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Juliana Salles de SouzaUniversidade de São Paulo (USP)
[ GT 2 – COMUNICAÇÃO, CULTURA E DIVERSIDADE ]
IV SICCAL
EDUCOMUNICAÇÃO E DIÁLOGO
DE SABERES NAS PERIFERIAS DE SÃO PAULO
E MEDELLÍN
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provided by Cadernos Espinosanos (E-Journal)
521Educomunicação e diálogo de saberes nas periferias de São Paulo e Medellín
[ EXTRAPRENSA ]
Juliana Salles de Souza
Extraprensa, São Paulo, v. 12, n. esp., p. 520 – 541, set. 2019
DOI: https://doi.org/10.11606/extraprensa2019.158196
O trabalho tem como objetivos descrever e analisar, a partir da perspectiva do diálogo de saberes (ACOSTA VALENCIA; PINTO ARBOLEDA; TAPIAS HERNÁNDEZ, 2016a), processos formativos de coletivos de comunicação em periferias latino-americanas, os quais se aproximam da concepção de educação popular proposta por Paulo Freire (1978; 1983; 2002). A metodologia consistiu na realização de oficinas de memória nos coletivos de comunicação Periferia em Movimento (São Paulo, Brasil) e Ciudad Comuna (Medellín, Colômbia), em uma etapa integrante de um processo de sistematização de experiências com ambos os coletivos. Por meio da pesquisa, foi possível identificar momentos significativos, desafios e potencialidades dos processos educativos dos cole-tivos, os quais configuram, em perspectiva comparada, uma educomunicação popular e periférica nos coletivos, uma reinvenção freireana em construção.
Palavras-chave: Comunicação. Educação popular. Educomunicação. Periferia. Território.
The paper aims to describe and analyze, from the perspective of the dialogue of knowledge (ACOSTA VALENCIA; PINTO ARBOLEDA; TAPIAS HERNÁNDEZ, 2016a), formative processes of communication collectives in Latin American peripheries, which approach the conception of popular education proposed by Paulo Freire (1978, 1983, 2002). The methodology consisted in the realization of memory workshops in the communication groups Periferia em Movimento (São Paulo, Brazil) and Ciudad Comuna (Medellín, Colombia), in an integral stage of a systematization process of experiences with both groups. Through the research, it was possible to identify significant moments, challenges and potentialities of the educational processes of the collectives, which configure, in a comparative perspective, a popular and peripheral educommunication in the collective, a Freirean reinvention in construction.
Keywords: Communication. Educommunication. Periphery. Popular education. Territory.
El trabajo tiene como objetivos describir y analizar, desde la perspectiva del diálogo de saberes (ACOSTA VALENCIA; PINTO ARBOLEDA; TAPIAS HERNÁNDEZ, 2016a), procesos formativos de colectivos de comunicación en periferias latinoamericanas, los cuales se aproximan a la concepción de educación popular propuesta por Paulo Freire (1978; 1983; 2002). La metodología consistió en la realización de talleres de memoria en los colectivos de comunicación Periferia en Movimento (São Paulo, Brasil) y Ciudad Comuna (Medellín, Colombia), en una etapa integrante de un proceso de sistematización de experiencias con ambos colectivos. Por medio de la investigación, fue posible identi-ficar momentos significativos, desafíos y potencialidades de los procesos educativos de los colectivos, los cuales configuran, en perspectiva comparada, una educomunicación popular y periférica en los colectivos, una reinvención freireana en construcción.
Palabras clave: Comunicación. Educación popular. Educomunicación. Periferia. Territorio.
[ RESUMO ABSTRACT RESUMEN ]
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Educomunicação e diálogo de saberes nas periferias de São Paulo e MedellínJuliana Salles de Souza
Introdução
O estudo do campo da comunica-
ção popular, alternativa e comunitária
na América Latina (PERUZZO, 2009a;
PERUZZO, 2009b) tem como um de seus
fenômenos o nascimento e trajetória de
coletivos de comunicação em territórios
periféricos. Tal denominação é utilizada
para fazer referência a grupos cuja produ-
ção midiático-cultural trata sobre aconteci-
mentos sobre, para e a partir das periferias.
As narrativas de tais coletivos são criadas
a partir do compartilhamento de vivên-
cias associado à ressignificação territorial,
articulações com outros atores sociais com
atuações semelhantes, além da busca pela
garantia de direitos humanos em um con-
texto neoliberal, em especial, do direito à
comunicação. (cf: SOUZA, 2019).
A partir do questionamento “de que
maneiras a comunicação e o território con-
tribuem para a construção de processos
educacionais em coletivos de comunicação
que atuam nas periferias latino-america-
nas?”, o presente artigo tem como objetivo
geral descrever e analisar processos for-
mativos de coletivos de comunicação em
periferias latino-americanas, cujos proces-
sos e práticas aproximam-se da concepção
de educação popular proposta por Paulo
Freire (1978; 1983; 2002).
São objetivos específicos da inves-
tigação: verificar se há processos de res-
significação de educandos-educadores e
educadores-educandos em relação aos terri-
tórios periféricos das cidades em que vivem;
e comparar os temas abordados por educa-
dores-educandos nos processos educacionais
estudados. Faz-se necessário ressaltar que o
presente artigo traz recortes da dissertação
de Mestrado Entre Quebradas e Comunas:
Educomunicação Popular e Periférica em São
Paulo e Medellín (2019), redigida pela pesqui-
sadora-autora deste texto.
Como pressuposto teórico-metodo-
lógico da investigação, adotou-se o diálogo
de saberes em comunicação (ARBODELA;
HERNANDEZ; VALENCIA, 2016), baseado,
entre outras fontes, na ecologia de saberes
proposta por Boaventura de Sousa Santos
(2007). Para que tal diálogo concretizar-
-se, faz-se necessário reconhecer, respei-
tar e desierarquizar os diferentes saberes,
em um contexto de pensamento crítico,
compreensão mútua, coletividade, solida-
riedade, ação e reflexão, consciência da
inconclusão humana e problematização do
cotidiano, em um exercício das pedagogias
freireanas (FREIRE, 1975; FREIRE, 1978;
FREIRE, 1983; FREIRE, 1992; FREIRE;
NOGUEIRA, 1993; FREIRE; GADOTTI;
GUIMARÃES, 1995; FREIRE, 1997;
FREIRE, 2000; FREIRE, 2002).
O diálogo de saberes tem dimensões
políticas, epistêmicas, intersubjetivas e
estéticas e possui como aspectos-chave o
dissenso, encontros, vínculos, além do reco-
nhecimento de subjetividades (ARBODELA;
HERNANDEZ; VALENCIA, 2016). Desse
modo, pode-se afirmar que pesquisas rea-
lizadas na perspectiva do diálogo de saberes
reconhecem a complexidade de fenômenos
ligados à comunicação e cultura no contexto
latino-americano, produzem conhecimento
a partir de uma noção de desierarquização
e descolonização de saberes e aprofundam
conhecimentos acerca de grupos que pro-
movem a apropriação social de meios de
comunicação como instâncias de denúncia
e participação.
