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EDUCAÇÃO PATRIMONIAL COMO AÇÃO POLÍTICA E PRÁTICA PEDAGÓGICA INCLUSIVA Renata Nascimento y Mansour Mestranda PPGPACS / UFRRJ [email protected] RESUMO Esta pesquisa busca refletir sobre a criação de estratégias didático-pedagógicas em Educação Patrimonial e seu aspecto político, numa perspectiva sensibilizadora e participativa que aponte dilemas e complexidades que precisam ser negociadas no processo de elaboração do discurso pedagógico da Educação Patrimonial. Compreendemos o Patrimônio Cultural como meio essencial para constituição de identidades e a Educação Patrimonial como espaço de expressão e representação política do Outro e de Si e de reconhecimento da diferença como uma possibilidade de construção de sentido. Temos a escola como lugar de investigação, por ser espaço diferenciado de produção de saberes interdisciplinares, evidenciando que o campo da Educação Patrimonial é uma área do conhecimento interdisciplinar e que a ideia de transformação do conhecimento científico com intenção de ensino e divulgação não se organiza na forma de simples “ajuste” ou “simplificação” de conhecimento. Temos como objetivos compreender o discurso pedagógico da Educação Patrimonial e sua relação com aspectos de cidadania e direitos culturais, a partir de conceitos da semiótica discursiva e da arte-educação; investigar práticas de educação patrimonial e arte- educação interessadas em construir processos de interação entre as diferenças que constituem a diversidade social brasileira; observar estudos da semiótica discursiva no ensino-aprendizagem escolar direcionados à construção de discursos de aceitação da diferença e inclusão social e articular de forma sistêmica aspectos da educação patrimonial como prática de intervenção pedagógica para inclusão social e as ações estatais na área da cultura. Como referencial teórico reunimos em pesquisa bibliográfica autores do campo da Educação Patrimonial, das Políticas Culturais, da Semiótica Discursiva e da Arte-Educação, articulados pelo conceito de Recontextualização como

EDUCAÇÃO PATRIMONIAL COMO AÇÃO POLÍTICA E PRÁTICA

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Page 1: EDUCAÇÃO PATRIMONIAL COMO AÇÃO POLÍTICA E PRÁTICA

EDUCAÇÃO PATRIMONIAL COMO AÇÃO POLÍTICA E PRÁTICA

PEDAGÓGICA INCLUSIVA

Renata Nascimento y Mansour

Mestranda PPGPACS / UFRRJ

[email protected]

RESUMO

Esta pesquisa busca refletir sobre a criação de estratégias didático-pedagógicas em

Educação Patrimonial e seu aspecto político, numa perspectiva sensibilizadora e

participativa que aponte dilemas e complexidades que precisam ser negociadas no

processo de elaboração do discurso pedagógico da Educação Patrimonial.

Compreendemos o Patrimônio Cultural como meio essencial para constituição de

identidades e a Educação Patrimonial como espaço de expressão e representação

política do Outro e de Si e de reconhecimento da diferença como uma possibilidade de

construção de sentido. Temos a escola como lugar de investigação, por ser espaço

diferenciado de produção de saberes interdisciplinares, evidenciando que o campo da

Educação Patrimonial é uma área do conhecimento interdisciplinar e que a ideia de

transformação do conhecimento científico com intenção de ensino e divulgação não se

organiza na forma de simples “ajuste” ou “simplificação” de conhecimento. Temos

como objetivos compreender o discurso pedagógico da Educação Patrimonial e sua

relação com aspectos de cidadania e direitos culturais, a partir de conceitos da semiótica

discursiva e da arte-educação; investigar práticas de educação patrimonial e arte-

educação interessadas em construir processos de interação entre as diferenças que

constituem a diversidade social brasileira; observar estudos da semiótica discursiva no

ensino-aprendizagem escolar direcionados à construção de discursos de aceitação da

diferença e inclusão social e articular de forma sistêmica aspectos da educação

patrimonial como prática de intervenção pedagógica para inclusão social e as ações

estatais na área da cultura. Como referencial teórico reunimos em pesquisa bibliográfica

autores do campo da Educação Patrimonial, das Políticas Culturais, da Semiótica

Discursiva e da Arte-Educação, articulados pelo conceito de Recontextualização como

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suporte para possíveis intervenções e ajuste das políticas de democratização dos direitos

culturais para todos.

