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i
Eduardo Martins Ráo
TEMPO DE TRABALHO NO BRASIL CONTEMPORÂNEO: A DURAÇÃO
DA JORNADA DE TRABALHO (1990-2009)
Campinas 2012
iii
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE ECONOMIA
EDUARDO MARTINS RÁO
Tempo de Trabalho no Brasil Contemporâneo: a Duração da Jornada
de Trabalho (1990-2009)
Prof. Dr. José Dari Krein– orientador
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Econômico, área de concentração: Economia Social e do Trabalho da Universidade Estadual de Campinas para obtenção do título de Mestre em Desenvolvimento Econômico, área de concentração: Economia Social e do Trabalho. ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA TESE DEFENDIDA PELO ALUNO EDUARDO MARTISN RÁO ORIENTADA PELO PROF. DR. JOSÉ DARI KREIN.
CAMPINAS 2012
iv
v
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
EDUARDO MARTINS RÁO
TEMPO DE TRABALHO NO BRASIL CONTEMPORÂNEO: A DURAÇÃO
DA JORNADA DE TRABALHO (1990-2009)
Defendida em 29/02/2012
COMISSÃO JULGADORA
vii
DEDICATÓRIA
Tatiana Portela, Gabi “Marruá” e
Tomás de Oliveira Taulois Silva (in memorian)
ix
RESUMO
Ao longo das duas últimas décadas, o Brasil assistiu a mudanças expressivas em relação ao
tempo de trabalho. Através da realização de nosso estudo foi possível constatar a existência de
três padrões do tempo de trabalho no Brasil, que revelam dois momentos distintos: um primeiro,
delimitado entre 1992-1998 e entre 1999-2003, onde se verifica um processo de alongamento das
horas trabalhadas acompanhado pela exacerbação da flexibilização e da intensificação da jornada
de trabalho e, um segundo, ocorrido entre 2004-2009, em que a duração do trabalho sugere um
movimento de maior padronização da jornada de trabalho de acordo com a legislação laboral. Na
realidade, este último padrão representa um marco na história do tempo de trabalho no Brasil,
mas que exige certa cautela em sua análise, uma vez que continuaram a se ampliar os
mecanismos de flexibilização e intensificação utilizados pelas empresas.
__________________________
Palavras-chave: Tempo de Trabalho; Jornada de trabalho; Brasil.
xi
ABSTRACT
Over the last two decades, Brazil has witnessed significant changes in relation to working time.
By performing our work, we determined the existence of three patterns of working time in Brazil,
which reveal two distinct periods: the first, delimited between 1992-1998 and between 1999-
2003, where there is a process of elongation the hours worked accompanied by exacerbation of
flexibility and the intensification of the working day and a second occurred between 2004-2009,
where the duration of the work suggests a movement of greater standardization of working day of
according to the labor law. Indeed, the latter pattern represents a boundary in the history of
working time in Brazil, but that requires some caution in his analysis, since continued to expand
the flexibility and intensification mechanisms used by companies.
__________________________
Keywords: Working Time, Working day, Brazil.
xiii
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
CAT Central Autônoma de Trabalhadores
CESIT Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho
CF Constituição Federal
CGT Central Geral dos Trabalhadores
CGTB Confederação Geral dos Trabalhadores do Brasil
CLT Consolidação das Leis do Trabalho
CNI Confederação Nacional das Indústrias
CONCLAT Conferência Nacional da Classe Trabalhadora
CONCUT Congresso Nacional da CUT
CONTRACS Confederação Nacional dos Trabalhadores no Comércio e Serviços
CTB Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil
CUT Central Única dos Trabalhadores
DIEESE Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos
EC Emenda Constitucional
FGTS Fundo de Garantia por Tempo de Serviço
FHC Fernando Henrique Cardoso
FMI Fundo Monetário Internacional
FNT Fórum Nacional do Trabalho
FS Força Sindical
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IDORT Instituto de Organização Racional do Trabalho
INPC Índice Nacional de Preços ao Consumidor
INSS Instituto Nacional do Seguro Social
IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
IPI Imposto sobre Produtos Industrializados
LER Lesões por Esforço Repetitivo
LC Lei Complementar
LRF Lei de Responsabilidade Fiscal
xiv
MEI Microempreendedor Individual
MP Medida Provisória
MPT Ministério Público do Trabalho
TEM Ministério do Trabalho e Emprego
NCST Nova Central Sindical de Trabalhadores
OECD Organization for Economic Co-operation and Development
OIT Organização Internacional do Trabalho
PAC Programa de Aceleração do Crescimento
PCdoB Partido Comunista do Brasil
PEA População Economicamente Ativa
PEC Projeto de Emenda Constitucional
PIB Produto Interno Bruto
PJ Pessoa Jurídica
PLC Projeto de Lei Complementar
PLR Participação nos Lucros e Resultados
PNAD Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
PT Partido dos Trabalhadores
RGPS Regime Geral de Previdência Social
RJT Redução da Jornada de Trabalho
RJU Regime Jurídico Único
SACC Sistema de Acompanhamento de Contratações Coletivas
SDS Social Democracia Sindical
SIPS/IPEA Sistema de Indicadores de Percepção Social
TI Tecnologia da Informação
TST Tribunal Superior do Trabalho
UGT União Geral dos Trabalhadores
xv
LISTA DE TABELAS
Tabela 01 - Total anual e distribuição das greves segundo reivindicações selecionadas, Brasil -
1990-2002 41
Tabela 02 - Evolução do tempo de trabalho (Nº horas
habitualmente trabalhadas por semana – todos os trabalhos – dez anos ou mais de idade) –
Brasil: 1992-1998
50
Tabela 03 - Evolução do tempo de trabalho (Nº horas
habitualmente trabalhadas por semana – todos os trabalhos – dez anos ou mais de idade,
segundo sexo) – Brasil: 1992-1998
51
Tabela 04 - Pessoas de 10 anos ou mais de idade, ocupadas na semana de referência, por
grupos de horas habitualmente trabalhadas por semana no trabalho principal, por posição
na ocupação de atividade do trabalho principal (%) – Brasil: 1992-1998
53
Tabela 05 - Pessoas de 10 anos ou mais de idade, ocupadas na semana de referência, por
grupos de horas habitualmente trabalhadas por semana no trabalho principal, por grupos
de ocupação na atividade do trabalho principal (%) – Brasil: 1992-1998
54
Tabela 06 - Pessoas de 10 anos ou mais de idade, ocupadas na semana de referência, por
grupos de horas habitualmente trabalhadas por semana no trabalho principal, por ramos de
atividade do trabalho principal (%) – Brasil: 1992-1998
56
Tabela 07 - Pessoas de 10 anos ou mais de idade, ocupadas na semana de referência, por
grupos de horas habitualmente trabalhadas por semana no trabalho principal, por classes
de rendimento mensal em atividade do trabalho principal (%) – Brasil: 1992-1998
57
Tabela 08 - Evolução do tempo de trabalho (Nº horas
habitualmente trabalhadas por semana – todos os trabalhos – dez anos ou mais de idade) –
Brasil: 1999-2003
60
Tabela 09 - Evolução do tempo de trabalho (Nº horas
habitualmente trabalhadas por semana – todos os trabalhos – dez anos ou mais de idade,
segundo sexo) – Brasil: 1999-2003
61
Tabela 10 - Pessoas de 10 anos ou mais de idade, ocupadas na semana de referência, por
grupos de horas habitualmente trabalhadas por semana no trabalho principal, por posição
na ocupação de atividade do trabalho principal (%) – Brasil: 1999-2003
62
xvi
Tabela 11 - Pessoas de 10 anos ou mais de idade, ocupadas na semana de referência, por
grupos de horas habitualmente trabalhadas por semana no trabalho principal, por grupos
de ocupação na atividade do trabalho principal (%) – Brasil: 1999-2003
64
Tabela 12 - Pessoas de 10 anos ou mais de idade, ocupadas na semana de referência, por
grupos de horas habitualmente trabalhadas por semana no trabalho principal, por ramos de
atividade do trabalho principal (%) – Brasil: 1999-2003
65
Tabela 13 - Pessoas de 10 anos ou mais de idade, ocupadas na semana de referência, por
grupos de horas habitualmente trabalhadas por semana no trabalho principal, por classes
de rendimento mensal em atividade do trabalho principal (%) – Brasil: 1999-2003
66
Tabela 14 - Total anual e distribuição das greves segundo reivindicações selecionadas,
Brasil - 2003-2011
98
Tabela 15 - Evolução do tempo de trabalho (Nº horas
habitualmente trabalhadas por semana – todos os trabalhos – dez anos ou mais de idade) –
Brasil: 2004-2009
107
Tabela 16 - Evolução do tempo de trabalho (Nº horas
habitualmente trabalhadas por semana – todos os trabalhos – dez anos ou mais de idade,
segundo sexo) – Brasil: 2004-2009
108
Tabela 17 - Pessoas de 10 anos ou mais de idade, ocupadas na semana de referência, por
grupos de horas habitualmente trabalhadas por semana no trabalho principal, por posição
na ocupação de atividade do trabalho principal (%) – Brasil: 2004-2009
110
Tabela 18 - Pessoas de 10 anos ou mais de idade, ocupadas na semana de referência, por
grupos de horas habitualmente trabalhadas por semana no trabalho principal, por grupos
de ocupação na atividade do trabalho principal (%) – Brasil: 2004-2009
112
Tabela 19 - Pessoas de 10 anos ou mais de idade, ocupadas na semana de referência, por
grupos de horas habitualmente trabalhadas por semana no trabalho principal, por ramos de
atividade do trabalho principal (%) – Brasil: 2004-2009
114
Tabela 20 - Pessoas de 10 anos ou mais de idade, ocupadas na semana de referência, por
grupos de horas habitualmente trabalhadas por semana no trabalho principal, por classes
de rendimento mensal em atividade do trabalho principal (%) – Brasil: 2004-2009
117
xvii
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 - Balanço das Contrareformas Trabalhistas na Região Latinoamericana 27
Quadro 2 - Balanço da flexibilização das relações de trabalho no Brasil na década de 1990 30
Quadro 3 - Tempo de Trabalho nos Congressos da CUT (1983-2000) 44
Quadro 4 – Principais medidas flexibilizadoras das relações de trabalho no Brasil (2003-
2010)
86
Quadro 5 –Medidas contrárias à flexibilização das relações de trabalho no Brasil (2003-
2010)
88
Quadro 6: Tempo de Trabalho nos Congressos da CUT (2003-2009) 102
xix
LISTA DE ANEXOS
Tabela 1 - População Economicamente Ativa, segundo posição na ocupação na atividade do
trabalho principal (em milhões e em %) – Brasil: 1992-2009
150
Tabela 2 - População Economicamente Ativa, segundo grupos de ocupação na atividade do
trabalho principal (em milhões e em %) - Brasil: 1992-2009
152
Tabela 3 - População Economicamente Ativa, segundo ramos de atividade do trabalho
principal (em milhões e em %) - Brasil: 1992-2009
153
Tabela 4 – População Economicamente Ativa, segundo classes de rendimento mensal na
atividade do trabalho principal (em milhões e em %) – Brasil: 1992-2009
155
xxi
SUMÁRIO
RESUMO ................................................................................................................................................................... IX
ABSTRACT ............................................................................................................................................................... XI
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS ........................................................................................................... XIII
LISTA DE TABELAS .............................................................................................................................................. XV
LISTA DE QUADROS.......................................................................................................................................... XVII
LISTA DE ANEXOS .............................................................................................................................................. XIX
INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................................ 1
CAPÍTULO 1 - O TEMPO DE TRABALHO NO BRASIL NOS ANOS 1990 ..................................................... 21
1.1 O CONTEXTO POLÍTICO E SOCIOECONÔMICO NO BRASIL ......................................................... 22 1.2 NEOLIBERALISMO E TEMPO DE TRABALHO NO BRASIL (1990-2003) ........................................ 35
CAPÍTULO 2 – O TEMPO DE TRABALHO NO BRASIL NOS ANOS 2000 .................................................... 83
2.1 A CONJUNTURA DE CRESCIMENTO ECONÔMICO E DE TENTATIVA DE MAIOR
PROTAGONISMO DO MOVIMENTO SINDICAL .............................................................................................. 84 2.2 TEMPO DE TRABALHO NO PERÍODO RECENTE (2004-2009): UMA INFLEXÃO? ....................... 96
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................................................... 141
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.................................................................................................................... 147
ANEXO ..................................................................................................................................................................... 155
1
INTRODUÇÃO
O presente trabalho visa realizar uma reflexão sobre o movimento que vem tomando o
tempo de trabalho no Brasil, especialmente a partir dos anos 1990, quando o país se insere
definitivamente nos marcos da globalização da economia e da financeirização do capitalismo. Em
outras palavras, procuramos apontar as mudanças ocorridas com o tempo de trabalho no Brasil,
em face das transformações suscitadas no capitalismo contemporâneo.
Através da realização de nosso estudo será possível sustentar a hipótese da existência de
três padrões do tempo de trabalho no Brasil, demarcados por duas conjunturas distintas: aquela
delimitada entre 1992-1998 e entre 1999-2003, onde se verifica um processo de alongamento das
horas trabalhadas e, aquela ocorrida entre 2004-2009, em que a duração do trabalho sugere um
movimento de maior padronização da jornada de trabalho de acordo com a legislação laboral.
A princípio, essa constatação indicaria, por um lado, uma tendência de menor execução
das horas trabalhadas pela população economicamente ativa brasileira acima das 45 horas
semanais, revelando um momento de inflexão histórico no aspecto da duração do trabalho no
país. Por outro lado, ela nos apresenta ainda um movimento de maior padronização das horas
laboradas segundo estabelece o ordenamento legal, correspondente à faixa daqueles que
trabalham entre 40 e 44 horas semanais. Haveria, portanto, uma forte evidência na década de
2000, sobretudo entre 2004-2009, de redução e de maior padronização das horas trabalhadas
pelos trabalhadores brasileiros. Essa será a hipótese geral que norteará a nossa pesquisa.
No entanto, seria interessante analisar de que maneira esta nova conjuntura de menor
duração das horas laboradas no Brasil reflete necessariamente o fato de os trabalhadores estarem
trabalhando menos. Nesse sentido, nosso trabalho ainda não conseguiu dar uma resposta
contundente a esse questionamento, devido o foco ter-se centrado fundamentalmente no aspecto
da duração do tempo de trabalho. Porém, a despeito dessa limitação, será possível sugerir, pelo
menos a partir de um conjunto de evidências, uma maior cautela em relação ao movimento
generalizado de inflexão da duração do trabalho no país na última década, dado que o tempo de
trabalho passou por mudanças substantivas oriundas das transformações ocorridas no capitalismo
2
contemporâneo e, certamente, dentre uma destas alterações, reside a ampliação e a sofisticação
dos mecanismos utilizados pelas empresas inscritos na flexibilização e na intensificação do
tempo de trabalho.
Tratam-se de dois processos que mereceriam a incidência de maiores estudos,
especialmente do ponto de vista dos impactos que os mesmos teriam na conformação da jornada
de trabalho contemporânea. Contudo, eles nos servem de elementos que ajudam a sustentar a
idéia da conformação de uma nova jornada de trabalho em curso: uma jornada mais flexível e
mais intensa, cujas dimensões se encontram cada vez mais imbricadas; uma jornada mais
adensada e ao mesmo tempo mais fluida.
Sendo assim, procuramos colaborar nesse trabalho com as teses que defendem a
implicação destes elementos na análise do tempo de trabalho contemporâneo, sustentando então o
seguinte: nos anos 1990 a duração do trabalho passou por um alongamento exacerbado que, na
conjuntura dos anos 2000, sofreu uma expressiva inflexão; no entanto, o mesmo não aconteceu
com a distribuição e a intensidade, uma vez que ambas indicam a continuidade de um processo de
flexibilização e intensificação do tempo de trabalho no Brasil.
Desta forma, nossa pesquisa busca contemplar a análise da duração do trabalho no país ao
longo das duas últimas décadas, sem deixar de lado totalmente as implicações ocorridas nas
outras duas dimensões do tempo de trabalho, inclusive as referendando enquanto elementos que
contribuem para que se relativize um pouco o movimento de inflexão das horas trabalhadas no
país. Na realidade, cumpre considerá-los até certa medida em nossa pesquisa, posto se tratar de
objetos que serão investigados em estudos posteriores.
Conceitualmente, o tempo de trabalho pode ser identificado nas sociedades capitalistas
por meio de três aspectos indeléveis que o compõem, a saber, a duração (ou extensão), a
distribuição e a intensidade (DAL ROSSO, 2000). A maneira mais comum de se compreender o
tempo de trabalho nessas sociedades diz respeito à duração ou à extensão do trabalho. Forjado
pela relação de subordinação do assalariamento, o trabalhador que vende a sua força de trabalho
no mercado procura tomar conhecimento, a princípio, de qual será a sua remuneração - dada a
3
sua respectiva função na atividade econômica - assim como de qual será o total de horas a serem
trabalhadas – de acordo com o nível de rendimento estipulado.
De fato, a duração do trabalho se expressa através do estabelecimento de uma jornada de
trabalho, que pode ser distinguida de várias formas: jornada diária, semanal, mensal e anual,
jornada remunerada e não remunerada, jornada legal ou contratual, jornada extraordinária,
jornada efetiva, etc. Conforme acontece com a noção de jornada de trabalho, a noção de duração
do trabalho também apresenta costumeiramente modalidades como duração diária, duração
semanal e duração anual (CALVETE, 2006). Além destas, existe ainda a duração na escala do
ciclo de vida (SAMUEL & ROMER, 1984) ou a duração da vida ativa1 (CETTE & TADDÉI,
1997 apud FERREIRA, 2004) as quais ambas se referem ao tempo de trabalho realizado pelo
indivíduo durante toda a sua vida laborativa.
Entretanto, o mais importante ao se analisar a composição da jornada de trabalho - seja de
qualquer forma ou modalidade acima descrita -, é avaliar se ela representa a jornada de trabalho
efetivamente laborada pelos trabalhadores, tendo em vista o absenteísmo, as greves, as
paralisações por falta de serviço e, sobretudo, as horas extraordinárias. Em geral, a duração da
jornada efetiva sofre influência de vários fatores: da lei, convenção ou acordo coletivo que
estipulam a jornada normal de trabalho a partir de onde começarão a serem pagas as horas extras;
da existência ou não de limitações para as horas extras diárias, semanais, mensais e/ou anuais; do
pagamento adicional estipulado em relação às horas extras e dos custos atinentes à contratação e
demissão dos trabalhadores, às licenças, aos dias parados e/ou folgados, à publicidade da oferta
de trabalho, aos treinamentos e à seguridade social (CALVETE, 2006, p. 34).
Não obstante, Ferreira (2004, p. 14) ressalta ainda que não é apenas a duração do trabalho
designado em horas, dias e semanas, meses ou anos, para fins de remuneração do trabalho
assalariado, que ganha destaque para a sociedade e, para o trabalho, em particular. Faz-se
imperativo levar em conta outros elementos igualmente relevantes, tais como: (i) o tempo
dispendido pelos trabalhadores para permanecerem ativos no mercado de trabalho, apoiados em
1 Para Cette & Taddéi (1997, p. 33-34, apud Ferreira, 2004) o conceito de duração da vida ativa passa a considerar o
tempo de trabalho total realizado durante a vida laborativa do indivíduo. Ele se mostra relevante para os estudos de
mercado de trabalho e de sistemas de aposentadoria.
4
sua sustentação física (energia para repor as próprias forças) ou da ausência mesma de trabalho
(caso dos desempregados); (ii) a evidência notável do crescimento da longevidade alcançada pelo
ser humano que faz estender (ou não necessariamente) o número médio de horas trabalhadas
durante a vida; (iii) a criação dos sistemas de aposentadoria como instituto que busca a proteção
do trabalhador contra o desgaste ou invalidação, total ou parcial, de sua força de trabalho; (iv) a
diversidade de medidas possíveis adotadas pelo capital para a duração dos regimes de trabalho
humano (trabalho a tempo integral, parcial, noturno, etc.) e (v) a existência dos tempos de não
trabalho necessários à reprodução física e social da própria força laboral, isto é: descansos
intrajornada (paradas para descanso e refeição); descansos entrejornadas (descanso realizado
entre um dia e outro de trabalho); descansos semanais; férias e dias feriados; paradas obrigatórias
em determinadas atividades repetitivas e insalubres; trocas de turnos; absenteísmo e trabalho
doméstico (realizado majoritariamente por mulheres2).
Por sua vez, o estudo de Cardoso (2009) aponta para a necessidade de se reconhecer a
existência de tempos dedicados ao trabalho que se encontram fora do espaço restrito do local de
trabalho. Por exemplo, o tempo gasto com o transporte entre a casa e o trabalho, o tempo
ocupado pelas atividades de (re)qualificação, as horas de sobreaviso, o tempo dedicado às tarefas
levadas para a casa, os tempos em que os trabalhadores se vêem obrigados a trazer soluções para
o melhor desempenho do processo de trabalho e, finalmente, o tempo dedicado às atividades
associativas e culturais, de responsabilidade social, atribuídas pela exigência crescente das
“empresas cidadãs”. Sem dúvida, todos esses elementos caracterizam tempos de trabalho, o
problema é que eles deixam de serem considerados enquanto tais inclusive para grande parte dos
próprios trabalhadores. Em verdade, tratam-se, ademais, de esferas em que o capital procurará
atuar no sentido de impor maiores constrangimentos ao uso do tempo dos mesmos e que serão
fortemente irreconhecidos pelos capitalistas como situações de labor (CARDOSO, 2009).
2 Na avaliação de Cardoso (2009), a partir do advento do trabalho industrial, vai se impondo nas sociedades
capitalistas uma “separação” entre o tempo/espaço de trabalho e o tempo/espaço de não trabalho, ou seja, entre
aqueles trabalhos considerados produtivos e aqueles trabalhos considerados reprodutivos. Nesse processo histórico,
somente o trabalho contido especificamente no espaço da produção com uma jornada estipulada passou a ser
remunerado pelos capitalistas, deixando as demais atividades voltadas à reprodução social das famílias sob a
responsabilidade feminina, desprovidas de qualquer tipo de renda monetária e de valorização social, muito embora
tais atividades cumpram um papel significativo em relação ao processo de acumulação do capital.
5
Desta forma, a análise sobre a extensão ou a duração da jornada de trabalho nos dá uma
das dimensões acerca do nível geral das condições de vida dos trabalhadores em cada contexto
específico das sociedades capitalistas, enaltecendo o campo da disputa inscrita na relação entre o
capital e o trabalho. Para os capitalistas existe o incessante interesse de se prolongar ao máximo
possível o número de horas trabalhadas, trazendo conseqüências importantes para a sociedade e
para a vida de todos os trabalhadores. Já a classe trabalhadora busca, de alguma forma,
obstaculizar essa tendência inexorável no uso que se pode dispor de seus instrumentos revelados
em cada momento da história específica da luta de classes.
O segundo aspecto fundamental do tempo de trabalho a ser avaliado nas sociedades
capitalistas é a distribuição do trabalho. Dado a sua natureza mais complexa e suscetível a
graus de diferenciação enormes entre países e dentre as múltiplas atividades econômicas
existentes, cada qual com as suas especificidades técnicas, a dimensão da distribuição do trabalho
acabou sendo pouco estudada. A despeito dessa constatação, nessa esfera propriamente podemos
observar as configurações dos diferentes modos em que as horas de trabalho se encontram
distribuídas ao longo dos regimes de trabalho, assim como também o campo das inúmeras
possibilidades colocadas pela flexibilização das jornadas: se estão definidas em tempo integral,
tempo parcial e/ou rodízios por turnos e escalas interruptos ou ininterruptos; quais são os dias de
descanso remunerado e os mecanismos de compensação das horas folgadas (semanais, mensais
e/ou anuais); como se compõe as horas extras e o absenteísmo, etc. Decerto, tais configurações
estão relacionadas a inúmeros fatores políticos, sociais, culturais e econômicos que são frutos de
um processo histórico-societal estabelecido a partir da constituição do capitalismo e das relações
sociais de produção (DAL ROSSO, 2000; CALVETE, 2006).
Finalmente, o terceiro aspecto fundamental do tempo de trabalho nos remete à
intensidade do trabalho. Ele é caracterizado pela maneira como o tempo de trabalho é utilizado,
ou ainda, pela maneira como é realizado o ato de trabalho nas sociedades capitalistas (DAL
ROSSO, 2000, 2008). Nessa ótica emergem questões atinentes ao uso da força de trabalho, como
por exemplo, o controle sobre o ritmo de trabalho, a execução dos gestos, as porosidades (os
tempos mortos), o irrompimento da continuidade do fluxo produtivo, as multiplicidades de
tarefas e funções, a exigência de atributos mentais e intelectuais e/ou de envolvimento emocional
com o trabalho. Devido a forte concorrência estabelecida no mercado, os capitalistas se deparam
6
com a incessante necessidade de utilização destes instrumentos com vistas a aumentar o grau de
intensidade do trabalho, seja através do desenvolvimento tecnológico e científico, seja também a
partir da reorganização e da gestão do trabalho3 (DAL ROSSO, 2000; CALVETE, 2006). Isto
significa uma situação complexa e difícil para a classe trabalhadora, que procurará lutar de modo
a abrandar o excesso de trabalho, os acidentes letais ou parciais, as lesões físicas permanentes, os
suicídios e as psicopatologias e/ou doenças ocupacionais, ocasionados direta ou indiretamente
pelos processos de trabalho.
De maneira geral, o capitalista utiliza-se de inúmeros instrumentos para alterar os limites
impostos ao tempo de trabalho em suas três dimensões (duração, distribuição e intensidade). A
jornada de trabalho pode ser alongada ou reduzida, se tornar mais flexível para a empresa ou para
o proveito do trabalhador e, ainda, tornar-se mais intensa ou não. À frente disto, existe uma gama
de combinações em relação à utilização do tempo de trabalho dos trabalhadores delimitados tanto
pelo aspecto físico-biológico quanto pelo social, o que supõe uma série de arranjos da forma de
produção da mais-valia (MARX, 1996).
Na condição de uma relação social, o capital busca, por um lado, pressionar pela
superação das limitações impostas aos indivíduos inerentes ao processo de trabalho, que esbarram
nas capacidades de adaptação e de risco de saúde dos trabalhadores constrangidos à execução de
jornada de trabalho mais longas, mais flexíveis e mais intensas. Por outro lado, a sociedade
procura impor certos parâmetros à jornada de trabalho a partir da legislação trabalhista, dos
acordos e convenções de trabalho definidas pelo antagonismo entre as classes (CALVETE,
2006).
