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Trabalho de Conclusão de Curso EDUCAÇÃO E POBREZA: COMO OS GESTORES LIDAM COM ESSA QUESTÃO? Andréia Ternovoe Ruiz Fabiano dos Santos Resumo: Neste artigo discutiremos que a pobreza interfere na forma como os seres humanos produzem suas existências, se manifestando diretamente em suas bases materiais através da falta de renda, alimentos e moradia. Entendemos também, que a pobreza não se restringe à falta de recursos materiais, mas vai além, prejudicando a capacidade de participação social, acesso a culturas diferenciadas e aquisição de conhecimentos valorizados socialmente. Partindo dessa premissa, a escola é um lugar propício para socializar saberes fundamentais para emancipação de sujeitos, que compreendem seu modo de ser e estar no mundo. Por meio de pesquisas bibliográficas e de campo, buscamos definir como os gestores escolares e suas equipes pedagógicas enxergam a pobreza, e como lidam com os alunos que vivem nesta situação. Esta pesquisa buscou definir a função social da escola, além de levantar hipóteses de como se efetiva na prática a dualidade da escola pública brasileira, com funções distintas, sendo uma escola assentada no conhecimento para os ricos e outra em acolhimento social para os pobres, sem o comprometimento com sua efetiva emancipação. Ao analisarmos os dados coletados na pesquisa de campo, percebemos uma visão meritocrática que consiste em associar o sucesso aos esforços individuais, sem levar em consideração a pobreza em sua amplitude e complexidade nas questões que a produz, na dimensão social, política e econômica. Através das análises dos dados coletados entendemos que a principal função da escola pública é tornar acessível aos alunos os conhecimentos que são valorizados socialmente e, necessários para a formação de sujeitos que constroem suas vivências de modo consciente. Espera-se que esta pesquisa traga contribuições e reflexões sobre essa temática, permitindo uma melhor compreensão sobre a pobreza e o que ela demanda à educação, de forma que instigue o interesse dos profissionais da educação a retomarem e/ou intensificarem discussões em torno dos objetivos e funções da escola pública. Palavras-chave: Pobreza. Educação. Gestão Escolar. Formada em Pedagogia pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Secretária Escolar da Rede Municipal de Ensino de Naviraí-MS. Doutor em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina. Professor da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul

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Trabalho de Conclusão de Curso

EDUCAÇÃO E POBREZA:

COMO OS GESTORES LIDAM COM ESSA QUESTÃO?

Andréia Ternovoe Ruiz

Fabiano dos Santos

Resumo: Neste artigo discutiremos que a pobreza interfere na forma como os seres humanos

produzem suas existências, se manifestando diretamente em suas bases materiais através da

falta de renda, alimentos e moradia. Entendemos também, que a pobreza não se restringe à

falta de recursos materiais, mas vai além, prejudicando a capacidade de participação social,

acesso a culturas diferenciadas e aquisição de conhecimentos valorizados socialmente.

Partindo dessa premissa, a escola é um lugar propício para socializar saberes fundamentais

para emancipação de sujeitos, que compreendem seu modo de ser e estar no mundo. Por meio

de pesquisas bibliográficas e de campo, buscamos definir como os gestores escolares e suas

equipes pedagógicas enxergam a pobreza, e como lidam com os alunos que vivem nesta

situação. Esta pesquisa buscou definir a função social da escola, além de levantar hipóteses

de como se efetiva na prática a dualidade da escola pública brasileira, com funções distintas,

sendo uma escola assentada no conhecimento para os ricos e outra em acolhimento social para

os pobres, sem o comprometimento com sua efetiva emancipação. Ao analisarmos os dados

coletados na pesquisa de campo, percebemos uma visão meritocrática que consiste em

associar o sucesso aos esforços individuais, sem levar em consideração a pobreza em sua

amplitude e complexidade nas questões que a produz, na dimensão social, política e

econômica. Através das análises dos dados coletados entendemos que a principal função da

escola pública é tornar acessível aos alunos os conhecimentos que são valorizados

socialmente e, necessários para a formação de sujeitos que constroem suas vivências de modo

consciente. Espera-se que esta pesquisa traga contribuições e reflexões sobre essa temática,

permitindo uma melhor compreensão sobre a pobreza e o que ela demanda à educação, de

forma que instigue o interesse dos profissionais da educação a retomarem e/ou intensificarem

discussões em torno dos objetivos e funções da escola pública.

Palavras-chave: Pobreza. Educação. Gestão Escolar.

Formada em Pedagogia pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Secretária Escolar da Rede

Municipal de Ensino de Naviraí-MS. Doutor em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina. Professor da Universidade Federal de Mato

Grosso do Sul

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Trabalho de Conclusão de Curso

1. INTRODUÇÃO

Vivemos em uma sociedade de classes, com relação de dependência e dominação

entre elas. A globalização, que é uma tendência do capitalismo, através de projeto neoliberal,

impõe a economia de mercado global sem restrições, a competição ilimitada e a minimização

do Estado na área econômica e social.

