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FACULDADE DE DIREITO DO SUL DE MINAS
JEFFERSON PRADO SIFUENTES
EFEITOS EXPANSIVOS EM DECISÕES DE
CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE:
O DESENVOLVIMENTO DA JURISDIÇÃO
CONSTITUCIONAL
POUSO ALEGRE – MG
2017
FACULDADE DE DIREITO DO SUL DE MINAS
JEFFERSON PRADO SIFUENTES
EFEITOS EXPANSIVOS EM DECISÕES DE
CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE:
O DESENVOLVIMENTO DA JURISDIÇÃO
CONSTITUCIONAL
Dissertação apresentada como exigência parcial para a
obtenção do título de Mestre em Constitucionalismo e
Democracia do Programa de Pós-Graduação da Faculdade
de Direito do Sul de Minas.
Orientador: Professor Doutor Hamilton da Cunha Iribure
Jr.
Pouso Alegre – MG
2017
RESUMO
SIFUENTES, Jefferson Prado. Efeitos expansivos em decisões de controle difuso de
constitucionalidade: o desenvolvimento da jurisdição constitucional. Dissertação
(Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito do Sul de Minas. Programa de Pós-Graduação
em Direito, Pouso Alegre, 2016.
O presente trabalho tem por objeto central realizar uma análise críticasobre o controle de
constitucionalidade exercido pelo Supremo Tribunal Federal pela via difusa e por objetivo
principal um estudo acerca dos efeitos expansivos a propagação dos efeitos da prestação
jurisdicional no modelo incidental. Para que o objeto se construa ao longo dessa pesquisa,
utiliza-se o método analítico dedutivo, pelo qual se avalia a doutrina referente ao
tema.Consoante o disposto no ordenamento constitucional, a decisão proferida em sede difusa
de controle tem força para produzir efeitos tão somente entre as partes do processo, ante às
peculiaridades de cada caso. Porém, com o advento do instituto da repercussão geral como
requisito de admissibilidade de Recurso Extraordinário, as questões apreciadas pelo STF
deixam de apreciar pontos intimamente particulares de cada parte para contemplar temas que
ultrapassa os interesses subjetivos da causa. Nesta perspectiva, tem-se admitido que decisões
proferidas pela Suprema Corte, ainda que em sede difusa de controle, adotem a expansão de
efeitos para além das partes do processo. Não se pode olvidar ainda, do papel que as Súmulas
Vinculantes desempenham atualmente com o fortalecimento da teoria dos precedentes
judiciais, tonificando o direito exercido por juízes. Tal se justifica ante o grau ativo que o
órgão jurisdicional assume face ao legislativo e se esta posição expansiva afronta o princípio
da Separação dos Poderes pelo fato do Poder Judiciário colocar-se sobre atos aprovados pelo
legislativo. Fundamenta ainda o vigente estudo, a atuação das vias de controle de
constitucionalidade como instrumentos garantidores, ou, pelo menos viabilizadores do
exercício de direitos fundamentais. Pode-se concluir, em linhas gerais, que uma atuação de
órgão do judiciário que assuma posição de orientação de conduta para a sociedade, com
eficácia que extrapole as partes do processo, pode representar um aparente conflito com o
legislativo, no entanto, em se tratando de controle de constitucionalidade, a atuação do Poder
Judiciário se dá justamente da harmonia entre os poderes, uma vez que, neste caso, o órgão
judicante é convidado a apreciar uma questão exercendo sua função típica (julgar), para
fiscalizar eventual conduta abusiva de outros poderes, exercendo, pois, sua tarefa no
contrapeso democrático.
Palavras-Chave: Efeitos expansivos; Controle; Constitucionalidade; Jurisdição.
ABSTRACT
SIFUENTES, Jefferson Prado. Expansive effect on decisions of diffuse control of
constitutionality: the development of constitutional jurisdiction. Dissertatio (Master in
law) – Faculdade de Direito do Sul de Minas. Programa de Pós-GraduaçãoemDireito, Pouso
Alegre, 2016.
The present work has as its central object perform a critical analysis about the control of
constitutionality exercised by the Supreme Court through diffuse and by main objective a
study about the expansive effects the spread of effects of jurisdictional provision in the
incidental model. To which the object is to build along this research, we use the deductive
method of analysis, which evaluates the doctrine concerning the theme. According to the
provisions of the constitutional planning, the decision to diffuse control headquarters has the
strength to take effect only between the parties of the process against the peculiarities of each
case. However, with the advent of the Institute of General repercussion as a requirement of
admissibility of extraordinary appeal, the issues considered by the Supreme Court fail to
enjoy private each part closely points to contemplate themes beyond the subjective interests of
cause. In this perspective, it has been admitted that decisions handed down by the Supreme
Court, albeit in Fuzzy control headquarters, adopt the expansion of effects in addition to the
parts of the process. Can't forget the role that the Precedents Binding currently play with the
strengthening of judicial precedent theory, toning the right exercised by judges. Such is
justified to the extent that the Court assumes active face to the legislature and if this expansive
position affront the principle of separation of powers that the Judiciary put on acts approved
by the legislature. The current study, still justifies the actions of control of constitutionality as
guarantors, instruments or at least enablers of the exercise of fundamental rights. It can be
concluded, in general terms, that an act of judicial organ to take a position to conduct
orientation to the society, effectively that beyond the parts of the process, can represent an
apparent conflict with the legislature, however, when it comes to control of constitutionality,
the role of the Judiciary is given precisely the harmony between the powers, once in this case,
the judicial body is invited to examine a matter exercising your typical function (judge), to
oversee any abusive conduct of other powers, exercising, because your task in the democratic
balance.
Keywords:Expansive effects;Control;Constitutionality;Jurisdiction.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ADC – Ação Declaratória de Constitucionalidade
ADI – Ação Direta de Inconstitucionalidade
ADO – Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão
ADPF – Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental
AI – Ato Institucional
CF Constituição Federal
CNJ – Conselho Nacional de Justiça
CPC – Código de Processo Civil
CRJ – Coordenação-Geral da Representação Judicial da Fazenda Nacional
DJ – Diário da Justiça
DJe – Diário do Judiciário Eletrônico
EC – Emenda Constitucional
MA - Maranhão
MI – Mandado de Injunção
OAB – Ordem dos Advogados do Brasil
PGFN – Procuradoria Geral da Fazenda Nacional
RE – Recurso Extraordinário
RTJ – Revista Trimestral de Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal
STF – Supremo Tribunal Federal
TJAL - Tribunal de Justiça de Alagoas
TJDF - Tribunal de Justiça do Distrito Federal
TJMA – Tribunal de Justiça do Maranhão
TST – Tribunal Superior do Trabalho
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................................... 8
CAPÍTULO I ................................................................................................................................. 12
CONTEXTO HISTÓRICO SOBREO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE ...................................... 12
1.1 Prelúdio histórico .................................................................................................................. 12
1.2 Desenvolvimento das formas de controle de constitucionalidade nas Constituições brasileiras
........................................................................................................................................................... 12
1.3 Breves perspectivas do controle de constitucionalidade no direito comparado ....................... 17
1.3.1 O caso Marburyversus Madison ........................................................................................... 17
1.3.2 Os modelos norte-americanos e austríaco de constitucionalidade: características, efeitos e
expansão no mundo ...................................................................................................................... 19
1.4 Progresso histórico dos Poderes do Estado: Separação, interdependência e nova harmonia ... 24
CAPÍTULO II ................................................................................................................................ 37
UMA ABORDAGEM ACERCA DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE ...................................... 37
2.1 Controle de Constitucionalidade no ordenamento jurídico brasileiro ....................................... 37
2.1.1 Controle concentrado de constitucionalidade ..................................................................... 38
2.1.2 Ação Direta de Inconstitucionalidade .................................................................................. 40
2.1.3 Ação Declaratória de Constitucionalidade ........................................................................... 42
2.1.4 Inconstitucionalidade por omissão pela via concentrada .................................................... 43
2.1.5 Arguição de descumprimento de preceito fundamental ..................................................... 47
2.2 Controle difuso de constitucionalidade ...................................................................................... 51
2.3 Os efeitos do mandado de injunção como instrumento de controle difuso de
constitucionalidade ........................................................................................................................... 54
2.4 Controle de constitucionalidade e direitos fundamentais .......................................................... 72
2.5 O controle de constitucionalidade judicial sob a ótica da tripartição dos poderes .................... 74
2.5.1Preliminar metodológica ....................................................................................................... 74
2.5.2 Jurisdição constitucional, controle de constitucionalidade e separação dos poderes ........ 75
CAPÍTULO III ............................................................................................................................... 83
A ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO NA INTERPRETAÇÃO DO DIREITO E A FORÇA DO PRECEDENTE
JURISPRUDENCIAL ...................................................................................................................... 83
3.1 Abertura Metodológica ............................................................................................................... 83
3.2A interpretação do direito: do legislativo ao judiciário ................................................................ 83
3.3. Teoria dos precedentes judiciais como fonte do direito brasileiro. Uma análise sobre a súmula
vinculante e o poder normativo dos tribunais .................................................................................. 91
3.3.1 Linhas iniciais acerca da Súmula Vinculante: A força obrigatória e vinculação dos efeitos. 91
3.3.2 Súmula vinculante: orientação de conduta e reconhecimento de inconstitucionalidade ou
ilegalidade ..................................................................................................................................... 99
CAPÍTULO IV ............................................................................................................................. 102
EFEITOS ERGA OMNES EM CASO DE INCONSTITUCIONALIDADE DECLARADA PELA VIA DIFUSA ... 102
4.1 Introito metodológico ............................................................................................................... 102
4.2 Repercussão Geral como elemento de força do precedente do direito jurisprudencial .......... 102
4.3 Participação do Senado Federal no controle de constitucionalidade ....................................... 109
4.4 Possibilidade de expansão dos efeitos em sede controle pela via difusa de constitucionalidade
......................................................................................................................................................... 116
4.5 Efeitos inter partes de reconhecimento de inconstitucionalidade: uma abordagem acerca do
princípio da igualdade e segurança jurídica .................................................................................... 122
4.6 Alguns posicionamentos do Supremo Tribunal sobre inconstitucionalidade pela via difusa que
assumem eficácia extra partes ........................................................................................................ 125
4.6.1 Reclamação Constitucional n. 4335-5/AC: progressão de pena para crimes hediondos .. 126
4.6.2 Mandado de Injunção para reconhecimento do direito de greve para servidores públicos
..................................................................................................................................................... 129
4.6.3 Recurso Extraordinário n. 595.838: a inconstitucionalidade de incidência de contribuição
previdenciária incidente sobre serviços prestados por cooperativas de trabalho ..................... 131
CONCLUSÃO ............................................................................................................................. 134
BIBLIOGRAFIA ........................................................................................................................... 139
INTRODUÇÃO
A presente pesquisa tem como objetivo central o estudo do controle de
constitucionalidade como meio hábil de garantir a supremacia da Constituição, com foco
direcionado à via incidental de controle e análise dos efeitos de tal decisão para além das
partes do processo, bem como analisar a atuação do Senado Federal nesta via difusa de
controle.
O ordenamento constitucional pátrio estabelece que, em se tratando de controle exercido
pela via difusa, os efeitos da decisão do órgão do poder judiciário serão tão somente restritos
às partes que figuram como litigantes do processo.
Já no que concerne ao controle de constitucionalidade exercido de modo concreto,
maior cautela se convoca ante a pluralidade de órgãos judiciários competentes, da mesma
maneira queaos recursos inerentes e a existência de decisões antagônicas, principalmente no
que tange a analise fático-probatória referente a cada caso. Por oportuno, cada caso merece
ser apurado com o devido respeito à individualidade que lhe é pertinente.
Contudo, no que diz respeitoà inconstitucionalidade de determinada lei ou ato
normativo reconhecido de modo definitivo pelo Supremo Tribunal Federal, é mister arguir o
interesse geral que reveste tal discussão. Caso o tribunal guardião da Constituição, o mesmo
competente para reconhecer a inconstitucionalidade de lei pela via abstrata, reconhecer, de
modo definitivo a incompatibilidade de lei ou ato normativo com a Constituição, tal efeito
deverá ser inter partes, em que pese o caráter supra individual que tal decisão se reveste? Pela
regra hodierna da forma incidental de controle, sim.
Nesta seara, convida-se a apreciar, antes do mérito objeto de uma decisão proferida pela
Suprema Corte, os requisitos de admissibilidade para que uma questão seja apreciada pelo
Supremo Tribunal Federal em sede recursal. Para que esta alta Casa de Jurisdição possa
receber um recurso para análise, é necessário reconhecer e declarar que em tal causa está
presente o fenômeno da repercussão geral.
Num primeiro plano, uma questão que trata de ordem pública, tal como o
reconhecimento de constitucionalidade ou não de uma lei, com repercussão geral reconhecida,
possuir efeitos apenas entre os litigantes pode soar como uma incongruência, pois, para o
próprio reconhecimento de repercussão geral, necessário que as questões que ultrapassem os
interesses subjetivos da causa.
9
Contudo, atrativo examinar a questão segundo o grau de protagonismo que o judiciário
exerce em tais situações sob à luz dateoria da separação dos poderes. Uma decisão
declaratória de inconstitucionalidade, obtida judicialmente, que entenda pela não aplicação de
uma lei, pode usurpar competência legiferante atribuída ao órgão do Legislativo.
Desta forma, há de se ponderar a legitimidade democrática pertinente a cada Poder do
Estado, uma vez que os membros do Poder Legislativo que lá ingressam com amparo no voto,
levantam a questão acerca de um Poder, cujos membros não são eleitos pelo povo, deter
legitimidade para optar pela não aplicabilidade de ato elaborado por Poder competente,
legitimado.
Para que o objeto se construa ao longo desta pesquisa, pondera-se o contexto histórico
do instituto do controle de constitucionalidade nas Cartas brasileiras e o progresso, até a
concretização que se deu com a Carta da República de 1988, texto no qual o assunto ganhou
grande destaque.
Pontuam-se, também, parâmetros do controle de constitucionalidade em outros países,
com análise dos sistemas americano e austríaco e a influência de outras culturas na construção
do instituto do controle, tal como concretizado no Brasil contemporâneo.
Assim, guarda destaque aos atuais modelos concentrado e difuso de controle de
constitucionalidade no Brasil, suas aplicações, requisitos e resultados. Ao cabo do primeiro
capítulo, defende-se o instituto do Mandado de Injunção como meio de controle difuso de
constitucionalidade por omissão e a sistemática dos meios de controle como garantidores de
direitos fundamentais e asseguradores da supremacia da Carta Política.
Diante de toda a sistemática na qual o controle de constitucionalidade está inserido, faz-
se necessário abordar tal instituto à luz da separação e harmonia entre os poderes, os limites
da atuação jurisdicional.
O terceiro capítulo se dedica ao poder de interpretação do direito judiciário e a força dos
precedentes judiciais no ordenamento pátrio. Dentro deste tópico se propõe a analisar a
interpretação direito por parte do Poder judiciário e senesta elucidação estaria imerso um grau
de criação. É de extrema relevância, ainda, discorrer acerca dos precedentes judiciais como
fonte no direito brasileiro, sobretudo, sobre uma análise do papel das súmulas vinculantes no
arranjo jurídico brasileiro e a postura que estes verbetes assumem atualmente.
Nodesenvolvimento do tema, é fundamental evidenciar o instituto da repercussão geral
como elemento fortificante do precedente jurisprudencial brasileiro, o qual é ponto de partida
para fundamentar a adoção de efeitos erga omnes, uma vez que reconhecido este requisito de
10
admissibilidade, a essência da questão ultrapassa os interesses estritamente individuais da
causa.
No capítulo derradeiro é destacada a possibilidade de efeitos expansivos, erga omnes,
para decisões acerca de inconstitucionalidade mesmo em via difusa, com apreciaçãona teoria
dos precedentes judiciais como fonte do direito.
Nesta órbita é analisada a participação do Senado Federal no controle de
Constitucionalidade e o atual significado da resolução desta Casa Congressista, que tem o
poder de suspender o ato normativo declarado inconstitucional, a teor do artigo 52, inciso X
da Constituição da República de 1988.
No avanço do capítulo, dedica-se parte à aproximação da via difusa de controle com a
concentrada e a possibilidade de efeitos erga omnes e vinculantes em decisões definitivas da
Suprema Corte, em caso de inconstitucionalidade decretada em via incidental. Outra parte é
dedicada à igualdade e segurança jurídica que se aplica na seara recursal difusa.
Por fim, é proposta uma análise da jurisprudência prática do STF, separando três casos
exemplificativos em que a possibilidade de efeitos erga omnes e vinculantes em sede difusa
de controle foi adotada e debatida. Assim, destaca-se a Reclamação Constitucional 4335-5,
interposta pela Defensoria Pública da União em face de uma decisão de um juiz singular no
Estado do Acre, que não seguiu orientação da Suprema Corte, a qual havia declarado a
inconstitucionalidade da vedação de progressão de regime de cumprimento de pena em caso
de crimes hediondos.
O segundo caso analisado diz sobre o exercício de greve para servidores públicos, que
devido à ausência de instrumento legislativo próprio, resultou inoperante, sendo que tal direito
grevista vem sido contemplado por via de Mandado de Injunção, que reconhece como
inconstitucional a omissão em legislar e adota meios para exercício de direito fundamental.
O terceiro e último caso se presta a analisar a contribuição previdenciária incidente
sobre serviços prestados por cooperativas de trabalho, prevista no artigo 22, inciso IV da Lei
n. 8.212/91, que foi julgada inconstitucional pela Suprema Corte e perdeu aplicabilidade
prática mesmo antes da resolução suspensiva do Senado Federal.
A problematização gira em torno da legitimidade democrática de órgãos do judiciário
adotarem efeitos expansivos e vinculantes às declarações de inconstitucionalidade, adentrando
na esfera constitucional de outros poderes e a possível usurpação de poderes frente ao
Legislativo. É preciso ponderar, ainda, problemática residente na insegurança jurídica que
eventualmente pode pairar dianteda sociedade em virtude de uma lei ser aplicada apenas a
algumas pessoas, em que pese a mesma situação fática.
11
Para que se possa almejar o objeto proposto, utiliza-se o método analítico documental,
pelo qual se avalia a doutrina referente ao tema, além de pautar em jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal, pelo qual se propõe avaliar a conduta da Suprema Corte em casos
de declaração de inconstitucionalidade pela via difusa.
Logo, o presente trabalho se justifica ante a relevância da questão atrelada ao interesse
da população em garantir a Supremacia da Constituição e as vias democráticas plenas, na qual
se pauta a questão sob viés da independência e harmonia entre os poderes, cada vez mais em
evidência perante a constante convocação da Suprema Corte a apreciar inconstitucionalidade
de leis e atos normativos.
CAPÍTULO I
CONTEXTO HISTÓRICO SOBREO CONTROLE DE
CONSTITUCIONALIDADE
1.1 Prelúdio histórico
A instituição de Constituições tem revelado importantes marcas para diversas nações,
que adotam uma Carta Política como lei maior, as quais traçam diretrizes para todo
ordenamento jurídico. Em muitos casos, a nível internacional, as constituições sucedem
períodos arbitrários e restritivos de direitos, em que cada Carta Política representa um grito de
Democracia, Soberania ou mesmo de organização política, jurídica e administrativa em cada
Estado.
Torna-se, pois, necessário garantir a Constituição, conferindo-lhe aplicabilidade e
eficácia, bem como controlar atos contrários aos preceitos constitucionais. Deste modo,
exercer o controle de constitucionalidade se torna tão ou mais importante do que propriamente
a criação do texto constitucional.
Nesta perspectiva, propõe-se o estudo de como as formas de controle da constituição se
desenvolveram e como se dá a aplicação deste louvável instituto em cada contexto histórico,
avaliando, para isso, não somente as Cartas brasileiras, mas, fazendo uma breve reflexão do
instituto do controle de constitucionalidade a nível supranacional.
1.2 Desenvolvimento das formas de controle de constitucionalidade nas Constituições
brasileiras
A Constituição Política do Império do Brazil, de 1824, não trouxe um sistema de
controle de constitucionalidade que apresentasse semelhança com os institutos atuais, que
contam com a participação do Poder Executivo em tal empreitada. Tal Carta Imperial trazia
que, ao Poder Legislativo, com delegação à Assembleia Geral, competia a atribuição de velar
pela guarda da Constituição, bem como a interpretação, revogação e suspensão das Leis.
13
Tal concentração de poderes no Legislativo se dava por influência francesa, que no
contexto histórico, vivia o dogma da soberania do parlamento (SARMENTO, 2015, p. 269).
Neste contexto, é importante destacar que:
Só o poder que faz as leis é o único competente para declarar por via de autoridade
ou por disposição geral obrigatória o pensamento, o preceito dela. Só ele e
exclusivamente ele é quem tem o direito de interpretar o seu próprio ato, suas
próprias vistas, sua vontade e seus fins. Nenhum outro poder temdireito de
interpretar por igual modo, já porque nenhuma lei lhe deu essa faculdade, já porque
seria absurda a que lhe desse (BUENO apud MENDES; COELHO;
BRANCO 2009, p. 1083-1084).
A Carta Constitucional de 1891, por oportuno, sob a égide republicana, traz em seu bojo
a previsão de possibilidade de revisão por parte do Supremo Tribunal Federal, via recurso
“quando se contestar a validade de leis ou de atos dos Governos dos Estados em face da
Constituição”. Assim, começa-se a sedimentar a forma de controle judicial. Tal forma de
controle foi instituída sob a influência do constitucionalismo norte-americano, passando a
perdurar nas Constituições sucessivas até a vigente (SILVA, 2015, p. 52-53).
Ainda na vigência da Constituição de 1891 sobreveio no ordenamento jurídico a Lei n.
221 de 1894, que tratou do controle de constitucionalidade via judicial de forma mais
expressa ao consagrar que “Os juízes e tribunais apreciarão a validade das leis e regulamentos
e deixarão de aplicar aos casos ocorrentes as leis manifestamente inconstitucionais e os
regulamentos manifestamente incompatíveis com a lei ou com a Constituição”.
Reforça-se ainda mais a participação judicial em se tratando de controle de
constitucionalidade, não restando dúvida quanto ao poder conferido aos órgãos jurisdicionais
para exercício do controle (MENDES, 2009, p. 1086).
Nota-se, pois, a transição da Constituição do Império, em 1824, para a da República, em
1891, como marco que concretiza a via judicial como forma de exercer o controle de
constitucionalidade, até então exercido somente pelo poder legislativo.
A Constituição de 1934 ainda manteve fortalecido o modelo judicial de controle de
constitucionalidade, enfatizando, contudo, que somente pela maioria da totalidade dos
membros dos tribunais era possível a declaração de inconstitucionalidade.
Outra situação de grande valia para estudo do controle de constitucionalidade trazido
pela Constituição de 1934 diz respeito à participação do Senado Federal na suspensão ou
execução de lei ou atos normativos considerados inconstitucionais. Tal questão, além de
conferir status erga omnes à decisão acerca do controle, proporciona maior interação entre os
poderes da República, o que traz inovação no estudo deste instituto.
14
Ainda acerca da Constituição de 1934, talvez a mais fecunda e inovadora proposta se
refira à declaração de inconstitucionalidade para evitar a intervenção federal (MENDES,
2009, p. 1087). Aquela Carta Constitucional, a teor do artigo 12, inciso V, estabelecia a
hipótese de intervenção federal “para assegurar a observância dos princípios constitucionais
(art. 7., n. I).
Os referidos princípios elencados no artigo 7, inciso I, estão protegidos sob pena de
intervenção federal em caso de violação. São eles: forma republicana representativa;
independência e coordenação de poderes; temporariedade das funções eletivas, limitada aos
mesmos prazos dos cargos federais correspondentes, e proibida a reeleição de Governadores e
Prefeitos para o período imediato; autonomia dos Municípios; garantias do Poder Judiciário e
do Ministério Público locais; prestação de contas da Administração; possibilidade de reforma
constitucional e competência do Poder Legislativo para decretá-la; representação das
profissões.
Contudo, a intervenção somente se dá caso a Suprema Corte declare a
constitucionalidade da lei violadora dos ditos princípios. Assim, admite-se a declaração de
inconstitucionalidade das referidas leis como forma de controle e garantia da Constituição e
seus preceitos, sem, no entanto, ser precisomedida interventiva.
A Constituição subsequente, publicada em 10 de novembro de 1937, exatamente no
mesmo dia do início da terceira fase do governo de Getúlio Vargas, denominada “Estado
Novo”, que perduraria até 1945, refletiu o contexto histórico pelo qual passava o país,
surtindo reflexos no instituto do controle de constitucionalidade.
Tal fase do governo Vargas se deu em reação à tentativa de golpe promovida pela
Aliança Nacional Libertadora, que fora controlada pelo Governo sob o argumento de
combater a “ameaça comunista”, uma vez que referida Aliança Libertadora sofria grande
influência dos altos escalões do comunismo soviético. Ante tal ameaça e sob o pretexto de um
plano comunista para tomada do poder, o plano Cohen, Getúlio Vargas cancelou o pleito
eleitoral que viria a acontecer em 1937 e anulou a Constituição de 1934, dissolvendoo Poder
Legislativo e passando a governar com concentração de poder amparado pela Carta
constitucional, que se reitera, coincidiu com o início do Estado Novo.
Essa Carta Constitucional de 1937, devido à ausência de democracia e presença de
autoritarismo governamental, representou um “hiato autoritário” (SARMENTO, 2015, p.
271). Em sede de controle de constitucionalidade, tal documento “traduz um inequívoco
retrocesso no sistema de controle” (MENDES; COELHO e BRANCO, p. 1088).
15
Tangencialmente ao controle de constitucionalidade, a Carta de 1937 apresentou uma
inovação trazida pelo parágrafo único do artigo 96, com a possibilidade de submissão de lei
declarada inconstitucional à reapreciação do Parlamento, caso o Presidente da República
entendesse necessário ao bem-estar do povo a promoção de defesa ou defesa de interesse
nacional.
Sob tais argumentos ea critério do chefe do Executivo, o Parlamento deve reavaliar a
questão para a validade ou não da declaração de inconstitucionalidade. Se o quórum de dois
terços dos membros das duas casas legislativas entenderem pela validade da lei, esta continua
a produzir efeitos, “tornando-se insubsistente a decisão do tribunal” (MENDES, COELHO e
BRANCO, 2009, p. 1088).
Tal questão no ordenamento constitucional de 1937, representa o contexto histórico-
político da época, com flertes autoritários de domínio do Parlamento por Getúlio Vargas.
O Estado Novo, bem como o primeiro governo Vargas,tiveram seu fim em 1945. Com o
início da quarta República, em 1946, e com a convocação de novas eleições e instauração de
nova Assembleia Nacional Constituinte, emergiu no Estado brasileiro uma nova Constituição,
publicada em 18 de setembro daquele ano.
Este novo texto constitucional “restaura a tradição do controle judicial no Direito
brasileiro” (MENDES; COELHO e BRANCO, 2009, p. 1090). A Carta de 1946 se assemelha
à de 1934, mantendo o quórum de maioria absoluta da Suprema Corte para declarar a
inconstitucionalidade de lei ou ato normativo (artigo 200 da Constituição de 1946). Está
presente também no ordenamento constitucional de 1946 a previsão de atribuição do Senado
Federal para suspender o cumprimento de lei declarada inconstitucional, com o fito de carrear
à decisão da Corte Suprema, efeitos erga omnes.
Na Constituição de 1946 também foi mantida a possibilidade de intervenção federal em
caso de inconstitucionalidade para preservar princípios fundamentais, caso da Carta de 1946,
elencados no artigo 7., inciso VII. A novidade sustentada por este texto constitucional diz
respeito à titularidade do Procurador-Geral da República para representar perante o Supremo
Tribunal Federal a arguida inconstitucionalidade, que se declarada por esta Corte, decretar-se-
á intervenção federal.
Como se há de notar, após o período do “hiato autoritário” observado, principalmente
na terceira fase do governo Vargas, com a imposição da Constituição de 1937 a Constituição
de 1946 buscou, num primeiro plano, respirar os ares da Constituição derrubada de 1934,
mantendo, na órbita do controle de constitucionalidade, preceitos daquela Constituição.
Contudo, foi uma emenda à Constituição de 1946 que representou marco fundamental para o
16
estudo acerca do tema, principalmente no concerne à forma abstrata do controle de
constitucionalidade.
A Emenda à Constituição de 1946, EC n.16, editada em 26 de novembro de 1965, mas
com publicação no Diário Oficial da União em 06 de dezembro do mesmo ano, introduziu
uma ação direta de inconstitucionalidade genérica (SILVA, 2015, p. 53), estabelecendo
competência originária da Suprema Corte para apreciar o mérito acerca de
inconstitucionalidade com competência para propositura a cargo do Procurador-Geral da
República, consagrando, pois, o modelo abstrato de constitucionalidade (MENDES;
STRECK, 2013, p. 1352).
Na perspectiva da proposta apresentada pela Emenda 16 de 1965, louva-se o controle
concentrado de constitucionalidade, tendo o Procurador-Geral da República legitimidade para
propositura e o Supremo Tribunal competência originária para julgamento. Há de se destacar
que em textos constitucionais anteriores, com tendências de valorizaçãodo modelo incidental
de controle, o Supremo Tribunal atuava apenas como “árbitro final do contencioso da
inconstitucionalidade” (MENDES; COELHO e BRANCO, 2009, p. 1092), apreciando a
questão em sede recursal.
Ainda no que tange à inconstitucionalidade, necessário se torna abordar que a Emenda
n.16 de 1965 trouxe à Constituição de 1946 (artigo 19, inciso III) a expressa previsão de
competência dos Tribunais de Justiça dos Estados para avaliarem a inconstitucionalidade de
Lei ou ato normativo municipal em face de Constituição estadual.
A Constituição de 1967, por seu turno, não propôs grandes modificações na sistemática
do controle de constitucionalidade, mantendo incólume o controle difuso (MENDES;
STRECK, 2013, p. 1352). A respeito de leis e atos normativos serem objeto de controle de
constitucionalidade, tal como previsto em 1965, sob vigência da Carta Constitucional de
1946, não houve prosperidade tal como previsto (SILVA, 2015, p. 53). O ordenamento
constitucional em estudo não acatou o modelo de controle no que diz respeito à
inconstitucionalidade de leis ou atos normativos de âmbito municipal.
Tal questão passou a ser abordada como possibilidade de intervenção no município, tal
como abordado pela Emenda número 1, de 1969 (artigo 15., §3., alínea d).
Após mudanças e desdobramentos ao curso da história, ao longo de textos
constitucionais, passando do Império à República e superando contextos ditatoriais, o instituto
do controle de Constitucionalidade se firmou de vez na Constituição da República de 1988,
tornando-se um dos mais importantes preceitos desta Carta.
17
A Constituição da República de 1988 consolidou a sistemática do controle de
constitucionalidade, ampliando o modelo abstrato e o rol de legitimados, que não ficou apenas
restrito ao Procurador-Geral da República, como em outras Cartas. A partir da Constituição da
República de 1988, o Presidente da República, os Governadores dos Estados e do Distrito
Federal, as mesas do Senado Federal, da Câmara dos Deputados, das Assembleias
Legislativas dos Estados e da Câmara Legislativa do Distrito Federal, o Conselho Federal da
Ordem dos Advogados do Brasil, Partidos políticos com representação no Congresso
Nacional, Confederação Sindical e Conselho de Classe de âmbito Nacional, passam a ter
legitimidade para questionar a constitucionalidade de lei e atos normativos pela via abstrata.
A Carta constitucional de 1988 inova os modelos de ações admissíveis de propositura
perante a Suprema Corte para se questionar a (in) constitucionalidade de leis e atos
normativos. Segundo diretrizes da atual Carta Magna, não somente atos comissivos, mas,
também, atos omissivos passam a ser objeto de controle de constitucionalidade, adotando
também o ordenamento constitucional pátrio, além da Ação Declaratória de
Inconstitucionalidade e a Ação Declaratória de Inconstitucionalidade por Omissão.
A hodierna Carta da República assume meios para se ratificar a compatibilidade de leis
e atos normativos por meio da Ação Declaratória de Constitucionalidade. A Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental completa o controle de constitucionalidade pela
via concentrada, sendo, também, uma inovação do ordenamento constitucional vigente.
Finalmente, o instituto do controle de constitucionalidade ganhou importantes traços na
Constituição da República de 1988, que devido à atualidade e grau de importância, merece ser
abordado em um capítulo específico, que não o de um efêmero horizonte histórico.
1.3 Breves perspectivas do controle de constitucionalidade no direito comparado
1.3.1 O caso Marburyversus Madison
Para alinhavar um estudo sobre controle de constitucionalidade, é importante analisar
traços deste instituto na ótica do direito estrangeiro, além de como essefenômeno surgiu e se
consagrou em outros países e o grau de influência que exercem sobre o controle no
ordenamento brasileiro.
No âmbito histórico do instituto de controle de constitucionalidade, reconhece-se o caso
Marbury versus Madison como delimitador temporal. Destarte, esta pesquisa adota um corte
providencial na linha do tempo.
18
Este caso apreciado pela Suprema Corte Estadunidense no início do século XIX se
notabilizou como um dos mais clássicos casos de controle de constitucionalidade, o qual se
tornaria, mais tarde, “o mais célebre caso de constitucional de todos os tempos” (BARROSO,
2012a, p. 27).
Marburyversus Madison é tratado como a decisão mais importante do direito
constitucional americano e, sem dúvida,esse fato tem influenciado o nosso direito
constitucional e todo o sistema de controle de constitucionalidade (SOLA apud ANDRADE,
2016, p. 87).
O relevante episódio se deu no início do século XIX, devido a um envolvimento político
nos Estados Unidos. No ano de 1800 houve uma eleição presidencial na qual estavam em
disputa o então Presidente John Adams, do Partido Federalista, e Thomas Jefferson, do
Partido Republicano, que vencera as eleições.Este pleito foi um desastre para os Federalistas,
que, além de não conseguirem a reeleição do Presidente Adams, ficaram com a minoria nas
duas Casas do Congresso Nacional (ANDRADE, 2016, p. 88).
Contudo, após o resultado das eleições, às vésperas do fim de seu mandato, o Presidente
Adams tomou uma série de medidas para ter representatividade perante o Poder Judiciário,
nomeando o seu Secretário de Estado, John Marshall, para o cargo de Chief Justice. Além da
nomeação do partidário federalista para Chief Justice, Adams sancionou uma lei, criando 42
novos cargos de Juiz de Paz para o Distrito de Colúmbia, proferindo as respectivas
nomeações, dentre as quais, a de William Marbury.
Acontece que o mandato de Adams venceu, sem, no entanto, formalizar todas as
nomeações, tendo o novo Presidente, Thomas Jefferson, sido empossado em 04 de março de
1801. O Presidente empossado então nomeou para o Cargo de Secretário de Estado James
Madison e determinou a este que não entregasse a nomeação a Marbury (KELLES, 2011, p.
29), o qual ficou impossibilitado de assumir a magistratura.
Em meio a este imbróglio político, Marbory, ingressou diretamente na Suprema Corte a
fim de fazer valer sua nomeação e, finalmente, ser investido no cargo para o qual havia sido
indicado pelo Presidente anterior.
No julgamento “a Corte decidiu que Marbury tinha direito à investidura no qual havia
sido nomeado” (ANDRADE, 2016, p. 98). Entretanto, alheia ao mérito da questão
estritamente política, outra questão ganha destaque neste caso, consagrando a trama de
Marburyversus Madison como expoente caso de Controle de Constitucionalidade.
Marbury interpôs um writ mandamus diretamente perante a Suprema Corte com
fundamento no JudiciaryAct, seção 13, de 24 de setembro de 1789. Entretanto, a Constituição
19
Federal dos Estados Unidos da América estabelece no artigo terceiro, seção 2, que em
questões relativas a Embaixadores, Ministros e Cônsules, e naquelas em que se achar
envolvido um Estado, a Suprema Corte exercerá jurisdição originária. Nos demais casos a
Corte terá jurisdição em grau de recurso, pronunciando tanto sobre os fatos como sobre o
direito e observando as exceções e as normas que o Congresso estabelecer.
Vislumbrou-se, pois, um obstáculo diante da Constituição, visto que esta Carta declarou
que a Suprema Corte detinha competência para apreciar a questão, tal qual Marburyversus
Madison, já que em via recursal o caso sob análise fora interposto diretamente diante da Corte
Suprema.
Defronte esta flagrante inconstitucionalidade, quanto à forma, “a Corte decidiu que não
poderia assegurar o remédio requerido numa ação originariamente ajuizada pera ela por falta
de competência” (ANDRADE, 2016, p. 98). A corte então não concedeu a ordem pleiteada
por Marbury.
Este caso emblemático “firmou as bases do judicial review e sacramentou a importância
institucional da Suprema Corte no concerto da federação norte-americana” (KELLES, 2011,
p. 29) até hodiernamente predominante nas bases do direito estadunidense que pactua o
precedente jurisprudencial como relevante fonte do direito.
A decisão proferida no caso Marburyversus Madison “declara de uma vez por todas a
doutrina da judicial reviewoflegislation, quando consagrou a supremacia da Constituição e a
competência da Suprema Corte para guarda-la frente aos abusos a arbítrios perpetrados pelos
Poderes Legislativo e Executivo” (ANDRADE, 2016, p. 94).
Neste reflexo significativo no que tange a (in) constitucionalidade de leis e atos
normativos, convida-se a estudar, além do sistema predominante na América do Norte, os
modelos difuso e concentrado e como estes criaram raízes em alguns países da Europa,
sobretudo, Áustria, Alemanha, Itália e Portugal e, finalmente, o grau de influência destes
sobre o direito brasileiro.
1.3.2 Os modelos norte-americanos e austríaco de constitucionalidade: características, efeitos
e expansão no mundo
Historicamente, o estudo do controle de constitucionalidade foi dividido em dois
grandes modelos: o americano e o austríaco. Cada um dos modelos fundamentalmente
antagônicos apresentam suas particularidades, com grau de ingerência em outros modelos
pelo mundo. O modelo americano
20
gerou um sistema, fundado no critério difuso, de natureza técnico-jurídica, a ponto
de afirmar-se que não se caracteriza verdadeiramente como uma forma uma forma
de jurisdição constitucional, não tanto por ter sido entregue o controle de
constitucionalidade à jurisdição ordinária, mas pelo fato de que a jurisdição
ordinária não aprecia a Constituição em função de seus valores políticos, não se
configurando como guardiã dos valores constitucionais, por ter como objetivo
principal a decisão do caso concreto. Entendemos que também aí existe jurisdição
constitucional, tomada a expressão no sentido de modo a compor os litígios
constitucionais. Apenas não se realiza com plenitude a função de guarda dos valores
constitucionais, dada a preferência pela decisão do caso concreto. O sistema europeu
desenvolveu-se como resposta aos ataques político e ideológico da Constituição. O
sistema de defesa não poderia ser senão de natureza política e ideológica. A
evolução chegou à evolução das Cortes Constitucionais, a partir de 1920, como os
únicos tribunais competentes para solucionar conflitos constitucionais, fundado no
critério de controle concentrado (SILVA, 2015, p. 563-564).
No método americano, que inspirou o controle difuso em vários países, inclusive no
Brasil, a competência para apreciar o tema de anticonstitucionalidade é expandida. Todos os
órgãos judiciários, inferiores ou superiores, federais ou estaduais, têm, como foi dito, o poder
e o dever de não aplicar as leis inconstitucionais aos casos concretos submetidos a seu
julgamento (CAPPELLETTI, 1999, p. 77).
Neste paradigma, no curso de qualquer processo – não necessariamente uma ação
constitucional com o fito exclusivo de arguir uma inconstitucionalidade – o magistrado, ao se
deparar com uma lei contrária a Constituição, está autorizado a enfrentá-la. Este modelo
“obriga qualquer juiz ou órgão judiciário, quando deparar com uma norma que viole a
Constituição, a não a aplicar ao caso, fazendo-o incidentalmente, ou seja, no curso do
processo” (SARMENTO, 2015, p. 240).
O sistema americano, que consagra, pois, o judicial review, encontra-se, sobretudo, em
muitas das ex-colônias inglesas, como Canadá, Austrália e Índia. (CAPPELLETTI, 1999, p.
68). Característica que surge neste modelo de controle diz respeito à vinculação de demais
tribunais à posição firmada pela Corte Suprema, que notabiliza o princípio do statredecisis e
contribui para a tentativa de acabar com as divergências e, por conseguinte, proporcionar
maior segurança jurídica (SARMENTO, 2015, p. 241-242). Este sistema,
opera de modo tal que o julgamento de inconstitucionalidade da lei acaba,
indiretamente, por assumir uma verdadeira eficácia erga omnes e não se limita a
então trazer consigo o puro simples efeito da não aplicação da lei a um caso concreto
com possibilidade, no entanto, de que me outros casos a lei seja, ao invés de novo
aplicada. Uma vez não aplicada pela SupremeCourtpor inconstitucionalidade, uma
lei americana, embora permanecendo “onthe books”, é tornada a “deadlaw”, uma lei
morta (CAPPELLETTI, 1999, p. 81).
21
Em posição destacadamente contrária ao sistema americano de fiscalização de
constitucionalidade das leis, encontra-se o modelo austríaco. Neste modelo há uma
concentração de competência e uma desvinculação dos casos concretos.
No sistema concentrado ou austríaco, ao contrário, os juízes comuns – civis, penais,
administrativos – são incompetentes para conhecer, mesmo incidenter tantum e, portanto,
com eficácia limitada ao caso concreto, da validade das leis (CAPPELLETTI, 1999, p. 84-
85).
Neste modelo, os juízes não possuem competência para analisar a constitucionalidade
de uma norma, somente o Tribunal Constitucional (SARMENTO, 2015, p. 243).