3 Na avaliação de Dal Rosso (2008), o estudo da intensidade, a rigor, busca identificar o grau de dispêndio de todas
as capacidades do trabalhador utilizadas no processo de trabalho, sejam elas energias físicas, intelectuais e
relacionais, com o intuito de medir a quantidade e a qualidade de mais trabalho realizado sob as mesmas condições
técnicas e no mesmo período de tempo considerado. Assim, quanto maior for a intensidade, mais trabalho é
produzido num dado período considerado, culminando no alcance de resultados mais elevados. Sem embargo, o
tratamento teórico-conceitual, metodológico e empírico da questão da intensidade se apresenta de modo muito
escasso na literatura. Aliás, são muitas as dificuldades encontradas pelos especialistas para definirem
apropriadamente o que é a intensidade e para identificarem o impacto que ela gera ao conjunto da sociedade,
perpassando todas as modalidades particulares verificadas em cada ramo de atividade, nas unidades de trabalho
dentro de empresas e nas distintas posições e classes de ocupação. Para um estudo detalhado sobre essa discussão,
ver: DAL ROSSO, S. Mais trabalho: a intensificação do labor na sociedade contemporânea. São Paulo: Boitempo,
2008.
7
Acontece que, como na sociedade capitalista a acumulação de capital torna-se um
processo incessante de valorização do valor, os empresários buscarão dispor de distintas formas
de extração de mais-valia de acordo com o grau de disputa circunscrito em cada momento da
história. Por exemplo, a burguesia, em meados da Revolução Industrial, conseguiu promover um
processo de alongamento das horas trabalhadas para algo em torno de 16 a 18 horas diárias,
deixando de poupar sequer a participação de mulheres e crianças. Essa longuíssima carga horária
traduziu-se na desvalorização da força de trabalho e resultou em ganhos extraordinários de mais-
valia através do aumento absoluto da jornada de trabalho (MARX, 1996, 2004).
Posteriormente, quando se tornou insustentável a manutenção de tal padrão de exploração,
sobretudo pela luta do movimento dos trabalhadores em prol da redução da jornada de trabalho,
os capitalistas acabaram difundindo os novos métodos taylorista-fordistas apoiados na
administração científica do trabalho, coadunando a nova realidade de menores patamares de
horas trabalhadas com a de maior intensificação do processo de trabalho. Assim, é o
desenvolvimento das forças produtivas que passou a imprimir o teor da extração de mais-valia
sob as bases genuinamente capitalistas4, implicando tanto nos portentosos ganhos de
produtividade do trabalho e no barateamento dos bens-salários para a classe trabalhadora bem
como num maior controle da produção e da reprodução da própria vida dos trabalhadores
(GRAMSCI, 1984).
Nessa fase histórica marcada pela preponderância da mais-valia relativa, o capitalismo
pôde aparentemente exibir o seu potencial “civilizatório”, sustentando a incorporação de grandes
contingentes de trabalhadores ao regime de assalariamento e ainda possibilitando a estes o
desfrute de um padrão de vida razoavelmente estável. Além disso, com o embaratecimento e a
ampla difusão das mercadorias nos mais distintos ramos dos mercados, as grandes massas - agora
convertidas em vigorosos consumidores – cumpriram parte fundamental da engrenagem inscrita
no processo de reprodução societal do capital através do consumo massificado, ao mesmo tempo
em que ampliavam suas “virtualidades democráticas” registradas nos marcos da afluência e da
ascensão social, principalmente com a composição das inebriantes “novas classes médias”.
4 Contudo, o mais importante a destacar é que na discussão sobre essa temática, realizada por Marx, em O Capital, a
preponderância da mais-valia relativa sobre a mais-valia absoluta é algo eminentemente dialético e contraditório, já
que o autor não descarta a possibilidade da ocorrência de interações entre estas duas formas concomitantemente, ou
até mesmo, do retorno da mais-valia absoluta, em condições qualitativamente avançadas.
8
Por se tratar de um quadro de reprodução ampliada do capital, o alcance promovido pelo
desenvolvimento das forças produtivas permitiu a simultaneidade das esferas de atuação do
cidadão e do consumidor. O corolário da concertação política entre o Estado, os capitalistas e os
trabalhadores contribuiu sobremaneira para que estes últimos pudessem ampliar o escopo das
conquistas tolhidas pela burguesia ao longo do século XIX. Não obstante, o crescimento
econômico elevado e as significativas melhorias no padrão de vida das massas trabalhadoras
foram decisivos para que em algumas sociedades capitalistas o desemprego atingisse patamares
residuais e os frutos dos expressivos ganhos de produtividade do trabalho pudessem não apenas
ser incrementado aos salários, mas ainda estar atrelado a um conjunto de políticas públicas e
sociais trazidas à baila pela institucionalidade do Estado de bem-estar social.
Entretanto, com a eclosão da crise ocorrida nos anos 1970, evidenciou-se o real
esgotamento das condições societais que se colocavam até então. Nesse sentido, parece ter havido
o surgimento de um novo quadro marcado por profundas transformações no padrão de
acumulação capitalista. Harvey (1993) acredita que, desde a grande crise estrutural de 1973,
passou a vigorar um novo padrão de acumulação de capital que reflete um conjunto significativo
de transformações no plano político, econômico, cultural, social e ideológico. Em sua visão existe
“algum tipo de relação necessária entre a ascensão de formas culturais pós-modernas, a
emergência de modos mais flexíveis de acumulação do capital e um novo ciclo de compressão do
tempo-espaço na organização do capitalismo”. E isto não deve ser confundido “como sinais de
surgimento de alguma sociedade pós-capitalista ou mesmo pós-industrial inteiramente nova”
(HARVEY, 1993, p. 7).
Na realidade, o autor marxista entende que o atual padrão de acumulação de capital é uma
resposta à crise de superacumulação inerente ao modo de produção de capitalista, que culmina na
passagem – embora não necessariamente na superação – do modelo fordista-taylorista para um
modelo de acumulação mais flexível, sustentado pela flexibilidade dos processos de trabalho, dos
mercados de trabalho, dos produtos e dos padrões de consumo, cujo objetivo central reside na
intensificação da exploração sobre a força de trabalho e no agravamento da precarização do
trabalho (HARVEY, 1993).
9
Dado se tratar de um processo que abrange as diversas esferas da vida social, alguns
autores evidenciam transformações consideráveis nos mais distintos planos que compõem a
totalidade societal do capital. Por exemplo, no plano cultural-ideológico verifica-se o predomínio
dos valores do pós-modernismo, tais como, o relativismo, o individualismo e a crença no “fim
das utopias”. No plano político, por sua vez, assistimos em muitos países a uma efusiva guinada à
direita, nos marcos da hegemonia neoliberal, que expressa uma verdadeira restauração
conversadora combativa ao comunismo e às organizações dos trabalhadores5 (ANDERSON,
1995). Não obstante, no plano econômico há uma radical reconfiguração do padrão de
acumulação de capital fomentada pela vinculação da globalização da economia à financeirização
do capitalismo, implicando na reformulação da política econômica, na alteração dos padrões de
concorrência internacional (CHESNAIS, 1996; BRAGA, 1998) e no processo de reestruturação
produtiva (ANTUNES, 2008). Já no plano social, o avanço do desmonte do Estado de bem-estar
social, aliado às demais mudanças em curso, repercutiu em duras conseqüências ao mercado de
trabalho, às relações de trabalho, aos processos de trabalho, à própria sociabilidade dos
indivíduos e às condições de reprodução social da classe trabalhadora (CALVETE, 2006;
DEDECCA, 1999; KREIN, 2007).
Muitas são as evidências, portanto, que atestam a caracterização de um quadro de
transformações substantivas na totalidade das relações sociais das sociedades capitalistas,
revelando um avigoramento das ações da classe capitalista no âmbito das correlações de força e
um questionamento acerca das possibilidades das lutas de classes, haja vista o certo
arrefecimento das lutas coletivas (políticas e sociais) de caráter mais combativo e até mesmo
projetado contra o sistema de dominação capitalista (ANTUNES, 2008).
Destarte, todas essas modificações ocorridas nas sociedades capitalistas contemporâneas
causaram impactos decisivos sobre o tempo de trabalho. De maneira geral, existem indicações
que asseveram o estabelecimento, por parte da classe patronal, de mecanismos de pressão frente
aos trabalhadores em relação ao modo como o tempo de trabalho se encontrava constituído até
5 Apesar das inúmeras tentativas, sobretudo na década de 2000, representadas por governos supostamente contrários
à ideologia neoliberal, pouquíssimas foram as experiências políticas que conseguiram efetivamente se contrapor a ela
ou mesmo criar as condições de sua superação.
10
fins da década de 1970, de sorte que aquele padrão de trabalho mais rígido, composto pela
jornada de trabalho integral, será fortemente contestado.
Em face das novas condições premidas pela reprodução ampliada do capital - incessante
ao desenvolvimento das forças produtivas capitalistas - as empresas mostraram-se capaz de impor
aos trabalhadores o uso mais flexível de suas jornadas de trabalho, procurando consolidar uma
flexibilização totalmente favorável aos seus interesses e aos seus desempenhos nos mercados. E
assim o fizeram, valendo-se da conformação de jornadas de trabalho irregulares ao longo do ano
(modulação da jornada de trabalho) e da criação de novos métodos organizacionais e inovações
tecnológicas que culminaram na ampliação e na variabilidade do tempo em que o trabalhador
dispõe à realização do trabalho. Nesse sentido, conforme já discutido na literatura, esse
movimento de racionalização dos processos de produção e de trabalho consiste concretamente em
uma estratégia empresarial global pautada na busca pela redução dos custos, pelo aumento da
intensificação do ritmo de trabalho e do alcance de maior amplitude à realização do labor de
acordo com a instabilidade de suas atividades econômicas6.
No período atual, parece haver por parte dos capitalistas uma ação articulada visando
transformar paulatinamente aquela jornada de trabalho típica do modelo fordista-keynesiano em
uma jornada muito mais adensada, mais fluida e mais flexível. Observa-se, sem embargo, uma
forte tendência na perspectiva de flexibilização do uso do tempo dos trabalhadores em espaços
mais alongados (no decorrer de um ano inteiro e nos finais de semana e feriados) que passa a
oferecer amplas vantagens aos interesses do capital em contraposição aos interesses da classe
trabalhadora. Sendo assim, devido a estas possibilidades abertas pela flexibilização, existe a
indicação de que as alterações em relação ao tempo de trabalho podem ter acabado por tornar as
suas três dimensões (duração, distribuição e intensidade) um tanto mais difusas, de modo que elas
se encontram cada vez mais imbricadas, dificultando bastante a compreensão de seus
comportamentos particulares. Se estas análises estiverem corretas, podemos argüir que estamos,
hodiernamente, diante de uma realidade marcada por uma profunda mudança na maneira como a
jornada de trabalho vem se configurando nos últimos quarenta anos7.
6 Conferir, por exemplo: CALVETE, 2006; DEDECCA, 1999, 2004, 2005, 2008; KREIN, 2007; CARDOSO, 2009.
7 Idem, ibidem.
11
De fato, o que parece estar acontecendo com as três dimensões do tempo de trabalho no
capitalismo contemporâneo, segundo sugere a literatura que versa sobre essa temática, bem como
indica a base de dados disponibilizada pelos organismos internacionais, é a constituição de um
movimento geral definido pela redução da jornada de trabalho efetiva, acompanhada por um
processo de flexibilização e aumento da intensificação do tempo de trabalho.
No caso da duração do tempo de trabalho, o estudo realizado pela OIT por LEE &
McCANN & MESSENGER (2009), sustenta a existência em todo o mundo de um padrão
dominante que gira em torno do limite das 40 horas semanais, afirmando que apenas 22% dos
trabalhadores, em média, estão laborando mais de 48 horas por semana. Ainda que se ressalte as
importantes diferenças entre os países do globo, há uma forte evidência empírica que atesta o
gradativo decrescimento das horas médias efetivamente trabalhadas8. Ou seja, tudo levaria a crer
na existência de uma redução da jornada de trabalho efetiva de maneira generalizada em todos os
países do mundo, a despeito das diferenças existentes entre eles (LEE & McCANN &
MESSENGER, 2009). No entanto, é importante destacar que a medição das horas na sociedade
contemporânea é alvo de estudos que partem de distintas metodologias e de variados critérios
adotados (horas remuneradas, horas trabalhadas etc.) pelos meios oficiais e órgãos de pesquisas.
Além disso, a questão fundamental reside em saber qual seria a definição mais adequada e
consistente atualmente para a mensuração da duração do tempo de trabalho, sobretudo em face do
processo de esmaecimento das linhas demarcatórias que dividem o que é o tempo de trabalho e o
que é o tempo de não trabalho.
No que diz respeito à distribuição do tempo de trabalho na contemporaneidade,
observa-se de modo mais consensualizado que a flexibilização da jornada de trabalho tornou-se
um fenômeno comum em quase todas as nações. Aquele padrão de distribuição das jornadas de
8 Por exemplo, com base em OIT (2011), podemos indicar que nos países centrais o patamar da jornada média anual
no início dos anos 1980 já era menor do que 2000 horas/ano; nos anos 1990 ela passa a se situar próxima a 1900
horas/ano, mantendo essa tendência ao longo dos anos 2000 e, finalmente no ano de 2010 ela atinge um nível médio
inferior a 1800 horas/ano. A exceção fica para com algumas nações asiáticas (Coréia e Japão) e, apenas nas últimas
duas décadas, à Grécia. Já no caso dos países latino-americanos, nos anos 1980 quase todos perseguiam jornadas
anuais médias maiores de 2000 horas/ano; nos anos 1990 ela cai para um patamar um pouco menor do que 2000
horas/ano e na década de 2000-2010 ela continua com seu movimento de queda, situando-se mais abaixo das 2000
horas/ano (exceções feitas à Argentina e ao Chile que assistiram a aumentos graduais acima das 2000 horas/ano na
referida década).
12
trabalho em um regime mais rígido fora cedendo espaço à introdução de inúmeros mecanismos,
tais como, o sistema de compensação de horas (conhecido por modulação anual), a liberação do
trabalho aos domingos e feriados, o avanço dos trabalhos em tempo parcial ou por tempo
determinado e, ainda, o uso de distintas formas de turnos de revezamento e de escalas de
trabalho, que acabaram por transformar o tempo de trabalho em algo cada vez mais flexível aos
interesses das empresas. No afã de ajustar o uso das horas trabalhadas de maneira mais adequada
às suas necessidades e à nova realidade da reprodução ampliada do capital, as empresas foram
conformando jornadas de trabalho irregulares ao longo do ano, remunerando os trabalhadores
apenas nos casos em que se verifica efetivamente o labor. Além disso, criaram novos métodos de
organização dos processos de produção e de trabalho e utilizaram as inovações tecnológicas com
o intuito de manterem os trabalhadores à disposição da empresa em qualquer hora do dia e em
qualquer dia da semana e do ano, implicando na ampliação e na alta variabilidade do tempo em
que os empregados realizam os seus respectivos trabalhos9. Parece não restar dúvida, portanto,
que a flexibilização da distribuição das horas trabalhadas se trata de um processo bastante
expressivo no mundo contemporâneo, com consequências danosas para a classe trabalhadora,
como demonstrado na literatura10
.
Finalmente, no que tange à dimensão da intensidade do tempo de trabalho, apesar da
baixa incidência de pesquisas e de discussão sobre essa temática, existe o reconhecimento, por
parte de alguns analistas, de que no cenário hodierno os capitalistas vêm conseguindo imprimir
um processo muito mais sofisticado de controle da jornada de trabalho dos trabalhadores. Para
um dos maiores estudiosos do assunto, é possível admitir que esteja em curso um movimento de
maior intensificação do ritmo de trabalho, identificado, sobretudo, a partir das novas exigências
laborais inerentes às distintas formas de organização do trabalho, voltadas ao alcance de
resultados quantitativamente e qualitativamente superiores (DAL ROSSO, 2008).
9 Segundo LEE & McCANN & MESSENGER (2009), é crescente em vários países do mundo o surgimento de
diversos turnos de revezamento ou escala, sobretudo no período noturno, a ocorrência de trabalhos nos finais de
semana e especialmente os trabalhos a tempo parcial. Esta seria uma realidade muito comum nos países centrais
hoje. Naqueles outros considerados periféricos, embora a tendência da flexibilização seja também consistente,
algumas peculiaridades como, por exemplo, a alta informalidade, os baixos salários e o recurso abusivo às horas
extraordinárias indicam que as características encontradas nos países centrais se expressam em menor grau ou de
modo mais precário nas nações periféricas.
10 Cf. CALVETE, 2006; DEDECCA, 1999, 2004, 2005, 2008; KREIN, 2007; CARDOSO, 2009.
13
Dessa maneira, o trabalho contemporâneo estaria caracterizado pela imposição aos
trabalhadores de maior velocidade, agilidade, ritmo, polivalência, versatilidade, flexibilidade,
acúmulo de tarefas e busca incessante por mais resultados. Segundo o pesquisador, parece estar
havendo nas sociedades contemporâneas, relacionado às inúmeras transformações ocorridas no
capitalismo nas últimas décadas, o surgimento de um padrão mais intensivo de utilização
capitalista das horas trabalhadas. Observa-se, ademais, a ocorrência de variados padrões de
intensidade conforme a multiplicidade dos contextos sociais, especialmente das peculiaridades
dos setores e das atividades econômicas de cada país ou região (DAL ROSSO, 2008).
Conseqüente a todas essas mudanças emergidas nas últimas décadas, o debate acerca da
duração, da distribuição e da intensidade do tempo de trabalho situa-se em um quadro muito mais
complexo, revelando uma capacidade inequívoca das empresas no sentido de reforçarem e/ou
criarem outras formas mais consistentes de intensificação do ritmo de trabalho e de aumento do
controle sobre a jornada de trabalho. Entretanto, do ponto de vista da luta de classes, nesse
contexto de desemprego estrutural e de precarização das condições de trabalho, a ação da classe
trabalhadora em todo mundo continua pautada na busca por reduzir a jornada de trabalho, ainda
que às custas de sua flexibilização e intensificação e, no mais das vezes, do rebaixamento salarial,
com o propósito de manter ou até mesmo de criar novos postos de trabalho (CALVETE, 2006).
Registre-se, sem embargo, a baixa e insuficiente contestação das organizações dos trabalhadores
em relação tanto ao conjunto das dimensões que integram o tempo de trabalho quanto da sua
própria noção dominante no capitalismo contemporâneo (CARDOSO, 2009).
Essas seriam, em geral, as tendências ocorridas em vários países do globo. Por sua vez,
em se tratando do caso brasileiro, é necessário ressaltar inicialmente que o tempo de trabalho fora
desde sempre marcado por alguns traços particulares que o situam até hoje dentre as nações que
apresentam um patamar de jornada de trabalho das mais extensas do mundo. No plano histórico,
o padrão de horas trabalhadas exigido para o conjunto da classe trabalhadora estruturou-se,
radicalmente, na existência de elevadas, flexíveis e intensas jornadas de trabalho (DAL ROSSO,
1996; 2006).
Segundo Dal Rosso (2006), o regime da carga horária constituída ao longo do processo de
formação da sociedade capitalista no Brasil é distinguido por dois padrões históricos importantes.
14
O primeiro padrão de tempo de trabalho do país, demarcado no ínterim da abolição da escravidão
em 1888 até 1930, caracterizou-se, de maneira geral, pelas longas e extenuantes jornadas de
trabalho, definidas exclusivamente a partir do poder discricionário da classe patronal emergente.
Em seguida, entre as décadas de 1930 e 1980, o segundo padrão de tempo de trabalho tornou-se
regulamentado.
Do ponto de vista da duração do trabalho, tal padrão - até a implantação do direito às
férias - alcançou um patamar de mais de 2.400 horas anuais. Mas como era costume a realização
de horas extras, a extensão das horas trabalhadas anualmente situava-se assim entre 2.400 e 3.000
horas. Com a garantia do estatuto das férias, além de outras medidas, este patamar chegou
próximo a 2.000 horas anuais, evidenciando uma redução da jornada de trabalho inexpressiva, se
comparado ao movimento que ocorreu nos países capitalistas avançados.
Na realidade, o Censo Demográfico de 1970 apontou que 31,4% da PEA faziam horas
extraordinárias habitualmente. No Censo de 1980, com a inclusão na pesquisa de todas as pessoas
economicamente ativas, a proporção daqueles que cumpriam horas extras alcançou 28,5%.
Finalmente, o Censo de 1991, indicou que 40% da PEA trabalhavam além da jornada legal,
mesmo com a promulgação, em 1988, da redução da jornada de trabalho de 48 horas semanais
para 44 horas semanais. Do total, 42,8% dos homens e 27,7% das mulheres cumpriam jornadas
que excediam às 44 horas semanais (DAL ROSSO, 2006).
Por sua vez, dentre a categoria empregado com carteira, mais de 40% dos homens e perto
de 30% das mulheres trabalhavam acima da jornada legal, até o final da década de 1980. E dentre
a categoria conta própria ocorreu um aumento significativo em ambos os sexos. Na comparação
entre os Censos de 1980 e 1991, verificou-se um aumento de 12 p.p., no caso dos homens e de 9
p.p., no caso das mulheres, sendo que perto da metade dos homens e quase 1/3 das mulheres
realizavam horas extras (DAL ROSSO, 2006).
Não obstante, nas atividades não agrícolas, para os homens se observava um elevado
percentual de horas extras, especialmente nos seguintes setores: prestação de serviços (59,6%),
transporte e comunicação (57,12%), comércio de mercadorias (54,91%), indústria da construção
(51,6%) e indústria da transformação (42,55%); e, para mulheres: prestação de serviços
15
(43,05%), comércio de mercadorias (37,12%), indústria da transformação (28,07%), transporte e
comunicação (23,7%) e indústria da construção (13,08%). Certamente, conforme avaliado por
Dal Rosso (2006) esses cinco ramos de atividade compuseram o núcleo duro do trabalho
extraordinário, destacando-se o fato de que três deles especificamente se tratam de serviços
(transporte e comunicação, prestação de serviços e comércio de mercadorias). Em paralelo, nas
atividades agrícolas, segundo o Censo de 1991, 48,8% dos homens e 29,3% realizavam horas
extras (DAL ROSSO, 2006).
Por fim, dentre as ocupações majoritariamente de serviços (vendedores em lojas,
motoristas, empregados domésticos não especializados, cozinheiros e serventes) o exercício da
sobrejornada tornava-se comum: 35% (cozinheiras), no mínimo, e 55% (motoristas), no máximo,
trabalham acima de 44 horas semanais. Mas também tanto as ocupações agrícolas (45% dos
homens e 37% das mulheres), quanto os 41% dos mecânicos (indústria da transformação) e 45%
dos pedreiros (indústria da construção) realizam sobrejornadas (DAL ROSSO, 2006).
Em relação à distribuição do tempo de trabalho, verifica-se o predomínio do trabalho
em tempo integral ou jornada plena. Embora coexistissem demais práticas de trabalho com certos
graus de variabilidade, como por exemplo, o trabalho agrícola e algumas atividades urbanas
(prestadores de serviços, vendedores ambulantes, diaristas, dentre outras), a consolidação das
empresas capitalistas industriais, comerciais, bancárias, de construção civil e de outros ramos de
atividades, inerente ao processo de industrialização em curso no país, culminou na uniformização
do trabalho em tempo integral. Aos poucos, os trabalhadores foram se adequando às
regularidades do cumprimento de horas semanais contínuas e rígidas, definidas segundo os
interesses da classe patronal e legitimada pela ação do Estado, chegando a consolidar-se enquanto
um padrão habitual para partes expressivas da classe trabalhadora (DAL ROSSO, 2006).
Além disso, salienta-se ainda as amplas possibilidades de flexibilização das jornadas de
trabalho encontradas no país, seja no âmbito da regulação social, seja nos acordos e convenções
16
coletivas, seja também através do simples descumprimento da legislação11
; algo que até mesmo a
Constituição Federal de 198812
não foi capaz de dirimir.
Finalmente, no que diz respeito à dimensão da intensidade do trabalho, Dal Rosso
(2006) enaltece dois movimentos históricos. Inicialmente, entre os estertores do século XIX e
meados do século XX, os primeiros passos rumo ao processo de industrialização são marcados
pelas tentativas de se introduzir as formas de administração da força de trabalho e da
racionalização de seu uso apoiadas nas normatizações internas estabelecidas pelas próprias
empresas. Nesse contexto, evidencia-se uma grande disputa na relação capital-trabalho em torno
da estipulação e do controle sobre os ritmos de trabalhos determinantes.
11
Através da regulamentação do tempo de trabalho no Brasil foi possível estabelecer certos limites ao poder
discricionário patronal. No entanto, conforme prescrevia a própria legislação trabalhista, as empresas sempre
puderam contar com a adoção de mecanismos de flexibilização que decerto dificultavam o processo de reversão das
longas jornadas trabalhadas. Segundo o estudo amplo e sistemático realizado por Ferreira (2004), verifica-se na
legislação consolidada em 1943 a permanência de vários pontos de flexibilidade existentes desde o surgimento da
regulação pública da jornada de trabalho. Por exemplo, “a) o sistema de compensação de horas na semana, e o de
elevação da jornada diária em até duas horas, sem limitação de dias por ano trabalhado, mediante acordo direto entre
empregados e empregadores ou convenção coletiva de trabalho, sem majoração salarial para o primeiro caso e com o
pagamento de adicional para o segundo, continuou a existir; b) continuou presente a possibilidade de elevação da
jornada diária além daquela legal ou convencionada, independentemente de acordo ou convenção coletiva de
trabalho, para atender a necessidade imperiosa, seja para fazer face a motivo de força maior, seja para atender à
realização ou conclusão de serviços inadiáveis ou cuja inexecução possa acarretar prejuízo manifesto, na primeira
hipótese com pagamento não inferior ao da hora normal e, na segunda, com o acréscimo de 25% sobre a hora
normal, embora com algumas restrições;
c) embora silente a legislação, o trabalho em turnos ininterruptos de
revezamento continuou a ser permitido sem qualquer ônus adicional para os empregadores; d) o intervalo para
descanso e refeição continuou a ser majorado mediante acordo direto entre empregado e empregador ou convenção
coletiva de trabalho, passando a poder ser reduzido por ato do ministro do Trabalho, Indústria e Comércio,
observadas algumas condições (art. 71, § 3º); e) continuou a ser facultado o trabalho aos domingos, mediante prévia
autorização da autoridade competente em matéria de trabalho; f) a hora noturna voltou a ser considerada como de
52’30” e o período noturno voltou a ser considerado como sendo de 22 horas de um dia a 5 horas do dia seguinte
(art. 71, §§ 2º e 3º); g) a comunicação de concessão de férias pelo empregador, de forma escrita e prévia, passa a
necessitar de 30 dias, com parcelamento de no máximo dois períodos, facultado apenas para casos excepcionais e
com duração mínima de dez dias para o período menor, vedado tal parcelamento aos menores de 18 anos e aos
maiores de 50; h) foram mantidas penalidades administrativas para o descumprimento da legislação, porém com
procedimentos demorados e ineficazes, na prática” (Ferreira, 2004, p. 115-116).
