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6418 EFEITO SUSPENSIVO NOS EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL: UMA ANÁLISE DA ALTERAÇÃO DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL SOB O PARADIGMA DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO THE SUSPENSIVE EFFECT OF THE LEGAL DEFENSE IN THE TAX EXECUTION PROCESS: AN ANALYSIS OF THE ALTERATION OF THE CODE OF CIVIL ACTION IN ACCORDANCE WITH THE PARADIGM OF THE LAW AND CONSTITUTIONAL DEMOCRACY Flávio Couto Bernardes Henrique Machado Rodrigues de Azevedo RESUMO O presente artigo tem por objetivo analisar as alterações promovidas no Código de Processo Civil pela Lei nº 11.382/06, em especial no que se refere à introdução do art. 739-A e a possibilidade de sua aplicação subsidiária na Lei nº 6.830/80, de forma a eliminar o efeito suspensivo imediato dos Embargos à Execução Fiscal. Referido estudo dar-se-á no segundo as noções hermenêuticas inerentes ao paradigma do Estado Democrático de Direito, com enfoque no modelo constitucional de processo e levando- se em consideração as particularidades da relação jurídica tributária, principalmente no que se refere à formação unilateral e sem a participação volitiva do sujeito passivo do título executivo extrajudicial que lastreia a cobrança da dívida ativa tributária. PALAVRAS-CHAVES: ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO. DIREITO TRIBUTÁRIO. PROCESSO TRIBUTÁRIO. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. EFEITO SUSPENSIVO. ABSTRACT The present article has for objective to analyze the changes promoted in the Code of Civil Action by the Law nº 11.382/06, in special the introduction of the art. 739-A and the possibility of its subsidiary application in the Law nº 6.830/80, due to eliminate the immediate suspensive effect of the legal defense in the tax execution process. Related study will develop according to the hermeneutic rules inherits of paradigm of the Law and Constitutional Democracy, with approach in the constitutional model of process and taking in consideration the particularitities of the legal cases in tax matters, mainly in the aspects of the unilateral formation and absence of the volitional participation of the tax payer in the executive title that bases de judicial collection of tax debit. KEYWORDS: LAW AND CONSTITUTIONAL DEMOCRACY. TAX LAW. TAX LAW PROCESS. LEGAL DEFENSE IN THE TAX EXECUTION PROCESS. SUSPENSIVE EFFECT.

EFEITO SUSPENSIVO NOS EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL… · embargos à execução fiscal sob o enfoque do Estado Democrático de Direito, ... tal modelo podem entender-se e realizar-se

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EFEITO SUSPENSIVO NOS EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL: UMA ANÁLISE DA ALTERAÇÃO DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL SOB O

PARADIGMA DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

THE SUSPENSIVE EFFECT OF THE LEGAL DEFENSE IN THE TAX EXECUTION PROCESS: AN ANALYSIS OF THE ALTERATION OF THE CODE OF CIVIL ACTION IN ACCORDANCE WITH THE PARADIGM OF

THE LAW AND CONSTITUTIONAL DEMOCRACY

Flávio Couto Bernardes Henrique Machado Rodrigues de Azevedo

RESUMO

O presente artigo tem por objetivo analisar as alterações promovidas no Código de Processo Civil pela Lei nº 11.382/06, em especial no que se refere à introdução do art. 739-A e a possibilidade de sua aplicação subsidiária na Lei nº 6.830/80, de forma a eliminar o efeito suspensivo imediato dos Embargos à Execução Fiscal. Referido estudo dar-se-á no segundo as noções hermenêuticas inerentes ao paradigma do Estado Democrático de Direito, com enfoque no modelo constitucional de processo e levando-se em consideração as particularidades da relação jurídica tributária, principalmente no que se refere à formação unilateral e sem a participação volitiva do sujeito passivo do título executivo extrajudicial que lastreia a cobrança da dívida ativa tributária.

PALAVRAS-CHAVES: ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO. DIREITO TRIBUTÁRIO. PROCESSO TRIBUTÁRIO. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. EFEITO SUSPENSIVO.

ABSTRACT

The present article has for objective to analyze the changes promoted in the Code of Civil Action by the Law nº 11.382/06, in special the introduction of the art. 739-A and the possibility of its subsidiary application in the Law nº 6.830/80, due to eliminate the immediate suspensive effect of the legal defense in the tax execution process. Related study will develop according to the hermeneutic rules inherits of paradigm of the Law and Constitutional Democracy, with approach in the constitutional model of process and taking in consideration the particularitities of the legal cases in tax matters, mainly in the aspects of the unilateral formation and absence of the volitional participation of the tax payer in the executive title that bases de judicial collection of tax debit.

KEYWORDS: LAW AND CONSTITUTIONAL DEMOCRACY. TAX LAW. TAX LAW PROCESS. LEGAL DEFENSE IN THE TAX EXECUTION PROCESS. SUSPENSIVE EFFECT.

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1. INTRODUÇÃO

A Constituição da República de 1988, ao mesmo tempo em que operou avanços inquestionáveis para a consolidação da democracia e dos direitos e garantias fundamentais, trouxe consigo o grande desafio de conferir plena efetividade a esses objetivos.

Assim, a hermenêutica constitucional, no contexto do paradigma do Estado Democrático de Direito, impende que os intérpretes não propaguem suas próprias concepções como verdades absolutas, nem mesmo se tornem vítimas daquelas construídas por terceiros, de forma que somente prevaleçam, com a devida e necessária legitimidade, decisões jurisdicionais decorrentes de um processo pautado nos princípios da ampla defesa, do contraditório, da isonomia e, em especial na seara tributária, da garantia da propriedade (evidentemente, desde que obedecida a sua função social).

Por outro lado, a sociedade, cada vez mais complexa e plural, exige, ao mesmo tempo, uma participação mais ampla na tomada de decisões por parte do Estado e uma maior agilidade na prestação jurisdicional, o que tem levado o Poder Legislativo, com o claro beneplácito do Judiciário, a realizar diversas reformas processuais visando que a tão sonhada “celeridade” possa trazer de volta a legitimidade das decisões judiciais, diminuindo a tensão entre a faticidade e a validade do Direito.

Entretanto, a falácia da celeridade objetivada pelas reformas processuais ocorridas na última década não pode fazer ruir as garantias constitucionais do processo, sob pena de, ao invés de se devolver a pretendida legitimidade do Estado num contexto democrático, ocorrer o retrocesso à ingerência de um poder com viés solipcista sobre os demais, apenas com a substituição do Executivo pelo Judiciário.

Essa questão, como restará demonstrado no presente trabalho, revela-se ainda mais preocupante na seara do Direito Tributário, em que a Administração Pública, manifestando seu poder de tributar, visa à expropriação legalmente consentida do patrimônio do sujeito passivo, ainda que sem a sua declaração de vontade. Particularidade essa, portanto, que leva a relação jurídica tributária a uma situação diferenciada das demais, justificando o tratamento específico, dado por normas processuais próprias, em especial a Lei de Execuções Fiscais (Lei n. 6.830/80).

Analisar-se-á, por conseguinte, o processo tributário, no contexto do paradigma do Estado Democrático de Direito, visando equalizar o direito de acesso à jurisdição por parte da Fazenda Pública para a satisfação de seu crédito, mediante o instituto da Execução Fiscal, com as garantias do sujeito passivo instituídas pelo modelo constitucional de processo e, conseqüentemente, de processo tributário.

Nesse sentido, especificamente será abordado o tema da alteração do Código de Processo Civil realizada pela Lei n. 11.382/06, que modificou a sistemática do processo de execução em geral, ou seja, de créditos que, por sua natureza, não são inscritos em Dívida Ativa, sendo introduzido o art. 739-A no Digesto Processual Civil.

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Referido dispositivo legal determinou, expressamente, a extinção do efeito suspensivo automático quando da interposição dos embargos do devedor, cabendo ao magistrado, em decisão tomada em caráter de estreita cognição, decidir em sentido contrário (determinando a suspensão da execução), mediante pedido formalizado pelo suposto devedor, sendo justamente a possibilidade ou não da aplicação dessa norma processual geral aos feitos executivos fiscais o cerne do presente estudo.

Para tanto, mister realizar uma breve reconstituição dos paradigmas do Estado de Direito, a fim de compreender que no atual Estado Democrático de Direito a visão de processo e, por conseguinte, de processo tributário, não pode se afastar dos direitos e garantias fundamentais inseridos na Carta Política.

