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EDUCAÇÃO ESPECIAL E INCLUSÃO: O QUE OS PROFESSORES DO ENSINO
REGULAR PRECISAM SABER SOBRE SURDEZ E SOBRE A LINGUAGEM DOS SURDOS
Maria Edileuza Selleri Licenciada em Matemática pela UEL, Especialista em Educação Especial, Docente da Rede Estadual do Paraná e Professora PDE – SEED/PR 2007/2008.
RESUMO
Este artigo, produzido como trabalho final do PDE-SEED/PR 2007/2008, tem como objetivo proporcionar aos leitores uma primeira aproximação com a questão da surdez e da linguagem do surdo no atual contexto da educação especial, em que se busca efetivar a inclusão escolar e, principalmente, incentivar estudos e discussões sobre o assunto. Apresenta inicialmente, como resultado da pesquisa bibliográfica e estudos realizados: panorama histórico, políticas e caracterização da educação especial; visão geral, sintetizada, da história da educação do surdo e considerações sobre: surdez e linguagem do surdo – suas implicações na educação da pessoa surda; legislação, escola inclusiva e educação de surdos, além de resultados de pesquisas na área. A seguir apresenta relato e análise da intervenção realizada através de Evento de Extensão da UEL com professores do ensino regular e escolas especiais, para estudo, discussão do tema e troca de experiências, o qual evidenciou a carência de espaços para estas discussões e a insegurança dos profissionais em relação à inclusão. Finalmente conclui pela necessidade de formação/capacitação dos professores para atuarem no contexto atual, no sentido da melhoria da qualidade de nossa educação.
PALAVRAS CHAVE: Educação, inclusão e surdez
ABSTRACT
This article, produced as final work of PDE-SEED/PR 2007/2008, has as objective to provide to the readers a first approach with the question of the deafness and the language of the deaf person in the current context of the special education, where if it searchs to accomplish pertaining to school inclusion e, mainly, to stimulate studies and quarrels on the subject. It presents initially, as resulted of the bibliographical research and carried through studies: historical panorama, politics and characterization of the special education; general vision, synthecized, of the history of the education of the deaf person and considerações on: deafness and language of the deaf person - its implications in the education of the deaf person; legislation, inclusive school and education of deaf people, beyond results of research in the area. To follow it presents story and analysis of the intervention carried through through Event of Extension of the UEL with special professors of regular education and schools, for study, quarrel of the subject and exchange of experiences, which evidenced the lack of spaces for these quarrels and the unreliability of the professionals in relation to the inclusion. Finally it concludes for the formation necessity/qualification of the professors to act in the current context, in the direction of the improvement of the quality of our education. WORDS KEY: Education, inclusion and deafness.
2
INTRODUÇÃO
Vivemos em um mundo em constante transformação, onde
mudanças acontecem de um instante para o outro e notícias voam pelo mundo,
impulsionadas pelas novas tecnologias. Interessante notar o contraste: neste mesmo
contexto histórico, existem tantos conceitos e preconceitos enraizados em nós, que
perpassam séculos e mesmo ultrapassados e desmistificados, na prática cotidiana,
continuam a direcionar nossa atitudes.
Hoje na área da educação muito se ouve falar em inclusão, em
educar na diversidade, em respeitar as diferenças, de onde a necessidade de buscar
bases teóricas e científicas sobre esses temas que possam fundamentar a prática,
na busca de mudanças que levarão efetivamente à melhoria da educação, sem
atitudes inconseqüentes ou incoerentes que podem por a perder todo o esforço já
realizado.No passo da discussão sobre inclusão se levanta uma corrente que
defende a matrícula de todos os alunos na escola regular, independente de terem
alguma deficiência, do grau de comprometimento físico/mental/emocional, ainda que
esse aluno demande cuidados específicos. Na contra mão desta vem outra corrente,
apoiada na discussão sobre o respeito às diferenças, defendendo as conquistas
alcançadas, com muita luta, no campo da educação especial, o direito de ser
diferente e de ter atendidas suas necessidades especiais.
Penso que todo radicalismo é perigoso e, invariavelmente, negativo
e que passar de um extremo de segregação institucional, ou da integração que na
verdade perpetuava a segregação por exemplo nas classes especiais, para outro
extremo em que se desmonte toda uma estrutura de atendimento e se jogar esse
alunos todos dentro das salas de ensino regular, onde os problemas já são tantos e
onde ainda se dão os primeiros tímidos passos na direção de uma educação na
diversidade, que se espera possa dar conta dos diferentes entre os ditos normais é,
no mínimo, temeroso, considerando que mesmo as maiores convicções mudam.
Nesse contexto geral da discussão sobre inclusão surgem as questões relacionadas
à educação dos surdos, entre elas: Escola especial ou escola regular? O que é
educação bilíngüe para surdos? É possível proporcionar a educação bilíngüe para
surdos no ensino regular? Até que ponto as duas propostas são coerentes entre si,
ou em que ponto elas se encontram? Para começar a responder/discutir estas
3
questões, penso que a inclusão, ou não, do aluno surdo no ensino regular precisa
ser historicamente, teoricamente e legalmente justificada e que este processo deve
ser acompanhado e analisado, numa avaliação contínua que vai apontar progressos
e falhas, propiciando a busca de recursos materiais e humanos e de conhecimentos
necessários à sua efetivação. Acredito que, neste caso, como em muitos outros, de
nada adiantam métodos e técnicas se não há a superação de paradigmas, se não
muda nossa forma de ver o outro.
Este artigo, elaborado a partir do trabalho de pesquisa e da
implementação realizados no PDE-SEED/PR 2007/2008, com o objetivo de
proporcionar aos professores do ensino regular uma primeira aproximação com a
questão da surdez e da linguagem do surdo no atual contexto da educação especial,
em que se busca efetivar a inclusão escolar e, principalmente, incentivar estudos e
discussões sobre o assunto, apresenta, em linhas gerais: a história da educação do
surdo, destacando fatos mais significativos, do princípio à concepção atual de
surdez; considerações sobre surdez e linguagem do surdo e suas implicações na
educação da pessoa surda, procurando entender quem é o surdo e qual a melhor
educação para ele; legislação, escola inclusiva e educação de surdos, destacando
pontos da legislação e fazendo um paralelo entre direito à inclusão e respeito às
diferenças; resultados de pesquisas mostrando o que está sendo feito e o que os
estudos indicam e finalmente o relato da implementação realizada através do PDE e
a análise dos resultados obtidos. Entretanto, a educação do surdo se insere no
contexto mais amplo da educação como um todo, de onde a necessidade de iniciar
pela questão da educação especial em geral, para o que foram selecionados alguns
textos dos quais destacamos pontos discutidos pelos autores, a fim de apresentar
uma visão geral, sintetizada, da história da educação especial e das políticas de
educação especial, buscando a caracterização da educação especial no Brasil.
DESENVOLVIMENTO
Educação especial: panorama histórico, políticas e
caracterização
Para compreender a situação da educação do surdo precisamos
antes buscar na história da educação especial e nas políticas de educação especial
4
uma caracterização geral da educação especial no Brasil. Jannuzzi (2004) faz uma
síntese das propostas de educação das pessoas com deficiência no Brasil, da época
colonial ao início do século XXI, destacando que a forma do diferente ser percebido
na sociedade está relacionada às condições socioeconômicas-culturais de cada
tempo e lugar. A autora ressalta que as fases ou períodos não podem ser
demarcados exatamente, pois as concepções vão sendo elaboradas discretamente
até chegar à sua forma preponderante e sempre permanecem depois desse período,
além disso, nunca há homogeneização de posições em cada época devido à
diversidade de cada um. Segundo Jannuzzi essas concepções podem se dividir em
três grandes blocos, denominados A, B e C:
A- As que se centram principalmente na manifestação orgânica da deficiência,
procurando meios de possibilitar-lhe a vida. Consideram preponderantemente um lado da questão, tentando a capacitação da pessoa para a vida na sociedade. Denomino-as: A1) Médico-pedagógica e A2) Psicopedagógica.