12 Dentre as mais comuns – e que a Carta Magna não suprimiu – destacam-se: a combinação da redução da jornada
com a redução salarial, através de negociação coletiva; a irrestrita facilidade de demissão; a negociação de turnos
ininterruptos de revezamento, a utilização das horas extraordinárias e, finalmente, a concessão de férias coletivas
(CARDOSO, 2009). Na mesma direção, Ferreira (2004) aponta que, embora seja necessário reconhecer os avanços
advindos da Constituição da República de 1988, muitos destes “foram praticamente neutralizados pela legislação
infraconstitucional da mesma década e por parte de uma jurisprudência conservadora que se formou a partir de
disputas judiciais entre empregadores e empregados” (Ferreira, 2004, p. 194).
17
Num segundo momento, a partir de 1930, sobretudo com a criação do Instituto de
Organização Racional do Trabalho (IDORT), a situação passa a se colocar nos embates
incessantes travados entre os interesses dos capitalistas e do Estado13
em incorporar e/ou adequar
as práticas tayloristas-fordistas - já amplamente difundidas em boa parte do mundo capitalista
ocidental – e a capacidade de resistência da classe trabalhadora, premida pela compulsoriedade e
pela rigidez do trabalho, especialmente o industrial.
Sem embargo, embora o autor reconheça que a ausência de estudos sistemáticos dificulte
a realização de uma avaliação mais segura acerca do movimento da intensificação do tempo de
trabalho na sociedade brasileira, é legítimo supor que, no padrão histórico de longas e flexíveis
jornadas de trabalho constituída no país, os trabalhadores certamente foram marcados por um
processo expressivo de intensidade do labor: o permanente excesso de trabalho, os níveis
execráveis de acidentes e lesões, os baixos salários e as péssimas condições de trabalho para a
grande maioria dos trabalhadores dão indicações inequívocas do nível degradante de
intensificação que demarcou a reprodução social da classe trabalhadora do país.
Em grande medida, esse era o quadro caracterizado pelo tempo de trabalho no Brasil até o
final da década de 1980. Sendo assim, levando em consideração esses elementos históricos, é
importante ressaltar que o objetivo adotado nesse trabalho será o de analisar o movimento que
vem tomando o tempo de trabalho no país, ao longo das duas últimas décadas, com o foco
especialmente no que diz respeito à duração do trabalho.
Diante desse objetivo, em termos metodológicos, sabemos que no Brasil os estudos já
realizados sobre o tema do tempo de trabalho caracterizam-se tradicionalmente por uma
abordagem teórica sistêmica, voltada fundamentalmente para a análise das mudanças ocorridas a
partir da política econômica e de seus impactos no mercado de trabalho e nas negociações
coletivas. Nesse sentido, será adotada por nós uma abordagem que, embora explore esse
conteúdo pesquisado, procurará destacar ainda as implicações que o tempo de trabalho incute do
ponto de vista das disputas em torno do estabelecimento de seus limites, revelando-se enquanto
13
O IDORT tornou-se a principal instituição responsável pelo estudo e pela viabilidade dos mecanismos da
administração científica dos processos de trabalho no país, em princípio atuando somente na esfera da iniciativa
privada e em seguida fazendo parte dos setores governamentais (DAL ROSSO, 2006).
18
um campo de grande embate na correlação de forças entre o capital e o trabalho e que em cada
conjuntura política, social e econômica adquire um padrão de conformação distinto.
Desta forma, no que tange aos procedimentos metodológicos, destacaremos a maneira
com que, em cada conjuntura específica da realidade brasileira inscrita nas duas últimas décadas,
a política econômica, o papel do Estado e a atuação das classes capitalista e trabalhadora
impactaram as relações e o mercado de trabalho e forjaram determinados padrões de tempo de
trabalho no país. Daremos relevo às alterações legais promovidas pelo Estado, às mudanças no
teor das negociações coletivas; às ações estratégicas utilizadas pelos capitalistas e à capacidade
de respostas e de ação da classe trabalhadora organizada, principalmente de uma das maiores
Centrais sindicais do país.
Para apreendermos as transformações ocorridas na dimensão da duração das horas
trabalhadas usaremos como referência a base de microdados da Pesquisa Nacional por Amostra
de Domicílios (PNAD) relativa aos anos de 1990-2009. Já em relação às outras duas dimensões
(distribuição e intensidade) ressaltaremos algumas evidências encontradas na literatura que
versaram sobre o avanço da flexibilização e da intensificação do labor na sociedade brasileira.
Contudo, o mais importante para nós será procurar adotar uma perspectiva que privilegia a
natureza das disputas inscritas na luta pelo estabelecimento do tempo de trabalho na sociedade
brasileira, posto que, a partir dela podemos identificar não apenas os limites alcançados pela luta
de classes como ainda a forma com que as horas executadas pelos trabalhadores vão
conformando determinados padrões de tempo de trabalho ao sabor das correlações de força
propiciadas em cada conjuntura.
Sendo assim, verificamos que nos anos 1990 o tempo de trabalho sofreu um processo de
alongamento, de exacerbação de sua flexibilização e de ampliação da intensificação do ritmo de
trabalho. No quadro de consolidação do neoliberalismo no país esse movimento refere-se, sem
embargo, a uma das tendências constituídas pelo modo hegemônico com que a flexibilização das
relações de trabalho se deu no Brasil. Além do surgimento de algumas mudanças legislativas e
somadas as já insistentes características estruturais do mercado e das relações de trabalho
brasileiro - expressas no uso abusivo das horas extras, nos baixos salários, na alta rotatividade e
informalidade - novos elementos são trazidos à baila, como por exemplo, o banco de horas, o
19
trabalho aos domingos e a jornada parcial, que se aliam à terceirização, ao just in time, à
polivalência e à PLR, adotadas no bojo do processo de reestruturação produtiva (KREIN, 2007;
CALVETE, 2006; CARDOSO, 2009). De fato, por trás de todo o discurso em prol da
“modernização” das relações de trabalho, a classe patronal brasileira, sob o apoio dos governos
vigentes, conseguiu adaptar as condições e os elementos centrais do trabalho ao atual padrão de
acumulação flexível do capital.
Entretanto, a partir da ascensão de Lula ao poder, o cenário vivenciado pela sociedade
brasileira sofreu algumas modificações importantes que rumaram, em certa medida, no sentido
contrário àquele verificado no período anterior. Nesse quadro pouco mais favorável ao mercado
de trabalho e à ação sindical, as disputas em torno do tempo de trabalho foram forjando um novo
padrão de horas trabalhadas no país, tendo como marco o ano de 2007, em que, pela primeira vez,
foi possível observar o maior percentual relativo dos trabalhadores ocupados laborando jornadas
de trabalho padronizadas com o ordenamento legal, delineada pelo limite entre as 40 e 44 horas
semanais. Vale destacar que esse movimento ocorreu de maneira generalizada, alcançando todos
os setores, posições e ocupações, inclusive quando se trata do trabalhador autônomo, que também
reduziu seu tempo de trabalho. Na realidade, o novo padrão representa um marco na história do
tempo de trabalho no Brasil, mas que exige certa cautela em sua análise, uma vez que
continuaram a se ampliar os mecanismos de flexibilização e intensificação utilizados pelas
empresas, conforme indicam a literatura14
.
Se, por um lado, a conformação de uma conjuntura econômica, política e social mais
favorável no país, especialmente a partir de 2004, possibilitou, ademais, o lançamento de uma
Campanha Nacional sobre a redução da jornada de trabalho, por outro lado, existem evidências
de que as tendências verificadas ao longo dos anos 1990 não foram dirimidas e o movimento
sindical encontrou muita dificuldade de inserir na agenda de negociação temas relacionados às
mudanças tecnológicas e organizacionais (CARDOSO, 2009). Apesar do certo reconhecimento
do conjunto de mobilizações dos trabalhadores desencadeados no processo de aparente redução
14
Cf. KREIN et al, 2011; CARDOSO, 2009; et al, 2011.
20
da jornada de trabalho entre 2004-2009, poucas foram as conquistas em relação à flexibilização e
intensidade do tempo de trabalho15
.
Dessa maneira, a presente dissertação está dividida em duas partes. O capítulo 1 busca
discutir as mudanças que estão ocorrendo na sociedade brasileira em relação ao tempo de
trabalho ao longo dos anos 1990. Este capítulo nos permite avaliar inicialmente o contexto
político e socioeconômico conformado na década de 1990, a partir dos dois governos de FHC.
Desde então, destacaremos as principais alterações ocorridas na configuração do padrão histórico
do tempo de trabalho (sobretudo no que tange a duração do trabalho) e nas lutas dos próprios
trabalhadores sobre essa questão.
O capítulo 2, por sua vez, procede com uma análise do comportamento do tempo de
trabalho no contexto dos anos 2000, marcado por uma conjuntura de maior crescimento
econômico e de tentativa de retomada da ação sindical no país. A princípio, daremos ênfase ao
quadro mais geral expressado por algumas mudanças na política econômica dos governos Lula e
seus impactos ao mercado de trabalho. Em seguida, apresentaremos uma análise sobre o
comportamento do tempo de trabalho, especialmente entre 2004-2009, que se refletiu inclusive
de maneira contraditória na disputa em torno dos limites das horas trabalhadas. Novamente,
nosso foco maior será dado a respeito da evolução da duração da jornada de trabalho, ainda que a
abordagem da flexibilização e da intensidade do trabalho apareceram de certa forma referendada.
15
Idem, ibidem.
21
CAPÍTULO 1 - O TEMPO DE TRABALHO NO BRASIL NOS
ANOS 1990
O tempo de trabalho apresenta-se como um elemento lógico constitutivo das sociedades
capitalistas marcado por uma condição de disputa incessante entre as classes sociais. No Brasil,
tal processo assume um caráter específico, seja em função do modo como se dá o processo de
acumulação de capital, seja ainda pela maneira como o embate em torno dos limites do tempo de
trabalho culminou na definição do padrão das horas trabalhadas.
Dos anos 1930 até o final de 1980, o tempo de trabalho no Brasil tornou-se
regulamentado. Mesmo assim, não foi possível desvencilhar-se do quadro que o coloca dentre as
nações que apresentam as jornadas de trabalho mais extensas do mundo. Até fins da década de
1980, praticamente 1/3 da PEA trabalhava além da jornada estabelecida pela legislação, isto é,
acima de 48 horas semanais. A redução da jornada de trabalho através da CF/88, por sua vez, não
impediu que este traço estrutural do mercado de trabalho pudesse ser interrompido.
Com o advento do neoliberalismo na década de 1990, tal padrão passa por uma
importante reconfiguração, revelando uma alteração especialmente no âmbito das correlações de
forças entre os distintos atores sociais, que implicou na redefinição de um novo caráter impresso
pelas lutas sociais em relação à questão da jornada de trabalho. Sendo assim, inúmeras foram as
alterações no modo como a economia passou a se organizar e as implicações sobre
funcionamento do mercado e das relações de trabalho no país mostraram-se relevantes. Em
relação ao tempo de trabalho tais mudanças causaram impactos substantivos.
Neste capítulo inicial, nosso objetivo é analisar então como se expressaram, no caso da
realidade brasileira, as mudanças recentes em relação ao tempo de trabalho. Na seção 1.1
procuramos ressaltar o contexto político e socioeconômico verificado na década de 1990,
especialmente dos dois governos de FHC. Em seguida, nosso propósito na seção 1.2 será o de
avaliar como o neoliberalismo brasileiro promoveu modificações na configuração do padrão
histórico do tempo de trabalho e nas lutas dos próprios trabalhadores sobre essa questão.
22
1.1 O CONTEXTO POLÍTICO E SOCIOECONÔMICO NO BRASIL
O Brasil, nos anos 1990, vê-se compelido pela vitória das teses neoliberais, apesar das
resistências de parte da sociedade à incorporação das tendências constitutivas da nova ordem
mundial ocorrida a partir da crise do capitalismo na década de 1970. Os anos 1980 podem ser
considerados um momento de muita luta política e social e de avanço da organização operária16
e
popular que, indubitavelmente, ajudaram a refrear a implantação do neoliberalismo no país17
. A
transição para a democracia na década de 1980 culminou com a promulgação da Constituição
Federal de 1988 (Constituição-Cidadã) e com a volta das eleições diretas em 1989, em que Collor
consagra-se presidente da República.
Nesse contexto, fortemente marcado no plano internacional pelo desmonte do bloco
socialista – através da crise da URSS e da simbólica queda do muro de Berlim - o governo Collor
(1990-1992) se torna a primeira experiência brasileira a pôr em prática as contrareformas
concatenadas às exigências das instituições internacionais conservadoras. Mas é então nos
governos FHC (1994-2002) que tais políticas chegam aos seus estertores, revelando um processo
de profunda transformação social, das quais os governos Lula (2003-2010) mostraram-se incapaz
de reverte-las consideravelmente, inclusive as aprofundando em alguns sentidos18
.
Desta forma, a década de 1990 evidenciou o movimento de incorporação à risca das
políticas inscritas na cartilha do famigerado “Consenso de Washington”, num contexto em que a
16 Nesta década são fundados tanto o PT (1980) quanto a CUT (1983), um dos maiores partidos políticos e uma das
maiores Centrais Sindicais do Brasil e da América Latina. No caso da CUT, nota-se a princípio a consolidação de
balizas ideológicas que refletem o contexto combativo da época: postulava-se um sindicalismo classista e enraizado
na base sindical, com livre interferência do Estado, com autonomia dos sindicatos frente aos partidos políticos, com
democracia interna nas instâncias da Central, com internacionalismo sem alinhamentos e tendo o socialismo como
objetivo final.
17 É importante ressaltar que o caso brasileiro está dentre os poucos países que conseguiram avançar rumo à
cidadania social na contramão do pensamento neoliberal hegemônico no mundo. Constata-se, em grande medida, a
influência da agenda da redemocratização do país, impulsionada pelo movimento social a partir de meados dos anos
70, expressa no recuo das brechas políticas para os experimentos neoliberais, pelo menos até o final dos anos 80.
18 Ver ANTUNES, R. A desertificação neoliberal no Brasil: Collor, Itamar, FHC e Lula. Campinas: Autores
Associados, 2004. Sobre a difusão das ideias neoliberais no Brasil, ver GALVÃO (2007).
23
conjuntura econômica do mercado financeiro mundial encontrava-se numa realidade de
abundância do crédito internacional em busca de alternativas de aplicação fora das praças
financeiras tradicionais que garantissem oportunidades de rentabilidade elevada.
Muitos países periféricos, especialmente o Brasil sob os governos Collor e FHC,
procuraram aproveitar tal situação favorável adotando em grande vulto políticas que não apenas
representassem a “volta da esperança” e do “caminho seguro à modernidade” como também
significassem a obtenção de um “lugar ao sol”, isto é, de uma inserção ordenada de cada um
desses países ao mercado financeiro hierarquizado desde Wall Street, cada qual com o seu valor e
seu risco correspondente, definidos pelas imaculadas credit rating agencies.
Assim, quanto maiores eram as “oferendas” disponibilizadas pela periferia à oligarquia
financeira – ainda que se tratasse de empresas estatais, de serviços públicos essenciais, de títulos
de dívida dos Estados e de propriedades nacionais – vis-à-vis o aumento de suas “credibilidades”
através do aprofundamento das contrareformas conservadoras, maiores seriam o volume de
recursos alcançado por estes países.
De maneira geral, o modelo seguia um padrão em que três mecanismos fundamentais se
complementavam: a liberalização comercial permitia a exposição dos produtos internos ao
mercado mundial provocando um “choque de competitividade” - acompanhado por um intenso
processo de reestruturação produtiva das empresas - que colaborava para o arrefecimento da
inflação e dos preços relativos dos bens e serviços importados ou exportados, essenciais para a
manutenção da estabilidade econômica, e a liberalização financeira perseguia um aumento do
volume de recursos frente aos desequilíbrios oriundos da valorização cambial – e, sobretudo, para
facilitar o processo de privatizações.
A política econômica ortodoxa sustentada pelo Plano Real (1994) utilizou-se de diversos
instrumentos com o objetivo de reduzir os elevados índices inflacionários: há uma combinação de
privatizações das empresas e dos serviços públicos, de desindexação da economia (com a
estipulação de ajustes e reajustes de preços anualizados) e “equilíbrio fiscal” (cortes de despesas,
demissões em massas e aumento dos impostos federais) seguida por políticas monetárias
restritivas (altas taxas de juros e altas taxas do compulsório dos Bancos), por manutenção do
24
câmbio artificialmente valorizado num regime de bandas cambiais e por uma abertura comercial
agressiva (através da redução de tarifas de importação e da internacionalização dos serviços).
De acordo com este modelo, a abertura comercial realizada de modo desastroso e a
entrada vultosa de recursos ajudaram a cobrir os enormes déficits de conta-corrente do balanço de
pagamentos, elevaram os níveis de reservas e contribuíram para a sobrevalorização da moeda
nacional até 1998. Se por um lado tais políticas acabaram garantindo a redução sustentada da
inflação, por outro lado, elas impactaram severamente a produção industrial do país.
Verificou-se um processo exacerbado de quebradeiras de inúmeras empresas de distintos
setores da economia e de desarticulação de algumas cadeias produtivas concomitante à criação de
um ambiente providencial para que muitas das empresas sobreviventes pudessem promover
políticas de reestruturação produtiva graças à redução dos preços relativos de bens importados. A
moeda valorizada e a livre entrada de capitais eram sustentadas com base nas escorchantes taxas
de juros articuladas ao mecanismo draconiano de endividamento público, tornando o Estado
brasileiro em grande medida impossibilitado de viabilizar uma política industrial mais consistente
e, especialmente, com séries dificuldades para a destinação de recursos fundamentais às políticas
sociais, num quadro marcado pela instabilidade econômica e pelo forte acirramento da
concorrência internacional (CARNEIRO, 1999; BELLUZZO; CARNEIRO, 2003).
Após a desvalorização cambial ocorrida no início de 1999, o funcionamento da economia
brasileira sofreu algumas alterações importantes. Com o apoio financeiro do FMI à reeleição de
FHC em 1998, seu segundo governo aprofundou a política de estabilização apoiando-se no tripé:
geração de superávits fiscais primários, adoção de regime de metas de inflação e alteração do
sistema de bandas cambiais para o de taxa de câmbio flutuante. Entre 1999 e 2003 a política
econômica ortodoxa conseguiu manter a inflação em níveis bastante razoáveis, mas mesmo assim
não foi capaz de alcançar uma taxa de crescimento econômico satisfatória, ainda que tenha sido
beneficiada pelos ganhos comerciais em 2002, através do aumento das exportações e das
reduções das importações (superávit do saldo de comércio).
A continuidade da moeda desvalorizada nesses cinco anos e a manutenção das altas taxas
de juros mostraram-se decisivas ao governo em relação à política de atração de recursos e de
25
controle inflacionário, revelando-se prejudiciais à inserção do país no cenário internacional de
maneira mais consistente, sobretudo frente à alta dependência dos produtos manufaturados
importados (BELLUZZO; CARNEIRO, 2003). Não obstante, o Estado viu-se estafado pelo
ajuste fiscal que garantia a geração de superávits primários para assegurar o pagamento dos
encargos da dívida pública interna e que penalizava o destino de recursos à área social19
.
Desta forma, tivemos um cenário social hostil de expressivas transformações políticas e
econômicas estreitamente relacionadas à avalanche das contrareformas liberais e conservadoras
cujos princípios estão radicalmente ancorados na globalização financeira: abertura comercial,
política econômica ortodoxa, redefinição do papel do Estado, privatização de empresas estatais e
reestruturação produtiva.
A opção por políticas econômicas recessivas junto à inserção do país de maneira passiva
no cenário internacional, atrelado à excessiva valorização cambial adotada pelo governo até o ano
de 1999, culminou em efeitos deletérios sobre o mercado de trabalho, especialmente através da
exacerbação do desemprego, do aumento da informalidade e do trabalho por conta própria, da
19
“Para conseguir os recursos necessários ao pagamento das dívidas financeiras, o governo adotou vários
instrumentos, entre eles a chamada Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). “Chamada” porque a LRF ajuda a
consolidar a dívida anterior, mesmo que ela tenha sido produto de ilegalidades e irresponsabilidades flagrantes. A
Lei não penaliza, não impede nem coíbe a principal causa de aumento da dívida pública, que é a política de juros
patrocinada pelo governo federal. Ao contrário: os “prejuízos” do Banco Central são automaticamente cobertos pelo
Tesouro Nacional e ações como o socorro aos bancos privados estão livres de qualquer restrição orçamentária. A Lei
transfere para os municípios e estados a conta da “irresponsabilidade” federal. Afinal, os prefeitos e governadores
não são os principais responsáveis pelo crescimento do endividamento público ao longo dos últimos sete anos. A
“responsabilidade” apregoada pelos autores da Lei resume-se ao seguinte: os prefeitos e governadores devem
priorizar, custe o que custar, o pagamento das dívidas financeiras. A “responsabilidade” de que falam tem, portanto,
um claríssimo sentido de classe: trata-se de garantir os direitos dos credores, dos “senhores da dívida”. Nossa
“responsabilidade” deve ser outra: com o pagamento das “dívidas sociais”, com o desenvolvimento econômico, com
as necessidades da esmagadora maioria da população. A Lei dificulta a ampliação de despesas com pessoal e gastos
correntes com serviços públicos, que só são autorizadas mediante aumento de tributação ou crescimento econômico.
Situações insólitas podem acontecer, como a prisão, entre um e quatro anos, de um prefeito ou governador que não
aceite demitir professores, médicos ou policiais ou mesmo resolva implementar programas sociais sem a devida
autorização de despesa e o correspondente aumento da carga tributária. Mas para casos de desvios de dinheiro ou
negligência administrativa a Lei não prevê punições. Mesmo com dinheiro em caixa, os governantes não dispõem de
autonomia para fazer frente a seus compromissos legitimados pelas urnas. Novos programas sociais continuados não
podem ser financiados a partir da melhora da arrecadação ou do crescimento econômico. Qualquer nova despesa está
condicionada à criação ou ao aumento de tributos. As despesas sociais ficam atreladas ao cumprimento das metas
fiscais, ou seja, o pagamento da dívida social fica dependendo do pagamento das dívidas financeiras”.
(GONÇALVES, R.; POMAR, V., 2002, p. 17).
26
geração de ocupações em pequenos negócios e da diminuição da média salarial (BALTAR,
2003).
A entrada do jovem no mercado de trabalho mostrou-se dificultada e as alterações em
relação à composição das ocupações impactaram severamente os trabalhadores, sobretudo a partir
da redução do peso dos empregos nas grandes empresas e do aumento dos empregos não
formalizados nas pequenas e médias empresas, no serviço doméstico remunerado e no trabalho
por conta própria. Não obstante, a retomada do aumento da produção industrial e dos altos
ganhos de produtividade, após o ano de 1993, não foram acompanhadas pela recuperação do
nível de emprego formal e pela elevação dos salários. O crescimento insuficiente das ocupações,
portanto, não permitiu uma absorção adequada do contingente da população em idade ativa
(BALTAR et al, 2006).
No período de 1999-2003, o mercado de trabalho não necessariamente assistiu a uma
alteração substantiva, mas foi capaz de alcançar, com pouco mais vigor, taxas de crescimento da
ocupação total (principalmente da ocupação não-agrícola) e do emprego formal. O ritmo mais
elevado de crescimento do emprego formal e da expansão da ocupação deveu-se em grande
medida ao desempenho do país no comércio mundial, sobretudo com o estímulo das exportações
no início da década de 2000. Essa recuperação da ocupação serviu para incrementar a taxa de
participação na economia e gerou também impactos positivos sobre a estrutura ocupacional: em
primeiro lugar, houve um decréscimo do peso do emprego sem carteira de trabalho assinada, do
trabalho doméstico e do trabalho por conta própria e, em segundo lugar, observou-se um aumento
crescente do peso do emprego tanto nas empresas médias e grandes, onde o grau de formalização
é maior, quanto nos estabelecimentos de pequeno porte (BALTAR et al, 2006).
Além disso, a modesta retomada do crescimento do emprego formal e do crescimento do
número de regularização dos registros dos trabalhadores foi resultado da ação fiscal e legal das
instituições públicas (Ministério do Trabalho e Emprego; Ministério Público do Trabalho e
Justiça do Trabalho). A despeito do quadro de precarização e de um teor fortemente conservador
inscrito nestas institucionalidades, a fiscalização estava motivada pela perspectiva de aumentar a
arrecadação do governo federal, especialmente nas áreas previdenciária e tributária, cumprindo
parte importante da política de ajuste fiscal concatenada às exigências do FMI. Nesse sentido,
27
existe uma evidente correlação entre o papel desempenhado pela institucionalidade trabalhista
brasileira e a formalização da relação de emprego no período analisado (BALTAR et al, 2006).
Entretanto, mesmo com uma retomada da taxa de ocupação, do crescimento do emprego
formal e da ampliação da formalização, as taxas de desemprego mostraram-se insatisfatórias,
revelando uma situação em que é possível constatar o efeito do processo de reestruturação
produtiva sobre o nível de emprego gerado pelo país, após a recuperação da atividade econômica
e do aumento da produção industrial (BALTAR et al, 2006).
Não bastasse a inserção do Brasil na globalização financeira, sob a condução de uma
política econômica restritiva ao mercado de trabalho que se desestruturava, consequente a uma
das maiores crises do emprego assistidas no país, faz-se mister reconhecer ainda o processo de
flexibilização das relações de trabalho ocorrido através da implantação da contrareforma
trabalhista executada pelo Governo FHC, em sintonia com a classe capitalista e com alguns
setores do movimento sindical.
Na realidade, desde fins da década de 1970, vários países do mundo foram perpassando
por profundas contrareformas nas relações de trabalho decorrentes da instauração da nova ordem
capitalista. Na América Latina, por exemplo, embora o Chile tenha se tornado o precursor e
simultaneamente o laboratório das experimentações neoliberais sob a ditadura de Pinochet
(1973), é nos anos 1990 que encontramos de maneira mais substantiva a predominância de tais
teses na região (Quadro 1).
Não raro, seguindo o mesmo veredicto daquele difundido nos países centrais, muito se
questionou sobre os problemas oriundos nos mercados de trabalho latinoamericanos, tais como o
alto desemprego, a informalidade e os baixos salários, cujas soluções deveriam estar de acordo
com a necessidade de se flexibilizar (ainda mais) suas relações trabalhistas, seja através da
desregulamentação do ordenamento protetivo inscrito na legislação laboral, seja também a partir
do fortalecimento das negociações coletivas rumo a uma maior descentralização
preferencialmente no âmbito da relação direta entre os sindicatos e as empresas.