Nesse cenário, se agrava cada vez mais o desemprego e a exclusão social e

econômica, pois não há trabalho compatível ao número de mão de obra disponível, ainda que

todos se qualifiquem de acordo com as exigências do mercado produtivo, assim, a renda do

progresso econômico não está disponível para todos.

Também discutiremos que esses fatos provocam o agravamento da pobreza e por

consequência interferem negativamente nas condições de vida dos sujeitos pobres. A pobreza

limita a capacidade dos sujeitos de viver com bem estar, da participação social, de voz, de

trabalho e, nos casos mais graves, provoca a fome.

Tendo em vista que o gestor escolar e, sua equipe pedagógica, são os principais

responsáveis pela orientação dos planos de trabalho e, ações realizadas pela escola e, se estão

de acordo com a demanda de formação dos alunos, consideramos importante desenvolver esta

pesquisa de modo a responder como esses profissionais enxergam a pobreza e, como lidam

com os alunos que vivem nesta situação.

Além disso, procuramos responder aos seguintes questionamentos: compreender as

discussões sobre a pobreza no seio de uma sociedade de classes, qual a função social da

escola frente à demanda da pobreza e como as influências e determinações, sobre o discurso

da escola como espaço de acolhimento da pobreza, influencia o trabalho dos gestores e suas

equipes pedagógicas.

Para responder a esses questionamentos realizamos pesquisas de campo em duas

escolas públicas do município de Naviraí-MS. Essas escolas foram selecionadas por

apresentarem características distintas uma da outra. Uma escola está localiza em uma região

muito pobre da cidade, enquanto a outra em uma região com melhores condições

socioeconômicas. Foram entrevistadas 6 pessoas, dentre elas gestores e suas equipes

pedagógicas.

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2. SOCIEDADE E POBREZA

A sociedade em que vivemos está dividida em classes. Diferentes pessoas ocupam

diferentes posições dentro dessa sociedade, e como consequência, uma minoria exerce

liderança em relação às demais. Esta relação é percebida na diferença de possibilidade e

detenção de poder político, econômico, prestígio social e, diferença de acesso, permanência e

sucesso na educação escolar.

Frigotto (2015) recorre à concepção materialista histórica da realidade e ao método

dialético para explicar como os seres humanos produzem socialmente as condições de suas

existências. Assim, afirma que a necessidade primordial do ser humano é comer, beber, ter

onde morar, antes de fazer política. O conflito e o antagonismo das classes sociais da

concepção materialista de economia são reprodutores da ordem social capitalista.

A globalização, que é uma tendência do capitalismo, através do projeto neoliberal,

impõe aos países periféricos a economia de mercado global sem restrições, a competição

ilimitada e a minimização do Estado na área econômica e social. Além de exigir que o

trabalhador seja polivalente, flexível e qualificado para acompanhar as transformações

tecnológicas.

Como resultado, percebe-se o crescimento do desemprego e da exclusão social, pois

não há postos de trabalho suficiente para a demanda da mão de obra disponível, ainda que

todos se qualifiquem de acordo com as exigências do mercado produtivo. Assim, os frutos

desse progresso econômico não podem ser usufruídos por todos, mas apenas a uma pequena

parcela da sociedade. (ANTUNES, ALVES, 2004)

Diante deste contexto não há como passar despercebido o aumentado da fome, do

desemprego, da falta de moradia. Em consequência deste projeto neoliberal, a pobreza se

intensifica e compromete as bases materiais do ser humano, do bem estar, da participação

social, do desenvolvimento em geral do ser humano. Crespo e Gurovitz (2012) citam Amartya

Sen (1999) para definir pobreza como “privação das capacidades básicas de um indivíduo e

não apenas como uma renda inferior a um patamar pré-estabelecido”.

A “capacidade” é entendida pelos autores citados acima como combinações de

alternativas de funcionamento de possível realização. Ou seja, a capacidade de conhecer e

utilizar meios ou oportunidades para atingir e manter uma vida digna que contemple suas

necessidades básicas de sobrevivência. Essa capacidade é um tipo de liberdade de realizar

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combinações alternativas de funcionamentos, e também a capacidade para escolher o estilo de

vida que se deseja.

Tais referências nos permitem dizer que a pobreza não se restringe à falta bens

materiais para a sobrevivência, como alimento, moradia, saúde, e que, além desses bens, ter

um trabalho bem remunerado, ter conforto de moradia e poder aquisitivo de consumo, não

garante a inexistência da pobreza.

Sob essa ótica, acreditamos que a pobreza vai além de recursos materiais que

garantem conforto. Acreditamos que existe a pobreza que consiste na falta de acesso ao

conhecimento que é produzido e valorizado socialmente, à falta de conhecimento de outras

culturas, à impossibilidade de participação na sociedade e à inexistência da capacidade de

exercer poder nas tomadas decisões políticas, que influenciam até mesmo a própria vida.