B- As que procuram estabelecer conexão entre a deficiência e o contexto em que ela se situa, enfatizando o outro lado do problema: B1) a que coloca acento principal no contexto e a educação passa a ser preparação para ele – Economia da Educação ou Teoria do Capital Humano; B2) as que se centram principalmente na educação como a redentora, a única responsável pela transformação contextual. B2.1) Integração e B2.2) Inclusão.
C- A que procura considerar os dois lados da questão: a complexidade do indivíduo num momento histórico específico. Pensa a educação como momento intermediário, como mediação, condicionada pelo contexto socioeconômico-político-cultural, mas com autonomia relativa capaz de atuar na transformação desse contexto.(Jannuzzi, 2004)
Ferreira (1998) analisa os dispositivos referentes à educação
especial na nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação, destacando inicialmente: a
relevância, na nossa realidade, do fato de a nova LDB reservar um capítulo
exclusivo para a educação especial onde reafirma o direito à educação, pública e
gratuita, das pessoas com deficiência, condutas típicas e altas habilidades; que o
registro legal, por si, não assegura direitos e a preocupação com o caráter
potencialmente discriminatório e segregador de leis e normas para a área. Destaca
ainda que a presença da educação especial na LDB reflete certo crescimento da
área em relação à educação geral, nos sistemas de ensino.
Segundo Ferreira o texto contém aspectos importantes para a
educação especial, entre eles a referência às necessidades especiais, ampliando o
alcance da Constituição de 1998 que se referia apenas aos portadores de
deficiência, e o fato de esta referência, que acompanha tendência internacional,
direcionar para uma revisão das próprias noções de aluno e educação especiais,
5
configurando a perspectiva positiva de uma educação especial mais ligada à
educação escolar e ao ensino público. Destaca também a caracterização da
educação especial como modalidade da educação escolar, destinada aos
portadores de necessidades especiais, com apoio especializado no ensino regular e
serviços especiais separados quando não for possível a integração, e ainda a oferta
da educação especial já na educação infantil.
Outro ponto central, destacado por Ferreira, está na previsão de
¨professor especializado¨ e ¨professor capacitado¨ que lança o desafio de entender o
papel do professor nesse processo e proporcionar formação/capacitação
adequadas. O autor conclui sua análise afirmando que a nova LDB e seu contexto
sinalizam alterações importantes nas políticas de atendimento educacional
especializado e uma presença mais perceptível da educação especial nas novas
discussões sobre a educação geral, lembrando ainda que as determinações da lei
contrapõe-se a afirmação do Estado mínimo e da redução de recursos para as
políticas sociais, além do que os discursos de educação para todos e escola
inclusiva acontecem num contexto de exclusão social ampliada, aumentando os
desafios para assegurar os direitos das pessoas com necessidades especiais.
Laplane (2006) discute educação e necessidades especiais
ressaltando que a inclusão como direito é hoje inquestionável, entretanto direito
ainda distante de ser alcançado efetivamente, devido a um conjunto de fatores que
delineiam um quadro complexo. No contexto atual em que, a partir da crise
econômica dos anos 70 no mundo ocidental, reverteu-se o movimento inclusivo do
pós-guerra provocando mudanças que afetam todos os aspectos da vida social,
enquanto as políticas de educação inclusiva prescrevem o atendimento das
necessidades de todos os alunos, os sistemas educacionais mantêm inalterados
seus traços fundamentais (seletivo, discriminador e agente de reprodução social) e a
autora identifica oposições e conflitos no mínimo difíceis de conciliar, como a não
coincidência entre a idéia de educação e a de atendimento de necessidades.
De acordo com a autora as elaborações teóricas examinadas
advogam pela extensão da idéia de atender as necessidades das pessoas e a
transformação dessa idéia em eixo central das políticas sociais. Assim, a idéia de
flexibilizar o ensino é interessante e desafiadora, mas a desigualdade se configura
como um grande problema. A educação se apresenta como um modo de aumentar
as capacidades humanas incrementando o grau de liberdade e a capacidade de
6
tomar decisões e de fazer escolhas, articulada ao reconhecimento da dependência
como característica humana básica e como ponto de partida para a promoção de
justiça e de bem estar social.
Laplane (2006) faz, em outro texto, uma análise das condições para
a implementação de políticas de educação inclusiva no Brasil e na Inglaterra,
abordando inicialmente o contexto do debate: a dinâmica social da inclusão e da
exclusão nos países desenvolvidos. Recorrendo a uma perspectiva histórica e
sociológica e citando diversos autores, retoma as condições que determinaram a
situação atual, analisando o movimento que transformou uma sociedade de traços
inclusivos em uma sociedade excludente e argumentando em favor de uma visão
que integre a análise das políticas e práticas a uma análise do movimento social
mais amplo em que se inserem, como forma de compreender as dificuldades que se
apresentam na implementação dessas políticas.
A autora aponta fatores que dificultam a implantação das propostas
de educação inclusiva como a heterogeneidade constitutiva da população escolar,
as contradições no âmbito escolar, as limitações de intervenção na realidade
historicamente constituída, e que a prática educativa deve permitir aos educadores
avaliar as possibilidades de sucesso e estabelecer as prioridades e estratégias para
cada situação. Além disso, políticas e práticas estão imersas num contexto dinâmico,
que envolve várias dimensões cujas relações não são muito claras para quem está
no lugar da prática, e que pode conceber de forma separada a dimensão da política
e a da prática.
Garcia (2004) discute as políticas de ¨inclusão¨ no Brasil, mais
especificamente aquelas relacionadas à educação especial, partindo do pressuposto
que no planejamento das políticas públicas tem ocorrido um fracionamento da
análise sobre as lutas sociais (pensando de maneira isolada cada um dos grupos
focalizados) e adotando a compreensão da inclusão como uma prática complexa e
contraditória (luta travada num contexto histórico-social, por sujeitos sociais, que
convive necessariamente com seu contrário –a exclusão – na direção de superar
práticas sociais baseadas na desigualdade).
Nesta análise foram identificados três matizes nos discursos
políticos sobre inclusão: o matiz gerencial, dos discursos que defendem mudanças
no âmbito da administração pública, com ampliação da participação do setor privado
na execução de serviços públicos e participação da comunidade na gestão pública,
7
apresentando uma racionalização administrativa. O segundo matiz é o da nuance
humanitária com termos como: justiça social, coesão, solidariedade, pertencimento
que, ao serem considerados politicamente corretos, legitimam os discursos em
questão e colocam o foco na criação de uma sociedade global da qual todos podem
sentir-se integrantes, apesar das desigualdades. O último matiz foi chamado
pedagogizante e está relacionado ao argumento de que a sociedade passa por
mudanças complexas E, portanto, é preciso promover aprendizagens adequadas
aos ¨novos¨ tempos, apontando um padrão de aprendizagens (métodos mais ativos
e flexibilizados, trabalhados de forma comunitária, com menor custo e ao mesmo
tempo ensino altamente qualificado para setores mais especializados; educação
para desenvolver potencialidades e talentos; professor com perfil de ¨protagonista¨ e
personalidade ¨pró-ativa¨).
