22
Juliana Salles de Souza Universidade de São Paulo (USP) [ GT 2 – COMUNICAÇÃO, CULTURA E DIVERSIDADE ] IV SICCAL EDUCOMUNICAÇÃO E DIÁLOGO DE SABERES NAS PERIFERIAS DE SÃO PAULO E MEDELLÍN brought to you by CORE View metadata, citation and similar papers at core.ac.uk provided by Cadernos Espinosanos (E-Journal)

EDUCOMUNICAÇÃO E DIÁLOGO DE SABERES NAS PERIFERIAS …

  • Upload
    others

  • View
    2

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: EDUCOMUNICAÇÃO E DIÁLOGO DE SABERES NAS PERIFERIAS …

Juliana Salles de SouzaUniversidade de São Paulo (USP)

[ GT 2 – COMUNICAÇÃO, CULTURA E DIVERSIDADE ]

IV SICCAL

EDUCOMUNICAÇÃO E DIÁLOGO

DE SABERES NAS PERIFERIAS DE SÃO PAULO

E MEDELLÍN

brought to you by COREView metadata, citation and similar papers at core.ac.uk

provided by Cadernos Espinosanos (E-Journal)

Page 2: EDUCOMUNICAÇÃO E DIÁLOGO DE SABERES NAS PERIFERIAS …

521Educomunicação e diálogo de saberes nas periferias de São Paulo e Medellín

[ EXTRAPRENSA ]

Juliana Salles de Souza

Extraprensa, São Paulo, v. 12, n. esp., p. 520 – 541, set. 2019

DOI: https://doi.org/10.11606/extraprensa2019.158196

O trabalho tem como objetivos descrever e analisar, a partir da perspectiva do diálogo de saberes (ACOSTA VALENCIA; PINTO ARBOLEDA; TAPIAS HERNÁNDEZ, 2016a), processos formativos de coletivos de comunicação em periferias latino-americanas, os quais se aproximam da concepção de educação popular proposta por Paulo Freire (1978; 1983; 2002). A metodologia consistiu na realização de oficinas de memória nos coletivos de comunicação Periferia em Movimento (São Paulo, Brasil) e Ciudad Comuna (Medellín, Colômbia), em uma etapa integrante de um processo de sistematização de experiências com ambos os coletivos. Por meio da pesquisa, foi possível identificar momentos significativos, desafios e potencialidades dos processos educativos dos cole-tivos, os quais configuram, em perspectiva comparada, uma educomunicação popular e periférica nos coletivos, uma reinvenção freireana em construção.

Palavras-chave: Comunicação. Educação popular. Educomunicação. Periferia. Território.

The paper aims to describe and analyze, from the perspective of the dialogue of knowledge (ACOSTA VALENCIA; PINTO ARBOLEDA; TAPIAS HERNÁNDEZ, 2016a), formative processes of communication collectives in Latin American peripheries, which approach the conception of popular education proposed by Paulo Freire (1978, 1983, 2002). The methodology consisted in the realization of memory workshops in the communication groups Periferia em Movimento (São Paulo, Brazil) and Ciudad Comuna (Medellín, Colombia), in an integral stage of a systematization process of experiences with both groups. Through the research, it was possible to identify significant moments, challenges and potentialities of the educational processes of the collectives, which configure, in a comparative perspective, a popular and peripheral educommunication in the collective, a Freirean reinvention in construction.

Keywords: Communication. Educommunication. Periphery. Popular education. Territory.

El trabajo tiene como objetivos describir y analizar, desde la perspectiva del diálogo de saberes (ACOSTA VALENCIA; PINTO ARBOLEDA; TAPIAS HERNÁNDEZ, 2016a), procesos formativos de colectivos de comunicación en periferias latinoamericanas, los cuales se aproximan a la concepción de educación popular propuesta por Paulo Freire (1978; 1983; 2002). La metodología consistió en la realización de talleres de memoria en los colectivos de comunicación Periferia en Movimento (São Paulo, Brasil) y Ciudad Comuna (Medellín, Colombia), en una etapa integrante de un proceso de sistematización de experiencias con ambos colectivos. Por medio de la investigación, fue posible identi-ficar momentos significativos, desafíos y potencialidades de los procesos educativos de los colectivos, los cuales configuran, en perspectiva comparada, una educomunicación popular y periférica en los colectivos, una reinvención freireana en construcción.

Palabras clave: Comunicación. Educación popular. Educomunicación. Periferia. Territorio.

[ RESUMO ABSTRACT RESUMEN ]

Page 3: EDUCOMUNICAÇÃO E DIÁLOGO DE SABERES NAS PERIFERIAS …

522

[ EXTRAPRENSA ]Extraprensa, São Paulo, v. 12, n. esp., p. 520 – 541, set. 2019

Educomunicação e diálogo de saberes nas periferias de São Paulo e MedellínJuliana Salles de Souza

Introdução

O estudo do campo da comunica-

ção popular, alternativa e comunitária

na América Latina (PERUZZO, 2009a;

PERUZZO, 2009b) tem como um de seus

fenômenos o nascimento e trajetória de

coletivos de comunicação em territórios

periféricos. Tal denominação é utilizada

para fazer referência a grupos cuja produ-

ção midiático-cultural trata sobre aconteci-

mentos sobre, para e a partir das periferias.

As narrativas de tais coletivos são criadas

a partir do compartilhamento de vivên-

cias associado à ressignificação territorial,

articulações com outros atores sociais com

atuações semelhantes, além da busca pela

garantia de direitos humanos em um con-

texto neoliberal, em especial, do direito à

comunicação. (cf: SOUZA, 2019).

A partir do questionamento “de que

maneiras a comunicação e o território con-

tribuem para a construção de processos

educacionais em coletivos de comunicação

que atuam nas periferias latino-america-

nas?”, o presente artigo tem como objetivo

geral descrever e analisar processos for-

mativos de coletivos de comunicação em

periferias latino-americanas, cujos proces-

sos e práticas aproximam-se da concepção

de educação popular proposta por Paulo

Freire (1978; 1983; 2002).

São objetivos específicos da inves-

tigação: verificar se há processos de res-

significação de educandos-educadores e

educadores-educandos em relação aos terri-

tórios periféricos das cidades em que vivem;

e comparar os temas abordados por educa-

dores-educandos nos processos educacionais

estudados. Faz-se necessário ressaltar que o

presente artigo traz recortes da dissertação

de Mestrado Entre Quebradas e Comunas:

Educomunicação Popular e Periférica em São

Paulo e Medellín (2019), redigida pela pesqui-

sadora-autora deste texto.

Como pressuposto teórico-metodo-

lógico da investigação, adotou-se o diálogo

de saberes em comunicação (ARBODELA;

HERNANDEZ; VALENCIA, 2016), baseado,

entre outras fontes, na ecologia de saberes

proposta por Boaventura de Sousa Santos

(2007). Para que tal diálogo concretizar-

-se, faz-se necessário reconhecer, respei-

tar e desierarquizar os diferentes saberes,

em um contexto de pensamento crítico,

compreensão mútua, coletividade, solida-

riedade, ação e reflexão, consciência da

inconclusão humana e problematização do

cotidiano, em um exercício das pedagogias

freireanas (FREIRE, 1975; FREIRE, 1978;

FREIRE, 1983; FREIRE, 1992; FREIRE;

NOGUEIRA, 1993; FREIRE; GADOTTI;

GUIMARÃES, 1995; FREIRE, 1997;

FREIRE, 2000; FREIRE, 2002).

O diálogo de saberes tem dimensões

políticas, epistêmicas, intersubjetivas e

estéticas e possui como aspectos-chave o

dissenso, encontros, vínculos, além do reco-

nhecimento de subjetividades (ARBODELA;

HERNANDEZ; VALENCIA, 2016). Desse

modo, pode-se afirmar que pesquisas rea-

lizadas na perspectiva do diálogo de saberes

reconhecem a complexidade de fenômenos

ligados à comunicação e cultura no contexto

latino-americano, produzem conhecimento

a partir de uma noção de desierarquização

e descolonização de saberes e aprofundam

conhecimentos acerca de grupos que pro-

movem a apropriação social de meios de

comunicação como instâncias de denúncia

e participação.

Page 4: EDUCOMUNICAÇÃO E DIÁLOGO DE SABERES NAS PERIFERIAS …

523

[ EXTRAPRENSA ]Extraprensa, São Paulo, v. 12, n. esp., p. 520 – 541, set. 2019

Educomunicação e diálogo de saberes nas periferias de São Paulo e MedellínJuliana Salles de Souza

A pesquisa foi qualitativa, teve

caráter exploratório, perspectiva compa-

rada e fontes de natureza bibliográfica,

documental e de campo. O corpus de

investigação residiu nos processos edu-

cacionais Repórter da Quebrada, realizado

pelo coletivo de comunicação Periferia

em Movimento (São Paulo - SP, Brasil), e

Escuela de Comunicación Comunitaria, do

coletivo comunicacional Ciudad Comuna

(Medellín - Antioquia, Colômbia). Ambos

criados em 2009, os coletivos concentram

atuações no Extremo Sul da capital pau-

lista e na Comuna 8 de Medellín, respec-

tivamente. O Periferia em Movimento foi

escolhido para a investigação por fazer

parte de uma rede de 13 coletivos - Rede

Jornalistas das Periferias - e trabalhar

com um modelo comunicacional híbrido,

com características de diferentes mode-

los do campo da comunicação popular,

alternativa e comunitária, denominado

como “jornalismo de quebrada”. Tal modelo

inclui, entre outros itens, a disputa de ima-

ginários, preocupação com a informação e

formação do leitor, militância pela garantia

dos direitos fundamentais e emancipação

das periferias (SOUZA, 2015). Já o Ciudad

Comuna foi selecionado por atuar em

uma cidade a qual tem o maior número

de iniciativas de comunicação comunitá-

ria da América Latina, de acordo com a

Universidad Estadual a Distancia de Costa

Rica (UNED)1, por ter reconhecimento em

forma de prêmios relacionado a seus pro-

cessos e produtos, bem como precursionou

projetos educacionais em territórios perifé-

ricos. A seleção também foi subsidiada por

1 Disponível em: <https://www.medellincuenta.com/?NavigationTarget=navurl://244fe6ec2f3a-f426af4758093850b732>. Acesso em: 21 jul. 2018.

meio de revisões de literatura sobre cole-

tivos de comunicação latino-americanos.

