciário, no que diz respeito à gestão (perspectiva macroestrutural), bem como de averiguar
o sistema judiciário relacionado às decisões jurisdicionais (perspectiva microestrututal).
É importante que se promova essa incursão na análise conceitual, a fim de viabilizar a
investigação acerca da compatibilidade da eficiência com o processo democrático. Nesse
passo, no capítulo 5, observou-se que a eficiência é acepção polissêmica, oriunda da Ciência
Econômica, com tratamento pela Administração e aproveitamento oportuno (estratégico) pela
metodologia do Law and Economics.
Desse modo, primeiramente, houve a necessidade de se incursionar pela teoria
utilitarista desenvolvida por Jeremy Bentham, que defendeu reformas legislativas para
promover aumento de bem-estar e maximização da felicidade (BENTHAM, 1979). Essa
teoria foi criticada pela incapacidade de especificar critérios aferíveis para atingimento do
bem-estar. No entanto, foi uma teoria que serviu de ponto de partida para o desenvolvimento
31
da metodologia do Law and Economics.
Assim, visando a suprimir o problema utilitarista, Vilfredo Pareto criou o critério
ótimo de Pareto, também conhecido como eficiência de Pareto, segundo o qual, os recursos,
considerados como benefícios ou renda, podem ser alocados para melhorar a situação de um
indivíduo, pelo menos, ainda que haja piora na situação de outros. Com isso, Pareto
considerou ter suprido o problema utilitarista, na medida em que, para se atingir a eficiência,
bastava a melhora da situação de pelo menos um indivíduo, admitindo-se que possa haver
piora na situação dos demais (PARETO, 1984).
Além da eficiência paretiana, houve a necessidade de se discorrer acerca da eficiência
tratada pelos economistas Nicholas Kaldor e John Hicks, vez que o critério por eles
desenvolvido serviu, mais tarde, para que Richard Posner elaborasse, dentro da metodologia
do Law and Enconomics, sua teoria da maximização da riqueza.
De acordo com esse critério de eficiência de Kaldor-Hicks, a alocação de recursos, que
admite a perda de alguns indivíduos em detrimento de outros, deve permitir a compensação
dessas eventuais perdas. Ou seja, partindo dessa concepção, deve-se buscar a maximização da
riqueza, com viabilidade de compensação das perdas, ainda que essa compensação não
ocorra. Posner (2007) acabou defendendo que, por essa perspectiva, o mercado é quem realiza
a distribuição da riqueza (alocação de recursos), visando a sua maximização.
Buscando a interação entre Direito e Economia, o que se mostrou bastante oportuno
para a ideologia neoliberal, houve o desenvolvimento da metodologia do Law and Economics,
que teve como expoentes Ronald Coase, Richard Posner, Steven Shavell e Louis Kaplow, e
que tem como objetivo orientar a interpretação e a aplicação do Direito, segundo critérios de
eficiência.
Coase (2017) desenvolveu o tema da eficiência, entendendo que as decisões
jurisdicionais geram repercussão na economia e que, por esse motivo, o Judiciário deve aferir
o impacto decisional, de modo a reduzir custos.
Posner, por sua vez, coloca a eficiência como critério para a formulação de decisões
jurisdicionais, indicando que os julgadores devem aferir critérios para aumento da riqueza,
aproximando o sistema jurídico dos critérios de mercado. Ou seja, Posner sustenta que a
interpretação e a aplicação do ordenamento jurídico devem ser orientadas pela busca de
eficiência, enquanto critério maximizador da riqueza, segundo interesses do mercado. Nesse
sentido, defendeu a discricionariedade dos atos praticados pelos juízes, que devem criar o
Direito por meio de decisões jurisdicionais que busquem a melhor alocação do custo-
benefício (POSNER, 2007).
32
Visando a realizar uma análise econômica da litigância, Kaplow e Shavell (1999)
sustentam que os sujeitos processuais realizam uma avaliação racional de custo-benefício, de
forma a dimensionar a repercussão econômica que o pleito pode gerar. Referidos economistas
evitaram a utilização do termo eficiência, para se desprenderem de comparações com Coase e
Posner. No entanto, conforme analisar-se-á, a tentativa se mostrou inócua, na medida em que
toda a orientação de sua teoria segue, resguardadas algumas peculiaridades, teorização similar
àquelas realizadas pelos demais defensores do Law and Economics.
No capítulo 6, foi necessário aprofundar na análise de como a eficiência tem sido
entendida em uma perspectiva jurídica. Então, buscando apronfudar na hipótese considerada
nesta pesquisa, investigou-se a eficiência na perspectiva de Taruffo, que aponta uma
dimensão quantitativa, relacionada aos custos do processo e à celeridade na tramitação
processual, e o fato de que a eficiência pode decorrer da formulação de decisões jurisdicionais
fundamentadas adequadamente (TARUFFO, 2008).
Assim, foi necessário ainda averiguar qual é a perspectiva de eficiência adotada pelo
CPC/15. Desde a exposição de motivos da novel codificação, observou-se que celeridade,
redução de custos e previsibilidade foram as diretrizes. Buscou-se indicar algumas
modificações voltadas ao atingimento da eficiência, tendo esta sido alçada a norma
fundamental, como critério de aplicação e interpretação do ordenamento jurídico pelos juízes
(art. 8º, CPC/15). O art. 8º operou uma abertura capaz de dar azo à discricionariedade, que
viabiliza a introjeção de critérios subjetivos na formulação decisória, capazes de afastar a
efetivação das garantias fundamentais necessárias à configuração do processo democrático.
Conforme já se expôs, o problema apontado na presente pesquisa é saber de que
forma, em uma perspectiva de modelo constitucional de processo, poderia ser implementada a
eficiência no exercício da atividade jurisdicional. Assim, a hipótese aventada foi a de que a
eficiência da jurisdição deve se guiar pela efetividade do processo, com observância das
garantias fundamentais, a fim de viabilizar fiscalidade da decisão (accountability), capaz de
repercutir em uma conformação do processo, ensejadora de sua razoável duração.
Como proposta de ressignificação da eficiência, para sua adequação a uma perspectiva
democrática, a pesquisa realizada indicou a desconstrução, conforme desenvolvido por
Jacques Derridá. Em Derridá, a desconstrução visa a extirpar as camadas textuais, a fim de
que se busque o sentido, como um desvelamento, desmascarando o que corriqueiramente se
propõe. Derridá, assim como Walter Benjamin e Agamben, critica a violência da lei, que
detém uma autoridade em si mesma.
Nesse sentido, sustenta-se que se deve perseguir o desvelamento do conceito de
33
eficiência, a fim de que fique evidente o esforço da ideologia neoliberal para mascarar sua
real intenção. A eficiência, enquanto conceito solto, passa uma percepção vincada em um
discurso sedutor, como se fosse capaz de salvar o Estado de suas mazelas. O que está por trás
disso, no entanto, é o interesse do mercado voltado ao atendimento de ditames neoliberais.
Por esse motivo, nesta pesquisa, sustenta-se a necessidade de uma desconstrução da eficiência
e sua posterior reconstrução, guiada, a partir daí, pela efetividade do processo, com
observância das garantias fundamentais.
Esse é um ponto de importância na presente pesquisa, na medida em que se partiu dos
conceitos de jurisdição e processo, este entendido como garantia de direitos fundamentais
(BARROS, 2009), para relacioná-los com a perspectiva de eficiência, que tem vinculação
quantificadora, fulcrada em um critério economicista, de análise de custo-benefício. O
processo como garantia de direitos fundamentais, por sua vez, não se adere à monetização de
direitos e garantias processuais, não pode ser relativizado, flexibilizado, nem deve se tornar
vulnerável frente a reclames econômicos e critérios de mercado de vestes neoliberais.
Desse modo, foi necessário analisar o conceito de efetividade do processo, que
compreende observância às garantias do contraditório, enquanto garantia de influência e não
surpresa (NUNES, 2008a), ampla argumentação, imparcialidade do julgador e fundamentação
racional das decisões, para que haja a configuração do que se entende por processo
democrático. Essa análise permitiu o desenvolvimento da hipótese aventada, no sentido de
que a eficiência deve ser vinculada à jurisdição, enquanto o processo deve ser efetivo, com
observância de direitos e garantias fundamentais. Assim, para atingimento da eficiência na
jurisdição, deve haverr balizamento pelo processo democrático.
Supõe-se, portanto, que a efetividade do processo é que dará ensejo à eficiência da
jurisdição. Para isso, a formulação das decisões jurisdicionais torna imprescindível uma
elaboração com transparência, em que haja fundamentação alinhada aos debates produzidos
pelos sujeitos processuais, viabilizando o exercício do direito à fiscalidade da decisão pelas
partes e pela sociedade, na medida em que há interesse na implementação do modelo
constitucional de processo. Cogita-se, portanto, a possibilidade de uma accountability
decisional, em que haja fiscalidade pelos sujeitos processuais e pela sociedade, de modo a
ensejar a configuração do processo democrático.
É necessário pontuar que não houve a pretensão de esgotamento da temática, mas a
intenção de colocar em evidência as matizes de eficiência que acabam por se acoplar ao
processo, de modo a contribuir (ou não) para a implementação efetiva do modelo
constitucional de processo. Ao final da pesquisa, busca-se apresentar uma proposta de
34
possível compatibilização entre eficiência da jurisdição e efetividade do processo, a partir de
uma reconstrução da eficiência pela via processual democrática.
35
2 NEOLIBERALISMO E SUA RELAÇÃO COM A EFICIÊNCIA
Quaisquer desenvolvimentos que se realizem acerca do conceito de eficiência, de sua
estruturação, implicações econômicas e interferências no mundo da Política e do Direito
devem perpassar necessariamente pela análise do neoliberalismo, que deve ser entendido
tanto como uma ideologia, quanto como técnica de governo ou direcionamento político, e,
nesse sentido, segundo Steger e Roy:
As ideologias são sistemas de ideias amplamente partilhadas e de convicções básicas
admitidas como verdadeiras por grupos significativos na sociedade. […] A segunda
dimensão do neoliberalismo tem a ver com aquilo que o pensador francês Michel
Foucault chamava ‘governamentalidades’ – certos modos de governação baseados
em premissas, lógicas e relações de poder específicas. Uma governamentalidade
neoliberal enraiza-se em valores empresariais, como a competitividade, o interesse
pessoal e a descentralização. […] Em terceiro lugar, o neoliberalismo manifesta-se
como um conjunto concreto de políticas públicas expressas naquilo a que gostamos
de chamar a ‘Fórmula D-L-P’: (1) desregulamentação (da economia); (2)
liberalização (do comércio e da indústria); e (3) privatização (das empresas detidas
pelo Estado). (STEGER; ROY, 2010, p. 31-35).
Assim, a ideologia político-econômica-neoliberal constroi-se a partir de um discurso
que assegura benefícios para o mercado, para a elite dominadora, a partir de uma
desregulamentação, que almeja implementação da liberdade mercadológica 1 . No viés
neoliberal, é o mercado, portanto, que dita as regras, em nome de um suposto
desenvolvimento político-econômico e, nesse sentido, Avelãs Nunes explica:
O Mercado, como o Estado, é uma instituição social, um produto da história, uma
criação histórica da humanidade […] que veio servir (e serve) os interesses de uns
(mas não os interesses de todos), uma instituição política destinada a regular e a
manter determinadas estruturas de poder que asseguram a prevalência dos interesses
de certos grupos sociais sobre interesses de outros grupos sociais. (AVELÃS
NUNES, 2016, p. 101).
A eficiência mostra-se compatível com esse discurso, pois sua base conceitual é
econômica, com a busca da maximização da riqueza, a partir do maior aproveitamento da
relação custo-benefício (ROSA; MARCELLINO JÚNIOR, 2015). Dessa forma, há que se
1 Segundo George Soros, “a globalização dos mercados financeiros foi um projeto muito bem-sucedido dos
fundamentalistas de mercado. Se o capital financeiro estiver livre para se movimentar, se torna difícil para
movimentar, se torna difícil para qualquer Estado tributá-lo ou regulamentá-lo, porque ele pode se transferir
para outro Mercado. Isso coloca o capital financeiro em uma posição privilegiada. Os governos muitas vezes
se veem forçados a prestar mais atenção aos requerimentos do capital internacional do que às aspirações de
seus povos. É por isso que a globalização dos mercados financeiros serviu tão bem aos objetivos dos
fundamentalistas de Mercado. O processo começou com a reciclagem dos petrodólares, depois do choque do
petróleo de 1973, e se acelerou nos anos Reagan-Tatcher.” (SOROS, 2008, p. 120).
36
percorrer o iter para a estruturação ideológica neoliberal, a fim de que se contextualize a
introjeção do princípio da eficiência no ordenamento jurídico brasileiro, partindo-se, portanto,
da origem do neoliberalismo no Colóquio de Walter Lippman e verificando ainda a
consolidação da discussão ocorrida na Sociedade de Mont Pèlerin, cumprindo, ainda, indagar
qual foi o mote que direcionou o desenvolvimento dessa ideologia, que acabou por se tornar a
nova razão do mundo (DARDOT; LAVAL, 2016).
2.1 O Colóquio de Walter Lippmann e o novo liberalismo
Dardot e Laval (2016) sustentam que a ideologia neoliberal surgiu no Colóquio de
Walter Lippmann, em Paris, no ano de 1938, e não com a criação da Sociedade de Mont
Pèlerin, em 1947. Explicam que o Colóquio de Lippmann aconteceu no Instituto Internacional
de Cooperação Intelectual, tendo reunido participantes como Friedrich Hayek, Jacques Rueff,
Raymond Aron e Wilhelm Röpke.
O evento culminou na criação do Centro de Estudos para a Renovação do Liberalismo,
tendo sido ainda definido que reuniões constantes para tratativa do assunto ocorreriam
regularmente. Pautou-se a discussão nos novos direcionamentos que deveriam ser dados ao
liberalismo fundado no laissez-faire, com uma visão ainda mais voltada à persecução da
maximização dos lucros, a fim de se obter maior eficiência possível, dentro de um contexto de
mercado livre, com mínima intervenção governamental, a não ser para garantir eficiência, a
partir da proteção aos fatores de produção e da concorrência (HUNT; SHERMAN, 1999).
Sucedeu, no entanto, que o advento da Segunda Guerra Mundial desarticulou e
impediu a continuidade dos estudos pretendidos pelos intelectuais componentes do Colóquio.
Houve, assim, uma correlação entre o que se pretendia discutir e articular, em um viés de
novo liberalismo, por meio do Colóquio de Walter Lippmann, e o que veio a ser articulado,
posteriormente, já em 1947, pela Sociedade de Mont Pèlerin, sendo esta considerada,
portanto, uma continuidade dos trabalhos iniciados em 1938 (DARDOT; LAVAL, 2016).
Por ocasião do Colóquio de Walter Lippmann, não havia ainda uma aferição precisa
daquilo que viria a se teorizar como neoliberalismo, ou seja, faltava precisão para definir as
linhas mestras do novo liberalismo que se estaria a construir. Nesse sentido, o objetivo basilar
do Colóquio era a discussão acerca do intervencionismo estatal, que foi abominado pelo
liberalismo na concepção do laissez-faire e que precisou, já naquela ocasião, ser reavaliado,
de modo a se evitar a ascensão dos totalitarismos (DARDOT; LAVAL, 2016).
Lippmann, em sua obra La Cité Libre, enfatizou a importância do Estado, por ser o
37
instituinte de uma ordem jurídica regulatória da economia, reforçando, portanto, o
intervencionismo jurídico estatal, na medida em que este, por meio de normas, vai regrar a
propriedade privada, os contratos, patentes e regular as instituições financeiras, o que
repercute, portanto, no funcionamento do mercado e na geração de resultados. Dessa maneira,
afirma que o liberalismo não advém de jusnaturalismo, sendo criação obstinada e consciente
de uma ordem jurídica oriunda do intervencionismo estatal. Segundo Dardot e Laval:
O grande defeito do liberalismo econômico [...] derivava da impossibilidade de se
construir uma ordem social viável a partir de uma teoria essencialmente negativa. A
novidade do neoliberalismo “reinventado” reside no fato de se poder pensar a ordem
de mercado como uma ordem construída, portanto, ter condições de estabelecer um
verdadeiro programa político (uma “agenda”) visando a seu estabelecimento e sua
conservação permanente. [...]
Enquanto liberais discutiam sentenciosamente a extensão do laissez-faire e
a lista dos direitos naturais, a realidade política era a invenção das leis, instituições e
normas de todos os tipos, indispensáveis para a vida econômica moderna.[...] Porque
esse direito é mais o produto da jurisprudência que sanciona os usos do que uma
codificação feita conforme as regras que eles puderam vê-lo erroneamente como
expressão de uma “espécie de direito natural fundado na natureza das coisas e com
um valor, por assim dizer, supra-humano”. [...] Não reconhecer o trabalho da criação
jurídica é o erro inaugural que se encontra no princípio da retórica de denúncia da
intervenção do Estado. (DARDOT; LAVAL, 2016, p. 82-84).
A partir disso, o que se sustenta é que não se pode desprezar que o Estado atuou,
mesmo em uma concepção liberal fulcrada no laissez-faire, por meio de um intervencionismo
jurídico baseado na criação e aplicação de normas que regulam a economia, a política e a
sociedade, e que, de acordo com Lippmann, os liberais erraram por “não ver que a
propriedade, os contratos, as sociedades, assim como os governos, os parlamentos e os
tribunais, são criaturas da lei e existem apenas enquanto uma pilha de direitos e deveres cuja
aplicação pode ser exigida” (LIPPMANN, 2005, p. 230).
Portanto, Lippmann inferiu que o Estado intervinha, mesmo no liberalismo, por meio
das normas regulatórias da política econômica2, e é exatamente nesse ponto, que lançou o
neoliberalismo como uma contraposição ao ideal jusnaturalista do liberalismo, já entendendo
que esse novo liberalismo é alicerçado em normas destinadas ao atendimento de interesses
privados (propriedade privada e contratos), de modo a atender aos negócios jurídicos
2 Acerca da expressão política econômica, lançou-se mão de Coelho para explicar o motivo de sua utilização:
“Aqui, a separação entre Economia e Política, em campos diferentes, perde sentido. Há uma intercessão entre
os campos que exige do pesquisador uma análise integrada. Tomando o campo econômico como espaço da
produção material e o político como o das relações de poder, ambos se condicionam. Por um lado, um Estado
terá sua soberania aumentada à medida que dispuser de instrumentos de persuasão e dissuasão maiores que os
outros. Na mesma direção, sua capacidade de criação de riqueza estará condicionada aos instrumentos de
poder de que disponha. Entretanto, o econômico e o político não podem ser reduzidos um ao outro: há, de fato,
uma distinção entre ambos, posto que o político compreende outras dimensões que não só as relações de
produção em si.” (COELHO, 2012, p. 8).
38
patrimonialísticos. Assim, os tribunais, instados a atuarem para definição de casos específicos
levados à sua apreciação, atuam de modo a aplicar a lei para atendimento do sistema
normativo vinculado à política econômica e, nessa toada, Dardot e Laval explicitam:
Para Lippmann, a nova governamentalidade é essencialmente judiciária: mais do
que curvar-se à forma de administração da justiça em toda a sua extensão e todos os
seus procedimentos, ela cumpre uma operação integralmente judiciária em seu
conteúdo e seu alcance. A oposição simplista entre a intervenção e não intervenção
do Estado, tão pregnante na tradição liberal, impediu a compreensão do papel
efetivo do Estado na criação jurídica e inibiu as possibilidades de adaptação. O
conjunto de normas produzidas pelos costumes, pela interpretação dos juízes e pela
legislação, com a garantia do Estado, evolui para um trabalho constante de
adaptação, por uma reforma permanente que faz da política liberal uma função
essencialmente judiciária. [...] O ponto essencial em Lippmann é, sem dúvida, que
não se podem pensar independentemente a economia e o sistema normativo.
(DARDOT; LAVAL, 2016, p. 96-97).
Evidencia-se, dessa maneira, que o neoliberalismo possui uma vinculação estrita com
a normatividade estatal e com a aplicação dessa normatividade por meio da atividade
jurisdicional. Portanto, no Colóquio de Walter Lippmann, antes mesmo da Segunda Guerra
Mundial, houve discussão acerca da percepção já existente de que as normas, ao mesmo
tempo em que limitam os poderes do Estado, são criadas para orientar a política econômica e
legitimar a atuação direcionada dos tribunais, que devem se adaptar aos interesses da elite
econômica. Naquela ocasião, no entanto, não se nomeou a nova ideologia e nem houve a
preocupação em se definir os contornos e características precisas. Assim, Dardot e Laval
sustentam:
Rougier, no discurso que abriu os trabalhos do colóquio, assinala que esse esforço
de refundação ainda não tem um nome oficial: deve-se falar em “liberalismo
construtor”, “neocapitalismo” ou “neoliberalismo”, termo que, segundo ele, parece
prevalecer no uso corrente. Refundar o liberalismo para melhor combater a grande
ascensão do totalitarismo é a meta que Rougier pretendia dar à reunião da qual fora
o promotor, sublinhando que a ambição do colóquio era condensar um movimento
intelectual difuso. (DARDOT; LAVAL, 2016, p. 74-75).
Assim, o Colóquio de Walter Lippmann precisa ser avaliado quando se trata do
neoliberalismo, na medida em que se apresenta como evento que buscou discutir as novas
bases sobre as quais a ideologia novel deveria se pautar, sobretudo, por ser nesse colóquio que
houve a observância de que o Judiciário, por meio de suas decisões, teria função medular na
implantação da nova ideologia.
Nessa ocasião, no entanto, ecoava a formulação teórica construída por Keynes, voltada
ao desenvolvimento do Estado de Bem-Estar Social, que não se compatibilizava com o
39
desenvolvimento da ideologia neoliberal, sendo necessário, portanto, averiguar em que
medida houve o antagonismo entre as concepções keynesianas e neoliberais.
2.2 Keynesianismo: um dos inimigos neoliberais
Após a Segunda Guerra Mundial, houve extrema necessidade de soerguimento dos
Estados envolvidos na empreitada bélica e das relações internacionais que ruíram, os quais
buscavam se reestruturar, além de buscar uma forma de evitar que novos conflitos se
instalassem. Nesse sentido, almejou-se conjugar capital e trabalho, visando à reestruturação,
com busca de pleno emprego e bem-estar, ocasião em que o Estado precisou interferir para a
realização de ajustes econômicos e de política-social, colimando com o que se denominou
Estado de Bem-Estar Social.
Nesse sentido, Mattei e Nader (2013) explicam que, após o padecimento oriundo do
pós-guerra, as teorias sociais foram reformuladas e incutiu-se uma dimensão de vanguarda
voltada ao desenvolvimento de uma sociedade progressista dentro do contexto capitalista, e,
ainda, conforme Harvey (2014), houve intervenção ativa do Estado na fixação de salários,
atuação no âmbito de saúde, bem-estar e educação, implicando, por óbvio, em
regulamentação estatal e em sua atuação em setores estratégicos da economia e da indústria.
Esse Estado de Bem-Estar Social veio pautado pelo que defendeu o economista
britânico John Maynard Keynes, autor da obra Teoria Geral do Emprego, do Juro e da
Moeda (1937). Dessa forma, já em 1941, planejava um sistema do qual os Estados Unidos
fizessem parte, para se buscar equilíbrio da balança de pagamento entre todos os países, de
forma igualitária e sem discriminação comercial, evitando-se o desemprego e a dependência
financeira dos países em débito (DAVIDSON, 2010)3.
Assim, Keynes defendia que uma economia fechada seria aquela em que um Estado
não realiza operações mercantis com algum outro Estado, enquanto a economia aberta
3 Segundo Davidson: “Keynes concebeu um sistema que incluía um mecanismo que induzia as nações
internacionais credoras a aceitarem a responsabilidade principal da resolução de desequilíbrios comerciais
persistentes entre as nações do mundo. Como se antecipava que os Estados Unidos viessem a ser uma nação
credora depois da guerra, o plano de Keynes requeria que os Estados Unidos aceitassem a responsabilidade da
resolução dos problemas financeiros internacionais que surgissem na era imediatamente a seguir à Guerra. Era
óbvio para todos que as nações da Europa e da Ásia devastadas pela Guerra iriam necessitar de importações
significativas dos Estados Unidos para poderem reconstruir suas economias destruídas enquanto não tivessem
capacidade de produzir exportações para os Estados Unidos, de forma a ganharem os dólares necessários para
comprarem bens produzidos na nação americana. O plano de Keynes requeria que a nação credora aceitasse o
ônus da correcção do desequilíbrio comercial, implicando, portanto, a possibilidade de os Estados Unidos
terem de assumir uma responsabilidade financeira não especificada, mas substancialmente grande, para ajudar
o resto do mundo a reeguer-se depois da devastação da Segunda Guerra Mundial.” (DAVIDSON, 2010, p.
192-193).
40
pressupõe a abertura comercial para mercados externos. No entanto, explicita que a economia
aberta pode gerar percalços econômicos aos Estados, defendendo, assim, o fortalecimento das
economias internas como forma de garantir o pleno emprego, bem-estar e desenvolvimento e,
assim, dispõe:
Se as nações podem aprender a manter o pleno emprego apenas por meio de sua
política interna (e também, devemos acrescentar, se logram alcançar o equilíbrio na
tendência de crescimento de suas populações), não deveria mais haver a necessidade
de forças econômicas importantes destinadas a predispor um país contra os seus
vizinhos. Haveria o lugar para a divisão internacional do trabalho e para o crédito
internacional em condições adequadas, mas deixaria de existir motivo premente para
que um país necessitasse impor suas mercadorias a outro ou recusar as ofertas de
seus vizinhos, não porque isto seja indispensável para capacitá-lo a pagar o que
deseja adquirir no estrangeiro, mas por causa do objetivo expresso de alterar o
equilíbrio de pagamentos, a fim de criar uma balança comercial que lhe seja
favorável. O comércio internacional deixaria de ser o que é, um expediente
desesperado para manter o emprego interno, forçando as vendas nos mercados
externos e restringindo as compras, o que, se tivesse êxito, simplesmente deslocaria
o problema do desemprego para o vizinho que levasse desvantagem na luta, e se
converteria num livre e desimpedido intercâmbio de mercadorias e serviços em
condições de vantagens mútuas. (KEYNES, 1996, p. 348).
Keynes sustentou, ainda, que se houvesse desvencilhamento entre política econômica
internacional e política interna de fixação de taxas de juros autônomas, além de planejamento
de investimentos internos para busca do nível máximo de emprego, poder-se-ia chegar a uma
pretendida estabilidade e fortalecimento da economia interna. Lecionou que o Estado, por
meio da política econômica, deveria intervir para a garantia do Estado de Bem-Estar,
defendendo, portanto, uma atuação estatal ativa e firme para regulação do mercado e busca do
nível máximo de emprego visando a coletividade (KEYNES, 1996).
Assim, em absoluta contraposição à ideologia neoliberal, Keynes sustentou que o
pleno emprego deveria ser priorizado pelo Estado4, para garantir melhoria na qualidade de
vida do trabalhador, e que isso deveria se sobrepor aos objetivos de lucros empresariais
exacerbados. Nesse sentido: “o desemprego, a vida precária do trabalhador, o fracasso das
previsões, a súbita perda de economias, os lucros exagerados de alguns, do especulador, do
aproveitador — tudo tem origem, em grande parte, na instabilidade do padrão de valor”5
(KEYNES, 1924, prefácio, tradução nossa).
4 No prefácio da obra Teoria do Emprego, do Juro e da Moeda, Adroaldo Moura da Silva expõe que “Keynes
nos ensinou que a ação do Estado, através da política econômica, é um ingrediente básico do bom
funcionamento do sistema capitalista. Ou seja, o ativismo do Estado é um complemento indispensável ao
funcionamento dos mercados para se obter o máximo nível de emprego possível e, portanto, maximizar o nível
de bem-estar da coletividade. Esta é a mais duradoura contribuição de Keynes.” (KEYNES, 1996, prefácio). 5 Unemployment, the precarious life of the worker, the disappointment of expectation, the sudden loss of
savings, the excessive windfalls to individuals, the speculator, the profiteer – all proceed, in large measure,
from the instability of standard of value.
41
O keynesianismo, portanto, teve como cerne o bem-estar social, que garantisse aos
trabalhadores empregabilidade, salários compatíveis que pudessem lhes proporcionar acesso a
bens de consumo necessários, devendo o Estado garantir ainda acesso a saúde, educação e
seguridade social. Além disso, do ponto de vista estatal, Keynes defendia que se realizassem
investimentos públicos nacionais desvencilhados das repercussões econômicas internacionais,
incentivando a formulação estratégica de uma taxa de juros nacional autônoma, a fim de
viabilizar eventual imposição de barreiras aos fundos de capital internacionais. Baseado
nessas proposições, portanto, o autor delineou a forma de estruturação e funcionamento do
setor público, acerca da qual, Aragão expõe:
Devemos reconhecer que a eficiência do setor público e a capacidade do Estado de
formular e implementar políticas públicas dependem de sua estrutura administrativa
e da estrutura social na qual está inserida. Com o Estado keynesiano, o setor público
moderno se formou. Entretanto, como vimos, as recentes reformas administrativas
apontam para um movimento de “desconstrução” deste Estado. Chegamos a uma
situação que configura o paradoxo do neoliberalismo, qual seja: para reduzir o
tamanho do Estado (para ter o Estado mínimo) é preciso ter uma Estado forte.
(ARAGÃO, 1997, p. 126).
O que Aragão busca explicitar é que Keynes almejou alicerçar o Estado em uma
política econômica fulcrada no desenvolvimento social interno, com a promoção do bem-
estar, a partir de uma eficiência vinculada às políticas públicas que, obviamente, pela noção
de Estado regulador que promove, pautam-se na boa operacionalização da estrutura
administrativa existente. O Estado keynesiano, portanto, vincula-se à noção de estrutura
estatal voltada ao atendimento da organização interna para o desenvolvimento social e, nessa
medida, reformas administrativas se sucederam para fins de implementação do objetivo
proposto.
Para o keynesianismo, o Estado deve ser interventor, regulamentador, com o fim de
estimular a geração de pleno emprego, bem-estar e seguridade social. Aragão (1997) ressalta,
no entanto, que há uma contradição do estado keynesiano com o neoliberal, que busca o
estado mínimo, não interventor e não regulador, já que a regulação6 deve ter espeque no
6 “Suas ácidas e bem fundamentadas críticas à doutrina e à política do laissez-faire mostram que Keynes as
considera absolutamente inadequadas para o equacionamento e para a solução dos problemas econômicos e
sociais, especialmente o desemprego. Daí as suas próprias proposições de políticas ativas a serem encampadas
e implementadas por meio da ação do Estado. A advocacia favorável às intervenções governamentais resulta
não apenas do caráter alternativo e revolucionário da sua construção teórica, mas porque dela se desdobram
políticas econômicas capazes de contra-arrestar a tendência intrínseca ao próprio modo de operação do
capitalismo: gerar desemprego e injusta distribuição da renda e da riqueza. Observamos que a preocupação
maior de Keynes a esse respeito deriva de seu ceticismo em relação à capacidade de auto-regulação do
mercado, e por isso refere-se à necessidade de o Estado assumir maior responsabilidade na organização dos
investimentos, por meio de uma política de regulação que vise minimizar a instabilidade. A ação do Estado
42
atendimento aos interesses do mercado.
Na ideologia keynesiana, o Estado deveria se caracterizar pela centralização de suas
decisões, orientado por uma Administração Pública voltada para a construção do bem-estar
social. Já a ideologia neoliberal pressupõe o Estado mínimo, regido pela lógica do mercado, e,
portanto, com a Administração Pública direcionada à finalidade de atendimento dos interesses
do mercado, proteção à propriedade privada e aumento dos lucros7.
Assim, para que o Estado atue de forma a garantir os anseios neoliberais, deve assumir
a redução de sua atuação, sobretudo, por meio de privatizações, descentralização,
desregulamentação8 e busca da maximização da riqueza por meio da análise do melhor custo-
benefício, que passa a ser o critério orientador das decisões do Estado neoliberal.
Nesse sentido, Dardot e Laval explicam que, no neoliberalismo, há “o combate ao
crescimento da administração pública e dos gastos públicos [...]”. Sustentam, ainda, que “no
setor público, a burocracia deve diminuir em todos os níveis; metas de resultados concretos
devem ser formuladas; a qualidade dos serviços públicos deve ser permanentemente avaliada,
e os desempenhos ruins erradicados” (DARDOT; LAVAL, 2016, p. 236). Dessa maneira, o
que o neoliberalismo busca é uma Administração voltada para o crescimento do mercado,
aumento de seus lucros e desburocratização estatal para atingimento de resultados que
garantam a produtividade voltada aos interesses concorrenciais mercadológicos.
2.3 O neoliberalismo a partir de Mont Pèlerin
Enquanto política com delineamento mais específico, o neoliberalismo surge em 1944,
ao fim da Segunda Guerra Mundial, a partir da publicação da obra de Friedrich Hayek, O
Caminho da Servidão, tendo sido difundido, precipuamente, na Europa e nos Estados Unidos.
defendida por Keynes deriva da identificação que ele faz acerca da natureza intrinsecamente instável da
economia capitalista, cujo modo de operação é marcado pela contradição entre racionalidade individual e
social, antes que pela harmonia social advogada pelos adeptos do laissez-faire. A ação do Estado, um
justificado meio de a sociedade exercer o controle consciente sobre a economia, é a resposta de Keynes à
incapacidade de auto-regulação da economia capitalista, posto que a operação da ‘mão invisível’ não produz a
harmonia apregoada entre o enriquecimento privado e a criação de riqueza nova para a sociedade.”
(GARLIPP, 2001, p. 15). 7 Acerca do Estado Mínimo, Friedman defende que “a existência de um mercado livre não suprime,
evidentemente, a necessidade do Estado. Pelo contrário, o Estado é essencial como fórum para estabelecer as
‘regras do jogo’ e como árbitro para interpretar e fazer cumprir as regras estabelecidas. O que o Mercado faz é
reduzir sensivelmente o número de questões que devem ser decididas por meios políticos, minimizando assim
a dimensão da participação direta do Estado no jogo.” (FRIEDMAN, 2014, p. 42). 8 Acerca da desregulação estatal e regulação pelo mercado, Avelãs Nunes se manifesta no seguinte sentido: “a
ideologia dominante se tenha apressado a decretar a ‘morte de Keynes’, ‘sacrificado’ no altar dos deuses do
neoliberalismo. Desmantelada a regulamentação da atividade bancaria e financeira, o capital financeiro ficou
inteiramente livre para estabelecer o seu império, com a cumplicidade ativa de uma ‘regulação amiga do
mercado’.” (AVELÃS NUNES, 2016, p. 154).
43
Hayek defendia a liberdade do mercado, por meio da limitação de atuação do Estado,
repudiando, dessa maneira, o intervencionismo e o Estado de Bem-Estar (keynesianismo).
Assim, acerca do socialismo, Hayek afirmou que “significa a abolição da empresa privada, da
propriedade privada dos meios de produção e a criação de um sistema de economia
planificada em que o empresário que trabalha visando o lucro é substituído por um organismo
de planeamento central” (HAYEK, 2016, p. 59-60).
A planificação a que Hayek se opõe é aquela em que o Estado regularia o mercado
concorrencial, colocando em risco a liberdade por ele preconizada (liberdade negativa), que se
relaciona à permissividade de atuação do mercado, desde que não haja norma contrária, ou
seja, “ausência de coerção por terceiros” (HAYEK, 2016, p. 14). Ainda argumentou que a
planificação é defendida, sobretudo, em uma concepção de coletivismo, na qual a produção
com intuito de lucro é subjugada a uma produção para uso (HAYEK, 2016).
Assim, Hayek coloca o intervencionismo estatal como problema e, visando a
solucionar a questão, aponta como foco a descentralização, de modo a induzir a um Estado
mínimo, que não tolha liberdades, sobretudo, do mercado e que não vá minar a concorrência
(HAYEK, 2016). A oposição hayekiana, portanto, dirige-se ao planeamento e direção central
da política econômica, que articule o fluxo dos recursos da sociedade de forma consciente e
alinhada a fins específicos. Acerca, portanto, da liberdade de mercado que é amplamente
defendida, o autor se manifesta no seguinte sentido:
Antes de mais, é necessário que as partes que agem no mercado sejam livres de
vender e comprar a qualquer preço, para o qual encontrem um parceiro para
transação, e que toda a gente seja livre de produzir, vender e comprar tudo o que
seja produzido ou vendido. E é essencial [...] que a lei não tolere quaisquer
tentativas, seja por indivíduos ou por grupos, de restringir este acesso [...]. Qualquer
tentativa de controlar os preços ou as quantidades de determinado bem econômico
retira à concorrência o seu poder de ser um meio eficaz de coordenar esforços
individuais [...]. (HAYEK, 2016, p. 64-65).
Assim, evidencia-se a defesa que Hayek faz da liberdade individual a significar
liberdade para atuação do mercado em nível concorrencial. Há, portanto, repulsa à
intervenção do Estado e a normas jurídicas que tenham condão de limitar preços ou controlar
condições que tangenciem interesses a nível mercadológico. As leis, portanto, segundo
Hayek, devem seguir a orientação que melhor acolha os anseios do mercado, não havendo que
se considerar a sobreposição de aspectos vinculados à coletividade. Nessa medida, a visão que
Hayek tem do sistema jurídico está acoplada ao atendimento e funcionamento da
concorrência, para que haja garantia da liberdade por ele aclamada, e assim sustenta:
44
O funcionamento da concorrência não só requer a organização adequada de algumas
instituições, como a moeda, os mercados e os canais de informação [...], mas
depende, essencialmente, da existência de um sistema jurídico apropriado, um
sistema jurídico concebido para preservar a concorrência e para zelar para que esta
funcione de forma tão benéfica quanto possível. [...] Há muito que o estudo
sistemático das formas das instituições jurídicas que farão com que o sistema da
concorrência funcione eficientemente tem sido negligenciado [...]. Um sistema de
concorrência competitivo, como qualquer outro, precisa de um quadro legal
concebido de forma inteligente e em contínuo ajustamento. (HAYEK, 2016, p. 66-
67).
Hayek vai sustentar, assim, que o sistema jurídico deve atender àquilo que vá garantir
uma ampla concorrência no mercado, defendendo ainda que, para dar azo à competitividade
necessária à liberdade que aclama, faz-se fundamental a oportunização de ajustes contínuos
(HAYEK, 2016). Adiante, ver-se-á que esses ajustes foram incorporados às normas de gestão
impostas pelo Banco Mundial, sendo denominados ajustes estruturais, que vieram a
repercutir na gama de reformas processuais implementadas na América Latina, visando a
eficiência da jurisdição, de forma a atender aos interesses do mercado nesse viés neoliberal9.
Ao mesmo tempo, portanto, que o pós-guerra trouxe alargamento na implantação do
Estado de Bem-Estar Social, houve a explicitação do propósito de irromper com o
keynesianismo, que maculava os ideais capitalistas. Assim, em 1947, Hayek convocou um
grupo de economistas, filósofos, historiadores e estudantes da Europa e dos Estados Unidos,
apoiadores de sua concepção ideológica e contrários ao Estado de Bem-Estar, para reunião na
Suíça, na estação de Mont Pèlerin, onde compareceram, Milton Friedman, Ludwig Von
Mises, Michael Polanyi e outros. Segundo explica Anderson, para Hayek, a desigualdade
social mostrava-se como algo inerente à realidade e imprescindível à lógica do mercado,
havendo necessidade, portanto, de buscar fortes alicerces para a efetiva implantação do
capitalismo (ANDERSON, 1995, p. 10).
Durante o encontro em Mont Pèlerin, discutiram-se os questionamentos formulados
acerca da conveniência do Estado de Direito, bem como da propriedade privada e do mercado
concorrencial, sustentando que, para se assegurarem esses direitos, há necessidade de uma
sociedade livre, na qual o Estado tenha mínima atuação. Assim, um dos objetivos do encontro
foi a discussão da redefinição das funções estatais. Além disso, os economistas buscaram
analisar formas de se resgatar o Estado de Direito, para garantir liberdade e proteção aos
9 Cumpre esclarecer o que vem a ser entendido como interesse na esfera do Direito Econômico, e, nesse sentido,
Washington Albino explica: “o interesse, tal como a necessidade, é elemento portador de alta carga de
natureza econômica. O vocábulo traduz a ideia de ‘estar entre’ (inter-est), prendendo-se ao sentido do impulso
do ‘sujeito’ para a ‘coisa’, em virtude da ‘necessidade’ a ser satisfeita. […] O sujeito do ato econômico sempre
atua por ‘interesse’. […] Esse sentido de ação motivada por determinado resultado coincide com o próprio
sentido do ‘econômico’, quando compreendido em toda a sua extensão, para atingir até mesmo o campo
processual, no legítimo interesse pelas ações nos tribunais.” (SOUZA, 2003, p. 158).
45
direitos privados, escoltando-lhes de eventuais desmantelamentos advindos da atuação estatal,
permitindo, nessa medida, o funcionamento do mercado conforme seus interesses. A
Sociedade de Mont Pèlerin mantém-se ativa e atualmente coloca-se com o seguinte
alinhamento:
A sociedade é composta por pessoas que continuam a ver os perigos para a
sociedade civilizada delineados na declaração de objetivos. Eles viram o liberalismo
econômico e político em ascensão por um tempo desde a Segunda Guerra Mundial
em alguns países, mas também seu aparente declínio nos tempos mais recentes.
Embora não compartilhem necessariamente uma interpretação comum, seja de
causas ou consequências, eles veem o perigo na expansão do governo, no Estado de
bem-estar, no poder dos sindicatos e do monopólio comercial, em ameaça contínua,
assim como a realidade da inflação. Sem acordos detalhados, os membros veem a
Sociedade como um esforço para interpretar em termos modernos os princípios
fundamentais da sociedade econômica expressados pelos economistas clássicos,
cientistas políticos e filósofos que inspiraram muitos na Europa América e todo o
mundo ocidental.10 (THE MONT PÈLERIN SOCIETY, 19--, tradução nossa).
A Sociedade de Mont Pèlerin trouxe o claro objetivo de abafar o avanço do Estado de
Bem-Estar Social e de obstaculizar a centralização da regulamentação econômica nas mãos do
Estado, colocando o desenvolvimento do setor privado como foco, a partir de um argumento
de liberdade e defesa da propriedade privada.
2.4 Bretton Woods: a origem do Banco Mundial e do FMI
Ainda visando à rearticulação de uma nova ordem econômica para o pós-guerra,
Estados Unidos e Inglaterra iniciaram negociações, direcionadas, respectivamente, por Harry
Dexter White e John Maynard Keynes, que convidaram outros países aliados e se reuniram
em julho de 1944, em Bretton Woods, New Hampshire, para uma conferência na qual se
formulou um acordo para essa nova ordem mundial idealizada. Nas discussões preliminares
entre Estados Unidos e Inglaterra, houve a proposição da utilização do Plano Keynes. No
entanto, os Estados Unidos tiveram ascendência decisória e, assim, a Inglaterra precisou se
10 The society is composed of persons who continue to see the dangers to civilized society outlined in the
statement of aims. They have seen economic and political liberalism in the ascendant for a time since World
War II in some countries but also its apparent decline in more recent times. Though not necessarily sharing a
common interpretation, either of causes or consequences, they see danger in the expansion of government, not
least in state welfare, in the power of trade unions and business monopoly, and in the continuing threat and
reality of inflation. Again without detailed agreements, the members see the Society as an effort to interpret in
modern terms the fundamental principles of economic society as expressed by those classical economists,
political scientists, and philosophers who have inspired many in Europe, America and throughout the Western
World.
46
conformar com os alinhamentos previstos no Plano White11. Nesse sentido, Lichtensztejn e
Baer explicam que:
Este fato, por um lado, deixou manifesta a clara hegemonia norte-americana no
bloco dos países centrais, que se traduzia na conseguinte definição do
reordenamento financeiro internacional; e, por outro lado, gerou um código de
conduta para as políticas econômicas dos países com problemas de balanço de
pagamento e institucionalizou diversas modalidades de empréstimo e mediação
financeira entre os organismos criados, os governos nacionais e o sistema de bancos
privados internacionais. (LICHTENSZTEJN; BAER, 1987, p. 25).
A convenção de Bretton Woods articulou a criação de importantes instituições
econômicas internacionais, tais como o Banco Mundial e o FMI, que trouxeram regulações
para os países em desenvolvimento. Portanto, o acordo de Bretton Woods reorganizou a
estrutura financeira e política internacional, alçando os Estados Unidos a uma posição
hegemônica, ante o entabulamento de regulações a partir do Banco Mundial e do FMI, que
tiveram inserção internacional, direcionando a sua atuação de acordo com os desígnios norte-
americanos12, visando à realização de reformas estruturais naqueles Estados em que havia
interesse de neutralização da atuação governamental interna para implementação de políticas
voltadas ao atendimento do mercado concorrencial. Assim, Lichtensztejn e Baer afirmam:
No plano das políticas tendentes a reforçar uma mobilização mais eficaz dos
recursos, o Banco promove reformas “institucionais”. Compreende sob esse
conceito, por um lado, as políticas de melhoria dos níveis de rentabilidade e de
eficiência das empresas públicas, bem como uma definição de prioridades de seus
investimentos, baseada nos requerimentos da demanda externa e da concorrência no
mercado. (LICHTENSZTEJN; BAER, 1987, p. 198).
A convenção de Bretton Woods foi decisiva para a atuação hegemônica dos Estados
Unidos nos países em desenvolvimento, na medida em que a Administração Pública desses
países era considerada ineficiente, e, a partir de um discurso de modernização da máquina
estatal, houve a defesa de ajustes estruturais nos Estados, atendendo ao preconizado pelo
Banco Mundial. Conforme relata, Harvey:
11 Segundo John Williamson (1996), o Plano Keynes previa a obrigação de que os países superavitários no pós-
guerra deveriam assumir a responsabilidade de auxiliar os países deficitários por meio de uma ajustamento
estrutural. Já o Plano White, por sua vez, colocava o FMI em posição de fornecedor de empréstimos aos países
deficitários. 12 Guimarães explica: “em Bretton Woods se decidiu que os votos dos países-membros no Banco Mundial e no
FMI não seriam igualitários […], mas sim de acordo com o peso relativo a participação financeira de cada país
na organização (voto com peso). […] Os Estados Unidos são os únicos que podem vetar isoladamente as
decisões, uma vez que possuem cota acima do limite estabelecido.” (GUIMARÃES, 2012, p. 84).
47
O FMI e o Banco Mundial se tornaram a partir de então centros de propagação e
implantação do fundamentalismo do livre mercado e da ortodoxia neoliberal. Em
troca do reescalonamento da dívida, os países endividados tiveram de implementar
reformas institucionais como cortes nos gastos sociais, leis de mercado de trabalho
mais flexíveis e privatização. Foi inventado assim o “ajuste estrutural”. (HARVEY,
2014, p. 38).
Os ajustes estruturais, portanto, foram idealizados para atendimento dos interesses das
instituições financeiras e do mercado, significando imposição de uma regulação que desse
suporte à introjeção de vias de acesso mais eficientes à obtenção de lucro e manejamento do
mercado interno para expansão das possibilidades concorrenciais. Nessa toada, Mattei e
Nader sustentam que as instituições financeiras de Bretton Woods, Banco Mundial e FMI, em
um viés autoritário e hegemônico, impõem sua concepção:
As políticas econômicas que se encontram na base do ajuste estrutural são, portanto,
implementadas como resposta a necessidades e padrões universais mais elevados,
aqueles da eficiência e do desenvolvimento econômico oligárquicos, definidos como
instâncias constitucionalmente superiores àquelas dos interesses locais, que o
processo político (local) em geral tenta atender. (MATTEI; NADER, 2013, p. 84).
Assim, no viés neoliberal, evidencia-se que os ajustes estruturais visam à eficiência,
no sentido de redução de custos e aumento de lucros, no menor espaço de tempo, dando
ensejo a que as elites financeiras se postem em um patamar de superioridade, que suplanta a
política econômica interna dos países não hegemônicos. Os objetivos dos ajustes estruturais
eram escusos, e Klein explica:
O FMI publicou seu primeiro programa de “ajuste estrutural” em 1983. [...] Davison
Budhoo, um economista sênior da instituição que redigiu programas de ajuste
estrutural para a América Latina e para a África, nos anos 1980, admitiu mais tarde
que “tudo que fizemos a partir de 1983 foi baseado em nossa nova missão de levar a
‘privatização’ ao sul ou morrer; ao final, e de modo vergonhoso, entre 1983 e 1988,
tínhamos provocado confusão econômica na América Latina e na África. [...].
(KLEIN, 2008, p. 198).
Os ajustes estruturais determinados pelo Banco Mundial irromperam violentamente a
política, a economia e o ordenamento jurídico dos países em desenvolvimento, fixando as
bases sobre as quais essas esferas deveriam se pautar para atendimento aos interesses dos
países centrais, dando continuidade à exploração que vem se perpetuando desde a
colonização. Os países da América Latina, por meio dos ajustes exigidos pelo Banco Mundial,
permanecem subjugados, dependentes, e a democracia serve, assim, apenas como simulacro
para uma atuação neoliberal, na qual os interesses dos sujeitos sociais são suplantados pelos
interesses do mercado.
48
2.5 O percurso neoliberal para ajustes voltados aos interesses do mercado
Após a reconstrução da Europa no pós-guerra, o Estado de Bem-Estar prevaleceu, e
houve crescimento econômico, com baixas taxas de desemprego13. Contudo, com a Crise do
Petróleo14, em 1973, houve abalo às bases capitalistas mundiais, que se viram imersas em
recessão, ante a superinflação e o baixo crescimento. Essa ocasião, portanto, foi propícia à
difusão da ideologia neoliberal, e, nesse sentido, os teóricos dessa nova ordem sustentaram
que a crise adveio do amplo poder dos sindicatos e dos trabalhadores, que minavam a
necessária acumulação do capital (ANDERSON, 1995).
Pairava, assim, o argumento neoliberal de que o aporte social dado pelo Estado aos
trabalhadores corroeu as necessárias margens de lucro das empresas e deu ensejo à alta
inflacionária, que corroborou para o desencadeamento da crise. A sugestão, portanto, levada a
cabo pelos neoliberais era de que o Estado deveria se desvincular do paternalismo, a partir da
efetiva redução dos gastos sociais, em uma postura contra o keynesianismo.
Assim, portando-se como ideologia capitalista defensora do Estado mínimo e da
desregulamentação, defenderam que as regras fossem ditadas pelos interesses concorrenciais
mercadológicos, com ampla liberdade para a circulação de capitais, de mercadorias, sempre
seguindo as ordens impostas pelo capital financeiro, que almeja lucro, sem vislumbrar
quaisquer medidas de proteção social, sobretudo, em relação aos trabalhadores, que deixam
de ter significação como sujeitos e passam a uma situação de vulnerabilidade.
Ao formular sua teorização, Keynes, de fato, buscava uma política econômica, na qual
o Estado pudesse ter controle para atuação da Administração Pública (centralização-
regulamentação), de forma a perseguir objetivos específicos: garantia de pleno emprego,
salários compatíveis, aumento do bem-estar social e crescimento econômico interno. Keynes
conviveu com as duas grandes guerras mundiais e com regimes autoritários, que, obviamente,
não se compatibilizavam com o que preconizava.
A eficiência, na visão keynesiana, estava relacionada ao funcionamento do Estado
13 Conforme Avelãs Nunes, “no início da década de 1970, porém, começaram a verificar-se situações
caracterizadas por um ritmo acentuado de subida dos preços (inflação crescente), a par de (e apesar de) uma
taxa de desemprego relativamente elevada e crescente e de taxas decrescentes (por vezes nulas) de crescimento
do PNB. Começava a era da estagflação.” (AVELÃS NUNES, 2003, p. 9). 14 Acerca da Crise do Petróleo, Harvey explica: “a elevação de preços pela OPEP que veio com o embargo do
petróleo de 1973, colocou vastas parcelas de poder financeiro à disposição de países produtores de petróleo
como a Arábia Saudita, o Kuwait e Abu Dhabi. Sabemos hoje, a partir de relatórios das agências de
informação britânicas, que os Estados Unidos estavam se preparando para invadir esses países em 1973 para
restaurar o fluxo de petróleo e baixar os preços. Também sabemos que os sauditas concordaram na época,
presumivelmente sob pressão militar, se não ameaça aberta, dos Estados Unidos, em reciclar todos os seus
petrodólares por meio dos bancos de investimento de Nova York.” (HARVEY, 2014, p. 35-36).
49
dirigido à persecução do emprego, salário, sem preterir a liberdade individual. O que Keynes
evidencia, portanto, é que a eficiência buscada pelos regimes totalitários se compactua com o
desemprego, na medida em que se baseia no capitalismo individualista, que almeja lucro de
uma minoria, em detrimento de um ideal de coletivização. Sustenta, assim, que a eficiência
deve ser perseguida, assim como a liberdade, sem preterir, no entanto, a busca do bem-estar
social que deve ser promovida pelo Estado.
Em 1979, na Inglaterra, Margareth Thatcher, que manifestamente defendia o
neoliberalismo, venceu as eleições. Nos Estados Unidos, em 1980, Ronald Reagan elegeu-se
Presidente, igualmente com um discurso neoliberal. Avelãs Nunes (2016) explica que, a partir
de 1979, com Thatcher e Reagan, o neoliberalismo se posta como nova ordem, na qual o setor
financeiro torna-se dominante.
Esse movimento de ascensão e difusão da ideologia neoliberal buscava a derrocada do
Estado de Bem-Estar. Segundo Mattei e Nader (2013), essa ordem atribuía toda a ineficiência
do Estado ao seu intuito assistencialista, e, assim, Thatcher e Reagan sustentaram, com
veemência, que os recursos públicos do sistema de bem-estar deveriam ser transferidos para o
aparato repressivo estatal, com foco em desregulamentação, terceirização e privatização.
Thatcher adotou medidas que acentuaram a rejeição ao keynesianismo, objetivando
uma reforma econômica para combater a estagflação, por meio da oposição aos sindicatos e a
todas as formas de coletivização de direitos e garantias, buscando, em um viés neoliberal,
uma individualização vincada na defesa da liberdade e da propriedade privada. Reagan, por
sua vez, abandonou a política de pleno emprego preconizada pelos keynesianos e buscou a
implementação de políticas de contenção inflacionária (HARVEY, 2014).
A década de 1990 foi marcada pelo Consenso de Washington, que reuniu técnicos do
Banco Mundial e do FMI, assim como do Departamento do Tesouro dos Estados Unidos, com
o objetivo central de fixar regras para implementação dos ajustes macroestruturais nos países
devedores dessas instituições financeiras, a fim de garantir o efetivo pagamento da dívida
externa15 e assegurar a ampliação do mercado concorrencial. Conforme explicam, Mattei e
Nader:
A mesma política de “corporativização” e de mercados abertos, atualmente imposta
no mundo todo pelo chamado consenso de Washington, foi usada por banqueiros e
pelo meio empresarial na América Latina como o principal instrumento para “abrir
as veias” do continente, usando a metáfora criada por Eduardo Galeano, sem
15 Conforme Bacha e Feinberg, “a América Latina e o Caribe receberam mais empréstimos do Banco Mundial do
que qualquer outra área geográfica. O Banco forneceu a essa região mais de U$32 bilhões, ou um quarto de
todos os empréstimos concedidos desde a sua criação” (BACHA; FEINBERG, 1986, p. 71).
50
nenhuma distinção entre os períodos colonial e pós-colonial. (MATTEI; NADER,
2013, p. 7).
O Consenso de Washington serviu para estipulação de medidas de atendimento aos
interesses das instituições financeiras dos países hegemônicos, que, dessa forma,
assegurariam uma abertura do mercado para fins de exploração dos países em
desenvolvimento, em uma relação de continuidade à exploração instaurada desde a
colonização, passando pelo imperialismo até chegar à globalização neoliberal16.
Avelãs Nunes sustenta que o Consenso de Washington foi “recomendado” aos países
em desenvolvimento, não para que estes se desenvolvessem, mas para que permanecessem
subdesenvolvidos e colonizados (AVELÃS NUNES, 2016, p. 267). Ainda, segundo Mattei e
Nader, o Consenso de Washington viu-se com a missão de criar mercados eficientes, a partir
do Estado de Direito, que admitia a atuação de uma regulação que partia do FMI e do Banco
Mundial, com um malfadado discurso de única via para o desenvolvimento e, nesse sentido,
“a criação de um esquema neocolonial é bastante simples: em vez de um navio de guerra e de
um sistema jurídico abertamente discriminatório, o que permite a pilhagem legal é a miragem
de eficiência e um simulacro do Estado de Direito” (MATTEI; NADER, 2013, p. 59).
Assim, o Consenso de Washington marcou fundamentalmente uma nova estruturação
dos sistemas político, econômico e jurídico, com a introjeção da política neoliberal:
A teoria econômica neoclássica ortodoxa (inclusive seu entendimento do Estado de
Direito) é a aliada mais poderosa a legitimar o Consenso de Washington e é
apresentada como “prova” indefectível do quanto são corretos e judiciosos os
programas de ajuste estrutural impostos sob severas condições ou os planos de
desenvolvimento abrangente elaborados com a “participação” dos países alvo. Esses
programas e planos, impostos e fortemente apoiados pelo Consenso de Washington,
baseiam-se, na verdade, no conceito essencial de equilíbrio entre oferta e demanda.
O mercado livre e o livre comércio empresariais (que não são livres, mas sim
administrados pelas empresas) são vistos como os melhores métodos para a
obtenção do equilíbrio ideal. (MATTEI; NADER, 2013, p. 101-102).
O Consenso de Washington acabou por impor uma normatividade aos países em
desenvolvimento, já que estes eram detentores de uma dívida externa que lhes colocava em
vulnerabilidade.
Conforme Avelãs Nunes:
Os mandamentos fundamentais deste plano americano para impor ao mundo o
16 Acerca da globalização neoliberal Avelãs Nunes explica que “ela é a política, prosseguida de forma
sistemática, que serve os interesses do grande capital financeiro, inspirada na ideologia neoliberal e no
discurso totalitário que ela veicula.” (AVELÃS NUNES, 2016, p. 268).
51
catecismo monetarista e neoliberal são, em síntese, os seguintes: a liberdade
absoluta de circulação de capitais à escala mundial; a plena liberdade do comércio
(sem barreiras alfandegárias ou quaisquer outros obstáculos à livre circulação de
bens e serviços). (AVELÃS NUNES, 2016, p. 267).
Assim, a liberdade invocada pelos teóricos do neoliberalismo, em realidade, tangencia
unicamente a liberdade para o mercado.
Depreende-se, portanto, que a Política e a Economia guiam as diretrizes mundiais, e a
ideologia neoliberal busca apontar para um modelo de agir alicerçado em um discurso de
liberdade individual e liberdade do mercado, assim como pela defesa da propriedade privada,
de modo que o Estado, que tem um preceito interventor e regulamentador, não se mostra
como um aliado, mas como empecilho para que o mercado possa agir de acordo com seus
interesses e necessidades.
Há que se perquirir, dessa forma, acerca do objetivo do neoliberalismo, chegando-se à
empreitada direcionada à acumulação de riqueza, ao capitalismo, uma globalização que veio
como decorrência da colonização e do imperialismo, em que os países desenvolvidos
buscaram explorar e pilhar países subdesenvolvidos, a partir de uma suposta superioridade.