A concentração que caracteriza o modelo austríaco não se resume a competência para
julgamento. Reflete-se, também, na restrição aos legitimados ao questionar acerca de vícios
em face da Lei Maior. Se o modelo americano admite uma pluralidade de juízes e ações, nas
quais incidentalmente o magistrado pode apreciar uma inconstitucionalidade, é de se
reconhecer também uma universalidade de legitimados.
O sistema concentrado ou austríaco, todavia, apresenta traço diverso. Com efeito, a
questão da constitucionalidade das leis podia ser arguida perante a Corte Constitucional
austríaca somente por aqueles órgãos não judiciários, mas políticos (CAPPELLETTI, 1999, p.
105).
No entanto, com a reforma constitucional de 1929, a legitimação para instaurar o
processo à vista da Corte Constitucional austríaca foi estendida a dois órgãos judiciários: a
ObersterGerichtshof (Corte Suprema) e Waltungsgerichtshof (Corte Administrativa). Estes
órgãos judiciários, mesmo continuando a não poder efetuar, eles próprios, controle algum da
legitimidade constitucional das leis, foram, então, legitimados a requerer à Corte
Constitucional que efetue o controle (CAPPELLETTI, 1999, p. 107).
Não é demais reforçar que estes órgãos judiciários não detêm legitimidade em si para
declarar a constitucionalidade ou não de instrumento legislativo. Verificou-se, aqui, uma
abertura circunstancial da competência a fim de propor o debate constitucional e não o
julgamento.
Há, portanto, uma ruptura com o monopólio de controle constitucional, na qual os
órgãos judiciais passam a ter um juízo provisório e negativo sobre a matéria. Essa tendência
seria reforçadaposteriormente com a adoção de modelo semelhante na Alemanha, Itália e
Espanha (MENDES; COELHO; BRANCO, 2009, p. 1057).
O modelo austríaco ou concentrado se expandiu para Tchecoslováquia (1920), Espanha
(1931), Constituição da República Italiana (1948), Constituição da República do Chipre
22
(1960), Constituição da República Turca (1961) e Alemanha, na Constituição de Bonn de
1949 (CAPPELLETTI, 1999, p. 73).
Alemanha e Itália sãoreconhecidas pelos ordenamentos jurídicos influenciados pelo
sistema austríaco de controle, no qual juízes comuns, de instâncias inferiores, não são
competentes para apreciar uma inconstitucionalidade de lei, estando, pois, a competência
reservada à Corte Constitucional.
Contudo, na Itália e na Alemanha, diferentemente da Áustria, todos os juízes comuns,
mesmo que aqueles inferiores, encontrando-se diante de uma lei que eles considerem contrária
à Constituição, em vez de serem passivamente obrigados a aplicá-la, têm, ao contrário, o
poder (e o dever) de submeter à questão da Constitucionalidade à Corte Constitucional, a fim
de que seja decidida por esta, com eficácia vinculatória (CAPPELLETTI, 1999, p. 109).
Há de se frisar neste ponto a diferença entre os institutos. No clássico modelo austríaco
de controle, os juízes comuns, de cortes diversas, penais, cíveis administrativas, não detêm
autonomia para arguir uma inconstitucionalidade, devendo tão somente aplicá-la quando o
caso determinar a subsunção à norma.
No caso Italiano e Alemão, em que pese serem influenciados pelo modelo austríaco
concentrado de constitucionalidade, os ditos juízes comuns continuam inaptos a debater uma
inconstitucionalidade. Entretanto, não são compelidos à aplicação da lei sob suspeita de vício
e podem provocar a Corte Constitucional a se manifestar a respeito.
Nota-se, pois, uma pequena aproximação ao sistema americano da judicial review,
porque, embora na Itália e na Alemanha não aconteça que todos os juízes sejam competentes
para efetuar o controle de constitucionalidade, todos, são, pelo menos, legitimados a requerer
tal controle à Corte Constitucional, por ocasião dos casos concretos que eles estejam
obrigados a julgar (CAPPELLETTI, 1999, p. 110).
Registre-se o modelo germânico, que prevê ainda mais expansão no que tange a
legitimação. O modo do exercício de controle continua monopólio da Corte Constitucional
federal alemã (MENDES, 1993, p. 15), todavia, observou-se uma significativa ampliação dos
legitimados, ao se comparar ao inspirador modelo austríaco.
A Alemanha admite que o Governo Federal, os Governos dos Länder, um terço dos
membros da bundestag -parlamento alemão - e até mesmo pessoas individualmente, quando a
lei viciada implicar uma lesão a direito fundamental, possam se dirigir em via de ação à Corte
Constitucional para suscitar uma inconstitucionalidade (CAPPELLETTI, 1999, p. 110).
Além das Cortes competentes para exercer o controle e os legitimados à propositura, os
modelos sob estudo apresentam particularidades acerca dos efeitos das decisões.
23
Os efeitos das decisões de reconhecimento de inconstitucionalidade apresentam, em
cada sistema, características que merecem ponderação. No modelo americano “a lei
inconstitucional, porque contrária a uma norma superior é considerada nula e, por isso,
ineficaz pelo que o juiz, que exerce o poder de controle, não anula, mas declara uma (pré-
existente) nulidade inconstitucional (CAPPELLETTI, 1999, p. 116)”.
No sistema de controle difuso americano, o Poder Judiciário atua como “fiscal da
Constituição e da sua compatibilidade com os demais atos estatais, possuindo a competência
para declarar nulos e írritos todos os atos contrários à Constituição (SARMENTO, 2015, p.
240)”.
Diferentemente, no modelo austríaco ou concentrado, a lei pode ser anulável e não nula.
Goza o instrumento normativo de presunção de constitucionalidade, vez que a lei é
considerada válida e eficaz até que decisão posterior denuncie a sua inconstitucionalidade
(SARMENTO, 2015, p. 243).
No quesito temporal e vinculação dos impactos, há de se destacar que o sistema
americano empresta às suas decisões efeitos retroativos, ao passo que o austríaco opera efeitos
futuros, não se admitindo qualquer retroatividade da eficácia da anulação (CAPPELLETTI,
1999, p. 117).
Uma questão que ganha destaque nas decisões de inconstitucionalidade e que se
pretendedebater nestetrabalhono âmbito do direito brasileiro trata da divulgação dos efeitos da
tutela jurisprudencial que, se revestida de eficácia geral, propaga seus reflexos para todo o
ordenamento.
Pelo sistema austríaco a decisão opera efeitos erga omnes, e, uma vez sobrevindo o
pronunciamento de inconstitucionalidade, torna-se ineficaz para todos. O modelo americano,
ao contrário, admite a produção de efeitos apenas entres as partes do processo. O magistrado,
portanto, deve limitar-se a não aplicar a lei inconstitucional apenas ao caso concreto
(CAPPELLETTI, 1999, p. 118).
Na Alemanha as decisões proferidas em processo de controle de normas são publicadas
no Diário Oficial e têm efeito vinculante e força de lei (MENDES, 1993, p. 13). No modelo
germânico se nota a eficácia erga omnes da declaração de inconstitucionalidade com muito
mais impacto, sendo esta inclusive publicada no Diário Oficial.
Na Itália e na Alemanha, em que pese serem adeptas do tradicional modelo austríaco,
apresentam suas particularidades. Tanto na Itália quanto na Alemanha, considera-se, de fato,
que a sentença, com que as cortes constitucionais declaram a inconstitucionalidade de uma lei,
24
tem eficácia erga omnes do mesmo modo que na Áustria. Contudo, o sistema ítalo-germânico
permite uma eficácia retroativa, operando, pois, efeito extunc (CAPPELLETTI, 1999, p. 119).
Uma vez inserido no contexto do controle de constitucionalidade sob a ótica dos
sistemas americano e austríaco e suas particularidades no que concerne à competência,
legitimação e efeitos da decisão de inconstitucionalidade nestes países, é relevante que se
passe ao estudo destes modelos à luz da Constituição vigente no Brasil e como esta
importante Carta foi influenciada por estes significativos modelos.
É neste ponto que a problemática desta pesquisa começa a se desenhar, visto que com a
produção de efeitos de norma declarada inconstitucional pela via difusanão se pode olvidar,
neste caso, da relação envolvendo os poderes da União.
1.4 Progresso histórico dos Poderes do Estado: Separação, interdependência e nova
harmonia
O Controle de atos do legislativo por órgão judiciário, necessariamente passa pela
relação e interdependência entre os poderes da União. Contudo, para tanto é necessário
contextualizar o vínculo entre os poderes sob um viés histórico e, ainda, discorrer sobre como
se deu o progresso da harmonia entre os poderes com o curso do tempo.
O poder de dominar é tentador, o domínio do poder é avassalador. A busca incessante
pelo poder sempre mereceu destaque na história, sendo que, em várias oportunidades,
dependendo do contexto, notabilizou-se a unidade do poder.
Num contexto histórico, a propriedade conduziu o poder, ficando este concentrado nas
famílias com vastas posses e bens, a exemplodo sistema feudalista ou monárquico absolutista,
nos quais o poder de todo feudo ou reino era antropologicamente centrado no senhorio
possuidor e nobre que dominava o seu território bem como seus vassalos, sendo este quem
criava a aplicava as regras.
No regime monárquico, no qual se vislumbrava a centralização do poder,
Toda a organização política estava efetivamente no Poder Moderador, concentrado
na pessoa do Imperador. Realmente, criando o Poder Moderador, enfeixado na
pessoa real, os estadistas do antigo regime armam o soberano de faculdades
excepcionais. Como Poder Moderador, ele age sobre o Poder Legislativo pelo
direito de dissolução da Câmara, pelo direito de adiamento e de convocação, pelo
direito de escolha, na lista tríplice, dos senadores. Ele atua sobre o Poder Judiciário
pelo direito de suspender os magistrados. Ele influi sobre o Poder Executivo pelo
direito de escolher livremente os ministros de Estado e livremente demiti-los. Ele
atua sobre a autonomia das províncias. E, como chefe do Poder Executivo, que
exerce por meio dos seus Ministros, dirige, por sua vez, todo o mecanismo
25
administrativo do pais. Aqui o Rei reinava, governava e administrava (SILVA,
2015, p. 78).
Noutra perspectiva, o império medieval era uma federação de pessoas caracterizada pelo
domínio senhorial, não tendo sua estrutura em territórios e organização, mas nos
compromissos pessoais entre dominadores e dominados (WOLFF; BACHOF; STOBER,
2006, p. 95), também marcado pela unidade do poder.
O domínio do poder, contudo, é avassalador. Criar e aplicar o direito leva a
consequências desastrosas, sendo soberano aquele quem decide o que fazer e como fazer, não
estando sujeito às leis que ele próprio emana (BOBBIO, 1994, p. 18), tornando-se intocável,
de modo que o restante da sociedade não tenha força alguma perante o líder, sendo o poder
centrado em mãos únicas, usado em benefício próprio, beirando o descontrole.
Mais recentemente, o monopólio do poder se destacou historicamente, tal como na
Alemanha sob o governo do Führer, que alterou toda a organização administrativa do Estado,
sendo que todos os Estado federados perderam autonomia, segundo a Lei da Reestruturação
de 30 de Janeiro de 1934, ficando, pois, subordinados aos governantes, num regime que
destituiu os órgãos colegiados, substituindo-os por órgãos criados sob a égide do
Führerprinzip, isto é, do tipo monocrático (WOLFF; BACHOF; STOBER, 2006, p. 119-120).
Em se tratando da constitucionalização germânica, urge mencionar a Constituição de
Weimar de 1919, carta de reconhecido destaque no tocante à democratização e
constitucionalismo contemporâneo, cujo ponto essencial consistia na harmonia de poder entre
Executivo e Parlamento (CAENEGEN, 2009, p. 326).
À luz da Constituição de Weimar, numa análise tão somente textual, a separação de
poderes estaria resguardada. Acontece que, sob a influência do regime nazista, o pêndulo do
poder se deslocou de forma “significativa do parlamento para o Presidente” (CANEGEN,
2009. p. 328), no qual cabe destacar que o führerdetinha uma posição de força em relação ao
governo e parlamento, com poderes tecnicamente legiferantes, tais como para aprovação da
Lei de Delegação de Poderes – Ermächtigungsgeseteze(CAENEGEN, 2009, p. 330),
traduzindo, na prática, a ruína democrática lançada em Weimar.
Ante tal domínio do poder, os inimigos da democracia forjam as percepções
democráticas para obscuros propósitos íntimos, conduzindo ao suicídio da democracia,
oferecendo-a ao autocrata, como foi na Alemanha da década de 1930 (PONTES DE
MIRANDA, 2002, p. 190), anotando que “o poder absoluto arbitrário, ou governo sem leis
estabelecidas e permanentes, é absolutamente incompatível com as finalidades da sociedade e
do governo” (LOCKE, 1994, p.165).
26
No Brasil, o regime militarista (1964-1985) foi marcante no prisma do poder unitário. O
Poder Executivo ficou sob o comando dos militares e, em que pesea existência de um Poder
Legislativo tecnicamente separado, a real função legiferante também ficou a cargo daqueles
que ocupavam a função executiva. Os atos institucionais decretados no período militarista
brasileiro, claramente demonstram que o Executivo estava a legislar, concentrando o domínio
da lei e o domínio da aplicação da lei.
Nesta perspectiva de unidade do poder, no tocante à incongruência unitária entre
Legislativo e Executivo num só órgão, é relevante observar o ato institucional de número 16,
de 14 de outubro de 1969, que estabeleceu no texto do artigo terceiro que a chefia do Poder
Executivo ficaria a cargo dos Ministros Militares, ante a vacância da cadeira presidencial, que
se deu devido ao estado de saúde do então Presidente Marechal Arthur da Costa e Silva.
Diante de tal cenário, os Ministros da Guerra, do Exército e da Aeronáutica, chefes do
Executivo (art. 3. do AI 16/1969), promulgaram em 17 de outubro daquele ano, a Emenda
Constitucional n. 1, que modificou substancialmente a Constituição de 1967. Deste modo, a
chefia do Poder Executivo esteve a legislar, reescrevendo a Constituição vigente à época,
reescrevendo, pois, a lei cuja aplicação dar-se-ia pelo próprio Executivo.
No ano anterior, ainda com a chefia do Executivo a cargo do Marechal Costa e Silva, e
com vigência do Ato Institucional n. 5, o chefe do Executivo estava autorizado a decretar o
recesso do Congresso Nacional, suspendendo as funções do Poder competente tecnicamente
legiferante, mesmo ausente o estado de sítio. Diante de tal cenário, o Poder Executivo,
segundo ditames do AI 5, estava expressamente autorizado “a legislar em todas as matérias e
exercer as atribuições previstas nas Constituições ou na Lei Orgânica dos Municípios” (art. 2,
§1.).
Nestes contextos do regime militar brasileiro, claramente a função de criar o direito, ou
reescrevê-lo, estava a domínio dos governantes. Apesar da existência dos poderes, a princípio
e tecnicamente independentes - tal como deixava um sopro de esperança os artigos 6da
Constituição de 1967, mantido pela emenda constitucional de 1969, sob mesmo artigo – as
funções de criar e aplicar o direito estavam nas mãos do Chefe do Executivo.
A Constituição de 1967 e Emenda Constitucional n. 1 de 1969 estabeleciam no sexto
artigo de ambos textos que: “são Poderes da União, independentes e harmônicos, o
Legislativo, o Executivo e o Judiciário”. A Carta de 1967 (art. 10, inciso VII, “d”) e Emenda
Constitucional de 1969 (art. 10, inciso VII, “c”) autorizavam ainda a intervenção da União
nos Estados para garantir a independência e harmonia dos Poderes.
27
No entanto, a frieza dos escritos, por vezes utópica, deve ser analisada com cautela,
pois, os inimigos da democracia insistem em deformar o conceito democrático para obscuros
propósitos (PONTES DE MIRANDA, 2002, p. 190).
Nestes cenários abordados, nota-se a reunião dos poderes referentes ao domínio da lei e
domínio da aplicação da Lei, tal como na Grã-Bretanha, com a assembleia da aristocracia
assumindo o controle do legislativo (CAENEGEN, 2009, p. 236). Aliás, exemplos não faltam
na perspectiva histórica mundial.
A história nos prova que a “principal ameaça à liberdade é a concentração do poder de
coerção, seja nas mãos de um monarca, de um ditador, de uma oligarquia” (FRIEDMAN,
apud CAPPELLETTI, 1993, P. 54). Assim, é de fundamental valia direcionar o pensamento
para a separação dos poderes e competências, pois, “a preservação da liberdade exige, na
maior medida possível a eliminação de tal concentração de poder e a diluição e distribuição
do tanto de poder que não possa ser eliminado, ou seja, um sistema de checksand balances”
(FRIEDMAN, apud CAPPELLETTI, 1993, P. 54).
Retornando ao século XVII, em uma breve e necessária retrospectiva histórica, a
revolução gloriosa, marco importante da revolução inglesa, foi determinante também para a
busca da separação dos poderes, mais notadamente, no que compete ao Legislativo e
Executivo. Neste contexto histórico, ressalta-se o conflito entre Coroa e parlamento, com
vitória deste, que acarretou na queda do Rei Jaime II.
Tal marco histórico ilustrou a desunião extrema entre os Poderes, assumindo o
Parlamento uma soberania incontrolável na feitura de leis, incidindo sobre matérias de todo o
tipo, “sem ser dificultado por uma constituição e muito menos exposto a fiscalização por parte
do poder judicial” (CAENEGEN, 2009, p. 240).
De toda sorte, a concentração do poder, mesmo que perante organismos minimamente
legislativos alheios à coroa, não conduz à percepção democrática almejada, sendo revestido
de viés autoritário também limitador de direitos, tal como no domínio de governantes.
A unidade do poder se torna perigosa, pois, “quando, na mesma pessoa ou no mesmo
corpo de magistratura, o poder legislativo é reunido ao poder executivo, não há liberdade: por
que é de temer que o mesmo monarca ou o mesmo senado faça leis tirânicas, para executá-las
tiranicamente” (MONTESQUIEU 1996, p. 168)
Diante desse pressuposto, cabe ressaltar que a busca pela liberdade, liberdade esta, que
somente está presente em governos moderados (MONTESQUIEU, 1996, 166), uma vez que
liberdade e poder são termos antitéticos (BOBBIO, 1994, p. 20).
28
A liberdade, um dos pilares da revolução francesa, ícone motivador das batalhas
seculares em face do autoritarismo dos governantes, motiva a busca pelo fortalecimento
legislativo, necessário em dados momentos históricos.
Após longos períodos de autoritarismos opressores, reforça-se a fé na lei, em suas
estritas e salvadoras palavras. Contudo, diante de um domínio do poder, mesmo pelo
legislativo, há de se ressaltar que “a finalidade da lei não é abolir ou conter, mas preservar e
ampliar a liberdade. Em todas as situações de seres criados aptos à lei, onde não há lei, não há
liberdade”. (LOCKE, 1994 p. 115).
Nota-se, pois, no pensamento da época, fatores influenciadores da doutrina liberalista,
que visa à subordinação dos poderes políticos às leis gerais do país, de modo a louvar o
Estado de Direito (BOBBIO, 1994, p. 18-19).
A partir daquela revolução, importante marco histórico que influenciou a teoria de John
Locke, já que este retornou à Inglaterra no auge da Revolução Gloriosa, em 1688, vê-se
publicada, então, a clássica obra Segundo Tratado sobre o governo civil, no o autor qual
propõe uma análise crítica acerca da separação dos Poderes.
Os homens se organizam e aceitam viver em sociedade e estão sujeitos às regras
impostas, contudo, sem autoritarismo. No entanto, “a liberdade do homem na sociedade não
deve estar edificada sob qualquer poder legislativo exceto aquele estabelecido por
consentimento na comunidade civil; nem sob o domínio de qualquer vontade ou
constrangimento por qualquer lei, salvo o que o legislativo decretar, de acordo com a
confiança nele depositada” (LOCKE, 1994 p. 95). Há de se ressaltar o poder legiferante como
poder supremo em toda comunidade civil, quer seja ele confiado a uma ou mais
pessoas, quer seja permanente ou intermitente. Entretanto, Primeiro: ele não é
exercido e é impossível que seja exercido de maneira absolutamente arbitrária sobre
as vidas e sobre as fortunas das pessoas. Sendo ele apenas a fusão dos poderes que
cada membro da sociedade delega à pessoa ou à assembleia que tem a função do
legislador, permanece forçosamente circunscrito dentro dos mesmos limites que o
poder que estas pessoas detinham no estado de natureza antes de se associarem em
sociedade e a ele renunciaram em prol da comunidade social. [...] Segundo: O
legislativo, ou autoridade suprema, não pode arrogar para si um poder de governar
por decretos arbitrários improvisados, mas se limitar a dispensar a justiça e decidir
os direitos do súdito através de leis permanentes já promulgadas (LOCKE, 1994 p.
163-164).
A sociedade precisa de regras que visem o bem comum, mas, para tanto, os poderes do
Estado precisam ser bem definidos e delimitados os respectivos limites. Após muita luta, “a
humanidade aprende que, sendo todos iguais e independentes, ninguém deve lesar o outro em
sua vida, sua saúde, sua liberdade ou seus bens” (LOCKE, 1994, p. 84).
29
A partir deste contexto, o poder de criar e aplicar o direito devem ser separados.
Destarte, o domínio da lei e o domínio de aplicação da lei não podem pertencer ao mesmo
órgão, a fim de suprir o autoritarismo outrora enfrentado. Ademais, “para garantir a execução
das leis no tempo em que elas permanecerem em vigor, é necessário que os poderes
legislativo e executivo fiquem frequentemente separados” (LOCKE, 1994, p.171).
O Poder político, a partir da perspectiva de Locke, então é descentralizado, atribuindo a
função de dominar a lei ao Poder Legislativo e o domínio da aplicação da lei ao Executivo.
Locke ainda propõe um terceiro poder, denominado de Poder Federativo, com atribuições de
chefia de Estado, relações políticas estrangeiras, tais como propor guerra ou celebrar a paz.
Em que pese à existência do Poder Federativo tecnicamente independente, este tem
íntima ligação com o Poder Executivo, concentrando a proposta de Lockena indubitável
separação entre Poder Legislativo e Executivo.
A questão sobre a proposta de separação dos poderes se expande pela Europa. Ao fim
do século XVIII, na França, eclodiu a partir de 1789 a revolução contra o absolutismo
monárquico, que culminou na queda do Rei Luís XVI e a ascensão popular. Neste mesmo ano
de 1789, em 26 de agosto, fora proclamada a Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão, hodiernamente reconhecida como grande Carta, em se tratando de direitos humanos.
Sob a nuvem da trinca revolucionária – liberdade, igualdade e fraternidade – que
pairava sobre a França naquele contexto histórico, a Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão passava a estabelecer o respeito à dignidade da pessoa humana, a liberdade de
pensamento, a igualdade, a propriedade privada, que se tornaram elementos tendenciais diante
do constitucionalismo ocidental, presentes em Constituições nacionais e Cartas de direitos
humanos pelo mundo.
Percebe-se o fortalecimento da doutrina da Separação dos Poderes presente no corpo do
artigo 16 da Declaração: “qualquer sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos
direitos, nem estabelecida a separação dos poderes não tem Constituição”.
Os ares da revolução com viés republicano sopraram fortes, não limitados apenas ao
território francês. A partir da Revolução francesa, várias vicissitudes nos foram apresentadas,
como a proliferação das democracias nas Américas (SUORDEM, 1995, p. 14).
A partir das premissas abordadas, a concentração das funções Legislativas e Executivas
em um só órgão ou pessoa conduz ao autoritarismo, conforme a própria história já provou em
inúmeras oportunidades. A Separação destas funções é fundamental para ter início um
pensamento democrático.
30
Há de se frisar, contudo, que tais funções devem ser separadas, estando distribuídas em
mãos de pessoas e órgãos diferentes. No entanto, não devem ser isoladas como água e óleo
que não se misturam ou nutrem entre si uma harmonia recíproca, pois, ao isolar
completamente os poderes do controle político, pode haver uma privação do processo
democrático de seu significado central (ACKERMAN, 2014, p. 18).
Neste ponto, há que se ressaltar que as ambições constitucionais devem ser analisadas
segundo dois paralelos: Constitucionalismo e parlamentarismo. O completo isolamento dos
Poderes, com soberania intocável do Parlamento conduz a “um regime onde o governo e
Poder Legislativo derivavam a sua autoridade da Nação, sendo responsáveis perante esta, ou
melhor, perante os seus representantes, reunidos num parlamento eleito. Isto excluía a
democracia directa e até mesmo a própria democracia” (CAENEGEN, 2009, p. 236).
Na conjuntura do constitucionalismo, contudo, exige-se um modelo de governo cuja
forma de operar se submeta à lei (CAENEGEN, 2009, p. 235). Os Poderes separados em dois
extremos, sem qualquer comunicação entre si, não conduzem ao viés verdadeiramente
democrático.
Nesta abordagem, tem-se que o isolamento dos poderes, que só pelo fato de separar as
competências não conduz, necessariamente, ao prisma democrático. Nesta seara, torna-se
importante considerar a interdependência harmônica entre os poderes. Assim, há de se pautar
na obra O Espírito das Leis, de Montesquieu, que propõe, além da Separação dos Poderes, o
fim do autoritarismo decorrente da unidade do poder, visando uma relação harmônica entre os
mesmos de modo a vislumbrar o ápice democrático.
O Fato de cada poder recobrir uma função própria sem qualquer interferência dos outros
nunca foi registrada em Montesquieu, que pregava a combinação dos poderes (CANOTILHO,
2003, p. 115) e destacava que “os poderes precisam de um poder moderador para regula-los”
(MONTESQUIEU, 1996, p.172).
No entanto, há de se frisar que a teoria de Montesquieu não propõe que este poder
moderador se situe soberana e intocavelmente acima dos poderes de legislar e aplicar o
direito, moderando estes, pois, o total isolamento dos poderes afasta o pensamento
democrático (ACKERMAN, 2014, p. 18). Além do mais, “estaria tudo perdido se o mesmo
homem, ou o mesmo corpo dos principais ou dos nobres, ou do Povo, exercesse os três
poderes: o de fazer as leis, o de executar as resoluções públicas; e o de julgar os crimes ou as
querelas entre os particulares”. (MONTESQUIEU, 1996, p.168).
A proposta de Montesquieu é cingida exatamente no sentido oposto: de harmonia e
interdependência recíproca, de modo que o poder moderador é também moderado.
31
Criar e aplicar as regras são questões fundamentais no Poder político de um Estado e,
ainda que separadas, necessitam de interdependência. De nada valeria, em um preliminar
pensamento democrático, se, exemplificativamente, o chefe do Poder Executivo exercer suas
funções sem, contudo, prestar devida obediência aos preceitos legais. Estaria da mesma forma
sendo autoritário contra o sistema, servindo a independência do Legislativo de simples
máscara, apta apenas a transparecer uma imaginária e ilusória democracia.
De igual maneira, se o Poder responsável por criar o direito o fizer de modo contrário à
Constituição ou às demais legislações, submeterá o Poder Executivo, aplicador da lei, a
preceitos inconstitucionais e antidemocráticos. “Se o poder executivo não tiver o direito de
limitar as iniciativas do corpo legislativo, este será despótico; pois, como ele poderá outorgar-
se todo o poder que puder imaginar, anulará os outros poderes” (MONTESQUIEU, 1996,
173-174). Deste modo, ao vislumbrar a Separação dos Poderes, destaca-se
a harmonia entre os poderes verifica-se primeiramente pelas normas de cortesia no
trato recíproco e no respeito às prerrogativas e faculdades a que mutuamente todos
têm direito. De outro lado, cabe assinalar que nem a divisão de funções entre os
órgãos do poder nem a sua independência são absolutas. Há interferências, que
visam ao estabelecimento de um sistema de freios e contrapesos, à busca do
equilíbrio necessário à realização do bem da coletividade e indispensável para evitar
o arbítrio e o demando de um em detrimento do outro e especialmente dos
governados. (SILVA, 2015, p. 112)
A teoria de Montesquieu, além de centralizar a discussão da Separação entre os poderes
tangencialmente aos órgãos executivo e legiferante, convida, ainda, a proposta de trazer o
Órgão Judiciário para esta harmonia dos Poderes políticos, passando a disciplinar a teoria
tripartite.
Para coibir eventuais abusos referentes aos independentes poderes legislativo e
Executivo, vislumbrando uma democratização, o Poder Judiciário se torna uma verdadeira
força concreta (NAGEL, 2009, p. 162) em defesa da sociedade.
No entanto, há de se ponderar a separação do judiciário na esfera dos Poderes políticos.
Até então, nas propostas de separação dos Poderes, não havia abarcado com destaque o Órgão
Judicante, que por vezes detinha a função de tão somente aplicar as leis decretadas pelo
Parlamento (MORRIS, apud CAENEGEN, 2009, p. 240), sendo o Judiciário “a boca que
pronuncia as palavras da lei; seres inanimados que não podem moderar a força nem o rigor
dessas palavras”(MONTESQUIEU, 1996, p, 175), não competindo uma fiscalização ou,
quiçá, uma discussão hermenêutica acerca do direito.
Devido ao contexto da Revolução Inglesa, na qual o conflito entre monarquia e o
parlamento incendiava o pensamento do século XVII, a teoria de Locke se concentra na
32
separação entre o poder de legislar e de governar. No entanto, não se pode duvidar que a
função de julgar, tarefa fundamental ante ao poder político do Estado, também foi marcada
pelo poder unitário, sendo conferida aos próprios governantes.
Há de se ressaltar, contudo, que a questão entre a separação dos Poderes do Estado não
se esgota no que tange aos Poderes Executivo e Legislativo. É de se analisar que os tipos de
administração da antiguidade, “na maioria dos casos, os governantes, os administradores e os
juízes eram as mesmas pessoas” (WOLFF, BACHOF E STOBER 2006, p. 93). Neste aspecto,
percebe-se também uma unidade concentrada do poder também no que tange às funções
judiciais.
Nesta concepção, mesmo que o poder de julgar não esteja tecnicamente nas mãos de
uma pessoa – como Hitler, que se proclamou juiz supremo em 1934, acarretando a eliminação
radical da separação dos Poderes e na independência dos tribunais (WOLFF, BACHOF E
STOBER, 2006, p. 119) - o Executivo impede o acesso ao judiciário, convalidando todos os
seus atos, conforme ficou transparente com a edição do AI 5, em 1968, que trazia de maneira
expressa, a teor do artigo 11, que são excluídos de apreciação do Poder Judiciário, os atos
praticados de acordo com este Ato Institucional ou Atos Complementes.
Assim, o Executivo passou a julgar, ainda que indiretamente, os seus atos como
absolutos, sendo igual afronta à separação dos poderes. Nesta senda, fica evidente que não
há liberdade se o poder de julgar não for separado do poder legislativo e do
executivo. Se estiver unido ao poder legislativo será arbitrário o poder sobre a vida e
a liberdade dos cidadãos; pois o juiz será legislador. Se estiver unido ao poder
executivo, o juiz poderá ter a força de um opressor (MONTESQUIEU, 1996, p.
168).
Além da relação do Executivo com o judiciário, torna-se desarmônica a concentração de
funções tipicamente judicantes a órgão legislativo, como se pode ressaltar o Parlamento
britânico, caso dos billofattainder, que consistiam em atos legislativos autoritariamente
impositivos de uma pena de morte sem observância do dueprocess necessário para aplicação
de penas criminais (CANOTILHO, 2003, p. 674).
Desta maneira, é de grande importância para o estágio democrático considerar a
separação dos poderes, certamente. No entanto, há de se louvar a interdependência entre eles
e, além de trazer à baila o Poder Legislativo e Executivo, mister voltar os olhos para
separação dos poderes também no que tange ao Judiciário, propondo um diálogo
constitucional entre a Corte e outras agências do governo, uma sutil dialética interação de
temas morais (NAGEL, 2009, p. 174).
33
Neste quesito, voltado à tripartição dos poderes, moldes propostos por Montesquieu, a
Constituição da República de 1988 estabelece no artigo segundo que os poderes Executivo,
Legislativo e Judiciário são independentes e harmônicos entre si.
É importante frisar, todavia, que a Constituição da República de 1988 não foi a pioneira
ao tratar da independência e harmonia entre os poderes no ordenamento constitucional
brasileiro. A Constituição de 1891 (artigo 15), de 1946 (artigo 36), de 1967 (artigo 6) e a
Emenda Constitucional n. 1 de 1969 (artigo 6) também trazem tal previsão em seus
respectivos textos.
Além das previsões constitucionais abordadas, a Constituição de 1824 tratava da divisão
e harmonia entre os poderes políticos, sendo eles, os Poderes Judiciário, Executivo,
Legislativo e o Moderador (artigos 9 e 10). A Constituição de 1934, por sua vez, tratava da
independência e coordenação entre os Poderes Judiciário, Legislativo e Executivo (artigo 3.).
Diante de tal cenário, além da clássica separação entre os poderes, surge positivada na
Constituição a harmonia entre eles. Neste diapasão os poderes, em que pese à independência,
nutrem entre si uma reciprocidade harmônica.
Destarte, como o poder de dominar é tentador, ou “todo homem investido de poder é
tentado a abusar dele” (MONTESQUIEU, 1996, p. 166), louva-se o equilíbrio entre os
poderes (ABBOUD, 2001, p. 101), consagrando-se, pois, o princípio dos freios e contrapesos,
ou checkand balances, onde um Poder tem por finalidade precípua cumprir sua função típica,
além de fiscalizar ou “frear” abusos de outros poderes.
Ademais, no que concerne à Separação dos poderes, há de se frisar a ideia da
“ordenação das funções através de uma ajustada atribuição de competências expressa na
fixação clara de regras processuais e na vinculação à forma jurídica dos poderes a quem é
feita essa atribuição. Nessa perspectiva, ou seja, como racionalização, estabilização e
delimitação do poder estadual” (CANOTILHO, 2003, p. 251).
A ordenação das funções há de delimitar os atributos típicos, além dos quais, ainda, se
dão por meio da interdependência, o poder de exercício de funções atípicas, a fim de
aperfeiçoar o sistema democrático. Além do mais,
A constitucionalística mais recente salienta que o princípio da separação dos poderes
transporta duas dimensões complementares: (1) a separação como “divisão”,
“controlo” e “limite” do poder – dimensão negativa; (2) a separação como
constitucionalização, ordenação, e organização do poder do Estado tendente a
decisões funcionalmente eficazes e materialmente justas (dimensão positiva). O
sentido referido em (1) corresponde, em rigor, à ideia de divisão dos poderes; o
sentido referido em (2) aponta, sobretudo para a ideia de separação dos poderes. O
princípio da divisão como forma e meio de limite do poder (divisão de poderes e
balanço de poderes) assegura uma medida jurídica ao poder do estado e,
34
consequentemente, serve para garantir e proteger a esfera jurídico-subjectiva dos
indivíduos e evitar a concentração do poder. O princípio da separação na qualidade
de princípio positivo assegura justa e adequada ordenação das funções do estado e,
consequentemente, intervém, como esquema relacional de competências, tarefas,
funções e responsabilidades dos órgãos constitucionais de soberania. Nesta
perspectiva, separação ou divisão de poderes significa responsabilidade pelo
exercício de um poder. (CANOTILHO, 2003, p. 250).
A consagração do sistema de freios e contrapesos, idealizado por Montesquieu (1996, p.
166), para quem “para que não possa abusar do poder é necessário que, pela disposição das
coisas, o poder limite o poder”. Assim, para a plenitude democrática almejada, é, sim,
necessário que o Poder freie o Poder.
Nesta sintonia, os poderes do Estado são revestidos de funções típicas e atípicas. Diante
desta tripartite proposta de separação dos poderes, não cabe a um dos poderes do Estado o
exercício de apenas uma função.
O poder legislativo, que, de forma típica, “é aquele que tem competência para
prescrever segundo que procedimentos a força da comunidade civil deve ser empregada para
preservar a comunidade e seus membros (LOCKE, 1994, p. 170)”. Diante da perspectiva
harmoniosa de separação dos poderes, não caberá, somente, pois, a atividade legislativa. A
este compete ainda a “faculdade de examinar de que maneira as leis que criou foram
executadas” (MONTESQUIEU, 1996, p. 174).
Percebe-se, desde logo, uma função fiscalizadora por parte do Poder Legiferante. Desta
forma, vislumbra-se que os Poderes políticos irão acumular funções típicas e atípicas.
A Constituição de 1988 trata a questão em várias oportunidades, tal qual o poder de
veto, exercido pelo Presidente da República. O disposto no artigo 66, §1.da Carta
Constitucional da República estabelece que o Presidente possui a faculdade de vetar Projeto
de Lei por ser inconstitucional ou contrário aos interesses públicos, sendo, pois, o veto, uma
análise de âmbito material sobre o projeto de lei submetido à apreciação do Chefe do
Executivo, que exerce sua discordância quanto ao conteúdo por meio do veto (STRECK,
OLIVEIRA, M. 2013, p. 1161).
Tal hipótese claramente configura atuação do Executivo a frear um abuso cometido pelo
Poder Legislativo, exercendo o Executivo o contrapeso democrático.
No que tange à ritualística do processo de impeachment no ordenamento brasileiro,
claro está também a autuação dos Poderes do Estado, atuando de modo a frear e controlar
abusos de outro.
No caso citado, a Constituição da República de 1988 mostraque cabe ao Senado Federal
processar e julgar o Presidente da República por crime de responsabilidade (art. 52, I e 86).
35
Destarte, vislumbra-se o Poder Legislativo exercendo o controle dos atos do Executivo, numa
sessão presidida pelo Presidente da Suprema Corte, elevando a harmonia recíproca entre os
três poderes.
A submissão de uma Lei aos órgãos do Poder Judiciário para apreciação acerca de uma
inconstitucionalidade se caracteriza como mecanismo de recíproca harmonia entre os poderes
(SILVA, 2015, p. 113).
Assim, uma limitação harmônica e recíproca dos poderes nasce contra o poder arbitrário
historicamente grande limitador de direitos, sendo a “divisão e harmonia dos poderes
princípio conservador dos direitos do cidadão e o mais seguro meio fazer efetivas as garantias
que a Constituição oferece” (STRECK; OLIVEIRA F, 2013, p. 144).
Os mecanismos consagrados pela harmonia, ou consciente colaboração e controle
recíproco entre os poderes (SILVA, 2015, p. 113) têm o claro objetivo de proteger o cidadão
dos abusos do poder (BOBBIO, 1994, p.20). Tais mecanismos visam impedir ou dificultar o
exercício de poder arbitrário.À luz da harmonia dos poderes são exercidos:
(1) pelo controle do Poder Executivo por parte do Poder Legislativo; ou, mais
exatamente, do governo, a quem cabe o Poder Executivo, por parte do parlamento, a
quem cabe em última instância o Poder Legislativo e a orientação política;(2) o
eventual controle do parlamento no exercício do Poder Legislativo ordinário por
parte de uma corte jurisdicional a quem se pede a averiguação da
constitucionalidade das leis; (3) uma relativa autonomia do governo local em todas
as suas formas e em seus graus com respeito ao governo central; (4) uma
magistratura independente do poder político (BOBBIO, 1994, p. 19).
A nova perspectiva da separação dos poderes pressupõe uma harmonia recíproca de
interdependência. Além do mais, propõe uma complexidade de funcionamento das
sociedades, numa necessária reflexão global em torno da economia e da sociedade,
(SUORDEM, 1995, p. 18), na qual a engenharia constitucional deve ser combinada com a
sensibilidade cultural e econômica (ACKERMAN, 2000, p. 724). É preciso evidenciar que o
direito necessariamente entrelaça com pressupostos estabelecidos por variados setores do
conhecimento científico (REALE 1997, prefácio), pautando a separação dos Poderes nos
novos movimentos sociais (SUORDEM, 1995, p. 29), pois,
O direito volve-se simultaneamente em critério e elemento da realidade social:
enquanto critério da realidade social o Direito assume a realização de funções de
integração, de justo reconhecimento e justa resolução dos conflitos e de instância
crítica e da validade; enquanto elemento da realidade social o direito sofre a
influência dos factores económicos (interesses), dos factores políticos (relações de
poder) e axiológicos (valores) existentes numa dada sociedade histórica concreta, (os
quais interagem entre si e com o Direito, condicionando este e sendo também por
eles condicionados) explane uma compreensão global, coerente e articulada das
relações fundamentais emergentes na abordagem das diversas problemáticas
jurídico-políticas (SUORDEM, 1995, p. 17-18).
36
Quanto à atuação dos poderes Legislativo e Executivo, é convincente a proposta de
separação dos mesmos perante os longos conflitos, desde a disputa entre Monarquia e
Parlamento na Inglaterra no século XVII, sendo esta, inclusive, ponto influenciador da
separação proposta por Locke, sendo certo também que, em qualquer Estado Democrático, a
separação dos poderes deva abarcar o Judiciário. “A verdade é que apenas um sistema
equilibrado de controles recíprocos pode, sem perigo para a liberdade, fazer coexistir um
legislativo forte com um executivo forte e um judiciário forte” (CAPPELLETTI, 1193, p. 54).
Agora, tangencialmente ao Poder Judiciário, no que concerne o poder de controlar e ser
controlado vem à tona um relevante debate: a atuação do judiciário, no que toca o controle de
constitucionalidade, seria um mecanismo democrático de freios e contrapesos ou tal atuação
representa abuso deste poder julgador, devendo, pois, ensejar fiscalização e freio dos outros
poderes? Propõe-se, pois,analisar a questão no decorrer na pesquisa.
CAPÍTULO II
UMA ABORDAGEM ACERCA DO CONTROLE DE
CONSTITUCIONALIDADE
2.1 Controle de Constitucionalidade no ordenamento jurídico brasileiro
A Constituição da República de 1988 representa ponto fundamental no que tange aos
meios de controle. O controle de constitucionalidade é um instrumento que objetiva garantir a
supremacia dos preceitos constitucionais. Passa então o texto constitucional de 1988 a
detalhar e aprofundar mais o estudo.
