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EDUCAÇÃO AMBIENTAL CRÍTICA, SOCIEDADE E CIDADANIA – QUESTÕES PARA O COTIDIANO Vicente Simão de Vasconcelos

EDUCAÇÃO AMBIENTAL CRÍTICA, SOCIEDADE E CIDADANIA – QUESTÕES … · Se for feita uma comparação do mundo de hoje e do que o ser humano representa nele em relação aos tempos

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EDUCAÇÃO AMBIENTAL CRÍTICA, SOCIEDADE E CIDADANIA – QUESTÕES

PARA O COTIDIANO

Vicente Simão de Vasconcelos

Aos que acreditam, lutam e ousam construir, de forma consciente, coletiva, permanente e objetiva, um processo educacional crítico e transformador, a cidadania plena para todos e um mundo sempre melhor em todos os aspectos.

SUMÁRIO Introdução 1- O ser humano e o meio ambiente .................................................................... 2- A educação como aliada da educação ambiental .......................................... 3- A escola como espaço e meio de construção da consciência ambiental ....... 4- O que é educação ambiental crítica? .............................................................. 5- O educador como mediador do processo de construção da consciência ambiental ............................................................................................................... 6- O legado de Paulo Freire para a educação ambiental crítica ...................... 7- Meio ambiente e interdisciplinaridade ........................................................... 8- O analfabetismo ambiental ..............................................................................

9- Os problemas ambientais do momento ..........................................................

10- Organização, mobilização e lutas sociais em prol do meio ambiente ........ 11- A cidade, seus problemas e o debate da questão ambiental .......................

12- A formação do cidadão ambiental ................................................................

13- Meio ambiente, desigualdades, injustiças e conflitos socioambientais ......

14- Consciência ambiental ...................................................................................

15- O ecochatismo .................................................................................................

16- Pensar e agir local e globalmente .................................................................. 17- O exercício da cidadania ambiental ..............................................................

18- Dilemas da questão ambiental ....................................................................... Referências bibliográficas ...................................................................................

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INTRODUÇÃO

É inegável que a questão ambiental alcançou nestes últimos tempos um grau de importância como jamais visto anteriormente. Da mesma forma, pode-se dizer sobre a gravidade dos diversos problemas ambientais, que contínua e crescentemente, têm trazido consequências e fortes preocupações para as pessoas conscientes e responsáveis em lidar com essa situação.

Vários são os problemas ambientais com os quais convivemos diariamente em todos os níveis, como várias são também as ameaças que deles decorrem, inclusive em nível planetário. Tornou-se comum, por todos os meios, a abordagem dessa crise e seus possíveis desdobramentos. Sem dúvida alguma que o ser humano é o responsável diretamente por tudo que está ocorrendo. Mas entender os meandros dessa crise socioambiental exige uma abordagem mais séria, profunda e ampla, para que ela não seja entendida apenas superficialmente e pelo senso comum estabelecido, fatores estes limitadores de uma percepção real e concreta do assunto.

A crise não é somente um problema apenas da natureza em si, como muitos entendem e outros equivocadamente tentam colocar, mas da sociedade humana como um todo, do modelo civilizatório cristalizado nos últimos séculos, envolvendo aí as várias áreas e interesses, como a política, a economia, a constituição das diversas sociedades, os múltiplos aspectos culturais, a história, a área científica e tecnológica, a ética, a questão ecológica, a dimensão existencial humana, entre tantas outras, que estão profundamente relacionadas entre si, criando um quadro de forte complexidade, que exige dos mais atentos a necessidade de um maior aprofundamento em qualquer análise que se queira fazer para alcançar um entendimento real dessa questão.

Somente a partir do final do século vinte e início do século vinte e um, é que se tornou consensual que é momento de o ser humano se voltar concretamente para a questão ambiental e a crise que a atinge, enxergando-as com outros olhares e perspectivas, se reconhecendo como parte do problema, mas também como possível sujeito responsável pela sua superação. Daí não se poder mais ignorar ou se conformar com essa crise socioambiental, nem protelar a necessidade urgente de construção de alternativas que objetivem superar os desafios que estão postos, como se nada de sério estivesse ocorrendo.

No que diz respeito ao enfrentamento e superação da crise socioambiental, não há caminhos fáceis a serem percorridos. Também não há tempo nem espaço para ingenuidades, simplismos e ilusões dos inocentes. Os problemas relativos à área ambiental são concretos e reais. Estão presentes em todos os lugares, a olhos vistos, e precisam ser urgente e corretamente diagnosticados e resolvidos o quanto antes, sob risco de o quadro de crise já desfavorável se agravar ainda mais, contribuindo com seu aprofundamento e a imprevisibilidade de suas consequências.

Dentre as várias formas de construir meios alternativos de superação dessa crise, sem dúvida alguma que a educação ambiental é um dos caminhos viáveis. Mas não uma educação ambiental alienada, parcial, superficial e fragmentada, fruto de modismos educacionais e românticos, com aspectos apolíticos e atemporais, fundamentada apenas na visão naturalista ou biologizante da questão ambiental, presente somente em datas ambientais comemorativas, com visão conservadora voltada apenas para aspectos conservacionistas.

Pelo contrário, necessita-se, urgentemente, de uma educação ambiental que seja crítica, emancipatória, transformadora e libertadora, inserida no contexto do mundo atual com sua diversidade e seus múltiplos problemas e possibilidades, elaborada coletivamente e sustentada por um ideário filosófico, político, pedagógico, cultural, científico, ecológico, dentre outros, que de fato dê conta de fundamentar uma alternativa plural, viável e funcional

para todos aqueles que têm compromisso com a vida, com a educação e com um mundo que seja melhor para todos nos mais variados sentidos.

Tudo bem que somente a educação ambiental crítica não dará conta de resolver todos os problemas relacionados com a crise socioambiental do planeta. Em nenhum momento, qualquer pessoa lúcida, séria e comprometida com a causa educacional e ambiental poderá dizer que a educação isolada de outras áreas solucionará os problemas apresentados. Mas sem dúvida que a educação é um meio indispensável e um caminho a ser trilhado na busca de alternativas e soluções. Mas é preciso deixar claro que esse é um desafio que exige um olhar crítico focado na realidade, tempo, preparação e planejamento, entre outras considerações, sem as quais não haverá progresso.

Em função dessas considerações, este trabalho propõe justamente abordar a educação ambiental crítica a partir de diversas considerações que estão diretamente relacionadas com a temática ambiental no cotidiano. São assuntos diversos – temas geradores -, mas que estão inseridos na realidade ambiental de praticamente todas as pessoas e lugares, mas sem a pretensão de ser um receituário de soluções individualistas e comportamentalistas, na forma de pacote, que em nada contribui para a construção de alternativas transformadoras e viáveis. Ao contrário, o que se quer é proporcionar apenas uma abordagem que pretende ser, ainda que minimamente, reflexiva, pertinente e provocadora, e contribuir com o despertar das pessoas e da causa ambiental de forma crítica e comprometida.

Como se sabe, muitas são as áreas relacionadas com a questão ambiental que caberiam em uma proposta de educação ambiental crítica, envolvente e tão necessária. Não é possível com este material contemplar todas essas áreas, sequer aprofundar as que são abordadas dentro das necessidades exigidas pelo momento. Também não é o seu objetivo limitar e esgotar o grau de importância dos mais variados temas que aqui estão apresentados e comentados. A ampliação e o aprofundamento desses diversos assuntos devem ser feitos de forma processual e gradativa, por vários meios, momentos e lugares, de acordo com as possibilidades e interesses de cada um.

O que se espera é que o estudo de seu conteúdo seja um motivo e também um incentivo para a continuidade e a realização de outros estudos, pesquisas e de ações concretas que possam contribuir com sucessivas e aprofundadas etapas de informação e formação crítica e continuada das pessoas, sobretudo de educadores ambientais (professores ou não), segmento cada vez mais necessário e valioso nesse contexto de crise socioambiental, mas ainda escasso e desarticulado.

Que a educação ambiental crítica seja cada vez mais uma presença concreta em todos os segmentos da sociedade e, principalmente, dentro dos variados espaços formativos e educativos, sobretudo as escolas, e a partir daí, que a formação de sujeitos ambientais (ou ecológicos) protagonistas seja constante, objetivando a construção de uma sociedade de fato mais elevada em todos os aspectos.

1- O SER HUMANO E O MEIO AMBIENTE O meio ambiente, ao contrário do que muitas pessoas entendem, não é apenas a natureza, com suas paisagens encantadoras, seus rios, matas, animais selvagens e mistérios. Meio ambiente é tudo isso e muito mais. As cidades se constituem em parte do meio ambiente, as fazendas com suas plantações e criações, assim como as indústrias, também formam o meio ambiente. As relações sociais ocorrem em um ambiente. O ser humano, onde quer que ele esteja e o que faça, também é parte integrante do meio ambiente. Assim, o meio ambiente é constituído pelos seres vivos, os componentes não vivos (água, terra, rocha, ar) e as relações diversas que ocorrem intensa e constantemente entre eles, inclusive as ações humanas, boas ou más. Dessa forma, entender o meio ambiente como sendo mais do que a natureza é importante, pois facilita entender sua complexidade e dinâmica, e é óbvio, o grau de impacto que tem sido causado a ele pelas contínuas e diferentes ações humanas. Já o ser humano forma uma espécie que, ao longo do tempo, sofreu uma lenta, mas contínua evolução biológica e, paralelamente a ela, por conta do desenvolvimento crescente de sua capacidade intelectual, foi processando sua evolução cultural, que ocorreu (e continua ocorrendo) no ambiente onde estava (e ainda se encontra) inserido. Esta, por sua vez, interferiu à medida que o tempo passava, na evolução biológica. Dessa forma, o ser humano é hoje uma espécie que após ter (lembre-se: ainda continua) alcançado uma ampla e profunda evolução cultural, consegue estar presente em todos os ambientes terrestres, elaborar, sistematizar, disseminar e aplicar as ideias e os produtos por ele construídos. Com isso, o ser humano, com o passar do tempo, foi interferindo e modificando os lugares onde ocupava, considerando que “a sobrevivência do homem é pautada pela exploração e transformação da natureza” (SANTOS, 2003, p. 285). Assim, ele inventou a agricultura, domesticou os animais, construiu, no início, as aldeias e os povoados e, posteriormente, as cidades, inventou a escrita, a roda, a arte, a religião, criou a ciência e a tecnologia, o comércio, a indústria e tantas outras coisas com alcance e aplicação em todas as áreas. Se for feita uma comparação do mundo de hoje e do que o ser humano representa nele em relação aos tempos passados, percebe-se facilmente a radical diferença em todos os aspectos que separa a atualidade dos tempos remotos. A partir disso, e com o crescimento populacional, a ação do ser humano sobre todos os ambientes ocupados por ele passou a ser mais intensa, e, já a partir dos últimos séculos, não há uma só região do planeta que não tenha sido ocupada e impactada pelas mais diversas ações humanas. Reforçando essa questão, cabe colocar que “a história do homem sobre a Terra é a história de uma ruptura progressiva entre o homem e o entorno” (SANTOS, 2008, p. 17). Desnecessário citar aqui quais ações, uma vez considerando que são várias, e ao menos uma ou outra delas é conhecida e até mesmo praticada por todos os seres humanos. Dessa forma, fica mais fácil entender que a relação mantida pelo ser humano com o ambiente, seja ele o natural ou com o que foi alterado por meio da ação cultural, é permanente, e, infelizmente, em muitos casos, inadequada e degradante. De qualquer forma, a inserção do ser humano no ambiente é inegável e a sua capacidade de modificá-lo ainda mais, pois “o ser humano é naturalmente um ser de intervenção no mundo, o que lhe permite deixar suas marcas como sujeito da história” (SCHWENDLER, 2001, p. 113).

Daí a necessidade de as pessoas nos dias de hoje assimilarem de fato o que isso significa, o alcance da presença humana sobre os diversos ambientes, o porquê da forte crise socioambiental do mundo moderno, que se dá em função do modelo societário vigente em praticamente todos os povos, decorrente de um processo civilizatório que já não mais possibilita uma relação amistosa e equilibrada entre as ações humanas e o meio ambiente.

Considerando que a capacidade intelectual do ser humano é enorme, e justamente por isso que ele conseguiu tamanho grau de evolução cultural, torna-se necessário agora, diante do desafio de enfrentar e superar essa tremenda crise socioambiental estabelecida historicamente, que ele utilize todo o potencial intelectual e criativo acumulado também ao longo da história e faça valer a denominação de Homo sapiens (homem que sabe) que ele possui. Esse é um desafio que está posto à humanidade. Estará ela preparada para superá-lo?