Entretanto, nem todos definem pobreza desta forma. É comum a culpa da pobreza

recair sobre o próprio pobre. Como afirma Arroyo (2014) a pedagogia e a docência quando

consideram que os alunos pobres têm carências de conhecimentos, de valores, de hábitos de

estudo, de disciplina, de moralidade, reforçam uma concepção que responsabiliza a pobreza

moral pela pobreza material. Por isso, é comum no meio social os pobres serem culpados por

sua pobreza e desemprego. Pensada assim, a pobreza na escola, não é contextualizada em sua

amplitude e complexidade em questões social, política e econômica que a produz, restando

apenas conceitos esteriotipados de pobreza.

Quem vive na pobreza apresenta dificuldade em desenvolver capacidades e, por

consequência, não têm opções de escolha sobre o estilo de vida. Aos pobres é negado o direito

a uma vida digna, que contemple suas necessidades mais básicas, como moradia, educação,

alimentação, trabalho e participação social. Neste contexto, o sistema produtivo do

capitalismo demanda à educação escolar o desafio de capacitação e requalificação dos

trabalhadores, formando um contingente sofisticado para atender um mercado diversificado e

manter a competitividade. (LIBÂNEO, 2003)

É fundamental destacar que, neste contexto de sociedade de classes, de relação de

poder e dominação, de pobreza que compromete o viver do ser humano, intensificada pelo

processo produtivo do capitalismo, como já foi mencionado anteriormente, Libâneo (2003)

destaca que a educação escolar precisa formar sujeitos sociais, com competência e habilidades

para a participação na vida social através da elevação de níveis científicos, cultural e técnico.

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Garantindo assim, que os pobres não sejam mais marginalizados, mas que sejam incluídos em

padrões de vida que valorizam a dignidade da pessoa humana.

3. FUNÇÃO SOCIAL DA ESCOLA

Em tempos hodiernos a educação escolar tem sido alvo de constantes indagações

sobre sua função social, como ela deve estar planejada e organizada, de modo a atender as

demandas que emergem das transformações que ocorrem diariamente na sociedade.

A definição de sua função social é marcada por princípios ideológicos, por isso, se

torna complexa. Segundo Libâneo (2012) a definição de sua função social, até mesmo no

campo educacional, apresenta divergências quanto sua função de escola pública no cenário

atual. Evidentemente a natureza das práticas pedagógicas é direcionada por ideais políticos e

sociológicos, conforme descrevemos a seguir.

O alvo à escola não é novidade da atualidade. Ainda na década de 20, Gramsci,

jornalista e escritor de teoria política, acreditava que a escola fosse um dos principais agentes

de mudanças na sociedade. Gramsci pensou na estruturação de uma escola policténica, que

combina as disciplinas técnicas e acadêmicas com o mundo do trabalho.

A crise terá uma solução que, racionalmente, deveria seguir esta linha:

escola única inicial de cultura geral, humanista, formativa, que

equilibre equanimemente o desenvolvimento da capacidade de

trabalhar manualmente (tecnicamente, industrialmente) e o

desenvolvimento das capacidades de trabalho intelectual. (GRAMSCI,

1982, p. 118)

Assim, Gramsci (1982) defende uma escola unitária, e a caracteriza como um espaço

de disseminação da teoria através de práticas de ensino que não separa a formação teórica da

formação técnica para o trabalho. Para Gramsci a teoria e a prática não se separam, pois,

defende que o profissional trabalhador não pode ser formado apenas com o conhecimento de

técnicas, sem que tenha conhecimento da teoria da qual foram originadas, da mesma forma,

não considera adequado um ensino puramente teórico.

Gramsci identificou a escola baseada em uma estrutura dualista: uma perspectiva está

voltada para a formação da elite, que promove a educação clássica, que forma as classes

dominantes e os intelectuais, e outra voltada para a profissionalização, essa destinada às

classes subalternas, cujo objetivo é instrumentalização, ou seja, pessoas que vivem do

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trabalho manual, que não precisam de conhecimentos teóricos, mas apenas conhecimentos de

técnicas profissionalizantes. (GRAMSCI, 1982)

É essencial destacar que a dualidade da escola pública não é novidade do atual

cenário da sociedade. Como vimos Gramsci, no início do século XX, já apontava essa

dualidade quando defendia a escola unitária em que a teoria e a prática são indissociáveis.

Recentemente, Libâneo (2012) também caracteriza a dualidade da escola pública, em

especial a brasileira. Libâneo a põe em xeque quando a qualifica como “dualismo perverso”,

definindo o dualismo como a escola do conhecimento reservada aos ricos, e a escola de

acolhimento social destinada aos pobres.

Ocorre que as políticas sociais são elaboradas para instrumentalizar a política

econômica. A concepção de uma escola para a integração social, tem sua origem na

Declaração Mundial sobre Educação para Todos, de 1990, que considera que o papel da

escola é prover conhecimentos necessários à vida prática dos alunos, com uma aprendizagem

desprovida de caráter cognitivo. Nesta perspectiva, Libâneo caracteriza o dualismo indicando

que a escola dos pobres é considerada lugar de acolhimento social, da convivência entre os

diferentes, de solidariedade entre as pessoas.