Como procedimento específico de

investigação, em coerência com a pers-

pectiva teórico-metodológica do diálogo de

saberes, adotou-se uma proposta inspirada

na sistematização de experiências (JARA,

1994; 1998; 2012). Com adaptações à pro-

posta de Jara, a etapa empírica enfocou os

processos realizados em 2015 em ambos

os países e foi percorrida em cinco passos:

(1) o ponto de partida (recuperação de regis-

tros sobre os projetos); (2) as perguntas

iniciais (entre elas, “que aspectos centrais

dessa experiência nos interessa sistema-

tizar?”), (3) a recuperação dos processos

vividos, com entrevistas semi-estruturadas

com participantes das oficinas e aprofunda-

mento, por meio de pesquisas documentais,

acerca da estrutura organizacional, jorna-

lística, comunicacional e educacional dos

coletivos; (4) a reflexão de fundo (por que

aconteceu o que aconteceu?; por que não

aconteceram outros fatos?), proposta de

atividades com os educandos-educadores

e educadores-educandos, com sistematiza-

ções, análises e interpretações críticas sobre

as iniciativas educacionais nos coletivos de

comunicação; (5) e os pontos de chegada,

com formulação de conclusões e comuni-

cação das aprendizagens (SOUZA, 2019).

Para responder à pergunta-problema

desta pesquisa, o artigo terá como trajeto

aprofundamentos sobre a perspectiva do

diálogo de saberes no campo da educação

popular e da educomunicação em coletivos

de comunicação, explanações sobre carac-

terísticas e processos das sistematizações

de experiências e os resultados da investi-

gação, os quais delineiam uma educomu-

nicação denominada popular e periférica.

Page 5: EDUCOMUNICAÇÃO E DIÁLOGO DE SABERES NAS PERIFERIAS …

524

[ EXTRAPRENSA ]Extraprensa, São Paulo, v. 12, n. esp., p. 520 – 541, set. 2019

Educomunicação e diálogo de saberes nas periferias de São Paulo e MedellínJuliana Salles de Souza

Diálogo de saberes: horizontalidades, transversalidades e (co)produção de conhecimentos

O diálogo é um fenômeno humano

cuja noção-chave é a palavra. Na pers-

pectiva de Paulo Freire (1983), a ação e a

reflexão são dimensões constitutivas de

um vocábulo. Nesse sentido, existem três

tipos de palavras: inautênticas ( não têm o

intuito de transformar a realidade), ativis-

tas (ênfase na ação, mas com o abandono

do exercício reflexivo) e práxis (intuito de

pronunciar o mundo, de forma a modi-

ficá-lo). Ainda na concepção freireana,

faz-se necessário destacar que o diálogo é

interpretado como exigência existencial,

por conta da inconclusão ontológica do ser

humano. Em outras palavras, os huma-

nos estão em um processo permanente

com relação à incompletude de saberes e

conhecimentos, desse modo, há uma busca

constante pela humanização e pela cons-

trução permanente de conhecimentos. Em

tal perspectiva, conhecer é um verbo que

pode ser considerado coletivo - processo

realizado em conjunto – e transitivo – em

permanente movimento.

Um diálogo é estabelecido entre dife-rentes, mas nunca entre antagônicos (cf: FREIRE; GADOTTI; GUIMARÃES, 1995). Por meio de um diálogo, é possível mobi-lizar vivências, observações e repertórios diversos. Tal ação envolve, desse modo, diferentes saberes que, articulados entre consensos e respeito a dissensos, con-cretizam a palavra como práxis, ou seja, como ação e reflexão conjuntas. Nesse sentido, o diálogo de saberes está presente em diferentes áreas do conhecimento (saúde, educação, artes, participação

infantil, cultura urbana, meio ambiente/ biodiversidade, entre outras) e, no campo comunicacional, consiste em “un espacio de encuentros y de reconocimientos en la diversidad, que privilegia relaciones de tipo horizontal, al tiempo que valora el disentir y las tensiones que ponen a pru-eba la creatividad de los participantes para construir propuestas inéditas” (ACOSTA VALENCIA; PINTO ARBOLEDA; TAPIAS HERNÁNDEZ, 2016a, p. 41-42).

Além do embasamento freireano, o

diálogo de saberes tem outra sustentação,

a qual é advinda da ideia de ecologia de

saberes (SANTOS, 2007). Inserida na lógica

do cosmopolitismo subalterno de oposição2,

a ecologia de saberes baseia-se no reco-

nhecimento da pluralidade e diversidade

epistemológica do mundo. Constata-se

que há vários conhecimentos heterogê-

neos, incluindo a ciência moderna, e que

eles interagem sem comprometimento

2 De acordo com Santos (2007), o cosmopolitismo subalterno de oposição é uma forma de expressão cultural e política a qual concretiza uma globalização contra-hegemônica. Iniciado na década de 1970, o processo ocorre por meio de projetos emancipatórios que têm reivindicações e critérios de inclusão social para além dos horizontes do capitalismo global. Santos esclarece que o sentido de cosmopolitismo empregado em tal conceito relaciona-se com as noções de tole-rância, universalismo, cidadania global, entre outras. Gladys Lucia Acosta Valencia e César Augusto Tapias Hernández (2016) esclarecem que o cosmopolitismo subalterno é uma resistência epistêmica que deve embasar uma resistência política, além de funcionar como “um pensamento alternativa de alternativas” (ACOSTA VALENCIA; TAPIAS HERNÁNDEZ, 2016a, p. 31). A organização de movimentos pertencentes ao cosmopolitismo subalterno ocorre por meio de redes, organizações e coletivos, com base nos princípios de igualdade e reconhecimento de diferenças. O sentido de incompletude, contemplado no pensamento de Paulo Freire, também se faz presente no conceito for-mulado por Santos.

Page 6: EDUCOMUNICAÇÃO E DIÁLOGO DE SABERES NAS PERIFERIAS …

525

[ EXTRAPRENSA ]Extraprensa, São Paulo, v. 12, n. esp., p. 520 – 541, set. 2019

Educomunicação e diálogo de saberes nas periferias de São Paulo e MedellínJuliana Salles de Souza

da autonomia. Desse modo, todo conhe-

cimento passa a ser visto como interco-

nhecimento (cf: SANTOS, 2007, p. 22-23).

Tal ecologia pressupõe ainda que o conhe-

cimento é intervenção no real, não uma

mera representação da realidade. Perguntas

constantes e respostas incompletas tam-

bém caracterizam a ecologia de saberes

(SOUZA, 2019).

Ao se ter o diálogo de saberes como

pressuposto teórico-metodológico, é preciso

levar em conta também que, para construir

conhecimentos, é necessário desierarquizar

e dialogar. Há experiências, fenômenos,

cotidianos os quais as vivências possibilitam

enxergar com maior nitidez. Desse modo,

o olhar acadêmico desenvolvido fora do

contexto de diálogo, desconectado da rea-

lidade, o qual não reconhece a produção de

conhecimento não-acadêmicos e/ou que se

considera, de alguma forma, superior ou

mais válido do que os saberes produzidos

fora dos limites da academia corre o risco

de ser míope. Por outro lado, o diálogo de

saberes entre conhecimentos acadêmicos

e não-acadêmicos também pode resultar

em ampliação de visões para coletivos e

movimentos sociais (SOUZA, 2019). Nesse

sentido, Maria Cristina Pinto e Leonardo

Jiménez-García (2016b) ressaltam que

La academia debe salir de la zona de con-

fort que le ofrece ser legitimada por un

marco institucional que reconoce y valida

sus formas de acción, para hacer alianza

con organizaciones que desde el territorio

complementarían sus prácticas, didácti-

cas y, en general, los alcances que le han

sido encomendados en el plano social.