2- A EDUCAÇÃO COMO ALIADA DA QUESTÃO AMBIENTAL A educação é um processo que possibilita às pessoas e às sucessivas gerações serem portadora dos vários saberes, conhecimentos e informações que, ao longo do tempo, foram sendo elaborados, sistematizados, acumulados e disponibilizados pela humanidade.

A educação também é um processo em permanente construção nos aspectos social, político, cultural, antropológico e histórico. Portanto, ela não é neutra, pois apresenta em sua dinâmica a realidade e as contradições do contexto na qual está inserida, e pode produzir e reproduzir, em sua essência, a conjuntura e a estrutura de seu tempo, ou, o que seria ideal, se posicionar como contraponto a uma realidade quando essa for inadequada, procurando estar a serviço da construção de um novo ser humano e de um mundo melhor. Assim, “a educação tem sido, ao longo da história, um esforço de determinados grupos para reforçar ou mudar o que existe” (BRÜGGER, 2004, p. 41).

A educação pode se dar por meio do ensino formal ou escolarização (escola institucionalizada) ou não-formal ou informal (por meio da família, de atividades religiosas, dos partidos, ONGs, sindicatos e demais movimentos sociais). Mas qualquer que seja a sua forma, o tempo e o lugar, ela precisa ter um sentido concreto, contribuir com a formação e a elevação do ser humano, possibilitar a construção de novos horizontes. Para isso, há a necessidade de uma educação crítica e transformadora, pois ela “exige um tratamento mais vivo e dinâmico dos conhecimentos, que não podem ser transmitidos de um pólo a outro do processo, mas apropriados, construídos, de forma dinâmica, coletiva, cooperativa, contínua, interdisciplinar, democrática e participativa” (TOZONI-REIS, 2006, p. 97), inclusive que esteja voltada para contemplar as múltiplas demandas das questões socioambientais.

O conhecimento da realidade, a produção do conhecimento, o acesso aos diversos saberes, o acúmulo de informações de fato úteis e necessárias, a elaboração do pensamento crítico, a mudança de atitude e as ações concretas, objetivas e alternativas, a adoção de valores saudáveis, entre outros aspectos, devem fazer parte de um processo educativo autêntico. Afinal, “educar é emancipar a humanidade, criar estados de liberdades diante das condições que nos colocamos no processo histórico e propiciar alternativas para irmos além de tais condições” (LOUREIRO, 2005, p. 1484). Assim, a educação não pode servir apenas para o aprendizado da leitura, escrita e de cálculos. Ela precisa de um sentido, de um significado maior do que isso, uma vez que “educar é substantivamente formar” (FREIRE, 2005, p. 33), e formar contempla várias questões.

Como “educar é um ato político. Educar para quê e para quem é portanto uma pergunta cuja dimensão social a situa no cerne da chamada educação ambiental” (BRÜGGER, 2004, p. 82), daí a abrangência do processo educacional. Assim, transformar a realidade, sobretudo a adversa, qualquer que seja ela – política, econômica, cultural, social, ética, ambiental, etc. - deve ser sempre um compromisso permanente e o objetivo de qualquer processo educacional de fato crítico, humanista, emancipatório e libertador.

Sendo assim, vale considerar que a questão ambiental é, no momento, uma causa pertinente e justa, mas em disputa por interesses antagônicos. Além disso, existe de fato uma crise socioambiental como nunca antes houve na Terra, e a educação não pode ficar alheia a essa questão, considerando que ela pode contribuir, e muito, para as pessoas entenderem o que de fato está ocorrendo e, possivelmente, colaborar de alguma forma, por meio de informações, conhecimento, formação contínua e atitudes concretas e objetivas, com a construção de alternativas diferenciadas e viáveis.

Vale considerar que essa crise envolvendo o aspecto ambiental não surgiu por acaso, mas é derivada de outras crises, resultado de um processo histórico. Ela é alimentada por concepções de vida e por um modelo de cultura que entendem o meio ambiente apenas como uma fonte inesgotável de recursos para serem explorados, transformados e consumidos cada

vez mais pela humanidade, e, ao mesmo tempo, gerando altos lucros e riquezas, evidentemente que para alguns, em detrimento da maioria da humanidade, e acarretando um forte passivo ambiental que historicamente vem se acumulando e causando desequilíbrios para o meio ambiente.

Mas por outro lado, estão os que percebem a finitude do meio ambiente enquanto fonte de recursos, sua complexidade, os problemas decorrentes da relação ser humano versus meio ambiente e a necessidade de superação racional da crise socioambiental e civilizatória do mundo moderno e de suas injustiças, por um outro padrão civilizatório e societário que seja capaz de promover a construção de uma outra realidade mais justa, promissora e significativa em todos os aspectos.

Porém, é preciso ressalvar que a amplitude e complexidade da crise são tamanhas, que depositar somente na educação a solução para a superação de todos os desafios que estão postos pela crise é correr o risco de cair nas armadilhas tanto do otimismo ingênuo como do pessimismo ingênuo (CORTELLA, 2009; SAVIANI, 2004), que em nada poderão contribuir, sobretudo porque a educação, principalmente a escolar, por mais importante e necessária que seja, não pode ser vista como a redentora de todos os problemas que surgem, inclusive os ambientais.

Assim como a crise, a esfera de atuação para superá-la passa obrigatoriamente por várias frentes, como a política, a ética, a cultura, a econômica, a científica e tecnológica, entre tantas outras, e a educação, inserida nessa realidade, tem muito a contribuir, mas contextualizada com todas as outras áreas. Aí sim, a educação poderá cumprir a sua missão de ser um meio de transformação, de forma progressista e contínua.

3- A ESCOLA COMO ESPAÇO E MEIO DE CONSTRUÇÃO DA CONSCIÊNCIA AMBIENTAL

A escola é um espaço onde hoje, no Brasil, dezenas de milhões de crianças,

adolescentes, jovens e até adultos estudam. Assim, mesmo com todos os seus problemas explícitos e já conhecidos, ela se constitui em um ambiente propício para a promoção de estudos, atividades e de valores capazes de contribuírem com a construção da consciência ecológica e da cidadania ambiental diante dos desafios do século vinte e um.

De antemão, é necessário considerar que a escola, como parte integrante do sistema educacional formal, como espaço do bem comum, está inserida em uma sociedade permeada de contradições em vários aspectos e que é insustentável do ponto de vista socioambiental. Dentro da escola e na dinâmica de seu funcionamento, essa mesma sociedade está representada, caracterizada e reproduzida, ou seja, “ela faz parte do problema, não é somente parte da solução” (GADOTTI, 2008, p. 13). E o que é pior, muito frequentemente a escola acaba reproduzindo esse modelo de sociedade.

Nas escolas, sobretudo nas públicas de educação básica, estão presentes pessoas que vivem no seu dia-a-dia os mais variados problemas ambientais existentes na sociedade. Muitos são moradores de áreas de risco, convivem com o problema do lixo, com a falta de água tratada, com a inexistência de rede de esgoto, com a violência familiar e social, com as dificuldades financeiras e econômicas, com o desemprego, com os fortes e contínuos apelos consumistas, com a cultura do imediatismo, do individualismo e da competição, entre tantos outros problemas. Assim, as pessoas têm experiências variadas e constantes, que acabam sendo levadas para o interior das escolas, e lá elas são expostas, vivenciadas e amplificadas.

Mas se a escola é parte e ao mesmo tempo reprodutora dessa sociedade antiecológica com todas as suas mazelas e significados, por outro lado, ela pode e deve ser uma trincheira de contestação, de luta, de resistência e de construção de uma cultura alternativa viável sob o ponto de vista socioambiental, uma vez que “a prática educativa é, simultânea e dialeticamente, reprodutora e desmascaradora da realidade” (ROMÃO, 2007, p. 116). Assim, ela deve ser um contraponto ao modelo societário que aí está e se tornar disseminadora de uma cultura de debate, paz, solidariedade, organização coletiva, de problematização das questões ambientais diversas, de oferecer informações e produzir novos conhecimentos, que sejam capazes de construir novos estilos de vida, atitudes, comportamento, concepções, valores, vivências, habilidades e perspectivas.

Se a escola, por meio da educação ou escolarização que oferece, não pode ser considerada a redentora da sociedade ou como sendo o único espaço de aprendizagem, mediação e meio de colaborar na busca de solução dos problemas existentes no mundo moderno, por ela deve passar, sem dúvida alguma, o debate de todas essas questões, considerando que “a escola deve estar sempre aberta ao conhecimento, inquietações e propostas de sua época, procurando consolidar inovações pedagógicas que contribuem para continuar cumprindo seu papel social” (REIGOTA, 1999, p. 79). Dessa forma, debater a sociedade, os seus problemas ambientais, se apresentar como espaço para a construção coletiva e crítica de um processo de conscientização dos integrantes da comunidade escolar e tomar parte na busca de soluções para os problemas existentes no contexto social no qual ela está inserida, são algumas das funções da escola, das quais ela não pode se eximir.

A realidade que está posta para as escolas de educação básica no Brasil não é a mais adequada e nem um pouco favorável. Muitos são os problemas educacionais, alguns de difícil solução. Muitos são também os desafios com os quais as escolas precisam aprender a conviver e, em alguns casos, superar, mesmo nesse contexto de complexas adversidades. Mas é imprescindível que ela faça a mediação entre as pessoas, sobretudo as dos segmentos populares mais necessitados com as informações, os conhecimentos e saberes sistematizados,

acumulados e disponíveis, inclusive os que abordam os temas socioambientais. É digno de nota que somente por meio das escolas que muitos segmentos populares poderão ter acesso a esse conjunto de informações e recursos capazes de contribuírem com a promoção da cidadania ambiental.

A escola precisa literalmente se abrir para a sociedade. Por meio dos seus objetivos, procedimentos, propostas, diretrizes, do seu projeto político-pedagógico, deve possibilitar essa perspectiva, uma vez que “a escola não tem um fim em si mesma. Ela está a serviço da comunidade” (GADOTTI, 2000, p. 36). As atividades-fim da escola devem ser em geral, voltadas para o benefício da comunidade na qual ela está inserida, o que inclui, evidentemente, as questões socioambientais.

Convém reforçar a necessidade das escolas promoverem constantemente junto aos seus integrantes (direção, funcionários, professores, pedagogos, alunos e pais ou responsáveis) as mais diversas atividades teóricas e práticas que sejam educativas, culturais, lúdicas, organizativas, conscientizadoras e mobilizadoras, procurando também ter uma inserção e influência que sejam capazes de contemplarem e despertarem o conjunto da sociedade em prol da questão ambiental.

Por isso, a realização contínua por parte da escola de reuniões, palestras, encontros, seminários, cursos, debates, grupos de estudos, passeatas, manifestações, entre tantas outras atividades educativas e formativas, inclusive com a participação de pessoas, especialistas, personalidades e lideranças de fora da escola, pode contribuir enormemente com a construção de uma cultura de participação e de consciência ecológica tão necessária e capaz de elevar o nível de percepção e de ações concretas das pessoas em relação ao meio ambiente.

4- O QUE É EDUCAÇÃO AMBIENTAL CRÍTICA?

São várias as possíveis definições para o que seja a educação ambiental crítica, havendo assim variações em seu significado, pois depende evidentemente de quem a define, considerando que se deve levar em conta um conjunto de questões relacionadas aos processos educativos, sociais, políticos, culturais, econômicos e aos aspectos ambientais.

Mas por educação ambiental crítica pode-se entender o processo teórico, prático e pedagógico que esteja diretamente voltado para a ação educativa capaz de abordar o aspecto ambiental contextualizado com as demais áreas, como a política, a cultural, a social, a econômica, a antropológica, a histórica, a científica e tecnológica, a ética, a estética, filosófica e todas as demais que estiverem presentes e interligadas, e que seja capaz de promover a conscientização e ações que estejam em equilíbrio com o meio ambiente, a proteção à vida, a justiça e o desenvolvimento social, o empoderamento e a cidadania plena das pessoas em uma perspectiva coletiva, a construção de um mundo diferente e melhor, entre tantos outros desafios. Para Loureiro (2005), a educação ambiental crítica está no bloco que propõe a autonomia e a liberdade humana em sociedade, a politização e a publicização da questão ambiental, a participação social e a cidadania, o debate e o diálogo entre ciência e cultura popular, a tênue relação entre produção e consumo, ética, interesses públicos e privados, a superação de valores que não são do interesse público, etc.