Ademais, também será necessária uma análise da natureza da relação jurídica tributária, desde a formação do crédito tributário, a fim de firmar as bases hermenêuticas do processo de Execução Fiscal. Levar-se-á em conta o caráter democrático que deve permear as relações entre fisco e sujeito passivo na conjuntura atual, possibilitando uma discussão isonômica de suposta dívida apurada e exigida pelo credor, mas sem a participação volitiva do devedor na formação do título executivo, como ocorre nas execuções em geral.

2. APONTAMENTOS SOBRE A EVOLUÇÃO PARADIGMÁTICA DO ESTADO DE DIREITO

Considerando que o presente trabalho tem por objetivo analisar o efeito suspensivo dos embargos à execução fiscal sob o enfoque do Estado Democrático de Direito, revela-se de suma importância a compreensão do conceito de paradigma e sua influência na interpretação jurídica, bem como se faz relevante a realização de uma breve digressão ao Estado Liberal (considerado primeiro paradigma constitucional), compreendendo o caminhar evolutivo até o contexto atual.

O conceito de paradigma está intimamente ligado à obra do físico americano Thomas Kuhn, A Estrutura das Revoluções Científicas, publicada em 1963, considerada por muitos como um marco na epistemologia das ciências[3].

Em trabalho específico sobre a aplicabilidade ou não do conceito de paradigma ao Direito, inclusive entendendo por sua total compatibilidade com a ciência jurídica, Álvaro Ricardo Souza Cruz, baseando-se no pensamento kuhniano, ressalta:

O conceito de paradigma pressupõe uma forma específica de concepção do progresso científico, eis que pretende vê-lo não mais por meio de uma linha contínua, mas, ao contrário, por saltos propiciados por períodos “revolucionários”. Nesse sentido, paradigma deve ser compreendido como uma estrutura mental apta a classificar o objeto pesquisado, de modo a conceber não só a natureza metodológica da mesma, mas também suas dimensões psicológica, antropológica, moral e ética. Desse modo, mais do que um modelo, o paradigma conforma os problemas e as formas de solução de uma questão dada. Assim, um paradigma é o que os membros de uma comunidade científica

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compartilham, tal como suposições teóricas gerais, leis, proposições e técnicas, bem como os instrumentos de aplicação dessas leis e proposições. Como exemplo, o paradigma newtoniano pressupunha não só a superação das noções da física ptolomaica, mas também a utilização de telescópios para o compartilhamento dos dados sob análise.[4]

Trazendo essa noção de paradigma para as ciências sociais, mas especificamente para o Direito, Jürgen Habermas afirma que:

As ordens jurídicas concretas representam não só distintas variantes da realização dos mesmos direitos e princípios; nelas se refletem também paradigmas jurídicos distintos. Entendo como tais as idéias típicas e exemplares de uma comunidade jurídica acerca da questão de como se pode realizar o sistema dos direitos e dos princípios do Estado de Direito no contexto efetivamente percebido da sociedade dada em cada caso. Um paradigma jurídico explica, com ajuda de um modelo da sociedade contemporânea, de que modo devem entender-se e ‘manejar-se’ os princípios do Estado de Direito e dos direitos fundamentais, para que possam cumprir, no contexto dado, as funções que normativamente lhes atribui. (...) O paradigma jurídico indica então como no marco de tal modelo podem entender-se e realizar-se os direito fundamentais e os princípios do Estado de Direito.[5]

Com fundamento nos conceitos estabelecidos acima, é possível identificar que o primeiro paradigma constitucional da modernidade corresponde ao que se normalmente se denomina de Estado Liberal, tendo como fundamento três princípios basilares: a igualdade, a liberdade e a propriedade.

A partir da reconstrução de pensamentos até então isolados na Idade Média, tais como as influências, ainda no medievo, de Jean de Paris, Marsílio de Pádua e Bartolo de Saxoferrato[6], e após as intensas modificações ocorridas nesse período de transição, a modernidade se volta para construção de um novo e central tema: o indivíduo, sendo que em seu entorno se desenvolveriam todos os saberes, inclusive o Direito.

Nesse sentido, o Direito era entendido apenas como forma de assegurar a proteção dos interesses individuais, de forma que o Estado somente poderia intervir para garantir a liberdade e a propriedade, ideais influenciados claramente pela burguesia, que acumulava cada vez mais riquezas e, conseqüentemente, mais poder.

Entretanto, a construção e a interpretação do Direito voltadas unicamente para um sentido individualista burguês, bem como a completa omissão do Estado diante dos problemas econômicos e sociais, levou a sociedade a um capitalismo marcado por uma exploração humana sem precedentes na história, eclodindo na Europa industrializada revoltas de operários, movimentos sindicais e lutas por melhores condições de trabalho.

Diante de tais pressões, os Estados Liberais tiverem que começar a ceder, o que culminou na difusão da idéia de que a simples existência formal de direitos elencados em “Declarações” não era o suficiente para garantir a igualdade, a liberdade e a propriedade reais. Era preciso que o Estado e o Direito reconhecessem as diferenças entre os homens, protegendo, efetivamente, os mais fracos.

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Dessa forma, o paradigma do Estado Liberal deu lugar ao surgimento do Estado Social (Welfare State), tendo a doutrina convencionado a citar como marcos inaugurais dessa nova conjectura a Constituição mexicana, de 1917, e a de Weimar, de 1919, ambas preocupadas com a materialização de direitos sociais, a fim de conferir respostas às desigualdades que resultaram na derrocada do paradigma anterior.

Mais do que uma simples agregação dos chamados direitos de “segunda geração” aos de “primeira”, a transição mencionada acima (como ocorrido também na próxima mudança paradigmática), acaba por redefinir o próprio conteúdo e a extensão desses direitos.[7]

Fato é que o Estado passa, nesse contexto, a intervir nas mais diversas áreas da sociedade, destinando-se a cumprir todas as diretrizes constantes da Constituição. Os deveres estatais anteriormente de caráter negativo, assumem também papel positivo, no sentido de que o Estado deveria agir concretamente para garantir direitos sociais mínimos à população.

Ocorre, contudo, que a dificuldade de efetivação de todas as promessas do Estado Providência, bem como o aumento da complexidade das sociedades, coloca em xeque o Welfare State, fato que se agrava com a desaceleração da economia e a crise do petróleo, ocorridas na década de 70 do século XX.

O Estado Social realmente necessitava de um incessante crescimento econômico para manter as diretrizes constitucionalmente estabelecidas, de forma que as incertezas na economia mundial acabaram por abalar as, até então sólidas, concepções de que caberia unicamente ao Estado a tutela, praticamente paternal, dos cidadãos.

Mesmo nos países em que o Estado de Bem-Estar Social aparentemente se apresentava como bem sucedido, a pluralidade crescente das sociedades, que implicava em cada vez mais projetos distintos, e até mesmo incompatíveis, de vida boa, acabou por suscitar questionamentos sobre o papel dos indivíduos na construção de seus próprios ideais.

O paternalismo era tão exacerbado que fazia com que o Estado tomasse para si toda a dimensão do público, causando déficit de liberdade nos indivíduos, transformando-os em meros destinatários dos ideais de seus governantes, o que, em última instância, acabou por minar a legitimidade estatal[8].

Portanto, a falibilidade das promessas do Estado Providência, o aumento da complexidade das sociedades e a conseqüente impossibilidade de concepções pré-constituídas pelo Poder Público se amoldarem a todos mais distintos projetos de vida boa criaram o ambiente propício para a derrocada do paradigma social.

O Estado Democrático de Direito surge, então, como uma proposta de redefinição de conceitos como a democracia, a soberania popular, a cidadania, o público e o privado, evitando, por outro lado, um retorno não tolerável pela sociedade ao Estado Liberal, até mesmo para que todas as conquistas acumuladas durante todo esse período não desaparecessem por completo.

Nesse caminhar evolutivo percebeu-se que toda construção sobre os direitos individuais foi um avanço fundamental, mas seu simples reconhecimento formal não garante a autonomia privada dos cidadãos. Ademais, tornou-se possível compreender que a

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materialização de direitos sociais, por si só, também não garante a liberdade e a democracia pretendidas pelas sociedades plurais da modernidade.

Os paradigmas jurídicos que antecedem o do Estado Democrático de Direito simplesmente buscaram valorizar a pretensão de um bem-estar dos cidadãos que se apresentavam, ora como cidadãos-proprietários, num primeiro estágio, ora como cidadãos-clientes do Estado, no segundo, mas em nenhum momento pretenderam inseri-los como atores efetivos nos processos de tomadas de decisões.

Na atualidade, o que se pretende é justamente unificar os avanços ocorridos em cada um dos paradigmas anteriores, através do reconhecimento, pelo Estado, das autonomias pública e privada dos cidadãos. Em outras palavras, busca-se a legitimidade do Direito através de procedimentos que façam com que os destinatários das normas jurídicas considerem-se, ao mesmo tempo, como seus próprios autores[9].