No ordenamento constitucional, cumpre-se destacar que o controle pode acontecer pela
forma preventiva ou repressiva. Configura-se o controle pela via preventiva quando este se dá
antes da entrada em vigor de Lei ou ato normativo, o que se configura, por exemplo, por meio
da atuação das Comissões de Constituição e Justiça de ambas as Casas Legislativas.
No âmbito da Câmara dos Deputados, o artigo 32, inciso IV do Regimento Interno da
Casa trata da Comissão permanente. Tal comissão, perante a Câmara dos Deputados, detém
sua respectiva área de atividade: aspetos constitucionais, legal, jurídico, regimental e de
técnica legislativa de projetos, emendas ou, ainda, análise de assunto de natureza jurídica
constitucional a que lhe seja submetido, atividades institucionais previstas no artigo 32, inciso
IV, alíneas „a‟ e „c‟ do Regulamento Interno da Casa.
No Senado Federal, a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, também é um tipo
de comissão permanente, segundo ditames do artigo 72 do Regimento Interno desta Casa.
Esta Comissão, conforme determinação do artigo 101 do regimento do Senado Federal deve,
por competência, opinar sobre a constitucionalidade das matérias que lhe forem submetidas
por deliberação do Plenário.
Conforme o artigo 257 desta norma regimental a qual se comenta, quando, na Comissão
de Constituição, Justiça e Cidadania, o relator se pronunciar pela inconstitucionalidade ou
injuridicidade da proposição, é permitida sua retirada, antes de proferido o parecer definitivo,
mediante requerimento ao Presidente da Comissão, que o deferindo encaminhará a matéria à
Mesa, por meio de ofício, a fim de ser arquivada.
38
Este regimento determina ainda, à luz do artigo 300, inciso XVIII, que uma proposta de
emenda à Constituição declarada inconstitucional pela comissão não será votada.
Consequências estas de grande relevância e que configuram um controle de
constitucionalidade na órbita da Casa Legislativa, um modo de controle preventivo, já que
exercido ainda na fase de tramitação do projeto.
Outra forma de controle de constitucionalidade preventivo que se encontra no
ordenamento jurídico brasileiro consiste no veto presidencial. A Constituição da Repúblicade
1988 estabelece em seu artigo 66, § 1.., que o Presidente da República pode vetar projeto de
lei que considerar inconstitucional. Este ato do Chefe do Executivo será apreciado pelo
Congresso Nacional e, uma vez mantido, o projeto de lei é tido como rejeitado e arquivado
(MENDES; COELHO; BRANCO, 2009, p. 921).O veto trata, portanto, de outro relevante
instrumento de controle de constitucionalidade exercido antes que eventual lei que ofenda a
Constituição entre em vigor.
Vislumbrou-se, pois, forma de controle operado pelos poderes Legislativo e Executivo.
Todavia, neste momento, é necessário abordar o controle de constitucionalidade exercido pelo
Poder Judiciário.
O controle exercido pelo órgão judicante se dá pela forma repressiva, visando atacar lei
ou ato normativo já em vigor. Na perspectiva das constituições nacionais, a de 1988 dá pleno
destaque ao instituto, consolidando duas formas: Concentrada e Difusa, representando grande
prosperidade do tema em âmbito constitucional.
Cumpre, pois, neste cenário, abordar as peculiaridades das formas de controle de
constitucionalidade, tratando não apenas das formas comissivas, mas das omissões como
sendo objeto de controle tanto na forma abstrata, quanto na difusa.
2.1.1 Controle concentrado de constitucionalidade
A via concentrada de controle constitucionalidade aprecia a compatibilidade de leis e
atos normativos com a constituição de forma genérica, sem explorar diretamente as
peculiaridades de cada caso. Em virtude disso é também chamada de controle abstrato de
constitucionalidade.
A modalidade concentrada se dá pela restrição (ou concentração) de legitimados e órgão
competente para julgar a questão ecabe tão somente ao guardião da Constituiçãoa missão de
avaliar as ações de controle de constitucionalidade pela via abstrata. Desta forma, o Supremo
Tribunal será competente para analisar originariamente as ações do controle concentrado.
39
Nota-se nesta via de controle uma delimitação de legitimados para a propositura das
ações. Os legitimados para a propositura das ações do controle abstrato de constitucionalidade
são os elencados no rol do artigo 103 da Constituição da República, com outorga
constitucional para propositura de Ação Direta de Inconstitucionalidade e Ação Declaratória
de Constitucionalidade.
Desta feita, são, pois, legitimados na via concentrada: o Presidente da República, o
Procurador-Geral da República, os Governadores dos Estados e do Distrito Federal, as mesas
do Senado Federal, da Câmara dos Deputados, das Assembleias Legislativas dos Estados e da
Câmara Legislativa do Distrito Federal, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do
Brasil, os Partidos políticos com representação no Congresso Nacional, a Confederação
Sindical e o Conselho de Classe de âmbito Nacional.
Dentre estes legitimados, cumpre destacar os que detêm legitimidade universal e os que
devem comprovar pertinência temática. “É evidente que a legitimidade não é a mesma para
todas as pessoas ou entidades previstas no rol do artigo 103” (STRECK, 2014, p. 693).
Alguns legitimados devem comprovar uma relação de nexo entre o assunto da norma a qual se
questiona a constitucionalidade e o interesse dos legitimados.
Deste modo, devem demonstrar o requisito da pertinência temática os Governadores de
Estado e Distrito Federal, as mesas das Assembleias Legislativas e Câmara Legislativa do
Distrito Federal, além de Entidade de classe e Confederação Sindical.
Deste modo, um Governador de Estado em que pese à legitimidade para propositura de
ações do controle concentrado só estaria legitimado para propor uma Ação Direta de
Inconstitucionalidade de Leis e atos normativos de interesse de seu respectivo Estado, o que
demonstra, pois, uma relação de pertinência entre o objeto da norma questionada e o interesse
do proponente da Ação de controle concentrado (STRECK, 2014, p. 693).
Do mesmo modo, a entidade de classe de âmbito nacional detém legitimidade para
propor Ação do Controle pela via abstrata cujo objeto atenda aos membros da respectiva
classe. O mesmo se dá com a confederação sindical.
Em outro prisma, alguns legitimados detém a chamada legitimidade Universal, na qual
não se exige demonstração de pertinência temática. Sãolegitimados universais à propositura
de Ações do controle concentrado o Presidente da República, o Procurador-Geral da
República, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e as mesas da Câmara dos
Deputados e do Senado Federal.
É Importante ressaltar que o Conselho Federal da OAB, embora o nome possa sugerir,
não representa apenas os Advogados, como se fosse uma entidade representativa desta classe.
40
Este Conselho Federal tem por competência o cumprimento efetivo das finalidades da
advocacia, que, por sua vez, visa defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado
democrático de direito, os direitos humanos, a justiça social, e pugnar pela boa aplicação das
leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições
jurídicas. Tal finalidade do Conselho federal da Ordem dos Advogados do Brasil a credencia
a possuir legitimidade universal para propositura das ações de controle concentrado.
Quanto aos efeitos de uma apreciação da Suprema Corte em sede de controle
concentrado de constitucionalidade temos que esta se reveste de efeitos erga omnes e com
efeitos vinculantes perante demais órgãos do poder judiciário. Ora, considerando essa
circunstância, e, ainda mais, que ditas sentenças têm eficácia extunc, do ponto de vista
material e erga omnes (ZAVASCKI, 2014, p. 51).
Esta esfera de controle não adquire caráter de “concentrada” apenas no que tange a
legitimados e casa julgadora competente. Os institutos jurisdicionais aptos a insurgir uma
inconstitucionalidade pela via abstrata diante da Suprema Corte também são restritos.
São ações apropriadas para perquirir a constitucionalidade ou não de lei ou ato
normativos: a Ação Direta de Inconstitucionalidade, a Ação Declaratória de
Constitucionalidade, a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão e a Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental.
Pretende esta pesquisa apontar as particularidades de cada uma destas ações, da mesma
maneira que se faz neste momento.
2.1.2 Ação Direta de Inconstitucionalidade
Dentre os mecanismos para assegurar a soberania da Constituição, a Ação Direta de
Inconstitucionalidade ganha destaque no texto constitucional, sendo considerada a principal
ação de controle abstrato de constitucionalidade (SARMENTO, 2015, p. 406). Esta ação tem
por propósito, diretamente, o reconhecimento de inconstitucionalidade, assim se trata de
controle principaliter tantum de constitucionalidade.
Pela via difusa, por outro lado, por se tratar de ações diversas com pedidos igualmente
variáveis, nos quais a declaração de inconstitucionalidade surge incidentalmente no curso do
processo, na ADI a inconstitucionalidade é a causa principal, é o próprio pedido
(SARMENTO, p. 411).
41
A Constituição da República estabelece ser competência originária do Supremo
Tribunal Federal processar e julgar a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato
normativo federal ou estadual.
Neste ponto, portanto, cabe frisar que, por expressa determinação constitucional, o
controle de constitucionalidade de atos normativos municipais está excluído da Ação Direta
de Inconstitucionalidade (SARMENTO, 2015, p. 409). Contudo, tais atos podem ser objeto de
Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental.
Ao voltar à atenção para o artigo 102 da Constituição Federal, que delineia o objeto da
Inconstitucionalidade pela via abstrata, é preciso frisar que “se entende lei em sentido amplo,
abrangendo todas as espécies primárias do artigo 59 da Constituição da República: emendas
constitucionais, leis complementares, leis ordinárias, leis delegadas, medidas provisórias,
decretos legislativos e resoluções” (SARMENTO, 2015, p. 407).
Assim, grande destaque é dedicado à possibilidade de Ação direita de
Inconstitucionalidade em face de Emendas constitucionais, ou direito constitucional
secundário (MENDES; COELHO; BRANCO, 1999, p. 1160), que são obras do Poder
Constituinte derivado que sobrevêm ao texto originário, sendo exatamente por esta
superposição ao texto originário que é admitida ADI de normas de status constitucional.
Seria absolutamente incoerente dizer que uma norma originária é inconstitucional em
face de outra. É possível exercer controle em face de emenda porque, nesse caso, a emenda
inicialmente está fora da Constituição, logo, é possível verificar a compatibilidade de emenda
com a Constituição (SARMENTO, 2015, p. 407).
A Ação Direta de Inconstitucionalidade exige, ainda, que seu objeto, lei ou ato
normativo, tenha sido publicado após a conclusão definitiva do processo legislativo, o que
exclui a possibilidade de propor ADI de caráter preventivo (MENDES; COELHO; BRANCO,
1999, p. 1166).
A ação em comento, por fazer parte da família do controle concentrado de
constitucionalidade, possui efeitos erga omnes e vinculantes. Assim, se declarada de forma
definitiva pelo Supremo Tribunal, é retirada sua validade prática de modo geral no arranjo
jurídico brasileiro.
42
2.1.3 Ação Declaratória de Constitucionalidade
Ao contrário da primeira ação, que ataca uma inconstitucionalidade o writ
constitucional em comento sustenta a validade da norma (SILVA, 2015, p. 62). Sendo
exatamente no motivo em que em reside a diferença entre esta ação constitucional e a Ação
Direta de Inconstitucionalidade.
A Ação Direta de Constitucionalidade é semelhante à Ação Direita de
Inconstitucionalidade no que diz respeito ao objeto, aos legitimados à propositura, à
competência para julgamento e aos efeitos das decisões. São, portanto, ações dúplices
idênticas, contudo, ambivalentes, com sinais trocados (SARMENTO, 2015, p. 291).
O objeto da Ação Declaratória de Constitucionalidade
segue o mesmo paradigma da ADI para o direito federal: lei ou ato normativo
federal autônomo (não – regulamentar) devidamente promulgado, ainda que não
esteja em vigor. Assim caberia ADC em face de emenda constitucional, lei
complementar, lei ordinária, medida provisória, decreto legislativos, tratado
internacional devidamente promulgado, decreto do Executivo de perfil autônomo,
resolução de órgão do Poder Judiciário, do Conselho Nacional de Justiça
(MESNDE; COELHO; BRANCO, 2009, p. 1184).
O instrumento legislativo uma vez em vigor goza de uma presunção de
constitucionalidade, presunção esta iuris tantum. A ADC, ao seu passo, busca constituir uma
presunção de constitucionalidade em sentido absoluto (SARMENTO, 2015, p. 292).
O fundamento para a interposição da ação constitucional em explicação surge quando,
pela via concreta, reiterada controvérsia acerca de sua constitucionalidade recai sobre
determinada lei ou ato normativo, abalando a dita presunção.
A controvérsia aqui debatida deve corroborar controvérsia jurídica relevante, capaz de
afetar a legitimidade da lei e, por conseguinte, a eficácia da decisão legislativa (MENDES;
COELHO; BRANCO, 2009, p. 1184). “Não comprovada esta controvérsia, nitidamente a
ação perde seu caráter de ser e assim, não reconhecida pelo Supremo” (SARMENTO, 2015,
p. 292).
Assim, não se demonstra admissível a propositura de ação declaratória de
constitucionalidade se não houver controvérsia ou dúvida relevante quanto à legitimidade da
norma. O manejo desta via objetiva provocar a Suprema Corte para que ponha termo à
controvérsia instaurada (MENDES; COELHO; BRANCO, 2009, p. 1182).
Trata-se, portanto, de uma ação que tem a característica de um meio paralisante de
debates em torno de questões jurídicas fundamentais de interesse coletivo. Terá como
43
pressuposto fático a existência de decisões de constitucionalidade em processos concretos
(SILVA, 2015, p. 58-59).
A Ação Declaratória de Constitucionalidade visa garantir a segurança jurídica que paira
sobre a presunção de legalidade e constitucionalidade de lei ou ato normativo, evitando
conflitantes decisões pela via difusa.
A decisão de procedência desta ação reforça a constitucionalidade da lei ou ato
normativo debatido. Decisão esta proveniente do controle abstrato e revestida de efeitos erga
omnes e vinculantes.
É preciso muito cuidado ao enfatizar que a rejeição da ação não importará
necessariamente em reconhecimento de inconstitucionalidade (SILVA, 2015, p. 59), que será
declarada em ação pertinente no próprio modelo concentrado ou pela via difusa.
A Ação Declaratória de Constitucionalidade se apresenta como importante instrumento
em defesa da ordem jurídica (SILVA, 2015, p. 61), apta a sanar controvérsias sobre a
constitucionalidade de lei ou ato normativo, concedendo sobre estes forçaconstitucionalizante
num relevante mecanismo de controle de constitucionalidade.
2.1.4 Inconstitucionalidade por omissão pela via concentrada
Dentre os instrumentos que visam garantir a Supremacia da Constituição e efetivação de
seus preceitos, imerso no sistema de controle de constitucionalidade pela via abstrata,
encontra-se a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão. Preliminarmente cumpre
evidenciar que não apenas condutas comissivas propriamente ditas são aptas a ofender a
Constituição. Omissões legislativas são igualmente danosas para o ordenamento
constitucional.
No caso de a Constituição assegurar um direito que para sua efetivação dependa de
regulamentação legislativa e esta atuação legiferante não sobrevenha por omissão do
legislador, “tal omissão se caracterizará como inconstitucional” (SILVA, 2015, p. 50).
Assim, é necessária adoção de mecanismos que busquem tornar efetiva a norma
constitucional que encontra certa omissão legislativa, que é objetivo da Ação Direta de
Inconstitucionalidade por Omissão (SARMENTO, 2015, p. 293).
Neste passo, há de se resguardar a Constituição, protegendo-a de inércia que a
contrarie.A Ação de Inconstitucionalidade por Omissão:
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(...) tem a função de compelir o Poder Executivo e instar o legislador a fazer aquilo
que, embora estipulado no texto da Constituição, não deseja fazer, de forma total ou
parcial. A ação declaratória de inconstitucionalidade por omissão visa proteger a
força normativa da Constituição, estabelecendo barreiras contra um não atuar que,
sendo produto de uma decisão política, tem consequências jurídicas (a
inconstitucionalidade) (STRECK, 2014, p. 891).
A omissão inconstitucional tutelada pela via abstrata abrange omissões normativas de
modo total e absoluto ou de modo parcial (SARMENTO, p. 2015, p. 293). Assim, não apenas
textos normativos completos estão sujeitos a controle, mas também trechos.
Em dado momento, chegou-se a entender que somente a total e absoluta ausência
legislativa daria azo à proposição a ADO, assim esta ação perderia o objeto se já houvesse o
encaminhamento de projeto de lei ao Congresso Nacional sobre a matéria omitida
(SARMENTO, 2015, p. 294).
Acontece que o projeto de lei em si não está apto a dar efetividade às normas
constitucionais. De quase nada adiantam projetos de lei acerca do conteúdo omisso tramitar
no Congresso se eles não forem aprovados e, efetivamente, não entrarem em vigência.
Assim, o objeto de tutela da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão não se
concentra apenas na total ausência legislativa. A demora a exercer função legiferante,
igualmente pode ser objeto desta via de controle.
A Suprema Corte, por oportunidade do julgamento da ADI n. 2495, possuía
entendimento de que uma vez iniciado o processo legislativo não havia como se cogitar
omissão legislativa. No entanto, a mora ao legislar, mesmo após iniciada o regular processo
legislativo, pode ser considerada como omissão inconstitucional e, portanto, objeto de ADO.
Assim:
Não temos dúvida, portanto em admitir que a inertiadeliberandidas Casas
legislativas pode ser objeto da ação direta de inconstitucionalidade por omissão.
Assim pode o Supremo Tribunal Federal reconhecer a mora do legislador em
deliberar sobre questão, declarando, assim, a inconstitucionalidade da omissão.
(MENDES; STRECK, 2013, p. 1418).
O objeto da ADO é amplo e por meio da atuação judicial pela via abstrata será possível
questionar a omissão total e/ou parcial de texto normativo, mesmo que ainda seja preciso
impugnar a mora legislativa.
Vale destacar que a sistemática constitucional brasileira já reconhece a omissão
inconstitucional por intermédio do Mandado de Injunção, que será estudado no tópico
subsequente. Conquanto, não há que se confundir este mandado com a inconstitucionalidade
por omissão que estamos a tratar.
45
Enquanto o mandado de injunção tem por objetivoviabilizar o exercício de um direito
fundamental que se encontra obstaculizado de exercício por falta de regulamentação
legislativa, a inconstitucionalidade por omissão visa promover a efetividade de norma
constitucional (STRECK, 2014, p. 886).
O Mandado Injuncional e Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão também se
distinguem quanto à forma de controle. Esta se caracteriza por ser uma ação do controle
concentrado, com restrição de legitimados. Aquele, em que pese à concentração de
competência para julgamento nas mãos da Suprema Corte, reflete uma ampla legitimidade
ativa, competindo a qualquer pessoa natural ou jurídica a titularidade da respectiva demanda.
A inconstitucionalidade por omissão e mandado de injunção, pelo menos a princípio,
são aptas a produzir efeitos distintos. Ao passo que a injunção produz efeitos inter partes, a
ADO proporciona impacto erga omnes.
De modo a modo, ambos os institutos configuram importantes remédios a fim buscar a
efetividade das normas constitucionais, pois todos almejam a efetividade de seus preceitos e
da supremacia da Carta política de 1988.
A tutela da omissão inconstitucional representa grande passo para o arranjo
constitucional brasileiro. É de significativa valia acentuar que a inconstitucionalidade por
omissão pela via abstrata adotada pelo direito brasileiro apresenta íntima inspiração com a
Constituição da República de Portugal, que destaca em seu artigo 283:
1. A requerimento do Presidente da República, do Provedor de Justiça ou, com
fundamento em violação de direitos das regiões autónomas, dos presidentes das
Assembleias Legislativas das regiões autónomas, o Tribunal Constitucional aprecia
e verifica o não cumprimento da Constituição por omissão das medidas legislativas
necessárias para tornar exequíveis as normas constitucionais.
2. Quando o Tribunal Constitucional verificar a existência de inconstitucionalidade
por omissão, dará disso conhecimento ao órgão legislativo competente.
Destaca-se que a Constituição da República do Brasil apresenta semelhança com a de
Portugal no que se refere à Casa julgadora, aos legitimados e, sobretudo, aos efeitos da
decisão que declara a inconstitucionalidade por omissão ao estabelecer que o Tribunal
Constitucional dê conhecimento ao órgão legislativo acerca da inoperância legislativa.
Em órbita brasileira é reconhecida a omissão legislativa por esta via abstrata de
controle. A Constituição da República de 1988, a teor do parágrafo segundo do artigo 103,
estabelece que o Pretório Excelso deva se limitar a cientificar o poder competente para adoção
das providências necessárias e, se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta
dias.
46
O julgamento da omissão inconstitucional proporciona uma decisão de natureza
declaratória (STRECK, 2014, p. 887). O Constituinte optou por não impor ao órgão omisso
prazos ou condições para sanar o oblívio inconstitucional, mantendo a separação dos poderes.
No entanto, os dispositivos aplicados na sentença não teriam validade se apenas atentassem à
ciência aos órgãos omissos (SARMENTO, 2015, p. 294).
Esta comunicação ao
Poder legislativo pode ser ineficaz, já que ele não está obrigado a legislar. Nos
termos estabelecidos, o princípio da discricionariedade do legislador continua
intacto, e está bem que assim esteja. Mas isso não impediria que a sentença que
reconhecesse a omissão inconstitucional já pudesse dispor normativamente sobre a
matéria até que a omissão legislativa fosse suprida. Com isso, conciliar-se-iam o
princípio político da autonomia do legislador e a exigência do efetivo cumprimento
das normas constitucionais (SILVA, 2015, p. 50-51).
Contudo, o posicionamento da Suprema Corte vem sofrendo transformações com o
avanço da orientação jurisprudencial. O STF tem admitido posição mais concretista no
julgamento da omissão inconstitucional, tanto pela via difusa, tanto na abstrata, ambas em
análise.
Pela via incidental, como se verifica adiante, no julgamento de Mandado de Injunção, a
Corte Suprema tem se posicionado para consubstancializar seus entendimentos, não se
limitando a tão somente reconhecer uma omissão inconstitucional e comunicação ao órgão
competente.
Pela via abstrata, na qual se concentra o estudo neste instante, a Corte tem reconhecido
uma postura que vai além da ciência ao órgão legiferante. Destarte, o Supremo entendeu no
julgamento da ADI 3682 ser plausível “indicar um prazo razoável para a atuação legislativa,
ressaltando as consequências desastrosas para a ordem jurídica da inatividade do legislador no
caso concreto” (MENDES; STRECK, 2013, p. 1420). Deste modo,a referida ADI 3682 foi:
(...) julgada procedente para declarar o estado de mora em que se encontra o
Congresso Nacional, a fim de que, em prazo razoável de 18 (dezoito) meses, adote
ele todas as providências legislativas necessárias ao cumprimento do dever
constitucional imposto pelo art. 18, § 4º, da Constituição, devendo ser contempladas
as situações imperfeitas decorrentes do estado de inconstitucionalidade gerado pela
omissão. (ADI 3682, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado
em 09/05/2007, DJe-096 DIVULG 05-09-2007 PUBLIC 06-09-2007 DJ 06-09-2007
PP-00037 EMENT VOL-02288-02 PP-00277 RTJ VOL-00202-02 PP-00583).
Nesta oportunidade, a Excelsa Corte considerou inconstitucional a inércia legislativa,
determinando ao Congresso Nacional prazo de 18 meses para adotar as medidas cabíveis a
fim de sanar omissão inconstitucional.
47
Destaque-se ainda que o STF possua precedentes importantes para fixar 24 meses como
prazo razoável com o escopo de extirpar a omissão inconstitucional do ordenamento pátrio,
assim: as ADIs 2240/BA, 3316/MT e 3489/SC (Relator Ministro Eros Grau, julgamento
09/05/2007) e ADI 3689/PA (Relator Ministro Eros Grau, julgamento 10/05/2007).
Neste contexto, a Suprema Corte brasileira tem adotado posicionamento diverso,
destacando-se pelo pensamento hodierno, a fim de assegurar efetividade em suas decisões e
sanar concretamente a omissão legislativa que afronta a Carta da República de 1988, adotando
a postura “arrojada” de ir além da mera ciência ao Órgão administrativo ou Poder competente
para tomar as medidas cabíveis e fixando prazo minimente razoável para que a omissão seja
sanada de plano.
2.1.5 Arguição de descumprimento de preceito fundamental
O texto Constitucional, na parte dedicada ao Supremo Tribunal Federal, rege que cabe a
esta Corte apreciar a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental. Esta
modalidade de arguição é uma forma de controle de constitucionalidade. Porém, ao revés da
Ação Direta de Inconstitucionalidade e Ação Declaratória de Constitucionalidade, não se
destina a reconhecer a (des) harmonia de uma lei ou ato normativo para a Constituição e
assim declará-lo.
O objeto desta esfera do controle de constitucionalidade se reúne no descumprimento de
preceitos fundamentais com o fito de garanti-los. Certamente a conceituação de preceito
fundamental se torna uma tarefa complicada e nem seria o objetivo desta pesquisa tentar fazê-
la de forma precisa.
Primeiramente, ressaltamos que “nem toda norma constitucional é um preceito
fundamental. Logo, não é qualquer norma formalmente constitucional que servirá de
parâmetro para a ADPF” (SARMENTO, 2015, p. 421).
Registre-se, por relevante, que o dispositivo que regula a arguição de descumprimento é
específico ao falar da violação (descumprimento) de preceitos fundamentais, ao passo que a
ação direta de inconstitucionalidade e a declaratória de constitucionalidade se referem às
violações genéricas do sistema (STRECK, 2014, p. 923).
Assim, o campo de abrangência da ADPF é mais afunilado, visto que além de tratar
especificamente de preceito fundamental, este deve estar em conflito com um
descumprimento. Numa comparação com as outras ações do controle abstrato de
48
constitucionalidade, é certo que a arguição em estudo apresenta objeto mais restrito, pois,
enquanto naquelas
pode-se impugnar lei ou ato normativo em face da Constituição Federal como um
todo considerando todas as normas formalmente constitucionais integrantes do bloco
de constitucionalidade. Na ADPF, por seu turno, será possível arguir sobre o
descumprimento de lei ou ato normativo apenas de “preceito fundamental”, parte
menor contida no todo das normas constitucionais (SARMENTO, 2015, 421).
Este instrumento, portanto, visa tutelar particularmente preceitos fundamentais que são
mais específicos que o gênero das normas constitucionais. Por outro lado, em comparação
com as ações do controle abstrato de constitucionalidade, a arguição em apreciação engloba
maior leque de atos do poder público sob tutela, desde que claramente revestido de
fundamentalidade.
Assim, qualquer ato do poder público, inclusive com natureza não legislativa, pode ser
objeto de ADPF (SARMENTO, 2015, p.423). A Ação Direta de Inconstitucionalidade e Ação
Declaratória de Constitucionalidade, ao contrário, apreciam tão somente lei ou atos
normativos em face da Constituição, estando estabelecido no próprio texto constitucional, no
artigo 103, §3.
Dentre atos do Poder Público em tutela de ADPF, destacam-se decisões judiciais que
são inadmitidas em ADI e ADC. Porém, súmula vinculante não pode ser objeto de ADPF
(SARMENTO, 2015, p. 425-427), pois, para questionar este ato vinculante do Poder
Judiciário, existe procedimento próprio, tal como revisão e cancelamento de súmula ou
mesmo reclamação constitucional.
Além de atos de natureza não legislativa, a Arguição de descumprimento se destaca por
abranger dois importantes institutos legislativos não tutelados por ADC e ADI: atos
legislativos municipais em face da Constituição da República e instrumentos legislativos
anteriores a 1988, data da promulgação da Carta política vigente.
A apreciação de legislação municipal em face da Constituição da República de 1988 se
dava pela via incidental, a qual chegava ao Supremo através de Recurso Extraordinário. Com
a regulamentação de ADPF é possível que se apresente arguição de descumprimento com
pretensão de ver declarada a constitucionalidade de lei estadual ou municipal que tenha
legitimidade questionada nas instâncias inferiores (MENDES; COELHO; BRANCO, 2009, p.
1206).
Além de normas municipais, caberá ADPF de normas anteriores à Constituição
(SARMENTO, 2015, p. 428). Esta possibilidade trazida pela Lei que regulamenta a arguição
de descumprimento “vem colmatar uma lacuna importante no sistema constitucional
49
brasileiro, permitindo que controvérsias relevantes afetas ao direito pré-constitucional sejam
solvidas pelo STF com eficácia geral e efeito vinculante no âmbito de um processo objetivo”
(MENDES; COELHO; BRANCO, 2009, p. 1209).
Aborda-se até aqui os elementos fundamentais que são objetos de preceito.Mas, afinal,
quais seriam as normas constitucionais revestidas de caráter de preceito fundamental, cujo
descumprimento serve de motivação para interposição da Arguição em estudo?
A atribuição de sentido para conceituação apresenta dificuldade de cunho hermenêutico
(STRECK, 2014, p.922). Contudo, sem se limitar a uma conceituação cerrada, é possível
chegar a um sentido do que sejam os ditos e repetidos preceitos fundamentais.
Não há dúvida de que alguns desses preceitos estão enunciados, de forma explícita no
texto constitucional. Deste modo, não se pode negar a qualidade de preceito fundamental aos
direitos e garantias individuais, traçadas no artigo 5. da Constituição da República. Destarte,
“não se poderá deixar de conferir esta qualificação a demais princípios protegidos por
cláusula pétrea, tais como, a forma federativa do Estado, a separação dos poderes e o voto
direto, secreto, universal e periódico” (MENDES; COELHO; BRANCO, 2009, p. 1216-
1217).
Dessa maneira, como visto, a Arguição de descumprimento protege preceitos
fundamentais não tutelados por ADI ou ADC. A Arguição age como instrumento
complementar ao controle abstrato na finalidade de proporcionar mais plenitude eficácia aos
ditames constitucionais.
A Lei n. 9.882/1999, que regulamenta a Arguição de Descumprimento de Preceito
Fundamental estabelece que esta não seja admitida quando houver qualquer outro meio eficaz
de sanar a lesividade. Trata-se, portanto, de ação subsidiária.
Não se trata, contudo, da simples existência de outro meio processual. Para que se
elimine a ADPF é necessário meio eficaz. Quando se fala em outro meio igualmente eficaz,
geralmente se fala praticamente da possibilidade de ADI ou ADC. Quer dizer, via de regra,
que o meio para ser igualmente eficaz, tem que ser também uma ação de controle
concentrado, que produza efeitos erga omnes e vinculantes (SARMENTO, 2015, 424).
A subsidiariedade de que trata a Arguição em estudo não significa um esgotamento de
instâncias ou recursos de modo que este remédio constitucional chegue para apreciação do
STF apenas excepcionalmente.
A determinação constitucional insurge que, verificando meio apto para solver a
controvérsia constitucional relevante de forma ampla, geral e imediata, há de se entender
possível a utilização de ADPF (STRECK, 2014, p. 908). Assim sendo “cabível a ação direta
50
de inconstitucionalidade ou de constitucionalidade, não será admissível a arguição de
descumprimento (MENDES; COELHO, BRANCO, 2009, p. 1205)”. A ADPF é um remédio
supletivo para os casos emque não caiba ação direta de inconstitucionalidade (STRECK,
2014, p. 906).
A existência de ações ou de outros recursos processuais pela via ordinária não poderá
servir de óbice à formulação da arguição de descumprimento (MENDES; COELHO;
BRANCO, 2009, p. 1207), uma vez que a via ordinária, na maior parte dos casos, produz
efeitos individuais.Logo, ela não pode ser apta a barrar a interposição da arguição de
descumprimento, que produz efeitos erga omnes e vinculantes.
A Arguição de descumprimento, no que tange ao objeto se demonstra mais restrita do
que ADI e ADC, agindo como ação complementar e subsidiária. Noutro plano, esta arguição,
pode apresentar semelhanças e outrora diferenças com as ditas ações.
Em relaçãoà legitimidade, aplicam-se aqui, fundamentalmente, as orientações
desenvolvidas a propósito da ação direta de inconstitucionalidade (MENDES; COELHO;
BRANCO, 2009, p. 1201). Assim, os legitimados estão previstos no rol do artigo 103 da
Constituição da República de 1988.
Aqui há uma concentração dos legitimados tipicamente do controle abstrato,
apresentando semelhança com as ações Direta de Inconstitucionalidade e Declaratória de
Constitucionalidade.
A Arguição de descumprimento apresenta semelhança às ações Direta de
Inconstitucionalidade e Declaratória de Constitucionalidade no que toca aos legitimados e
produção de efeitos, visto que esta arguição opera efeitos erga omnes e vinculantes. Por outro
lado, um ponto controvertido entre estes remédios constitucionais há de ser destacado: a
natureza da decisão.
Noutro plano, enquanto na ADI e ADC, as decisões produzem efeitos declaratórios, na
ADPF, a decisão da Suprema Corte produz efeitos de modo a buscar a concretização de
efeitos. A Lei n. 9882/1999, no artigo 10, estabelece que julgada a ação, far-se-á comunicação
às autoridades ou órgãos responsáveis pela prática dos atos questionados, fixando as
condições e o modo de interpretação e aplicação do preceito fundamental.
É cabível destacar, neste momento, que a decisão do Supremo na Arguição de
descumprimento vai além da declaração de constitucionalidade ou não de determinado objeto
político. A questão adere uma postura proativa para a Corte que, diante de uma violação a
preceito fundamental, se encarrega de criar condições de aplicação e modo de interpretação
das normas constitucionais.
51
Tal determinação legal apresenta questionamentos, pois, “não caberia ao Supremo
Tribunal Federal funcionar como legislador, fixando as condições em que o preceito
fundamental deverá ser cumprido, nem tampouco lhe cabe fixar o modo como este deve ser
interpretado e como deve ser aplicado” (STRECK, 2014, p. 917).
Certamente esta postura da Suprema Corte em assumir o protagonismo e fixar diretrizes
de aplicação do preceito fundamental e como este deve ser aplicado gera certo conflito,
tangencialmente ao poderio legislativo adotado por esta casa julgadora.
O STF, como será abordado no decorrer desta pesquisa, tem admitido postura mais
arrojada, de modo a proporcionar a concretização de direitos fundamentais, não se limitando a
reconhecer o status de violação ou descumprimento de normas constitucionais. A quase
interminável discussão entre a relação de tal postura da Corte e a separação dos poderes,
recorrente neste trabalho, ganha mais um contorno.
Contudo, em meio a esta emblemática proposta de conflituosas posições, a Arguição de
Descumprimento emerge como remédio apto a garantir mais ainda a Supremacia da
Constituição e dos preceitos a ela inerentes.
2.2 Controle difuso de constitucionalidade
A Carta Magna da República de 1988 proporcionou passo importante para a
democratização das formas de controle de constitucionalidade. No campo de controle
concentrado ela ampliou o rol de legitimados outrora restrito ao Procurador Geral da
República de modo a oportunizar maior gama de assuntos sob tutela de controle, no objetivo
de facilitar e majorar meios a fim de obter a supremacia da Constituição. O princípio da
supremacia requer que todas as situações jurídicas se conformem com os princípios e
preceitos da Constituição (SILVA, 2015, p. 48).
No entanto, mesmo tendo admitido maior alcance, o direito de controlar a Constituição
ainda permanece limitado, restringindo o poder de controlar ofensas à Constituição a apenas
algumas figuras. Sendo assimé pertinente ressaltar o advento da forma incidental de controle,
na qual há uma irrestrita legitimação para questionar a constitucionalidade ou não de lei ou
ato normativo.
A via difusa de controle de constitucionalidade proporciona ao cidadão ver seu direito
de supremacia da Constituição plenamente assegurado, sendo o próprio cidadão o legitimado,
uma vez que o poder emana do povo.
52
Destarte, sendo o povo titular do poder democrático, a ele também deve competir
controlar o excesso do exercício do poder por ele mesmo outorgado. Se o poder emana do
povo, a ele também compete controlá-lo. Assim, o controle difuso de constitucionalidade é
uma importante ferramenta democrática. Do mesmo modo, o direito de ação para controlar a
Constituição deve ser amplo, valorizando o princípio da soberania popular, que consiste:
em essencialmente no poder constituinte do povo. Os poderes criados pela
constituição são poderes múltiplos e divididos, mas todos, sem distinção, são uma
emanação da vontade geral, todos vêm do povo, isto é, da Nação. E se o povo delega
certas partes de seu poder às diversas autoridades constituinte, ele conserva no
entanto, o poder constituinte (CANOTILHO, 1993, p. 94).
Como elemento democratizante, o direito de questionar a constitucionalidade de lei ou
ato normativo pela via difusa admite uma multiplicidade de vias eleitas para apreciar o
controle.
Ao passo que nas vias de controle concentrado somente são admitidas ações específicas
e com finalidade única de controle, difusamente é aceito o controle por diversos meios
processuais cuja questão acerca da inconstitucionalidade da norma não integre o objeto da lide
(SARMENTO, 2015, p. 231). Em outras palavras, quando no curso de uma ação cujo objetivo
protagonista não se resuma à constatação de constitucionalidade de lei, esta pode ser
questionada em segundo plano, como um pleito incidental. Daí o motivo da nomenclatura
controle incidental de constitucionalidade.
Por esta via de controle, exemplificativamente, uma ação de restituição de crédito
tributário, em que o objeto principal da ação é o reembolso de tributo indevidamente pago,
pode, incidentalmente, questionar a constitucionalidade do tributo. A instituição das garantias
constitucionais do habeas corpus e do mandado de segurança individual e coletivo ampliou,
significativamente, a via de defesa ou de exceção contra ato ou omissão inconstitucional
(MENDES; COELHO; BRANCO, 2009, p. 1114).
Assim, no controle pela via difusa:
a inconstitucionalidade do acto normativo só pode ser invocada no decurso de uma
ação submetida à apreciação dos tribunais. A questão da inconstitucionalidade é
levantada, por via de incidente, por ocasião e no decurso de um processo comum
(civil, penal, administrativo ou outro), e é discutida na medida em que seja relevante
para a solução do caso concreto. Este controlo chama-se controlo por via de
excepção, porque “a inconstitucionalidade não se deduz como alvo da acção, mas
apenas como subsídio da justificação do direito, cuja reivindicação se discute
(CANOTILHO, 2003, p. 899).
Como reflexo da diversidade de ações, há também pluralidade de casas julgadoras
competentes para apreciar a questão. Enquanto que na via concentrada de controle a Casa
53
competente se resume ao Supremo Tribunal Federal pela via difusa, demais órgãos do
judiciário são competentes. O judicante legítimo a apreciar a questão principal é competente
para, incidentalmente, analisar acerca de constitucionalidade.
Deste modo, com pluralidade de legitimados e casas julgadoras, por meio do controle
incidental, o direito de ação relativo à constitucionalidade fica mais acessível ao cidadão,
titular do poder. O Controle exercido pela via difusa, também chamado de controle concreto,
ao julgar a constitucionalidade, é analisado o caso in concreto de cada legitimado em cada
órgão julgador.
Além dos legitimados, casa julgadora e ações competentes para apreciar
constitucionalidade de lei ou ato normativo, os modelos de controle concentrado e difuso
apresentam resultados diametralmente opostos. Pela via concentrada o resultado da análise de
constitucionalidade proporciona efeitos gerais e vinculantes.
as sentenças de mérito proferidas nas ações de controle concentrado de
constitucionalidade têm não apenas a eficácia direta de tutelar a ordem jurídica, mas
também, indiretamente, a de autorizar ou desautorizar a incidência da norma, objeto
da ação, sobre os fatos jurídicos, confirmando ou negando a existência dos direitos
subjetivos individuais (ZAVASCKI, 2014, p. 51).
Assim, as decisões proferidas naquelas ações de controle concentrado são revestidas de
eficácia erga omnes, significando que a declaração de constitucionalidade ou
inconstitucionalidade da lei se estende a todos os feitos em andamento, paralisando-os com o
desfazimento dos efeitos das decisões neles proferidas no primeiro caso ou com a
confirmação desses efeitos no segundo caso (SILVA, 2015, p. 62).
Em outro compasso, no controle pela via difusa, como o monitoramento constitucional
é exercido concretamente por envolver uma controvérsia real entre as partes (SARMENTO,
2015, p. 233) a regra é que o resultado da apreciação de constitucionalidade produza efeitos
tão somente entre as partes do processo.
No entanto, com decisão definitiva de inconstitucionalidade proferida pela Suprema
Corte, esta Casa comunica o Senado Federal, que nos termos do artigo 52, inciso X da
Constituição da República de 1988, edita uma resolução a fim de suspender a execução do
verbete normativo declarado inconstitucional. Para que a decisão em controle difuso gere
efeitos erga omnes, há necessidade do concurso do Senado Federal (SARMENTO, 2015, p.
231).
Trata-se, pois, do efeito rotineiro do controle de constitucionalidade.Contudo, a
expansão de efeitos em caso de inconstitucionalidade tem sido admitida e será apreciada no
decorrer desta pesquisa.
54
2.3 Os efeitos do mandado de injunção como instrumento de controle difuso de
constitucionalidade
Após análise acerca do histórico do controle de constitucionalidade nas constituições
brasileiras, com foco na Carta da República vigente, é proposto um estudo sobre o Mandado
de Injunção, instituto inovador na órbita constitucional pátria em consonância com a
efetividade de direitos fundamentais.
Estabelece a Constituição da República de 1988, no inciso LXXI do artigo 5., que será
concedido mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável
o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à
nacionalidade, à soberania e à cidadania. Depara-se, pois, com mais um remédio apto a fim
vangloriar os preceitos constitucionais.
O ordenamento constitucional vigente, consagrando o princípio da inafastabilidade da
jurisdição, já aborda que lesão ou ameaça a direitos serão objeto de apreciação do Poder
Judiciário, com o fito de garanti-los.
Tal preceito, que garante o direito de ação, já figura nos textos constitucionais pátrios
desde a Carta de 1946, que trazia nas linhas do seu artigo 141,§4.que “a lei não poderá excluir
da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão de direito individual”. A Constituição de
1967 (art. 150, §4.) e a Emenda Constitucional de 1969 (art. 153, §4.), mantiveram o
dispositivo.