La apropiación de los objetos teóricos y

del conocimiento de las técnicas para la

generación de productos y servicios que

detenta el espacio de la academia puede

ser muy provechosa para complemen-

tar el saber - hacer de los colectivos, al

tiempo que los vínculos con el territorio,

las didácticas de conocimiento compar-

tido, el uso de la comunicación como ele-

mento mediador de procesos sociales que

garanticen prácticas para el buen vivir,

deben ser valorados y aprendidos por la

universidad para acercarse de una forma

más adecuada a las problemáticas de un

contexto local y global. Es precisamente

desde una perspectiva de diálogo de sabe-

res, como se puede lograr una forma de

resistencia a los modelos que limitan nue-

vas formas de interacción social (PINTO;

JIMÉNEZ-GARCÍA, 2016b, p. 287)

Nesse sentido, promover diálogos

entre saberes é uma prática que possibi-

lita uma lógica de desierarquização tanto

na relação academia-movimentos sociais

e coletivos, como na relação movimentos

sociais e coletivos-territórios. Em tais rela-

ções, o extrativismo (retirada de informações

sem devoluções e debates sobre os conhe-

cimentos produzidos) cede espaço para a

solidariedade, o reconhecimento do outro

e a compreensão mútua. Na consciência da

inconclusão humana, os sujeitos envolvidos

em um espaço de diálogo de saberes voltam

olhares, reflexões e afetividades para um

objeto cognoscível e, em conjunto, desvelam-

-no por meio de questionamentos, proble-

matizações e respostas formuladas a partir

de diferentes vivências (SOUZA, 2019).

Além da co-produção de conheci-

mentos, o diálogo de saberes pode propor-

cionar, entre outros itens, a formulação e

o reconhecimento de novas metodologias

de trabalho em territórios periféricos,

Page 7: EDUCOMUNICAÇÃO E DIÁLOGO DE SABERES NAS PERIFERIAS …

526

[ EXTRAPRENSA ]Extraprensa, São Paulo, v. 12, n. esp., p. 520 – 541, set. 2019

Educomunicação e diálogo de saberes nas periferias de São Paulo e MedellínJuliana Salles de Souza

e a potencialização de ações que já ocor-

rem em tais espaços. A compreensão des-

ses processos perpassa pelo entendimento

dos aspectos e dimensões do conceito3. São

aspectos do diálogo de saberes os encon-

tros, vínculos, reconhecimento do outro

e criação de vínculos, além da conside-

ração do dissenso. Os encontros trazem

como propostas os atos de tecer vínculos,

construir laços de confiança e estabelecer

relações dialógicas, com a escuta e com-

preensão do outro. O reconhecimento do

outro e a criação de vínculos perpassam o

estabelecimento de relações que tendam

à horizontalidade e a aceitação de que

um diálogo de saberes pode impulsionar

a formação de líderes os quais podem

potencializar projetos. O dissenso integra

o diálogo de saberes e deve ser entendido

como parte integrante da pluralidade de

ideias, linguagens, racionalidades, pen-

samentos, emoções e estéticas, como

recurso de exposição de contradições e

como afirmação do caráter político do

diálogo, o qual não anula o diferente, mas

sim potencializa o ato de tecer relações

distintas com o outro, tais como alianças

e solidariedades. Também faz parte do

dissenso a compreensão de que as tensões,

desordens e caos possivelmente gerados

pelas discordâncias podem potenciali-

zar a criatividade humana e possibilitar

construções inéditas, as quais construam

consensos em respeito aos dissensos.

3 Tais aspectos e dimensões foram construídos e sistematizados pelo grupo de pesquisa “Prácticas de comunicación para la movilización y el cambio social: un diálogo con experiencias de tres colectivos de comunicación que operan en barrios periféricos de Medellín”, vinculado à Universidad de Medellín. As informações foram compiladas com base na obra Diálogo de Saberes en Comunicación: colectivos y academia (2016) e nas inserções a campo.

O caráter interdisciplinar e trans-

versal do diálogo de saberes é reforçado

por quatro dimensões: política, epistê-

mica, intersubjetiva e estética. A questão

política está ligada à construção de práti-

cas de desierarquização, substituição da

lógica dominação/subordinação pela lógica

solidariedade/cooperação, prevalência da

lógica sujeitos/sujeitos em detrimento da

perspectiva sujeitos/objetos, respeito às

características de territórios em que cada

sujeito está inserido e estabelecimento

de alianças com vistas à desconstrução

de dominações. A dimensão epistêmica

está relacionada ao pensamento crítico

decolonial com vistas à emancipação de

sujeitos, com valorização de estudos e

teorias não-eurocêntricas (tais como as

pedagogias freireanas e a investigação

ação-participativa – IAP4), embasamento

na ecologia de saberes, reconhecimento

e co-presença de práticas e saberes, usos

contra-hegemônicos de conhecimentos

científicos, com o intuito de compreender,

aprender e sistematizar realidades sociais,

além do reconhecimento das potenciali-

dades do conhecimento advindo da expe-

riência, dos vínculos territoriais, com as

bases sociais, bem como a valorização de

metodologias desenvolvidas por coletivos.

A dimensão epistêmica engloba ainda a

construção processual de conhecimen-

tos a partir de experiências (acadêmicas e

comunitárias) e de histórias de vida, item

que favorece a utilização de sistematiza-

ções de experiências em tais contextos.

4 Perspectiva teórico-metodológica desenvolvida por Orlando Fals Borda cujo enfoque investigativo reside na plena participação de pessoas pertencentes aos setores populares na análise da própria realidade, com o intuito de promover a transformação social em favor de oprimidos (cf: JARA HOLLIDAY, 2012)

Page 8: EDUCOMUNICAÇÃO E DIÁLOGO DE SABERES NAS PERIFERIAS …

527

[ EXTRAPRENSA ]Extraprensa, São Paulo, v. 12, n. esp., p. 520 – 541, set. 2019

Educomunicação e diálogo de saberes nas periferias de São Paulo e MedellínJuliana Salles de Souza

Já a dimensão intersubjetiva reconhece

o diálogo de saberes como espaço de inte-

ração entre diversidades, valorização de

subjetividades dos sujeitos envolvidos no

diálogo, desobjetificação e reconhecimento

de sujeitos, autoconhecimento no tocante

às potencialidades e limites conceituais

individuais, junção de subjetividades para

potencializar outras subjetividades, nas-

cidas a partir de diálogos e processo de

enriquecimento do grupo sob os aspectos

político, conceitual, metodológico, expe-

riencial e subjetivo. No tocante à dimensão

estética, pode-se destacar as ressignifi-

cações e construções de sentido a partir

da dimensão simbólica da comunicação,

reflexões a partir das estéticas surgidas a

partir de experiências (populares, cotidia-

nas, discursivas, entre outras), valorização

de diálogos entre estética e política nos

territórios e reflexões sobre a produção

de sentido nos territórios, com foco em

narrativas de ressignificação.

A multidimensionalidade do diálogo

de saberes fornece pistas para a investigação

de fenômenos que interseccionam comu-

nicação, educação e cultura. Para além do

diálogo entre territórios e academia, faz-se

necessário recorrer à dialogia existente na

interdisciplinaridade e na transdisciplinari-

dade para, de forma dialética, compreender

fenômenos em profundidade. É o caso da

educação popular e, de forma específica,

da educomunicação realizada por coletivos

de comunicação em territórios periféri-

cos, a qual pode ser enxergada a partir de

encontros entre culturas, comunicações,

cotidianidades, educação, glocalidades5

5 Glocalidade é um neologismo que representa a união entre os termos “local” e “global”. Utilizado pela

e territórios. No diálogo de saberes, contudo,

tais noções só podem representar um fenô-

meno quando combinam produções aca-

dêmicas e não-acadêmicas (SOUZA, 2019).

Edu(comuni)cação popular freireana e a fertilidade do diálogo de saberes

De acordo com Oscar Jara Holliday

(2018), a educação popular é um fenômeno

sociocultural ligado à história latino-a-

mericana, o qual tem intencionalidade

transformadora e, dessa maneira, pode ser

considerado como um paradigma educacio-

nal. Na perspectiva freireana, a educação

popular é caracterizada pela pedagogia

das perguntas, problematização do coti-

diano, experiência cotidiana como fonte de

reflexão crítica, participação, inconclusão

ontológica do ser humano, dialogicidade,

ação cultural, valorização (e não ideali-

zação) das culturas populares, denúncia

das opressões associada ao anúncio de

novas possibilidades de vida em sociedade,

bem como a explicitação da característica

política e coletiva dos atos educacionais.

O fato de os conhecimentos não serem

transferidos para educandos-educadores,

mas sim construídos e reconstruídos com

eles, corrobora a aproximação do diálogo

de saberes com a educação popular.

primeira vez no Ocidente por Roland Robertson, o termo é definido por Daniela Cristiane Ota (2012) baseia-se em Robertson para dizer que glocalidade é “um processo de interação entre o local e o global e vice-versa, uma mistura de globalização com caracte-rísticas locais” (p. 207).

Page 9: EDUCOMUNICAÇÃO E DIÁLOGO DE SABERES NAS PERIFERIAS …

528

[ EXTRAPRENSA ]Extraprensa, São Paulo, v. 12, n. esp., p. 520 – 541, set. 2019

Educomunicação e diálogo de saberes nas periferias de São Paulo e MedellínJuliana Salles de Souza

Ana Maria Saul (2016) destaca a

importância de se reinventar Paulo Freire

com o intuito de colocar em prática, de

maneira contínua, as pedagogias freireanas.

Para a concretização das reinvenções, faz-se

necessário mobilizar releituras críticas de

Freire, considerações de desafios existentes

em contextos variados, além da indagação/

explicação da realidade presente e futura.

Em tal contexto, também se pode analisar

processos educacionais precursionados por

coletivos de comunicação ocorridos nas

periferias como reinvenções freireanas.