28
Quadro 1- Balanço das Contrareformas Trabalhistas na Região Latinoamericana
Chile
A partir do Plano Laboral (1978/79), implantado durante a ditadura do General Pinochet, desencadeia-se
a primeira experiência de reformas de desregulamentação do trabalho na América Latina. Era uma
tentativa de ampliar o poder discricionário dos empregadores em face da diminuição dos direitos do
trabalhador, sustentada por uma regulamentação restritiva das relações coletivas de trabalho e um
desmantelamento do direito trabalhista. Na realidade, tratava-se de uma concepção inspirada na
desarticulação da ação coletiva e na busca por uma maior individualização das relações de trabalho.
Panamá
A Reforma Trabalhista Panamenha (1986) foi, sem dúvida, uma das mais influentes para o conjunto dos
países da região. Entre outras medidas visava, sobretudo, diminuir o adicional de horas extras e,
principalmente, destituir o trabalho doméstico da legislação trabalhista, sob alegação de que a
terceirização escapava do âmbito normativo do Direito do Trabalho.
Colômbia
Inspirada na experiência panamenha, o Código de Trabalho da Colômbia sofre forte modificação no
sentido de uma desregulamentação (1990). Mais de cem artigos foram alterados; previu-se a
autorização do funcionamento das empresas de trabalho temporal; facilitou-se a contratação precária ou
a prazo fixo, além das diversas possibilidades de formas de demissão, incluindo a desregulamentação de
uma estabilidade similar à brasileira.
Equador
Apesar de articulada como elemento de aceleração do Pacto Andino, ainda que não lograda como
esperado, a Reforma Trabalhista (1991) fundamentou-se, paralelo ao caso colombiano, na busca de
ampliação das possibilidades de celebração de contratos precários ou de duração determinada, além de
facilitar a demissão e limitar o exercício do direito de greves no marco de uma regulação do direito do
trabalho.
Peru
Em 1991, o Congresso delegou ao Poder Executivo autonomia para contornar a questão do emprego.
Através de decretos legislativos, o Governo institui novas formas atípicas de contratação precária,
modificou as normas sobre a estabilidade no emprego e sobre a participação na gestão das empresas,
proibiu a inclusão de cláusulas de reajuste nos convênios coletivos e derrubou toda a legislação
trabalhista em zonas francas e zonas especiais de desenvolvimento. Em seguida, ditou uma nova lei de
relações coletivas de trabalho que impunha a renegociação de todos os convênios coletivos.
Venezuela
A Lei Orgânica do Trabalho (1997) prevê várias orientações flexibilizadoras, como a que autorizava a
flexibilização da distribuição da jornada de trabalho por acordo entre patrões e empregados. Havia
também a prerrogativa de que se uma empresa não pudesse cumprir o acordo, em função de dificuldades
econômicas, ela poderia invocar o sindicato para renegociar.
Argentina
A partir da Lei Nacional de Emprego (1991) instituíram-se diversas medidas de flexibilidade, como
formas de contratação atípica, precária e menos protegida, ainda que regidas por negociações coletivas.
Autorizou-se também uma espécie de autonomia coletiva para flexibilidades internas, como o regime de
horários. Sob novo acordo (1994), entendeu--se que seria importante a construção de um pacto entre a
cúpula sindical, empresarial e governamental, que estivesse apoiado no princípio da negociação coletiva
em face da adequação das normas e práticas trabalhistas às novas necessidades da produção, sendo o
trabalho considerado o eixo legitimador da flexibilização. Ao mesmo tempo, viabilizou-se a
possibilidade de contratos atípicos de trabalho e a elaboração de uma legislação especial para pequenas
e médias empresas e sobre incentivos fiscais para soluções extrajudiciais de conflitos.
Fonte: URIARTE (1996)
Quando observamos o teor dessas mudanças, fica patente a prevalência de um processo de
flexibilização das relações laborais, tanto do ponto de vista das alterações legais ocorridas nos
Estados nacionais, quanto dos mecanismos de negociação altamente propensos ao aumento do
poder discricionário dos capitalistas.
29
No caso brasileiro não foi diferente. Na visão de Galvão (2007), o processo de reforma
trabalhista e sindical fora marcado pela disputa entre projetos muito distintos e até mesmo
antagônicos, apesar da construção de um “falso consenso” atribuído pelo Governo FHC e
difundido pela mídia dominante. Tal processo, em grande medida, caracterizou-se pelo desmonte
gradual das leis protetivas ao trabalho, deixando em segundo plano as alterações na legislação
atinente ao arcabouço da estrutura sindical, dado a prioridade apresentado pelas classes patronais
de redução do “custo do trabalho”, tomado como principal responsável pelo desempenho pífio do
mercado de trabalho.
Segundo Galvão (2007), no âmbito das classes dominantes, a burguesia industrial paulista
teve um papel de destaque na consolidação do projeto neoliberal. Suas críticas aos rumos da
política do Estado desde os anos 1980 foram se consumando a partir de inúmeros documentos e
intervenções, ganhando pouco a pouco legitimidade em prol da defesa das contrareformas
conservadoras. Um de seus pontos mais elucidados buscava tratar da relação entre os
trabalhadores protegidos pela legislação trabalhista e os demais desassistidos como algo premido
pela desigualdade social inerente ao mercado de trabalho brasileiro.
[A] existência desses dois segmentos de trabalhadores é explicada pela pressuposição de
que os benefícios de uns são assegurados mediante o sacrifício de outros, justamente os
mais pobres e marginalizados, que arcam com os custos daqueles benefícios. O argumento
patronal retira qualquer legitimidade desses benefícios, pois eles não são entendidos como
conquistas, como direitos, uma vez que atendem a uma minoria de “privilegiados”, em
detrimento dos demais trabalhadores. Os trabalhadores que defendem seus direitos são,
desse modo, considerados partidários de uma postura corporativista, pois querem se
proteger à custa dos outros, mais precisamente, de toda a sociedade. A pretexto de superar
a dicotomia “incluídos/excluídos” o patronato defende o rebaixamento de direitos,
alegando que essa é uma medida imprescindível para possibilitar o atendimento das
necessidades mínimas de um contingente maior de pessoas (GALVÃO, 2007, p. 58-59).
Além desta defesa de supressão e/ou rebaixamento da legislação trabalhista também é
enaltecido pelos empregadores a questão da redução dos encargos sociais incidentes sobre a folha
de pagamento, tidos não apenas como elevados para a realidade das empresas do país, mas
também como responsáveis diretos pela existência das altas taxas de desemprego20
. De fato, por
20
Pastore (1994; 1997) é quem melhor explora tal argumentação. Segundo o autor, o mercado de trabalho brasileiro
é constituído por uma excessiva rigidez e está articulado a uma regulação do Estado que o engessa e que inibe o
processo de negociação entre os representantes do capital e do trabalho, seja pelo fato da existência de uma
legislação laboral amplamente extensa e ineficiente aos ajustes recorrentes e necessários das empresas em momentos
30
trás de todo esse discurso em defesa da “modernização” das relações de trabalho reside o
interesse da classe patronal em adaptar as condições e os elementos centrais do trabalho ao atual
padrão de acumulação flexível do capital.
Ao contrário de tal argumentação, Baltar e Proni (1996) mostram que ao longo da década
de 1990, grande parte daqueles trabalhadores que obtiveram um emprego formal contou com um
vínculo de trabalho de curta duração, expressando a alta rotatividade da mão-de-obra; por sua
vez, Santos (1996, 1996a, 1996b) sustenta que o custo do trabalho no Brasil situa-se entre os dos
mais baixos do mundo e, finalmente, Manzano (1996) ressalta que as despesas com a demissão
de trabalhadores no país não oneram tão significativamente as empresas.
Em verdade, a despeito da profusão das teses conservadoras nos anos 1990, a correlação
entre flexibilização das relações de trabalho e o decréscimo do desemprego e da informalidade e
o incremento dos salários, trata-se simplesmente de um discurso que visou com exclusividade à
retirada dos direitos dos trabalhadores e o aumento do poder patronal na definição das normas
que versam sobre a alocação e o uso da força de trabalho (KREIN, 2007; GALVÃO, 2007).
De acordo com Krein (2007), os Governos FHC, sobretudo a partir de 1996, introduziram
uma série de mudanças pontuais na legislação trabalhista brasileira que contribuíram
decisivamente para alterar os aspectos significativos da relação de trabalho no país. Em tais
medidas, fica notório o processo de desregulamentação dos direitos dos trabalhadores e da
exacerbação da flexibilização nas relações laborais, por entender que o Brasil sempre apresentou
ao longo de sua história um quadro amplo de possibilidades flexibilizadoras em seus aspectos
centrais da relação de emprego (na remuneração, na jornada de trabalho e na forma de
contratação e demissão). Ademais, o quadro 2 abaixo sintetiza as principais alterações do
ordenamento legal promovidas pela contrareforma trabalhista no Brasil ao longo da década de
1990.
de variações da atividade econômica, seja ainda pela observação dos elevados encargos sociais que representam um
custo muito alto para as empresas, o que explicaria portanto os consequentes baixos salários pagos aos trabalhadores.
31
Quadro 2 - Balanço da flexibilização das relações de trabalho no Brasil na década de 1990
TEMAS INICIATIVAS Trabalho por tempo determinado
(Lei nº 9.601/98)
Desvincula o contrato por tempo determinado da natureza dos serviços
prestados.
Denúncia da Convenção 158 da OIT
(Decreto nº 2.100/96) Reafirma a possibilidade de demissão sem justa causa.
Cooperativas profissionais ou de
prestação de serviços
(Lei nº 8.949/94)
Possibilita que trabalhadores se organizem em cooperativas de serviço e
executem o trabalho dentro de uma empresa, sem caracterização de vínculo
empregatício.
Trabalho em tempo parcial
(MP 1.709/98) Jornada de até 25 horas semanais.
Suspensão do contrato de trabalho
(MP 1.726/1998)
Suspensão do contrato de trabalho, por um período de dois a cinco meses,
vinculada a um processo de qualificação profissional, desde que negociada
entre as partes.
Trabalho temporário
(Portaria nº 2/96)
Amplia a possibilidade de utilização da Lei nº 6.019/1974 de contrato
temporário, generalizando a utilização do contrato de trabalho precário.
Setor público:
Demissão (Lei nº 9.801/99 e
Lei Complementar nº 96/99)
Disciplina os limites das despesas com pessoal e estabelece o prazo de dois
anos para as demissões por excesso de pessoal. Regulamenta a demissão de
servidores públicos estáveis por excesso de pessoal.
Contrato de aprendizagem
(Lei nº 10.097/00) Permite a intermediação da mão-de-obra aprendiz.
Trabalho estágio
(MP 2.164/99 e Lei nº 6.494/77)
Amplia a hipótese de utilização do estágio, desvincula da formação
acadêmica e profissionalizante.
Banco de horas
(Lei nº 9.061/98 e MP 1.709/98)
Possibilita que a jornada seja organizada anualmente conforme as flutuações
da produção ou serviço.
Amplia para um ano o prazo de compensação das jornadas semanais
extraordinárias de trabalho.
Liberação do trabalho aos domingos
(MP 1.878-64/99)
Autoriza, a partir de 9 de novembro de 1997, o trabalho aos domingos no
comércio varejista em geral, sem a previsão de passar por negociação
coletiva
Participação em lucros e resultados
(PLR) (MP 1.029/94), Lei nº 10.101
a partir de 19/12/00, que reproduz a
MP 1.982-77/2000
Viabiliza o direito de os trabalhadores participarem dos lucros e resultados
da empresa através da negociação.
Determina que o valor da remuneração, em PLR, não incida sobre os
encargos trabalhistas e não seja incorporado aos salários.
Política salarial
(Plano Real MP 1.053/94)
Elimina a política de reajuste salarial através do Estado.
Proíbe as cláusulas de reajuste automático de salários.
Salário mínimo
(MP 1.906/97)
Acaba com o índice de reajuste oficial de correção do salário mínimo. O seu
valor passa a ser definido pelo Poder Executivo sob apreciação do
Congresso Nacional. Salário mínimo regional/estadual (1999)
FONTE: Krein (2003). Elaboração: Calvete (2006)
No estudo realizado por Krein (2007), a flexibilização nos elementos centrais da relação
de emprego aparece especialmente nas formas de contratação21
, de remuneração22
e de resoluções
21
Expressas na denúncia da Convenção 158 da OIT (dispensa imotivada), nas nove modalidades de contratos
atípicos (tempo parcial, por tempo determinado, contrato temporário via agência de emprego, contrato de
experiência, contrato de safra, obra certa, aprendizagem, primeiro emprego e suspensão do contrato), nas relações de
emprego disfarçado (contratação como Pessoa Jurídica, cooperativas fraudulentas de mão-de-obra, trabalho estágio e
autônomo prestador de serviço) e na terceirização ou subcontratação.
32
de conflitos23
e no tempo de trabalho24
. Ao fim de seu segundo mandato, FHC encaminhou ainda
o PL 5.483/2001 que estabelece a prevalência do negociado sobre o legislado25
. O projeto chegou
a ser aprovado na Câmara Federal, mas com a chegada de Lula à presidência ele foi retirado e
submetido a uma discussão no âmbito do Fórum Nacional do Trabalho (FNT). O fato é que em
seus dois mandatos FHC privilegiou a contrareforma trabalhista no país, deixando à margem as
alterações na estrutura sindical.
Na opinião de Galvão (2007), isso se explica pois,
enquanto a desregulamentação das relações de trabalho interessa a todas as frações do
capital, a estrutura sindical corporativa satisfaz os interesses políticos das classes
dominantes, à medida que divide, limita e modera o movimento sindical. [...] além de não
interessar ao patronato, a reforma da legislação sindical desperta muita polêmica junto às
organizações dos trabalhadores, o que se deve, fundamentalmente, a dois fatores: em
primeiro lugar, a estrutura sindical atende aos interesses materiais dos sindicatos, ao
assegurar os meios necessários para sua sobrevivência; em segundo lugar, algumas
centrais entendem que a estrutura garante, graças à intervenção do Estado na organização
dos trabalhadores, a unidade do movimento sindical e protege os trabalhadores contra o
capital, tornando-se ideologicamente dependentes frente a ela. [...] Esses elementos fazem
com que a manutenção da estrutura sindical corporativa seja conveniente tanto para o
patronato quanto para certas organizações de trabalhadores, apesar do incômodo
manifestado por uns e outros (GALVÃO, 2007, p. 327).
O resultado, em grande medida, do baixo e instável crescimento da economia alcançado
pela política econômica ortodoxa, da reestruturação produtiva empreendida pelas empresas, da
contrareforma promovida pelo governo na legislação trabalhista e da constituição de um caldo
cultural e ideológico premido pelo conservadorismo acabou por afetar de modo significativo o
movimento sindical e dificultou sobremaneira a luta política da classe trabalhadora na sociedade
brasileira em toda a década de 1990.
22
Através do fim da política salarial (desindexação dos salários) e da introdução da PLR.
23 Com a introdução das Comissões de Conciliação Prévia, que atribui a uma instância privada o poder de dirimir
conflitos entre empregado e empregador.
24 A partir da modulação anual da jornada de trabalho (Banco de Horas), da compensação individual da jornada e da
liberação do trabalho aos domingos.
25 Na avaliação de Krein (2007), “a aprovação dessa legislação praticamente completaria a reforma trabalhista, pois
permitiria um rebaixamento, via negociação coletiva, dos direitos inscritos e regulamentados em lei. A sua
apresentação mostra, com clareza, o sistema de relações de trabalho que o governo FHC almejou implementar no
país” (KREIN, 2007, p. 80).
33
A precarização das condições de trabalho pode ser percebida através dos altos índices de
desemprego e da introdução de mecanismos flexibilizadores, tais como: terceirização,
subcontratação, contratação como Pessoa Jurídica, remuneração variável (PLR), jornadas de
trabalho flexíveis e formas de contratação atípicas, que se somavam à exacerbação dos elementos
históricos estruturais do mercado de trabalho - o excedente estrutural de força de trabalho, a
informalidade, a alta taxa de rotatividade, o trabalho por conta própria, as ocupações nos
pequenos negócios, os baixos salários e a desigual distribuição da renda (KREIN, 2007).
Não obstante, o impacto de tais mudanças culminou ainda na maior descentralização da
negociação coletiva e no teor de um caráter mais reativo, por exemplo, com o deslocamento do
foco nas pautas reivindicatórias das questões ligadas aos ganhos ou reajustes salariais em
detrimento da questão da manutenção do emprego. Portanto, alterações de conteúdo e de forma
que repercutiram também no perfil de decréscimo dos índices de greves observados nos anos
1990 (KREIN, 2007; GALVÃO, 2007).
Todavia, a despeito da posição hegemônica alcançada pelo neoliberalismo, houve em
alguns setores da sociedade muitas tentativas de resistência, tal como aquelas promovidas por
parte do sindicalismo, embora de modo parcial e com poucas chances de sucesso. Para Galvão
(2007), do ponto de vista da luta sindical no Brasil ao longo dos anos 1990,
uma das razões para compreender a baixa capacidade de mobilização sindical no período
é, certamente, a divisão dos sindicatos. A adesão de uma parcela do movimento sindical
aos postulados neoliberais inibiu a capacidade de resistência das classes dominadas frente
à ofensiva do capital. Um outro motivo para a pequena expressão dos movimentos de
resistência é que mesmo setores críticos do neoliberalismo acabaram por assimilar
aspectos da ideologia dominante, mas também para exprimir sua oposição ao governo
(incorporando, por vezes, termos e práticas que se pretendia combater). Um terceiro
motivo é a própria repressão, que se dá tanto por meio da força física (vide o episódio da
greve dos petroleiros) quanto por meio de medidas legais (como as que o governo FHC
adotou na esteira da greve do funcionalismo público em 2001, com o objetivo de impedir
greves e punir grevistas). Esses fatores potencializam as dificuldades enfrentadas pelo
movimento sindical, mas não impediram que se promovessem manifestações contrárias ao
neoliberalismo, manifestações essas que não se limitam ao campo sindical (GALVÃO,
2007, p. 241).
A persistência de condições desfavoráveis à ação sindical conduziu “a uma situação em
que o limite do que é ‘negociável’ se reduz cada vez mais, forçando o trabalhador e suas
organizações sindicais a concessões cada vez maiores” (GALVÃO, 2007, p. 255). No caso da
34
CUT, apesar do seu volume de greves ter-se reduzido e de seus resultados nas negociações
coletivas se tornarem insatisfatórios aos seus trabalhadores representados, não é possível admitir
que a Central “assumiu irremediavelmente a perspectiva da conciliação de classes, a defesa da
harmonia e da paz social, como faz a Força Sindical (FS)” (GALVÃO, 2007, p. 263).
Entretanto, mesmo levando em consideração as diferentes práticas sindicais sob a égide
do neoliberalismo brasileiro, é necessário reconhecer o movimento de convergência de grande
parte do sindicalismo (especialmente da CUT, FS e CGT) à defesa de um modelo de “sindicato-
cidadão” de caráter eminentemente propositivo26
.
De acordo com Galvão (2007), essa opção implicou em um alto custo político para a
CUT: “os sindicatos cutistas não se tornaram dóceis ao capital ou ao Estado, mas passaram a
fazer concessões a ele” (GALVÃO, 2007, p. 263). Tais concessões, por sua vez, revelaram uma
mudança na própria prática sindical da Central, fazendo com que ela trilhasse um caminho
tortuoso marcado por muitas ambigüidades e contradições, diretamente ligados “à composição
interna da central, cujas correntes se dividem em diferentes posições, provocando um
descompasso entre o discurso e a prática” (GALVÃO, 2007, p. 264). De fato, segundo a
avaliação de Galvão (2007),
esse discurso híbrido, que mescla referenciais da cidadania e da luta de classes, parece ser
uma forma de acomodar as divergências internas, a fim de unificar as diferentes correntes
que a compõem. No entanto, é um discurso frágil, pois a prevalência da participação
institucional e o predomínio da postura propositiva e “cidadã” acabam por desarmar
ideologicamente a central para combater o neoliberalismo, comprometendo sua
capacidade de lutar contra o desmonte dos direitos sociais e, especialmente, a
desregulamentação das relações de trabalho (GALVÃO, 2007, p. 264).
Na análise, portanto, sobre os aspectos elucidados do processo em curso na sociedade
brasileira, ao longo dos dois governos de FHC, evidenciam-se tanto as alterações ocorridas nos
26
A CUT, por exemplo, conformou uma ação sindical premida pelo chamado sindicalismo propositivo - cujas
características básicas residem na atuação via plano institucional, na negociação dentro da ordem e nas inúmeras
concessões seja ao governo ou ao próprio capital -, que paulatinamente foram irrompendo o seu caráter classista em
prol do horizonte da cidadania. Cidadania esta, muito distante daquela constitutiva dos Estados de bem-estar social.
Ao contrário, o cidadão aqui é visto não como “aquele que reivindica seus direitos junto ao Estado, que luta pela
ampliação de leis e para que essas tenham uma abrangência efetivamente universal, mas sim aquele que compra sua
proteção social no mercado ou que a assegura através do sindicato de sua categoria. Por esse motivo, preferimos falar
em sindicalismo de prestação de serviços já que é disso, efetivamente, que se trata” (GALVÃO, 2010, p. 8).
35
ordenamentos legais e na forma e no conteúdo das negociações coletivas, com impactos severos à
ação sindical, bem como o consequente aumento do poder discricionário da classe patronal
perante os trabalhadores e suas organizações de luta. Vejamos então quais foram as implicações
mais importantes nesse contexto em relação à configuração do tempo de trabalho no Brasil.
1.2 NEOLIBERALISMO E TEMPO DE TRABALHO NO BRASIL (1990-2003)
Ao partirmos das considerações levantadas na subseção anterior, é importante analisar
agora como se deu as transformações no padrão de determinação do tempo de trabalho ocorridas
no Brasil após a consolidação do neoliberalismo. Nesse sentido, semelhante ao que se verificou
com o tempo de trabalho em muitas nações, na atual acumulação flexível do capital, é possível
admitir que no Brasil foi também implantada uma jornada de trabalho mais adensada, mais fluida
e muito mais flexível em relação àquela que vigorou no processo de industrialização do país
(1930-1980), seja através das alterações nas normas legais e na negociação coletiva, seja ainda no
aumento do poder dos capitalistas em estabelecer, de forma unilateral – e, em grande vulto, sob a
anuência dos próprios sindicatos - as condições que regem o uso do tempo de trabalho em suas
três dimensões fundamentais.
Conforme já indicamos, existiam no país inúmeros mecanismos que permitiam a
flexibilização do tempo de trabalho, alguns deles até mesmo inalterados pela Constituição
Federal de 198827
. Somados a esses elementos históricos, sobretudo a partir da segunda metade
da década de 1990 verifica-se a ocorrência de um movimento pontual de contrareforma no
âmbito das medidas legislativas, tendo como foco a flexibilização da jornada de trabalho, das
quais podemos destacar, principalmente: o banco de horas (“modulação anual da jornada de
trabalho”) e a liberação do trabalho aos domingos.
27
Registre-se, por exemplo, a combinação da redução da jornada com a redução salarial, através de negociação
coletiva; a irrestrita facilidade de demissão; a negociação de turnos ininterruptos de revezamento, a utilização das
horas extraordinárias e, finalmente, a concessão de férias coletivas (CARDOSO, 2009).
36
Além destas medidas legais, há também as novidades trazidas à baila pelo processo de
reestruturação produtiva28
, causadoras de impactos severos ao tempo de trabalho no Brasil. Não
obstante, Krein (2007) ressalta ainda a constituição de uma agenda hegemônica no quadro do
TST favorável a esse movimento flexibilizador. Assim, todas essas inovações e alterações fazem
parte de uma mesma lógica social e, por isso, cada uma delas acaba por afetar todas as demais
(KREIN, 2007).
De maneira geral, ao fazer um balanço das principais medidas legislativas atinentes à
questão da jornada de trabalho no Brasil, ao longo dos dois governos de FHC, Krein (2007)
destaca que o banco de horas e a compensação individual da jornada; a liberação do trabalho aos
domingos; a recomposição dos turnos ininterruptos de revezamento e o descumprimento do
descanso intrajornada expressam sobremaneira estratagemas que ganharam grande dimensão com
a exacerbação da flexibilização da jornada de trabalho. Mais do que isso, elas revelam o papel
fundamental que adquiriu o Estado neoliberal - sob o apoio e a sustentação da classe patronal e de
alguns setores do próprio sindicalismo - no processo de contrareforma trabalhista,
particularmente em relação à temática do tempo de trabalho.
Se o Estado legitima tal processo, por sua vez, em se tratando dos capitalistas, os
interesses em flexibilizar as relações de trabalho, em especial, a jornada de trabalho, também
tomam maior proporção no início dos anos 1990, sendo inclusive fruto de inúmeras pressões
junto aos sindicatos, no plano das negociações coletivas. Num contexto marcado pelo baixo e
instável crescimento econômico, pelo alto desemprego, pela desestruturação do mercado de
trabalho e pela fragilização da ação sindical, os empresários buscaram, por um lado, exacerbar as
tendências históricas constitutivas das relações de emprego no país: usaram abusivamente do
recurso às horas extras, à alta rotatividade e informalidade e aos baixos salários e, por outro lado,
passaram a incorporar os elementos surgidos a partir do bojo da reestruturação produtiva, tais
como: a terceirização, o just in time, a polivalência e a PLR, e ainda aqueles específicos à questão
da jornada de trabalho, a exemplo do banco de horas e da compensação individual da jornada; da
28
Novidades presentes na tecnologia da informação (TI) e na microeletrônica; no kanban, just in time e distintos
controles de qualidade; na terceirização, subcontratação; na polivalência, trabalho em grupo e participativo e na
Participação nos Lucros e Resultados (PLR) e nos programas de metas. Enfim, elementos que emanam dos processos
e da organização de produção e da própria organização e gestão do trabalho (CALVETE, 2006; CARDOSO, 2009).
37
liberação do trabalho aos domingos; da recomposição dos turnos ininterruptos de revezamento;
do descumprimento do descanso intrajornada; da descaracterização do regime de sobreaviso,
dentre outros (CALVETE, 2006; CARDOSO, 2009).
Indubitavelmente, o banco de horas (“modulação anual da jornada de trabalho”) tornou-se
a mais significativa medida de flexibilização do tempo de trabalho no Brasil. Em termos
conceituais, ele implicou na passagem de um sistema de compensação restrita das horas
trabalhadas por horas de descanso ao cabo de um período de referência dentro da mesma semana
para um de compensação ampliada da jornada ao longo de todo o ano. Ou seja, a nova lei passou
a permitir com que os empregadores pudessem compensar as horas laboradas por horas de não
trabalho num período de referência muito mais longo e, além disso, previu também aos mesmos a
não obrigatoriedade de efetuar os pagamentos devidos à realização de horas extras computadas
no regime de banco de horas (KREIN, 2007).