É exatamente nesse contexto que o presente estudo propõe que seja analisado o processo tributário, seguindo o modelo constitucional de processo e com arrimo na mais democrática participação dos agentes envolvidos na relação jurídica tributária. Tudo isso possibilitando que o Estado Arrecadador possa se valer da garantia de acesso à jurisdição, através da Execução Fiscal, permitindo que ela atinja os fins para os quais foi criada, mas sem que tal instituto dizime princípios constitucionais inerentes ao paradigma do Estado Democrático de Direito, tais como a ampla defesa, o contraditório, a isonomia e a garantia da propriedade privada.

Além disso, intenta-se compreender que somente uma interpretação efetivamente democrática das normas processuais tributárias, em especial a Lei de Execuções Fiscais, pode equilibrar possíveis distorções ocorridas na formação da certidão de dívida ativa, título executivo que, conforme mencionado anteriormente, se reveste de uma característica peculiar, ou seja, a ausência de participação volitiva do suposto devedor (sujeito passivo da obrigação tributária).

3. O MODELO CONSTITUCIONAL DE PROCESSO E O PROCESSO TRIBUTÁRIO

Após as digressões paradigmáticas realizadas no presente trabalho torna-se possível compreender porque, no contexto atual, a noção de processo, inerente aos direitos e garantias fundamentais constantes do Texto Maior, ganha cada vez mais relevo no sentido de se buscar uma teoria processual efetivamente adequada à democracia.

José Alfredo de Oliveira Baracho[10], forte nas lições, dentre outros, de Italo Andolina e Giuseppe Vignera[11], já advertia que somente um processo analisado sob o viés constitucional seria capaz de suprir os anseios democráticos da sociedade moderna.

Sobre a relação entre democracia e processo, afirma José Alfredo de Oliveira Baracho que:

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A democracia implica na participação dos cidadãos, não apenas nos negócios públicos, mas na realização de todos os direitos e garantias consagrados na Constituição e nos diversos seguimentos do ordenamento jurídico global. O Direito Constitucional moderno inclui a garantia dos direitos fundamentais, que se efetiva por meio de ações constitucionais típicas que se concretizam, também, por meio das ações, processos e procedimentos que tornam possível a participação da cidadania, em seus diversos aspectos e conseqüências.

A completa proteção da cidadania depende de práticas institucionais, constitucionais, jurídicas, processuais e políticas que protegem o ser humano em suas variadas situações e posições.[12]

Na mesma esteira, Aroldo Plínio Gonçalves defende que, segundo o modelo constitucional de processo, os membros da sociedade, como destinatários do provimento jurisdicional, nele devem interferir diretamente, sendo que, com a garantia de sua participação igual, paritária e simétrica, podem compreender plenamente o porquê um direito lhes é assegurado ou negado, suprindo o déficit de legitimidade democrática apontado no paradigma anterior.[13]

Ressaltando que, como coloca Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira, a distinção entre Direito Constitucional Processual e Direito Processual Constitucional encontra-se superada[14], mister ressaltar que se a Constituição estabelece um verdadeiro “Modelo Constitucional do Processo” como estruturante do direito processual, não se pode olvidar que o processo tributário segue, exatamente, o mesmo caminho.

Em outras palavras, no Estado Democrático de Direito, nos moldes da Constituição de 1988, não há como prevalecer qualquer noção de processo tributário a que não sejam inerentes os princípios da ampla defesa, do contraditório, da isonomia e, nesse caso particular, da garantia de propriedade.

3.1. Os princípios constitucionais processuais no Estado Democrático de Direito

Tratando-se de direito e garantia fundamental do cidadão, o processo tributário deve ser pautado na estrita observância das regras principiológicas, especialmente o direito à ampla defesa, que na esfera administrativa e no processo judicial ganha especial relevo, considerando que se trata do mecanismo de participação do cidadão na formação do título executivo tributário, de formato unilateral, como já salientado acima.

Registre-se, por oportuno, que neste contexto não se admite falar em princípio mais importante, pois se afasta a concepção de princípios de Alexy[15] e Dworkin[16] no tocante à idéia de que um princípio pode ser mais ou menos relevante dependendo do caso concreto, analisado abstratamente ou no momento de sua aplicação. Nesta linha, precisa a crítica lançada pelo professor Ives Gandra da Silva Martins:

Aliás, a absurda distinção que atualmente se propõe entre princípio jurídico e valor é que tem oportunizado o estéril debate em torno da indagação de ser o princípio norma

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jurídica ou norma externa ao direito. Ora, em direito, se o princípio não for norma posta pelo discurso da lei e se a norma, como princípio ou regra, não estiver inclusa no contexto da legalidade, pouco importando se encerra um valor ou um dever (caráter axiológico ou deontológico), a preferibilidade de aplicação de um princípio entre outros, por precedência ou hierarquização, como norma ou valor, não pode extravasar o significado do conjunto de princípios adotado no discurso da constitucionalidade vigorante. A preferência entre princípios não pode, como quer Alexi, ser assistemática, porque tal redundaria em admitir que o princípio positivado da reserva legal é cambiável pelo intérprete.

Nenhum sistema jurídico, ao contrário do que imaginam Dworkin, Rawls e Gunther, adquire integridade, equidade ou adequabilidade pelos conceitos de justiça, igualdade, imparcialidade, advindos do julgador, vez que, no Estado de Direito Democrático, é o povo que faz e garante as suas próprias conquistas conceituais pelo processo constitucional legiferante do que é devido (garantido, assegurado), não o juiz que é funcionário do povo. O juiz não é construtor do direito, mas concretizador do ato provimental de encerramento decisório do discurso estrutural do procedimento processualizado pelo due process democrático em suas incidências substanciais (substantive) de garantias implantadas constitucionalmente e procedimental (procedural) do modo adequado de aplicação constitucionalmente assegurado.[17]

Os princípios são regras que compõem a norma jurídica, independentemente de sua classificação, o que delimita sua aplicação. São fronteiras de interpretação da norma, motivo pelo qual se destaca sua importância no contexto do ordenamento positivo. Usualmente externam regras, dirigidas ao legislativo, executivo e judiciário, considerados direitos e garantias individuais dos destinatários da norma, sobretudo do cidadão, devendo ser respeitados por todos e, em especial, pelo Estado, pelos seus poderes.

A hermenêutica das normas, através de sua construção dogmática pelo caminho dos princípios, é o norte fundamental do Estado Democrático de Direito. Permite participação cada vez mais integrada do cidadão na estrutura estatal, que pode cobrar e criticar sistematicamente os responsáveis por sua utilização, de forma que as regras jurídicas possam ser bem elaboradas, aplicadas e interpretadas.

Si el principio de dualidad hace referencia a las posiciones procesales enfrentadas, y el principio de igualdad, alude a la equiparación y equilibrio entre los medios de ataque y defensa, el principio de contradicción esta referido a la existencia misma de la controvérsia, a la discución entre las partes, a la contraargumentación frente a las razones aducidas de contrario.[18]

A ampla defesa, portanto, é a garantia às informações de todos os acontecimentos pertinentes ao procedimento, desde sua instauração até o respectivo encerramento, passando pela fase contenciosa, assegurando o direito de manifestação (direito de petição) do sujeito passivo[19].

Mesmo que com ressalvas à “Teoria Neo-institucionalista do Processo” introduzida por Rosemiro Pereira Leal, cabe adotar, por precisas, suas colocações quanto à importância do princípio da ampla defesa. Isso na medida em que o referido autor ressalta que não se pode amesquinhar o direito da parte produzir todo o conjunto probatório pretendido

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através das limitações temporais instituídas pelas recentes alterações do Código de Processo Civil, na mítica busca por uma celeridade, independentemente do atropelo das determinações da Carta Magna[20].

Em obra sobre o contraditório, André Cordeiro Leal propugna que se as decisões judiciais somente se legitimam pelo processo, resta evidente que a restrição ao contraditório representa um retorno ao autoritarismo não condizente com o Estado Democrático de Direito.[21]

Justamente em razão destas considerações, relativas ao Estado Democrático de Direito, ao processo constitucional tributário e à relação jurídica tributária, é que deve ser reconhecido o exercício constitucional da ampla defesa, tanto na esfera administrativa como judicial, como direito fundamental do cidadão, que não se admite qualquer restrição ao seu exercício por norma infra-constitucional. Importante destacar que a lei ordinária deve se limitar a regulamentar as condições para o seu exercício, de acordo com as normas gerais eventualmente editadas em lei complementar, sendo que ambas jamais podem positivar validamente qualquer tipo de limitação ao princípio constitucional em referência.