O direito de ação, contudo, coloca o Poder Judiciário à disposição de pessoa que tenha
sofrido lesão ou ameaça a um direito já regulamentado por atividade legislativa. Não obstante,
o princípio da inafastabilidade da jurisdição não possui o condão de assegurar a efetividade de
direitos não legalmente constituídos. É válido mencionar que ninguém é obrigado a fazer ou
deixar de fazer algo senão em virtude de lei, preceito valorizado no artigo 5., II da
Constituição da República.
Por oportuno, se ninguém pode ser compelido a fazer algo a não ser por recomendação
legal, à luz do princípio da legalidade, não caberia ao Judiciário impor a alguém, a satisfação
de um direito que, embora previsto na Constituição, não esteja formalmente regulamentado
em lei.
A partir daí surgem dois questionamentos: Em caso de inoperância legislativa, o titular
de um direito lesado não teria a quem socorrer? O controle de constitucionalidade abarcaria
tão somente atos comissivos, não sendo instrumento hábil a apreciar omissões da lei?
55
Há de se ressaltar que a inércia legislativa, sobretudo, quando desta decorre o impedimento ao
exercício a direito constitucionalmente previsto, configura uma afronta à Constituição,
devendo, pois, ser objeto de apreciação do Poder Judiciário em sede de controle.
E neste contexto a Constituição da República de 1988 ataca inércia legislativa via Ação
declaratória de Inconstitucionalidade por Omissão e por meio de Mandado de Injunção,
representando uma inovação no instituto do controle de constitucionalidade com o objetivo de
conferir maior efetividade às normas constitucionais.
Apesar de a previsão constitucional de que as normas definidoras dos direitos e
garantias fundamentais terem aplicação imediata o exercício dos direitos nestas normas
insculpidos, não são autoexecutáveis e de pleno exercício, dependendo muitos de
regulamentação legal.
Caso ocorra inoperância legislativa, o exercício pleno de direitos assegurados
constitucionalmente fica comprometido. O cidadão não pode ter o gozo de um direito tolhido
em face de inércia legislativa, tampouco, cabe a este ficar desamparado simplesmente
esperando o tramite de um processo legislativo, que pode sequer se iniciar, para que, enfim,
possa gozar de direito já lhe assegurado constitucionalmente.
Deste modo, é importante que não somente a lesão ou ameaça àdireitos mereça
resguardo na lei e perante o Poder Judiciário. A conduta omissa da legislação configura
igualmente lesão ou ameaça a direitos e, por oportuno, a atuação do Poder Judiciário é vinda
de formar a harmonizar a Constituição, os direitos nela previstos e os três Poderes do Estado.
A injunção, como medida excepcional, visa ser mais um elemento a tornar a
Constituição eficaz, tornando seus preceitos suficientes a produzir efeitos. Assim, reforça-se
destaque ao Mandado de Injunção cujo objetivo “é realizar, na sua plenitude, a vontade do
constituinte” (TEMER, 2015, p. 51), tendo sido este remédio constitucional festejado como
importante instituto para fazer valer os direitos previstos na Constituição (STRECK, 2014, p.
884).
Com o writinjuncional, os preceitos que demandarem regulamentação legislativa ou
aqueles simplesmente programáticos não deixarão de ser invocáveis e exequíveis em razão de
inércia do legislador, que, ao se omitir, inviabiliza a vontade do constituinte. Deste modo e
com esta forma de controle por omissão se almeja que nenhuma norma constitucional deixará
de alcançar eficácia plena (TEMER, 1996, p. 51).
Além de tutelar a omissão legislativa e criar meios a conceder mais efetividade à
Constituição, o Mandado de injunção ganha outro relevante destaque democrático: conferir
ampla legitimidade ativa à população para buscar a concretização de um direito que lhe foi
56
garantido constitucionalmente, uma vez que a omissão inconstitucional é tratada via controle
abstrato, limitando, por conseguinte, os legitimados ativos ao rol taxativo previsto no artigo
103 da Constituição da República de 1988.
A Lei n. 13.300 de 23 de junho de 2016, que se propôs a regulamentar o Mando de
Injunção, traz que as pessoas naturais ou jurídicas titulares de direitos, liberdades, e
prerrogativas, cujo exercício seja obstaculizado por ausência de regulamentação legislativa
sejam legitimadas a impetrar com a referida ação constitucional.
A Legislação trouxeampla legitimidade ativa, incluindo pessoas jurídicas no rol de
legitimados. Outro ponto acerca da legitimidade ativa para o writinjuncional, que merece
destaque na Lei, trata-se da possibilidade de Mandado de Injunção coletivo, que amplia ainda
mais a possibilidade de legitimados ativos.
À luz da Lei n. 13.300 de 2016 o Ministério Público possui legitimidade ativa na defesa
da ordem jurídica, do regime democrático ou dos interesses sociais ou individuais
indisponíveis. A Defensoria Pública atua como Impetrante quando a tutela requerida for
especialmente relevante para a promoção dos direitos humanos e a defesa dos direitos
individuais e coletivos dos necessitados.
A Defensoria Pública e o Ministério Público, como instituições essenciais à justiça que
são, com função constitucional de garantia do regime democrático, promoção dos direitos
humanos e defesa dos direitos coletivos, possuem ampla legitimidade no que tange matéria
discutida em sede de Mandado de Injunção.
Por outro lado, demais legitimados à propositura do writinjuncional coletivo, tais como
partido político com representação no Congresso Nacional, organização sindical, entidade de
classe e associações legalmente constituídas e em funcionamento há pelo menos um ano,
devem manter pertinência temática entre suas finalidades institucionais e a matéria omissa à
qual se pleiteia a injunção.
Há de se reforçarque a legislação a regulamentar o Mandado de Injunção conferiu
ampla legitimidade ativa para a propositura deste remédio, positivando em seu texto a pessoa
física e jurídica na qualidade de autores. Sobretudo, confere destaque ao Ministério Público e
Defensoria Pública a Autoria da injunção coletiva.
De fato, o titular do direito, sobretudo numa República democrática, deve possuir meios
de defendê-lo. Embora não se registre em sede injuncional uma pluralidade judicial
competente para sua apreciação, tal instituto constitui meio de controle concreto (SARLET,
STRECK, 2013, p, 482).
57
A competência para apreciação do Mandado de Injunção, apesar de não ser restrita
exclusivamente ao Supremo Tribunal Federal, tal como se dá nas ações do controle
concentrado, não se configura ampla como nas demais vias de controle difuso. Quando a
elaboração da norma regulamentadora for atribuição do Presidente da República, do
Congresso Nacional, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, das Mesas de uma dessas
Casas Legislativas, do Tribunal de Contas da União, de um dos Tribunais Superiores, ou do
próprio Supremo Tribunal Federal, a competência originária para processar e julgar o
Mandado de Injunção será do Supremo Tribunal Federal. Além da competência originária,
cabe à Corte Suprema julgar em recurso ordinário o mandado de injunção decididos em única
instância pelos Tribunais Superiores, se denegatória a decisão.
A Constituição da República fixa ser o Superior Tribunal de Justiça competente para
processar e julgar originariamente o Mandado de Injunção quando a elaboração da norma
regulamentadora for atribuição de órgão, entidade ou autoridade federal, da administração
direta ou indireta, com exceção dos casos de competência do Supremo Tribunal Federal e dos
órgãos da Justiça Militar, da Justiça Eleitoral, da Justiça do Trabalho e da Justiça Federal.
Destaque-se, pois, que os tribunais superiores possuem competência para apreciar o
Mandado de Injunção quando a matéria mantiver pertinência. Assim, vale ressaltar que:
A competência para o Mandado de Injunção se correlaciona com a partilha
constitucional da jurisdição: matéria penal, o mandado de injunção é de competência
do Superior Tribunal Militar; matéria eleitoral, do Tribunal Eleitoral, matéria
trabalhista, do TST (PASSOS, 1989, p. 114).
A Constituição do Estado Minas Gerais, no bojo do artigo 106, inciso I, “f” trata ser de
competência do Tribunal de Justiça processar e julgar o Mandado de Injunção quando a
elaboração da norma regulamentadora for atribuição de órgão, de entidade ou de autoridade
estadual da administração direta ou indireta.
A questão da competência do Tribunal de Justiça de Minas Gerais para apreciar a
Injunção é ainda tratada no artigo 33, inciso I, “e” do Regimento Interno deste Tribunal,
quando a elaboração da norma regulamentadora for atribuição do Governador do Estado, da
Assembleia Legislativa ou de sua Mesa, do Tribunal de Justiça, do Tribunal de Justiça Militar
ou do Tribunal de Contas do Estado.
O parágrafo único do artigo 113 da Constituição de Minas Gerais ainda trata ser de
competência do Juiz de Direito o julgamento de Injunção quando a norma regulamentadora
for atribuição do Prefeito, da Câmara Municipal ou de sua Mesa Diretora, ou de autarquia ou
fundação pública municipal.
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Confere-se, dessa forma, não ilimitada, mas ampla competência para julgamento em
Mandado de Injunção. Contudo, análise do caso in concreto, com efeitos atrelados às partes,
aliado à ampla legitimidade ativa, dá ao Mandado de Injunção ares de controle de
constitucionalidade por omissão pela via incidental.
Além disso, é justamente na forma de controle (concentrado e difuso) que reside um dos
pontos que diferencia a Ação de Inconstitucionalidade por Omissão do Mandado de Injunção.
Desse modo, destaca-se que:
na ação de inconstitucionalidade por omissão, que se inscreve no contencioso
jurisdicional abstrato, de competência exclusiva do STF, a matéria é versada apenas
em abstrato e, declarada a inconstitucionalidade por omissão, será dada ciência ao
Poder competente para adoção das providências necessárias e, em se tratando de
órgão adminstrativo, para fazê-lo no prazo de 30 dias (CF, art. 103, § 2). No
mandado de injunção, reconhecendo o juiz ou tribunal que o direito que a
Constituição concede é ineficaz ou inviável em razão da ausência de norma
infraconstitucional, fará ele, juiz ou tribunal, por força do próprio mandado de
injunção, a integração do direito à ordem jurídica, assim tornado-o eficaz e
exercitável (VELLOSO apud BARROSO 1993, p. 4).
Além da forma de controle de constitucionalidade, um abstrato, outro concreto, o objeto
da ação também difere a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão e o Mandado de
Injunção, embora ambos tratem da omissão inconstitucional.
A modalidade de controle da omissão pela via concentrada, já abordada, trata da
omissão no que concerne à medida para tornar norma constitucional efetiva. A proposta do
mandado de injunção, modalidade difusa de controle, é assegurar o exercício dos direitos e
liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à
cidadania. O que se objetiva em sede injuncional é garantir ao titular de um direito que,
“contemplado na Constituição, não lhe é deferido por quem de direito por falta de uma norma
regulamentadora que torne viável o exercício do aludido direito”. (BASTOS 1988-1989, p.
357).
Acerca do objeto do mandado injuncional, basta enfatizar que não é a simplesmente
afalta de norma que autoriza o mandado de injunção, mas, sim a falta de norma necessária à
operabilidade de comando constitucional. É preciso, portanto, a ocorrência de lacuna,
entendida como a ausência de norma necessária (SUNDFELD, 2011, p. 583). Se exige, pois,
“nexo de causalidade entre a omissão normativa do poder público e a inviabilidade do
exercício do direito” (SARLET; STRECK, 2013, p, 482).
No que tange aos direitos e liberdades constitucionais que podem ser tutelados por
Mandado de Injunção, reforça-se que estes não estão restritos ao título II do texto
Constitucional - Dos Direitos e Garantias Fundamentais – toda e qualquer norma de garantia
59
constitucional poderá oportunizar o instrumento injuncional (SARLET; STRECK, 2013, p.
483).
Se por um lado o objeto do mandado de injunção parece ser bem delimitado, o mesmo
não se dá com a natureza da decisão e seus efeitos em caso de procedência da injunção, sendo
reconhecido que a falta de norma regulamentadora, de fato, torna inviável o exercício de
direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania
e à cidadania.
A decisão que julga procedente o Mandado de Injunção teria natureza mandamental ou
declaratória, tal como acontece em sede da ação por omissão pela via abstrata de controle de
constitucionalidade? Por outro lado, a decisão proferida neste writ constitucional teria o poder
para, por si só, garantir, de fato, a plena efetividade dos direitos outrora obstaculizados por
omissão legislativa?
Uma vez reconhecido a mora ou inércia do Poder Legislativo para editar norma apta a
regulamentar direito previsto em sede constitucional, a decisão do Supremo Tribunal Federal
teria força para impor a Casa legiferante editar ato normativo para suprir a ausência
inconstitucional ou a decisão judicial serviria para reconhecer a ausência de normatividade e
comunicar ou recomendar o poder competente para a edição da norma? Propusemos, pois, a
análise de tais questões.
Cumpre destacar que a decisão proferida em sede injuncional possui caráter obrigatório
ou mandamental (MEIRELLES, 2006, p. 283). Ademais, lição extraída da própria
nomenclatura do remédio constitucional estudado.
A sentença mandamental, por sua natureza, possui características que extrapolam o
reconhecimento de fatos tais como na sentença tipicamente declaratória. Nas decisões
mandamentais, “o juiz não constitui: manda” (PONTES DE MIRANDA, 1998, p. 224). “A
ação mandamental prende-se a atos que o juiz ou outra deve mandar que se pratique. O Juiz
expede o mandado, porque o autor tem a pretensão ao mandamento e, exercendo a pretensão à
tutela jurídica” (PONTES DE MIRANDA, 1998, p. 135).
Há de se salientar que não se trata a injunção de ação declaratória, nem mesmo ação
cognitiva (BARROSO, 1993. p. 11). O efeito principal da sentença no mandado de injunção é
assegurar o exercício do direito subjetivo, cuja fruição seja obstaculizada pela ausência de
regulamentação.
Na ação declaratória, por sua vez, o ato do juiz é dizer do ser ou não ser da relação
jurídica de modo a tornar claro, iluminar o recanto do mundo jurídico para ver se é, ou se não
é, a relação jurídica de que se trata. A prestação jurisprudencial nesta via declaratória consiste
60
na simples clarificação. (PONTES DE MIRANDA, 1998, p. 132). Nas ações declaratórias há
o interesse em deixar claro se existe ou não existe uma relação jurídica sem que tenha como
efeito principal constituir, ou desconstituir, ou condenar, ou mandar, ou executar (PONTES
DE MIRANDA, 1971, p. 3).
O writinjuncional possui, portanto, o condão para, além de declarar a omissão, expedir
mandado destinado ao órgão legislativo omisso. Sim, a injunção, ainda que não seja a
principal, possui carga declarativa. Resta frisar que “não há ação mandamental pura. A
sentença, que ela pede, é sentença que mais mande do que declare” (PONTES DE
MIRANDA, 1998, p. 138-139).
O remédio injuncional, contudo, é e deve ser tido como medida excepcional a
salvaguardar os preceitos constitucionais. Assim, “a injunção é sempre supletiva, ou seja, só é
concedida quando não existe em lei um remédio adequado para a proteção dos direitos do
cidadão” (SARLET; STRECK, 2013, p. 480).
Até mesmo em virtude do caráter supletivo e, com a real finalidade de dar efetividade a
direito previsto constitucionalmente, porém, não regulamentado, admite-se a atuação do
judiciário, de forma a complementar a atuação do Poder legiferante até então omisso. Dessa
maneira não há que se admitir que o Mandado de Injunção se destine
à obtenção de uma decisão que recomende ou ordene ao órgão ou autoridade
omissos que expeçam a norma regulamentadora do dispositivo constitucional.
Recomendação dessa natureza é objeto da ação de inconstitucionalidade por
omissão, que constitui instituto diverso. (BARROSO, 1993, p. 13).
O objeto do Mandado de Injunção – tornar viável o exercício dos direitos e liberdades
constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania –
exige uma conduta cautelosamente mais atuante do judiciário que a recomendação ao Poder
competente a legislar.
O objeto do Mandado de Injunção é a tutela efetiva de direitos e, ante ao caráter
supletivo e complementar da causa, a injunção mereceria tratamento excepcional, qual seja:
que o Judiciário supra a falta de regulamentação, criando a norma para o caso concreto, com
efeitos limitados às partes do processo (BARROSO, 1993, p.13).
Há de se ponderar, contudo, os reflexos que a ordem judicial estaria a impactar no
ordenamento jurídico.Uma vez reconhecida a inércia legislativa, o mandado proveniente do
julgamento da Injunção destinar-se-á ao Poder Legislativo, para que adote as medidas
necessárias a fazer suprir a lacuna legal que impossibilita o exercício de direito previsto em
61
via constitucional. Direcionamos os argumentospara a relação nem sempre pacífica entre os
independentes e harmônicos Poderes Legislativo e Judiciário.
Aprofundando nesta seara, aborda-se análise das posições sobre os efeitos da decisão
proferida pela Suprema Corte em sede injuncional e se esta teria força a concretizar a
efetividade dos direitos previstos constitucionalmente ou se o título judicial seria revestido de
cunho declaratório, com fins a comunicar ao Poder legiferante acerca da omissão
inconstitucional. Ademais, pondera-se a posição adotada pelo Supremo Tribunal Federal e o
progresso do entendimento desta Casa julgadora em alguns casos.
Há de se notar que a corrente que defende que as decisões proferidas em mandado de
injunção não possuem força a concretizar os direitos obstaculizados de exercício por inércia
legislativa foi dominante no início, tendo sido muito aplicada pela Suprema Corte, bem como
pela doutrina.
Esta corrente não concretista, diga-se, mais conservadora, não admite que um Poder do
Estado, no caso o Judiciário, imponha ao Poder Legislativo condições e prazos para exercício
da atividade legiferante. Tal situação poderia representar uma afronta à separação e
independência dos poderes. Para esta posição, o Judiciário ao impor coercitivamente um
prazo ou condições para que o Legislativo exerça função típica de legislar, é uma abrupta e
invasão na esfera do Poder inerte, sendo considerada ainda, usurpação de competência pelo
Órgão judicante.
Neste sentido o tribunal deveria limitar-se a constatar a inconstitucionalidade da
omissão e a determinar que o legislador empreendesse as providências requeridas.
(MEIRELLES, p. 277). Tal entendimento foi adotado pela Suprema Corte no julgamento do
Mandado de Injunção n. 456, no qual, revela-se
incomportável no âmbito do mandado de injunção, além de destituído de qualquer
suporte jurídico, o pedido alternativo formulado pelo impetrante: a fixação de prazo
para o Senado Federal editar, com fundamento no art. 52, da Carta Política, a
resolução suspensiva da execução das normas legais declaradas inconstitucionais
pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE 150.764-1 (MI 456, Relator:
Sr. Ministro CELSO DE MELLO).
Este entendimento de que a o mandado de injunção teria fins mais declaratórios, não
aptos a garantir e concretizar o exercício de direitos, dá azo a teoria não concretista. Num
reflexo da teoria não concretista, destaque ainda o Julgamento do Mandado de Injunção n.
491-9 no qual a Suprema Corte chegou fixar entendimento no sentido que, além de não poder
o órgão julgador impor prazo para que a omissão legislativa seja sanada, não seria “possível
impor sanção pelo seu descumprimento” (BARBOSA SOBRINHO, 2001. p. 284).
62
Além da questão de imposição de prazo, por parte do Poder Judicante ao Legiferante, é
descartada a possibilidade de o Tribunal editar ato, com viés normativo, apto a possibilitar o
exercício de direito obstaculizado por ausência de regulamentação legal. Assim foi
reconhecido pela Suprema Corte, na oportunidade de julgamento do Mandado de Injunção n.
107, no qual se decidiu que:
A opinião que sustentava a possibilidade de o Tribunal editar uma regra geral, ao
proferir a decisão sobre mandado de injunção, encontraria insuperáveis obstáculos
constitucionais. Tal prática não se deixaria compatibilizar com o princípio da divisão
de Poderes e com o princípio da democracia. Além do mais, o modelo constitucional
não continha norma autorizadora para a edição de regras autônomas pelo juizado,
em substituição à atividade do legislador, ainda que com vigência provisória, como
indicado pela doutrina. Portanto, essa posição revela-se incompatível com a
Constituição. (MI 107, Rel. Moreira Alves, RTJ 133/11 (34-35).
Acerca desta questão, o Supremo Tribunal Federal decidiu no julgamento do Mandado
de Injunção n. 107, que: “a corte não está autorizada a expedir uma norma para o caso
concreto ou a editar norma geral e abstrata, uma vez que tal conduta não se compatibiliza com
os princípios constitucionais da democracia e da divisão de Poderes” (MENDES; STRECK,
2013, p. 1422).
Destaque-se que no julgamento do Mandado de Injunção n. 107, que se deu em
novembro de 1990, a Suprema Corte adotou postura conservadora pornão ter autorização
constitucional para ir além de cientificar o órgão ou Poder competente. Assim, o mandado de
injunção destina-se, tão-somente, a aferir a existência de omissão que impede o exercício de
um direito constitucionalmente assegurado (FERREIRA FILHO, 2006a, p. 321-322).
Acontece que esta corrente não se tornou unanimidade nem na doutrina nem no
desenvolvimento histórico da jurisprudência do Supremo Tribunal. A corrente que defende
que a decisão proferida na injunção deveria ir além do reconhecimento de mora do legislador
e criar condições ao exercício de direito constitucionalmente assegurados ganhou mais força.
Parte do pensamento constitucional entende que as decisões proferidas em sede de
Mandado de Injunçãosão, de fato, revestidas de caráter mandamental, de modo a viabilizar o
exercício de direito obstaculizado por ausência legal. Daí surge a teoria concretista, que
defende a concretização do gozo de direitos constitucionais outrora impedidos. A Teoria
concretista, portanto,
preconiza que, diante da ausência de norma regulamentadora, cabe ao Poder
Judiciário o suprimento da lacuna. Deste modo, o Judiciário, mediante sentença,
regularia a omissão em caráter geral, ou seja, além de viabilizar o exercício do
direito pelo impetrante do MI, também estenderia os efeitos a todos aqueles em
idêntica situação (efeito erga omnes) (STF - RECLAMAÇÃO :Rcl 10278 SC,
63
relator: Ministro Celso de Mello; publicação: DJe-088 DIVULG 09/05/2014
PUBLIC 12/05/2014).
Para esta posição mais concretista, a decisão em sede injuncional deveria ir além do
reconhecimento da omissão legislativa e comunicação ao Poder legiferante acerca da decisão.
Tais efeitos são os típicos da inconstitucionalidade por Omissão pela via abstrata. O Mandado
de Injunção, por sua vez, deve ser dotado de mais efetividade, tendo esta posição mais
concretista ganhado mais força, inclusive diante da Suprema Corte.
Com efeito, em decisões recentes, a mais Alta Corte, após pronunciar o estado de mora
do órgão legislativo, tem admitido - na prática - efeitos concretos ao mandado de injunção,
possibilitando ao interessado a tutela específica do direito constitucional invocado.
(BARROSO, 1993, p. 13).
No julgamento do já citado Mandado de Injunção n. 107 em que prevaleceu o
entendimento pela corrente não concretista, pode-se destacar, em sentido contrário, o voto do
Ministro Carlos Velloso que diverge
do entendimento segundo o qual o mandado de injunção obtém-se o mesmo que se
obtém com a ação direta de inconstitucionalidade por omissão: procedente o
mandado de injunção simplesmente dá-se ciência ao órgão incumbido de elaborar a
norma regulamentadora de ele está omisso. Esse entendimento, data vênia, esvazia a
nova garantia constitucional do mandado de injunção, que tem por escopo, segundo
está na Constituição, art. 5º, LXXI viabilizar o exercício de direitos e liberdades
constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e
cidadania.
O voto do Ministro Velloso traz importantes argumentos que reforçam a posição
concretista. No julgamento deste Mandado de Injunção, propõe destaque ao voto do Ministro
Carlos Velloso, que diverge da posição que este remédio constitucional teria efeitos tão
somente declaratórios. O Ministro defende a tese mais concretizadora à sentença que
reconhecer a omissão legislativa e conceder a injunção. Assevera Velloso que “mediante o
mandado de injunção, o juiz cria, para o caso concreto, a norma viabilizadora do exercício do
direito”.
A teoria concretista, que ganha cada vez mais força a partir deste voto do Ministro
Carlos Velloso, merece ser estudada sob três enfoques: o que entende que o judiciário, além
de notificar o órgão legislador sobre a omissão, deva também fixar prazo para que este Órgão
edite a norma omissa, o que entende que a própria decisão judicial seria apta a garantir o
exercício de direitos ora obstaculizados mediante a mora legislativa e, por último, a posição
que entende que deveria o próprio judiciário editar a norma faltante, viabilizando, pois, o gozo
de direito constitucional.
64
O primeiro enfoque da teoria concretista ganhou força ante a Suprema Corte, tendo sido
aplicada por esta casa julgadora em alguns casos. A título exemplificativo, no Mandado de
Injunção de número 283, sob relatoria do Ministro Sepúlveda Pertence, a Suprema Corte
entendeu pela fixação de prazo de 45 dias mais 15 dias para sanção presidencial.
Há de se destacar que nesta decisão o STF adotou postura cautelosa ao reconhecer a
omissão legislativa e conceder prazo para a edição da norma faltante, bem como para sanção
presidencial. Todavia, tal decisão não trouxe uma solução para, na hipótese de esgotado o
prazo concedido, permanecesse a inércia legislativa.
Já no julgamento do Mandado de Injunção n. 232, sob relatoria do Ministro Moreira
Alves, a Suprema Corte conheceu o writ constitucional para declarar o estado de mora em que
se encontrava o Congresso Nacional, a fim de que, no prazo de seis meses, esta casa
congressista adote as providências legislativas que se impõem para o cumprimento da
obrigação de legislar decorrente do art. 195, § 7., da Constituição da República, “sob pena de,
vencido esse prazo sem que essa obrigação se cumpra, passar o requerente a gozar da
imunidade requerida.” (MI 232, Rel. Moreira Alves, DJ 27.03.1992).
No notório julgamento do Mandado de Injunção n. 708, sob relatoria do Ministro
Gilmar Mendes, em que o objeto de debate foi a possibilidade de greve de servidores
públicos, decidiu a Corte Suprema pela fixação de prazo de 60 dias para que o Congresso
Nacional edite atividade legislativa sobre a matéria. Neste contexto entendeu a Suprema Corte
que “a decisão judicial que declara a existência de uma omissão inconstitucional constata,
igualmente, a mora do órgão ou poder legiferante, insta-o a editar a norma requerida” (MI
708, Rel. Gilmar Mendes, DJ 30.10.2008).
Além de fixar um prazo, o referido Mandado de Injunção foi deferido “para determinar
a aplicação das Leis n. 7.701/1988 e 7.783/1989 aos conflitos e às ações judiciais que
envolvam a interpretação do direito de greve dos servidores públicos civis”. (MI 708,
Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 25/10/2007, DJe-206
DIVULG 30-10-2008 PUBLIC 31-10-2008 EMENT VOL-02339-02 PP-00207 RTJ VOL-
00207-02 PP-00471).
Importante ressaltar sobre este posicionamento que a Suprema Corte, que passou a
sentinela da Constituição a admitir que o julgamento de Mandado de Injunção legitima a
edição de outras medidas que garantam a posição do impetrante até a oportuna expedição de
normas pelo legislador (MI 708, Rel. Gilmar Mendes, DJ 30.10.2008).
Importante observar nestes dois julgamentos (Mandados de Injunção 232 e 708) que o
Supremo Tribunal Federal, além da fixação de prazo para a edição da atividade normativa,
65
entendeu por já estabelecer uma consequência para caso permaneça a inércia legislativa.
Numcaso (MI 232) o Autor da Injunção passaria a gozar da imunidade requerida, mesmo sem
regulamentação legal. Já no outro caso (MI 708) entendeu as Cortes pela aplicação leis de
análogas.
Diante de tais julgamentos e mudança de enfoque, como observa Mendes (2011, p.
177-178), a Suprema Corte, sem assumir função típica legislativa,
afastou-se da orientação inicialmente perfilhada, no que diz respeito ao mandado de
injunção. As decisões proferidas nos Mandados de Injunção números 283 (BRASIL,
1991c), 232 (BRASIL, 1992a) e 284 (BRASIL, 1992b) sinalizam para uma nova
compreensão do instituto e a admissão de uma solução “normativa” para a decisão
judicial. (...) As decisões acima referidas indicam que o Supremo Tribunal Federal
aceitou a possibilidade de uma regulação provisória pelo próprio Judiciário, uma
espécie de sentença aditiva, caso se utilize a denominação do direito italiano.
(MENDES. 2011, p. 177-178).
Fácil é ver que o progresso da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal acerca do
mandado de injunção emprestou ao instituto feições que muito contribuíram para a
efetividade do controle da omissão legislativa dentro de nosso sistema de controle de
constitucionalidade. (MENDES. 2011, p. 188).
Outro lado da posição concretista entende que a própria decisão judicial proferida em
sede injuncional seria apta a suprir a ausência de lei, competindo ao “juiz proferir decisão que
contivesse regra concreta destinada a possibilitar o exercício do direito subjetivo em questão”
(SILVA, 2006, p. 450-452; BARROSO, 2006, p. 123-124).
Esta posição concretista ganha reforço na doutrina, segundo a qual o Mandado de
Injunção é um
instrumento de tutela efetiva de direitos que, por não terem sido suficiente ou
adequadamente regulamentados, careçam de um tratamento excepcional, qual seja:
que o Judiciário supra a falta de regulamentação, criando a norma para o caso
concreto, com efeitos limitados às partes do processo (BARROSO, 1993, p.13).
Acontece que, para a satisfação de direitos constitucionalmente previstos, não basta
edição de lei que os regulamente. É necessário, em alguns casos, que para a efetividade de
direitos previsto em sede constitucional, esteja dentro dos atos de gestão do competente Poder
Executivo.
Assim, este posicionamento mais concretista encontra obstáculos na esfera da separação
dos poderes. Além de abordar sobre questão tipicamente legislativa, com sentença suprindo a
edição de ato normativo, poderia o judiciário adentrar ainda na órbita do Poder Executivo,
impondo ato de gestão não previsto em plano de governo e fora de orçamento.
66
Quando, por exemplo, da decisão judicial há uma imposição ao Gestor Público a uma
realocação específica de recursos ou envolver organização prévia de serviços, o Mandado
injuncional é descabido, pois,
Nessas circunstâncias se faz inviável a tutela, inexistentes os recursos ou o serviço, e
construir-se o mandado de injunção como direito de impor ao Estado a organização
de serviços constitucionalmente reclamados teria implicações de tal monta que,
inclusive constitucionalmente, obstam, de modo decisivo, a pertinência do
mandamus na espécie. (PASSOS, 1989, p. 112).
Novamente se depara com a dicotômica relação entre efetividade dos direitos
fundamentais e harmonia entre os poderes. A preocupação com a conduta ativista por parte do
judiciário se mostra novamente presente ao analisar os efeitos da decisão de omissão
declarada pela via incidental. É preciso ter cautela também em sede de injunção para que o
Judiciário não assuma sozinho as funções de Legislador e gestor.
No estado constitucional cada Poder possui função de modo que o exercício harmônico
alcance a completa engrenagem democrática. Deste modo, ainda que se combata a
inoperância legislativa no que tange ao exercício de direitos fundamentais, propõe-se que o
poder judicante, dentro das suas funções constitucionais, proporcione viabilidade a direitos
outrora omissos, entretanto, de modo a respeitar a harmonia com os Poderes do Estado,
sobretudo, o legislativo.
Assim, o Poder Judiciário é chamado para apreciar o debate no tocante aos efeitos da
sentença proferida em sede injuncional, afinal, se se trata de uma conduta abusiva, ainda que
por omissão do Poder Legislativo que não exerceu sua típica função constitucional de legislar.
Assim, o Poder julgador tem competência para exercer o freio e democrático a fim de que as
engrenagens da máquina constitucional voltem a girar com perfeição.
Na nova separação harmônica dos poderes os juízes se tornaram, dessa maneira, os
controladores não só da atividade (civil e penal) dos cidadãos, como também, dos “poderes
políticos”. (CAPPELLETTI, 1993, p. 49). Atuação do judiciário, portanto, representa “o
necessário contrapeso democrático, segundo entendo, num sistema democrático de checksand
balances” (CAPPELLETTI, 1993, p. 19).
Assim, “a própria excepcionalidade desse novo instrumento jurídico impõe ao
judiciário o dever de estrita observância do princípio constitucional da divisão funcional do
poder” (MENDES, 2008, p. 135). Contudo, ainda que em casos excepcionais, como é o caso
da injunção, em que o contrapeso permita a um Poder o exercício de funções atípicas,
devemos nos ater às barreiras constitucionais.
67
Por certo, vislumbra-se a plena eficácia dos direitos fundamentais previsto no plano
constitucional, que não podem ser obstaculizados por inércia legislativa. Porém, maior
cuidado se convida ao apreciar a “criação de regra” por parte do judiciário.
Deste modo, o Poder Judiciário, ante ao reconhecimento da omissão legislativa, deve
criar meios (e não normas) para o gozo de direitos constitucionalmente previstos até que o
Poder Legislativo providencie a edição de norma.
Numa ótica pautada na garantia da Constituição e efetividade das normas definidoras de
direitos e garantias nesta Carta prevista, pondera-se que “o juiz, ao acolher a injunção, deve
criar uma regra que cumpra, no caso específico, a função da norma omitida” (SUNDFELD,
2011, p. 587). No entanto, concretude da decisão judicial há de ser analisada com cautela para
não ultrapassar as próprias barreiras constitucionais firmadas no âmbito de cada Poder.
Como se percebe, pairou sobre a doutrina e jurisprudência da Corte Suprema o debate
acerca dos efeitos da decisão proferida em sede de Mandado de Injunção. Se a sentença teria
efeito declaratório, tendo poder de reconhecimento sobre a omissão inconstitucional e
notificação ao poder inerte para que edite a norma necessária, ou se sentença adotaria uma
posição mais concretista, por meio da qual a tutela jurisdicional seria apta a assegurar direitos
outrora obstaculizados por inércia Congressista.
Além do mais, adotada a posição concretista, o Poder Judiciário poderia impor um
prazo para que o poder inerte edite a norma ausente ou, ainda, se o órgão judicante poderia
editar a norma perante o caso concreto para a satisfação de direitos.
A prolongação deste debate acerca dos efeitos de sentença neste remédio constitucional
sem uma posição pacífica aliada à ausência de norma que efetivamente regulamente o
Mandado de Injunção faz com que este referido writ constitucional tenha sua aplicabilidade
prática posta em xeque, sendo um “complicador desnecessário à realização de direitos”
(BARROSO, 2011, p. 693).
Contudo, o mandado injuncional é um importante instrumento democrático à disposição
do povo caso, porventura, o exercício de algum direito venha a ser obstaculizado em virtude
de inoperância legislativa. Ele não pode nem merece cair no esquecimento de um instrumento
que se torne inviável justamente por ausência de regulamentação, exatamente o que visa
combater.
Assim, com o fito de regulamentar o Mandado de Injunção, foi promulgada em 16 de
junho de 2016, a Lei n. 13.300. Este instrumento legislativo disciplina o julgamento e trâmite
desta ação constitucional e enfrenta a questão dos efeitos da sentença de modo a propor uma
solução definitiva.
68
A teor do artigo 8.do referido diploma legal, após o tramite regular do julgamento da
ação constitucional e, reconhecido o estado de mora legislativa, a Injunção será deferida para
determinar prazo razoável para que o impetrado promova a edição da norma regulamentadora
e estabelecer as condições em que se dará o exercício dos direitos, das liberdades ou das
prerrogativas reclamados ou, se for o caso, as condições em que poderá o interessado
promover ação própria visando a exercê-los, caso não seja suprida a mora legislativa no prazo
determinado. É de se perceber, pois, que a Legislação adota a posição mais concretista com o
límpido propósito de assegurar o exercício do direito obstaculizado por omissão legislativa.
A legislação, portanto, reconhece que é preciso dar efetividade às garantias previstas em
sede constitucional, caso contrário a Carta Maior se resumirá ao epitáfio que reveste “os
túmulos das ideias mortas” (REALE, 1997, p. 99), trazendo muitas palavras e poucas ações.
“A injunção não é um modo de tornar de fato respeitadas as normas de eficácia plena, mas
sim de tornar plenamente eficazes as normas de eficácia limitada” (SUNDFELD, 2011, p.
582).
Na primeira e mais natural consequência da sentença no Mandado de Injunção, na
determinação de prazo para a edição da norma, funciona a Alta Corte como um tribunal de
alerta, avisando ao poder inerte acerca da omissão legislativa, já recomendando o início das
atividades em determinado prazo. Assim, uma vez editada a norma para o efetivo gozo de
direitos, a questão está resolvida por atividade legislativa.
No entanto, é de grande valia frisar que caso norma não seja editada dentro do prazo
estabelecido na injunção é que a sentença produzirá efeitos para estabelecer condições para o
exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à
nacionalidade, à soberania e à cidadania, os quais foram obstaculizados por omissão
legislativa.
Os efeitos estabelecidos na lei do Mandado de Injunção acumulam os propostos na
teoria concretista para fixar um prazo ao poder inerte e estabelecer condições para o exercício
dos direitos. A lei, portanto, ratifica o posicionamento firmado no notório julgamento do
Mandado de Injunção n. 708-DF que versa sobre o direito greve dos servidores públicos que
além de fixar o prazo de sessenta dias para que o Congresso legisle sobre a matéria
determinou a Corte pela a aplicação das Leis nos 7.701/1988 e 7.783/1989 aos conflitos e às
ações judiciais que envolvam a interpretação do direito de greve dos servidores públicos civis.
Sobre o posicionamento firmado pela Lei n. 13.300 de 2016, há de ser dar destaque à
hipótese de que, mesmo diante de Mandado de Injunção que determine prazo para que a
atividade legislativa se concretize ainda assim o órgão responsável pela edição de norma se
69
mantenha inerte. Para tal situação, a legislação, a teor do parágrafo único do artigo 8.da Lei n.
13.300/2016, estabelece que será dispensada a fixação de prazo caso o mesmo órgão tenha
deixado de cumprir, em Mandado de Injunção anterior, o prazo para a edição da norma.
Posicionamento este que merece atenção.
Neste caso, ante uma omissão inconstitucional declarada pela via difusa injuncional, um
prazo é fixado pela Corte para que o órgão competente regulamente a matéria. Caso este
órgão, mesmo que instigado pelo STF a legislar assim não o faça, insistindo na inércia, num
eventual Mandado de Injunção posterior cujo impetrado seja o mesmo Órgão inerte, será
dispensada a determinação de fixação de prazo. Assim, a medida a ser adota pela Suprema
Corte estabelecerá condições para que se dê o exercício de direitos, sem, contudo, notificar
novamente o órgão legiferante, oportunizando ao mesmo a edição de atividade legislativa.
Nesta hipótese, configura-se conduta abusiva do Legislativo duas vezes: uma em não
legislar acerca de matéria prevista na Constituição e outra a continuar a não editar o ato
normativo mesmo tendo a determinação da Alta Casa do Judiciário. A legislação que
regulamenta o Mandado de Injunção entendeu não ser viável que o Supremo Tribunal fixe
prazos a serem desrespeitados pelos órgãos legiferantes, funcionando a Corte Constitucional
como se fosse um órgão destinado a sugerir prazos a cada julgamento de omissão
inconstitucional pela via difusa.
Por oportuno, não cabe ao Judiciário compelir o Legislativo a legislar e nem pode
assumir ele próprio a função legislativa. Contudo, a Suprema Corte, que tem como dever
precípuo a guarda da Constituição, possui interesse em que o texto constitucional se efetive.
Assim, a previsão legal de que os efeitos da sentença em Mandado de Injunção se darão para
que sejam estabelecidas condições em que se dará o exercício dos direitos, das liberdades ou
das prerrogativas reclamados, reflexos da própria atuação do Judiciário na harmonia dos
poderes.
Neste contexto, a convocação do Poder Judiciário decorre da nova harmonia entre os
Poderes e ao instituto injuncional deve ser dada aplicabilidade e efetividade, a fim de
vangloriar o texto constitucional.
O órgão judicante, no exercício de sua função típica, exerce o contrapeso democrático e
objetiva o frear do duplo abuso inconstitucional do legislativo, passando, com amparo na
legislação, a criar meios para que o exercício de direito se concretize, sendo dispensada nova
notificação ao Poder inerte.
É importante argumentar que a dispensa em notificar o órgão omisso para que seja
fixado um prazo para a promoção de norma regulamentadora se trata da exceção inserida
70
numa medida já excepcional, que é o Mandado de Injunção. Eis que a excepcionalidade da
questão autoriza postura mais arrojada da Corte para criar meios ao exercício de direitos.
Entretanto, a edição de norma que efetivamente regulamente a matéria tratada na
Injunção faz cessar os efeitos de decisão proferida pela Corte Suprema, à luz do artigo 9.da
Lei do Mandado de Injunção. A legislação adota postura já firmada pela Suprema Corte.
Novamente insta trazer à baila o posicionamento adotado no julgamento do writ injuncional n.
708, que tratou da greve para servidores públicos “até o momento de colmatação legislativa
específica da lacuna ora declarada, nos termos do inciso VII do art. 37 da CF” (MI 708, Rel.
Gilmar Mendes, DJ 30.10.2008).
A edição de norma regulamentadora não retroagirá em relação às benesses gozadas por
meio de decisão transitada em julgado. Positiva expressamente a legislação os efeitos ex nunc
da norma regulamentadora, admitindo, contudo, a retroatividade caso for mais favorável ao
beneficiado.
O Mandado de Injunção, portanto, assegura ao titular de um direito liberdades
constitucionais e de prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania de
forma provisória até a devida disciplina legislativa (MI 708, Rel. Gilmar Mendes, DJ
30.10.2008). Importante trunfo para exercício pleno das prerrogativas constitucionais.