Evangelista e Shiroma (2012) apontam que esse acolhimento social foi idealizado

por negociações internacionais como medidas para aliviar a pobreza, já que “a restruturação

produtiva aumentou à precarização do emprego, aumento do número de desempregados e suas

indeléveis consequências”. (EVANGELISTA e SHIROMA, 2012, p. 5)

Portanto, conclui-se que, para o capitalismo, a dualidade da escola consiste em

instrumentalização para o trabalho destinada aos pobres, e esse trabalho não é para

emancipação, mas para alienação do trabalhador. Ao mesmo tempo, Libâneo (2012) chama a

atenção para a tendência de aferir à escola a função de acolhimento social para os pobres, de

alívio à pobreza, para reconfigurar a escola de forma a não trabalhar no sentido de apresentar

os conteúdos historicamente acumulados pela humanidade e, consequentemente impede a

emancipação dos alunos.

Desta forma, suprime o direito de alunos pobres adquirir conhecimentos e

aprendizagem necessários ao autorreconhecimento como sujeitos que constroem suas

vivências, que compreendem seu modo ser e estar no mundo.

É fundamental destacar que a maneira como a escola está hoje organizada é resultado

da atual reestruturação produtiva do capitalismo, que impõe à escola o desafio de formar mão

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de obra, bem como requalificar os trabalhadores, de modo que atenda as exigências do

sistema produtivo, que forme consumidores exigentes para um mercado diversificado. Os

projetos de elevação da qualidade do ensino nos sistemas educativos estão atrelados aos

objetivos de garantir condições de competitividade, eficiência e produtividades que o mercado

define como qualidade total. (LIBÂNEO, 2003)

Conforme analisa Arroyo (2014), quando a pobreza é vista como resultado de

pessoas desqualificadas para o trabalho, a escola assume o papel de qualificar e tornar os

pobres empregáveis. E faz isso sem conhecer as condições sociais e materiais que produzem

suas vivencias como seres humanos.

Por isso, Libâneo (2003) adverte que a educação escolar precisa reagir e tomar novos

rumos, demonstrando à sociedade a importância da formação no âmbito escolar de sujeitos

sociais, com competência e habilidades para a participação na vida social através da elevação

de níveis científicos, cultural e técnico. É neste contexto que Libâneo aponta a tríplice

responsabilidade à educação pública:

[...] ser agente de mudanças, capaz de gerar conhecimentos e desenvolver a ciência e

a tecnologia; trabalhar a tradição e os valores nacionais ante a pressão mundial de

descaracterização da soberania e das nações periféricas; preparar cidadãos capazes

de entender o mundo, seu país, sua realidade e transformá-lo positivamente.

(LIBÂNEO, 2003, p. 118)

Diante deste contexto, surge uma questão de grande relevância e que merece ser

pontuada. Como as escolas têm reagido aos ditames do capitalismo? Libâneo (2003) ao citar

Figotto (1995), aponta um desafio aos sistemas educativos e à escola destacando a urgência da

escola disputar o controle do progresso técnico, do conhecimento, tomando esse controle da

esfera privada de modo a atender as necessidades humanas para garantir sua emancipação.

De modo semelhante Saviani (1984) contribui com essas reflexões a cerca da

especificidade da educação ao afirmar que a escola é uma instituição que tem como papel

fundamental a socialização do saber sistematizado. Saber produzido pela existência humana e

necessário para a própria continuidade dessa existência. Por isso afirma: “o trabalho educativo

é o ato de produzir, direta e intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade que

é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens”. (1984, p. 2). Nessa

perspectiva Saviani esclarece que é objeto da educação socializar o saber sistematizado, o

conhecimento elaborado e para isso precisa descobrir formas adequadas para atingir esse

objetivo.

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4. GESTÃO DEMOCRÁTICA NUMA PERSPECTIVA DE CLASSE

A gestão democrática na educação pública, prescrita em princípio constitucional e

regulamentada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional tem sido alvo de

reflexões na atual sociedade sobre sua eficiência em ser “democrática”, principalmente na

promoção de igualdade de acesso e permanência dos alunos à escola.

A gestão democrática se concretiza quando sujeitos dialogam e buscam juntos

diferentes alternativas para solução de conflitos, assim envolve diferentes pessoas e através da

comunicação, unem suas forças para trabalhar por objetivos comuns.

A gestão democrática na escola pública se diferencia da gestão gerencial, pois,

aquela carrega consigo uma especificidade que as empresas não possuem, ela lida diretamente

e unicamente com a formação humana. Cury (2002, p. 173) cita que “a gestão democrática

expressa um anseio de crescimento dos indivíduos como cidadãos e do crescimento da

sociedade enquanto sociedade democrática”. Assim, reafirma que a escola é um “espaço de

construção democrática, respeitando o caráter específico da instituição escolar como lugar de

ensino/aprendizagem”.