Ademais, a hermenêutica constitucional contemporânea do processo estabelece que toda a interpretação das leis deve se pautar, obrigatoriamente, pela observância irrestrita dos princípios constitucionais, pois somente através desta modelação que se consegue inferir as características próprias do Estado Democrático de Direito.

Logo, trazendo estas argumentações à situação jurídica ora em análise, não se pode afastar a aplicação do princípio constitucional da ampla defesa e do contraditório, assim como a observância às características especiais da relação tributária de direito material e processual, para se buscar a correta hermenêutica na aplicação da Lei n. 11.382/06 com relação à Execução Fiscal.

4. O SISTEMA TRIBUTÁRIO COMO NORTE DE INTERPRETAÇÃO DO PROCESSO TRIBUTÁRIO

O sistema tributário tem sua estrutura delineada pela forma de Estado e o regime de governo adotado em cada país, sendo certo que no Brasil o federalismo e a democracia são os nortes fundamentais deste sistema. Esta estrutura, por sua vez, deve ser analisada sob dois enfoques: o primeiro, alicerçado na norma jurídica tributária, cuja regra matriz de incidência permitirá desencadear a obrigação tributária, a partir da prática do fato imponível, com o conseqüente desenvolvimento da relação jurídica; o segundo, consubstancia-se no aparato da norma processual tributária, isto é, na instrumentalização do direito material através do processo.

A relação jurídica tributária, de natureza eminentemente obrigacional no que concerne à exigência do Tributo, quando não satisfeita diretamente pelo sujeito passivo da obrigação, somente se torna efetiva, no sistema democrático, mediante a utilização do processo nos moldes delineados acima. Exatamente no intuito de assegurar a eficácia

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normativa desta relação obrigacional que o sistema jurídico disponibiliza à Administração Fazendária, credora do crédito tributário, o acesso à jurisdição.

Justamente entre as referidas atividades públicas, administrativa e jurisdicional, gravita e, ao mesmo tempo, se alicerça o sistema de arrecadação tributária, sendo que as duas etapas são absolutamente indissociáveis. O êxito na arrecadação judicial depende diretamente do rigoroso cumprimento das diversas etapas que compõem o procedimento administrativo tributário, ou seja, da realização válida dos atos administrativos tributários.

Tratando-se de atividades vinculadas ao Poder Público, através de suas diferentes competências, sua realização depende da observância das normas jurídicas, em especial das regras principiológicas, donde se destaca a estrita observância do postulado da segurança jurídica e seus corolários, aliado à eficiência da Administração Pública na consecução de seus objetivos.

Fator relevante no contexto da arrecadação tributária consiste na especialidade desta relação jurídica, em que vincula o Estado e o cidadão em interesses antagônicos, uma vez que o primeiro busca a expropriação consentida, no plano legislativo, do patrimônio do sujeito passivo. Dessa forma, quanto mais eficaz o ordenamento jurídico no Estado Democrático de Direito, maiores as garantias também asseguradas ao cidadão neste específico relacionamento com a Administração Pública.

Confrontam-se, portanto, não numa visão de colisão, mas de aperfeiçoamento do sistema de arrecadação tributária, as garantias e os privilégios estabelecidos à Fazenda Pública e os direitos fundamentais atribuídos ao chamado cidadão-contribuinte.

Precisamente se pretende examinar a existência ou não do efeito suspensivo no ajuizamento dos Embargos à Execução Fiscal, como direito fundamental do cidadão e independente do posicionamento do magistrado. Para tanto, após as digressões aos paradigmas do Estado Constitucional e a necessária inclusão do processo tributário no modelo constitucional de processo na atualizada, impende a análise da natureza jurídica da relação tributária obrigacional, para, em seguida, contextualizar a modificação realizada no Código de Processo Civil, levando-se em conta a especificidade da relação jurídica tributária, uma vez que a definição hermenêutica do processo de Execução Fiscal está vinculada às regras democráticas que permeiam a atividade tributária.

4. 1. A formação do crédito tributário

Na Teoria Geral do Direito Tributário, indiscutível que o crédito tributário tem origem com a ocorrência do fato gerador[22], isto é, a concretização da hipótese de incidência tributária, como elemento integrante da obrigação tributária (objeto). No entanto, o mecanismo de desenvolvimento da relação jurídica tributária, com todas as suas nuances, dependerá da modalidade de lançamento estabelecido pela lei para a

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formalização do crédito tributário. Vislumbra-se, assim, que o procedimento tributário administrativo poderá adotar diferentes diretrizes, todas em conformidade com a lei, quando observada as referidas variáveis.

Formalizado o crédito tributário e não satisfeita a obrigação pelo sujeito passivo, este poderá questionar sua exigência perante a própria administração pública, pedindo a revisão do ato administrativo de lançamento. A formação deste litígio instaura a etapa do procedimento denominada de contencioso administrativo fiscal, mediante o regular exercício da ampla defesa, que constitui garantia assegurada a todo cidadão nas democracias modernas, essencial para a legitimidade da formação do título executivo de natureza tributária. Nos dizeres de Francisco Ruiz Risueño:

Si el principio de dualidad hace referencia a las posiciones procesales enfrentadas, y el principio de igualdad, alude a la equiparación y equilibrio entre los medios de ataque y defensa, el principio de contradicción esta referido a la existencia misma de la controvérsia, a la discución entre las partes, a la contraargumentación frente a las razones aducidas de contrario.[23]

Sendo assim, concluída a formalização definitiva do crédito tributário, pelo encerramento do contencioso administrativo fiscal de forma favorável à Administração Fazendária, ou pelo não questionamento do ato de lançamento pelo sujeito passivo obrigacional, prossegue-se o desenvolvimento do aspecto procedimental da norma jurídica tributária, com a inscrição do valor devido na denominada dívida ativa tributária. Tal procedimento permite a extração do título executivo extrajudicial para o ajuizamento da ação judicial apropriada, denominada no direito brasileiro de execução fiscal.

A inscrição do crédito tributário em dívida ativa pressupõe, portanto, a inadimplência do sujeito passivo da obrigação tributária, bem como a formalização definitiva do crédito tributário, que se reveste de liquidez e certeza em razão da natureza especial da relação jurídica, através do aspecto procedimental da norma jurídica. Esta inscrição permitirá o ingresso na fase judicial do sistema de arrecadação tributária, como se examinará adiante.

Ressalta-se, contudo, que apesar da possibilidade de participação dialógica do sujeito passivo no contencioso administrativo fiscal (aspecto procedimental da norma tributária), tal fato não se equipara ao consentimento expresso do devedor, como ocorre nas relações jurídicas de natureza não tributária. Essa diferenciação, conforme mencionado anteriormente, influencia diretamente a cobrança judicial do crédito tributário, inclusive carecendo os feitos executivos fiscais de norma processual específica: a Lei de Execuções Fiscais.

5. A NATUREZA JURÍDICA DA LEI N. 11.382/06

A Lei n. 11.382/06 foi taxativa na sua redação no sentido de que alteraria apenas os dispositivos do CPC relativo ao processo de execução, não fazendo qualquer remissão

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à ação de execução fiscal, muito menos quanto à sua revogação. Logo, considerando que a Lei nº 6.830/80 (Lei das Execuções Fiscais) tem natureza especial, por se aplicar exclusivamente à cobrança da dívida ativa tributária e não tributária, ou seja, os créditos de natureza pública, é importante delimitar o âmbito de aplicação da modificação legislativa em comento e seus reflexos.

A resposta ao questionamento deve ser resolvida na Teoria Geral do Direito. Nos dizeres de Norberto Bobbio[24], quando se depara no sistema jurídico com antinomias, estas devem ser resolvidas pelos critérios cronológico, hierárquico ou da especialidade. No caso em exame, indiscutível que o último critério é o adequado para a solução da questão, ou seja, a lei especial prevalece sobre a geral quando dispõe sobre idêntica matéria[25].