A sentença proferida em Mandado de Injunção, produz, ainda, efeitos limitados às
partes do processo, reforçando ainda mais as características de controle difuso a este remédio
constitucional.Deste modo, a sentença que cria condições para exercício a direitos
obstaculizados por ausência de regulamentação legal produz efeitos apenas ao Autor da ação
constitucional.
Contudo, quando for inerente ou indispensável ao exercício do direito, da liberdade ou
da prerrogativa a decisão judicial poderá ser revestida de caráter ultra partes ou ergma omnes,
como estabelece o artigo nono da Lei n. 13.300 de 23 de junho de 2016, possibilidade que
flerta intimamente com a teoria da abstrativização, objeto de estudo deste trabalho.
Em se tratando de Mandado de Injunção coletivo, cujos direitos, liberdades e
prerrogativas constitucionais pertençam a uma coletividade indeterminada, os efeitos da
Injunção naturalmente excederão os interesses subjetivos da parte.
Mais uma vez insta argumentar que o notório Mandado de Injunção n. 708 serviu de
fonte e precedente para o entendimento consolidado pela Lei. No julgamento deste notório
writ injuncional, sob relatoria do Ministro Gilmar Mendes, a decisão emprestou efeitos para
além das partes do processo, vencidos os Senhores Ministros Ricardo Lewandowski, Joaquim
71
Barbosa e Marco Aurélio, que “limitavam a decisão à categoria representada pelo sindicato”
(MI 708, Rel. Gilmar Mendes, DJ 30.10.2008).
No entanto, salienta-se que não só o writ coletivo está sujeito a eficácia erga omnes ou
ultra partes. Além de tal possibilidade, uma decisão de Injunção transitada em julgado, pode,
em decisão monocrática do relator, estender efeitos a casos análogos caso a omissão
legislativa persista.A Lei n. 13.300 de 2016 veio a regulamentar o Mandado de Injunção e
propor medidas para sanar as angústias e debates que pairavam sobre o mesmo, sobretudo, no
que tange aos efeitos de uma decisão.
Ainda assim, mesmo com respaldo na Lei n. 13.300 de 2016, a relação a respeito da
atuação do Poder Judiciário no julgamento de Mandado de Injunção em consonância com a
Separação de Poderes ainda tende existir. Afinal, o fato do Supremo Tribunal Federal impor
prazos para que o legislativo edite normas faz com que se pense na seguinte questão: estaria a
Corte adentrando na órbita independente deste Poder legiferante? Além do mais, a situação na
qual esta Casa Julgadora passa a estabelecer meios e critérios para o exercício dos direitos
poderia ser considerada usurpação de poderes reservando o Judiciário competência
legislativa?
Entende-se, de fato, tratar de uma atuação harmoniosa do Poder Judiciário, que só foi
convidado a apreciar a questão devido a uma inercia do Poder Legiferante. À luz da
transparente harmonia dos poderes não cabe ao Executivo ou ao Judiciário adotar medidas
abusivas, de modo a dominar o poder. Entretanto, da mesma forma, não cabe ao Legislativo o
descumprimento de preceitos impostos pelo constituinte originário, sendo a inércia deste
poder um abuso comissivo inconstitucional.
Ademais, o julgamento do Mandado de Injunção obedece um rito processual específico
com observância do princípio do contraditório, afinal, a teor do artigo 5.da Lei n. 13.300, o
Poder, órgão ou autoridade com atribuição para editar norma, que figure como impetrado,
será notificado acerca do ajuizamento da Injunção, podendo prestar informações em dez dias.
Além disto, o órgão de representação judicial da pessoa jurídica interessada terá ciência do
feito, nele podendo ingressar.
Outrossim, o Ministério Público, instituição independente e que possui como
incumbência constitucional a defesa da ordem jurídica e do regime democrático, intervirá
nesta ação constitucional.
Assim, se trata de um procedimento constitucional, com observância ao contraditório,
ampla defesa e pertinência ao devido processo legal. A Injunção não deferida pela Corte
72
Suprema de forma abrupta, inaudita altera pars. O próprio órgão inerte terá ciência do
ajuizamento, além de poder participar do mesmo.
Ademais, a determinação para legislar, mesmo com atuação do Poder Judiciário em
Mandado de Injunção, não vem deste poder Julgador. Esta determinação vem do Poder
Constituinte. A convocação da Casa julgadora decorre tão somente da harmonia dos poderes.
A injunção trata, pois, de importante e necessário remédio constitucional, ato a fazer valer os
direitos na Carta cidadã prevista.
2.4 Controle de constitucionalidade e direitos fundamentais
No item anterior foi abordado o instituto do Mandado de Injunção como instrumento de
controle difuso de constitucionalidade e sua utilização como meio garantidor do exercício de
direitos fundamentais, uma vez reconhecida a posição concretista que vem sendo adotada pela
Suprema Corte.
Objetiva-se, agora, abordar o controle de constitucionalidade de modo geral como meio
hábil a fomentar direitos fundamentais. A Constituição da República de 1988 traz em seu
texto importantes elementos norteadores e definidores de direitos fundamentais.
Na contextualização de direitos fundamentais, numa perspectiva formal, é possível
afirmar que se cuidam de conjunto de garantias atribuídas a tais direitos e que lhes assegura
um regime jurídico diferenciado e qualificado na arquitetura constitucional (SARLET, 2015,
s/p). Ainda, nada impede que se lance mão da mesma nomenclatura “direitos humanos”, ou
mesmo apenas e de modo genérico, “direitos fundamentais”, ou, “direitos humanos
fundamentais” (SARLET, 2015, s/p).
Os direitos fundamentais vêm tutelar a pessoa numa valorização do indivíduo como
credor de direitos na condição humana. O avanço de tais direitos está, pois, historicamente
correlacionado à dignidade humana após séculos de violações da condição de pessoa. Nesta
pauta se estribam os direitos e as garantias fundamentais na ordem constitucional hodierna,
que objetivam, cada vez mais, valorizar dignidade humana como um valor supremo e um
parâmetro em que devem ser valoradas todas as demais normas de conduta estatal (IRIBURE
JÚNIOR; SIFUENTES, 2016, p. 129).
A Constituição da República de 1988, vem, então, direcionar a conduta do Estado em
prol da pessoa, tornando o texto constitucional num rico texto normativo assegurador de
direitos e garantias fundamentais. Neste viés, a Constituição da República se torna mais do
73
que uma simples lei (LASSALLE, 2013, p. 6), é uma Lei Fundamental. A ideia de
fundamento traz, implicitamente, a noção de uma necessidade ativa, de uma força, eficaz e
determinante que atua sobre tudo que nela se baseia, fazendo-a assim e não de outro modo
(LASSALLE, 2013. P. 9).
Contudo, apesar dessa força eficaz, as normas constitucionais não são auto executáveis,
sendo que, por diversas oportunidades, garantias fundamentais deixam de ser cumpridas na
prática.
Diante da carga crucial que o texto constitucional de 1988 carrega, o preceito
constitucional deve ser aplicado para que se possa atingir concretamente o que está previsto
abstratamente no texto constitucional. A norma constitucional não tem existência autônoma
em face da realidade. A sua essência reside na sua vigência, ou seja, a situação por ela
regulada pretende ser concretizada na realidade (HESSE, 1991, p. 14).
A Constituição não configura, portanto, apenas expressão de um ser, mas também de
um dever ser (HESSE, 1991, p. 15). A Constituição deve ser feita para ser aplicada. A Lei
fundamental da República não se limita a declarar direitos, mas vai além disso, prevendo os
mecanismos que os tornem efetivos para todos. O texto constitucional necessita prever, pois,
regras de ação (DALLARI, 1985, p. 54, 56-57).
O direito constitucional deve, portanto, explicitar as condições sob as quais as normas
constitucionais podem adquirir a maior eficácia possível, propiciando, assim, o
desenvolvimento da dogmática e da interpretação constitucional (HESSE, 1991, p. 27).
A violação a direitos fundamentais desrespeita a própria condição de pessoa humana
constituindo uma ferida aberta contra a própria existência do ser (ABBAGNANO, 2003, p.
276). É preciso, portanto, respeitar os direitos constitucionais fundamentais e colocá-los em
prática, uma vez que de nada servirá o que se escrever numa folha de papel se não se justifica
pelos fatos reais e efetivos do poder (LASSALE, 2013, p. 42).
A prática da Constituição traz, além dos demais, o grande benefício da certeza e da
segurança dos direitos (DALLARI, 1985, p. 56). Por oportuno, é preciso criar meios
degarantir a supremacia da Constituição e de seus preceitos, sendo elementar, portanto,
exercer controle sobre atos inconstitucionais.
Para manter, pois, a Magna Carta no seu patamar de soberania legislativa, é mister a
observância das vias de controle de constitucionalidade, visando eliminar do ordenamento
jurídico pátrio leis e atos normativos constitucionalmente viciados, dado que uma lei
inconstitucional representa uma afronta à Carta garantidora da democracia.
74
Neste sentido, as vias de controle de constitucionalidade, seja pela via difusa, seja pela
via concentrada, representam instrumentos fortificantes e que concretizam os preceitos
previstos na Constituição. Por esse prisma, é adequado classificar e incluir as ações de
controle concentrado de constitucionalidade entre os instrumentos de tutela de direitos”
(ZAVASCKI, 2014, p.51). Na sua dimensão subjetiva,
não há como negar que o sistema de controle concentrado de constitucionalidade
constitui, mais que modo de tutelar a ordem jurídica, um poderoso instrumento para
tutelar, ainda que indiretamente, direitos subjetivos individuais, tutela que acaba
sendo potencializada em elevado grau, na sua dimensão instrumental, pela eficácia
vinculante das decisões (ZAVASCKI, 2014, p. 51).
Certamente, por possuir efeitos erga omnes, a via concentrada de controle se aproxima
com mais clareza para a realização de direitos. Contudo, a via difusa também configura
importante instrumento a garantir direitos, já que aprecia a inconstitucionalidade perante o
caso concreto.
É o caso, por exemplo, do oportunamente abordado, Mandado de Injunção n. 708, que
trata do exercício de greve por parte de servidores públicos. Devido a este instituto de
controle incidental de inconstitucionalidade, é possível a concretização de direito fundamental
constitucionalmente previsto e outrora obstaculizado devido à ausência legislativa.
A via de controle judicial objetiva assegurar melhor definição jurídico-material das
relações entre Estado-cidadão e particulares-particulares, e, ao mesmo tempo, assegurar a
defesa de direitos (CANOTILHO, 2003, p.275) e exercício de direitos fundamentais.
Observa-se, portanto, os mecanismos de controle de constitucionalidade como
elemento garantidor de direito fundamental ao corrigir a inconstitucionalidade que impedia o
gozo dos ditos direitos.
2.5 O controle de constitucionalidade judicial sob a ótica da tripartição dos poderes
2.5.1Preliminar metodológica
No contexto que se pretende apreciar a forma judicial de controle de constitucionalidade
à luz da separação dos poderesé necessário previamente argumentar sobre o poder e a sua
conjuntura.
75
A sociedade precisa de regras para a convivência equilibrada de todos. O corpo social,
contudo, percebe uma transformação quanto à forma de gestão pública, extirpando a
autocracia, que admite que todas as diretrizes e mandamentos se concentrem nas mãos de uma
só pessoa, para reconhecer a democracia, cujo objetivo politicamente é a liberação do
indivíduo das coações autoritárias (SILVA, 2015, p. 136).
A essência da democracia, aliás,vem do fato do poder residir no povo. Toda democracia
para ser tal repousa na vontade popular (SILVA, 2015, p. 135), estando tal princípio
registrado no artigo inaugural da Constituição da República de 1988, o qual determina que
todo poder emana do povo.
Contudo, sobre a titularidade popular, as funções do Estado se organizam em Poderes.
Neste sentido, urge constatar que o poder envolve a energia capaz de coordenar e impor
decisões visando à realização de determinados fins. O Poder político tem que coordenar e
impor regras e limites em funções dos fins globais que ao Estado cumpre realizar (SILVA,
2015, p. 109).
Desse modo, as funções do Estado são divididas para cada órgão competente de modo
que além de separar as funções, é preciso distribuí-las a fim de organizar o convívio social. O
Poder, na esfera democrática,é capaz de ser contextualizado como repartição de funções. Na
órbita autoritária, como se deu em determinado período da história, contudo, elerepresenta a
literalidade da força e reunião das funções do Estado.
Nesta oportunidade, poder e democracia, à luz da Constituição da República de 1988,
caminham ao lado a lado, com o exercício do poder, no contexto de força ou divisão de
tarefas, adstrito ao cerne da democracia, representado a vontade popular, que é titular do
poder.
2.5.2 Jurisdição constitucional, controle de constitucionalidade e separação dos poderes
No atual patamar democrático, depara-se com maior atuação do Poder Judiciário. A
força judicante encontra amparo na garantia constitucional da inafastabilidade da jurisdição,
consagrada segundo ditames do artigo 5., inciso XXXV da Constituição da República de
1988, o qual estabelece que a lesão ou ameaça a direito estarão sob análise do Poder
Judiciário. Os órgãos integrantes deste poder exercem importante função para a guarda dos
direitos reservados no ordenamento jurídico, cumprindo função ímpar na efetivação de
direitos e impedindo ameaça ou cessando uma violação.
76
Uma questão que merece muita atenção diz respeito à quando uma ação ou mesmo uma
omissão dos poderes executivo e legiferante dão azo à atuação judicial para sanar uma lesão e/
ou ameaça.
Pelo disposto segundo o princípio da inafastabilidade da jurisdição, o Poder Judiciário,
no exercício de sua função típica, tem a incumbência de sanar a lesão ou ameaça e, por
conseguinte, criar meios para a efetivação de direitos afim de controlar os abusos dos demais
poderes em consonância com a harmonia recíproca entre os três poderes.
Assim, o Poder Judiciário exerce um controle de abusos cometidos pelos poderes
Legislativos e Executivo, a princípio em harmonia com a separação de poderes. Nesta visão, a
jurisdição, mais notada e tangencialmente à esfera constitucional, passa a ter como função
primordial a preservação da Constituição (ABBOUD, 2011, p. 101), sendo “considerada
como elemento necessário da própria definição do Estado de Direito Democrático”
(STRECK, 2014, p.115).
Nesta ótica, a jurisdição constitucional deve se reinventar possuindo como primeira
grande tarefa
instrumentalizar a função primordial do próprio constitucionalismo, qual seja, coibir
os excessos do poder público. Nas palavras de Peter Härbele, a função da jurisdição
constitucional consiste na limitação, racionalização, e controle do poder estatal e
social, na proteção das minorias e os débeis e na reparação dos novos perigos para a
dignidade humana. Konrad Hesse enaltece que a jurisdição constitucional em última
sede assegura a preservação do direito bem como possibilita o controle judicial
amplo do Poder Executivo, em concreto a atividade da Administração Pública. É
principalmente, por meio da jurisdição constitucional que o Poder Judicial insere-se,
hoje, no equilíbrio dos poderes. A tarefa da jurisdição constitucional é decidir com
autoridade, os casos de violação ao texto constitucional. Essa atividade inclui tanto o
controle dos poderes estatais como tarefa da concretização e evolução do direito
constitucional. Imperioso ressaltar que essa tarefa, principalmente no Brasil, não se
restringe apenas à jurisdição constitucional (ABBOUD, 2001, p. 101).
Resta evidente, pelo menos a priori, que um poder do Estado manter uma
interdependência com demais e por eles ser controlado visa evitar abusos de ambos, estando
todo o ordenamento à luz da Constituição.
Deste modo, diante de uma função típica, se o Poder legiferante promulga uma lei
evidentemente inconstitucional que, em virtude deste vício, obstaculiza direitos positivados na
Constituição. Tal lei está sujeita a análise de constitucionalidade feita pelo órgão do poder
judiciário.
Assim, a análise de constitucionalidade é apreciada pelo Supremo Tribunal Federal pela
via concentrada, por meio de Ação Direta de Inconstitucionalidade, ação Declaratória de
77
Constitucionalidade, Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental e Ação Direta de
Inconstitucionalidade por Omissão.
A análise de constitucionalidade exercida pelo judiciário se dá também pela via difusa,
na qual demais órgãos do Poder Judiciário são chamados para apreciar uma incongruência
com a Constituição por meio de ações diversas, tais como um mandado de segurança ou um
habeas corpus, exemplificativamente.
O controle de constitucionalidade exercido pelo Poder Judiciário cumpre com a
harmonia e interdependência entre os poderes, exercendo freio perante um abuso. Atos do
Executivo ou do Legislativo contrários à Constituição representam abuso por parte de tais
poderes, indo de encontro a princípios democráticos almejados. A autorização do Judiciário a
declarar inconstitucionalidade de leis é exemplo de mecanismo apto para consciente
colaboração recíproca entre os poderes (SILVA, 2015, p. 113).
Ante a reciprocidade harmônica entre os poderes, a atuação do Judiciário, quando
chamado a apreciar uma inconstitucionalidade seja pela via abstrata ou concreta e respeitado
os ditames do ordenamento jurídico, representam o freio e contrapeso de um abuso
inconstitucional por parte dos demais poderes, louvando-se sempre a Carta constitucional.
Uma lei inconstitucional se manter alheia a contrapeso por parte dos outros poderes do
Estado representa igual arbitrariedade assim como presenciado em outras perspectivas
históricas. É cediço que atos dos poderes Legislativo e Executivo estão sujeitos a controle de
constitucionalidade exercido pelo Judiciário, em nome da tripartição harmônica dos poderes.
Contudo, compete analisar o âmbito de atuação do órgão julgador neste processo de
frenagem controladora, destarte, vale apreciar a decisão do órgão judicante e seus efeitos.
Deste modo, é importante avaliar a natureza da decisão em sede de controle judicial de
constitucionalidade: declaratória pelo fato do órgão julgador reconhecer a
inconstitucionalidade de tal ato e assim a declarar ou, ainda, diante do reconhecimento de uma
inconstitucionalidade a consequência da decisão judicial acarretar a efetivação de direitos
outrora obstaculizados pela omissão dos demais poderes, ou mesmo atos comissivos abusivos
por parte destes.
A Constituição da República, sob diagnóstico do artigo 52, inciso X, estabelece que
ante inconstitucionalidade declarada de modo definitivo pelo Supremo Tribunal Federal cabe
privativamente ao Senado Federal suspender a execução da lei objeto de controle.
Nesta perspectiva constitucional, percebe-se, a princípio, uma harmonia entre os
poderes Judiciário e Legislativo, com o órgão julgador exercendo seu papel de controle de
78
abusos de outros poderes e o Poder Legiferante retirando tal vício constitucional da órbita
jurídica pátria.
Num primeiro plano, o legislador constituinte atuou de forma precisa ante a uma
situação de extrema relevância perante o paradigma democrático. No entanto, determinadas
questões nascem com o avanço do panorama inerente ao tema.
Não se depara, pelo menos na seara positivista do texto constitucional, com uma
solução para a hipótese de inércia da Casa Congressista responsável por suspender o ato
inconstitucional se tornar inoperante diante do tema. A Carta Constitucional diz que se se trata
de competência privativa do Senado Federal suspender a execução de lei ou ato normativo
declarado inconstitucional. A primeira questão inevitável que convida o leitor a refletir
encontra amparo na seguinte indagação: “e se o Senado Federal não suspender a execução de
tal lei declarada inconstitucional? ”
Sobre tal ponto, se houver uma decisão que reconheça definitivamente uma
inconstitucionalidade e o órgão responsável não tomar providências a fim de sanar o vício
reconhecido pelo órgão controlador corremos o risco de termos uma decisão judicial inócua,
com a inconstitucionalidade continuando a reinar perante a sociedade. Deste modo:
a mera ciência ao Poder Legislativo pode ser ineficaz, já que ele não está obrigado a
legislar. Nos termos estabelecidos, o princípio da discricionariedade do legislador
continua intacto, e está bem que assim seja. Mas isso não impediria que a sentença
que reconhecesse a omissão inconstitucional já pudesse dispor normativamente
sobre a matéria até que a omissão legislativa fosse suprida. Com isso, conciliar-se-
iam o princípio político da autonomia do legislador e a exigência do efetivo
cumprimento das normas constitucionais. (SILVA, 2015, p. 50-51)
Noutro plano, na ocasião do judiciário adotar a postura de concretizar sua decisão e,
como consequência fixar condições e, em alguns casos, até mesmo prazos para que os demais
órgãos providenciem o afastamento do teor inconstitucional do ordenamento, elepode
ultrapassar os limites do controle, não competindo ao órgão julgador revogar lei ou ato
normativo da órbita jurídica.
Tal tema foi pautado pelo órgão guardião da Constituição em algumas oportunidades,
adotando, contudo, a Suprema Corte posicionamentos diversos, os quais merecem destaque.
O Supremo Tribunal Federal decidiu no julgamento do Mandado de Injunção n. 107
que: “a corte não está autorizada a expedir uma norma para o caso concreto ou a editar norma
geral e abstrata, uma vez que tal conduta não se compatibiliza com os princípios
constitucionais da democracia e da divisão de Poderes” (MENDES; STRECK, 2013, p. 1422).
79
Destaque-se que neste julgamento, que se deu em novembro de 1990, a Suprema Corte
adotou postura conservadora, entendendo não ter autorização constitucional para ir além de
cientificar o órgão ou Poder competente.
Em outra perspectiva, esta mesma alta Casa julgadora adotou posicionamento diverso,
entendendo plausívelno julgamento da ADI 3682 “indicar um prazo razoável para a atuação
legislativa, ressaltando as consequências desastrosas para a ordem jurídica da inatividade do
legislador no caso concreto” (MENDES; STRECK, 2013, p. 1420). Desse modo, a referida
ADI 3682, sob relatoria do Ministro Gilmar Mendes, foi julgada procedente:
(...) para declarar o estado de mora em que se encontra o Congresso Nacional, a fim
de que, em prazo razoável de 18 (dezoito) meses, adote ele todas as providências
legislativas necessárias ao cumprimento do dever constitucional imposto pelo art.
18, § 4º, da Constituição, devendo ser contempladas as situações imperfeitas
decorrentes do estado de inconstitucionalidade gerado pela omissão. (ADI 3682,
Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 09/05/2007, DJe-
096 DIVULG 05-09-2007 PUBLIC 06-09-2007 DJ 06-09-2007 PP-00037 EMENT
VOL-02288-02 PP-00277 RTJ VOL-00202-02 PP-00583).
Nesta oportunidade, a Excelsa Corte considerou inconstitucional a inércia legislativa
determinando ao Congresso Nacional prazo de 18 meses para adotar as medidas cabíveis a
fim de sanar a omissão inconstitucional.
Vale frisar que ainda que o STF possui precedentes importantes para fixar 24 meses
como prazo razoável, com o escopo de extirpar a omissão inconstitucional do ordenamento
pátrio. Assim, as ADIs 2240/BA, 3316/MT e 3489/SC (Relator Ministro Eros Grau,
julgamento 09/05/2007) e ADI 3689/PA (Relator Ministro Eros Grau, julgamento
10/05/2007).
Neste contexto tem a Suprema Corte brasileira adotado posicionamento diverso, a
começar pelo pensamento hodierno. A fim de assegurar efetividade a suas decisões e sanar
concretamente a omissão legislativa que afronta a Carta da República de 1988, adota-se a
postura “arrojada” de ir além da mera ciência ao Órgão administrativo ou Poder competente
para tomar as medidas pertinentes, fixando prazo mínimo para que a omissão seja sanada de
plano.
Quanto à via (concentrada ou difusa) que se dá a análise de constitucionalidade de lei ou
ato normativo e os efeitos de tal decisão, é convidativo fazer uma releitura da separação dos
poderes ante a uma inconstitucionalidade declarada pelo poder que exerce o contrapeso.
Assim, é possível neste ponto, imergir no moderno papel da jurisdição constitucional no
âmbito da separação dos poderes.
80
Talvez seja impossível imaginar a democracia contemporânea sem uma atuação
destacada do Judiciário, que cumpre importante função na harmonia dos poderes, sendo,
muitas vezes, para a sociedade a “ultimaratio”, ou seja, o último fio de esperança diante de
uma inconstitucionalidade ou desrespeito a um direito.
Entre este embate há uma angulação positiva, na qual o Judiciário consegue atender
anseios da sociedade que não puderam ser satisfeitos pelo Parlamento, contribuindo com a
redemocratização para o fortalecimento e expansão do Poder julgador, bem como a busca por
justiça. (BARROSO, 2012 p. 24-27).
Neste cenário, importante pensar e repensar o papel que o judiciário exerce
hodiernamente na seara constitucional. Sem dúvidas, um judiciário atuante é ponto
consolidado para uma real e democrática interdependência harmônica entre os poderes, mas é
necessário ponderar os limites. Ademais, o Poder julgador também está sujeito ao controle
recíproco dos demais poderes. Nesta temática, “o controle judicial de constitucionalidade é
imprescindível. Caso contrário não haveria garantia de que o legislador efetivamente se
submete a Constituição. Mas esta competência conhece várias limitações” (DIMOULIS;
LUNARDI, s/a, p. 463).
Novamente, é preciso destacar que o controle é garantido também por vontade popular,
expresso pela Assembleia Constituinte. Contudo, não se pode olvidar que o judiciário também
se encontra sujeito a controle recíproco. O fenômeno da judicialização, consagrado pela
inafastabilidade da jurisdição textualmente na Constituição da República de 1988, no artigo
5., inciso XXXV, não tem por objetivo elevar o Judiciário a um patamar inalcançável pelos
demais poderes.
A garantia de protecção jurídica impõe o contrário: a protecção é também contra o
juiz e actos do poder judicial, sendo absurdo que os juízes, detentores de poderes
públicos e vinculados aos direitos fundamentais, pudessem ficar impunes ad
infinitum no caso de violação de direitos fundamentais” (CANOTOLHO, 2003 p.
277).
A nova separação de poderes, contudo, objetiva ir muito além da absoluta separação
institucional dos Poderes, propondo também um passo adiante na harmonia recíproca entre os
mesmos. Assim sendo, o jurista moderno “não pode continuar confinado ao exame dos textos
legais, contentando-se com os horizontes traçados pelas cartas constitucionais” (REALE,
1997, prefácio). A nova engenharia constitucional deve ser combinada com a sensibilidade
cultural e econômica (ACKERMAN, 2000, p. 724), na qual há de se pautar a separação dos
poderes nos novos movimentos sociais com proposta de reflexão global em torno da
economia e sociedade (SUORDEM, 1995, p. 18 e 29).
81
Neste formato da moderna reflexão social, pautada na dinamicidade e
multidisciplinaridade político-social, as decisões judiciais não podem ficar restritas apenas a
fundamentos jurídicos e talvez nem sentido fizesse se assim fosse. As decisões judiciais
devem acompanhar a prosperidade das necessidades sociais. Sendo o Poder judiciário feito
para servir a população, as decisões deste poder devem progredir de modo a suprir as novas
necessidades desta, tendo este Poder alargada sua competência, acentuando-se cada vez mais
a destinação social (REALE, 1997, p. 46).
Imerso nesta nova necessidade social, a sociedade moderna
reclama um novo conceito de neutralidade do juiz, o qual, como órgão do Estado, só
por hipocrisia pode ser concebido como politicamente asséptico. Não há como
confundir o ato político do ato judiciário com o do Executivo ou do Legislativo. A
diferença consiste no fato de que, enquanto o Legislativo e o Executivo instauram e
dão início a processos políticos, visando aos mais interesses e fins, ao juiz, fazendo
seus os valores políticos consagrados na Constituição, cabe assegurar a validade das
normas e decretos, quando constitucionalmente legítimos, mas declará-los nulos ou
ineficazes se atentarem contra os dispositivos constitucionais. Esse é talvez o maior
dos serviços que o Judiciário presta à sociedade (REALE, 1997, p. 51).
Não há que se pautar o Poder judiciário como poder supremo, intocável, pois, do
mesmo modo, seria ofensivo à dignidade da Separação harmônica entre os poderes.
No entanto, propõe-se que a atuação judicial seja analisada com amparo na Constituição
e na separação dos poderes. A defesa de direitos através dos tribunais representa uma “decisão
fundamental organizatória” (Lorenz apud CANOTILHO, 2003 p. 276), pois o controlejudicial
constitui uma espécie de “contrapeso” clássico em relação ao exercício dos poderes executivo
e legislativo (CANOTILHO, 2003, p. 276)
Assim, uma inconstitucionalidade configura uma ineficiência legiferante ou executiva
apta a autorizar atuação judicial decorrente do próprio princípio da inafastabilidade da
jurisdição e em consonância com a interdependência harmônica entre os poderes.
É de grande valia ressaltar que eventual função política que pode vir a ser exercida
como efeito de decisão judicial seria consequência da própria atuação jurisdicional decorrente
da fundamental inafastabilidade da jurisdição, que, se ressalte, em caso de declaração de
inconstitucionalidade, declara pela Suprema Corte e se dá justamente em virtude de uma
inoperância ou incongruência legislativa.
Cumpre destacar que “a mais alta Corte de Justiça, além de guardiã por excelência da
Constituição, deve exercer função político-jurídica, decorrente de sua soberania, a fim de que
o Direito concreta e oportunamente se realize em todo o território nacional” (REALE, 1997,
p. 98).
82
Determinado sopro político é caracterizador da própria progressão social, pautada nas
novas necessidades sociais. Em caso de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, as
decisões judiciais nascem da própria necessidade de controle, configurando uma leve e
refrescante brisa ao passo que, características políticas ou mesmo legislativas como em edição
de resoluções, com claro caráter normativo ou decisões que acarretam nova interpretação à
Lei ou Constituição, se traduzem como um evidente vendaval que destelha o teto da separação
de poderes e derruba os muros do Estado Democrático.
CAPÍTULO III
A ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO NA INTERPRETAÇÃO DO
DIREITO E A FORÇA DO PRECEDENTE JURISPRUDENCIAL
3.1 Abertura Metodológica
Até o presente estágio a pesquisa aborda aperspectiva histórica e conceitual acerca do
controle de constitucionalidade na estrutura jurídica.A partir desse momento é importante
analisar, conforme o contexto, a competência de interpretação e criação do direito por parte
do direito, elemento pertencente a problemática deste estudo, não se admitindo ocultar uma
observação sobre a atual conjuntura das súmulas vinculantes e o papel que exercem no
esquema constitucional brasileiro.
3.2A interpretação do direito: do legislativo ao judiciário
Como visto no contexto histórico, a concentração das funções em única mão se torna
prejudicial à democracia, com flertes próximos ao autoritarismo. Com isso, a doutrina da
separação dos poderes é cada vez mais fortalecida e evidenciada em vários textos
constitucionais, com as funções de legislar e julgar ficando a cargo de poderes independentes.
Junto com a separação dos poderes, reforça-se a fé no direito previamente escrito, que
traria maior segurança à população, traduzindo o direito legislativo a sensação de certeza
quanto ao ordenamento jurídico, que não ficaria à mercê de governantes e sujeito a mudanças
constantemente.
De certo modo, o direito legislativo passa a confiança de que todo o ordenamento e
possibilidades estariam estritamente consolidadas em leis. Assim, caso sobrevier dúvida
quanto a determinada situação bastaria que fosse consultada uma lei, a qual traria todas as
hipóteses, consequências e soluções com resguardo na segurança jurídica e alheia a arbítrios
discricionários de governantes ou julgadores.
84
Dentro da harmônica separação dos poderes, modelo adotado pela Constituição da
República de 1988, cabe a um poder frear condutas abusivas dos demais, exercendo o
contrapeso democrático. Coubeao Legislativo a tarefa de criar as leis e ao judiciário as
controlar, questão que ganha destaque.Todavia,há na possibilidade de criação interpretação do
direito jurisprudencial e se este é ou pode ser uma fonte do direito.
Certamente, o direito escrito legislativo confere certo grau de certeza acerca de sua
aplicabilidade e interpretação, fator que representa certa resistência à interpretação do direito
pelo judiciário que reside na questão “incerteza, obscuridade, confusão e dificuldade na
verificação” (CAPPELLETTI, 1993, p. 18) que o direito jurisprudencial oferece.
Além do mais, em primeiro plano, o direito praticado por julgadores não é muito
prestigiado “porque nunca se sabe que conclusões eles podem extrair em seus volumes
pedantes, obscuros e excessivamente sutis. Eles tampouco são populares junto ao público em
geral, porque falam acima do nível das pessoas e complicam coisas simples” (CAENEGEN,
2010, p. 109).
A atuação por parte do órgão julgador dar-se-á perante análise de cada caso, que contém
suas particularidades que, por conseguinte, terá uma decisão individualizada. Assim sendo,
por oportuno, cada caso merece uma tutela judicial específica, tornando, pois, a princípio,
impossível obter uma previsão quanto a tutela jurisprudencial antes dela ser exercida.
Com esta análise in concreto, observadas as particularidades de cada circunstância,
torna-se dificultoso aos jurisdicionados uma previsibilidade da aplicabilidade do direito ante a
flexibilidade que cada situação pode apresentar. Por outro lado, o direito codificado
“vislumbra assegurar maior grau de certeza” (CAPPELLETTI, 1193, p. 18). A certeza no
direito codificado
encontra-se no seu ponto mais elevado, pois não apenas o cidadão sabe o que o
direito é, mas, por causa da natureza abrangente do código, ele não tem nenhuma
razão para se preocupar com toda a sorte de regras (costumeiras) antigas e
semiesquecidas que podem repentinamente surgir do nada e atrapalhar suas
expectativas legítimas (CAENEGEN, 2010, p. 90).
A interpretação do direito pelo legislador, com concentração de atos normativos em
códigos, transpareceria uma sensação de maior certeza e previsibilidade à população, pois a
codificação do direito passa a percepção que este não será aquilo que não está escrito,
reconhecendo que não havia nenhum direito fora dos códigos e nenhum direito antes deles
(CAENEGEN, 2010, p. 62). Quando falam sobre legislação, os jurisprudentes se sentem mais
à vontade, é uma posição padronizada (WALDRON, 2003, p. 34).
85
O sistema do direito legislativo reunido em códigos traz “a vantagem da segurança
jurídica, que consiste no fato de a decisão dos tribunais ser até certo ponto previsível e
calculável, em os indivíduos submetidos ao Direito se poderem orientar na sua conduta pelas
previsíveis decisões dos tribunais” (KELSEN, 1998, p. 175).
Reforça-se a fé no direito escrito, pois a redução do direito ao texto solene aniquilaria a
incerteza trazida pelas diferentes posições que o direito jurisprudencial pode trazer, bastando a
alguém, caso sobrevier dúvida, consultar a legislação para sana-la.
Se por um lado a codificação apresenta esta segurança quanto a certeza da interpretação,
o direito legislativo por outro lado apresenta outras duas situações tidas como desfavoráveis
em face do direito jurisprudencial: o grau, de certa forma sutil e superficial com o qual aprecia
as questões, e a dificuldade da legislação em acompanhar o desenvolvimento e
transformações sociais.
A legislação escrita toca o direito de forma sutil e abstrata, não se permitindo explorar
as riquezas que cada caso pode proporcionar. A legislação trata o direito de forma superficial,
nada de profundidade, não sendo considerados por alguns como direito. (WALDRON, 2003,
p. 12) A falta de profundidade com a qual a lei mergulha nos concretos problemas sociais
conduz que a justiça não é necessariamente a lei (DERRIDA, 2010, p. 17). Um estatuto não é
o direito, é apenas uma possível fonte de direito (WALDRON, 2003, p. 12).
Além do mais, a legislação previamente escrita encontra o grande desafio de
acompanhar as mudanças sociais. A sociedade, a cultura, as questões econômico-políticas
mudam a cada dia e a legislação é provocada a se antecipar a todas as futuras, possíveis e
imagináveis situações e já as abarcar numa consolidação legal. E mais: já prever uma solução
para um problema que sequer existe e, quiçá, nem venha a existir. Indubitavelmente se trata
de árdua tarefa para o direito positivo, pois “a concepção prática das regras sociais é
impossível de ser legislada” (WALDRON, 2003, p. 23-24).
Certamente, “na medida em que a sociedade está em constante movimento e
transformação, os direitos de seus integrantes devem acompanhar este ritmo, sob o risco de
não conseguir proteger, defender e promover o pleno respeito à dignidade humana” (LOPES,
2001, p. 31).
A desvantagem da legislação é sua falta de flexibilidade: as regras e os códigos são
estabelecidos em textos precisos e mantem-se até que a nova legislação os modifica. A nova
legislação muitas vezes fica em descompasso com a necessidade dos tempos (CAENEGEN,
2010, p. 90).
86
Claro que a legislação não é imutável. O direito legislativo pode permutar e se adaptar
às novas mudanças e exigências sociais. Acontece que a legislação, mesmo que se altere, pode
não fazer isso no tempo e modo em que a sociedade precise, correndo o risco de que, ao cabo
do devido processo legislativo que aprove a nova legislação, os anseios da sociedade tenham
mudado novamente e o instrumento legal continue a não acompanhar a nova realidade social.
Ademais, durante o curso do processo legislativo, até que sobrevenha a almejada lei, a
nova realidade social continua a permanecer desamparada de instrumento normativo que a
regulamente. Neste compasso, o direito jurisprudencial se torna importante aliado para a
interpretação do direito. O Poder Judiciário não pode simplesmente ignorar as profundas
transformações do mundo real (CAPPELLETTI, 1993, P. 46) e “por muitas vezes, a
jurisprudência se antecipa à legislação” (ALMEIDA, 1999, p. 191).
Na interpretação do direito “devem ser empregados não apenas os argumentos da
lógica abstrata, ou talvez os decorrentes da análise linguística puramente formal, mas também
e, sobretudo, aqueles da história e da economia da política, e da ética, da sociologia e da
psicologia” (CAPPELLETTI, 1993, p. 33).
Exatamente a possibilidade de análise de cada caso, com argumentos da lógica concreta,
oportuniza que a interpretação proferida pela jurisdição complemente a da legislação.
Em virtude dessas novas áreas do fenômeno jurídico em face da legislação social que se
limita, frequentemente, a definir a finalidade e os princípios gerais e diante de direitos sociais
essencialmente dirigidos, a gradual transformação do presente e formação do futuro
importantíssimas implicações impõem-se aos juízes (CAPPELLETTI, 1993, p.41).
No Direito jurisprudencial é reforçada e complementada a interpretação da legislação.
Não está a se defender ou propor que a jurisdição substitua a lei no fundamental papel de criar
o direito. Verifica-se que o legislador tem o dever de adotar medidas necessárias para a
concretização normativa dos direitos fundamentais, visando seu real exercício, mas sempre
que tal encargo não signifique uma violação ou desnaturalização aos direitos (LOPES, 2001,
p. 32), hipótese em que a jurisdição exerce uma pretensão de correção (ALEXY, 2015, p.
157).
Na interpretação do direito como ordenamento, o modelo jurisprudencial se soma
significativamente ao modelo legislativo, uma vez que “nenhum dador de leis pode criar um
sistema de normas que é tão perfeito que cada caso somente em virtude de uma simples
subsunção da descrição do fato sob o tipo de uma regra pode ser solucionado” (ALEXY,
2015, p. 36). Logo, o órgão julgadorfrenteao caso concreto pode amoldar a situação fática à
legislação e novas perspectivas.
87
Não se permite duvidar que o “homem não existe para o Estado, mas o Estado que
existe exclusivamente para o homem (STEIN apud LOPES, 2001, p. 106)”. Nesse compasso é
permitido o raciocínio de que o Estado deve adequar as leis às reais e hodiernas necessidades
do homem. Espera-se, pois, que a flexibilidade do direito jurisprudencial proporcione e
permita a mais estreita interação entre norma e sociedade.
Diante de uma lacuna na lei ou ante a um caso específico que desafie a legislação, e
esta, ante a abstratividade com a qual toca o direito não possua uma solução concreta, o
direito se faz valer de intérpretes. A quem deve ser direcionado o socorro da interpretação de
modo a elucidar o direito? Tão somente seu criador ou outros intérpretes são convidados para
o debate?
De modo a modo, a apreciação do direito por parte do órgão julgador se torna
convidativa no auxílio para se decifrar os mistérios da legislação.
As palavras, mesmo as proferidas pelo legislativo, abrem espaço para variadas
interpretações. “Basta considerar que as palavras, como as notas na música, outra coisa não
representa senão símbolos convencionais, cujo significado encontra-se inevitavelmente sujeito
a mudanças e aberto a questões e incertezas” (CAPPELLETTI, 1993, p. 22).
Certamente se tornam dificultosos os esclarecimentos da legislação. Agora, mais difícil
ainda seria socorrer apenas os legisladores para dúvidas e esclarecimentos que surjam na
análise do instrumento normativo.
O texto da lei apresenta uma certeza quanto ao que ali está codificado no sentido de
garantir ao jurisdicionado que todo o ordenamento está previamente estabelecido e que o
direito não fora além daquele texto. Porém, as palavras e os sentidos da lei estão sujeitos a
interpretações e enigmas em cada caso. “O legislador é um monstro de muitas cabeças e é
difícil descobrir as reais intenções das centenas de parlamentares que votaram uma lei (...) na
interpretação de uma lei, a pior pessoa a que pode interpretá-la é a pessoa responsável pela
sua redação” (CAENEGEN, 2010, p. 13).
Ainda que os legisladores usassem “a forma mais simples e precisa da linguagem
legislativa, sempre deixam, de qualquer modo, lacunas que devem ser preenchidas pelo juiz e
sempre permitem ambiguidades e incertezas que, em última analise, devem ser resolvidas na
via judiciária” (BARWICK, apud CAPPELLETTI, 1993, p. 20-21).
Nesta atmosfera da inserção do Poder Judiciário como intérprete do direito, há de se
argumentar que este órgão, como crítico do direito, está mais próximo da população que o
órgão legiferante. Dados numéricos podem prestar auxílio.