EDUCAÇÃO PATRIMONIAL PARA A TRANSFORMAÇÃO

O sucesso das políticas públicas de Estado voltadas para o reconhecimento e a

valorização do patrimônio cultural brasileiro como expressão da diversidade da

identidade, cultura e da história nacionais, depende de uma série de aspectos que vão

desde as condições ideais para o ensino e aprendizagem de todos os brasileiros nos

diferentes níveis de ensino, como também de um conjunto de estratégias e ações

articuladas no âmbito das políticas públicas culturais, educacionais, econômicas,

patrimoniais, entre outras, e dos movimentos sociais. Esta associação é indispensável

para enunciar o que está socialmente interiorizado sobre a realidade e explicitar as

condições sociais e o desequilíbrio na disposição dos recursos econômicos,

instrumentais etc, infundidos pelo legado de dominação e reestruturação de formas

históricas de exploração e exclusão.

A escolha de determinados bens culturais como representativos da identidade

nacional ou patrimonialização como prática social é sempre uma operação política

(NOGUEIRA, 2011). Esse processo evidencia um campo de conflito material e

simbólico na constituição da memória coletiva considerando que os relatos históricos

são produtos discursivos, elaborados e organizados a partir das intenções variadas

daquele que se coloca na posição do historiador (BATISTA, 2018).

Nossos estudos são motivados pelos seguintes questionamentos: de que forma o

conhecimento produzido pela Educação Patrimonial vem sendo apresentado ao público

e que impacto causa na sociedade? Será que a Educação Patrimonial tem conseguido

alcançar os objetivos traçados no que diz respeito à diversidade cultural ou conservam a

noção de unidade? O que a ideia de semiótica discursiva aplicada à Arte-Educação pode

acrescentar à organização narrativa dos discursos de aceitação social da diferença? Que

procedimentos e estratégias de organização pedagógica do ensino-aprendizagem escolar

podem contribuir para as mudanças sociais desejadas no campo do patrimônio cultural?

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Sabemos que o sentido de inclusão reside no entendimento de que além de se

investir no processo de desenvolvimento do indivíduo, deve buscar-se a criação de

condições que garantam o acesso, a participação e a expressão de todas as pessoas na

vida comunitária, através da provisão de suportes físicos, psicológicos, sociais e

instrumentais.

A ideia que apresentamos aqui compreende o Patrimônio Cultural como meio

essencial para constituição de identidades e a Educação Patrimonial como espaço de

expressão e representação política do Outro e de Si e, também, de reconhecimento da

diferença como uma possibilidade de construção de sentido e de estímulo à reflexão e

ao questionamento por meio de ações conjuntas e participativas.

Nossos estudos convergem para a criação de estratégias transversais de ensino-

aprendizagem de modo a sensibilizar indivíduos e comunidades para o reconhecimento

e a valorização de suas identidades, paixões, desejos de expressão e, finalmente, a

melhoria da qualidade de vida.

Desse modo, vamos procurar estabelecer um diálogo entre Patrimônio Cultural,

Semiótica e Arte-Educação, tendo a escola como lugar de investigação, por ser espaço

diferenciado de produção de saberes interdisciplinares, e se dirige para a reflexão sobre

a criação de estratégias didático-pedagógicas em Educação Patrimonial, evidenciando-a

como área do conhecimento eminentemente transversal e interdisciplinar.

Sobre a Semiótica e a Arte-Educação, nossa atenção recairá sobre suas

contribuições para a construção ideológica e discursiva da diferença, da ideia do Outro e

de Si e na face cognitiva dos vínculos materiais e de poder, destacando o papel da

escola na construção reflexiva dos discursos de inserção social pela aceitação das

diferenças e reorganização de novas composições sociais, como um espaço de igualdade

de oportunidades, não o lugar da reprodução da intolerância e da desigualdade social.

Essa articulação partirá do conceito de recontextualização proposto por Basil

Berstein, sociólogo da educação, que investiga a institucionalização dos modos

pedagógicos e sua relação com a formação de identidades. Para ele,

os campos oficiais de recontextualização são arenas para a construção,

distribuição, reprodução e mudança de identidades pedagógicas. As

identidades pedagógicas têm uma base social e uma carreira. A base social

representa os princípios de ordem social e os desejos institucionalizados pelo

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Estado em seu sistema educacional. A carreira é moral, instruída e localizada.