Dessa forma, a educação ambiental crítica não pode aceitar o discurso de ser neutra, nem parcial e superficial, pois se insere objetivamente na realidade existente, considerando suas particularidades, buscando promover a conscientização das pessoas, o senso crítico, as iniciativas individuais e coletivas, a transformação da sociedade e a melhoria das condições do planeta.

Por certo, não se pode conceber a educação ambiental crítica como a portadora de soluções mágicas e repentinas para os difíceis e complexos problemas ambientais que assolam o planeta. Definitivamente, ela não pode ser entendida como mais um modismo da sociedade moderna, nem também supostamente usada como forma de expressão daqueles que foram tomados por concepções inocentes e ingênuas, postura ainda muito comum em setores do campo educacional e do movimento ambientalista, o que nem sempre contribui verdadeiramente com a causa que os mesmos propõem defender.

Uma proposta de educação ambiental crítica, transformadora e libertadora não pode ficar refém de concepções pedagógicas fechadas, estanques e conservadoras. Por isso também, “o desenvolvimento de uma educação ambiental crítica demanda, fundamentalmente, a formação inicial e continuada de educadores, sob perspectiva interdisciplinar” (CARNEIRO, 2006). A rigor, a educação ambiental crítica precisa ser plural, corajosa, sempre aberta ao diálogo, às inovações e contribuições que possam agregar valores, informações, fundamentos e práticas que apresentem em seu perfil uma função social e um compromisso de superação da cultura antiecológica dominante em nossa sociedade.

A educação ambiental crítica propõe alcançar as questões teóricas, práticas e reais da área ambiental, sem cair no vício dos aspectos puramente técnicos e fragmentados, pois esses quase sempre se constituem em armadilhas e limitações, que dificultam ou impedem o conhecimento da realidade e a possibilidade de transformá-la. Daí ser importante o desenvolvimento de uma práxis (teoria refletida e ação concreta) equilibrada, a fim de evitar teoricismos e ativismos excessivos e descolados da realidade vivida.

Infelizmente, tem havido, em vários setores da sociedade, uma banalização conceitual e prático da educação ambiental, acarretando um empobrecimento de seus aspectos teóricos, filosóficos, políticos, metodológicos, pedagógicos e práticos. É como se em qualquer lugar e de qualquer jeito, a educação ambiental fosse implementada e cumprisse o seu papel, mesmo

que sendo de forma acrítica, improvisada e apolítica. Essa postura causa confusão e rebaixamento do debate, e não contribui para verdadeiramente alcançar resultados que sejam relevantes sob o ponto de vista socioambiental.

Tal situação obriga aos que verdadeiramente elaboram e tentam implementar a educação ambiental fundamentada em uma concepção crítica, a ficarem atentos, buscando sempre não permitir que modismos e superficialidades predominem, sobretudo junto aos ambientalistas e educadores, que se constituem em verdadeiros aliados da causa socioambiental.

É papel da educação ambiental crítica, informar e colaborar com a formação individual e coletiva contínua do cidadão ambiental ou sujeito ecológico (CARVALHO, 2004), possibilitando que o mesmo esteja consciente de sua situação de sujeito histórico, inserido em um dado contexto, e, ao mesmo tempo, procurando ser protagonista da construção do seu cotidiano em qualquer aspecto.

Por isso, convém afirmar que a educação ambiental crítica deve estar aberta à contribuição das várias correntes pedagógicas também críticas e democráticas, das concepções políticas e filosóficas progressistas, do conhecimento popular historicamente elaborado, das inúmeras experiências construídas e acumuladas por meio das lutas dos diversos movimentos sociais, dentre várias outras experiências. Assim, ela não é portadora de verdades absolutas nem do pensamento monolítico, mas meio da promoção da pluralidade de pensamentos e concepções.

5- O EDUCADOR AMBIENTAL COMO MEDIADOR DO PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA CONSCIÊNCIA AMBIENTAL

A educação ambiental crítica é um processo em permanente construção que necessita

da presença do educador ambiental como mediador junto àqueles que por ela serão contemplados. O educador ambiental não tem que ser necessariamente um professor, uma vez que a educação ambiental ocorre em vários ambientes, formais e não-formais ou informais, e não unicamente nas escolas, ainda que muitos professores também sejam educadores ambientais.

O educador ambiental é aquele que contribui com a construção do processo educativo voltado para a compreensão da complexidade da questão ambiental e da conscientização ambiental das pessoas, seja na escola, em uma organização não governamental voltada para a área, em uma associação, junto aos jovens, com a comunidade na qual ele está inserida, em uma área de proteção, entre tantas outras formas e nos mais diversos lugares.

Educar é uma missão grandiosa, pois tem um profundo significado para os que são educados e uma grande importância para a sociedade. Educar voltado para a conscientização ambiental, para a proteção do meio ambiente, em prol de um mundo ecologicamente sadio e equilibrado, torna-se uma missão valiosa, sobretudo diante da crise socioambiental que o planeta Terra atravessa no momento. E por isso, não há mais como protelar esse compromisso com a sociedade.

Diante disso, percebe-se o valioso papel pedagógico a ser cumprido pelo educador ambiental em um contexto ambiental e civilizatório adverso, mas tão necessitado de seu trabalho e de sua contribuição. Daí também a necessidade de um educador ambiental que seja crítico, democrático, organizado, capacitado, devidamente bem informado e comprometido com a causa ambiental em seu sentido amplo.

O educador ambiental crítico constrói sua formação - que precisa ser teórica - por meio de leituras profundas, estudos, diversos cursos, reflexões, eventos contínuos e diversificados -, e prática - por meio de ações concretas e transformadoras na sociedade que possam de fato aplicar seus conhecimentos com o objetivo de alcançar resultados que sejam benéficos para o meio ambiente e a sociedade em geral. Tanto no aspecto teórico quanto prático, ele precisa aprender sempre e cada vez mais, já que “cada educador ou educadora é, em primeiro lugar, um sujeito de aprendizagem; depois, torna-se um sujeito de ensino” (ALBUQUERQUE, 2001, p. 228). Já para Guimarães (2004, p. 136), vários são os parâmetros necessários para a formação do educador ambiental crítico, a saber: “capacidade de ler a complexidade do mundo; abertura para o novo para transformar o presente, não reproduzindo o passado; participação na organização e na pressão para que o novo surja”. Percebe-se daí a necessidade de uma formação que seja de fato ampla, profunda e comprometida com perspectivas transformadoras.

O educador ambiental crítico tem consciência da importância de seu papel como sujeito ecológico inserido em um contexto caracterizado por uma séria crise, mas que é ao mesmo tempo um espaço de oportunidades e possibilidades reais de avanços na construção da cidadania ambiental junto às pessoas que ainda não alcançaram essa condição, diga-se de passagem, a maioria delas. Ao mesmo tempo, ele não se deixa levar por posturas ingênuas, conformistas, catastróficas e apocalípticas, tampouco por posicionamentos arrogantes, de auto-suficiência e messiânicos, que em nada contribuem para o fortalecimento da consciência ambiental das pessoas.

Cabe ao educador ambiental crítico ter uma percepção do real, ter compromisso com a causa, conhecer os problemas ambientais existentes, identificar os desafios que estão postos para a sociedade, as dificuldades de superá-los, perceber a correlação de forças existentes, saber que o ato educativo é um processo que demanda tempo, mas ao mesmo tempo, por meio

dele, descobrir nos segmentos com os quais vai se envolver e trabalhar, as suas potencialidades, anseios, esperanças e a possibilidade real dos que compõem os mesmos a se transformarem em sujeitos ecológicos coletivos, críticos, atuantes e emancipados.

A capacidade de dialogar e de se articular com vários setores da sociedade deve ser uma característica do educador ambiental, pois há compreensões distintas por parte dos diversos segmentos da sociedade acerca do quadro atual de crise socioambiental, até porque também o educador ambiental não pode ter a pretensão de se apresentar como portador de verdades prontas e de receituários definitivos para dar conta dos complexos desafios que estão presentes no cenário real dessa crise.

A preocupação com toda forma de vida, com o planeta e com uma sociedade justa, desenvolvida e saudável e a atuação contínua nesse sentido devem se constituir em bandeiras de luta do educador ambiental. Por isso, ele não pode ficar refém de uma prática educativa e formativa restrita às datas comemorativas, pois as mesmas não são suficientes para a construção da cidadania ambiental. Ao contrário, podem se transformar em uma armadilha cheia de modismo, superficialidade, romantismo e de falsa consciência da realidade.

É papel do educador, ser uma referência em termos de compromisso, de luta e de testemunho para os educandos e para a causa ambiental, de semear a esperança, pois “ai de nós educadores, se deixarmos de sonhar sonhos possíveis” (FREIRE, 2002, p. 99), mesmo diante das adversidades e retrocessos, comuns em qualquer trabalho educativo, e que não é diferente na construção da consciência e cidadania ambiental.

6- O LEGADO DE PAULO FREIRE PARA A EDUCAÇÃO AMBIENT AL CRÍTICA

Paulo Freire, ao longo de sua vida, como educador, pensador, escritor e ser humano, deixou inúmeras contribuições para a humanidade. Impossível aqui citá-las todas. Mas é inegável o reconhecimento internacional a esse brasileiro que, infelizmente, ainda continua desconhecido pela maioria das pessoas, não somente pela pessoa que foi, mas, sobretudo, pela riqueza intelectual de sua obra. Mesmo já falecido (em 1997), Paulo Freire continua atual e cada vez mais necessário no pensamento educacional, na militância social e nos valores humanos. Dessa forma, saber aproveitar e reinventar o que ele pensou, falou, testemunhou e publicou continua sendo uma possibilidade ideal para os que acalentam a construção de mundo diferente e melhor, de uma educação de fato libertadora e transformadora, de um novo ser humano consciente, crítico, coerente, atuante e historicamente inserido. No campo educacional Paulo Freire ousou transgredir e se rebelar contra uma educação caduca, autoritária e alienante. Propôs e procurou construir um processo educacional que fosse capaz de ser dialético, humanista, democrático, popular, crítico e emancipatório. Não teve medo de se contrapor aos conservadores e retrógrados, e não recuou, principalmente diante das críticas maldosas e infundadas e de perseguições feitas a ele. E o que tem a ver Paulo Freire e seu histórico com a questão ambiental? Conforme Ana Maria Freire, “podemos, pois, procurar na sua obra e práxis os pressupostos teóricos para subsidiar a educação ambiental que nos demanda mais do que qualquer outra ao cuidado, ao entendimento e à preservação da VIDA” (2003, p. 11). Dessa forma, o legado de Paulo Freire é perfeitamente sintonizado com a proposta de educação ambiental crítica, libertadora e emancipatória, mais do que nunca, tão necessária em tempos de crise. Hoje, o planeta Terra passa por uma forte e imprevisível crise socioambiental, que tem várias causas, é ampla, profunda e complexa. Várias são as questões presentes na constituição dessa crise, envolvendo aspectos históricos, políticos, econômicos, culturais, sociais, científicos e tecnológicos, éticos, entre tantos outros. Entender esse contexto é um desafio colocado à humanidade. Superá-lo é ainda mais. Mas como? Onde? Quando? É, de fato, possível? Não há dúvida que o desafio é difícil, que será necessário um longo tempo, talvez décadas, um trabalho lento, demorado, árduo e gradual, contemplando as várias frentes, todas as áreas, alcançando avanços, sofrendo reveses e recuos. Essas são características do processo, da dinâmica da questão. Sem sombra de dúvida que a educação ambiental crítica, aliada às outras formas de luta, é uma opção indispensável, pertinente e atual diante da realidade que ora se apresenta. Mas qual educação ambiental? Evidentemente a educação ambiental aqui entendida não é aquela romântica, ingênua, simplória, de perfil apenas naturalista e biologizante – conservadora -, que não seja capaz de adentrar a questão ambiental em sua essência, dinâmica, amplitude, profundidade e complexidade, refém da dicotomia sociedade/natureza, ser humano/natureza ou cultura/natureza. Pensa-se, sim, sobretudo a partir de Paulo Freire, uma educação ambiental crítica, dialógica, transformadora e libertadora, capaz de enfrentar e superar o modelo societário e civilizatório consumista, imediatista, hedonista e degradante; social, política e economicamente desumano e injusto; ecologicamente destrutivo e inaceitável e eticamente absurdo. O fato de Paulo Freire não ter tido tempo de escrever especificamente sobre educação ambiental não é nenhum problema, uma vez considerando que o seu pensamento pedagógico

tem uma vasta aplicação, e “a sua pedagogia continua validada, não só porque ainda há opressão no mundo, mas porque ela responde a necessidades fundamentais da educação de hoje” (GADOTTI, 2008, p. 102) e a educação ambiental crítica, enquanto processo, é um campo apropriado para a incorporação de suas propostas, de suas categorias e perspectivas.