Segundo Harvey:
O neoliberalismo é em primeiro lugar uma teoria das práticas político-econômicas
que propõe que o bem-estar humano pode ser mais bem promovido liberando-se as
liberdades e capacidades empreendedoras individuais no âmbito de uma estrutura
institucional caracterizada por sólidos direitos a propriedade privada, livres
mercados e livre comércio. O papel do Estado é criar e preservar uma estrutura
institucional apropriada a essas práticas. [...] As intervenções do Estado nos
mercados (uma vez criados) devem ser mantidas num nível mínimo, [...] porque
poderosos grupos de interesse vão inevitavelmente distorcer e viciar as intervenções
do Estado (particularmente nas democracias) em seu próprio benefício. (HARVEY,
2014, p. 12).
O neoliberalismo não elimina de forma completa a intervenção estatal, mas busca
assegurar a concorrência entre interesses privados, sobretudo, interesses do mercado, e do
Estado, para a busca de “desenvolver e purificar o mercado concorrencial por um
enquadramento jurídico cuidadosamente ajustado.” (DARDOT; LAVAL, 2016, p. 69). Dardot
e Laval afirmam, ainda, que o neoliberalismo coloca a concorrência como “princípio central
da vida social e individual [...], reconhece que a ordem de mercado não é um dado da
natureza, mas um produto artificial de uma história e de uma construção política” (DARDOT;
LAVAL, 2016, p. 70).
52
Assim, rompe-se com o mito liberal da mão invisível do mercado17, que pressupõe
uma autorregulação e um autoajustamento, natural e autopoiético, passando para uma
concepção neoliberal, na qual há um Estado de Direito que funciona a favor do mercado,
dando-lhe guarida, legitimando a atuação do mercado em nome de uma suposta liberdade e da
proteção à propriedade privada, em uma visão individualista.
Essa construção política a que se referem, Dardot e Laval vincula-se a um ideário
privatístico, sem foco em uma coletividade, sustentando que o neoliberalismo repousa “sobre
o princípio geral da primazia da empresa privada na economia e sobre a importância dos
valores que ela é capaz de difundir na sociedade.” (DARDOT; LAVAL, 2016, p. 236). Ou
seja, a primazia é da empresa privada, que dita as normas que guiam todo o sistema
neoliberal. O mercado, portanto, sobrepõe-se à própria sociedade, tendo privilégio e
superioridade.
Acerca da concepção de mercado como construção política, como criação humana
voltada à proteção de interesses individuais, perfazendo-se, portanto, em instituição de poder,
Avelãs Nunes assevera:
O mercado não é, pois, um mecanismo natural (inerente à natureza das coisas, ou à
natureza do homem), o único instrumento capaz de afetação eficiente e neutra de
recursos escassos e de regulação automática da economia. O mercado deve antes
considerar-se, como o estado, uma instituição social, um produto da história, uma
criação histórica da humanidade, correspondente a determinadas circunstâncias
econômicas, sociais, políticas e ideológicas; uma instituição social, destinada a
regular e manter determinadas estruturas de poder que asseguram a prevalência dos
interesses de certos grupos sociais sobre os interesses de outros grupos sociais; uma
instituição política, que veio servir (e serve) os interesses de uns, mas não os
interesses de todos. (AVELÃS NUNES, 2012, p. 21-22).
Não há ingenuidade na criação do mercado. Mercado é uma resultante da necessidade
de poder político, lucro e acumulação de capital, visando à regulação direcionada à obtenção
de vantagens e garantia de liberdade e de proteção da propriedade, que não almeja o
atendimento de interesses coletivos. As regras estatais, portanto, em um viés neoliberal, são
feitas pelo Estado e para o mercado, sendo o Estado de Direito voltado ao atendimento de
17 Segundo Adam Smith, há uma mão invisível no mercado: “ao preferir fomentar a atividade do país e não de
outros países ele tem em vista apenas sua própria segurança; e orientando sua atividade de tal maneira que sua
produção possa ser de maior valor, visa apenas a seu próprio ganho e, neste, como em muitos outros casos, é
levado como que por mão invisível a promover um objetivo que não fazia parte de suas intenções.” (SMITH,
1996, p. 438). Copetti Neto e Fischer explicam que: “um dos teóricos clássicos desse período foi Adam Smith,
cujas teorias apontavam para a existência de uma ‘mão invisível’ capaz de regular o mercado, bem como
indicavam que a riqueza individual conduziria à maximização do bem-estar coletivo.” (COPETTI NETO;
FISCHER, 2015, p. 255).
53
anseios concorrenciais mercadológicos, patrimonialísticos e privatísticos18.
2.6 A desregulamentação como estratégia do Banco Mundial
O neoliberalismo veio preconizar a desregulamentação, segundo a qual, o Direito
deveria ser visto como “conjunto de normas jurídicas técnicas e neutras, a serem avaliadas em
termos de eficiência econômica, e não de justiça como princípios substantivos” (MATTEI;
NADER, 2013, p. 81). O mote do discurso da desregulamentação é vincado na eficiência em
termos econômicos, ficando relegadas, a um plano inferior, questões atinentes à efetividade
dos direitos e garantias fundamentais. Trata-se, portanto, de uma desregulamentação, já que as
regras seriam ditadas pelo mercado, a partir de uma máscara de Estado regulador, segundo a
qual, atribui-se ao Estado o papel de dar suporte à liberdade e às determinações do capital
especulativo19.
O Banco Mundial surgiu objetivando elaborar uma nova ordem econômica que
obstaculizasse outras crises e guerras, assegurar o livre comércio, abrindo os mercados para a
entrada dos produtos norte-americanos e dando-lhes “acesso irrestrito a matérias-primas
necessárias àquela que se tornara a maior potência econômica e militar do planeta”
(PEREIRA, 2010, p. 97). Assim, Klein explica:
O Banco Mundial iria fazer investimentos de longo prazo nos países em
desenvolvimento, a fim de tirá-los da pobreza, enquanto o FMI iria atuar como uma
espécie de amortecedor global de impactos, promovendo políticas econômicas
destinadas a reduzir a especulação financeira e a volatilidade dos mercados. Quando
um determinado país mostrasse sinais de que estava entrando em crise, o FMI o
socorreria com empréstimos e verbas para estabilização, evitando os desequilíbrios
antes mesmo que eles acontecessem. As duas instituições, localizadas uma em frente
18 A visão política, que em uma democracia deveria ser voltada ao atendimento da coletividade, não se perfaz no
neoliberalismo, mostrando-se, ao contrário, uma individualização. Assim, Beck explica: “mediante la
tendencia secular a la individualización, se dice luego, se torna poroso el conglomerado social, la sociedad
pierde conciencia colectiva y, por ende, su capacidad de negociación política. La búsqueda de respuestas
políticas a las grandes cuestiones, del futuro se ha queda ya sin sujeito y sin lugar.” (BECK, 2008, p. 25). 19 De acordo com Avelãs Nunes, “assim começa a ganhar corpo a noção de ‘economia de mercado regulador’
(ou ‘economia social de mercado’), sobre a qual se construiu o conceito de estado regulador, a nova máscara
preferida pela social-democracia neoliberal na sua cruzada, não já contra o socialismo, mas contra o estado
keynesiano, contra a presença do estado na economia e contra o estado social. Em nome das virtudes da
concorrência e do primado da concorrência, ‘liberta-se’ o estado de suas competências e de suas
responsabilidades enquanto estado econômico (empenhado em subordinar o poder econômico ao poder
político democrático) e esvazia-se o estado social, o estado responsável pela prestação de serviços públicos e
promotor de direitos sociais, em nome do princípio da responsabilidade social coletiva. Como compensação,
oferece-se a regulação do Mercado.” (AVELÃS NUNES, 2016, p. 99). Avelãs Nunes conclui: “por isso
defendo que este estado regulador se apresenta, fundamentalmente como estado liberal, visando, em última
instância, assegurar o funcionamento de uma economia de mercado em que a concorrência seja livre e não
falseada e em que – afastada a intervenção do Estado – o Mercado regule tudo, incluindo a vida das pessoas.”
(AVELÃS NUNES, 2016, p. 103).
54
à outra, na mesma rua de Washington, iriam coordenador essas ações. (KLEIN,
2008, p. 196-197).
A redução da pobreza almejada pelo Banco Mundial tinha como fundo de cena a
realização de empréstimos aos países em desenvolvimento, colocando-os em situação de
vulnerabilidade, submetendo-os à desregulamentação, de modo a que ajustes estruturais
fossem realizados nesses países, viabilizando a abertura do mercado para que houvesse
expansão comercial concorrencial e, em consequência, aumento dos lucros.
Ou seja, a redução da pobreza preconizada pelo Banco Mundial, é, em realidade, uma
máscara que esconde o seu anseio, que é, ao contrário, criar uma dependência desses países
que recebem empréstimo do Banco Mundial, postando-se, a partir daí, como colonizados, em
vista da exigência de ajustes estruturais, que implicam em reformas institucionais, legislativas
e jurídicas nos países, para abertura econômica aos interesses das instituições financeiras
internacionais20.
Na estrutura organizacional do Banco Mundial, foi criado um departamento de
pesquisa chamado Development Economics Department (DEC), ao qual se atribuiu a
responsabilidade pela elaboração de pesquisas em temas econômicos e desenvolvimento,
sendo-lhe destinado um orçamento altíssimo, superior à dotação orçamentária direcionada a
qualquer universidade do mundo (GUIMARÃES, 2012). Esse departamento, portanto,
tornou-se um importante think tank e tem direcionado, dessa maneira, a atuação do Banco
Mundial nos países21.
São produzidos, a partir daí, relatórios que geram diretrizes para imposição de
medidas a serem adotadas pelos países dependentes dos empréstimos do Banco Mundial.
Houve, desde então, uma produção científica e de dados voltada aos interesses institucionais
do banco, cujos relatórios e projetos foram desenvolvidos com direcionamento específico ao
atendimento do mercado e, conforme explica Pereira, esses estudos voltaram-se à
Imposição e legitimação de um novo vocabulário (centrado em termos de eficiência,
mercado, renda, ativos, vulnerabilidade, pobre etc.), em detrimento de outro (como
igualdade, exploração, dominação, classe, luta de classe, trabalhador, etc.), forjado
nas lutas sociais e caro à tradição socialista. (PEREIRA, 2010, p. 207).
20 Acerca dos povos colonizados, Avelãs Nunes explica que estes “foram as grandes vítimas destas duas ondas
de mundialização e globalização, pagando, com a sua dependência, com o seu desenvolvimento impedido,
uma parte importante dos custos do desenvolvimento das potências capitalistas e da sua ‘sociedade da
abundância’.” (AVELÃS NUNES, 2016, p. 66). 21 De acordo com Naomi Klein, “think tanks são um modelo de instituição tipicamente estadunidense e
constituem ‘reservatórios de pensamento’ projetados para manter a hegemonia dos Estados Unidos no plano
internacional.” (KLEIN, 2008, p. 33).
55
Ou seja, todos os estudos do Banco Mundial voltaram-se para o desenvolvimento
capitalista, sob um discurso mascarado de combate à pobreza, desenvolvimento, liberdade e
defesa da propriedade privada, que ludibriam e, na realidade, implantam a ideologia
neoliberal22.
Seguindo, então, essa diretriz, o RDM emitido pelo Banco Mundial, em 1983, tratou
especificamente das perspectivas de gestão dos Estados para gerenciamento e recuperação do
desenvolvimento, no qual a questão da eficiência foi colocada em destaque.
De acordo com o RDM 1983, a eficiência vincula-se a um desempenho econômico,
apresentando um aspecto que diz respeito à alocação otimizada de recursos por meio de
preços, mercados e pela atuação estatal, assim como uma eficiência operacional que visa à
gestão empresarial, focada na maximização do uso de mão de obra e no direcionamento do
capital.
Assim, o objetivo do Banco Mundial em relação à atuação da Administração Pública
dos países em desenvolvimento vem sendo delineado para minimização dos custos e
maximização dos lucros, por meio de ajustes estruturais para implementação de políticas
macroeconômicas, a fim de gerar eficiência. Nesse sentido, Pereira explica:
Os ambientes podem ser mais ou menos “eficientes”, conforme sua funcionalidade
para a “economia de mercado” (diminuição dos custos de transação, livre
concorrência, segurança dos contratos e da propriedade privada etc.). Conclui-se
então que a definição e o manejo das regras do jogo e do arranjo institucional são
fatores decisivos para a eficiência econômica. [...] Desse modo, o institucional é
instrumentalizado e subordinado à liberação econômica, construída a partir de
relações de poder aceitas como algo dado, naturalizado. (PEREIRA, 2010, p. 382).
Assim, o Banco Mundial se portou como estimulador de reformas institucionais, entre
as quais, inclui-se a reforma do sistema jurídico, buscando uma eficiência que se vincula à
noção de redução de custos e aumento de benefícios (lucros), servindo, as instituições estatais,
apenas como instrumento para implementação das bases neoliberais de favorecimento do
mercado23.
22 De acordo com Claus Offe, “como problema estrutural do Estado capitalista, que ele precisa simultaneamente
praticar e tornar invisível o seu caráter de classe. As operações de seleção e direcionamento de caráter
coordenador e repressor que constituem conteúdo de seu caráter classista, precisam ser desmentidas por uma
terceira categoria de operações seletivas de caráter ocultador: as operações divergentes, isto é, as que seguem
direções opostas. Somente a preservação da aparência de neutralidade de classe permite o exercício da
dominação de classe.” (OFFE, 1984, p. 163). 23 Clark, Corrêa e Nascimento expicam: “entre nós, as marcas das políticas econômicas neoliberais reguladoras
podem ser identificadas com a edição das Emendas Constitucionais ns. 06/1995, 07/1995, 09/2005 e 40/2003,
todas elas mutiladoras de uma série de conquistas sociais, econômicas e nacionalistas, tais como: o fim do
monopólio do petróleo pela Petrobrás; a eliminação dos juros remuneratórios de 12% ao ano; a extinção da
diferença entre empresa brasileira e empresa brasileira de capital nacional; a possibilidade da exploração dos
56
Buscando esse mesmo alinhamento, o RDM 1991 do Banco Mundial, cujo interesse
foi o estudo acerca dos desafios para o efetivo desenvolvimento fulcrado, obviamente, nos
vieses neoliberais, foi divulgado com a seguinte premissa:
Uma das questões centrais do desenvolvimento – e o tema central deste relatório – é
a interação de governos e mercados. Não é uma questão de intervenção versus
laissez-faire [...]. Os mercados competitivos constituem o melhor meio encontrado
até hoje de organizar eficientemente a produção e a distribuição de bens e serviços.
A competitividade interna e externa proporciona os incentivos que desencadeiam o
espírito empresarial e o progresso tecnológico. Mas os mercados não podem
funcionar no vácuo – necessitam da estrutura jurídica e normativa que somente os
governos podem oferecer. (BANCO MUNDIAL, 1991, p. 1).
Por meio desse relatório, fica evidenciada a intenção voltada ao capitalismo neoliberal
defendido pelo Banco Mundial, que vincula governo e mercado, para obtenção de uma
eficiência voltada a maximização dos lucros, redução de custos e abertura mercadológica, a
partir de um discurso de incentivo à competitividade e progresso tecnológico.
No entanto, como se trata de uma necessidade de livre mercado, com acesso aos países
em desenvolvimento em um nível de reestruturação político-administrativa e com viés
econômico, seria imprescindível que o Banco Mundial defendesse a desregulamentação
estatal e a formulação de uma estrutura jurídica e normativa que lhe desse guarida para
implementação das estratégias neoliberais.
Ou seja, o Estado de Direito deveria ser moldado como um aparato para a intervenção
do mercado internacional, sobretudo, nos países em desenvolvimento, corroborando para a
perpetuação da exploração. Além disso, o RDM 1991 orienta que “a reforma deve visar as
instituições. O estabelecimento de um sistema jurídico e judiciário eficaz e um firme sistema
de direitos de propriedade24 é um complemento essencial às reformas econômicas” (BANCO
recursos naturais e energéticos nacionais pelo capital internacional, bastando somente que as empresas sejam
constituídas conforme as leis brasileiras. Abriu-se a economia brasileira de forma indiscriminada, devido às
pressões de uma elite econômica (nacionais e estrangeiras), violando assim os comandos constitucionais
originários e sua ideologia constitucionalmente adotada. Podemos incluir ainda, no rol exemplificativo acima,
a recente da Emenda Constitucional no 95/2016, de cunho neoliberal regulador de austeridade, destinada ao
aumento do superávit primário da união e redução dos investimentos estatais (serviços públicos,
funcionalismo, setores estratégicos e de infraestrutura), impondo assim o teto de gasto público e objetivando
pagamento da dívida pública nacional sem qualquer auditoria da mesma (questionando juros e amortizações
por exemplo) ou de fixação limites quantitativos orçamentários de pagamento.” (CLARK; CORRÊA;
NASCIMENTO, 2017, p. 689-690). 24 De acordo com Saldanha, “a proteção à propriedade privada e aos contratos são duas exigências significativas
do Banco Mundial. Para esse, os contratos podem ser revistos apenas ‘eventualmente’ para corrigir distorções
do mercado. Facilmente compreensível, uma vez que o mercado é o melhor “ambiente” para a satisfação das
necessidades individuais, o que deriva seguramente da concepção da liberdade individual como valor supremo
da vida em sociedade. Daí o juiz ter de respeitar os contratos e a propriedade privada, valores fundantes da
modernidade, lapidados nas teorizações de Hayek em seu ‘O caminho da servidão’ e Milton Friedman.”
(SALDANHA, 2010, p. 13).
57
MUNDIAL, 1991, p. 11).
Um dos pontos basilares do ajuste estrutural a que o Banco Mundial se reporta é a
reforma do Judiciário, vez que irrefutável a importância dessa esfera de atuação estatal para a
garantia de direitos e interesses, sobretudo, das instituições financeiras e empresas, que
alegam necessidade de previsibilidade das decisões, a fim de gerar credibilidade e minimizar
seus riscos financeiros e operacionais. Assim, o RDM 1997 coloca o Judiciário em um
pedestal:
A prosperidade das economias requer disposições institucionais para resolver
disputas entre empresas, cidadãos e governos, esclarecer ambiguidades das leis e
regulamentos e impor a sua observância. De toda a imensa série de mecanismos
formais e informais que as sociedades conceberam para esse fim, nenhum é mais
importante do que o judiciário formal. Somente esse poder tem acesso à autoridade
coerciva do Estado para impor a execução dos seus ditames. E somente ele está
investido de autoridade formal para decidir sobre a legalidade dos atos dos poderes
legislativo e executivo. Essa relação especial com o restante do Estado coloca o
judiciário em posição privilegiada para apoiar o desenvolvimento sustentável, ao
chamar os outros dois ramos de governo à responsabilidade por suas decisões e ao
sustentar a credibilidade do ambiente empresarial e político geral. Contudo, o
judiciário só pode desempenhar esse papel se forem satisfeitas três condições
essenciais, a saber: independência, poder de execução de decisões e organização
eficiente. (BANCO MUNDIAL, 1997, p. 105).
O Banco Mundial, portanto, em sua empreitada neoliberal, passa a exigir um
Judiciário eficiente, que seja o detentor da última palavra. Ou seja, se o Executivo e o
Legislativo falharem (na perspectiva de defesa dos interesses neoliberais), o Judiciário, como
mecanismo formal, deveria servir de tábua de salvação às conveniências do mercado
concorrencial.
O foco do Banco Mundial, no tocante à atuação do Judiciário, se pauta em
independência funcional, gestão eficiente, certeza e previsibilidade das decisões, garantindo
confiança no planejamento e na execução das estratégias de atuação do mercado. Ainda, nesse
sentido, o RDM 1997 dispôs:
Um Judiciário que funcione bem é um ativo importante, cuja edificação beneficiaria
os países em desenvolvimento. [...] a criação de um sistema judiciário formal viável
a partir do nada pode ser um processo lento e difícil. Mas não deve haver
antagonismo entre o bom e o melhor. Um sistema judiciário, mesmo imperfeito,
complicado e oneroso, pode ajudar a manter a credibilidade. O que importa não é
tanto que as decisões judiciais sejam rápidas, mas que sejam justas e previsíveis.
Para que isso aconteça, os juízes devem ser razoavelmente competentes, o sistema
judiciário deve impedir que os juízes decidam arbitrariamente e tanto o legislativo
quanto o executivo devem respeitar a independência e a capacidade coerciva do
judiciário. Sem um sistema judiciário bem desenvolvido, as empresas e os
indivíduos tendem a buscar outros meios de fazer valer os contratos e resolver
controvérsias. Graças a esses meios, tornam-se possíveis transações privadas
58
bastante complexas. (BANCO MUNDIAL, 1997, p. 47).
O Banco Mundial acentua a importância da previsibilidade das decisões jurisdicionais,
ainda que haja morosidade e onerosidade para obtenção da atividade satisfativa. Isso se
justifica na medida em que as instituições financeiras e empresas internacionais precisam
estar cientes dos efetivos riscos advindos de suas operações, a fim de gerar credibilidade nas
negociações.
Sob esse discurso da previsibilidade, foram sendo moldadas reformas na legislação,
sobretudo, na esfera dos processos jurisdicionais. Embora a previsibilidade seja a matriz sob a
qual se amparam as discussões acerca das reformas, não prescinde discorrer acerca da
celeridade e da redução de custos na tramitação processual, que passou a ser foco do Banco
Mundial e das empresas. Conforme expõe, Nunes:
Far-se-ia necessária a criação de um modelo processual que não oferecesse perigos
para o mercado, com o delineamento de um protagonismo judicial muito peculiar,
em que se defenderia o reforço do papel da jurisdição e o ativismo judicial, mas não
se assegurariam as condições institucionais para um exercício ativo de uma
perspectiva socializante, ou, quando o fizesse, tal não representasse um risco aos
interesses econômicos e políticos do mercado e de quem o controla. (NUNES,
2008a, p. 159).
Nesse sentido, o Banco Mundial divulgou o Documento Técnico n. 319, em 1996, que
dispõe acerca do Judiciário na América Latina e no Caribe e dos elementos necessários para
se implementar uma reforma estrutural nesse setor, a partir do discurso de remodelação do
Estado, que já vinha sendo entoado pelo Banco Mundial por meio dos RDMs. Saldanha
explica:
Desde o ano de 1996, o Banco Mundial fornece orientações paranormativas ao
Brasil, sinalizando a necessidade de que houvesse uma reforma do Judiciário e do
processo no país. Assim, pretende- se demonstrar à partida a estreita relação entre as
reformas processuais ocorridas no sistema processual brasileiro nos últimos anos e a
atividade paranormativa de agências transnacionais de fomento junto aos países
periféricos, como o Banco Mundial. (SALDANHA, 2010, p. 10-11).
De acordo com o Documento Técnico n. 319/96, havendo atuação do Estado no
sentido de viabilizar as atividades do setor privado, haverá credibilidade por parte do
mercado. Assegura, referido documento, que a América Latina e o Caribe apresentam quadro
de ineficiência nos serviços públicos prestados e, assim, com relação ao Judiciário, enaltece
que as reformas devem perseguir qualidade e eficiência, com o fito de favorecimento do
mercado financeiro e das empresas, dispondo:
59
O Poder Judiciário é uma instituição pública e necessária que deve proporcionar
resoluções de conflitos transparentes e igualitária aos cidadãos, aos agentes
econômicos e ao estado. Não obstante, em muitos países da região, existe uma
necessidade de reformas para aprimorar a qualidade e eficiência da Justiça,
fomentando um ambiente propício ao comércio, financiamentos e investimentos.
(DAKOLIAS, 1996, p. 5).
O Documento Técnico n. 319/96 pontua incisivamente os percalços enfrentados no
Judiciário, como morosidade da tramitação processual, volume de processos pendentes de
julgamento, dificuldade de acesso e imprevisibilidade das decisões jurisdicionais. No que diz
respeito à macroestrutura judiciária, o documento pontua que há ineficiência na gestão, ante a
desproporcionalidade entre número de juízes e servidores em relação ao numero de processos,
além da inexistência de controles de gerenciamento dos processos.
Foi apontado pelo Banco Mundial como um indicador, uma sugestão quando, em
verdade, significou efetiva imposição e direcionamento, sem o qual, os países da América
Latina e o Caribe deixariam de contar com apoio para investimentos advindos das instituições
financeiras internacionais. A partir disso, o Documento Técnico n. 319/96 explicita:
Este relatório discute os elementos necessários para assegurar um poder justo e
eficiente. Estes elementos tomados como um todo foram desenvolvidos para
aumentar a eficiência e eficácia do judiciário - isto é, sua habilidade em solver
conflitos de uma maneira previsível, justa e rápida. Um governo eficiente requer o
devido funcionamento de suas instituições jurídicas e legais para atingir os objetivos
interrelacionais de promover o desenvolvimento do setor privado, estimulando o
aperfeiçoamento de todas as instituições societárias e aliviando as injustiças sociais.
(DAKOLIAS, 1996, p. 10).
A reforma do Judiciário prenunciada pelo Documento Técnico n. 319/96 busca,
portanto, eficiência, justiça25, previsibilidade e celeridade. Além disso, coloca a eficiência
como base da Administração Pública, significando funcionamento adequado dos fluxos
operacionais, de modo a gerar prosperidade para o setor privado. O aventado alívio das
injustiças sociais serve apenas como simulacro para as empreitadas neoliberais, que buscam a
introjeção do capitalismo, com lucros exacerbados para o setor privado, deixando os sujeitos
às margens do processo de desenvolvimento efetivo.
Vale notar que o discurso do Banco Mundial acerca da reforma do Judiciário se
vincula à proteção da propriedade privada, ao aumento da eficiência (que se relaciona a custo-
benefício) e à promoção do setor privado, alavancando os interesses das instituições
25 É indubitável que o conceito de “justiça” apresenta extrema fluidez, amoldando-se a cada contexto de
conveniência sócio-política-econômica, como se fez nos Estados Liberal e Social, nos quais a justiça se
delineou, de acordo com a concepção mais adequada, a cada um desses modelos de dominação, de acordo com
o preconizado pelas autoridades.
60
financeiras e das empresas estrangeiras. Assim, clarifica, o Documento Técnico:
A reforma do Judiciário faz parte de um processo de redefinição do estado e suas
relações com a sociedade, sendo que o desenvolvimento econômico não pode
continuar sem um efetivo reforço, definição e interpretação dos direitos e garantias
sobre a propriedade. Mais especificamente, a reforma do judiciário tem como alvo o
aumento da eficiência e equidade em solver disputas, aprimorando o acesso a justiça
que atualmente não tem promovido o desenvolvimento do setor privado.
(DAKOLIAS, 1996, p. 10).
Nota-se que há exacerbada preocupação com a formação de bases jurídicas sólidas
para assegurar a proteção e o desenvolvimento das empresas e das instituições financeiras,
enfatizando-se, com veemência, a proteção à propriedade. Não por acaso, as reformas
sugeridas pelo Banco Mundial, por meio do Documento Técnico n. 319/96, demonstram um
viés essencialmente patrimonialista e privatístico, expondo que “as agências multilaterais,
incluindo o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento, concentram seus
esforços nas reformas relacionadas às áreas civil e comercial” (DAKOLIAS, 1996, p. 57).
É exatamente nessas searas que há maior concentração das demandas jurídicas
relacionadas ao setor privado, e, por isso, as reformas priorizadas se deram nesse sentido.
Assim, as reformas no sistema jurídico, que foram objeto de recomendação do Banco
Mundial, buscaram ajustar o funcionamento do Judiciário para que as decisões se perfizessem
com previsibilidade e eficiência, a fim de comportar as exigências advindas da abertura dos
mercados.
A partir do discurso publicizado pelo Banco Mundial, em seus RDMs e no Documento
Técnico n. 319/96, fica, de fato, evidenciada a sua intenção de promover alterações dos
sistemas jurídicos locais, indicando, para isso, os rumos a serem seguidos pelos países em
desenvolvimento, sendo, assim, o legislador global hegemônico, pelo que se fala, portanto,
em desregulamentação.
No Brasil, essa necessidade de alteração dos sistemas jurídicos almejada pelo Banco
Mundial fica ainda mais latente, a partir da publicação do Relatório n. 32789-BR, em 30 de
dezembro de 2004, intitulado Fazendo com que a Justiça Conte: medindo e aprimorando o
desempenho do Judiciário no Brasil, realizada a partir de amostra de processos civis para fins
de verificação da forma de comportamento do Judiciário nas demandas de natureza
econômica.
Ou seja, a amostra coletada revela aquilo que efetivamente interessa ao Banco
Mundial: o setor privado. Corroborando com um acentuado discurso de crise para fins de
justificação dos aspirados ajustes estruturais no Judiciário, invocou-se morosidade,
61
congestionamento, altos custos, dificuldade de acesso e corrupção (BANCO MUNDIAL,
2004), que, apesar de serem uma realidade (dificuldade) que macula e compromete o processo
jurisdicional, vieram a ser atacados, não com objetivo de proteção a direitos e garantias
fundamentais, mas com um apelo eficientista neoliberal.
Esse relatório priorizou a análise de três esferas relacionadas ao desempenho do
Judiciário, quais sejam: a) administração dos processos e da carga processual, b) estatísticas
de produtividade individual e c) estatísticas de desempenho da organização. Toda a análise foi
voltada, portanto, a um critério quantificador, notadamente para fins de aumento de celeridade
e redução de custos, não tendo sido feita análise relacionada a quaisquer critérios qualitativos
de formulação de decisões jurisdicionais (BANCO MUNDIAL, 2004).
Em meio a um discurso pautado na crise do Judiciário, o Banco Mundial buscou
relativizar garantias processuais, colocando-as como óbice, como desarticuladoras da busca
pela proteção dos direitos, entendendo o devido processo como excesso, como um disparate
ensejador de ineficiência, que fulmina a proteção aos interesses do mercado, gerando
incerteza, instabilidade e morosidade. Assim, segundo a perspectiva neoliberal, deve haver
relativização de princípios e garantias constitucionais, ao passo que a eficiência deve ser
colocada como a principal via para o desenvolvimento, o que mostra o antagonismo entre a
perspectiva democrática e o neoliberalismo.
63
3 A CRISE COMO ESTRATÉGIA NEOLIBERAL DE DETURPAÇÃO DO ESTADO
DE DIREITO
Há diversas crises que permeiam o Estado contemporâneo e que vêm servindo de
suporte para a implementação da ideologia neoliberal, a partir de um discurso de liberdade e
defesa da propriedade privada, que acabou por vincar uma acirrada desigualdade social e uma
série de desarranjos (de ordem política, econômica, social e jurídica), a colocar em xeque o
processo democrático no Brasil. Ao discorrer acerca da crise das instituições, Nunes explica:
Uma democracia representativa em crise, que conta com um Parlamento sem
agenda. Um Executivo que não promove as políticas públicas necessárias para
garantia dos direitos fundamentais; em verdade, as políticas públicas deste último se
preocupam apenas com a tentativa de redivisão de renda, mas não com a consecução
do projeto constitucional de 1988 e de políticas de consolidação de direitos
fundamentais. A Constituição em nosso país muitas vezes se amolda ao 'detentor' do
governo, quando, obviamente, deveria ocorrer o contrário. (NUNES, 2011, p. 34).
Essa crise deve ser relacionada com o Estado de Direito, a fim de que se verifique se
este tem servido para garantir direitos e limitar o poder do Estado. Assim, cumpre destacar
que o Estado de Direito (rechtsstaat) surgiu no século XVII, a partir de um ideário de
limitação do poder do Estado, contrapondo-se, portanto, ao absolutismo monárquico26.
Robert von Mohl foi quem primeiramente utilizou o conceito de Estado de Direito,
tendo defendido que “nenhum direito deve ficar sem proteção, porque demasiado
insignificante para o Estado” (VON MOHL, 1987, p. 143). Assim, o Estado de Direito deve
se prestar à garantia dos direitos dos cidadãos, além de fixar limites ao poder do Estado e
organizar a divisão de suas funções a partir de critérios de legalidade. Nesse sentido, Carré de
Malberg explicou:
O sistema Rechtsstaat pressupõe a possibilidade de uma limitação do Estado, mas
vai muito além da simples ideia de limitação. Tendo chegado ao seu pleno
desenvolvimento, isso implica que o Estado só pode agir sobre seus súditos de
acordo com uma regra pré-existente, e particularmente que não pode exigir nada
deles, exceto em virtude de regras pré-estabelecidas. O conceito de limitar o Estado
tem um alcance mais curto: é meramente a expressão do fato de que, no sistema de
direito público moderno, qualquer organização estatal, em relação ao poder do
Estado, produz um efeito de positivo novamente e negativa, porque, a Constituição
26 Segundo Pablo Lucas Verdú, “durante os séculos XVI e XVII, produz-se uma contraposição entre os teóricos
absolutistas, que consideravam a legislação livre atividade criadora do monarca, e os partidários da limitação
do poder real, que julgavam a atividade legislativa como desenvolvimento do direito natural, adaptado às
condições de tempo e lugar. O fenômeno da formalização do Direito tem início com a escola naturalista
protestante, que vai de Grócio a Kant. Com ele, o Estado se inscreve na juridicidade. Concebe-se a lei como
esquema geral, formal e obrigatório, que se apóia na força do aparato estatal.” (VERDÚ, 2007, p. 4)
64
determina as formas e condições de exercício do poder estatal, que exclui qualquer
poder que poderia ser exercido fora destas condições ou formas, portanto,
conferindo aos órgãos estatais poderes que enumera, nega-lhes aqueles outros
poderes que não estão incluídos na referida enumeração.27 (MALBERG, 1948, p.
223-224, tradução nossa).
Deve haver uma estrutura normativa, portanto, que demarque o nível de atuação
estatal e que seja capaz de garantir direitos dos sujeitos, pelo que Basilien-Gainche afirma: “o
Estado de Direito, uma meta política no horizonte do Estado, exige separação de poderes e
garantia de direitos”28 (BASILIEN-GAINCHE, 2013, p. 9, tradução nossa).
Apesar disso, o Estado de Direito tem se mostrado como o lugar em que a regulação
pelas instituições financeiras internacionais tem se sentido à vontade para alocar o
atendimento aos interesses mercadológicos, e a “concepção de Estado de Direito como
garantia de retorno de investimentos” (MATTEI; NADER, 2013, p. 83) passa a ser diretriz
normativa nos países em desenvolvimento.
Mattei e Nader explicam que o Estado de Direito tem sido usado para fortalecimento
econômico dos países desenvolvidos, em detrimento dos países em desenvolvimento, sob o
argumento da necessária abertura da economia aos mercados, o que viabiliza a pilhagem,
assim entendida como ato de roubar, saquear, a partir da utilização de fraude ou uso da força.
Segundo os autores, constroi-se uma ideia de falta, e, assim, “como instrumento universal, o
Direito invoca esse princípio fundamental de controle – a noção de falta – para justificar
legalmente a pilhagem” (MATTEI; NADER, 2013, p. 121).
Continuam, os autores, explicando que “essa teoria da falta é explicada como falta de
eficiência ou de instituições ‘profissionais’ [...] pela eficiência econômica como um novo,
prestigioso e legitimador instrumento ideológico da pilhagem.” (MATTEI; NADER, 2013, p.
123). A eficiência, portanto, passa a legitimar um discurso que propugna por ajustes
estrututais no Estado como um todo, passando pela Administração Pública e repercutindo no
Judiciário, que deve garantir o proferimento de decisões que garantam o bom funcionamento
do setor privado e a maximização da riqueza.
27 El sistema del Rechtsstaat presupone la posibilidad de una limitación del Estado, pero sobrepasa en mucho la
simple idea de limitación. Llegado a su completo desarrollo, implica que el Estado sólo puede actuar sobre sus
súbditos conforme a una regla preexistente, y particularmente que nada puede exigir de ellos sino en virtud de
reglas preestablecidas. El concepto de limitación del Estado tiene un alcance menor: es tan sólo la expresión
del hecho de que, en el sistema del derecho público moderno, toda organización estatal, en lo que concierne en
la potestad del Estado, produce un efecto a la vez positivo y negativo, pues por lo mismo que la Constitución
determina las formas o condiciones de ejercicio de la potestad estatal, excluye toda potestad que pudiera
ejercerse fuera de esas condiciones o formas, o también, por lo mismo que confiere a los órganos del Estado
los poderes que enumera, les niega aquellas otras facultades de potestad que no estás comprendidas en dicha
enumeración.. 28 L’État de droit, finalité politique à ´l’horizon de l’État, requiert séparation des pouvoirs et garantie des droits.
65
Há necessidade de verificação daquilo que o Banco Mundial entende por Estado de
Direito. Nesse sentido, por meio do RDM 2017, o Banco Mundial explica que, em uma
abordagem tradicional (já não mais adotada pelo banco), o foco seria a busca pelo
fortalecimento do Estado de Direito, e que, de acordo com a abordagem atual, o foco deve ser
a lei elaborada para atendimento a um suposto desenvolvimento de países como o Brasil, de
forma que essas leis fomentem a obtenção de resultados eficientes. Afirma, desse modo, que
“a fim de atingir o estado de direito, os países devem primeiro fortalecer os diferentes papéis
da lei para aumentar a contestabilidade, mudar os incentivos e reconfigurar as preferências –
ou seja, considerar não somente o estado de direito, mas também o papel da lei” (BANCO
MUNDIAL, 2017, p. 18-19).
Desse modo, o Banco Mundial busca subjugar (ou, no mínimo, relativizar) o conceito
de Estado de Direito, enquanto princípio assegurador de uma formação decisória, que serve
de contenção do poder do Estado e proteção de direitos fundamentais. Para o Banco Mundial,
a lei se sobrepõe ao Estado de Direito, devendo ser formulada para atendimento dos interesses
do mercado. A partir da imposição de elaboração de leis que busquem reconfigurar
preferências, o Banco Mundial tem forçado uma desregulamentação para atendimento dos
interesses neoliberais mercadológicos.
Infere-se, desse modo, que o discurso pautado na temática da crise tem permitido a
realização de ajustes nos países em desenvolvimento, que acabam por se sujeitar, em face da
dependência financeira, às orientações emanadas pelo Banco Mundial e pelo FMI, tendo que
suportar a desregulação estatal. Nesse sentido, Avelãs Nunes explica:
Creio que o estado (regulador ou desregulador) cumpriu o seu papel de deixar o
campo aberto à livre circulação de capitais, à livre criação de produtos financeiros
derivados, inventados com todo o carinho dos seus criadores para alimentar as
apostas no casino em que se transformaram o mundo. Sob a proteção do estado
garantidor, os banqueiros e os especuladores que provocaram a crise receberam
milhões e milhões para continuarem a fazer o que sempre fizeram. O grande capital
financeiro, que esteve na origem da crise, manteve as suas posições de comando.
(AVELÃS NUNES, 2016, p. 147).
Assim, o discurso pautado na eficiência e na observância ao Estado de Direito vão
servir de guarida para a implantação violenta e virulenta do neoliberalismo. O forte
argumento dos Estados hegemônicos e das elites econômicas é de que a Administração
Pública estatal não é capaz de gerir todo o aparato econômico e jurídico, sobretudo, se
vincado em paternalismo advindo de uma busca pelo atendimento da coletividade, em um
66
contexto social29.
Nesse sentido, a ineficiência vem justificada pelo alto custo da máquina estatal e pela
não persecução do atendimento dos interesses do mercado concorrencial, que visa a redução
de custos, alta margem de lucro e celeridade. Esse ponto é fulcral na caracterização do
neoliberalismo: a utilização do aparato jurídico para o desenvolvimento de sua política
econômica. Ou seja, o neoliberalismo utiliza o Estado de Direito em seu favor, para lhe
garantir entrada nos ordenamentos jurídicos estatais, de forma que os anseios do mercado
sejam legalizados, ainda que em detrimento do que se denominam direitos e garantias
fundamentais. Assim, a crise vem sendo utilizada como justificativa, como simulacro, para
que o Estado de Direito seja corrompido e sejam deturpadas as suas originais finalidades.
3.1 Da acepção e da concepção de crise como justificativa para realização de reformas
Cabe verificar, a priori, a origem da palavra crise e o que efetivamente significa. De
acordo com Nicola Abbagnano, o termo teve origem médica e “indicava transformação
decisiva que ocorre no ponto culminante de uma doença e orienta o seu curso em sentido
favorável ou não. [...] Em época recente, esse termo foi estendido, passando a significar
transformações decisivas em qualquer aspecto da vida social” (ABBAGNANO, 2000, p. 222).
Ou seja, para que haja crise, pressupõe-se doença, anomalia, um estado anterior que indique
anormalidade.
O economista francês Saint-Simon trabalhou com o conceito de crise em um viés
historicista e dogmático, condicionado a crenças existentes em determinadas épocas. Assim,
entendia que havia épocas orgânicas e épocas críticas que se sucediam, e que essas mudanças
faziam com que se alterasse a ideia central de normalidade, levando, então, à concepção de
crise (ABBAGNANO, 2000). Acerca da crise, Rosemiro Leal ressalta:
Não é mais possível entender a “crise” como lugar histórico da crítica para corrigir
os desacertos da modernidade iluminista que avança insistentemente como técnica
que se aperfeiçoa por uma ciência que não investiga os fundamentos da técnica,
ocupando-se apenas de seus efeitos economicistas (mercantilistas) imediatos. Fazer
e desfazer litígios de modo fecundo e abundantemente é uma ambição enfermiça
que vai muito além do princípio do prazer que tanto empolga a comunidade jurídica
29 Acerca do paternalismo estatal, Friedman o explica da seguinte forma: “a justificação paternalista para a
atividade estatal é de certo modo a mais problemática para um liberal; pois ela implica a aceitação de um
princípio – o de que alguns decidirão por outros – que ele considera repreensível na maior das suas aplicações
e que reconhece como característica dos seus principais opositores intelectuais: os defensores do coletivismo
em qualquer das suas formas , quer seja o comunismo, o socialismo ou o Estado-providência.” (FRIEDMAN,
2014, p. 64).
67
de nossos dias. [...]
O Estado, nessa conjuntura, identifica-se com o mercado de troca de
vantagens pessoais, funcionais e institucionais. [...] A democracia é um emblema
pelo simulacro de uma constitucionalidade jurídica suscetível a flexibilidades em
seus conteúdos pelos juízos de livre convencimento de seus intérpretes engastados
em tribunais de excelsos saberes já pré-compreendidos no empirismo lógico, no
convencionalismo e no realismo mecanicista. Direitos fundamentais confundem-se
com direitos individuais com prevalência da retórica dos direitos humanos
implementáveis pela via de ações afirmativas de cunho político-judicialista. (LEAL,
2016, p. 375-376).
Portanto, a crise favorece a proteção de interesses do mercado, de modo que a
democracia tem servido de âncora para uma gama de vantagens na atuação da livre
concorrência, para o fluxo ilimitado de capital financeiro sem barreiras, para a ampliação de
mercados ensejadores de lucro para multinacionais e instituições financeiras, para a pilhagem
de matéria-prima e para a exploração de mão-de-obra dos países (vulneraráveis) em
desenvolvimento30.
Sob o invólucro de democracia, atua uma ordem dogmática neoliberal despreocupada
com a proteção de direitos fundamentais e ocupada, essencialmente, com a proteção de
direitos patrimoniais individuais. O Estado de Direito tem servido para dar guarida a essa
atuação mercadológica descomedida, sobretudo, por meio do Judiciário, a partir do
proferimento de decisões elaboradas para atendimento da lógica neoliberal. Assim, o processo
jurisdicional passa a ser o foco, já que útil à garantia de decisões previsíveis, que signifiquem
decisões eficientes, em uma performance de maximização de riqueza, pelo melhor custo-
benefício para o setor privado.
Conforme explicam, Rosa e Marcellino Junior, “o Poder Judiciário pátrio (leia-se: seus
membros) tem sido fortemente assediado [...] para abandonar a condição de garante da
democracia e dos compromissos constitucionais e passar a definitivamente pertencer ao clube
corporativista” (ROSA; MARCELLINO JÚNIOR, 2015, p. 89). Ou seja, pela ótica
neoliberal, há um Estado que atua finalisticamente para atendimento do setor empresarial, em
detrimento da atuação em nome dos sujeitos sociais, que é o que se esperaria na democracia.
Assim, há o desencadeamento de uma série de crises, que vêm sendo invocadas para
sustentar o discurso de necessidade de realização de reformas institucionais no Estado31. O
30 George Soros explica que “o capital financeiro desfruta de uma posição privilegiada: tem mais mobilidade do
que os outros fatores de produção e é ainda mais volátil do que o investimento direto. O capital financeiro se
desloca para onde for melhor remunerado. Na condição de arauto da prosperidade, compete a cada país atraí-
lo. Em face dessas vantagens, o capital se acumula cada vez mais nas instituições financeiras e nas companhias
abertas multinacionais. O processo é intermediado pelos merc ados financeiros.” (SOROS, 1998, p. 21). 31 Armínio Fraga, apresentando a edição brasileira da obra de George Soros, explica que “crises financeiras e
econômicas são hoje e continuarão a ser parte da realidade da globalização. […] A evidência histórica mostra
inequivocadamente que países que se financiam tomando recursos de curto prazo, especialmente para cobrir
68
Judiciário foi alvo do ideário reformista, na medida em que as respostas às demandas
jurisdicionais não geraram satisfação do mercado, que busca previsibilidade e celeridade, nem
mesmo satisfação dos sujeitos sociais, dando ensejo à ruptura da democratização pretendida,
sobretudo, a partir da CRFB/88. Nesse sentido, Bolzan de Morais elucida:
O processo de globalização tem como um dos resultados a falência do sistema de
prestação jurisdicional estatal, comprometendo sua capacidade de apresentar
respostas eficazes no tratamento da conflitualidade social, o que se tem traduzido
numa crise envolvendo a própria democratização do acesso à justiça.
Nesse cenário de corrosão do Estado e da Jurisdição, surge um conjunto de
transformações que encontram vinculo àquilo que podemos denominar de resposta
neoliberal e eficientista. Demandas que visam à estruturação de um modelo judicial
a serviço dos interesses do mercado, que faz da Jurisdição um espaço de afirmação
da estratégia de quantificação e da solução rápida dos litígios. (BOLZAN DE
MORAIS, 2017, p. 192).
A ideologia neoliberal propugna por um Estado mínimo, mas que seja suficientemente
forte para garantir a ação do mercado de forma segura e, nesse sentido, faz-se necessária uma
estrutura estatal eficiente (célere) e que dê retorno eficaz para aquelas demandas prioritárias
do setor privado. Assim, o Judiciário sofreu os influxos do discurso neoliberal preconizador
do eficientismo, que coloca luz na quantificação, nas metas e na busca de resultados rápidos e
que atenda aos anseios das empresas e instituições financeiras internacionais.
Os teóricos do neoliberalismo, sobretudo, Friedman, colocam a crise em um reputado
patamar que lhes oportuniza a propositura de mudanças e ajustes convenientes com a
necessidade de implantação dos ditames da globalização, seguindo as razões de mercado
concorrencial. Ou seja, as crises são avocadas para dar suporte à defesa dos ajustes
institucionais viabilizadores do neoliberalismo e da abertura do mercado ao capital financeiro
sem barreiras, sendo, portanto, necessárias. Nesse sentido, Friedman formula que:
Apenas uma crise – real ou pressentida – produz mudança verdadeira. Quando a
crise acontece, as ações que são tomadas dependem das ideias que estão à
disposição. Esta, eu acredito, é a nossa função primordial: desenvolver alternativas
às políticas existentes, mantê-las em evidência e acessíveis até que o politicamente
impossível se torne o politicamente inevitável. (FRIEDMAN, 2014, p. 18).
Quando publicou a obra Capitalismo e Liberdade, em 1982, Friedman buscava
implementar a ideologia neoliberal a qualquer custo. As crises eram vistas pelo autor como
oportunidade ímpar para convencimento das pessoas e do próprio Estado de que o
neoliberalismo se perfazia como única alternativa para solução dos problemas estruturais
déficit público, são mais vulneráveis aos ciclotímicos movimentos do capital internacional.” (FRAGA, 1998,
p. 9).
69
estatais, já que o livre mercado, de acordo com os ideais dos teóricos de Mont Pèlerin, era a
via exclusiva ao desenvolvimento. Klein acentua a estratégia de doutrina do choque,
defendida por Friedman:
Os ideólogos do livre mercado são apegados a crises e desastres. Uma realidade
não-apocalíptica simplesmente não abarca suas ambições. O que animou a contra-
revolução de Friedman [...] foi sua atração por uma espécie de liberdade e de
oportunidade que só se apresenta em situações de mudanças calamitosas [...],
momentos em que a democracia parece praticamente impossível. (KLEIN, 2008, p.
30).
Ou seja, a crise interessa e pode ser, inclusive, uma crise implantada, forjada com o
objetivo de facilitar a realização de mudanças imperiosas para o atendimento da ambição do
mercado. Assim, Rosa e Marcellino Junior explicam que, “se a crise não acontecesse
naturalmente, segundo os neoliberais, ela deveria ser deliberadamente criada” (ROSA;
MARCELLINO JÚNIOR, 2015, p. 77).
Conforme já se expôs, o condicionamento do Brasil aos empréstimos realizados pelo
Banco Mundial colocou o país em situação de vulnerabilidade, ante as exigências fixadas pela
instituição financeira, por meio de seus RDMs e Documentos Técnicos, que reiteradamente
invocavam a crise para submeter o país às mudanças que lhe convinham. Ou seja, a crise é
argumento benéfico para o Banco Mundial, a fim de implantar a ideologia neoliberal.
Especificamente, no que diz repeito à chamada crise do Judiciário, é preciso avaliar o
que está por detrás dessa pauta e o que vem corroborar para este discurso.
Há complexidade nas relações jurídicas, diante da diversidade de formas de interações
sociais, culturais, econômicas e políticas. Além disso, há expressiva velocidade no trânsito de
informações em um contexto globalizado, o que vem corroborando para o surgimento de
demandas jurisdicionais diferenciadas, que não conseguiram ser abarcadas a tempo e modo
pelas estruturas processuais existentes e pelo Judiciário, culminando naquilo que se chama
crise do processo e da jurisdição32 (SALDANHA, 2010).
Esse fato respaldou o desenvolvimento de um discurso sob o invólucro de crise, que
vem permeando as estruturas e instituições estatais. O Judiciário vem se mostrando como um
atravanco para a sociedade que não vê atendidas as suas demandas, sobretudo, diante da
32 É sabido que hoje a jurisdição não é monopólio estatal, havendo os meios alternativos de solução de conflitos.
No entanto, quando há menção à jurisdição neste tópico, o objetivo é tratar tão somente da atividade
jurisdicional estatal, nos termos expostos por Baracho, segundo o qual “a jurisdição é a função de declarar o
direito aplicável aos fatos, bem como é a causa final e específica da atividade do judiciário. Incumbido de
garantir à sociedade um ordenamento jurídico, ao exercer a atividade jurisdicional está o Estado manifestando
a soberania que lhe é inerente”. (BARACHO, 1984, p. 75).
70
complexidade das novéis questões que têm sido colocadas em voga. Segundo Nunes e
Teixeira:
O diagnóstico sobre a existência de uma crise parece pacífico. Os impulsos
reformistas partem não só do Judiciário, sobrecarregado de trabalho, nem da
sociedade, movida pelo sentimento de impunidade, corrupção ou desigualdade no
acesso à justiça. Com efeito, as repercussões da crise se espraiam para além dos
limites institucionais do Judiciário, sendo hoje comum a percepção da morosidade e
da inoperância do sistema como obstáculos, por exemplo, à inserção da economia
nacional na ordem internacional e à implantação de projetos de desenvolvimento
pelo Executivo. (NUNES; TEIXEIRA, 2013, p. 70).
O Estado, no exercício de cada uma de suas funções, deveria formular suas decisões
administrativas, legislativas e jurisdicionais. Ocorre, no entanto, que, com recorrência, o
Judiciário tem sido demandado para decidir questões afetas ao Executivo e ao Legislativo, de
modo a suprir os déficits de funcionalidade que decorrem da inoperância do Executivo e do
Legislativo (BAHIA, 2009), e, conforme explica, Nunes, "no quadro de tripartição das
funções quando qualquer deles não cumpre, com eficiência, seu papel institucional, ocorre
uma compensação sistêmica que em nosso país costuma se atribuir ao Judiciário" (NUNES,
2011, p. 35).
Dessa forma, gera-se a judicialização da política, e Saldanha infere que "a
judicialização da política internalizou essa complexidade e pode ser considerada resultado de
dois fatores importantes: primeiro, da fragilidade dos sistemas políticos e, segundo, do quadro
de declínio da reação dos governos às demanda da cidadania" (SALDANHA, 2010, p. 6). A
judicialização da política impõe ao Judiciário uma atuação para além das competências
constitucionais que lhe foram atribuídas, gerando, obviamente, esfacelamento democrático,
que Avritzer (2016) aponta como um dos impasses da democracia. Cattoni, Bacha e Bahia
(2016) ressaltam ainda que a judicialização da política enseja o favorecimento das elites
políticas e das elites econômicas, para proteção de seu direito de propriedade, liberdade e
ampliação concorrencial mercadológica.
Além disso, a crise da jurisdição se relaciona a problemas estruturais no exercício da
atividade pelo Estado. Uma das questões que causa impacto diz respeito à falta de
infraestrutura física ou de pessoal qualificado ao atendimento das demandas em trâmite no
Judiciário. Nesse contexto:
As crises que afetam a jurisdição também podem ser entendidas numa
multidimensional perspectiva [...]. Uma crise da dimensão estrutural (1) que diz
respeito ao seu financiamento, a seus recursos materiais, tais como instalações,
funcionários, infraestrutura, bem como, ao custo despendido em razão do
71
alongamento das demandas no contexto de afogamento do Judiciário, o chamado
custo diferido. A dimensão objetiva ou pragmática (2) que se refere à lentidão dos
procedimentos, à burocratização e à linguagem técnico-formal utilizada, que
também culmina no acúmulo de demandas. A subjetiva (3) associada à incapacidade
tecnológica de construção de novos instrumentos legais e de reformulação de
mentalidades, para que os operadores do direito possam adaptar-se à nova realidade
fática, pois o modelo atual não atinge as soluções buscadas para resolver os conflitos
contemporâneos. A crise paradigmática (4), por fim, que diz respeito ao direito
aplicável para o tratamento pacífico dos conflitos. (BOLZAN DE MORAIS;
MOURA, 2017, p. 182).
Há uma dimensão funcional da crise, na medida em que o Judiciário não tem sido
capaz de dar vazão ao volume de ações propostas, além de não conseguir dar respostas céleres
aos jurisdicionados, havendo carência de uma estruturação tecnológica. Hoje, há o processo
eletrônico, que apresenta uma imensidão de problemas operacionais, sem contar que os
próprios tribunais não conseguiram se adaptar a essa realidade, já que muitos convivem ainda
com um misto de antigos processos físicos e a realidade atual dos processos eletrônicos, todos
tramitando em uma mesma estrutura. Assim:
O Poder Judiciário necessitou, também, estabelecer novos parâmetros, culminando
com a criação do processo judicial eletrônico. Assim, esse sistema se apresenta não
somente como uma aplicação do princípio da eficiência, mas também como uma
transformação do processo judicial à vida em rede. Contudo, ainda que tenha
apresentado, inicialmente, muitas vantagens frente ao processo judicial “físico”,
tem-se demonstrado ineficiente diante da evolução tecnológica, apresentando falta
de interoperabilidade entre os sistemas, por exemplo. (SANTANNA; LIMBERGER,
2018, p. 130).
Assim, os métodos alternativos de solução de conflitos foram colocados como uma via
extrajudicial de acesso à justiça, rompendo com o monopólio estatal da jurisdição e, nesse
sentido, Garapon explica:
A globalização está colocando os sistemas de justiça em competição, pois os
litigantes agora têm a opção de trazer sua disputa para onde quiserem. É até
permissível perguntar o que um mercado global para os serviços judiciais não
induzirá ‘através da oferta de arbitragem internacional e do regime liberal de
circulação de sentenças que a acompanha, a transferência da função justiça ao setor
privado’. A globalização corre o risco de mudar a natureza da justiça: se permanece
um bem público dentro das fronteiras de um verdadeiro mercado competitivo para a
resolução de disputas comerciais privadas. O monopólio legal do Estado, assim
como o de dizer o direito - sua jurisdição - de recorrer à força pública para fazê-lo
funcionar - seu imperium - é relativizado, já que os atores econômicos se tornam
senhores de suas fronteiras normativas. Essa mobilidade elimina todo o crédito a
qualquer reivindicação do Estado de exercer o monopólio da lei.33 (GARAPON,
33 La mondialisation met les systèmes de justice en compétition dans la mesure où les plaideurs ont désormais le
choix de porter leur litige où ils le veulent. il est même permis de se demander sin un marché global des
services judiciaires ne va pas induire, "par le biais de l'ofree de l'arbitrage internacional et le régime libéral de
circulation des sentences qui l'accompagne , le transfert de la fonction de justice au secteur privé". La
72
2010, p. 189, tradução nossa).
Invoca-se a crise da jurisdição para pautar o avanço dos métodos alternativos de
solução de conflitos. Nessa medida, houve estímulo do Banco Mundial para que os países em
desenvolvimento alterassem seus sistemas de justiça, de modo a implementar e incentivar a
utilização, sobretudo, de arbitragem, mediação e conciliação. O Documento Técnico n.
319/96 fez recomendação de ampliação dos métodos alternativos de solução de conflitos, de
forma que sejam incentivados tanto em nível judicial, quanto extrajudicial:
Visando proporcionar competição na resolução de conflitos, os programas de
reforma devem considerar a implantação de MARC vinculados as Cortes e MARC
privados. Os programas devem se direcionar aos MARC vinculados as Cortes, bem
como MARC privados, uma vez que a maioria dos códigos de processo já incluem
os institutos da conciliação, mediação e arbitragem. (DAKOLIAS, 1996, p. 47).
Assim, no Brasil, essa orientação foi incorporada ao ordenamento jurídico, tendo sido
promulgada a Lei de Arbitragem (Lei n. 9.307/96) e, mais tarde, em 2015, a Lei de Mediação
(Lei n. 13.140/15). Além disso, o CPC/15 enfatiza sobremaneira a necessidade de se
buscarem soluções consensuais, incentivando a conciliação e a mediação, além da arbitragem,
alocando a menção a esses métodos consensuais no art. 3o, §§2o e 3o, dentro da capitulação
das normas fundamentais do processo. A previsão legal e o incentivo aos métodos alternativos
de solução de conflitos alinharam-se, portanto, aos anseios do mercado e do Banco Mundial.
Como já exposto, o mercado e as instituições financeiras internacionais precisavam de
um ambiente seguro para negócios, no qual houvesse cumprimento escorreito dos contratos e
garantia de proteção às propriedades privadas, assim como, em caso de demandas judiciais,
buscavam o máximo de previsibilidade das decisões, com foco na melhor alocação do custo-
benefício.