A despeito de a lei garantir a sua introdução somente a partir da negociação coletiva, e
ainda que não haja nenhuma contrapartida para esta adoção, fica estabelecida então uma forte
disputa entre a classe patronal e a classe trabalhadora no sentido de sua implementação. Aos
capitalistas esta medida representa a possibilidade de utilizar o tempo de trabalho dos
trabalhadores de maneira mais flexível, sem incorrer em nenhum custo adicional, especialmente
no que diz respeito ao pagamento das horas extraordinárias. A classe trabalhadora, por seu turno,
procura apoiar-se na dependência de sua própria capacidade de organização e resistência, já que
existe uma total liberdade de implantação de tal regime, desde que haja simplesmente a
concordância do sindicato29
.
Segundo Dal Rosso (2003), o processo de implantação do sistema de compensação
ampliada de horas no Brasil apresentou quatro momentos distintos: (i) a pressão empresarial pela
flexibilidade de horas, as propostas dos trabalhadores e os acordos que antecederam a alteração
legal de 1988; (ii) a intervenção do Estado por meio de lei e de medida provisória, que alterou
substancialmente as normas de compensação de horas; (iii) a rápida difusão da compensação
ampliada de horas por setores da economia brasileira; e, por fim, (iv) a reação dos sindicatos e
dos trabalhadores ao sistema.
29
Cf. DAL ROSSO, 2003; KREIN, 2007; CALVETE, 2006; CARDOSO, 2009.
38
Antes mesmo da promulgação da legislação, a adoção do banco de horas aparece no caso
do setor automotivo, por meio do sindicato dos metalúrgicos do ABC, através de uma negociação
mais ampla que previa a redução da jornada de trabalho de 44 para 42 ou 40 horas com a garantia
de manutenção do emprego e dos níveis de remuneração. Diante das imensas dificuldades
passadas pelo setor nos anos iniciais da década de 1990, eram frequentes nas montadoras a
execução das férias coletivas e das fortes ameaças de demissões. O fato é que, apesar da tentativa
do sindicato em estabelecer algumas contrapartidas com a introdução do banco de horas, as
empresas em grande medida descumpriram paulatinamente todas as garantias acordadas. Não
obstante, tal experiência serviu de exemplo singular no âmbito da discussão na Câmara dos
Deputados, que acabou por aprovar a sua regulamentação através da Lei 9.601/98 e da MP
1.709/98, ainda que com uma margem de votos muito pequena, devido as enormes insatisfações
dos trabalhadores com tal regime (KREIN, 2007).
Logo após a sua regulamentação, verifica-se uma expressiva expansão desse sistema30
,
que passa a aparecer de modo cada vez mais relevante no plano das negociações coletivas. Um
dos nichos mais comum de sua adoção se trata, principalmente, da média e grande empresa, dado
a alta complexidade de sua gestão e operacionalidade. No caso das micro e pequenas empresas o
que se constitui é o instrumento que permite a compensação individual da jornada de trabalho
entre a empresa e o trabalhador, sem a necessidade de normatização nos acordos coletivos. A
compensação individual se torna, portanto, uma opção bastante eficaz para a utilização flexível
dos capitalistas de maneira mais adequada à realidade de suas atividades empresariais (KREIN,
2007).
Em resumo, podemos afirmar que tanto o banco de horas quanto a compensação
individual se inscrevem no quadro de flexibilização da jornada de trabalho no Brasil promovida
pelo neoliberalismo. De acordo com Krein (2007), elas representam a tendência de acentuação da
racionalização da utilização do tempo de trabalho, “possibilitando que as empresas lancem mão,
quando necessitam, de uma jornada maior sem efetuar um pagamento adicional ao trabalhador.
Racionaliza a utilização do tempo e rebaixa o custo da remuneração do trabalho” (Krein, 2007, p.
30
Para estudos sobre essa temática, ver: DIEESE (2005), CESIT/DIEESE (2005); Zylbertajn (2002b).
39
228). Como veremos a seguir, estes regimes foram alvo de muitas contestações por parte da
classe trabalhadora, devido ao grande impacto que eles causaram em suas vidas.
Outro elemento flexibilizador do tempo de trabalho que ganhou expressão nos anos 1990
foi a liberação do trabalho aos domingos no comércio. Sua implementação aparece inicialmente
no governo Collor. Nesse momento, ficou estipulado que a possibilidade de sua liberação estava
condicionada ao estabelecimento da negociação coletiva, embora a regulamentação estivesse sob
a alçada das Câmaras municipais. De fato, em 1997, a lei é regulamentada prevendo a realização
do trabalho no comércio para todos os dias da semana, sem a necessidade de negociação coletiva,
e perante discricionariedade do próprio empregador, com a única ressalva de que, pelo menos
uma vez por mês, o descanso semanal se realize no domingo (KREIN, 2007). Sem dúvida, trata-
se de mais um aspecto importante inserido na lógica de flexibilização do tempo de trabalho no
país, uma vez que acaba servindo de exemplo para o discurso capitalista que visa transformar
todos os dias da semana em dias normais de trabalho, além de contribuir também para a
precarização daqueles trabalhadores específicos desta atividade econômica e para a irradiação da
cultura do consumismo na sociedade.
Krein (2007) ressalta ainda um relevante movimento empreendido pelos capitalistas, neste
quadro geral de flexibilização, advindo com a recomposição dos turnos ininterruptos de
revezamento. A questão que se coloca reside na forte pressão empresarial para alterar a jornada
de trabalho que, segundo prevê a Constituição Federal de 1988, sua duração fica estipulada em 6
horas, ainda que seja admitida sua alteração mediante negociação coletiva. Em face dessa lacuna
aberta pela própria Carta Magna, a classe patronal nos anos 1990 pressionou por adotar uma
jornada de trabalho específica para cada setor ou empresa. Krein (2007) identifica dois tipos de
estratégias utilizadas pelos empregadores nesse campo de disputa: há um primeiro avanço no
sentido de descaracterizar os turnos ininterruptos, estabelecendo jornadas de 8 horas fixas, com
concessão de 2 dias de descanso por semana; em segundo lugar, principalmente nas empresas de
processo contínuo, observa-se a ocorrência da perspectiva de alteração do sistema das horas
distribuídas, através da reintrodução das 8 horas. Isso possibilitaria à empresa elevar a jornada
média de 33,3 para 36 horas semanais e ao mesmo tempo se livrar do pagamento da sétima e
oitava hora como adicional. Embora o TST entenda a obrigatoriedade desse cumprimento pelo
40
empregador, o Tribunal o atribui como alvo de negociação coletiva, deixando assim aberta muitas
lacunas a serem disputadas (KREIN, 2007).
Para Calvete (2006), por sua vez, não restam dúvidas quanto às inúmeras opções, cada
vez mais crescentes, criadas pelas empresas em relação a essa questão dos turnos. A adoção de
mais um turno, de turnos noturnos ou de turnos ininterruptos de revezamento, em distintos
setores da atividade econômica, começam a se exacerbar por se tratar de meios eficientes de
aumento do período de utilização do capital constante. O caso do avanço do sistema de turnos
ininterruptos de revezamento é algo perceptível desde meados dos anos 1980, em empresas de
grande porte onde é elevada a composição orgânica de capital. Nestas empresas, “o uso
prolongado do capital é importante para o retorno mais rápido dos recursos financeiros investidos
e para acelerar a depreciação evitando que ele se torne obsoleto” (Calvete, 2006, p. 91).
Finalmente, outro aspecto demarcado no âmbito deste processo mais geral de
flexibilização do tempo de trabalho diz respeito ao descumprimento do descanso intrajornada.
Muito embora a legislação preveja que o descanso no intervalo do almoço seja de no mínimo 1 e
no máximo 2 horas31, quando a jornada é de 8 horas diárias e, de 15 minutos, para as jornadas de
6 horas, ela admite ao mesmo tempo que a ampliação do intervalo pode se dar mediante
negociação coletiva. O que se observa então no contexto da consolidação do neoliberalismo no
país é o levante da classe patronal no sentido de estipular tanto curtos intervalos de descanso, em
sua maioria compensados ao final do mesmo dia, quanto de buscar reduzi-los ao mínimo de 30 ou
até 15 minutos (KREIN, 2007).
Além destas formas de flexibilização analisadas por Krein (2007), existem ainda inúmeras
alternativas utilizadas pelos capitalistas, muito específicas às distintas categorias profissionais e
demais setores da atividade econômica, que registraram variados regimes de (re)composição do
tempo de trabalho, oriundas tanto de negociação coletivas ou da própria gestão discricionária dos
empregadores. No entanto, o mais importante a reter é que, seguindo a lógica da reprodução do
capital em escala global, a classe patronal brasileira desencadeou um forte movimento pela
31
O intervalo menor do que uma hora necessita de autorização do Ministério do Trabalho e Emprego (KREIN,
2007).
41
transformação dos sete dias da semana em dias normais de trabalho e pelo funcionamento, ao
longo das 24 horas do dia, de todas as suas atividades empresariais, mantendo os trabalhadores à
disposição da empresa em qualquer hora do dia, em qualquer dia da semana e do ano, e
remunerando-os apenas na efetividade da realização do labor. Ou seja, os capitalistas no Brasil se
veem premidos pela necessidade de ajustar o uso do tempo de trabalho segundo o corolário das
sazonalidades das atividades econômicas e da demanda efetiva da economia (CALVETE, 2006;
KREIN, 2007).
De fato, no bojo da luta de classes travada entre os capitalistas e os trabalhadores nos anos
1990, muitos desses ensejos foram alcançados pelo lado do capital, como por exemplo, indicam a
literatura: a exacerbação da flexibilização da jornada de trabalho, a distribuição mais adequada do
tempo de trabalho às flutuações da demanda, a ampliação das horas que o trabalhador fica à
disposição do capital, a eliminação da porosidade nos processos de trabalho, a sofisticação do
controle dos capitalistas sobre a jornada de trabalho e, finalmente, o aumento da intensificação do
ritmo de trabalho32
.
Com a ação efusiva da classe patronal em franco apoio ao Estado neoliberal, do lado da
classe trabalhadora organizada, ao longo desse período mais rude do neoliberalismo no país, a
atuação primou-se por uma enorme fragilização, da qual se investia basicamente, ainda que com
grandes dificuldades, na tentativa de limitar ou de reduzir a duração do tempo de trabalho,
deixando-se em segundo plano todos os demais elementos relacionados ao tempo de trabalho.
Nos marcos do sindicalismo propositivo dos anos 1990, Cardoso (2009) realiza as seguintes
considerações acerca da ação sindical voltada à questão da flexibilização do tempo de trabalho,
com base na Tabela 01 abaixo, elaborada pelo Dieese:
(i) no final de 1995, ocorre uma primeira reação do movimento sindical através da
tentativa de retomada da discussão sobre a redução do tempo de trabalho. Parte das Centrais
Sindicais do país (CUT e FS) chegam a uma proposição de redução da duração do trabalho de 44
para 36 horas semanais, em troca da redução dos salários em 5%, ainda que com a redução de
encargos e renúncia fiscal. Nesse ano, as duas centrais promovem uma campanha de negociação
coletiva sobre essa temática, no setor metalúrgico do Estado de São Paulo, que acabou refletindo
32
Cf. CALVETE, 2006; KREIN, 2007; CARDOSO, 2009; DAL ROSSO, 2008.
42
no aumento do percentual de greves sobre a jornada no ano seguinte. Em 1996, das 167 greves
ocorridas, 141 tiveram como foco a redução da jornada para 40 horas semanais. No entanto,
apenas nos anos de 1999 e 2000, o total de greves sobre a jornada de trabalho volta a ter algum
destaque, alcançando patamares muito insignificantes nos demais anos (CARDOSO, 2009);
Tabela 01 - Total anual e distribuição das greves segundo reivindicações selecionadas, Brasil - 1990-2002
Ano Total de
Greves (A)
Reivindicações relativas a jornada
Total de Greves sobre Jornada (B)
Manutenção de Jornada
Redução de Jornada
Extinção de Horas Extras (1)
Não-flexibilização da Jornada
nº % sobre (B) nº % sobre (B) nº % sobre
(B) nº % sobre (B) nº % sobre (B)
1990 1789 66 3,7 4 6,1 40 60,6 1 1,5 0 0,0
1991 1054 29 2,8 3 10,3 12 41,4 0 0,0 0 0,0
1992 556 15 2,7 1 6,7 8 53,3 0 0,0 0 0,0
1993 644 29 4,5 2 6,9 11 37,9 1 3,4 0 0,0
1994 1043 47 4,5 3 6,4 23 48,9 8 17,0 1 2,1
1995 1056 60 5,7 7 11,7 30 50,0 7 11,7 0 0,0
1996 1242 167 13,4 1 0,6 141 84,4 1 0,6 0 0,0
1997 633 31 4,9 2 6,5 13 41,9 0 0,0 1 3,2
1998 536 30 5,6 12 40,0 9 30,0 3 10,0 1 3,3
1999 507 51 10,1 15 29,4 17 33,3 5 9,8 4 7,8
2000 526 61 11,6 2 3,3 42 68,9 2 3,3 4 6,6
2001 420 36 8,6 5 13,9 19 52,8 3 8,3 0 0,0
2002 304 19 6,3 3 15,8 7 36,8 3 15,8 1 5,3
Fonte: CARDOSO (2009, p. 115). Elaboração: CARDOSO (2009).
(1) Inclui redução do número de horas extras
(ii) em relação às greves pautadas sobre a “manutenção da jornada”, destacam-se,
sobretudo, os anos 1998 e 1999, demonstrando se tratar de um movimento de caráter
propriamente mais reativo da ação sindical diante da pressão patronal. Há uma diversidade de
categorias que tiveram a “manutenção da jornada” como ponto de pauta de reivindicação das
greves, motivados principalmente pela iniciativa patronal de aumentar a jornada de trabalho, mas
também de reduzir a jornada e os salários, como previstos pela legislação (CARDOSO, 2009);
43
(iii) no caso das greves realizadas sobre a flexibilização da jornada de trabalho, verifica-se
uma lenta tentativa de reivindicação sindical no ano de 1997, anterior à implementação
legislativa do banco de horas. Somente em 1999 e 2000, isto é, após a sua regulamentação, torna-
se um pouco maior o percentual das greves, ainda que de forma muito inexpressiva (CARDOSO,
2009);
(iv) chama a atenção, ademais, a baixa incidência de greves que enfatizaram a questão da
extinção da hora extra, ou até mesmo a sua limitação. Isso sinaliza, claramente, a opção do
movimento sindical em reivindicar tanto o aumento do adicional de horas extras, quanto de se
posicionar contrário à tentativa patronal de reduzi-lo (CARDOSO, 2009) e,
(v) finalmente, no que diz respeito à negociação do regime “banco de horas”, a despeito
de sua alta relevância nos acordos coletivos, muitas dificuldades se colocam tanto no sentido de
sua implementação, quanto no que tange a garantia de algumas contrapartidas mais favoráveis
aos trabalhadores. Em grande medida, o caráter descentralizado da negociação - através de
acordos majoritariamente feitos por empresas e inexistentes nas convenções coletivas -, a
ausência de regras legais para a sua utilização, a baixa participação do movimento sindical dentro
dos locais de trabalho e o quadro marcado pelo forte desemprego, são alguns dos fatores que
ajudam a explicar a ação exitosa da classe patronal em prol da instauração deste regime. Todavia,
a sua introdução está carregada de muitos problemas, segundo a avaliação dos próprios
sindicatos, tais como: a falta de controle sobre as horas trabalhadas a mais ou a menos; a
dificuldade de utilizar horas positivas - sob alegação patronal de que a produção não pode parar;
o descumprimento da empresa com os trabalhadores perante os acúmulos de grande saldo
positivo no banco de horas – da qual emana a alegação de que não se pode ficar longe do trabalho
por muito tempo - e, na maior parte dos acordos negociados, a estipulação de uma hora
trabalhada a mais equivalendo a uma hora trabalhada a menos, sendo que, pela legislação, uma
vez caracterizada a execução de horas extraordinárias, há a obrigatoriedade do pagamento
majorado, com a inclusão do adicional (CARDOSO, 2009).
Ainda de acordo com a autora, o debate sindical encontra-se dividido em relação a essa
temática: por um lado, existe um grupo dos que acham que vale a pena negociar o banco de horas
desde que o acordo contenha cláusulas de contrapartida, a exemplo da garantia do emprego, da
44
redução da jornada de trabalho ou da redução do número de horas extras; por outro lado, há um
grupo que acha que os riscos em negociar a introdução do banco de horas são grandes,
consequentes à elevação da jornada de trabalho semanal e da intensificação, que podem ocasionar
o surgimento de doenças profissionais e ao provável aumento do número de acidentes de
trabalho. Não obstante, há preocupações também com a redução da remuneração, devido ao fim
do adicional de hora extra; com a maior dificuldade de planejar o tempo livre; com a eliminação
dos tempos de descanso dos trabalhadores (tempos mortos), com o aumento da intensificação do
ritmo de trabalho, dentre outros elementos (CARDOSO, 2009).
Na mesma direção, aponta Krein (2007), para quem existem no movimento sindical,
sobretudo nos setores mais organizados, dois movimentos que refletem um esforço de oposição
em relação ao banco de horas. Em primeiro lugar, são muitos os sindicatos que, apesar de
continuar negociando a implantação deste regime, buscam fazê-lo com a estratégia de ampliar as
exigências quanto aos seus limites, seja com a frequência das convocações, seja ainda
especialmente com a computação das horas no sistema (débito e crédito). Em segundo lugar,
estão aqueles que lutam pela abolição ou não negociação de tal regime, incluindo os grupos que
inicialmente o introduziram e que depois da experiência se voltaram radicalmente contrários a
ele. No caso da compensação individual, Krein (2007) indica que, segundo a presidente da
Contracs (Confederação Nacional dos Trabalhadores do Comércio e Serviços), este elemento
trouxe consigo inúmeras queixas. Além do sindicato ter ficado ausente da negociação, é comum
os trabalhadores reclamarem da dificuldade de se obter um controle efetivo sobre o balanço das
horas trabalhadas a mais e sobre as horas compensadas em tempo livre.
Deste modo, torna-se patente, a grande dificuldade encontrada pelo movimento sindical
no sentido de refrear ou até mesmo combater as tendências constitutivas do atual padrão de
acumulação flexível no Brasil, especialmente no aspecto do tempo de trabalho. E isso se expressa
de modo muito claro no plano de lutas de uma das maiores centrais sindicais do país: a Central
Única dos Trabalhadores (CUT), conforme veremos.
Analisando historicamente a situação específica da atuação da CUT em relação a essa
temática, Freitas (2009) destaca o papel inexpressivo da central sindical em face tanto do
contexto social hostil premido pelo neoliberalismo quanto também de sua ação marcada pela
45
observância de concessões cada vez maiores ao capital e de sua reservada luta perante as
contrareformas executadas pelo Estado.
Muito embora o autor reconheça a originalidade e a combatividade presentes desde o
momento de sua fundação, fez-se necessário ressaltar que, ao longo dos anos, a questão do tempo
de trabalho tem obtido, nas discussões internas, nas deliberações oficiais e na sua plataforma
reivindicativa, uma posição de menor visibilidade, passando a representar uma bandeira que
deixou de adquirir centralidade na agenda desta organização sindical. Baseado no balanço das
principais resoluções estabelecidas pela CUT no que tange ao debate e às formas de
implementação do tema da jornada de trabalho, Freitas (2009) nos oferece uma boa indicação que
sustentaria a sua hipótese (Quadro 3).
Quadro 3: Tempo de Trabalho nos Congressos da CUT (1983-2000)
Resoluções aprovadas nos Congressos da CUT
Congresso Resolução Forma de Implementação
I
CONCLAT
1983
Instituição imediata da semana de no máximo 40 horas
sem redução salarial
Revogação da legislação atual que permite a redução
da jornada de 48 horas com redução salarial
1º
CONCUT
1984
Campanha pela redução da jornada, sem redução do
salário
Semana de 40 horas
Que a Direção eleita da CUT Nacional
organize uma comissão especialmente para
esse trabalho, no sentido de sua viabilização
prática
2º
CONCUT
1986
Redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais
3º
CONCUT
1988
Direito ao emprego e redução da jornada de trabalho
[...] A luta pela redução da jornada para compartilhar o
emprego, pelo uso alternativo do tempo livre pela
cultura, educação e lazer, é uma tarefa decisiva para o
sindicalismo internacional. Na América Latina,
impulsionar a luta pela redução da jornada de trabalho
exige uma maior articulação sindical com informações
mais detalhadas e lutas coordenadas, resgatando o
próprio significado do 1º de Maio, onde esta bandeira
teve um papel decisivo para impulsionar o movimento
operário no início do século
4º
CONCUT
1991
46
FONTE: FREITAS (2009, pgs. 14 e 16). Elaboração: FREITAS (2009).
Quando observamos o teor das resoluções aprovadas nos Congressos da Central
(CONCUTs) no bojo de sua trajetória, alguns elementos parecem evidentes para o autor:
(i) a preocupação da CUT se apoia na perspectiva de redução semanal das horas
trabalhadas, ou seja, existe uma ênfase em suas ações voltadas à diminuição da jornada de
trabalho semanal. Uma de suas maiores reivindicações reside na redução da jornada para 40 horas
semanais sem a redução de salários. Isso aparece claramente no I CONCLAT (1983) e nos
primeiros CONCUTs. Nos demais Congressos, a defesa da redução não detalha o limite máximo
de duração da jornada, algo que reaparece apenas no 7º CONCUT, reassumindo a posição das 40
horas semanais. Dentre os principais argumentos utilizados pela Central, estão a questão do
emprego e a questão do tempo livre. A CUT procurou defender, sobretudo nos anos 1990, a
5º
CONCUT
1994
Plano de Ação
Plano de luta imediato
Redução da jornada de trabalho e política de geração
de novos empregos
A CUT na Campanha pelo Emprego
a) a redução da jornada, sem redução de salários
b) combate ao abuso das horas extras pelas empresas
6º
CONCUT
1997
Impulsionar a Campanha contra o desemprego
trabalhando como centro a redução da jornada de
trabalho sem a redução de salários, denunciando as
tentativas do governo e seus aliados de retirar os
direitos trabalhistas, como a proposta de contrato
temporário que tramita no Congresso, realizando uma
conferência temática sobre o emprego e o desemprego
7º
CONCUT
2000
Que para os próximos três anos a CUT eleja como uma
de suas prioridades a luta pela redução da jornada de
trabalho sem a redução dos salários. Imediatamente,
após este Congresso, a CUT e os seus sindicatos
filiados devem jogar todos os seus esforços para
trabalhar com proposta de emenda popular pela
redução de jornada para 40 horas semanais, apoiada
pela CUT, Força Sindical, CGT e USI.
A CUT deverá também realizar uma campanha de
âmbito nacional pela ratificação da Convenção 158 da
OIT, denunciando as altas taxas de rotatividade da
mão-de-obra brasileira e pela revogação das medidas
legislativas e administrativas que incentivam a
desregulamentação da jornada de trabalho e a
informalidade.
A CUT organizará uma campanha nacional unificada
para acabar com o Banco de Horas e as Horas Extras
Na luta pela redução da jornada de trabalho
sem redução de salário, a CUT deve orientar
os sindicatos para que nos processos de
mobilização e negociação se trabalhe
prioritariamente com a ideia de que a redução
da jornada de trabalho seja de 10%,
transformando isso em horas semanais ou
anuais. Dessa forma, todos estarão
envolvidos nessa luta, apontando, em médio
prazo, uma redução da jornada mais
significativa para multiplicar o efeito de
geração de emprego.
Essa campanha deverá ser iniciada por
encaminhar às suas instâncias e sindicatos
filiados uma clara posição ao combate à
implantação do Banco de Horas e do uso
abusivo de Horas Extras pelo patronato
47
redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais, sem a correspondente redução salarial e,
às vezes, incluindo a abolição das horas extras. Quanto à relação com o tempo livre, a CUT
buscou desde sempre atribuir a redução da jornada à possibilidade de melhor qualidade de vida
dos trabalhadores, algo que no período neoliberal foi se perdendo cada vez mais, diante da defesa
pela manutenção e ou criação de empregos no país (FREITAS, 2009);
(ii) em se tratando da questão das horas extraordinárias, bastante comum na realidade do
mercado de trabalho brasileiro, a CUT critica a insuficiência da legislação, expressa em seu
artigo 59 da CLT, no sentido de reduzir o nível abusivo de tal recurso utilizado pelos capitalistas.
Além disso, ressalta que mesmo a majoração com o adicional incrementado ao pagamento das
horas extras também não se mostrou eficaz para desestimular a realização das longas jornadas.