Como já foi dito, vivemos em uma sociedade de classes onde uma exerce poder

sobre as demais e, nas escolas essa relação de poder se manifesta por meio da definição de um

modelo de educação que atenda os interesses dos detentores do poder. Porém, se nas escolas

públicas o princípio da gestão é democrático, e isto implica diálogo e participação entre seus

atores, logo há um meio para enfrentar esses interesses que são contrários a função social da

escola.

Assim, por meio da gestão democrática é possível unir forças para enfrentar o

desafio lançado por Libâneo (2003) quando aponta a necessidade da educação escolar tomar

novos rumos e demonstrar à sociedade que sua especificidade é a formação de sujeitos

sociais, que tenham competências e habilidades para a participação na vida social através da

elevação de níveis científicos, cultural e técnico.

Diante deste contexto uma questão importante a ser debatida é como os gestores

escolares e suas equipes pedagógicas enxergam a pobreza e como lidam com os alunos que

vivem nesta situação. Quem são seus alunos, suas características pessoais e modos de viver.

Quais suas necessidades educacionais e humanas. Como organizar a escola para atender estes

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alunos, promovendo condições educacionais favoráveis para sua emancipação. Sobre essa

temática Arroyo argumenta que:

Para compreender esses sujeitos, é necessário dar maior centralidade às condições

sociais e materiais de suas vivências e sobrevivências como seres humanos. Os

percursos escolares trazem as marcas das trajetórias de vida, das condições sociais

que lhes são dadas para produzir suas existências. (ARROYO, 2014, p. 14)

Para trabalhar em educação é preciso conhecer as demandas da comunidade escolar.

É preciso conhecer a realidade da comunidade. A pobreza traz desafios e demandas à escola.

Neste contexto é imprescindível que o gestor escolar, juntamente com sua equipe pedagógica,

desenvolva competências que possibilitam realizar ajustes e mudanças para atender as

demandas que emergem do contexto da realidade da escola e da comunidade local.

Todo profissional deve ter uma visão ampla de seu campo de atuação e do conjunto

de competências necessárias para o desempenho de sua função. O conhecimento da realidade

direciona a organização do projeto político-pedagógico da escola e seu currículo, define o

papel da escola e o desempenho de seus profissionais.

Um gestor escolar, que atua de acordo com os princípios da gestão democrática é um

profissional que trabalha na sua especificidade para garantir a consolidação de um direito

constitucional da cidadania. O gestor, membro maior de um colegiado escolar, dissemina

informações, as atualiza, dialoga com os demais profissionais, reivindica melhores condições

no âmbito escolar, articula suas ações com os princípios norteadores do projeto pedagógico

sempre visando alcançar um padrão de qualidade que seja capaz de efetivar o direito à

educação escolar. (CURY, 2007)

Este contexto exige não somente o ideal de ensinar de acordo com o saber produzido

socialmente. A questão é muito mais complexa e exige que o gestor escolar e sua equipe

pedagógica tenham clareza de qual o papel da escola, e se este atende as demandas sociais.

Por isso, Cury afirma que:

[...] a educação escolar liberando os estudantes da ignorância e de uma visão

espontânea do real possam ter mais um patamar de sua consciência de si como

sujeitos e de seus direitos como cidadãos [...] Participar de modo consciente dos

destinos de sua comunidade política, eis o sentido maior da ação livre, autônoma

inclusiva e igualitária dos cidadãos. (CURY, 2007, p. 11)

Sob essa ótica, o gestor escolar é o principal responsável pela orientação dos planos

de trabalho e ações realizadas pela escola e, se estão de acordo com a demanda de formação

dos alunos. Para o alcance de bons resultados é imprescindível que o gestor promova a

integração entre os profissionais, para garantir que todos trabalhem com um mesmo foco.

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Paralelamente a esta perspectiva, é essencial destacar que as políticas educacionais,

formuladas com bases de cunho político e sociológico, influenciados por ideais neoliberais,

ditam como deve ocorrer a organização escolar e definem o papel do gestor e de seus

profissionais.

Campos (ANO) aponta que mecanismos de controle das políticas educacionais vêm

adotando princípios que entram em conflito com a formação para a cidadania. Adotando

princípios mercadológicos que ditam normas gerenciais para as escolas, como se elas fossem

empresas, definindo padrões de qualidade, equidade e eficiência. Caminhos que infelizmente

não levarão os alunos a alcançar a emancipação de suas condições de vida.

Se por um lado as políticas públicas educacionais ditam as diretrizes, por outro

precisamos ter consciência que estamos em um lugar de subalternidade, afirmam Evangelista

e Shiroma, e acrescentam: “Não será a política educativa contingenciada a tais agências que

dele nos tirará. Da mesma forma, não será o mero proselitismo sobre o alívio da pobreza que,

por muito tempo, o revide dos pobres conterá” (2012, p. 23).