Sen aponta que o capitalismo não visa tão somente ao aferimento de lucros, mas visa,
sobretudo, ao funcionamento bem sucedido dos mecanismos de mercado e, ainda, ao
desenvolvimento de instituições fortes o suficiente para que os contratos e os negócios sejam
efetivamente cumpridos. É nesse sentido, que o capitalismo se importa com o funcionamento
eficiente do Judiciário, para que haja confiança para o desenvolvimento do mercado. Nessa
mondialisation risque en effet de changer la nature de la justice: si celle-ci demeure un bien public à l íntérieur
des frontières d'un véritable marché compétitif pour la règlement des différends commerciaux privés. Le
monopole juridique de l'État, aussi bien celui de dire le droit - sa jurisdictio - que celui de recourir à la force
publique pour le fairre exécuter - son imperium - est relativisé puisque les acteurs économiques deviennent
maîtres de leurs frontières normatives. Une telle mobilité enléve tout credit à une quelconque prétention de
l'État d'exercer le monopole du droit.
73
medida, explica:
Embora o capitalismo com frequência seja isto como um sistema que só funciona
com base na ganância de todos, o funcionamento eficiente da economia capitalista
depende, na verdade, de poderosos sistemas de valores e normas. [...] O
funcionamento de mercados bem sucedidos deve não só ao fato de as trocas serem
“permitidas”, mas também ao sólido alicerce das instituições (como, por exemplo,
estruturas legais eficazes que defendem os direitos resultantes dos contratos) e da
ética de comportamento (que viabiliza os contratos negociados sem a necessidade de
litígios constantes para obter o cumprimento do que foi contratado). [...] O êxito do
capitalismo na transformação do nível geral de prosperidade econômica no mundo
tem se baseado em princípios e códigos de comportamento que tornaram as
econômicas e eficazes as transações de mercado. (SEN, 2010, p. 334-339).
Assim, o Judiciário mostrava-se como um setor com o qual se deveria preocupar, no
sentido de promover mudanças com vista à persecução de segurança para atuação do mercado
nos moldes neoliberais. Nesse sentido, o Banco Mundial, em sua firme empreitada de
realização de ajustes estrututais para implementação da ideologia neoliberal, coloca o
Judiciário como algoz e enfatiza:
O propósito do judiciário, em qualquer sociedade é de ordenar as relações sociais
(entre entes públicos e privados e indivíduos) e solucionar os conflitos entre estes
atores sociais. O setor judiciário na América Latina efetivamente não assegura essas
funções, estado de crise que é atualmente percebido por todos os seus usurários -
indivíduos e empresários - e seus atores - juízes e advogados. (DAKOLIAS, 1996, p.
17).
O Banco Mundial usava o discurso de fortalecimento democrático e de
desenvolvimento econômico para mascarar o que em verdade almejava: aumento da
eficiência (maximização da riqueza) e promoção do desenvolvimento do setor privado. Nesse
sentido, o Documento Técnico n. 319/96 manifesta:
Devido ao atual estado de crise do Judiciário na América Latina, os objetivos e
benefícios da reforma podem ser amplamente agrupados em duas estruturas globais:
fortalecer e reforçar a democracia e promover o desenvolvimento econômico. A
reforma do Judiciário é necessária para o funcionamento democrático da sociedade,
sendo parte de um processo de redefinição do estado em suas relações com a
sociedade. Ademais, o desenvolvimento econômico não pode seguir em frente sem
uma efetiva definição, interpretação e garantia dos direitos de propriedade. Mais
especificamente, a reforma do judiciário tem como alvo o aumento da eficiência e
eqüidade na resolução de conflitos, ampliando o acesso a justiça e promovendo o
desenvolvimento do setor privado. (DAKOLIAS, 1996, p. 19).
A crise do Judiciário, portanto, traz em si uma multiplicidade de fatores que, juntos,
serviram de justificativa para a defesa de reformas. Assim, destacaram-se aqui: a) a atual
diversidade de relações complexas; b) a judicialização da política; c) a carência de estrutura
74
nos mais diversos níveis; e d) a falta de aparato tecnológico adequado. Tudo isso corroborou
para que o mercado e o Banco Mundial defendessem a implementação dos métodos
alternativos de solução de conflitos, como forma de estruturar o sistema de justiça, de modo
que não haja monopólio da jurisdição. Cumpre, ainda, ressaltar que toda a discussão apontada
orbita em torno da busca por eficiência, premissa tão cara às perspectivas do mercado e do
Banco Mundial.
José Eduardo Faria ratifica a existência de complexidade do sistema de justiça e
afirma ainda que esse imblóglio, fatalmente, compromete a efetividade dos direitos
fundamentais. Assim:
A ineficiência do “sistema de Justiça” no exercício dessas funções decorre, em
grande parte, da incompatibilidade estrutural entre sua arquitetura e a realidade
socioeconômica sobre a qual tem de atuar. Em termos históricos, desde seus
primórdios no Brasil colonial, como instituição de feições inquisitórias forjada pelo
Estado português a partir das raízes culturais da Contra-Reforma, com seus prazos,
instâncias e recursos, o Judiciário sempre foi organizado como um burocratizado
sistema de procedimentos escritos. Em termos funcionais, foi concebido para
exercer as funções instrumentais, políticas e simbólicas no âmbito de uma sociedade
postulada como sendo estável, com níveis eqüitativos de distribuição de renda e um
sistema legal integrado por normas padronizadoras e unívocas. [...]
Contudo, a realidade brasileira é incompatível com esse modelo de
“Justiça”. Iníqua e conflitiva, ela se caracteriza por situações de miséria que negam
o princípio da igualdade formal perante a lei, impedem o acesso de parcelas
significativas da população aos tribunais e comprometem a efetividade dos direitos
fundamentais. (FARIA, 2004, p. 104-105).
Dessa forma, diante de tantos entraves à eficiência no exercício das atividades estatais,
houve a formulação da reforma administativa e da reforma do Judiciário, que repercutiram,
respectivamente, nas Emendas Constitucionais n. 19/98 e 45/2004, tendo ali sido cravada a
eficiência como meta do Estado e da função jurisdicional, conforme far-se-á análise em tópico
adiante34.
No entanto, as reformas realizadas não preservaram, em alguns pontos, a diretriz
democrática de observância dos direitos e garantias fundamentais, tendo ocorrido a
desvirtuação destes para atendimento aos ditames neoliberais. Nesse sentido, cumpre analisar
de que modo os direitos fundamentais se configuram em uma ótica democrática e a forma
com que se confrontam em uma perspectiva neoliberal.
34 Cumpre esclarecer o sentido da utilização da expressão função, enquanto atividade estatal, e, nesse sentido,
Miranda esclarece: “a função no sentido de atividade pode definir-se como um complexo ordenado de atos
[…] destinados à prossecução de um fim ou de vários fins conexos, por forma própria. Consiste na atividade
que o Estado desenvolve, mediante seus órgãos e agentes, com vista à realização das tarefas e incumbências
que, constitucional ou legalmente, lhe cabem.” (MIRANDA, 2015, p. 357).
75
3.2 Direitos fundamentais e direitos “fundamentais” do mercado
Cunhou-se a expressão direitos fundamentais (droits fondamentaux), em 1789, por
ocasião da instalação da nova ordem jurídica burguesa na Revolução Francesa, que fez
emergir um Estado de classes (AVELÃS NUNES, 2017). Foi nesse contexto, que houve a
formulação da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, colocando esses direitos
como sendo supostamente naturais e imprescritíveis, assegurando "a liberdade, a propriedade,
a segurança e a resistência à opressão" (art. 2o) (FRANÇA, 1789).
Nesse quadro, a proteção e a garantia à liberdade e à propriedade colocam-se em um
mesmo patamar, ao passo em que a igualdade é tratada no art. 1o, ao proclamar que "os
homens nascem e são livres e iguais em direitos" (FRANÇA, 1789). Ou seja, invoca-se uma
igualdade de direitos e não uma igualdade entre os sujeitos, o que vem a ser corroborado pelo
estabelecimento de um sufrágio censitário, que chancela a ascensão da burguesia em
detrimento de todo o restante da sociedade. Assim, Avelãs Nunes verifica que:
A Assembleia Constituinte abria uma contradição que a manutenção da escravatura
e a organização censitária do sufrágio vieram a pôr a claro: todos eram iguais, mas
alguns eram menos iguais do que outros, nomeadamente as mulheres, os
economicamente dependentes, os pobres, os escravos, os judeus e os povos
colonizados. (AVELÃS NUNES, 2017, p. 122).
Houve, portanto, uma divisão dos cidadãos em ativos, com direito de votar e ser
votado, e cidadãos passivos, que não possuiam o mesmo direito, em razão de seu baixo poder
econômico ou de sua condição de gênero, raça ou origem, o que repercutiu em um eixo
absolutamente discriminatório, que colocou a burguesia como apta aos direitos advindos da
Revolução Francesa, ao passo que houve ainda uma parcela considerável da população que
continuou marginalizada, inapta a ser protegida pela Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão.
A situação é, portanto, paradoxal, já que o discurso se pautava na defesa dos direitos
fundamentais, que deveriam, em tese, açambarcar a totalidade dos homens, quando, em
verdade, alcançava a proteção somente da burguesia, e, segundo, Avelãs Nunes, "os direitos
do homem e do cidadão que a burguesia consagrou nos textos saídos da Revolução foram
apenas os direitos do homem burguês. Para a grande massa dos cidadãos passivos, esses
direitos não passaram de abstrações" (AVELÃS NUNES, 2017, p. 123).
Ou seja, a Declaração de Direitos de 1789, que forjou precipuamente a expressão
direitos fundamentais, teve como alicerce a defesa de direitos da burguesia, segregando
76
homens e cidadãos que não fizessem parte daquela casta, sendo, assim, um simulacro de
garantia de direitos totalizantes do homem enquanto tal.
A discussão acerca dos direitos humanos veio permeando a discussão entre os
publicistas, até que, em 1948, com o advento do segundo pós-guerra, em que se vivenciaram
as iras do totalitarismo e uma afronta brutal aos direitos humanos 35 , proclamou-se a
Declaração Universal dos Direitos Humanos, pela Organização das Nações Unidas (ONU),
entidade idealizada na Convenção de Bretton Woods, a mesma que criou o Banco Mundial e
o FMI. O que se buscou em Bretton Woods foi a firme fixação dos Estados Unidos como
potência hegemônica a guiar as diretrizes da política econômica em nível mundial, sobretudo,
com relação aos países em desenvolvimento, de modo a lhes impelir a ideologia neoliberal
como asseguradora do domínio e da exploração capitalista.
Nessa medida, a ONU se constituiu como máscara para atendimento dos interesses
neoliberais, com discurso forjado de suposta proteção aos direitos humanos, quando, na
realidade, buscou a compatibilização de sua atuação com os ditames neoliberais e não
propriamente humanísticos, sendo, a instituição, um "importante instrumental propagandístico
a respaldar o projeto de via única hegemônica-global e encobridora da alteridade do
capitalismo neoliberal" (ROSA; MARCELLINO JUNIOR, 2009, p. 9).
Apesar disso, em uma concepção de Direito Internacional, os direitos humanos são
tidos como pressupostos para a implementação do Estado Democrático de Direito, sendo sua
base fundante, pela sistematização dos direitos humanos em nível constitucional (direitos
fundamentais), bem como pela necessária limitação do poder estatal em face da importância
da defesa da liberdade e dos direitos individuais.
Segundo Piovesan, "não há direitos humanos sem democracia, tampouco democracia
sem direitos humanos" (PIOVESAN, 2011, p. 42). Nesse mesmo sentido, Sarmento (2004)
afirma que o constitucionalismo contemporâneo tem como diretrizes tanto os direitos
fundamentais, quanto a democracia, mas que, em um viés neoliberal, há a castração dos
direitos fundamentais, vistos como óbices ao desenvolvimento econômico, o que significa,
portanto, um refluxo para o constitucionalismo.
Os direitos humanos, dessa forma, comportam uma dimensão, acolhida em nível
35 O totalitarismo, Segundo Arendt, possuía um viés de legalidade, que partia de uma imposição da vontade da
autoridade, e isso, por si, gerava uma suposta legitimação. Nesse sentido, explica: “a afirmação monstruosa e,
no entanto, aparentemente irrespondível do governo totalitário é que, longe de ser ‘ilegal’, recorre à fonte de
autoridade da qual as leis positivas recebem a sua legitimidade final; que, longe de ser arbitrário, é mais
obediente a essas forças sobre-humanas que qualquer governo jamais o foi; e que, longe de exercer o seu poder
no interesse de um só homem, está perfeitamente disposto a sacrificar os interesses vitais e imediatos de todos
à execução do que supõe ser a lei da História ou da Natureza.” (ARENDT, 2012, p. 613).
77
mundial, de universalidade e indivisibilidade36. Segundo Piovesan, essa normatividade se
projeta em um "constitucionalismo global, vocacionado a proteger direitos fundamentais e a
limitar o poder do Estado, mediante a criação de um aparato internacional de proteção de
direitos" (PIOVESAN, 2011, p. 39). Esses direitos não são um dado autopoiético, mas uma
invenção humana construída e reconstruída, sendo usados como slogan para a defesa dos
subprivilegiados, como uma exceção para aqueles a quem não se direcionou, em princípio, a
proteção por esses direitos humanos (ARENDT, 2012). Por sua vez, os direitos fundamentais
advêm da pré-compreensão de direitos humanos, a partir de sua constitucionalização pelos
ordenamentos jurídicos estatais, com objetivo de proteção das pessoas (SAMPAIO, 2004).
Apesar da concepção de direitos humanos ser oriunda de interesses burgueses
criadores de uma profunda distinção entre classes sociais e que visavam, precipuamente, à
proteção da elite, à introjeção do ideal de proteção de direitos de vida, liberdade, igualdade e
dignidade da pessoa humana nas Constituições dos Estados, sobretudo, depois do segundo
pós-guerra37, constitui-se como eixo para a formulação dos princípios que guindaram a noção
de Estado Democrático de Direito.
A partir desse ponto e em uma concepção de modelo constitucional de processo,
portanto, as garantias fundamentais processuais de contraditório, ampla argumentação,
imparcialidade e fundamentação das decisões jurisdicionais constituem-se como "formadoras
de um essencial sistema de proteção aos direitos fundamentais, tecnicamente apto a lhes
assegurar plena efetividade" (BRÊTAS, 2018, p. 90).
Verificada, portanto, a compreensão acerca de direitos humanos e direitos
fundamentais, cumpre analisar de que modo os direitos fundamentais têm se apresentado na
ordem neoliberal.
Holmes e Sunstein, na obra The Cost of Rights, publicada em 1999, alocam os direitos
36 Segundo Bolzan de Morais, Saldanha e Vieira, "os direitos humanos, como dimensão própria do processo de
mundialização, referem/repercutem a institucionalização e promoção de um mínimo ético universal, pela
garantia de conteúdos mínimos e inafastáveis, sejam estes civis, políticos, sociais, econômicos, culturais,
ambientais, etc., a serem considerados e realizados de forma integrada e indivisível (indivisibilidade), a todos
os seres humanos do planeta Terra, indistintamente (universalidade), ou seja, de todos, em todos os lugares."
(BOLZAN DE MORAIS; SALDANHA; VIERA, 2013, p. 21-22). 37 Numa ordem global, "a Constituição assume um papel absolutamente fundamental nas complexas,
heterogêneas e plurais sociedades contemporâneas, dado que a diversidade de interesses em conflito ultrapassa
a ordem jurídica em si, e com ele a lei como a principal fonte de produção legal no Estado de Direito. Seu
lugar é agora ocupado pela Constituição, como um paradigma de uma produção jurídica flexível e plural, cuja
convergência só pode ser possível por meio dos princípios e valores consagrados na norma fundamental. A
Constituição como elemento que permite uma unidade precária e plural, mas imprescindível para salvar o
ordenamento do turbilhão juridificador no qual está mergulhado: o império da lei já não é garantia de
racionalidade e de ordem, de unidade e de paz. O trono vazio do monarca despejado só pode ser ocupado pela
Constituição." (CAMPUZANO, 2013, p. 59).
78
fundamentais em discussão envolta em uma análise econômica. Sustentam que o exercício de
direitos tem custos que dependem de dotação orçamentária para que possam ser efetivamente
protegidos e, assim, sem recursos financeiros que possam garantir direitos, estes não se
implementam (HOLMES; SUNSTEIN, 1999).
Ainda segundo referidos autores, para que o Direito exista, há necessariamente que
existir governo, colocando uma vinculação entre Direito e Política, de modo a exigir que a
gestão operacional e financeira da proteção dos direitos seja definida em nível governamental
(HOLMES; SUNSTEIN, 1999). Dessa maneira, para Holmes e Sunstein, todos os direitos
fundamentais são dotados de uma esfera negativa e outra necessariamente positiva, ante a
necessidade de uma estrutura burocrática estatal voltada para a sua proteção, dependendo da
alocação de recursos financeiros para que sejam efetivados (CRUZ, 2009).
Partindo-se dessa ótica, portanto, os direitos fundamentais passaram a ser analisados
sob o aspecto econômico, em uma relação de custo-benefício, a avaliar, sob o ponto de vista
político, a viabilidade da efetivação desses direitos. Ou seja, os direitos fundamentais foram
monetizados, passando a focar no atendimento dos preceitos do mercado, que persegue lucro,
eficiência, proteção à propriedade privada e garantia da liberdade de contratar. De acordo com
Rosa e Marcellino Júnior, "há uma contratualização/privatização neoliberal da esfera
pública", desvirtuando a natureza dos direitos fundamentais que se tornam "direitos
fundamentais do mercado" (ROSA; MARCELLINO JÚNIOR, 2015, p. 47).
Há, portanto, um esvaziamento da pretensão programática constitucional de
implementação de direitos fundamentais, que deveriam proteger as pessoas em seus direitos
individuais, sociais e políticos, ante os influxos neoliberais, que colocam o mercado como
centro, ao redor do qual, divagam direitos fundamentais, que passam a ser vistos como custos,
como entraves à livre concorrência. Assim, esses direitos fundamentais são marginalizados,
constituindo-se, a defesa das regras mercadológicas, como via de implementação de uma
liberdade que não se coaduna com a proteção da pessoa, mas tão somente com a proteção dos
direitos fundamentais do mercado, já que o mercado se coloca como eixo orientador
neoliberal, e, nesse sentido:
Os bens, as pessoas, os princípios e as regras passaram a ser valorizados apenas pela
condição de mercadorias, isto é, passaram a receber o tratamento conferido às
mercadorias a partir de seu valor de uso e de troca. Deu-se a máxima desumanização
inerente à lógica do capital [...]. Os direitos e gantias fundamentais também são
vistos como mercadorias que alguns consumidores estão autorizados a usar. [...]
Direitos, garantias e tudo aquilo que antes era considerado inegociável foram
transformados em mercadoria ("mercadorias-novas") em nome do neoliberalismo.
(CASARA, 2017, 39-41).
79
A concepção, portanto, de direitos fundamentais nasceu no século XVIII, fruto de
interesse burguês discriminatório e articulador de uma suposta ideia de liberdade, igualdade e
fraternidade, que não se sustentava na realidade. Esses direitos, no entanto, a partir do
segundo pós-guerra, com a constitucionalização dos Estados, passaram por uma mudança de
concepção, devendo servir de diretriz para a democratização, significando, portanto,
observância aos direitos e garantias das pessoas em sua esfera individual, social e política.
Assim, em uma concepção democrática, direitos e garantias fundamentais são a base
orientadora de toda a construção processual. Brêtas (2018) explica que os direitos
fundamentais são os direitos humanos previstos constitucionalmente, ao passo que as
garantias constitucionais são garantias processuais compreendidas no ordenamento jurídico,
componentes, portanto, do modelo constitucional de processo.
Na medida em que analisados os direitos fundamentais e os direitos fundamentais do
mercado obedientes à lógica neoliberal, cumpre analisar o que vem a ser o modelo
constitucional de processo, que parte de uma base principiológica integrada, que objetiva a
proteção dos direitos fundamentais.
3.2.1 Teorias processuais e modelo constitucional de processo
Analisada, portanto, a perspectiva de direitos fundamentais, passando por uma breve
compreensão das garantias fundamentais, é importante que haja averiguação de algumas
teorias processuais38, a fim de que, por derradeiro, seja possível discorrer acerca do modelo
constitucional de processo, que se adota como marco teórico da presente pesquisa.
A teoria do processo como relação jurídica foi criada por Oscar Von Bülow, na
Alemanha, em 1868, tendo definido a autonomia do processo em relação ao direito material.
Embora seja relevante essa autonomização do processo, Bülow analisa o processo como
relação entre o juiz e as partes, de modo que o juiz assume posição de superioridade em
relação aos demais sujeitos processuais. Assim, de acordo com essa perspectiva teórica, o juiz
é instado a decidir com irrefutável submissão das partes ao julgamento. Nesse sentido, Barros
38 Por critérios metodológicos, na presente pesquisa, far-se-á a análise de algumas teorias do processo. No
entanto, cumpre mencionar as teorias existentes, conforme explicam, Leal e Brêtas, quais sejam: a) teoria do
processo como contrato, desenvolvida por Pothier; b) teoria do processo como quase-contrato, criada por
Savigny e Guényvau; c) teoria do processo como relação jurídica, alavancada por Bülow; d) teoria do processo
como situação jurídica, criada por Goldschmidt; e) teoria do processo como instituição, desenvolvida por
Guasp; f) teoria do processo como procedimento em contraditório, de Fazzalari; g) teoria constitucionalista do
processo (sistematizada por Hector Fix-Zamudio, no México, com divulgação por Baracho, no Brasil e, na
Itália, retomada por Andolina e Vignera); e h) teoria neoinstitucionalista do processo, desenvolvida por Leal.
(LEAL, 2018; BRÊTAS, 2018).
80
afirma:
É desde Bülow (1868) que se compreende o processo como uma relação jurídica
entre o juiz e as partes, entendida esta como o vínculo subjetivo que faz com que
aquele que tem direitos (sujeito ativo), possa exigir daquele que tem dever (sujeito
passivo) o cumprimento de uma determinada conduta. (BARROS, 2013, p. 47).
Chiovenda seguia a mesma teoria processual da relação jurídica, assim como
Carnelutti, Calamandrei e Liebman. Liebman veio para o Brasil, em 1940, foi professor de
Alfredo Buzaid e José Frederico Marques, na Faculdade de Direito do Largo São Francisco,
em São Paulo. Formou-se ali a Escola Paulista de Processo, defensora do processo como mero
instrumento da jurisdição, além de alinhar o processo a escopos metajurídicos
(DINAMARCO, 1993).
Ou seja, para essa Escola, denominada instrumentalista, não importa discernir
processo de procedimento, nem mesmo processo de jurisdição, ao passo que a jurisdição é
colocada em voga, em detrimento do processo (LEAL, 2018). De acordo com referida teoria
da relação jurídica, importa que as decisões sejam proferidas pelos julgadores, que devem
observar valores e anseios sociais, de modo a introjetar subjetivismo (NUNES, 2008a), o que
coloca o juiz como “super-parte”, dando azo ao solipsismo judicial (BARROS, 2013, p. 48).
O revogado CPC de 1973, elaborado por Alfredo Buzaid, seguia exatamente essa
perspectiva teórico-processual da relação jurídica (BRÊTAS, 2018), com viés de socialização
processual, preconizadora de um dever de pacificação (NUNES, 2008a).
Gonçalves (1992) apresentou críticas veementes ao instrumentalismo processual, no
sentido de que a teoria da relação jurídica dava ensejo ao posicionamento desproporcional dos
sujeitos processuais, que não atuavam em simétrica paridade. Havia, portanto,
comprometimento da própria concepção de contraditório, ante uma relação de hierarquização
e submissão dos sujeitos processuais (BARROS, 2013). Assim, Gonçalves (1975) adotou a
perspectiva teórica de Elio Fazzalari, segundo o qual, o processo é procedimento realizado em
contraditório entre as partes, em simétrica paridade, almejando o provimento final39. Nesse
sentido, Barros esclarece:
39 Segundo Fazzalari, “se, poi, il procedimento è regolato in modo che vi possano partecipare - in una o più fasi -
anche coloro nella cui sfera giuridica l'atto finale è destinato a svolgere effetti (talché l'autore di esso debba
tener conto della loro attivitá), e se tale partecipazione è congegnata in modo che i contrapposti "interessati"
(quelli che aspirano alla emanzione del provvedimento e quelli che vogliono evitarla) siano sul piede di
simmetric parità; allora, come ripetuto, il procedimento comprende il "contradittorio", si fa quindipiù articolato
e compleso, e dal genus "procedimento" è consentito enucleare la specie "processo".” (FAZZALARI, 1975, p.
28-29).
81
A necessidade de uma base procedimental para garantir igual participação nos
espaços democráticos de tomada de decisão exige que ela seja compreendida como
um processo nos moldes definidos por Fazzalari. Isto implica uma atividade
preparatória do provimento com a participação dos afetados em simétrica paridade,
permitindo assim que todos, inclusive a minoria, tenham seus argumentos levados
em consideração e seus direitos fundamentais respeitados. (BARROS, 2006, p. 231).
O que Fazzalari pretendeu, a partir de sua teorização de estruturação normativa do
processo em contraditório, foi alocar os sujeitos processuais em posição de simetria, de modo
a dar as mesmas condições no exercício do contraditório e, assim, viabilizar uma construção
decisória obediente a critérios lógicos de inclusão das partes nessa formulação. Buscou-se
ainda, diante disso, extirpar o protagonismo do julgador, que era decorrência lógica da teoria
do processo como relação jurídica. Desse modo, Gonçalves explica:
Nos sistemas jurídicos que alcançaram certo grau de racionalidade, a aplicação do
Direito é referida a critérios objetivamente definidos e delimitados pelas normas
integrantes do próprio sistema.
O mais alto grau de racionalidade atingido pelos ordenamentos jurídicos
contemporâneos, que se seguiu à conquista das garantias constitucionais, importa na
superação do critério de aplicação da justiça do tipo salomônico, inspirada apenas na
sabedoria, no equilíbrio e nas qualidades individuais do julgador, ou na sensibilidade
extremada do juiz, simbolizada pelo “Fenômeno Magnaud”. Esse critério é
substituído por uma técnica de aplicação do direito que se vincula a elementos não
subjetivos, a uma estrutura normativa [...]. (GONÇALVES, 1992, p. 45-46).
O que Gonçalves enfatiza, portanto, é a necessidade de uma estrutura técnico-
normativa a afastar a introjeção de subjetivismo do julgador, a fim de que as decisões sejam
racionalmente formuladas por critérios objetivos e em atenção às garantias processuais. O
complexo de Magnaud diz respeito àquelas decisões imbuídas de critérios axiológicos, nas
quais o juiz se porta como bem entende, criando suas próprias diretrizes de atuação, de acordo
com seus interesses, valores e preconceitos.
Assim, o processo deve ser tido como garantia de direitos fundamentais, de acordo
com Barros, que afirma que “o que sustenta a noção de processo como garantia são os
princípios constitucionais do processo definidos no texto constitucional” (BARROS, 2013, p.
49). Logo, importa desenvolver o que vem a ser o modelo constitucional de processo.
Trata-se de expressão cunhada por Andolina e Vignera, representando um alicerce
principiológico fundamental para o exercício da função jurisdicional e para que se assegure
uma hermenêutica constitucional que efetivamente vá condicionar a construção de
provimentos decisórios como resultantes lógico-constitucional (discursivo) do processo, este
entendido como metodologia de garantia de direitos fundamentais (ANDOLINA; VIGNERA,
1997).
82
Há evidente e inegável vinculação entre Constituição e Processo e, dessa maneira,
após a Segunda Guerra Mundial, o jurista mexicano Hector Fix Zamudio realizou necessário
estudo a respeito, o que foi sistematizado e aperfeiçoado pelo jurista mineiro José Alfredo de
Oliveira Baracho, por meio da Teoria Constitucionalista do Processo. Seguindo a linha
conectiva entre Processo e Constituição, Andolina e Vignera publicaram a obra I fondamenti
costituzionali dela giustizia civile: il modelo constituzionale del processo civile italiano, na
qual desenvolveram modelo teórico constituído por um fundamento constitucional vincado
nas principiologias processuais.
De acordo com Baracho, “o modelo constitucional de processo civil assenta-se no
entendimento de que as normas e os princípios constitucionais resguardam o exercício da
função jurisdicional” (BARACHO, 2006, p. 15). A jurisdição, portanto, se concretiza pelo
processo regido por normas e princípios constitucionais (contraditório, ampla argumentação,
imparcialidade e fundamentação racional das decisões), com o fito de promover a tutela de
direitos realizada pela aplicação imperativa do ordenamento jurídico (ROSEMBERG, 2005).
Barros afirma que:
O modelo constitucional do processo é uma base principiológica uníssona, na qual
os princípios que o integram são vistos de maneira co-dependente. [...] Em outras
palavras, tais princípios são vistos como co-dependentes no sentido que, apesar de
cada um possuir seu espectro de atuação visto isoladamente, os referidos princípios
formam uma base uníssona indissociável, na qual a observância a um princípio é
condição para o respeito dos demais. (BARROS, 2009, p. 17).
São características do modelo constitucional de processo, de acordo com Andolina e
Vignera, a expansividade, a variabilidade e a perfectibilidade. A expansividade busca garantir
que a norma constitucional processual se expanda para os microssistemas processuais,
mantendo sua conformação ao esquema geral de processo. Já a variabilidade, por sua vez,
possibilita que a norma processual se ajuste a um microssistema, desde que mantenha sua
base constitucional. Por fim, a perfectibilidade induz que o próprio modelo constitucional se
aperfeiçoe e defina novos institutos por meio do processo legislativo, mantendo, no entanto, o
esquema geral de acordo com a Constituição (ANDOLINA; VIGNERA, 1997).
Nesse contexto, há demarcação de uma perspectiva processual constitucional, que
serve como diretriz hermenêutica e de aplicação do ordenamento jurídico, devendo-se
observar, portanto, os critérios característicos do modelo constitucional de processo. Entre as
garantias fundamentais do modelo constitucional de processo, está o contraditório, que é um
de seus pilares (BRÊTAS, 2018).
83
Em razão do exposto, infere-se que o exercício da atividade jurisdicional é guiado pelo
processo como garantia de direitos fundamentais (BARROS, 2009), devendo essa atividade se
sujeitar às normas constitucionais, de modo que haja efetiva participação dos sujeitos
processuais na formulação decisória.
Partindo-se da proposta teórica de modelo constitucional de processo (ANDOLINA;
VIGNERA, 1997), compatibizando-a com a teoria do processo como procedimento em
contraditório (FAZZALARI, 1975), Nunes avançou para a formulação de um modelo
comparticipativo, em que o processo seja capaz de “transformar o espaço onde todos os temas
e contribuições devam ser intersubjetivamente discutidos, de modo preventivo ou sucessivo a
todos os provimentos, assegurando técnicas de fomento ao debate que não descurem o fator
tempo-espacial de seu desenvolvimento” (NUNES, 2008b, p. 26).
Demarcada a categoria teórica de processo adotada na presente pesquisa, qual seja, a
do modelo constitucional de processo, é importante que se analise a legitimidade do Estado
para formulação das decisões, dentro de uma perspectiva processual democrática.
3.2.2 A formulação das decisões jurisdicionais e a legitimidade no modelo constitucional de
processo
O processo pressupõe estruturação formal para construção de provimentos, fulcrada na
observância aos princípios processuais constitucionais, a fim de que as decisões sejam
legítimas, ante a participação dos interessados, o que enseja eficiência técnica (NUNES,
2008a). Assim, as garantias fundamentais devem ser respeitadas, para que haja a formação de
decisão jurisdicional, devendo, o contraditório, incidir de forma irrestrita em todas as fases
lógicas processuais, repercutindo amplamente na fundamentação decisória, de modo a
conferir a necessária legitimidade.
Ou seja, a titularidade da produção argumentativa e probatória é dos sujeitos
processuais, que devem atuar em contraditório, sem o que, em uma concepção fazzalariana, o
processo tornar-se-ia mero procedimento, como sequência de atos. Portanto, o diálogo em
contraditório é o que conforma o processo, que deve também observar as garantias
fundamentais da ampla argumentação e da imparcialidade, a fim de que sejam proferidas
decisões racionalmente fundamentadas. Acerca da ampla argumentação, Barros explicita:
Na perspectiva do processo jurisdicional, da ampla argumentação decorre o direito à
prova, a assistência de um advogado, à necessidade de se garantir que as partes
possam ter o tempo processual para reconstruir o caso concreto, e quais as normas
84
prima facie aplicáveis são mais adequadas ao caso concreto. (BARROS, 2009, p.
20).
A ampla argumentação comporta uma dimensão dialógica, que envolve
umbilicalmente o contraditório, na medida em que, dessas garantias, decorrem o direito dos
sujeitos processuais de colocar seus argumentos de fato e de direito em evidência, utilizando
os meios de prova pertinentes para a defesa de suas cogitações, além de envolver o direito à
defesa técnica.
Por sua vez, o contraditório é princípio que garante a participação dos sujeitos
processuais, de modo a influenciar o julgador, que deve elaborar a decisão vinculada a
argumentos e provas produzidos. De acordo com Brêtas:
Na atualidade, o contraditório não significa apenas ciência bilateral e contrariedade
dos atos e termos do processo e possibilidade que as partes têm de contrariá-los, mas
é compreendido técnica e cientificamente como garantia de participação efetiva das
partes no desenvolvimento do processo em suas fases lógicas e atos, a fim de que,
em igualdade de condições, possam influenciar em todos os elementos e discussões
sobre quaisquer questões de fato e de direito que surjam nas diversas etapas do
itinerário procedimental, e que despontem como potencialmente importantes para a
solução decisória jurisdicional a ser obtida ao seu final. (BRÊTAS, 2016, p. 51).
Relevante é a observação feita no sentido de que o contraditório deve ser garantido nas
fases postulatória, de saneamento e organização, de instrução probatória e decisória. É
imprescindível, dentro da estrutura processual constitucional, que seja garantida a
participação de todos os sujeitos processuais, a fim de viabilizar a discursividade, que vai
influenciar a formulação decisória.Além disso, garantindo-se o contraditório em todas as fases
procedimentais, dá-se ensejo à transparência e fiscalidade necessárias.
Importante também considerar que o contraditório que se almeja, na perspectiva
constitucional, ultrapassa o sentido de bilateralidade, de confronto, de alegar e rebater. Assim,
André Leal explica que “o contraditório deixa de ser mero atributo do processo e passa à
condição de princípio (norma) determinativo de sua própria inserção na estruturação de todos
os procedimentos preparatórios dos atos jurisdicionais” (LEAL, 2002, p. 88).
O contraditório que se pretende é dotado de dinamicidade, apto a influenciar, por meio
de alegações e provas, a tomada de decisão pelo julgador, que, consequentemente, deve se
vincular à produção argumentativa dos sujeitos processuais, para que, efetivamente, haja
participação democrática.
A racionalidade das decisões decorre exatamente do fato de que sua elaboração deve
se respaldar na produção argumentativa e probatória produzida pelos sujeitos processuais em
85
contraditório. Assim, deve haver necessária imbricação entre contraditório e fundamentação
das decisões (LEAL, 2002).
Brêtas (2018) sustenta que a dinâmica do contraditório se perfaz pelo que se denomina
quadrinômio estrutural do contraditório, sendo informação-reação-diálogo-influência, de
modo que os sujeitos processuais elaborem sua argumentação de forma dialógica, que vá
repercutir na formulação de decisão. As decisões jurisdicionais, portanto, somente se
legitimam a partir da sua elaboração em contraditório, de maneira que os sujeitos processuais
sejam os formadores de toda a gama argumentativa que vai subsidiar o julgamento.
Ou seja, juízes e tribunais devem, necessariamente, vincular-se aos apontamentos
elaborados pelos sujeitos processuais, que informam o processo, reagem de modo a refutar os
argumentos contrários às suas alegações, dialogam acerca dos pontos controvertidos e, por
fim, exercem influência para que o julgador profira decisão nos limites das provas e das
alegações dos sujeitos processuais.
Dessa forma, partindo de Fazzalari e ampliando a concepção de contraditório, Nunes
defende que a legitimidade se funda na necessária comparticipação dos sujeitos processuais
para a formação das decisões, na medida em que “o processo estrutura, mediante o debate
endoprocessual, a forma e o conteúdo das decisões e, por conseguinte, seu controle, mediante
a implementação técnica de direitos fundamentais em perspectiva dinâmica” (NUNES, 2008a,
p. 211).
Então, Nunes desenvolveu o entendimento de que o contraditório se configura em
garantia de influência e não surpresa, indo além da concepção simplista de bilateralidade da
audiência e, assim, com base em Comoglio e Trocker, sustenta:
O contraditório é guindado a elemento normativo estrutural da comparticipação [...],
assegurando, constitucionalmente, o policentrismo processual. Permite-se, assim, a
todos os sujeitos potencialmente atingidos pela incidência do julgado
(“potencialidade ofensiva”) a garantia de contribuir de forma crítica a construtiva
para sua formação [...]. (NUNES, 2008a, p. 227).
O policentrismo processual, enquanto técnica, viabiliza aos sujeitos processuais a
atuação que vá contribuir para a construção do provimento, afastando o protagonismo
judicial, na medida em que o juiz não terá atuação central e privilegiada. Desse modo, em
razão do pluralismo democrático (MARQUES, 2016), caberá a todos os sujeitos que serão
afetados pela decisão contribuir com argumentos e provas, que servirão de baliza para a
elaboração do pronunciamento jurisdicional. Essa perspectiva técnica corrobora para a
implementação das garantias fundamentais previstas para configuração do modelo
86
constitucional de processo. E, assim, Nunes acentua que “um dos principais pilares da
democratização processual seria o abandono de perspectivas de protagonismo e a assunção de
um perfil comparticipativo e democrático da estrutura processual” (NUNES, 2008a, p. 224).
Antes mesmo da entrada em vigor do CPC/15, Barros e Nunes já anunciavam a
necessidade do aumento da eficiência e, com vistas a atribuir efetividade ao processo,
reforçaram a primordialidade de ampliação do debate entre os sujeitos processuais, dentro de
uma perspectiva normativa de comparticipação. Essa técnica comparticipativa serve, segundo
Barros e Nunes (2010), para conferir qualidade às decisões jurisdicionais, o que dá ensejo,
consequentemente, à diminuição do volume de recursos interpostos e redução do volume de
reformas dos provimentos).
Ou seja, a partir da implementação de efetividade, vista como observância das
garantias fundamentais, há repercussão no ganho de eficiência no exercício da função
jurisdicional. Essa perspectiva reflete uma técnica processual arrojada, que se coaduna com a
formulação do processo democrático.
A teoria normativa da comparticipação, refletida no art. 6o do CPC/15, que prevê que
todos os sujeitos processuais devem cooperar entre si para que se obtenha a decisão, estrutura-
se na garantia do contraditório como influência, devendo haver estreita correlação com a boa-
fé processual (art. 5o, CPC/15), em que os sujeitos processuais, inclusive o juiz, estejam
imbuídos do dever de atuar de modo alinhado a se obter efetividade processual, conforme
preconiza, o modelo constitucional de processo (FONSECA, 2017).
Dessa forma, o contraditório, dentro da perspectiva dinâmica de garantia de influência
e não surpresa, foi inserido como norma fundamental do processo civil, nos arts. 9o e 10 do
CPC/15, confirmando, mais uma vez, a imprescindibilidade de constitucionalização do
processo. Assim, todos os sujeitos processuais deverão ser previamente ouvidos, sendo-lhes
oportunizado o debate e devendo-se levar em consideração os argumentos e provas
produzidos.
A partir da perspectiva teórico-normativa da comparticipação, prevista no art. 6o do
CPC/15, bem como da norma fundamental do contraditório (arts. 7o e 9o do CPC/15), que tem
como um dos objetivos garantir a elaboração de decisões racionalmente fundamentadas (art.
489, CPC/15), o art. 357 do CPC/15 dispõe acerca do saneamento e da organização do
processo. Trata-se de decisão a ser proferida pelo juiz, com o objetivo de resolver questões
processuais pendentes, delimitar questões de fato, definir os meios e a distribuição do ônus da
prova, assim como delimitar questões de direito relevantes para a decisão de mérito.
O saneamento e a organização do processo devem ser lidos em uma perspectiva
87
comparticipativa, na medida em que os sujeitos processuais, por meio dos debates
endoprocessuais, farão com que seus argumentos repercutam na decisão de saneamento e
organização. Ou seja, todas as causas, sejam simples ou de maior complexidade, requerem
uma atuação comparticipativa dos sujeitos processuais. A fase de organização e saneamento é
fundamental para que haja balizamento preciso que dará ensejo à formulação de decisões em
conformidade com o art. 489, §1o, IV, CPC/15, já que se considera fundamentada a decisão
que analisar todos os argumentos expostos pelos sujeitos processuais, que reflitam na decisão
final adotada pelo julgador.
Por óbvio, organização e saneamento do processo realizados de forma comparticipada
ofertará aos sujeitos processuais uma decisão com maior probabilidade de conformação com
os debates formulados pelas partes, tendendo, desse modo, a contribuir para uma decisão de
mérito com maior qualidade e menor chance de reforma. Nesse sentido, Theodoro Júnior e
outros se manifestam:
Com decisões mais bem fundamentadas, após uma cognição mais bem preparada
(art. 357), inclusive com a possibilidade de acordo processual típico com a fixação
de limitação cognitiva e efeitos preclusivos (Saneador negociado e comparticipado –
art. 357, §§2o e 3o), confia-se na diminuição das enormes taxas de reforma, fruto do
atual debate superficial. Conforme se pode verificar por meio dos dados
disponibilizados pelo Conselho Nacional de Justiça quando da edição do Relatório
Justiça em Números 2013 (ano-base 2012), a taxa de reforma das sentenças em sede
de apelação, considerada a totalidade dos Estados, apesar de não ser representativa
de metade ou mais dos processos que chegam aos Tribunais nessa mesma fase
processual, é expressiva. (THEODORO JÚNIOR et al, 2016, p. 22).
Portanto, as decisões jurisdicionais formuladas pelos juízes e pelos tribunais devem
guardar absoluta pertinência com os debates produzidos. As decisões não podem surpreender
os sujeitos processuais, no sentido de não contemplar os argumentos e provas, que servirão de
baliza para os julgamentos, além do que não podem buscar fundamento em questões de fato e
de direito não suscitadas durante a tramitação processual.
Infere-se, portanto, que, no âmbito da jurisdição, a legitimidade decorre da
observância ao modelo constitucional de processo, garantidor de contraditório, ampla
argumentação e imparcialidade, visando à tutela de direitos e proferimento de decisões
construídas de forma racionalmente fundamentada.
Realizada a verificação da legitimidade no processo democrático e visando a continuar
o desenvolvimento da problematização proposta na presente pesquisa, cumpre investigar
acerca da legitimidade adotada na concepção neoliberal. Essa análise busca confrontar as
perspectivas de legitimidade apontadas, a fim de que, ao final, seja possível aferir acerca da
88
contribuição (ou não) de cada uma para o fortalecimento do Estado de Direito.
3.2.3 Da concepção de legitimidade que serve ao mercado
No início do século XX, Max Weber desenvolveu estudos acerca do capitalismo e das
leis enquanto forma de dominação, relacionando a legitimidade com a dominação enquanto
crença. Essa crença foi analisada por Bourdier, que a considerou como um poder simbólico,
invisível, construído para fins de dominação, em que o dominado se submete e obedece em
razão de estruturas cognitivas que se reproduzem. Bourdier ainda afirma que se forma um
consenso, uma doxa, uma suposta realidade social, de modo que esses “sistemas simbólicos
exercem um poder estruturante porque são estruturados, e um poder de imposição simbólica,
de extorsão da crença porque não são constituídos por acaso” (BOURDIER, 2014, p. 234).
Essa construção, então, é direcionada para a formação de uma doxa de repercussão universal,
mas que, em realidade, guarda a expressão de interesses particulares incutidos enquanto força
simbólica.
Portanto, partindo dessa crença (doxa), Weber enfatiza que “nenhuma dominação
contenta-se voluntariamente com motivos puramente materiais ou afetivos ou racionais
referentes a valores, como possibilidades de sua persistência. Todas procuram despertar e
cultivar a crença em sua legitimidade” (WEBER, 2015, p. 139).
Desse modo, a legitimidade, para Weber, representa uma crença por parte dos
dominados, de que a conduta de dominação mostra-se natural. Uma das formas de dominação
legítima colocada pelo autor é a de caráter racional, chamada dominação legal, que se
fundamenta na crença de legitimidade daqueles nomeados a exercerem o poder a partir de
uma normatividade.
Segundo Weber (2015), estabeleceu-se uma administração burocrática, com o objetivo
de se obter alta produtividade, precisão e disciplina, viabilizando-se a aferição do rendimento.
Essa postura foi decorrente do capitalismo, que impôs uma administração de massa40 como
forma racional de dominação, o que corroborou para a implantação da administração
burocrática foi a busca por previsibilidade e precisão na organização da gestão pública. A
40 A massificação dos sujeitos sugere uma possibilidade de manipulação total, uma indistinção, que coloca os
indivíduos em um contexto de indiferença e, dessa forma, segundo Arendt: “as massas não se unem pela
consciência de um interesse comum e falta-lhes aquela específica articulação de classes que se expressa em
objetivos determinados, limitados e atingíveis. O termo massa só se aplica quando lidamos com pessoas que,
simplesmente devido ao seu número, ou à sua indiferença, ou a uma mistura de ambos, não se podem integrar
numa organização […]. As massas politicamente neutras e indiferentes podiam facilmente constituir a maioria
num país de governo democrático e que, portanto, uma democracia podia funcionar de acordo com normas
que, na verdade, eram aceitas apenas por uma minoria.” (ARENDT, 2012, p. 438-440).
89
dominação racional (legal) colocada por Weber para explicar a legitimação acabou por
refletir, em alguma medida, em uma busca por eficiência, e, nesse sentido, Aragão explica:
Max Weber tomou como objeto de estudo a burocracia, forma superior de
organização social e de dominação (racional-legal), sendo, por muitos, considerado
o principal porta-voz da ideia de a burocracia ser capaz de levar as organizações a
atingirem maiores graus de eficiência. [...]
Todavia, essas características, na tradição weberiana, apenas tornam as
burocracias capazes de alto grau de eficiência, cumprindo destacar, [...], que Weber
parte de pressupostos diferentes dos da tradição neoliberal, vale dizer, enfatiza
estruturas, regras, procedimentos, papéis, etc. (ARAGÃO, 1997, p. 108).
Assim, em Weber, temos o desenvolvimento das formas de dominação, sendo a
dominação racional legitimada por um caráter de crença nas ordens emanadas da autoridade.
Essa doxa, portanto, tem conteúdo apriorístico e baseado em uma obediência que não se
fundamenta, a não ser na probabilidade de reconhecimento da própria dominação.
Para o Banco Mundial, a concepção de legitimidade no exercício das funções estatais
segue a tendência de um discurso neoliberal. Nesse sentido, o Banco Mundial aponta como
inevitável a integração dos mercados internacionais, como condição absoluta para o
desenvolvimento dos países, sustentando, ainda, que a autorregulação desses mercados é
condição sine qua non para que a democracia seja implementada (BANCO MUNDIAL,
2017).
De acordo com Steger e Roy, “os neoliberais insistem no primado dos mercados sobre
a política, afirmando que o estabelecimento da democracia depende da economia do mercado
livre e não o contrário” (STEGER; ROY, 2010, p. 83). No entanto, a democracia não se
compatibiliza com os preceitos da ideologia neoliberal (AVELÃS NUNES, 2016).
O RDM 2017, emitido pelo Banco Mundial, traz um conceito de legitimidade que se
compatibiliza com o defendido por Weber, no sentido de crença na autoridade, configurando-
se em uma dominação eivada de democraticidade. Para o Banco Mundial, a legitimidade
decorre da prática de atos por grupos de poder. Esse poder, então, é destacado como
habilidade de grupos - e não de uma totalidade ou de uma maioria -, que agem para assegurar
interesses próprios e resultados previamente fixados.
Assim, o Banco Mundial afirma utilizar um comportamento estratégico, que abarca
Legislativo, Executivo e Judiciário, para a administração de um sistema de leis contratuais, de
modo a ensejar estabilidade e previsibilidade, tornando as leis mais eficientes. Dessa forma,
defende que “o direito contratual é o sistema de regras formais que melhora a eficiência do
jogo de resultados” (BANCO MUNDIAL, 2017, p. 18). Assim, o RDM 2017 destaca a
90
importância de contratos direcionados ao atendimento do mercado para se buscar o
desenvolvimento.
O entendimento do Banco Mundial acerca da legitimidade fica evidenciado no RDM
2017, quando indica que devem ser implementadas reformas para se atingir eficiência, e,
nesse sentido, sustenta:
Legitimidade é a aceitação voluntária das regras e seu cumprimento. Os cidadãos de
uma nação podem estar dispostos a delegar poder suficiente a seu governo para que
ele se torne um ator dominante no jogo de regras da nação, mas somente se eles
sentirem que o governo usa esse poder de maneira legítima. [..] A legitimidade de
um governo pode derivar de três fontes. O comprometimento repetido constrói
legitimidade em termos de resultados. Quando um governo repetidamente cumpre
seus comprometimentos, ele se legitima, como, por exemplo, no caso da prestação
confiável de serviços públicos. A legitimidade também pode derivar de uma
percepção de justiça na maneira em que as políticas e regras são elaboradas e
implementadas – ou seja, a legitimidade do processo. Por fim, a legitimidade
também pode ser relacional, em que o com- partilhamento de um conjunto de
valores e normas encoraja os indivíduos a reconhecerem a autoridade. Os três tipos
de legitimidade identificados neste Relatório são: legitimidade de resultados, de
processos e de relações. A legitimidade é importante para a cooperação e a
coordenação porque implica o cumprimento voluntário de atos de autoridade.
Mesmo se o governo mantiver seus comprometimentos e for capaz de coagir as
pessoas a cumprir as regras, pode haver “deficit de legitimidade” se o processo for
percebido como injusto e as pessoas não estiverem dispostas a cooperar e preferirem
ficar fora do contrato social. (BANCO MUNDIAL, 2017, p. 31).
Para o Banco Mundial, a legitimidade vincula-se à atuação de um Estado detentor da
dominação e que tenha protagonismo na formulação de suas decisões, de modo a restar aos
cidadãos unicamente confiar na busca de uma justiça à qual não se dá sentido. A legitimidade
preconizada pelo Banco Mundial, desse modo, está relacionada à confiança dos cidadãos na
prestação dos serviços públicos pelo Estado, como uma política de resultados, alinhando-se à
lógica de mercado neoliberal.
Cumpre ressaltar que o Banco Mundial, por meio do RDM 2017, tratou da
legitimidade da atuação estatal, compreendendo a esfera administrativa, legislativa e
jurisdicional. Relacionando a compreensão de legitimidade exposta no RDM 2017 e aquela
pautada por Weber, é possível inferir que ambas as compreensões se tangenciam em alguns
pontos, na medida em que o Banco Mundial defende uma legitimidade pautada na crença do
poder pela autoridade que a exerce. Ou seja, trata-se da mesma concepção de dominação
racional defendida por Weber, segundo a qual, a autoridade pratica atos que são legítimos
pelo fato, simplesmente, de haver uma suposta confiança dos dominados.
Analisada, portanto, a concepção de legitimidade coerente com o modelo
constitucional de processo (subcapítulo 3.2.2) e a perspectiva de legitimidade desenvolvida
91
pelo Banco Mundial (que tem atendido à ideologia neoliberal), cumpre avançar para a análise
da atuação do Estado no exercício da função jurisdicional. O Judiciário, que exerce uma das
funções do Estado, deve se pautar na defesa dos direitos, a partir da observância às garantias
fundamentais, o que se faz pela única via do processo democrático. É importante que se
verifique, diante disso, se a jurisdição tem se prestado a garantir direitos fundamentais ou se,
ao contrário, tem servido de suporte para a implementação de medidas de exceção.
3.3 Jurisdição: legitimadora do Estado de Direito ou do Estado de Exceção?
Conforme já exposto no subcapítulo 3.1, há um contexto de crise, que vem sendo
declamado, sobretudo, pelos defensores da ordem neoliberal, a fim de promover reformas
estatais. Assim, o neoliberalismo vem pautando um nova forma de governar, em que o Estado
tem servido de arcabouço para implementação de medidas articuladoras dos interesses do
mercado. Diante disso, faz-se necessário verificar de que modo o exercício da jurisdição tem
se pronunciado em vista da ideologia neoliberal, que vem ditando seus próprios direitos
fundamentais segundo a lógica do capital. Essa articulação entre jurisdição e mercado tem
sido introjetada, sobretudo, na formação das decisões jurisdicionais. Assim, faz-se imperioso
averiguar de que modo a jurisdição tem contribuído para o fortalecimento (ou não) do Estado
de Direito.
É relevante considerar que o exercício da jurisdição pode se dar pelo Estado, a quem é
atribuída essa função. No entanto, a jurisdição não é exclusiva do Estado, já que existem
formas extrajudiciais de resolução de controvérsias (a exemplo da arbitragem, da conciliação
e da mediação), bem como abriu-se necessário espaço para pautar o avanço dos diálogos
interinstitucionais41, como forma de redução da judicialização e da litigância. Não bastassem
essas alternativas de desjudicialização, ainda existem novos modelos de regulação, que fogem
da apreciação da jurisdição estatal42. Assim, considerando que não há mais o monopólio
estatal da jurisdição, Bolzan de Morais e Moura explicam:
A perda da centralidade do ente estatal para produzir e aplicar o direito, em
41 De acordo com Godoy, os diálogos interinstitucionais devem servir como um modelo democrático de debate
entre instituições, de modo a promover políticas públicas ou visando a solucionar conflitos, observando-se as
previsões normativas. Sustenta-se ainda que os diálogos interinstitucionais devem promover uma
dinamicidade e não estancar o exercício das funções estatais, a fim de se obter a necessária dialogicidade entre
as instituições e os sujeitos interessados. Busca-se, assim, promover uma interação colaborativa entre as
partes, que venha corroborar para uma perspectiva de legitimidade pela participação de todos os interessados,
que influenciarão na formação da decisão final (GODOY, 2015). 42 Para aprofundamento, verificar obra O Fim do Estado de Direito, de Benoit Frydman.
92
decorrência da globalização […] abre o espaço para procedimentos jurisdicionais
alternativos como um meio de alcançar maior celeridade na solução dos litígios.
Concomitantemente, surgem novas categorias de direitos e de sujeitos jurídicos,
coletivos, individuais, homogêneos e difusos que complexizam ainda mais o quadro.
(BOLZAN DE MORAIS; MOURA, 2017, p. 180).
Importante destacar que, na presente pesquisa, optou-se pela análise da jurisdição
enquanto função estatal, a fim de que se possa averiguar o contexto eficientista pautado no
CPC/15, que inseriu a eficiência como norma fundamental do processo e critério
hermenêutico para aplicação do ordenamento jurídico pelos juízes (art. 8o, CPC/15), o que
será munidenciado no subcapítulo 6.3. Por essa razão, a análise da jurisdição limitar-se-á à
perspectiva de exercício da função jurisdicional pelo Estado, a fim de que haja uma
delimitação da temática em termos metodológicos.
Partindo da análise fulcrada na Teoria do Estado, tem-se que o Estado exerce a
soberania que lhe é outorgada pelo povo, a partir do exercício das funções executiva,
legislativa e judisicional (GONÇALVES, 1992). A partir desse pressuposto, Baracho afima
que a jurisdição é atividade estatal, por meio da qual há aplicação do direito aos fatos
(BARACHO, 1984). Essa função é impositiva de emissão de um provimento pelos órgãos
jurisdicionais, pela atuação em contraditório dos sujeitos processuais. Há, portanto, uma
relação entre o estudo da jurisdição e do processo, já que este se mostra como única via de
estruturação do exercício da atividade jurisdicional (FAZZALARI, 1992)43.
Andolina e Vignera colocam a jurisdição como função do Estado para a realização do
processo, nos moldes estatuídos pelos princípios e normas previstos na Constituição, para
proteção dos direitos subjetivos, a partir de um modelo unitário de garantias constitucionais.
Assim, afirmam que "as normas e princípios constitucionais relativos ao exercício da função
jurisdicional, se considerados em sua inteireza, permitem ao intérprete traçar um verdadeiro
esquema geral de julgamento, capaz de formar o objeto de uma exposição unitária" 44
(ANDOLINA; VIGNERA, 1997, p. 7, tradução nossa). Portanto, no exercício da atividade
43 Elio Fazzalari aborda suscintamente a jurisdição, reconhecendo-a como função do Estado e, nesse sentido,
aduz: "esta atividade de conhecimento dos pressupostos do provimento jurisdicional, isto é, a atividade por
meio da qual o juiz verifica que ocorrem, no caso concreto, as circunstâncias em presença das quais deve ser
acionada a norma que lhe impõe o dever de emanar aquele provimento, é longa, fatigosa e custosa; dela
participam não somente o juiz, mas também seus auxiliares, e, sobretudo, os sujeitos em cuja esfera jurídica a
medida jurisdicional emanada é destinada a incidir em contradição entre eles." (FAZZALARI, 2006, p. 138).
O autor faz uma relação entre a jurisdição e o processo e, assim, pontua: "o estudo da jurisdição (e da
jurisdição civil) deve basear-se sobre o processo. O processo é a única estrutura na qual, e em virtude da qual,
os vários aspectos daquela atividade fundamental podem ser ordenados de modo coerente." (FAZZALARI,
2006, p. 139). 44 Le norme ed o principi costituzionali riguardanti l'eesercizio della funzione giurisdicionale, se considerati
nella loro completassità, consentono all'interprete di disegnare un vero e proprio schame generale do processo,
suscettibili di formare l'oggeto di una esposizione unitaria.
93
jurisdicional, o modelo constitucional de processo, como base principiológica, serve de
diretriz estrutural para a formação dos provimentos jurisdicionais.
A CRFB/88, em seu Título II, que trata dos direitos e garantias fundamentais, estatui o
amplo acesso à jurisdição às pessoas físicas e jurídicas, para a persecução de seus direitos (art.
5º, XXXV, CRFB/88). Infere-se, portanto, que "a jurisdição é direito fundamental de qualquer
pessoa, por força de declaração normativa expressa no texto da Constituição [...]. Mas, a
fruição deste direito se dá pela garantia fundamental do processo constitucional" (BRÊTAS,
2018, p. 90).
A jurisdição, além de função do Estado, apresenta-se como direito fundamental. O
acesso à jurisdição se dá pela garantia fundamental do processo, enquanto metodologia de
salvaguarda de direitos fundamentais (BARACHO, 2006).
Observando as características do modelo constitucional de processo, preceituado por
Andolina e Vignera, o art. 3º do CPC/15 igualmente abarcou a previsão de inafastabilidade do
acesso à jurisdição, colocando ainda a arbitragem, a mediação e a conciliação como métodos
alternativos de solução de controvérsias, que podem ser efetivadas tanto na esfera judicial,
quanto extrajudicial. Assim, não há monopólio da jurisdição pelo Judiciário, já que ampliadas
as formas de resolução de conflitos.
Em uma concepção de processo democrático, o exercício da função jurisdicional tem
sua legitimidade vincada no proferimento de decisões formuladas a partir do processo
enquanto garantia fundamental. Corroborando a esse entendimento, Nunes enfatiza que a
legitimação do processo se vincula à implementação de dialogicidade em debate
comparticipativo. Dessa forma, “nos regimes democráticos, o processo estrutura, mediante o
debate endoprocessual, a forma e o conteúdo das decisões e, por conseguinte, seu controle,
mediante a implementação técnica de direitos fundamentais em perspectiva dinâmica”
(NUNES, 2008a, p. 211). Ou seja, o processo é diretriz fundamental para que o exercício da
atividade jurisdicional se dê em conformidade com o modelo constitucional de processo.