Importante trazer à colação a precisa colocação de J. M. Leoni Lopes de Oliveira, invocando corretamente o parágrafo 2º do art. 2º da Lei de Introdução ao Código Civil, bem como sustentando no direito comparado:

O princípio norteador do tema é de que, em princípio, regra geral não revoga regra especial, bem como norma especial não revoga norma geral. Nesse sentido dispõe o par. 2º do art. 2º da LICC: ‘A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior.’ Veja-se a respeito do tema a lição de Bianca: ‘se la norma sucessiva detta una norma particolare per una fattispecie limitada, la norma precedente deve riternersi abrogata solo per la parte che ricade sotto la regola particolare. Se la norma successiva detta una regola generale, le norme particolari rimangono ferme, salvo che la nuova norma sia intesa como una completa regolamentazione della materia.”[26]

Neste aspecto, pelo menos se coloca como ponto indiscutível que a Lei n. 6.830/80 é considerado lei especial sobre o Código de Processo Civil, que sempre trouxe disposições sobre a execução de títulos executivos extrajudiciais, inclusive nas hipóteses em que o executado é a Fazenda Pública. O art. 1º da Lei de Execuções Fiscais é expresso ao determinar que a execução da Dívida Ativa dos entes federados e respectivas autarquias será regida por esta lei, aplicando-se subsidiariamente o Estatuto Processual, como também destacam Alberto Parreira, Danielle Melo e Gustavo Amaral[27]. E não poderia ser diferente, justamente em virtude da particularidade que reveste a formação do título executivo de natureza tributária, frise-se, sem a anuência do sujeito ativo da obrigação, motivando uma legislação processual específico para atender a estas características, como muito bem colocado na exposição de motivo da Lei de Execução Fiscal.

Constata-se, dessa forma, que Lei n. 11.382/06 tem natureza geral, diferentemente da Lei de Execução Fiscal, motivo pelo qual existindo previsão expressa sobre determinada matéria, prevalece a Lei n. 6.830/80 com relação ao processo tributário. O CPC aplica-se apenas de forma subsidiária, pois aqui não se trata de antinomia cronológica, isto é, lei posterior revogando lei anterior, como já assinalado.

A questão que se coloca, então, é que a LEF supostamente não teria estabelecido sobre o efeito suspensivo dos Embargos à Execução Fiscal, aplicando-se a nova regra geral definida pela modificação legislativa aqui discutida, especialmente o art. 739-A do CPC. Sendo assim, o efeito suspensivo dependerá de requerimento do embargante no

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ajuizamento dos embargos à execução fiscal, sendo que a necessidade de sua concessão ficará a cargo do magistrado.

Passa-se, portanto, ao exame desta controvérsia, buscando-se aplicar a correta interpretação da legislação supra mencionada à situação concreta que se apresenta, através das regras hermenêuticas próprias aplicáveis ao Estado Democrático de Direito.

6. EFEITO SUSPENSIVO AOS EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL

A dúvida suscitada a partir da modificação do processo de execução pela Lei n. 11.382/06 é ilusória e decorre de uma visão míope do ordenamento jurídico, sobretudo destoante das diretrizes hermenêuticas apresentadas nos tópicos anteriores, oriunda da correta aplicação da concepção de um Estado Democrático de Direito, como se pretende no país.

Isto porque, o efeito suspensivo desta ação de conhecimento de natureza tributária tem sua origem não só da lei ordinária, mas fundamento eminentemente constitucional, considerando a particularidade acima mencionada de que o título executivo extrajudicial tributário não depende da anuência do devedor, da parte contrária da lide procedimental e processual, sendo sua formação unilateral pela Administração Fazendária.

Admitir a ausência do efeito suspensivo nos Embargos à Execução Fiscal seria quebrar a lógica-jurídica do sistema constitucional tributário e processual, ao admitir que a Fazenda Pública possa formar o título executivo unilateralmente e expropriar o patrimônio do cidadão-contribuinte sem lhe outorgar qualquer direito de defesa na fase judicial! Veja-se o absurdo jurídico, a quebra deste importante paradigma que é o Estado Democrático de Direito! A Fazenda Pública edita título executivo extrajudicial contrário ao entendimento do sujeito passivo, ajuíza a ação de execução fiscal, expropria o patrimônio do devedor, enquanto o exercício ao seu direito à ampla defesa, consignado no ajuizamento dos Embargos à Execução Fiscal, sequer foi apreciado pelo Poder Judiciário? Rasga-se o texto constitucional.

No intuito de esclarecer, pormenorizadamente, os fundamentos que permitem apresentar as assertivas anteriores, imprescindível a visão dialética da questão, do falso problema que se estabeleceu. Para tanto, expõe-se primeiramente os argumentos expendidos pelos defensores da aplicação das normas do Código de Processo Civil à Lei de Execuções Fiscais, no que se refere ao processo de execução.

6.1. Ausência do efeito suspensivo imediato no ajuizamento dos embargos à execução fiscal: fundamentos dos defensores desta corrente.

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O argumento principal apresentado pelos defensores da facultatividade do efeito suspensivo aos embargos à execução fiscal reside na suposta ausência de dispositivo legal explícito sobre a matéria na Lei de Execução Fiscal, o que motivaria a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil com a nova redação conferida pela Lei n. 11.382/06.

Este posicionamento vem sendo defendido em juízo pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, como se depreende do seguinte trecho de texto publicado na internet pelo Procurador da Fazenda Nacional, Dr. Marcos Ribeiro Marques:

Com a revogação do dispositivo, a apresentação de embargos à execução fiscal, embora condicionada a garantia do juízo, não tem o automático efeito de produzir a suspensão da execução, por ausência de dispositivo legal. Ainda, o que deflue das novas regras do CPC é que, como regra geral, os embargos não terão efeito suspensivo. Assim, deve-se aplicar subsidiariamente o CPC. Dessa forma, somente ocorrerá efeito suspensivo se garantida a execução fiscal, restarem verificados os requisitos do já citado § 6º, do art. 739-A, do CPC, ou seja, relevante fundamentação jurídica e possibilidade manifesta de grave dano de difícil ou incerta reparação.

Em se tratando de execução movida pela Fazenda Pública, deverá o julgador ser ainda mais criterioso na concessão do efeito suspensivo, uma vez que dificilmente haverá possibilidade de ocorrência de dano de difícil ou incerta reparação patrimonial frente à presunção de solvabilidade da Fazenda. Ainda, a fundamentação do embargante deverá ser suficiente para afastar a presunção de certeza e liquidez da certidão de dívida ativa, que, nos termos do art. 204 do CTN tem efeito de prova pré-constituída.[28]

Não diverge o posicionamento do Procurador da Fazenda Nacional, Dr. Leonardo Monteiro Xexéo, sobre a matéria aqui tratada, ao afirmar que “a nova redação do CPC determina que os embargos do executado não terão efeito suspensivo. Assim sendo, a mera oposição de Embargos não suspende o curso da execução, que pode prosseguir.”[29]

Incompreensível que o Poder que restava como último guardião deste novo paradigma do Estado Democrático de Direito tenha, até o momento, sucumbido à prevalência do interesse público, ao desprezo dos direitos e garantias fundamentais, na interpretação da aplicação da legislação processual modificada em completa dissonância do texto constitucional, como se verificar do seguinte precedente proferido pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região:

PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. EFEITOS DA INTERPOSIÇÃO. SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO. NECESSIDADE DE VEROSSIMILHANÇA E POSSIBILIDADE DE GRAVE DANO DE DIFÍCIL OU INCERTA REPARAÇÃO. REQUERIMENTO EXPRESSO. INTERPOSIÇÃO ANTERIOR À MODIFICAÇÃO LEGISLATIVA. 1. A Lei nº 11.382, de 06.12.2006, entrou em vigor 45 (quarenta e cinco) dias após a sua publicação (DOU de 07.12.2006). Todavia, malgrado os embargos à execução, na hipótese, tenham sido opostos antes de sua vigência, o diploma processual novo deve ser aplicado, de imediato, aos processos em andamento quanto aos atos ainda não consolidados. Em outras palavras, tratando-se

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de modificação de cunho eminentemente processual, aplicam-se as novas disposições desde logo, sem prejuízo da validade dos atos praticados anteriormente. 2. Na hipótese, quando proferida a decisão agravada, já estavam vigentes os dispositivos da Lei n.° 11.382/06, que suprimiram o §1º do art. 739 do CPC, que preceituava deverem os embargos ser sempre recebidos com efeito suspensivo, bem como acrescentaram o art. 739-A ao CPC, o qual preceitua, de regra, que os embargos do executado não terão efeito suspensivo, salvo se, a requerimento da embargante, houver relevância na fundamentação e o prosseguimento da execução possa causar ao executado grave dano de difícil ou incerta reparação. 3. Não se vislumbram empecilhos à aplicação do aludido dispositivo às execuções fiscais, pois que, de acordo com o art. 1º da Lei de Execuções Fiscais, as normas do Código de Processo Civil aplicam-se subsidiariamente à Lei n.° 6.830/80, quando com estas não colidentes. Nesse ínterim, impende destacar que, na LEF, não há previsão de que os embargos à execução serão recebidos no efeito suspensivo; deveras; tal ilação decorria de aplicação do §1º do art. 739 do CPC, o qual foi revogado pela Lei nº 11.382/2006. (...).”[30]

Registre-se, neste mesmo posicionamento, a opinião do Ministro Humberto Martins, em artigo escrito sobre a alteração da legislação processual, embora sem qualquer fundamentação aprofundada sobre a matéria, limitando-se ao argumento da ausência da literalidade. Justamente estas manifestações, no caso de integrante do Superior Tribunal de Justiça, que acabam por difundir a descrença numa manifestação do Poder Judiciário em consonância com a hermenêutica constitucional contemporânea, que preza pelo equilíbrio das relações e não pela prevalência do público sobre o privado, a qualquer preço, inclusive das garantias fundamentais.