Garcia sintetiza alguns pontos identificados nos discursos das
agências multilaterais sobre inclusão: 1)Descrição de um cenário de globalização
econômica (que abstrai as relações de desigualdades); 2) ¨Focalização¨da pobreza
identificando uma realidade de ¨exclusão social¨ (a ser combatida com políticas
sociais, especialmente educacionais); 3) Denominação do período histórico atual
como ¨sociedade do conhecimento¨ prescrevendo “novas aprendizagens” ou
“habilidades” (a educação deve preparar os indivíduos, adequando-os às exigências
do mundo produtivo e do mercado de trabalho e, ao mesmo tempo, deve formar uma
“cidadania ativa”, “participativa”, “democrática”); 4) Sugestão de uma abordagem
funcionalista na compreensão da sociedade (buscar consensos e equilíbrios apesar
das desigualdades sociais existentes); 5) Apresentação da educação inclusiva como
a saída para a educação de todos os alunos (foco nas necessidades de
aprendizagem).
A seguir Garcia apresenta alguns pontos de tensão, com objetivo de
gerar questionamentos, na interface entre os debates das políticas de inclusão em
âmbito internacional e a política nacional de educação especial: 1º) o gerenciamento
da educação especial na educação básica, considerando a noção de educação
especial como “serviço”; incorporação de escolas especiais privado-assistenciais na
rede oficial de ensino; agregação de novas funções à escola pública regular;
participação das famílias e da comunidade. 2º) as formas organizativas do trabalho
pedagógico, considerando a ênfase na abordagem das necessidades educacionais
especiais, na busca de alternativas pedagógicas para condições diferenciadas de
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aprendizagem; a flexibilização curricular (centrada nas diferenças individuais) e a
possibilidade de eliminação de conteúdos. 3º) a questão da formação e trabalho
docente, considerando a classificação dos professores em “capacitados” e
“especializados”; divisão do trabalho no interior da escola e hierarquização do
trabalho docente.
Garcia (2006) faz reflexões sobre as formas organizativas do
trabalho pedagógico propostas para a educação especial na atual política
educacional brasileira, focando as concepções subjacentes às políticas para a
educação especial na sua relação com a organização do trabalho pedagógico,
através da análise dos documentos que formalizam e instituem as Diretrizes
Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica (Resolução CNE/CEB
2/2001 e Parecer CNE/CEB 17/2001), percebendo que a organização do trabalho
pedagógico na educação especial na educação básica apóia-se em duas premissas
complementares: a defesa de uma abordagem educacional de atendimento e a
crítica à homogeneização da escola do ensino regular.
Quanto à defesa de uma abordagem educacional de atendimento, a
autora destaca dos documentos considerados a conceituação de quem são os
alunos com necessidades educacionais especiais, salientando a ampliação da
categoria na Declaração de Salamanca, com a inclusão de outras categorias para
além da deficiência, altas habilidades e condutas típicas, tais como etnia, classe,...
(denominadas “minorias” ou “excluídos”); a utilização do argumento de que todos os
alunos podem apresentar necessidades educacionais especiais em algum momento
e a inserção de todos aqueles que não acompanham o trabalho pedagógico na
escola regular (com “dificuldade de aprendizagem”, mas sem diagnóstico de causa
orgânica). Pode-se assim incluir nesse grupo todas as “diferenças individuais”,
responsabilizar os sujeitos por seu sucesso ou fracasso (escola democrática),
racionalizar as “dificuldades individuais” e criar “categorias de pessoas” para as
quais devem ser pensadas políticas “focalizadas”. Lembra ainda que a ampliação da
“categoria de pessoas” com necessidades especiais é paralela ao acirramento da
produção de desigualdades na sociedade capitalista.
Segundo Garcia a concepção de “necessidades especiais” está
sendo usada ora como conceito ampliado que incorpora vários grupos, para legitimar
a política educacional mais ampla (heterogeneidade/diversidade), ora como
sinônimo de deficiência para valorizar os mecanismos específicos propostos para
9
alunos deficientes. Afirma que a organização do trabalho pedagógico na proposta de
educação especial na educação básica orienta-se pelo local de atendimento (na
escola regular, na escola especial, em ambiente não escolar) e a diversificação do
atendimento pode contemplar grande variedade de necessidades (heterogeneidade
dos alunos).
Outro critério percebido na organização do trabalho pedagógico é o
nível de conhecimento a ser trabalhado com cada grupo de alunos (conteúdos
básicos, “significados práticos e instrumentais”, “currículo funcional”), mostrando que
junto ao reconhecimento da heterogeneidade está estabelecido um sistema
hierarquizado de atendimento e prevendo para os alunos com necessidades
educacionais especiais um acesso restrito aos conhecimentos historicamente
produzidos pela humanidade (“flexibilização curricular”: contraposição a uma escola
seriada, rígida em sua estrutura, “enciclopédica”, massificadora ou incentivo à
redução de conteúdos conforme condições individuais dos alunos). A restrição de
conteúdos incorpora, no plano formal, práticas históricas da educação especial
(também de crianças e jovens dos setores populares).
A autora apresenta a seguir sua reflexão sobre o segundo eixo da
proposta de organização do trabalho pedagógico da política de educação especial
na educação básica – a crítica à homogeneização da escola do ensino regular, seus
procedimentos, rituais e expectativas em relação ao desempenho dos alunos. Para
isto discute rapidamente três expressões da diferenciação dos processos de
organização escolar: as escolas por ciclos, as classes de aceleração e a progressão
continuada, previstas para o Ensino Fundamental e implantadas num esforço de
reconhecimento da heterogeneidade dos alunos, assumindo a diversidade e o
respeito às diferenças como referências para o trabalho pedagógico, sempre com
limitações.
Garcia (2006) destaca ainda, com relação à organização do trabalho
pedagógico, que a proposta atual de aprendizagem na educação básica: embora
advogue o reconhecimento da heterogeneidade dos alunos, restringe a educação
básica a conhecimentos básicos; trabalha com o pressuposto liberal de que alguns
alunos apresentam ”condições” de aprendizagem limitadas; se constitui de
parâmetros classificatórios diferenciando quem pode aprender mais e menos; está a
serviço de um acesso desigual à cultura humana (discurso da diversidade); é
permeada pela valorização do menor gasto com maior eficiência (bases liberais e
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economicistas); discrimina sujeitos e ainda responsabiliza-os pela própria situação;
pode nortear o processo ensino e aprendizagem para um empobrecimento curricular
e um rebaixamento das exigências escolares (flexibilizações e adaptações
curriculares). E aponta um outro argumento a favor da educação inclusiva, o de que
a presença de “alunos diferentes” em sala de aula deve beneficiar as aprendizagens
de todos. A autora conclui afirmando a insuficiência das proposições inclusivas para
as políticas de educação especial no Brasil no sentido da superação das
desigualdades educacionais.
Bueno (1999) apresenta algumas considerações sobre a educação
inclusiva e as novas exigências para a formação de professores, começando pela
diferenciação entre integração e inclusão. A integração tinha como pressuposto que
o problema residia nas características das crianças excepcionais, daí centrar-se na
detecção mais precisa dessas características e no estabelecimento de critérios,
baseados nessa detecção, para a incorporação ou não pelo ensino regular. Já a
inclusão, ao considerar que existem múltiplas diferenças, originárias de condições
pessoais, sociais, culturais e políticas, tem como pressuposto que a escola atual não
consegue dar conta deles e proclama a necessidade de modificações estruturais das
escolas atuais para que sejam capazes de educar com qualidade todas as crianças,
assumindo que as diferenças são normais e que a aprendizagem é que deve se
adaptar ao aluno.
Segundo o autor até o momento nossa educação, tanto regular
quanto especial têm sistematicamente contribuído para a seletividade escolar, na
medida em que o ensino regular tem excluído larga parcela de sua população, sob a
justificativa de que esta não reúne condições para usufruir do processo escolar, por
problemas pessoais, familiares ou culturais e o ensino especial também tem excluído
sistematicamente grande parcela de seu alunado alegando que, por suas próprias
características, não possui condições para receber o mesmo nível de escolarização
que as crianças normais.