A eficiência, enquanto princípio constitucional (art. 37, caput, da CRFB/88) e norma
fundamental do processo (art. 8o, CPC/15), foi introjetada no ordenamento jurídico brasileiro,
e as decisões jurisdicionais alicerçadas nessa base principiológica têm sido proferidas sem
perscrutar o acatamento aos direitos e às garantias fundamentais. Em um viés eficientista
voltado à jurisdição, busca-se mormente celeridade, redução de custos e maximização da
riqueza para atendimento dos ditames mercadológicos amparados pela ideologia neoliberal,
que se utiliza de um discurso de observância ao Estado de Direito, para, em verdade, deixá-lo
suspenso, como exceção.
94
E, assim, quando a esfera jurídica é colocada em situação de submissão à esfera
política, na qual a vontade da autoridade se desprende daquilo que foi esculpido pelo Estado
de Direito, produzindo decisões não com base em lei, mas apesar da lei, ou utilizando-se de
fissuras deixadas (estrategicamente) no ordenamento jurídico, tem-se a hipótese de exceção.
Importa analisar o Estado de Exceção nas perspectivas tratadas por Carl Schmitt e
Giorgio Agamben. Segundo Barros, “Schmitt foi o filósofo do século XX que anteviu a nova
ordem global, que relativiza inclusive as noções de soberania estatal” (BARROS, 2011, p.
99). Em sua obra Teologia Política (1922), aponta que “soberano é aquele que decide sobre o
estado de exceção”45 (SCHMITT, 2000, p. 23, tradução nossa), ou seja, a exceção é uma
decisão que resulta da vontade do detentor do poder político, a partir de uma alegação de
estado de necessidade.
Esse estado de necessidade, segundo Schmitt (2000), não pode ser precisamente
identificado e nem previsível, não comportando limitação dentro do Estado de Direito).
Segundo Marramao (2012), a soberania propugnada por Schmitt é ilimitada por um sistema
normativo, e, por decisão do próprio soberano, este pode extrapolar o limite da norma.
Schmitt (1992) defendeu que o conceito de Estado se vincula ao conceito de político,
sendo uma unidade normativa e soberana, a quem caberá sempre decidir acerca da
excepcionalidade. O Estado, nessa perspectiva, é alçado a uma concepção totalitária, na qual
há imbricação entre poder e vontade do decisor, com a politização das esferas econômica,
social, cultural e religiosa (BERCOVICI, 2004).
Schmitt defendia uma atuação incisiva, mas não intervencionista, do Estado na
economia, desde que para garantir um planejamento direcionado ao atendimento dos
interesses da classe dominante, incentivando um decisionismo fundamentado na política
econômica. Esse Estado total schmittiano, por óbvio, não se compatibiliza com a democracia
e, em alguma medida, tangencia os ideais neoliberais, o que foi observado por Bercovici:
A incompatibilidade entre democracia e liberalismo e o repúdio ao Estado
Intervencionista mostra, ainda, uma certa convergência entre Schmitt e os
neoliberais radicais, como Friedrich Hayek. Apesar de seus pressupostos
epistemológicos distintos (os neoliberais se orientam para o indivíduo, enquanto
Schmitt é voltado para a exceção), as suas críticas ao Estado Social e ao pluralismo
político são muito parecidas. (BERCOVICI, 2004, p. 105).
Schmitt criticou duramente a democracia, sobretudo, a democracia representativa, ao
argumento de que a eleição, enquanto forma de legitimar essa representação, seria mero
45 Soberano es aquel que decide sobre el estado de excepción.
95
formalismo mascarador de uma realidade. Afirmou, ainda, que o processo de escolha se faz
por uma manipulação autoritária, sendo os escolhidos aqueles detentores do poder econômico,
que agem de acordo com a própria vontade, e não de acordo com a vontade de quem os
elegeu (SERRANO, 2016). Assim, aponta que o Estado deve ser total, de forma que o
soberano decida efetivamente quem é amigo ou inimigo que deve ser combatido. Acerca
dessa concepção, Marramao explica:
A específica distinção política consiste para Schmitt na distinção entre amigo
(Freund) e inimigo (Feind). Essa distinção representa autônomo e irredutível critério
com base no qual “é possível remeter as ações e os motivos políticos. Os dois
correlatos indispensáveis dessa distinção específica são a existencialidade e a
publicidade. Isso implica duas consequências iniludíveis. Em primeiro lugar, os
conceitos de amigo ou inimigo devem assumir-se não como metáforas ou símbolos,
mas em seu significado concreto, existencial. (MARRAMAO, 2012, p. 170).
Schmitt afirma que a soberania somente se implementa no Estado de Exceção, já que,
nesse contexto, a autoridade decide o que for de interesse do Estado, defendendo ainda que a
defesa de direitos individuais e a defesa de cidadania, assim como o Estado de Direito,
limitam a atuação estatal, o que é inadmissível do ponto de vista da defesa de sua soberania
ampla.
Enquanto, no Estado Democrático de Direito, a noção de legitimidade se vincula à
formulação decisória pautada na atuação comparticipada dos sujeitos, que, por meio das
normas (legalidade), limita a atuação do Estado, em Schmitt, a soberania transcende a
concepção política, de modo a imbricar legitimidade e legalidade, que se vinculam à pessoa
do próprio soberano, que é quem decide na posição de Estado. Ou seja, o Estado está acima
da norma, e, conforme Salgado, na apresentação da obra Legalidade e Legitimidade, de
Schmitt:
A existência do Estado está em superioridade com relação a qualquer norma [...], a
decisão o torna desvinculado de qualquer norma e, nesse sentido, é absoluto, pois o
soberano estabelece as condições pelas quais o direito é posto, ou seja, todo
ordenamento, inclusive o direito, funda-se em uma decisão e não em uma norma.
(SALGADO, 2007, p. XXIII).
Há aderência do entendimento exposto por Weber e Schmitt, já que, para ambos, a
legitimidade não está vincada na legalidade e no ordenamento jurídico, mas no decisionismo
do soberano, detentor da dominação e do poder (MARRAMAO, 2012). O soberano, assim,
suspende o ordenamento jurídico do Estado, conforme sua vontade ou conveniência, a partir
de uma decisão política com fundamento em suposta defesa da segurança e da ordem para
96
combate a um eventual inimigo.
Assim, para Schmitt, tanto o Estado, quanto o direito fundamentam-se em uma decisão
política e não em norma, sendo, portanto, oriunda da vontade do detentor do poder. Nesse
sentido, a Constituição seria uma decisão direcionada à formação da unidade política, isto é,
ato de vontade do titular do poder (BERCOVICI, 2004), de modo que a decisão do soberano é
que implementa o próprio direito.
Acerca da formulação proposta por Schmitt, evidencia propositadamente a distinção
entre decisão (que parte da vontade do soberano) e norma (que se subjuga à vontade do
soberano) e, nesse liame, o Estado de Exceção se perfaz com a suspensão da norma por uma
decisão do soberano, que vai eleger um “inimigo” para justificar a medida excepcional e
suspensiva da norma.
O decisionismo, em Schmitt, portanto, traz um procedimento envolto de perigo, na
medida em que não se cogita em fundamento para a formulação decisória, incidindo
fatalmente em uma postura autoritária do Estado. Segundo Machado, “a questão que se coloca
é que a decisão permanece oculta, em um lugar no qual ela não é visível aos olhos humanos”
(MACHADO, 2013, p. 50).
Agamben critica a teoria schmittiana, por entender que a soberania afirmada por
Schmitt é paradoxal, vez que aloca o soberano, concomitantemente, dentro e fora do
ordenamento jurídico. Além disso, afirma:
O caso de exceção torna evidente do modo mais claro a essência da autoridade
estatal. Aqui a decisão se distingue da norma jurídica e (para formular um paradoxo)
a autoridade demonstra que não necessita do direito para criar o direito. A exceção é
mais interessante que o caso normal. (AGAMBEN, 2014, p. 23).
Agamben desenvolve sua teoria da exceção, partindo do iustitium do Direito Romano,
segundo o qual, o Senado se servia do senatus consultum ultimum para pleitear medida de
salvaguarda do Estado, em situação de emergência (tumultus). Assim, proclamava-se o
iustitium, sinônimo de suspensão do direito, a dar azo a uma supressão do ordenamento
jurídico como um esvaziamento, uma zona de anomia, ou seja, um espaço de ausência de
norma. Assim, a norma se afasta para dar lugar à aplicação da exceção, que é prevista no
ordenamento (TELES, 2015, p. 73).
Acerca desse espaço de anomia, Agamben aponta que a exceção se opera em virtude
de força de lei, com o afastamento da própria lei, e assim explicita:
O estado de exceção é um espaço anômico onde o que está em jogo é uma força de
97
lei sem lei (que deveria, portanto, ser escrita: força de lei). Tal força de lei, em que
potência e ato estão separados de modo radical, é certamente algo como um
elemento místico, ou melhor, uma fictio por meio da qual o direito busca se atribuir
sua própria anomia. (AGAMBEN, 2004, p. 60).
Agamben alinha-se ao pensamento de Benjamim, que defende que “a tradição dos
oprimidos nos ensina que o estado de exceção em que vivemos é, na verdade, a regra geral”
(BENJAMIN, 1987, p. 226). Dessa forma, Agamben formula o entendimento de que há um
Estado de Exceção permanente e, não por acaso, busca explicar o conceito de contemporâneo,
que tem uma significação para além do sentido cronológico. Assim, o contemporâneo
vincula-se ao presente, com olhar no passado, sendo “um olhar para o não-vivido no que é
vivido” (AGAMBEN, 2010, p. 19), sendo, portanto, uma avaliação das promessas não
cumpridas do passado. Desse modo, Agamben coloca a contemporaneidade no seguinte
aspecto:
A contemporaneidade, portanto, é uma singular relação com o próprio tempo, que
adere a este e, ao mesmo tempo, dele toma distâncias; mais precisamente, essa é a
relação com o tempo que a este adere através de uma dissociação e um anacronismo.
Aqueles que coincidem muito plenamente com a época, que em todos os aspectos a
esta aderem perfeitamente, não são contemporâneos porque, exatamente por isso,
não conseguem vê-la, não podem manter fixo o olhar sobre ela. (AGAMBEN, 2010,
p. 59).
Logo, quando se fala em democracia contemporânea, está-se a invocar uma promessa
de construção de Estado Democrático que se formulou no pós-segunda guerra, a partir do
neoconstitucionalismo 46 , e que não se concretizou, sendo essa exatamente a visão
contemporânea daquilo que ainda não se implementou, mas que se projetou. Há uma falsa
compreensão, que gera a busca por esclarecimento, que Theodor Adorno e Max Horkheimer
inferem como um conscientizar-se sobre si mesmo, estando no presente, mas como um
prolongamento do passado, que se desconstroi (ADORNO; HORKHEIMER, 1985).
A não implementação democrática é uma realidade, e, na visão de Agamben, o
capitalismo se serve de dispositivos, assim entendidos como “conjunto de práxis, de saberes,
de medidas, de instituições cujo objetivo é gerir, governar, controlar e orientar, num sentido
que se supõe útil, os gestos e os pensamentos dos homens” (AGAMBEN, 2010, p. 39).
Assim, Agamben aponta que o dispositivo é um mecanismo que direciona a atuação
46 De acordo com Cambi, “o neoconstitucionalismo está voltado à realização do Estado Democrático de Direito,
por intermédio da efetivação de direitos fundamentais” (CAMBI, 2016, p. 28). O autor esclarece ainda que “o
neoconstitucionalismo se propõe a supercar o paradigma da validade meramente formal do direito, no qual
bastava ao Estado cumprir o processo legislativo para que a lei viesse a ser expressão juridica. Com isso, o
direito deve ser entendido dentro das respectivas relações de poder, sendo intolerável que, em nome da
vontade do legislador, tudo o que o Estado faça seja considerado legítimo.” (CAMBI, 2016, p. 37).
98
política contemporânea, sendo que orienta, modela e captura os discursos, gerando um
processo de subjetivação, segundo o qual, os sujeitos supostamente livres passam a ser
sujeitados ao poder vigente, havendo, assim, uma sujeição dos indivíduos à política apontada
pelos poderes hegemônicos. O dispositivo é utilizado de forma propositada pela ideologia
capitalista, sobretudo, para a implantação do neoliberalismo como linha mestra para a política
econômica (AGAMBEN, 2010).
Acerca do capitalismo, Agamben afirma que “não seria provavelmente errado definir a
fase extrema do desenvolvimento capitalista que estamos vivendo como uma gigantesca
acumulação e proliferação de dispositivos” (AGAMBEN, 2010, p. 42). O dispositivo,
portanto, sendo mecanismo estratégico formado para conter uma situação de suposta
urgência, manipula os indivíduos de acordo com os jogos de poder e, dessa maneira, enseja a
derrocada de um planejamento anterior, a fim de que se implante um projeto político a atender
interesses econômicos específicos. Essa é a relação que se estabeleceu entre o projeto
democrático formulado no pós-guerra e que não se implementou, em razão da implantação da
ideologia capitalista neoliberal, que fez ruir o ideal democrático, em virtude dos ditames
mercadológicos.
Evidencia-se, nesse sentido, uma situação de contemporaneidade, na qual as
pretensões do passado são vistas no presente como não cumpridas, sendo contemporâneo
“aquele que mantém fixo o olhar no seu tempo, para nele perceber não as luzes, mas o
escuro” (AGAMBEN, 2010, p. 62), significando, essa escuridão, as aporias, as lacunas e as
faltas a que se propôs suprir no passado e que, no presente, ainda permanecem em
obscuridade.
Ao falar-se, portanto, em uma contemporaneidade, na qual não houve a plena
implementação do Estado Democrático de Direito, ante a estratégia capitalista de criar
mecanismo (dispositivo) para contenção de uma suposta emergência, estar-se-ia diante de um
não Estado Democrático de Direito. E, assim, segundo Corval:
A democracia, nessas circunstâncias, se vê desacreditada. É dominada por
mecanismos de exceção invocados para, supostamente ‘salvá-la’. Mas não se trata
de salvamento; antes de sua própria destruição. A democracia se vê operacionalizada
por mecanismos jurídico-constitucionais de exceção, e, por mais estranho que
pareça, é não-democrática: dominadora, racista, excludente dos pobres. (CORVAL,
2009, p. 76).
Mostra-se, o Estado de Exceção, em posição diamentralmente oposta ao Estado de
Direito, sendo uma resposta àquilo que seria uma crise, um inimigo ou um conflito, que
99
justifica a instauração dessa exceção, ainda que esse contexto adverso seja propositadamente
instaurado. Nesse sentido, Agamben explica que “a criação voluntária de um estado de
emergência permanente (ainda que, eventualmente, não declarado no sentido técnico) tornou-
se uma das práticas essenciais dos Estados contemporâneos, inclusive dos chamados
democráticos” (AGAMBEN, 2004, p. 13).
Desse modo, entende-se que as democracias contemporâneas têm servido de máscara
para uma política de exceção como técnica de governo, gerando uma indeterminação da
própria democracia, na medida em que ficam também indiscerníveis as funções estatais
executiva, legislativa e jurisdicional, que passam a se enlear de forma diversa dos limites
previstos na Constituição, dando azo ao voluntarismo, que é o arcabouço (genealogia) do
Estado de Exceção (GOUPY, 2016). Sob um discurso de crise (muitas vezes,
propositadamente implantada), em que esta se apresenta como inimiga a ser combatida,
dentro de uma escolha política, Goupy explica:
Longe de ser um mero correlato dos fatos, partimos da ideia de que o conceito de
um estado de exceção foi construído em um dado momento em resposta a situações
de crise, mas onde o pensamento de que a crise em si já é uma maneira de pensar
sobre certos fenômenos políticos.47 (GOUPY, 2016, p. 299, tradução nossa).
Agamben explica que há utilização também proposital das lacunas deixadas no
ordenamento jurídico, para que, nessas fissuras, sejam alocadas vontades e interesses dos
detentores do poder, instalando-se ali uma exceção. Nesse sentido:
O estado de exceção apresenta-se como a abertura de uma lacuna fictícia no
ordenamento, com o objetivo de salvaguardar a existência da norma e sua
aplicabilidade à situação normal. A lacuna não é interna à lei, mas diz respeito à sua
relação com a realidade, à possibilidade mesma de sua aplicação. É como se o
direito contivesse uma fratura essencial entre o estabelecimento da norma e sua
aplicação e que, em caso extremo, só pudesse ser preenchida pelo estado de exceção,
ou seja, criando-se uma área onde essa aplicação é suspensa, mas onde a lei,
enquanto tal, permanece em vigor. (AGAMBEN, 2004, p. 48-49).
Assim, o Estado de Exceção apresenta-se como uma técnica de governo, sobretudo,
nas democracias contemporâneas, em que se age por meio da utilização das lacunas
intencionalmente deixadas no ordenamento, buscando o atendimento dos interesses da
autoridade em detrimento dos interesses dos sujeitos sociais. Ao não se observar o processo
democrático para a formulação decisória, os atos estatais emanados do exercício de suas
47 Bien loin d'y voir le simple corrélat des faits, nous sommes plutôt partis de l'idée que le concept d'etat
d'exception a été construit à un moment donné en réponse sans doute aux situations de crise, mais où la pensée
de la crise est déjà elle-même une manière de penser certains phénomènes politiques.
100
funções executiva, legislativa ou jurisdicional perdem legitimidade.
No contexto político econômico contemporâneo, as regras têm sido ditadas pelo
capital financeiro, que se utiliza de mecanismos legais para permear o ordenamento jurídico e
direcionar as decisões para o atendimento de seus anseios, ainda que sejam diametralmente
opostos aos anseios da sociedade, o que acaba por deslegitimar o processo democrático. Há,
portanto, uma ruptura, o que se dá por meio de uma violência do Estado, que se utiliza de
mecanismos (dispositivos) estratégicos para atender à lógica capitalista neoliberal. Nessa
medida, Valim explicita:
O neoliberalismo transforma a democracia liberal em uma retórica vazia, sem
correspondência com a realidade social. E é exatamente neste antagonismo, cada vez
mais claro, entre ordem democrática e o neoliberalismo que irrompem os estados de
exceção. [...]
A esta alura já é possível entrever quem é o verdadeiro soberano. Quem
decide sobre a exceção atualmente é o chamado “mercado”, em nome de uma elite
invisível e ilocalizável; é dizer, o soberano na contemporaneidade é o mercado.
(VALIM, 2017, p. 33).
Evidencia-se, portanto, que há atualmente uma soberania do mercado, essencial para a
política econômica neoliberal que se implantou, de forma que o Estado de Exceção tornou-se
regra, afastando o Estado de Direito e implantando a ditadura da vontade do mercado. O
direcionamento decisório estatal, sobretudo, a formulação de decisões jurisdicionais, tem sido
posto a serviço do capital financeiro.
A escolha de um inimigo faz-se premissa para justificar a instauração da exceção. Esse
inimigo pode ser virtual, implantado, criado propositalmente e serve como máscara para um
suposto estado de necessidade. Ou seja, articula-se estrategicamente um inimigo, e, segundo
Valim, “o mercado define os inimigos e o Estado os combate” (VALIM, 2017, p. 36).
No Brasil, um dos inimigos criados pelo Estado, com suporte nos relatórios emitidos
pelo Banco Mundial e pelo FMI, a fim de promover reformas na Administração Pública e no
Judiciário, foi exatamente um discurso de ineficiência, segundo o qual, o Estado não estaria
sendo capaz de decidir com celeridade ensejadora de maximização da riqueza, redução de
custos e aumento dos lucros. Assim, a eficiência foi alçada a princípio constitucional condutor
de uma atuação estatal que veio, desde então, relativizando direitos fundamentais, já que estes
são postos como óbices para o mercado. Nesse sentido, Casara expõe:
O Poder Judiciário [...] deixa de ser o garantidor de direitos fundamentais [...] para
assumir a função política de regulador das expectativas dos consumidores. O direito
deixa de ser um regulador social, transformando em mais um instrumento do
mercado, o cidadão torna-se mero consumidor [...].
101
A pós-democracia induz a produção massificada de decisões judiciais, a
partir do uso de modelos padronizados, chavões argumentativos e discursos de
fundamentação prévia (fundamentações que já existem antes mesmo da tomada de
decisão e que se revelam distanciadas da facticidade inerente ao caso concreto), tudo
como forma de aumentar a produtividade, agradar parcela dos consumidores,
estabilizar o mercado – leia-se: proteger os lucros dos detentores do poder político -,
exercer o controle social da população e facilitar a acumulação. Essa lógica
gerencial e eficientista, que atende a critérios “científicos” (ciência, mais uma vez
como ideologia), contábeis e financeiros, na qual a busca de efeitos adequados à
razão neoliberal afasta qualquer pretensão de a atividade jurídica voltar-se à
realização dos direitos e garantias fundamentais [...]. (CASARA, 2017, p. 42-43).
Assim, a atividade jurisdicional passa a ser avaliada segundo critérios pragmáticos das
decisões formuladas, que devem ser aferidas em razão da repercussão dos custos em que
incidirá. Ou seja, o Judiciário é alvo na ideologia neoliberal, ante a necessidade de que
produza decisões voltadas à lógica do custo-benefício, para atendimento dos interesses do
capital financeiro, afastando-se a observância aos direitos e garantias fundamentais, em
contraposição ao que preconizam as Constituições democráticas. Afasta-se, portanto, dos
preceitos constitucionais para, sob um discurso de crise (inimiga), implantarem-se medidas de
exceção.
Acerca do desvirtuamento do Estado no exercício da função jurisdicional, em uma
perspectiva democrática, Mattei e Nader apontam que “o Poder Judiciário pode tornar-se
instrumento de opressão quando se submete ao poder político a tal ponto que renuncia a sua
função de proteger direitos” (MATTEI; NADER, 2013, p. 247), e, havendo renúncia estatal à
função assecuratória de direitos e garantias fundamentais, sob o pretexto de busca de
eficiência para atendimento do mercado e busca de (pseudo) desenvolvimento, burla-se o
Estado de Direito.
Há, portanto, um contexto contemporâneo de exceção permanente, que invoca um
decisionismo emergencial, de modo a adaptar o ordenamento jurídico às exigências do capital
financeiro, flexibilizando (e até extirpando) a soberania popular (BERCOVICI, 2004). O
discurso do Banco Mundial e do FMI aponta para inimigos escolhidos de forma estratégica, a
exemplo da ineficiência estatal, vista como óbice ao desenvolvimento e que vem introjetar
alterações no ordenamento jurídico com afastamento de direitos e garantias fundamentais.
Bercovici explica:
Os poderes discricionários do Executivo são mais plausíveis, especialmente, para os
países dependentes de decisões do Fundo Monetário Internacional e da Organização
Mundial do Comércio, que constituem poderes de exceção sem qualquer
contrapartida. As pressões internas e externas para a execução de políticas
neoliberais só fazem perpetuar a dependência dos poderes econômicos de
emergência. [...]
102
O estado de exceção está se espalhando por toda a parte, tendendo a
coincidir com o ordenamento normal, no qual, novamente, torna tudo possível. [...]
O estado de exceção está se tornando uma estrutura jurídico-política permanente e o
paradigma dominante de governo na política contemporânea, com a ameaça de
dissolução do Estado. Para Agamben, é o anúncio do novo nomos da Terra, que
tenderá a se espalhar por todo o planeta. (BERCOVICI, 2004, p. 179-180).
O Estado Democrático de Direito, embora venha a ser colocado como diretriz, no art.
1o da CRFB/88, não tem sido efetivamente implementado, na medida em que há um
direcionamento estatal voltado ao cumprimento de alinhamentos neoliberais. A jurisdição, por
sua vez, tem sido utilizada para o atendimento dos anseios mercadológicos, sobretudo,
quando, a partir do processo, são proferidas decisões massificadas, com pleito eminentemente
eficientista, nas quais a fundamentação não se alinha à comparticipação dos sujeitos
processuais na construção decisória.
Nesse sentido, as decisões são voltadas à maximização da riqueza e à previsibilidade,
com aplicação dos precedentes e súmulas vinculantes, sem efetivamente perquirir acerca do
caso concreto. Julgam-se teses, e não casos, o que esfacela a participação dos sujeitos
processuais na formação da decisão, em absoluta contraposição aos princípios constitucionais
fundamentais. Nesse sentido, Nunes e Viana explicam:
O papel que os precedentes dos tribunais desempenham, especialmente quando se
percebe, de um lado, decisões que flexibilizam as normas com fins utilitários, e, de
outro, a formação e o uso generalizante das decisões (despregada dos casos)
mediante formação de modelos decisórios com pretensão de fechamentos
argumentativos, como se o pronunciamento judicial colocasse uma pedra sobre o
assunto”. (NUNES; VIANA, 2018, p. 9).
Ao se criar uma esfera de inobservância das garantias fundamentais para a formulação
decisória, cria-se uma jurisdição que atua em regime de exceção, com suspensão dos
princípios caros ao modelo constitucional de processo: contraditório dinâmico, ampla
argumentação, imparcialidade e fundamentação racional das decisões. Esse contexto leva,
portanto, a um Estado de Exceção, e Ramiro explica que, para Agamben, “a configuração da
exceção se dá, por meio da exclusão, em especial, dos direitos e garantias fundamentais e,
também, por meio da suspensão total do ordenamento jurídico” (RAMIRO, 2016, p. 30).
Desse modo, o Estado de Direito tem servido de simulacro para uma estrutura de
exceção, que dá contornos de normalidade à própria concepção democrática, sendo, portanto,
uma exclusão includente, segundo Agamben (2004). A exceção gera uma imbricação entre o
político e o jurídico, sobretudo, quando se invoca a existência de crise, a fim de se instalar
alguma orientação neoliberal. Essa atuação se dá por meio da violência da exceção,
103
amoldando-se, paradoxalmente, à estrutura do próprio Estado Democrático de Direito.
Desse modo, cumpre analisar de que forma a eficiência foi introduzida no
ordenamento jurídico brasileiro, a partir da CRFB/88, o que implicou em sua disseminação
por meio de ajustes estruturais pautados pela ordem neoliberal.
105
4 OS FUNDAMENTOS DA EFICIÊNCIA NO BRASIL
Considerando-se que a Constituição é a base sobre a qual se funda o modelo
constitucional de processo, adotado na presente pesquisa como marco teórico, não se pode
olvidar a análise da eficiência e sua configuração dentro CRFB/88.
Elaborou-se a CRFB/88 voltada ao atendimento dos anseios de uma sociedade que
acabava de se desvincular de um regime ditatorial e que, por isso, alicerçava-se no ideário de
desenvolvimento social, assim como propugnava por uma construção democrática 48 . No
entanto, sincronicamente, o cenário mundial já irrompia para a implantação do neoliberalismo
eficientista, enquanto ideologia direcionada a privilegiar a liberdade mercadológica, a
desregulamentação, bem como visava a colocar o Estado como coadjuvante, o que veio
demandar reformas estruturais na Administração Pública, enquanto núcleo estratégico, para
oportunizar um gerenciamento (management) de resultados.
4.1 A introjeção da eficiência para fixação da matriz neoliberal: a EC n. 19/98 e a nova
racionalidade da Administração Pública gerencial
Conforme já exposto no subcapítulo 2.5 desta pesquisa, a década de 1980 foi marcada
pelo avanço da ideologia neoliberal, sobretudo, ante a hegemonia dos Estados Unidos e da
Inglaterra49. Nesse sentido, a Administração Pública dos Estados passou a ser vista como
ineficiente, burocrática e desalinhada dos preceitos do mercado, o que corroborou para o
desenvolvimento da new public management (nova Administração Pública). Nesse sentido,
analisando como essa configuração se deu no Brasil:
48 De acordo com Clark, “a Constituição da República de 1988 foi construída diante de uma realidade histórica
peculiar, quando saímos de um processo autoritário – vale dizer, da ditadura civil/militar de 1964 – para a
construção democrática de um projeto constitucional centrado na dignidade humana e na afirmação dos
direitos socioeconômicos. A normatividade da Constituição de 1988 é fruto de um complexo e rico processo
de acontecimentos políticos, sociais e econômicos” (CLARK, 2017, p. 679). Em nota explicativa (nota n. 1),
Clark ainda acentua que “a ditadura de 1964 foi um dos regimes mais autoritários e violentos da América
Latina, talvez por essa razão, historicamente, vários setores impedem e resistem que sejam abertos os arquivos
da época e apurados todos os fatos. Por isso, sobretudo, temos um processo de reconstrução democrática
limitado pelas forças conservadoras e apoiadoras da ditadura (grupos econômicos e políticos).” (CLARK,
2017, p. 679). 49 Segundo Abrucio, “a Grã-Bretanha foi o laboratório das técnicas gerenciais aplicadas ao setor público. Mesmo
assim, apesar de começar seu período hegemônico no governo Thatcher, o managerialism tem seu ponto de
partida do outro lado do Atlântico, nos Estados Unidos do século XIX [...]. Ali fundava-se o debate entre a
Public Service orientation e a Public Management orientation que norteou grande parte da discussão da
administração pública norte-americana neste século [...]. Isto é, de tempos em tempos, propunham-se as mais
diversas técnicas gerenciais como solução para os problemas do setor público, em contraposição às soluções
de cunho mais weberiano ou segundo uma expressão mais utilizada nos EUA, de medidas ligadas à
progressivism public administration.” (ABRUCIO, 1998, p. 179-180).
106
Entre nós, o equivalente ao New Public Management ou à Nova Gestão Pública é a
AP Gerencial, a qual se caracteriza pela utilização intensa das práticas gerenciais
com ênfase na eficácia, sem, contudo, perder de vista a função eminentemente
pública do aparelho estatal. A AP Gerencial tem como característica central agilizar
as funções de planejar, organizar, liderar, controlar e coordenar. Não se trata,
portanto, de criar (mais) um (novo) monstro burocrático e depois ter que alimentá-
lo.
Os pontos fortes da AP gerencial são: a descentralização, a delegação de
autoridade, um rígido controle sobre o desempenho, aferido mediante indicadores
acordados e definidos antecipadamente, considerando o indivíduo, em termos
econômicos, como consumidor ou usuário, e em termos políticos, como cidadão. A
AP gerencial contribui para implementar mudanças que explicitem melhor os
mecanismos de responsabilização (accountability) por parte dos agentes estatais, a
fim de assegurar o atendimento às necessidades dos cidadãos e mais escrúpulo no
trato da res publica. (GIACOMO, 2005, p. 161).
Esse fenômeno organizacional da new public management tinha o condão de
reorganizar o setor público tanto em nível estrutural, quanto realizar uma revisão dos fluxos
procedimentais e da forma de atuação dos servidores. Com isso, buscou-se uma gestão
orientada à inovação tecnológica e à redução de custos, de maneira que o setor público se
tornasse gerencialmente similar às empresas do setor privado, com fito no aumento da
eficiência.
A visão, portanto, voltou-se ao aumento de controles financeiros, monitoramento do
desempenho, fixação de metas e avaliação de resultados, ênfase na celeridade, adoção de uma
relação prestador de serviço/consumidor direcionada para o mercado e orientada para o
cliente (FERLIE et al, 1999). Nesse sentido, o papel do Estado desloca-se de uma base
provedora e assistencialista para um nível empreendedor, no qual os recursos disponíveis
deveriam servir para maximizar a produtividade e a eficiência, assim como para definir os
riscos e limitá-los (OSBORNE; GAEBLER, 1994), na medida em que o mercado exige
previsibilidade e efetiva redução de riscos, visando a aumentar a credibilidade e,
consequentemente, as margens de lucro pretendidas.
As reformas dos Estados, assim, devem pretender um empreendedorismo compatível
com a liberalização do comércio para ganho abrangente de eficiência (HAGGARD;
KAUFMAN, 1993). Portanto, sob a ótica do gerencialismo proposto pelo new public
management, a busca pela eficiência é o ponto central, assim como a evidente ruptura com o
modelo burocrático weberiano, pautado em organização e estruturas rígidas, centralizadas,
com estrito cumprimento de procedimentos previstos em normativos (ABRUCIO, 1998).
Nesse sentido:
A busca, no plano da macro-gestão pública, de eficiência, qualificada, singelamente,
como o pleno atingimento das metas definidas para a realização de sua missão
107
social, ao menor custo possível, insere-se dentro de qualquer discurso “oficial”,
independentemente da ideologia (ou ideologias) dominante(s).
O aspecto fundacional, no plano ideológico NPM, de que a prestação de
serviços públicos deve se submeter, no limite máximo possível, à lógica de mercado,
ou seja, da livre-iniciativa, encerra e consagra, dogmaticamente, a tese de que o
mercado é o local ótimo [maximizador de resultados] para a alocação do conjunto de
recursos públicos, ou seja, é o meio mais eficiente para se atingir os fins públicos
desejados. (BUGARIN, 2001, p. 44).
No Brasil, a empreitada neoliberal de reforma do Estado com fito eficientista iniciou-
se na década de 1990, a partir do governo de Fernando Collor de Mello (1990-1992), que
implementou algumas privatizações, o qual foi interrompido, assumindo, o vice, Itamar
Franco (1992-1994)50. A partir do governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2003), a
reforma do Estado tornou-se pauta prioritária, e houve a criação do Ministério da
Administração e Reforma do Estado (MARE), assumido por Bresser Pereira, com o firme
intuito de implementar eficiência à gestão estatal.
Conforme enfatizou, Bresser Pereira, o novo papel do Estado, após a globalização, é o
de “facilitar que a economia nacional se torne internacionalmente competitiva” (BRESSER
PEREIRA, 1998, p. 237). Nesse sentido, o Projeto de Emenda Constitucional n. 173/95,
apresentado para fins de operacionalização de uma reforma da Administração Pública, foi
aprovado e deu ensejo à Emenda Constitucional n. 19/98, que incluiu normas a serem
observadas pelos gestores estatais.
Assim, a eficiência foi erigida a princípio constitucional da Administração Pública,
nos termos do art. 37, caput, da CRFB/8851. É relevante a inclusão da eficiência no artigo
50 Conforme explica Carinhato, “malogrado seu plano econômico Brasil Novo (Plano Collor), a viragem
econômica estava embasada no pensamento neoliberal e consistia na reorientação do desenvolvimento
brasileiro e na redefinição do papel do Estado. Seu discurso, que mais tarde seria apropriado pelos seus
sucessores, dizia promover a passagem de um capitalismo tutelado pelo Estado para um capitalismo moderno,
baseado na eficiência e competitividade. Numa frase, tratava-se de idéias apregoadas por parte dos políticos e
da burguesia, acerca da necessidade do país de um ‘choque de capitalismo’. Vendo seu plano econômico não
apresentar o desempenho imaginado, o regime de alta inflação ser mantido, Collor ainda teve seu nome ligado
à corrupção, fato este que o levou a ser retirado da presidência e assim ter postergado por algum tempo a
entrada definitiva do Neoliberalismo no Brasil. Concluído o processo de impeachment, o vice-presidente
Itamar Franco assumiu o posto para completar os dois últimos anos restantes daquele mandato. Suas principais
orientações eram resgatar a ética na política e preparar o país para implantação de um novo plano de
estabilização. Esta nova tentativa foi idealizada por um grupo de economistas comandados pelo então Ministro
da Fazendo, Fernando Henrique Cardoso. Sua tese era baseada na necessidade de uma ‘liberalização’ das
travas corporativas, que bloqueavam o surgimento de um empresariado dinâmico. O sucesso de sua estratégia,
o Plano Real, o levou a vencer as eleições em 1994 e dar prosseguimento em seu projeto. Este plano faz parte
de uma série de medidas que visavam a estabilização monetária e o fim de um duradouro regime de
hiperinflação. Como é sabido, todos os planos de estabilização adotados nos últimos anos no continente latino-
americano são da mesma ordem do Consenso de Washington. Este na realidade organizou um plano único de
ajustamento das economias periferias, chanceladas por órgãos supranacionais como FMI E Banco Mundial.”
(CARINHATO, 2008, p. 39-40). 51 Cumpre especificar o iter percorrido pela PEC 173/95, na medida em que faz-se relevante observar que o
próposito inicial era a inclusão do princípio denominado qualidade do serviço prestado e que, ao final, foi
108
mencionado, na medida em que isso representa uma nova forma de gestão esperada para a
Administração Pública, pautada em uma racionalidade vincada em economicidade52, na qual
há a necessidade de aferição dos recursos econômicos e a melhor relação que se pode
determinar dos processos produtivos. Nesse sentido:
O gestor público deve, por meio de um comportamento ativo, criativo e
desburocratizante, “tornar possível, de um lado, a eficiência por parte do servidor, e
a economicidade como resultado das atividades”, impondo-se “o exame das relações
custo/benefício nos processos administrativos que levam a decisões, especialmente
as de maior amplitude, a fim de se aquilatar a economicidade da escolha entre os
diversos caminhos propostos para a solução do problema, para a implementação da
decisão”.
[…]
Princípio da eficiência no plano da recente “reforma administrativa
federal”, exsurge que a nova configuração da Administração Pública leva-a a passar
dos modelos burocráticos aos gerenciais. (BUGARIN, 2001, p. 45-47).
A eficiência, alçada a princípio da Administração Pública, passa a impor um modelo
de gestão arrojado, no sentido da desburocratização voltada à abertura decisional, também em
termos de gestão estratégica dirigida a metas, resultados e aferição do melhor custo-benefício.
Além disso, a eficiência foi colocada no patamar de princípio superior, direcionador dos
demais princípios, a fim de se perseguir uma estrutura de Estado gerencial:
O Princípio da Eficiência Administrativa, que foi inserido no art. 37 da Constituição
da República por meio do poder constituinte derivado, e que foi decorrência de uma
reforma administrativa de caráter eminentemente ‘gerencial’, tornou-se não apenas
alterado para princípio da eficiência, sem que houvesse submissão do novo texto à análise da Câmara Federal.
Nesse sentido, Egon Bockmann Moreira vem explicar: “a intenção da Reforma Administrativa inicialmente
tomou substância na Proposta de Emenda Constitucional/PEC 173/1995, encaminhada pelo Poder Executivo
ao Congresso Nacional. A PEC 173 foi rejeitada quase que integralmente pela Comissão de Constituição e
Justiça da Câmara dos Deputados. Desse fato derivou a instalação da Comissão Especial, cujo relator lavrou
nova redação à PEC, em certos aspectos ampliativa das teses do Poder Executivo. A nova redação do Projeto
de Emenda inseriu no caput do art. 37 um princípio denominado de qualidade do serviço prestado. […] Esse
princípio não sobreviveu, pois a redação final da Emenda Constitucional 19/1998 suprimiu-o e o substituiu
pelo mais genérico princípio da eficiência. Este princípio foi inserido apenas quando do debate no Senado
Federal, através da Emenda de Plenário 8 (em momento algum o princípio foi submetido à apreciação da
Câmara Federal). Assim, deu-se a inserção do princípio da eficiência no caput do art. 37 da CF, como diretriz
da Administração Pública (EC 19/98, art. 3o) – tal como se fosse possível alterar instantaneamente os
parâmetros da ação administrativa […]. A Emenda Constitucional 19/1998 pretendeu imputar normativamente
à Administração Pública o cumprimento de uma máxima não jurídica, típica da Administração e da Economia,
que se refere basicamente ao desempenho de entes privados. Para tais ciências o conceito do termo
“eficiência” pertence à relação entre trabalho, tempo, investimento e resultado lucrativo obtido em
determinada ação empresarial; é o vinculo entre custos e produto final.” (MOREIRA, 2017, p. 214-215). 52 Para Washington Albino (2003), a economicidade deve servir de diretriz para implementação dos preceitos
constitucionais, de modo a se implemetar justiça social, a partir da valorização do trabalho e da livre
concorrência, direcionadas à defesa da soberania nacional, busca de pleno emprego e estímulo ao crescimento
das empresas nacionais, dentro outros princípios liberais e socializantes. E, assim, Washington Albino formula
que “o termo economicidade […] significa a medida do ‘econômico’ segundo a ‘linha de maior vantagem’ na
busca da justiça. Essa medida é determinada pela ‘valoração jurídica’ atribuída, pela Constituição, ao fato de
política econômica, objeto do Direito Econômico.’’ (SOUZA, 2003, p. 30).
109
mais um princípio da administração pública, mas sim, o principal e paradigmático
princípio que acabou por vincular todos os demais, constituindo praticamente uma
perigosa metanorma. O Estado brasileiro passou, a partir de então, a se legitimar em
tal princípio, de sorte que todas as práticas no âmbito da administração pública
passaram a ser pautadas pela lógica da relação custo-benefício eficiente, também
propugnada pela ‘Análise Econômica do Direito. (MARCELINO JUNIOR, 2007, p.
188).
Há que se considerar que a CRFB/88 buscava uma construção democrática, de forma
compromissária, vincada em um ideal de Estado de Bem-Estar Social, preocupado com
dignidade da pessoa humana, redução da pobreza, desenvolvimento social, função social da
propriedade e observância a direitos e garantias fundamentais, enquanto fins previstos
constitucionalmente.
A introjeção da eficiência como princípio constitucional promoveu uma nova
racionalidade, de modo que os fins passaram a permear a esfera econômica, em uma lógica
mercadológica detentora de um discurso em torno de desenvolvimento, que, em verdade, não
se trata de desenvolvimento social, mas de desenvolvimento do mercado, no viés neoliberal
eficientista. Conforme explica, Ferreira, “por detrás do discurso da reforma administrativa,
com foco no modelo gerencial, há uma tentativa de mitigação do apelo às questões
distributivas e às missões sociais do Estado democrático” (FERREIRA, 2017, p. 139-140).
Por uma concepção de Estado Democático de Direito, não se mostra pertinente a
alocação da eficiência em um nível de sobreposição aos direitos fundamentais, enfatizando,
Gabardo, que “não existe eficiência quando não há respeito aos direitos fundamentais
consagrados constitucionalmente, pois ela se descaracteriza separada do seu locus de
determinação” (GABARDO, 2002, p. 20). Infere-se, portanto, que ao se exigir a eficiência,
devem-se preservar direitos e garantias fundamentais, sem os quais a eficiência, por si só,
macula a lógica democrática sobre a qual se pautam os preceitos constitucionais.
Ao contrário disso, Bresser Pereira apontou que a CRFB/88 representou um retrocesso
em termos de Administração Pública, considerando-a, nesse sentido, irrealista, já que não
buscava uma aproximação com o mercado e, por isso, sustentou a necessidade de reforma
(BRESSER PEREIRA, 1998). O que Bresser Pereira buscava, enquanto ministro da fazenda
de um governo voltado à implementação da ideologia neoliberal, era o atendimento aos
ditames do Banco Mundial e do FMI, o que fica evidenciado pelo alinhamento entre o
defendido pelo então ministro e o que determinou o RDM 1991, do Banco Mundial, que
assume claramente essa orientação:
O apoio ao desenvolvimento institucional requer um Estado cujas estruturas e
110
órgãos administrativos sejam bem desenvolvidos e sensíveis às necessidades dos
mercados. Não raro porém, a debilidade política dos países em desenvolvimento se
manifesta na eficiência de suas burocracias. Por si, uma burocracia eficiente não
garante o êxito do desenvolvimento nem pode substituir as forças do mercado.
(BANCO MUNDIAL, 1991, p. 154).
O governo do Brasil, portanto, obediente às determinações do Banco Mundial e do
FMI, tratou de adotar a orientação eficientista, buscando promover ajustes estruturais. Essa
determinação deu ensejo à Emenda Constitucional n. 19/98, que introjetou a eficiência, a qual
passou a servir de base epistemológica e orientação hermenêutica. Gerou-se, portanto, uma
lógica tendente à fixação de critérios discricionários voltados ao atendimento de interesses
específicos, traduzindo-se a reforma administrativa nos seguintes termos:
Define-se como reforma administrativa as mudanças estimuladas pelas elites
políticas nos mecanismos de tomada de decisão do aparelho do Estado que alteram
os critérios tradicionais de formação da burocracia e que introduzem novos
mecanismos contratuais nas organizações públicas.
A questão da tomada de decisão é destacada por considerer-se que as elites
políticas têm como horizonte estratégico a criação de ambiente institucional que
facilite a implementação de escolhas e ofereça sustentabilidade às orientações que
tais elites definem para a economia e para as funções do Estado. (COSTA, 1999, p.
223).
A Administração Pública abarca a gestão do Judiciário, considerado núcleo estratégico
da reforma, na medida em que profere decisões jurisdicionais que impactam em suas
diretrizes negociais, aumentando ou diminuindo os riscos, de modo a repercutir na
credibilidade de suas operações e, assim, na aferição de seus resultados.
Dessa forma, cumpre verificar ainda a reforma do Judiciário, implementada pela
Emenda Constitucional n. 45/04, que coloca a eficiência como meta da jurisdição, o que
corrobora para a fixação da matriz neoliberal.
4.2 A Emenda Constitucional n. 45/04 e a eficiência como meta da jurisdição
O Judiciário veio sofrendo críticas ao longo do anos, sobretudo, no sentido de lentidão
na tramitação processual, falta de transparência na gestão, obsolescência administrativa
voltada à burocratização, dificuldade de acesso dos cidadãos, concentração de litigiosidade de
grandes demandantes (Estado e grandes empresas) e desarticulação institucional, já que o
Judiciário estava às margens das modernizações direcionadas às demais funções estatais.
Essa visão negativa acerca do Judiciário foi compartilhada pelo Banco Mundial, pelo
FMI, pela sociedade e pelo próprio Estado, já que, efetivamente, referida função estatal
111
mostra-se morosa, dispendiosa, havendo necessidade de ajustes e, conforme afirmou, Renault,
secretário da reforma do Judiciário do Ministério da Justiça, “a verdade é que há um certo
consenso, entre os que se ocupam a refletir sobre o tema, de que o Poder Judiciário precisa
passar por uma reforma” (RENAULT, 2005, p. 135).
Assim, em 1992, foi apresentado projeto de emenda constitucional, que deu ensejo à
Emenda Constitucional n. 45, de 2004, trazendo como principais inovações: a) a inclusão do
do inciso LXXVIII ao art. 5o da CRFB/88, que colocou a razoável duração do processo como
direito fundamental; b) criação do CNJ, por meio do art. 103-B da CRFB/88, com o fito de
aumentar o planejamento e o controle do Judiciário, de modo a dar-lhe maior transparência, a
partir da fixação de metas e apresentação de resultados; c) a instituição da súmula vinculante
e da repercussão geral, objetivando gerar eficiência e celeridade ao Judiciário.
A reforma do Judiciário pautou-se não somente no aspecto de ganho de eficiência
econômica, mas também se observou o papel político que o Judiciário passou a exercer, ao
confrontar decisões emanadas pelo Executivo e pelo Legislativo, que buscavam viabilizar a
capilarização da ideologia neoliberal, de modo a alinhar o modelo estatal e processual. A
respeito desse papel político do Judiciário, explicam, Sadek e Arantes:
Desde que foi incorporado à agenda de reformas, o poder Judiciário vem sendo
objeto de intenso debate, não só em função dos aspectos materiais de seu
funcionamento, mas principalmente em função do papel político que tem exercido
na democracia brasileira, em especial o de confrontar decisões dos demais Poderes
de Estado. Esse papel político se viu realçado pelo confronto de dois princípios: de
um lado, o processo de modernização econômica, fortemente marcado pelo
intervencionismo do governo no ordenamento jurídico (notadamente por intermédio
das tão criticadas medidas provisórias); de outro lado, a vigência de uma nova
Constituição, repleta de novos direitos substantivos e garantias processuais
individuais e de ordem coletiva. Nesse contexto, o Judiciário tornou-se palco de
conflitos de grande intensidade, envolvendo setores sociais ou grandes
agrupamentos de indivíduos descontentes ou prejudicados pelas ações do governo.
Junte-se a isso o fato de a Constituição de 1988 ter ampliado sensivelmente as
formas individuais e coletivas de acesso ao Judiciário, entregando-lhe ao mesmo
tempo a difícil missão de zelar pelos direitos constitucionais do cidadão. (SADEK;
ARANTES, 2010, p. 2).
A CRFB/88 trouxe conquistas democráticas, com uma gama de direitos individuais e
sociais, que impuseram ao Judiciário um papel garantidor de efetivação desses direitos, ao
mesmo tempo em que o Executivo e o Legislativo voltavam-se ao atendimento dos interesses
econômicos neoliberais. Assim, se de um lado, buscava-se a proteção dos direitos
fundamentais, de outro, existia pressão para implementação de medidas de desenvolvimento
econômico, por vezes, incompatíveis com a orientação democrática.
Foi a partir dessa divergência, que o Judiciário passou a se colocar dentro de uma
112
esfera de atuação política, ensejando risco aos interesses do mercado e das instituições
financeiras, de modo que houve, então, enorme interesse em buscar formas de controle e
fiscalização do Judiciário, o que corroborou para a criação do CNJ. De acordo com Sinhoretto
e Almeida:
Isto impactou o rumo dos debates e o resultado final da reforma, que se distanciou
da preocupação com os direitos civis e se aproximou de discussões sobre a
eficiência econômica do Judiciário, como a centralização da gestão judicial, a
criação de órgão de controle externo e a ampliação do controle concentrado de
constitucionalidade. […]
O discurso dominante sobre Judiciário e economia sustenta que a ausência
de segurança jurídica e previsibilidade do ordenamento jurídico no Brasil afeta o
desenvolvimento econômico do País. De acordo com esse diagnóstico, a ausência de
coordenação administrativa e jurisprudencial do Judiciário representa obstáculos
para a ampliação do mercado de crédito e atração de investimentos estrangeiros no
Brasil. (SINHORETTO; ALMEIDA, 2013, p. 203).
Logo, a reforma do Judiciário, que vinha agregada a um discurso de democratização,
acesso à justiça, celeridade, implantação de gestão empreendedora e modernização
administrativa, foi permeada pelo viés eficientista, a fim de gerar confiança para abertura e
ampliação do mercado e dos investimentos internacionais. Essa orientação ficou evidenciada
como alinhamento indiscutível do Estado, tanto no Executivo, quanto no Legislativo e no
Judiciário, conforme se verifica pelo discurso proferido pelo ministro do Supremo Tribunal
Federal (STF) Gilmar Mendes, na conferência da Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE), quando tratou da reforma do Judiciário no Brasil:
O mercado é uma instituição jurídica. Apesar das discussões existentes sobre o nível
adequado de regulação jurídica do mercado para que seja mais eficiente, é inegável a
necessidade, mesmo no mais simples dos mercados, de regras que regulem, no
mínimo, a propriedade e a transferência dos bens e as formas de resolução de
conflitos. O tema do desenho institucional e legal é de grande importância para o
adequado funcionamento do mercado. […] A concretização de um Judiciário célere
e eficiente é não apenas um imperativo reclamado pelo preceito constitucional de
efetividade da justiça, mas também um pressuposto para o próprio desenvolvimento
econômico do Brasil. A segurança da resolução célere de conflitos é requisito
necessário para o processo de desenvolvimento e estímulo inegável para
investimentos externos no País. (MENDES, 2009, p. 9-10).
A reforma do Judiciário, assim, serviu de suporte para o desenvolvimento da ideologia
neoliberal, direcionada ao atendimento dos ditames do mercado, ao passo que a celeridade e a
razoável duração do processo, alçadas a direito fundamental, nos termos do art. 5o, LXXVIII,
da CRFB/88, foram maculadas de modo a servir como discurso voltado à eficiência
quantitativa, quando, por coerência, deveriam alocar-se em um plano de efetividade na
113
garantia de direitos fundamentais.
4.2.1 Da celeridade e da razoável duração do processo
A reforma do Judiciário voltou-se, portanto, a ajustes para celeridade e aumento de
produtividade, buscando implementar eficiência quantitativa. Nesse sentido, houve a inserção
do inciso LXXVIII ao art. 5o da CRFB/88, que dispõe: “a todos, no âmbito judicial e
administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a
celeridade de sua tramitação” (BRASIL, 1988).
Assim, a razoável duração do processo foi erigida a direito fundamental, o que se
compatibiliza com a democraticidade e o acesso à justiça preconizados pelo Estado
Democrático de Direito. A razoável duração do processo, antes mesmo de ser evidenciada no
art. 5o, LXXVIII, da CRFB/88, já era prevista no Pacto de São José da Costa Rica (art. 8o,
1)53.
Tavares (2006) explica que o tempo vincula as concepções de celeridade e razoável
duração, exigindo uma racionalidade da movimentação processual capaz de conjugar o tempo
e o espaço procedimental. Há, no entanto, que se fazer uma distinção entre razoável duração
do processo e celeridade, na medida em que são usadas, muitas vezes, como sinônimas,
quando não o são.
Assim, Nunes esclarece que processo célere é aquele sem dilações indevidas e “que
termina o mais rápido possível na ótica dos números” (NUNES, 2008a, p. 165), sendo a
celeridade, portanto, vinculada diretamente à ótica do tempo cronológico e que se relaciona
com os resultados quantitativos a serem alcançados em termos de eficiência, em uma relação
entre tempo e produtividade.
Assim, para se atingir a celeridade, em uma perspectiva de neoliberalismo processual,
defendeu-se a uniformização decisional e a máxima sumarização da cognição. A razoável
duração do processo, por sua vez, não desprestigia a celeridade, mas impõe observância às
garantias processuais inerentes ao modelo constitucional de processo. Dessa forma, Nunes
acentua:
53 “Artigo 8, item 1. Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo
razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na
apuração de qualquer acusação pena formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou
obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.” (COMISSÃO
INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 1969).
114
Processo democrático não é aquele instrumento formal que aplica o direito com
rapidez máxima, mas, sim, aquela estrutura normativa constitucionalizada que é
dimensionada por todos os princípios constitucionais dinâmicos, como o
contraditório, a ampla defesa, o devido processo constitucional, a celeridade, o
direito ao recurso, a fundamentação racional das decisões, o juízo natural e a
inafastabilidade do controle jurisdicional. (NUNES, 2008a, p. 250).
Barros ressalta ainda a importância entre o tempo do processo (tempo cronológico) e o
tempo no processo (tempo kairológico), na medida em que o processo requer uma sequência
de atos procedimentais praticados em contraditório, que demandam lapso de tempo
cronológico. No entanto, há que se observar o tempo no processo, que é o que se vincula ao
tempo demandado com observância da base principiológica constitucional de garantias
fundamentais (BARROS, 2013). E, desse modo, Barros ainda enfatiza:
A tentativa de redução de complexidade do processo por meio de um discurso de
efetividade neoliberal [...] passa a exigir das partes e do juiz uma rapidez e fluidez
que segue a flecha do tempo em um sentido único, desconsiderando a relatividade
do tempo de reflexão, necessário para que se volte ao passado que se discute e se
reconstrói no processo.
Não são apenas as partes que são contaminadas pelo discurso da eficiência,
celeridade, de uma sequencia temporal que não leva em conta o tempo devido, mas
também a decisão deve se pautar por um tempo kairológico. (BARROS, 2013, p.
53).
Seguindo ainda essa orientação de tempo kairológico, segundo a qual, a duração
razoável do processo deve se alinhar ao tempo do devido processo constitucional, Coutinho
explica:
A correta discussão a respeito da razoabilidade da duração não está ligada à busca de
artifícios que permitam um julgamento em um menor espaço de tempo, mas sim à
busca de processos que sejam configurados de forma a permitir que os direitos
fundamentais processuais sejam exercidos de maneira harmônica e uníssona, nos
termos previstos pelo modelo constitucional. (COUTINHO, 2014, p. 17).
Assim, mostra-se, de fato, relevante diferenciar a dimensão de tempo que se quer
referir, ao tratar celeridade e razoável duração do processo, na medida em que o processo não
se limita a dar repostas aos jurisdicionados, a fim de que haja uma demanda a menos, mas
deve se preocupar em obter uma construção decisória comparticipada, em que sejam
observadas as garantias de contraditório dinâmico, ampla argumentação, imparcialidade e
fundamentação racional das decisões, para que haja, de fato, observância ao preceituado pelo
Estado Democrático de Direito.
Brêtas afirma que o direito fundamental à jurisdição exige que o Estado exerça a
atividade dentro de um prazo razoável e destaca a importância de se eliminarem os tempos de
115
inatividade procedimental, os quais chama de etapas mortas, exigindo, portanto, que os atos
sejam praticados pelo Estado dentro dos prazos fixados, sem dilações descabidas, devendo
haver a eliminação do tempo em que o processo permanece sem tramitação, aguardando a
prática de atos a serem exercidos pelo órgão jurisdicional (BRÊTAS, 2018).
Nesse mesmo sentido, Soares elucida que o Estado também é responsável pelo
cumprimento dos prazos processuais, assim como todos os sujeitos processuais, e que, por
isso, o CPC/15 estabeleceu multas e medidas coercitivas para atitudes contrárias à
tempestividade, sobretudo, em atenção à norma fundamental do processo, disposta no art. 6o,
que prevê o dever de cooperação dos sujeitos processuais, para que a decisão de mérito seja
proferida em tempo razoável (SOARES, 2016).
A redução dos atos processuais em caráter espaço-temporal cronológico para obtenção
de celeridade pode ensejar o proferimento de decisões em que a participação dos sujeitos
processuais não seja efetiva. Nesse caso, a construção decisória excludente aloca, nesse
espaço, “ato judicial-judicante, prolatado por autoridade (autorictas) que guarda o vazio [...]
da lei, vocalizando, de modo solipsista, o conteúdo normativo (potestas) que a própria
consciência lhe ditar, algo bastante diverso da jurisdição comparticipada, regida pelo devido
processo” (MONTEIRO DE BARROS, 2016, p. 262).
Assim, ao se pretender celeridade na tramitação processual, deve-se levar em conta
uma razoável duração, que observe as garantias fundamentais do processo, considerando-se
que o tempo deve obedecer ao modelo constitucional de processo. Ou seja, é o devido
processo que deve reger o tempo, não podendo, o tempo, em seu caráter cronológico,
relativizar o devido processo.
Analisado, portanto, esse ponto de alteração eficientista promovido pela Emenda
Constitucional n. 45/04, cumpre avançar e verificar os objetivos estratégicos que motivaram a
criação do CNJ.
4.2.2 A eficiência para o Conselho Nacional de Justiça: a quantificação como estratégia
precípua
A reforma do Judiciário, implementada por meio da Emenda Constitucional n. 45/04,
criou o CNJ, em 31 de desembro de 2004. Um dos objetivos era a criação de um órgão capaz
de realizar planejamentos estratégicos, fixar metas pretendidas e aferir resultados, a fim de
que, ao final, pudesse se atingir eficiência, com aumento de produtividade, redução de custos
operacionais, dando transparência tanto à gestão administrativa, quanto processual, e, assim,
116
gerando credibilidade a ensejar melhora nas relações negociais mercadológicas. Evidencia-se,
portanto, que a criação do CNJ tem viés estratégico, já que, até então, não havia órgão
responsável pelo controle do Judiciário, e teve apoio do Banco Mundial, que disponibilizou
para tanto, o desenvolvimento de estudos, assessoria e financiamento (SAMPAIO, 2007).