A comunicação e a cultura são partes

integrantes da educação popular, na pers-

pectiva de Paulo Freire. Em tal cenário, é

necessário perceber que cada um dos três

campos possui peculiaridades e diferenças,

as quais permitem estabelecer diálogos a

partir das cotidianidades e, desse modo,

repensar teorias. É preciso relembrar tam-

bém que enxergar a comunicação a partir

do ponto de vista das pedagogias freireanas

implica entendê-la como relação social e

política. Desse modo, propostas de educação

popular no âmbito da comunicação buscam

romper com fenômenos inerentes à cultura

do silêncio (SOUZA, 2019).

O diálogo de saberes entre educação

popular, comunicação e cultura resulta em

diferentes perspectivas sobre as intersec-

ções dos dois campos. Uma dessas inter-

pretações é a educomunicação a partir

da América Latina, construída com base

na atuação de movimentos populares e

na vertente dialética da educação para a

comunicação na América Latina, a qual rea-

firma que comunicar é um direito humano

universal (SOARES, 2017). Ao se abordar

a educomunicação a partir da perspectiva

latino-americana, com ênfase nos estudos

do Núcleo de Comunicação e Educação da

Universidade de São Paulo (NCE-USP), con-

figura-se uma educomunicação resseman-

tizada pela educação popular freireana e

pelas práticas e escritos de Mário Kaplún.

Observações acerca dos caminhos da

educação popular freireana, associadas a

projetos de produção comunicacional a par-

tir de processos democráticos e participati-

vos em organizações não-governamentais

(ONGs) e núcleos de extensão de universi-

dades, impulsionaram a realização de uma

pesquisa pelo NCE-USP, em parceria com

a UNIFACS, na Bahia. Desenvolvida entre

1997 e 1999, a investigação “Comunicação/

Educação: a emergência de um novo campo

e o perfil de seus profissionais” auxiliou a

identificar a necessidade de se utilizar um

novo termo, dentro do campo Comunicação-

Educação, para designar os processos que

começavam a acontecer e os profissionais

que surgiam de forma gradativa na América

Latina: a educomunicação.

Enquanto conceito ressemantizado

por olhares e vivências inerentes a América

Latina, a educomunicação tem como princí-

pios o diálogo permanente e continuado, a

interatividade, a produção participativa de

conteúdos, a transversalidade, o compromisso

com o diálogo de saberes, compromisso com

a proteção e valorização do conhecimento

tradicional e popular, com a democratização,

direito à comunicação, além do compromisso

com a não-discriminação e o respeito à indivi-

dualidade e diversidade humana (cf: SOARES,

2011). Construída por meio de ecossistemas

comunicativos6 (MARTÍN-BARBERO, 2003;

6 Os ecossistemas comunicativos envolvem des-centralização de vozes, dialogicidade e interação, com

Page 10: EDUCOMUNICAÇÃO E DIÁLOGO DE SABERES NAS PERIFERIAS …

529

[ EXTRAPRENSA ]Extraprensa, São Paulo, v. 12, n. esp., p. 520 – 541, set. 2019

Educomunicação e diálogo de saberes nas periferias de São Paulo e MedellínJuliana Salles de Souza

SARTORI, SOARES, 2005), a educomunicação

também visa à ampliação do potencial comu-

nicativo e ao favorecimento de metodologias

que facilitem o relacionamento entre sujeitos

sociais e sistemas midiáticos (cf: ROMÃO,

2016) e pode ser definida como:

uma resposta às exigências da con-

temporaneidade de definir um locus

para o diálogo entre o que se entende

por educação e o que se pretenda seja

a comunicação, a partir de pressupos-

tos que rejeitam, de igual modo, o que

representa o funcionalismo de um campo

(o comunicativo) e o iluminismo de outro

(o educativo). (SOARES; VIANA, 2017,

p. 239)

Por exemplo, a educação popular

freireana e suas reinvenções podem favo-

recer o (re) conhecimento de ecossistemas

culturais nas periferias, os quais, por meio

de coletivos de comunicação, podem ser

convertidos em ecossistemas comunicati-

vos. Ecossistemas coletivos e comunicati-

vos, portanto, reforçam a dialogicidade e

a coletividade presentes na educomunica-

ção. Além dessas características, a educo-

municação também se guia, entre outros

itens, pela participação, colaboração, pro-

blematizações a partir do cotidiano, direito

à voz, respeito à diversidade, priorização

dos processos e não dos produtos e, assim

como a epistemologia histórico-cultural

freireana, como utopia social.

saberes dispersos, fragmentados e passíveis de circu-lar em diferentes lugares. Ecossistema comunicativo é “uma figura de linguagem para nomear um ideal de relações, construído coletivamente em dado espaço, em decorrência de uma decisão estratégica de favo-recer o diálogo social, levando em conta, inclusive, as potencialidades dos meios de comunicação e de suas tecnologias” (SOARES, 2011, p. 44)

A cada leitura e observação partici-

pante que envolva processos educomu-

nicativos, é possível deparar-se com as

pedagogias de Paulo Freire e, consequen-

temente, com a concepção freireana de

educação popular. Nesse sentido, pode-se

considerar a educomunicação como ressig-

nificação, reinvenção da educação popular.

Na perspectiva de nomear também é

lutar (cf: WALSH, 2010), é importante (re)

conhecer as características específicas de

educação popular em coletivos de comuni-

cação nas periferias latino-americanas para,

assim, identificar traços comuns e, em um

segundo momento, buscar nomenclaturas

que as sintetizem, sem descomplexificá-las.

Uma das maneiras de conhecer tais carac-

terísticas é sistematizar experiências.

Sistematização de experiências: das memórias às aprendizagens

Nos coletivos de comunicação, as

iniciativas educomunicativas são realiza-

das de jovens, para jovens e com jovens e

têm como base os territórios periféricos.

Trata-se de expressões nas quais é possível

enxergar, de forma mais clara, as inter-

secções entre educação popular e comu-

nicação. Com base na comunicação sobre,

para e a partir das periferias, os processos,

reflexões, problematizações, denúncias e

anúncios estão sempre relacionados aos

territórios. Tais diálogos entre educação

popular, educomunicação e territórios é

reconhecido, por exemplo, em escritos de

Maria Cristina Pinto e Leonardo Jiménez-

García (2016a; 2016b), Edward Alexander

Page 11: EDUCOMUNICAÇÃO E DIÁLOGO DE SABERES NAS PERIFERIAS …

530

[ EXTRAPRENSA ]Extraprensa, São Paulo, v. 12, n. esp., p. 520 – 541, set. 2019

Educomunicação e diálogo de saberes nas periferias de São Paulo e MedellínJuliana Salles de Souza

Niño Viracachá e Leonardo Jiménez-García

(2015) e Henrique Oliveira de Araújo (2016).

Para compreender processos de edu

(comuni) cação popular nas periferias lati-

no-americanas, o entendimento de expe-

riências é um dos trajetos que pode ser

seguido. Nesse sentido, a sistematização

de experiências, metodologia proposta por

Oscar Jara Holliday e embasada em práti-

cas de movimentos sociais, é uma das esco-

lhas possíveis. Na visão de Jara Holliday

(2012), sistematizar experiências é uma

ação-processo que se converte em forma

de produção e potencialização de conhe-

cimentos a partir da prática. Trata-se de

um procedimento metodológico que reúne

reflexões individuais e coletivas a res-

peito de uma experiência, a qual deve ser

reconstruída de maneira ordenada, com

olhares críticos sobre a prática vivida ou

realizada e com produção de novos conhe-

cimentos sobre a experiência sistematizada

(cf: JARA HOLLIDAY, 2012, p. 94).

Com inspirações nas pedagogias

freireanas, a sistematização de experiên-

cias trabalha com o rigor metódico, pro-

blematizações, criticidade e curiosidade

epistemológica para objetivar experiên-

cias vividas. Por meio dessa metodologia,

é possível produzir um novo conheci-

mento, em um primeiro nível de con-

ceitualização que embasa possibilidades

de generalização. Sistematizar também

significa recriar saberes em um exercício

interpretativo de teorização e apropriação

consciente do que se foi vivido (JARA

HOLLIDAY, 2012). Ao se pensar as pró-

prias práticas, concretiza-se uma inten-

cionalidade transformadora que permite,

entre outros itens, estabelecer diálogos de

saberes com outros grupos.

Na visão de Jara Holliday (2012), são

características da sistematização de expe-

riências a produção de conhecimentos a

partir de vivências, com vistas a transcen-

dê-las, valorização de saberes, aprendizados

a partir das cotidianidades, contribuições

para identificar tensões entre projetos e

processos, identificação e formulação de

lições aprendidas, fortalecimento de capa-

cidades individuais e grupais, produção de

materiais com potencial de utilidade para

outros coletivos, movimentos e organiza-

ções, bem como protagonismo das pessoas

que vivenciaram a experiência em processo

de objetivação. Nesse sentido, só é possível

sistematizar uma experiência quando o

sujeito a vivenciou.

Em tal cenário, a sistematização de

experiências tem potencial de valorizar

iniciativas de pessoas e grupos envolvi-

dos em processos educacionais, reforçar a

imaginação criadora e a capacidade de pro-

postas, ampliar a capacidade de gestão de

processos e projetos, assim como o reforço

de processos de articulações e alianças. Por

conta de tal perfil, a sistematização de expe-

riências contribui para uma compreensão

mais profunda das experiências, com vistas

a melhorá-las, para reflexões teóricas a par-

tir da prática, compartilhamento de apren-

dizados, retroalimentação de orientações e

diretrizes de projetos e fortalecimento de

identidades coletivas.