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Educomunicação e diálogo de saberes nas periferias de São Paulo e MedellínJuliana Salles de Souza
A pesquisa foi qualitativa, teve
caráter exploratório, perspectiva compa-
rada e fontes de natureza bibliográfica,
documental e de campo. O corpus de
investigação residiu nos processos edu-
cacionais Repórter da Quebrada, realizado
pelo coletivo de comunicação Periferia
em Movimento (São Paulo - SP, Brasil), e
Escuela de Comunicación Comunitaria, do
coletivo comunicacional Ciudad Comuna
(Medellín - Antioquia, Colômbia). Ambos
criados em 2009, os coletivos concentram
atuações no Extremo Sul da capital pau-
lista e na Comuna 8 de Medellín, respec-
tivamente. O Periferia em Movimento foi
escolhido para a investigação por fazer
parte de uma rede de 13 coletivos - Rede
Jornalistas das Periferias - e trabalhar
com um modelo comunicacional híbrido,
com características de diferentes mode-
los do campo da comunicação popular,
alternativa e comunitária, denominado
como “jornalismo de quebrada”. Tal modelo
inclui, entre outros itens, a disputa de ima-
ginários, preocupação com a informação e
formação do leitor, militância pela garantia
dos direitos fundamentais e emancipação
das periferias (SOUZA, 2015). Já o Ciudad
Comuna foi selecionado por atuar em
uma cidade a qual tem o maior número
de iniciativas de comunicação comunitá-
ria da América Latina, de acordo com a
Universidad Estadual a Distancia de Costa
Rica (UNED)1, por ter reconhecimento em
forma de prêmios relacionado a seus pro-
cessos e produtos, bem como precursionou
projetos educacionais em territórios perifé-
ricos. A seleção também foi subsidiada por
1 Disponível em: <https://www.medellincuenta.com/?NavigationTarget=navurl://244fe6ec2f3a-f426af4758093850b732>. Acesso em: 21 jul. 2018.
meio de revisões de literatura sobre cole-
tivos de comunicação latino-americanos.
Como procedimento específico de
investigação, em coerência com a pers-
pectiva teórico-metodológica do diálogo de
saberes, adotou-se uma proposta inspirada
na sistematização de experiências (JARA,
1994; 1998; 2012). Com adaptações à pro-
posta de Jara, a etapa empírica enfocou os
processos realizados em 2015 em ambos
os países e foi percorrida em cinco passos:
(1) o ponto de partida (recuperação de regis-
tros sobre os projetos); (2) as perguntas
iniciais (entre elas, “que aspectos centrais
dessa experiência nos interessa sistema-
tizar?”), (3) a recuperação dos processos
vividos, com entrevistas semi-estruturadas
com participantes das oficinas e aprofunda-
mento, por meio de pesquisas documentais,
acerca da estrutura organizacional, jorna-
lística, comunicacional e educacional dos
coletivos; (4) a reflexão de fundo (por que
aconteceu o que aconteceu?; por que não
aconteceram outros fatos?), proposta de
atividades com os educandos-educadores
e educadores-educandos, com sistematiza-
ções, análises e interpretações críticas sobre
as iniciativas educacionais nos coletivos de
comunicação; (5) e os pontos de chegada,
com formulação de conclusões e comuni-
cação das aprendizagens (SOUZA, 2019).
Para responder à pergunta-problema
desta pesquisa, o artigo terá como trajeto
aprofundamentos sobre a perspectiva do
diálogo de saberes no campo da educação
popular e da educomunicação em coletivos
de comunicação, explanações sobre carac-
terísticas e processos das sistematizações
de experiências e os resultados da investi-
gação, os quais delineiam uma educomu-
nicação denominada popular e periférica.
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Educomunicação e diálogo de saberes nas periferias de São Paulo e MedellínJuliana Salles de Souza
Diálogo de saberes: horizontalidades, transversalidades e (co)produção de conhecimentos
O diálogo é um fenômeno humano
cuja noção-chave é a palavra. Na pers-
pectiva de Paulo Freire (1983), a ação e a
reflexão são dimensões constitutivas de
um vocábulo. Nesse sentido, existem três
tipos de palavras: inautênticas ( não têm o
intuito de transformar a realidade), ativis-
tas (ênfase na ação, mas com o abandono
do exercício reflexivo) e práxis (intuito de
pronunciar o mundo, de forma a modi-
ficá-lo). Ainda na concepção freireana,
faz-se necessário destacar que o diálogo é
interpretado como exigência existencial,
por conta da inconclusão ontológica do ser
humano. Em outras palavras, os huma-
nos estão em um processo permanente
com relação à incompletude de saberes e
conhecimentos, desse modo, há uma busca
constante pela humanização e pela cons-
trução permanente de conhecimentos. Em
tal perspectiva, conhecer é um verbo que
pode ser considerado coletivo - processo
realizado em conjunto – e transitivo – em
permanente movimento.
Um diálogo é estabelecido entre dife-rentes, mas nunca entre antagônicos (cf: FREIRE; GADOTTI; GUIMARÃES, 1995). Por meio de um diálogo, é possível mobi-lizar vivências, observações e repertórios diversos. Tal ação envolve, desse modo, diferentes saberes que, articulados entre consensos e respeito a dissensos, con-cretizam a palavra como práxis, ou seja, como ação e reflexão conjuntas. Nesse sentido, o diálogo de saberes está presente em diferentes áreas do conhecimento (saúde, educação, artes, participação
infantil, cultura urbana, meio ambiente/ biodiversidade, entre outras) e, no campo comunicacional, consiste em “un espacio de encuentros y de reconocimientos en la diversidad, que privilegia relaciones de tipo horizontal, al tiempo que valora el disentir y las tensiones que ponen a pru-eba la creatividad de los participantes para construir propuestas inéditas” (ACOSTA VALENCIA; PINTO ARBOLEDA; TAPIAS HERNÁNDEZ, 2016a, p. 41-42).
Além do embasamento freireano, o
diálogo de saberes tem outra sustentação,
a qual é advinda da ideia de ecologia de
saberes (SANTOS, 2007). Inserida na lógica
do cosmopolitismo subalterno de oposição2,
a ecologia de saberes baseia-se no reco-
nhecimento da pluralidade e diversidade
epistemológica do mundo. Constata-se
que há vários conhecimentos heterogê-
neos, incluindo a ciência moderna, e que
eles interagem sem comprometimento
2 De acordo com Santos (2007), o cosmopolitismo subalterno de oposição é uma forma de expressão cultural e política a qual concretiza uma globalização contra-hegemônica. Iniciado na década de 1970, o processo ocorre por meio de projetos emancipatórios que têm reivindicações e critérios de inclusão social para além dos horizontes do capitalismo global. Santos esclarece que o sentido de cosmopolitismo empregado em tal conceito relaciona-se com as noções de tole-rância, universalismo, cidadania global, entre outras. Gladys Lucia Acosta Valencia e César Augusto Tapias Hernández (2016) esclarecem que o cosmopolitismo subalterno é uma resistência epistêmica que deve embasar uma resistência política, além de funcionar como “um pensamento alternativa de alternativas” (ACOSTA VALENCIA; TAPIAS HERNÁNDEZ, 2016a, p. 31). A organização de movimentos pertencentes ao cosmopolitismo subalterno ocorre por meio de redes, organizações e coletivos, com base nos princípios de igualdade e reconhecimento de diferenças. O sentido de incompletude, contemplado no pensamento de Paulo Freire, também se faz presente no conceito for-mulado por Santos.