Uma identidade pedagógica, então, é a fixação de uma carreira em uma base

social. As perguntas passam a ser: de quem é a base social, que carreiras e

para quem? (BERNSTEIN, 2003, p. 79)

Desse modo a composição do discurso pedagógico ocorre com base em regras

próprias que controlam as formas de consciência e aquisição de conhecimento

estabelecendo delimitações ao discurso legítimo.

Essas ideias serão utilizadas como suporte didático e metodológico para

possíveis intervenções na organização narrativa dos discursos de aceitação social da

diferença e suas contribuições para as mudanças sociais desejadas no campo do

patrimônio cultural.

A respeito do caráter interdisciplinar da Educação Patrimonial vamos partir dos

estudos de Silveira e Bezerra (2007). Segundo os pesquisadores essa área do

conhecimento situa-se entre as fissuras disciplinares e qualquer procedimento dirigido

ao tema das “aprendizagens patrimoniais” (SILVEIRA e BEZERRA, 2007, p. 89)

incluem “estratégias didático-pedagógicas situadas na interface das ciências”

(SILVEIRA e BEZERRA, 2007, p. 89), o que torna qualquer prática educativa

indissociável da ideia de cultura e patrimônio.

Entretanto, os autores advertem para o fato de que a forma como a Educação

Patrimonial vem sendo apresentada nas escolas não tem garantido criticidade ao

processo, já que sua inclusão nos contextos de ensino-aprendizagem baseia-se na

utilização de fontes primárias, ou seja, a ênfase recai sobre a recepção de bens

patrimoniais, numa adequação da cultura material como ferramenta pedagógica,

reduzindo sua participação na produção de reflexões pertencentes ao que eles chamam

de

campo de discussão e de pesquisa que se define historicamente, como, ao

mesmo tempo, aponta para um conjunto de ações de caráter técnico a serem

avaliadas dentro de uma perspectiva ética, mas não de uma ética que

desconsidera a visão do Outro e toma o olhar do técnico como algo que basta

em si mesmo, e sim de uma ética de reciprocidade que situa o diálogo e a

troca cultural como um horizonte possível. (SILVEIRA; BEZERRA, 2007, p.

84)

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Sendo assim, vamos salientar a disposição política e comunicativa da Educação

Patrimonial, seu aspecto sensibilizador e participativo de modo a apontar dilemas e

complexidades existentes na aproximação de saberes e metodologias que precisam ser

ajustados no processo de elaboração do discurso pedagógico da Educação Patrimonial.

O PAPEL DA ARTE NA FORMAÇÃO DOS SUJEITOS

Os questionamentos apresentados neste trabalho surgiram da experiência como

docente de Artes no Município de Rio Bonito / RJ, desde 2002, e, também, como

integrante da Rede de Pontos de Cultura do Brasil1 com o projeto Núcleo de Exibição

Itinerante de Rio Bonito, em 2009.

No ano de 2002 tornei-me Professora de Artes do Município de Rio Bonito,

lecionando na Escola Municipal Duque de Caxias (Rio Bonito-RJ). A instituição,

localizada numa área rural da cidade, possuía aproximadamente duzentos alunos,

divididos em dois turnos, manhã e tarde. Dirigi um coro formado pelo segundo

segmento do ensino fundamental, com cerca de 100 alunos, e sua criação aconteceu de

forma bastante democrática, já que os estudantes puderam escolher a linguagem

artística, no caso, música, a ser trabalhada. O repertório cantado incluía de músicas

indígenas ao cancioneiro popular brasileiro. As dificuldades começaram a surgir dentro

da própria escola. Inicialmente a direção fazia-me perguntas do tipo “e quem não gosta

de música?” ou “por que você não trabalha caricaturas de compositores?”, ou fazia,

ainda, afirmações do tipo “temos aqui um professor de arte, mas a escola não está

enfeitada!”. Ficou claro o total desconhecimento a respeito da educação em arte,

quando se trata dos dirigentes escolares.

Num segundo momento, outros professores de Arte da Rede Municipal

demonstraram preocupação com a uniformização dos conteúdos. Eu era a única

licenciada em Arte com Habilitação em Música. Todos os outros docentes, sem

exceção, eram ligados às Artes Plásticas e havia, ainda, os professores de Português e

1 Ponto de Cultura foi o nome dado a um novo modelo de edital proposto pelo Ministério da Cultura

através da criação do Programa Nacional de Cultura Viva (Portaria Ministerial 156, de 6 de julho de

2004) que em 2014, com a sanção da Lei 13.018, institui a Política Nacional de Cultura Viva.