A sistematização de experiências que

originou este artigo não foi vivenciada

pela pesquisadora. Desse modo, buscou-se

adaptações ao método proposto por Oscar

Jara. Nesse âmbito, caminhos metodológi-

cos traçados por Angela Gárces Montoya

(2015) inspiraram a adaptação da siste-

matização à realidade da investigação.

Page 12: EDUCOMUNICAÇÃO E DIÁLOGO DE SABERES NAS PERIFERIAS …

531

[ EXTRAPRENSA ]Extraprensa, São Paulo, v. 12, n. esp., p. 520 – 541, set. 2019

Educomunicação e diálogo de saberes nas periferias de São Paulo e MedellínJuliana Salles de Souza

O primeiro tempo da sistematização reali-

zada – o ponto de partida – contou com a

seleção de experiências a sistematizar, con-

tato e reunião com os coletivos escolhidos,

com o intuito de apresentar a proposta de

pesquisa e verificar a possibilidade de rea-

lização de observação participante, além

de investigação bibliográfica e documental

para a reunião de registros virtuais das

experiências. A partir de tal cenário, foram

esboçados questionamentos, perguntas

iniciais as quais compuseram o segundo

tempo da sistematização. Entre as questões

delineadas, o eixo de sistematização foi

focado na pergunta “quais são as nature-

zas, potencialidades e limites de processos

educacionais ocorridos em coletivos de

comunicação popular, alternativa e comu-

nitária cuja atuação ocorre nas periferias?”.

Para recuperar os processos vivi-

dos, terceiro tempo da sistematização de

experiências, foram conjugadas oficinas

de memória sobre os coletivos e, de forma

específica, sobre as experiências, entrevis-

tas semiestruturadas, coleta de registros

físicos e virtuais (não-acessíveis pela pes-

quisa via internet) e observações partici-

pantes de processos educacionais variados

realizados pelos coletivos.

A escolha pela inclusão das memó-

rias nos procedimentos metodológicos da

pesquisa foi corroborada pelas vivências

nos trabalhos de campo. A construção

coletiva de memórias sobre, para e a partir

das periferias é contemplada nas práticas

dos dois coletivos integrantes do corpus.

No caso do Ciudad Comuna, visibilizar e

ressignificar memórias, em um contexto

ligado ao conflito armado colombiano,

tornou-se um dos eixos reivindicativos

do coletivo (“preservação e circulação dos

saberes e das memórias locais na chave

decolonial”). Ángela Garcés Montoya

(2016a) justifica tal preocupação:

En la investigación de Garcés (2015) refe-

rida a Colectivos juveniles en Medellín.

Configuración de subjetividades juveniles

vinculadas a la comunicación audiovisual

alternativa y comunitaria, se revisan los

modos de apropiación del territorio vigen-

tes en los colectivos juveniles de comuni-

cación, cada vez que logran acciones en

pro de reconfigurar el sentido de lugar.

Esta indagación se inspira en el llamado de

Martín - Barbero (2009, 2006) de revisar

cómo los medios masivos de comunicación

crean una imagen parcial del conflicto

armado en Colombia, al otorgarles voz

e imagen televisiva a los autores de las

más crueles masacres, y dejar en silen-

cio a la inmensa mayoría de víctimas

del conflicto, a quienes les niegan la

posibilidad real de hablar y ser vistas.

(GARCÉS MONTOYA, 2016a, p. 78)

Ao lado da comunicação e do territó-

rio, a memória é uma das chaves de atuação

nos processos educacionais, comunicacio-

nais e em produtos do Ciudad Comuna. Na

sistematização de experiências da Escuela

de Comunicación Comunitaria de 2015, a

qual resultou na mostra “Somos Territorio”,

a memória foi conceituada como

un escenario que está en tensión, que

constituye el relato propio y subjetivo

sobre la vida colectiva, que al encontrar

situaciones comunes se convierte en un

acto de resistencia política. La memo-

ria se manifiesta tanto en el presente

(reivindicación y emancipación) como

en el pasado (acumulación histórica)

(SOMOS TERRITORIO, 2016)

Page 13: EDUCOMUNICAÇÃO E DIÁLOGO DE SABERES NAS PERIFERIAS …

532

[ EXTRAPRENSA ]Extraprensa, São Paulo, v. 12, n. esp., p. 520 – 541, set. 2019

Educomunicação e diálogo de saberes nas periferias de São Paulo e MedellínJuliana Salles de Souza

De acordo com Maria Bruna Malcangi

(2018), “la memoria es parte esencial de las

dinámicas sociales, ya que es a partir de

ella que se construye la identidad de los

grupos sociales, es decir, de la colectividad”

(MALCANGI, 2018, p. 14). A autora ressalta

também que as noções de memória e histó-

ria são diferentes: enquanto a história é a

construção de versões dos fatos a partir de

documentos e fontes e com uma perspectiva

mais técnica, a memória não é única, caracte-

riza-se, portanto, pela pluralidade, não precisa

formular um relato homogêneo e se forma a

partir de vivências, além de ser relacional e

intencional (cf: MALCANGI, 2018).

Na perspectiva do diálogo de saberes,

a valorização dos sujeitos envolvidos em um

processo educacional no contexto de uma

sistematização de experiências adaptada

pode ocorrer por meio da consideração das

memórias para a recuperação dos processos

vividos. Tais subjetividades contribuem não

apenas para construir um conhecimento

coletivo sobre potencialidades, desafios e

limites dos processos sistematizados, mas

também para compreender como a comu-

nicação sobre, para e a partir das periferias

e os territórios periféricos contribuem para

a construção de processos educacionais em

tais contextos (SOUZA, 2019).

Ao propor uma metodologia para a

sistematização de experiências, Oscar Jara

Holliday (2012) chama a atenção para o fato

de se escolher procedimentos concretos para

cada tempo da objetivação de experiências

vividas. Desse modo, para a recuperação de

processos vivenciados, a oficina de memória

foi a principal estratégia utilizada.

Na visão de Pilar Riaño Alcalá (2000), as

oficinas de memória são metodologias grupais

e interativas. São elementos do procedimento

metodológico a interação dialógica, a obser-

vação etnográfica, com atenção empírica,

intelectual (reflexão) e social (fenômeno ana-

lisado), de acordo com a autora. Riaño Alcalá

utiliza a expressão “nosotros espacio-tempo-

ral” (“nós” espaço-temporal) para definir a

dinâmica de uma oficina de memória.

A realização de oficinas de memória

é uma forma de exercício de escuta, diá-

logo de saberes e de rompimento com a

investigação extrativista. Nesse sentido,

Garcés Montoya (2015) afirma que a oficina

de memória é uma técnica qualitativa que

aporta en doble vía, es decir, al grupo social

que oficia de objeto de investigación y

al grupo de investigación. En el primer

caso, el taller constituye un espacio que, al

potenciar la reflexión individual y colec-

tiva sobre los procesos más significativos

que marcan tanto el origen, el desarrollo

y el futuro del grupo o colectivo, como el

crecimiento y la transformación personal

que la dinámica organizativa genera en

sus miembros, permite un mayor y más

cualificado conocimiento y control sobre

las potencialidades individuales y colecti-

vas, de manera que detona la construcción

de utopías. En el segundo caso, es decir,

para el grupo de investigación, el taller

constituye una fuente privilegiada para la

comprensión de las experiencias vitales y

las dinámicas propias de un grupo, organi-

zación o colectivo. Se trata, en definitiva,

de un mecanismo de acercamiento a las

comunidades que rompe con la tradicional

visión utilitarista y distante que ve en los

grupos sociales o en los colectivos que se

pretenden estudiar una fuente de infor-

mación o de suministro de datos. (GARCÉS

MONTOYA, 2015, p. 37-38)

Page 14: EDUCOMUNICAÇÃO E DIÁLOGO DE SABERES NAS PERIFERIAS …

533

[ EXTRAPRENSA ]Extraprensa, São Paulo, v. 12, n. esp., p. 520 – 541, set. 2019

Educomunicação e diálogo de saberes nas periferias de São Paulo e MedellínJuliana Salles de Souza

As oficinas de memória possibilitam

conhecer, a partir de subjetividades dos par-

ticipantes, os processos mais significativos

sobre origem, desenvolvimento e futuro

de um acontecimento ligado a um sujeito

coletivo (movimento social, organização ou

coletivo). Nesta pesquisa, os materiais usados

para as oficinas foram cartolinas de diferentes

cores, canetões e fitas crepe. O convite aos

participantes foi feito por um dos integrantes

do coletivo de comunicação estudado.

As oficinas foram realizadas em três

partes: antes (ações e processos que mar-

caram o ingresso, incorporação e vincula-

ção ao coletivo); durante (ações e processos

vinculados ao presente, com escolha de

palavras-chave sobre o tema pelos parti-

cipantes); e depois (ações e processos espe-

rados pelos participantes para o futuro do

coletivo, com nova seleção de palavras-

-chave sobre o assunto). Os momentos

“durante” e “depois” contaram com diálogos

de memórias. As oficinas foram encerradas

com a avaliação conjunta das atividades7.

Ao longo desse procedimento metodológico,

momentos individuais (por meio da escrita)

e coletivos (compartilhamento de memórias

e experiências) traduzem-se como formas

de reflexão crítica sobre as vivências de um

grupo. Uma oficina de memória possibilita

ainda o (re) conhecimento de momentos

marcantes para o coletivo, diagnósticos de

processos atuais e perspectivas de atuação.