Ou seja, a intenção da criação de um órgão de controle é fator estratégico para ganho
de confiança do mercado, que precisa saber da existência de rédeas e catalisadores (a serem
usados a tempo e modo) para o exercício da atividade jurisdicional, que será avaliada,
fiscalizada, terá sua produtividade medida e sua atuação planejada em conformidade com os
ditames eficientistas.
O CNJ é órgão administrativo do Judiciário, tendo atribuições previstas no art. 103-B,
§4o, da CRFB/88 54 , gozando de autonomia relativa, na medida em que não detém
autossuficiência orçamentária e financeira, vinculando-se, nesse sentido, ao STF. Conforme
explica, Sampaio, “controla-se para dentro o Judiciário por órgão judiciário atípico,
administrativo-político; defende-se para fora a independência orgânica e funcional judiciária”
(SAMPAIO, 2007, p. 264). Ou seja, o CNJ, enquanto órgão de fiscalização, controle e
planejamento, projeta-se para uma atuação interna na própria estrutura do Judiciário, ao
54 “Art. 103-B. O Conselho Nacional de Justiça compõe-se de 15 (quinze) membros com mandato de 2 (dois)
anos, admitida 1 (uma) recondução, sendo:
[…]
§ 4º Compete ao Conselho o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do
cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além de outras atribuições que lhe forem
conferidas pelo Estatuto da Magistratura:
I - zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pelo cumprimento do Estatuto da Magistratura, podendo
expedir atos regulamentares, no âmbito de sua competência, ou recomendar providências;
II - zelar pela observância do art. 37 e apreciar, de ofício ou mediante provocação, a legalidade dos atos
administrativos praticados por membros ou órgãos do Poder Judiciário, podendo desconstituí-los, revê-los ou
fixar prazo para que se adotem as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, sem prejuízo da
competência do Tribunal de Contas da União;
III - receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Poder Judiciário, inclusive contra seus
serviços auxiliares, serventias e órgãos prestadores de serviços notariais e de registro que atuem por delegação
do poder público ou oficializados, sem prejuízo da competência disciplinar e correicional dos tribunais,
podendo avocar processos disciplinares em curso e determinar a remoção, a disponibilidade ou a aposentadoria
com subsídios ou proventos proporcionais ao tempo de serviço e aplicar outras sanções administrativas,
assegurada ampla defesa;
IV - representar ao Ministério Público, no caso de crime contra a administração pública ou de abuso de
autoridade;
V - rever, de ofício ou mediante provocação, os processos disciplinares de juízes e membros de tribunais
julgados há menos de um ano;
VI - elaborar semestralmente relatório estatístico sobre processos e sentenças prolatadas, por unidade da
Federação, nos diferentes órgãos do Poder Judiciário;
VII - elaborar relatório anual, propondo as providências que julgar necessárias, sobre a situação do Poder
Judiciário no País e as atividades do Conselho, o qual deve integrar mensagem do Presidente do Supremo
Tribunal Federal a ser remetida ao Congresso Nacional, por ocasião da abertura da sessão legislativa.”
(BRASIL, 1988).
117
mesmo tempo em que possui discurso voltado à preservação da independência do Judiciário
em sua plenitude.
Em sua composição, trata-se de um órgão de composição híbrida de quinze membros,
entre os quais, nove são magistrados, dois membros de Ministério Público, dois advogados e
dois cidadãos. A heterogeneidade da composição gerou questionamentos acerca da
preservação ou não da independência do Judiciário55, de modo que se argumentava que a
presença do Ministério Público, de advogados e cidadãos poderia ensejar deturpação dos
objetivos do Judiciário, assim como intervenção em suas diretrizes institucionais, com
possibilidade de introjeção de orientações político-partidárias, a comprometerem a
imparcialidade e a independência dos órgãos jurisdicionais.
Houve também argumento em contrário, favorável, portanto, à atuação do CNJ. Nesse
sentido, Sampaio afirma:
A composição heterogênea do colegiado tampouco infringe a independência
judiciária. Em primeiro lugar, porque conta com a maioria oriunda da magistratura.
Depois, porque os demais integrantes ou são originários das funções essenciais à
justiça ou de membros selecionados pelo Congresso. (SAMPAIO, 2007, p. 252).
A competência do CNJ para controle administrativo e financeiro legitima sua atuação
para fins de realizar planejamento estratégico direcionado à estipulação de metas e programas
de avaliação institucional. O aumento da eficiência foi a diretriz que criou essa racionalização
do uso de recursos, com fito de aumento de produtividade, sendo esse o ponto central de
atuação do referido órgão, na medida em que a gestão empreendedora de metas e resultados
foi o que ensejou a sua criação pela Emenda Constitucional n. 45/04.
Então, formulou-se a Resolução n. 70/2009, dispondo sobre o Planejamento
Estratégico do Poder Judiciário Nacional, sendo que, em seu art. 1o, IV, houve o
estabelecimento de objetivos estratégicos, cujo primeiro foi a eficiência operacional56. Dentro
55 Foi proposta a ADI n. 3.367-DF, visando a declarar a inconstitucionalidade do art. 7º da Emenda
Constitucional n. 45/04, que criou o CNJ, em razão do estabelecimento de uma composição heterogênea,
formada por magistrados, membros do Ministério Público, advogados e cidadãos. A ADI n. 3.367-DF foi
julgada improcedente, sob o fundamento de que a composição não relativiza a independência do Judiciário, na
medida em que democratiza a atuação do órgão, eliminando o corporativismo. 56 Cumpre transcrever o art. 1º, da Resolução n. 70/2009:
“Art. 1° Fica instituído o Planejamento Estratégico do Poder Judiciário, consolidado no Plano
EstratégicoNacional consoante do Anexo.
I - desta Resolução, sintetizado nos seguintes componentes:
I - Missão: realizar justiça.
II - Visão: ser reconhecido pela Sociedade como instrumento efetivo de justiça, equidade e paz social.
III - Atributos de Valor Judiciário para a Sociedade: a) credibilidade;b) acessibilidade;c) celeridade;
d) ética;
e) imparcialidade;
118
desse objetivo, estão compreendidas a celeridade da tramitação dos processos administrativos
e judiciais, assim como a gestão otimizada dos custos.
Ou seja, busca-se o atingimento da eficiência, assim entendida como rápida solução
das contendas e redução de custos. Outros pontos foram destacados para compor o
planejamento estratégico, mas, em razão da necessária demarcação metodológica, a presente
pesquisa ater-se-á somente à análise da eficiência.
Conforme previsão contida no art. 6o da Resolução n. 70/09, “o Conselho Nacional de
Justiça coordenará a instituição de indicadores de resultados, metas, projetos e ações de
âmbito nacional” (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2009). Para isso, o CNJ optou
por adotar uma metodologia denominada Balanced Scorecard (BSC), criada por Robert
Kaplan e David Norton, que desenvolve indicadores balanceados de desempenho57.
Sustentam que a metodologia BSC é capaz de se ajustar tanto às instituições privadas,
quanto públicas, de modo a permitir o estabelecimento de estratégias voltadas à limitação de
gastos e atendimento satisfatório dos clientes (KAPLAN; NORTON, 1997). Ou seja, a
metodologia direciona-se a uma visão de gestão estratégica clientelística, não adaptável, em
sua inteireza, à realidade de uma atuação estatal em nível jurisdicional, na qual o exercício da
atividade deve atender a um fator administrativo e, assim, voltado à gestão, mas que tem o
exercício da atividade jurisdicional como principal orientação.
Segundo o entendimento que se defende na presente pesquisa, essa atividade precisa
ser guiada pela concepção de processo como garantia, e, nesse sentido, deve observar os
princípios constitucionais do contraditório, ampla argumentação, imparcialidade e
fundamentação racional das decisões, que não se compatibilizam com metas, mensurações,
indicadores e resultados. As garantias processuais fundamentais devem ser observadas, e não
f) modernidade;
g) probidade:
h) responsabilidade Social e Ambiental;
i) transparência.
IV - 15 (quinze) objetivos estratégicos, distribuídos em 8 (oito) temas:
a) Eficiência Operacional:
Objetivo 1. Garantir a agilidade nos trâmites judiciais e administrativos;
Objetivo 2. Buscar a excelência na gestão de custos operacionais;” (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA,
2009). 57 De acordo com Soares, “a metodologia Balanced Scorecard surgiu pela primeira vez em 1990 num estudo
intitulado ‘Measuring Performance in the Organization of the future’, patrocinado pela empresa suíça KPMG
Internacional junto ao Instituto Nolan Norton. O trabalho foi realizado pelos professores Robert Kaplan, da
Harvard Business School, e David Norton, presidente da Balanced Socorecard Collaborative Inc. […] O
modelo de gestão criado por Kaplan e Norton não é mais do que o conjunto de indicadores (medidas) e
mostradores (gráficos) de um painel de controle de uma instituição. […] Por sua apresentação gráfica de fácil
análise, o conjunto de medidas do BSC permite aos administradores uma rápida e abrangente visualização da
situação do negócio, o que facilita a propositura de medidas para combater os pontos críticos da organização.”
(SOARES, 2017, p. 140-141).
119
há como se fixarem metas e aferirem resultados para processo, entendido como garantia de
direitos fundamentais.
A criação do CNJ deveria se compatibilizar com a orientação contida na CRFB/88,
qual seja, a instituição do Estado Democrático de Direito, com observância a direitos e
garantias fundamentais. Ao contrário disso, o órgão vinculou-se aos ditames mercadológicos
e, assim, cuidou de adotar a metodologia do BSC, sem que houvesse dialogicidade
procedimental na escolha da melhor forma de se realizar um planejamento estratégico
alinhado à necessidade de uma atuação jurisdicional, voltada ao cumprimento de direitos e
garantias fundamentais, que é o preconizado pelo modelo constitucional de processo58.
Em sua estratégia nacional para os anos de 2016 e 2017, foram estipuladas oito metas
nacionais59, voltadas ao foco da produtividade e da celeridade. Entre as metas estipuladas, não
houve menção alguma à busca da qualidade das decisões jurisdicionais e à exigência ao
cumprimento do dever de observância das garantias fundamentais dos jurisdicionados.
Além das Resoluções n. 70/09 e 198/14, que trouxeram o planejamento estratégico do
Judiciário, evidentemente voltado à busca de eficiência quantitativa, conforme demonstrado,
o CNJ realiza pesquisas anuais para aferição dos indicadores e indica a proposta dos
relatórios.
Cumprindo, portanto, sua proposta de quantificação para o estabelecimento de
diretrizes voltadas à persecução dos macrodesafios estipulados em seu planejamento
estratégico, entre os quais, a eficiência operacional se coloca como objetivo precípuo, o CNJ
divulga anualmente os relatórios intitulados Justiça em Números, elaborados pelo
Departamento de Pesquisas Judiciárias (DPJ), a quem se atribui a função de receber e
58 Soares explicita que “almejando executar o Planejamento Estratégico do Judiciário no sentido de um poder,
sobretudo, ‘eficiente’, o CNJ escolheu como metodologia de gestão o BSC. Não houve um aprofundamento
pelo CNJ quanto a ser essa a metodologia mais apta ao Judiciário, bem como não houve treinamento, nem
capacitação dos gestores, dos desembargadores na compreensão da metodologia que seria implementada. Isso
demonstra mais uma sujeição a influxo externo e, em certa medida, constitui um argumento de poder. Segundo
a empresa de consultoria norte-americana Hackett Group, o BSC tem se tornado uma tendência na área de
gestão, de tal forma que as instituições têm se sentido compelidas a utilizar essa metodologia.” (SOARES,
2017, p. 154-155). 59 Relatório Metas Nacionais do Poder Judiciário 2016, CNJ: “1) julgar quantidade maior de processos de
conhecimento do que os distribuídos no ano corrente; 2) identificar e julgar, até 31/12/2016, determinado
percentual de processos antigos, de diversos períodos de tramitação; 3) aumentar o percentual de casos
solucionados por conciliação em relação ao ano anterior e impulsionar os trabalhos dos CEJUSCs; 4)
identificar e julgar determinado percentual de ações de improbidade administrativa e de ações penais
relacionadas a crimes contra a Administração Pública. 5) Baixar em 2016 quantidade maior de processos de
execução do que o total de casos novos de execução no ano corrente. 6) identificar e julgar, até 31/12/2016,
determinado percentual de ações coletivas e recursos oriundos de ações coletivas e recursos oriundos de ações
coletivas distribuídas em diversos períodos de tramitação. 7) priorizar o julgamento dos processos dos maiores
litigantes e dos recursos repetitivos; 8) implementar projeto com equipe capacitada para oferecer práticas de
Justiça Restaurativa, implantando ou qualificando pelo menos uma unidade para esse fim, até 31/12/2016.”
(CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2014).
120
sistematizar os dados utilizados para a realização das estatísticas judiciárias nacionais.
Tomando-se como referência o relatório Justiça em Números, divulgado em 2017,
com ano-base 201660, foram apontados os seguintes indicadores estatísticos: 1. Insumos,
dotações e graus de utilização (receitas e despesas, assim como estrutura); 2. Litigiosidade
(carga de trabalho, taxa de congestionamento, produtividade e recorribilidade); 3. Acesso à
justiça e 4. Tempo de processo (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2017).
Para a aferição da eficiência, que é o objetivo central da gestão do Judiciário,
estipulou-se o Índice de Produtividade Comparada do Poder Judiciário (IPC-Jus), sendo:
O Sistema de Estatística do Poder Judiciário (SIESPJ) conta com 810 variáveis
encaminhadas pelos tribunais e posteriormente transformadas em indicadores pelo
CNJ. São muitos os indicadores que podem mensurar a eficiência de um tribunal, e
o grande desafio da ciência estatística consiste em transformar dados em
informações sintéticas, que sejam capazes de explicar o conteúdo dos dados que se
deseja analisar. Para alcançar tal objetivo, optou-se por construir o IPC-Jus, uma
medida de eficiência relativa dos tribunais, utilizando-se uma técnica de análise
denominada DEA (do inglês, Data Envelopment Analysis) ou Análise Envoltória de
Dados.
O método estabelece comparações entre o que foi produzido (denominado
output, ou produto) considerando-se os recursos (ou insumos) de cada tribunal
(denominados inputs). Trata-se de metodologia de análise de eficiência que compara
o resultado otimizado com a eficiência de cada unidade judiciária em questão. Dessa
forma, é possível estimar dados quantitativos sobre o quanto cada tribunal deve
aumentar sua produtividade para alcançar a fronteira de produção, observando-se os
recursos que cada um dispõe, além de estabelecer um indicador de avaliação para
cada unidade. (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2017, p. 17).
Ou seja, o IPC-Jus é medida de eficiência e torna-se, portanto, um referencial
categórico para a tomada de decisões relativas à gestão dos órgãos jurisdicionais, a fim de se
aumentar a celeridade e reduzir custos, a partir de uma metodologia que relaciona recursos e
produção, o que se mostra uma avaliação quantitativa, que tangencia o conceito de eficiência
apontado pela Ciência Econômica e pela Administração. Nesse sentido, Rosa e Aroso
Linhares afirmam:
No campo específico da administração do Poder Judiciário verifica-se uma enorme
“taxa de congestão” (relação entre o número de processos pendentes de julgamento
no início do ano e o número decidido no mesmo ano), “taxa de clearence” (relação
entre os processos findos num ano sobre os processos entrados no mesmo ano),
“taxa de backlog” (relação entre os números de processos findos num ano sobre o
número de processos entrados mais os pendentes, vindos neste mesmo ano). Esses
elementos podem aumentar a “good governance”. (ROSA; AROSO LINHARES,
2011, p. 78).
60 Utilizou-se, na presente pesquisa, o relatório mais recente até a data da realização do estudo, sendo essa uma
opção metodológica, a fim de se demarcar a análise. O Justiça em Números 2017, com ano-base 2016, é o
mais atual até o momento.
121
A atuação do CNJ, dentro de sua vertente de controle da gestão da atividade judiciária,
volta-se a quantificação, análise de dados, resultados, fixação de metas e formulação de
indicadores, a fim de se atingirem, dessa forma, índices de eficiência voltados à redução de
despesas e aumento da celeridade. A partir de uma aferição de produtividade, desempenho e
informatização, houve preocupação com o tempo médio de tramitação dos processos, já que
isso ocupa e envolve toda a estrutura de recursos humanos, físicos e operacionais do
Judiciário.
Assim, quanto mais rápida for a tramitação processual, e quanto menos gastos
envolver para a mobilização da estrutura do Judiciário, mais alto é o índice IPC-Jus. E,
atendendo a um viés eficientista neoliberal, segundo o qual os interesses do mercado se
sobrepõem, ao IPC-Jus não importa, por conseguinte, se o processo é garantia de direitos
fundamentais, bastando que seja célere e econômico.
4.3 Eficiência e sistema judicial
A reforma no sistema judicial, decorrente dos ajustes estruturais impostos pelo Banco
Mundial, repercutiu em duas dimensões de atuação, quais sejam: a) ajustes macroestruturais
(gestão jurisdicional); e b) ajustes microestruturais (decisões jurisdicionais). Essas dimensões
de ajustes partem de uma perspectiva constitucional, mas repercutiram em todo o
ordenamento jurídico, tendo sido adotadas, a partir disso, medidas para implementação da
eficiência.
A gestão jurisdicional diz respeito à organização do Juízo, alinhada ao planejamento
estratégico fixado pelo CNJ. Lado outro, a atribuição de proferir decisões jurisdicionais deve
ser orientada pelos princípios constitucionais do contraditório, enquanto garantia de influência
e não surpresa, ampla argumentação e imparcialidade, de modo que sejam emanadas decisões
racionalmente fundamentadas.
Dessa forma, cumpre analisar a maneira pela qual a eficiência se relaciona a essas
duas dimensões do sistema judiciário, tanto no que diz respeito à gestão, quanto em sua
perspectiva processual de formulação de decisões jurisdicionais.
4.3.1 Eficiência e gestão do judiciário (ajuste macroestrutural)
A introjeção da eficiência no ordenamento jurídico brasileiro, conforme já exposto,
alinha-se aos ditames neoliberais impostos pelo Banco Mundial e pelo FMI aos países em
122
desenvolvimento, sobretudo, diante das determinações constantes dos RDMs e do Documento
Técnico n. 319/96, que orientaram, então, a formulação das resoluções do CNJ relativas ao
planejamento estratégico para o Judiciário, sendo um dos principais macrodesafios a busca de
eficiência operacional.
A partir dessa perspectiva, portanto, a eficiência passa a ser uma diretriz necessária e
estratégica, de modo a que se realizem ajustes na gestão do Judiciário, que, de acordo com
Rosa e Aroso Linhares, dizem respeito à organização e à administração do sistema judiciário,
a partir de um manejamento tanto no plano legislativo, quanto organizacional, na medida em
que há exigência de uma internacionalização do que chamam de mercado sem fronteiras, que
vá uniformizar as práticas judiciais entre os países, tornando-os mais competitivos (ROSA;
AROSO LINHARES, 2011, p. 63).
Os ajustes estruturais que repercutiram na reforma do Judiciário correspondem a uma
busca por nova governança, alicerçada na busca por eficiência, redução de custos e aumento
de credibilidade junto ao mercado e instituições financeiras, de modo a atrair investimentos e
negócios que gerem um suposto desenvolvimento. Com esse viés, o Judiciário deve se guiar
por uma gestão desburocratizada e empreendedora, na qual seja visto como prestador de
serviço, e o jurisdicionado, como consumidor, em nome de uma boa governança. Nesse
sentido, Rosa afirma:
Essa busca, ou melhor, compulsão por ‘eficiência’, faz com que existe a pretensão
de melhoria na qualidade (total) dos processos em nome do consumidor,
transformando os Tribunais em objeto de ‘ISO”, ‘5S’ e outros mecanismos
articulados para dar rapidez às demandas. Anote-se que a ‘Reforma do Judiciário’
foi perigosamente na linha consumidor-eficiência, manipulando-se a good
governance. (ROSA, 2008, p. 226).
A busca por qualidade na prestação de serviços pelo Judiciário, com razoável duração
dos processos e redução de custos tanto para os jurisdicionados, quanto para a Administração
Pública são diretrizes legítimas e alinhadas ao Estado Democrático de Direito. O nó górdio da
questão é que a razoável duração do processo tem se convolado em busca por celeridade,
eximindo-se da observância a direitos e garantias fundamentais, e a redução de custos não tem
repercutido em economia para os cidadãos, mas tem se voltado à privação de direitos, a
exemplo do direito ao advogado, essencial para que haja defesa técnica efetiva. O argumento
exposto no Documento Técnico n. 319/96 é de que a exigência de advogado obsta o acesso à
justiça:
123
Os gastos incidentais criam barreiras para todos os setores da população, mas
especialmente limitam o acesso à justiça para as populações de baixa renda. Os
gastos incidentais da litigância incluem honorários advocatícios e taxas notariais,
morosidade do Judiciário e custas processuais. Primeiro, a simples exigência de um
advogado para representar as partes obsta o acesso à justiça, ainda que em algumas
instâncias não possa ser evitada. (DAKOLIAS, 1996, p. 42).
A CRFB/88, em seu art. 133, declara que “o advogado é indispensável à administração
da justiça” (BRASIL, 1988). Ou seja, quando a Constituição determina que o advogado é
indispensável à administração da justiça, na realidade, isso significa que a presença e a
participação do advogado, enquanto representante dos sujeitos processuais, são indispensáveis
à defesa dos direitos dessas partes nos processos jurisdicionais. Nesse mesmo sentido, Leal
ensina:
Por imperativo constitucional, o pressuposto subjetivo de admissibilidade
concernente à capacidade postulatória, para a existência legítima de processo, ação e
jurisdição, não pode sofrer, no direito brasileiro ou em outro qualquer direito
democrático, restrição, dispensabilidade, flexibilização ou adoção facultativa,
porque os procedimentos jurisdicionais estão sob regime de normas fundamentais
que implicam o controle da jurisdição pelo advogado (art. 133 da CF/88) e que
somente se faz pela presença indeclinável do advogado na construção estrutural dos
procedimentos jurisdicionais (litigiosos ou não, pouco importando o valor da causa).
(LEAL, 2016, p. 285-286).
Por força normativa constitucional, a presença do advogado é obrigatória para o
desenvolvimento do processo jurisdicional, na medida em que o controle da jurisdição é feito
pelo advogado, assim como o direito de ampla argumentação dos sujeitos processuais é, da
mesma forma, assegurado e garantido pela presença do advogado. O Estatuto da Advocacia e
da Ordem dos Advogados do Brasil, em seus arts. 1o e 2o, em consonância com o disposto no
art. 133 da Constituição, entende que o advogado assegura defesa técnica às partes,
garantindo, dessa forma, a observância ao direito da ampla defesa61 (BRASIL, 1994). Soares
61 Lei n. 8.906, de 04 de julho de 1994:
“Art. 1º São atividades privativas de advocacia:
I - a postulação a órgão do Poder Judiciário e aos juizados especiais;
II - as atividades de consultoria, assessoria e direção jurídicas.
§ 1º Não se inclui na atividade privativa de advocacia a impetração de habeas corpus em qualquer instância ou
tribunal.
§ 2º Os atos e contratos constitutivos de pessoas jurídicas, sob pena de nulidade, só podem ser admitidos a
registro, nos órgãos competentes, quando visados por advogados.
§ 3º É vedada a divulgação de advocacia em conjunto com outra atividade.
Art. 2º O advogado é indispensável à administração da justiça.
§ 1º No seu ministério privado, o advogado presta serviço público e exerce função social.
§ 2º No processo judicial, o advogado contribui, na postulação de decisão favorável ao seu constituinte, ao
convencimento do julgador, e seus atos constituem múnus público.
§ 3º No exercício da profissão, o advogado é inviolável por seus atos e manifestações, nos limites desta lei.”
(BRASIL, 1994).
124
reforça o entendimento e explica que o advogado:
É agente garantidor da legitimidade da decisão judicial, uma vez que é o mesmo
juridicamente capaz de estabelecer um diálogo técnico-jurídico que permite a
construção do provimento em simétrica paridade, garantindo o contraditório e a
ampla defesa, bem como um controle da jurisdição. (SOARES, 2004, p. 74).
A legitimidade da decisão jurisdicional é garantida pela presença do advogado nos
processos jurisdicionais, na medida em que lhe é garantida a capacidade postulatória, na
qualidade de representante dos sujeitos processuais, que exercem o direito ao contraditório e a
argumentação ampla, com a exposição de seus argumentos, a influenciarem, dessa forma, na
formação do pronunciamento decisório.
No entanto, a Lei n. 9.099, de 1995, que dispõe acerca dos Juizados Especiais Cíveis e
Criminais, estabelece, em seu art. 9o, que, nas causas de valor até 20 salários mínimos, as
partes poderão ou não ser assistidas por advogados62 (BRASIL, 1995). Ou seja, trata-se de
faculdade, a representação processual por advogado. O Banco Mundial aquiesceu essa
orientação, estimulando a criação de juizados especiais para supostamente dar vazão ao
volume de demandas e reduzir os custos, em razão da dispensabilidade da representação por
advogado nas causas de até vinte salários mínimos. Assim, o Documento Técnico n. 319/96
enunciou:
Os juizados de pequenas causas, com competência para julgar casos até
determinados valores, são uma opção de reduzir os acúmulos processuais nas Cortes
Superiores e ampliar o acesso à justiça, podendo ajudar na diminuição da
morosidade, especialmente em áreas urbanas onde os atrasos parecem ser mais
graves. (DAKOLIAS, 1996, p. 44).
No entanto, após a experiência de alguns anos de atuação dos juizados especiais, o
próprio Banco Mundial foi capaz de reconhecer que não houve melhoria na gestão do
Judiciário a partir dos juizados, que hipoteticamente deveriam ter reduzido o volume de
demandas judiciais, ante a implementação de celeridade na tramitação, por se tratar de uma
procedimentalização dotada de informalidade. Além disso, supunha-se que a não
obrigatoriedade da representação dos sujeitos processuais por advogado (o que se constitui
inobservância a garantia fundamental) geraria redução de custos. Assim, por meio do
Relatório n. 32789-BR, de 2004, o Banco Mundial constata que os juizados especiais não
62 Lei n. 9.099, de 26 de setembro de 1995:
“Art. 9º Nas causas de valor até vinte salários mínimos, as partes comparecerão pessoalmente, podendo ser
assistidas por advogado; nas de valor superior, a assistência é obrigatória.” (BRASIL, 1995).
125
foram capazes de solucionar o problema do congestionamento no julgamento dos processos:
Juizados especiais federais e estaduais vêm acumulando uma participação cada vez
maior da carga de trabalho [...]. Há dúvidas de que os juizados especiais estejam
aliviando a pressão colocada sobre os juízos federais e estaduais. [...] O fato decisivo
que influência a demanda pelos serviços desses juizados é menos a identidade do
reclamante do que os valores em jogo, além da possibilidade de reduzir custos,
considerando que o processo pode correr sem a participação de um advogado [...].
Existem sinais de que alguns juizados estejam sofrendo do seu próprio
congestionamento, o que acarreta longas demoras antes da realização do julgamento
oral. (BANCO MUNDIAL, 2004, p. 51).
A partir de um discurso pautado em melhoria da gestão do Judiciário, em que se
buscou a implementação de eficiência a partir da celeridade da tramitação processual e da
redução de custos, os juizados especiais foram vistos como opção nesse novo modelo de
gestão. No entanto, há precariedade na efetiva observância das garantias fundamentais, a
comprometer o processo democrático. Nesse sentido:
Os JEFs não ficaram imunes ao processo de eficientização dos Sistemas de Justiça e,
no caso brasileiro, sobremodo, ao modelo e cultura processuais pátrios. Esse modelo
processual constituído, em especial após a EC.45/2004, coaduna-se com as vontades
do mercado rumo á práticas privatístico-gerenciais de controle e eliminação dos
processos no caminho de uma “justiça ponta de estoque”, que deve promover a
queima de estoques – processuais – oferecendo produtos sempre novos e baratos
para o mercado, mas muito caros ao – aos direitos do – cidadão.
Impõe-se à administração judicial – judiciária – encorpar-se com um novo
paradigma que atenda aos ideais de velocidade, flexibilidade, segurança e
previsibilidade exigidos pelo mercado. É nesse caminho que a administração
gerencial da justiça aparece como meio de instrumentalização de um aparato
técnico-pragmático – e não mais técnico-burocrático – que consubstancie uma
mudança de perspectiva na administração do(s) processo(s). A administração
gerencial da justiça esta adstrita á critérios de eficiência, que ganham
substancialidade com a positivação constitucional da eficiência como princípio da
administração pública, levando o judiciário a operar como uma empresa, primando o
agir em processo pela lógica do custo-benefício. (BOLZAN DE MORAIS;
HOFFMAM, 2005, p. 9-10).
Essa pauta de reformulação da gestão do Judiciário voltada à busca da eficiência
operacional, portanto, fez-se pelo ideário da chamada nova governança, que guia suas ações
por escolhas racionais e previsibilidade das decisões, a fim de se obterem os resultados
previamente definidos, o que ficou evidenciado no Documento Técnico n. 319/96:
A economia de mercado demanda um sistema jurídico eficaz para governos e o setor
privado, visando solver os conflitos e organizar as relações sociais. Ao passo que os
mercados se tornam mais abertos e abrangentes, e as transações mais complexas as
instituições jurídicas formais e imparciais são de fundamental importância. Sem
estas instituições, o desenvolvimento no setor privado e a modernização do setor
público não será completo. Similarmente, estas instituições contribuem com a
126
eficiência econômica e promovem o crescimento econômico, que por sua vez
diminui a pobreza. A reforma do judiciário deve especialmente ser considerada em
conjunto quando contemplada qualquer reforma legal, uma vez que sem um
judiciário funcional, as leis não podem ser garantidas de forma eficaz. Como
resultado, uma reforma racional do Judiciário pode ter um tremendo impacto no
processo de modernização do Estado dando uma importante contribuição ao
desenvolvimento global. (DAKOLIAS, 1996, p. 61).
A nova governança traz consigo o conceito de accountability, que decorre da
necessidade de atribuição de uma ação ou de resultado ao Estado, a fim de gerar
transparência, viabilizando a fiscalidade. O desempenho, com a aferição dos resultados, é o
que importa para a accountability proposta pela nova governança, na qual os cidadãos
assumem a posição de consumidores dos serviços públicos, em termos de mercado, e exige-
se, dessa maneira, a fixação de metas e a averiguação de indicadores de produtividade
(BEVIR, 2011).
Foi nesse sentido, que o CNJ estabeleceu o planejamento estratégico para o Judiciário,
apontando a eficiência operacional como macrodesafio, assim como vem realizando
anualmente a divulgação dos relatórios Justiça em Números, o que se mostra alinhado à
concepção de nova governança e de accountability de resultados. Essa é a gestão, portanto,
que vem desafiando o Judiciário e a busca pela criação de um Estado Democrático de Direito.
Nesse sentido, Antônio do Passo Cabral ressalta a relação entre a concepção da nova
governança e a accountability, que se alinham de modo a perseguirem a eficiência
operacional:
Essa nova governança exige parâmetros de eficiência, que envolvem não somente
efetividade da gestão, mas também transparência (abertura, diálogo, comunicação) e
responsividade (accountability). O gestor deve trabalhar com diagnósticos dos
problemas e fixação de planos e metas, buscando-se atingir padrões de qualidade
definidos a partir de indicadores previamente estudados. (CABRAL, 2017a, p. 266).
Essa nova governança buscou a desburocratização, a fim de viabilizar a ampliação dos
mercados e das redes de informação, impondo, assim, uma escolha racional para obtenção de
melhores resultados, orientados pela accountability de desempenho, a partir do qual, insere-se
uma premissa de fiscalidade e aferição de índices de eficiência.
Não bastasse a eficiência ter sido introjetada em nível macroestrutural, de modo a
permear a gestão jurisdicional, atingiu ainda, por óbvio, a formulação das decisões
jurisdicionais (ajuste microestrutural), o que será analisado a seguir.
127
4.3.2 Eficiência e decisão jurisdicional (ajuste microestrutural)
O sistema judiciário sofreu os influxos neoliberais em sua gestão e em nível de
formação das decisões jurisdicionais, de modo que, em ambos os aspectos, a eficiência foi
apontada como meta de estruturação, sobretudo, em nome da celeridade e da redução de
custos. Rosa e Aroso Linhares explicam que a eficiência serve como diretriz para que o
sistema jurídico se ajuste no âmbito micro, que diz respeito à análise eficientista para o
proferimento de decisões jurisdicionais, de modo a ensejar uma “rearticulação interna do
Direito pela intervenção externa (e decisiva) da Economia” (ROSA; AROSO LINHARES,
2011, p. 63-64).
Essa orientação de alinhamento entre Direito e Economia, para fins de elaboração de
decisões jurisdicionais pautadas em eficiência, tem cunho pragmático-consequencialista
vincado no entendimento de Posner, segundo o qual, as decisões precisam ser formuladas de
modo a se averiguarem as consequências advindas em termos de custo. O que Posner faz,
portanto, é cunhar o pragmatismo, que viabilize aos julgadores elegerem, segundo critérios
específicos, a decisão mais adequada para maximização da riqueza, segundo uma
racionalidade econômica de análise de custos, que deixa de considerar critérios sociais de
distribuição de riqueza.
Para o pragmatismo posneriano, a decisão jurisdicional é adequada, ainda que haja
distribuição de riqueza para os mais ricos, caso isso, em alguma medida e segundo seus
critérios, possa gerar maximização global da riqueza (DERZI; BUSTAMANTE, 2013). A
hermenêutica jurídica de Posner guia-se por uma análise de efeitos e consequências da
decisão, com espeque na busca de eficiência alocativa de recursos, segundo o que Marcellino
Júnior chama de “novo ethos para a atuação do Judiciário”:
O processo deve ser submetido a um novo princípio vinculador, o Economic Due
Process, que redimensiona o papel da função processual, passando a ser vista como
instrumental procedimental pautado pela lógica custo-benefício, independentemente
de garantias processuais constitucionais. (MARCELLINO JÚNIOR, 2014, p. 86-
87).
Haveria, portanto, a partir do critério posneriano, uma procedimentalidade de cunho
econômico, voltada para maximização de riqueza, a dar suporte às construções decisórias,
desassociadas, portanto, do modelo constitucional de processo, que preconiza a observância a
direitos e garantias fundamentais. A análise de Posner volta-se aos custos e definitivamente
não comporta os custos do processo democrático.
128
Dworkin critica o pragmatismo, já que a visão pragmática volta-se para a
instrumentalização de decisões pautadas em estratégias para o futuro, sem perquirir as razões
advindas da tomada de decisões anteriores, a fim de se criarem coerência e integridade63. A
crítica de Dworkin ao pragmatismo se faz ainda em razão deste desconsiderar as normas e,
dessa forma, sustenta:
O pragmatismo […] nega que as pessoas tenham quaisquer direitos; adota o ponto
de vista de que elas nunca terão direito àquilo que seria pior para a comunidade
apenas porque alguma legislação assim o estabeleceu, ou porque uma longa fileira
de juízes decidiu que outras pessoas tinham tal direito. (DWORKIN, 2014, p. 186).
As decisões jurisdicionais, atendendo a essa orientação pragmática posneriana, que
serve de forma precisa aos ditames mercadológicos neoliberais eficientistas, deve ser
previsível a partir de estandartização, ou seja, devem haver modelos decisionais padronizados,
que se encaixem a situações jurídicas pré-fixadas, contribuindo, assim, para que haja
julgamento massificado de demandas. Aposta-se, desse modo, em uma construção de decisões
prontas, aptas a se enquadrarem como resposta jurisdicional, sem que tenha ocorrido a
necessária dialogicidade ensejadora da formação decisional. Assim, Bolzan de Morais e
Hoffmam explicam:
Instaura-se uma racionalidade autonômica em relação ao Direito e ao caso concreto
que aposta na construção de respostas antes mesmo de ouvir as perguntas, ou seja,
em respostas totalmente descontextualizadas e vazias de sentido. Há um frenesi por
ementas e súmulas que trazem em si um sentido pronto para ser acoplado aos casos.
As súmulas sejam elas vinculantes ou não, — pelo menos no Brasil —, surgem para
responder a todas as perguntas futuras, mas nem sabem quais serão as perguntas
formuladas pelo caso — mas sabem quais são as perguntas formuladas pelo
mercado e as respostas que o mesmo quer. (BOLZAN DE MORAIS; HOFFMAM,
2016, p. 211-212).
Essa padronização decisória, por meio de precedentes e enunciados de súmula, sejam
vinculantes ou não, vem como alternativa lapidar para que se dê vazão à tramitação de
processos, a partir de julgamento de casos idênticos, valendo-se, portanto, de uma suposta
massificação e necessidade de celeridade, para utilizar dos padrões decisórios e julgar em
atacado. A padronização decisória tem sido defendida sob o argumento de necessidade de
segurança jurídica e previsibilidade, o que corroborou para a formação de modelos decisórios
63 De acordo com Ommati, Dworkin segue a linha do pragmatismo filosófico de Ludwig Wittgenstein, segundo a
qual o sentido da linguagem somente pode ser aferível através de seu uso (2011). Gadamer também exerce
influência sobre o pensamento de Dworkin, que adota giro linguística ou círculo hemenêutico como razão
interpretativa, de modo que há uma integrada e constante releitura e reinterpretação dos sentidos, que vai se
alterando na história (DWORKIN, 2014).
129
que não pretendem dar abertura à dialogicidade argumentativa e, além disso, inobservam e
elastecem as normas, para que se ajustem ao sentido pretendido. Assim, a respeito do sistema
de precedentes, Nunes e Viana asseveram:
Todos esses aspectos colocam em discussão o papel que os precedentes dos
tribunais desempenham, especialmente quando se percebe, de um lado, decisões que
flexibilizam as normas com fins utilitários, e, de outro, a formação e o uso
generalizante das decisões (despregada dos casos) mediante formação de modelos
decisórios com pretensão de fechamentos argumentativos, como se o
pronunciamento judicial colocasse uma pedra sobre o assunto. (NUNES; VIANA,
2018, p. 9).
Há um caráter prospectivo das decisões jurisdicionais, que já se formam com a
intenção de formulação de precedentes (art. 985, II, CPC/15), de maneira a se moldarem a
casos pósteros e supostamente idênticos (NUNES; VIANA, 2018). Para que se deem
contornos de democraticidade ao processo, há necessidade de observância das garantias
processuais constitucionais, com a formulação de decisões devidamente fundamentadas, a
partir do debate em modelo comparticipativo e provas produzidas pelos sujeitos processuais,
havendo necessária concatenação entre contraditório e fundamentação racional das decisões,
nos termos do art. 489, §1o, IV, do CPC/15.
O problema é que, sob um discurso voltado à eficiência, busca-se a formação de
decisões orientadas por uma racionalidade pragmática, na qual haja aferição do caráter
econômico (melhor custo-benefício), a fim de operacionalizar aumento na produtividade, a
partir de julgamentos massificados. As garantias processuais constitucionais são vistas, nesse
sentido, como entrave, já que o exercício do contraditório e da ampla argumentação
demandam um tempo no processo, que não se compatibiliza com a celeridade pretendida.
Além disso, a fundamentação das decisões é vista como embaraço para a vazão na tramitação
processual. Assim:
O processo jurisdicional passa a ser orientado por uma racionalidade jurídica de
manutenção da ordem mercadológico-neoliberal, alimentada por uma racionalidade
prático-processual pragmático-econômico-tecnicista voltada a decidir de acordo com
os ideais do mercado, quais sejam, eficiência, produtividade — produtivismo — e
padronização, operando no horizonte de um sistema de justiça de fluxo. (BOLZAN
DE MORAIS; HOFFMAM, 2016, p. 219).
No espaço processual democrático, as decisões devem se construir pela dialogicidade
discursiva em uma atuação comparticipativa dos sujeitos processuais, em que a vontade do
julgador e suas crenças, enquanto critérios discricionários, não devem permear a formulação
130
decisória 64 . A legitimidade das decisões exige uma relação estreita entre contraditório
dinâmico e fundamentação racional, de modo que as ideologias e pré-conceitos do julgador,
assim como fatores políticos e econômicos, não devem compor a formação decisional. E, ao
contrário disso, o que se critica é que, na visão do Law and Economics, a eficiência acaba por
incutir critérios político-econômicos na formação decisória, transpondo a dialogicidade
argumentativa dos sujeitos processuais, a fim de que haja aferição positiva de benefícios para
o mercado repercutindo nas relações negociais.
A fundamentação das decisões jurisdicionais mostra-se em situação de risco, na
medida em que há uma judicialização em massa, que coloca os julgadores na iminência de
não analisarem o caso concreto e partirem para o julgamento de teses, mediante padronização
decisória, a fim de que sejam cumpridas as metas fixadas pelo CNJ, com repercussão nos
indicadores de desempenho, a projetarem um suposto ganho de eficiência. Assim, gera-se
uma crise de fundamentação das decisões (SCHMITZ, 2015), e, dessa forma:
O fato de que todas as decisões devem ser obrigatoriamente fundamentadas sob
64 Na tomada de decisões jurisdicionais, os julgadores podem sofrer os influxos dos vieses de cognição, segundo
explica, Kahneman, há dois sistemas de tomada de decisões, sendo “o sistema 1 opera automática e
rapidamente, com pouco ou nenhum esforço e nenhuma percepção de controle voluntário”. Ou seja, o sistema
1 é aquele em que se formulam padrões, impressões e sensações. Acerca do sistema 2, explica que “aloca
atenção às atividades mentais laboriosas que o requisitam, incluindo cálculos complexos” (KAHNEMAN,
2012, p. 29). A partir desses sistemas, portanto, os automatismos mentais (heurística) acabam por criar vieses
coginitivos, que são distorções do entendimento. Silva explica que: “os vieses de cognição são fenômenos da
(ir)racionalidade humana, estudados pelos psicólogos cognitivos e comportamentais, e representam os desvios
cognitivos decorrentes de equívocos em simplificações (heurísticas) realizadas pela mente humana diante de
questões que necessitariam de um raciocínio complexo para serem respondidas. Tais simplificações
(heurísticas do pensamento) são um atalho cognitivo de que se vale a mente para facilitar uma série de
atividades do dia-a-dia, inclusive no tocante à tomada de decisão. [...] Os vieses de cognição observáveis na
atividade jurisdicional, que, quando presentes, geram erros sistemáticos de tomada de decisão, levando a
pronunciamentos judiciais maculados pela subjetividade (impressões, preconcepções, preconceitos) do
julgador ou pela análise viciada da argumentação jurídica e dos elementos de prova (por força dos vieses de
confirmação, trancamento, status quo, ancoragem e ajustamento, ou aversão à perda), potencializados por um
comportamento solipsista dos magistrados, ao passo que, de acordo com a teoria normativa da
comparticipação e da perspectiva processual democrática, o processo deve servir como garantidor de direitos
fundamentais” (SILVA, 2018, p. 13-14). Após explicar de que forma os vieses de cogniçãoo maculam a
tomada de decisão jurisdicional, Silva aponta para mecanismos que tendem a corrigir esses desvios e, assim,
depreende: “com base na concepção democrática de processo, nas premissas do princípio da imparcialidade do
julgador e na teoria normativa da comparticipação, sugeriu-se o correto delineamento e aplicação dos institutos
processuais da fase preparatória de saneamento e organização do processo e do princípio da colegialidade
recursal, auxiliados pelo princípio da oralidade, como forma de debiasing, seja preventivo ou corretivo, a fim
de mitigar os efeitos deletérios dos vieses de cognição. [...] Concluiu-se também que a atuação ativa dos
advogados, valendo- se sempre que possível das prerrogativas do princípio da oralidade, é fundamental para a
almejada accountability, seja por meio de despachos com os magistrados, apresentação de memoriais, ou
realização de sustentação oral, no sentido de se criar uma identificação da demanda e chamar a atenção para os
contornos da controvérsia e para detalhes probatórios, estabelecendo-se uma incansável tentativa de quebra do
enviesamento a que possam estar acometidos os julgadores. [...] Por fim, o que se observa é que cabe aos
operadores do direito – tanto aos advogados, quanto aos juízes, pensadores e demais - buscar uma atuação
contrafática, de modo a realizar a identificação e a quebra dos enviesamentos cognitivos”. (SILVA, 2018, p.
127-128).
131
pena de nulidade (art. 93, X, da CF/1988) constitui expressão do Estado
Constitucional, mas há uma gama de possibilidade manipulativas do discurso
jurídico que, se não forem bem tratadas, darão azo a decisões ilegítimas blindadas
por fundamentações falaciosas. (SCHMITZ, 2015, p. 33).
Essa manipulação do discurso jurídico se faz mediante a interpretação das normas
pelos julgadores, com caráter discricionário, permeado de subjetividade, permitindo uma
alocação de sentido normativo de acordo com interesses obscuros, já que ausente uma
construção processual democrática. No entanto, em um contexto democrático, que deve
observar o modelo constitucional de processo, as decisões jurisdicionais, para serem
legítimas, devem ser construídas a partir de uma atuação dos sujeitos processuais em
contraditório, em todas as fases lógicas do processo, com pleno exercício da ampla
argumentação, além de necessitar de uma atuação imparcial do julgador, que fundamente
racionalmente as decisões, analisando os argumentos e provas produzidos pelos sujeitos
processuais, conforme tratado no subcapítulo 3.2.2.
Faz-se necessário averiguar como o conceito de eficiência foi construído, a partir da
Ciência Econômica e da Administração, e, por fim, cabe analisar a configuração da eficiência
dentro da metodologia do Law and Economics, na medida em que foi capaz de chancelar a
leitura da eficiência voltada a uma projeção de interesses neoliberais.
133
5 DA EFICIÊNCIA E SUAS PERSPECTIVAS PARA A CIÊNCIA ECONÔMICA,
PARA A ADMINISTRAÇÃO E PARA A METODOLOGIA DO LAW AND
ECONOMICS
A eficiência é dotada de plurissignificação, o que faz com que haja imprecisão
conceitual apta a alocar o sentido que se quer adequar, de acordo com o interesse a ser
atendido. É um conceito, portanto, conveniente à ideologia neoliberal, já que oriundo da
Ciência Econômica, assim como tem aporte na Administração, ganhando dimensão relevante
a partir do Law and Economics (AED). A eficiência, nesse sentido, precisa ser analisada em
suas várias facetas, para que haja possibilidade de se aferir de que modo a dimensão
eficientista se relaciona com a função jurisdicional e com o processo, repercutindo na
construção (ou não) do processo democrático.
5.1 Eficiência na Ciência Econômica
A Ciência Econômica cunhou o conceito de eficiência, tendo esta diversas
perspectivas teóricas. Cumpre analisar, na presente pesquisa, a matriz utilitarista,
desenvolvida por Jeremy Bentham, a concepção teórica de Vilfredo Pareto e, por derradeiro, a
formulação elaborada por Kaldor e Hicks.
5.1.1 O utilitarismo de Bentham
No século XVIII, Bentham avançou nos estudos da Ciência Econômica,
desenvolvendo a teoria das escolhas racionais, segundo a qual os indivíduos agem
conscientemente a partir de incentivos, bem como prospectando restrições ou punições em
que podem incorrer, havendo, portanto, uma ponderação acerca da utilidade de seu
comportamento. A abordagem acerca do utilitarismo formulado por Bentham faz-se
importante, na medida em que a teoria das escolhas racionais por ele desenvolvida, mais
tarde, veio culminar na formulação do Law and Economics pelos economistas da Escola de
Chicago, a exemplo de Ronald Coase e Steven Shavell, o que será visto no subcapítulo 5.3.
Bentham (1979) é o fundador do utilitarismo, também conhecido por Princípio da
Utilidade, segundo o qual, o comportamento (ou interesse) tende à busca da felicidade, do
prazer, sendo esse o fundamento da moralidade. Ou seja, a felicidade é tida como padrão de
moralidade, que deve ser perseguido para promoção de bem-estar de todos os indivíduos,
134
devendo-se entender a felicidade como ausência de dor.
Bentham (1979) explica que os atos praticados pelos governantes estarão em
conformidade com o princípio da utilidade se tender ao aumento da felicidade da comunidade.
De acordo com Stuart Mill, o utilitarismo baseia-se no empirismo, sendo a formulação do
conhecimento baseada na experiência. Além disso, Mill (2014) entende que o
associacionismo também serve de base para o utilitarismo, sendo uma teoria relativa ao
estudo do comportamento humano e das relações associativas oriundas da experiência.
A crítica dirigida ao utilitarismo diz respeito, sobretudo, à impossibilidade de aferição
racional da felicidade, que pode ser, inclusive, inalcançável. Além disso, critica-se o fato de
que o critério de felicidade difere para cada indivíduo, não sendo, portanto, um padrão moral,
ao contrário do defendido pelos utilitaristas. Além disso, os utilitaristas conceituam justiça a
partir de um critério negativo, ou seja, partindo da análise do que se considera injusto,
havendo, assim, imprecisão e ausência de demarcação conceitual.
Mill afirma que justiça pode significar tanto uma “regra de conduta e um sentimento
que sancione a regra” (MILL, 2014, p. 173), quanto pode ser um sentimento, “o desejo de que
aqueles que infringiram a regra sofram castigo” (MILL, 2014, p. 174). Dessa forma, o
utilitarismo criado por Bentham e desenvolvido por Mill vincula-se ao entendimento de que o
comportamento humano é direcionado à busca da felicidade, entendida como bem-estar para
os indivíduos como um todo, o que faz com que se avoque a felicidade como preceito de
ordem moral.
Bentham sustentou que o Estado poderia intervir na política econômica, sobretudo,
para fins de controle das atividades mercadológicas (regidas naquela ocasião por leis naturais
e com supedâneo no exercício das liberdades), acaso essas visessem a promover
desigualdades, em detrimento do interesse público. Dessa forma, Bentham (1979) defendeu a
criação de uma teoria da legislação, visando à alteração do sistema jurídico da Inglaterra, a
fim de se irromper com a aplicação das leis naturais, que davam azo a abusos praticados por
determinados seguimentos elitistas.
Bentham foi ativo opositor de William Blackstone, professor catedrático de Direito
inglês em Oxford, na medida em que este defendia a desnecessidade de reformas
constitucionais no sistema britânico, já que alicerçava-se em uma concepção sacral vincada
em um contrato social ensejador de uma obediência das pessoas ao governo (COPETTI
NETO, 2011). Diferentemente, Bentham (1979) era defensor das reformas legislativas e da
codificação, de modo a adaptá-las para alcance da maximização da felicidade, em um viés
utilitarista, enquanto sinônimo de bem-estar.
135
Posner explicou que, para Bentham, “codificação significava a ampla promulgação de
leis escritas baseadas no princípio da maior felicidade, em substituição a qualquer
combinação de leis e common law ou princípios consuetudinários” (POSNER, 2010, p. 44).
Ainda acerca do utilitarismo benthamiano, Posner afirmou que “atinge-se o máximo de
felicidade, ou utilidade, quando as pessoas [...] são capazes de satisfazer suas preferências,
quaisquer que sejam estas, na máxima medida possível” (POSNER, 2010, p. 63).
No tocante ao contexto ético de busca do interesse individual para satisfação pessoal,
Posner concorda com Bentham, mas afasta a aplicação do utilitarismo por entender que
inexiste técnica que viabilize aferir os efeitos de uma decisão pautada no critério de
felicidade.
5.1.2 Eficiência de Pareto
O utilitarismo de Bentham recebeu críticas por não ser capaz de mensurar a felicidade
preconizada para atingimento do bem-estar, e, avançando nesse sentido, Pareto passou a
defender a necessidade de aferição da utilidade, levando em conta alocação de recursos
(benefício ou renda).
Desse modo, Pareto formulou alguns critérios. Uma mudança é Pareto-Superior
quando favorece pelo menos uma pessoa, sem que haja prejuízo a alguém. Ou, em outras
palavras, uma alocação de recursos é Pareto-Superior, caso não haja pessoa em desvantagem
e haja a melhora de pelo menos uma pessoa (PARETO, 1984; COLEMAN, 1980).
Esse critério Pareto-Superior coloca o consentimento como necessário, pois os sujeitos
deveriam estar em conformidade com o ganho aferido por uma parte e não por outra,
excluindo-se a existência de prejuízo. Esse critério acentua a ausência de efeitos distributivos
da riqueza. Assim, Posner explica que “o critério da superioridade de Pareto é a unanimidade
de todas as pessoas afetadas”65 (POSNER, 2007, p. 39, tradução nossa).
Ou seja, pelo critério de superioridade paretiano, todos os afetados pela escolha de
alocação de recursos realizada necessitariam estar em concordância, o que, na prática,
contraria uma posição que defenda a liberdade de escolha. A ideia de consenso, nesse caso, é
chamado de ética de Pareto. Posner (2007) critica o critério da Pareto-Superior, afirmando
que a aplicação é diversa do que se vê na prática, já que dificilmente haverá consenso,
sobretudo, se considerarem-se os efeitos da alocação de recursos sobre terceiros.
65 El critério de la superioridad de Pareto es la unanimidad de todas las personas afectadas.
136
Há ainda o critério ótimo de Pareto, no qual se coloca a noção de eficiência, sendo
ainda o critério conhecido como Eficiência de Pareto (ou ótimo de Pareto), segundo o qual,
uma alteração na alocação de recursos pode melhorar a situação de ao menos um indivíduo,
admitindo que haja piora da situação de outro indivíduo. Ou seja, “considera-se que um
determinado estado social atingiu um ótimo de Pareto se, e somente se, for impossível
aumentar a utilidade de uma pessoa sem reduzir a utilidade de alguma outra pessoa” (SEN,
1999, p. 47).
Nesse mesmo sentido, Coleman (1980) explica que há alocação ótima de Pareto se a
realocação de recursos beneficiar uma pessoa à custa de outra. Assim, o critério de eficiência
paretiano busca extirpar o problema existente no utilitarismo, qual seja, o da impossibilidade
de aferição de felicidade, na medida em que o eficientismo de Pareto admite que haja piora na
situação de uma parcela de indivíduos, desde que haja melhora de uma outra cota de
indivíduos.
Dworkin (2005) explica que, a partir desse critério de eficiência de Pareto, uma
decisão jurisdicional é eficiente se ensejar melhora da situação de uma massa expressiva de
indivíduos e considerar a existência de uma parcela de pessoas em situação pior, levando-se
em conta, nesse caso, a quantificação do bem-estar que se ganhou e perdeu, partindo-se de
uma análise voltada para o futuro e não para o passado.
Sen afirma que o critério da eficiência de Pareto apresenta perversidades, e “um estado
pode estar no ótimo de Pareto havendo algumas pessoas na miséria extrema e outras nadando
em luxo, desde que os miseráveis não possam melhorar suas condições sem reduzir o luxo dos
ricos” (SEN, 1999, p. 48).
A eficiência de Pareto é oportuna para justificar uma parcela perdedora ou prejudicada
pelas decisões judiciais, desde que uma parcela maior seja beneficiada, o que justifica que
alguns lucrem, enquanto outros logrem efetivos prejuízos, independentemente do número de
indivíduos prejudicados, desde que, em tese, a parte beneficiada seja mais expressiva. No
entanto, a noção de benefício, melhora e prejuízo vai depender de uma série de fatores,
sobretudo, de ordem pessoal, de preferências, sendo permeadas por profundo subjetivismo, o
que gera imprecisão dessa mensuração, da mesma forma que o utilitarismo.
Há, portanto, impossibilidade de consenso, e os interesses podem ser divergentes, o
que faz ruir a ética paretiana, que preconiza mudanças a partir de um consenso que, na
prática, é impossível, sendo o conceito ficto. O critério Pareto-Superior pressupõe melhorias
sem perdedores, e o critério da Eficiência de Pareto pressupõe que haja necessariamente
perdedores, mas não dispõe de precisão para mensurar ganho e perda, na medida em que o
137
atributo da melhora é subjetivo.
Bolzan de Morais e Copetti Neto elaboram uma crítica à eficiência paretiana, na
medida em que essa eficiência parte de uma obrigatoriedade de consenso e unanimidade, que
exclui ou nega o direito individual ao veto, o que se constitui no que denominam falácia
normativa, que visa a suplantar o direito individual por um suposto consenso (BOLZAN DE
MORAIS; COPETTI NETO, 2011, p. 62).
Dada ainda a dificuldade na aferição do que poderia ser considerado ganho ou prejuízo
na alocação de recursos e benefícios, Posner deixou de adotar o critério de Eficiência de
Pareto em sua análise econômica do Direito, para fins de proferimento de decisões
jurisdicionais, tendo adotado o critério de eficiência desenvolvido por Kaldor e Hicks.
5.1.3 Eficiência em Kaldor-Hicks
Nicholas Kaldor e John Hicks, na década de 1930, desenvolveram um critério que
dispõe que, em uma alocação de recursos, o valor aumentado deve ser suficiente para
compensar os efetivamente prejudicados. Ou seja, esse critério considera a eventualidade de
prejuízo, mas coloca a compensação como condição supressiva deste. Definem, portanto, que
aqueles que auferem vantagens ou ganhos em determinada situação devem lucrar mais que
alguns outros tenham perdido, ensejando-se condição de compensar os perdedores e, mesmo
assim, permanecer em situação melhor do que a situação em que anteriormente se
encontravam (BOLZAN DE MORAIS; COPETTI NETO, 2011).
Posner, na análise econômica do Direito, adota o conceito de eficiência oriundo do
critério de Kaldor-Hicks, também chamado de critério de maximização da riqueza, e assim
dispõe:
Quando um economista diz que o livre comércio, a concorrência, o controle da
poluição ou qualquer outra política ou estado do mundo é eficiente, nove entre dez
vezes se referirão à eficiência da Kaldor-Hicks. [...]
E na medida em que a distribuição da riqueza é determinada pelo próprio
mercado, a justiça de mercado não pode derivar de qualquer noção independente de
distribuição justa.66 (POSNER, 2007, p. 40-41, tradução nossa).
Nesse sentido, Posner (2007) defende o critério de eficiência em Kaldor-Hicks,
66 Cuando un economista dice que el libre comercio o la competencia o el control de la contaminación o
cualquier otra política o Estado del mundo es eficiente, nueve veces de cada diez se estará refiriendo a la
eficiencia de Kaldor-Hicks. [...] Y en la medida en que la distribución de la riqueza se determine ella misma
por el mercado, la justicia del mercado no puede derivar de alguna noción independiente de la distribución
justa.
138
avocando o mercado como determinante para que se opere a distribuição da riqueza. Seria o
mercado, portanto, o responsável pela alocação de recursos, de modo a compensar eventuais
perdas. A livre concorrência seria usada para distribuir a riqueza, a partir de sua maximização.
Desde qua haja, portanto, possibilidade de compensação das perdas sofridas, há
implementação da eficiência, que propõe a maximização da riqueza, ainda que essa
compensação não se opere efetivamente.
Pelo critério de Kaldor-Hicks, basta a possibilidade de compensação dos perdedores,
ainda que estes não sejam, de fato, compensados pelas perdas sofridas, o que se mostra como
uma contradição do próprio critério, na medida em que, extirpando-se a efetiva compensação,
poder-se-ia cair, novamente, no critério de eficiência de Pareto, no qual se admite a perda de
uma parcela de indivíduos, mas sem compensação correspondente.