Segundo Bueno se o propósito fundamental da educação inclusiva
for o de oferecer processos de escolarização com qualidade crescente será
necessário, em primeiro lugar, organizar um sistema de acompanhamento e
supervisão dos alunos incluídos no ensino regular e, nesse sentido, a inclusão de
deficientes nos sistemas de ensino deve ser gradativa, contínua, sistemática e
11
planejada, para que os sistemas possam ir se adequando e construindo práticas no
sentido de ampliação constante dos processos de inclusão.
O autor destaca que: a simples inserção de alunos deficientes, sem
apoio, no sistema regular, que apresenta problemas graves de qualidade, pode
redundar em fracasso; para implantação do princípio da promoção automática os
níveis de rendimento passam a ser fundamentais no acompanhamento, assistência
e avaliação do processo desenvolvido; dificuldade a ser enfrentada, na medida em
que, de um lado, professores do ensino regular não possuem preparo mínimo para
trabalharem com alunos com deficiências evidentes, de outro, grande parte dos
professores do ensino especial têm pouco a contribuir com o trabalho pedagógico no
ensino regular, pois têm calcado e construído sua competência nas dificuldades
específicas do alunado que atende.
Entre as políticas de largo alcance o autor coloca a formação
docente, destacando que esta envolve, pelo menos, dois tipos de formação: dos
professores do ensino regular para uma formação básica e dos professores
especializados nas diferentes deficiências para atendimento direto a essa população
e/ou apoio ao trabalho dos professores de classes regulares. Quanto a esta
formação do professor, Bueno analisa a Lei de Diretrizes e Bases da Educação e o
Plano Nacional de Educação, fazendo diversas considerações, onde se destacam:
indefinição de uma política nacional de formação de professores; provisoriedade;
política abstrata e descomprometida; metas ambíguas e tímidas. Além disso, mais
recentemente, tem-se colocado toda a ênfase na educação continuada,
desvalorizando a formação inicial (formação em serviço para suprir falhas). Bueno
salienta que esta preparação dos professores não pode ser vista como pré-requisito
para implantação de ações de inclusão e que nas atuais condições é imprescindível
o apoio especializado na inclusão de deficientes no ensino regular e conclui:
Este imbricamento entre educação regular - educação especial poderá significar salto de qualidade na perspectiva de tornar realidade o princípio tão propalado, mas tão pouco alcançado, de ampliação de oportunidade educacionais para todos aqueles que têm sido sistematicamente excluídos dos benefícios de uma escolarização de qualidade, incluídas aí as crianças deficientes. (Bueno, 1999)
12
Visão geral da história da educação do surdo Para falar sobre surdez , o indivíduo surdo e a educação do surdo, é
preciso considerar como o surdo tem sido visto e educado através da história. Além
disso, só podemos entender a história do surdo se não esquecemos os aspectos
sociais, políticos e históricos que regeram o surgimento de uma ou outra ideologia
que a determinaram (MOURA, 2000).
Como resultado da pesquisa bibliográfica realizada temos um
panorama histórico do conceito de surdez e da educação do surdo, com
esclarecimentos sobre sobre surdez e linguagem do surdo e suas implicações na
educação. Do contexto geral estudado, destacam-se alguns pontos importantes para
este trabalho, brevemente citados a seguir. Juntos, recolhidos em instituições
religiosas, os surdos criam uma forma de comunicação entre si, desenvolvendo uma
língua e uma cultura próprias. Com a necessidade de humanizar o surdo, às vezes
filho de família nobre, que precisava da fala para ter seus direitos reconhecidos,
surgem as primeiras tentativas de educação do surdo. Alguns educadores,
reconhecendo a forma de comunicação entre os surdos e aproveitando os sinais
criados pelos próprios surdos, alcançam resultados surpreendentes enquanto outros,
negando a importância dos sinais na educação do surdo, fazem tentativas frustradas
de transformar sinalizadores em falantes, concluindo sempre após muito trabalho
pela impossibidade de educar o surdo sem a língua de sinais. O desenvolvimento
científico traz a visão médica da surdez e o surdo passa a ser visto como doente,
deficiente, que precisava ser curado, reabilitado, normalizado, para que pudesse se
integrar à comunidade majoritária dos ouvintes.
O oralismo, baseado em diversas técnicas, dominou a educação do
surdo a partir do Congresso de Milão (1880) e durante o século XX até a década de
60, enquanto isso, a Língua de Sinais proibida na educação do Surdo, continuou a
ser usada fora da sala de aula pelas crianças e pelos adultos surdos em suas
associaçõers e na Comunidade dos Surdos. Na década de 60 surgem novos
conhecimentos teóricos e estudos realizados sobre a Língua de Sinais provam seu
valor linguístico, semelhante às línguas orais, mostrando que os sinais não só não
prejudicam o desenvolvimento oral das crianças surdas como ajudam seu
desenvolvimento escolar; estudos também comprovam que ouvintes e surdos têm a
mesma distribuição de inteligência. No entanto, ainda não é possível falar em
13
Bilingüismo pois estas verdades não são aceitas, naquele momento, pela cultura
dominante, assim como ainda hoje não o são totalmente. Surge então uma situação
intermediária com utilização dos sinais como instrumento de comunicação, mas sem
utilização da Língua de Sinais, denominada Comunicação Total que, criada não
como método mas como filosofia, previa a utilização de toda e qualquer forma de
comunicação com a criança surda, e não excluia inicialmente a Língua de Sinais,
mas transformou-se em método e forma única de trabalho (denominada
Comunicação Bimodal) com utilização da fala acompanhada de sinais.
Com o início de um movimento multicultural de minorias diversas
reinvidicando o direito de uma cultura própria, de ser diferente e denunciando a
discriminação a que estavam submetidos, os surdos, a muito tempo conscientes de
seus direitos mas sufocados, acham espaço para se fazer ouvir e chegamos assim
ao momento histórico atual, em que os surdos passaram a reivindicar o direito de
que sua cultura própria seja respeitada e tenha um lugar dentro de outras culturas,
particularmente da cultura ouvinte, surgindo na educação de surdos uma nova
proposta de trabalho denominada Bilingüismo.
No Brasil, a educação dos Surdos teve início em 1857 com a
fundação do Imperial Instituto de Surdos Mudos, pelo professor Surdo, francês,
Edward Huet com apoio de D. Pedro II. Huet estudou com Clerc no Instituto francês,
sendo educado através da Língua de Sinais, de onde pode-se deduzir que utilizava
Sinais e a escrita, introduzindo a Língua de Sinais francesa no Brasil, que depois
mesclou-se com a Língua de Sinais utilizada pelos Surdos brasileiros. Apesar das
dificuldades iniciais, obteve sucesso em seu trabalho, ensinava disciplinas como
português, aritmética, história, geografia e incluía “linguagem articulada” e “leitura
sobre os lábios” para os que tivessem aptidão para tanto. Com os sucessores de
Huet, que não eram especialistas em surdez, o Instituto alternou períodos de ênfase
na escrita ou na oralidade. Destacam-se a postura do Dr. Tobias Leite, que
considerava a necessidade de preservar a diferença e a necessidade especial do
Surdo, e a preocupação com o ensino da fala e da leitura orofacial, reflexos do
Congresso de Milão, que levaram à adoção do método oral puro. Estabelece-se o
ponto de vista médico na visão da surdez e a postura de normalização do Surdo,
que se espalha por todo o Brasil , através da formação de professores. Surgem
então outras escolas para educação de Surdos em diferentes locais do país, mas
todas seguindo a mesma metodologia utilizada no Instituto Nacional de Educação de
14
Surdos e que continua sendo utilizada ainda hoje em muitas escolas, apesar de todo
progresso teórico e prático já alcançado
Segundo Moura (2000) o passado mais que reflete-se na realidade
atual, o presente é a reprodução do passado, das mesmas idéias, conceitos e
preconceitos. Presente e passado se confundem no mesmo fazer em que as
relações, da maioria ouvinte com a minoria surda, vão se refazendo sem
modificações e a escola, que deveria promover a mudança, permanecia ela mesma
repetindo o que não faz sentido e não ajuda a construção de uma verdadeira
linguagem (ato social e edificador de identidade). E o futuro, marcado pelo passado
e pelo presente, aponta para a necessidade de poder destacar o surdo da
representação de um sujeito deficiente, para inserí-lo na Comunidade dos Surdos e
no contexto majoritário do mundo ouvinte, como indivíduo diferente mas pleno e
capaz, portanto detentor de direitos a serem respeitados.