Os três primeiros tempos da siste-

matização de experiências forneceram

7 A dissertação Entre Quebradas e Comunas: Educomunicação Popular e Periférica em São Paulo e Medellín apresenta com mais detalhes os resultados específicos das oficinas de memória realizadas nos coletivos Periferia em Movimento e Ciudad Comuna.

materiais para a ordenação e classificação

de informações. O Repórter da Quebrada

2015 tratou sobre temas como: comunica-

ção; jornalismo; construção de memórias;

centro e periferias; garantia de direitos nas

periferias; direitos humanos; ética; ética no

jornalismo; pauta jornalística; movimentos

sociais; intolerância; preconceito; homofo-

bia; racismo; redução da maioridade penal;

moradia; transporte; midialivrismo; direito

à cidade; educação; e cultura. As principais

metodologias identificadas foram: pedago-

gia da pergunta; percursos pelos territó-

rios; exercícios de jornalismo (elaboração

de pauta, coletivas de imprensa, entrevista,

reportagem e edição); articulação de ato-

res sociais dos territórios do Extremo Sul;

debates; diálogos de saberes; e reflexão-

-ação. O processo percorreu os territórios

periféricos Grajaú, Ilha do Bororé e Cidade

Dutra, localizados no Extremo Sul de São

Paulo. Com foco em narrativas jornalísticas,

o Repórter da Quebrada 2015 contou com

42 inscrições (11 do sexo masculino e 31

do sexo feminino), 37 inscritos convocados

e 20 educandos-educadores concluintes.

O processo educacional durou três meses

e teve como produtos finais vídeos, uma

webreportagem e um jornal frente e verso,

em formato de zine.

Já a Escuela de Comunicación

Comunitaria 2015 trabalhou com temas

como: comunicação; memória; território;

participação; comunidade; direitos; saberes

prévios; diálogo de saberes; educação popular;

investigação ação participativa (IAP); direi-

tos; e identidades. Os percursos metodológi-

cos utilizados pelos educadores-educandos

foram círculos de debate teórico; percursos

pelos territórios; seminários de narrativas;

projetos; assessoria e execução de projetos;

além de apoios e reflexões de um Comitê

Page 15: EDUCOMUNICAÇÃO E DIÁLOGO DE SABERES NAS PERIFERIAS …

534

[ EXTRAPRENSA ]Extraprensa, São Paulo, v. 12, n. esp., p. 520 – 541, set. 2019

Educomunicação e diálogo de saberes nas periferias de São Paulo e MedellínJuliana Salles de Souza

Pedagógico. As principais metodologias iden-

tificadas foram debates; diálogos de saberes;

pedagogia da pergunta; cartografias; per-

cursos pelos territórios; exercícios de foto,

vídeo e entrevistas; IAP; e reflexão-ação.

Os seminários ocorridos na versão 2015 da

Escuela foram dedicadas a IAP, narrativas

jornalísticas, fotojornalismo comunitário

e documentário social participativo (DSP)8.

Houve 200 interessados no processo edu-

cacional em Medellín (entre zona urbana e

zona rural), 100 convocados e de 30 a 40 con-

cluintes. O processo durou quatro meses, com

recorridos territoriales por diferentes comunas

de Medellín e teve como produtos quatro

documentários, quatro projetos fotográficos,

além de mostra itinerante dos processos e

produtos denominada “Somos Territorio”.

No quarto tempo da sistematização

de experiências, as reflexões de fundo (por

que aconteceu o que aconteceu? por que não

aconteceram outros fatos?) foram realizadas

por meio de uma conversa entre os coletivos

com o intuito de ativar um novo diálogo de

saberes a respeito de processos educacionais

em coletivos de comunicação na América

Latina, uma oficina de reflexão por cole-

tivo para análises, sínteses, inter-relações e

interpretações críticas sobre as experiências,

entrevistas semiestruturadas e identificação

de aprendizagens. A oficina reflexiva tratou-

-se de um momento de conversa entre os

sujeitos envolvidos na pesquisa. Mediatizados

pela experiência educacional em processos

de sistematização, educandos-educadores e

educadores-educandos elaboraram reflexões

8 Narrativa audiovisual advinda do documentário direto (retirada de narrações gravadas para privilegiar depoimentos dos entrevistados) baseada no reconhe-cimento de saberes dos participantes e na apropriação social do conhecimento (cf: SOUZA, 2019).

críticas a partir de perguntas cujo intuito era

problematizar itens ligados aos processos

educacionais. A perspectiva adotada foi a

do Diálogo de Saberes e buscou romper com

análises adultocêntricas (SOUZA, 2019).

Assim como nas oficinas de memória, o con-

vite para o momento reflexivo foi feito por

um dos membros do coletivo e os materiais

utilizados foram os mesmos. Divididas em

três partes (compartilhamento de memórias,

entrevista grupal com realização de pergun-

tas problematizadoras sobre os processos e

considerações críticas sobre as experiências

as quais não foram contempladas pelas per-

guntas), as oficinas reflexivas contou com

espaços para sugestões para a comunicação

de aprendizagens da sistematização e com

avaliação conjunta da atividade.

As categorias surgidas ao longo da

sistematização de experiências em São

Paulo foram: protagonismo e ressignifi-

cação territorial; cotidianidades; diálogos;

processo; reflexão crítica; redes e articu-

lações. Já as categorias surgidas ao longo

de tal processo em Medellín foram: pro-

tagonismo e ressignificação territorial;

cotidianidades; memórias; investigação

participativa; diálogos; reflexão crítica;

redes e articulações. Tais eixos ajudam a

comprovar a hipótese de que as práticas

educacionais de ambos os coletivos inte-

grantes do corpus constituem uma forma

de educomunicação popular e periférica,

conceito integrante do quinto tempo da sis-

tematização de experiências nesta inves-

tigação: a formulação de considerações

finais, recomendações e propostas, bem

como a comunicação de aprendizagens9.

9 Na presente pesquisa, a comunicação de aprendi-zagens englobará o compartilhamento dos resultados

Page 16: EDUCOMUNICAÇÃO E DIÁLOGO DE SABERES NAS PERIFERIAS …

535

[ EXTRAPRENSA ]Extraprensa, São Paulo, v. 12, n. esp., p. 520 – 541, set. 2019

Educomunicação e diálogo de saberes nas periferias de São Paulo e MedellínJuliana Salles de Souza

Educomunicação popular e periférica: experiências objetivadas

Na perspectiva do diálogo de saberes,

os processos de comunicação e educa-

ção sobre, para e a partir das periferias

englobam práticas as quais, posterior-

mente, são identificadas em teorias. No

caso do Periferia em Movimento, a nomen-

clatura “educomunicação” foi incorpo-

rada pelo coletivo depois da percepção

de que os encontros de aprendizagem

eram semelhantes ao que se definia como

educomunicar na América Latina, e, espe-

cificamente, no Brasil. No Ciudad Comuna,

a prática da educação popular também

veio antes do conhecimento da teoria,

de acordo com os pontos de chegada da

sistematização de experiências.

Nas palavras de Antonio Faundez,

em diálogos com Freire na obra Por uma

Pedagogia da Pergunta, “(...) que a reali-

dade exija a transformação do conceito

e não o conceito exija a transformação

da realidade.” (FAUNDEZ; FREIRE, 1983,

p.33). Por meio das categorias depreendi-

das da recuperação dos processos vividos

e das interpretações críticas de processos

educacionais no contexto dos coletivos,

foi possível identificar a necessidade de

se falar sobre o fenômeno a partir de um

conceito específico. O uso de dois adjetivos

para designar esse tipo de comunicação

gera o efeito de reafirmação e de especi-

ficidade. Ao se incluir o nome “popular”,

da investigação com os coletivos, a elaboração con-junta de e-books, assessorias externas, entre outras iniciativas.

busca-se mostrar a interligação entre essa

reinvenção freireana e a educação popular

precursionado pelo autor. Inclusive, pode-se

considerar a expressão “educação popu-

lar em comunicação” como um conceito

muito próximo da educomunicação popu-

lar. Entretanto, de acordo com Oscar Jara

Holliday (2018), a educação popular não é

homogênea tampouco uniforme. Por outro

lado, utilizar o nome “periférico” demons-

tra uma especificidade: a interligação dos

processos estudados com os territórios,

característica a qual apareceu em oficinas,

entrevistas e observações participantes.

Desse modo, a educomunicação

popular e periférica pode ser descrita

como um processo que envolve sujeitos

mediatizados por cotidianidades periféri-

cas, em atividades de reflexão crítica, que

problematizam vivências, observações e

investigações em tais espaços. Expressa

por meio de textos, fotos, vídeos, memes e

outras formas, a educomunicação popular

e periférica privilegia processos em compa-

ração com os produtos e rejeita visões adul-

tocêntricas ao entender, de forma prática,

a inconclusão ontológica do ser humano,

estabelece diálogos de saberes com dife-

rentes atores sociais (SOUZA, 2019).