5.2 Eficiência na Administração
A Administração, enquanto ciência social aplicada, tem como objeto o estudo da
gestão, no sentido de gerenciamento de atividades (manage ou management), bem como das
funções administrativas (administration), sendo estas distintas das funções comercial,
financeira e de produção (LACOMBE; HEILBORN, 2008). Na Administração, é recorrente a
relação feita entre eficiência, eficácia e produtividade, apontando, Chiavenato, que
“Administração é o processo de planejar, organizar, dirigir e controlar a aplicação de recursos
organizacionais para alcançar determinados objetivos de maneira eficiente e eficaz”
(CHIAVENATO, 2010, p. 5).
Dessa forma, a eficiência é colocada como a correção da forma de se executar uma
tarefa, enquanto a eficácia diz respeito ao atingimento de resultados esperados. Por sua vez, a
produtividade impõe a relação entre fatores de produção utilizados e produtos obtidos
(LACOMBE; HEILBORN, 2008). A eficiência, portanto, relaciona-se aos meios, sendo
aferida pela relação entre recursos utilizados e resultado atingido, de modo que é considerado
um administrador eficiente, aquele que opera com custo mínimo para alcance do objetivo.
Na administração, há imbricação entre eficiência e eficácia, sendo esta “a medida do
resultado da tarefa ou alcance do objetivo estabelecido”, relacionando-se aos fins
(CHIAVENATO, 2010, p. 6). Logo, pode-se inferir que a relação entre eficiência e eficácia,
para a Administração é essencial para o alcance da excelência, o que ocorre quando os
recursos colocados à disposição são bem utilizados (eficiência), e, concomitantemente, há alta
produtividade e elevado desempenho (eficácia) para atingimento dos resultados
139
(CHIAVENATO, 2010).
Evidencia-se, dessa forma, que, para a Administração, a eficiência seria a relação entre
recursos efetivamente utilizados e recursos planejados para execução, sendo eficiente, a
operação que utiliza o mínimo de recursos. Esses recursos seriam, por exemplo, mão-de-obra,
matéria-prima e equipamentos. Maximiano coloca a produtividade como medida fundamental
para a obtenção da eficiência e, assim, assevera:
Eficiência é a palavra usada para indicar que a organização utiliza produtivamente,
ou de maneira econômica, seus recursos. Quanto mais alto o grau de produtividade
ou economia na utilização dos recursos, mais eficiente a organização e, em muitos
casos, isso significa usar menos quantidade de recursos para produzir mais.
(MAXIMIANO, 2010, p. 5).
Há, dessa maneira, vinculação entre eficiência, produtividade, redução de custos e
escassez de recursos. A partir da noção de escassez (que advém da Ciência Econômica),
busca-se alocar os recursos existentes em um procedimento produtivo, que vá repercutir em
resultados. A eficiência evoca a utilização do mínimo de recursos, ocupando-se, portanto, dos
meios, não perquirindo os fins, que são objetivo da noção de eficácia, enquanto persecutora de
uma meta declarada (DAFT, 2010, p. 853).
A eficiência almeja a busca de meios menos onerosos para se atingir alta
produtividade. Assim, Oliveira aponta que a eficiência “é a otimização dos recursos utilizados
para obtenção dos resultados”, e a eficácia seria, então, “a contribuição dos resultados obtidos
para alcance dos objetivos da empresa” (OLIVEIRA, 2006, p. 273). Ou seja, na
Administração, eficiência (meios) e eficácia (fins) são acepções conexas, de modo que
precisam se interrelacionar, para que resultados satisfatórios sejam atingidos, sendo
consideradas, portanto, objetivos organizacionais (BATEMAN; SNELL, 1998, p. 59).
Ao tratar da Administração da Produção, Ritzman e Krajewski vinculam a eficiência
ao tempo, de modo que “eficiência é a relação entre tempo produtivo e tempo total”
(RITZMAN; KRAJEWSKI, 2004, p. 211), e, assim, eficiente é uma operação que gaste o
mínimo de tempo possível para execução, o que, obviamente, vai repercutir em redução de
custos e melhora na medida da produtividade, ou seja, seria a realização de tarefa de forma
rápida, com utilização mínima de recursos, para garantia de alta performance.
Assim, infere-se que, na Administração, há distinção entre as acepções de eficiência,
eficácia e produtividade, ao mesmo tempo em que são todas consideradas objetivos do
administrador e devem se imbricar para que haja uma gestão de excelência.
A significação de eficiência, portanto, veio tomada da Administração e da Ciência
140
Econômica, repercutindo no Direito, com todo o viés mercadológico peculiar àquelas duas
áreas. A eficiência introjetada à área jurídica vem como justificativa para que se busque
crescimento econômico, a partir de uma visão gerencial, com estreita ligação com os estudos
do Law and Economics.
5.3 A eficiência para a metodologia do Law and Economics
Cumpre avaliar a eficiência na perspectiva do Law and Economics (ou AED),
considerando-se o desenvolvimento de custos da transação formulado por Coase. Em seguida,
faz-se imperiosa a verificação da teoria de Posner, que verticaliza a discussão acerca da
necessidade de maximização da riqueza, sobretudo, no que tangencia o proferimento de
decisões jurisdicionais. E, finalmente, analisar-se-á o Law and Economics, sob o aspecto da
litigância judicial, na perspectiva desenvolvida por Kaplow e Shavell.
A ED é uma metodologia, portanto, que busca a interação entre Direito e Economia,
de modo que a eficiência econômica seja o critério orientador da interpretação e aplicação do
Direito, partindo das seguintes compreensões: eficiência alocativa, Superioridade de Pareto,
Ótimo de Pareto (ou Eficiência de Pareto) e Eficiência de Kaldor-Hicks.
Segundo Copetti Neto, “a atual análise econômica do direito pretende, com base no
princípio da maximização da riqueza, propor um pacto reformador para o direito, que garanta
tanto o esvaziamento da autonomia jurídica como a possibilidade de se repensar unitária e
economicamente o sistema legal” (COPETTI NETO, 2011, p. 85). O movimento Law and
Economics surgiu na Universidade de Chicago, com influência marcante do liberalismo
econômico e tendo como precursores Ronald Coase e Posner, além de Guido Calabresi, da
Universidade de Yale. Rosa e Aroso Linhares explicam:
A Análise Econômica do Direito ganhou fôlego na segunda metade do século
passado a partir, fundamentalmente, de três fatores: a) a construção de um estatuto
teórico específico (Coase, Becker, Calabresi e Posner, dentre outros); b)
proeminência do discurso neoliberal; c) imbricamento entre as tradições do common
law e do civil law. (ROSA; AROSO LINHARES, 2011, p. 60).
Caberá, portanto, avaliar de que modo a metodologia da AEDireito se relaciona com
os pressupostos do Estado Democrático de Direito, contribuindo (ou não) para a sua
construção.
141
5.3.1 Eficiência e Teorema dos custos da transação de Coase
Ronald Coase, economista inglês, foi um dos precursores da AED. Mudou-se para os
Estados Unidos e, em 1960, publicou o artigo The Problem of Social Cost, no qual
desenvolveu a concepção de custos de transação, buscando analisar de que forma as leis e a
atuação das instituições repercutiam no desenvolvimento do mercado (COASE, 2017). Foi
diretor do programa de estudos de teoria econômica do Direito na Universidade de Chicago,
orientador de Posner.
Coase (2017) defendeu que as normas jurídicas e as decisões jurisdicionais causam
impactos nos resultados da Economia, sustentando ainda que o Direito, assim como a
Economia, enfrenta o problema da escassez de recursos, e, desse modo, enfatiza que há
paralelismo entre Direito e Economia, na medida em que ambos se dirigem a alocar recursos
escassos.
Coase assume uma postura que busca afastar a atuação estatal, admitindo que o Estado
possa atuar, no entanto, para viabilizar a negociação entre as partes, de modo a reduzir os
custos da transação e, nesse caso, o Judiciário deveria aferir em que medida as decisões
proferidas afetariam a Economia, de modo a gerar eficiência (redução de custos). Nesse
sentido, verificou:
Os tribunais influenciam a atividade econômica de modo direto. Por conseguinte,
pareceria ser benéfico que os tribunais tivessem uma boa compreensão das
consequências econômicas de suas decisões, bem como que, na medida do possível,
sem criar demasiada incerteza sobre a situação jurídica em si, levassem em conta
essas consequências ao tomar suas decisões. (COASE, 2017, p. 119).
Assim, o Teorema de Coase significa que, caso os custos de transação sejam iguais a
zero, a alocação de recursos repercutirá na eficiência. Ou seja, quanto menor for o custo da
transação, mais eficiente será a alocação de recursos (eficiência alocativa). Posner (2009) vai
explicar que o Teorema de Coase colocou em voga os custos da transação no funcionamento
do mercado, e que os contratos são métodos para adaptação das empresas aos custos de
transação.
Esse teorema pressupõe que as partes tenham consciência de seus direitos e que haja
possibilidade de negociação (bargaining) para redução dos custos e para se alcançar solução
eficiente. Cumpre ressaltar que, à vista da possibilidade de transação, a solução busca uma
independência do direito originalmente aplicável, podendo-se, nesse sentido, negociar
independentemente da prescrição normativa. Assim, Coase afirmou:
142
O que demonstrei em “O Problema do Custo Social” foi que, na ausência de custos
de transação, não importa qual é a legislação, pois é sempre possível negociar sem
custos a fim de adquirir, subdividir e combinar direitos sempre que isto aumentasse
o valor da produção. (COASE, 2017, p. 15).
O Teorema de Coase, portanto, a pretexto da redução de custos de transação, admite
que haja negociação apesar da lei, sendo as normas jurídicas secundárias, bastando a vontade
das partes de transigir para alocar recursos de modo a que se atinja eficiência, com redução
dos custos da transação. A negociação defendida por Coase visa ainda a reduzir os atritos das
externalidades, assim entendidas como condições externas ao mercado e que impactam no seu
desenvolvimento. Assim, defende que as transações podem suprir os efeitos das
externalidades, gerando mitigação dos custos para anulá-los (MACKAAY; ROUSSEAU,
2015).
A existência das externalidades poderia servir de justificativa, segundo Coase, para a
intervenção do Estado no mercado e, assim, visando a evitar a atuação estatal, defende que as
negociações devem compensar as fissuras advindas das externalidades. A esse respeito,
Posner concorda com Coase e afirma que o Estado somente deve intervir quando houver
justificativa plausível (POSNER, 2009).
Coase (2017) aponta ainda para a importância das instituições, afirmando que os
custos das transações estão diretamente vinculados ao funcionamento daquelas. Dando o
exemplo dos tribunais, alega que devem funcionar de forma a reduzir custos e gerar
segurança, a fim de atuar com eficiência. Cumpre avaliar, portanto, o que seriam esses custos
de transação a que Coase se refere para dar suporte ao seu teorema. Nesse sentido, Klein e
Ribeiro explicam:
Os custos de transação podem ser definidos como os custos para estabelecer, manter
e utilizar os direitos de propriedades, ou seja, para transacionar; por exemplo, custos
de redação de contratos, de monitoramento e imposição de contratos, de acesso a
informação, etc. [...] Percebe-se que o mundo de custos de transação zero é
basicamente o mundo retratado pela teoria econômica nos seus modelos abstratos
(KLEIN; RIBEIRO, 2016, p. 68).
Assim, com base no Teorema de Coase, as negociações seriam um ponto de partida
para aproximação do custo zero da transação, na medida em que exclui o custo operacional da
defesa dos direitos existentes, que podem ser colocados à margem da negociação, já que há
pressuposto de disponibilidade dos direitos avocados primordialmente, que podem sucumbir à
razão de eliminação de custos. Há portanto, uma busca pela eficiência, a significar
possibilidade de celebração de acordo para redução de custos da demanda e uma busca pela
143
hipótese da invariância, a preconizar que a via negocial independe das normas aplicáveis ao
caso concreto, já que as partes podem acertar novas cláusulas a que devam observar, a
despeito das normas jurídicas existentes (KLEIN, 2016).
A eficiência alocativa sustentada por Coase busca um regime de custos de transação
zero, o que se mostra hipotético e de refutação facilitada, na medida em que há um mínimo de
custos em quaisquer operações nas quais se busque alocação de recursos. O autor não
apresentou nenhuma solução matemática ou geométrica para justificar o seu teorema, o que
explica por que suas conjecturas foram consagradas no Direito e não bem aceitas na
Economia.
Wolkart explica que a alocação eficiente de recursos é o ponto crucial do teorema:
Eis o insight fundamental do teorema de Coase: a alocação inicial de recursos e
direitos sempre pode ser modificada pelas transações de mercado. Se essas
transações não tiverem custo, essa realocação será sempre a mais eficiente possível,
ou seja, será aquela capaz de conferir o maior valor possível a esses direitos e
recursos. Se as transações de mercado vão sempre acontecer de modo a alocar os
recursos de forma mais eficiente, então pouco importa sua alocação inicial (desde
que não haja custos de transação para essas negociações). (WOLKART, 2018, p.
103).
Portanto, segundo Wolkart (2018), há uma análise de custo-benefício que deve ser
feita para se buscar uma realocação de recursos, de modo a se perseguir a eficiência
preconizada por Coase, no sentido de reduzir os custos da transação até o ponto em que a
alocação inicial não importe mais, dada a negociação de custo zero, que aloque recursos de
maneira eficiente.
Ainda de acordo com referido autor, o mérito maior de Coase foi o de apontar a
autocomposição como uma alternativa viável em relação à via judicial para solução de
demandas, e, assim, defende que a cooperação deve ser colocada em voga para que acordos
sejam realizados de forma a se obter eficiência. Nesse sentido, defende que Coase estimulou o
pensamento em torno das formas alternativas de solução de conflitos, que devem ser feitas de
forma cooperativa (WOLKART, 2018, p. 106).
De acordo com o entendimento de Coase, portanto, deve haver cooperação entre as
partes, de modo a estarem disponíveis para negociar no sentido de alocar os recursos de forma
eficiente, reduzindo os custos da transação (ULEN; COOTER, 2016). Assim, podem abrir
mão da jurisdição e buscarem, as próprias partes, pela via negocial, construirem decisão em
conformidade com a melhor alocação de recursos, desde que os direitos sejam disponíveis.
Nesse caso, as normas jurídicas podem ser desconsideradas pelas partes, que vinculam-se
144
precipuamente à sua vontade e à busca pela eficiência por meio da redução de custos da
transação.
5.3.2 Posner e a maximização da riqueza
Posner é um dos economistas referenciados no desenvolvimento da disciplina
denominada Direito e Economia (Law and Economics) ou AED. Publicou sua obra Economic
Analysis of Law, em 1973, cujo estudo é baseado em uma concepção de common law, o que é
importante ressaltar, a fim de que se possa contextualizar a lógica do desenvolvimento das
pesquisas realizadas naquela ocasião, em que a eficiência deveria ser o critério orientador para
elaboração, interpretação e aplicação do Direito.
Posner buscou relacionar justiça e eficiência, o que culminou na criação de sua teoria
da maximização da riqueza, melhor desenvolvida na obra The Economics of Justice
(Economia da Justiça), publicada em 1981. No entanto, após receber exacerbadas críticas, em
1990, Posner publica The Problems of Jurisprudence (Problemas de Filosofia do Direito), em
que propõe uma revisão de entendimento, passando a sustentar, a partir de então, o
pragmatismo jurídico.
Feitas essas considerações iniciais, cumpre analisar de que modo se desenvolveu a
teoria posneriana, analisando cada uma das obras referenciadas.
Ao escrever Economic Analysis of Law, em 1973, o autor não acatou o utilitarismo em
sua inteireza, mas concordou com Bentham, no sentido de que os indivíduos buscam o
máximo de satisfação em todas as esferas da vida, comportando-se de forma racional nas
tomadas de decisão individuais, de modo a perseguir seus interesses. Acerca da racionalidade
humana na busca de seus interesses, explicou que “o conceito de homem como ser racional
que tentará maximizar seu próprio interesse implica que as pessoas reajam aos incentivos; que
as circunstâncias de uma pessoa mudam de uma maneira que poderia aumentar suas
satisfações alterando seu comportamento”67 (POSNER, 2007, p. 26, tradução nossa).
Assim, segundo aduziu, há uma eleição racional de alocação dos interesses, de modo a
que se persiga o melhor custo-benefício, dentro de uma aferição individual. Acerca dessa
racionalidade defendida por Posner, Salama explica:
67 El concepto del hombre como un ser racional que tratará de aumentar al máximo su interés propio implica que
la gente responde a los incentivos; que si cambian las circunstancias de una persona en forma tal que podría
aumentar sus satisfacciones alterando su comportamento. (2007, p. 26).
145
A utilização da premissa de racionalidade não significa que necessariamente haja
um cálculo consciente de custos de benefícios; o ponto é simplesmente o de que a
premissa metodológica de maximização racional pode ser útil porque o
comportamento racional é geralmente previsível, enquanto que o comportamento
irracional é geralmente aleatório (ou seja, é randômico). (SALAMA, 2012, p. 5).
O que Posner defendeu, portanto, foi uma formulação que buscou avaliar de que
maneira as decisões jurisdicionais poderiam ser proferidas para se atingir eficiência
econômica, no sentido de aferiação e aumento da riqueza em termos monetários, aproximando
o sistema jurídico dos critérios de mercado. Evidencia-se, portanto, que o critério assumido
por pelo citado autor foi o da maximização da riqueza, a significar uma imbricação entre
justiça e riqueza, por meio da qual esta deve ser perseguida.
As preferências demonstradas pelos indivíduos devem ser traduzidas economicamente,
havendo relevância dessas escolhas quando há repercussão no mercado. A maximização da
riqueza, nesse sentido, atrela-se ao valor monetário que se atribui aos bens, relacionando os
custos de transação aos benefícios auferidos, sendo estes, no entanto, advindos de uma ideia
de consentimento dos indivíduos.
Ou seja, parte-se de uma premissa de que há consenso e consentimento a respeito
desses benefícios por toda a sociedade. Assim, Salama explica que “a riqueza da sociedade é
função do valor monetário subjetivamente atribuído aos bens e serviços de maneira ampla”
(SALAMA, 2012, p. 22). Até esse momento, Posner adotava uma perspectiva descritiva do
Law and Economics.
A partir da obra Antitrust Law: an Economic Perspective, publicada em 1976, o autor
assume um posicionamento normativista, preocupado com a elaboração de leis e sua
interpretação, a partir da efetiva verificação de custos-benefícios, afirmando que as empresas
agem racionalmente para obtenção de lucros, repercutindo no desenvolvimento da sociedade,
razão pela qual deve haver previsão legal que dê guarida às relações concorrenciais.
No prefácio da obra Economia da Justiça, Posner explica que, nos sistemas de civil
law, as normas legisladas devem necessariamente guiar as decisões jurisdicionais, cumprindo
ao juiz, portanto, o papel de identificar e aplicar as normas ao caso concreto levado à sua
apreciação. Explica, no entanto, que, após o advento do segundo pós-guerra, os tribunais dos
países de civil law, a exemplo do Brasil, começaram a se guiar pelas orientações advindas do
commom law, deixando a concepção positivista estrita e seguindo uma tendência de
interpretação constitucional, a partir da ponderação de valores e interesses, o que repercutiu
na assunção de critério discricionário de julgamento, pautada nas lacunas dos textos
legislativos.
146
Nesse sentido, Posner defende que “os juízes exercem e devem exercer a
discricionariedade. Esta, porém, deve seguir os ditames de uma teoria econômica aplicada ao
direito: a chamada ‘análise econômica do direito’ ou ‘direito e economia’ (law and
economics)” (POSNER, 2010, p. XII). A discricionariedade serve como justificativa para que
os juízes aloquem o seu entendimento, orientado pelo viés economicista, de modo a
proferirem decisões jurisdicionais que atendam aos interesses de determinado grupo, para que
se obtenha a maximização da riqueza, que nada mais é que a eferição do custo-benefício para
direcionar a decisão.
Essa avaliação do custo-benefício não se limita apenas àquilo que pode ser
efetivamente precificado, na medida em que os economistas valem-se de técnicas específicas
com o intuito de monetizar, inclusive, despesas e benefícios não pecuniários. Essa aferição
monetária, portanto, presta-se a orientar a tomada de uma decisão de modo eficiente, podendo
ser fundamentada em normas ou tomada apesar da norma, desde que atenda ao critério da
maximização da riqueza.
A teoria de Posner acerca da maximização da riqueza parte da diferenciação entre
valor e riqueza. Valor não é sinônimo de preço. Este é considerado o quantum que o
consumidor marginal pagará por determinada mercadoria. Segundo o autor, “a coisa mais
importante que devemos ter em mente sobre o conceito de valor é que este se funda naquilo
que as pessoas estão dispostas a pagar por uma mercadoria e não na felicidade que extrairão
de sua aquisição” (POSNER, 2010, p. 73).
Assim, o valor vincula-se à disposição para pagar por algo, ao quanto se quer algo e se
está-se propenso a pagar por ele. Por sua vez, “a riqueza da sociedade é a totalidade da
satisfação das preferências [...] financeiramente sustentadas, isto é, que se manifestam em um
mercado” (POSNER, 2010, p. 73). Posner, portanto, vincula riqueza à repercussão da
satisfação das preferências em nível de mercado, ou seja, há riqueza quando há satisfação do
mercado que repercuta financeiramente.
Dessa forma, na visão posneriana, a liberdade econômica é critério fundamental para
que haja a maximização da riqueza, pois quanto maior for o mercado, maior será a satisfação
das preferências a gerar aferição financeira. E, para que esse mecanismo de ganho seja
eficiente, na visão de Posner, o sistema judicial deve atuar de modo a garantir a liberdade do
mercado, oferencendo segurança e garantia à proteção dos contratos e da propriedade privada,
gerando confiança, o que, por si só, aumenta a disposição do mercado a fazer circularem bens
e riquezas, gerando, por fim, lucros.
Nessa medida, Posner desenvolve um conceito de justiça fundado na maximização de
147
riqueza, que é diverso da maximização da utilidade proposta por Bentham. Ainda aponta o
risco como um fenômeno universal a que se tem aversão (POSNER, 2007), razão pela qual há
que se buscarem respostas institucionais para mitigação dos riscos, de modo a criar um
ambiente favorável à melhor alocação de recursos (melhor custo-benefício). Acerca do
eficientismo como critério ético defendido por Posner, Salama explica:
O que Posner propôs, portanto, é que as instituições jurídico-políticas, inclusive as
regras jurídicas individualmente tomadas, devam ser avaliadas em função do
paradigma de maximização da riqueza. Em síntese, a teoria é a seguinte: regras
jurídicas e interpretação do direito que promovam a maximização da riqueza (i. e.
eficiência) são justas; regras e interpretações que não a promovam são injustas. Isto
leva à noção de que a maximização da riqueza (ou a “eficiência”, já que Posner
utiliza as duas expressões indistintamente) seja fundacional ao direito, no sentido de
que preveja um critério ético decisivo. (SALAMA, 2012, p. 8).
A eficiência, em Posner, é vista como critério direcionador da teoria da justiça, a partir
da maximização da riqueza preconizada, sendo justas as interpretações que tenham esse
condão, o que torna, de fato, imbricada a conceituação de eficiência e maximização da
riqueza. Deve-se ter em mente que o conceito de justiça adotado pelo autor parte do marco
teórico de John Rawls, segundo o qual, “o objeto primário da justiça é a estrutura básica da
sociedade, ou mais exatamente, a maneira pela qual as instituições sociais mais importantes
distribuem direitos e deveres fundamentais e determinam a divisão de vantagens provenientes
da cooperação social” (RAWLS, 2000, p. 7-8).
Assim, em Rawls, direitos fundamentais são vistos como critérios distributivos e de
auferição de vantagem, partindo, essa noção, de um viés pautado em política econômica, na
qual os indivíduos escolhem o que lhes é mais vantajoso para maximização da utilidade.
Posner, por sua vez, aponta que a eficiência deve denotar a alocação de recursos nos
quais o valor é maximizado, sendo o sistema jurídico um ambiente propício para que esse
ajuste alocativo de recursos se opere de modo a criar o melhor custo-benefício. Vai expor,
ainda, a compreensão de que a eficiência seria a riqueza de uma nação, invocando, para isso, a
noção de riqueza defendida por Adam Smith68, indicando que a eficiência mostra-se como um
valor social importante, que deve, portanto, ser incluído nas decisões judiciais (POSNER,
2007). Reafirmando a eficiência como critério de maximização de riqueza, enfatiza:
É provável que o principal problema ético colocado pela abordagem da eficiência ao
68 Adam Smith foi feroz defensor da livre concorrência e do liberalismo econômico, combatendo intervenções
estatais na economia, defendendo que a riqueza de uma nação é parametrizada pela riqueza do povo (SMITH,
1996).
148
direito comum seja a discrepância entre a maximização da eficiência e as noções de
distribuição justa da riqueza. Em uma economia de mercado em que o papel da lei e
do governo em geral é precisamente o controle das externalidades e a redução dos
custos de transação - que é basicamente tudo o que a eficiência econômica da lei e
do governo exige -, as diferenças existentes nos custos, capacidades e sorte dos
indivíduos poderiam gerar desigualdades substanciais na distribuição de renda e
riqueza.69 (POSNER, 2007, p. 419, tradução nossa).
Desse modo, Posner reconhece que a eficiência pode estar envolta em um problema de
distribuição da riqueza (equidade ou justiça distributiva), que pode dar ensejo a
desigualdades. Contudo, defende que o mercado e o governo devem buscar a redução dos
custos em suas diversas operações, seguindo fielmente, nesse ponto, o entendimento de seu
orientador, Coase.
De forma estratégica, já que a metodologia do Law and Economics visa à
maximização da riqueza, sobretudo, quando da atuação dos órgãos jurisdicionais, as aporias
legislativas acabam por servir de justificativa para alocação da discricionariedade dos juízes e
dos tribunais quando do proferimento das decisões. Assim, Posner explica:
Sugeri que a análise econômica seja usada para orientar a decisão judicial – para
instruir os juízes quanto ao melhor modo de decidir causas cujo resultado não é
determinado diretamente pelos textos da Constituição ou da legislação
infraconstitucional, ou seja, causas situadas naquele campo aberto em que os juízes
podem exercer sua discricionariedade. [...] A maioria das áreas de direito público é
regida por um texto constitucional ou infra-constitucional ao qual os juízes estão
vinculados; muitas vezes, porém, esse texto é vago e deve ser interpretado
criativamente, o que exige, por sua vez, o exercício da discricionariedade judicial.
(POSNER, 2010, p. XV).
A discricionariedade apontada por Posner é aquela na qual os juízes e os tribunais
devem, efetivamente, criar um direito para o caso concreto, sobretudo, quando há lacuna
normativa, de modo a associar a eficiência à análise econômica, a fim de que as decisões
jurisdicionais sejam proferidas após avaliação da repercussão que se poderá aferir pelo
critério de maximização da riqueza, ou seja, melhor alocação dos recursos (avaliação custo-
benefício).
Essa orientação, no entanto, foge da orientação democrática, na qual tanto a lei, quanto
as decisões jurisdicionais e administrativas devem ser legitimadas pela participação dos
69 Es probable que el principal problema ético planteado por el enfoque de la eficiência al derecho común se ala
discrepancia existente entre la maximización de la eficiencia y las nociones de la distribuición justa de la
riqueza. En una economía de mercado donde el papela del derecho, y del gobierno en general, es justamente el
control de las externalidades y la reducción de los costos de transacción – que es basicamente todo lo que
requiere la eficiência económica del derecho y el gobierno -, las diferencias existentes en los gustos, las
capacidades y la suerte de los indivíduos podrían generar desigualdades substanciales en la distribución del
ingresso y la riqueza.
149
sujeitos, já que as normas devem ser elaboradas sob a perspectiva democrática, assim como as
decisões devem ser construídas a partir dos argumentos apresentados pelos sujeitos
processuais.
Ao contrário, Posner defende uma atuação jurisdicional deliberada, criativa, com a
melhor aferição custo-benefício, em um viés estritamente econômico, que deixa de perquirir,
portanto, se o processo está sendo visto como garantia de direitos fundamentais ou como mera
garantia dos interesses de um grupo de poder específico. O autor vai defender, portanto, que o
Law and Economics exerce influência na tomada de decisões no âmbito jurisdicional tanto em
uma dimensão positiva (atuação discricionária e supletiva de lacunas por teorias econômicas),
quanto normativa (POSNER, 2010).
Dessa forma, aponta a eficiência como meta do Estado para promoção dos objetivos
sociais de consenso geral, devendo sua promoção se dar por meio de um sistema jurídico apto
a corrigir eventuais falhas do mercado decorrentes de externalidades70 (POSNER, 2010).
No entanto, Posner foi duramente criticado por Dworkin, um de seus maiores algozes,
que publicou o texto Is Wealth a Value?, em 1980, com o claro objetivo de expressar rejeição
à AED proposta por Posner. Dworkin aponta que o problema basilar do Law and Economics
seria, em seu aspecto normativo, considerar que a maximização da riqueza social é um
objetivo digno e, questiona, assim, por qual motivo a riqueza deve ser considerada um
objetivo digno e quais seriam os critérios para tanto. Questiona ainda se a maximização de
riqueza se vincula ao aumento do valor e afirma que essa resposta não poderia ser dada pela
Economia, por se tratar de uma questão de filosofia moral.
Para Dworkin, a riqueza social não é alvo central das preocupações individuais, já que
cada indivíduo preocupa-se mais consigo mesmo, para fazer escolhas que vão lhe beneficiar.
Assim, entende que o cálculo para se aferir a riqueza social estaria prejudicado. Critica a
AED, na medida em que, para essa disciplina, a resposta correta a uma questão judicial seria
aquela que promovesse a riqueza social, e defende que essa mesma verificação deve ser
promovida a fim de se escolher quais são os “direitos humanos mais fundamentais dos
cidadãos” (DWORKIN, 2005, p. 375).
Posner defende que a maximização da riqueza é benéfica, pois há uma melhoria
global, de modo que aqueles que produzem bens e serviços tenham um mercado apto a
consumir, gerando, assim, justiça distributiva. Dworkin (2005), ao contrário, sustenta que a
70 Externalidades seriam comportamentos não mercadológicos (POSNER, 2010). De acordo com Rosa e Aroso
Linhares, “as externalidades são consequencias positivas ou negativas decorrentes das ações dos sujeitos em
face de terceiros não intervenientes nas transações originárias.” (ROSA; AROSO LINHARES, 2011, p. 74).
150
maximização da riqueza não leva à justiça distributiva, já que os bens se alocam no
patrimônio de quem paga mais para tê-los e que, para isso, Posner se ambasa no critério de
meritocracia, segundo o qual, há recompensa destinada às pessoas de acordo com seus
méritos.
Dworkin discorda com veemência de que a riqueza social seja um componente do
valor social e, dessa forma, afirma que “é bizarro atribuir aos juízes o motivo de maximizar a
riqueza por si mesma ou de perseguir a riqueza social como um alvo falso para algum outro
valor” (DWORKIN, 2005, p. 393-394). Ou seja, denuncia que, sob o fundamento de
maximização de riqueza, os decisores estejam, em verdade, buscando atender a interesses
diversos.
As críticas do referido autor à AED não cessaram, e houve ainda a publicação de outro
artigo de sua autoria, em 1980, denominado Why Efficiency?, no qual afima que “Posner
acredita que os órgãos do governo, particularmente os tribunais, deveriam tomar decisões
políticas de modo a maximizar a riqueza social” (DWORKIN, 2005, p. 411). Assim, Dworkin
critica, afirmando que Posner parte do pressuposto de que há interesse e consentimento de
todos nos critérios adotados para maximização de riqueza, inclusive daqueles sucumbentes
nas ações judiciais. No entanto, defende que consentimento e interesse são conceitos distintos:
O fato de haver interesse próprio não constitui de maneira nenhuma um
consentimento efetivo. Em algumas circunstâncias, porém, o fato de haver interesse
próprio é uma boa prova para o que poderíamos chamar de consentimento
contrafactual: isto é, a proposição com a qual eu consentiria se me pedissem.
(DWORKIN, 2005, p. 413).
Evidencia-se, portanto, que o consentimento contrafactual, que é o adotado por
Posner, na medida em que não se pode afirmar que exista consentimento da totalidade dos
indivíduos, é um consentimento ficto (contrafactual) e, desse modo, partindo-se de uma
aferição imprecisa, pode ali se alocar o consentimento direcionado ao atendimento dos
interesses mais diversos, que podem não corresponder, necessariamente, àquilo que
efetivamente seria de interesse de cada um dos indivíduos formando uma unanimidade.
Assim, Dworkin infere que Posner adota unicamente o consentimento contrafactual, que não
pode servir de justificativa plausível para se apontar a riqueza social como objetivo:
Como Posner tem em mente uma escolha contrafactual e não uma escolha efetiva,
qualquer seleção de grau ou data de ignorância deve ser inteiramente arbitrária, e
seleções diferentes ditariam regras muito diferentes. [...] Posner não pode afirmar
que mesmo o consentimento contrafactual seria unânime. [...] Posner claramente
quer produzir o consentimento sob condições que se revelam não de ignorância
151
natural, mas de ignorância forjada [...]. Posner parece ser capaz de definir suas
condições de escolha contrafactual apenas para chegar aos resultados que quer.
(DWORKIN, 2005, p. 418-419).
Há, portanto, insurgência de Dworkin à arbitrariedade ou falta de critério para escolha
das condições que realmente seriam feitas em nível social, para fins de determinação dos
aspectos maximizadores da riqueza.
A partir das críticas apontadas, Posner buscou se defender e, em 1985, quando então já
exercia o cargo de juiz por nomeação do Presidente Reagan, publicou artigo intitulado Wealth
Maximization Revisited (Maximização da Riqueza Revisitada), ocasião em que alterou pouco
seu posicionamento. Afirmou que a eficiência seria vinculada ao conceito de justiça, e que a
maximização da riqueza deveria se vincular à proteção dos direitos individuais previstos nas
Constituições. Assumindo um caráter de aplicação do Direito mais pragmático, Posner vai
defender a aplicação imediata da regras e a ponderação dos valores.
Já na década de 1990, ao publicar a obra Problemas de Filosofia do Direito, Posner
rejeita a tão criticada maximização da riqueza como fundamento de aplicação do Direito e a
coloca envolta de outros valores, de modo a defender um pragmatismo jurídico peculiar, que
preceitua a aplicação do Direito de forma prática, sem perquirição de bases filosóficas.
Salama, então, explica:
A missão do juiz pragmático é a de decidir de maneira razoável. Isso quer dizer que
o juiz deve sopesar as prováveis consequências das diversas interpretações que o
texto permite, mas a elas não se deve fiar cegamente. O Juiz deve igualmente
defender os valores democráticos, a Constituição, a linguagem jurídica como um
meio de comunicação efetiva e a separação de poderes. A eficiência é então uma
consideração; uma, dentre várias outras. (SALAMA, 2012, p. 25).
Esse chamado giro pragmático de Posner acontece quando o critério de maximização
da riqueza passa a ser uma justificativa para que as decisões sejam direcionadas à busca por
alocação de bens, de modo a se persegir riqueza social, sem se perquirir uma justificativa
ética, voltada à unidade e ao consenso (BOLZAN DE MORAIS; COPETTI NETO, 2011).
Nessa toada, a análise econômica do Direito de Posner busca a formulação de decisões
jurisdicionais em que as consequências possam ser aferidas pela eficiência, que deve ser
considerada, assim como outros valores, a fim de se obter uma decisão que se diga justa.
Nesse sentido, Posner afirma:
Quando surge um caso efetivamente novo, as regras do jogo judicial exigem que o
juiz atue como legislador e, portanto, decida segundo seus valores [...]. A eficiência
[...] representa um valor social importante. É, portanto, interiorizada pela maioria
152
dos juízes e talvez seja o único valor social que estes podem promover eficazmente,
dada a limitação de seus poderes corretivos e o pluralismo de valores de nossa
sociedade. (POSNER, 2009, p. 141).
Assim, o autor coloca a eficiência como valor social pressuposto e apriorístico, já
introjetado na sociedade e nos julgadores, de modo a ser um critério de validação das decisões
proferidas e um critério orientador apto a promover uma suposta eficácia do próprio sistema.
Ou seja, a eficiência, na visão posneriana, deve ser capaz de suprir aporias legislativas –
oportunas para o ajuste eficientista -, de modo que o Judiciário atue ainda no exercício da
função legislativa, de acordo com seus próprios valores. Ou seja, abre-se um patamar de
discricionariedade orientado por valores pessoais do julgador:
Quando os juízes são chamados a desempenhar uma função legislativa, a eficiência
deve influenciar sua decisão. A decisão de um caso realmente novo abre um
precedente que orientará o julgamento dos casos futuros, e as regras do jogo judicial
exigem que os juízes sigam a jurisprudência (embora não devam deixar-se
escravizar por esta) em vez de decidir do zero cada caso futuro. (POSNER, 2009, p.
141).
Evidencia-se, portanto, que a orientação da AED levada a cabo por Posner coloca o
Judiciário em posição de interferência direta na função legislativa, em um viés absolutamente
diverso do preconizado pelo modelo constitucional de processo, havendo, portanto, uma
declarada posição de judicialização da política71, sob o pretexto de supressão de lacunas no
ordenamento, bem como buscando uma falaciosa segurança jurídica, pois aponta a orientação
jurisprudencial como modelo de julgamento de casos futuros, ao mesmo tempo em que
relativiza essa importância, viabilizando ao julgador a mudança de entendimento e o
afastamento da jurisprudência a partir da análise ética eficientista. Assim, acentua:
Mesmo que os casos subsequentes não tragam nenhuma marca do raciocínio
econômico, sua decisão será eficiente se, nos casos precedentes que a influenciaram,
os juízes, desempenhando a função de legisladores, tiverem baseado sua decisão em
um desejo de aumentar a eficiência. Logo, o direito pode ser eficiente, ainda que a
preocupação com a eficiência apresente-se em apenas uma pequena fração de casos.
(POSNER, 2009, p. 141).
A partir da averiguação da teoria posneriana, cumpre avançar e verificar, ainda dentro
da metodologia do Law and Economics, uma outra vertente que se vincula à análise da
litigância, o que foi abordado por Kaplow e Shavell.
71 De acordo com Nunes, a judicialização da política decorre da “tendência de transferir poder decisório do
Poder Executivo e do Poder Legislativo para o Poder Judiciário.” (NUNES, 2008a, p. 179).
153
5.3.3 A Análise Econômica da Litigância de Shavell e Kaplow
Steven Shavell é economista e professor de Law and Economics da Universidade de
Harvard, sendo um dos precursores dessa metodologia, sobretudo, no estudo dos reflexos
econômicos das normas processuais civis, tendo desenvolvido uma teoria econômica da
litigância. Assim, em 2004, publicou artigo denominado Foundations of Economics Analysis
of Law, no qual avaliou os efeitos das normas jurídicas sobre o comportamento das partes, e
se esses efeitos seriam socialmente desejáveis. Ou seja, Shavell partiu do pressuposto de que
há uma racionalidade na escolha do modo de agir dos indivíduos que buscam satisfação
pessoal (KAPLOW; SHAVELL, 1999).
Shavell aponta como sendo estágios da litigância: eventual ajuizamento da ação,
eventual acordo e eventual julgamento, definindo processo judicial como conjunto de regras
que direcionam o exercício dos direitos dos sujeitos processuais e a técnica pela qual a parte
adversa apresenta sua defesa (SHAVELL, 2004, p. 445).
Juntamente com Louis Kaplow, também da Universidade de Harvard, Shavell
desenvolveu uma concepção de litígio civil, que seria a demanda judicial cujos sujeitos
processuais são atores privados, analisando questões atinentes aos custos envolvidos para
tramitação do processo judicial, bem como analisou a repercussão econômica da manutenção
do litígio e da opção pela via consensual. Além disso, Kaplow e Shavell (1999) buscaram
verificar o modo pelo qual as normas jurídicas repercutem na decisão das partes de irem ou
não a juízo e os impactos econômicos advindos da decisão jurisdicional.
Kaplow e Shavell (1999) defendem que a opção dos sujeitos processuais por
ajuizarem ou não uma ação parte de uma análise racional de custo-benefício, e, assim,
afirmam que o autor ajuizará uma ação quando o custo da demanda for menor do que os
benefícios a serem supostamente auferidos. Concluem, portanto, que o demandante
processará somente se o custo da contenda for menor que a repercussão econômica advinda.
Após o ajuizamento, no entanto, a análise passa a ser acerca da viabilidade econômica de
celebração de um acordo ou de se valerá aguardar o julgamento.
Kaplow e Shavell desenvolveram o estudo da social welfare function, que corresponde
a uma metodologia econômica para elaboração e análise das normas, bem como para o
proferimento das decisões jurisdicionais. Ou seja, a principal orientação para a
implementação da metodologia dos referidos autores era a fixação do bem-estar social como
parâmetro para a formulação e aplicação das normas jurídicas (WOLKART, 2018).
Cumpre observar, portanto, que deixam de utilizar o termo eficiência, a fim de afastar
154
uma confusão com a teoria de maximização da riqueza defendida por Posner, mas, na prática,
essa busca por bem-estar pode se vincular, ao final, a uma busca por maximizar a riqueza da
mesma forma. Além disso, a eficiência econômica é finalidade precípua da metodologia do
Law and Economics, não havendo como se desvincular desse objetivo.
Ao se considerar que o welfare economics abarca uma gama de valores dos
indivíduos, que lhes dão prazer e satisfação, tanto no aspecto sentimental quanto material,
pode-se inferir que a teoria de Kaplow e Shavell possui matriz eminentemente utilitarista, e,
lado outro, não há precisão e objetividade no conceito de bem-estar, razão pela qual se pode
considerá-lo conceito jurídico indeterminado, cabendo a alocação do sentido que quer lhe
outorgar a autoridade.
Nessa medida, as normas jurídicas elaboradas e a aplicação voltada ao bem-estar
social, que, em verdade, busca o bem-estar econômico, com vistas à aferição do melhor custo-
benefício para a tomada de decisões, tanto com relação ao ajuizamento de ações judiciais,
quanto no que tange à celebração de acordo ou opção pelo julgamento, dizem respeito a uma
análise de cunho econômico, utilitarista. Assim, o discurso de Kaplow e Shavell tangencia
pontos fulcrais da teoria posneriana, muito embora queiram se desvencilhar do termo
eficiência, mas que, no fundo, tem o mesmo condão.
Um exemplo de como é aplicada a teoria econômica da litigância de Kaplow e Shavell
ao Direito Processual Civil é aquele em que se analisa o congestionamento de recursos
pendentes de julgamento nos Tribunais Superiores, o que serve de pretexto para o
comprometimento da qualidade das decisões e corrobora para o desenvolvimento da
jurisprudência defensiva. De acordo com Wolkart, que adota a teoria de Shavell e Kaplow,
dever-se-ia pensar em normas de restrição de acesso aos tribunais como medida de bem-estar,
o que, em verdade, é medida de eficiência. Assim, sustenta:
Essas normas restritivas, submetidas a uma análise econômica normativa fundada no
critério de bem-estar, certamente receberiam avaliação positiva. De nada adianta
proporcionar livre acesso às cortes superiores e ao mesmo tempo inviabilizar seu
funcionamento, externalizando efeitos negativos da utilização exagerada desse
acesso para toda a sociedade. (WOLKART, 2018, p. 145).
Assim, evidencia-se que a teoria econômica da litigância de Kaplow e Shavell segue o
mesmo viés eficientista das teorias de Coase e Posner, todas vincadas na AED, que
desprestigia a matriz de democraticidade processual preconizada. A análise feita pelos
economistas visa, precipuamente, uma aferição econômica de custo-benefício, sem perquirir a
proteção e a observância às garantias fundamentais. O acesso à jurisdição e as demais
155
garantias são vistas como óbice à celeridade e à redução de custos, ficando, portanto, sujeitas
à busca de uma normatividade que esteja alinhada a uma suposta busca de bem-estar, que,
verdadeiramente, significa bem-estar para atendimento de interesses econômicos, em total
despreocupação com o processo democrático.
Kaplow e Shavell buscam o deterrence, segundo o qual, as normas jurídicas devem ser
formuladas de modo a gerar desestímulo das partes ao litígio, e, além disso, as decisões
jurisdicionais proferidas devem desincentivar a propositura de ações ou interposição de
recursos, de modo que o deterrence deve ser uma das finalidades do processo.
A CRFB/88, em seu art. 5o, XXXV, promove valorização do acesso à justiça, e, nesse
sentido, há desalinhamento entre a teoria econômica da litigância de Kaplow e Shavell e o
preconizado constitucionalmente, muito embora isso não queira significar que, no Brasil, haja
estímulo à litigância. Ao contrário, os custos da ação são altos, e a tramitação, morosa, o que,
por si só, gera desestímulo à litigância, ainda que a parte saiba que possui direitos a serem
assegurados.
Realizada a análise da eficiência para a Ciência Econômica, para a Administração e
para a metodologia da Law and Economics, é imprescendível que seja verificado como a
eficiência se articula em termos jurídicos.
157
6 DA EFICIÊNCIA E SUA PERSPECTIVA JURÍDICA
É importante perquirir como a eficiência se perfaz em uma perspectiva jurídica, tanto
em nível doutrinário, quanto em projeção no CPC/15. Para esse desenvolvimento, analisar-se-
á a concepção de eficiência traçada por Taruffo, e, posteriormente, será oportuna a
averiguação da eficiência a partir do entendimento formulado por juristas brasileiros. Feita
essa aferição, caberá analisar como a eficiência se delineia no CPC/15.
6.1 Eficiência para Michele Taruffo
Taruffo escreveu a obra La motivazione della sentenza civile, tendo sustentado, em
síntese, que a fundamentação das decisões é uma garantia constitucional do processo,
conectando-se, dessa forma, ao “caráter democrático do sistema político e do sistema
jurisdicional” (TARUFFO, 2015, p. 23). Explica ainda que a fundamentação das decisões
viabiliza o controle endoprocessual pelos sujeitos processuais, assim como o controle externo,
que deve ser realizado em razão do direito que a sociedade tem de ver proferidas decisões
racionalmente formuladas, já que repercutem no âmbito da administração da justiça
(TARUFFO, 2015).
Essa perspectiva de controle endoprocessual da decisão e controle externo
compatibiliza-se com a análise da accountability judicial decisional, enquanto possibilidade
de fiscalidade, que será minudenciada no subcapítulo 7.2.1. Assim, Taruffo aponta para o
dever de fundamentação racional como garantia do processo, de modo que se pode inferir
pela compatibilidade teórica entre essa perspectiva, a perspectiva desenvolvida por Fazzalari
(teoria do processo como procedimento em contraditório) e o modelo constitucional de
processo de Andolina e Vignera, já explicados no subcapítulo 3.2.1 da presente pesquisa.
Taruffo explicitou seu entendimento de que a eficiência dos sistemas jurídicos está
adquirindo importância ímpar e, dessa forma, buscou analisar o que seria a eficiência e para
que serviria a eficiência no processo civil. Além disso, referido autor buscou avaliar de que
modo as técnicas processuais da oralidade e da escritura poderiam repercutir em ganho de
eficiência (TARUFFO, 2008).
Para a busca das respostas aos questionamentos apontados, Taruffo parte do que
deveriam ser considerados os objetivos do processo civil: a) a eficiência deveria se pautar na
busca de celeridade e redução de custos; b) a eficiência estaria relacionada com a qualidade
da fundamentação das decisões jurisdicionais. E, dessa forma, aponta que a qualidade das
158
decisões adquire uma grande relevância, na medida em que legitima os propósitos do
processo (TARUFFO, 2008). Nunes e Bahia (2009) nomeiam a primeira hipótese aventada
por Taruffo de eficiência quantitativa e a segunda hipótese de eficiência qualitativa.
A eficiência quantitativa pauta-se na busca de celeridade e redução de custo, sendo
exatamente nessa perspectiva, que o Documento Técnico n. 319 do Banco Mundial induziu as
reformas processuais no Brasil, em busca de alta produtividade judicial. Nesse sentido, Nunes
avalia:
Os movimentos de reforma processual brasileira, apesar de se estruturarem sob um
discurso ideológico socializador, sofreram uma degeneração sob o viés neoliberal,
que estruturou uma perspectiva interpretativa funcional (neoliberalismo processual),
preocupada tão-somente com a máxima rapidez procedimental e produtividade dos
juízes, em quase inexistente espaço público processual, esvaziando a visão dinâmica
dos princípios processuais constitucionais e a importância técnica e institucional do
processo. (NUNES, 2008a, p. 53).
Essa concepção de eficiência quantitativa é a que se empreende no art. 93, II, c, da
CR/8872, com redação dada pela Emenda Constitucional n. 45/98, e que vem sendo mostrada
nos relatórios Justiça em Números do CNJ, desde o ano de 2009. Demonstrando essa
tendência à busca prioritária da eficiência quantitativa, a Resolução n. 198/14 do CNJ traz o
que intitula de Estratégia Judiciário 2020, na qual traça metas para o período de 2015 a 2020.
Nesse documento, há um glossário dos macrodesafios do Judiciário, no qual consta a
seguinte descrição de efetividade: “trata-se de indicador sintético de resultado, denominado
índice de Efetividade da Justiça – IEJus, que permitirá ao Poder Judiciário aferir sua
efetividade a partir dos dados relativos às dimensões: acesso à justiça, duração do processo e
custo” (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2014).
Há, dessa maneira, evidente confusão entre efetividade e eficiência. Não se cogitou
acerca da busca do que Nunes e Bahia (2009) denominam eficiência qualitativa, que tem foco
na fundamentação racional das decisões jurisdicionais. Para o CNJ, a efetividade será obtida
por meio do aumento da quantidade de julgados e da intensificação do uso da tecnologia da
informação (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2014).
Taruffo (2008) entende que a qualidade das decisões jurisdicionais deve se pautar pela
72 “Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da
Magistratura, observados os seguintes princípios: […]
II - promoção de entrância para entrância, alternadamente, por antiguidade e merecimento, atendidas as
seguintes normas:
[…]
c) aferição do merecimento conforme o desempenho e pelos critérios objetivos de produtividade e presteza no
exercício da jurisdição e pela frequência e aproveitamento em cursos oficiais ou reconhecidos de
aperfeiçoamento;” (BRASIL, 1988).
159
sua fundamentação e, assim, esta deve ser adequada a contemplar os argumentos suscitados
pelos sujeitos processuais, assim como deve analisar todos os pontos de fato, de direito e as
provas produzidas. Entende, dessa maneira, que um sistema jurisdicional eficiente se faz por
procedimentos céleres e econômicos, mas também quando se orienta estruturalmente de
forma a construir decisões que contemplem os argumentos das partes, com fundamentos
jurídicos pertinentes (TARUFFO, 2008).
Uma decisão jurisdicional construída com base no modelo constitucional de processo,
em que o contraditório, enquanto garantia de influência e não surpresa, seja observado em
todas as fases lógicas do processo, e a fundamentação decisória se faça em congruência com
os argumentos de fato e de direito suscitados pelos sujeitos processuais, analisando todos os
pontos controvertidos e as provas produzidas, gera legitimidade decisória, absolutamente
pertinente com o preconizado por Taruffo. Essa decisão repercutirá na efetiva entrega da
atividade satisfativa aos sujeitos processuais, o que poderá reduzir sobremaneira o número de
recursos interpostos, implicando, assim, em razoável duração do processo.
Para Taruffo (2008), a eficiência decorrente da tramitação célere do processo e com
baixo custo não se antagoniza à eficiência obtida pela fundamentação racional das decisões.
Ambas as perspectivas de eficiência do sistema jurídico (quantitativa e qualitativa) devem ser
compatibilizadas, desde que haja observância das garantias processuais. O que Taruffo
sustenta é que podem haver técnicas que otimizem o fluxo processual de modo a repercutirem
em resultados satisfatórios que agregem razoável duração do processo e custos reduzidos, nos
quais haja a formulação de decisões jurisdicionais racionalmente fundamentadas (TARUFFO,
2008).
A articulação feita por Taruffo acerca da eficiência é, então, adotada como marco
teórico na presente pesquisa, sendo ponto de partida para a construção daquilo que será aqui
defendido como eficiência da jurisdição e efetividade do processo, a partir do alinhamento
com a concepção de processo de Fazzalari e com o modelo constitucional de processo de
Andolina e Vignera.
Antes, porém, cabe analisar o entendimento de eficiência adotado por alguns
processualistas civis brasileiros, que, em sua maioria, sustentam uma eficiência do processo,
mas que deixa de distinguir processo e jurisdição, o que faz com que, por vezes, tratem como
eficiência do processo o que na realidade dizem sobre eficiência da jurisdição.
160
6.2 Eficiência na concepção doutrinária brasileira
Há processualistas que defendem a eficiência do processo, ou seja, vincula-se o
processo à noção de eficiência, e o que se verifica é confusão entre aquilo que pode ser
considerado eficiência do processo e eficiência da jurisdição, que são concepções distintas.
Leonardo Carneiro da Cunha defende que a eficiência é princípio que direciona
“balizamento, construção e reconstrução de regras pelo juiz”, sustentando que os juízes e
tribunais devem estabelecer meios eficientes para solução da demanda jurisdicional
(CUNHA, 2014, p. 75), e, assim, vincula a eficiência processual à gestão do processo pelo
juiz. Há, nesse sentido, alocação do juiz a uma posição de centralidade no processo, como
gestor, de modo a conduzir a demanda da forma como melhor lhe convier, dentro de um
critério de suposta eficiência, que é amplo e indeterminado, dando azo à discricionariedade.
Eduardo Luiz Cavalcanti Campos (2018) entende que a eficiência é princípio do
processo, capaz de promover a ressignificação de outros princípios, e, assim, conduzir o
intérprete a se posicionar para o alinhamento do processo a uma gestão não aleatória, mas
direcionada à obtenção da tutela jurisdicional pelo meio mais econômico e sem dilações
indevidas. A esse respeito, Eduardo José da Fonseca Costa posiciona-se contrariamente:
Inúmeras garantias individuais têm sido ultimamente "ressignificadas" [rectius:
mutiladas] à luz do princípio da eficiência. É preciso barrar essa onda neo-
autoritária, porém. Cânones de eficiência estatal não restringem garantias
individuais; decididamente, são garantias individuais que restringem cânones de
eficiência estatal. São as instituições de garantia que "ressignificam" as instituições
de poder, não o contrário. É o procedimento que limita os arroubos da eficiência
jurisdicional, não a eficiência jurisdicional que otimiza o procedimento como se
fosse ele um lego desmontável no formato A e remontável no formato B. (COSTA,
2018, p. 3).
A ressignificação principiológica proposta por Campos induz a perigos consideráveis,
ante a abertura interpretativa dada ao decisor. A decisão será formulada segundo critérios de
eficiência, eivados de precisão e carregados de subjetivismo, de modo a repercutir na
alocação de sentido com carga valorativa, a partir da ressignificação aleatória dos princípios
constitucionais.
Ainda segundo Campos, o princípio da eficiência deve permitir “o preenchimento de
lacunas, mediante criação de mecanismos que contribuam para a eficiência processual, além
de exercer uma função bloqueadora em relação às regras que, no caso concreto, não
contribuem para a eficiência” (CAMPOS, 2018, p. 64). Assim, o autor coloca a eficiência, em
verdade, como um princípio capaz de afastar toda e qualquer norma que, dentro do
161
entendimento do intérprete (juiz ou tribunal), venha afetar o resultado do processo, o que
enseja a utilização da eficiência como meio de adequação à obtenção da tutela pretendida.
Ao mesmo tempo, Campos, define a eficiência como subprincípio do princípio
democrático, sustentando que, em nome da eficiência, haja preenchimento de lacunas
normativas, com criação pelo juiz de mecanismos permeados de plasticidade, capazes de se
ajustarem e ensejarem afastamento daquilo que denomina formalismo excessivo. Além disso,
defende que a eficiência é direito fundamental e, dessa forma, capaz de afastar a aplicação de
normas que pareçam limitar a fluidez procedimental e estancar a celeridade (CAMPOS,
2018).
Ou seja, defende uma relativização na aplicação das normas processuais, em nome da
eficiência, ao mesmo tempo em que afirma que a eficiência deve cumprir seu papel
direcionador em um nível de comparticipação do juiz e dos sujeitos processuais (CAMPOS,
2018). Esse posicionamento acaba por colocar o juiz em posição de centralidade. Desse
modo, Campos afirma:
Por se tratar de norma constitucional, o princípio da eficiência processual é dirigido
não somente ao juiz, mas também ao próprio legislador, que tem o dever de criar
mecanismos processuais de gestão e de adequação do procedimento, para que o juiz
tenha o instrumental necessário para conduzir o processo com qualidade, menos
custos e em menor tempo, de modo a atingir suas finalidades da melhor forma.
(CAMPOS, 2018, p. 39).
O autor assume uma postura crítica contra o decisionismo do juiz, ao mesmo tempo
em que coloca o juiz em um pedestal, como gestor do processo e criador de mecanismos
procedimentais, mesmo apesar da lei, para atendimento de um eficientismo voltado à
eficiência quantitativa. A ênfase dada por Campos é na redução de custos e celeridade, apesar
da tentativa de vincular a eficiência ao devido processo (CAMPOS, 2018) e sustentar a
necessidade de eficiência da atividade jurisdicional, em evidente confusão entre jurisdição e
processo.
Campos, por vezes, trata da eficiência do processo e, em outras passagens, menciona a
eficiência como sendo da atividade jurisdicional. Invoca as regulações propostas pelo Banco
Mundial como fundamento econômico da eficiência e defende, nessa medida, que a eficiência
seria recomendável em virtude da democracia participativa, e também porque o sistema
jurídico deve se adaptar às diretrizes traçadas pelo Banco Mundial (CAMPOS, 2018).
Quando assume esse posicionamento, filia-se ao entendimento da adoção da eficiência
econômica como diretriz aplicativa das normas processuais, sem se dar conta da matriz
162
neoliberal que está por trás desse alinhamento e que, conforme já demonstrado, é
absolutamente incompatível com a lógica processual democrática.
Bruno Redondo sustenta que a eficiência pode ser princípio ou postulado normativo, a
depender do contexto de aplicação, considerando-se postulado quando imputa ao juiz o dever
de criar normas procedimentais individuais e concretas, com o objetivo de dar efetividade a
outro princípio vinculado à situação de fato. Lado outro, seria a eficiência considerada
princípio quando impusesse ao Judiciário dever de gestão processual eficiente Assim, para
Redondo, a eficiência seria instrumento para assegurar o cumprimento da lei, sendo, portanto,
dever do Estado, sustentando que deve haver a flexibilização procedimental para que haja
gestão processual adequada às particularidades do caso concreto (REDONDO, 2013).
Cabral entende que a eficiência é postulado normativo 73 , na medida em que “a
eficiência não é um valor em si, mas um instrumento de estruturação das ações
concretizadoras de valores” (CABRAL, 2017a, p. 244, nota). A defesa da eficiência enquanto
postulado normativo coloca carga discricionária na atuação dos julgadores, já que aponta os
valores como condicionantes de uma interpretação e aplicação eficiente das normas, dando
abertura a decisões subjetivas, pautadas em escolhas pessoais.
Assim, para Cabral, eficiência é vinculada ao processo, significando “alocação ótima
de recursos e técnicas processuais, para que se atinjam os escopos do processo, tanto quanto
possível, com a maior qualidade e os menores custos. Deve-se praticar um processo civil de
resultados” (CABRAL, 2017a, p. 247). A noção de eficiência processual defendida pelo autor
mostra-se espraiada na eficiência econômica (alocação ótima de recursos), com vistas à
redução de custos e busca por resultados, e, segundo aponta, “a eficiência processual procura
emprestar racionalidade decisória a partir de critérios de custo-benefício” (CABRAL, 2017a,
p. 250).