Considerando que “o processo educativo, conforme Freire, já torna explícita a tomada de consciência, pois, se toda a educação dialógica deverá ser libertadora, também será conscientizadora” (RUSCHEINSKY; COSTA, 2002), as contribuições pedagógicas dadas por ele são apropriadas à educação ambiental crítica. Assim, qualquer proposta de educação ambiental que seja inspirada em Paulo Freire, estará bem fundamentada. Valer-se do legado de Paulo Freire, é possibilitar a construção contínua de um processo educativo sempre formativo, dialético, atual, individual e coletivo. É apostar permanentemente na educação como um meio de construção de uma consciência crítica, que seja capaz de se contrapor às atitudes antiecológicas, de pensar uma sociedade que aprenda e queira existir e se desenvolver em um ambiente equilibrado. É construir um fazer educativo capaz de proporcionar uma formação integral e a noção de pertencimento, de sentimento e de compromisso consciente e crítica ao ambiente. Significa trazer, enfim, a questão ambiental para o centro do debate das prioridades, não somente da educação, mas de todas as áreas com o conjunto da sociedade. Concluindo, convém frisar que “Paulo Freire semeou sua palavra. É necessário que realizemos a colheita que seu espírito sonhou para todos nós” (SOUZA, 2001, p. 68) espera-se que os educadores ambientais possam sempre elaborar uma educação ambiental crítica com essa perspectiva.

7- MEIO AMBIENTE E INTERDISCIPLINARIDADE Como é sabido, o tema meio ambiente comporta em seu significado várias questões e áreas do conhecimento relacionadas a ele e entre si. Assim, qualquer abordagem séria, crítica, ampla e profunda que se queira fazer sobre meio ambiente, sua dinâmica e complexidade, necessariamente deverá considerar a interdisciplinaridade como mediadora. A interdisciplinaridade “é atualmente, um dos problemas teóricos e práticos essenciais para o progresso da ciência” (JUNIOR; PELICIONI; COIMBRA, 2002, p. 178), por isso esse termo é muito utilizado em várias áreas, sobretudo na academia, com muitos grupos de estudos, publicações, etc., na gestão pública e na prática educacional. Mas é preciso admitir que o seu significado e sentido ainda não foram adequadamente assimilados, sobretudo por educadores, notadamente no que diz respeito sobre a importante relação ainda a ser construída e fortalecida entre educação e meio ambiente. Várias são as possíveis definições e conceituações do que seja interdisciplinaridade. Mas pode-se entendê-la como sendo a busca e a construção de uma aproximação e cooperação entre as várias e diferentes áreas do saber e do conhecimento elaborado e sistematizado, objetivando estabelecer uma relação contínua e produtiva de diálogo, reciprocidade e integração flexível e autônoma entre elas, possibilitando assim superar a histórica e nociva fragmentação, compartimentação, excessiva e crescente especialização e o distanciamento dos vários campos do conhecimento da realidade do cotidiano vivida pela maioria das pessoas, tudo isso contribuindo para empobrecer e comprometer a visão real do todo.

A forma de pensar e agir por meio da interdisciplinaridade “visa garantir a construção de um conhecimento globalizante, rompendo com as fronteiras das disciplinas” (GADOTTI, 2000, p. 222). Dessa forma, a interdisciplinaridade se constitui em uma nova atitude e compromisso com o conhecimento e com o trabalho coletivo, sobretudo na prática educativa, que por sua vez, pode contribuir com um melhor entendimento da questão ambiental. Dessa forma, convém salientar que “a interdisciplinaridade jamais será uma posição fácil, cômoda ou estável, pois exige nova maneira de conceber o campo da produção de conhecimento no contexto de uma mentalidade disciplinar” (CARVALHO, 2004, p. 122). Por isso, tem sido difícil para muitos, sobretudo, os professores, superar alguns aspectos já há muito tempo cristalizados pela visão de dureza das disciplinas estanques. Mas convém citar que “a interdisciplinaridade continua sendo um horizonte de possibilidade dentro da educação” (GAUDIANO, 2005, p. 119), principalmente na relação entre educação e meio ambiente.

Abordar a questão ambiental de forma interdisciplinar é possibilitar uma nova percepção do assunto e ainda assumir a postura e a necessidade de adotar mudanças que sejam capazes de romper com as concepções envelhecidas, parciais e superficiais do que seja meio ambiente. A abordagem interdisciplinar do meio ambiente, em nenhum momento quer eliminar as diferenças e as particularidades existentes entre as várias e diversas áreas do conhecimento existentes, mas aproximá-las e possibilitar uma rica e necessária interação e integração entre elas.

Os inúmeros conhecimentos das diversas disciplinas relacionadas com o meio ambiente são produzidos e aplicados por várias áreas do saber. Nesse aspecto, a integração interdisciplinar precisa enxergar o todo da questão, mas não se esquecendo de considerar suas partes e a interdependência entre elas, uma vez que a “interdisciplinaridade busca construir uma realidade multifacetária, porém homogênea, cujas perspectivas são o reflexo das luzes que sobre ela projetam os diferentes enfoques disciplinares” (LEFF, 2001, p. 182).

É também necessário considerar que cada disciplina, por mais bem elaborada que tenha sido, com todo o acúmulo de conhecimento que possui ao longo de sua história, com

sua máxima potencialidade, apresenta também suas limitações, mais ainda quando se constitui em um sistema fechado e isolado. Mas se entre muitas ou todas elas, houver integração e interface, é possível ocorrer um melhor aproveitamento de sua diversidade e capacidade.

Para Noal, “as questões socioambientais são, na sua essência, multi, inter e transdisciplinares, pois perpassam e interligam além das questões sociais e ambientais, questões econômicas, políticas, estéticas e culturais” (2003, p. 376), o que reforça a exigência de uma abordagem mais meticulosa e plural, devido sua abrangência e complexidade.

Finalizando, convém reforçar pelo exposto acima, que sem dúvida alguma, se os professores, educadores ambientais, militantes ambientalistas, técnicos e gestores públicos abordassem a questão ambiental a partir da perspectiva interdisciplinar, haveria um maior aproveitamento de seus trabalhos e ganhos substanciais para a causa ambiental.

8- O ANALFABETISMO AMBIENTAL

O analfabetismo é uma ferida e ao mesmo tempo uma vergonha para sociedade onde ele ainda existe, e é a causa de muitos atrasos e limitações, não somente para as pessoas analfabetas, mas para o conjunto da sociedade, sobretudo quando essa é caracterizada por, entre outras coisas, a utilização contínuas de recursos informacionais e tecnológicos modernos e avançados em seus vários setores, e que exigem um mínimo de escolarização das pessoas.

Muitos ainda são os analfabetos oficiais, ou seja, aqueles que não foram alfabetizados, que não aprenderam as noções básicas de escrita, leitura e cálculo, que em decorrência disso, sofrem uma exclusão política, econômica e cultural. Há ainda os analfabetos funcionais, que constituem o grupo dos que frequentaram a escola e dominam parcialmente a escrita, a leitura e os cálculos, mais não conseguem assimilar os conhecimentos o suficiente para se integrarem de forma crítica e eficiente ao mundo da comunicação, da informação e dos vários saberes elaborados, sistematizados e disponibilizados.

Infelizmente, dentre os vários grupos de analfabetos ainda existentes, estão os analfabetos ambientais, grupo esse constituído por pessoas de todos os segmentos sociais, que independente de classe econômica, etnia, nível de escolaridade, entre outras características, e mesmo em pleno século vinte e um, ainda não alcançaram o nível mínimo adequado de informação, conhecimento, percepção e conduta consciente relacionado à dimensão ambiental do ser humano existente na sociedade.

Da mesma forma que é difícil para os analfabetos oficiais e funcionais se inserirem adequadamente no mundo moderno, que é caracterizado por tantos aspectos, entre os quais a informação, a ciência e a tecnologia, é também para o analfabeto ambiental entender e se comportar de forma consciente em um mundo também caracterizado por uma crise socioambiental sem precedentes e com ameaças e incertezas imprevisíveis quanto ao futuro e que exige a colaboração, a tomada de posição e compromissos por parte de todas as pessoas.

O analfabetismo ambiental não é um problema comum somente entre os não escolarizados. Pelo contrário, ele está muito solidificado e costuma se manifestar muito frequentemente entre aqueles que apresentam condições econômicas mais favoráveis e níveis de escolaridade mais elevados. Muitos que compõem esses segmentos vivem submersos por uma alienação completa e absoluta, que ofuscam o entendimento do real, muito especificamente no que diz respeito aos aspectos da dimensão ambiental. Para Dias (2004), “a maior ameaça à sustentabilidade humana é a ignorância a respeito da própria condição natural” (p. 28), condição essa que inclui parcelas significativas e em graus variados da população.

Os analfabetos ambientais se caracterizam pela indiferença em relação às questões ambientais, tanto as relacionadas com a conduta pessoal quanto ao que diz respeito às da coletividade. Eles também não entendem a relação existente entre as questões ambientais locais, as regionais e as globais, suas causas e consequências. Desconhecem os principais problemas ambientais do mundo atual, se comportam como se esses não fizessem parte do mundo em que vivem. Não se interessam e não participam nem mesmo das atividades desenvolvidas em datas comemorativas voltadas para temas ambientais, ainda que essas não signifiquem nenhuma certeza de consciência ambiental crítica e propositiva, embora que em relação a eles, já seria um bom começo.

O grau de informação que os analfabetos ambientais possuem sobre as mais diversas questões ambientais é baixo, para não dizer inexistente, ainda que esses assuntos estejam em evidências pelos mais diferentes meios de divulgação. E quando eles têm algumas informações, as mesmas são superficiais, parciais, fragmentadas e desencontradas, não servindo de parâmetros para a elaboração de uma leitura e análise da realidade que seja objetiva, concreta e bem fundamentada.

Os analfabetos ambientais podem até em determinadas situações se posicionarem contra certas atitudes antiecológicas praticadas por outras pessoas, mas isso ocorre somente quando as mesmas possam lhes causar algum prejuízo de acordo com seus interesses pessoais e imediatos, e não porque saíram da escuridão e da alienação. Mas via de regra, eles não se preocupam com as questões ambientais de uma forma geral, pois para eles essas não lhes dizem respeito, mesmo que venham a ser prejudicados por elas, afinal, eles entendem que essas questões são preocupações e problemas para serem resolvidos pelos governantes, as diversas autoridades e os ecologistas.

A superação do analfabetismo ambiental é um desafio difícil, mas ao mesmo tempo uma causa necessária, desafiadora, exigente e possível, que está posta para pessoas e instituições sérias e comprometidas com a causa ambiental.

A implementação de um modelo de educação ambiental crítica e permanente voltado para a construção da consciência ambiental da população, aliada com a participação pelos diversos meios de lutas sociais em defesa do meio ambiente e por uma sociedade melhor para todos em todos os aspectos, são meios pelos quais se pode combater o analfabetismo ambiental e construir uma consciência ambiental que seja de fato transformadora e emancipatória.

9- OS PROBLEMAS AMBIENTAIS DO MOMENTO

Ao longo das últimas décadas, tem havido um crescente e forte agravamento dos problemas socioambientais em nível planetário. Nos dias atuais, tais problemas têm demonstrado sua seriedade, com consequências perceptíveis e, em muitos casos, imprevisíveis e ameaçadoras.

É verdade que os fortes desequilíbrios ambientais existentes em todo o planeta são resultados de um processo de acúmulo histórico de ações antiecológicas, tendo um início mais visível principalmente a partir da revolução industrial, ainda no século dezoito. De lá para cá, tem sido crescente a ação deletéria do ser humano sobre os ecossistemas, resultando disso todos os problemas atualmente identificados.

Segundo Diamond (2007), os principais problemas ambientais atualmente existentes são: a destruição dos ecossistemas; a diminuição dos alimentos selvagens; a extinção de espécies nativas e, consequentemente, a diminuição da diversidade genética; a erosão e o empobrecimento dos solos agricultáveis, a fonte de energia baseada nos combustíveis fósseis; a escassez dos recursos hídricos; o limite da capacidade fotossintética do planeta; a poluição e contaminação química; a introdução de espécies exóticas nos ecossistemas; o aquecimento global e a destruição da camada de ozônio; o crescimento populacional e, por último, o impacto desse crescimento, sob várias formas, sobre o planeta.

Mas vários outros problemas, em escalas menores e localizados regionalmente, surgem em decorrência desses. Os desdobramentos decorrentes desse quadro de adversidade socioambiental são muitos, e o grau de imprevisibilidade e complexidade que se cria a partir dessa situação é profundo, o que agrava ainda mais a situação.