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Matemática desviados de função. Os questionamentos eram relativos a uma possível

transferência de alunos e a uniformização dos conteúdos. “O que farei com um aluno

seu se ele for transferido para a minha escola?” – era uma das perguntas. Percebi que

meus colegas professores preocupavam-se apenas em transmitir conhecimentos que os

alunos poderiam obter sozinhos em livros ou enciclopédias (o Google não estava

disponível!), ou seja, na simples repetição de formas anteriores, desconsiderando

aspectos do questionamento, da criação de novos princípios, do enriquecimento de

significação proporcionados pelo contato com uma linguagem artística, seja ela qual for.

Desconsideravam, também, que o trabalho realizado com um grande grupo requer o

ativamento de questões relativas à cooperação mútua, solidariedade, tolerância, ou seja,

incremento de processos subjetivos num mundo em que as relações de vizinhança estão

reduzidas, quase sempre, à mais pobre das expressões.

A despeito das orientações pedagógicas de grandes especialistas em Arte-Educação,

encontrei-me como uma minoria silenciada no momento em que o poder público,

mesmo sem proibir a realização de minhas atividades docentes, retirou estímulos, tais

como uniformes e lanches para apresentações dos alunos, e criou impedimentos cruciais

para o seu desenvolvimento ao suspender transporte dos alunos coralistas para

apresentações locais e regionais e o pagamento de horas-extras trabalhadas em finais de

semana. Não houve por parte dos dirigentes educacionais a intenção de pesquisar

conjuntamente uma solução para o “problema” que se apresentava - a música como

linguagem artística a ser trabalhada no ambiente educacional, evidenciando o

estranhamento de meus colegas e superiores ao fato de que as práticas artísticas no

contexto escolar podem ser formalizadas por meios diversos, se levarmos em

consideração o processo e a função social da expressividade na arte e não o objeto

artístico em si.

A prática docente é permeada por desafios que demandam o constante

ativamento da inventividade, da imaginação e da persistência em busca de soluções

criativas. Sendo assim, prossegui minhas explorações artísticas em novas unidades

escolares.

Page 7: EDUCAÇÃO PATRIMONIAL COMO AÇÃO POLÍTICA E PRÁTICA

ARTE PARA A TRANSFORMAÇÃO E INCLUSÃO: A ESCOLA É UM PONTO DE

CULTURA

No ano de 2006, atuando como docente de Artes em uma escola pública estadual

de ensino básico, localizada na região central da cidade de Rio Bonito, pude vivenciar

uma experiência distinta. Tratava-se da Escola Estadual Professor Dyrceu Rodrigues da

Costa, com quase dois mil alunos provenientes das mais diversas realidades. Apesar das

dificuldades típicas de escolas públicas brasileiras, no que diz respeito às imposições

governamentais tais como salas lotadas, grades curriculares engessadas, entraves

burocráticos de toda ordem, promoções baseadas em estatísticas superficiais, essa

unidade escolar possuía uma relação estreita com a comunidade do entorno, condição

fundamental para dar seguimento e potencializar minhas experiências em Arte-

Educação.

A Associação de Apoio à Escola Colégio Estadual Professor Dyrceu Rodrigues

da Costa, constituída por pais, alunos e profissionais da educação lotados nessa unidade

escolar, participava ativamente das decisões ordinárias e dos projetos escolares. Junto

com esta associação e a convite da Secretaria de Educação do Estado do Rio de Janeiro

pude criar e coordenar o Cine Dyrceu, cineclube escolar, que realizava semanalmente,

sessões gratuitas de cinema brasileiro, seguidas de debates abertos à comunidade, como

Ensaio Coral Escola

Municipal Duque de Caxias /

Rio Seco / Rio Bonito / RJ –

2004

Page 8: EDUCAÇÃO PATRIMONIAL COMO AÇÃO POLÍTICA E PRÁTICA

uma ação integrada entre a escola e a comunidade, direcionada para a formação cultural

dos cidadãos de Rio Bonito.

Com a experiência adquirida no cineclube escolar e no intuito de fortalecer as

ações culturais de uma forma geral, conseguimos ingressar na Rede de Pontos de

Cultura do Brasil com o projeto Núcleo de Exibição Itinerante de Rio Bonito, em 2009.

Norteado por um conceito que visava a ampliação da cidadania cultural e a

superação de processos de exclusão, Ponto de Cultura constitui-se como um novo

modelo de gestão pública compartilhada e transformadora, cuja principal inovação

estava no “fato de que seriam os grupos culturais, selecionados como Pontos de Cultura,

que deveriam propor que tipo de ações culturais seriam desenvolvidas” (SANTINI,

2017, p. 67). A cultura passa a ser entendida como um processo, ao invés de produto.