A luta política e profissional é um dever de todos os educadores. E para combater

princípios que se diferem de uma educação e ensino assentados nas necessidades humanas e

sociais, são necessárias teorias sólidas. Estes fatos evidenciam a necessidade de os educadores

retomarem discussões com o intuito de definir objetivos e funções da escola pública, criar um

novo modelo de escola, com novas formas de funcionamento. (LIBÂNEO, 2012)

Mediante a situação aqui apresentada, é de grande relevância destacar como os

gestores escolares e suas equipes pedagógicas exercem suas funções neste cenário. De que

forma disseminam em seus ambientes de trabalho orientações pedagógicas para educar alunos

pobres, e qual a função da escola neste contexto.

5. ANÁLISE DA PESQUISA DE CAMPO

Tendo em vista que o gestor escolar e sua equipe pedagógica são os principais

responsáveis pela orientação dos planos de trabalho e ações realizadas pela escola e, se estão

de acordo com a demanda de formação dos alunos, consideramos importante traçar um roteiro

de entrevista que nos permitiu compreender como esses profissionais enxergam a pobreza e

como lidam com os alunos que vivem nesta situação. Além de compreendermos o que pensam

sobre a pobreza, sobre a função social da escola e como se concretiza o discurso da escola

como espaço de acolhimento social para os pobres.

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Ao perguntarmos como descrevem a sociedade em que vivemos, como ela está

organizada em questão de classes sociais, cultura, educação, distribuição de renda e

participação social as respostas apontaram certa compreensão sobre a função da escola.

O gestor 4 argumentou: “As classes sociais tão diferentes umas das outras. Uns com

tanto, outros com nada. Uns têm acesso à cultura outros não”. Esse gestor demonstrou

reconhecer as diferenças de acesso e oportunidades das diferentes classes sociais, que,

conforme já mencionado, a globalização, por meio de projeto neoliberal, gera competição

ilimitada e minimização do Estado na área econômica e social, quando deveriam essas

diferenças ser equilibradas por meio de ações do próprio Estado.

Já o Gestor 5 definiu que na sociedade: “Nossos direitos e deveres são iguais perante

a lei [...] porém, alguns tem mais oportunidades outros menos, mas existe os que buscam mais

essas oportunidades e os que buscam menos”. De forma similar respondeu o Gestor 4: “É

triste você ver pessoas que vivem no último grau de pobreza, que dependem dos outros pra

ganhar um prato de comida, porque não acham emprego. Tem uns que não acham, porque

também não querem procurar”.

Não podemos esquecer que a globalização, segundo Antunes e Alves (2004), gera o

crescimento do desemprego e da exclusão social, não há postos de trabalho suficiente para a

demanda da mão de obra disponível, mesmo que todos se qualifiquem de acordo com as

exigências do mercado produtivo. Desta forma, os frutos desse progresso econômico não

podem ser usufruídos por todos, mas apenas a uma pequena parcela da sociedade.

Em relação a definição de pobreza, sentimos a necessidade de compreender como os

gestores a conceituam no seio de uma sociedade de classes. O Gestor 6 relatou: “A maior

pobreza é àquela que nos entregamos a ela. Por exemplo, eu não tenho trabalho, não tenho um

emprego, mas posso fazer algo pra vender. [...]. Isso depende da perspectiva de vida, de

querer, porque eu vejo que tem famílias pobres, mas a criança vem limpinha pra escola”.

O gestor 1 afirmou: “Eu vim de uma família muito pobre, mas nem por isso a família

se desviou para outro lado, hoje as pessoas desviam para as drogas, tem aquela desculpa

porque é pobre. [...] A pessoa pobre ela tem dignidade, ela tem como vencer todas essas

diferenças na vida, basta a pessoa ter vontade.”

Estas afirmações refletem um conceito de pobreza formado por estereótipos. Como

analisa Arroyo (2014) quando a pedagogia e a docência consideram que os alunos pobres têm

carências de conhecimentos, de valores, de hábitos de estudo, de disciplina, de moralidade,

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reforçam uma concepção que responsabiliza a pobreza moral pela pobreza material. Seguindo

esse raciocínio, é comum os pobres serem culpados por sua pobreza e desemprego. Nos

relatos acima, é possível percebermos, ao mesmo tempo, uma visão meritocrática com a qual

o sucesso dependeria dos esforços individuais, e que as oportunidades seriam condicionadas

às formas de enfrentamento das dificuldades. Sabemos que numa sociedade de classes, que

prioriza a extração de mais-valia, e que enfrenta crise estrutural de desemprego, não basta

encontrarmos alternativas paliativas ao problema da pauperização da classe trabalhadora, o

problema não são as oportunidades, mas as condições materiais de uma sociedade que não

permite às pessoas sobreviverem dignamente através de seu trabalho.

Também objetivávamos compreender como os gestores escolares e suas equipes

pedagógicas lidavam com os alunos que vivem em situação de pobreza, se conhecem seus

alunos, suas características pessoais e modos de viver, como compreendem suas necessidades

educacionais e humanas, e como a escola está organizada para atender esses alunos.