Pelo exposto acima, observa-se que, ora mais, ora menos, todas as regiões do planeta e todas as populações já foram atingidas pelos vários problemas ambientais existentes, o que sugere afirmar que os impactos ambientais causados por meio da ação humana já são planetários.

Mas quais as causas desses problemas? Quais os interesses que os movem? Por que a forma de relação entre o ser humano e o meio ambiente tem sido de grande impacto e desequilíbrios? Como a humanidade irá conciliar uma melhor qualidade de vida para uma população sempre crescente sem exaurir e desequilibrar o meio ambiente?

As respostas para essas indagações não podem ser simplistas. Mas é possível afirmar que o atual quadro de forte crise socioambiental que atinge o planeta não pode ser entendido como sendo resultado de um determinismo histórico desse ou daquele povo, porque na verdade, é um problema de todos os povos. Tampouco como destino traçado para a humanidade por meio de uma vontade divina apocalíptica. Acreditar nessas supostas respostas e explicações é desviar e perder o foco da realidade, das causas reais que vêm sendo sistematicamente elaboradas e implementadas historicamente. O fato é que “o rápido avanço do progresso, a promessa de riquezas e de uma vida melhor, nos deixou indiferentes ao dano que causamos no nosso planeta” (GLEISER, 2010, p. 337), o que leva a entender que o ser humano é o principal responsável pela crise, devendo também ser ele o responsável pela busca de soluções.

A perpetuação de um modelo de crescimento econômico que concebe o meio ambiente como fonte inesgotável de recursos para serem extraídos, loucamente consumidos e inconsequentemente descartados, gera um tremendo passivo ambiental. Além disso, quando não se propõe um desenvolvimento econômico e humano com equilíbrio ambiental, tende somente a agravar o preocupante quadro atual das já adversas condições ambientais do planeta.

Não haverá solução para a atual crise socioambiental sem que se altere profundamente ou até mesmo substitua o atual processo civilizatório adotado pela modernidade como fio

condutor da humanidade, tendo em vista que “o modelo de sociedade e o sentido de vida que os seres humanos projetaram para si, pelo menos nos últimos quatrocentos anos, estão em crise e não oferecem, a partir de seus próprios recursos, soluções includentes e viáveis para todos” (BOFF, 2009, p. 74). Dessa forma, adotar mecanismos, em muitos casos, de camuflagem para relevar, minimizar e ocultar os problemas ambientais causados pelo modelo societário vigente, é protelar perigosamente a busca de soluções para as nefastas consequências que tudo isso poderá acarretar ao planeta e à humanidade. Gleiser adverte que “se não aceitarmos com urgência o que está ocorrendo e começarmos a agir como uma espécie unida em prol de um objetivo comum, causaremos uma devastação sem precedentes” (2010, p. 338).

Os problemas ambientais estão aí e são concretos. Por isso, convém reforçar que não basta apenas lamentar, criticar, reclamar e se conformar com a existência deles. Isto seria uma rendição, o que não contribui com nenhuma mudança necessária. É preciso identificá-los e resolvê-los, ou, ao menos, minimizá-los, e isso “depende não apenas da responsabilidade individual, de mudanças de atitude e comportamento propostas pela educação, mas também da responsabilidade coletiva, de políticas públicas, de financiamento e da própria situação socioeconômica e das políticas vigentes” (PHILIPPI JR.; PELICIONI; COIMBRA, 2002, p. 183). E essa tarefa é de toda a humanidade, ainda que ela venha exigir sacrifícios e mudanças de atitudes radicais no estilo de vida das sociedades.

10- ORGANIZAÇÃO, MOBILIZAÇÃO E LUTAS SOCIAIS EM PRO L DO MEIO AMBIENTE

A questão ambiental adquiriu, nas últimas décadas, uma grande notoriedade em todos os meios. O assunto é frequentemente abordado na imprensa (canais de televisão, rádios, jornais, revistas e internet), nos governos, no meio político, na universidade, nas escolas de educação básica, nos diversos movimentos sociais e nos demais segmentos representativos.

Isso é importante, porque traz um tema tão importante para o debate público, que tem ocorrido permanentemente e em praticamente todos os lugares. Dessa forma, o assunto fica em evidência, o que ajuda bastante para ser melhor entendido pelo conjunto da sociedade. Mas a questão ambiental vai muito além disso. Ela precisa ser mais do que simplesmente noticiada e comentada, para não correr o risco de cair no modismo superficial. Ela precisa ser entendida em seus detalhes, e, principalmente, assumida como parte constituinte da sociedade, como dimensão do ser humano. Mas para que isso de fato possa ocorrer, é necessário haver uma postura mais ativa por parte das pessoas, buscando, por vários meios, colocá-la no centro do debate, quer seja local, regional, nacional ou internacional. Conforme Carvalho (2004), atualmente a ecologia vai além de uma área da biologia, pois tem uma conotação social e política. As lutas sociais a favor da questão ambiental têm uma dimensão ampla, extrapolando o aspecto apenas naturalista ou biológico. Elas carregam a marca da contestação com o propósito de ganhar as mentes, as pessoas e as ruas, de ocupar espaços, acumular forças, de se rebelar contra a sociedade contemporânea antiecológica, contra o estilo de progresso adotado pela modernidade, que além de socialmente injusto, gera a destruição ambiental. Os movimentos ambientalistas ou ecológicos de perfil crítico, contestatório e atuante, são exemplos de possibilidades e da capacidade de a sociedade se manifestar e se posicionar diante da crise socioambiental e “seus propósitos convergem e se somam aos de muitas causas populares e movimentos sociais” (LEFF, 2001, p. 102). Ainda segundo o mesmo autor, eles “surgem mais como uma consciência viva e criadora do que como uma resistência cega” (idem, p. 106). Hoje, graças aos movimentos ambientalistas, tem sido possível obter avanços, ainda que falte muito para ser feito.

A sociedade como um todo e as pessoas de uma forma geral, têm e/ou podem criar vários meios de se organizarem em prol do meio ambiente. Associações comunitárias, de moradores, de categorias profissionais, várias ONGs (organizações não governamentais), sindicatos, fundações, institutos, clubes, sociedades, conselhos municipais, entre outras formas representativas, podem contribuir com esse trabalho. Além disso, as escolas, as universidades, vários órgãos públicos de todas as esferas governamentais, principalmente os mais diretamente relacionados com a área ambiental, também podem contribuir com causa. Por meio desses segmentos, podem ser desenvolvidas várias atividades, como palestras, seminários, congressos, simpósios, painéis, encontros, atos públicos, protestos, passeatas, debates, mesas redondas, grupo de estudos, mutirões, campanhas, abaixo-assinados, reuniões, cursos, panfletagens, confecção de faixas, produção e distribuição de jornais, enfim, várias formas de se manifestar em favor do meio ambiente. O importante é que além da organização, haja conscientização, com um trabalho de sensibilização, informação e formação continuada das pessoas. Além disso, a mobilização é fundamental, pois possibilita expor publicamente o propósito o e trabalho elaborado. Convém ressaltar que qualquer trabalho com essas características, necessita de uma direção dinâmica e preparada, de um grupo de apoio, pois a luta precisa ser coletiva e não deve haver espaço para lideranças centralizadoras, personalistas, autoritárias e interesseiras, que não sabem compartilhar funções e responsabilidades, que estão em busca de promoção pessoal e de outros interesses que não os da causa.

Toda luta social, popular, de interesse público, como também deve ser a questão ambiental, corre o risco de sofrer reveses, recuos, traições, alternados com avanços, conquistas e progressos. É da dinâmica do processo. Por isso, as pessoas que estão na linha de frente, precisam estar preparadas para lidarem com essa possibilidade, e preparem os demais participantes, do contrário, corre-se o risco de haver retrocessos contínuos, o que leva ao desânimo, à desmotivação e ao abandono dos princípios, dos objetivos e das pautas de reivindicação, além, o que não é interessante, da desistência e do esvaziamento da luta por parte de militantes. Também se faz necessário haver planejamento e organização, principalmente quando se antecipa a realização de algum evento, além da capacidade de articulação, de diálogo e abertura para fazer alianças com outros segmentos, mesmo que temporárias e pontuais, pois elas contribuem com o acúmulo de forças, mas tendo a preocupação de não se deixar levar por propostas fáceis e tentadoras, principalmente as provenientes de segmentos do capital (empresas, madeireiras, mineradoras, entre outros), de políticos e administradores públicos que não apresentem um histórico de luta, coerência e interesse a favor da causa. Enfim, o trabalho de organização, conscientização e mobilização das pessoas precisa ser construído como um processo educacional, que alia ação e reflexão permanentes, e se realizado com articulação, objetividade e seriedade, pode ser uma das diversas formas existentes de alcançar conquistas, de promover a cidadania e construir uma sociedade ambientalmente equilibrada, protegida, desenvolvida e justa.

11- A CIDADE, SEUS PROBLEMAS E O DEBATE DA QUESTÃO AMBIENTAL

O espaço urbano das cidades tem sido cada vez mais ampliado por conta do seu

crescimento, que ocorre de forma desordenada, acarretando múltiplos problemas estruturais e conjunturais de toda natureza às cidades. Esse quadro se reflete diretamente sobre a dimensão ambiental com os mais variados problemas (PORTO-GONÇALVES, 2006). Entendê-lo é uma necessidade.

A cidade é uma transformação da natureza pelas atividades do ser humano, de acordo com suas necessidades e adaptações, por meio da cultura. E ao longo dos anos, o espaço urbano tem tido um crescimento cada vez maior, sendo que hoje mais da metade da população humana mundial está concentrada nas cidades. No Brasil, algo em torno de 81 % da população habita as cidades. Pelo menos sob o aspecto da distribuição populacional, o perfil do Brasil é de um país urbano, ainda que sob o aspecto socioeconômico, ele ainda apresente características do atraso colonial.

Mas esse fenômeno (a urbanização) não ocorreu sem que viesse acompanhado de vários problemas socioambientais, que foram se intensificando à medida que os anos passavam, alcançando hoje um grau de complexidade e seriedade que exige uma percepção e uma assimilação apurada dos vários desafios existentes, pois os mesmos são de difícil solução.

Os problemas ambientais das cidades são inúmeros, conforme Sirkis (2003) e Minc (2001) apresentam. Alguns estão mais concentrados nas grandes cidades. Outros já são comuns tantos nas grandes como nas médias cidades. Mas as pequenas cidades, aquelas do interior dos estados, que ainda apresentam algumas características notadamente rurais, também vêm apresentando seus problemas ambientais, ainda que em dimensões menores, pois estão relacionados com os aspectos históricos, urbanos, econômicos, sociais, políticos, culturais e administrativos locais, mas seguindo a mesma lógica de crescimento das médias e grandes cidades. Assim, “a humanidade pagou, e continua pagando, um alto preço para se adaptar ao espaço que ela mesma construiu” (CARVALHO, 2008, p. 13).

Por conta do deslocamento crescente de pessoas do campo para a cidade, ou mesmo de um município com o desenvolvimento estagnado para um outro com melhores perspectivas, ainda que essas sejam relativas, ilusórias e discutíveis, com o agravante disso ocorrer sem o devido planejamento, houve o crescente inchaço das mesmas, que traduzindo em outras palavras, em grande parte acarretaram a perda gradual e crescente da identidade e dos valores pessoais daqueles que se deslocaram de suas origens, o surgimento de loteamentos ilegais, a ocupação e a favelização em áreas de risco permanente, a crescente pobreza e miséria, todo tipo de poluição com suas conseqüências nefastas para a saúde humana e ambiental, a proliferação de várias doenças, o aumento da impermeabilização do solo pelo asfalto e concreto, entre tantos outros problemas.

Somando tudo isso à condição permanente de desemprego e do subemprego de parte da população, à cultura do desperdício e do descartável, ao analfabetismo, à violência e à marginalidade, ao caos do trânsito, à formação de ilhas de calor, sobretudo nas regiões mais centrais das médias e grandes cidades, à quase inexistência de áreas verdes, ao assoreamento de rios e córregos e suas inundações frequentes, à especulação imobiliária, entre outros problemas urbanos e sociais, quase sempre afetando mais os segmentos populacionais de extratos econômicos baixos, de origens simples e historicamente desprezadas e destituídas de importância pelas decisões tomadas pelas elites do país, tem-se um quadro socioambiental adverso e preocupante.