Ainda assim, Cabral (2017a) busca compatibilizar a eficiência econômica que defende
à observância das garantias processuais fundamentais e, além disso, coloca a eficiência
processual como “fim a ser buscado também na definição, planejamento, estruturação e
incremento da administração e organização judiciárias” (CABRAL, 2017a, p. 264). Ou seja, o
autor, a partir de um hibridismo peculiar, imbrica eficiência econômica, com necessidade de
flexibilização procedimental para resultados, necessária observância a garantias fundamentais
73 Segundo Humberto Ávila, “a eficiência e a razoabilidade, embora comumente denominadas de princípios pela
doutrina, são examinadas como postulados, na medida em que não impõem a realização de fins, mas, em vez
disso, estruturam a realização dos fins cuja realização é imposta pelos princípios” (2005, p. 3). De acordo com
Redondo, o postulado normativo é “norma que serve de fundamento e para o modo de aplicação de outra
norma (essa, por sua vez, um princípio ou uma regra).” (ÁVILA, 2013, p. 103).
163
e busca por organização da gestão jurisdicional, em clara indistinção entre jurisdição e
processo.
A maior parte dos juristas considera a eficiência como princípio, embora não haja
posicionamento uniforme acerca da concepção de eficiência, que, conforme já se demonstrou,
é conceito polissêmico, com base na Administração e nas ciências econômicas, tendo sido
introjetada no Direito, sobretudo, pela metodologia do Law and Economics74.
Independentemente de se adotar o entendimento da eficiência como regra, princípio ou
postulado normativo, parece haver uniformidade no entendimento de que o conceito de
eficiência tem vinculação econômica de custo-benefício, bem como coloca o juiz como
criador de uma normatividade que se volta a uma nova racionalidade vincada nos
pressupostos neoliberais de metas e resultados.
Faz-se, portanto, uma ode à eficiência, que se introjeta no ordenamento jurídico com
um discurso baseado na promessa de celeridade, redução de custo, flexibilização
procedimental, a fim de corrigir uma crise fundada na morosidade, a partir de argumentos
simplistas voltados ao lapso temporal. Acusa-se o formalismo do processo de travamento da
tramitação processual, deixando, muitas vezes, de se perquirir acerca do tempo em que o
processo permanece sem andamento em juízo.
O dito formalismo não é capricho ou exagero processual, mas advém da busca de se
assegurar que o processo seja garantia de direitos fundamentais, com a observância ao
contraditório dinâmico, ampla argumentação, imparcialidade e fundamentação racional das
decisões. A eficiência, no entanto, não traz em sua concepção a solicitude de garantir um
processo vincado em garantias constitucionais fundamentais, voltando-se, em viés de Estado
neoliberal, à formulação de decisões obedientes à racionalidade do mercado, que tem base
econômica não aderente aos preceitos democráticos, que preconiza uma construção decisória
comparticipada dos sujeitos processuais.
Realizada a análise da eficiência, a partir do desenvolvimento empreendido por alguns
juristas brasileiros, é importante discorrer acerca de sua incorporação ao CPC/15.
74 Mesmo com diferentes considerações acerca da eficiência, sobretudo, considerando-se a adoção de bases
teóricas distintas, processualistas como Humberto Theodoro Júnior (2015, p. 92), Fredie Didier (2016, p. 100)
e Alexandre Câmara (2016, p. 8), sustentam a eficiência como princípio. A pesquisa aqui desenvolvida não
pretende, por opção metodológica, verticalizar a análise acerca das diversas vertentes adotadas para
conceituação de regras, princípios e postulados normativos, o que necessitaria de uma averiguação
aprofundada do desenvolvimento feito por Humberto Ávila, Ronald Dworkin e Robert Alexy, e não há aqui
essa pretensão, ante a necessidade de delimitação da temática.
164
6.3 O cerne eficientista de viés quantitativo do CPC/15
O propósito de elaboração de um novo CPC veio da necessidade de se promover uma
nova sistematização que incorporasse os princípios constitucionais de forma íntegra,
viabilizando uma compreensão adequada e em conformidade com o modelo constitucional de
processo.
O CPC de 1973 já havia passado por reformas parciais, sobretudo, após a
promulgação da CRFB/8875, mas lhe faltava sistematização principiológica coerente, capaz de
conferir uma unidade ensejadora de interpretação e aplicação das normas, de modo a garantir
adequação democrática, alinhada a uma compreensão de modelo constitucional de processo.
Essas reformas parciais ensejavam uma “perda de consistência e coesão dos textos
processuais” (BARROS; NUNES, 2010, p. 15), e, desse modo, houve a necessidade de se
formular uma reforma processual global, com a elaboração de uma nova codificação, a que se
denominou reforma macroestrutural (BARROS; NUNES, 2010, p. 21).
Com esse objetivo, portanto, o Senado Federal, por meio do Ato n. 379, de 30 de
setembro de 2009, nomeou uma comissão de juristas para elaboração do anteprojeto de
CPC76. Assim, em 08 de junho de 2010, foi apresentado o anteprojeto ao Senado, o qual foi
convertido no Projeto de Lei do Senado n. 166/10 e que, após aprovação de seu relatório, foi
enviado à Câmara dos Deputados, onde tramitou como Projeto de Lei n. 8.046/10.
Na exposição de motivos do CPC/15, evocou-se a não ruptura com a codificação de
1973, de modo que as reformas processuais pontuais feitas a partir da década de 1990, foram,
algumas delas, mantidas no CPC/15, a despeito da nova sistematização operada. Assim,
reforçou-se, na exposição de motivos: “criou-se um código novo, que não significa, todavia,
uma ruptura com o passado, mas um passo à frente. Assim, além de conservados os institutos
cujos resultados foram positivos, incluíram-se no sistema outros tantos que visam atribuir-lhe
alto grau de eficiência” (BRÊTAS; SOARES, 2016, p. 31).
Ou seja, a eficiência quantitativa foi o mote direcionador da elaboração do CPC/15,
75 Algumas reformas esparsas foram implementadas, por exemplo, a inclusão da antecipação da tutela (Lei n.
8.952/94), a alteração do regime de agravo (Lei n. 9.139/95) e a alteração da execução, operando-se
modificações diversas por meio das Leis ns. 10.352/2001, 10.359/2001 e 10.444/2002. Segundo Dinamarco,
essas reformas pontuais tiveram como objetivo “remover óbices técnico-processuais que se antepõem à boa
fluência do exercício da jurisdição. Proporcionar meios mais ágeis e eficientes para obtenção do acesso à
justiça” (DINAMARCO, 2003, p. 38). 76 A comissão foi composta pelos seguintes juristas: Adroaldo Furtado Fabrício, Bruno Dantas, Benedito
Cerezzo Pereira Filho, Elpídio Donizetti, Teresa Arruda Alvim Wambier, Humberto Theodoro Júnior, Paulo
Cezar Pinheiro Carneiro, Luiz Fux, Jansen Fialho de Almeida, José Miguel Garcia Medina, José Roberto dos
Santos Bedaque e Marcus Vinícius Furtado Coelho.
165
tanto pela busca de celeridade, como pela compulsão pela máxima produtividade, pela busca
de resultados e atingimento de metas. No entanto, Barros e Nunes já haviam anunciado,
quando ainda tramitava o Projeto de Lei do Senado n. 166/10, que a proposta de elaboração
do novo CPC deveria comportar a eficiência, tanto em sua concepção quantitativa, quanto
qualitativa, a fim de que, efetivamente, houvesse uma orientação pautada no modelo
constitucional de processo:
A primeira premissa, portanto, é a necessidade de amoldar uma proposta de novo
Código ao sistema processual constitucional e que viabilize uma adaptação
concomitante da busca da eficiência, tanto quantitativa quanto qualitativa –
objetivos diretivos das reformas – com o respeito à legitimidade (pela aplicação dos
princípios processuais constitucionais em perspectiva dinâmica. (BARROS;
NUNES, 2010, p. 29).
Além da necessidade de alinhamento da sistematização processual às premissas
constitucionais, há que se analisarem outros fatores que motivaram a formulação da novel
codificação, já que havia forte apelo eficientista difundido pela orientação neoliberal
recomendada, sobretudo, pelo Banco Mundial. Essa orientação ficou evidenciada a partir do
discurso proferido pelo ministro do STF Luiz Fux, por ocasião da realização de audiência
pública em abril de 2010, na qual a celeridade é colocada como diretriz para a realização da
reforma processual. Assim:
Criada a Comissão, a nossa primeira perspectiva foi exatamente essa: verificar o que
é que conduzia a esse grande obstáculo de prestação de uma Justiça célere e rápida,
como promete a Constituição Federal. E, de certa forma, utilizando os métodos já
usados por Cappeletti para distinguir os seus obstáculos, de Vincenzo Vigoriti, sobre
o custo e a duração dos processos, nós procuramos criar o ideário da Comissão, qual
o de fazer com que a celeridade fosse a nossa mola propulsora, a nossa grande
inspiração, não sem antes verificarmos o que é que representava ou quais as
barreiras com consubstanciavam o verdadeiro acesso a uma Justiça tempestiva.
Chegamos à conclusão de que a Justiça é morosa – e o presidente tem razão
– e não os juízes, porque nós não podemos criar um procedimento da nossa
imaginação, temos que cumprir, nos países de tripartição como o nosso, temos que
cumprir a lei posta, e chegamos à conclusão de que, inegavelmente, o volume de
demandas, o excesso de liturgias e o volume de recursos são, atualmente, os
responsáveis pela demora da prestação judicial. E chegamos à essa conclusão depois
de verificarmos um panorama mundial, onde a maioria dos países de matiz romano-
germânica, como é o nosso, realizaram intensas modificações no seu Código de
Processo Civil.
[…] Para alcançarmos esse escopo de reduzirmos esse volume à própria
duração razoável dos processos, nós procuramos regular os recursos, de tal sorte que
as decisões também sejam... As decisões dos recursos repetitivos, assim como as
decisões da repercussão geral, sejam decisões obedecidas pelas instâncias inferiores,
inclusive pelos juízes de 1o grau. Porque não é razoável que a parte ciente de como
é que o processo vai terminar em relação àquela definição jurídica, ela tenha que
percorrer, anos a fio, para obter a solução judicial que já se antevê pela
jurisprudência predominante, que é aplicável em todo o território nacional.
Mas, por outro lado, nós também consideramos uma série de características
166
da jurisprudência e demos à jurisprudência a força que ela merece. (SENADO
FEDERAL, 2017).
Há evidente ênfase na busca por celeridade. Desse modo, o ministro Fux indicou
alternativas que a comissão de juristas entendeu como viáveis ao atingimento do objetivo:
informalização dos procedimentos, redução das possibilidades de interposição de recursos e
prestígio das decisões emandas pelos Tribunais Superiores, de modo a vincular as decisões
dos juízes e desembargadores. Assim, tornou-se indubitável a busca por valorização da
jurisprudência, a fim de orientar a formulação de decisões ditas eficientes.
Essa tendência foi reforçada mais uma vez pelo ministro Fux, durante palestra
conferida na XII Jornada Brasileira de Direito Processual, organizada pelo Instituto Brasileiro
de Direito Processual (IBDP), que ocorreu em Belo Horizonte, Minas Gerais, no dia 24 de
agosto de 2018, na qual tratou dos aspectos econômicos do processo77. Na ocasião, o ministro
declarou que há diálogo constante entre os ministros dos Tribunais Superiores e os
economistas da Universidade de Harvard, e que o CPC adotou premissas do Law and
Economics, sobretudo, no tocante à análise econômica da litigância, que foi desenvolvida por
Steven Shavell. Enfatizou, ainda, que se deve extrair do processo a maior eficiência possível,
de modo a se atrair investimentos, já que essa é a orientação do Banco Mundial.
As premissas para formulação do CPC/15 foram vincadas na implementação de
eficiência embasada na metodologia do Law and Economics, sobretudo, aquelas
desenvolvidas por Coase, Posner, Kaplow e Shavell conforme exposto no subcapítulo 5.3, de
modo que essa eficiência tem se prestado à análise de custo-benefício para proteção do
próprio direito que se pretende.
Na análise econômica da litigância, Kaplow e Shavell sustentam que as normas
processuais civis trazem reflexos econômicos em sua aplicação, na medida em que podem
estimular ou desestimular a propositura de ações, assim como as normas interferem na
avaliação das partes com relação à opção de celebrar (ou não) um acordo. Além disso,
Kaplow e Shavell afirmam que é imprescindível que haja uma política corretiva, que se preste
a desincentivar a litigiosidade excessiva, seja por meio da imposição de custos mais onerosos,
seja por meio da formulação de padrões decisórios que possam orientar as partes, de modo a
possibilitar a aferição do custo-benefício do ajuizamento, do acordo ou da interposição de
eventual recurso (KAPLOW; SHAVELL, 1999).
77 Palestra proferida durante a XII Jornada Brasileiras de Direito Processual, organizada pelo Instituto Brasileiro
de Direito Processual (IBDP), que ocorreu em Belo Horizonte, Minas Gerais, em dia 24 de agosto de 2018.
Trata-se de apresentação oral assistida pela autora do presente trabalho, acerca da qual não há registro.
167
Não foi por acaso que o CPC/15 deu extrema ênfase aos métodos alternativos de
solução de controvérsias (conciliação, mediação e arbitragem), conforme art. 3o, de forma que
todos os envolvidos no procedimento, partes, advogados, juiz, Ministério Público ou
Defensoria Pública, sejam incentivados à busca da composição em quaisquer das fases
procedimentais. Dessa forma, os arts. 319, VII, e 334 do CPC/15 incentivam, desde a
propositura da ação, a manifestação das partes com relação ao interesse pela mediação ou pela
conciliação (BRASIL, 2015).
Aos juízes, é atribuído o dever de promover a tentativa de autocomposição a qualquer
tempo, nos termos do art. 139, V, do CPC/15. Além disso, o CPC/15 cria critérios de
majoração da verba honorária em sede recursal (art. 85, §11), bem como estimula a
uniformização da jurisprudência, a fim de que haja padronização que vá colocar as partes a
optar, de modo racional, por ajuizar (ou não) uma ação ou celebrar acordo, levando em
consideração o entendimento dos tribunais (BRASIL 2015).
A eficiência prevista no art. 8o do CPC/15 é um dos critérios de que dispõem os juízes
e os tribunais para interpretação e aplicação do ordenamento jurídico. A exposição de motivos
do CPC/15 vincula a eficiência à necessidade de persecução de celeridade e, para isso, opta
pela criação de técnicas que visam otimizar a tramitação processual e o julgamento das ações
propostas.
Assim, o Código prevê o julgamento de demandas por repercussão geral, assim como
a padronização decisória por súmulas e precedentes, além de criar o incidente de resolução de
demandas repetitivas. Ainda com viés eficientista, o CPC/15 buscou enfatizar e fortalecer o
tratamento das convenções processuais (art. 190) e da calendarização (art. 191). Não se pode
olvidar ainda das medidas executivas atípicas (art. 139, IV e VI), que vieram imprimir a
marca da eficiência, inobservando direitos e garantias fundamentais (BRASIL, 2015).
Nunes e Viana explicam que as reformas processuais foram pautadas pelos interesses
de instituições financeiras fortes e também pelo Estado, já que este é um dos maiores
litigantes, a fim de que a eficiência quantitativa, baseada na máxima produtividade, seja o
critério orientador da atividade jurisdicional. A preocupação precípua tem sido com a gestão
do passivo de demandas e não com a adoção de uma perspectiva teórica adequada à formação
das decisões (NUNES; VIANA, 2018).
Dar vazão aos julgamentos das demandas tornou-se imperativo para o atingimento dos
índices de eficiência fixados pelo CNJ. Assim, o CPC, desde o seu anteprojeto, incorporou o
viés eficientista, optando pelo fortalecimento do chamado direito jurisprudencial, a partir da
formação de padrões decisórios, a exemplo dos precedentes e súmulas vinculantes (arts. 926 e
168
927, CPC/15), tendo-se prestigiado o julgamento de recursos repetitivos (art. 928, II,
CPC/15), além da criação do incidente de julgamento de demandas repetitivas (arts. 976 a
987, CPC/15), de modo a estimular a uniformização da jurisprudência. Nesse sentido, a
padronização decisória tem se prestado a um efeito propagandístico, como se pudesse, de fato,
alavancar os melhores resultados em termos produtivos, por meio do proferimento de
decisões em atacado. Assim:
Cria-se, então, um sistema voltado apenas e tão somente à simplificação do sistema
processual pela criação de padrões decisórios que serão de fácil replicação em lides
análogas, com vistas à aceleração de processos e gerenciamento de causas a
qualquer custo. Nessa perspectiva, a busca desenfreada pela eficiência quantitativa
proposta pela Comissão de Juristas acaba por impor que a jurisprudência,
precedentes e demais decisões vinculantes se tornem a atividade salvífica do Estado-
Juiz como a autoridade adequada a prescrever o que é melhor ou pior para todo o
povo (aqui icônico) em um espaço desprocessualizado e infiscalizável. (MUNDIM,
2017, p. 80).
A padronização decisória macula a qualidade da formulação das decisões
jurisdicionais, na medida em que há redução do campo dialógico discursivo, com
comprometimento do contraditório, que se perfaz já desde o momento da elaboração das
súmulas. A escolha de uma causa-piloto que vá repercutir na decisão sobre determinados
temas, constitui-se em teses abstratas, que podem não se amoldar aos demais casos levados à
apreciação do Judiciário.
Ou seja, os debates prévios, que contribuem para a elaboração das súmulas,
normalmente não são publicizados, o que fragiliza a ratio decidendi, já que inexistente um
esclarecimento consistente acerca da súmula que vá levar a uma acomodação precisa ao caso
concreto. Essa afirmação se faz com base no resultado da pesquisa elaborada por
pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), com subsídios do CNJ,
intitulado A força normativa do Direito Judicial: uma análise da aplicação prática do
precedente no Direito brasileiro e de seus desafios para a legitimação da autonomia do
Poder Judiciário, que, ao analisar a formação das súmulas, assim concluiu:
A pesquisa constatou […] que tanto o Superior Tribunal de Justiça, quanto o
Supremo Tribunal Federal não disponibilizam os debates sobre a instituição das
súmulas sem efeitos vinculantes, mesmo eles existindo e tendo previsão no
Regimento Interno de ambas as Cortes. A ausência de publicação dos debates
também tornou impossível a identificação do leading case, o que de certa forma
prejudica o intérprete em sua tarefa de aplicar as técnicas do distinguish e do
overruling. […] É possível afirmar, por meio da análise realizada pela pesquisa, que
as súmulas podem ser importante instrumento para a busca da segurança jurídica, da
previsibilidade, da proteção à confiança e o respeito à igualdade. Entretanto, elas
podem comprometer o processo de individualização do direito, a partir do momento
169
em que as instâncias ordinárias do Poder Judiciário passam a aplicá‐las sem uma
justicativa plausível, que vise não apenas à celeridade processual, mas também à
efetividade do processo. (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2015, p. 51-52).
Em nome da eficiência, fixa-se a clara intenção de julgamento massificado, a partir da
utilização de padrões decisórios, de modo a se atingirem as metas de julgamento estipuladas
pelo CNJ e recomendadas pelo Banco Mundial, o que refletiu de maneira clara na elaboração
do CPC/15. No entanto, essa perspectiva eficientista, que priva os sujeitos processuais de
verem publicizadas as razões de formação dos padrões decisórios, compromete a necessária
transparência do processo, além de comprometer o contraditório, o que não se compatibiliza
com a matriz teórica do modelo constitucional de processo.
Para a implementação da eficiência, em termos quantitativos, além da utilização de
técnica de aceleração de julgamentos, por meio dos padrões decisórios, o CPC/15 buscou a
simplificação do sistema recursal, ao qual se impingiu a pecha de ser causador de parte da
morosidade e ineficiência na tramitação processual. Assim, com relação à sistemática do
agravo, extinguiu-se o agravo retido previsto no CPC/73, permanecendo o agravo de
instrumento, que conta com um rol taxativo de hipóteses de interposição, reduzindo-se, assim,
as possibilidades de impugnação das decisões interlocutórias de forma imediata (art. 1.015,
CPC/15).
Essa sistemática de um rol casuístico para interposição do agravo de instrumento foi
desenvolvida com o fito de obtenção de celeridade, sem observar, no entanto, que essa
limitação, ao contrário, poderia gerar comprometimento da efetividade e da razoável duração
do processo:
Verificou-se que o artigo 1.015, do CPC […] não está em consonância com o
processo constitucional democrático, na medida em que pode ser fonte para o
desrespeito de alguns direitos e garantias fundamentais. Nesse aspecto, constatou-se
[…] que a opção por um rol taxativo e a modificação do regime de preclusão, sob a
justificativa de gerar um processo mais célere e mais democrático, simplificando o
sistema recursal, pode, na verdade, causar um efeito reverso ao pretendido, em clara
ofensa à garantia da duração razoável do processo. Isso porque, determinadas
nulidades, não agraváveis de instrumento, somente poderão ser arguidas em
preliminar de apelação ou contrarrazões e, se acolhidas, podem promover a
invalidação de todos os atos processuais depois de encerrada a sua tramitação,
gerando idas e vindas procedimentais. Ademais, verificou-se que o fato de haver a
postergação da recorribilidade das decisões interlocutórias para o momento da
apelação pode ensejar um considerável aumento da complexidade deste recurso,
sendo necessária, então, uma análise individualizada dos processos, tornando-se um
obstáculo à padronização dos julgamentos. (ARAGÃO, 2018, p. 154).
A questão da taxatividade do rol do art. 1.015 do CPC/15 tem sido questionada junto
aos tribunais, de forma que houve a afetação do tema, que está em discussão no Superior
170
Tribunal de Justiça (STJ), por meio do REsp n. 1.704.520/MT), a fim de que se avalie a
possibilidade de interpretação extensiva do rol veiculado no art. 1.015, com ampliação das
hipóteses de cabimento do agravo de instrumento.
Com relação aos recursos especial e extraordinário, a redação original do art. 1.030 do
CPC/15 previa a remessa dos mesmos ao STJ e STF, respectivamente, independentemente do
prévio juízo de admissibilidade nos tribunais a quo. No entanto, antes mesmo da entrada em
vigor do CPC/15, a Lei n. 13.256/16 procedeu à alteração do artigo, de modo que, a partir de
então, atribuiu-se a análise da admissibilidade dos mencionados recursos ao Presidente ou
Vice-Presidente do juízo recorrido.
Ou seja, a admissibilidade, a ser avaliada pelos Tribunais de Justiça ou Tribunais
Regionais Federais, acaba por impedir a possibilidade de superação dos precedentes, o que se
mostra um contrassenso diante da perspectiva processual democrática, que propugna pela
ampla possibilidade discursiva que, nesse caso, sofreu esvaziamento. A esse respeito,
Theodoro Júnior e outros se manifestaram:
Tal restrição pode promover um engessamento da interpretação jurídica e se mostra
completamente contrária à garantia do devido processo constitucional. Trata-se
inclusive de hipótese na qual o Vice-Presidente poderá, por inconstitucionalidade
material da regra, promover a declaração de sua ilegitimidade inconstitucional in
concreto. E se o tribunal que forma o precedente é o único que pode superá-lo,
tecnicamente a reforma da Lei n. 13.256/2016 seria inconstitucional caso inviabilize
o acesso aos Tribunais de sobreposição. (THEODORO JÚNIOR et al, 2016, p. 387).
O intuito dessa alteração promovida pela Lei n. 13.256/16 foi o de incutir eficiência, a
partir de um juízo de admissibilidade que decota a possibilidade de análise recursal pelo STF
e STJ, de modo a inviabilizar qualquer possibilidade de debate capaz de repercutir na
superação dos precedentes formulados. As hipóteses para negativa de seguimento dos
recursos especiais e extraordinários, elencadas no inciso I, do art. 1.030 do CPC/15, tornam os
padrões decisórios insuperáveis e intransponíveis, amordaçando o processo democrático78.
Logo, fica evidente que o CPC/15 possui discurso pautado em celeridade, redução de
custos e previsibilidade, sendo algumas modificações voltadas ao atingimento da eficiência
quantitativa, tão cara aos preceitos do Banco Mundial e estreitamente mensuradas pelo CNJ.
Cumpre, então, analisar qual é o impacto decorrente da inserção do critério da
78 Não se compreende, na presente pesquisa, por demarcação metodológica, a intenção de aprofundamento nos
temas de precedentes, incidentes de resolução de demandas repetitivas e tampouco do sistema recursal.
Buscou-se aqui tão somente demonstrar de que modo o critério da eficiência permeou a formulação do
CPC/15, buscando a massificação de julgamentos e a simplificação recursal, a fim de se dar vazão aos
julgamentos.
171
eficiência na capitulação que trata das normas fundamentais do processo.
6.4 A eficiência como norma fundamental do processo e como critério de aplicação do
ordenamento jurídico
Conforme amplamente demonstrado, a busca por eficiência serviu de baliza para a
formulação do CPC/15, tendo-se fomentado a elaboração normativa voltada à persecução,
sobretudo, de celeridade.
Desse modo, na parte geral do CPC/15, Capítulo I, que dispõe acerca das normas
fundamentais do processo civil, insere-se o art. 8o, que estatui que “ao aplicar o ordenamento
jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e
promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a
razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência” (BRASIL, 2015).
Não parece sem razão que a eficiência tenha sido alocada dentro da capitulação que
trata das normas fundamentais do processo civil, em um artigo que aponta os critérios de
aplicação do ordenamento jurídico pelos julgadores. O artigo em comento traz critérios
maculados de indeterminação (bem comum e fins sociais, por exemplo), viabilizando
inúmeras formas de se interpretar e aplicar o ordenamento jurídico, de modo a permitir o
protagonismo judicial.
Essa abertura semântica aquiescida pelo art. 8o do CPC/15 permite que haja a
formulação de decisões em que se aloca o subjetivismo do julgador, já que a fundamentação
vai se pautar nesse indeterminismo permissivo de interpretações variadas, dificultando o
balizamento discursivo previsto pelo modelo comparticipativo de processo. A indeterminação
dos conceitos jurídicos trazidos no art. 8o do CPC/15 mostra-se viável aos anseios neoliberais,
na medida em que comporta sentidos que podem ser direcionados à proteção de interesses do
mercado.
A eficiência pautada no art. 8o do CPC/15 tem seu eixo de formulação no art. 5o da Lei
de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB)79, que dispõe: “na aplicação da lei, o
juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum” (BRASIL,
1942). Nesse sentido, Cássio Scarpinella Bueno explica que, de fato, esse artigo tem
supedâneo no artigo da LINDB, estabelecendo “as diretrizes que devem guiar o magistrado na
79 Sob a égide da Constituição brasileira de 1937, criadora do Estado Novo de caráter autoritário, que extirpou a
liberdade, a independência entre as três funções do Estado e o próprio federalismo, assim como desmantelou o
Congresso Nacional, foi outorgado o Decreto-Lei n. 4.657/1942 (LINDB).
172
aplicação (interpretação) do ordenamento jurídico” (BUENO, 2014, p. 43).
A LINDB traz em si um caráter autoritário, desvinculado da concepção democrática,
tendo sido formulada antes da CRFB/1988, em ocasião em que, segundo a teoria do processo
como relação jurídica, o processo se colocava como instrumento da jurisdição, e o juiz era
alçado à posição de superioridade em detrimento das partes, para atendimento de escopos
metajurídicos, entre os quais, inseriam-se o fim social e o bem comum (DINAMARCO,
1993).
Assim, o juiz era visto como cumpridor de uma atividade salvífica, a quem competia
conduzir o processo, interpretando e aplicando o ordenamento jurídico, com base em critérios
axiológicos, desvinculados, portanto, de uma construção decisória processualizada e de bases
democráticas. Ou seja, mostra-se paradoxal incluir entre as normas fundamentais do processo
civil, no CPC/15, um artigo que guarda estreita vinculação com o Decreto-Lei n. 4.657 de
1942 (LINDB), maculado pela ausência de caráter democrático. Nesse sentido:
O artigo 8o ainda é problemático, pois traz em seu conteúdo as mesmas ideias
típicas do Estado Social, que foram absorvidas por Cândido Rangel Dinamarco, de
que a autoridade judicante (juiz) deve se ater aos fins sociais e às exigências do bem
comum, não passando o processo como mero instrumento estatal para a garantia de
tais escopos advindos do senso de justiça do juiz. Tal ideia vai de encontro ao que
dispõe a Constituição e não se coaduna com a democracia. (MUNDIM, 2016, p. 66).
Desse modo, o art. 8o do CPC/15, que introjeta a eficiência como norma fundamental
do processo civil, traz em si fortes resquícios da instrumentalidade de vestes bülowianas e
assimetria dos sujeitos processuais, em desacordo com a necessidade de constitucionalização
da codificação civil vincada no modelo constitucional de processo, que preconiza uma
construção decisória comparticipada.
Esse aporte instrumentalista decorreu da socialização processual, surgida no final do
século XIX, a partir da sistematização operada por Menger, Klein e Bülow, tendo corroborado
para o fortalecimento dos juízes e dos tribunais em detrimento das partes, que se viram, nessa
medida, em subalternidade (NUNES, 2008a).
Essa postura dos juízes e dos tribunais, portanto, colocava o Estado em posição
paternalista (e sacral), como se imbuído de potencialidade para dirimir a totalidade das
demandas sociais. Esse estatalismo, no entanto, foi ensejador do protagonismo judicial, cujas
raízes deverão ser averiguadas.
O protagonismo vem a ser uma atuação do Judiciário em nível solipsista, de modo que
as decisões sejam formuladas de acordo com convicções, preferências, valores pautados na
173
sensibilidade e subjetividade do julgador, preterindo os argumentos e provas produzidos pelos
demais sujeitos processuais. Ou seja, a decisão jurisdicional solipsista é permeada de
discricionariedade e do senso de justiça do julgador, que deixa de expurgar de seu
pronunciamento os fundamentos axiológicos que maculam a formulação decisória
procedimentalizada e, portanto, democrática. Cumpre esclarecer que esse protoganismo traz
em si a vertente da judicialização da política, segundo a qual, o Judiciário é instado a proferir
decisões jurisdicionais, com conteúdo político, que competiriam ao Executivo ou ao
Legislativo (STRECK, 2017).
Trata-se de atuação circunstancial decorrente de demandas normalmente complexas,
que acabam por desaguar no Judiciário, como se este fosse uma válvula de escape capaz de,
prodigiosamente, decidir aquilo que as demais esferas estatais não lograram êxito em
deliberar. Por sua vez, o ativismo judicial diz respeito a uma atuação do Judiciário para além
de suas efetivas atribuições constitucionais (TASSINARI, 2012).
O art. 8o do CPC/15 opera uma possibilidade de abertura interpretativa e de aplicação
do ordenamento jurídico, na medida em que coloca conceitos jurídicos indeterminados
capazes de subsumir inúmeros entendimentos, permeados de subjetivismo e vieses
valorativos, o que dificulta sobremaneira a construção decisória racional pelos sujeitos
processuais.
Com relação, especificamente, à eficiência, esta é apontada como critério de
otimização de resultados e metas fixadas, que corrobora para a celeridade e maximização da
riqueza. Já se demonstrou que a eficiência preconizada pelo Banco Mundial e introjetada no
CPC/15 é preponderantemente aquela de cunho quantitativo, o que fica evidenciado também
na exposição de motivos dessa codificação.
Posner, ao defender uma análise econômica para o proferimento de decisões
jurisdicionais (o que foi minudenciado no subcapítulo 4.3.2), acaba por sustentar uma atuação
dos juízes de modo discricionário, a partir da formulação de decisões que venham a
maximizar as riquezas ou que visem alcançar os resultados pretendidos. Essa atuação, a partir
de lacunas normativas ou de uma abertura interpretativa, conforme defendido por Posner, se
compatibiliza com a permissividade semântica colocada pelo art. 8º do CPC/2015, de modo a
atender aos ditames neoliberais.
Ao tratar das intenções e determinações colocadas pelo Banco Mundial, Mattei e
Nader já haviam indicado que “a eficiência devia tornar-se o princípio condutor da
interpretação jurídica” (MATTEI; NADER, 2013, p. 168). Desse modo, o CPC/15 não havia
como se desvencilhar dessa orientação e chancelou, por meio do art. 8o, a indicação da
174
eficiência como critério decisório. Essa eficiência, porém, vem permeada de todas as máculas
de cunho neoliberal, que busca quantificação, números e resultados, em uma análise de custo-
benefício de orientação mercadológica.
É necessário que os sujeitos processuais saibam onde pisam, a fim de afastar a
aplicação do ordenamento jurídico de modo conflitante com a construção democrática.
Portanto, cumpre desvelar a eficiência, de modo a que se desconstrua essa mitificação em
torno da expressão, como se fosse um critério ou orientação coadunável com o processo
democrático, enquanto, em verdade, serve de máscara para a implementação violenta das
políticas econômicas neoliberais.
175
7 DA DESCONSTRUÇÃO DA EFICIÊNCIA E DA SUA NECESSÁRIA
RESSIGNIFICAÇÃO A PARTIR DO ALINHAMENTO À EFETIVIDADE DO
PROCESSO
A hipótese aventada na presente pesquisa é de que a eficiência é conceito que deve se
vincular à jurisdição, ou seja, deve-se falar em eficiência da jurisdição e efetividade do
processo, esta última entendida como observância de direitos e garantias fundamentais. Para
que haja eficiência da jurisdição, antes, deve haver efetividade do processo, a fim de que se
implemente o modelo constitucional de processo.
Além disso, importante enfatizar que o conceito de eficiência tem origem econômica
de matriz neoliberal, e, por isso, deve haver a desconstrução do conceito e sua posterior
reconstrução para alinhamento ao modelo constitucional de processo.
7.1 Direito como violência e poder: a eficiência e a necessidade de sua desconstrução
A eficiência é expressão provida de mascaramento e maniqueísmo, sendo seu discurso
pautado em uma relação de contraposição com expressões como ineficiência e morosidade,
que são dotadas de apelo negativo. Guarnecida, portanto, de um discurso estrategicamente
sedutor, a eficiência traz em si um conteúdo de ordem utilitarista, neoliberal, não aprazível
com a defesa de direitos e garantias fundamentais, tratando-se de uma palavra perigosa,
obscura, que camufla uma política econômica neoliberal incompatível com a democracia
(AVELÃS NUNES, 2016) e com a implementação de um modelo constitucional de processo.
Essa incompatibilidade decorre do fato de que a eficiência possui matriz econômica,
voltada para a relação de produtividade e resultados de rigor matemático. O Direito, ao
contrário, não é aferido por critérios matemáticos, e o processo requer preceitos voltados à
proteção de direitos e garantias fundamentais constitucionais. Fica evidente, portanto, que a
eficiência traz finalidade quantificadora, enquanto o processo democrático tem espeque na
construção decisória comparticipada.
Compatibilizar a interpretação e a aplicação eficiente do ordenamento jurídico (art. 8o,
CPC/15) com o processo democrático vai depender de uma desconstrução (no sentido
apontado por Derridá) da eficiência, para, a partir daí, viabilizar-se a sua reconstrução, por
uma perspectiva alinhada à efetividade do processo, enquanto garantia de direitos
fundamentais.
Necessário, assim, avaliar o poder como violência, sobretudo, quando esse poder vem
176
da lei, que deve ser cumprida, observada pelos sujeitos, que, normalmente, não buscam
perquirir os fundamentos dessa obediência, quem dirá questionar a própria norma e os vieses
de sua formulação, que podem estar destituídos de democraticidade. Há uma obediência e
uma aplicação do ordenamento jurídico, muitas vezes, de forma autômata, o que acaba por
objetificar os sujeitos, que se tornam massa de manobra para atendimento dos anseios de uma
política econômica mercadológica voltada à maximização da riqueza.
Benjamin sustentou que o exercício do poder vincula-se, historicamente, à violência,
além de ter defendido que essa violência foi implementada pela linguagem, na medida em que
a mesma consolida entendimentos e se propaga, reproduzindo o conteúdo construído pela
autoridade, pelos detentores do poder. Assim, em seu artigo intitulado Sobre a crítica do
poder como violência, Benjamin utilizou o termo Gewalt para designar tanto o poder, quanto
a violência, já que a expressão alemã é dotada de intercambialidade entre as acepções
mencionadas, podendo ainda se traduzir na negação do Estado de Direito (OLIVEIRA, 2016).
Partindo desse ponto, Benjamin afirma que a relação entre Direito e justiça viabiliza a
formulação de críticas à Gewalt, a partir de uma reflexão moral, em que a violência pode ser
tida como legítima ou ilegítima, além do que a violência é usada como meio e não como fim,
não possuindo sentido próprio, sendo mais precisa quando relacionada com o poder
(BENJAMIN, 2012). Assim, entende que o Direito se funda a partir da violência e se mantém
pela mesma forma, sendo a garantia do exercício do poder.
Derridá dialoga com Benjamin, em termos teóricos, e formula um entendimento
acerca da desconstrução, que foi por ele desenvolvido, primeiramente, em sua obra
Gramatologia, de 1973. Explica que a linguagem é capaz de construir uma imagem, assim
como a própria consciência dos homens. Defende que, nesse sentido, é preciso que se
investigue essa ideia de representação do real, o que se faz pela linguagem, como se a fala
fosse o atributo de constituição do homem.
Em 1994, Derridá publicou a obra Força de Lei: fundamento místico da autoridade,
na qual escreveu sobre a desconstrução e a possibilidade de justiça, além de destacar que há
uma imbricação insuperável entre lei e força, sustentando, nesse sentido, que “as leis não são
justas como leis. Não obedecemos a elas porque são justas, mas porque têm autoridade”
(DERRIDÁ, 2007, p. 21).
Explica, ainda, que a autoridade da lei advém de um ato de fé, de uma crença, não
sendo racional, o que o leva a inferir que há um “fundamento místico da autoridade”
(DERRIDÁ, 2007, p. 21). Decorre desse entendimento, a afirmação de que a lei é permeada
de violência, na medida em que a autoridade que dela advém é fundada na própria lei. Assim,
177
Derridá vai sustentar que o Direito deve ser descontruído, de modo que haja o desvelamento
do texto, que é sempre interpretado e vai sendo reinventado, ressignificado, a fim de que, a
partir dessa desconstrução, seja possível chegar-se a um ideal de justiça. Nesse sentido:
O direito é essencialmente desconstruível, ou porque ele é fundado, isto é,
construído sobre camadas textuais interpretáveis e transformáveis [...], ou porque
seu fundamento último, por definição, não é fundado. Que o direito seja
desconstruível, não é uma infelicidade. Pode-se mesmo encontrar nisso a chance
política de todo progresso histórico. [...] A desconstrução é a justiça. (DERRIDÁ,
2007, p. 26-27).
Para Derridá (2007), a justiça está fora do Direito e, por esse motivo, não é
desconstruível. O Direito, por sua vez, seria uma possibilidade de realização da justiça, no
entanto, pode ser desconstruído, por envolver interpretação de uma textualidade.
Agamben (2010), por sua vez, retoma as teses de Benjamin, também entendendo o
Direito como violência, questionando a relação entre poder constituinte e poder constituído, já
que o poder constituinte seria fundado em violência que acaba por ser chancelada e
conservada pelo poder constituído. Assim, a partir de uma força dita soberana, a lei vigora,
mas fica esvaziada de um significado, sendo o conteúdo vazio preenchido pela vontade do
próprio soberano. Desse modo, Agamben sustenta que “a vida sob uma lei que vigora sem
significar assemelha-se à vida no estado de exceção” (AGAMBEN, 2010, p. 58).
Ou seja, o significado da lei, com toda a sua violência, é dado pelo soberano, e, assim,
Agamben (2010) cogita a desconstrução, pois os textos foram sendo formulados sem uma
significação compatível com a própria vigência. Além disso, afirma que, em razão disso, o ser
é a-bando-nado, no sentido de ser submetido à lei, ainda que essa lei não tenha sido
formulada para uma significação alinhada com aquele que se submete a essa mesma lei. O
significado é dado pelo soberano, que utiliza a violência como meio e pensa o Direito como
fim. Esse nexo entre violência e Direito é nomeado vida nua e, por sua vez, imbrica-se ao
poder soberano (AGAMBEN, 2010).
Considerando, assim, que os textos são construídos e interpretados a partir de crenças,
dogmas, preconceitos, sendo neles incutidas distorções que se amoldam, propositadamente, a
interesses daqueles detentores de poder, Derridá propõe que haja uma desconstrução do
sentido do texto, a fim de que haja desvelamento, bem como para que se verifique o iter de
formulação dos sentidos e o que esse sentido dado, de fato, vem propor. Acerca da
desconstrução proposta por Derridá, Borradori explica:
178
A desconstrução procura desmontar qualquer discurso que se apresente como
“construção”. Levando em conta que a filosofia trata de ideias, crenças e valores
construídos dentro de um esquema conceitual, o que se descontrói é a maneira como
eles se mantêm unidos em um determinado esquema. (BORRADORI, 2004, p. 147).
Acerca da expressão desconstrução, cumpre esclarecer que a escolha de Derridá pela
utilização do termo decorre dos diálogos que promoveu com Martin Heidegger, nos quais
utilizou a palavra Destruktion ou Abbau, buscando investigar o sentido do ser no tempo (DE
MENESES, 2008). Assim, a Destruktion buscava atuar sobre a estrutura dos conceitos
fundamentais, de modo a, efetivamente, desconstruir o sentido.
A desconstrução derridiana não se trata de método analítico, mas de uma intervenção
para desestabilizar a estruturação do sentido. Dessa forma:
A desconstruçao é a abertura do texto e da linguagem. […] Derridá entendeu que a
significação de um texto dado […] era o resultado da diferença entre as palavras
usadas, mais do que a referência às coisas que elas representam. A desconstrução
age a partir de uma diferença activa, que trabalha no vazio o sentido de cada uma
das palavras, que se lhe opõem de forma análoga à significação diferencial. (DE
MENESES, 2013, p. 180).
Segundo essa perspectiva derridiana, há que se desnudar a estrutura de formulação
textual, a fim de que sejam aclarados os sentidos da própria textualidade, assim como podem
ser expostas as expectativas que circundaram a alocação do sentido dado. De acordo com
Gomes, “a desconstrução é uma ideia não de destruição, mas de desconstruir, desmontar um
texto para recuperar a memória das coisas e das camadas heterogêneas que compõem um
conceito” (GOMES, 2017, p. 131).
Essa desestabilização do texto proposta por Derridá se faz pela necessidade também
de aferição do sentido, a partir da averiguação das oposições e dos pares conceituais
irredutíveis, já que é corriqueiro que o sentido seja dado exatamente pela oposição, pelo não
ser, a exemplo do que ocorre com as antinomias masculino e feminino, universal e particular
(BORRADORI, 2004).
Da mesma forma, a eficiência se opõe às concepções de ineficiência, morosidade,
lentidão e burocracia. E, estrategicamente, utilizando-se dessa antinomia, os discursos vão se
construindo a partir do sentido daquilo que o seu oposto vem traduzir. No caso da eficiência,
por exemplo, a busca por ela vem da fuga da lentidão e da burocracia, dando ensejo, então, à
persecução de celeridade e de uma gestão desburocratizada, sem perquirir, no entanto, se
esses objetivos fixados são compatíveis com o próprio sentido da eficiência que se pretende
no modelo constitucional de processo. Segundo Borradori (2004), essa inversão tem o condão
179
de refletir escolhas estratégicas e ideológicas, mais do que revelam uma descrição das
caraterísticas específicas dos pares.
Essa estratégia de alocação do sentido é utilizada no Direito, pela força da lei como
violência, já que o Direito traz uma textualidade performativa. Isso significa que o texto traz a
linguagem e o sentido conforme a autoridade quer que se entendam, não trazendo, o texto,
uma narrativa da realidade. Ou seja, a realidade é criada pela fala performativa da lei, sendo
essa uma utilização estratégica do Direito e que, por isso, precisa ser desconstruída
(DERRIDÁ, 2007). A criação normativa camufla os fundamentos de sua gênese, pelo que se
impõe como ato performativo, passível, portanto, de uma intervenção para desconstruir e
elucidar os sentidos e fundamentos construtivos dessa normatividade.
Assim, Derridá propõe o estabelecimento de uma differránce, que é um termo por ele
criado a partir de differénce, a fim de demonstrar a performatividade dos atos de fala e escrita,
na medida em que, embora haja a mesma pronúncia das palavras, a escrita em si se diferencia.
Isso quer dizer que um texto precisa ser desconstruído, decomposto em sua estrutura, para que
as diferenças de significação sejam evidenciadas, assim como expostas as estratégias que
incentivaram a sua formulação.
Gomes explica que Derridá “aponta que a força […] discutida é força diferida, é força
como différance, uma relação entre força e forma, força e significação, é a força do
performativo ou força performativa” (GOMES, 2017, p. 130).
A partir do exposto, infere-se que a desconstrução derridiana é capaz de se
compatibilizar com a formulação decisória, dentro de uma perspectiva processual
democrática, permitindo a perquirição e o desvelamento do texto normativo, para, a partir
dessa desconstrução, permitir aos sujeitos processuais que promovam a diferença, a partir dos
argumentos e das provas produzidas, a fim de que haja a construção decisória
processualizada, dentro de uma perspectiva comparticipada e no eixo estrutural do modelo
constitucional de processo.
O que se pode propor, portanto, é que se desvele o sentido normativo, a fim de extirpar
a violência imposta pela lei e, sobretudo, da violência que se emprega ao impor o sentido da
lei. A partir disso, é necessário que haja cooperação entre os sujeitos processuais, de modo
que tragam os argumentos de fato e de direito que corroborem para a formulação de uma
decisão comparticipada, envolvendo uma discursividade capaz de ensejar a configuração de
processo que se pretende no Estado Democrático de Direito.
Nesse sentido, a eficiência apontada como critério de interpretação e aplicação do
ordenamento jurídico (art. 8º do CPC/15) somente pode ser entendida, enquanto norma
180
fundamental do processo civil, se despida do viés neoliberal que a macula, ao mesmo tempo
em que se compatibilizar com a principiologia constitucional, conforme preconiza o modelo
constitucional de processo, de modo que haja integração fundamental entre eficiência da
jurisdição e efetividade do processo.
Caso não haja essa desconstrução apontada, a fim de desvelar o caráter neoliberal da
eficiência, ressignificando-a de modo a compatibilizá-la com a efetividade do processo –
enquanto garantia de direitos fundamentais -, a eficiência será traduzida a mero critério de
interpretação e aplicação do ordenamento, com vistas a, simplesmente, servir de suporte para
manutenção dos interesses neoliberais.
Desse modo, cumpre avaliar o sentido que se pretende conferir à eficiência, a partir de
uma reconstrução pela categoria teórica do modelo constitucional de processo. Essa
reconstrução almeja uma adequação que vá extirpar a violência da lei e que, a partir da
demarcação da eficiência da jurisdição e da efetividade do processo, vá repercutir em uma
configuração processual democrática.
7.2 Eficiência da jurisdição e efetividade do processo: distinção fundamental
Embora haja alguma tentativa de se demarcar o sentido de eficiência e efetividade, os
conceitos se diferem de acordo com a área de estudo a que se vinculam (por exemplo,
Administração, Ciências Econômicas e Direito), e o que se infere é que, por derradeiro, as
expressões mantêm-se com alto nível de indeterminação. Mais que isso, acabam por imiscuir-
se, de modo a se cogitar a hipótese estratégica desse obscurantismo que se impõe como um
phármakon, já que a eficiência e a ineficiência têm servido como rigoroso fundamento para
que a ideologia neoliberal seja implantada nos países em desenvolvimento, vez que imersos
em uma crise de diversificadas matizes e dimensões. Explicando o que seria esse phármakon,
Derridá, em sua obra A Farmácia de Platão, reforçou a hipótese da violência estratégica
contida nos textos, sobretudo, normativos, e, dessa maneira, formulou:
Um texto só é um texto se ele oculta ao primeiro olhar, ao primeiro encontro, a lei
de sua composição e a regra de seu jogo. Um texto permanece, aliás, sempre
imperceptível. A lei e a regra não se abrigam no inacessível de um segredo,
simplesmente elas nunca se entregam, no presente, a nada que se possa nomear
rigorosamente uma percepção (DERRIDÁ, 2005, p. 7).
[E, assim, Derridá explica:] Esse phármakon, essa “medicina”, esse filtro, ao
mesmo tempo remédio e veneno, já se introduz no corpo do discurso com toda sua
ambivalência. Esse encanto, essa virtude de fascinação, essa potência de feitiço
podem ser — alternada ou simultaneamente — benéficas e maléficas. O phármakon
seria uma substância, com tudo o que esta palavra possa conotar, no que diz
181
respeito a sua matéria, de virtudes ocultas, de profundidade críptica recusando sua
ambivalência à análise, preparando, desde então, o espaço da alquimia, caso não
devamos seguir mais longe reconhecendo-a como a própria anti-substância: o que
resiste a todo filosofema, excedendo-o indefinidamente como não-identidade, não-
essência, não-substância, e fornecendo-lhe, por isso mesmo, a inesgotável
adversidade de seu fundo e de sua ausência de fundo. (DERRIDÁ, 2005, p. 14).
Desse modo, há que se buscarem os vieses ocultos existentes dentro dos textos, para
que, ao final, seja possível extirpar a violência que dele advém. No caso, cumpre avaliar a
eficiência e como esse conceito estratégico se articula com a efetividade e com a eficácia.
Buscando aporte filosófico em Nicolai Hartmann, filósofo alemão, este expôs que
efetividade (Wírklíchkeít) é a possibilidade real (HARTMANN, 1938, p. 266). E, ainda, de
acordo com Lalande, efetivo é o “que existe realmente, em oposição ao que só é possível”
(LALANDE, 1993, p. 289). Ou seja, a efetividade vincula-se a uma noção de real e
necessário. Por sua vez, a eficiência não é um termo de origem filosófica (ABBAGNANO,
2000) e se mostra rotineiramente vinculado ao termo eficácia, que é tudo o “que produz o
efeito para o qual se tende (em oposição a ineficaz)” (LALANDE, 1993, p. 289).
Portanto, a configuração conceitual de eficiência, efetividade e eficácia mostra-se com
algum grau de maleabilidade, tendo sido transplantada para o Direito, assumindo uma
modelagem variativa, sobretudo, no processo. Nesse sentido, Cabral, Eduardo Costa e Cunha
adotam semelhante concepção de que a eficácia é qualidade, aptidão ou capacidade da norma
ou do fato jurídico para produzir efeitos, ainda que esses efeitos esperados não sejam
produzidos, sendo, portanto, uma noção lógico-normativa vinculada à consequência do fato
jurídico (CABRAL, 2017a; COSTA, 2005; CUNHA, 2014).
Há entendimento de que a efetividade esteja relacionada ao cumprimento das normas
jurídicas (CUNHA, 2014) e à concretização de uma eficácia social, enquanto introjeção
concreta da norma no mundo dos fatos em um nível empírico, relacionando-se ao resultado
preestabelecido (CABRAL, 2017a). E a eficiência, por sua vez, vincula-se à medida entre
meios empregados e resultados alcançados (CUNHA, 2014; CABRAL, 2017a).
Cunha defende que “o princípio da eficiência identifica-se com a chamada eficiência
qualitativa” (CUNHA, 2014, p. 76). Afirma, ainda – e, nesse sentido, está correto –, que
eficiência e efetividade não se confundem. No entanto, traz concepção de efetividade voltada,
simplesmente, à mera resolução de demandas jurisdicionais e, dessa forma, dimensiona a
efetividade a uma posição minimalista e utilitarista, voltada à técnica procedimental que vá
gerar resultado mais eficiente ao processo, e, quando faz essa afirmação, parece imiscuir
eficiência quantitativa, eficiência qualitativa e efetividade.
182
A eficiência qualitativa, enquanto se volta à formulação de decisões cunhadas segundo
critérios voltados ao modelo constitucional de processo, coloca-se vinculada à efetividade,
enquanto observância de direitos e garantias fundamentais. Ao contrário, Cunha afirma que “o
devido processo legal [...] há de ser capaz de flexibilizar-se, adaptar-se ou adequar-se às
peculiaridades de cada situação concreta, prestando tutela jurisdicional diferenciada e sendo,
enfim, eficiente” (CUNHA, 2014, p.76).
Sendo o processo garantia de direitos fundamentais, este não se flexibiliza para
atendimento dos ditames da eficiência. O que pode se adaptar é a técnica processual, mas as
garantias não são flexíveis e precisam ser rigorosamente observadas. Não se pode admitir
flexibilização das garantias do contraditório, ampla argumentação, imparcialidade e
fundamentação racional das decisões. Aroldo Plínio Gonçalves (1992), ao discorrer acerca da
instrumentalidade técnica do processo, explica que esta decorre da elaboração de uma
estrutura adequada e ágil para a finalidade de formar um provimento final e conclui:
A instrumentalidade técnica do processo requer mais do que a participação das
partes. Requer que essa participação se dê em contraditório, com igualdade de
oportunidades, e que dela resulte essa consequência cujo alcance necessita ser
apreendido em toda a sua extensão, que é a participação dos destinatários da
sentença em sua própria formação. (GONÇALVES, 1992, p. 174).
Ou seja, toda a formulação de uma estrutura técnica, em uma perspectiva democrática,
exige a observância das garantias fundamentais do processo. A técnica, enquanto estruturação
de meios para obtenção de resultado, quando vinculada à concepção de processo, exige
atuação em contraditório, com ampla argumentação dos sujeitos processuais e imparcialidade
do julgador, a fim de que sejam proferidas decisões racionalmente fundamentadas. O processo
enquanto garantia de direitos fundamentais, portanto, não há como ser flexibilizado, embora
possa, de fato, haver uma adequação técnica procedimental a gerar meios para a obtenção de
resultados úteis em conformidade com o modelo constitucional de processo.
Ao relacionar a eficiência à gestão do processo, Cunha afirma que “o juiz deve livrar-
se da rigidez procedimental e para ajustar o processo às particularidades do caso” (CUNHA,
2014, p. 77). Ou seja, para Cunha é o juiz que regencia a flexibilização procedimental. Ao se
entender o processo como procedimento em contraditório, segundo a concepção de Fazzalari,
a afirmação feita por Cunha há de ser criticada, por colocar o processo como flexível, quando,
em verdade, a técnica procedimental pode ser ajustada, mas o processo como garantia não
deve sofrer rupturas ou ajustes, sob pena de comprometimento do modelo constitucional de
processo.
183
Além disso, o juiz não deve ser colocado em um patamar sobrelevado às partes na
condução do processo, o que, fatalmente, afrontaria a norma fundamental da cooperação
prevista no art. 6o do CPC/15. É evidente, portanto, que, ao se admitir a possibilidade de
flexibilização da técnica procedimental, a exemplo do que ocorre na negociação processual
(art. 190, CPC/15), os sujeitos processuais devem estar atentos às garantias fundamentais, de
modo que, assim, haja efetiva implementação do modelo constitucional de processo. O que
não se pode admitir é uma flexibilização procedimental que prescinda do formalismo
democrático, que, de acordo com Theodoro Júnior e outros, “significa que a autonomia
privada das partes estará embasada e limitada pelos direitos fundamentais processuais”
(THEODORO JÚNIOR et al, 2016, p. 295).
João Carlos Loureiro (1995) relaciona a eficiência com conceitos como
economicidade, produtividade, bom andamento, boa administração, eficácia, racionalidade e
rendibilidade. Vai inferir, no entanto, pela dificuldade que se coloca em alocar a eficiência ao
nível dos fins ou ao nível dos meios, na medida em que se apresenta como um conceito
polifacetado, pluridimensional ou como um superconceito (oberbegriff), tendo matriz
economicista, que veio permear os sistemas jurídicos.
Loureiro vai, nessa medida, destacar algumas acepções de eficiência, sendo: a)
eficiência como realização eficaz de finalidades, b) eficiência como realizadora dos fins
estipulados pela Administração e, nesse sentido, seria tanto meio, quanto fim, c) eficiência
com finalidade de celeridade e redução de custos, d) eficiência como princípio da economia.
Parte da análise da eficiência no âmbito de atuação da Administração Pública, explicando que
há relevância da eficiência enquanto princípio constitucional, ao mesmo tempo em que o
vincula à celeridade, reforçando que se exige, para tanto, observância aos direitos
fundamentais (LOUREIRO, 1995).
Atento ao desenvolvimento da eficiência na Alemanha, Loureiro (1995) destaca que,
no plano procedimental, a eficiência foi entendida, naquele contexto, no sentido de redução de
custos e celeridade, com simplificação dos procedimentos relativos a demandas massificadas.
No entanto, destaca que a eficiência precisa estar vinculada à observância de direitos e
garantias fundamentais e, nesse sentido, acentua que “podemos afirmar que a eficiência e a
garantia jurídica dos particulares, enquanto princípios ordenadores do moderno Estado de
Direito, não podem, em termos globais, encontrar-se numa relação disjuntiva (ou/ou)”
(LOUREIRO, 1995, p. 144).
Cumpre, então, avaliar as perspectivas adotadas acerca da efetividade. Segundo
Barbosa Moreira (1997), a efetividade deve se explicar pelo emprego da melhor técnica,
184
dispondo de instrumentos de tutela adequados para a busca de resultado útil, com o mínimo
de dispêndio de tempo e energia. Por sua vez, Bedaque (2010) entende que o processo efetivo
é o que se pauta em valores de segurança e celeridade, proporcionando às partes o resultado
desejado pelo direito material. Defende, ainda, que técnica procedimental é o mesmo que
formalismo, sendo necessário o abrandamento das garantias inerentes à segurança jurídica,
para que o tempo não deteriore a utilidade prática do processo, sendo, o juiz, o responsável
por amenizar a rigidez da técnica para o alcance da celeridade.
Calmon de Passos (1999) relaciona a efetividade do processo à cidadania. Explica que
a efetividade é a produção concreta de efeitos, decorrendo daquilo que foi decidido e do que
que foi concretamente obtido, a partir de um juízo prescritivo, de uma ordem jurídica
preestabelecida e observada. Já Ovídio Baptista (2007) pondera que a efetividade se perfaz
com a implementação (facere) do próprio direito já reconhecido materialmente (ações
materialmente sumárias e ações executivas).
Saldanha (2010) explica que a crise do Judiciário parte da tensão entre a busca da
eficiência da jurisdição e a sua efetividade. Sustenta que a jurisdição visa a atender
primordialmente ao postulado da eficiência, deixando a efetividade em segundo plano. Assim,
questiona se a rapidez da justiça em nome da eficiência deve ser um fim em si mesma ou se
deve haver preocupação com a efetividade, antes da eficiência.
Expostas, as concepções, urge demarcar, na presente pesquisa, o entendimento
formulado acerca de eficiência e efetividade, dentro da perspectiva de processo e jurisdição
adotadas. Logo, conforme já exposto no subcapítulo 3.2.1, partindo do entendimento de
processo como procedimento em contraditório, no qual os sujeitos processuais atuam em
igualdade de condições, de modo a se chegar a um provimento final (FAZZALARI, 1975), e
aliando-se esse entendimento ao modelo constitucional de processo, desenvolvido por
Andolina e Vignera (1997), que avoca a principiologia constitucional como base integrada e
codependente para todo e qualquer processo, tem-se o processo como garantia de direitos
fundamentais (BARROS, 2009).