88
É cediço que hodiernamente o Brasil possui quinhentos e treze Deputados Federais (Lei
Complementar n. 78/1993) e oitenta e um Senadores, que representam o Poder Legislativo a
nível federal. Deste modo, a partir de um cálculo matemático simples, o Poder Legislativo na
esfera federal é formado por 594 pessoas, o que significa que o Brasil tem um parlamentar
para cerca de 347 mil pessoas, levando em consideração a população brasileira em cerca de
206 milhões de pessoas (FUNDAÇÃO INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E
ESTATÍSTICA, 2016).
Por outro lado, no Brasilatualmente - segundo dados do “Relatório Justiça em Números
2016, ano base 2015”, elaborado pelo CNJ - existem cerca 17 mil magistrados (CONSELHO
NACIONAL DE JUSTIÇA, 2016, p. 10) em todos os tribunais e instâncias, o que fornece
uma representação de um magistrado para cerca de 12 mil pessoas.
O que se desejou demonstrar com esses singelos números foi que o Poder Judiciário,
como intérprete do direito, está bem mais próximo da população do que o Poder Legislativo,
em que pese este ser tecnicamente o órgão representante do povo. Pode o órgão judiciário
prestar imensurável auxílio ao Poder Legiferante na interpretação e releitura do direito.
Se a cada caso de dúvida na interpretação, lacuna no texto ou obscuridade de sentido da
lei o órgão responsável por sua edição for convocado para solucioná-la, este seria
absolutamente tomado pela atividade corretiva e repressiva, extinguindo as demais atividades
típicas deste Poder: editar novas leis, aptas a regular a sociedade e fiscalizar o cumprimento
das que já existem.
Enfim, como está a se propor nesta pesquisa um estudo acerca da via difusa, ante a uma
necessidade de interpretação do direito, há mais magistrados disponíveis do que
parlamentares, pelo menos na frieza dos números. Destarte, para a população seria mais fácil
socorrer ao judiciário do que ao legislativo para esclarecimentos acerca da interpretação do
direito.
Ademais, no que tange à interpretação do direito, o judiciário a faz de forma mais
concreta, com análise às minúcias de cada caso, além de prestar assessoria interpretativa mais
próxima à população, sendo de grande valia para complementar a atuação do legislativo.
A questão que se convida a exame reside no grau de interpretação exercido pelo Poder
Judiciário e se esta interpretação estaria revestida de certo tom criativo. O juiz, na
interpretação do direito, “como se diz, nominalmente não faça senão declarar o direito
existente pode-se afirmar ser em realidade criador do direito” (CAPPELLETTI, 1993, p. 17-
18).
89
Acerca desta criação do direito pode surgir como debate o limite deste “criar” para que
o Judiciário não se aventure a legislar ou a usurpar competência típica do Poder Legislativo.
No entanto, “jamais houve controvérsia mais estéril do que a concernente à questão de se o
juiz é criador do direito. É obvio que é. Como poderia não sê-lo?” (RADCLIFFE apud
ALMEIDA, 1999, p. 191). A criatividade constitui um fator inevitável da função jurisdicional
(CAPPELLETTI, 1993. p. 73).
Contudo, basta reforçar que criar o direito não significa necessariamente editar leis.
Vale relembrar que um estatuto não é o direito, é apenas uma possível fonte deste.
(WALDRON, 2003, p. 12). Por certo, a interpretação não deve ser confundida com total
liberdade do intérprete (CAPPELLETTI, 1993, p. 23).
Por oportuno, “interpretação significa penetrar os pensamentos inspirações e linguagem
de outras pessoas com vistas a compreende-los” (CAPPELLETTI, 1993, p. 21).
A esta forma, pois, perante análise de determinado caso em que o intérprete
jurisdicional é chamado para apreciar o direito, destaca-se que o juiz está autorizado a propor
uma abertura (ALEXY, 2015, p. 37) ao cerrado direito legislativo.
A jurisdição é exitosa quando utiliza argumentos capazes e dispostos de fazer uso de
suas possibilidades racionais (ALEXY, 2015, P. 165). Assim, a magistratura exerce
importante “pela razão de que tais leis e direitos frequentemente são muito vagos, fluidos e
programático, mostra-se inevitável alto grau de ativismo e criatividade do juiz chamado a
interpretá-los. (CAPPELLETTI, 1993, p. 60).
Inevitavelmente, “o tribunal investido da árdua tarefa de atuar a constituição é desafiado
pelo dilema de dar conteúdo a tais enigmáticos e vagos preceitos, conceitos e valores (tarefa,
claro está, altamente criativa)” (CAPPELLETTI, 1993, p. 68).
É manifesto o caráter acentuadamente criativo da atividade judiciária de
interpretação e de atuação da legislação e dos direitos sociais. Deve reiterar-se, é
certo, que a diferença em relação ao papel mais tradicional dos juízes é apenas de
grau e não conteúdo: mais uma vez impõe-se repetir que, em alguma medida, toda
interpretação é criativa, e que sempre se mostra inevitável um mínimo de
discricionariedade da atividade jurisdicional. Mas, obviamente, nessas novas áreas
abertas à atividade dos juízes haverá, em regra, espaço para mais elevado grau de
discricionariedade e, assim, de criatividade, pela simples razão de quanto mais vaga
a lei e mais imprecisos os elementos do direito, mais amplo se torna também o
espaço deixado à discricionariedade nas decisões judiciárias. Esta é, portanto,
poderosa causa da acentuação que, em nossa época, teve o ativismo, o dinamismo e,
enfim, a criatividade dos juízes. (CAPPELLETTI, 1993, p. 42).
Portanto, a interpretação do direito legislativo formulada pelo direito jurisprudencial dá
ao ordenamento maior completude. O que faz de um sistema jurídico um sistema não é a
90
posição estratégica de uma legislatura, mas o fato de que existe um conjunto organizado de
instituições aplicadoras de normas, como os tribunais (WALDRON, 2003, p. 18).
A questão aqui em análise gira em torno da interpretação por parte do órgão judicante,
de modo a completar aquela proferida pelos legisladores, uma vez que “nem mesmo a
completa codificação teria eliminado inteiramente do caminho do judiciário” (BENTHAN
apud CAPPELLETTI, 1993, p. 18).
O ordenamento jurídico brasileiro admite esta interpretação suplementar ativa por parte
do órgão julgador. O Decreto Lei n. 4657/1942, denominada Lei de Introdução às normas do
Direito Brasileiro, estabelece em seu artigo 4. que quando a lei for omissa o juiz decidirá o
caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito. Ademais, na
própria aplicação da lei o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do
bem comum, segundo ditames do referido diploma normativo de introdução ao Direito
Brasileiro.
Na legislação já há o reconhecimento de uma interpretação criativa do órgão judicante
de modo a buscar uma mais completa interação entre legislação e sociedade. Reconhece a
legislação que detém e nem pode ter o dom profético de se antecipar a todos os eventos
sociais.
Esta interação entre analogia, costumes e princípios gerais de direito é apreciada pela
via difusa de interpretação, uma vez que cada caso é um caso, cada decisão é diferente e
requer uma interpretação absolutamente única, que nenhuma regra existente ou codificada
pode nem deve absolutamente garantir (DERRIDA, 2010, p. 44).
Por certo, atribuir ao Poder Judiciário atividade interpretativa com certo viés criativo
não o torna legislador, uma vez exercendo sua função nos limites constitucionais para
“prevenir o perigo da transformação perversa do judiciário em outro poder político”
(CAPPELLETTI, 1993, p. 50).
O direito jurisprudencial se consolida como uma fonte do direito e estas são “o costume
(como fixado e formulado pelos julgamentos), a legislação e a ciência do direito
(jurisprudence) ” (CAENEGEN, 2010, p. 47).
As fontes do direito, portanto, devem se complementar visando melhor aplicabilidade
deste. “Em vez de ver fontes disputando entre si, as pessoas, os grupos de pressão e classes
serão vistos lutando pelo poder: controlar o direito para controlar a sociedade” (CAENEGEN,
2010, p. 47-48).A intensão de se convidar o judiciário para a interpretação do direito é
justamente promover a harmonia social.
91
“A importância dos mecanismos de proteção dos direitos fundamentais perante o
poder de legislar é inquestionável, na medida em que permite a conservação do
princípio da dignidade humana contido em cada direito fundamental, reafirmando-se
assim, que o centro e o fim de toda atividade estatal deve ser o ser humano”.
(LOPES, 2001, p. 198).
O direito jurisprudencial formula precedentes adotados e resguardados como fonte do
direito, sendo aliado a interpretação do direito positivado. As próximas páginas deste estudo
se propõem a analisar o grau de influência do direito jurisprudencial como fonte do direito
brasileiro e a abordagem dos recursos repetitivos à edição de súmulas vinculantes.
3.3. Teoria dos precedentes judiciais como fonte do direito brasileiro. Uma análise sobre
a súmula vinculante e o poder normativo dos tribunais
3.3.1 Linhas iniciais acerca da Súmula Vinculante: A força obrigatória e vinculação dos
efeitos.
Na teoria da interpretação criativa do direito por parte dos julgadores, o tema da súmula
vinculante ganha cada vez mais destaque. Por meio da Emenda Constitucional n. 45, foi
incluído na Constituição da República de 1988, o artigo 103-A, que estabelece que o Supremo
Tribunal Federal possa de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus
membros, depois de reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a
partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais
órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta nas esferas federal,
estadual e municipal.
Este conceito extraído do texto da Constituição Federal e reiterado pela Lei n. 11.417 de
dezembro de 2006, que regulamenta a edição, revisão e cancelamento de súmula vinculante,
apresenta uma riqueza de peculiaridades, as quais permitem fazer uma análise.
Em primeira instância, a Súmula Vinculante é um importante instrumento apto a frear a
sensação de insegurança jurídica proposta pelo direito jurisprudencial, que nos oferece uma
solução diferente para cada caso.A ideia da Súmula Vinculante é reforçar a uniformização da
jurisprudência reafirmada pela Suprema Corte, evitando discrepância de entendimento e a
enxurrada de recursos sobre questões idênticas a cair nos tribunais superiores todos os dias.
Assim, depois de reiteradas decisões, pode o Supremo Tribunal Federal se posicionar
acerca de vincular os efeitos e dar voz erga omnes aos seus apontamentos. “Veda-se, desse
modo, a possibilidade da edição de uma súmula vinculante com fundamento em decisão
92
isolada. É necessário que ela reflita uma jurisprudência do tribunal, ou seja, reiterados
julgados no mesmo sentido, é dizer, com a mesma interpretação” (MENDES, COELHO;
BRANCO, 2009, p. 1010-1011).
Para que uma questão decidida perante a Corte Suprema atinja o status vinculante é
preciso um “amadurecimento prévio” (Tavares, 2009, p. 18) da tese, que após vários debates
na alta casa de justiça, teve o posicionamento constantemente ratificado. “Na verdade, para
que uma súmula possa ser editada haverá uma sucessão de casos, que, reconstruídos, darão
azo a uma coagulação de sentido” (STRECK, 2013, p. 1432).
Deste modo, a ideia maturada e sólida, decidida perante a Suprema Corte, visa alcançar
maior segurança quanto ao posicionamento do direito interpretativo e criativo praticado pelos
juízes a fim de adotar uma uniformização do pensamento e evitar decisões isoladas a cada
julgado cada uma num sentido, que conduz a inquietude do direito jurisprudencial.
A ideia do precedente sumulado obrigatório ganha destaque “em razão quadro crítico
enfrentado pelo Poder judiciário, consistente na avalanche de processos submetidos aos
tribunais, na demasiada demora em solução definitiva dos casos e no consequente custo
elevado de manutenção (STRECK, 2013, p. 1425).
Para ilustrar tal situação, ressalte-se que cerca de 100 milhões de processo tramitaram
perante órgãos do poder judiciário brasileiro durante o ano de 2015 (CONSELHO
NACIONAL DE JUSTIÇA, 2016, p. 42). Elevado índice de processos que frequentam os
corredores do judiciário brasileiro, que representa um processo para cada 2 pessoas,
considerando a população brasileira em torno de 200 milhões (FUNDAÇÃO INSTITUTO
BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2016).
Apenas perante a Suprema Corte, o acervo atual é de cerca de 61 mil processos
(SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2016), segundo estatísticas que constam no site deste
tribunal, obtidos em pesquisa a este.
Importante ainda trazer evidenciar no presente estudo que o tempo médio de tramitação
de processos na Justiça Estadual é de oito anos e onze meses e na Justiça Federal, sete anos e
nove meses (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2016, p. 69).
Tais dados representam um cenário tumultuado para o judiciário diante do elevado
número de processos e do vagaroso tempo de tramitação. As súmulas visam contribuir com o
bom andamento da máquina judiciária, de modo a tentar promover a solução dos casos, com a
redução do tempo de tramitação e o acúmulo de processos, uma vez que a questão estaria
consolidada na Corte Suprema.
93
Com o amadurecimento da posição acerca de determinada matéria, as súmulas servem
para obstaculizar recursos (STRECK, 2013, p. 1432) que, em que pese ser direito do cidadão
uma reanálise do caso por outro órgão do judiciário, tornou-se instrumento de estratégia de
protelação e travamento processual, que contribui para o acúmulo de demandas e recheia
ainda mais os dados já carregados do atual cenário do judiciário brasileiro.
Assim, a Constituição da República traz que aprovado o verbete da súmula, esta passa a
ter, após publicação na imprensa oficial, aplicação vinculante. Tal propósito empresta força
obrigatória (STRECK, 2013, p. 1425) para o caso sumulado, que produz efeitos em relação
aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas
federal, estadual e municipal.
Acerca destes efeitos, duas situações são convidativas a debate: a vinculação de Órgãos
da Administração Pública à posição editada pela Corte Suprema e o caráter normativo
obrigatório que ela passa a ter.
Segundo ditames constitucionais, uma vez publicada a súmula vinculante, esta passa
ditar efeitos obrigatórios perante outros órgãos do Poder Judiciário e Administração Pública
direta ou indireta em todas as esferas.
Importante destacar que “o caráter vinculante não abrange o Poder Legislativo”
(STRECK, 2013, p. 1432). O âmbito da vinculação é, portanto, o Judiciário e a Administração
Pública (TAVARES, 2009, p. 38).
O constituinte derivado, portanto, excluiu da vinculação dos efeitos, o Poder
Legislativo. Sob o prisma da separação dos poderes, a atitude do Judiciário em consolidar
seus entendimentos em verbete obrigatório não estaria a imergir abruptamente na área de
atuação do Poder legiferante, não usurpando competência típica deste.
Por outro lado, contudo, a força vinculante do entendimento firmado pelo Poder
Judiciário envolve a Administração Pública direta e indireta nas esferas federal, estadual e
municipal. Se por um ângulo a atuação judicante vinculativa não adentra no Poder legislativo,
por outro, penetra diretamente na órbita do Poder Executivo.
Perante a regência da Súmula vinculante, os órgãos da Administração Pública passam a
seguir orientações firmadas pelo Tribunal. Neste ponto reside um conflito de entre os poderes,
nos exatos limites do órgão judiciário criar parâmetros a serem seguidos pelo Poder Executivo
e órgãos a ele adjacentes direta e indiretamente.
Primeiramente, há de se ponderar que, apesar de harmônicos, os poderes da República
são independentes. Com a vinculação do verbete jurisprudencial, o Executivo, embora
94
autônomo, fica laçado aos ditames judicantes com certo grau de dependência, visto que o
Supremo detém o poder para anular ato administrativo que contrariar o enunciado sumulado.
A força produzida pela súmula vinculante parece soar mais forte que aquela propagada
da lei, basta analisar a consequência do descumprimento de uma e de outra. O
descumprimento de súmula vinculante, segundo orientação do artigo 7. da Lei n.
11.417/2006, acarreta reclamação perante o Supremo Tribunal e visa garantir a autoridade das
decisões desta Casa julgadora (artigo 156 do Regulamento Interno do STF).
No caso de constatado descumprimento da súmula vinculante e procedente a
reclamação constitucional a Corte Suprema irá anular o ato administrativo, nos exatos termos
dos artigos 103-A, § 3., da Constituição da República e 7., § 2., da Lei n. 11.417/2006. Há de
se notar aqui o tom impositivo que o Poder Judiciário atua em face do descumprimento de
posicionamento vinculante.
Paralelamente, declarada a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo pela via difusa,
caberá ao Senado Federal suspender a execução desta, segundo ditames do artigo 52, inciso X
da Carta da República. Observe-se, pois, o trato mais cauteloso aqui proposto, envolvendo o
poder legislativo.
A questão acerca de constitucionalidade pela via difusa chegará ao Pretório Excelso por
via de recurso extraordinário. A Constituição da República, dentre outros casos, admite o
recebimento de tal recurso ante uma decisão que contrariar dispositivo constitucional e
declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal.
O efeito imediato da declaração de inconstitucionalidade na via concreta se limita a
reconhecer o estado de incompatibilidade de lei ou ato normativo para com a Constituição,
sendo, pois, sentença declaratória (SILVA, 2015, p. 56). O descumprimento de súmula
vinculante, por seu turno, possui o efeito direto de anular o dito ato do Poder Executivo,
traduzindo numa imposição verticalizada do órgão judiciário sobre a Administração Pública.
A súmula vinculante ganhou força extrema e o descumprimento de uma ordem judicial
vinculante parece ser mais grave que desobedecer a uma lei. Determinado ato que descumpra
a Lei Maior será também submetido à análise por parte do Poder Judiciário, porém, com grau
escalonado de recursos e, quando finalmente é decidida definitivamente, merece uma
comunicação uma das Casas do Legislativo Federal para que possa, enfim, ser concretizada a
suspensão de cuja lei ou ato normativo.
Em outro contexto, o desrespeito a enunciado de súmula vinculante acarreta a
instantânea representação constitucional diretamente perante a Suprema Corte com trâmite
avassaladoramente mais célere que o caminhar de um processo em curso normal que chegue à
95
Corte pela via extraordinária de recursos. Tal discrepância, pelo menos em se tratando do
quesito temporal, dá um ar de prevalência da súmula em detrimento da lei.
De fato, a ingerência do Judiciário sobre o Executivo é necessária ser vista com cautela.
Pois, desta maneira, os órgãos da Administração Pública serão mais vinculados à súmula
vinculante que a Lei, o que traz uma profunda indigestão na relação entre os três Poderes,
com o Judiciário não só usurpando função legislativa, como também, sobrepondo-se aos
demais órgãos, com suas decisões vinculantes justapor em alguns casos à lei e intervindo
subitamente no Executivo.
Imergido nessa questão da imposição direta e verticalizada do judiciário no Poder
Executivo, há de se resgatar um dos princípios basilares da Administração Pública, o princípio
da Legalidade, segundo o qual, os órgãos da administração Pública direta e indireta em todas
as esferas devem estrita obediência aos preceitos legais. Sendo, pois, a atividade
administrativa um gravitar na órbita da lei (BRITTO, 2013, p. 822).
Ciente deste princípio, de acordo com o qual trivialmente “a Administração Pública só
pode fazer o que está na lei”, há, pelo menos aparentemente, um choque com os efeitos das
Súmulas Vinculantes e referido princípio.
Sob o prisma da legalidade, a Administração Pública somente alcança o patamar de
legitimidade plena quando impulsionada pela lei (BRITTO, 2013, p. 822). Acontece que os
efeitos da súmula vinculante, segundo ditames constitucionais, vinculam diretamente os entes
da Administração Pública, que, por muitas vezes, passam a agir impulsionados por
orientações jurisprudencialmente vinculantes.
Ainda que não exista um eventual conflito entre lei e enunciado de súmula, tal
posicionamento vinculado regulamenta o direito de modo a enlear os entes administrativos ao
preceito jurisprudencial, sob pena, inclusive de nulidade do ato se a sentença for julgada
procedente.
Desta feita, na teoria, a Administração Pública estaria restrita a preceitos legais,
contudo, na prática, reservada a preceitos sumulares. Portanto, além da questão que se
envolve tangencialmente à harmonia dos poderes, a súmula vinculante deve enfrentar
descompasso com o princípio da legalidade, que rege os atos administrativos.
Além da vinculação de sobreposição do Judiciário em face da Administração Pública e
os traços conturbados que sobre ela pode incidir, a tese da súmula vinculante assume um novo
desafio perante o pensamento jurídico: o atributo normativo impositivo a ela essencialmente
revestida.
96
O caráter compulsório que assume a posição do Pretório Excelso abandona o sentido
meramente de orientação de julgamento para flertar com uma atividade legislativa. “A
súmula, assim como a lei, é um texto do qual se extrai norma” (STRECK, 2013, p. 1431). A
partir da edição de súmula vinculante, o STF passa a exercer função de “criação de regras”
(VIEIRA, 2008, p.446).
A atividade jurisdicional abandona o apanágio de concretude com o qual investiga o
direito e passa a aprecia-lo de modo abstrato. A essência da súmula vinculante está
representada como uma forma de transposição do concreto para o abstrato-geral (TAVARES,
2009, p. 15).
Assim, os detalhes dos casos concretos, suas particularidades e interesses, apreciados
pelas decisões anteriores, serão descartados para fins de criação de um enunciado que seja
suficientemente abstrato par ter efeitos erga omnes (TAVARES, 2009, p. 15).
O texto jurisdicional vinculante que assume o papel de antecipar a solução antes mesmo
da definição do problema passa então a não resolver apenas o caso singular, mas uma
determinada concretização jurídica da constituição para o futuro (MENDES, PFLUG, 2005, p.
354).
Novamente, instigante se torna apreciar o grau de interpretação e criação do direito por
parte do judiciário. Abordou-se, ainda neste capítulo, esta atuação judicante mais destacada.
Cumpre agora analisa-la no trato com a edição de súmulas vinculantes, pois estas assumem
claramente um aspecto normativo.
A orientação sumular obrigatória assume caráter legislativo ou o verbete seria reflexo
natural democrático da jurisdição? A questão aqui gira em torno de saber se cabe ao judiciário
editar tal efeito vinculante, sendo uma dilatação normal do precedente judicial.
Por um lado, conferir a tal decisão caráter de precedente obrigatório é tão-só um
alargamento coerente da função criadora de Direito dos tribunais. (KELSEN, 1998, p. 175).
Noutra vertente, este posicionamento vinculante seria próximo de mais de tarefa legislativa,
que não cabe ao judiciário.
Numa direção, reconhecido o viés criativo da interpretação do direito jurisprudencial, a
vinculação dos efeitos do posicionamento sumular, não passa de reflexo da própria conduta
judicante.
Efetivamente, os julgadores são chamados a interpretar e, por isso, inevitavelmente a
esclarecer, integrar, plasmar e transformar e, não raro a criar ex novoo direito, o que não
significa que sejam julgadores (CAPPELLETTI, 1993, P. 74).
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Se aos tribunais é conferido o poder de criar não só normas individuais mas também
normas jurídicas gerais, (KELSEN, 1998, p. 175), derivada da própria atuação judicante. Os
tribunais têm potencialidade de ser os melhores legisladores possíveis na determinação e
constante adaptação das regras técnicas do processo (CAPPELLETTI, 1993, p. 80).
Uma proposta da súmula vinculante vista com bons olhos, consiste em tentar
desconstruir duas desvantagens da interpretação do direito, uma típica do direito legislativo e
outra do jurisprudencial. O direito praticado por legisladores apresenta o revés de não
acompanhar a atualidade do desenvolvimento social.
O posicionamento sumular almeja combater a desatualização do direito
legislativo, pois,
A súmula vinculante somente será eficaz para reduzir a crise do Supremo Tribunal
Federal e das instâncias ordinárias se puder ser adotada em tempo social e
politicamente adequado. Em outras palavras, não pode haver um espaço muito largo
entre o surgimento da controvérsia com ampla repercussão e a tomada de decisão
com efeito vinculante. Do contrário, a súmula vinculante perderá o seu conteúdo
pedagógico-institucional, não cumprindo a função de orientação das instâncias
ordinárias e da Administração Pública em geral. Nesse caso, sua eficácia ficará
restrita aos processos ainda em tramitação (MENDES, COELHO; BRANCO, 2009,
p. 1014).
O inconveniente do direito jurisprudencial que o posicionamento sumulado procura
rechaçar reside na impressão de insegurança jurídica que o direito praticado por juízes
proporciona. A súmula, por sua vez, visa se concentrar na uniformização do posicionamento
jurisprudencial.Desta feita, a súmula procura unir a contemporaneidade do direito
jurisprudencial com a segurança jurídica do direito legislativo.
Importante, contudo, redobrar a atenção e observar limites para “prevenir o perigo da
transformação perversa do judiciário em outro poder político” (CAPPELLETTI, 1993, p. 50).
Questão que frequentemente apareceu nesta pesquisa e novamente se reascende: o risco
de que o Judiciário assuma cada vez mais a tarefa legislativa usurpando competência do poder
legiferante e tornar-se, de certo modo, opressor, com a tarefa de legislar e julgar na mão, além
de anular atos do Executivo, o que pode ser prejudicial ao caminhar democrático da Nação.
Diferente do que ocorre no trato específico de inconstitucionalidade, para edição de
súmula vinculante, a atuação do órgão julgador não está limitada apenas a apreciar eventual
conduta viciosa de um dos poderes para determinar o desempenho judicante.
Em caso de inconstitucionalidade, mesmo que pela via difusa, o Judiciário é chamado a
exercer o freio em uma conduta abusiva por parte do órgão legiferante para contrabalancear o
sistema democrático. Note-se que caso a atuação legislativa fosse compatível com a órbita
constitucional, não se faria mister a tutela judicial.
98
Noutra seara, excetuando um posicionamento vinculante pautado numa
inconstitucionalidade, a posição da Suprema Corte é de um protagonismo significativo, pois,
uma sequência de julgados na mesma direção tem o condão de ditar as regras, com um poder
vinculante quiçá maior que até mesmo a lei.
O que esta a se pensar aqui traduz resumidamente da seguinte forma: Se o
posicionamento vinculante se firmar devido a reiteradas declarações de inconstitucionalidade,
este decorre da própria da atuação harmoniosa e interdependente dos Poderes.
Reitera-se, a inconstitucionalidade de uma lei configura conduta abusiva por parte do
Poder legislativo com a consequente invocação do Poder Judiciário a apreciar o tema,
formalizando a participação natural desse poder julgador no contrabalancear do sistema
democrático.
Assim, a edição de súmula vinculante antes de comunicação ao Senado confere efeitos
vinculantes e erga omnes às declarações de inconstitucionalidade na via incidental.
(SILVA,2015, p. 573).
Já a súmula vinculante cujo objeto foge de uma conduta abusiva dos demais poderes,
conduz uma atuação mais impositiva do judiciário com certo destaque. Certamente, para
reiterar posicionamento sobre determinada a matéria, o órgão judicante foi instigado a tanto,
não se discute.
A questão reside em que a harmoniosa separação dos poderes pondera que um poder do
Estado interfira em outro para fazer sanar uma irregularidade por um deles praticada. Assim,
quando o teor da súmula se pautar numa orientação de conduta sem que esteja presente uma
conduta viciosa dos demais poderes, este se assemelha a um arbítrio do Judiciário, querendo
angariar mais poderio, pois, orientação de conduta está a cargo do Poder Legislativo.
No caso de inconstitucionalidade, contudo, mesmo que venha a ser sumulada, o
nascedouro do verbete vinculante se pauta em uma conduta abusiva por parte do órgão
legislativo, tendo sido a atuação do Judiciário harmoniosamente convidada, não flertando com
usurpação de competência ou concentração de poder.
Ao analisar os legitimados a propositura de posicionamentos vinculantes se percebe
uma força atuante do Supremo Tribunal Federal. Ao tratar da súmula vinculante a
Constituição da República de 1988 trouxe que a Suprema Corte pode, de ofício ou por
provocação dos legitimados para ação direta de inconstitucionalidade (STRECK, 2013, p.
1427), editar súmula vinculante. Contudo, a Lei n. 11.417/2006 que regulamenta a matéria,
expandiu os legitimados para instigar o STF a sumular um entendimento.
99
Conforme a referida lei, além dos legitimados para ADI, constantes no rol do artigo 103
da Constituição da República de 1988, podem propor a edição, revisão ou cancelamento de
súmula vinculante o Defensor Público-Geral da União, os Tribunais Superiores, os Tribunais
de Justiça de Estados ou do Distrito Federal e Territórios, os Tribunais Regionais Federais, os
Tribunais Regionais do Trabalho, os Tribunais Regionais Eleitorais e os Tribunais Militares.
Percebe-se, pois, uma expansão do rol de pessoas autorizadas a propor edição de
verbete vinculante. No entanto, analisando todas as súmulas já publicadas pelo Supremo
Tribunal Federal, num total de 54, – as súmulas de número 30 e 56 estão pendentes de
publicação – percebe-se uma concentração do domínio da própria Casa nas propostas de
enunciado de súmula.
Das 54 súmulas já publicadas pelo STF, 52 se deram de ofício e apenas duas por
provocação. As súmulas de número 14 e 47 foram pedidos formulados pelo Conselho Federal
da Ordem dos Advogados do Brasil, ao passo que todas as demais foram propostas pelos
próprios Ministros da Casa Julgadora.
Estes dados, que foram arguidos perante a página oficial do STF (http://www.stf.jus.br),
analisando uma a uma todas as súmulas vinculantes publicadas desde a admissão de tal
instituto no arranjo jurídico pátrio, que se deu em 2004, demonstra o protagonismo do
Pretório Excelso, que editou de ofício quase a totalidade das súmulas vinculantes.
O fenômeno ativo da Corte Suprema se mostra crescente quando se analisa o número de
súmulas publicadas. De 2007, data de publicação da primeira súmula vinculante, até 2011,
haviam sido publicadas 31 súmulas vinculantes.
Percebe-se, no entanto, um aumento gradativo de súmulas editadas a partir de 2014. De
outubro de 2014 a maio de 2016 - 20 meses - foram editadas 22 súmulas de viés vinculante, o
que representa quase uma súmula publicada por mês.
O que se pretende, com a singeleza destes números, é expor esta conduta proativa do
Poder Judiciário, que além de editar súmulas com conteúdo normativo, ele mesmo as propõe,
com certo aumento de poder.
3.3.2 Súmula vinculante: orientação de conduta e reconhecimento de inconstitucionalidade ou
ilegalidade
A súmula vinculante, como visto, é um texto do qual se extrai uma norma (STRECK,
2013, p. 1431), assumindo caráter abstrato, assim como ato legislativo, para a regular atos
100
futuros. Esta regulamentação prévia que causa certa aflição no ordenamento, quando se limita
a tão somente definir uma orientação de conduta.
Algumas orientações sumuladas se concentram em analisar de fato
inconstitucionalidade ou ilegalidade, assumindo o STF a função reparadora a qual foi
convidado, dentro do controle harmônico. É o caso exemplificativo da súmula de número 2,
que reconheceu a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo estadual ou distrital que
disponha sobre sistemas de consórcios e sorteios, inclusive bingos e loterias.
Ainda, como exemplo, o caso da súmula de número 8, que se firmou entendimento que
são inconstitucionais o parágrafo único do artigo 5.do Decreto-Lei n. 1.569/1977 e os artigos
45 e 46 da Lei n. 8.212/1991, que tratam de prescrição e decadência de crédito tributário.
Repise-se que a atuação judicante nestes casos se deu de modo a controlar abusos
contrários à Constituição. Noutro caso, a atuação sumular revela-se claramente como fixação
de conduta, de modo a regulamentar situações futuras como se lei fosse.
É a hipótese, por exemplo, o teor da súmula vinculante n. 4, que estabelece que “salvo
nos casos previstos na Constituição, o salário mínimo não pode ser usado como indexador de
base de cálculo de vantagem de servidor público ou de empregado, nem ser substituído por
decisão judicial”.
Há de se notar o caráter impositivo criador para estabelecer condições de indexação do
salário mínimo como base cálculo.
Acerca deste conteúdo normativo, de orientação de conduta, destaque-se ainda, a
súmula vinculante de número 13, que trata de nepotismo. Após reiteradas decisões sobre o
tema, o Supremos Tribunal Federal firmou entendimento de que a:
“A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por
afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma
pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de
cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública
direta e indireta em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição
Federal”.
O verbete de número 13 é revestido de viés claramente normativo e assume o papel de
positivar a prática de nepotismo. Há de se notar que o texto da súmula cria condições e define
a situações com um rigor estritamente abstrato de indicação de conduta, tal como um ato
normativo.
101
Por sinal, o ato normativo a regulamentar o nepotismo, o decreto n. 7.203, de 4 de junho
de 2010, é posterior à súmula vinculante que tratara do mesmo tema, que foi publicada em 12
de novembro de 2008. O que reforça ainda mais este viés estatutário que envolve a súmula.
Argumente-se que neste caso, o direito jurisprudencial serviu de fonte para o direito
legislativo.
Não pretende se discutir neste momento a essência da questão de nepotismo e sim
reacender a conduta atuante do Poder Judiciário, a estabelecer regras e definições abstratas,
com caráter vinculante.
Não restrito apenas a casos de edição de súmulas vinculantes, em que pese a
nomenclatura do tópico, importante destacar que a Casa guardiã da Constituição adotou
noutros julgamentos reflexos tipicamente de orientações de conduta. “Tanto no caso da
fidelidade partidária, MS 26.603, como no caso da Reclamação 4.335-5/ Acre, referente à
constitucionalidade da lei de crimes hediondos, o Supremo parece ter dado um passo na
direção do exercício do poder constituinte reformador” (VIEIRA, 2008, p. 454).
A súmula vinculante, claramente traz benefícios para fortalecer os precedentes
formados pelo tribunal. Contudo, há se reforçar a extrema cautela com a atuação vinculante
impositiva e legislativa que trata as questões, engessamento da orientação de conduta para não
transformar o Judiciário noutro poder (CAPPELLETTI, 1993, p. 50).
Os enunciados vinculantes que firmam orientação de conduta, de modo a trazer novo
texto positivado se aproximam se aproximam muito de ato tecnicamente legislativo e
contribui com parcela significativa na propagação de efeitos erga omnes após reiteradas
decisões em sede difusa de controle.
CAPÍTULO IV
EFEITOS ERGA OMNES EM CASO DE INCONSTITUCIONALIDADE
DECLARADA PELA VIA DIFUSA
4.1 Introito metodológico
Até o presente estágio esta pesquisa dedica-se à contextualização do tema acerca do
controle de constitucionalidade e fornece elementos sobre a atuação dos Poderes Legislativo e
Judiciário ante a temática com reflexos da atuação deste poder julgador como intérprete do
direito.
É importante ressaltar a problematização que a questão envolve sobre a expansão dos
efeitos em caso de inconstitucionalidade reconhecida pela via difusa. Esta forma de controle
proporciona que a decisão teria força para produzir efeitos tão somente para as partes.
No entanto, no que concerne às leis e atos normativos contrários à Constituição cuja
essência ultrapasse os interesses subjetivos da causa, inclusive com repercussão geral
reconhecida, cabe à Suprema Corte expandir os efeitos da decisão para além das partes? Esta
questão que se propõe a análise, inclusive, aborda neste capítulo um estudo acerca de alguns
posicionamentos específicos do STF sobre o tema que assumiram relevância extra partes.
4.2 Repercussão Geral como elemento de força do precedente do direito jurisprudencial
Foi abordado no tópico anterior a edição de súmulas vinculantes e o impacto que estas
produzem no âmbito do ordenamento jurídico, o que reforça precedente jurisprudencial como
fonte do direito. As súmulas vinculantes ganham renomado destaque nesse contexto diante da
real proximidade normativa obrigatória que reveste o verbete vinculante.
Contudo, o direito brasileiro admite outro fenômeno que contribui para fortalecimento
da teoria dos precedentes jurisprudenciais: a comprovação de repercussão geral para
conhecimento Recursos Extraordinários.
A Constituição da República de 1988, por meio da Emenda Constitucional n. 45, passou
a adotar o instituto da repercussão geral no ordenamento brasileiro. Referida emenda incluiu
103
no Texto Magno o artigo 102, § 3., que determina que no recurso extraordinário o
recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no
caso nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente
podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros.
A demonstração de tal repercussão trata, então, de requisito de admissibilidade dos
recursos extraordinários (CARVALHO FILHO, 2015, p. 43). Por vezes a incansável busca
por conceituações de institutos jurídicos se depara com uma perplexidade de definição do real
valor semântico da expressão “repercussão geral”, pois, nela se tem um conceito bastante
vago (VIANA, 2011, p. 39).
A tarefa, talvez não conceitual, mas, pelo menos delimitadora e regulamentadora da
matéria, ficou a cargo da Lei 11.418/2006, que inseriu o artigo 543-A ao Código de Processo
Civil de 1973 para prescrever que para efeito de repercussão geral será considerada a
existência, ou não, de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou
jurídico que ultrapassem os interesses subjetivos da causa.
O estatuto processualista vigente manteve a determinação à luz do artigo 1.035. A
legislação desafiou o tema, o que não esgotou a vagueza conceitual da expressão e do
instituto. O diploma processualista determina ainda que haverá repercussão geral sempre que
o recurso impugnar acórdão que contrariar súmula ou jurisprudência dominante do Supremo
Tribunal Federal ou caso o motivo do recurso objetivar atacar acórdão que tenha sido
proferido em julgamento de casos repetitivos.
Há de se reconhecer a repercussão geral contra acórdão que tenha reconhecido a
inconstitucionalidade de tratado ou de lei federal. Tais hipóteses estão elencadas no parágrafo
terceiro do artigo 1.035 do CPC vigente.
Trata-se de singular caso de presunção de reconhecimento de repercussão geral sem,
contudo, a necessidade de submissão ao colendo Supremo Tribunal como requisito de
admissibilidade.
Impossível seria esperar que o texto da norma constitucional ou da lei pudesse elencar
exaustivamente as hipóteses de configuração da repercussão geral. Tal situação implicaria a
inviabilização, já no plano normativo, de qualquer possibilidade de sucesso do novel instituto
(VIANA, 2011, p. 43).
Aliás, nem era de se almejar taxativamente a questão. A essência da questão preza
transcendência motivos, sendo a tutela da Suprema Corte Incompatível com os interesses
subjetivos individuais das partes (VIANA, 2011, p. 207).
104
A tese ganha destaque para dar à Corte Suprema a possibilidade de exercer sua função
de guarda da Constituição, subtraindo desta Casa questões que possuem reflexos de ligação
para com a Carta Magna, revestidas essencialmente de interesses subjetivamente individuais.
Por certo, a Carta Constitucional da República de 1988, que quanto à extensão se
classifica como analítica, sendo que abarca nas malhas da sua normatividade todo o conjunto
da vida social (MENDES; COELHO; BRANCO, 2009, p. 204), traz em seu texto dispositivos
que regulam a quase totalidade das questões em diversas áreas quotidianas e ramos do direito.
As questões sociais, salvo raras exceções, produzirão reflexos constitucionais, ainda que
indiretamente. Desta forma, toda e qualquer demanda estará sujeita à apreciação do Excelso
Tribunal Federal via Recurso Extraordinário, uma vez que o objeto deste recurso reside
exatamente, dentre outros, em decisão que contrariar dispositivo constitucional. “Em resumo,
tudo no Brasil parece exigir uma “última palavra” do Supremo Tribunal Federal” (VIEIRA,
2008, p. 451).
O objeto do recurso, pois, estende à competência da Suprema Corte à análise de quase
todas as questões sociais, o que traduz um sufocante congestionamento (VIANA, 2011, p.
212) da Casa julgadora, com várias demandas a se aglomerar pelos corredores do Judiciário.
A Corte Constitucional se viu afogada em uma crise numérica (CARVALHO FILHO,
2015, p. 23). Crise essa que se manifesta de forma radical no sistema difuso com o aumento
vertiginoso de recursos extraordinários e agravos de instrumento interpostos contra decisões
indeferitórias desses recursos (MENDES; COELHO; BRANCO, 2009, p. 999).
Tal situação contribuiu para que, em dado momento, o Supremo Tribunal se
assemelhasse a uma corte revisional (VIANA, 2011, P. 212) ante ao elevado volume de
recursos a chegar todos os dias, desvirtuando esta Casa Julgadora da função para a qual foi
projetada (NEVES, 2016, p. 1753).
Intolerável, portanto, o quadro de inviabilização do exercício, pelo Supremo Tribunal
Federal, de sua função precípua de guarda da Constituição (VIANA, 2011, p. 211).
Dedicando suas forças e tempo a questões singulares e muitas vezes idênticas a várias outras a
se ajuntar na Casa.
Diante de tal cenário, com o afã de evitar o acúmulo de processos repetidos na Corte
(MENDES; STRECK, 2013, p. 1407), importante se torna estabelecer um filtro recursal
(VIANA, 2011, p. 66), submetendo à avaliação da Excelsa Corte questões que efetivamente
tenham natureza e objeto que extrapolem os limites estritamente individuais, por meio da
declaração da repercussão geral.
105
O reconhecimento de repercussão geral como requisito de admissibilidade estabelece
um freio na distribuição de Recursos Extraordinários. Quando não é reconhecida a
repercussão geral de determinada matéria, afirma-se que a discussão envolvida não é hábil a
ensejar manifestação extraordinária do Judiciário (CARVALHO FILHO, 2015, p. 45).
O Supremo deixará de julgar processos (casos inter partes) e, objetivamente julgará
questões constitucionais, ou seja, temas constitucionais com repercussão econômica, política,
social e jurídica com a demonstração da transcendência dos interesses subjetivos das partes. É
dizer, assim, que o tema não se refere a questões que atingem exclusivamente a esfera de
interesse individual das partes (VIANA, 2011, p. 46-47)
Umas das proposições aptas a criar justificativas para o reconhecimento de repercussão
geral para apreciar recurso extraordinário se concentra na ideia de diminuir as demandas
perante o Tribunal Supremo (CARVALHO FILHO, 2015, p. 25).
De fato, a aplicação rigorosa da sistemática da Repercussão Geral tem resultado numa
abrupta diminuição da quantidade de recursos no Supremo Tribunal Federal (MENDES;
STRECK, 2013, p. 1407).