Ao contrário, devido ao fato dos salários serem muitos baixos, o uso das horas extras passou a ser
identificado pela classe trabalhadora como uma das poucas oportunidades de elevação de suas
rendas do trabalho. Finalmente, existe a defesa explícita da necessidade de se alterar a legislação
corrente, de modo a restringir efetivamente o grande volume de horas extras praticadas no país e
estimular as negociações coletivas sem, entretanto, acabar por “engessar” o funcionamento das
atividades econômicas. No 5º CONCUT tais discussões ganham maior dimensão, propondo-se
resoluções que combatem o uso abusivo das horas extras e, em 2000, no 7º CONCUT, verifica-se
a deliberação em torno do estabelecimento de uma campanha nacional, junto aos seus sindicatos
filiados, para extinguir o regime de Banco de Horas e a execução das horas extras. Algo que,
conforme discutiremos, mostrou-se insuficiente (FREITAS, 2009);
(iii) ademais, outros temas de igual relevância pouco foram discutidos pela Central. O
autor destaca, por exemplo, a ausência de uma posição mais crítica da CUT em relação às férias e
licenças parentais e à aposentadoria dos trabalhadores. Embora o estatuto das férias e das licenças
sejam debatidos e compreendidos enquanto direitos sociais fundamentais, não houve por parte da
organização sindical cutista sequer uma reivindicação no sentido de se ampliar o período de
férias ou de licenças parentais. Na realidade, tais questionamentos não aparecem na condição de
elementos que permitiriam reduzir o tempo de trabalho, mas sim apenas como uma defesa de
direitos que deverão ser preservados. A única menção dessa discussão nos Congressos da CUT se
dá no final dos anos 1980, no âmbito da conformação da Assembléia Nacional Constituinte. No
entanto, no 2º CONCUT as resoluções deliberadas apresentavam tão somente a exigência do
48
pagamento das férias em dobro. Algo que a Constituição Federal de 1988 não contemplou ao
estabelecer então o abono de férias no valor correspondente a um terço apenas do salário
percebido pelo trabalhador. No caso da aposentadoria, ainda que, geralmente, a posição da
Central estivesse ancorada na sustentação da ideia de um sistema determinado pelo tempo de
serviço (tempo de contribuição), em alguns momentos específicos ela apontou para caminhos que
vinculam a aposentadoria à idade dos trabalhadores, o que serviu de elemento para se pensar a
redução do tempo de trabalho em sua dimensão do ciclo de vida laborativo. Não obstante, com a
aprovação da Carta Magna de 1988, se estabelece a garantia da aposentadoria com salário
integral para todos os trabalhadores e isso passa a ser considerado pela CUT como uma medida
norteadora de sua luta oficial, a despeito de seu manifesto declaradamente contrário à
Constituição Federal. Todavia, nos anos 1990, especialmente nos governos de FHC, a posição
inicial da Central se inscreve no âmbito da contestação à PEC nº. 3333
, votada pelo Congresso
Nacional. A partir daí, a CUT passou a adotar uma mobilização bastante pontual e insuficiente,
nos marcos de uma proposição mais genérica, acabando por assimilar no final do processo não
apenas a contrareforma por inteiro, como ainda incorporando-a inclusive em sua proposta de
previdência, deixando de lado a defesa do tempo de serviço para efeito de mensuração para a
aposentadoria. Em seus primeiros Congressos, fica explícito o entendimento da Central para com
o regime previdenciário baseado no critério da idade dos trabalhadores, visando à redução do
tempo de trabalho. É o que se observa, por exemplo, já no 1º CONCUT, onde os delegados
aprovaram uma resolução fixando a aposentadoria dos trabalhadores rurais em 45 anos (para as
mulheres) e 50 anos (para os homens). No contexto de consolidação das políticas neoliberais, nos
anos 1990, aparece em seu 5º Congresso, uma resolução explicitamente crítica ao regime
33
Foi enviada pelo Poder Executivo ao Congresso Nacional, em 1995, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC)
n° 33, visando alterar o Sistema Previdenciário brasileiro. Ao cabo de três anos marcado por intensos debates, foi
aprovada em 1998 a Emenda Constitucional (EC) n° 20, cujo conteúdo versa sobre as seguintes medidas:
substituição do critério de tempo de serviço pelo critério de tempo de contribuição; extinção da aposentadoria por
tempo de serviço proporcional para ambos os regimes (RGPS e RJU) e estabelecimento de limite de idade para
aposentadoria por tempo de serviço integral para os servidores públicos; eliminação da aposentadoria especial dos
professores universitários; desconstitucionalização da fórmula de cálculo dos benefícios; unificação das regras
previdenciárias para União, estados e municípios; e previsão de criação de regimes complementares para os
servidores públicos voltados para a reposição dos proventos superiores ao teto de benefícios vigente para o RGPS. A
perda de referência constitucional para a fórmula de calcular os benefícios estabelecidos pela EC n°20 possibilitou
que, com a aprovação da Lei n° 9.876, em 1999, fosse criada nova regra de cálculo para os benefícios concedidos
pelo RGPS. Esta introduziu fator de correção para os salários de benefícios, denominado Fator Previdenciário, o
qual relaciona o tempo de contribuição e a idade na data da aposentadoria.
49
previdenciário adotado pelo país, sobretudo no caso de sua privatização inarredável. Nesse
sentido, surge uma proposta que visa defender de modo enfático a constituição de um sistema de
previdência social pública, administrada por um conselho quadripartite. Algo que não fora
detalhadamente esmiuçado e posto em prática, em suas lutas políticas, de maneira muito tímida34
(FREITAS, 2009). Para o autor, portanto,
desde sua fundação, em 1983, a CUT tem apresentado uma posição aparentemente
ambígua em relação à redução do tempo de trabalho, porém, coerente com os mecanismos
recíprocos de constrangimento e consentimento previstos na legislação trabalhista quando
se trata dos tempos de trabalho. Se, em alguns momentos, a Central manteve outrora uma
posição ofensiva – ainda que mais retórica do que efetiva – foi capaz de absorver
satisfatoriamente e reproduzir os consentimentos previstos na legislação para a
manutenção de jornadas alongadas (Freitas, 2009, p. 18-19).
Levando em conta tudo o que procuramos arguir até então nessa seção, nos é permitido
agora sustentar a hipótese de que no Brasil, ao longo dos anos 1990, a jornada de trabalho passou
por um processo de grande transformação, que implicou numa significativa reconfiguração no
tempo de trabalho. Não apenas as jornadas se tornaram mais alongadas, como também se
verificou uma exacerbação da flexibilidade da distribuição da mesma, seguida por um forte
movimento de intensificação do ritmo de trabalho.
Assim, nessa conjuntura, o padrão do tempo de trabalho na sociedade contemporânea
brasileira sofreu um conjunto de alterações que afetaram substantivamente os seus três aspectos
elementares. Nosso foco, porém, será analisar melhor o aspecto da extensão do trabalho, ainda
que ressaltando em menor medida os outros dois elementos constitutivos do tempo de trabalho.
Do ponto de vista da duração do tempo de trabalho, procuramos apoiar nosso estudo
nos microdados da Pesquisa Nacional de Amostragem Domiciliar (PNAD), elaborada pelo
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), através do levantamento de uma série que
contempla a duração da jornada de trabalho dos trabalhadores ocupados e em idade ativa (acima
de 10 anos), no período entre 1992-2009.
34
Além disso, fortaleceu-se dentro da Central a posição daqueles que defendem a participação dos trabalhadores e de
suas organizações sindicais nos regimes de fundos de pensão, que ganharam forte expressão nos governos
neoliberais (FREITAS, 2009).
50
Seguindo esse percurso chegamos à constatação de que, no Brasil, é possível identificar
três padrões de extensão do tempo de trabalho: em primeiro lugar, aquele que vigora de 1992 a
1998 e que está marcado pelo processo de elevação das horas trabalhadas pela classe trabalhadora
do país; em segundo lugar, aquele demarcado entre 1999-2003, logo após a desvalorização
cambial enfrentado pela economia e que indica a manutenção do nível elevado da realização das
sobrejornadas e, finalmente, aquele em que se anuncia, a partir das condições mais favoráveis
presentes nos Governos Lula, a tendência aparente de redução das horas extras laboradas. Nesse
tópico, daremos especial atenção aos dois padrões iniciais, deixando para o próximo capítulo a
discussão sobre o último padrão.
Sendo assim, podemos analisar através da Tabela 02 que os trabalhadores ocupados em
idade ativa expressaram um patamar acima dos 40% (quase 30 milhões) daqueles que cumpriam
jornadas semanais superiores a 45 horas ou mais, chegando em 1996 a atingir a faixa dos 42%.
Ressalta-se ainda o reduzido nível no país dos que trabalham abaixo das 14 horas, algo distinto
quando se trata da faixa entre 15 e 39 horas, que veio ganhando maior expressão, alcançando
21,5% em 1998. Além disso, é importante destacar também o fato de que apenas,
aproximadamente, 31% da população trabalhadora ocupada situa-se no patamar das 40 às 44
horas semanais, que representa o limite legal estabelecido pela legislação nacional.
51
Tabela 02 - Evolução do tempo de trabalho (Nº horas habitualmente trabalhadas por semana – todos os trabalhos – dez anos ou mais de idade) – Brasil:
1992-1998
Grupos de Horas trabalhadas por semana em todos os trabalhos
Ano
1992 1993 1995
(Em Milhões) (%) (Em Milhões) (%) (Em Milhões) (%)
Até 14 horas 3,79 5,8 4,13 6,2 4,26 6,1
15 a 39 horas 13,76 21,1 14,38 21,7 15,04 21,6
40 a 44 horas 20,41 31,3 20,32 30,7 22,09 31,7
45 horas ou mais 27,16 41,7 27,47 41,4 28,21 40,5
Sem declaração 0,03 0,1 0,02 0,0 0,02 0,0
Total 65,15 100,0 66,30 100,0 69,62 100,0
1996 1997 1998
(Em Milhões) (%) (Em Milhões) (%) (Em Milhões) (%)
Até 14 horas 3,9 5,8 4,19 6,0 4,19 6,0
15 a 39 horas 13,7 20,2 14,44 20,8 15,03 21,5
40 a 44 horas 21,6 31,9 22,13 31,9 21,62 30,9
45 horas ou mais 28,6 42,1 28,54 41,2 29,06 41,5
Sem declaração 0,1 0,1 0,03 0,0 0,06 0,1
Total 67,9 100,0 69,33 100,0 69,96 100,0
Fonte: Microdados PNAD-IBGE, 1992-1998. Elaboração própria.
De acordo com a Tabela 03, podemos inferir a relação entre o comportamento do padrão
das horas trabalhadas da população ocupada masculina em contraste com a feminina. No caso dos
homens registra-se uma fraca incidência dos mesmos em trabalhos situados abaixo das 14 horas
semanais. Na faixa entre 15 e 39 horas semanais de trabalho há certo avanço, chegando-se a
proximidade dos 15% em 1998.
52
Tabela 03 - Evolução do tempo de trabalho (Nº horas habitualmente trabalhadas por semana – todos os trabalhos – dez anos ou mais de idade, segundo
sexo) – Brasil: 1992-1998
Grupos de Horas habitualmente trabalhadas por semana em todos os
trabalhos
Ano
1992 1993 1995
(Em Milhões) (%) (Em Milhões) (%) (Em Milhões) (%)
Homem
Até 14 horas 0,79 2,0 0,91 2,3 0,93 2,2
15 a 39 horas 5,42 13,6 5,70 14,1 5,84 14,0
40 a 44 horas 13,51 33,9 13,39 33,1 14,33 34,3
45 horas ou mais 20,13 50,5 20,41 50,5 20,62 49,4
Sem declaração - - - - - -
Total 39,85 100,0 40,41 100,0 41,72 100,0
Mulher
Até 14 horas 3,01 11,9 3,21 12,4 3,32 12,0
15 a 39 horas 8,34 33,0 8,68 33,6 9,13 33,0
40 a 44 horas 6,89 27,3 6,92 26,8 7,71 27,9
45 horas ou mais 7,03 27,8 7,05 27,3 7,52 27,2
Sem declaração - - - - - -
Total 25,26 100,0 25,87 100,0 27,68 100,0
1996 1997 1998
(Em Milhões) (%) (Em Milhões) (%) (Em Milhões) (%)
Homem
Até 14 horas 1,0 2,3 0,97 2,3 1,05 2,5
15 a 39 horas 5,7 13,8 5,82 13,9 6,26 14,8
40 a 44 horas 13,8 33,6 14,24 33,9 13,76 32,6
45 horas ou mais 20,7 50,3 20,92 49,9 21,21 50,2
Sem declaração - - - - - -
Total 41,2 100,0 41,96 100,0 42,27 100,0
Mulher
Até 14 horas 2,95 11,1 3,22 11,8 3,15 11,4
15 a 39 horas 8,07 30,3 8,61 31,5 8,77 31,8
40 a 44 horas 7,80 29,3 7,89 28,9 7,86 28,4
45 horas ou mais 7,84 29,4 7,61 27,8 7,85 28,4
Sem declaração - - - - - -
Total 26,65 100,0 27,34 100,0 27,63 100,0
Fonte: Microdados PNAD-IBGE, 1992-1998. Elaboração própria.
A participação masculina no patamar das 40 às 44 horas semanais apresenta-se constante
ao longo dos anos, representando perto de 1/3 deles. Destaca-se, ademais, o elevado percentual
dos mesmos laborando em jornadas acima das 45 horas semanais ou mais, algo em torno de um
pouco mais da metade em 1998 (50,2%).
53
Já no que se refere ao padrão feminino, nos anos 1990, verifica-se que pouco mais de 10%
das mulheres cumprem jornadas até 14 horas semanais e quase 1/3 se encontram na faixa entre as
15 e 39 horas. Nos patamares de jornadas médias e altas observa-se um percentual equivalente
entre os níveis de 40 a 44 horas e de 45 ou mais, situado próximo dos 30%.
Assim, evidencia-se a enorme discrepância entre o comportamento masculino, onde mais
de 80% realizam trabalhos acima das 40 horas semanais, e o feminino, em que essa variável
chega perto apenas de 57%, do total de ambos os sexos da força de trabalho ocupada em idade
ativa.
A Tabela 04, por sua vez, procura indicar os percentuais revelados pela mão de obra
brasileira ocupada em relação a sua posição na ocupação na atividade do trabalho principal.
Dentre as cinco categorias, em 1998, que mais cumpriram horas extras, de maneira decrescente,
estão: (i) empregador (quase 70%); (ii) doméstica com carteira (perto de 55%); (iii) conta própria
(50,8%); (iv) empregado sem carteira (pouco menos de 50%) e (v) empregado com carteira
(43,8%).
Isto significa que, dado o peso relevante na PEA do empregado com carteira, do conta
própria e do empregado sem carteira (algo perto de 70%)35
, faz-se seguro assumir que a grande
maioria da população ocupada brasileira trabalha longuíssimas jornadas na década de 1990. Na
dinâmica ocorrida no período ressalta-se a chegada, em 1998, do empregado sem carteira em
quarto lugar e a do empregado com carteira em quinto lugar, segundo o ranking de maiores horas
extras executadas.
35 Ver Anexo – Tabela 1.
54
Tabela 04 - Pessoas de 10 anos ou mais de idade, ocupadas na semana de referência, por grupos de horas habitualmente trabalhadas por semana no trabalho principal, por posição na ocupação de
atividade do trabalho principal (%) – Brasil: 1992-1998
Posição na Ocupação na atividade do
trabalho principal
Ano
1992 1993 1995
Até 14 15 a 39 40 a 44 45 ou mais
Até 14 15 a 39 40 a 44 45 ou mais
Até 14 15 a 39 40 a 44 45 ou mais
Total 5,8 21,1 31,3 41,7 6,2 21,7 30,7 41,4 6,1 21,6 31,8 40,5
Empregado c/ carteira
0,3 9,6 49,8 40,3 0,4 9,7 47,6 42,3 0,4 8,5 49,8 41,3
Militar 0,1 11,5 54,8 33,5 0,8 10,1 58,6 30,5 0,8 7,5 60,2 31,5
Func. Púb. Estat. 0,5 35,8 43,7 20,1 0,7 33,5 44,8 21,0 0,6 30,6 48,0 20,8
Outros Empreg. s/ cart.
2,0 16,3 32,2 49,5 2,3 18,7 32,1 46,9 2,2 18,1 33,2 46,6
Empreg. s/ declar. de cart.
0,0 29,4 61,0 9,5 1,1 32,5 32,8 33,6 0,0 17,5 33,7 48,8
Domésticos c/ carteira
0,6 9,4 27,3 62,7 0,7 10,7 27,9 60,7 1,0 9,6 28,0 61,4
Domésticos s/ carteira
6,5 26,5 17,2 49,9 6,5 26,3 19,1 48,1 7,2 28,4 19,1 45,3
Domést. s/ declar. de cart.
22,5 36,1 0,0 41,3 20,3 35,9 27,4 16,3 0,0 100,0 0,0 0,0
Conta- própria 4,7 23,0 20,8 51,6 5,2 23,2 20,3 51,3 5,1 23,8 21,4 49,8
Empregador 1,0 10,0 19,6 69,4 0,9 8,8 20,7 69,6 1,3 9,8 21,6 67,4
Autoconsumo 60,1 30,3 4,6 5,0 64,7 27,5 4,2 3,7 61,9 30,2 4,3 3,6
Não remunerado 8,2 47,8 17,2 26,8 8,4 50,9 16,6 24,1 9,6 52,5 15,8 22,1
1996 1997 1998
Até 14 15 a 39 40 a 44
45 ou mais
Até 14 15 a 39 40 a 44 45 ou mais
Até 14 15 a 39 40 a 44 45 ou mais
Total 5,8 20,2 31,9 42,1 6,0 20,8 31,9 41,2 6,0 21,5 30,9 41,6
Empregado c/ carteira
0,6 9,4 46,5 43,6 0,5 9,0 48,4 42,1 0,5 9,2 46,5 43,8
Militar 1,2 10,4 54,3 34,1 0,4 8,6 57,7 33,4 0,8 9,8 57,6 31,8
Func. Púb. Estat. 0,8 31,4 46,3 21,5 0,8 30,1 47,6 21,6 0,6 31,2 46,5 21,7
Outros Empreg. s/ cart.
2,4 17,8 32,6 47,2 2,4 18,1 33,3 46,2 2,4 20,0 32,1 45,5
Empreg. s/ declar. de cart.
0,0 17,3 44,3 38,4 0,0 27,5 43,1 29,3 3,9 24,7 35,0 36,4
Domésticos c/ carteira
1,7 12,7 32,5 53,2 0,8 12,3 29,6 57,4 1,4 13,6 30,4 54,7
Domésticos s/ carteira
7,9 27,2 20,5 44,4 8,7 27,7 18,8 44,8 8,2 29,9 19,8 42,1
Domést. s/ declar. de cart.
10,2 22,9 37,9 28,9 0,0 100,0 0,0 0,0 11,7 41,9 34,0 12,4
Conta- própria 5,3 21,6 22,6 50,6 5,3 22,1 22,5 50,1 5,5 22,1 21,6 50,8
Empregador 1,9 8,9 23,6 65,7 1,4 9,1 21,2 68,3 1,3 9,9 22,2 66,7
Autoconsumo 60,3 26,2 7,0 6,6 65,3 27,1 4,0 3,6 62,0 29,2 4,8 3,9
Não remunerado 8,9 47,2 18,3 25,6 9,2 53,9 16,3 20,6 10,3 54,1 14,3 21,3
Fonte: Microdados PNAD-IBGE, 1992-1998. Elaboração própria.
55
Tabela 05 - Pessoas de 10 anos ou mais de idade, ocupadas na semana de referência, por grupos de horas habitualmente trabalhadas por semana no trabalho principal, por grupos de ocupação na
atividade do trabalho principal (%) – Brasil: 1992-1998
Grupos de Ocupação do trabalho principal
Ano
1992 1993 1995
Até 14 15 a 39 40 a 44 45 ou mais
Até 14 15 a 39 40 a 44 45 ou mais
Até 14 15 a 39 40 a 44 45 ou mais
Ocupações não especificadas
1,9 26,3 43,8 27,9 2,3 26,7 43,0 28,0 2,3 25,7 45,3 26,6
Técn., Cient., Art. e Assem.
4,0 43,3 37,8 14,9 4,5 43,5 37,8 14,2 4,2 41,7 39,9 14,1
Administrativa 0,8 16,7 47,2 35,3 1,0 16,8 46,1 36,2 1,1 15,8 48,7 34,3
Ocupações Específicas
7,7 21,7 27,9 42,6 8,1 22,8 27,0 42,0 8,0 22,9 27,8 41,3
Agrop. e Prod. Ext.Veg. e Animal
13,9 27,1 21,6 37,4 14,8 29,9 20,2 35,0 15,1 30,2 20,7 34,0
Ind. de Transf. e Const. Civil
2,0 12,6 43,6 41,8 2,3 12,7 42,2 42,8 2,2 12,6 43,8 41,3
Comércio e Ativ. Auxiliares
5,1 22,9 24,1 47,7 5,6 23,1 23,5 47,8 5,4 23,9 23,3 47,4
Transporte e Comunicação
0,6 10,7 30,3 58,3 0,8 10,2 29,2 59,8 0,6 10,1 30,4 58,8
Prestação de Serviços
7,0 26,5 19,5 46,9 6,9 26,8 20,4 45,8 6,9 26,7 21,4 44,9
Outras Ocupações 2,4 20,5 38,5 38,6 2,8 22,7 36,8 37,7 2,9 20,7 39,9 36,6
1996 1997 1998
Até 14 15 a 39 40 a 44
45 ou mais
Até 14 15 a 39 40 a 44 45 ou mais
Até 14 15 a 39 40 a 44 45 ou mais
Ocupações não especificadas
2,7 25,7 43,2 28,4 2,6 25,0 44,6 27,8 2,6 25,4 43,0 28,9
Técn., Cient., Art. e Assem.
4,7 40,8 37,4 17,2 4,8 40,5 39,4 15,3 4,7 39,9 37,9 17,5
Administrativa 1,4 15,8 47,0 35,8 1,3 15,1 47,8 35,7 1,2 15,4 46,5 36,7
Ocupações Específicas
7,4 20,6 28,6 43,4 7,9 21,7 28,3 42,1 7,9 22,4 27,2 42,4
Agrop. e Prod. Ext.Veg. e Animal
13,7 26,8 22,0 37,5 15,1 29,0 x21,8 34,1 15,1 31,5 19,4 34,0
Ind. de Transf. e Const. Civil
2,2 11,8 42,8 43,2 2,2 11,5 43,5 42,7 2,6 11,5 42,0 43,8
Comércio e Ativ. Auxiliares
5,3 20,9 24,7 49,1 5,1 22,6 23,5 48,6 5,2 21,7 23,7 49,2
Transporte e Comunicação
1,4 11,1 27,7 59,6 1,3 10,7 29,0 58,9 1,2 11,2 27,1 60,3
Prestação de Serviços
7,3 25,2 23,3 44,1 7,5 26,3 21,6 44,6 7,4 26,7 22,5 43,3
Outras Ocupações 3,0 21,0 37,0 38,9 2,8 20,9 39,2 37,1 3,0 24,2 36,4 36,4
Fonte: Microdados PNAD-IBGE, 1992-1998. Elaboração própria.
Na Tabela 05 podemos observar a relação dos grupos de ocupação na atividade do
trabalho principal, entre 1992 e 1998, com as faixas de horas habitualmente trabalhadas pela
população ocupada. Em ordem decrescente, constatamos os seguintes grupos que realizam horas
extras elevadas: (i) transporte e comunicação (60,3%); (ii) comércio e atividades auxiliares
56
(49,2%); (iii) indústria da transformação e construção civil (43,8%); (iv) prestação de serviços
(43,3%) e (v) funções administrativas (36,7%).
Sendo assim, verifica-se uma relevância do setor de serviços presente em três dos cinco
grupos destacados onde se notam as sobrejornadas. Trata-se, em geral, de um nicho muito
privilegiado das horas extras. No total destes grupos avalia-se um percentual correspondente a
57,45% da PEA brasileira36
, o que significa um expressivo impacto representado por eles no
processo de elevação das jornadas.
De acordo com os ramos de atividade (Tabela 06), em ordem decrescente de cumprimento
de horas extras, constatamos as seguintes posições, em 1998: (i) transporte e comunicação (57%);
(ii) comércio de mercadorias (49,7%); (iii) indústria da construção (48,2%); (iv) prestação de
serviços (46,4%) e (v) indústria da transformação (41,1%).
Certamente, esses cinco ramos de atividade compõem o núcleo duro do trabalho
extraordinário, destacando-se o fato de que três deles especificamente se tratam de serviços
(transporte e comunicação, prestação de serviços e comércio de mercadorias). No total da
ocupação nacional da força de trabalho eles representam um percentual de 55,47% da PEA que
mais se observam a execução das sobrejornadas37
.
O que ocorre, na verdade, é simplesmente um deslocamento dentre as suas posições no
ranking geral no período (1992-1998): indústria da construção sai de segundo para o terceiro
lugar, prestação de serviços cai de terceiro para quarto e comércio de mercadorias sobe do quarto
para o segundo.
A Tabela 07 nos permite avaliar a relação das faixas de horas trabalhadas pela população
ocupada brasileira com as classes de rendimento mensais na atividade do trabalho principal.
Verificamos então um importante aspecto que ajuda a entender o perfil dos trabalhadores que
cumprem longuíssimas jornadas e suas correspondentes remunerações do trabalho.
36
Ver Anexo – Tabela 2.
37 Ver Anexo – Tabela 3.
57
Tabela 06 - Pessoas de 10 anos ou mais de idade, ocupadas na semana de referência, por grupos de horas habitualmente trabalhadas por semana no trabalho principal, por ramos de atividade do
trabalho principal (%) – Brasil: 1992-1998
Ramos de Atividade do trabalho principal
Ano
1992 1993 1995
Até 14 15 a 39 40 a 44 45 ou mais
Até 14 15 a 39 40 a 44 45 ou mais
Até 14 15 a 39 40 a 44 45 ou mais
Agrícola 13,4 26,6 21,4 38,6 14,3 29,4 20,1 36,1 14,6 29,8 20,5 35,0
Ind. da Transf. 1,3 9,5 50,6 38,6 1,5 9,2 48,7 40,5 1,8 8,5 52,1 37,6
Ind. da Constr. 1,0 5,4 43,0 50,5 1,4 9,3 39,5 49,8 1,0 5,8 42,7 50,5
Outras ativ. Ind. 0,9 13,2 54,7 31,1 0,7 11,7 52,9 34,6 1,7 13,6 56,3 28,4
Com. de Merc. 4,5 19,4 27,7 48,4 4,7 19,7 27,5 48,1 4,7 20,5 26,8 47,9
Prest. de Serv. 5,7 24,0 21,2 49,1 6,1 24,1 21,6 48,1 5,8 24,6 22,7 46,8
Serv. Auxiliares 1,7 17,5 51,0 29,8 2,9 20,3 46,5 30,3 2,1 18,7 50,7 28,4
Transp. e comum. 0,8 11,2 33,7 54,2 1,4 9,1 33,0 56,5 1,1 10,0 32,0 56,8
Social 3,5 45,9 35,9 14,7 3,7 46,1 36,6 13,6 3,6 43,4 39,0 13,9
Admin. Pública 0,9 27,0 51,8 20,3 1,3 28,0 50,4 20,2 1,1 25,6 54,0 19,4
Outras atividades 1,2 30,7 47,3 20,8 1,6 33,7 43,9 20,8 1,6 29,1 48,2 21,0
Outros serviços - - - - - - - - - - - -
1996 1997 1998
Até 14 15 a 39 40 a 44
45 ou mais
Até 14 15 a 39 40 a 44 45 ou mais
Até 14 15 a 39 40 a 44 45 ou mais
Agrícola 13,3 26,4 21,8 38,5 14,7 28,7 21,6 35,0 14,7 31,1 19,3 34,9
Ind. da Transf. 1,7 8,5 47,5 42,3 1,7 9,1 50,1 39,0 1,7 9,1 48,0 41,1
Ind. da Constr. 1,4 7,1 42,6 48,9 1,1 6,1 41,6 51,2 1,8 10,8 39,1 48,2
Outras ativ. Ind. 1,3 11,2 51,3 36,3 0,9 12,5 52,8 33,8 1,0 15,5 51,7 31,9
Com. de Merc. 4,7 17,7 28,6 48,9 4,4 19,1 27,1 49,2 4,6 18,6 27,0 49,7
Prest. de Serv. 6,0 22,6 24,3 47,0 6,1 23,5 23,4 46,9 6,4 23,7 23,4 46,4
Serv. Auxiliares 2,7 19,1 48,1 29,9 2,7 18,8 49,6 28,8 2,0 18,4 47,0 32,6
Transp. e comum. 1,6 11,1 31,0 56,1 1,9 10,6 30,8 56,6 1,7 11,5 29,7 57,0
Social 4,1 42,5 37,0 16,3 4,2 41,9 39,2 14,7 4,1 41,7 37,8 16,4
Admin. Pública 1,3 27,3 49,5 21,8 1,1 24,9 53,9 20,2 1,1 25,4 51,6 21,9
Outras atividades 2,2 28,2 45,3 24,4 1,7 28,3 46,5 23,5 2,5 27,0 44,4 26,0
Outros serviços - - - - - - - - - - - -
Fonte: Microdados PNAD-IBGE, 1992-1998. Elaboração própria.