Surdez e linguagem do surdo – suas implicações na escolarização da pessoa surda
Não é apenas a mudança da língua em que são transmitidos os conteúdos ou critérios de avaliação mais justos em relação às diferenças lingüísticas que apresentam o que vai garantir ou orientar uma nova abordagem curricular, mas a compreensão do sujeito surdo em sua totalidade sócio-histórico-cultural (FERNANDES, 1999, p. 79).
Segundo Fernandes (1999) a cultura eletrônica, decorrente dos
avanços científicos e tecnológicos, introduziu novos modos de ver e representar a
realidade, muito mais pautados em imagens do que em registros escritos, que
apontam para um novo conceito de “alfabetização”. No entanto, a imposição de um
conhecimento culturalmente aceito e valorizado, no caso a oralidade e a escrita, tem
impedido a percepção de um novo modo de analisar a realidade e de comunicar-se
com os demais, no caso a língua de sinais. Os surdos, enquanto grupo minoritário,
buscam na escolarização a incorporação social e a conquista de seus direitos,
entretanto esta incorporação à escola da maioria significa abrir mão de certos
aspectos de sua identidade ao assimiliar a língua da cultura dominante. Persiste
ainda a discriminação escolar dos surdos, devido à diferença de linguagem, apesar
de todo desenvolvimento das tecnologias essencialmente visuais, pois a escola
15
segue utilizando a escrita mecânica, sem sentido e que reproduz um tipo de falante
ideal, inexistente.
A autora, com objetivo de apresentar uma caracterização da escrita
apresentada pelos surdos, faz considerações sobre o processo de aquisição de uma
segunda língua e a interferência da história lingüistica anterior na maneira de
abordar a nova língua. No caso dos surdos, sendo a língua de sinais a primeira
língua natural, a língua portuguesa é uma língua estrangeira, a ser aprendida como
segunda língua e ainda com o agravante de ser de modalidade diferente, tendo a
língua de sinais como suporte cognitivo e portanto interferindo na sua produção oral
e/ou escrita. De acordo com Fernandes (1999) a produção escrita dos surdos, em
sua segunda língua e influenciada pela primeira língua, requer critérios de avaliação
diferenciados em relação à língua portuguesa, não generalizáveis, mas que possam
subsidiar a análise de suas produções singulares, em comparação à escrita de
ouvintes. Analisando diversos textos de alunos surdos, demonstra a interferência da
LIBRAS nas produções escritas dos surdos, e a influência da falta de uma
pedagogia competente no ensino da língua portuguesa para surdos.
A autora propõe então, um olhar diferenciado nas produções escritas
dos alunos surdos, que não parta das aparentes limitações apresentadas, mas das
possibilidades que contempla; que não busque o desvio da normalidade, mas as
marcas da diferença cultural. Sem no entanto cair no outro extremo de arbitrariedade
de considerar qualquer tipo de produção como aceitável, considerando apenas o
conteúdo em detrimento da forma, o que seria tão prejudicial quanto as práticas
tradicionais. Por fim, apresenta, como sugestão, alguns critérios mais específicos
em relação à avaliação da Língua Portuguesa de alunos surdos e destaca que há
inúmeras ações a serem praticadas que envolvem um projeto de educação, que
considere em sua proposta curricular: a cultura das comunidades surdas; as novas
tecnologias educacionais essencialmente visuais; a formação de professores
edificada em concepções sócio-antropológicas; maior participação da comunidade
surda na gestão dessa educação, entre outros aspectos. Destacamos ainda a
sugestão dada por Fernandes (1999) aos professores:
Além disso, nossa sugestão aos professores que se deparam com estudantes surdos em suas classes é, primeiramente, que eles entendam que têm diante de si um usuário de uma língua diferente da sua, que inevitavelmente estará refletida nas diferntes práticas discursivas
16
compartilhadas em sala de aula. Segundo, que o conhecimento dessa língua, por parte do professor é condição “sine qua non” para que se estabeleça a interação verbal significativa, a partir da qual será tecido o vínculo afetivo tão perseguido nas experiências de aprendizagem escolar. E, por fim, concretizar, na prática, o diálogo com as diferenças, respeitando as possibilidades e limitações de seu aluno, para que assim o auxilie na construção de sua identidade surda (FERNANDES, 1999, p. 78).
Fernandes (2006) apresenta um conjunto de orientações visando
oportunizar a reflexão do professor sobre a prática pedagógica, quando nela estiver
envolvido o aluno surdo, desafiando-o a buscar as práticas mais adequadas.
Destacando inicialmente que, quando falamos em seres humanos, é muito
importante lembrarmo-nos que são as diferenças individuais que nos constituem
pessoas singulares e portanto, ao nos relacionarmos com uma pessoa surda,
devemos nos lembrar, em primeiro lugar, que a perda auditiva que ela possui é
apenas um aspecto de sua subjetividade.
Segundo a autora, vivemos em um mundo de sons e a
impossibilidade de ouvir a fala humana interfere diretamente na interação social e na
principal possibilidade de ter acesso ao conhecimento, a interação verbal. Daí a
importância de conhecer quais conseqüências os diferentes graus de surdez podem
acarretar no desenvolvimento, aprendizagem e relacionamento social das crianças;
atentar para comportamentos que possam sugerir possíveis perdas auditivas, ainda
não detectadas, e a possibilidade de encaminhamento aos profissionais mais
indicados à intervenção; reconhecer e respeitar a diferença lingüística dos surdos.
Fernandes destaca ainda a importância da língua de sinais para os
surdos, apresenta a Língua Brasileira de Sinais - Libras e a educação bilíngüe para
surdos, refere-se à questão do intérprete de Líbras e, considerando que este é
processo em construção que demanda ainda muitas ações, coloca que, a curto
prazo, há algumas estratégias metodológicas e de organização do ambiente da sala
de aula indicadas para facilitar a interação/comunicação em sala de aula: combinar
diferentes tipos de agrupamentos de alunos; introduzir métodos e estratégias visuais
complementares à língua de sinais; planejar atividades com diferentes graus de
dificuldade e que permitam diferentes possibilidades de execução; propor várias
atividades para trabalhar um mesmo conteúdo; promover a interação dos
professores do ensino regular e da educação especial.
Essa ressignificação das práticas escolares não se faz por decreto, ou por imposição de medidas burocráticas. Como um processo, em permanente
17
construção, exige, em um primeiro momento, uma postura e atitude positiva diante da diferença dos alunos e a formação continuada, indispensável à intervenção pedagógica consciente e comprometida com o sucesso de todos os alunos (FERNANDES, 2006).