Exemplo de imposição de insegurança jurídica dessa realidade é o voto do Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Humberto Gomes de Barros, em decisão proferida em agosto de 2002, no Agravo Regimental em Embargos de Divergência em Recurso Especial n. 279.889/AL, citado na obra de André Cordeiro Leal, sendo importante transcrever o seguinte trecho:

Não me importa o que pensam os doutrinadores. Enquanto for Ministro do Superior Tribunal de Justiça, assumo a autoridade de minha jurisdição. O pensamento daqueles que não são Ministros deste tribunal importa como orientação. A eles, porém, não me submeto. Interessa conhecer a doutrina de Barbosa Moreira ou Athos Carneiro. Decido, porém, conforme minha consciência. Precisamos estabelecer nossa autonomia intelectual, para que este Tribunal seja respeitado. É preciso consolidar o entendimento de que os Srs. Ministros Francisco Peçanha Martins e Humberto Gomes de Barros decidem assim, porque pensam assim. E o STJ decide assim, porque a maioria de seus integrantes pensa como esses ministros. Esse é o pensamento do Superior Tribunal de Justiça, e a doutrina que se amolde a ele. É fundamental expressarmos o que somos. Ninguém nos dá lições. Não somos aprendizes de ninguém. [31]

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6.2. Fundamentos para o reconhecimento do efeito suspensivo aos embargos à execução fiscal: uma questão de aplicação das regras do Estado Democrático de Direito.

Não bastasse a clara diretriz constitucional sobre a matéria, a LEF, diferentemente do que afirma a Fazenda Pública, reconhece o efeito suspensivo à ação em comento, como se vislumbra dos arts. 18 e 19, diretamente, e dos arts. 24 e 32, § 5º, indiretamente, através da determinação de medidas de continuidade da Execução Fiscal somente após o trânsito em julgado da ação de conhecimento perpetrada pelo executado, no exercício de seu constitucional à ampla defesa, como bem observa Hugo de Brito Machado Segundo e Raquel Cavalcanti Ramos Machado[32].

Ademais, é no mínimo surpreendente a assertiva de que a expropriação de bens no processo de Execução Fiscal não causaria prejuízo ao cidadão, antes de esgotado o exercício constitucional do seu direito de defesa! Imagine o executado, discutindo aquilo que considera a intransigência do exeqüente quanto à exigência do crédito tributário, restar privado do exercício de um bem ou direito, inclusive dos frutos daí decorrentes, antes da matéria ser examinada pelo Poder Judiciário e isto não caracterizar dano! Talvez pretenda privar da liberdade o cidadão que responde a um processo criminal, a partir de seu ajuizamento! Ora, e a presunção de inocência do cidadão, inclusive nas discussões em matéria tributária, garantia fundamental do homem? E os direitos constitucionais da liberdade e da propriedade, consagrados como direitos fundamentais de todas as pessoas? Os direitos e as garantias fundamentais vêm sendo simplesmente desprezados pelo Estado na busca de seus interesses, que jamais poderiam ser diferentes dos interesses da coletividade, uma vez que existe em função da mesma. Espera-se que o Poder Judiciário, último anteparo a preservar o Estado Democrático de Direito, não se coadune com uma interpretação autoritária do texto legislativo.

Mesmo que não se reconhecesse que o efeito suspensivo está expresso na Lei n. 6.830/80, seria imperiosa a necessidade de interpretação da norma em conformidade com o texto constitucional, preservando os direitos e as garantias fundamentais acima mencionadas, método preconizado pela hermenêutica constitucional contemporânea, de forma a impedir e evitar contradições (antinomias, antagonismos) entre as suas normas e, sobretudo, entre os princípios jurídicos-políticos constitucionalmente estruturantes. Sobre o princípio da Unidade da Constituição, preleciona o professor Luiz Roberto Barroso:

O princípio da unidade da Constituição tem amplo curso na doutrina e na jurisprudência alemãs. Em julgado que Klaus Stern refere como primeira grande decisão do Tribunal Constitucional Federal, lavrou aquela Corte que ‘uma disposição constitucional não pode ser considerada de forma isolada nem pode ser interpretada exclusivamente a partir de si mesma. Ela está em uma conexão de sentido com os demais preceitos da Constituição, a qual representa uma unidade interna. Invocando tal acórdão, Konrad Hesse assinalou que a relação e interdependência existentes entre os distintos elementos da Constituição exigem que se tenha sempre em conta o conjunto em que se situa a norma. (...) Em decisão posterior, o Tribunal Constitucional Federal alemão voltou a remarcar o princípio, conferindo-lhe, inclusive, distinção especial e primazia: ‘o

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princípio mais importante de interpretação é o da unidade da Constituição enquanto unidade de um conjunto com sentido teleológicológico, já que a essência da Constituição consiste em ser uma ordem unitária da vida política e social da comunidade estatal.[33]

Verifica-se, portanto, que todo e qualquer dispositivo legal, inclusive os de natureza constitucional, deve ser interpretado em conformidade com a Constituição, uma vez que as normas constitucionais não devem ser consideradas de forma isolada. Sendo assim, inevitável o reconhecimento do efeito suspensivo à ação de Embargos à Execução Fiscal, de acordo com os preceitos já citados a Lei de Execução Fiscal, como decorrência indissociável do princípio constitucional da ampla defesa.

A prevalecer o entendimento de que o art. 739-A do CPC se aplicaria às execuções fiscais, o sujeito passivo passaria a não só ingressar na discussão judicial do crédito tributário na posição de devedor, reitera-se, sem sua participação volitiva na formação do título executivo, mas também teria seus bens expropriados como requisito indispensável para exercer seu direito constitucional da ampla defesa!

Quanto a essa questão, as particularidades da constituição do crédito tributário e da formalização do respectivo título executivo em favor da Fazenda Pública são ainda mais relevantes para se compreender que a isonomia processual seria diretamente violada caso o art. 739-A realmente pudesse ter aplicação subsidiária à Lei de Execuções Fiscais.

Ora, o princípio da igualdade em termos processuais determina que as partes litigantes em um processo tenham posição paritária e simétrica[34], decorrente até mesmo do primado do contraditório, em que a participação democrática dos agentes é fundamental para a construção de um provimento jurisdicional legítimo.

Ocorre que, nos créditos tributários, inexistiu a participação volitiva do sujeito passivo na formação do título executivo extrajudicial, de forma que o efeito suspensivo é fundamental para que se possa corrigir quaisquer distorções ocorridas durante o procedimento que culminou na lavratura da Certidão de Dívida Ativa.

Pretender que o sujeito passivo tenha seu patrimônio expropriado antes de realizar sua defesa, em casos como o presente, onde o Estado fiscaliza, autua, faz parte do tribunal administrativo e executa o suposto débito, não é conferir às partes litigantes tratamento paritário e simétrico, conforme determinado pela Constituição da República.

Somente a atribuição de efeito suspensivo aos embargos à execução fiscal, independentemente da decisão do magistrado nesse sentido, pode equalizar as forças no processo que visa a cobrança judicial de créditos tributários, sem que, com isso, o direito da Fazenda Pública de receber o que por ventura lhe for devido sofra qualquer mácula. Até mesmo porque, o Fisco possui diversos outros instrumentos jurídicos para resguardar seus interesses, tais como o arrolamento administrativo de bens e a medida cautelar fiscal.

Ademais, justificar a aplicação do art. 739-A do CPC aos feitos executivos fiscais na supremacia do interesse público sobre o privado é completamente incabível no paradigma do Estado Democrático de Direito. Seja porque o princípio da isonomia,

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basilar no modelo constitucional de processo, impede que qualquer parte litigante tenha privilégio sobre as demais, ou mesmo em razão de que, no contexto atual, deve ser repensada a divisão entre público e privado. No paradigma atual não há coerência na defesa de que supostos interesses meramente públicos teriam mais relevância do que outros tidos como unicamente privados, eis que tais conceitos, na verdade, são indissociáveis[35].