As mensagens comunicadas por meio

da educomunicação popular e periférica

compartilham vivências, transformam

fatos periféricos em acontecimentos por

meio de diferentes formas de narrativas

e modalidades comunicacionais, visam à

reformulação de imaginários, garantia de

direitos - em especial, o direito à comuni-

cação - e, por vezes, ao bem-viver. Redes

e articulações são tecidas com o objetivo

de potencializar os processos desse tipo

de educomunicação. Em tais processos,

Page 17: EDUCOMUNICAÇÃO E DIÁLOGO DE SABERES NAS PERIFERIAS …

536

[ EXTRAPRENSA ]Extraprensa, São Paulo, v. 12, n. esp., p. 520 – 541, set. 2019

Educomunicação e diálogo de saberes nas periferias de São Paulo e MedellínJuliana Salles de Souza

as quebradas, comunas e outros territó-

rios periféricos tornam-se salas de aula10.

Trata-se, em resumo, de uma educomuni-

cação sobre, para e a partir das periferias, a

qual reconhece tais territórios como dotados

de saberes e potencializa o “conhecimento

popular periférico”, expressão utilizada por

Ronaldo Matos (2018) (SOUZA, 2019).

São características da educomunicação

popular e periférica, verificadas por meio

da presente sistematização de experiências:

pertencimento aos territórios periféricos (o

protagonismo do “nós”); formação de mul-

tiplicadores críticos; sentipensar os territó-

rios (percorrer as periferias para narrá-las);

reconhecimento das periferias como terri-

tórios de saberes; privilégio de processos em

comparação com os produtos; construção

constante com as pessoas nas cotidianida-

des; educomunicação popular e periférica

como uma pedagogia crítica e decolonial;

dialogicidade e conteúdos articulados às

cotidianidades nas periferias, em especial

localizadas em zonas de transição urbano-

-rurais; IAP e sistematização de experiências

como metodologias possíveis na educomuni-

cação popular e periférica; diálogo de Saberes

como prática recorrente à educomunicação

popular e periférica; redes entre coletivos

para potencializar processos de educomu-

nicação popular e periférica; articulações e

diálogo de saberes com atores sociais para

potencializar processos de educomunicação

popular e periférica (por exemplo, realiza-

ção de processos de coletivos de comunica-

ção em escolas); educomunicação popular

e periférica e a luta pelo reconhecimento

10 A redação de tal expressão está ligada ao lema da Unigraja, articulação de coletivos da qual par-ticipa o Periferia em Movimento: “a quebrada é a nossa sala de aula”.

institucional, político, social e cultural dos

territórios; educomunicador popular e peri-

férico como um sujeito periférico, dialógico,

que atua por meio dos processos e caracterís-

ticas da educação popular; rejeição às postu-

ras adultocêntricas; incentivo à curiosidade

epistemológica de educadores e educandos;

incertezas quanto ao financiamento de ati-

vidades; e participação (SOUZA, 2019).

Considerações finais

Por meio da sistematização de expe-

riências, dos trabalhos de campo e das revi-

sões de literatura, na perspectiva do diálogo

de saberes, foi possível perceber que tais

processos estão ligados de forma direta

aos territórios periféricos e à comunicação

criada sobre, para e a partir de tais espa-

ços. Nesse sentido, foi possível constatar

que a comunicação e os territórios têm

papel essencial na construção dos pro-

cessos educacionais, pois interligam-se

às cotidianidades, bem como se consti-

tuem como origem de características dos

mesmos processos. As características da

educomunicação popular e periférica vêm

justamente da comunicação e do território.

Os processos analisados podem ser clas-

sificados como iniciativas ressignificadas

de educação popular e contribuem para a

ressignificação e emancipação de educan-

dos-educadores e educadores-educandos.

Mediatizadas pelos territórios, as pessoas

envolvidas em tais processos formam-se

mutuamente como sujeitos periféricos.

As investigações sobre a educomuni-

cação popular e periférica devem prosseguir,

Page 18: EDUCOMUNICAÇÃO E DIÁLOGO DE SABERES NAS PERIFERIAS …

537

[ EXTRAPRENSA ]Extraprensa, São Paulo, v. 12, n. esp., p. 520 – 541, set. 2019

Educomunicação e diálogo de saberes nas periferias de São Paulo e MedellínJuliana Salles de Souza

com o objetivo de complexificar o conceito

e compreender mais processos inerentes a

esse âmbito. Uma proposta que pode auxi-

liar em tais estudos é o mapeamento de

iniciativas desse tipo nas periferias lati-

no-americanas. Uma das limitações mais

citadas pelos participantes da pesquisa - a

sustentabilidade financeira - também é

outro item a ser investigado (SOUZA, 2019).

É necessário ter em vista ainda que

“mudar o mundo é tão difícil quanto pos-

sível (FREIRE, 2000, p.20). Assim como há

denúncias, configuram-se também anún-

cios, expressos em processos como os da

educomunicação popular e periférica. Freire

também não vivenciou o período das redes

sociais digitais, mas as reflexões advindas

da epistemologia histórico-cultural auxiliam

na compreensão de tais processos. Os ideais

freirianos são (re) vividos nas práticas dos

coletivos de comunicação nas periferias.

Paulo Freire é reinventado em cada reu-

nião, formação e metodologia. É das próprias

periferias que vem frases como a da poeta

Maria Vilani, do Grajaú, durante a aber-

tura da Virada Comunicação, em São Paulo:

“Precisamos estudar mais Paulo Freire”.

Nesse sentido, pensar a própria prática no

contexto de coletivos de comunicação e,

especificamente, da educomunicação popu-

lar e periférica, é um item a ser reinventado

todos os dias (SOUZA, 2019).

[ JULIANA SALLES DE SOUZA ]

Jornalista e mestre em Ciências, com investigação

na linha de pesquisa “Comunicação e Cultura” do

Programa de Integração da América Latina da

Universidade de São Paulo (PROLAM-USP).

E-mail: [email protected]

Page 19: EDUCOMUNICAÇÃO E DIÁLOGO DE SABERES NAS PERIFERIAS …

538

[ EXTRAPRENSA ]Extraprensa, São Paulo, v. 12, n. esp., p. 520 – 541, set. 2019

Educomunicação e diálogo de saberes nas periferias de São Paulo e MedellínJuliana Salles de Souza

Referências

ACOSTA VALENCIA, Gladys L.; PINTO ARBOLEDA, María C.; TAPIAS HERNANDÉZ,

César A. (orgs.). Diálogo de Saberes en Comunicación: Colectivos y Academia. Medellín:

Universidad de Medellín; Sello Editorial Universidad de Medellín; Centro Internacional

de Estudios Superiores de Comunicación para América Latina. Ediciones CIESPAL,

Corporación para la Comunicación Ciudad Comuna; Corporación Pasolini en Medellín;

Corporación Con-vivamos, 2016. (2016b)

ACOSTA VALENCIA, Gladys Lucia; TAPIAS HERNÁNDEZ, César A. El diálogo de saberes en comunicación o el giro del pensamiento y de la acción en las prácticas de comunicación para la movilización y el cambio social In: ACOSTA VALENCIA, Gladys

L.; PINTO ARBOLEDA, María C.; TAPIAS HERNANDÉZ, César A. (orgs.). Diálogo de

Saberes en Comunicación: Colectivos y Academia. Medellín: Universidad de Medellín;

Sello Editorial Universidad de Medellín; Centro Internacional de Estudios Superiores

de Comunicación para América Latina. Ediciones CIESPAL, Corporación para la

Comunicación Ciudad Comuna; Corporación Pasolini en Medellín; Corporación

Con-vivamos, 2016. (2016a)

ARAÚJO, Henrique Oliveira de. Presenças em transformação: a potência formativa da

educomunicação popular e mestiça. Dissertação (Mestrado profissional). Universidade do

Estado da Bahia, Jacobina, BA, 2016, 225 f.

FAUNDEZ, Antonio; FREIRE, Paulo. Por uma Pedagogia da Pergunta. Rio de Janeiro: Paz

e Terra, 1985. (Coleção Educação e Comunicação)

FREIRE, Paulo. Cartas à Guiné-Bissau: registros de uma experiência em processo. 2. ed.

Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.

FREIRE, Paulo. Extensão ou comunicação? 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975.

FREIRE, Paulo. Papel da educação na humanização. Revista da FAEEBA, Salvador, n.7,

jan/jun 1997.

FREIRE, Paulo; GADOTTI, Moacir; GUIMARÃES, Sérgio. Pedagogia: diálogo e conflito. 4.

ed. São Paulo: Cortez, 1995.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. 25 ed.

Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Esperança: um reencontro com a Pedagogia do Oprimido.

Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.

Page 20: EDUCOMUNICAÇÃO E DIÁLOGO DE SABERES NAS PERIFERIAS …

539

[ EXTRAPRENSA ]Extraprensa, São Paulo, v. 12, n. esp., p. 520 – 541, set. 2019

Educomunicação e diálogo de saberes nas periferias de São Paulo e MedellínJuliana Salles de Souza

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Indignação: cartas pedagógicas e outros escritos. São Paulo:

Editora UNESP, 2000.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 14. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.

FREIRE, Paulo; NOGUEIRA, Adriano. Que Fazer - Teoria e Prática em Educação Popular.

4. ed. Petrópolis: Vozes, 1993.

GARCÉS MONTOYA, Ângela. Colectivos Juveniles en Medellín: Configuración de

las subjetividades juveniles vinculadas a la Comunicación Audiovisual participativa

y comunitária. Tese (doutorado). Universidad Nacional de La Plata. Doutorado em

Comunicação, La Plata, Argentina, 2015, 339f. Disponível em: <http://sedici.unlp.edu.ar/

handle/10915/49916>. Acesso em: 21 jul. 2016.