Legislação, escola inclusiva e educação de surdos No estudo da legislação que se refere à educação, ao destacar a
questão da educação do surdo e fazer um paralelo entre inclusão e respeito à
diversidade vemos, já na Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) os
princípios da igualdade e da diversidade, nas afirmações de que todas as pessoas
nascem livres e iguais em dignidade e direitos; que toda pessoa tem direito à
instrução e que os pais têm prioridade de direito na escolha do gênero de instrução
que será ministrado a seus filhos. A mesma idéia perpassa toda a legislação, até os
documentos mais recentes, inclusive o texto da Convenção Interamericana para a
Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Pessoas Portadoras de
Deficiência, realizada na Guatemala em 1999 e promulgada pelo Decreto 3656/01,
que define discriminação e afirma que não constitui discriminação a diferenciação ou
preferência adotada para promover a integração social ou desenvolvimento da
pessoa com deficiência, desde que a diferenciação ou preferência não limite em si
mesma o direito à igualdade dessas pessoas e que elas não sejam obrigadas a
aceitá-las.
O Paraná saiu na frente no que se refere à educação do surdo
quando, através da Lei n.°12095 de 11/03/1998, reconheceu oficialmente a
linguagem gestual codificada na Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS e outros
recursos de expressão a ela associados, como meio de comunicação objetiva e de
uso corrente e, a partir daí, começaram a ser implantadas as ações necessárias à
efetivação da educação garantida em seu Art.2º: Como resultado de estudos,
reflexões e debates, iniciados a partir dos movimentos internacionais pela inclusão
social; já tendo reconhecido oficialmente a Língua Brasileira de Sinais e assim
desencadeado mudanças em seu sistema educacional e; a partir da nova legislação
educacional brasileira, é elaborada a nova legislação educacional do Paraná e o
Conselho Estadual de Educação do Estado do Paraná fixa normas para a Educação
Especial, através da Deliberação CEE Nº 02/03, aprovada em 02/06/03. Entre os
apoios e serviços normatizados pela Deliberação Nº 02/2003 estão: intérprete de
Libras/Língua Portuguesa; instrutor surdo de Libras; centro de atendimento
18
especializado; instituições especializadas e escola especial para surdos.
O empenho dos surdos brasileiros e de todos os envolvidos na luta
pela conquista de seus direitos, visando a sua inclusão social, chegam finalmente a
uma grande vitória com a publicação da Lei Nº 10.436, de 24 de abril de 2002, que
reconhece a Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS e outros recursos a ela
associados, como meio legal de comunicação e expressão. A Lei N º 10.436/2002 foi
regulamentada pelo Decreto Nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005, que define
pessoa surda e deficiência auditiva e determina a inclusão da LIBRAS como
disciplina curricular. Regulamenta a formação de professores de LIBRAS, de
instrutores de LIBRAS e de intérpretes de LIBRAS-Língua Portuguesa e normatiza o
uso e difusão da LIBRAS e da Língua Portuguesa para o acesso das pessoas
surdas à educação.
Pesquisas – o que está sendo feito e o que os estudos indicam Só muito recentemente se intensificaram as pesquisas e os relatos
de experiências na área de educação do surdo e da educação inclusiva, no entanto
já existem vários trabalhos publicados e que podem nos ajudar a compreender
melhor a realidade e atuar no sentido da melhoria da qualidade da nossa educação.
Entre eles destacamos alguns por sua proximidade com os objetivos deste trabalho:
Dorziat (2003) analisa os diferentes olhares sobre a surdez e suas
implicações educacionais, destacando que, embora atualmente se fale muito em
respeito à diversidade, existe uma prática camuflada de total desrespeito aos direitos
humanos, principalmente aos das minorias marginalizadas. Contexto em que as
pessoas surdas sofrem, no mínimo duplamente, em virtude dos preconceitos sociais
e por serem, na sua maioria, oriundas de classes populares menos favorecidas;
onde o desrespeito aos direitos do surdo, visto como deficiente a ser normalizado, se
potencializa pela própria dinâmica social capitalista-neoliberal que valoriza o
individualismo, a competitividade.
Para a autora é possível encontrar canais de transformação dessa
realidade a partir da escola, buscando o resgate das formas particulares de
apreensão e de transmissão de idéias dos indivíduos surdos, construindo sua
subjetividade. Salienta então a necessidade de: considerar que as diferenças dos
19
surdos são social e historicamente construídas; estar mais atento às convicções dos
ouvintes participantes do ensino de surdos e, principalmente, às dos próprios surdos;
refletir sobre isso em busca de “mudanças necessárias nas escolas de surdos,
visando aos interesses e às aspirações dessa população, para que ela passe a ser
efetivamente de surdos e para surdos”(Dorziat, 2003).
Entendendo que as bases educacionais são construídas, em grande parte, sobre nossas concepções acerca de quem é o nosso educando, o objetivo deste estudo foi analisar as concepções sobre surdez dos segmentos mais diretamente envolvidos na comunidade de uma escola pública para surdos (surdos – alunos e/ou instrutores, professoras e familiares). (Dorziat, 2003)
Segundo Dorziat os depoimentos demonstraram concepções
equivocadas de surdez, onde a pessoa surda foi tomada de forma simplista, pelos
três segmentos entrevistados que, ao tentarem se distanciar da noção de
deficiência, se colocam em posição de negação da diferença e mesmo ressaltando a
importância da língua de sinais, não denotam tomá-la como elemento de
fundamental importância para a constituição de um grupo, mas apenas como
recurso comunicativo. Destaca, portanto, a necessidade de que, em cada situação,
se reflita profundamente sobre quem é a pessoa surda a fim de perceber caminhos
mais adequados em direção de uma escola que objetive a democracia social e,
também a necessidade de que os surdos se coloquem, se percebam e possam
formar sua identidade, construindo uma auto-imagem positiva.
Para ter chances de realizar suas opções, o surdo precisa ser respeitado, ser reconhecido em sua diferença e estabelecer parcerias, na busca de quebrar as barreiras excludentes que existem na sociedade e reivindicar novas estruturas para que ele possa desenvolver-se e conviver plenamente. Diante do exposto, é preciso dar-se início a um processo de reflexão profunda sobre em que bases estão sendo sedimentadas as ações político-pedagógicas em torno dos surdos. Para isso, é necessário, antes de tudo, assumir uma concepção de surdez não pela ausência, mas visando a afirmação de suas possibilidades, na diferença, e buscar ter clareza sobre a importância da linguagem, inserida numa visão histórico-social mais abrangente que delimita concepções de indivíduo e sociedade. (Dorziat, 2003)
Lacerda (2006) focaliza uma experiência de inclusão de aluno surdo
em escola regular, com a presença de intérprete de língua de sinais, descrevendo os
resultados de pesquisa em que foram entrevistados alunos, professores e intérpretes
envolvidos. Destaca como objetivo do trabalho contribuir para a reflexão sobre as
20
práticas inclusivas envolvendo surdos, seus efeitos, limites e possibilidades, em
busca de uma atitude educacional responsável e conseqüente frente a este grupo.
Os dados indicam problemas que ocorrem no espaço escolar, alguns identificados pelos entrevistados como desconhecimento sobre a surdez e sobre suas implicações educacionais, dificuldades na interação professor/intérprete e a incerteza em relação ao papel dos diferentes atores neste cenário. Os depoimentos apontam ainda dificuldades com adaptações curriculares e estratégias de aula, exclusão do aluno surdo de atividades. Todavia, tais aspectos são negligenciados, já que há um pressuposto tácito de que a inclusão escolar é um bem em si. (Lacerda, 2006)
Das reflexões da autora sobre a inclusão escolar do aluno surdo
destacamos que a presença do intérprete de sinais não é suficiente para uma
inclusão satisfatória, a qual demanda várias outras providências como adequação
curricular, aspectos didáticos e metodológicos, conhecimentos sobre surdez e sobre
a língua de sinais, entre outros. A presença do intérprete é ainda pouco comum em
nossa realidade, mas a desinformação dos professores e o desconhecimento sobre
a surdez e sobre modos adequados de atendimento ao aluno surdo são freqüentes,
o que permite concluir que a maior parte das inclusões escolares de surdos é pouco
responsável, com a escola se mostrando inicialmente aberta ao aluno, mas depois
inserindo-o na rotina, sem qualquer cuidado especial até que, ao final de anos de
escolarização, receba o certificado escolar sem que tenha se apropriado dos
conhecimentos mínimos necessários.