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Educomunicação e diálogo de saberes nas periferias de São Paulo e MedellínJuliana Salles de Souza
da autonomia. Desse modo, todo conhe-
cimento passa a ser visto como interco-
nhecimento (cf: SANTOS, 2007, p. 22-23).
Tal ecologia pressupõe ainda que o conhe-
cimento é intervenção no real, não uma
mera representação da realidade. Perguntas
constantes e respostas incompletas tam-
bém caracterizam a ecologia de saberes
(SOUZA, 2019).
Ao se ter o diálogo de saberes como
pressuposto teórico-metodológico, é preciso
levar em conta também que, para construir
conhecimentos, é necessário desierarquizar
e dialogar. Há experiências, fenômenos,
cotidianos os quais as vivências possibilitam
enxergar com maior nitidez. Desse modo,
o olhar acadêmico desenvolvido fora do
contexto de diálogo, desconectado da rea-
lidade, o qual não reconhece a produção de
conhecimento não-acadêmicos e/ou que se
considera, de alguma forma, superior ou
mais válido do que os saberes produzidos
fora dos limites da academia corre o risco
de ser míope. Por outro lado, o diálogo de
saberes entre conhecimentos acadêmicos
e não-acadêmicos também pode resultar
em ampliação de visões para coletivos e
movimentos sociais (SOUZA, 2019). Nesse
sentido, Maria Cristina Pinto e Leonardo
Jiménez-García (2016b) ressaltam que
La academia debe salir de la zona de con-
fort que le ofrece ser legitimada por un
marco institucional que reconoce y valida
sus formas de acción, para hacer alianza
con organizaciones que desde el territorio
complementarían sus prácticas, didácti-
cas y, en general, los alcances que le han
sido encomendados en el plano social.
La apropiación de los objetos teóricos y
del conocimiento de las técnicas para la
generación de productos y servicios que
detenta el espacio de la academia puede
ser muy provechosa para complemen-
tar el saber - hacer de los colectivos, al
tiempo que los vínculos con el territorio,
las didácticas de conocimiento compar-
tido, el uso de la comunicación como ele-
mento mediador de procesos sociales que
garanticen prácticas para el buen vivir,
deben ser valorados y aprendidos por la
universidad para acercarse de una forma
más adecuada a las problemáticas de un
contexto local y global. Es precisamente
desde una perspectiva de diálogo de sabe-
res, como se puede lograr una forma de
resistencia a los modelos que limitan nue-
vas formas de interacción social (PINTO;
JIMÉNEZ-GARCÍA, 2016b, p. 287)
Nesse sentido, promover diálogos
entre saberes é uma prática que possibi-
lita uma lógica de desierarquização tanto
na relação academia-movimentos sociais
e coletivos, como na relação movimentos
sociais e coletivos-territórios. Em tais rela-
ções, o extrativismo (retirada de informações
sem devoluções e debates sobre os conhe-
cimentos produzidos) cede espaço para a
solidariedade, o reconhecimento do outro
e a compreensão mútua. Na consciência da
inconclusão humana, os sujeitos envolvidos
em um espaço de diálogo de saberes voltam
olhares, reflexões e afetividades para um
objeto cognoscível e, em conjunto, desvelam-
-no por meio de questionamentos, proble-
matizações e respostas formuladas a partir
de diferentes vivências (SOUZA, 2019).
Além da co-produção de conheci-
mentos, o diálogo de saberes pode propor-
cionar, entre outros itens, a formulação e
o reconhecimento de novas metodologias
de trabalho em territórios periféricos,
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Educomunicação e diálogo de saberes nas periferias de São Paulo e MedellínJuliana Salles de Souza
e a potencialização de ações que já ocor-
rem em tais espaços. A compreensão des-
ses processos perpassa pelo entendimento
dos aspectos e dimensões do conceito3. São
aspectos do diálogo de saberes os encon-
tros, vínculos, reconhecimento do outro
e criação de vínculos, além da conside-
ração do dissenso. Os encontros trazem
como propostas os atos de tecer vínculos,
construir laços de confiança e estabelecer
relações dialógicas, com a escuta e com-
preensão do outro. O reconhecimento do
outro e a criação de vínculos perpassam o
estabelecimento de relações que tendam
à horizontalidade e a aceitação de que
um diálogo de saberes pode impulsionar
a formação de líderes os quais podem
potencializar projetos. O dissenso integra
o diálogo de saberes e deve ser entendido
como parte integrante da pluralidade de
ideias, linguagens, racionalidades, pen-
samentos, emoções e estéticas, como
recurso de exposição de contradições e
como afirmação do caráter político do
diálogo, o qual não anula o diferente, mas
sim potencializa o ato de tecer relações
distintas com o outro, tais como alianças
e solidariedades. Também faz parte do
dissenso a compreensão de que as tensões,
desordens e caos possivelmente gerados
pelas discordâncias podem potenciali-
zar a criatividade humana e possibilitar
construções inéditas, as quais construam
consensos em respeito aos dissensos.
3 Tais aspectos e dimensões foram construídos e sistematizados pelo grupo de pesquisa “Prácticas de comunicación para la movilización y el cambio social: un diálogo con experiencias de tres colectivos de comunicación que operan en barrios periféricos de Medellín”, vinculado à Universidad de Medellín. As informações foram compiladas com base na obra Diálogo de Saberes en Comunicación: colectivos y academia (2016) e nas inserções a campo.
O caráter interdisciplinar e trans-
versal do diálogo de saberes é reforçado
por quatro dimensões: política, epistê-
mica, intersubjetiva e estética. A questão
política está ligada à construção de práti-
cas de desierarquização, substituição da
lógica dominação/subordinação pela lógica
solidariedade/cooperação, prevalência da
lógica sujeitos/sujeitos em detrimento da
perspectiva sujeitos/objetos, respeito às
características de territórios em que cada
sujeito está inserido e estabelecimento
de alianças com vistas à desconstrução
de dominações. A dimensão epistêmica
está relacionada ao pensamento crítico
decolonial com vistas à emancipação de
sujeitos, com valorização de estudos e
teorias não-eurocêntricas (tais como as
pedagogias freireanas e a investigação
ação-participativa – IAP4), embasamento
na ecologia de saberes, reconhecimento
e co-presença de práticas e saberes, usos
contra-hegemônicos de conhecimentos
científicos, com o intuito de compreender,
aprender e sistematizar realidades sociais,
além do reconhecimento das potenciali-
dades do conhecimento advindo da expe-
riência, dos vínculos territoriais, com as
bases sociais, bem como a valorização de
metodologias desenvolvidas por coletivos.
A dimensão epistêmica engloba ainda a
construção processual de conhecimen-
tos a partir de experiências (acadêmicas e
comunitárias) e de histórias de vida, item
que favorece a utilização de sistematiza-
ções de experiências em tais contextos.