GARCÉS-MONTOYA, Ángela Garcés; JIMÉNEZ-GARCÍA, Leonardo Jimenez. Comunicación para la movilización y el cambio social, Universidad de Medellín; Sello Editorial Universidad

de Medellín; Centro Internacional de Estudios Superiores de Comunicación para América

Latina. Ediciones CIESPAL, Corporación para la Comunicación Ciudad Comuna;

Corporación Pasolini en Medellín; Corporación Con-vivamos, 2016. (2016a)

JARA HOLLIDAY, Oscar. Aportes de los procesos de Educación Popular a los procesos de cambio social In: GUELMAN, Anahí; CABALUZ, Fabián; SALAZAR, Mónica (orgs.).

Educación Popular y Pedagogías Críticas en América Latina y Caribe: corrientes

emancipatorias para la educación pública del Siglo XXI. Buenos Aires: CLACSO, 2018.

Disponível em: <http://biblioteca.clacso.edu.ar/clacso/se/20181113022418/Educacion_

popular.pdf>. Acesso em: 24 dez. 2018.

JARA HOLLIDAY, Oscar. La sistematización de experiencias, práctica y teoría para otros

mundos posibles. San José, C.R.: Centro de Estudios y Publicaciones Alforja, CEAAL,

Intermon Oxfam, 2012.

JARA HOLLIDAY, Oscar. El aporte de la sistematización a la renovación teóricas praticas de los movimentos sociales. S. Jose: Alforja, 1998.

___________________. Para sistematizar as experiências. S. JOSÉ: ALFORJA, 1994.

MALCANGI, Maria Bruna. Territorios de Memoria. El caso de Ciudad Comuna. 2018. 118

f. Dissertação (Mestrado em Cooperação ao Desenvolvimento). Universitat Politècnica de

València, Valência, 2018.

MARTÍN-BARBERO, Jesús. Saberes hoy: diseminaciones, competencias y

transversalidades. 2003. Disponível em: <http://www.conectadel.org/wp-content/

uploads/downloads/2013/03/BARBERO_Saberes_hoy.pdf>. Acesso em: 24 nov. 2018.

Page 21: EDUCOMUNICAÇÃO E DIÁLOGO DE SABERES NAS PERIFERIAS …

540

[ EXTRAPRENSA ]Extraprensa, São Paulo, v. 12, n. esp., p. 520 – 541, set. 2019

Educomunicação e diálogo de saberes nas periferias de São Paulo e MedellínJuliana Salles de Souza

MATOS, Ronaldo. Ronaldo Matos In: VILHENA, Evelyn et al. Você Repórter da Periferia: visões e vivências do jornalismo nas periferias. São Paulo: FiloCzar, 2018.

NIÑO VIRACACHÁ, Edward Alexander; JIMÉNEZ-GARCÍA, Leonardo. Retos de la Comunicación Comunitaria em Medellín In: UNIVERSIDAD DE MEDELLÍN et. al. La Comunicación haciendo escuela: memorias del processo de Escuela de Comunicación

Comunitaria 2013-2014. Medellín: Universidad de Medellín, 2015.

OTA, Daniela Cristiane. Mapeamento da mídia fronteiriça em Mato Grosso do Sul In:

MOREIRA, Sonia Virgínia (org.). Geografias da Comunicação: espaço de observação de

mídias e de culturas. São Paulo: INTERCOM, 2012. (Coleção Grupos de Pesquisa, Sociedade

Brasileira de Estudos Interdisciplinares de Comunicação; v3). Disponível em: <http://

www.geografias.net.br/pdf/livros/colecao_gps_3.pdf>. Acesso em: 03 ago. 2015.

PERUZZO, Cicilia M. Krohling. Aproximações entre a comunicação popular e comunitária e a imprensa alternativa no Brasil na era do ciberespaço. Revista Galáxia, São Paulo, n.

17, p. 131-146, jun. 2009 (2009a). Disponível em: <http://www.intercom.org.br/papers/

nacionais/2008/resumos/R3-0716-1.pdf>. Acesso em: 10 fev. 2015.

PERUZZO, Cicilia M. Krohling. Conceitos de comunicação popular, alternativa e

comunitária e as reeelaborações no setor. ECO-Pós, v.12, n.2, maio-ago 2009, p.46-61

(2009b). Disponível em: <http://revistas.ufrj.br/index.php/eco_pos/article/view/947>.

Acesso em: 28 mar. 2015.

PINTO, María Cristina; JIMÉNEZ-GARCÍA, Leonardo. A manera de cierre: hallazgos e

proyecciones In: ACOSTA VALENCIA, Gladys L.; PINTO ARBOLEDA, María C.; TAPIAS

HERNANDÉZ, César A. (orgs.). Diálogo de Saberes en Comunicación: Colectivos y

Academia. Medellín: Universidad de Medellín; Sello Editorial Universidad de Medellín;

Centro Internacional de Estudios Superiores de Comunicación para América Latina.

Ediciones CIESPAL, Corporación para la Comunicación Ciudad Comuna; Corporación

Pasolini en Medellín; Corporación Con-vivamos, 2016. (2016a)

PINTO, María Cristina; JIMÉNEZ-GARCÍA, Leonardo. Estado de la cuestión em comunicación para el cambio In: GARCÉS-MONTOYA, Ángela Garcés; JIMÉNEZ-

GARCÍA, Leonardo Jimenez. Comunicación para la movilización y el cambio social, Universidad de Medellín; Sello Editorial Universidad de Medellín; Centro Internacional

de Estudios Superiores de Comunicación para América Latina. Ediciones CIESPAL,

Corporación para la Comunicación Ciudad Comuna; Corporación Pasolini en Medellín;

Corporación Con-vivamos, 2016. (2016b)

RIAÑO ALCALÁ, Pilar. Recuerdos metodológicos: el taller y la investigación etnográfica.

Estudios sobre las Culturas Contemporáneas, v. V, n. 10, dez. 2000, p. 143-168. Disponível

em: <https://www.redalyc.org/pdf/316/31601008.pdf>. Acesso em: 21 mai. 2018.

Page 22: EDUCOMUNICAÇÃO E DIÁLOGO DE SABERES NAS PERIFERIAS …

541

[ EXTRAPRENSA ]Extraprensa, São Paulo, v. 12, n. esp., p. 520 – 541, set. 2019

Educomunicação e diálogo de saberes nas periferias de São Paulo e MedellínJuliana Salles de Souza

ROMÃO, Lilian Cristina Ribeiro. Educomunicação e participação cidadã de adolescentes e jovens, no Brasil. 2016. Dissertação (Mestrado em Interfaces Sociais da Comunicação) -

Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2016. Disponível

em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/27/27154/tde-08052017-110529/pt-br.php.

Acesso em: 30 jan. 2019.

SANTOS, Boaventura de Sousa. Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma

ecologia de saberes. Revista Crítica de Ciências Sociais, n. 78, 2007, p. 3-46. Disponível

em: <https://journals.openedition.org/rccs/753#quotation>. Acesso em: 24 nov. 2018.

SARTORI, Ademilde Silveira; SOARES, Maria Salete Prado. Concepção dialógica e as NTICs: a educomunicação e os ecossistemas comunicativos (2005). Disponível em: <http://

www.usp.br/nce/wcp/arq/textos/86.pdf>. Acesso em: 20 dez. 2017.

SAUL, Ana Maria. Paulo Freire na atualidade: legado e reinvenção. Revista e-Curriculum,

São Paulo,v.14, n.01, p. 09 – 34 jan./mar.2016, e-ISSN: 1809-3876. Programa de Pós-

graduação Educação: Currículo – PUC/SP. Disponível em: <http://revistas.pucsp.br/index.

php/curriculum>. Acesso em: 03 out. 2017.

SOARES, Ismar de Oliveira; VIANA, Claudemir Edson. Educomunicação, do movimento

popular às políticas públicas: o percurso acadêmico de Ismar de Oliveira Soares. Revista Latinoamericana de Ciencias de La Comunicación, v. 14, n. 26, p. 238-247, 2017. Disponível

em: <www.alaic.org/revistaalaic/index.php/alaic/article/view/927>. Acesso em: 26 dez. 2017.

SOARES, Ismar de Oliveira; VIANA, Claudemir Edson; XAVIER, Jurema Brasil.

Educomunicação e suas áreas de intervenção: novos paradigmas para o diálogo intercultural.

São Paulo: ABPEducom, 2017. Disponível em: <http://www.abpeducom.org.br/wp-content/

uploads/2018/05/Livro-Educom-pagina-a-pagina.pdf>. Acesso em: 10 dez. 2018.

SOARES, Ismar de Oliveira. Educomunicação, o conceito, o profissional, a aplicação.

São Paulo: Paulinas, 2011.

SOMOS TERRITORIO: CUERPOS, relatos y ciudad. Medellín, 2016.

SOUZA, Juliana Salles de. Jornalismo de Quebrada e as Representações das Periferias Paulistanas. Monografia (graduação). Faculdade Paulus de Tecnologia e Comunicação

(FAPCOM). São Paulo, SP, 2015, 167f.

SOUZA, Juliana Salles de. Entre Quebradas e Comunas: Educomunicação popular e

periférica em São Paulo e Medellín. Dissertação (Mestrado). Programa Interunidades de

Integração da América Latina. Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, 2019, 451f.

WALSH, Catherine. Estudios (Inter)Culturales en clave de-colonial. Tabula Rasa. Bogotá,

Colombia, n.12, p. 209-227, janeiro-junho 2010.