Lacerda destaca ainda, que o aluno surdo é usuário de uma língua
que nenhum colega ou professor efetivamente conhece e que a questão da língua é
fundamental nas relações mais aprofundadas. Outro ponto importante se refere às
questões de desenvolvimento, pois o aluno do ensino fundamental está em processo
de desenvolvimento de linguagem, de processos identificatórios, de construção de
valores sociais e afetivos, entre outros, sendo que na escola as crianças aprendem
e/ou aperfeiçoam muito desses processos, o aluno surdo, sozinho em sua condição
de surdez, enfrenta uma série de dificuldades.
Segundo a autora a questão da inclusão na educação de surdos não
envolve apenas a surdez, mas uma reflexão mais ampla da sociedade buscando
formas de melhor se relacionar com o diferente. Além disso, a educação de surdos é
um tema polêmico, pois, de um lado estão o respeito à diferença lingüística, à
identidade surda, e à cultura que os surdos têm (defendendo escolas de surdos), de
21
outro lado, a preocupação com a inclusão desse grupo na comunidade majoritária
(pela inserção do aluno surdo na escola de todos). Conclui então que:
Os dados deste estudo indicam o quanto um modelo, ainda que considerado inclusivo por seus participantes, pode não ser nada inclusivo. O aluno surdo, apesar de presente (fisicamente), não é considerado em muitos aspectos e se cria uma falsa imagem de que a inclusão é um sucesso. As reflexões apontam que a inclusão no ensino fundamental é muito restritiva para o aluno surdo, oferecendo oportunidades reduzidas de desenvolvimento de uma série de aspectos fundamentais (lingüísticos, sociais, afetivos, de identidade, entre outros) que se desenvolvem apoiados nas interações que se dão por meio da linguagem. A não partilha de uma língua comum impede a participação em eventos discursivos que são fundamentais para a construção plena dos sujeitos. Desse modo, uma inclusão cuidadosa que levasse em conta os vários aspectos aqui discutidos poderia ser proveitosa para os alunos surdos em níveis mais elevados de ensino, quando já tivessem melhor consolidado seus conhecimentos de linguagem, sociais e afetivos, entre muitos outros. A experiência de inclusão parece ser muito benéfica para os alunos ouvintes que têm a oportunidade de conviver com a diferença, que podem melhor elaborar seus conceitos sobre a surdez, a língua de sinais e a comunidade surda, desenvolvendo-se como cidadãos menos preconceituosos. Todavia, o custo dessa aprendizagem/elaboração não pode ser a restrição do desenvolvimento do aluno surdo. Será necessário pensar formas de convivência entre crianças surdas e ouvintes, que tragam benefícios efetivos para ambos os grupos. Assim, para o aluno surdo, que deve cursar o ensino fundamental, será efetivamente melhor uma escola na qual os conteúdos sejam ministrados em sua língua de domínio, que ele tenha professores e companheiros que partilhem com ele a língua de sinais, de modo a poder se desenvolver o mais plenamente possível, como é oportunizado para as crianças ouvintes no ensino fundamental. ((Lacerda, 2006)
Guarinello, Berberian, Santana, Massi e Paula (2006) apresentam
relato de pesquisa sobre a inserção do aluno surdo no ensino regular: visão de um
grupo de professores do Estado do Paraná, com o objetivo de debater a
problemática que envolve a inclusão do aluno surdo no ensino regular. O estudo
que visou analisar os aspectos que dificultavam esta inserção, a partir da visão de
um grupo de professores, evidenciou que as principais dificuldades ora relacionam-
se aos professores (falta de conhecimento de estratégias para a surdez, dificuldade
de interação, desconhecimento da LIBRAS), ora aos surdos (surdez, dificuldade de
compreensão).
As autoras finalizam o trabalho concluindo que o professor ainda tem
uma compreensão reducionista sobre o processo de ensino/aprendizagem dos
surdos; que embora muitos trabalhos já tenham demonstrado a necessidade de
formação continuada do professor, da importância da língua de sinais, do intérprete
de língua de sinais, na prática, não se tem discutido, efetivamente, que a presença
22
dessa língua não isenta o professor de compreender os processos diferenciados dos
quais os alunos surdos se utilizam para tornarem-se leitores e escritores de uma
língua que não dominam; e que a imagem que o professor faz desse aluno também
é um fator que deve ser considerado nessa discussão. Concluem ainda que:
Para que haja inclusão do aluno surdo é necessário que as pessoas envolvidas no processo educacional façam um esforço, no sentido de se livrarem de modelos pré-determinados de homem, de entenderem a importância de que o aluno realize suas próprias elaborações, que compartilhe suas dúvidas, suas descobertas e seu poder de decisão. A inclusão de surdos no ensino regular significa mais do que apenas criar vagas e proporcionar recursos materiais, requer uma escola e uma sociedade inclusivas, que assegurem igualdade de oportunidades a todos os alunos, contando com professores capacitados e compromissados com a educação de todos. (Guarinello, Berberian, Santana, Massi e Paula, 2006)
Quadros (2006), no artigo “Políticas lingüísticas e educação de
surdos em Santa Catarina: espaço de negociações”, demonstra a estruturação da
política pública para a educação de surdos no estado com suas proposições, as
decisões e os rumos da implementação dessa política, apresentando também uma
análise crítica das relações que tal proposta tem com os desejos e lutas dos
movimentos surdos.
Quanto aos movimentos surdos, a autora coloca que estes
movimentos sociais, nos últimos anos, estabeleceram como prioridade o
reconhecimento da língua de sinais, adotando estratégias como elaboração de
projetos de lei e formação de instrutores de língua de sinais, instauraram a
discussão sobre o assunto, que culminou com o reconhecimento legal da língua de
sinais como meio de comunicação legítimo dos surdos. No entanto, estabelece-se
um novo problema, pois, enquanto esta legislação garante ao surdo o direito de ter
acesso aos conhecimentos acadêmicos na língua de sinais, as atuais políticas
públicas de educação de surdos determinam a inclusão do surdo no ensino regular
(que utiliza a língua portuguesa), junto com os ouvintes.
Segundo Quadros, seria extremamente dispendioso ter aulas em
uma língua que não é a língua falada na escola, em todas as instituições onde haja
pelo menos um aluno surdo matriculado, portanto, o poder público cria estratégias
para burlar este custo, mantendo a idéia de disponibilizar a educação dos surdos no
ensino regular, e uma delas seria oferecer o intérprete de língua de sinais onde
houver surdos matriculados. Porém, a distância entre o prescrito e o executado, até
23
pela falta de profissionais intérpretes, que só agora começam a ser formados por
algumas instituições de ensino, faz com que os próprios surdos ou seus familiares
continuem exigindo o ensino em LIBRAS. Mesmo porque, apesar do intérprete
romper uma barreira comunicativa no ensino regular, sua presença não é suficiente
para garantir a educação de qualidade aos surdos, que envolve outros aspectos
metodológicos, culturais, sociais.