4 Perspectiva teórico-metodológica desenvolvida por Orlando Fals Borda cujo enfoque investigativo reside na plena participação de pessoas pertencentes aos setores populares na análise da própria realidade, com o intuito de promover a transformação social em favor de oprimidos (cf: JARA HOLLIDAY, 2012)
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Educomunicação e diálogo de saberes nas periferias de São Paulo e MedellínJuliana Salles de Souza
Já a dimensão intersubjetiva reconhece
o diálogo de saberes como espaço de inte-
ração entre diversidades, valorização de
subjetividades dos sujeitos envolvidos no
diálogo, desobjetificação e reconhecimento
de sujeitos, autoconhecimento no tocante
às potencialidades e limites conceituais
individuais, junção de subjetividades para
potencializar outras subjetividades, nas-
cidas a partir de diálogos e processo de
enriquecimento do grupo sob os aspectos
político, conceitual, metodológico, expe-
riencial e subjetivo. No tocante à dimensão
estética, pode-se destacar as ressignifi-
cações e construções de sentido a partir
da dimensão simbólica da comunicação,
reflexões a partir das estéticas surgidas a
partir de experiências (populares, cotidia-
nas, discursivas, entre outras), valorização
de diálogos entre estética e política nos
territórios e reflexões sobre a produção
de sentido nos territórios, com foco em
narrativas de ressignificação.
A multidimensionalidade do diálogo
de saberes fornece pistas para a investigação
de fenômenos que interseccionam comu-
nicação, educação e cultura. Para além do
diálogo entre territórios e academia, faz-se
necessário recorrer à dialogia existente na
interdisciplinaridade e na transdisciplinari-
dade para, de forma dialética, compreender
fenômenos em profundidade. É o caso da
educação popular e, de forma específica,
da educomunicação realizada por coletivos
de comunicação em territórios periféri-
cos, a qual pode ser enxergada a partir de
encontros entre culturas, comunicações,
cotidianidades, educação, glocalidades5
5 Glocalidade é um neologismo que representa a união entre os termos “local” e “global”. Utilizado pela
e territórios. No diálogo de saberes, contudo,
tais noções só podem representar um fenô-
meno quando combinam produções aca-
dêmicas e não-acadêmicas (SOUZA, 2019).
Edu(comuni)cação popular freireana e a fertilidade do diálogo de saberes
De acordo com Oscar Jara Holliday
(2018), a educação popular é um fenômeno
sociocultural ligado à história latino-a-
mericana, o qual tem intencionalidade
transformadora e, dessa maneira, pode ser
considerado como um paradigma educacio-
nal. Na perspectiva freireana, a educação
popular é caracterizada pela pedagogia
das perguntas, problematização do coti-
diano, experiência cotidiana como fonte de
reflexão crítica, participação, inconclusão
ontológica do ser humano, dialogicidade,
ação cultural, valorização (e não ideali-
zação) das culturas populares, denúncia
das opressões associada ao anúncio de
novas possibilidades de vida em sociedade,
bem como a explicitação da característica
política e coletiva dos atos educacionais.
O fato de os conhecimentos não serem
transferidos para educandos-educadores,
mas sim construídos e reconstruídos com
eles, corrobora a aproximação do diálogo
de saberes com a educação popular.
primeira vez no Ocidente por Roland Robertson, o termo é definido por Daniela Cristiane Ota (2012) baseia-se em Robertson para dizer que glocalidade é “um processo de interação entre o local e o global e vice-versa, uma mistura de globalização com caracte-rísticas locais” (p. 207).
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Educomunicação e diálogo de saberes nas periferias de São Paulo e MedellínJuliana Salles de Souza
Ana Maria Saul (2016) destaca a
importância de se reinventar Paulo Freire
com o intuito de colocar em prática, de
maneira contínua, as pedagogias freireanas.
Para a concretização das reinvenções, faz-se
necessário mobilizar releituras críticas de
Freire, considerações de desafios existentes
em contextos variados, além da indagação/
explicação da realidade presente e futura.
Em tal contexto, também se pode analisar
processos educacionais precursionados por
coletivos de comunicação ocorridos nas
periferias como reinvenções freireanas.
A comunicação e a cultura são partes
integrantes da educação popular, na pers-
pectiva de Paulo Freire. Em tal cenário, é
necessário perceber que cada um dos três
campos possui peculiaridades e diferenças,
as quais permitem estabelecer diálogos a
partir das cotidianidades e, desse modo,
repensar teorias. É preciso relembrar tam-
bém que enxergar a comunicação a partir
do ponto de vista das pedagogias freireanas
implica entendê-la como relação social e
política. Desse modo, propostas de educação
popular no âmbito da comunicação buscam
romper com fenômenos inerentes à cultura
do silêncio (SOUZA, 2019).
O diálogo de saberes entre educação
popular, comunicação e cultura resulta em
diferentes perspectivas sobre as intersec-
ções dos dois campos. Uma dessas inter-
pretações é a educomunicação a partir
da América Latina, construída com base
na atuação de movimentos populares e
na vertente dialética da educação para a
comunicação na América Latina, a qual rea-
firma que comunicar é um direito humano
universal (SOARES, 2017). Ao se abordar
a educomunicação a partir da perspectiva
latino-americana, com ênfase nos estudos
do Núcleo de Comunicação e Educação da
Universidade de São Paulo (NCE-USP), con-
figura-se uma educomunicação resseman-
tizada pela educação popular freireana e
pelas práticas e escritos de Mário Kaplún.
Observações acerca dos caminhos da
educação popular freireana, associadas a
projetos de produção comunicacional a par-
tir de processos democráticos e participati-
vos em organizações não-governamentais
(ONGs) e núcleos de extensão de universi-
dades, impulsionaram a realização de uma
pesquisa pelo NCE-USP, em parceria com
a UNIFACS, na Bahia. Desenvolvida entre
1997 e 1999, a investigação “Comunicação/
Educação: a emergência de um novo campo
e o perfil de seus profissionais” auxiliou a
identificar a necessidade de se utilizar um
novo termo, dentro do campo Comunicação-
Educação, para designar os processos que
começavam a acontecer e os profissionais
que surgiam de forma gradativa na América
Latina: a educomunicação.
Enquanto conceito ressemantizado
por olhares e vivências inerentes a América
Latina, a educomunicação tem como princí-
pios o diálogo permanente e continuado, a
interatividade, a produção participativa de
conteúdos, a transversalidade, o compromisso
com o diálogo de saberes, compromisso com
a proteção e valorização do conhecimento
tradicional e popular, com a democratização,
direito à comunicação, além do compromisso
com a não-discriminação e o respeito à indivi-
dualidade e diversidade humana (cf: SOARES,
2011). Construída por meio de ecossistemas
comunicativos6 (MARTÍN-BARBERO, 2003;
6 Os ecossistemas comunicativos envolvem des-centralização de vozes, dialogicidade e interação, com
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Educomunicação e diálogo de saberes nas periferias de São Paulo e MedellínJuliana Salles de Souza
SARTORI, SOARES, 2005), a educomunicação
também visa à ampliação do potencial comu-
nicativo e ao favorecimento de metodologias
que facilitem o relacionamento entre sujeitos
sociais e sistemas midiáticos (cf: ROMÃO,
2016) e pode ser definida como:
uma resposta às exigências da con-
temporaneidade de definir um locus
para o diálogo entre o que se entende
por educação e o que se pretenda seja
a comunicação, a partir de pressupos-
tos que rejeitam, de igual modo, o que
representa o funcionalismo de um campo
(o comunicativo) e o iluminismo de outro
(o educativo). (SOARES; VIANA, 2017,
p. 239)
Por exemplo, a educação popular
freireana e suas reinvenções podem favo-
recer o (re) conhecimento de ecossistemas
culturais nas periferias, os quais, por meio
de coletivos de comunicação, podem ser
convertidos em ecossistemas comunicati-
vos. Ecossistemas coletivos e comunicati-
vos, portanto, reforçam a dialogicidade e
a coletividade presentes na educomunica-
ção. Além dessas características, a educo-
municação também se guia, entre outros
itens, pela participação, colaboração, pro-
blematizações a partir do cotidiano, direito
à voz, respeito à diversidade, priorização
dos processos e não dos produtos e, assim
como a epistemologia histórico-cultural
freireana, como utopia social.