Infelizmente, esses problemas ambientais urbanos são, segundo Carvalho, “tão fáceis de identificar quanto difíceis de solucionar” (idem, p. 53). Mas mesmo diante de uma

realidade séria e preocupante como essa, percebe-se que os gestores públicos continuam ignorando a dimensão ambiental e o planejamento urbano como recurso necessário para ordenar racionalmente o crescimento e o funcionamento das cidades, e aqui vale ressaltar, em praticamente todas elas - grandes, médias e pequenas -, principalmente em suas áreas de periferia ou subúrbio e em suas favelas, vê-se o quanto a ausência de planejamento urbano e a concentração de renda histórica no país colocaram à margem do crescimento e do desenvolvimento econômico e social justo vários milhões de pessoas, reforçando que a “segregação ambiental é uma das faces mais importantes da exclusão social e parte ativa dela” (MARICATO, 2001, p. 217).

Dessa forma, fica fácil entender que houve, ao longo das últimas décadas, um crescimento econômico no país, sendo o responsável pela aceleração do seu processo de urbanização, mas como ele não foi capaz de distribuir renda e riqueza de forma justa, ao contrário, aumentou a concentração de renda de alguns em detrimento das crescentes desigualdades econômicas e sociais gritantes para amplos setores da população, que não tiveram outra alternativa a não ser ocupar os espaços urbanos sem a infraestrutura adequada, agravando ainda mais o caos e a pressão social e ambiental, sobretudo das médias e grandes cidades.

Convém ressaltar que a urbanização é um fato consumado e irreversível, portanto, não há como revertê-la, pois as cidades são locais que oferecem várias oportunidades nas mais diversas áreas para as pessoas, sobretudo os jovens, o que se constitui em um aspecto relevante. O que se deve é debater e questionar a forma em que a urbanização ocorreu e construir alternativas que sejam funcionais e viáveis em todos os aspectos.

Sendo assim, a cidade e seus vários e imensos problemas socioambientais se constituem em um interessante objeto de análise, de estudos e de desafio imediato para todos aqueles que estão diretamente envolvidos no debate da questão ambiental e preocupados com a construção de uma sociedade que seja verdadeiramente sadia, justa e equilibrada nas mais variadas áreas, inclusive a urbana.

12- A FORMAÇÃO DO CIDADÃO AMBIENTAL A formação plena do cidadão ambiental, ou sujeito ecológico, conforme Carvalho (2004) é uma necessidade permanente nos dias de hoje, ainda mais considerando as diversas questões ambientais problemáticas que assolam o planeta e as consequências que delas surgem. Para os formadores, essa missão é cada vez mais exigente, pois a interrelação existente entre os vários assuntos e a área ambiental é cada vez maior e complexa, exigindo dos mesmos um preparo maior, que envolve a capacidade de saber assimilar informações, fazer uma leitura crítica da realidade existente e construir alternativas de fato funcionais e viáveis. Formar um cidadão pressupõe muitos aspectos a serem considerados, tanto no nível teórico como no prático. A formação precisa de ser contínua e capaz de dar conta de acompanhar as constantes inovações e transformações que frequentemente ocorrem no mundo moderno e que direta ou indiretamente estão relacionadas com a questão ambiental. Hoje, o acesso facilitado às mais diversas informações por todos os meios disponíveis, ao mesmo tempo em que possibilita às pessoas saberem o que está ocorrendo, de modo particular na área ambiental, inclusive contribuindo com a formação dos indivíduos, também pode causar confusão e incertezas, em muitos casos conflitantes entre si.

Portanto, qualquer projeto de formação voltada para a cidadania ecológica das pessoas deverá considerar todas as nuances e complexidades existentes, a saber, nas informações que circulam, como elas são veiculadas e interpretadas, pois elas estão relacionadas com a construção dos conhecimentos e a formação das pessoas, considerando suas ideias, condutas e opções feitas. A formação ideal para as pessoas é aquela que além de ser permanente, consiga contemplar as múltiplas questões do cotidiano com as diversas áreas presentes na sociedade humana, como a econômica, a política, a cultural, a social, a ambiental, a científica, a tecnológica, a ética, etc., pois estão entrelaçadas entre si, simultaneamente, e que possibilite a “formação de sujeitos capazes de exercer o seu protagonismo na sociedade” (SILVEIRA; ALVES, 2008, p. 134). Um processo formativo que tenha essa perspectiva poderá contribuir com uma visão da realidade que seja mais ampla, profunda e real, principalmente para entender a crise socioambiental da atualidade. Qualquer processo de formação voltado para a questão ambiental que for sério, engajado e comprometido de fato com a formação do cidadão ecológico consciente e ativo, se baseará na formação teórica, por meio de estudos, cursos, encontros, análises da conjuntura, participação em congressos, leituras, debates, entre outras formas que estejam casadas evidentemente com a ação concreta objetiva, onde quer que seja possível atuar. Essa mescla de teoria e prática equilibrada possibilita ao militante alcançar uma disciplina necessária e a percepção mais apurada e real da questão, sendo importantíssima para a causa ambiental e para a capacitação das pessoas. Em muitas situações relacionadas à questão socioambiental, percebe-se em determinados momentos até mesmo um elevado grau de interesse e disposição de muitas pessoas em participarem na busca de melhorias gerais e de soluções concretas para algum problema existente. Mas por outro lado, também não é difícil constatar o baixo nível de informações e conhecimentos, a dificuldade em muitas delas de fazerem uma leitura mais adequada e realista em relação a certas particularidades do assunto e, o que não pode ser ignorado, a capacidade de se organizar para construir alternativas em relação às questões apresentadas.

Assim, constata-se o quanto a ausência de um trabalho de formação geral implica em dificuldades na busca de soluções adequadas para os desafios existentes. Por isso, é necessário que os grupos organizados e inseridos diretamente na questão ambiental, como associações,

sindicatos e ONGs, as escolas, universidades e demais órgãos públicos, bem como as pessoas com formação voltada para os assuntos socioambientais e lideranças comunitárias mais experientes e capacitadas, possam proporcionar iniciativas direcionadas para o desenvolvimento de atividades educativas e formativas de perfil crítico e criar a oportunidade de outras pessoas interessadas em se engajar na luta a favor da causa ambiental serem minimamente preparadas para o exercício da militância ecológica.

Mas é bom frisar que a formação do cidadão não pode ser entendida como o depósito de informações e regras individualistas e comportamentais em uma relação estabelecida verticalmente entre educadores e educandos. Deve, sim, ser um processo de construção permanente e recíproca, baseado nas experiências acumuladas que educadores e educandos possuem, no diálogo respeitoso, com criticidade, na construção do conhecimento, tanto individual como coletivamente, na problematização das questões, com os ideários críticos e humanistas, tendo em mente perspectivas transformadoras e emancipatórias de todos como sujeitos históricos.

13- MEIO AMBIENTE, DESIGUALDADES, INJUSTIÇAS E CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS

A existência do ser humano pressupõe a sua inserção no ambiente natural ou

modificado, qualquer que seja ele, ou seja, o urbano (residência, ruas, indústria, comércio, etc.), o rural (sítio, fazenda, lavoura, pastagem, etc.) ou o ambiente natural ainda protegido (florestas, lagoas, rios, etc.).

É na constante e dependente interação com o ambiente que o ser humano surgiu, evoluiu, ocupou as mais diversas regiões do planeta e se tornou a espécie viva com maior capacidade de promover a transformação do meio onde se estabelece. E é justamente por isso que hoje, após milhares de anos de evolução biológica e cultural, a presença humana tem sido a principal causadora de fortes impactos ambientais em todas as localidades onde há a constatação de sua existência.

Se a modernidade permitiu que a humanidade avançasse em todas as áreas do conhecimento, também possibilitou que a espécie humana se distanciasse da natureza e passasse a enxergá-la apenas como uma fonte inesgotável de recursos a serem explorados ou como entrave para o “progresso”, o “crescimento econômico” e o “desenvolvimento” da humanidade, ou melhor, parte dela. Dessa forma, foi sendo estabelecida uma profunda dicotomia entre cultura e natureza ou sociedade e natureza.

Hoje, sabe-se que os impactos causados pela ação humana sobre o meio ambiente são profundamente degradantes, e pior, cada vez mais crescentes, a ponto de se constituir é uma ameaça ao equilíbrio ambiental de todo planeta, e como já é notório, de forma desigual, atingindo mais alguns do que outros. De acordo com Gadotti, “o ser mais ameaçado pela destruição do meio ambiente é o ser humano e dentre os seres humanos os mais pobres são as suas principais vítimas” (2000a, p. 121).

Como é sabido, o padrão de consumo de segmentos da humanidade, e vale ressaltar, principalmente dos países desenvolvidos e das elites dos países pobres e em desenvolvimento, é insustentável sob o ponto de vista ambiental, trazendo consigo impactos ecológicos como nunca antes existentes no planeta. É claro que alguns ganham com esse modelo. Evidentemente que muitos outros perdem.

Mesmo com todo progresso alcançado, não foi possível oferecer a toda humanidade um padrão de vida digno, mesmo em pleno século vinte e um. Sobram desigualdades econômicas, sociais e culturais, com o agravamento do quadro social, sobretudo das médias e grandes cidades, onde o subemprego e o desemprego, o trânsito caótico, a violência, o crescente processo de favelização de espaços urbanos periféricos, o (res)surgimento de doenças evitáveis e tratáveis, a mendicância, a prostituição de menores, o comércio de drogas, entre outros, crescem assustadoramente, gerando problemas de várias ordens, ainda sem perspectivas de solução a curto e médio prazo.

Com um quadro real de descompassos e injustiças ambientais, é natural que os conflitos ambientais surjam e se intensifiquem. Interesses antagônicos se expressam e fica evidente que “o motivo central desses conflitos é a tensão entre o caráter público dos bens ambientais e sua disputa por interesses privados” (CARVALHO, 2004, p. 165) presente em todos os lugares.

As terríveis condições de pobreza, de desigualdades e de injustiças socioeconômicas historicamente acumuladas expõem milhões de pessoas em todos os lugares aos riscos e vulnerabilidades ambientais, e como os “efeitos da crise ambiental já são sentidos na vida cotidiana dos seres humanos, e uns são mais vítimas dos danos ambientais do que outros” (LAYRARGUES, 2009, p. 17), evidentemente isso significa dizer que sobra mais para os pobres. Fome, baixos salários, ausência de saneamento básico, condições insalubres de trabalho, desemprego, baixa escolaridade, riscos de inundações, habitações precárias,

desmoronamentos, etc., não são condições presentes na vida das elites. São reflexos das profundas feridas do tecido social, diga-se, desigualdades e injustiças.

O ser humano, em sua maioria - sobretudo os mais injustiçados historicamente -, tornou-se uma vítima dessa (des)ordem estabelecida, sendo desconsiderado em sua dignidade, padecendo a olhos vistos de todos os dissabores e sendo descartado de qualquer possibilidade de ascensão, uma vez que o sistema não permite a todos terem acesso igualmente a um mesmo padrão de vida digna, conforme mostra Bauman (2005). Em função disso, convém ressaltar que “a persistência da pobreza e da miséria é inaceitável e indigna, resultando no agravamento da problemática ambiental devido ao inter-relacionamento entre meio ambiente e desenvolvimento” (SANTOS, 2003, p. 285). Por isso ser necessário não aceitar o discurso de indiferença e neutralidade da economia em relação aos aspectos ambientais.

Mas vale ressalvar que a solução para o referido problema não significa ter que adotar os mesmos padrões de consumo do primeiro mundo e a mesma ética social dos que representam os grandes grupos econômicos, pois sob o aspecto ambiental, seria impossível que houvesse condições de todos os habitantes da Terra fazerem isso, uma vez considerando os limites de recursos do planeta e também por serem padrões insustentáveis e desnecessários sob uma ótica racional.

Assim, como não contemplar todos esses aspectos que foram descritos acima, que são reais e atuais, em relação à questão ambiental?

Dessa forma, qualquer abordagem que se queira fazer sobre meio ambiente, deve considerar o conjunto de questões envolvendo a economia, a cultura, a sociedade, a política, o papel da ciência e da tecnologia, as relações internacionais existente no mundo atual, o significado existencial do ser humano, entre outras áreas, que estão entrelaçados entre si, criam uma complexa realidade que precisa ser mais bem entendida para que se possa alcançar algum tipo de progresso.

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14- CONSCIÊNCIA AMBIENTAL

Diante dos inúmeros dilemas e problemas ambientais da atualidade, tendo o ser humano como ator único responsável por essas questões, torna-se cada vez mais necessário que as pessoas tenham verdadeiramente consciência da complexidade das questões ambientais e de seus significados que estão postos no dia-a-dia.