Os Pontos de Cultura oferecem um modelo de política pública na área da cultura

favorável ao rompimento de relações de dependência ou assistencialismo através da

articulação em redes por meio de fóruns regionais e nacionais que buscavam o

fortalecimento político das ações culturais, sobretudo em relação ao território em que se

vive.

As ações do projeto por nós desenvolvido consistiam em promover exibições

públicas, gratuitas e itinerantes de filmes de curta, média e longa metragens,

preferencialmente, brasileiros, seguidas de debates, em escolas da rede pública estadual

e municipal de Rio Bonito, em asilos, orfanatos e instituições para pessoas com

deficiência e em espaços públicos da cidade, localizados tanto em áreas urbanas, como

em áreas rurais da cidade, de modo a possibilitar o acesso dos cidadãos riobonitenses à

produção cultural local, regional e nacional.

O projeto oferecia ainda oficinas e cursos de audiovisual, igualmente gratuitos,

para a comunidade, com o intuito de formar mão de obra capaz de atuar no setor

audiovisual, e também para professores e estudantes de escolas públicas do ensino

básico da região, utilizando a linguagem audiovisual como ferramenta da arte-educação

para apoiar e incrementar o trabalho do educador e provocar no ambiente escolar a

reflexão sobre o conteúdo de ações comunicativas. Além das exibições rotineiras,

realizávamos também um festival de cinema de curta-metragem – Festival Internacional

de Cinema de Rio Bonito – uma vez por ano para apresentar a produção realizada nas

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oficinas do projeto e também filmes de curta-metragem que não transitavam nos

circuitos comerciais de cinema.

Posteriormente fomos fortalecidos pelo aporte financeiro obtido com a

aprovação na seleção pública regional Integração Petrobras Comunidades (IPC)

realizada em 2013, na área de influência do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro

(COMPERJ). Vinculado à Sociedade Musical e Dramática Riobonitense2, instituição

centenária dedicada à preservação e divulgação das artes dramáticas e musicais

riobonitenses, da qual me tornei presidente em 2010, e tinha parceria com o Ponto de

Cultura Núcleo de Exibição Itinerante de Rio Bonito. O projeto, na sua essência,

reconhecia o ambiente escolar como o espaço ideal para exercitar e ampliar a

capacidade de reflexão, expressão e comunicação dos indivíduos, preparando-os para o

convívio social e para a elaboração e implementação de projetos participativos de

mudanças sociais.

Tínhamos como objetivo oferecer educação complementar para alunos de 2

(duas) escolas públicas da cidade de Rio Bonito – RJ, por ano, uma localizada na área

rural e outra na área urbana, através de metodologias da comunicação e da arte-

educação, utilizando a linguagem audiovisual.

A escolha desta linguagem artística ocorreu por tratar-se de uma atividade

habitual e prazerosa no dia a dia de crianças e adolescentes e por ser, também, um

importante meio de compartilhamento de ideias, atuando diretamente na construção e

reprodução de comportamentos e oscilações de autoestima, numa velocidade extrema,

que impedem a edificação de qualquer projeto de autonomia individual e coletiva.

A metodologia utilizada buscava provocar no ambiente escolar a reflexão sobre

o conteúdo de ações comunicativas – métodos e procedimentos de planejamento,

organização e administração das atividades escolares, e também aquelas que interagem

com a sociedade de uma forma geral, por meio de ocasiões de encontro e diálogo,

oportunidades de expressão individual e coletiva, direcionados ao crescimento da

consciência crítica, capacidade de participação social e produção de bens culturais. A

metodologia buscava, ainda, considerar a imagem que estas crianças e adolescentes têm

2 A Sociedade Musical e Dramática Riobonitense está registrada como Instituição de Utilidade Pública

sob o nº1, em 1º de abril de 1905, no Cartório do 1º Ofício de Rio Bonito.

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de si e do mundo que os cerca, de modo a torná-los capazes de exercer o convívio social

e, ao mesmo tempo, serem protagonistas de suas próprias histórias. O projeto incluía,

também, a formação e sensibilização de professores para utilização da metodologia de

forma a alcançar melhoria no desempenho escolar e no comportamento do aluno.