saberes dispersos, fragmentados e passíveis de circu-lar em diferentes lugares. Ecossistema comunicativo é “uma figura de linguagem para nomear um ideal de relações, construído coletivamente em dado espaço, em decorrência de uma decisão estratégica de favo-recer o diálogo social, levando em conta, inclusive, as potencialidades dos meios de comunicação e de suas tecnologias” (SOARES, 2011, p. 44)
A cada leitura e observação partici-
pante que envolva processos educomu-
nicativos, é possível deparar-se com as
pedagogias de Paulo Freire e, consequen-
temente, com a concepção freireana de
educação popular. Nesse sentido, pode-se
considerar a educomunicação como ressig-
nificação, reinvenção da educação popular.
Na perspectiva de nomear também é
lutar (cf: WALSH, 2010), é importante (re)
conhecer as características específicas de
educação popular em coletivos de comuni-
cação nas periferias latino-americanas para,
assim, identificar traços comuns e, em um
segundo momento, buscar nomenclaturas
que as sintetizem, sem descomplexificá-las.
Uma das maneiras de conhecer tais carac-
terísticas é sistematizar experiências.
Sistematização de experiências: das memórias às aprendizagens
Nos coletivos de comunicação, as
iniciativas educomunicativas são realiza-
das de jovens, para jovens e com jovens e
têm como base os territórios periféricos.
Trata-se de expressões nas quais é possível
enxergar, de forma mais clara, as inter-
secções entre educação popular e comu-
nicação. Com base na comunicação sobre,
para e a partir das periferias, os processos,
reflexões, problematizações, denúncias e
anúncios estão sempre relacionados aos
territórios. Tais diálogos entre educação
popular, educomunicação e territórios é
reconhecido, por exemplo, em escritos de
Maria Cristina Pinto e Leonardo Jiménez-
García (2016a; 2016b), Edward Alexander
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[ EXTRAPRENSA ]Extraprensa, São Paulo, v. 12, n. esp., p. 520 – 541, set. 2019
Educomunicação e diálogo de saberes nas periferias de São Paulo e MedellínJuliana Salles de Souza
Niño Viracachá e Leonardo Jiménez-García
(2015) e Henrique Oliveira de Araújo (2016).
Para compreender processos de edu
(comuni) cação popular nas periferias lati-
no-americanas, o entendimento de expe-
riências é um dos trajetos que pode ser
seguido. Nesse sentido, a sistematização
de experiências, metodologia proposta por
Oscar Jara Holliday e embasada em práti-
cas de movimentos sociais, é uma das esco-
lhas possíveis. Na visão de Jara Holliday
(2012), sistematizar experiências é uma
ação-processo que se converte em forma
de produção e potencialização de conhe-
cimentos a partir da prática. Trata-se de
um procedimento metodológico que reúne
reflexões individuais e coletivas a res-
peito de uma experiência, a qual deve ser
reconstruída de maneira ordenada, com
olhares críticos sobre a prática vivida ou
realizada e com produção de novos conhe-
cimentos sobre a experiência sistematizada
(cf: JARA HOLLIDAY, 2012, p. 94).
Com inspirações nas pedagogias
freireanas, a sistematização de experiên-
cias trabalha com o rigor metódico, pro-
blematizações, criticidade e curiosidade
epistemológica para objetivar experiên-
cias vividas. Por meio dessa metodologia,
é possível produzir um novo conheci-
mento, em um primeiro nível de con-
ceitualização que embasa possibilidades
de generalização. Sistematizar também
significa recriar saberes em um exercício
interpretativo de teorização e apropriação
consciente do que se foi vivido (JARA
HOLLIDAY, 2012). Ao se pensar as pró-
prias práticas, concretiza-se uma inten-
cionalidade transformadora que permite,
entre outros itens, estabelecer diálogos de
saberes com outros grupos.
Na visão de Jara Holliday (2012), são
características da sistematização de expe-
riências a produção de conhecimentos a
partir de vivências, com vistas a transcen-
dê-las, valorização de saberes, aprendizados
a partir das cotidianidades, contribuições
para identificar tensões entre projetos e
processos, identificação e formulação de
lições aprendidas, fortalecimento de capa-
cidades individuais e grupais, produção de
materiais com potencial de utilidade para
outros coletivos, movimentos e organiza-
ções, bem como protagonismo das pessoas
que vivenciaram a experiência em processo
de objetivação. Nesse sentido, só é possível
sistematizar uma experiência quando o
sujeito a vivenciou.
Em tal cenário, a sistematização de
experiências tem potencial de valorizar
iniciativas de pessoas e grupos envolvi-
dos em processos educacionais, reforçar a
imaginação criadora e a capacidade de pro-
postas, ampliar a capacidade de gestão de
processos e projetos, assim como o reforço
de processos de articulações e alianças. Por
conta de tal perfil, a sistematização de expe-
riências contribui para uma compreensão
mais profunda das experiências, com vistas
a melhorá-las, para reflexões teóricas a par-
tir da prática, compartilhamento de apren-
dizados, retroalimentação de orientações e
diretrizes de projetos e fortalecimento de
identidades coletivas.
A sistematização de experiências que
originou este artigo não foi vivenciada
pela pesquisadora. Desse modo, buscou-se
adaptações ao método proposto por Oscar
Jara. Nesse âmbito, caminhos metodológi-
cos traçados por Angela Gárces Montoya
(2015) inspiraram a adaptação da siste-
matização à realidade da investigação.
531
[ EXTRAPRENSA ]Extraprensa, São Paulo, v. 12, n. esp., p. 520 – 541, set. 2019
Educomunicação e diálogo de saberes nas periferias de São Paulo e MedellínJuliana Salles de Souza
O primeiro tempo da sistematização reali-
zada – o ponto de partida – contou com a
seleção de experiências a sistematizar, con-
tato e reunião com os coletivos escolhidos,
com o intuito de apresentar a proposta de
pesquisa e verificar a possibilidade de rea-
lização de observação participante, além
de investigação bibliográfica e documental
para a reunião de registros virtuais das
experiências. A partir de tal cenário, foram
esboçados questionamentos, perguntas
iniciais as quais compuseram o segundo
tempo da sistematização. Entre as questões
delineadas, o eixo de sistematização foi
focado na pergunta “quais são as nature-
zas, potencialidades e limites de processos
educacionais ocorridos em coletivos de
comunicação popular, alternativa e comu-
nitária cuja atuação ocorre nas periferias?”.