Dentre aqueles que mais executam sobrejornadas, em 1998, estão os que percebem
rendimentos acima de 20 salários mínimos (54,2%). Em seguida, vêm a faixa dos que ganham
acima de 3 a 5 salários mínimos (48,8%); acima de 1 a 2 salários mínimos (48,1%); acima de 10
a 20 salários mínimos (48,1%) e, acima de 2 a 3 salários mínimos (47,5%).
58
Tabela 07 - Pessoas de 10 anos ou mais de idade, ocupadas na semana de referência, por grupos de horas habitualmente trabalhadas por semana no trabalho principal, por classes de rendimento mensal
em atividade do trabalho principal (%) – Brasil: 1992-1998
Classes de rendimento mensal
no trabalho principal
Ano
1992 1993 1995
Até 14 15 a 39 40 a 44 45 ou mais
Até 14 15 a 39 40 a 44 45 ou mais
Até 14 15 a 39 40 a 44 45 ou mais
Até 1/2 S.M. 8,6 33,5 22,3 35,6 10,3 36,8 21,1 31,7 14,5 44,8 17,3 23,4
> 1/2 a 1 S.M. 2,0 18,2 32,1 47,7 2,0 19,0 32,5 46,4 3,3 22,5 30,9 43,3
> 1 a 2 S.M. 0,8 13,6 37,0 48,5 1,3 14,4 35,8 48,5 1,7 16,3 35,2 46,8
> 2 a 3 S.M. 0,6 12,3 39,1 48,0 0,8 12,9 37,1 49,1 0,9 12,6 38,6 47,9
> 3 a 5 S.M. 0,5 12,5 39,8 47,1 0,7 12,4 38,7 48,1 0,8 12,0 39,2 48,0
> 5 a 10 S.M. 0,5 12,4 42,7 44,3 0,6 11,6 39,4 48,5 0,7 11,7 41,3 46,3
> 10 a 20 S.M. 0,2 11,2 44,1 44,5 0,6 12,0 39,0 48,4 0,7 11,2 41,5 46,5
> 20 S.M. 0,6 8,5 37,9 52,9 0,4 9,1 36,4 54,1 0,5 8,5 37,0 53,9
Sem rendimento 25,0 41,8 13,3 19,8 26,4 43,3 12,7 17,6 26,4 45,0 12,4 16,2
Sem declaração 2,8 17,2 25,6 53,3 4,1 24,0 26,9 44,3 4,2 20,8 29,3 45,5
1996 1997 1998
Até 14 15 a 39 40 a 44
45 ou mais
Até 14 15 a 39 40 a 44 45 ou mais
Até 14 15 a 39 40 a 44 45 ou mais
Até 1/2 S.M. 16,7 42,1 17,9 23,3 15,8 42,3 19,2 22,7 17,0 42,5 17,5 23,0
> 1/2 a 1 S.M. 4,2 23,2 29,8 42,8 3,8 22,3 30,5 43,4 3,7 24,9 28,7 42,6
> 1 a 2 S.M. 2,0 16,9 33,7 47,4 1,7 16,2 34,0 48,1 1,8 16,6 33,4 48,1
> 2 a 3 S.M. 1,5 13,8 37,4 47,2 1,0 13,2 38,9 46,8 1,1 13,4 38,0 47,5
> 3 a 5 S.M. 1,0 12,7 38,1 48,2 1,0 11,9 39,5 47,5 1,2 12,5 37,4 48,8
> 5 a 10 S.M. 1,0 12,5 38,9 47,5 0,8 12,3 39,0 47,9 1,0 12,7 39,6 46,6
> 10 a 20 S.M. 0,9 10,9 40,5 47,5 1,0 9,9 40,7 48,4 0,7 11,6 39,5 48,1
> 20 S.M. 1,2 8,6 35,6 54,4 0,8 9,5 37,3 52,4 0,7 9,7 35,1 54,2
Sem rendimento 24,9 40,4 15,1 19,6 27,0 44,9 12,7 15,5 26,7 45,7 11,6 15,8
Sem declaração 3,8 18,4 29,8 47,0 3,7 18,9 29,9 47,0 3,3 15,3 32,6 48,1
Fonte: Microdados PNAD-IBGE, 1992-1998. Elaboração própria.
Não obstante, em todas as classes de renda do trabalho existe um percentual bastante
elevado de pessoas ocupadas que realizam longas jornadas. Se fizermos o corte a partir da faixa
dos trabalhadores que cumprem jornadas acima das 40 horas semanais verificamos algo em torno
de 80 a 90%. Interessante observar ainda que as cinco principais classes de rendimento por ordem
59
de sobrejornadas chegam a representar quase 54% da PEA em 199838
, mas os maiores
percentuais de contingentes encontram-se nas faixas >1 a 2 salários mínimos; >2 a 3 salários
mínimos e >3 a 5 salários mínimos (26,38%).
Comparado a 1992, nota-se a manutenção em primeiro lugar da faixa >20 salários
mínimos; a chegada em segundo lugar daqueles que ganham acima de 3 a 5 salários mínimos; a
queda para terceiro do patamar de rendimento >1 a 2 salários mínimos e para quinto do >2 a 3 e,
finalmente, a ascensão ao quarto lugar daqueles que percebem valores acima de 10 a 20 salários
mínimos. Assim, fica evidente o movimento de grande concentração das horas extras em todas as
classes de rendimento, especialmente naquelas de renda média (> 2 a 3 e >3 a 5).
De maneira geral, o primeiro padrão de duração do trabalho no Brasil, delimitado no
ínterim de 1990-1998, é fruto de um conjunto de alterações ocorridas na sociedade brasileira,
especialmente marcada pelo processo de consolidação do neoliberalismo no país. A incorporação
definitiva do Brasil à nova ordem constitutiva do padrão de acumulação capitalista, em vigor
desde meados da dedada de 1970, implicou na condução de uma política econômica dos governos
neoliberais excessivamente ortodoxa e altamente restritiva, trazendo consigo consequências
graves para os trabalhadores em geral.
A desastrosa liberalização comercial e financeira aliada aos interesses do capital
financeiro internacional, em nome da estabilidade econômica, surtiu efeitos nefastos ao mercado
de trabalho brasileiro, das quais as privatizações, as quebradeiras generalizadas de empresas, o
deslocamento de uma parte importante delas para o estrangeiro e, sobretudo, o processo de
reestruturação produtiva dão indícios inequívocos da chaga do desemprego que acometeu a classe
trabalhadora do país.
O baixo crescimento das ocupações não apenas deixou a margem do emprego
contingentes expressivos da população em idade ativa, como também lançou muitos deles na
informalidade, no trabalho por conta própria e nos pequenos negócios, dificultando ainda
sobremaneira a entrada do jovem no mercado de trabalho.
38
Ver Anexo – Tabela 4.
60
Além disso, a diminuição dos empregos nas grandes empresas e da informalidade dos
empregos nas pequenas e médias empresas, no trabalho doméstico remunerado e no trabalho por
conta própria, seguido das imensas dificuldades políticas enfrentadas pelas organizações
sindicais, culminou no rebaixamento dos salários e na maior desigualdade de renda do trabalho.
Assim, nesse contexto político, econômico e social bastante hostil, podemos sustentar a
hipótese de que o padrão de duração do trabalho no país sofreu transformações substantivas. O
Censo de 1991 já indicava um patamar de 40% dos trabalhadores realizando longuíssimas
jornadas. A partir de nossa série, baseada nas PNADs entre 1992-1998, torna-se explícito o
movimento de elevação das horas trabalhadas no Brasil, sendo em 1996, por exemplo, o ápice (o
ponto de pico) do cumprimento das sobrejornadas no país (42,1%), segundo a população ocupada
em idade ativa, com os homens majoritariamente responsáveis pelo predomínio destes
percentuais elevados.
Por outro lado, o peso considerável do conta própria e do empregado sem carteira na
PEA, executando um patamar significativo de horas extras, também ressalta esta mesma
tendência. Ficou claro ainda que o nicho privilegiado das sobrejornadas reside certamente no
setor de serviços, sobretudo em se tratando dos grupos ocupacionais e dos ramos de atividade.
Ademais, devido ao processo de desestruturação do mercado de trabalho e da ampliação
desmesurada da dispersão da renda do trabalho nos anos 1990, todas as classes de rendimento
expressaram níveis elevados de execução de horas extras, ainda que neste primeiro padrão de
duração do trabalho se verifica em maior medida as faixas consideradas de renda média.
Desta forma, vejamos a seguir como é que se configurou então o segundo padrão da
duração do tempo de trabalho no Brasil, demarcado pelo período de 1999-2003, quando a
economia brasileira passou por um momento de forte desvalorização cambial e de maior rigidez
da política econômica ortodoxa. Conforme podemos inferir a partir da Tabela 08, na média, em
torno de quase 40% dos trabalhadores ocupados em idade ativa (pouco mais de 30 milhões)
continuaram a cumprir jornadas semanais superiores a 45 horas ou mais, sendo 2003, o ano a se
atingir a faixa mais baixa (39,6%). O nível de execução de jornadas abaixo das 14 horas semanais
sofreu um pequeno incremento em relação a 1992, mas nada tão significativo. O mesmo acontece
com aquele correspondente ao patamar das 15 a 39 horas. Por sua vez, houve pequeno aumento
61
no percentual daqueles relacionados a faixa das 40 a 44 horas semanais, com cerca de 32% dos
trabalhadores. O mais importante a perceber é o relativo movimento de queda do grupo de horas
trabalhadas acima das 45 horas ou mais, dado que, em 1992, inicia-se em 41,7%, chega a 41, 5%
em 1998 e entre 1999-2003, alcança 39,6%.
Tabela 08 - Evolução do tempo de trabalho (Nº horas habitualmente trabalhadas por semana – todos os trabalhos – dez anos ou mais de idade) – Brasil:
1999-2003
Grupos de Horas habitualmente trabalhadas por
semana em todos os trabalhos
Ano
1999 2001 2002 2003
(Em Milhões)
(%) (Em
Milhões) (%)
(Em Milhões)
(%) (Em
Milhões) (%)
Até 14 horas 4,65 6,3 4,62 6,1 5,15 6,5 5,31 6,6
15 a 39 horas 16,22 22,1 15,90 20,9 17,06 21,6 17,17 21,4
40 a 44 horas 23,27 31,7 24,44 32,1 25,26 32,0 25,92 32,3
45 horas ou mais 29,16 39,8 31,13 40,9 31,49 39,9 31,70 39,6
Sem declaração 0,05 0,1 0,07 0,1 0,06 0,1 0,04 0,0
Total 73,34 100,0 76,16 100,0 79,01 100,0 80,15 100,0
Fonte: Microdados PNAD-IBGE, 1999-2003. Elaboração própria.
De acordo com a Tabela 09, a relação entre o padrão da população ocupada masculina e
feminina sofreu algumas alterações importantes. Os homens continuaram a registrar uma baixa
participação nas faixas pertencentes até as 14 horas semanais e entre 15 e 39 horas, limitando-se
respectivamente, em 2003, em 3,2% e 14,8%. Acontece que o percentual dos homens laborando
jornadas acima das 45 horas ou mais se tornou razoavelmente menor em todos os anos do período
(1999-2003) situando-se num patamar inferior aos 50% verificados na série de 1992-1998,
atingindo em 2003 a cifra de 48,1%. Isto se explica pelo movimento mais geral de aumento do
percentual masculino na faixa das 40 as 44 horas semanais, que se mostraram maiores do que em
comparação ao padrão anterior alcançado em 1998. No caso das mulheres se verifica a
manutenção de grandes contingentes nos patamares de até 14 horas e de 15 a 39 horas.
Entretanto, o percentual de 40 a 44 horas semanais também se apresentou maior nos anos do
segundo padrão, contrastados com o anos de 1992-1998, chegando a atingir 30%.
62
Tabela 09 - Evolução do tempo de trabalho (Nº horas habitualmente trabalhadas por semana – todos os trabalhos – dez anos ou mais de idade, segundo sexo)
– Brasil: 1999-2003
Grupos de Horas habitualmente trabalhadas por semana em todos
os trabalhos
Ano
1999 2001 2002 2003
(Em Milhões)
(%) (Em
Milhões) (%)
(Em Milhões)
(%) (Em
Milhões) (%)
Homem
Até 14 horas 1,18 2,7 1,27 2,8 1,39 3,0 1,51 3,2
15 a 39 horas 6,68 15,3 6,30 14,1 6,85 14,8 6,92 14,8
40 a 44 horas 14,75 33,7 15,02 33,6 15,57 33,6 15,93 34,0
45 horas ou mais 21,16 48,3 22,10 49,5 22,52 48,6 22,54 48,1
Sem declaração - - - - - - - -
Total 43,77 100,0 44,69 100,0 46,33 100,0 46,90 100,0
Mulher
Até 14 horas 3,48 11,8 3,31 10,8 3,75 11,5 3,80 11,5
15 a 39 horas 9,54 32,3 9,44 30,8 10,21 31,3 10,24 30,9
40 a 44 horas 8,52 28,8 9,20 30,0 9,69 29,7 9,99 30,1
45 horas ou mais 8,00 27,1 8,74 28,5 8,97 27,5 9,16 27,6
Sem declaração - - - - - - - -
Total 29,52 100,0 30,69 100,0 32,62 100,0 33,20 100,0
Fonte: Microdados PNAD-IBGE, 1999-2003. Elaboração própria.
Dentre aquelas que cumpriram jornadas superiores a 45 horas ou mais há a ocorrência de
uma queda leve em 2003, se comparado a 1998, passando de 28,4% para 27,6%. Não obstante, a
enorme desigualdade existente entre o comportamento das sobrejornadas masculina e feminina
permaneceu relativamente o mesmo, com um total de 82% dos homens trabalhando acima de 40
horas semanais e de apenas aproximadamente 58% das mulheres.
No que diz respeito aos trabalhadores ocupados em idade ativa segundo a posição na
ocupação do trabalho principal entre 1999 e 2003 (Tabela 10), destacam-se, em ordem
decrescente, as seguintes categorias que realizam jornadas elevadas: (i) empregador (64,9%); (ii)
doméstica com carteira (50,7%); (iii) conta própria (46,5%); (iv) empregado com carteira
(43,5%) e (v) empregado sem carteira (41,7%).
63
Tabela 10 - Pessoas de 10 anos ou mais de idade, ocupadas na semana de referência, por grupos de horas habitualmente trabalhadas por semana no trabalho principal, por posição na ocupação de
atividade do trabalho principal (%) – Brasil: 1999-2003
Posição na Ocupação na atividade do
trabalho principal
Ano
1999 2001 2002 2003
Até 14
15 a 39
40 a 44
45 ou mais
Até 14
15 a 39
40 a 44
45 ou mais
Até 14
15 a 39
40 a 44
45 ou mais
Até 14
15 a 39
40 a 44
45 ou
mais
Empreg. c/ cart. 0,5 9,0 48,1 42,3 0,5 8,6 47,5 43,4 0,4 8,9 47,2 43,4 0,6 8,3 47,6 43,5
Militar 0,3 10,3 57,1 32,3 0,5 9,1 55,1 35,0 0,2 17,3 47,1 35,4 0,2 8,4 59,4 32,0
Func. Púb. Estat. 0,6 30,5 47,8 21,1 0,8 29,1 47,5 22,6 0,5 28,9 48,6 21,9 0,7 29,2 47,8 22,3
Out. Emp. s/ cart.
2,5 19,9 33,6 44,0 3,0 20,2 33,3 43,5 3,2 20,8 33,2 42,7 3,1 21,3 33,8 41,7
Emp. s/ dec. de cart.
0,0 9,2 36,3 50,3 0,0 27,8 26,2 26,2 0,0 46,9 8,9 44,2 15,6 20,1 43,3 20,9
Dom. c/ carteira 1,5 14,2 32,6 51,7 1,4 14,6 32,3 51,6 0,9 14,9 31,5 52,6 1,4 14,2 33,7 50,7
Dom. s/ carteira 8,6 29,6 20,0 41,7 10,1 32,0 19,3 38,5 10,7 33,8 18,6 36,8 12,0 34,9 19,0 34,0
Dom. s/ dec. de cart.
0,0 80,7 0,0 19,3 20,0 52,8 11,5 15,7 0,0 11,9 54,2 34,0 0,0 100 0,0 0,0
Conta- própria 5,3 23,6 22,9 48,0 6,3 22,7 21,9 48,8 6,8 24,2 22,3 46,6 7,2 24,3 22,0 46,5
Empregador 1,0 8,6 22,3 68,0 1,9 9,2 22,5 66,0 1,7 10,0 23,9 64,4 1,9 9,5 23,5 64,9
Autoconsumo 64,6 27,7 4,1 3,5 57,5 31,1 6,3 5,1 62,4 28,6 4,8 4,1 57,2 31,7 6,0 5,0
Autoconstrução - - - - - - - - - - - - - - - -
Não remunerado 11,0 56,4 14,2 18,4 13,3 53,1 14,1 19,4 14,0 54,8 13,5 17,6 14,6 53,3 13,5 18,6
Fonte: Microdados PNAD-IBGE, 1999-2003. Elaboração própria.
Podemos analisar que, no período referendado, o perfil majoritário da força de trabalho
continuou a cumprir as sobrejornadas, dado que as três maiores categorias (conta própria,
empregado com e sem carteira) passaram a compor 70,06% da PEA em 200339
. Comparando o
primeiro padrão ao segundo temos que, a despeito do aumento de contingente populacional nas
três principais categorias, no empregado com carteira o percentual das sobrejornadas se mantém,
no empregado sem carteira o mesmo cai um pouco e no conta própria ele cai sensivelmente,
chegando em 46,5%, em 2003.
Em se tratando da relação dos grupos de ocupação na atividade do trabalho principal com
as faixas de horas trabalhadas pela população ocupada (Tabela 11), salienta-se inicialmente uma
39
Ver Anexo – Tabela 1.
64
distinção importante na base de dados disponibilizados pela PNAD (IBGE)40
. Na antiga
nomenclatura, podemos observar, em ordem decrescente, os seguintes grupos que realizam
sobrejornadas: (i) transporte e comunicação (59,8%); (ii) comércio e atividades auxiliares
(47,2%); (iii) indústria da transformação e construção civil (43,1%); (iv) prestação de serviços
(40,8%) e (v) funções administrativas (36,6%). Novamente se verifica um grande peso do setor
de serviços presente em três dos cinco grupos destacados.
Todavia, em geral, em todos os grupos há um movimento de pequena queda no patamar
do cumprimento de horas extras, ainda que tenha aumentado o contingente de trabalhadores. Suas
posições no ranking da Tabela permaneceram inalteradas e o setor de serviços contribuiu com
quase 60% da PEA brasileira41
, mais uma vez impactando expressivamente o volume de horas
extras realizadas.
Por sua vez, no ano de 2003, com a mudança das rubricas na Tabela elaborada pelo IBGE
na PNAD, evidenciam-se os respectivos grupos, de modo decrescente, que exerceram longas
jornadas de trabalho: (i) dirigentes em geral (52,0%); (ii) trabalhadores da produção de bens e
serviços e de reparação e manutenção (46,3%); (iii) vendedores e prestadores de serviço do
comércio (44,1%); (iv) membros das forças armadas e auxiliares (41,6%) e (v) trabalhadores dos
serviços (39,0%).
No total destes cinco grupos avalia-se um percentual correspondente a 58,06% da PEA
brasileira42
, sendo 52,27% referente ao setor de serviços (trabalhadores da produção de bens e
serviços e de reparação e manutenção, vendedores e prestadores de serviço do comércio e
trabalhadores dos serviços).
40
Na realidade, o instituto de pesquisa acabou alterando o perfil composto dos grupos de ocupação, a partir de 2002,
tornando-se difícil estabelecer uma comparação consistente dessa variável ao longo da série. Nesse sentido, optamos
por mantê-la mesmo assim dentro do segundo padrão de duração do tempo de trabalho evitando utilizar de qualquer
tipo de comparação.
41 Ver Anexo – Tabela 2.
42 Ver Anexo – Tabela 2.
65
Tabela 11 - Pessoas de 10 anos ou mais de idade, ocupadas na semana de referência, por grupos de horas habitualmente trabalhadas por semana no trabalho principal, por grupos de ocupação na
atividade do trabalho principal (%) – Brasil: 1999-2003
Grupos de Ocupação do trabalho principal
Ano
1999 2001
Até 14 15 a 39 40 a 44 45 ou mais
Até 14 15 a 39 40 a 44 45 ou mais
Ocupações não especificadas 2,5 25,7 44,0 27,7 3,2 24,5 43,8 28,5
Técn., Cient., Art. e Assem. 4,6 40,9 38,8 15,7 5,3 38,5 39,3 17,0
Administrativa 1,2 15,1 47,7 36,0 1,7 14,7 47,0 36,6
Ocupações Específicas 8,3 23,3 28,0 40,4 7,9 21,7 28,4 41,8
Agrop. e Prod. Ext.Veg. e Animal 15,8 32,8 20,1 31,3 15,4 30,0 20,5 34,0
Ind. de Transf. e Const. Civil 2,3 11,9 43,3 42,4 2,5 11,8 42,6 43,1
Comércio e Ativ. Auxiliares 5,7 22,4 24,4 47,4 6,0 21,6 25,0 47,2
Transporte e Comunicação 1,1 11,6 27,3 59,8 1,2 10,2 28,8 59,8
Prestação de Serviços 7,7 27,1 23,5 41,6 8,3 27,8 23,1 40,8
Outras Ocupações 3,3 23,6 38,2 34,9 3,6 21,6 37,4 37,4
2002 2003
Até 14 15 a 39 40 a 44
45 ou mais
Até 14 15 a 39 40 a 44 45 ou mais
Dirigentes em geral 1,4 10,0 37,2 51,2 1,4 10,0 36,5 52,0
Profissionais das ciências e das artes 5,8 34,6 41,8 17,7 5,4 34,7 42,3 17,6
Técnicos de nível médio 4,1 30,3 42,7 22,9 4,3 28,5 44,1 23,0
Trab. de serviços administrativos 1,2 21,3 53,3 24,1 1,6 21,1 52,3 25,0
Trabalhadores dos serviços 6,3 26,0 26,7 40,9 6,9 26,2 27,8 39,0
Vend. e prest. de serviço do comércio 7,8 23,9 23,8 44,4 7,9 23,6 24,3 44,1
Trabalhadores agrícolas 16,3 30,6 20,0 33,0 15,9 30,6 20,7 32,7
Trab. da produção de bens e serviços e de reparação e manutenção
2,6 12,0 38,9 46,3 2,8 12,0 38,9 46,3
Membros das forças armadas e auxiliares 0,3 18,2 40,4 41,1 0,5 12,9 45,0 41,6
Ocup. mal defin. ou não declar. 5,7 57,9 30,7 5,0 5,1 46,2 30,8 17,9
Ocupações mal definidas - - - - - - - -
Fonte: Microdados PNAD-IBGE, 1999-2003. Elaboração própria.
Os dirigentes em geral e os vendedores e prestadores de serviço do comércio
apresentaram um aumento no volume de horas extras, ao passo que os trabalhadores de serviços e
os trabalhadores da produção de bens e serviços e de reparação e manutenção indicaram leve
queda das sobrejornadas.
Segundo a Tabela 12, em 2003, nos ramos de atividade em que se verificam a
predominância das longas jornadas, em ordem decrescente, estão: (i) transporte e comunicação
66
(53,8%); (ii) comércio de mercadorias (48,7%); (iii) indústria da construção (48,3%); (iv)
prestação de serviços (43,2%) e (v) indústria da transformação (37,1%).
Tabela 12 - Pessoas de 10 anos ou mais de idade, ocupadas na semana de referência, por grupos de horas habitualmente trabalhadas por semana no trabalho principal, por ramos de atividade do
trabalho principal (%) – Brasil: 1999-2003
Ramos de atividade do
trabalho principal
Ano
1999 2001 2002 2003
Até 14
15 a 39
40 a 44
45 ou mais
Até 14
15 a 39
40 a 44
45 ou mais
Até 14
15 a 39
40 a 44
45 ou mais
Até 14
15 a 39
40 a 44
45 ou
mais
Agrícola 15,3 32,3 20,0 32,4 15,2 29,8 20,2 34,9 16,2 30,5 19,9 33,3 15,9 30,6 20,6 32,9
Ind. da Transf. 1,8 10,0 49,9 38,2 2,1 9,7 48,6 39,7 3,4 13,6 45,9 37,1 3,6 13,5 45,7 37,1
Ind. da Constr. 1,7 9,8 39,6 48,8 1,4 7,7 40,6 50,3 1,4 8,5 42,0 48,0 1,4 8,6 41,6 48,3
Outras ativ. Ind. 0,6 14,5 51,9 33,0 1,1 11,7 52,6 34,6 3,2 13,5 46,3 37,0 3,5 13,3 46,2 37,0
Com. de Merc. 4,9 19,2 27,8 48,0 5,4 17,8 28,3 48,3 5,0 17,3 28,7 49,0 5,2 17,4 28,6 48,7
Prest. de Serv. 6,4 23,8 24,6 45,2 7,0 24,0 23,9 44,9 7,2 26,9 20,8 45,0 8,1 26,6 22,0 43,2
Serv. Auxiliares 2,3 17,9 49,8 30,0 2,8 17,8 47,8 31,5 - - - - - - - -
Transp. e comum.
1,6 12,2 28,5 57,5 2,0 11,1 29,8 57,0 2,1 13,5 29,9 54,3 2,4 13,7 29,9 53,8
Social 4,0 42,7 38,6 14,7 4,4 40,7 39,2 15,7 4,3 42,2 38,7 14,8 3,7 41,5 40,1 14,7
Admin. Pública 1,2 24,9 54,6 19,3 1,0 25,4 52,8 20,7 0,9 25,5 53,6 20,0 0,9 25,8 54,0 19,2
Outras atividades
2,7 24,8 46,8 25,7 2,0 26,3 45,7 25,9 - - - - - - - -
Outros serviços - - - - - - - - 12,6 31,1 23,6 32,7 12,9 28,9 25,4 32,8
Fonte: Microdados PNAD-IBGE, 1999-2003. Elaboração própria.