Apenas a título ilustrativo, pode-se visualizar que a quantidade de processos
distribuídos caiu de 21.103, em janeiro de 2007, para 2.991, no período equivalente a 2010.
Isso significa afirmar que a quantidade de processos distribuídos em janeiro de 2007 foi mais
de sete vezes maior que no período correspondente em 2010 (CARVALHO FILHO, 2015, p.
57).
Importante argumentar que a ideia de impedir a chegada aos tribunais superiores de
recursos que tratem de questões de menor relevância não é inédita (NEVES, 2016, P. 1753).
Na década de 1960, a Constituição de 1967 reportava a questão de relevância federal. O
recurso extraordinário tinha que demonstrar uma arguição de relevância. Era uma espécie de
excludente de inadmissibilidade do recurso que permitia ao STF inserir sua competência
recursal em questões de grande relevância (CARVALHO FILHO, 2015, p. 39).
Apesar do ideal comum de propósito de filtragem dos recursos a serem julgados pela
Corte Constitucional, elementos o diferenciam da arguição de relevância da repercussão geral:
a) arguição de relevância destinava-se a possibilitar o conhecimento do recurso,
tendo característica inclusiva, enquanto a repercussão geral é voltada para o não
conhecimento do recurso; b) a arguição de relevância era fundada somente em
relevância, enquanto a repercussão geral é mais ampla, fundada em relevância e
transcendência; e (c) a arguição de relevância era apreciada em sessão secreta e
revolvida por decisão sem fundamentação, enquanto a repercussão geral é realizada
em sessão pública e com decisão motivada (NEVES, 2016, p. 1754)
106
No entanto, a despeito do claro intuito de reduzir a carga sufocante da Corte
Constitucional, o instituto da repercussão geral não tem como meta aniquilar o sistema
recursal da Casa Suprema ou reduzir a quase zero o volume nela a tramitar.
A repercussão geral não é mero instrumento de redução numérica de recursos
extraordinários interpostos ao Supremo Tribunal Federal, porque, na verdade, constitui um
novo programa decisório do sistema jurídico que pode dar um gigante passo rumo à
transformação do Supremo Tribunal em uma verdadeira Corte Constitucional Brasileira
(VIANA, 2011, p. 57).
A redução numérica dos recursos extraordinários traz, sem dúvida, benefícios ao
funcionamento dos programas condicionais do direito. A redução do tempo na produção das
decisões, decorrentes da redução numérica dos recursos extraordinários, deverá ser utilizada
como instrumento para a geração de efeitos na celeridade e na efetividade (VIANA, 2011, p.
206).
A repercussão geral representa um importante mecanismo que possibilita uma
generalização minimamente necessária dos casos, evitando a continuidade do processo de
fragmentação das decisões judiciais (MENDES; STRECK, 2013 p. 1408).
Uma vez reconhecida a repercussão geral, esta proporciona um novo programa do
sistema funcional do direito que pode potencializar a abertura cognitiva do sistema funcional
do direito. O que afasta a finalidade única e exclusiva da repercussão geral como simples
instrumento de redução numérica dos recursos interpostos ao Supremo Tribunal Federal é
dizer que a repercussão geral amplia a função de o direito executar operações decisórias
(VIANA, 2011, p. 214).
O escopo do instituto é a maximização da feição objetiva do recurso extraordinário,
característica que bem pode servir ao propósito republicano de dar coerência e
integridade ao direito. Em outras palavras, a repercussão geral deve ser assimilada
como instituto que otimiza a aplicação do direito democraticamente produzido,
assegurando a sua melhor interpretação na lente da coerência dos princípios
(MENDES; STRECK, 2013, p 1407.
A atuação do Supremo Tribunal Federal, uma vez estabelecido o filtro recursal, poderá
tornar mais eficientes e úteis suas prestações decisórias e gerará efeitos positivos no
desenvolvimento do sistema social como um todo, por meio de operacionalizações
condicionais ligadas à segurança jurídica no campo dos temas constitucionais com
repercussão geral que apresentem relevância econômica, política, social e jurídica e que
tenham alcance objetivo-sistêmico, que transcenda o interesse subjetivo das partes (VIANA,
2011, p. 206).
107
O elemento determinante do instituto sob análise – questões que extrapolem os
interesses individuais das partes – proporciona maior efetividade à tutela prestada pela
Suprema Corte, que deixará de aprofundar nas minuciosas particularidades de cada caso e
passará a voltar os olhos à Constituição e preceitos gerais, o que traz contornos semelhantes à
forma concentrada de controle.
O instrumento da repercussão geral pode ser interpretado como alteração da modelagem
constitucional do controle difuso (VIANA, 2011, p. 66), caminhando rumo a abstrativização.
A repercussão geral, bem como a súmula vinculante, parece criar uma ponte sólida entre
o controle concreto-difuso e abstrato-concentrado, no complexo modelo brasileiro de controle
de constitucionalidade (TAVARES, 2009, p. 24).
A propósito, é de se notar esta aproximação com a forma de controle pela via
concentrada, primeiro pelo grau de abstração que toca o direito, e, em outro momento, pela
produção de efeitos da decisão superada a fase de admissibilidade com o reconhecimento de
repercussão geral.
A decisão de mérito proferida pela Suprema Corte não se restringirá tão somente aos
interesses dos recorrentes. A tutela jurisdicional envolverá uma questão constitucional de
natureza abstrata, ou melhor, objetiva (erga omnes), pois formará precedente a ser utilizado
para a decisão de casos futuros (VIANA, 2011, p. 63).
Pois bem, a força do precedente que advém da instituição da repercussão geral, ganha
maior destaque com as delineações trazidas no bojo do Código de Processo Civil de 2015. A
respeito do artigo 1.035, §5. do Código processualista vigente, uma vez reconhecida a
repercussão geral, o relator no Supremo Tribunal Federal determinará a suspensão do
processamento de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos que versem sobre a
questão e tramitem no território nacional.
Com esta determinação, os demais processos que versem a respeito de questão similar à
que se encontra com repercussão geral reconhecida serão suspensos até análise da Corte
Constituição para reforçar entendimento, com o intuito de evitar decisões contraditórias.
Quando se verificar a subida ou distribuição de múltiplos recursos com fundamento e
idêntica controvérsia, a Presidência do Tribunal ou Relator selecionará um ou mais
representativos da questão e determinará a devolução dos demais aos tribunais ou turmas de
juizado especial de origem (MENDES; STRECK, 2013, p. 1406).
Se há repercussão geral, o STF julga o caso-paradigma e as instâncias de origem
reproduzem as orientações fixadas (CARVALHO FILHO, 2015, p. 47). Os processos que
versem sobre o mesmo assunto do recurso-paradigma devem ficar sobrestados na instância de
108
origem, aguardando o julgamento de mérito do processo pelo STF (CARVALHO FILHO,
2015, p. 58).
Da mesma forma, na hipótese de negativa quanto a existência de repercussão geral, os
recursos sobrestados considerar-se-ão automaticamente não admitidos, a teordo artigo 543-B,
§ 2.ao Código de Processo Civil de 1973, texto inserido pela Lei n. 11.418/2006 e
determinação mantida no estatuto processualista de 2015 sob a égide do artigo 1035 caput e
parágrafo oitavo.
Para fins de publicidade do posicionamento firmado e com o escopo de reforçar a
homogeneidade da jurisprudência, uma vez decidida repercussão geral, a presidência do STF
deverá promover ampla e específica divulgação do teor dessas decisões, bem como diligenciar
para a formação e atualização de banco de dados eletrônico sobre o mesmo assunto
(MENDES; COELHO; BRANCO, 2009, p. 1003).
Depara-se, pois, com um importante reflexo da expansão dos efeitos de decisão
proferida pelo STF num caso singular para demais casos semelhantes, reconhecido elemento
fortificador de precedente jurisprudencial pela via difusa.
A uniformização da jurisprudência é a consequência natural do instituto da repercussão
geral já que as instâncias de origem sintonizam suas orientações com o que é decidido pelo
Supremo Tribunal Federal (CARVALHO FILHO, 2015, p. 58).
O instituto da repercussão geral se propõe, pois, a enfrentar a sentimento de insegurança
que o direito jurisprudencial proporciona devido à existência de diversas decisões para
solucionar casos idênticos (CARVALHO FILHO, 2015, p. 59).
É elemento caracterizador do direito praticado por juízes a heterogeneidade das
decisões, uma vez que este se dedica às individualidades de cada caso. Entretanto, muitas
vezes se produziam decisões em sentido discrepante sobre o mesmo tema ou questão
constitucional (VIANA, 2011, p. 208). O que, como abordado anteriormente, contribui para a
insegurança jurídica que plana sobre a sociedade.
O movimento fortificante de uniformização da jurisprudência e subordinação aos
precedentes ganha mais destaque com as súmulas vinculantes e repercussão geral. Estes dois
institutos reforçam a integridade e coerência da jurisprudência (MENDES; STRECK, 2013 p.
1408).
A teoria do precedente judicial, como abordado, ganha força no ordenamento brasileiro
com a propagação dos efeitos de posicionamento firmado pela Corte Suprema para além das
partes de um processo. Inovadora tese, dado que na clássica constitucionalidade pátria, pela
109
via incidental, a tutela judicial produziria força tão somente entre os litigantes, sendo este um
dos pontos cruciais de diferenciação entre as vias abstrata e concreta de controle.
4.3 Participação do Senado Federal no controle de constitucionalidade
Um dos assuntos constitucionais que ganha relevo hodiernamente, concerne à
participação do Senado Federal no controle de constitucionalidade no Brasil. A Constituição
da República de 1988 adota em seu artigo 52, inciso X que compete privativamente ao
Senado Federal, suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional
por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal.
A competência privativa do Senado Federal para suspensão de leis e atos considerados
inconstitucionais, de modo definitivo, pela Corte Suprema, foi introduzida no cenário
constitucional brasileiro na Constituição de 1934 (FERRAZ, 2013, p. 1061).
A Carta política de 1934 determinava, no artigo 91, inciso IV, que competia ao Senado
Federal suspender a execução, no todo ou em parte, de qualquer lei ou ato, deliberação ou
regulamento, quando hajam sido declarados inconstitucionais pelo Poder Judiciário.
Das constituições posteriores, até a vigente, apenas a de 1937 que não tratou do tema de
forma expressa. Os Textos constitucionais de 1946 (artigo 64), o de 1967, no artigo 45, inciso
IV e a Emenda Constitucional n. 1 de 1969, em seu artigo 42, inciso VII, mantiveram a
essência da questão, contudo, com a seguinte redação: incumbe ao Senado Federal suspender
a execução, no todo ou em parte, de lei ou decreto declarados inconstitucionais por decisão
definitiva do Supremo Tribunal Federal.
Neste momento há de frisar uma breve diferença entre os textos constitucionais
anteriores à Constituição da República de 1988. Enquanto as Constituições anteriores
abrangiam decretos e atos, em geral, como objeto da suspensão a ser exercida pelo Senado, a
Carta Política atual adota o restrito termo “lei”, quedando-se inerte no que tange a demais atos
e decretos.
Contudo, em que pese a ausência de grafia expressa, a doutrina tende a entender que o
verbete lei, insculpido no texto constitucional, não alcança apenas o ato típico do Poder
Legislativo, lei formal ou material, mas abrange também decretos ou normas jurídicas
contidas em regulamentos, decretos e atos normativos, que contrariem a lei Suprema
(FERRAZ, 2013, p. 1066).
Destarte, calcado em outros ordenamentos anteriores, o Texto Constitucional manteve,
com poucas ressalvas, a determinação para que o Senado Federal suspenda objetos
normativos inconstitucionais assim decretados de forma imutável pela Excelsa Corte Federal.
110
A declaração de inconstitucionalidade, só por ela, não tem a virtude de produzir o
desaparecimento da lei ou ato (MENDES, 2004b, p. 152), de modo que a pronuncia de
inconstitucionalidade não retiram do mundo jurídico, automaticamente, os atos praticados
com base na lei inconstitucional (SANTANA, 2008, p. 145).
Desta forma, em nome da harmoniosa relação entre os poderes da República, a
constituinte de 1988 entendeu por bem manter a determinação no sentido de outorgar ao
Senado a incumbência de suspender instrumento inconstitucional à luz do que disciplina o já
mencionado artigo 52, inciso X.
Portanto, ante a uma inconstitucionalidade declarada e transitada em julgado, será feita
pelo Supremo Tribunal a comunicação de tal decisão ao Senado. O art. 101, III do Regimento
interno do Senado Federal estabelece que à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania
compete propor, por projeto de resolução, a suspensão, no todo ou em parte, de leis declaradas
inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal.
Assim, o projeto de resolução encaminhado pela Comissão permanente será votado para
suspensão do conteúdo normativo viciado. Cumpre salientar, oportunamente, que “o Senado
Federal não revoga o ato declarado inconstitucional, até porque lhe falece competência para
tanto” (MENDES, 2004b, p. 154). A Constituição reserva competência ao Senado para
suspender o ato declarado inconstitucional pela Suprema Corte.
Demais, a suspensão do ato inconstitucional teria por desígnio tornar pública a decisão
da Suprema Corte ou o objetivo de conferir efeitos erga omnes às decisões categóricas do
Supremo, mesmo em sede incidental de controle.
Em dado momento, chegou-se a entender que a função do Senado consistia em tornar
pública a decisão do Tribunal, levando-a ao conhecimento de todos os cidadãos. A fórmula
relativa à suspensão de execução da lei pelo Senado Federal há de ter simples efeito de
publicidade (MENDES; COELHO; BRANCO, 2009, p. 1139).
A norma contida no artigo 52, inciso X da Constituição Federal, que determina
competência do Senado Federal para suspender lei declarada inconstitucional pelo Supremo,
ganha destaque acerca dos efeitos produzidos pela resolução senatorial. Para uma corrente, a
função da Casa Congressista seria de conferir publicidade à decisão da Excelsa Corte,
levando-a a conhecimento de todos os cidadãos (SANTANA, 2008, p. 142).
Em outra vertente, há de se admitir que a resolução do Senado Federal empreste efeitos
erga omnes às decisões proferidas pela Corte Suprema (MENDES, 2004b, p. 149). Por este
lado, reconhece-se que o Senado Federal pratica ato político que confere efeito geral ao que
era particular, a fim de generalizar os efeitos da decisão (SANTANA, 2008, p. 143).
111
Por este prisma, há de se reconhecer que o Senado pratica ato político que confere efeito
geral ao que era particular a fim de generalizar os efeitos da decisão (SANTANA, 2008, p.
143).
Diante de tal intrincada questão, este trabalho entende que a função senatorial de
suspensão de lei ou ato normativo declarado inconstitucional pelo STF vai além da
publicidade do cunho da decisão. Cumpre frisar, neste momento, que a decisão judicial, salvo
se estiver gravada por segredo de justiça, já é revestida de publicidade.
A legislação processualística civil já prescrevia que os atos processuais são públicos, a
teor do artigo 155 do CPC de 1973, determinação esta integralmente mantida pelo diploma
processual de 2015, Lei n. 13.105, no bojo artigo 189. O instrumento processual civil atual
ainda preleciona que o juiz, ao aplicar o ordenamento jurídico, deva observar a publicidade.
Trata-se de um princípio matriz do arranjo jurídico brasileiro não exclusivo da seara
processual. A Constituição Federal já traz este princípio expresso no artigo 37, caput, ao
abordar os atos da Administração Pública, nela imerso o Poder Judiciário. Pondera-se, pois,
que a decisão judicial já é revestida de publicidade, independente da atuação da Casa
Congressista.
Assim, reconhece que o ato senatorial é um mecanismo destinado a outorgar
generalidade à declaração de inconstitucionalidade (MENDES, 2004b, p. 150), visando
eliminar da sistemática jurídica brasileira o ato normativo viciado, não restringindo apenas
aos envolvidos na sentença que decretou a inconstitucionalidade.
Aqui certo destaque direciona-se ao controle difuso, visto que a inconstitucionalidade
declarada pela via abstrata de controle já possui efeitos erga omnes. O objeto do julgamento
constante da via abstrata, por seu caráter genérico, consiste em desfazer os efeitos normativos
(efeitos gerais) e as decisões produzirão efeitos contra todos, erga omnes (SILVA, 2015, p.
56-57).
Além do mais, o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, a teor do seu artigo
178, traz a comunicação ao Senado para os mesmos fins do que dispõe o artigo 52, inciso X
da Carta da República de 1988, em se tratando se inconstitucionalidade declarada
incidentalmente, com o fito de generalizar os efeitos.
Até o momento se vislumbra que a atuação da Casa Congressista, sob análise, se dá de
modo a complementar com simetria a decisão judicial de inconstitucionalidade. Visto que a
Corte Suprema não possui competências legislativas para retirar a vigência de uma lei por ser
inconstitucional, o Senado assim a faz.
112
Acontece que, analisando o texto constitucional, não se desponta nem implicitamente,
nem explicitamente, uma forma de obrigatoriedade do Senado em cumprir a recomendação
judicial de suspender a vigência do ordenamento inconstitucional e tampouco se depara com
uma sanção à Casa legislativa em ignorar tal comunicado judicial.
O Regimento interno do Senado, no parágrafo primeiro do artigo 101, estabelece que
quando a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania emitir parecer pela
inconstitucionalidade e injuridicidade de qualquer proposição, será esta considerada rejeitada
e arquivada definitivamente por despacho do Presidente do Senado. Não obstante, não se
percebe também pela via regimental uma compulsoriedade ao Senado.
É pacífica a jurisprudência no sentido de que o Senado Federal não é obrigado a expedir
a resolução suspensiva do ato inconstitucional (FERRAZ, 2013, p. 1067). A competência do
Senado consiste em atividade discricionária de natureza política, cabendo a esta Casa
Congressista examinar acerca da conveniência e oportunidade de considerar, em tese,
suspensos seus efeitos, de retirar dispositivo legal ou regulamentar do ordenamento jurídico
(SANTANA, 2008, p. 146).
Pois certo, é bom que não haja uma espécie de castigo a um Poder da República por não
seguir a recomendação proferida por outro, contudo, um destes poderes não pode ser
simplesmente ignorado transfigurando obsoletas suas decisões, dado que “inúmeros ofícios
encaminhados pelo Supremo Tribunal Federal não foram atendidos pelo Senado” (FERRAZ,
2013, p. 1067).
Nesta senda, em análise aos ofícios sobre inconstitucionalidade enviados pelo Supremo
Tribunal Federal para o Senado, tem-se que em menos da metade dos ofícios, 44%, o Senado
Federal toma uma decisão em menos de um ano (DALESSIO, 2012, p. 56). Depreende-se,
portanto, que na maioria dos casos enviados pelo STF à apreciação do Senado Federal, este
órgão congressista avalia a questão em mais de um ano.
Defronta-se que, em regra, os ofícios que permanecem tramitando – ou seja, aqueles que
carecem de decisão definitiva do Senado – estão assim há mais de 11 anos (DALESSIO,
2012, p. 57).
Estes dados, que foram obtidos por meio de ferramentas de busca dos bancos de dados
disponibilizados nos sítios eletrônicos do Senado (www.senado.gov.br) e do STF
(www.stf.jus.br), tendo como marco inicial 16 de julho de 1934, até 2012 (DALESSIO, 2012,
p. 16), podem ser representados pela seguinte tabela:
113
Lapso em anos – até: Período correspondente
em meses
Quantidade de ofícios
com resposta
Porcentagem
(aproximadamente)
1 0 - 12 186 44%
2 13 - 24 75 17,7%
3 25 – 36 32 7,6%
4 37 – 48 23 5,4%
5 49 – 60 15 3,5%
6 61 – 72 18 4,3%
7 73 – 84 26 6,1%
8 85 – 96 14 3,3%
9 97 – 108 7 1,7%
10 109 – 120 5 1,2%
11 121 – 132 8 1,9%
12 133 – 144 7 1,7%
13 145 – 156 2 0,5%
14 157 – 168 2 0,5%
15 169 – 180 1 0,2%
16 181 – 192 1 0,2%
17 193 – 204 0 0%
18 205 – 216 0 0%
19 271 – 228 0 0%
20 229 – 240 1 0,2%
Quadro 01: Tempo de tramitação dos ofícios enviados pelo STF ao Senado Federal em caso de
inconstitucionalidade declarada de modo definitivo pelo Supremo.
Desta forma, corrobora-se que os ofícios enviados à Casa senatorial para fins do artigo
52, inciso X da Constituição da República de 1988, com o escopo de que este ente legislativo
providencie a suspensão do ato declarado inconstitucional pelo STF, além de não possuírem
um viés impositivo, não gozam de um padrão, pelo menos no que tange a tempo, para serem
processados.
Acontece que mesmo que constitucionalmente ou regimentalmente não se depare com
uma sanção direcionada ao Senado Federal, “toda norma constitucional impõe um dever
constitucional ao seu destinatário, que é obrigado a cumpri-la, ainda que não haja sanção
expressa para a não observância do comando constitucional” (FERRAZ, 2013, p. 1067).
Não há que se esperar uma possibilidade de sanção para seguir orientações propostas
pela jurisdição. Ademais, a coisa julgada judicial é revestida de “força institucional do Estado,
ou seja, o poder de requisitar a colaboração irrecusável, das demais instituições estatais, para
que faça, cumpri-la” (SILVA, 1992, p.100). Assim destaca-se que
114
a sentença contém a vontade do Estado no caso concreto. Em consequência disso, o
Poder que detém constitucionalmente o monopólio da jurisdição, e, logo, o de
produzir coisa julgada, detém também a faculdade de requisitar a colaboração de
todas as instituições do Estado, a fim de fazer com que sua decisão, sobre a qual se
operou a coisa julgada, além da eficácia que traz em si, tenha efetividade, ou seja, a
fim de fazer com que seja executada nos exatos termos limites em que foi proferida
(SILVA, 1992, p. 100).
Dessa forma, se o Supremo Tribunal Federal, em sede de controle incidental, chegar à
conclusão, de modo definitivo, de que a lei é inconstitucional, essa decisão terá efeitos gerais,
fazendo-se a comunicação ao Senado Federal para que publique a decisão no Diário do
Congresso. Tal como assente, não é mais a decisão do Senado que confere eficácia geral ao
julgamento do Supremo. A própria decisão da Corte contém essa força normativa. Assim, o
Senado não terá a faculdade de publicar ou não a decisão, uma vez que não cuida de decisão
substantiva, mas de simples dever de publicação. A não publicação não terá o condão de
impedir que a decisão do Supremo assuma a sua real eficácia. Essa solução resolve de forma
superior uma das tormentosas questões da nossa jurisdição constitucional (MENDES;
COELHO; BRANCO, 2009, p. 1139).
Há de se compreender que o Senado Federal deva receber a declaração de
inconstitucionalidade proferida de forma definitiva pelo Supremo Tribunal de modo derivado
da própria harmonia dos poderes, recordando que os Poderes da República são separados, mas
sustentam entre si uma relação de interdependência.
Desta maneira, a resolução do Senado Federal para suspender o ato declarado
inconstitucional vem a ser o atributo do Poder Legislativo apto a complementar a decisão do
Poder Judiciário frente a uma inconstitucionalidade reconhecida de forma definitiva.
Outra questão de relevância importância acerca da resolução senatorial para suspensão
de uma lei considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal reside se esta opera
ou não efeitos retroativos.
A propagação temporal dos efeitos do ato inconstitucional passa necessariamente por
outra questão, da nulidade ou anulabilidade deste ato. Há divergência na órbita jurídica se o
ato inconstitucional é nulo ou anulável.
Por um lado, um projeto de lei quando aprovado pelo complexo processo legislativo
brasileiro, tendo passado pelo crivo das Comissões e de Constituição e Justiça e pelo veto
presidencial, torna-se lei com presunção de constitucionalidade. “Enquanto um Tribunal
Constitucional não tiver declarado inconstitucional uma lei, este acto é válido e vinculante
para os juízes e os outros aplicadores do direito” (CANOTILHO, 2003, p. 904). Presunção
esta, pois, juris tantum, justamente por haver o controle judicial.
115
Quando, todavia, uma lei ou ato normativo são declarados inconstitucionais, o vício
incompatível com a constituição se encontra insculpido em seu corpo normativo desde sua
aprovação. Assim, com a decisão do Supremo Tribunal, superada está a aludida presunção,
cultivando a ideia da nulidade do ato viciado.
Uma lei, ainda que seja declarada inconstitucional posteriormente, é viciada desde
entrada em vigor. Destarte, a lei ou ato normativo inconstitucional são inválidos a partir de
seu nascimento e não a partir da declaração proferida pela Suprema Corte.
O que torna a lei ou ato normativo inconstitucional não é a declaração da Excelsa
Corte e sim a existência do vício que torna o ato incompatível com a constituição. Assim se a
lei ou ato normativo está viciado desde o seu nascimento inconstitucional estará desde então,
sendo, portanto, nula de pleno direito, pois, “a lei declarada inconstitucional deve ser
considerada, para todos os efeitos, como se jamais, em qualquer tempo, houvesse possuído
eficácia jurídica”. (MENDES, 2004a, p. 273)
Nesta seara da nulidade da lei inconstitucional,
o efeito típico é o da nulidade e não da simples anulabilidade: a lei desaplicada por
inconstitucional é nula porque desde a sua entrada em vigor é contrária à
constituição, motivo pelo qual a eficácia invalidante se deveria tornar extensiva a
todos os actos praticados à sombra da lei constitucional – daí seu efeito
extunc(CANOTILHO, 2003, p. 904).
Destarte, os atos inconstitucionais: “não podem deixar de ser considerados
juridicamente inexistentes, não se concebendo qualquer comparação com a anulabilidade do
negócio jurídico, tão abissal é a diferença de gravidade” (MIRANDA 2002, p. 520). Sob este
prisma, a lei ou regulamentos declarados inconstitucionais são juridicamente inexistentes
entre os litigantes (RAMOS, apud MENDES, 2004a, p. 151).
Nesta esteira, se reconhece o ato como inválido e a defesa serena da sua nulidade.
Nesta visão há que se admitir que a resolução do Senado Federal que suspende a execução de
lei ou ato normativo considerados inconstitucionais pelo Supremo operam efeitos retroativos,
pois não há que se planear que um ato nulo, ou mais, inexistente, possa ter força para produzir
efeitos.
Assim, quando a lei é suspensa, por inconstitucional, produz efeitos extunc, pois
aquilo que é inconstitucional é natimorto, não teve vida, e, por isso, não produz efeitos, e
aqueles que porventura ocorreram ficam desconstituídos desde as suas raízes, como se não
tivessem existido (MENDES, 2004b, p. 152).
Desta feita, uma vez inconstitucional determinada lei ou ato normativo, os efeitos
deste reconhecimento, por esta parte da corrente, retornarão ab initio, invalidando todos os
116
atos produzidos sob vigência de inconstitucionalidade. Contudo, este lado da corrente pode
proporcionar insegurança jurídica, com uma declaração de inconstitucionalidade desfazendo
atos já praticados.
Sob outro ponto de vista, o ato declarado inconstitucional deve ser anulado, com
efeitos erga omnes e para o futuro (FERRAZ, 2013, p. 1067). A suspensão proferida pelo
Senado Federal não alcança atos jurídicos formalmente perfeitos, praticados no passado, e os
fatos consumados, ante sua irretroatividade, e mesmo os efeitos futuros dos direitos
regularmente adquiridos (BANDEIRA DE MELO apud MENDES, 2004b, p. 150).
Reconhece esta visão a possibilidade de articular os efeitos da decisão, que considera o
ato inconstitucional, porém, a nulidade se opera a partir do aflorar da inconstitucionalidade,
uma vez que os atos praticados na vigência da lei, gozam como o instrumento legislativo, de
presunção de legalidade e inconstitucionalidade, não havendo, pois, que se levantar a bandeira
da retroatividade.
4.4 Possibilidade de expansão dos efeitos em sede controle pela via difusa de
constitucionalidade
O ordenamento jurídico pátrio traz que o alvo do controle difuso de constitucionalidade
é produzir efeitos restritos às partes. Além do mais, a decisão proferida por esta via de
controle não possui condão vinculante tais quais as decisões recitadas em sede de controle
concentrado.
Acontece que a natureza das questões tratadas pela Suprema Corte e o modo pelo qual
estas chegam à Casa, via Recurso Extraordinário, ascendem a discussão acerca de uma
aproximação desta via concreta àquela via concentrada, sobretudo na produção de efeitos.
Tal sensação de estreitamento das vias controle se dá pela coincidência da Casa
Julgadora. O Supremo Tribunal Federal, como guardião da Constituição, funciona como
único competente em casos de abstrato controle e último degrau na esfera recursal no modelo
difuso. Ademais, a natureza estritamente constitucional harmoniza ainda mais as duas vias de
controle.
A natureza idêntica do controle de constitucionalidade, quanto às suas finalidades e aos
procedimentos comuns dominantes para os modelos difuso e concentrado, não mais parece
legitimar a distinção quanto aos efeitos das decisões proferidas no controle direto e no
controle incidental. (MENDES, 2004b, p. 164).
117
Assim, a mesma Casa julgadora apreciando questões similares, estritamente
constitucionais, proporciona um forte laço entre os modelos de controle, independente da via
eleita para impugnar uma inconstitucionalidade. Devido a esta ligação entre os métodos de
controle, há também uma aproximação dos resultados produzidos quanto à eficácia da
decisão, objetivando alcançar eficácia erga omnes, afinal
Se o Supremo Tribunal pode, em ação direta de inconstitucionalidade, suspender
liminarmente, a eficácia de uma lei, até mesmo de uma emenda constitucional, por
que haveria a declaração de inconstitucionalidade, proferida no controle incidental,
de valer tão-somente para as partes? (MENDES, 2004b, p. 155).
Além da unidade da Casa Julgadora e cunho constitucional da questão, o Recurso
Extraordinário que chega à Suprema Corte, é revestida de caráter que tende mais ainda a
aproximar a via difusa de controle à via abstrata, qual seja o reconhecimento de repercussão
geral.
Este já estudado instrumento traz que a Corte Suprema analisará uma questão por meio
de Recurso Extraordinário, se esta for munida de argumentos relevantes do ponto de vista
econômico, político, social ou jurídico que ultrapassem os interesses subjetivos do processo.
Trata-se de requisito de admissibilidade do recurso, que, portanto, somente será apreciado
pela Excelsa Corte se sua essência exceder interesses meramente particulares.
Neste diapasão nasce um questionamento: se a questão, para ser digna de análise
mediante Recurso Extraordinário, deve ultrapassar os interesses subjetivos das partes e do
processo, seria um contrassenso o julgamento possuir efeitos somente entre as partes?
A partir deste prisma, o perfil objetivo da repercussão geral da questão constitucional
versada no recurso extraordinário provoca uma mudança paradigmática no panorama geral do
controle difuso de constitucionalidade brasileiro, ao dotá-lo de eficácia erga omnes (VIANA,
2011, p. 212).
De fato, há uma real aproximação da via incidental com a via concentrada. Marco
característico da via difusa é a apreciação concreta da causa, na qual o órgão jurisdicional toca
o direito de modo mais profundo, analisando as particularidades de cada caso.
Contudo, o Recurso Extraordinário faz com que o STF se afaste desta concretude na
interpretação do direito. É cediço que o Recurso Extraordinário não se presta a reanalise de
provas, a teor da súmula 279 do STF. Além de que o recurso em questão não se concentra a
questões íntimas do processo, se dedicando a questões constitucionais que extrapolem os
interesses subjetivos das partes e do processo.
118
Vislumbra-se, pois, que o STF, embora na via difusa, analisa a questão de forma
abstrata. Assim, há de se admitir a existência de controle difuso subjetivo quanto ao meio de
provocação, mas objetivo quanto aos resultados e efeitos de suas decisões (VIANA, 2011, p.
64).
Deste modo, o Recurso extraordinário ganha outra roupagem na atual dinâmica
constitucional. Este recurso “deixa, pois, de ter caráter marcadamente subjetivo ou de defesa
de interesse das partes, para assumir, de forma decisiva, a função de defesa da ordem
constitucional objetiva” (STF - RE: 309452 RJ, Relator: Min. GILMAR MENDES, Data de
Julgamento: 02/08/2004, Data de Publicação: DJ 25/08/2004 PP-00026).
Neste ponto, importante observar que a função da Constituição na proteção dos direitos
individuais é apenas uma das singularidades do recurso, que é “dotado de uma “dupla
função”, subjetiva e objetiva, consistindo esta última em assegurar o Direito Constitucional
objetivo" (HÄBERLE apud MENDES, STF - RE: 309452 RJ, Relator: Min. GILMAR
MENDES, Data de Julgamento: 02/08/2004; Data de Publicação: DJ 25/08/2004 PP-00026).
Nesta linha de raciocínio, o STF tem admitido, na construção de sua jurisprudência, este
novo lado do recurso extraordinário. A Suprema Corte chegou a decidir que
A função do Supremo nos recursos extraordinários ─ ao menos de modo imediato ─
não é a de resolver litígios de fulano ou beltrano, nem a de revisar todos os
pronunciamentos das Cortes inferiores. O processo entre as partes, trazido à Corte
via recurso extraordinário, deve ser visto apensa como pressuposto para uma
atividade jurisdicional que transcende os interesses subjetivos (DIDIER JR., 2013,
s/p).
A expansão, pois, dos efeitos em decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal em
questão de inconstitucionalidade, vem cada vez mais à tona, uma vez que o ordenamento
jurídico pátrio já compactua o posicionamento de que a Corte Constitucional possa adotar
efeitos erga omnes em suas decisões. É o que se nota, exemplificativamente, em Ação Direta
de Inconstitucionalidade ou edição de súmula vinculante, cujo enunciado vincula abertamente
a Administração Pública.
É relevante, ainda, ressaltar o caso de um mandado de segurança coletivo que aspire a
declaração de inconstitucionalidade de determinada norma, sendo que a Suprema Corte assim
declare tal norma. Note-se que estamos diante de via difusa de constitucionalidade. Como
mensurar que um mandado de segurança coletivo terá efeitos apenas inter partes?
A aceitação das ações coletivas como instrumento de controle de constitucionalidade
relativiza enormemente a diferença entre os processos de índole objetiva e os processos de
caráter estritamente subjetivo. É que a decisão proferida na ação civil pública, no mandado de
119
segurança coletivo e em outras ações de caráter coletivo não mais poderá ser considerada uma
decisão inter partes. (MENDES, 2004b, p. 164).
Este movimento marcante da Repercussão Geral faz com que este instituto inaugure no
sistema de controle difuso brasileiro a eficácia erga omnes (VIANA, 2011, p. 61). No
ordenamento jurídico pátrio, esta tendência de expansão de efeitos ainda se encontra em fase
de início e fortalecimento de entendimento, porém, com origens e influência no direito
americano.
Por oportunidade do julgamento do Recurso Extraordinário n. 376.852 de 27/03/2003, o
Supremo Tribunal Federal reitera o posicionamento para que o tribunal deva adotar o caráter
de Corte Constitucional ao contrário de concentrar esforços a fim de solucionar conflitos de
repercussão meramente particular.
Para fundamentar esta tese, no julgamento deste Recurso Extraordinário, o relator do
caso, Ministro Gilmar Mendes, em seu voto, revisita o JudiciaryAct de 1925 da Corte
Americana que já se posicionou que “para permanecer efetiva, a Suprema Corte deve
continuar a decidir apenas os casos que contenham questões cuja resolução haverá de ter
importância imediata para além das situações particulares e das partes envolvidas”(RE
376.852, Relator Ministro GILMAR MENDES, data de Julgamento: 27/03/2003, Data de
Publicação: DJ 13/06/2003).
Como se vê, a expansão dos efeitos de decisão do Supremo, com repercussão geral
reconhecida ganha cada vez mais destaque. O mesmo se dá, portanto, com a declaração de
inconstitucionalidade que, igualmente detentora de repercussão geral, produz reflexos extra
partes envolvidas no processo.
Tal circunstância reascende, então, o papel do Senado Federal no Controle de
Constitucionalidade e a real função e aplicabilidade do artigo 52, inciso X da Constituição da
República de 1988.
Já que a declaração de inconstitucionalidade pela via incidental se encontra em um
momento de aproximação com a via concentrada e, por conseguinte, admite efeitos erga
omnes pela própria força da decisão judicial, a resolução do Senado Federal assumiria tão
somente o papel de publicidade?
Uma das facetas da resolução do Senado Federal seria revestir a declaração de
inconstitucionalidade proferida pelo Supremo Tribunal de eficácia erga omnes. Porém, como
visto, esta tem admitido força expansiva. Assim,
parece legítimo entender que, hodiernamente, a fórmula relativa à suspensão de
execução da lei pelo Senado Federal há de ter simples efeito de publicidade. Desta
120
forma, se o Supremo Tribunal Federal, em sede de controle incidental, chegar à
conclusão, de modo definitivo, de que a lei é inconstitucional, essa decisão terá
efeitos gerais, fazendo-se a comunicação ao Senado Federal para que este publique a
decisão no Diário do Congresso. Tal como assente, não é (mais) a decisão do
Senado que confere eficácia geral ao julgamento do Supremo. A própria decisão da
Corte contém essa força normativa. Parece evidente ser essa a orientação implícita
nas diversas decisões judiciais e legislativas acima referidas. Assim, o Senado não
terá a faculdade de publicar ou não a decisão, uma vez que se não cuida de uma
decisão substantiva, mas de simples dever de publicação, tal como reconhecido a
outros órgãos políticos em alguns sistemas constitucionais (Constituição austríaca,
art. 140, 5 – publicação a cargo do Chanceler Federal – e Lei Orgânica da Corte
Constitucional alemã, art. 31 (2), publicação a cargo do Ministro da Justiça). A não-
publicação não terá o condão de impedir que a decisão do Supremo assuma a sua
real eficácia (MENDES 2004b, p. 165).
Propõe-se, então, uma releitura do artigo 52, inciso X da Constituição da República de
1988, aplicando uma interpretação que não está expressa no texto constitucional e, por
conseguinte, atribuindo função diversa ao Senado Federal, pois, as decisões proferidas pela
Corte Suprema, ainda que em via concreta de controle “acabam por ter eficácia que
transcendem o âmbito da decisão, o que indica que a própria Corte vem fazendo uma releitura
do texto constante do art. 52, X, da Constituição de 1988” (MENDES, 2004b, p. 164).
Neste ponto, é importante refletir se a atuação da Corte Suprema na interpretação do
direito foi além da autorização expressa do texto constitucional ou se o disposto na
Constituição da República de 1988 acerca da resolução do Senado Federal teria se tornado
ultrapassado, não conseguindo acompanhar o avanço da jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal, merecendo, pois, uma reinterpretação.
O texto constitucional estabelece tratar de competência privativa do Senado Federal a
suspensão de lei declarada inconstitucional. Contudo, ainda que o Supremo não venha
adotando a suspensão propriamente dita do instrumento legislativo tem admitido a eficácia
erga omnes da declaração de inconstitucionalidade, que na prática tem tornado sem efeitos a
lei viciada. Esta releitura na interpretação da Constituição pela Corte Suprema na aplicação do
direito tem configurado uma verdadeira mutação constitucional que
Consiste em uma alteração do significado de determinado norma da Constituição,
sem observância do mecanismo constitucionalmente previsto para as emendas e,
além disso, sem que tenha havido qualquer modificação de seu texto. Esse novo
sentido ou alcance do mandamento constitucional pode decorrer de uma mudança na
realidade fática ou de uma nova percepção do direito, uma releitura do que deve ser
considerado ético ou justo. Para que seja legítima, a mutação precisa ter lastro
democrático, isto é, deve corresponder a uma demanda social efetiva por parte da
coletividade, estando respaldada, portanto, pela soberania popular. (BARROSO,
2009, p. 125-126).
Contudo, este rearranjo proporcionado pela interpretação por parte do Poder Judiciário,
encontra, também, resistência no ordenamento, uma vez que “um tribunal não pode mudar a
121
Constituição; um tribunal não pode inventar o direito: este não é seu papel como poder
jurisdicional, numa democracia (STRECK, OLIVEIRA; et. Al, 2007, s/p)”.
Dessa forma, novamente surge um possível conflito entre os poderes da República
adotando o Supremo Tribunal solução não amparada pelo constituinte, no caso dos efeitos da
declaração de inconstitucionalidade pela via incidental, pois esta atuação jurisdicional pode
significar, equivocadamente, a substituição do Poder Constituinte pelo Poder Judiciário. E,
com isso, arruinar a democracia (STRECK, OLIVEIRA; et. Al, 2007, s/p).
Por outro lado, contudo, a criação do direito surge diretamente do poder de
interpretação que ao judiciário compete. Na interpretação da lei segundo a Constituição,
reputando-a inconstitucional, o Magistrado, para justificar sua decisão, cria uma norma
jurídica resultado da própria apreciação do texto da lei (DIDIER JR., 2013, s/p). O juiz não
está necessariamente a criar uma nova lei, texto legislativo propriamente dito. A criação do
direito, neste caso, é fruto da própria interpretação do mesmo.
No que tange a declaração de inconstitucionalidade, não é demais reforçar que a atuação
do poder judiciário se deu em virtude de uma incompatibilidade de lei ou ato normativo em
face do disposto na Constituição. Assim, a atuação judicante decorre exatamente da
harmonização entre os poderes, justificada a frear uma conduta abusiva do legislador
ordinário a contrariar a Constituição, exercendo o órgão judicante seu papel no sistema de
contrapeso, pilar democrático do Estado.
Ademais, a matéria em que se aprecia a inconstitucionalidade de lei que chega para
análise do Supremo Tribunal Federal pela via difusa, em que pese a via concreta, chega com
certos ares de abstração e a adoção de efeitos erga omnes mesmo que pela via incidental,
traduz um reflexo da nova face que a repercussão geral deu à via difusa de controle.
Este conjunto de circunstâncias, sobretudo o reconhecimento de repercussão geral para
admissão de Recurso Extraordinário, conduzem a via difusa a um caminho cada vez mais
similar ao modelo concentrado, a começar pela expansão dos efeitos da decisão.