Para recuperar os processos vivi-
dos, terceiro tempo da sistematização de
experiências, foram conjugadas oficinas
de memória sobre os coletivos e, de forma
específica, sobre as experiências, entrevis-
tas semiestruturadas, coleta de registros
físicos e virtuais (não-acessíveis pela pes-
quisa via internet) e observações partici-
pantes de processos educacionais variados
realizados pelos coletivos.
A escolha pela inclusão das memó-
rias nos procedimentos metodológicos da
pesquisa foi corroborada pelas vivências
nos trabalhos de campo. A construção
coletiva de memórias sobre, para e a partir
das periferias é contemplada nas práticas
dos dois coletivos integrantes do corpus.
No caso do Ciudad Comuna, visibilizar e
ressignificar memórias, em um contexto
ligado ao conflito armado colombiano,
tornou-se um dos eixos reivindicativos
do coletivo (“preservação e circulação dos
saberes e das memórias locais na chave
decolonial”). Ángela Garcés Montoya
(2016a) justifica tal preocupação:
En la investigación de Garcés (2015) refe-
rida a Colectivos juveniles en Medellín.
Configuración de subjetividades juveniles
vinculadas a la comunicación audiovisual
alternativa y comunitaria, se revisan los
modos de apropiación del territorio vigen-
tes en los colectivos juveniles de comuni-
cación, cada vez que logran acciones en
pro de reconfigurar el sentido de lugar.
Esta indagación se inspira en el llamado de
Martín - Barbero (2009, 2006) de revisar
cómo los medios masivos de comunicación
crean una imagen parcial del conflicto
armado en Colombia, al otorgarles voz
e imagen televisiva a los autores de las
más crueles masacres, y dejar en silen-
cio a la inmensa mayoría de víctimas
del conflicto, a quienes les niegan la
posibilidad real de hablar y ser vistas.
(GARCÉS MONTOYA, 2016a, p. 78)
Ao lado da comunicação e do territó-
rio, a memória é uma das chaves de atuação
nos processos educacionais, comunicacio-
nais e em produtos do Ciudad Comuna. Na
sistematização de experiências da Escuela
de Comunicación Comunitaria de 2015, a
qual resultou na mostra “Somos Territorio”,
a memória foi conceituada como
un escenario que está en tensión, que
constituye el relato propio y subjetivo
sobre la vida colectiva, que al encontrar
situaciones comunes se convierte en un
acto de resistencia política. La memo-
ria se manifiesta tanto en el presente
(reivindicación y emancipación) como
en el pasado (acumulación histórica)
(SOMOS TERRITORIO, 2016)
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Educomunicação e diálogo de saberes nas periferias de São Paulo e MedellínJuliana Salles de Souza
De acordo com Maria Bruna Malcangi
(2018), “la memoria es parte esencial de las
dinámicas sociales, ya que es a partir de
ella que se construye la identidad de los
grupos sociales, es decir, de la colectividad”
(MALCANGI, 2018, p. 14). A autora ressalta
também que as noções de memória e histó-
ria são diferentes: enquanto a história é a
construção de versões dos fatos a partir de
documentos e fontes e com uma perspectiva
mais técnica, a memória não é única, caracte-
riza-se, portanto, pela pluralidade, não precisa
formular um relato homogêneo e se forma a
partir de vivências, além de ser relacional e
intencional (cf: MALCANGI, 2018).
Na perspectiva do diálogo de saberes,
a valorização dos sujeitos envolvidos em um
processo educacional no contexto de uma
sistematização de experiências adaptada
pode ocorrer por meio da consideração das
memórias para a recuperação dos processos
vividos. Tais subjetividades contribuem não
apenas para construir um conhecimento
coletivo sobre potencialidades, desafios e
limites dos processos sistematizados, mas
também para compreender como a comu-
nicação sobre, para e a partir das periferias
e os territórios periféricos contribuem para
a construção de processos educacionais em
tais contextos (SOUZA, 2019).
Ao propor uma metodologia para a
sistematização de experiências, Oscar Jara
Holliday (2012) chama a atenção para o fato
de se escolher procedimentos concretos para
cada tempo da objetivação de experiências
vividas. Desse modo, para a recuperação de
processos vivenciados, a oficina de memória
foi a principal estratégia utilizada.
Na visão de Pilar Riaño Alcalá (2000), as
oficinas de memória são metodologias grupais
e interativas. São elementos do procedimento
metodológico a interação dialógica, a obser-
vação etnográfica, com atenção empírica,
intelectual (reflexão) e social (fenômeno ana-
lisado), de acordo com a autora. Riaño Alcalá
utiliza a expressão “nosotros espacio-tempo-
ral” (“nós” espaço-temporal) para definir a
dinâmica de uma oficina de memória.
A realização de oficinas de memória
é uma forma de exercício de escuta, diá-
logo de saberes e de rompimento com a
investigação extrativista. Nesse sentido,
Garcés Montoya (2015) afirma que a oficina
de memória é uma técnica qualitativa que
aporta en doble vía, es decir, al grupo social
que oficia de objeto de investigación y
al grupo de investigación. En el primer
caso, el taller constituye un espacio que, al
potenciar la reflexión individual y colec-
tiva sobre los procesos más significativos
que marcan tanto el origen, el desarrollo
y el futuro del grupo o colectivo, como el
crecimiento y la transformación personal
que la dinámica organizativa genera en
sus miembros, permite un mayor y más
cualificado conocimiento y control sobre
las potencialidades individuales y colecti-
vas, de manera que detona la construcción
de utopías. En el segundo caso, es decir,
para el grupo de investigación, el taller
constituye una fuente privilegiada para la
comprensión de las experiencias vitales y
las dinámicas propias de un grupo, organi-
zación o colectivo. Se trata, en definitiva,
de un mecanismo de acercamiento a las
comunidades que rompe con la tradicional
visión utilitarista y distante que ve en los
grupos sociales o en los colectivos que se
pretenden estudiar una fuente de infor-
mación o de suministro de datos. (GARCÉS
MONTOYA, 2015, p. 37-38)
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[ EXTRAPRENSA ]Extraprensa, São Paulo, v. 12, n. esp., p. 520 – 541, set. 2019
Educomunicação e diálogo de saberes nas periferias de São Paulo e MedellínJuliana Salles de Souza
As oficinas de memória possibilitam
conhecer, a partir de subjetividades dos par-
ticipantes, os processos mais significativos
sobre origem, desenvolvimento e futuro
de um acontecimento ligado a um sujeito
coletivo (movimento social, organização ou
coletivo). Nesta pesquisa, os materiais usados
para as oficinas foram cartolinas de diferentes
cores, canetões e fitas crepe. O convite aos
participantes foi feito por um dos integrantes
do coletivo de comunicação estudado.
As oficinas foram realizadas em três
partes: antes (ações e processos que mar-
caram o ingresso, incorporação e vincula-
ção ao coletivo); durante (ações e processos
vinculados ao presente, com escolha de
palavras-chave sobre o tema pelos parti-
cipantes); e depois (ações e processos espe-
rados pelos participantes para o futuro do
coletivo, com nova seleção de palavras-
-chave sobre o assunto). Os momentos
“durante” e “depois” contaram com diálogos
de memórias. As oficinas foram encerradas
com a avaliação conjunta das atividades7.