Cabe salientar, ainda, que a ausência de efeito suspensivo aos embargos à execução fiscal, como regra geral, infringe também a garantia da propriedade, outro direito fundamental constante da Carta Magna, que é inerente ao direito processual, mais especificamente ao direito processual tributário, no modelo constitucional de processo proposto no presente trabalho.

Ressalta-se que a garantia da propriedade encontra correspondente direto nas limitações constitucionais ao poder de tributar. Nesse sentido, o art. 150, inciso IV, da CR/88, ao determinar a vedação da utilização de tributo com efeito de confisco, nada mais está fazendo do que reforçar, especificamente na seara tributária, que o Estado não pode se apoderar do patrimônio do cidadão utilizando a tributação para esse fim[36].

Não se ignora que o direito de propriedade não tem mais a conotação absoluta de outrora, possuindo restrições previstas na própria Constituição, tais como o atendimento à função social, a possibilidade de desapropriação, a utilização em caso de iminente perigo público e a tributação exacerbada por razões extrafiscais.

Todavia, é incabível pretender, na conjuntura atual, que o Poder Público exproprie o patrimônio do sujeito passivo como condição prévia para a realização de sua defesa processual, mormente na seara tributária, em que além das particularidades da constituição do crédito tributário, o texto constitucional ainda adicionou a expressa garantia da vedação ao confisco.

Diante das considerações tecidas acima, é, portanto, possível afirmar que a aplicação do art. 739-A do CPC às execuções fiscais não se compatibiliza com o processo constitucional tributário no contexto do paradigma do Estado Democrático de Direito.

7. CONCLUSÕES

Conclui-se, dessa forma, que a hipótese do art. 739-A do Código de Processo Civil, instituída pela Lei n. 11.382/06, determinando que o efeito suspensivo dos embargos do devedor deixa de ser regra, tornando-se uma exceção examinada pelo magistrado em um juízo sumaríssimo de cognição, jamais poderá ser aplicada subsidiariamente à Lei de Execuções Fiscais.

Diante da natureza jurídica dos créditos tributários, o rito da execução fiscal já confere ao sujeito passivo o status de devedor, mesmo que não tenha participado consensualmente na formação do título executivo (Certidão de Dívida Ativa), observando o princípio da praticidade fiscal na gestão da Administração Fazendária.

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Entretanto, eliminar o efeito suspensivo como regra, quando da apresentação dos embargos à execução fiscal, é conferir poder exacerbado ao Poder Público, que fiscaliza, autua, age como parte integrante do tribunal administrativo e constitui unilateralmente esse título executivo, caracterizando verdadeiro cerceamento de defesa do cidadão-contribuinte.

Fato é que a ausência de efeito suspensivo nos embargos à execução fiscal dizima o princípio da ampla defesa, eis que impõe ao sujeito passivo, antes mesmo da fase probatória, e tendo apenas a CDA como norte, a expropriação de seu patrimônio sem o exame pelo Poder Judiciário de sua contraposição.

No que tange ao princípio do contraditório outra não é a conclusão, quer dizer, a aplicação do art. 739-A do CPC no rito das execuções fiscais não se coaduna com o modelo constitucional de processo tributário. Isso porque culmina na expropriação do patrimônio do sujeito passivo sem a possibilidade de argumentação dialética e paritária entre as partes, delegando ao julgador poderes para, isoladamente e em cognição estreita, decidir sobre os efeitos dos embargos à execução.

A atribuição de hercúleos poderes ao julgador, realizada pelo dispositivo processual em comento, sob o falacioso discurso da celeridade da prestação jurisdicional, ainda mais se considerando as particularidades da execução de créditos tributários, ao invés de resolver os dilemas da efetividade e da legitimidade do Direito, somente contribui para a discricionariedade e o autoritarismo e, conseqüentemente, para a insegurança nas relações jurídicas.

Também são relevantes as considerações sobre a impossibilidade de aplicação do art. 739-A do CPC às Execuções Fiscais em razão da infringência ao princípio da isonomia que, conforme defende o presente estudo, não pode ser afastado do processo tributário no modelo constitucional de processo. Com efeito, neste modelo há a efetiva possibilidade de expropriação do patrimônio do cidadão sem que este tenha direitos igualitários ao do credor numa relação simétrica processual.

Destaca-se, ainda, a manifesta violação ao direito fundamental de propriedade, em razão da não observância do princípio constitucional que veda a tributação com efeito confiscatório, de acordo com o art. 150, inciso IV, uma vez que o patrimônio do cidadão passa a ser expropriado sem o devido processo legal, consubstanciado nos demais princípios anteriormente mencionados. Com efeito, perde-se o patrimônio com a possibilidade do sujeito passivo ter decisão favorável nos autos dos embargos ã execução fiscal, cancelado o crédito tributário, depois de ter perdido seus bens, agravado pela ausência de previsão da forma de restabelecimento da situação jurídica original.

Por fim, deve-se reforçar que a Lei de Execuções Fiscais possui previsão expressa quanto à atribuição do efeito suspensivo aos embargos à execução fiscal, ainda que não literal, como se depreende dos dispositivos transcritos na exposição do presente estudo, bastando a correta leitura do texto normativo, reforçada pela única interpretação compatível com as características do Estado Democrático de Direito.

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[1] Doutor e Mestre em Direito Tributário pela UFMG, Professor Adjunto de Direito Tributário dos cursos de Graduação e Mestrado da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC/MG, Procurador do Município de Belo Horizonte e Advogado.

[2] Mestrando em Direito Público pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC/MG, MBA em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas – FGV,

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Professor de Direito Tributário do Curso de Graduação em Direito da Faculdade ASA, Professor de Legislação Tributária do Curso de Graduação em Administração da Universidade Presidente Antônio Carlos - UNIPAC e Advogado.

[3] “(...) paradigmas são realizações científicas universalmente reconhecidas que, durante algum tempo, fornecem problemas e soluções modelares para uma comunidade de praticantes de uma ciência.” (KUHN, Thomas. A estrutura das revoluções científicas. Trad. Beatriz e Nelson Boeira, 7ª ed., São Paulo: Perspectiva, 2005, p. 13).

[4] SOUZA CRUZ, Álvaro Ricardo. O Discurso Científico na modernidade: o conceito de paradigma é aplicável ao Direito?, Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2009, p. 14.

[5] HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade. vol. I, Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003, p. 263/264.

[6] Sobre o tema, confira-se: SKINNER, Quentin. As fundações do pensamento político moderno. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.

[7] Confira-se, nesse diapasão: OLIVEIRA, Marcelo A. Cattoni de. Direito Constitucional, Belo Horizonte: Mandamentos, 2002, p. 103.

[8] “A Constituição canaliza e viabiliza a democracia, mas se se espera que ela, unicamente por suas normas, possa substituir, apenas a título de exemplo, o tratamento político dos problemas políticos e o cuidado econômico das questões econômicas por imperativos constitucionais cogentes que dispensem o jogo democrático e a condução concreta de políticas econômicas e sociais, terminar-se-á por pagar o preço do incremento da desestima constitucional a corroer toda a sua potencial força normativa e a gerar a ineficácia de suas normas, produzindo, na prática, efeitos opostos aos almejados.” (CARVALHO NETTO, Menelick de. In: SAMPAIO, José Adércio Leite (coord.) Crise e desafios da constituição, Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 282).

[9] O Estado Democrático de Direito, diferenciando-se dos paradigmas jurídico-constitucionais anteriores, para Jürgen Habermas: “(...) não antecipa mais um determinado ideal de sociedade, nem uma determinada visão de vida boa ou de uma determinada opção política. Pois ele é formal no sentido de que apenas formula as condições necessárias segundo as quais os sujeitos do direito podem, enquanto cidadãos, entender-se entre si para descobrir os seus problemas e o modo de solucioná-los. Evidentemente, o paradigma procedimental do direito nutre a expectativa de poder influenciar, não somente a autocompreensão das elites que operam o direito na qualidade de especialistas, mas também a de todos os atingidos. E tal expectativa da teoria do discurso, ao contrário do que se afirma muitas vezes, não visa à doutrinação, nem é totalitária. Pois o novo paradigma submete-se às condições da discussão contínua (...).” (HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade. vol. II, Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003, p. 190).

[10] BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Direito processual constitucional: aspectos contemporâneos, 1ª reimpressão, Belo Horizonte: Fórum, 2008.

[11] ANDOLINA, Italo; VIGNERA, Giuseppe. Il modello costitucionale del proceso civil italiano. G. Giappicheli, Editore, Torino, 1990.

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[12] BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Direito processual constitucional: aspectos contemporâneos, 1ª reimpressão, Belo Horizonte: Fórum, 2008, p. 248.