Outro ponto típico das ações do modelo concentrado que está a refletir sobre a via
difusa, fazendo-a aproximar daquele modelo abstrato, é a vinculação dos efeitos da decisão
proferida pela Suprema Corte. A regra adotada pelo ordenamento pátrio se resume que o
modelo concentrado de controle de constitucionalidade produz, além de eficácia erga omnes,
efeitos vinculantes, ao passo que a via incidental de controle, não produz efeitos vinculantes.
Assim como na expansão da eficácia da decisão, no que tange à vinculação dos efeitos,
também se observa uma transformação do ordenamento jurídico. A postura da jurisprudência
e progresso legal demonstra tal situação.
122
Com efeito, o Supremo Tribunal Federal, em recentes julgamentos, vem dando mostras
de que o papel do recurso extraordinário na jurisdição constitucional está em processo de
redefinição, de modo a conferir maior efetividade às decisões (Agravo de Instrumento n.
375.011, relatoria Ministra Ellen Gracie. Informativo STF n. 365, Brasília, 11 a 15 de outubro
de 2004).
Como já abordado, contudo, não é demais recordar o papel que as súmulas vinculantes
exercem no arranjo jurídico. Conforme própria nomenclatura denuncia, os verbetes
sumulados aprovados pela Corte Suprema subordinam os demais órgãos do Poder Judiciário.
No mais, a vinculação de posicionamento não se percebe apenas por oportunidade de
preceitos sumulares vinculantes. No próprio texto positivado da lei há este fortalecimento do
precedente vinculante do Tribunal, reiterado com o advento da Lei n. 13.105/ 2015, que
instituiu o Novo Código de Processo Civil.
O teor do art. 932, IV do Diploma processualista vigente incumbe ao relator: negar
provimento a recurso que seja contrário a: a) súmula do Supremo Tribunal Federal, do
Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal; b) acórdão proferido pelo Supremo
Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos;
c) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção
de competência.
Nota-se, então, uma tendência fortificante no precedente jurisdicional e da
uniformização da jurisprudência, de modo verticalizado dos tribunais superiores, com a lei
admitindo expressamente a possibilidade de se negar um recurso que não esteja em
consonância com o posicionamento de tribunais superiores. Assim, não apenas os verbetes
detentores de status vinculantes são aptos a vincular os demais órgãos do judiciário.
Portanto, o posicionamento firmado por tribunais superiores está a produzir efeitos
vinculantes perante demais órgãos do poder judiciário em via eminentemente difusa.
Desta feita, nota-se um movimento de aproximação da via difusa com a concentrada de
controle, com efeitos expansivos e eficácias cada vez mais vinculantes de decisões proferidas
pela Corte Suprema, mesmo que em via incidental.
4.5 Efeitos inter partes de reconhecimento de inconstitucionalidade: uma abordagem
acerca do princípio da igualdade e segurança jurídica
Há de se registrar que se nota perante a Corte Suprema e em alguns estudos que a tese
de expansão dos efeitos e grau de vinculação em decisão de inconstitucionalidade, ainda que
123
pela via difusa, vem ganhando aplicabilidade e sendo praticada em uns e outros casos.
Todavia, a regra consagrada no ordenamento constitucional prevê os efeitos restritos às partes
habitantes do procedimento jurisdicional e não vinculantes.
Pois bem, acerca deste efeito intimamente limitado aos litigantes, desponta a discussão
a respeito da segurança jurídica e igualdade de condições entre pessoas em similares
condições fática ou jurídica. Tal preocupação, como visto, funda-se em duas vias, as quais nos
propomos a analisar.
Por uma via, a segurança jurídica, celeridade e economia processual merecem apreço,
visto que uma declaração de inconstitucionalidade proferida de forma definitiva pela Suprema
Corte e a consequente inaplicabilidade de determinado instrumento normativo para uma parte
certamente acarretará outras inúmeras demandas com o escopo de obter a mesma decisão.
Assim, uma enxurrada de processos, com idênticos pedidos estão a habitar os
corredores do Poder Judiciário brasileiro, objetivando almejar o que já foi definitivamente
reconhecido pelo Guardião da Constituição. Essa movimentação da máquina judiciária se
apresenta como um viés negativo da via difusa produzir efeitos tão somente entre as partes.
Assim,
Ulteriores inconvenientes do método difuso de controle, porque concretizado em
ordenamentos jurídicos que não acolhem o princípio da staredecisis, são os que
derivam da necessidade de que, mesmo depois de uma primeira não aplicação ou de
uma série de não aplicações de uma determinada lei por partes das Cortes, qualquer
sujeito interessado na não aplicação da mesma lei proponha, por sua vez, um novo
caso em juízo. Exemplo típico: Tício instaura um procedimento, arguindo a
inconstitucionalidade de uma lei em matéria tributária e obtém a não aplicação dela
no caso concreto; com a consequência de que, para obter a não aplicação da lei, isto
é, para obter o mesmo tratamento de Tício, qualquer sujeito interessado deverá por
sua vez, instaurar um novo processo (CAPPELLETTI, 1999, p. 79).
Os órgãos jurisdicionais, então, das mais variadas instâncias, estão sujeitos a esta
“avalanche de processos” (STRECK, 2013, p. 1425), que certamente procrastina o caminhar
do aparato jurisdicional pátrio, além de proporcionar maiores custos.
Igualmente, a enxurrada de processos proporciona uma variante de decisões, afinal, a
declaração incidental de inconstitucionalidade manifestada pelo STF não possui, via de regra,
efeitos vinculantes. Além do mais, o controle difuso se dá em pluralidade de instituições
judiciárias competentes e multiplicidade de ações.
Neste alastrado sistema de controle, nasce outro ponto desfavorável: As decisões
desiguais sobre mesmo tema constitucional. O modelo incidental, tal como adotado no Brasil,
pode proporcionar “efeitos perversos” (FERRAZ, 2013, p. 1064), tais como adoção de
124
discrepantes decisões sobre matérias de mesmo conteúdo, morosidade da prestação
jurisprudencial e proliferação de recursos.
Este é um obstáculo que o controle difuso enfrenta, visto que cada um dos diversos
competentes à análise, não estão, em regra, vinculados à declaração da Suprema Corte. Assim
sendo, corre-se o risco de ter decisões completamente antagônicas sobre situação de mesmo
conteúdo jurídico, pois alguns magistrados, pelo seu convencimento, podem seguir a
orientação da Suprema Corte declarando incidentalmente a inconstitucionalidade de
determinada lei, ao passo que outros julgadores entenderiam pela constitucionalidade.
Estaria, pois, inaugurada a insegurança jurídica que certamente fará com que
multipliquem recursos perante órgãos superiores e que fatalmente a mesma questão de direito
chegará ao STF, via Recurso Extraordinário, devido à natureza constitucional.
A própria seara recursal contribui para a incerteza jurídica a plainar sobre a questão,
uma vez que, da mesma forma, o julgador recursal não está adstrito ao decidido pelo
Supremo. Além do mais, uma sorte de recursos pode receber efeito suspensivo, ocasionando
diferentes tratamentos e aplicabilidade da mesma matéria.
No entanto, a Corte não pode admitir disparidade em tratamento de situações idênticas
(Agravo de Instrumento n. 375.011, relatoria Ministra Ellen Gracie. Informativo STF n. 365,
Brasília, 11 a 15 de outubro de 2004). O assunto merece atenção ante a este efeito desigual
produzido.
Neste caso, insta invocarmos novamente o princípio da igualdade. Segundo reza o caput
do artigo 5.da Constituição da República “todos são iguais perante a lei”. Deste modo, em
sendo uma lei declarada inconstitucional pelo STF em via difusa, esta lei seria
inconstitucional apenas para o caso de um litigante? E para o restante da sociedade a lei
continua sendo constitucional?
Este tratamento desigual adotado é dos inúmeros defeitos do controle concreto de
constitucionalidade (SILVA, 2015, p. 60). Propomos um exemplo da seara tributária em que
determinado tributo fora julgado incidentalmente inconstitucional pelo STF e, portanto,
suspenso de exigibilidade de cobrança apenas para o litigante.
Neste caso, enquanto o litigante que teve sua demanda apreciada perante a Suprema
Corte está desobrigado ao recolhimento do tributo, os demais contribuintes em mesma
situação continuam devedores do mesmo tributo e sujeitos a inscrição em dívida ativa e
execução fiscal em caso de não pagamento. Como admitir este tratamento desigual de norma
constitucional?
125
Tão graves inconvenientes práticos, com sérias consequências de conflito, insegurança
ou incerteza, poderiam ser contidos, podendo atribuir ao órgão supremo da justiça ordinária
um poder de decisão que é suscetível de se estender, também, além do caso concreto e de
anular, como eficácia erga omnes, a lei considerada inconstitucional (CAPPELLETTI, 1999,
p. 79).
Não está a sugerir ou defender que a Corte Suprema adote postura similar à legislativa
casando instrumentos legislativos vigentes e ditando novas regras, mas a almejar que a
repercussão geral reconhecida para julgamento de Recurso Extraordinário tenha possa ter
característica típica deste instituto, qual seja, que os argumentos transcendam os interesses
subjetivos das partes. Além do mais, a própria, da norma constitucional possui viés público.
O direito constitucional expede normas de direito público e suas normas constituem
uma ordem objetivando a harmonia e vida do grupo (SILVA, 2015, p. 36). A norma
fundamental é uma lei superior na qual se definam os processos de conformação do sistema
político, das relações sociais e da própria ordem jurídica. Concretamente, além de ser a lei
básica do Estado (perspectiva jurídica), a Constituição é também a norma fundamental
ordenadora e conformadora da vida social (MENDES, 2009, p.8).
Assim, não parece prudente uma norma de direito público e com repercussão geral
reconhecida produzir efeitos tão somente individuais, como se um contrato de direito privado
fosse. A expansão dos efeitos da decisão pode propiciar efeitos benéficos, tais como,
(i) viabilizar maior segurança objetivo-material nas decisões judiciais sobre questões
constitucionais já apreciadas no Supremo Tribunal Federal; (ii) evitar reiteração de
recursos sobre a mesma matéria, agilizando o andamento dos processos e permitindo
um maior fluxo decisório e, como consequência, criando um ambiente propício a
uma efetividade da garantia real (material) de acesso à Justiça, como instrumento
constitucional assegurador da garantia razoável da duração do processo (inciso
LXXVIII do art. 5º. da Constituição de 1988); e (iii) dar racionalidade ao sistema de
controle difuso de constitucionalidade, com reflexos nas possibilidades coevolutivas
do sistema jurídico com os sistemas finalísticos da sociedade, pela identificação de
acoplamentos estruturais (VIANA, 2011, p. 209).
Nesta seara, a produção de efeito expansivo do reconhecimento da inconstitucionalidade
e consequente inaplicabilidade da lei viciada, proporciona uniformidade de entendimento,
coadunando com o reforço a segurança jurídica e vislumbrando maior aproximação com a
igualdade com a lei produzindo o mesmo efeito para todos.
4.6 Alguns posicionamentos do Supremo Tribunal sobre inconstitucionalidade pela via
difusa que assumem eficácia extra partes
126
Ao decorrer desta pesquisa foram abordados argumentos sobre a declaração de
inconstitucionalidade proferida de forma definitiva pela Suprema Corte em via difusa de
controle. Deparou-se que a jurisprudência da desta Corte Constitucional tem destacado a
possibilidade de atribuir efeitos vinculantes e erga omnes a tal decisão, ainda que em sede
incidental.
O presente tópico se propõe então a ilustrar exemplificativamente algumas destas
decisões do Supremo Tribunal Federal que assumiram status vinculantes e de eficácia
expansiva. Apresenta-se, pois, três casos, extraídos por amostragem que, embora não possam
representar unanimidade do entendimento firmado pela Suprema Corte, representam bem a
temática aventada pelo trabalho e o amadurecimento da colocação da jurisprudência
contemporaneamente.
O tridente jurisprudencial a seguir merece destaque, pois, representa na prática uma
expansão dos efeitos da decisão do STF, concedendo eficácia geral e vinculante à mesma,
sem, contudo, uma resolução do Senado Federal a suspender a vigência da lei, ou mesmo,
antes dela. Há de sugerir, portanto, analise de tais casos.
4.6.1 Reclamação Constitucional n. 4335-5/AC: progressão de pena para crimes hediondos
Trata-se de um dos mais destacados casos sobre o controle concreto de
constitucionalidade e que fez reascender hodiernamente a discussão acerca da expansão dos
efeitos da decisão da Excelsa Corte para além das partes.
Por oportunidade do Habeas Corpus n. 82.959, sob relatoria do Ministro Marco Aurélio,
o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade do artigo 2, § 1. da Lei n. 8.072
de 25 de julho de 1990 que estabelecia que os crimes considerados hediondos, a prática da
tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o terrorismo deveriam ter a pena
integralmente cumprida em regime fechado.
Não obstante a decisão da Corte Constitucional, o juiz da Vara de Execuções Penais da
Comarca de Rio Branco, Acre, nos processos de números 001.02.017345-9, 001.05.012072-8,
001.05.017431-3, 001.04.000312-5, 001.05.015656-2, 001.05.013247-5, 001.02.007288-1,
001.06.003977-0, 001.05.014278-0 e 001.05.007298-7, negou a progressão de regime
alegando que como a decisão do Supremo Tribunal Federal no Habeas Corpus n. 82.959 fora
proferida em via difusa de controle e não havia para o caso resolução do Senado Federal para
suspender a dita norma, os efeitos daquela seriam tão somente inter partes e não vinculantes.
127
Nos referidos processos, portanto, o Magistrado manteve a aplicabilidade do artigo 2,
§1 da Lei 8.072/1990, indeferindo, pois, a progressão de regime aos condenados. Diante de tal
indeferimento a Defensoria Pública da União interpôs a Reclamação Constitucional n. 4335-5
perante a Suprema Corte, uma vez ser inconstitucional a previsão de cumprimento de pena em
regime integralmente fechado.
Alheio à técnica estritamente penalista da questão, o cerne desta Reclamação
Constitucional a ser apreciado nesta pesquisa reside no tema se o posicionamento da Corte no
outrora julgado Habeas Corpus n. 82.959 havia de produzir efeitos expansivos, refletindo, em
consequência, eficácia não somente perante os condenados no Estado do Acre, mas todos em
situação fático-jurídica semelhante.
Tem se notado uma mudança paradigmática no posicionamento jurisprudencial da
Suprema Corte acerca da eficácia das decisões proferidas em sede de controle difuso. O
julgamento desta Reclamação Constitucional proporcionou votos relevantes no sentido de se
expandir os efeitos da inconstitucionalidade.
O instrumento da repercussão como requisito de admissibilidade para o STF aprecie
Recurso extraordinário se traduz no ponto de partida para a nova posição da Corte, que ao
examinar o “novo regime, deixou inequivocamente acentuado o efeito expansivo das
decisões” (Rec. Const. 4335/AC; Relator Ministro Gilmar Mendes; DJe n. 208 Divulgação
21/10/2014 Publicação 22/10/2014, Voto Teori Zavascki, p. 161).
Assim, “as decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, em sede de controle
incidental, acabam por ter eficácia que transcende o âmbito da decisão” (Rec. Const.
4335/AC; Relator Ministro Gilmar Mendes; DJe n. 208 Divulgação 21/10/2014 Publicação
22/10/2014, Voto Gilmar Mendes, p. 51).
Esta nova visão do controle difuso se passa também pelo alargar do modelo concentrado
que o estreitou do modelo concreto. “O papel dos precedentes no sistema brasileiro vem
mudando ao longo do tempo. Na verdade, os dois grandes sistemas jurídicos, eles vêm se
aproximando” (BARROSO, p. 182).
O advento da Constituição da República de 1988 proporcionou uma transformação ao
modelo abstrato de controle admitindo um maior rol de legitimados. A ampliação do sistema
concentrado, com a multiplicação de decisões dotadas de eficácia geral, acabou por modificar
a efetividade, tornando comum no sistema a decisão com eficácia geral (MENDES, p. 49).
O amplificador dos legitimados para propositura de controle abstrato, realmente
aproximou as vias de controle, conduzindo a assemelhar também os efeitos desta. O poder de
propor inconstitucionalidade antes concentrado na figura do Procurador Geral da República,
128
se viu expandido pela atual Constituição, o que proporciona que mais variados temas sejam
objeto de controle pela via abstrata.
É difícil admitir, portanto, “que a decisão proferida em ADI ou ADC e na ADPF possa
ser dotada de eficácia geral e a decisão proferida no âmbito do controle incidental - esta muito
mais morosa porque em geral tomada após tramitação da questão por todas as instâncias -
continue a ter eficácia restrita entre as partes” (MENDES, p. 54).
Com o necessário reconhecimento dos motivos que ultrapassem os interesses subjetivos
do processo e a aproximação das vias de controle
É inegável, por conseguinte, que, atualmente, a força expansiva das decisões do
Supremo Tribunal Federal, mesmo quando tomadas em casos concretos, não decorre
apenas e tão somente de resolução do Senado, nas hipóteses de que trata o art. 52, X
da Constituição. É fenômeno que está se universalizando, por força de todo um
conjunto normativo constitucional e infraconstitucional, direcionado a conferir
racionalidade e efetividade às decisões dos tribunais superiores e, como não poderia
deixar de ser, especialmente os da Corte Suprema (ZAVASCKI, p. 162).
Assim, vem se fortalecendo a tese de produção de efeitos expansivos das decisões do
Supremo Tribunal e ratifica o precedente, que apresenta estabilidade à jurisprudência firmada
por esta Corte Suprema (MELO, p. 192). Além da solidez da jurisprudência, o precedente
atende a outras duas finalidades:
o princípio da isonomia, na medida em que evita-se que pessoas em igual situação
tenham desfechos diferentes para o seu caso, o que é, em alguma medida, sempre
repugnante para o Direito. E, por fim, o respeito aos precedentes valoriza o princípio
da eficiência, porque torna a prestação jurisdicional mais fácil, na medida em que o
juiz ou os tribunais inferiores possam simplesmente. justificar as suas decisões à luz
de uma jurisprudência que já se formou (BARROSO, p. 182).
A força expansiva das decisões da Suprema Corte, sobretudo, no tocante à
inconstitucionalidade, depara-se necessariamente com o dispositivo constitucional que
determina que compita ao Senado Federal suspender a execução de lei pelo Supremo
declarada inconstitucional.
Ainda que diante da previsão constitucional de competência privativa da Casa
Senatorial para suspender do ordenamento jurídico lei declarada inconstitucional, cabe ao
Supremo admitir a não aplicabilidade do dito instrumento normativo para além das partes do
processo?
Por um lado, o judiciário não apenas pode, mas deve impedir a existência de leis
inconstitucionais, não podendo o Legislativo objetar e reintroduzir no ordenamento o
instrumento legislativo incongruente com a constituição (GRAU, p. 81). Portanto, as decisões
129
do plenário tomadas por maioria absoluta devem assumir força de precedente e, por
conseguinte, serem respeitadas de uma maneira geral (BARROSO, p. 187).
Por outro lado, admitindo, portanto, o caráter expansivo das decisões judicantes, o
disposto no artigo 52, inciso X da Constituição perderia razão ou assumiria o papel de
publicidade.
É possível, sem qualquer exagero, falar-se aqui de uma autêntica mutação
constitucional em razão da completa reformulação do sistema jurídico e, por
conseguinte, da nova compreensão que se conferiu à regra do art. 52, X, da
Constituição de 1988. Valendo-nos dos subsídios da doutrina constitucional a
propósito da mutação constitucional, poder-se-ia cogitar aqui de uma autêntica
reforma da Constituição sem expressa modificação do texto (MENDES, p. 150).
Adotando este teor expansivo, a não publicação, pelo Senado Federal, de Resolução que
suspenderia a execução da lei declarada inconstitucional pelo STF, não terá o condão de
impedir que a decisão do Supremo assuma a sua real eficácia (MENDES, 2004b p. 166).
A Reclamação Constitucional em comento ganhou, subsidiariamente, destaque voltado
para o efeito de decisão proferida pela Suprema Corte em caso de inconstitucionalidade pela
via difusa e seus efeitos, contudo, a questão principal, possibilidade de progressão de regime
para condenados por crime hediondo, foi solucionada mediante outro instituto da Suprema
Corte: a edição de súmula vinculante.
No curso do julgamento da Reclamação em apreço, o Supremo Tribunal Federal editou
a Súmula Vinculante n. 26 que estabelece “que ara efeito de progressão de regime no
cumprimento de pena por crime hediondo, ou equiparado, o juízo da execução observará a
inconstitucionalidade do art. 2. da Lei n. 8.072, de 25 de julho de 1990”.
O mérito da questão, o tópico protagonista, foi solucionado de modo a permitir a
progressão de regime, mesmo que em casos de crimes hediondos, pois inconstitucional a
proibição legal. É de se reconhecer que o mesmo órgão judicante produziu o mesmo objetivo:
efeitos vinculantes e expansivos, contudo, por via diversa, a sumular.
No entanto, há de se ressaltar que os debates proporcionados no plenário da Casa
contribuem para o amadurecimento da teoria vem ganhando mais respaldo até mesmo pela
legislação.
4.6.2 Mandado de Injunção para reconhecimento do direito de greve para servidores públicos
Outro assunto de recorrente questionamento na seara jurídica diz respeito ao exercício
do direito de greve de servidores públicos. A Constituição da República de 1988, no capítulo
130
destinado a Administração Pública, trata que o direito de greve será exercido nos termos e nos
limites definidos em lei específica.
O texto constitucional, pois, admite o direito de greve do funcionalismo público, no
entanto, condiciona o exercício, requisitos e particularidades a lei específica. Acontece que,
ao arranjo jurídico pátrio não adveio tal instrumento legislativo, o que obstaculiza o exercício
de direito fundamental. Tal inércia legislativa fora objeto questionamento perante a Suprema
Corte, via Mandado de Injunção, a se destacar pelos writs injuncionais de números 670, 708 e
712.
A Excelsa Corte, por sua vez, no Mandado de Injunção n. 708, ao reconhecer a mora
legislativa conheceu o tema e, no mérito, deferiu a Injunção para, nos termos acima
especificados, determinar a aplicação das Leis nos 7.701/1988 e 7.783/1989 aos conflitos e às
ações judiciais que envolvam a interpretação do direito de greve dos servidores públicos civis.
(MI 708, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 25/10/2007, DJe-
206 divulg 30-10-2008 public 31-10-2008 ement vol-02339-02 pp-00207 rtj vol-00207-02 pp-
00471).
Há de se registrar que a Excelsa Corte constitucional vem adotando a posição
concretista, de modo a efetivamente proporcionar o exercício de direito e garantia
fundamental no caso em exame.
Com a sequência de julgados e a insistente inércia legislativa sobre o tema, as decisões
da Suprema Corte passaram a nortear o exercício do servidor público a exercer o direito de
greve, estabelecendo os requisitos para o gozo do direito fundamental, neste sentido,
precedentes: TJ-MA - Agravo de Instrumento: 0182582012 MA 0002874-85.2012.8.10.0000,
TJDF - PET 20150020004409 e TJ-AL - Procedimento Ordinário: 00068719820128020000
AL 0006871-98.2012.8.02.0000.
Sendo assim, enquanto a estrutura jurídica não é agraciada com o instrumento
legislativo próprio, decidiu a Corte Constitucional pela aplicação das Leis nos 7.701/1988 e
7.783/1989, atos normativos próprios da inciativa privada.
Repise-se que a decisão do STF em aplicar as regras próprias dos setores privados aos
servidores públicos não é restrita às partes dos Mandados de Injunção pela Corte examinados.
Percebe-se, pois, um alargamento dos efeitos.
A viabilização de direitos concernentes a liberdades, públicas, direitos fundamentais,
prerrogativas, entre outros, via Mandado de Injunção não se adstringirá ao caso concreto (MI
708, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 25/10/2007, DJe-206
131
divulg 30-10-2008 public 31-10-2008 ement vol-02339-02 pp-00207 rtj vol-00207-02 pp-
00471, voto Min. Carmen Lucia, p. 305).
Ademais, o posicionamento da Suprema Corte proporciona vinculação a outros órgãos
do Poder Judiciário e entes da Administração Pública, sendo
possível que o Supremo Tribunal Federal determine, na ação de mandado de
injunção, a suspensão de processos administrativos ou judiciais, com intuito de
assegurar ao interessado a possibilidade de ser contemplado pela norma mais
benéfica. Essa faculdade legitima, igualmente, a edição de outras medidas que
garantam a posição do impetrante até a expedição das normas pelo legislador (MI
708, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 25/10/2007,
DJe-206 divulg 30-10-2008 public 31-10-2008 ement vol-02339-02 pp-00207 rtj
vol-00207-02 pp-00471, voto Min. MENDES, p. 226).
No writ injuncional n. 712, a Suprema Corte pondera que “no mandado de injunção o
Poder Judiciário não define norma de decisão, mas enuncia o texto normativo que faltava
para, no caso, tornar viável o exercício do direito de greve dos servidores públicos” (MI 712,
Relator(a): Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 25/10/2007, DJe-206 DIVULG
30-10-2008 PUBLIC 31-10-2008 EMENT VOL-02339-03 PP-00384) Relator(a): Min.
MAURÍCIO CORRÊA, Relator(a) p/ Acórdão: Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno,
julgado em 25/10/2007, DJe-206 DIVULG 30-10-2008 PUBLIC 31-10-2008 EMENT VOL-
02339-01 PP-00001 RTJ VOL-00207-01 PP-00011).
Assim, tem-se a omissão legislativa para assegurar o exercício de direito de greve de
servidores públicos como inconstitucional e a posição da Corte Suprema em via difusa de
controle aplicada a casos análogos, com sujeitos alheios aos originários de Mandado de
Injunção próprio.
4.6.3 Recurso Extraordinário n. 595.838: a inconstitucionalidade de incidência de
contribuição previdenciária incidente sobre serviços prestados por cooperativas de trabalho
A Lei n. 8.212, de 24 de julho de 1991, em redação dada pela Lei n. 9.876, de 1999,
passou a estabelecer em seu artigo 22, inciso IV uma contribuição, destinada à Seguridade
Social, a cargo da empresa, de quinze por cento sobre o valor bruto da nota fiscal ou fatura de
prestação de serviços, relativamente a serviços prestados por cooperados por intermédio de
cooperativas de trabalho.
Tal Contribuição foi objeto de diversas impugnações a respeito de sua
constitucionalidade, tal como violação ao incentivo ao cooperativismo insculpido no artigo
174, § 2., da Constituição da República e vício formal no processo legislativo para instituição
do tributo, que a teor de ditames constitucionais deveria se dar por Lei Complementar, sujeito,
132
pois a quórum específico, o que não se observou na dita contribuição, que fora instituída
mediante lei ordinária.
Tal contribuição foi amplamente questionada perante o Poder Judiciário brasileiro,
tendo chegado à apreciação do Supremo Tribunal Federal por meio do Recurso Extraordinário
n. 595.838, que julgou inconstitucional tal dispositivo e, por conseguinte, a contribuição como
inconstitucional. Da ementa deste julgamento, destaca-se:
O art. 22, IV da Lei nº 8.212/91, com a redação da Lei nº 9.876/99, ao instituir
contribuição previdenciária incidente sobre o valor bruto da nota fiscal ou fatura,
extrapolou a norma do art. 195, inciso I, a, da Constituição, descaracterizando a
contribuição hipoteticamente incidente sobre os rendimentos do trabalho dos
cooperados, tributando o faturamento da cooperativa, com evidente bis in idem.
Representa, assim, nova fonte de custeio, a qual somente poderia ser instituída por
lei complementar, com base no art. 195, § 4º - com a remissão feita ao art. 154, I, da
Constituição. 5. Recurso extraordinário provido para declarar a
inconstitucionalidade do inciso IV do art. 22 da Lei nº 8.212/91, com a redação dada
pela Lei nº 9.876/99. (BRASIL, 2014).
Tal declaração de inconstitucionalidade se deu de modo uníssono pelo pleno do
Tribunal, com transito em julgado declarado em 09/03/2015, tratando-se, pois, de decisão
definitiva. A questão ainda teve um pedido de modulação dos efeitos, para revestir a sentença
de efeitos ex nunc, via Embargos de Declaração, negados, igualmente, por unanimidade.
Há de se ressaltar neste contexto que a Lei n. 10.522 de 19 de julho de 2002 e a Portaria
da PGFN n.294 de março de 2010 em seus artigos 19, inciso V e 1, inciso V, respectivamente,
autorizam a Fazenda Nacional a não recorrer de decisões definitivas proferidas pelo Supremo
na forma de recursos repetitivos, o que se deu com Recurso Extraordinário n. 595.838.
Com autorização expressa da legislação e da própria procuradoria para não exercer
recursos e desistir dos já interpostos, contra entendimento definitivo da Corte, admite-se a
vinculação dos efeitos da decisão do STF.
Assim, com base nestes instrumentos expostos e pautada na nota da PGFN/CRJ/n.
604/2015 a Procuradoria, com fulcro ainda na Mensagem Eletrônica PGFN/CRJ 001/2015,
admitiu não exercer o direito de contestar ou recorrer em processos que versem acerca da
contribuição prevista no artigo 22, inciso IV da Lei n. 8.212/91, declarada incidentalmente
inconstitucional pela Suprema Corte, por intermédio do Recurso Extraordinário n. 595.838.
É de se realçar, portanto, que a decisão do Supremo Tribunal Federal exerceu aqui
verdadeiros efeitos vinculantes, típicos do controle concentrado. Além do mais, se percebeu
nesta senda, uma real inaplicabilidade prática da lei declarada inconstitucional como reflexo
da própria decisão da Suprema Corte, aceitando a procuradoria em nem mesmo contestar
casos que digam respeito sobre a lei declarada inconstitucional incidentalmente.
133
Percebe-se, pois, uma expansão dos efeitos da decisão proferida na Suprema para as
partes que já questionam a mesma situação pela via difusa, seja por qual instrumento for. O
que deseja destacar aqui é que a decisão da Suprema Corte passou a produzir efeitos
expansivos e vinculantes independente de atuação legislativa, que se deu em março de 2016,
quando o Senado Federal editou a Resolução n. 10 de 2016 e entendeu por suspender a dita
contribuição e a dar publicidade ao objeto de inconstitucionalidade declarada pelo STF.
Contudo, até a resolução do ente senatorial ser expedida, a decisão do Supremo
Tribunal já estava a produzir efeitos expansivos na prática, uma vez que a decisão que
entendeu pela inconstitucionalidade da referida contribuição e, como consequência, sua
inexigibilidade, estava a se propagar para pessoas alheias ao caso concreto independente de
resolução do Senado Federal, que adveio apenas um ano após o trânsito em julgado do
reconhecimento de inconstitucionalidade.
Os três casos neste tópico apresentados não traduzem um pensamento uniforme da
Suprema Corte em se tratando de efeitos expansivos da declaração de inconstitucionalidade,
mas ilustram como a temática da pesquisa vem sido aplicada pela Suprema Corte Nacional,
além de reforçar o desenvolvimento da posição jurisprudencial brasileira.
CONCLUSÃO
A Constituição da República de 1988, em seu texto, traz direitos e garantias
fundamentais, transformando-se em um diploma de reconhecida relevância na órbita jurídica.
Desta forma, é substancial assegurar a aplicabilidade prática de todos os seus preceitos.
Neste sentido, além de garantir os ditames constitucionais, dando-lhes efetividade,
torna-se elementar exercer mecanismos de controle de modo a preservar a supremacia da
Carta Política e extirpar do sistema constitucional normas e atos com vício de
inconstitucionalidade ou impedir a vigência destes.
Destaque-se que o objetivo da pauta jurídica é dar aplicabilidade à Constituição. De
nada valeria um texto constitucional completo e elogiado sob a ótica de previsão e garantia de
direitos, se estes não são, de fato, exercidos, contribuindo para a inocuidade da Lei Maior do
Estado. Assim, o controle de constitucionalidade se reveste de importante aliado do arranjo
democrático.
Nesta seara se assente que o controle de constitucionalidade pode ser exercido pelos três
Poderes da União. O Legislativo e Executivo exercem a moderação de modo cauteloso, de
maneira a evitar que atos contrários ao texto constitucional entrem em vigência no
ordenamento brasileiro. O órgão legiferante e executivo, respectivamente, mediante atuação
das Comissões de Constituição e Justiça e exercício do veto, praticam uma análise prévia
acerca da constitucionalidade de projeto de lei.
Caso o controle não se dê preventivamente com o fito de obstar o ingresso de norma
contrária a Constituição, este poderá se dar repressivamente, com o poder de invalidar o teor
inconstitucional e eliminar tal incongruência do ordenamento.
Ao controle repressivo, ao qual se volta o foco, é convidado o Poder Judiciário, que
pode apreciar a questão pela via concentrada de controle, na qual a Suprema Corte, e somente
ela, por meio das ações específicas de controle pode declarar a inconstitucionalidade, desde
que arguida por um legitimado peculiar.
O Poder Judicante pode ainda apreciar uma inconstitucionalidade pela chamada via
difusa de controle na qual uma incompatibilidade com a Constituição pode ser levantada em
qualquer ação, sem restrição de legitimados, podendo, pois, ser proposta por seja quem for da
população, admitindo ainda, a pessoa jurídica igualmente detentora de direitos e capacidade
de estar em juízo.
135
Exercendo o controle, por qualquer das vias e declarando como inconstitucional
determinado ato legislativo, o Poder Judicante estipula a não aplicação do ato incompatível
com a Constituição. Pela via concentrada, com efeitos gerais e expansivos, ou pela via
concreta ou difusa, com efeitos restritos às partes litigantes.
O ordenamento brasileiro admite, pois, as duas formas de se moderar a
constitucionalidade de leis e atos normativos, uma combinação dos tradicionais modelos: o
austríaco, o qual se destaca pelo prisma abstrato de controle, e o norte-americano, que realça o
controle difuso.
Cada um destes dois sistemas emprestou percepções e conceitos ao conjunto de controle
brasileiro que, admitindo parte das duas clássicas acepções, elaborou um modelo viável a se
fazer concretizar a soberania da Constituição.
Uma das questões, contudo, que se coloca em análise nesta pesquisa diz respeito à
legitimidade constitucional do Poder Julgador entender por não aplicar instrumento
previamente aprovado por órgão legislativo e que detém presunção de legalidade e
constitucionalidade.
A atuação do Poder Judiciário no controle de constitucionalidade encontra certa
resistência por, supostamente, haver uma invasão da área de atuação e competência
constitucional típica do Poder Legislativo, configurando-se, pois, numa afronta a teoria da
separação dos poderes.
Todavia, com o desenvolver desta pesquisa se constata que o desempenho do Judiciário
no controle de constitucionalidade decorre exatamente da teoria da separação harmônica dos
poderes.
De acordo com a melhor interpretação do princípio da separação dos poderes e,
insculpido na Constituição Federal, expresso teor do artigo segundo, os Poderes da União,
além de independentes, são harmônicos entre si. Nesta senda, deve-se apreciar a separação
dos poderes em consonância com a interdependência destes.
Não se pode olvidar neste momento que a interdependência dos poderes reside
exatamente na possibilidade de um Poder fiscalizar e frear conduta abusiva de outro. Um
Poder soberano, que não está sujeito a controle dos demais, assume perigosamente um
protagonismo arbitrário.
Deste modo, nenhum Poder está alheio ao controle dos demais. Nesta linha, na órbita
democrática, assim como os Poderes Executivo e Judiciário estão sujeitos a controle, o Poder
Legislativo também se encontra sob monitoramento dos demais. A atividade típica do Poder
legiferante que está sujeita a controle é exatamente a de legislar.
136
Caso a atividade legislativa incorra em abuso, estará, pois, exposta a controle. A
conduta de legislar está limitada aos preceitos constitucionais. Desta forma, a lei que for
inconstitucional se apresenta como ato abusivo do órgão legiferante. Daí nasce naturalmente a
participação do Poder Judiciário como colegitimado a exercer o contrapeso democrático.
À luz da Constituição da República de 1988, o Supremo Tribunal Federal assume o
papel de guardião da Constituição, o qual tem a incumbência de exercer o controle dos atos do
Poder Legislativo em face dos preceitos constitucionais. Constata-se que a Suprema Corte
mantém o papel de guarda da Constituição atuando como único legitimado na esfera abstrata
de controle ou como julgador recursal, pela via difusa.
Assim, caso a autuação judiciária se dê devido a um abuso legislativo, não se vislumbra
ofensa à Constituição ou à separação dos poderes, ao contrário, decorre da sinergia dos
mesmos.
Por outro lado, uma atuação do Judiciário que não derive do poder de fiscalização
próprio da separação dos poderes e assuma resultados que extrapolem a órbita judicial e
queira vincular a Administração pública e comunidade jurídica pode configurar ofensa à
democrática independência dos poderes.
A edição de súmulas vinculantes ou resoluções que imponham orientação de conduta
típica de lei, partindo tão somente do poder judicante, sem que haja qualquer abuso
legiferante que permita ao julgador adentrar na esfera de atuação legislativa, pode, sim,
configurar ofensa à Separação dos Poderes, com certa usurpação de competência, pois, nestes
casos, a iniciativa de criação de ato normativo, na maioria das vezes, nasce do próprio
judiciário, sem convite ao exercício de controle.
Porém, contudo, adstrito ao tema ora proposto nesta pesquisa, no controle de
constitucionalidade, em ambas as vias, a atuação do Supremo Tribunal Federal se dá de modo
harmonioso com os demais poderes.
Nota-se, por outro lado, que decisões da Suprema Corte têm ganhado relevância, de
modo a refletir efeitos gerais. É possível averiguar que as decisões proferidas pelo Guardião
da Constituição têm apresentado tendência expansiva. É de se observar que o Supremo
Tribunal tem assumido cada vez mais a função de Corte constitucional e abandonando a
alcunha de tribunal recursal.
Desta forma, afastando-se detalhes meramente recursais, a Corte se esquiva de apreciar
questões tão somente íntimas, restritas às partes do processo, concentrando-se em fatores de
direito público.
137
Direcionando os olhos para a via difusa de controle é sabido que, para que o STF possa
apreciar dada questão via Recurso Extraordinário, esta, além de possuir caráter
eminentemente constitucional, deve reconhecer repercussão geral.
Esse requisito de admissibilidade do recurso constitucional de que a questão a ser
apreciada pela Corte deva produzir impactos universais já admite esta expansão de efeitos da
decisão. Ora, se a causa deva demonstrar influência geral, o resultado desta interpretação
certamente deva experimentar efeitos gerais.
Nesta senda se pode ajustar que o fenômeno da repercussão geral é o liame entre o meio
de controle difuso de constitucionalidade e a produção de efeitos expansivos. O
reconhecimento da repercussão geral é determinado se a decisão tomada em sede de controle
difuso de constitucionalidade está apta a propagar efeitos para além das partes do processo.
Decerto, um conteúdo de índole constitucional cujo objeto deva extrapolar os interesses
subjetivos das partes desperta fascínio geral e não apenas entre litigantes. Fica claro que se
deva respeitar as particularidades em que o caso concreto venha a apresentar. Contudo, a
essência da questão constitucional é de interesse geral.
Com esta assemelhação de efeitos, tem-se notado, pois, uma aproximação da via difusa
com a via concentrada de controle. Ressalte-se, porém, que não apenas a produção de efeitos
contribui para a ligação entre os meios de controle, o grau em que a Corte Constitucional toca
o caso estabelece um espelhamento entre os métodos de controle.
A Corte Suprema, mesmo que em via incidental, examina a questão constitucional de
forma abstrata, uma vez que não avalia peculiaridades íntimas de cada caso e tampouco revê o
conjunto probatório, o que auxilia na abstração de sua conduta.
Esta relação de abstração e expansão de efeitos vem sendo adotada pela progressão da
jurisprudência do STF, como nos casos de greve de servidores públicos, que mediante uma
ausência legislativa própria, proporciona este direito fundamental mediante mandado de
injunção.
Outra situação jurisprudencial que clareia esta idealização se mostra no caso da
contribuição previdenciária incidente sobre cooperativas de trabalho, que foi julgada
inconstitucional pelo Supremo Tribunal e, antes mesmo da resolução do Senado Federal para
suspender tal lei, a posição do Supremo já produzia efeitos gerais e vinculantes, com
orientação expressa da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional para sequer contestar ou
recorrer de questões de primeira instância que estiverem em consonância com o
posicionamento do Pretório Excelso.
138
Diante de tal consolidação e perspectiva, se volta à tona o papel do Senado Federal
frente a um ofício enviado pela Suprema Corte recomendando ao Legislativo a suspensão de
ato normativo declarado inconstitucional, nos ditames do artigo 52, inciso X da Constituição
da República.
Se a resolução a que trata o texto constitucional, com o fito de suspender lei
inconstitucional do ordenamento jurídico fosse editada, tão logo o recebimento do ofício
expedido pela Suprema Corte, esta pesquisa nem haveria de ser arguida, pois a própria
decisão do STF já seria de revestida de produzir efeitos gerais retendo a execução da lei
inconstitucional.
Acontece que, além do Senado Federal não ser compelido a editar a resolução, quando
esta é editada, a maioria dos ofícios emitidos pelo STF demora mais de um ano para ser
processado.
Neste caso, mesmo que a resolução seja editada para suspender lei inconstitucional do
ordenamento, o trâmite da resolução perdura, na maioria dos casos, mais de um ano, período
em que a lei viciada continua a produzir efeitos.
Neste interstício, contudo, a lei definitivamente reconhecida inconstitucional continua a
produzir efeitos tão somente entre as partes, no qual se considera prudente a expansão de
efeitos até que a resolução venha ser editada.
Como não parece muito oportuno utilizar um termo impositivo em face do membro
legislativo, contudo, considerando o controle de constitucionalidade repressivo, exercido pelo
Poder Judiciário, como decorrente da própria interdependência dos Poderes, em sede de
controle de atos abusivos, é de se enxergar a resolução como consequência natural da
harmoniosa relação entre os Poderes da União.
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