Ao longo desse procedimento metodológico,
momentos individuais (por meio da escrita)
e coletivos (compartilhamento de memórias
e experiências) traduzem-se como formas
de reflexão crítica sobre as vivências de um
grupo. Uma oficina de memória possibilita
ainda o (re) conhecimento de momentos
marcantes para o coletivo, diagnósticos de
processos atuais e perspectivas de atuação.
Os três primeiros tempos da siste-
matização de experiências forneceram
7 A dissertação Entre Quebradas e Comunas: Educomunicação Popular e Periférica em São Paulo e Medellín apresenta com mais detalhes os resultados específicos das oficinas de memória realizadas nos coletivos Periferia em Movimento e Ciudad Comuna.
materiais para a ordenação e classificação
de informações. O Repórter da Quebrada
2015 tratou sobre temas como: comunica-
ção; jornalismo; construção de memórias;
centro e periferias; garantia de direitos nas
periferias; direitos humanos; ética; ética no
jornalismo; pauta jornalística; movimentos
sociais; intolerância; preconceito; homofo-
bia; racismo; redução da maioridade penal;
moradia; transporte; midialivrismo; direito
à cidade; educação; e cultura. As principais
metodologias identificadas foram: pedago-
gia da pergunta; percursos pelos territó-
rios; exercícios de jornalismo (elaboração
de pauta, coletivas de imprensa, entrevista,
reportagem e edição); articulação de ato-
res sociais dos territórios do Extremo Sul;
debates; diálogos de saberes; e reflexão-
-ação. O processo percorreu os territórios
periféricos Grajaú, Ilha do Bororé e Cidade
Dutra, localizados no Extremo Sul de São
Paulo. Com foco em narrativas jornalísticas,
o Repórter da Quebrada 2015 contou com
42 inscrições (11 do sexo masculino e 31
do sexo feminino), 37 inscritos convocados
e 20 educandos-educadores concluintes.
O processo educacional durou três meses
e teve como produtos finais vídeos, uma
webreportagem e um jornal frente e verso,
em formato de zine.
Já a Escuela de Comunicación
Comunitaria 2015 trabalhou com temas
como: comunicação; memória; território;
participação; comunidade; direitos; saberes
prévios; diálogo de saberes; educação popular;
investigação ação participativa (IAP); direi-
tos; e identidades. Os percursos metodológi-
cos utilizados pelos educadores-educandos
foram círculos de debate teórico; percursos
pelos territórios; seminários de narrativas;
projetos; assessoria e execução de projetos;
além de apoios e reflexões de um Comitê
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[ EXTRAPRENSA ]Extraprensa, São Paulo, v. 12, n. esp., p. 520 – 541, set. 2019
Educomunicação e diálogo de saberes nas periferias de São Paulo e MedellínJuliana Salles de Souza
Pedagógico. As principais metodologias iden-
tificadas foram debates; diálogos de saberes;
pedagogia da pergunta; cartografias; per-
cursos pelos territórios; exercícios de foto,
vídeo e entrevistas; IAP; e reflexão-ação.
Os seminários ocorridos na versão 2015 da
Escuela foram dedicadas a IAP, narrativas
jornalísticas, fotojornalismo comunitário
e documentário social participativo (DSP)8.
Houve 200 interessados no processo edu-
cacional em Medellín (entre zona urbana e
zona rural), 100 convocados e de 30 a 40 con-
cluintes. O processo durou quatro meses, com
recorridos territoriales por diferentes comunas
de Medellín e teve como produtos quatro
documentários, quatro projetos fotográficos,
além de mostra itinerante dos processos e
produtos denominada “Somos Territorio”.
No quarto tempo da sistematização
de experiências, as reflexões de fundo (por
que aconteceu o que aconteceu? por que não
aconteceram outros fatos?) foram realizadas
por meio de uma conversa entre os coletivos
com o intuito de ativar um novo diálogo de
saberes a respeito de processos educacionais
em coletivos de comunicação na América
Latina, uma oficina de reflexão por cole-
tivo para análises, sínteses, inter-relações e
interpretações críticas sobre as experiências,
entrevistas semiestruturadas e identificação
de aprendizagens. A oficina reflexiva tratou-
-se de um momento de conversa entre os
sujeitos envolvidos na pesquisa. Mediatizados
pela experiência educacional em processos
de sistematização, educandos-educadores e
educadores-educandos elaboraram reflexões
8 Narrativa audiovisual advinda do documentário direto (retirada de narrações gravadas para privilegiar depoimentos dos entrevistados) baseada no reconhe-cimento de saberes dos participantes e na apropriação social do conhecimento (cf: SOUZA, 2019).
críticas a partir de perguntas cujo intuito era
problematizar itens ligados aos processos
educacionais. A perspectiva adotada foi a
do Diálogo de Saberes e buscou romper com
análises adultocêntricas (SOUZA, 2019).
Assim como nas oficinas de memória, o con-
vite para o momento reflexivo foi feito por
um dos membros do coletivo e os materiais
utilizados foram os mesmos. Divididas em
três partes (compartilhamento de memórias,
entrevista grupal com realização de pergun-
tas problematizadoras sobre os processos e
considerações críticas sobre as experiências
as quais não foram contempladas pelas per-
guntas), as oficinas reflexivas contou com
espaços para sugestões para a comunicação
de aprendizagens da sistematização e com
avaliação conjunta da atividade.
As categorias surgidas ao longo da
sistematização de experiências em São
Paulo foram: protagonismo e ressignifi-
cação territorial; cotidianidades; diálogos;
processo; reflexão crítica; redes e articu-
lações. Já as categorias surgidas ao longo
de tal processo em Medellín foram: pro-
tagonismo e ressignificação territorial;
cotidianidades; memórias; investigação
participativa; diálogos; reflexão crítica;
redes e articulações. Tais eixos ajudam a
comprovar a hipótese de que as práticas
educacionais de ambos os coletivos inte-
grantes do corpus constituem uma forma
de educomunicação popular e periférica,
conceito integrante do quinto tempo da sis-
tematização de experiências nesta inves-
tigação: a formulação de considerações
finais, recomendações e propostas, bem
como a comunicação de aprendizagens9.
9 Na presente pesquisa, a comunicação de aprendi-zagens englobará o compartilhamento dos resultados
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[ EXTRAPRENSA ]Extraprensa, São Paulo, v. 12, n. esp., p. 520 – 541, set. 2019
Educomunicação e diálogo de saberes nas periferias de São Paulo e MedellínJuliana Salles de Souza
Educomunicação popular e periférica: experiências objetivadas
Na perspectiva do diálogo de saberes,
os processos de comunicação e educa-
ção sobre, para e a partir das periferias
englobam práticas as quais, posterior-
mente, são identificadas em teorias. No
caso do Periferia em Movimento, a nomen-
clatura “educomunicação” foi incorpo-
rada pelo coletivo depois da percepção
de que os encontros de aprendizagem
eram semelhantes ao que se definia como
educomunicar na América Latina, e, espe-
cificamente, no Brasil. No Ciudad Comuna,
a prática da educação popular também
veio antes do conhecimento da teoria,
de acordo com os pontos de chegada da
sistematização de experiências.