Ter consciência ambiental é estar ciente do que de fato ocorre na área. É ter conhecimento da realidade, de sua condição, suas causas e consequências, e de suas diversas implicações e significados para o cotidiano. É saber que o meio ambiente é por inteiro (totalidade) e não pela metade ou parcialidades, e que o ser humano atua no meio ambiente transformando-o continuamente, e esse, uma vez transformado, transforma o ser humano. Ter consciência ambiental é confrontar e superar a todo instante, as concepções e ações alienadas e alienantes que ofuscam a capacidade de percepção do real.

Assim, alcançar um nível elevado de consciência ambiental demanda tempo, vontade e condições favoráveis, pois ela “é um processo de ação concreta e reflexão histórica que implica opções e articula conhecimento e valores para a transformação das relações sociais” (TOZONI-REIS, 2006, p. 106). Dessa forma, é necessário entender que a consciência ambiental não cairá do céu por meio da intervenção de supostas “forças divinas”, não surgirá espontaneamente, nem poderá ocorrer de forma mecânica, fragmentada e determinista, não será alcançada por decreto, também não será construída a partir de pacotes de verdades acabadas que tenham sido produzidos e enviados por alguns supostos iluminados.

A construção da consciência ambiental é um processo, e como tal, se desenvolve gradual e continuamente, por meio do estudo, da observação, leitura e inserção na realidade concreta, por meio da dialética e da práxis (reflexão-ação) em um dado contexto, preferencialmente de forma coletiva. Isso pode ocorrer por meio do ato educativo, não necessária e unicamente vinculado à educação formal, mas como resultado de qualquer ação educacional “que seja um processo radicalmente comprometido com a transformação da sociedade, compreendida como injusta e desigual” (LOUREIRO et al, 2009, p. 87) em todos os aspectos, inclusive o socioambiental.

A consciência ambiental possibilita uma percepção ampla, profunda, verdadeira e crítica da realidade socioambiental e de seus mecanismos. Dessa forma, alcançar um nível adequado de consciência ambiental significa entender as causas conjunturais e estruturais responsáveis pela crise socioambiental que muito mal tem causado à humanidade e ao planeta Terra como um todo e, ao mesmo tempo, se comprometer com a construção de uma outra realidade que seja capaz de superá-la, tendo em vista que:

Conscientização é, portanto, um processo de construção, ativa e refletida dos sujeitos, rumo à consciência crítica, assim, supera a apropriação de conhecimentos, referindo-se a articulação radical entre o conhecimento e ação, não qualquer ação, mas uma ação política, transformadora, libertadora e emancipatória (TOZONI-REIS, 2006, p. 106).

O ser humano tem consciência de sua existência, mas nem sempre ele possui a consciência necessária para saber o que causa os problemas que estão relacionados com a sua existência e ao mesmo tempo ameaçando-a. Mas mesmo que ele a alcance, ela somente terá sentido se vier acompanhada de um processo de transformação, ou seja, “a conscientização não pode parar na etapa do desvelamento da realidade. A sua autenticidade se dá quando a prática do desvelamento da realidade constitui uma unidade dinâmica e dialética com a prática

da transformação da realidade” (FREIRE, 2001 p. 172). No que diz respeito à questão ambiental, esse aspecto tornou-se sério, emergencial e inadiável.

Ser portador de uma consciência ambiental aliada com uma práxis coerente já é, em princípio, uma condição necessária e também uma forma de as pessoas ajudarem a mudar o mundo, a trazer para o cotidiano o debate crítico das questões cruciais do mundo moderno, com a contestação devida, desvelar a realidade que está posta com suas nuances, e ao mesmo tempo, contribuir para que outras pessoas possam se desvencilhar da condição de indiferença, de comodismo, de conformismo e de vítima em que são e estão continuamente submetidas, possibilitando o surgimento da capacidade de organização e mobilização, com tendência para o exercício da cidadania plena, comprometida e transformadora.

Para concluir, é pertinente reforçar que qualquer perspectiva otimista que se queira ter em relação à construção da consciência ambiental junto às massas por meio da prática educacional (formal ou não) precisa considerar as diversas questões em jogo, inclusive, conforme Freire, que “a consciência não se transforma através de cursos e discursos ou de pregações eloquentes, mas na prática sobre a realidade” (idem, p. 126), e que “ninguém conscientiza ninguém. O educador e o povo se conscientizam através do movimento dialético entre a reflexão crítica sobre a ação anterior e a subseqüente ação no processo daquela luta” (ibidem, p. 128). A partir disso, tendo o ser humano como ser inacabado, está posto o grandioso desafio que cabe às pessoas, sobretudo aos educadores, de serem mediadores ativos nessa tarefa.

15- O ECOCHATISMO

A emergência da questão ambiental a partir do final da segunda metade do século vinte possibilitou que o assunto se tornasse mais conhecido pela humanidade e seus problemas pudessem ser identificados e conhecidos. A pluralidade de pensamento, de propostas e formas de manifestação e atuação é a mais variada no campo da luta ambiental, o que contribuiu para divulgar o assunto.

Com isso, surgem pessoas e movimentos ambientalistas com suas múltiplas facetas e uma rica diversidade, que como protagonistas de uma postura contrária ao modelo de sociedade antiecológica, procuram elaborar discursos e práticas alternativas a esse contexto de crise socioambiental. Mas como é comum, existem também pessoas e seguimentos que nem sempre fazem uma leitura real e verdadeiramente comprometida com propostas e mudanças de fato necessárias, contextualizadas, possíveis, viáveis e transformadoras em relação às demandas do momento.

Dessa forma, uma causa tão nobre e pertinente como é a questão ambiental, acaba tendo em seu interior a presença de muitos românticos alienados e contraditórios, ecochatos sectários, inocentes úteis e oportunistas mesquinhos, que em muitas circunstâncias, mais do que ajudar a construir alternativas, eles as prejudicam, pois banalizam o tema, obscurecendo e ofuscando a possibilidade de muitos terem uma percepção real e de entenderem de fato o que realmente significam os problemas ambientais, suas causas e consequências, os interesses (re)velados, bem como o que concretamente está em jogo nessa questão.

Muitos desses indivíduos e seguimentos, com a intenção de fazerem a contestação ao modelo societário ambientalmente destrutivo em voga - este é inegável -, utilizam o argumento do ecocatastrofismo, que acaba sendo mais amedrontador do que informativo e formativo. Além disso, a utilização do “ecologuês”, com muitos clichês, frases feitas e palavras de ordem já gastas e superadas como vocabulário em sua comunicação, dificulta às pessoas comuns entenderem o que realmente eles querem dizer, parecendo que falam somente para si mesmos, em um monólogo contraproducente.

Se não bastasse tudo isso, é comum haver entre eles, certos posicionamentos e crenças fundados no mito moderno da natureza intocada (DIEGUES, 2002), mas que em nenhum momento se constituem em respostas para as demandas existentes e que reclamam soluções imediatas, pois as mesmas englobam um conjunto de questões que vão além dos discursos e preocupações apenas com a natureza.

Frequentemente, eles se apresentam contra tudo e contra todos que não estejam de acordo com suas concepções naturalistas e, portanto, limitadas. Os ecochatos têm uma postura de conceberem o meio ambiente como sendo unicamente a natureza, com suas belezas e mistérios, como se tudo mais estivesse alheio ao conceito de meio ambiente, o que verdadeiramente não condiz com uma visão crítica, moderna e necessária da luta ambiental nesses tempos de crises e de agravamento do quadro socioambiental.

Os mitos e a simbologia adotados pelos ecochatos e românticos, que estão mais próximos do fetiche do mundo natural, mas distante da realidade humana, cultural e societária existente, acabam sendo introjetados como se fossem realidades concretas. Para muitos deles, o planeta Terra deveria continuar (se é que em algum dia já foi) sendo o paraíso, mesmo em um modelo complexo de sociedade urbano-tecnológico-industrial-capitalista-consumista ambientalmente degrandante, o que também em nenhum momento é justificável.

Em determinadas situações e posturas dos ecochatos, observa-se um olhar distorcido sobre a realidade na qual vivem, quando os mesmos desconsideram as questões do cotidiano e o espaço onde estão inseridos e sua dinâmica, buscando modelos excêntricos e distantes, e, portanto, alienados e alienantes em relação à realidade socioambiental da maioria das pessoas.

Em muitas situações, os ecochatos se comportam como se tudo da modernidade fosse um malefício, se esquecendo de considerar os avanços e aspectos positivos do progresso que tanto combatem, uma vez que no passado não muito distante, as condições adversas de sobrevivência cobravam um preço alto da humanidade e do meio ambiente.

É sabido que a questão ambiental em pleno século vinte e um se constitui em um desafio sério para as pessoas comprometidas com a construção de um mundo melhor. Todos aqueles denominados de ecochatos e românticos, embora muitos estejam bem-intencionados, precisam rever os conceitos e as posturas em relação à questão ambiental. Do contrário, não irão contribuir com essa causa. Por isso, cada vez mais se faz necessário a presença de pessoas que queiram se tornar partícipes dessa empreitada. Ambientalistas, ecologistas, educadores ambientais críticos, pesquisadores, entre tantos outros segmentos, podem e devem se fazer cada vez mais presentes nesse debate, até para que haja menos ecochatos e mais militantes a favor da causa e cidadãos críticos.

16- PENSAR E AGIR LOCAL E GLOBALMENTE

Diante dos imensos desafios que estão postos a todas as pessoas em relação à atual crise socioambiental de perfil planetário, é oportuno que todos aqueles que estão comprometidos com a causa ambiental busquem aproveitar os mais variados meios disponíveis para somar esforços na busca de soluções e na construção de alternativas à complexa crise existente.

Os problemas ambientais estão presentes em todas as partes, ainda que em algumas localidades eles sejam mais visíveis e acarretem mais consequências do que em outras. Mas, as causas diretas e indiretas que levam ao surgimento desses problemas acabam tendo uma relação, que pode ser mais ou menos próxima. Hoje, se for feito um levantamento sobre todos os problemas ambientais do mundo moderno, não será difícil perceber o quanto eles estão associados a um modelo de crescimento e desenvolvimento econômico e de funcionamento das mais diversas sociedades, fundamentados por uma mesma matriz ideológica, podendo ocorrer alguma variação aqui ou ali.

Por isso, é de fato ser muito importante que as pessoas, uma vez conscientes dessa situação, possam se manifestar e se posicionar não apenas localmente, o que em tese seria o mais cômodo, o que verdadeiramente nem sempre o é, mas procurar agir também com uma perspectiva global, uma vez que as causas de muitas questões ambientais locais podem ser mais amplas, globais, e de nada adiantaria agir apenas na localidade onde estão inseridas, pois seria tentar combater apenas as consequências e não as causas reais do que de fato está acorrendo, tendo em vista que “a internalização de uma visão ambiental de mundo passa, sem dúvida, pela vinculação, feita por múltiplas mediações, entre o imediato vivido e as grandes questões globais” (LOUREIRO, 2004, p. 131).

Perceber esse aspecto é importante, pois “é preciso agir não só localmente, como regional, nacional e mundialmente, posto que é a sociedade e seu espaço como um todo que está implicada no desafio ambiental” (PORTO-GONÇALVES, 2004, p. 68), uma vez considerando que em muitas situações, observam-se posturas que ficam a dever e, em alguns casos, acabam reforçando a causa a que se propõe combater, justamente por não fazer uma leitura real das correlações existentes entre as questões abordadas e o contexto onde ocorrem. Mais adiante, o mesmo autor reforça sua opinião, quando afirma que “é, no mínimo, ingenuidade deixar de assumir a dimensão política implicada na relação entre as diferentes escalas, quando poderosos grupos operam em escalas supralocais, estimulando territorialidades sem governo (para os outros)” (idem, p. 68).

Assim, entender as questões ambientais contextualizadas a partir de uma complexidade de fatores, incluindo aí as relações entre os aspectos espaciais e temporais, contribui muito para atuar como objetivo de superar as adversidades. Sendo assim, é valioso que as pessoas possam, mesmo estando distante da ocorrência de determinados problemas ambientais, buscar se informar e se posicionar pelos vários meios disponíveis, tais como a internet (sites, correio eletrônico, comunidades de relacionamentos, etc.), jornais, revistas, rádios, entre outros, como forma de encurtar distâncias e agir política e ambientalmente de forma correta e mais precisa.