Em relação a como lidar com alunos pobres o Gestor 2 respondeu: “Não tem como

em quatro horas a gente colocar tudo na cabeça do aluno. [...] Quando ele vem com uma

cultura de ler em casa, chega aqui faz a diferença. [...] Para os alunos que têm dificuldade de

aprendizagem temos o projeto de intervenção e também o projeto de psicomotricidade”. De

forma similar respondeu o Gestor 3 quando pontuou: “A gente chama a criança, conversa com

ela, conversa com o professor, encaminha a criança para o reforço”.

As dificuldades dos alunos pobres estão sendo tratadas apenas como dificuldades de

aprendizagem, sendo descontextualizadas de seu convívio social, que também influência. Esse

fato também foi observado na fala do Gestor 6: “A pobreza não supera o acompanhamento da

família na escola, [...] se ele tiver um acompanhamento em casa ele vai fazer diferença na

escola”.

Acompanhando as ideias de Arroyo (2014) é necessário para compreender esses

sujeitos, refletir sobre suas condições sociais e materiais que geram suas vivências e

sobrevivências como seres humanos. Assim, afirma que nos percursos escolares é possível

perceber as marcas das trajetórias de vida, das condições sociais que lhes são dadas para

produzir suas existências. Por isso, entendemos que os gestores precisam conhecer as

condições socioeconômicas dos alunos para que compreendam suas dificuldades e limitações

do modo de viver e enxergar a importância da formação escolar dos filhos.

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Trabalho de Conclusão de Curso

Ainda em relação a como lidar com a demanda da pobreza, o Gestor 3 relata: “Tem

muita criança que não entende porque os amigos têm um material diferente, a gente tenta

explicar pra ele que através da educação ele pode vencer essas adversidades”. Na mesma

perspectiva respondeu o Gestor 4: “Mostramos pra ele (aluno) que ele precisa estudar, se

desenvolver pra melhorar o padrão de vida dele quando ele crescer”.

Nesses relatos podemos perceber que, conforme analisa Arroyo (2014), quando a

pobreza é vista como resultado de pessoas desqualificadas para o trabalho, a escola assume o

papel de qualificar e tornar os pobres empregáveis, fato que é notório mediante as duas falas

aqui apresentadas. Porém, como já falamos anteriormente, no mercado de trabalho não há

espaço para todos, ainda que todos estejam qualificados profissionalmente.

O Gestor 6 relata que não conhece a pobreza no público atendido por sua escola:

“Desta questão da pobreza é difícil falar porque essa realidade não é com esse público, [...] as

dificuldades de aprendizagem estão relacionadas ao estímulo da família [...] muitos pais não

estão acompanhando, não cobram, não colocam os filhos pra estudar”.

Ao analisar esse relato podemos constatar que dificuldade de aprendizagem não é

uma característica específica da pobreza, mas entendemos que a falta de acesso a

conhecimentos, a culturas, limita a aprendizagem e o desenvolvimento dos alunos e, também

é uma forma de pobreza, pois limita a participação social, a consciência de sujeito e da forma

como produz seu modo de viver. Assim, entendemos que, viver em um ambiente com

diferentes recursos materiais e tecnológicos não garante que a pessoa tem acesso ao

conhecimento e à participação social.

Com a realização dessa pesquisa, também foi possível perceber como o dualismo da

escola brasileira se concretiza neste município. Realmente as duas escolas pesquisadas são

bem diferentes uma da outra. Uma está localiza em uma região muito pobre e a outra em uma

região com melhores condições socioeconômicas.

Lembrando que Libâneo (2012) caracteriza a dualidade da escola pública brasileira

como a escola do conhecimento reservada aos ricos, e a escola de acolhimento social

destinada aos pobres. Esse fato se manifesta o tempo todo na pesquisa, pois em uma escola os

profissionais falam claramente sobre a pobreza, como vivenciam com ela no cotidiano

apresentando as dificuldades que enfrentam. Enquanto que a outra escola tem dificuldade de

falar sobre a questão da pobreza e seus problemas se baseiam nas dificuldades de trabalhar

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Trabalho de Conclusão de Curso

conteúdos e conquistar o comprometimento das famílias e dos alunos durante a formação

escolar.

Como mencionado anteriormente, Libâneo (2012) também caracteriza o dualismo

indicando que a escola dos pobres é considerada lugar de acolhimento social da pobreza, da

convivência entre os diferentes, de solidariedade entre as pessoas. E Evangelista e Shiroma

(2012) apontam o surgimento do acolhimento social nas negociações internacionais,

intencionando aliviar a pobreza, provocada pela precarização do emprego, aumento do

número de desempregados e, suas consequências devastadoras na sociedade e, no modo de

sobrevivências das pessoas.

Essas pesquisas bibliográficas são confirmadas por meio da fala do Gestor 4: “A

gente tenta ajudar. Nós temos os projetos solidários de alimentos, roupas. [...] Acho que

deveria ter escola em tempo integral pra esses alunos de classe menos favorecida, pra eles não

ficarem na rua”. Assim como o Gestor 3: “A nossa preocupação é saber se a criança veio

alimentada para a escola”. Como também na fala do Gestor 2: “Temos vários alunos com

dificuldades financeiras e dentro do possível a escola tenta prestar ajuda”. Acrescenta o

Gestor 6: “Deveríamos fazer mais projetos sociais, mais acompanhamento com a família [...]