Nas palavras de Antonio Faundez,
em diálogos com Freire na obra Por uma
Pedagogia da Pergunta, “(...) que a reali-
dade exija a transformação do conceito
e não o conceito exija a transformação
da realidade.” (FAUNDEZ; FREIRE, 1983,
p.33). Por meio das categorias depreendi-
das da recuperação dos processos vividos
e das interpretações críticas de processos
educacionais no contexto dos coletivos,
foi possível identificar a necessidade de
se falar sobre o fenômeno a partir de um
conceito específico. O uso de dois adjetivos
para designar esse tipo de comunicação
gera o efeito de reafirmação e de especi-
ficidade. Ao se incluir o nome “popular”,
da investigação com os coletivos, a elaboração con-junta de e-books, assessorias externas, entre outras iniciativas.
busca-se mostrar a interligação entre essa
reinvenção freireana e a educação popular
precursionado pelo autor. Inclusive, pode-se
considerar a expressão “educação popu-
lar em comunicação” como um conceito
muito próximo da educomunicação popu-
lar. Entretanto, de acordo com Oscar Jara
Holliday (2018), a educação popular não é
homogênea tampouco uniforme. Por outro
lado, utilizar o nome “periférico” demons-
tra uma especificidade: a interligação dos
processos estudados com os territórios,
característica a qual apareceu em oficinas,
entrevistas e observações participantes.
Desse modo, a educomunicação
popular e periférica pode ser descrita
como um processo que envolve sujeitos
mediatizados por cotidianidades periféri-
cas, em atividades de reflexão crítica, que
problematizam vivências, observações e
investigações em tais espaços. Expressa
por meio de textos, fotos, vídeos, memes e
outras formas, a educomunicação popular
e periférica privilegia processos em compa-
ração com os produtos e rejeita visões adul-
tocêntricas ao entender, de forma prática,
a inconclusão ontológica do ser humano,
estabelece diálogos de saberes com dife-
rentes atores sociais (SOUZA, 2019).
As mensagens comunicadas por meio
da educomunicação popular e periférica
compartilham vivências, transformam
fatos periféricos em acontecimentos por
meio de diferentes formas de narrativas
e modalidades comunicacionais, visam à
reformulação de imaginários, garantia de
direitos - em especial, o direito à comuni-
cação - e, por vezes, ao bem-viver. Redes
e articulações são tecidas com o objetivo
de potencializar os processos desse tipo
de educomunicação. Em tais processos,
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Educomunicação e diálogo de saberes nas periferias de São Paulo e MedellínJuliana Salles de Souza
as quebradas, comunas e outros territó-
rios periféricos tornam-se salas de aula10.
Trata-se, em resumo, de uma educomuni-
cação sobre, para e a partir das periferias, a
qual reconhece tais territórios como dotados
de saberes e potencializa o “conhecimento
popular periférico”, expressão utilizada por
Ronaldo Matos (2018) (SOUZA, 2019).
São características da educomunicação
popular e periférica, verificadas por meio
da presente sistematização de experiências:
pertencimento aos territórios periféricos (o
protagonismo do “nós”); formação de mul-
tiplicadores críticos; sentipensar os territó-
rios (percorrer as periferias para narrá-las);
reconhecimento das periferias como terri-
tórios de saberes; privilégio de processos em
comparação com os produtos; construção
constante com as pessoas nas cotidianida-
des; educomunicação popular e periférica
como uma pedagogia crítica e decolonial;
dialogicidade e conteúdos articulados às
cotidianidades nas periferias, em especial
localizadas em zonas de transição urbano-
-rurais; IAP e sistematização de experiências
como metodologias possíveis na educomuni-
cação popular e periférica; diálogo de Saberes
como prática recorrente à educomunicação
popular e periférica; redes entre coletivos
para potencializar processos de educomu-
nicação popular e periférica; articulações e
diálogo de saberes com atores sociais para
potencializar processos de educomunicação
popular e periférica (por exemplo, realiza-
ção de processos de coletivos de comunica-
ção em escolas); educomunicação popular
e periférica e a luta pelo reconhecimento
10 A redação de tal expressão está ligada ao lema da Unigraja, articulação de coletivos da qual par-ticipa o Periferia em Movimento: “a quebrada é a nossa sala de aula”.
institucional, político, social e cultural dos
territórios; educomunicador popular e peri-
férico como um sujeito periférico, dialógico,
que atua por meio dos processos e caracterís-
ticas da educação popular; rejeição às postu-
ras adultocêntricas; incentivo à curiosidade
epistemológica de educadores e educandos;
incertezas quanto ao financiamento de ati-
vidades; e participação (SOUZA, 2019).
Considerações finais
Por meio da sistematização de expe-
riências, dos trabalhos de campo e das revi-
sões de literatura, na perspectiva do diálogo
de saberes, foi possível perceber que tais
processos estão ligados de forma direta
aos territórios periféricos e à comunicação
criada sobre, para e a partir de tais espa-
ços. Nesse sentido, foi possível constatar
que a comunicação e os territórios têm
papel essencial na construção dos pro-
cessos educacionais, pois interligam-se
às cotidianidades, bem como se consti-
tuem como origem de características dos
mesmos processos. As características da
educomunicação popular e periférica vêm
justamente da comunicação e do território.
Os processos analisados podem ser clas-
sificados como iniciativas ressignificadas
de educação popular e contribuem para a
ressignificação e emancipação de educan-
dos-educadores e educadores-educandos.
Mediatizadas pelos territórios, as pessoas
envolvidas em tais processos formam-se
mutuamente como sujeitos periféricos.
As investigações sobre a educomuni-
cação popular e periférica devem prosseguir,
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Educomunicação e diálogo de saberes nas periferias de São Paulo e MedellínJuliana Salles de Souza
com o objetivo de complexificar o conceito
e compreender mais processos inerentes a
esse âmbito. Uma proposta que pode auxi-
liar em tais estudos é o mapeamento de
iniciativas desse tipo nas periferias lati-
no-americanas. Uma das limitações mais
citadas pelos participantes da pesquisa - a
sustentabilidade financeira - também é
outro item a ser investigado (SOUZA, 2019).
É necessário ter em vista ainda que
“mudar o mundo é tão difícil quanto pos-
sível (FREIRE, 2000, p.20). Assim como há
denúncias, configuram-se também anún-
cios, expressos em processos como os da
educomunicação popular e periférica. Freire
também não vivenciou o período das redes
sociais digitais, mas as reflexões advindas
da epistemologia histórico-cultural auxiliam
na compreensão de tais processos. Os ideais
freirianos são (re) vividos nas práticas dos
coletivos de comunicação nas periferias.
Paulo Freire é reinventado em cada reu-
nião, formação e metodologia. É das próprias
periferias que vem frases como a da poeta
Maria Vilani, do Grajaú, durante a aber-
tura da Virada Comunicação, em São Paulo:
“Precisamos estudar mais Paulo Freire”.
Nesse sentido, pensar a própria prática no
contexto de coletivos de comunicação e,
especificamente, da educomunicação popu-
lar e periférica, é um item a ser reinventado
todos os dias (SOUZA, 2019).
[ JULIANA SALLES DE SOUZA ]
Jornalista e mestre em Ciências, com investigação
na linha de pesquisa “Comunicação e Cultura” do
Programa de Integração da América Latina da
Universidade de São Paulo (PROLAM-USP).
E-mail: [email protected]
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