No segundo ano de aplicação das ações do ComunicArte pudemos contar com a

parceria acadêmico-institucional com a Faculdade de Educação da Universidade Federal

Fluminense, através do Programa de Alfabetização e Leitura (PROALE-UFF),

coordenado pela Professora Dayala Vargens. As ações se efetivaram na modalidade de

oficinas realizadas em escolas, na universidade pública e igualmente em espaços de

desenvolvimento social, tal como a própria sede da Sociedade Musical e Dramática

Riobonitense e a Biblioteca Pública de Niterói, articulando saberes oriundos da Arte e

das Letras, para professores licenciandos do curso de Letras e para o público em geral.

As oficinas se pautaram fundamentalmente, no que tange aos saberes da Arte (dança,

poesia, música, teatro, fotografia e vídeo). Segundo Vargens3,

(...) quanto aos estudos linguísticos, as oficinas dialogaram com uma

concepção bakhtiniana (2000) da linguagem, perspectiva teórica trazida pelo

PROALE, que reconhece a importância dos gêneros discursivos como

elementos essenciais na interação humana. Nessa perspectiva, ampliar o

conhecimento sobre as estruturas composicionais e da função social de

diferentes gêneros discursivos na educação linguística é essencial para o

desenvolvimento da interação entre os sujeitos nas mais diversas atividades

sociais em que atuam.

A partir dos relatórios avaliativos produzidos por professores, alunos, equipe

técnica e outros participantes das ações realizadas ao longo do projeto, podemos

considerar como resultado da parceria, que a utilização das técnicas de expressividade

artística, aliada aos pressupostos da abordagem dos gêneros, estimulou o engajamento

dos sujeitos envolvidos no processo de ensino e aprendizagem, que mostraram crescente

interesse em interagir com o grupo a partir da divulgação dos textos produzidos por eles

próprios, buscando na Arte novas estéticas para ressignificar sua auto-expressão e

pertencimento.

3 Trecho de autoria da Professora Dayala Vargens retirado do formulário de apresentação de projetos da

Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio de Janeiro (FAPERJ), em 2015.

Page 11: EDUCAÇÃO PATRIMONIAL COMO AÇÃO POLÍTICA E PRÁTICA

Festival Internacional de

Cinema de Rio Bonito –

Sociedade Musical e Dramática

Riobonitense – Rio Bonito/ RJ

– 2014

Sessão de Cinema – Escola Municipal Posse / Rio Bonito / RJ –

2015

Oficina de Audiovisual

– Escola Municipal

Duque de Caxias / Rio

Bonito / RJ - 2013

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Oficina de Audiovisual – Escola Municipal Duque de Caxias / Rio Bonito / RJ –

2014

Oficina “Ensino de línguas adicionais para crianças: por uma educação estética,

ética e crítica” – PIBID/UFF / ComunicArte – Alunos Curso de Licenciatura

Letras / UFRJ – Rio de Janeiro / RJ – 2015

Page 13: EDUCAÇÃO PATRIMONIAL COMO AÇÃO POLÍTICA E PRÁTICA

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Examinando as relações de ensino-aprendizagem e a construção de discursos de

aceitação, inclusão social e articulação entre memória institucionalizada e memória

coletiva, a partir de análise bibliográfica em Educação Patrimonial e da experiência

prática como agente cultural e docente de Artes do Ensino Básico, podemos perceber

que a ideia de transformação do conhecimento científico com intenção de ensino e

divulgação não se organiza na forma de simples “ajuste” ou “simplificação” de

conhecimento.

A compreensão do processo de produção do discurso pedagógico pode auxiliar

de maneiras diferenciadas à construção e apropriação do discurso apresentado no campo

da Educação Patrimonial e sua conversão em ações concretas no âmbito da

patrimonialização.

Com esta investigação pretendemos contribuir para a identificação do processo

de construção de identidades favorecidos pelos métodos de ensino-aprendizagem

escolar, bem como seus conflitos com outros procedimentos análogos que se dão fora da

escola, como possibilidade de reavaliação crítica da instituição escolar e dos princípios

e aspectos demandados nos discursos da Educação Patrimonial.

Por fim, procuramos apresentar práticas de Educação Patrimonial em associação

a procedimentos oriundos da Semiótica Discursiva aplicados à Educação e da Arte-

Educação como instrumento de facilitação e entendimento sobre conjunto de valores

que são mobilizados nos procedimentos de figurativização, ou seja, na construção dos

discursos e sua conversão em ações concretas no âmbito da patrimonialização.

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