Às vezes a escola ao mesmo tempo é o único espaço que a criança tem de aprender a

compartilhar, ter afeto, carinho que não recebe em casa. Então o que a gente pode contribuir é

ensinar esses valores”.

Evidentemente a natureza das práticas pedagógicas está direcionada por ideais

políticos e sociológicos, e como nas escolas públicas a gestão tem o princípio democrático,

entendemos que os profissionais da escola dialogam e buscam juntos diferentes alternativas

para solução de conflitos, assim envolve diferentes pessoas e através da comunicação, unem

suas forças para trabalhar por objetivos comuns.

A partir deste ponto de vista, se tornou essencial compreender como os gestores

definem o papel social da escola. Para análise dessa questão, destacamos a fala do Gestor 2:

“A função da escola é expandir o horizonte da criança, expandir o conhecimento, a cultura do

aluno”. De forma similar respondeu o Gestor 5: “Levar de forma eficaz o conhecimento para

o aluno, e ampliar o conhecimento que o aluno traz”.

Conforme destaca Libâneo (2003) a educação escolar contribui para a formação de

sujeitos sociais, com competências e habilidades para a participação na vida social através da

elevação de níveis científicos, cultural e técnico. Porém, Libâneo adverte que, a escola pública

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Trabalho de Conclusão de Curso

precisa enfrentar imposições colocadas a ela pela sociedade capitalista que, difere do seu

papel de agente de mudanças na formação humana e preservação a dignidade das pessoas.

Infelizmente nem todos os gestores tem essa visão sobre a função social da escola. O

gestor 1 não foi claro em sua definição ao citar: “A escola é uma entidade que ainda consegue

fazer o seu papel que é transmitir valores para as famílias. [...] Temos que ser um agente

transformador, que transforma a mentalidade, o pensamento das pessoas para o bem”. Neste

conceito está implícito que, a ideia dos valores e de “fazer o bem”, pode estar relacionada ao

fato de, quem é pobre não tem valores morais e, por isso, é comum cometer inflações.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os dados obtidos na realização desta pesquisa, embora não conclusivos, nos permite

fazer algumas considerações a respeito da forma como os gestores escolares lidam com a

pobreza no cotidiano da escola.

Tendo em vista que a natureza das práticas pedagógicas está direcionada por ideais

políticos e sociológicos e, que o gestor escolar e sua equipe pedagógica são os principais

responsáveis pela orientação dos planos de trabalho, por ações realizadas pela escola e

atendimento à demanda de formação dos alunos, entendemos que a educação escolar precisa

formar sujeitos sociais, com competência e habilidades para a participação na vida social

através da elevação de níveis científicos, cultural e técnico.

Entretanto, observamos em alguns relatos uma visão meritocrática com a qual o

sucesso dependeria dos esforços individuais, e que as oportunidades seriam condicionadas às

formas de enfrentamento das dificuldades. Pensando assim, não há muito o que fazer para o

pobre, pois ele não estaria aproveitando as oportunidades que surgem no cotidiano para mudar

de vida, recebendo então o mérito de ser pobre.

Neste contexto, analisamos que na sociedade de classes, que prioriza a extração de

mais-valia, e que enfrenta crise estrutural de desemprego, não basta encontrarmos alternativas

paliativas ao problema da pauperização da classe trabalhadora, o problema não se vincula

apenas às oportunidades, mas as condições materiais de uma sociedade que não permite às

pessoas sobreviverem dignamente através de seu trabalho. Por isso, não devemos culpar os

pobres de sua “situação de pobreza”. Precisamos, sim, compreender a pobreza em sua

amplitude e complexidade nas questões que a produz, na dimensão social, política e

econômica.

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Trabalho de Conclusão de Curso

Durante a pesquisa também observamos como as escolas desenvolvem atividades

que a caracterizam como espaço para acolhimento da pobreza, como atividades para aliviar as

precárias condições a que são submetidos os pobres.

Contrariando essa realidade, entendemos que a principal função da escola pública é

tornar acessível aos alunos os conhecimentos que são valorizados socialmente e, necessários

para a formação de sujeitos que constroem suas vivências, que compreendem seu modo ser e

estar no mundo. E, para isso, se torna necessário que os próprios alunos compreendam como

são produzidas as condições sociais e materiais de suas vivências e sobrevivências como seres

humanos, as condições sociais a que são submetidos para produzirem suas existências.

Com base nos resultados dessa pesquisa, entendemos imprescindível que o gestor escolar,

juntamente com sua equipe pedagógica, desenvolva estratégias que possibilitem realizar

ajustes e mudanças para atender as demandas que emergem do contexto da realidade da

escola e da comunidade local.

7. REFERÊNCIAS

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