[13] GONÇALVES. Aroldo Plínio. Técnica processual e teoria do processo, Rio de Janeiro: Aide, 1992, p. 171.

[14] “Esta distinção é problemática à luz de uma teoria constitucional constitucionalmente adequada ao Direito brasileiro, pelo menos, pelas seguintes razões. Por um lado, se o Direito Constitucional é o fundamento de validade de todo ordenamento jurídico, posto que estabelece os processos através dos quais todas as demais normas serão produzidas, quer da perspectiva legislativa, quer da perspectiva da aplicação, não há Direito Processual que não deva ser, nesse sentido ‘constitucional’. Por outro lado, no Brasil, apesar de vozes discordantes, o controle jurisdicional de constitucionalidade das leis e dos atos normativos é fundamentalmente difuso e incidental, como exigência constitucional basilar no esteiro da melhor tradição democrática e constitucional brasileira.” (OLIVEIRA, Marcelo A Cattoni de. In: Jurisdição e hermenêutica constitucional no Estado Democrático de Direito, OLIVEIRA, Marcelo A Cattoni de. (coord.), Belo Horizonte: Mandamentos, 2004, p. 464-465.)

[15] “Na colisão de princípios, um cede diante do outro, mas isso não implica sua invalidade e tampouco que haja sido introduzida uma cláusula de exceção. Essas colisões ocorrem no campo do peso, sendo resolvidas pela ponderação dos bens ou interesses opostos. A solução é formulada à luz do caso concreto.” (ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estúdios Constitucionales, 1997, 82 e ss.).

[16] DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 39 e ss.

[17] MARTINS, Ives Gandra da Silva. (Coord.) Processo administrativo tributário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 58.

[18] “Pero además dicha igualdad debe producirse en la realidad viva del proceso, una vez puesto en funcionamento todo el mecanismo judicial encaminado a dar respuesta a las peticiones de las partes. Es igualdad en la aplicación de la ley, porque de nada sirve incluir en la norma los correspondientes mecanismos de defensa, si el órgano judicial, una vez en marcha el proceso, adopta resoluciones o aptitudes que rompen con dicha exigencia legal.” (RISUEÑO, Francisco Ruiz. El proceso contencioso-administrativo. Madrid: Colex, 2000, p. 185).

[19] Embora não aborde o direito como decorrência do princípio da ampla defesa, outro não é o posicionamento de Alessandra Dabul: “como já mencionamos anteriormente, pode o contribuinte participar de maneira ativa do procedimento de fiscalização, não apenas sendo cientificado da mesma, portanto, mas apresentando documentos comprobatórios e elucidativos à atividade formalizadora do crédito tributário.” (DABUL, Alessandra. Da prova no processo administrativo tributário. Curitiba: Juruá, 2005, p. 48).

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[20] “O princípio da ampla defesa é coextenso ao do contraditório e da isonomia, porque a amplitude da defesa se faz nos limites temporais o procedimento em contraditório. A amplitude da defesa não supõe infinitude de produção da defesa a qualquer tempo, porém, que esta se produza pelos meios e elementos totais de alegações e provas no tempo processual oportunizado na lei. Há de ser ampla, porque não pode ser estreitada (comprimida) pela sumarização do tempo a tal ponto de excluir a liberdade de reflexão cômoda dos aspectos fundamentais de sua produção eficiente. É por isso que, a pretexto da celeridade processual ou efetividade do processo, não se pode, de modo obcecado, suprindo deficiências de um Estado já anacrônico e jurisdicionamente inviável, sacrificar o tempo da ampla defesa que supõe a oportunidade de exaurimento das articulações de direito e produção de prova (...). A ampla defesa, em qualquer sistema jurídico do moderno Estado Democrático de Direito, envolve a cláusula do devido processo legal em sentido substancial (substantive due process), equivalente ao direito material de garantias fundamentais do cidadão, como a do devido processo em sentido processual (procedural due process), traduzindo a garantia da plenitude da defesa e tempo e modo suficiente para sustentá-la.” (LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria Geral do Processo. 6ª ed. São Paulo: IOB Thomson, 2005, p. 111-112)

[21] “A institucionalização do processo efetivada pela Constituição de 1988 determina que o ato judicante não mais pode ser abordado como instrumento posto a disposição do Estado para atingir objetivos metajurídicos por via de atividade solitária do julgador. A justiça não mais é a do julgador, mas a do povo, (fonte única de Direito), que a faz inserir em leis democraticamente elaboradas. Assim, no plano decisional, o contraditório, referido no art. 5º, LV, da CR/88, deve ser entendido, na atualidade com princípio constitucional que atua como referente inafastável na leitura do Código de Processo Civil e da legislação procedimental no plano infraconstitucional (...). Portanto, a partir da premissa de que o pronunciamento jurisdicional, ou o acertamento de direito pelo Poder Judiciário, somente se legitima pelo processo, claro que o contraditório há de permear tanto a reconstrução dos fatos quanto a escolha e interpretação da norma material aplicável ao caso concreto, sob pena de ruptura autoritária do ciclo de legitimação a que se refere Muller.” (LEAL, André Cordeiro. O contraditório e a fundamentação das decisões no direito processual democrático, Belo Horizonte: Mandamentos, 2002, p. 102-103.)

[22] Não será discutida nesta assertiva a idéia do fato gerador presumido ou da antecipação do cumprimento do dever jurídico tributário, como se vislumbra na substituição tributária progressiva, por fugir do escopo do trabalho. Regra geral o crédito tributário se define a partir da realização da hipótese de incidência, sendo que as particularidades aqui mencionadas não interferem no resultado do presente estudo.

[23] “Pero además dicha igualdad debe producirse en la realidad viva del proceso, una vez puesto en funcionamento todo el mecanismo judicial encaminado a dar respuesta a las peticiones de las partes. Es igualdad en la aplicación de la ley, porque de nada sirve incluir en la norma los correspondientes mecanismos de defensa, si el órgano judicial, una vez en marcha el proceso, adopta resoluciones o aptitudes que rompen con dicha exigencia legal.” (RISUEÑO, Francisco Ruiz. El proceso contencioso-administrativo. Madrid: Colex, 2000, p. 185).

[24] BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. 4ª ed, trad. Maria Celeste Cordeiro Leite dos Santos. Brasília: Edunb, 1994.

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[25] “(...) se, em certas circunstâncias, uma norma ordena ou permite determinado comportamento somente a algumas pessoas, as demais, em idênticas situações, não são alcançadas por ela, por se tratar de disposição excepcional, que só vale para as situações normadas.” DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. 17ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 481.

[26] OLIVEIRA. J. M. Leoni Lopes de. Introdução ao direito. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 285.

[27] RDT nº 143, p. 7 e ss.

[28] MARQUES, Marcos Ribeiro. A execução fiscal face à nova execução civil: exame de alguns aspectos. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1357, 20 mar. 2007. Disponível em: . Acesso em: 20 mar. 2007.

[29] XEXEO, Leonardo Monteiro. A nova sistemática da execução fiscal. São Paulo, 2007. Disponível em: . Acesso em: 11 de abril de 2008.

[30] Tribunal Regional Federal da 4ª Região, AI 2007.04.00013405-9/RS, Primeira Turma, Des. Rel. Joel Ilan Paciornik, D.E. 24/07/2007.

[31] LEAL, André Cordeiro. Instrumentalidade do processo em crise, Belo Horizonte: Mandamentos, Faculdade de Ciências Humanas – FUMEC, 2008, p. 24.

[32] RDT nº 151, p. 66.

[33] BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 147.

[34] BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Direito processual constitucional: aspectos contemporâneos, 1ª reimpressão, Belo Horizonte: Fórum, 2008, p. 17.

[35] “O interesse privado e o interesse público estão de tal forma instituídos pela Constituição brasileira que não podem ser separadamente descritos na análise da atividade estatal e de seus fins (...). Em ver de uma relação de contradição entre os interesses privado e público há, em verdade, uma ‘conexão estrutural’ (ein struktureller Zusammenhang’). Se eles – o interesse público e o privado – são conceitualmente inseparáveis, a prevalência de um sobre outro fica prejudicada, bem como a contradição entre ambos.” (ÁVILA, Humberto. Repensando o “Princípio da Supremacia do Interesse Público sobre o Particular”. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ – Centro de Atualização Jurídica, V. I, nº 7, outubro, 2001. Disponível em: http://www.direitopublico.com.br. Acesso em: 25 de novembro de 2008.)

[36] “O conceito clássico de confisco operado pelo Poder do Estado empata com a apropriação da alheia propriedade sem contraprestação, pela expropriação indireta ou pela tributação.” (COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro, 4ª edição, Rio de Janeiro: Forense, 1999).