As proposições dos surdos sempre foram por uma escola pública de qualidade em língua de sinais, com professores bilíngües e professores surdos. O ideal proposto pelos representantes surdos, por ocasião dos seminários realizados no estado, critica a manutenção dos surdos dentro dos espaços das escolas que estão estruturadas para ensinar e aprender em português, com alunos que crescem ouvindo e falando esta língua, ou seja, as proposições são contrárias às propostas de inclusão nesta perspectiva. Os movimentos surdos clamam por inclusão em uma outra perspectiva. Nota-se que eles entendem a inclusão como garantia dos direitos de terem acesso à educação de fato, consolidada em princípios pedagógicos que estejam adequados aos surdos. As proposições ultrapassam as questões lingüísticas, incluindo aspectos sociais, culturais, políticos e educacionais. (Quadros, 2006)
Quadros conclui seu trabalho destacando que a escola que os
surdos querem e a escola possível, no atual contexto, ainda não são convergentes,
pois permanece a incompatibilidade, entre a proposta de educação inclusiva
(inclusão dos surdos na rede regular que ensina em português) e os anseios dos
surdos (acesso aos conhecimentos em língua de sinais). Enfatiza, no entanto, que
os surdos, apesar das objeções, aceitam e apóiam a política de educação dos
surdos, pois desejam sua realização como processo para o alcance de suas
reivindicações. Afinal:
Nesse caminho, se a proposta for implantada efetivamente, mesmo com dificuldades, mais surdos estarão compartilhando os espaços escolares. Com esse crescimento, os próprios surdos intelectuais passarão a criticar a opção que está sendo criada por alguns governos e manifestarão o seu desejo: uma escola pública “regular”, mas com professores surdos, professores bilíngües e, em último caso, com intérpretes da língua de sinais. Os próprios surdos estão nos ensinando sobre como aprendem de fato. À medida que os surdos ocuparem posições autorizadas pela sociedade, ou seja, com a devida formação acadêmica, os espaços de negociação serão ampliados. (Quadros, 2006)
24
Relato da intervenção realizada A intervenção resultante dos estudos e pesquisas realizados ocorreu
através de Evento de Extensão da UEL, organizado e ministrado por duas
professoras orientadoras da UEL e seis professoras PDE da área de Educação
Especial e foi aberto à participação de professores do ensino regular e das escolas
especiais, com duração de trinta e duas horas, divididas em quatro encontros de oito
horas, destinados às atividades/discussões de cada uma das áreas: auditiva, visual,
física e mental, ministrados pelas professoras PDE, além de palestras de abertura e
de encerramento com as professoras orientadoras. Os encontros se realizaram aos
sábados, um por mês, os inscritos foram divididos em quatro grupos e cada grupo, a
cada sábado, participava das atividades de uma das áreas.
O encontro da área auditiva, ao qual se refere este trabalho, centrou-
se sobre a questão: o que os professores do ensino regular precisam saber sobre
surdez e sobre a linguagem do surdo, no atual contexto educacional em que se
determina/realiza a inclusão dos alunos com necessidades educacionais especiais
no ensino regular e o professor do ensino regular, que não tem formação e/ou
experiência nessa área, pode se deparar, a qualquer momento, com um aluno surdo
ou com deficiência auditiva em sua sala de aula.
A fim de possibilitar a discussão, foram repassadas aos participantes
informações básicas sobre audição e surdez. Iniciando pela constituição do ouvido
humano e o som; caracterização da surdez quanto: ao período de aquisição, à
etiologia (causas), localização (tipo de perda) e ao grau de comprometimento (grau
e/ou intensidade da perda auditiva); relação entre grau da surdez e desenvolvimento
infantil; reabilitação oral e dispositivos de amplificação sonora; linguagem e surdez.
A seguir uma síntese da história da educação dos surdos; das concepções de
surdez e da legislação relativa à inclusão que se refere à surdez.
O ponto de partida para a discussão foi o estudo de caso de alunos
surdos matriculados na escola regular, que evidenciou claramente, no primeiro
momento, a insegurança dos professores em relação ao trabalho com aluno com
necessidades especiais no ensino regular, no caso o aluno surdo. A primeira reação
do professor é dizer que não saberia o que fazer, que não está preparado para
assumir este trabalho, no entanto, ao ser aberta a discussão e ao serem
apresentados relatos de experiências com a inclusão de surdos no ensino regular,
25
os participantes começam a demonstrar interesse em conhecer mais sobre a
condição do aluno surdo e suas necessidades especiais e disposição para assumir o
trabalho.
A discussão prosseguiu com o repasse de informações sobre a
perda auditiva e o trabalho do professor; recursos visuais no processo de
aprendizagem de alunos surdos; línguas de sinais; aquisição da linguagem;
bilingüismo e educação bilíngüe para surdos, adaptações de acesso ao currículo na
educação de surdos; intérprete de LIBRAS- Língua portuguesa e avaliação do aluno
surdo no ensino regular. Foram ainda repassadas algumas informações sobre
aspectos lingüísticos da LIBRAS-Língua Brasileira de Sinais, sobre o signwriting-
sistema de escrita para línguas de sinais e sobre onde encontrar informações sobre
surdez e orientações/sugestões para o trabalho com alunos surdos no ensino
regular, foi também apresentado o material do projeto LIBRAS É LEGAL, para
observação da LIBRAS e do signwriting.
A avaliação do grupo, ao final de cada encontro, foi sempre muito
positiva, pois, segundo os participantes, trouxe informações novas e importantes
para a grande maioria dos participantes e principalmente por abrir espaço para
discussões e troca de experiências, além de despertar o interesse para conhecer
mais sobre inclusão de alunos com necessidades especiais, no caso o aluno surdo
ou com deficiência auditiva e a motivação para o trabalho com esses alunos.
CONCLUSÃO
Os estudos/pesquisas realizados apresentam o percurso da
Educação Especial e evidenciam o histórico de segregação do diferente,
especificamente no que se refere às pessoas com necessidades educacionais
especiais e mostra que a Educação Especial se constituiu como um sistema paralelo
de ensino, desvinculado do ensino regular. A legislação existe, mas, por ser apenas
indicativa, abre espaços para que a tentativa de integração desses alunos ao ensino
regular, além de não servir como porta de entrada para aqueles que estavam fora da
escola regular, crie mais segregação, dentro da própria escola regular, levando para
as classes especiais alunos que deveriam estar na sala regular e não trazendo os
alunos das escolas especiais para a escola regular, ou que a inclusão promova
26
novos arranjos que não permitem a apropriação efetiva do conhecimento pelos
alunos.
Enquanto isso a maior parte dos professores, por serem do ensino
regular, permanecem alheios ao problema, são surpreendidos pela eminência da
chegada à sua sala de aula de alunos com necessidades educacionais especiais e
se dizem contra e/ou despreparados para esta realidade. Diante deste quadro
decidimos pela pesquisa/estudo nessa área e, posteriormente, pela implementação
de uma ação que pudesse contribuir para a transformação dessa realidade, através
de um Evento de Extensão da UEL que propiciou aos participantes um primeiro
contato com as diferentes áreas da Educação Especial e um espaço para discussão
e troca de experiências.
O fato de um evento, pensado inicialmente para os professores do
ensino regular, ter atraído muitos professores que trabalham em escolas especiais
atenta para dois pontos importantes. O primeiro é o fato de que não vemos
necessidade de estudar/pesquisar aquilo que não vivenciamos e, portanto, a escola
regular jamais vai estar preparada antecipadamente, como querem alguns, para
receber os alunos com necessidades educacionais especiais. O segundo é que a
Educação Especial não está dando conta desse público, no que se refere ao
aspecto pedagógico, e muitas vezes também não sabe como trabalhar com esse
aluno.
O que é preciso? Antes de mais nada informação, sensibilização,
conscientização, é preciso que as pessoas, não só os professores do ensino regular,
conheçam a realidade, conheçam seus direitos e deveres, possam participar das
decisões e tenham segurança para agir, para tanto é necessário que haja espaços
para estudos e discussões. A apropriação de conhecimentos e a troca de idéias e
experiências farão a formação/capacitação do professor para atuar no sentido da
melhoria da qualidade da educação de todos os alunos, não só dos alunos com
necessidades educacionais especiais e, portanto, devem ser proporcionadas de
forma contínua, ampla e, o mais importante, em trabalho conjunto dos professores
do ensino regular e dos professores da educação especial.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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