É papel de cada pessoa estar consciente da necessidade de assumir sua condição de sujeito ecológico, sair da condição passiva (a que muitas estão submetidas) e ter uma postura mais ativa, estar minimamente informada, tomar atitudes coerentes, assumir posições, contestar, não esperar apenas por soluções governamentais, uma vez que as mesmas nem sempre acontecem, “articular a cotidianidade ao macrossocial, em uma atuação política que gere as transformações individuais e coletivas, simultaneamente, e a possibilidade de as experiências localizadas que foram bem-sucedidas se universalizarem” (LOUREIRO, 2004, p. 133). Tais posturas precisam ser permanentes, incansáveis, pois os problemas ambientais

também têm sido permanentes e cada vez mais intensos e danosos, ressurgindo em muitas situações de acordo com a dinâmica da sociedade.

Coletivamente, a favor do meio ambiente, é possível construir alianças e redes de atuação e elaborar pautas com vários segmentos, como escolas, universidades, associações diversas, ONGs, sindicatos, segmentos religiosos, partidos políticos progressistas e programáticos, artistas, intelectuais, grupos internacionais, enfim, com segmentos e personalidades que possuam condições de inserção e que possam ser formadores de opinião junto a toda sociedade, seja em questões pontuais ou mais gerais da luta ambiental, focando a atuação em qualquer meio que se fizer necessário.

Dessa forma, tudo isso “implica alimentar grandes utopias, ampliar e utilizar conhecimentos científicos e estabelecer uma ampla frente de atuação” (MINC, 1998, p. 122), mesmo que sob determinadas condições, as adversidades sejam enormes, pois não há como vislumbrar um horizonte possível com novas perspectivas socioambientais sem considerar os múltiplos cenários que estão postos com relação aos aspectos ambientais.

17- O EXERCÍCIO DA CIDADANIA AMBIENTAL

A palavra cidadania é frequentemente muito pronunciada, mesmo que nem sempre seja devidamente entendida e exercida no cotidiano pela maioria das pessoas.

Entender o que uma palavra significa é importante, sobretudo quando a mesma é continuamente utilizada. No caso da palavra cidadania, saber transformar o seu significado teórico para o exercício prático no dia-a-dia em uma sociedade se constitui em uma atitude necessária, ainda mais quando ela está diretamente relacionada com a questão ambiental. Dessa forma, a cidadania ambiental é um exemplo dessa necessária relação constante entre os aspectos teóricos e práticos.

Várias são as possíveis definições do que seja cidadania, o que vai depender evidentemente de quem as formule e o contexto no qual elas estejam inseridas. Cidadania pode ser entendida como sendo o exercício permanente do conjunto de direitos e deveres, preferencialmente plenos, que estejam voltados para o bem comum coletivo. Para Gadotti, “cidadania é, essencialmente, consciência/vivência de direitos e deveres” (2000b, p. 75). Assim, pode-se falar em cidadania política, cidadania econômica, cidadania cultural, cidadania ambiental, cidadania planetária... O importante é que ela seja exercida plenamente, voltada para qualquer área, sempre a favor do desenvolvimento de uma sociedade.

A construção da cidadania em uma sociedade deve ser um compromisso de todos e fundamentada em certos valores de interesse comum, voltados para a coletividade. Para Milton Santos, “viver, tornar-se um ser no mundo, é assumir, com os demais, uma herança moral, que faz de cada qual um portador de prerrogativas sociais” (2007, p. 19). Dessa forma, a cidadania deve ser construída com e para o conjunto da sociedade, mesmo sabendo que há pessoas que exercem a cidadania mais do que outras, há muitas que não exercem de modo algum a cidadania e, infelizmente, sempre há os que querem impedir ou eliminar a cidadania.

Considerando que existe no mundo atual, uma forte, ameaçadora e preocupante crise socioambiental, resultado de um processo civilizatório da modernidade, tanto equivocado como ultrapassado, cada vez mais se faz necessário o exercício individual e coletivo da cidadania ambiental, mas sem descontextualizá-la das demais formas de exercícios da cidadania.

São inúmeras as formas de ser um cidadão ecológico. E elas precisam se concretizar em todos os lugares. Abaixo estão citadas algumas que ora mais, ora menos, podem ser praticadas.

Ter consciência da complexidade do assunto, não se deixando, portanto, ser tomado por concepções românticos, inocentes e apenas naturalistas ou biologizantes da questão ambiental. Se informar, ler e estudar sobre as questões ambientais diversas. Saber reivindicar uma cidade com o devido planejamento urbano, com áreas verdes, praças, jardins e parques para o lazer e entretenimento das pessoas. Participar ativamente de campanhas diversas em prol do meio ambiente, juntamente com os movimentos sociais, com as ONGs, universidades, clubes, grupos voluntários, etc. Ter noção do que significa de fato crescimento e desenvolvimento econômico sustentável e saber identificar as armadilhas por trás desse discurso, entre tantas outras maneiras, etc.

Por outro lado, não se omitir quando sua participação se fizer necessária em ações de interesse social e ambiental. Não aderir ao consumismo, ao desperdício, à cultura do descartável e à opulência na forma de viver. Não votar em candidatos que estejam comprometidos com projetos que visem o crescimento a qualquer custo e sejam antiecológicos e corruptos. Não se acovardar diante de situações adversas e ter a coragem e a capacidade de denunciar as atitudes antiecológicas bem como os seus autores. Boicotar produtos e marcas que estejam associados a danos e à irresponsabilidade ambiental, trabalhista e social. Não deixar de cobrar incansavelmente das autoridades públicas ações

concretas e funcionais que busquem minimizar ou eliminar os problemas ambientais existentes na comunidade, etc.

A vivência plena e constante da cidadania não é alcançada sem esforço, organização, conscientização e mobilização, sobretudo, da coletividade. Exige tempo, preparo e objetivos concretos e reais que sejam claros, definidos e globais. É preciso sempre estar atento à dinâmica das circunstâncias e ser atuante. Superar os interesses unicamente individuais ou de uma minoria. Não ter uma visão antropocêntrica, imediatista e apenas utilitarista da natureza, mas procurando buscar sempre novos e diferentes caminhos alternativos, com responsabilidade e solidariedade.

O exercício da cidadania ambiental não pode ser encarado como uma camisa-de-força. Apesar de ser uma necessidade cada vez maior, precisa ser livre, espontâneo, consciente, compartilhado e construído democraticamente, afinal, “cidadania, sem dúvida, se aprende. É assim que ela se torna um estado de espírito, enraizado na cultura” (SANTOS, 2007, p. 20).

Infelizmente, não é comum no Brasil a vivência da cidadania plena, pois “não se pode esquecer que sendo a sociedade brasileira excludente, desigual e autoritária, a maioria dos brasileiros ainda está longe de atingir a cidadania plena” (QUINTAS, 2009, p. 57). Além disso, existe uma cultura de concepção do estado e do poder público como um ente paternalista e assistencialista, capaz de prover todas as necessidades que surgem da população. Dessa forma, a maioria das pessoas não se sente partícipe dos processos de construção da sociedade, gerando uma cultura empobrecedora da noção e do exercício contínuo da cidadania. E esse quadro também se vê no que diz respeito à questão ambiental.

Diante disso, ainda continua firme o desafio de construção cotidiana da cidadania plena, como condição para a necessária transformação da sociedade, inclusive sob a perspectiva ambiental.

18- DILEMAS DA QUESTÃO AMBIENTAL O debate da questão ambiental para o século vinte e um necessariamente deverá

considerar as múltiplas facetas que o envolve, sem a qual não haverá solução, ainda que parcial e a longo prazo, para a crise socioambiental que se encontra solidamente estabelecida.

Já não cabe mais a abordagem ambiental a partir apenas da perspectiva naturalista, ou a partir das dicotomias entre o ser humano versus natureza ou a cultura versus natureza. Esses sim, são falsos dilemas que não conduzirão a uma leitura e compreensão inteligível e abrangente da realidade complexa a qual o tema exige. Muitos são verdadeiramente os dilemas pelos quais passa o debate da questão ambiental. Entendê-los bem, considerando-os como parte de uma totalidade que para ser assimilada não pode ser fragmentada e descontextualizada, é também um desafio. Assim, convém aqui citar alguns.

- Os apelos consumistas por meio dos discursos publicitários e do endeusamento do mercado estão aí, fortalecendo o padrão de consumo ambientalmente insustentável e irresponsável, a ponto de muitas pessoas entenderem equivocadamente que para serem cidadãos, precisam consumir cada vez mais, mesmo que verdadeiramente ser um consumidor em potencial não significa ser um cidadão verdadeiro, pois consumismo não é sinônimo de cidadania.

- O Brasil é hoje um dos maiores consumidores de agrotóxicos do planeta, inclusive de muitas marcas proibidas em outros países. O porquê e a quais grupos interessam, de fato, a utilização exagerada, absurda e criminosa de tantos agrotóxicos, que têm causados vários problemas ambientais e à saúde humana?

- A economia não é neutra. Assim, é preciso entender que crescimento econômico não significa necessariamente desenvolvimento econômico justo para todos e em harmonia com o meio ambiente, ou seja, é possível que haja crescimento econômico a qualquer custo, com fortes impactos ambientais e injustiças sociais, e essas por sua vez, agravam ainda mais os problemas ambientais. Além disso, as crises financeiras e econômicas cíclicas provocam quebradeiras, travam os investimentos públicos nas áreas sociais e criam um ambiente de instabilidade e incertezas quanto ao futuro, afetando diretamente a todos, inclusive o meio ambiente. Por isso, qual desenvolvimento econômico ideal?

- A ciência e a tecnologia também não são neutras. Por trás delas há interesses nem sempre visíveis e compreensíveis, mas que podem satisfazer somente alguns em detrimento dos interesses da maioria das pessoas. Assim, até que ponto a ciência e a tecnologia sem controle social não se constituem, por meio de suas descobertas, experiências, produções e aplicações, em ameaças para o meio ambiente e a dignidade humana? Como exemplo, veja o caso dos alimentos transgênicos no Brasil, que rapidamente foram liberados para o cultivo, comercialização e consumo, sem considerar o princípio da precaução, tão necessário em situações que envolvem dúvidas e riscos, mesmo no campo científico.

- Por outro lado, é necessário superar divergências, preconceitos e velhas certezas, e conciliar o conhecimento técnico e científico sistematizado com os múltiplos saberes de origem popular, que juntos, podem contribuir com a construção de uma frente contra a cultura antiecológica predominante atualmente.

- A natureza é fonte de muita matéria-prima utilizada pela humanidade. É evidente que com o crescimento populacional, o consumo automaticamente aumenta e a exploração e utilização de matéria-prima se tornam cada vez mais necessárias. Mas os recursos naturais, em sua maioria, não são renováveis e infinitos, e se explorados irracionalmente, tendem a se esgotarem mais rapidamente. Assim, que tipo de uso racional será feito com aquilo que se chama de recurso natural diante dessa perspectiva?

- Várias outras questões relacionadas com o meio ambiente estão em evidência no momento, e não podem ser consideradas menos importantes, como a geração de energia, a

produção e distribuição de alimentos, a urbanização não planejada, o consumismo, o desperdício, a concentração de renda, a perda acentuada de biodiversidade, as várias formas de poluição e contaminação, a intolerância étnica, religiosa e política, ameaças e conflitos entre povos ou nações, entre tantos outros problemas que respigam no aspecto ambiental. Como enfrentá-los e solucioná-los, antes que se agravem ainda mais os problemas ambientais decorrentes deles?

A maioria das pessoas já tem, ainda que minimamente, acesso a informações sobre os problemas ambientais, inclusive dos quais elas também são responsáveis. No entanto, nem sempre as mesmas se comportam coerentemente de forma a superá-los. Assim, falta-lhes consciência crítica combinada com ação concreta e objetiva permanente voltada para a responsabilidade e o compromisso socioambiental. As pessoas precisam combinar informações, conhecimentos, princípios, valores, atitudes e comportamentos e se voltarem para a dimensão ambiental, precisam aprender a “ler o meio ambiente” (CARVALHO, 2004, p. 86), de forma interdisciplinar e interpretá-lo conscientemente, adotar a problematização na abordagem das questões, com orientação crítica para conhecer a realidade e transformá-la.

Se rebelar e também transgredir a ordem antiecológica atual não podem ser vistas como atitudes ecochatas, desde que não esvazie o sentido da luta nem banalize a causa. Somente com consciência crítica, organização e ação concreta, sobretudo coletiva, será possível alcançar avanços e conquistas favoráveis à causa ambiental.

Concluindo, pode-se dizer que diante da amplitude profundidade e complexidade de todos esses dilemas, “o desafio imposto é de dimensão filosófica, política e civilizatória” (MINC, 1998, p. 122), com o qual a humanidade deverá aprender a conviver, como condição para a construção de um mundo melhor.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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