Por sua vez, entende-se jurisdição como uma das funções do Estado, por meio da qual,
o órgão jurisdicional emite provimento, a partir de uma atuação comparticipada de todos os
sujeitos processuais, observando-se as garantias fundamentais. A jurisdição afigura-se,
portanto, como atividade do Estado e direito fundamental, nos termos do art. 5o, XXXV, da
CRFB/88, e, em atenção ao modelo constitucional de processo, o art. 3o do CPC/15
igualmente prevê a inafastabilidade do acesso à jurisdição, ao mesmo tempo em que inclui os
métodos alternativos de solução de conflitos como componentes da jurisdição, não havendo
185
mais monopólio estatal dessa jurisdição.
Partindo, portanto, dessa perspectiva, tem-se que o Estado Democrático de Direito
mostra-se como projeto em construção, devendo se estruturar pelo processo como garantia de
direitos fundamentais. Assim, cumpre aos sujeitos processuais observarem o contraditório
dinâmico, a ampla argumentação, a imparcialidade e a fundamentação racional das decisões, a
fim de que o exercício democrático seja legitimado pelo processo.
Fixadas essas premissas acerca de processo e jurisdição, cumpre analisar a eficiência,
a fim de se aferir se a mesma possui aderência (ou não) aos conceitos de processo e jurisdição
e de que modo se relacionam.
Conforme exposto no capítulo 5, a eficiência tem cunho neoliberal e base econômica.
Essa eficiência busca a maximização da riqueza, a ser atingida por meio do proferimento de
decisões que avaliem a melhor alocação de recursos. Além disso, é possível inferir que a
eficiência tem apreço pelos critérios de mercado, razão pela qual repercute em uma atuação
discricionária de juízes para que se atinja essa finalidade (POSNER, 2010). Não há cogitação
acerca de proteção a direitos e garantias fundamentais, sendo evidente e pulsante a
preocupação com a adequação de critérios econômicos e mercadológicos para direcionamento
das decisões jurisdicionais.
Dessa forma, em uma perspectiva democrática, não há compatibilidade entre a
concepção de eficiência e a perspectiva de modelo constitucional de processo adotada na
presente pesquisa, de modo que o processo, enquanto garantia de direitos fundamentais, não
tem aderência com o viés eficientista imposto pela ideologia neoliberal. Infere-se, assim, que
a eficiência não pode ser predicativa do processo, vez que não podem se imiscuir na
perspectiva do modelo constitucional de processo, que orienta a necessária observância a
direitos e garantias fundamentais. A eficiência econômica é estruturada em individualismo e
chancela da desigualdade e, por certo, destoa daquilo que se busca construir a partir do
processo de bases democráticas, no qual os sujeitos processuais devem ter postura
comparticipativa na formulação decisória.
Por outro lado, a eficiência poderia se vincular à jurisdição, enquanto função, na
medida em que o Estado pode buscar, para o exercício de suas atividades, redução de custos,
celeridade no proferimento de decisões, em uma atuação desburocratizada, tecnocrática, na
qual haja persecução de objetivos preestabelecidos, com aferição de melhor custo-benefício,
dentro de uma perspectiva voltada a resultados, o que se alinha, sobretudo, com o proposto
pelo art. 37 da CRFB/88.
Infere-se, dessa forma, que a eficiência afiniza-se com a jurisdição e não com o
186
processo, pelo que há que se falar em eficiência da jurisdição e não do processo.
A efetividade, por sua vez, merece uma compreensão compatível com o modelo
constitucional de processo, que visa garantia de direitos fundamentais. A efetividade do
processo, portanto, deve compreender uma formulação decisória fulcrada em contraditório
dinâmico, ampla argumentação, imparcialidade e fundamentação racional, a fim de que haja
legitimidade em uma perspectiva democrática. Nessa medida, entende-se efetividade como
observância ao modelo constitucional de processo, com as garantias processuais que lhes são
inerentes, para defesa de direitos.
Logo, na presente pesquisa, defende-se que a eficiência vincula-se à jurisdição,
enquanto a efetividade é vinculada ao processo, refutando-se a concepção de eficiência do
processo.
Os órgãos jurisdicionais devem atuar com eficiência, já que vinculados à
Administração Pública, em observância ao preconizado pelos arts. 37 e 93 da CRFB/88,
sendo, portanto, a eficiência, uma meta da jurisdição, conforme tratado no subcapítulo 4.2 do
presente trabalho. A eficiência da jurisdição, nesse sentido, almeja o atingimento de
resultados vinculados à boa prestação de serviços, com modus operandi mais simples,
desburocratizado, célere, colocando em voga a análise da relação custo-benefício.
Portanto, a eficiência é vinculada à atuação da organização jurisdicional, que deve
atender a padrões técnicos para atingimento de metas e resultados, pelo que é correto falar-se
em eficiência da jurisdição. O processo, por sua vez, enquanto garantia de direitos
fundamentais, não tem como ser eficiente, mas efetivo, por exigir observância aos princípios
constitucionais fundamentais alinhados aos ditames do Estado Democrático de Direito, pelo
que se pode sustentar a efetividade do processo.
Acerca da efetividade e de sua necessária vinculação com o processo e a observância
dos direitos e garantias fundamentais, Saldanha e Pereira explicam que deve haver
“efetividade do conteúdo que o processo carrega, isto é, os direitos fundamentais das partes”
e, dessa forma, sustentam que, em uma concepção democrática, deve haver harmonização
entre eficiência e efetividade (SALDANHA; PEREIRA, 2011, p. 118). Saldanha enfatiza a
existência de tensão entre eficiência da jurisdição e efetividade, explicando que a jurisdição
tem sido reduzida a facilitadora para implementação de interesses estratégicos do mercado,
reduzindo-se a uma atuação em busca de resultados, quantificação e solução rápida de litígios.
Dessa forma, afirma que a jurisdição encontra-se em um desafio paradoxal, qual seja,
“assumir seu compromisso com os valores constitucionais e aproximar-se do que é
essencialmente humano por meio da ética ou, apenas cumprir tarefas ditadas pelos interesses
187
do mercado” (SALDANHA, 2010, p. 82).
Infere-se, portanto, que a jurisdição, em países que adotam modelos neoliberais, atua
guiada pela eficiência, em uma perspectiva que coloca a quantificação e os resultados acima
da qualidade e da observância aos preceitos democráticos, o que fica evidenciado pelos
documentos e relatórios emitidos pelo Banco Mundial, a exemplo do Documento Técnico n.
319/96 e do Relatório 32789-BR/04, intitulado Fazendo com que a Justiça Conte, já
mencionado no subcapítulo 2.6 da presente pesquisa.
Saldanha (2010) explica, ainda, que acesso à justiça, enquanto direito fundamental,
tem significação diversa para o Banco Mundial, implicando em tempo para sentenciar e
custos diretos e indiretos das partes, o que corrobora com a assertiva de que, para o
eficientismo neoliberal que repercute na atuação jurisdicional, o que importa é a aferição de
custo-benefício, sem perquirição acerca da observância a direitos e garantias fundamentais,
que se vinculam ao processo e sua efetividade, a partir da democratização e da participação
dos sujeitos processuais em toda e qualquer construção decisória.
Acerca da já mencionada confusão entre eficiência e efetividade, de modo a
sinonimizá-las, cumpre elucidar que a eficiência neoliberal se refere aos meios utilizados, e a
efetividade deve se vincular aos fins (COUTINHO, 2015)80. A se cogitar uma aplicação
meramente eficientista, sem o fito de efetividade, destoa-se do objetivo preconizado, que deve
se pautar na busca e na construção do modelo constitucional de processo. Em outras palavras,
eficiência sem efetividade é como se utilizar um meio sem um fim que se justifique81.
80 Acerca da tratativa da eficiência como meio e da efetividade como fim, essa noção veio destacada no Direito
anglo-saxão, e, assim: “o tema da eficiência não é novo no Direito anglo-saxão, onde são diferenciadas duas
exigências: o dever de atingir o máximo do fim com o mínimo de recursos (efficiency); o dever de, com um
meio, atingir o fim ao máximo (effectiveness).” (GALLIGAN, 1986, p. 129). 81 Agamben, na obra Meios sem Fim: notas sobre política, inicia explicando que a concepção de povo já traz em
si uma fratura biopolítica fundamental, na medida em que, em vez de um povo como sujeito unitário, há, em
verdade, o Povo como corpo político integral e outro subconjunto de povo como corpos de necessitados e
excluídos (AGAMBEN, 2015). Agamben (2015) vai ainda expor que a política se traduz em puros meios,
havendo uma estratégia voltada à formação de uma sociedade do espetáculo, na qual situações são
deliberadamente construídas, em um viés capitalista, que mascara e gera uma metamorfose da mercadoria,
obscurecendo o seu valor de uso e tudo o que vem por trás da produção social. Assim, reconstroe-se uma
imagem (estética) daquilo que deliberadamente se quer mostrar, criar espetáculo, e, assim, “a política
contemporânea é esse experimento devastador, que desarticula e esvazia em todo o planeta instituições e
crenças, ideologias e religiões, identidades e comunidades, para voltar depois a repropor a sua forma definitiva
nulificada” (AGAMBEN, 2015, p. 102). Ao se esvaziar o conteúdo da identidade dos Estados, aloca-se, nesse
vácuo, um outro esvaziamento também de soberania, e, assim, “o declínio do Estado deixa […] seu invólucro
vazio […], a sociedade em seu conjunto é, por sua vez, entregue irrevogavelmente à forma da sociedade de
consumo e de produção orientada ao único fim do bem-estar. Os teóricos da soberania política, como Schmitt,
vêm nisso o sinal mais seguro do fim da política” (AGAMBEN, 2015, p. 104-105). Ou seja, a política é meio
pelo qual se promove um esvaziamento da própria soberania (estado de exceção), de modo que o fim seja um
simulacro de bem-estar, justificado pelo capitalismo, pela sociedade de consumo, pela espetacularização.
Agamben sustenta, portanto, que “política é a exibição de uma medialidade, o tornar visível um meio como tal.
Ela é a esfera não de um fim em si, mas de uma medialidade pura e sem fim como espaço de agir e do
188
A eficiência tem sido utilizada como meio, com o fito de otimização dos resultados
fixados: maximização de riqueza com redução dos custos e celeridade da tramitação
processual. A atividade jurisdicional vem sendo moldada pelo modelo de justiça neoliberal,
de modo que a eficiência seja colocada a justificar uma onda de reformas processuais, com o
condão de barrar a explosão de demandas, a massificação dos litigios e a lentidão. Assim,
busca-se ajustar a técnica, embasada em uma racionalidade consumerista, não se voltando à
qualidade dos julgamentos, mas a uma metodologia eficientista para se dar vazão ao fluxo de
litígios (GARAPON, 2008).
A concepção de eficiência econômica neoliberal acaba por se entranhar na efetividade,
em sua inteireza, de modo a contaminar o seu ideário democrático e fazendo irromper uma
virulência, de modo que o processo passa a ser visto como um mero instrumento a serviço da
jurisdição, sendo os jurisdicionados apenas consumidores, e, assim, todas as cogitações
pautam-se em averiguações de racionalidade econômica, tecnicista e vinculadas a resultados
matemático-financeiros. Perquirições voltadas à observância de um processo democrático
fulcrado em princípios constitucionais servem, para essa ideologia neoliberal eficientista, de
mero discurso retrógrado, diante de um discurso econômico que preza por uma velocidade
incompatível com a garantia de direitos fundamentais.
A imbricação (confusão conceitual) entre eficiência e efetividade pode ser
propositada, como forma de viabilizar um alinhamento do discurso neoliberal, que se utiliza
da metodologia do Law and Economics, pois entende que as decisões judiciais devem ter
espeque em juízos de eficiência que reflitam os interesses do mercado. Nesse sentido:
A confusão – proposital e consciente – entre eficiência e efetividade vem pautada
pela acepção neoliberal de que em produzindo-se eficiência – quantitativa – gera-se
efetividade – qualitativa –, numa relação dialética que se completa não mais com a
busca por decisões constitucionalmente corretas, mas sim com a baixa do número de
processos fazendo surgir um sistema de justiça “modelo ponta de estoque” – como
já referido. (BOLZAN DE MORAIS; HOFFMAM, 2005, p. 10).
Quando Taruffo expõe o entendimento de que o objetivo do processo civil deve ser a
resolução de conflitos mediante decisão que tenha qualidade, ou seja, mediante decisão
devidamente fundamentada, afigura-se, em verdade, a efetividade do processo, na medida em
que sustenta que as decisões jurisdicionais se efetivam a partir de sua fundamentação
completa, que vá levar em conta os debates e as provas produzidas pelas partes (TARUFFO,
pensamento humano” (AGAMBEN, 2015, p. 106). Ou seja, a política volta-se a um interesse mediador, em
que o fim não se dirige a uma construção da vontade do povo, o que vai ensejar a violência do consumo,
levando ainda a uma espetacularização falseadora.
189
2008).
Assim, tem-se que os princípios constitucionais do contraditório, ampla argumentação,
imparcialidade e fundamentação racional das decisões precisam compor a concepção de
processo, que, nesse sentido, mostra-se efetivo e alinhado aos preceitos do modelo
constitucional de processo. O aspecto qualitativo apontado por Taruffo, portanto, traduz-se
em efetividade e não em eficiência, já que coerente com a estruturação proposta pelo modelo
constitucional de processo. Por sua vez, a eficiência vinculada à velocidade e à redução de
custos só pode se vincular à organização da jurisdição.
Diante do exposto, infere-se, partindo-se do entendimento de Taruffo, que a eficiência
quantitativa vincula-se à jurisdição, enquanto a qualidade das decisões jurisdicionais é
vinculada à efetividade, enquanto fim, já que, em uma concepção processual democrática, as
garantias fundamentais são base para a construção decisória processualizada. O fim (e
efetividade), portanto, deve ser a observância das garantias constitucionais enquanto
fundamento do próprio processo.
Cumpre aprofundar nesta análise de modo a avaliar uma proposta de formação das
decisões em que seja possível, por meio da efetividade do processo, promover-se uma
fiscalidade (accountability) capaz de promover eficiência da jurisdição.
7.2.1 Da efetividade do processo e da fiscalidade (accountability judicial decisional)
Acerca da formação das decisões jurisdicionais racionalmente fundamentadas,
Taruffo, como já demonstrado no subcapítulo 6.1, realizou importantes incursões nessa
temática, tendo sustentado que há necessidade de que os juízes e tribunais apontem
detidamente as razões da decisão, sempre vinculados aos argumentos e às provas produzidos
pelas partes processuais. Além disso, sustenta que a atuação jurisdicional, seguindo essa
orientação, viabiliza o controle externo da decisão. Nesse sentido:
Evidenciar o significado específico da garantia constitucional da motivação não tem
simplesmente um valor conceitual ou abstratamente teórico. A atuação dessa
garantia tem, pelo contrário, algumas implicações muito importantes que é oportuno
sublinhar.
Uma primeira implicação é de que o legislador ordinário, ao disciplinar as
modalidades de forma e conteúdo com as quais deve ser redigida a sentença, não
pode deixar de prever um dever geral de motivação. Isso significa que a motivação
deve ser redigida sempre, e em qualquer caso, por todos os juízes do ordenamento.
[...]
Uma segunda ordem de implicações é que se [...] a motivação da sentença
deve assegurar a possibilidade de um controle externo das razões que justificam a
decisão, então é necessário que a motivação inclua argumentos justificativos
190
referentes a todos os aspectos relevantes da decisão. Pode-se, ainda, falar de um
princípio de completude da motivação, segundo o qual a motivação deve incluir
argumentações justificativas que digam respeito à decisão como um todo, em todos
os seus elementos determinantes. Somente se a justificação da decisão é completa,
de fato, há possibilidade de um adequado controle externo sobre o fundamento da
própria decisão. (TARUFFO, 2015, p. 24).
Essa perspectiva de controle das decisões jurisdicionais também foi abordada por
Andolina e Vignera, que, ao discorrerem acerca do modelo constitucional de processo,
destacaram a importância da fundamentação das decisões jurisdicionais, de modo a conferir
controle democrático do exercício da jurisdição. Explicitaram que a fundamentação deve
trazer todos os elementos, a fim de que as razões da decisão sejam compreensíveis pelos
sujeitos processuais e por aqueles que estão fora do processo (ANDOLINA; VIGNERA,
1997).
Infere-se, dessa forma, que Andolina e Vignera também previram a necessidade e a
importância da fundamentação racional das decisões jurisdicionais, assim como das demais
garantias fundamentais, evidenciando a necessidade de controle e fiscalidade a serem
exercidos tanto pelos sujeitos processuais, quanto pela sociedade.
Portanto, sendo o processo garantia de direitos fundamentais, há repercussão dessa
concepção na forma como a atividade jurisdicional deve ser exercida. Ou seja, a jurisdição é
função estatal, que deve ser desempenhada a partir da observância aos princípios processuais,
o que exige a atuação dos sujeitos processuais em contraditório, com pleno exercício da
argumentação e em igualdade de condições, a fim de influenciarem na produção decisória.
Seguindo esse direcionamento, Brêtas afirma:
No processo, as razões de justificação (argumentos) das partes, envolvendo as
razões da discussão (questões), produzidas em contraditório, constituirão base para
as razões da decisão, e aí encontramos a essência do dever de fundamentação,
permitindo a geração de um pronunciamento decisório participado e democrático.
(BRÊTAS, 2018, p. 183).
A partir dessa formulação, abre-se a possibilidade factível de que haja a elaboração de
decisões jurisdicionais adequadas à estrutura proposta para a implementação de um processo
de bases democráticas. Além disso, Brêtas explica que uma decisão com fundamentação
alinhada ao preconizado constitucionalmente enseja: a) controle de constitucionalidade da
função jurisdicional; b) obstaculização da incidência de critérios ideológicos e subjetivos do
julgador; c) possibilidade de aferição da racionalidade da decisão; d) possibilidade de
impugnação técnica e jurídica pelos sujeitos processuais, que poderão recorrer das decisões de
maneira precisa e específica (BRÊTAS, 2018).
191
A fundamentação adequada das decisões jurisdicionais viabiliza o aumento de
controle do exercício da função jurisdicional, além de garantir efetividade ao processo, com a
observância das garantias fundamentais. Esse controle da atividade jurisdicional vincula-se
logicamente ao direito que as partes e a sociedade têm de fiscalizar o exercício da função,
decorrendo daí o dever de prestar contas do Estado.
Imperioso observar que a decisão jurisdicional torna imprescindível a necessidade de
uma elaboração com transparência, em que haja fundamentação alinhada aos argumentos de
fato e de direito produzidos pelas partes, viabilizando o exercício do direito à fiscalidade da
decisão pelos sujeitos processuais e pela sociedade, na medida em que há interesse na
implementação do modelo constitucional de processo.
Esse dever do julgador de prestar contas acerca da formulação da decisão pode ser
chamado de accountability, que, segundo Anna Maria Campos, trata-se de uma palavra que
não possui tradução precisa e específica para a língua portuguesa. Partindo de uma análise
mais ampla, ao tratar da Administração Pública, explica que, nos Estados democráticos, há a
expectativa lógica de que o serviço público seja prestado de forma responsável (CAMPOS,
1987). E, desse modo, explica:
A accountability começou a ser entendida como questão de democracia. Quanto
mais avançado o estágio democrático, maior o interesse pela accountability. E a
accountability governamental tende a acompanhar o avanço de valores
democráticos, tais como igualdade, dignidade humana, participação,
representatividade. (CAMPOS, 1987, p. 33).
Seguindo essa orientação, tem-se que a accountability vincula-se à possibilidade de
exigirem dos agentes públicos informação e justificação pelos atos praticados ou pelas
omissões incorridas (ROBL FILHO, 2013). Vale analisar a perspectiva macro da
accountability, que diz respeito à atuação do Estado por meio de seus agentes, mas que
necessariamente serve para a avaliação da accountability na formulação das decisões
jurisdicionais, na medida em que essas decisões são tomadas por juízes e tribunais, que agem
em nome do Estado.
A accountability tem necessária vinculação com a democracia, pois esta exige que os
agentes públicos prestem contas de sua atuação, em decorrência da limitação do exercício do
poder preconizada pelo Estado de Direito. Em todos os níveis de exercício da atividade
estatal, seja executiva, legislativa ou jurisdicional, deve haver fiscalização dos atos praticados,
192
o que impõe atuação responsiva dos agentes estatais 82 . Filgueiras (2011) explica que a
accountability vincula-se à democracia, decorrendo da existência de um ordenamento jurídico
que assegura direitos fundamentais e participação na formação da vontade, exigindo que haja
transparência no processo de tomada de decisões.
Segundo explica, Robert Behn (1998), a accountability democrática não é uma opção
daqueles que exercem o poder em nome do Estado, mas é uma característica da própria
estruturação do poder, na medida em que a gestão pública exige uma conformação da atuação
dos agentes, que devem prestar contas por seus atos e omissões. É indubitável, portanto, a
relação estreita entre democracia e accountability, já que existe a necessidade de controle do
poder exercido pelo Estado, a exigir conduta escorreita dos dirigentes (ARAGÃO, 1997).
Assim, em síntese, a accountability corresponde tanto a um dever de atuação
responsiva daqueles que execem o poder, quanto a um dever de prestar contas acerca dos atos
praticados (CAMPOS, 1987). Seguindo essa premissa, Robl Filho assevera que “a
compreensão do termo accountability pressupõe a apreensão da categoria principal
(mandante) e agent (agente ou mandatário), assim como da estrutura analítica da
accountability: answerability (necessidade de dar respostas) e enforcement (coação)” (ROBL
FILHO, 2013, p. 101). Evidencia-se, portanto, que a accountability pressupõe uma estrutura
de poder, de que decorre o dever de prestar contas pela atuação.
A discussão acerca da accountability tem assumido importância quando se trata do
controle do poder estatal e, desse modo, Malleson aprofundou no estudo do tema e definiu as
formas pelas quais as contas podem ser prestadas. Destacou que há a hard political
accountability, que diz respeito à prestação de contas no âmbito da política, havendo ainda a
soft accountability, que se refere ao dever de prestar contas dos juízes e tribunais, em virtude
do dever de transparência procedimental tanto para os sujeitos processuais, quanto para a
sociedade como um todo (MALLESON, 1990).
Interessa analisar, desse modo, a perspectiva de accountability que se vincula à
atuação dos juízes e tribunais, a fim de que se possa relacionar com a eficiência da jurisdição,
bem como para que se viabilize a análise do processo democrático relacionado ao dever de
prestar contas acerca das decisões jurisdicionais proferidas. A gestão pública atual requer uma
atuação eficiente, em termos de transparência, a significar maior abertura ao diálogo e
82 Marques Neto, explica que “o conceito de responsividade […] não se refere apenas à responsabilidade no
tocante à decisão (no sentido de o agente ser passível de por ela ser responsabilizado). A responsividade
implica em que o agente se preocupe com os efeitos e implicações da decisão e sinta-se comprometido em
adotar a melhor medida possível para atingir a finalidade a que ela se presta buscando os efeitos menos
traumáticos para aqueles que serão por ela atingidos. (MARQUES NETO, 2007, p. 271).
193
comunicação, assim como significa dever de prestar contas, que abarca também a atuação dos
juízes (CABRAL, 2017b).
Por meio da accountability judicial decisional, abre-se a possibilidade aos interessados
de requererem informações e justificações dos juízes e tribunais acerca das decisões
jurisdicionais proferidas. Nesse sentido, Robl Filho afirma que:
A accountability judicial decisional impõe ao magistrado que, na sentença,
apresente as principais informações sobre o caso e justifique por meio dos fatos, das
leis e da Constituição a sua decisão judicial. Essa forma de accountability também
estabelece o sistema de recursos judiciais. (ROBL FILHO, 2013, p. 132).
Logo, para o exercício do direito à fiscalidade, há que se considerarem duas dimensões
de controle das decisões jurisidicionais, quais sejam: a) controle endoprocessual: realizado
pelos sujeitos processuais; b) controle externo: realizado pela sociedade. Essa perspectiva de
fiscalidade e controle das decisões jurisdicionais foi apontada por Taruffo, conforme já
mencionado no subcapítulo 6.1.
Considerando o controle endoprocessual, os sujeitos processuais, que atuaram
ativamente expondo argumentos e provas, corroborando para a formação da decisão, têm o
direito de exercer a fiscalidade, o controle dessa decisão, aferindo se houve concatenação
entre contraditório e fundamentação, de modo a ensejar a necessária legitimidade. Taruffo
(2015) explica que essa função endoprocessual da fundamentação serve para que as partes
valorem acerca da viabilidade de recorrer ou não da decisão, exercendo controle sobre ela.
A fundamentação da decisão seria a própria prestação de contas do juiz acerca da
correição da sua formulação. Por esse motivo, exige-se que os juízes e tribunais analisem
todos os argumentos e provas expostos pelas partes (art. 489, CPC/15), tendo o dever de
informar sobre quais bases foram tomadas as decisões, sob pena de nulidade das mesmas, nos
termos do art. 93, IX, da CRFB/88 (CATTONI DE OLIVEIRA, 2016). Robl Filho (2013)
nomeia esse controle endoprocessual de accountability judicial decisional interna, explicando
que, por essa via, os sujeitos processuais podem apresentar recursos, havendo garantia de que
os pontos controvertidos serão revisitados por outros julgadores, em razão da relevância
política e social das decisões.
No que diz respeito ao controle externo das decisões jurisdicionais, também o art. 93,
IX, da CRFB/88 estatui que todos os julgamentos emanados pelo Judiciário serão públicos.
Essa publicidade decorre da necessidade de se viabilizar o exercício da fiscalidade a toda a
sociedade, a fim de que avalie a correção dos atos praticados pelos juízes, de modo a conferir
194
se houve (ou não) a racional fundamentação das decisões jurisdicionais. Pressupõe-se que
haja interesse de toda a sociedade na fiscalização dos atos jurisdicionais, na medida em que
esse ato corrobora para a conformação da estrutura capaz de implementar o Estado
Democrático de Direito. A esse respeito, Tarrufo sustenta:
Essa [...] função é estreitamente conexa com o conceito democrático do exercício do
poder, segundo o qual quem exercita um poder deve justificar o modo pelo qual o
faz, submetendo-se, portanto, a um controle externo difuso das razões pelas quais o
exercitou daquele determinado modo. Nesse sentido, o dever de motivação
constitucionalmente garantido assume um valor político fundamental: é o
instrumento por meio do qual a sociedade se coloca em condições de conhecer e
analisar as razões pelas quais o poder jurisdicional é exercitado, de modo
determinado, no caso concreto. (TARUFFO, 2015, p. 21).
Taruffo relaciona o controle externo da decisão jurisdicional ao próprio exercício
democrático, na medida em que a sociedade é instada a fiscalizar e controlar o exercício do
poder atribuído ao Judiciário. Adotando esse mesmo entendimento, Robl Filho afirma que “os
litigantes de maneira direta e a população de maneira indireta têm interesse em obter
informações sobre as decisões judiciais e em analisar as justificações da decisão” (ROBL
FILHO, 2013, p. 201).
Desse modo, fica evidente um interesse abrangente tanto dos sujeitos processuais,
quanto da sociedade, de que haja a possibilidade de fiscalizar e exigir uma prestação de contas
acerca das bases decisórias. Leonard Schmitz trata da função da accountability decisional, em
sua perspectiva de controle externo, afirmando:
A ideia de controle externo é uma construção decorrente das exigências
constitucionais feitas ao Judiciário. Em outras palavras, o controle da
fundamentação pela sociedade, embora seja uma ficção, é ficção da qual depende a
legitimidade das decisões jurisdicionais. (SCHMITZ, 2015, p. 214).
A accountability judicial decisional exige, portanto, que haja a formulação de decisões
devidamente fundamentadas, de acordo com as premissas fixadas pelo art. 93, IX, da
CRFB/88 e pelas normas fundamentais do processo civil, a exemplo daquelas constantes dos
arts. 7o, 9o, 10 e 11, assim como do art. 489 do CPC/15, que, de acordo com a perspectiva
fixada pelo modelo constitucional de processo, exige fundamentação esclarecedora de toda a
dialogicidade perpetrada no iter processual.
Havendo, portanto, uma fundamentação racional das decisões jurisdicionais, confere-
se plena potencialidade de aferição da base decisória, na medida em que estruturada pela
comparticipação dos sujeitos processuais, em uma perspectiva policêntrica (NUNES, 2008a),
195
em que todos os afetados pela decisão contribuirão em um nível de dialogicidade
contemplado pelo modelo constitucional de processo. Nesse nível de atuação dos sujeitos
processuais, a prestação de contas se faz pela própria fundamentação da decisão jurisdicional,
que deverá ser composta a partir da apreciação de todos os argumentos e questões suscitados
pelas partes, conforme preconiza o art. 489 do CPC/15.
Essa atuação em conformidade com o modelo constitucional de processo dá ensejo à
plena implementação de efetividade do processo, por observar direitos e garantias
fundamentais. Ou seja, a accountability judicial decisional relaciona-se de forma estreita com
a efetividade do processo, já que essa accountability possibilita exatamente a fiscalidade, o
dever de prestar contas e a transparência na atuação dos sujeitos processuais, que pressupõe,
inclusive, a boa-fé objetiva (art. 5o do CPC/15).
Realizada a análise da efetividade do processo vinculada à fiscalidade, para que sejam
formuladas decisões jurisdicionais racionalmente fundamentadas, é preciso, então, avaliar
uma proposta de reconstrução da eficiência da jurisdição, a partir do modelo constitucional de
processo.
7.2.2 Da proposta de reconstrução da eficiência pela conformação das decisões ao modelo
constitucional de processo
A eficiência prevista no art. 8o do CPC/15 é pautada como critério de aplicação do
ordenamento jurídico pelo juiz. A interpretação desse artigo deve ser feita em conjunto com
as demais normas fundamentais do processo (contraditório dinâmico, ampla argumentação,
imparcialidade e fundamentação racional das decisões), a fim de que seja observada a diretriz
traçada pelo modelo constitucional de processo, segundo o qual as normas constitucionais
devem orientar o intérprete segundo um esquema geral de processo (ANDOLINA;
VIGNERA, 1997, p. 13).
Reforçando esse entendimento, Brêtas (2016) explica que o CPC/15 ordena, desde o
seu art. 1o, que haja interpretação sempre pautada na concepção de Estado Democrático de
Direito, com observância das normas fundamentais constitucionais. Desse modo, a eficiência
como critério hermenêutico precisa ter diretriz alinhada com as garantias fundamentais, a
exemplo da razoável duração do processo e da primazia do julgamento do mérito (art. 4o,
CPC/15), da boa-fé dos sujeitos processuais (art. 5o, CPC/15), da cooperação (art. 6o,
CPC/15), do contraditório como garantia de influência e não surpresa (art. 10, CPC/15) e da
garantia de fundamentação das decisões (art. 489, §1o, CPC/15).
196
Todas essas garantias precisam servir de eixo interpretativo e de aplicação do
ordenamento, em conjunto com os critérios previstos no art. 8o do CPC/15, entre os quais,
inclui-se a eficiência. Essa eficiência, por sua vez, dentro do alinhamento previsto para
interpretação e aplicação do ordenamento jurídico, só faz sentido se observadas as garantias
processuais fundamentais. Ou seja, a eficiência deve estar imbricada com a efetividade do
processo.
É importante salientar que o CPC/15 deve ser interpretado a partir de uma
metodologia que busque a sua unidade principiológica, de modo que as normas fundamentais
sejam interdependentes. Dentro da sistematização proposta pelo CPC/15, que buscou
compatibilizar-se com os preceitos constitucionais, não é possível que se realize uma
interpretação isolada de dispositivos legais, sem considerar a unidade principiológica que
serve de eixo, de viga mestra hermenêutica. Nesse sentido:
O Novo CPC somente pode ser interpretado a partir de suas premissas, de sua
unidade, e especialmente de suas normas fundamentais, de modo que não será mais
possível interpretar/aplicar dispositivos ao longo de seu bojo sem levar em
consideração seus princípios e sua aplicação dinâmica (substancial). Ademais, não
será possível analisar dispositivos de modo isolado, toda compreensão deve se dar
mediante o entendimento pleno de seus sistema, sob pena de se impor leituras
apressadas e desprovidas de embasamento consistente. Leitura isoladas de
dispositivos e institutos, alheias às premissas fundamentais, tendem a ser
equivocadas e conduzir a resultados práticos inaceitáveis.” (THEODORO JÚNIOR
et al, 2016, p. 20).
A diretriz interpretativa do CPC/15 deve se pautar na observância da unidade
principiológica prevista na Constituição, não comportando uma hermenêutica a partir de
critérios pontuais, mas a partir da conjugação de toda a base de normas fundamentais do
processo civil previstas. Infere-se, desse modo, que a eficiência somente pode ser interpretada
e aplicada com base na efetividade do processo, sem o que esta se reduz a mero atributo para
obtenção de resultados vinculados à quantificação, o que se conforma com o viés
mercadológico neoliberal, não contribuindo para que se implemente o modelo constitucional
de processo.
O CPC/15 deve viabilizar uma operacionalização em perspectiva contrafática, que
obste a atuação dos sujeitos processuais que não contribua para o processo de bases
democráticas. Assim, Nunes explica que o CPC/15 “tenta, contra-faticamente, implementar
comportamentos mais consentâneos com as finalidades de implementação de efetividade e
garantia de nosso modelo processual constitucional” (NUNES, 2015, p. 1).
Por exemplo, a atuação dentro do modelo normativo da comparticipação, previsto no
197
art. 6o do CPC/15, é um mecanismo processual que gera fiscalidade na atuação de todos os
sujeitos processuais, corroborando, portanto, para que a decisão seja uma resultante lógica do
diálogo entre as partes, que influenciaram o julgamento. Assim, a fundamentação acaba por se
tornar uma efetiva prestação de contas da atuação comparticipada dos sujeitos processuais.
Faz-se necessário, portanto, que a eficiência, alçada a norma fundamental do processo, seja
compatibilizada com a cooperação processual (art. 6o, CPC/15), contraditório como garantia
de influência e não surpresa (arts. 7o, 9o e 10, CPC/15), dever de fundamentação das decisões
(art. 489, CPC/15), além das demais normas fundamentais do processo.
Nada obsta que haja persecução da eficiência da jurisdição em termos quantitativos,
vincada em metas e resultados. Aliás, espera-se que haja a implementação de eficiência que
vá repercutir em uma razoável duração do processo. Ou seja, no Estado Democrático de
Direito que se busca implementar, a eficiência da jurisdição precisa, necessariamente, estar ao
lado da efetividade do processo. Essa efetividade, enquanto arcabouço de princípios
constitucionais fundamentais, irá repercutir na configuração do modelo constitucional de
processo.
Desse modo, demonstra-se que, havendo, inelutavelmente, observância aos direitos e
às garantias fundamentais, implementa-se a efetividade do processo, que oportunizará a
concretização da eficiência da jurisdição, dando vazão à tramitação processual, além do que,
viabiliza-se a conformação ao modelo constitucional de processo.
199
8 CONCLUSÃO
O desenvolvimento realizado acerca da eficiência da jurisdição visou elucidar as bases
sobre as quais o discurso eficientista se apoia, tendo havido a necessidade de se verificar qual
o propósito singular que fez com que essa busca por eficiência se evidenciasse. Além disso,
considerou-se importante investigar qual é o viés conceitual viabilizador da propagação do
pleito de eficiência.
Assim, em vista da necessidade de compatibilização do processo civil com a
Constituição, houve a incorporação da eficiência como norma fundamental do processo. O
que se buscou, na presente pesquisa, foi perquirir acerca da compatibilidade da eficiência da
jurisdição com o processo democrático e, ainda, avaliar, a partir da categoria teórica do
modelo constitucional de processo, de que forma a eficiência pode ser implementada no
exercício da atividade jurisdicional.
Retomando-se a hipótese, considerou-se a eficiência como conceito vinculado à
jurisdição (e não ao processo), devendo haver, para sua implementação, a efetividade do
processo como diretriz estrutural, assim entendida como obediência às garantias fundamentais
do contraditório, da ampla argumentação, da imparcialidade do julgador e da fundamentação
racional das decisões.
Visando a testar a hipótese aventada, para confirmá-la ou refutá-la, houve a
necessidade de analisar o neoliberalismo, que impôs a realização de ajustes estruturais nos
países em desenvolvimento, a exemplo do Brasil, a fim de atender aos interesses dos países
hegemônicos, detentores das rédeas do Banco Mundial e do FMI. Para justificar essa atuação
reformista, colocaram-se em voga, a crise e a ineficiência da jurisdição, de modo a incutir
mecanismos, dentro do Estado de Direito, que oportunizassem a adoção de medidas de
exceção.
Nesse sentido, foi necessário analisar a eficiência, desde sua concepção econômica até
sua utilização pela metodologia do Law and Economics, o que tornou possível avançar para a
análise da eficiência realizada pelos processualistas civis. Realizadas essas demarcações, foi
possível adentrar-se na averiguação da hipótese articulada acerca da eficiência da jurisdição e
da efetividade do processo. E, visando a demonstrar as considerações hipotéticas suscitadas,
empreendeu-se à necessária incursão na CRFB/88 e no CPC/15, para analisar se a eficiência
da jurisdição contribui (ou não) para a construção do modelo constitucional de processo.
Feitas essas considerações, cumpre minudenciar acerca dos resultados obtidos a partir
da análise crítica realizada.
200
A eficiência, segundo a perspectiva de Pareto, ocorre quando, em uma alocação de
recursos, há melhoria da situação de um indivíduo em detrimento de outros. Ou seja, Pareto
coloca que benefícios ou rendas possam ser direcionados a uma minoria, assumindo a
possibilidade de piora na situação de outros e, desse modo, considera a eficiência como um
critério em que recursos são direcionados para aumento de bem-estar de poucos.
Desse modo, há afinidade da perspectiva paretiana, com aquela defendida
anteriormente por Bentham, para quem deveria haver persecução da maximização de bem-
estar e felicidade, em um viés utilitarista. Já a eficiência preconizada por Kaldor e Hicks
admitiu que houvesse uma alocação de recursos díspare, assim como considerava Pareto,
desde que houvesse possibilidade de compensação dos prejuízos sofridos. Ou seja, exigia-se
possibilidade de compensação e não a compensação efetiva, o que aproximava essa
perspectiva de eficiência àquela eficiência defendida por Pareto.
De todo modo, o que se infere é que a eficiência cogitada pela ciência econômica parte
de uma base de desigualdade na distribuição de recursos e não se preocupa em contribuir para
a melhor distribuição da riqueza. Ao contrário, a eficiência defendida busca chancelar a
desigualdade, na medida em que o foco é uma maximização, seja da felicidade ou da utilidade
(Bentham), seja da riqueza para uma minoria (Pareto), seja com o dissimulado discurso de
possibilidade de compensação, que se esvazia ante a prescindibilidade da própria
compensação (Kaldor e Hicks). Ou seja, a eficiência, nessa perspectiva econômica, tem como
foco recursos – assim considerados bens e riqueza -, destinados para beneficiar poucos e para,
em um discurso ensimesmado, justificar a distribuição desigual.
Não foi por acaso, que a eficiência econômica bem serviu ao neoliberalismo, cujas
premissas foram premeditadamente traçadas, desde o Colóquio de Walter Lippmann até Mont
Pèlerin, para defender valores empresariais, oportunizadores de ampliação mercadológica.
Assim, o neoliberalismo se concebeu como ideologia apta a gerar um modelo de governar por
meio de políticas econômicas competitivas e açambarcadoras de interesses elitistas. Esse viés
foi consolidado na Convenção de Bretton Woods, ocasião em que se projetou a criação do
Banco Mundial e do FMI, para operacionalizar a introjeção da ideologia neoliberal voltada
aos interesses do mercado.
A estratégia utilizada pelo neoliberalismo foi, preponderantemente, a da liberalização
do comércio e da indústria, bem como a da desregulamentação, com a imposição de
orientações aos países em desenvolvimento, com o fito de alterar os ordenamentos jurídicos
para atendimentos dos interesses veiculados nos documentos técnicos e relatórios emitidos
pelo Banco Mundial.
201
Ao mesmo tempo em que o neoliberalismo avançava, a metodologia do Law and
Economics, de modo estratégico, cuidava de interligar Direito e Economia, a fim de aplicar os
modelos teóricos das ciências econômicas na interpretação e aplicação do Direito,
mensurando o impacto das normas jurídicas e das decisões jurisdicionais para a maximização
da riqueza. Ou seja, essa metodologia almejou incutir critérios de quantificação e monetização
dos direitos e das garantias, que acabaram por serem relegados em face da busca pela melhor
alocação do custo-benefício. O critério para a defesa de direitos, a partir da metodologia do
Law and Economics, tem predominância econômica. Portanto, é latente a aderência entre
neoliberalismo e a metodologia do Law and Economics.
Com o advento do segundo pós-guerra, irrompeu a busca pela constitucionalização e
democratização dos Estados, com a ampliação de direitos fundamentais e garantias
processuais. Assim, embora a democratização tenha sido uma aspiração constante das
Constituições dos Estados, esse projeto de efetiva implementação de direitos e garantias
fundamentais acabou por ser comprometido, diante da suplantação do projeto democrático
pela ideologia neoliberal. O discurso da eficiência era preponderantemente aventado pelos
teóricos do neoliberalismo, assim como pelos documentos exarados pelo Banco Mundial, para
justificar a necessidade de expansão dessa política.
Não se propõe colocar a eficiência como critério sórdido, mas há que se compreender
que a sua introjeção nos ordenamentos jurídicos teve o objetivo de mascarar suas reais
intenções, articuladas pelo discurso de desenvolvimento. Ou seja, em um contexto
democrático, a eficiência foi utilizada como simulacro para introjeção da ideologia neoliberal,
que se mostra inconciliável com a democracia. Isso porque a democracia propugna pela
participação dos sujeitos nos processos decisórios, dentro de uma esfera dialógica, em que
direitos e garantias fundamentais sejam as diretrizes.
O neoliberalismo, ao contrário, tem as formulações decisórias voltadas à aferição de
critérios de mercado, com avaliação de custo-benefício e objetivando maximização da
riqueza. Ou seja, democracia e neoliberalismo possuem objetivos díspares, pelo que a
eficiência, de vestes neoliberais, não tem como ser compatibilizada com a persecução de um
processo de bases democráticas.
Conforme se demonstrou no desenvolvimento da pesquisa, a crise do Judiciário,
sobretudo, diante da morosidade na tramitação processual, foi aventada pelo Documento
Técnico n. 319/96 e pelos relatórios emitidos pelo Banco Mundial. Essa crise, portanto, serviu
como estratégia justificadora para que o Banco Mundial impusesse reformas estruturais aos
países em desenvolvimento, fustigados pela dívida externa.
202
Desse modo, firma-se o entendimento de que, no Brasil, tanto a reforma
administrativa, quanto a reforma do Judiciário foram direcionadas para atendimento aos
ditames neoliberais impostos pelo Banco Mundial. O objetivo das reformas era a
incorporação da eficiência econômica ao ordenamento jurídico, de modo a possibilitar que as
decisões fossem deliberadas, a partir de uma análise prospectiva do melhor custo-benefício,
com racionalidade econômica, além de possibilitar a criação de controles quantitativos para
mensurar a produtividade.
Há que se observar que a reforma do Judiciário colocou a eficiência como meta,
incluindo a busca por celeridade e a razoável duração do processo (art. 5o, LXXVIII,
CRFB/88), bem como criou o CNJ, que tem como objetivo estratégico a produtividade,
captação de dados, fixação de metas e mensuração de resultados, todos voltados à persecução
da eficiência (art. 103-B, CRFB/88).
Por essa análise, é possível estabelecer o entendimento no sentido de que o Judiciário
passou a ser visto a partir de uma visão gerencial, que lhe exigiu desburocratização, ao
mesmo tempo em que se ampliou a busca por fiscalidade e controle (accountability), voltados
ao desempenho, com métricas e quantificações. O objetivo apontado para o Judiciário é
produzir mais e produzir com celeridade.
Para que esse controle fosse operado, o CNJ desenvolveu relatórios, a exemplo do
Justiça em Números, a fim de mensurar os insumos (receitas e despesas), a taxa de
congestionamento e a produtividade, além do tempo do processo. A partir das análises
realizadas na presente pesquisa, não se detectou, nos relatórios elaborados pelo CNJ, qualquer
avaliação acerca da qualidade das decisões jurisdicionais ou acerca de sua adequada
fundamentação.
Por óbvio, esse panorama quantificador em busca de eficiência permeou o CPC/15,
que, visando à aceleração dos julgamentos, incentivou de forma incisiva a ampliação do
direito jurisprudencial, vincado na utilização de padrões decisórios, a exemplo das súmulas
(vinculantes ou não), dos precedentes e do julgamento de casos repetitivos, com o fito de
uniformização do entendimento. Além disso, houve a simplificação do sistema recursal, com
a extinção do agravo retido, além de impingir um rol taxativo de hipóteses para interposição
do agravo de instrumento. Como se isso não bastasse, houve, antes mesmo da entrada em
vigor do CPC/15, alteração do art. 1.030, ocasionando a inclusão do inciso I, que traz
hipóteses de inadmissibilidade dos recursos especial e extraordinário, o que tolhe a
possibilidade efetiva de superação dos precedentes formulados.
O que se infere, portanto, é que a utilização de padrões decisórios foi incentivada pelo
203
CPC/15, com o intuito de acelerar os julgamentos e gerar a esperada eficiência quantitativa.
No entanto, a partir disso, houve atenuação da garantia do contraditório, ante a limitação da
discursividade, que vem desde a elaboração dos padrões, já que não há publicidade e
transparência acerca da ratio decidendi.
Assim, as teses formuladas são encaixadas de forma violenta aos casos concretos, não
sendo possível aferir a plausibilidade da vinculação realizada. Indubitável, portanto, que haja
comprometimento da qualidade das decisões jurisdicionais formuladas. Se os padrões
decisórios implicam em restrição ao contraditório, na mesma medida, a simplificação do
sistema recursal operada pelo CPC/15 acaba por restringir o exercício da ampla
argumentação.
As garantias processuais acabaram sendo colocadas em xeque, em nome da eficiência
quantitativa, que visa a produtividade e celeridade, relegando a necessidade de garantir a
configuração pretendida pelo modelo constitucional de processo, pautada na observância
irrestrita ao contraditório, à ampla argumentação, à imparcialidade do julgador e à
fundamentação racional das decisões.
Nessa linha de raciocício, cumpre retomar o art. 8o do CPC/15, que coloca a eficiência
como critério de interpretação e aplicação do ordenamento jurídico pelos juízes. Esse artigo
vem alocado na capitulação que dispõe acerca das normas fundamentais do processo civil, o
que não parece ter sido projetado ao acaso.
Já se enfatizou que as reformas estruturais realizadas no Brasil têm cunho neoliberal
eficientista. Assim, essa alocação da eficiência parece se traduzir naquilo que, de fato, a
metodologia do Law and Economics pretendia: direcionar a formulação de decisões
jurisdicionais para um locus de atendimento aos ditames do mercado, a partir de uma abertura
no ordenamento jurídico (fissura, nos dizeres de Agamben), que comporte os interesses das
instituições financeiras e mercadológicas que se deve atender. Ou seja, trata-se da utilização
inescusável do Estado de Direito para adoção de medidas de exceção, aos moldes do que
denunciam Mattei e Nader, a fim de articular estrategicamente a implantação virulenta da
ordem neoliberal.
O mencionado art. 8o do CPC/15 traz, além da eficiência, conceitos jurídicos
indeterminados, a exemplo de fins sociais e bem comum, que permitem uma abertura
hermenêutica apta a alocar o sentido que o julgador queira sugerir (voluntarismo autoritário),
de modo a permitir, portanto, a introjeção de subjetivismo e discricionariedade no julgamento,
que são incompatíveis com o processo democrático.
Esse art. 8o do CPC/15 tem origem bem definida, qual seja, o art. 5o da LINDB, de
204
advento autoritário pelo Decreto-Lei n. 4.657, de 1942. É paradoxal, portanto, que o CPC/15,
que buscou a constitucionalização, venha comportar um artigo com carga autoritária, como é
o caso. O CPC/15 foi formulado para se compatibilizar com a CRFB/88, de alicerces
democráticos. No entanto, a novel codificação abarcou um dispositivo 83 com vinculação
estrutural ditatorial, de modo a abrir uma permissividade para que os julgadores se coloquem
em posição de centralidade, dando azo ao virulento protagonismo judicial, que serve como
luva à ideologia neoliberal. O protagonismo judicial permite a formulação decisória de modo
solipsista, a partir de preferências, preconceitos e valores do julgador, viabilizando a
desconsideração dos argumentos e das provas produzidos pelos sujeitos processuais.
A propósito, avaliando-se o desenvolvimento feito por Schmitt acerca da exceção,
sustenta que poder e vontade do decisor se imiscuem, de modo que a exceção é decisão
resultante da vontade do detentor do poder político. Ou seja, há uma concepção de poder total
do soberano, sem limites normativos que possam barrar sua atuação, o que permite que
Schmitt faça a defesa de um decisionismo voltado ao atendimento dos interesses da classe
econômica dominante, e, nesse sentido, há aderência de seu entendimento com a ótica
neoliberal, embora sejam concepções que não se misturem, o que precisa ficar claro.
Não foi por acaso, que Schmitt criticou enfaticamente a democracia e a acusou de
mascaradora da realidade, por entender que, em verdade, quem dita as regras são os que
detêm poder econômico. Em Schmitt, legalidade e legitimidade agregam-se, na medida em
que a decisão parte da vontade do soberano, enquanto a norma se subjuga à vontade do
soberano. Ou seja, legalidade e legitimidade são indistinguíveis, a partir da concepção
schmittiana. Nesse caso, portanto, a exceção se perfaz a partir da suspensão da norma pela
simples vontade do soberano.
Schmitt é criticado por Agamben, que sustenta que o autor coloca o soberano, ao
mesmo tempo, dentro e fora do ordenamento jurídico, o que geraria uma configuração
paradoxal. Agamben, por sua vez, entende que a exceção se perfaz pelo afastamento do
ordenamento jurídico, o que vem a gerar o que chama de zona de anomia, a qual seria um
espaço vazio, diante do expurgo que se fez da normatividade existente, para que ali, naquele
vácuo, se instalasse a exceção. Melhor dizendo, para Agamben, a exceção se opera por força
de lei, em que há o afastamento da lei, de modo que essa anomia é criada pelo próprio Direito.
Relacionando a exceção apontada por Agambem e o protagonismo judicial viabilizado
pelo próprio ordenamento jurídico brasileiro, que dá margem a uma atuação discricionária e
83 Aqui, está sendo usado o termo dispositivo no sentido tratado por Agamben.
205
decisionista dos juízes, por exemplo, a partir da indeterminação conceitual dos critérios
prescritos no art. 8o do CPC/15, a exemplo do bem comum, dos fins sociais e da própria
eficiência, é possível que esteja a se viabilizar aos juízes que atuem a partir de medidas de
exceção.
Se a exceção pode ser considerada como poder para decidir a partir da vontade, a se
deixar espaço para o subjetivismo e o voluntarismo do decisor, abre-se espaço ainda maior
para que sejam proferidas decisões sem lastro de legitimação democrática, que exige
participação dos sujeitos, mas decisões pautadas na soma de poder e vontade, que olvidam a
dialogicidade.
O Estado de Direito deve se prestar a limitar o poder do Estado e, por isso, contrapõe-
se à concepção de exceção, que pressupõe poderes ilimitados e imbricação com a política.
Agamben sustenta que o capitalismo se vale de dispositivos, que são mecanismos por
meio dos quais, direciona-se a atuação política-econômica contemporânea, a partir da
sujeição, sobretudo, dos países em desenvolvimento, aos poderes hegemônicos. Assim, é
possível concluir que os documentos e relatórios técnicos emitidos pelo Banco Mundial têm
servido de dispositivos, na medida em que têm intuito de manipulação, a partir da imposição
de ajustes estruturais para atendimento dos interesses do capital financeiro. São usados como
estratégia para uma intervenção que impõe um jogo de poder, uma relação de força. Ou seja,
utilizam-se de dispositivos para direcionar as decisões jurisdicionais, inclusive, para atender
aos ditames eficientistas do mercado.
Pode-se fazer aqui uma analogia entre o dispositivo citado por Agamben e o
dispositivo das decisões jurisdicionais, pois as decisões elaboradas sob o manto neoliberal,
com viés de eficiência, voltadas para uma análise econômica, têm um dispositivo de sentença,
que, em verdade, atende a uma política, como poder, força e violência. Portanto, esse
dispositivo de sentença seria um mecanismo de atuação da vontade do mercado, que assim se
apresenta como soberano.
Ou seja, segundo a lógica (ou falta de lógica) do Law and Economics, deve haver uma
avaliação prospectiva da repercussão econômica da decisão. Dessa forma, ao se elaborar a
decisão, em seu dispositivo, virá refletida uma política orientada para a melhor alocação do
custo-benefício e da maximização da riqueza. Observe-se que não há, nesse sentido neoliberal
vincado em Law and Economics, orientação para que haja observância a direitos e garantias
fundamentais, que, aliás, nesse caso, são vistos como entraves.
Nesse diapasão, tem-se que o Judiciário acaba por assumir uma função política, sendo
direcionado a decidir conforme critérios de eficiência mascaradamente ditados pelo mercado.
206
Essa eficiência da jurisdição é chancelada pelo art. 37 da CRFB/88, servindo o art. 8o do
CPC/15 como diretriz para interpretação e aplicação do ordenamento jurídico pelos juízes, em
que a eficiência é colocada como norma fundamental.
O risco no qual o processo democrático está inserido contempla medidas de exceção,
que são viabilizadas pelo protagonismo judicial, pela abertura a uma interpretação e aplicação
discricionária do ordenamento jurídico, bem como pela ruptura do necessário vínculo entre
contraditório e fundamentação das decisões. Isso se opera, por exemplo, a partir dos padrões
decisórios formulados pelos Tribunais Superiores, sem publicidade e transparência. Toda essa
atuação controversa, em termos de processo democrático, se perfaz sob a justificativa
(estratégica e violenta) de busca de implementação da eficiência.
O contexto de violência da lei foi tratado por Agamben, Derridá e Benjamim,
conforme se demonstrou. Derridá apontou para a ocultação estratégica dos propósitos do
texto, e, no caso da eficiência, pode-se concluir que, pelo seu cunho originalmente
econômico, a expressão traz em si uma carga que se torna obscura pela imagem de redenção
que carrega, como se a implementação da eficiência fosse fazer cair por terra toda a
morosidade na tramitação processual. O que se quer explicitar é o fato de que a eficiência tem
servido de máscara, de simulacro, para que medidas de exceção acabem por ser facilitadas,
por meio da manipulação escusa do Estado de Direito, a partir da inserção de dispositivos que
geram abertura na atuação dos juízes.
Com a finalidade, portanto, de extirpar a carga de violência da lei, desvelando o seu
texto, Derridá propôs a desconstrução, a fim de que seja viabilizada a verificação do iter
percorrido para a formulação do sentido dado. É sabido que textos são interpretados,
reinterpretados e direcionados aos interesses, sobretudo, dos detentores do poder. É possível
considerar, portanto, que a desconstrução proposta por Derridá possa contribuir para que haja
desvelamento da eficiência e sua vinculação à jurisdição, que vá ser guiada pelo processo de
bases democráticas, a fim de que sejam formuladas decisões comparticipadas, em atenção ao
modelo constitucional de processo.
Essa desconstrução se faz necessária, na medida em que a eficiência da jurisdição
deve ser despida de seu caráter neoliberal e deve compor um alinhamento com a efetividade
do processo, assim entendida como observância a direitos e garantias fundamentais. A
eficiência da jurisdição, para que se amolde a uma conformação democrática, exige
encaminhamento pela efetividade do processo, e, sem observar a efetividade do processo, vai
se configurar em mero discurso neoliberal, incapaz de se delinear de acordo com os
pressupostos do modelo constitucional de processo.
207
Há que se extirparem da concepção de eficiência, as mazelas e a violência trazidas
pela visão utilitarista (desde Bentham), que permeou tanto as concepções econômicas, quanto
a metodologia do Law and Economics. A todo tempo, houve uma busca por quantificar,
aferir, monetizar direitos e garantias fundamentais, em nome de uma eficiência violenta,
mascaradora de uma ideologia neoliberal, que, conforme demonstrado, não permite a
concretização do Estado Democrático de Direito e do modelo constitucional de processo.
O processo democrático exige que as decisões, em todos os níveis de formulação,
sejam orientadas pela comparticipação dos sujeitos que serão atingidos pela decisão,
viabilizando ainda a ampla argumentação e a imparcialidade, de modo que sejam proferidas
decisões racionalmente fundamentadas.
Há mesmo que se atingir um nível de eficiência da jurisdição, capaz de otimizar os
resultados, nessa incessante busca por uma tramitação processual célere, que vá dar condições
para que juízes e tribunais sejam capazes de observar e assegurarem, sem restrições, os
direitos e as garantias fundamentais.
Faz-se necessária a implementação da eficiência da jurisdição, com vistas à
efetividade do processo, sem as ingerências e incoerências articuladas por metodologias
econômicas, que apenas quantifiquem, mas desqualifiquem a busca pela formulação decisória
racionalmente fundamentada. Conclui-se que deve haver dialogicidade necessária a uma
atuação comparticipada dos sujeitos processuais, que dê azo à fiscalidade (accountability),
que deve ser operacionalizada como mecanismo com função contrafática apta a gerar
transparência.
Ou seja, deve haver accountability decisional e efetividade do processo para fins de
ganho de eficiência no exercício da atividade jurisdicional. Toda essa conformação é capaz de
gerar compatibilidade da eficiência da jurisdição com as normas fundamentais do processo
previstas no ordenamento jurídico, repercutindo no modelo constitucional de processo.
Assim, as incursões e os desenvolvimentos realizados na presente pesquisa
demonstraram que a hipótese considerada, qual seja, a de que a eficiência deve se vincular à
jurisdição e ter em vista a efetividade do processo, é pertinente. Ou seja, a hipótese se presta a
indicar que é possível que haja eficiência no exercício da atividade jurisdicional, dentro de
uma configuração de modelo constitucional de processo, desde que seja observada a
efetividade do processo, como garantia de direitos fundamentais. Desse modo, o
desenvolvimento realizado cumpriu o papel de responder ao tema-problema da pesquisa.
Para efeito de delimitação do tema pesquisado, não houve a pretensão de avançar no
tratamento da eficiência da jurisdição, indicando técnicas de gestão específicas para a sua
208
implementação. O objetivo foi, de fato, tratar a eficiência da jurisdição, indicando como pode
haver a sua compatibilização com a estrutura apontada pelo modelo constitucional de
processo.
Seria proveitoso, no entanto, em outra oportunidade, que houvesse aprofundamento
das pesquisas acerca de temática, visando a desenvolver mecanismos de gestão que possam
contribuir para a eficiência da jurisdição, tendo como diretriz o processo democrático. Caberia
avançar nos estudos de como a gestão administrativa e a gestão jurisdicional podem, juntas,
corroborar para que haja razoável duração dos processos e redução dos custos, tudo isso sem
perder de vista a efetividade do processo, enquanto garantia de direitos fundamentais.
209
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