De novo, são os mesmos ramos de atividade em que se mantém o nicho privilegiado das
sobrejornadas, especialmente os três deles relativos ao setor de serviços (transporte e
comunicação, prestação de serviços e comércio de mercadorias). Aliás, no total da ocupação
nacional da força de trabalho, os cinco ramos apresentam um percentual de 53,65% daqueles em
que se observam a execução das horas extras43
, sendo 1/3 apenas do grupo dos serviços. De
maneira geral, em todos estes grupos há uma leve queda das horas extras, se comparado ao
padrão anterior, mas no comércio de mercadorias, que representa especificamente quase 18% da
PEA, ocorre certa elevação das mesmas, fazendo com a média não se tornasse tão declinante.
43
Ver Anexo – Tabela 3.
67
No que tange a relação das faixas de horas trabalhadas pela população ocupada brasileira
com as classes de rendimento mensais na atividade do trabalho principal (Tabela 13), aqueles que
mais executam sobrejornadas, em 2003, são os que obtiveram rendimentos acima de 20 salários
mínimos (53,6%); os que ganharam acima de 10 a 20 salários mínimos (47,1%); acima de 2 a 3
salários mínimos (47,0%); acima de 3 a 5 salários mínimos (46,6%) e, acima de 1 a 2 salários
mínimos (46,3%).
Tabela 13 - Pessoas de 10 anos ou mais de idade, ocupadas na semana de referência, por grupos de horas habitualmente trabalhadas por semana no trabalho principal, por classes de rendimento mensal
em atividade do trabalho principal (%) – Brasil: 1999-2003
Classes de rendimento mensal no trabalho principal
Ano
1999 2001 2002 2003
Até 14
15 a 39
40 a 44
45 ou mais
Até 14
15 a 39
40 a 44
45 ou mais
Até 14
15 a 39
40 a 44
45 ou mais
Até 14
15 a 39
40 a 44
45 ou mais
Até 1/2 S.M. 17,1 46,2 16,2 20,4 16,8 39,4 18,6 25,1 16,9 38,9 19,4 24,7 17,8 40,4 18,1 23,6
> 1/2 a 1 S.M. 3,9 25,0 30,5 40,5 4,1 23,4 30,3 42,2 3,6 23,7 30,3 42,4 3,3 23,1 32,2 41,3
> 1 a 2 S.M. 1,7 16,6 34,9 46,8 1,6 15,3 36,6 46,5 1,3 15,0 37,4 46,3 1,4 14,4 37,8 46,3
> 2 a 3 S.M. 1,1 13,7 38,4 46,7 1,2 12,7 37,9 48,2 1,0 12,8 38,6 47,5 1,2 12,5 39,2 47,0
> 3 a 5 S.M. 0,9 12,2 38,8 48,1 0,9 12,5 39,2 47,3 0,9 13,3 39,0 46,7 0,9 12,8 39,6 46,6
> 5 a 10 S.M. 0,8 13,1 40,9 45,1 1,1 12,2 40,3 46,4 0,8 11,9 41,1 46,0 1,0 11,4 42,0 45,5
> 10 a 20 S.M. 0,9 9,6 42,7 46,8 1,0 10,1 40,3 48,5 1,0 10,8 42,3 45,8 0,7 10,4 41,7 47,1
> 20 S.M. 0,6 9,9 37,5 51,7 1,1 9,6 35,5 53,6 0,8 9,4 38,0 51,7 1,0 9,9 35,2 53,6
Sem rendimento
28,0 47,1 11,3 13,5 27,8 45,5 11,9 14,8 30,4 45,5 10,8 13,2 30,2 45,3 11,1 13,3
Sem declaração
4,1 17,6 29,9 48,0 4,6 16,4 32,9 45,3 4,7 19,1 33,0 42,3 3,4 17,9 30,9 47,4
Fonte: Microdados PNAD-IBGE, 1999-2003
Verifica-se novamente, em todas as classes de renda do trabalho, um percentual elevado
de pessoas ocupadas realizando sobrejornadas, com a exceção dos que ganham até ½ salário
mínimo. Aqueles que laboram jornadas acima das 40 horas semanais ainda mantiveram-se em
torno de 80 a 90%, mas ao contrário do padrão anterior, as cinco principais classes de rendimento
acabaram expressando um patamar pouco menor (perto de 53% da PEA em 2003). Em geral, fica
evidente o movimento de grande concentração das horas extras em todas as classes de
rendimento, especialmente naquela de renda baixa (> 1 a 2), cujo contingente representa 26,09%
da PEA ocupada em 2003. No topo, encontram-se as duas faixas de classe de rendas do trabalho
68
em que se verificam os maiores rendimentos (>10 a 20 e > 20), apesar de seus residuais
percentuais na PEA (3,81%)44
.
Em linhas gerais, a passagem do primeiro para o segundo padrão de duração do trabalho
no Brasil está demarcada pela desvalorização cambial ocorrida no início de 1999. Entre 1999 e
2002, o governo reeleito de FHC consolida a política econômica ortodoxa de estabilização
sustentada no tripé (superávit fiscal, metas de inflação e taxa de câmbio flutuante), do qual, se
bem foi capaz de manter a inflação a níveis “seguros”, por outro lado, se mostrou insatisfatório
do ponto de vista da promoção do crescimento econômico, a despeito do grande acúmulo no
saldo de comércio, especialmente em 2002.
Como parte fundamental à manutenção do acordo realizado com o FMI, FHC aprofundou
o rigoroso ajuste fiscal mantendo a moeda desvalorizada e as taxas de juros elevadas. No entanto,
todos esses elementos restritivos foram contornados por uma conjuntura pouco mais favorável ao
incremento das exportações do país - apesar de sua inserção continuar profundamente dependente
dos produtos manufaturados importados - e, de certa maneira, causaram pequenos efeitos
positivos ao funcionamento do mercado de trabalho.
Embora ele não tenha se alterado substantivamente, verificou-se ademais uma pequena
retomada do emprego formal e da expansão das ocupações45
. Ainda que insuficientes, observa-se,
inicialmente, o aumento da taxa de participação e também uma melhoria sobre a estrutura
ocupacional. Além disso, a ação fiscal e legal das institucionalidades públicas do trabalho, aliada
à política de arrecadação fiscal federal, cumpriu um papel relevante quanto ao crescimento da
formalização do trabalho no país. Contudo, mesmo assim não foi possível reverter o quadro
deflagrado pelas altas taxas de desemprego.
Desta forma, especialmente no final do período circunscrito no segundo padrão de
duração do trabalho no Brasil, verificamos um momento em que a economia começa a esboçar
uma perspectiva de certa melhoria nas condições gerais de funcionamento, graças ao bom
desempenho do comércio internacional. Nesse sentido, a partir de nosso levantamento junto à
44
Ver Anexo – Tabela 4.
45 Cf. BALTAR et al. (2006).
69
base de dados das PNADs, referentes aos anos 1999-2003, nos inclinamos a afirmar que o
movimento de elevação das sobrejornadas no país sofreu certo arrefecimento, em grande medida,
pela conjuntura de tímida recuperação do emprego formal e da formalização do trabalho.
Não obstante o Censo de 2000 revelar o ponto máximo das horas extras registradas na
sociedade moderna brasileira, com 44,1% dos trabalhadores cumprindo jornadas acima das 45
horas semanais ou mais, na média do período entre 1999-2003, tal percentual alcançou cerca de
40%, sendo que em 2003 se chegou a cifra de 39,6%, representando o patamar mais baixo de
todos os anos da série (1992-2003) abordada nesta primeira parte da pesquisa. Por outro lado, a
faixa correspondente da população ocupada entre as 40-44 horas semanais apresentou um
discreto aumento, atingindo 32,2%, em 2003.
A propósito desta tendência de menor volume de execução de horas extras, novamente os
homens compuseram o perfil majoritário de realização das mesmas, demonstrando uma queda na
faixa das 45 horas ou mais e pequeno aumento nas de 40 a 44 horas, se comparadas ao padrão
visualizado entre 1992-1998. No que tange a participação das mulheres, observa-se semelhante
movimento de redução das sobrejornadas e de elevação no patamar das jornadas legais.
Entretanto, a relação entre o comportamento de ambos, no total dos grupos de horas
habitualmente trabalhadas, indicou o percentual de 82% dos homens e de apenas 58% das
mulheres laborando jornadas acima das 40 horas semanais.
Quanto à posição na ocupação, as três categorias de maior peso relativo (empregado com
e sem carteira e conta própria) expressaram 70,06% da PEA ocupada. O empregado com carteira
teve uma leve queda no patamar das longas jornadas; o empregado sem carteira obteve uma
queda pouco maior, ao passo que no conta própria este nível caiu sensivelmente. Dado o aumento
do contingente destas três categorias e o fato de que em todas elas se verificou uma redução no
percentual de execução das horas extras, fica assim explícito o movimento geral de queda das
sobrejornadas.
Comparando os grupos de ocupação e os ramos de atividade da população ocupada em
idade ativa entre os dois padrões, continuamos a constatar o predomínio do setor de serviços
como sendo o nicho privilegiado das jornadas elevadas, apesar de acompanhar a tendência de
70
queda generalizada. Finalmente, no que se trata das classes de rendimento, em todas elas foi
possível analisar a execução de muitas horas extras, mas os cinco grupos mais representativos
conformaram um nível também menor do que aquele visto no primeiro padrão. No entanto, o
maior contingente de classes provenientes de rendas do trabalho passa a se dar nas faixas de
baixa renda (26,09% da PEA), sendo que as que realizaram níveis superiores de horas extras se
encontram naqueles de alta renda, muito embora seja baixa a sua representação na PEA (3,81%).
Em suma, em grande medida, o aumento crescente do peso do emprego tanto nas
empresas médias e nas grandes, das quais a formalização geralmente é maior, quanto nos
estabelecimentos de pequeno e médio porte, mostraram-se relevantes na constituição do segundo
padrão de duração do trabalho no Brasil. Todavia, apesar dele revelar um patamar de menor
realização de sobrejornadas no país, os seus níveis continuaram absurdamente elevados para todo
o conjunto da classe trabalhadora.
Fazendo então um balanço sobre a questão da jornada de trabalho efetiva laborada pelos
trabalhadores brasileiros no período entre 1990-2003, podemos tecer as seguintes considerações:
em primeiro lugar, após a promulgação da Constituição Federal de 1988 o país assistiu a um
movimento de exacerbação da realização de horas extraordinárias, promovida pela forte pressão
patronal (DAL ROSSO, 1996; 1998; 2006).
Aquilo que, a princípio, parecia apenas se tratar de um mecanismo fartamente utilizado
pelas empresas com o intuito de descumprir a nova regulamentação das 44 horas semanais,
estabelecida pela Constituição Federal de 1988, bem como de evitar a ocorrência de um volume
maior de contratações de mão de obra, transformou-se radicalmente, nos anos 1990, em um
processo generalizado e sedimentado em todo o país, conformando um quadro em que a execução
de longuíssimas sobrejornadas adquiriu nova dimensão.
Na média do referido período, aproximadamente 40% dos trabalhadores passaram a
cumprir 45 horas ou mais semanais de trabalho, sendo o ponto máximo atingido em 1996
(42,1%) e o mínimo em 2003 (39,6%). Ressalta-se, entretanto, o pequeno impacto sobre o total
das horas extras, nos últimos quatro anos da série (1999-2003), propiciado, em grande medida,
pelo aumento relativo da formalização do trabalho e da recuperação modesta do emprego formal,
71
especialmente a partir de 2000, com o ambiente mais favorável do comércio internacional. De
maneira geral, baseado em Freitas (2009), poderíamos dizer também que tanto a duração semanal
da jornada de trabalho, quanto à duração anual e na escala do ciclo de vida foram
substantivamente alongadas46
;
Alguns autores destacam ainda o surgimento de um processo em curso, iniciado nesse
contexto específico, rumo à descaracterização das horas extras e maior ao descumprimento de seu
pagamento47
. A introdução do banco de horas, sobretudo nas grandes empresas, e o não
ressarcimento das sobrejornadas, seja nas grandes, médias ou pequenas empresas - sob o efeito
ou não do regime de compensação ampliado e individual – são indicações de estratégias muito
utilizadas pela classe patronal após os anos 1990. Além de não ter ocorrido nenhuma mudança
legislativa prevendo qualquer tipo de limitação mensal ou anual sobre as horas excedidas, poucas
são as penalizações sofridas pelos empregadores que ultrapassam os limites (CARDOSO, 2009).
Para Calvete (2006), por sua vez, a hora extra está deixando de ser considerada uma
excepcionalidade ao assumir cada vez mais certa normalidade no mercado de trabalho brasileiro,
chegando inclusive a revelar um caráter de hora ordinária. Evidencia-se, assim, um processo de
ressignificação ocorrido sobre o entendimento do que se trata propriamente a execução de horas
acima daquela estipulada pela legislação. Calvete (2006) sustenta que
as delimitações da jornada normal de trabalho e das horas extras vêm sofrendo
modificações e tendo suas fronteiras demarcatórias enfraquecidas com a flexibilização do
tempo de trabalho e, em especial, com a prática da modulação. A caracterização das horas
extras pagas frequentemente não se configura mais no momento da sua execução, mas sim
a posteriori, no final do período, que pode ser de 12 meses, com o fechamento da
contabilização das horas adicionais feitas e das compensadas, tornando complexa e até
mesmo difícil a compreensão dos significados de jornada normal e das horas extras. As
negociações que levam a cabo a redução da jornada normal de trabalho associada ao
aumento da flexibilização e da modulação acabam por alargar o conceito da jornada
normal de trabalho e por estreitar a definição de horas extras (Calvete, 2006, p. 38).
46
Além do aumento da jornada de trabalho semanal, conforme vimos a partir do levantamento feito junto a base de
dados da PNAD, existe ainda algumas iniciativas que culminaram por ampliar a duração do tempo de trabalho anual
e na escala do ciclo de vida, como por exemplo, a própria flexibilização da jornada de trabalho, o uso abusivo das
horas extras e as contrareformas implementadas via legislação, a título da Emenda Constitucional nº 20, promulgada
em 1998. Uma vez tomadas em conjunto, tais medidas demonstram o processo de alongamento verificado nos anos
1990.
47 Cf. KREIN, 2007; CALVETE, 2006; CARDOSO, 2009.
72
Não obstante, com a adoção do banco de horas tornou-se comum também uma
reavaliação sobre a forma pela qual as horas excedidas deveriam ser remuneradas. Nesse sentido,
o que se observa é que o valor pago pela empresa sobre a hora trabalhada excedente tendeu a
igualar-se ao da hora laborada a menos, sem a devida majoração da mesma, fazendo com que as
horas extras adquirissem uma equivalência em relação à hora regular de trabalho (CARDOSO,
2009).
Outro argumento, levantado por Krein (2007), indica o fato de que os custos atinentes à
realização das horas extras são relativamente baixos para as empresas, apesar da existência da
majoração das mesmas em 50%, acabando por compensar o seu uso abusivo. Na realidade das
grandes, médias, pequenas e microempresas do país, o não pagamento das horas extras pode ser
facilmente ilustrado pelo número elevado de processos tramitados sobre essa questão na Justiça
do Trabalho (KREIN, 2007).
Além disso, no contexto dos anos 1990, marcado pela franca desestruturação do mercado
de trabalho e do aumento explosivo do desemprego, a maioria da classe trabalhadora empregada
se viu praticamente premida a realizar longuíssimas sobrejornadas. Dentre as mais
representativas categorias que compõem a PEA ocupada (empregado com e sem carteira e conta
própria) essa tendência mostrou-se evidente em nossa pesquisa a partir das PNADs.
Seja devido aos baixos salários, às perdas de poder de compra e ao forte movimento de
ampliação da desigualdade das rendas do trabalho, aliados ao temor diante das altas taxas de
desemprego, seja ainda pela exacerbação do processo de flexibilização da jornada de trabalho que
acabou, dentre outras consequências, ampliando o tempo em que o trabalhador fica à disposição
da empresa, faz-se fundamental destacar a situação de extrema precarização do trabalho
enfrentada pelos trabalhadores, assolados por uma crise do emprego jamais vista antes na história
do país.
Ressalta-se, ademais, o movimento de incorporação do Brasil às tendências mais gerais
regidas pela reprodução ampliada de capital, inscrita no avanço incomensurável da terciarização
das economias. Conforme se depreende da base de dados utilizada por essa pesquisa, após a
liberalização da economia brasileira nos anos 1990 - e de seus impactos notáveis no que diz
73
respeito à estrutura produtiva interna e à estrutura ocupacional - nos parece inconteste que o
processo de elevação da jornada de trabalho, no quadro de consolidação do neoliberalismo,
deveu-se, em grande medida, ao peso significativo que o setor de serviços passou a assumir cada
vez mais na economia nacional, revelando ser um movimento não menos passageiro, mesmo em
se tratando de outra conjuntura pouco melhor, como aquela ocorrida a partir de 2004.
Por seu turno, é preciso reconhecer também a enorme resistência adotada pelo Estado e
pela classe patronal na perspectiva de reduzir legalmente a duração do trabalho no país, e
tampouco admitir qualquer possibilidade de redução ou eliminação das horas extras. Verificou-se
que, nos anos 1990, quase todas as negociações coletivas marcadas pela redução da jornada de
trabalho vieram acompanhadas pela flexibilização da mesma. Ainda assim, foram poucas as
categorias que conseguiram reduzi-la. Pode-se observar que nessa realidade hostil a um processo
de correlação de forças favoráveis à classe trabalhadora houve inúmeros agravantes que
inviabilizaram a possibilidade de uma redução nas horas efetivamente trabalhadas de maneira
generalizada.
A partir da base de dados do SACC-DIEESE48
, acerca da negociação do tempo de
trabalho, inscrita em 96 instrumentos normativos, Cardoso (2009) constata que, em 1999, ocorre
um aumento expressivo dos acordos sobre flexibilização da jornada de trabalho, influenciado pela
introdução do banco de horas. Em 2002, por exemplo, as cláusulas garantidoras de jornadas
reduzidas para categorias especialmente diferenciadas chegaram a 34% do total, sendo que 12%
delas passaram a definir jornada inferior às 44 horas semanais. Entretanto, de maneira geral, a
grande maioria dos sindicatos que lograram tal desempenho (alterando, em média, a jornada de
trabalho de 44 para 42 horas) ficaram restritos sobretudo ao âmbito dos acordos coletivos por
empresa e portanto ausentes das convenções coletivas, indicando assim a sua fraca abrangência.
E no que tange a questão das horas extras, embora haja, nos acordos e convenções coletivas de
trabalho, cláusulas sobre o pagamento de adicionais de horas extras em percentuais superiores
aos definidos em lei, pouco se avançou em relação à negociação sobre sua restrição ou
eliminação (CARDOSO, 2009).
48
Sistema de Acompanhamento de Contratações Coletivas (SACC), elaborado pelo DIEESE e que abrange as
negociações consideradas mais paradigmáticas no país, seja em níveis regional, setorial ou nacional. Ao todo,
contempla-se 98 acordos e convenções coletivas, demarcadas por 30 categorias em 14 unidades da federação.
74
Em suma, a dimensão da duração do tempo de trabalho no país passou por uma radical
reconfiguração. E isso tem a ver com as profundas mudanças ocorridas na sociedade brasileira,
após a década de 1990, que implicaram no processo analisado de elevação substantiva das
sobrejornadas realizadas pela classe trabalhadora. Decerto, esse movimento está fortemente
concatenado às tendências constitutivas do atual padrão de acumulação flexível de capital que se
expressaram de modo específico no Brasil, especialmente tal qual vimos demonstrando até aqui
em relação ao aspecto da jornada de trabalho. Todavia, se levarmos em conta não somente o uso
abusivo das horas extras utilizado pelos capitalistas, mas ainda outros elementos que
objetivamente constituem tempos de trabalho, e que os dados oficiais e a sociedade em geral os
desconsideram enquanto tais49
, torna-se muito mais significativo o aumento da carga horária
efetiva destinada ao trabalho.
Entretanto, ao contrário daquilo verificado em grande vulto nos países centrais, a
propósito do avanço do part-time, no Brasil o movimento se dá na direção da exacerbação da
flexibilização do tempo de trabalho a partir da reapropriação dos domingos; da introdução das
modulações anuais e das exitosas reformas nos sistemas de seguridade social, como mecanismos
indiscutíveis que acabaram sobremaneira repercutindo no alongamento da jornada de trabalho,
seja ele diário, semanal, anual e na escala do ciclo de vida (FREITAS, 2011). Portanto, esse foi o
caminho adotado pelo país e que representa a maneira específica com que no mesmo foram
incorporadas as significativas alterações promovidas pelo capitalismo no tempo de trabalho
diante do atual padrão de acumulação de capital.
Do ponto de vista da distribuição do tempo de trabalho, podemos observar também um
movimento de ampla reconfiguração desta dimensão no país no período de 1990-2003. Conforme
49
Como por exemplo, o trabalho aos domingos e feriados; o crescimento relativo de trabalhos no setor de serviços,
reconhecidamente de jornadas mais longas; o aumento das horas trabalhadas proveniente do endividamento das
pessoas e da difusão ampliada do crédito numa sociedade que cultua de modo exacerbado o consumo; o tempo de
deslocamento entre a casa e a empresa, cada vez mais distante; a exigência constante pela qualificação e
requalificação profissional, pelos cursos de línguas e de informática; o tempo dedicado às chamadas atividades de
“responsabilidade social” cobrado pelas empresas; o conjunto de tarefas levadas para serem realizadas em casa; os
regimes de sobreaviso; o não desligamento da empresa através do uso, principalmente, de computador e de celular; o
próprio descumprimento da legislação trabalhista e a ilegalidade de alguns tipos de trabalho. Entretanto, o problema
mais uma vez será o que considerar por tempo de trabalho, especialmente na visão dos próprios trabalhadores, pois
se trata justamente de um processo de construção social marcado por disputas acirradas entre o capital e o trabalho,
inclusive nesse campo dos significados (CARDOSO, 2009).
75
já vimos, mesmo após a consolidação da Constituição Federal de 1988, os mecanismos históricos
que permitiam a flexibilização da jornada de trabalho continuaram a existir. Não obstante, a
década de 1990 no Brasil foi palco de uma série de transformações políticas, econômicas e
sociais, decorrentes da articulação entre a ação patronal - em consonância com as políticas de
Estado - e o capital internacional, sustentada por uma base social e popular suficientemente
importante, que tiveram implicações severas sobre o comportamento da jornada de trabalho.
Nesse quadro, um dos eixos perseguidos pelas forças hegemônicas residiu na tentativa de
flexibilizar ainda mais as relações de trabalho do país, especialmente o tempo de trabalho.
Premido pelas condições determinantes do atual padrão de acumulação flexível do capital, em
curso desde meados dos anos 1970, a classe patronal brasileira buscou promover uma
reconfiguração radical no modo como a jornada de trabalho se distribui ao longo do dia, da
semana, do ano e da escala do ciclo de vida ativa dos trabalhadores. Para tal empreitada, aliados a
manutenção de seus elementos históricos flexibilizadores, foram introduzidos novos mecanismos
advindos tanto das medidas legislativas, principalmente com o banco de horas e a liberação do
trabalho aos domingos, como daqueles inerentes ao processo de reestruturação produtiva
desencadeado no país, sobretudo na primeira metade da década de 1990.
Além destas mudanças legais regulamentadas pelo Estado, e das estratégias específicas
utilizadas pelas empresas, tais como, a recomposição dos turnos ininterruptos de revezamento; o
descumprimento do descanso intrajornada e a descaracterização do regime de sobreaviso, alguns
autores chamam a atenção para a existência de outros exemplos sintomáticos no sentido da
flexibilização da jornada de trabalho. Inicialmente, vale destacar nesse processo o grande
empenho da classe patronal em buscar restabelecer o controle sobre o tempo dos trabalhadores
dentro e fora do local de trabalho, inclusive recuperando espaços outroras conquistados, ao longo
da história, pelas lutas da classe trabalhadora brasileira (CARDOSO, 2009).
Além disso, as negociações coletivas permitiram ao empresariado lograr o rebaixamento
e/ou a flexibilização, em alguns casos, de direitos já anteriormente garantidos, muitos deles
vinculados ao tempo dedicado ao trabalho, tais como: licença maternidade e paternidade, aviso
prévio, trabalho temporário, adicional de hora-extra e adicional noturno e as horas de sobreaviso
(CARDOSO, 2009).
76
Ademais, há que se ressaltar ainda a forte pressão patronal almejando aumentar a jornada
de trabalho em setores onde os trabalhadores haviam conquistados jornadas inferiores ao previsto
em lei, como no setor bancário, e em diversas outras categorias profissionais (CARDOSO, 2009).
Verifica-se também um levante capitalista pela redução do número de equipes em turnos de
revezamento no setor industrial, que tem jornada amparada na lei de 36 horas, como forma de
atingir a ampliação das jornadas semanais médias (CARDOSO, 2009; CALVETE, 2006).
No caso das férias, tornou-se muito comum a situação em que o trabalhador praticamente
se vê obrigado a vender esse direito inalienável (férias pagas), em face de uma realidade ruim em
relação à perspectiva de melhoria de sua renda do trabalho e do ambiente competitivo, marcado
pelo forte desemprego, que lhe incutiu a compreensão de que seria muito arriscado ficar distante
de seu trabalho por alguns dias.
E, finalmente, no âmbito do TST se consumou, em primeiro lugar, o reconhecimento do
Tribunal da possibilidade da classe patronal efetuar a compensação individual de trabalho e, em
segundo lugar, de garantir a autonomia entre as partes quanto ao estabelecimento das formas
alternativas de organização das jornadas, abrindo espaço para o avanço de um processo de
recomposição de escalas e de turnos de revezamento no interior das empresas (KREIN, 2007).
Na lógica por ajustar o uso do tempo dos trabalhadores segundo as necessidades da
própria empresa, irrompendo a ideia de dias atípicos de labor e de horários tradicionalmente
definidos, os capitalistas conseguiram alcançar muitos objetivos radicalmente nocivos à classe
trabalhadora, seja através da exacerbação da flexibilidade da jornada de trabalho e de sua
distribuição adequada à sazonalidade das atividades econômicas, seja ainda pelo alargamento dos
momentos e das horas em que os trabalhadores se disponibilizam para a empresa (CALVETE,
2006; CARDOSO, 2009).
Finalmente, do ponto de vista da intensidade do tempo de trabalho no país, no período
1990-2003, muitas foram as alterações ocorridas nesta dimensão, com impactos severos a todos
os trabalhadores, ainda que de maneira distinta. A partir da década de 1990, tal dimensão passou
a ganhar um novo papel nas relações de trabalho no Brasil, seja através das mudanças nas
77
legislações trabalhistas, seja ainda pelo reflexo inerente do processo de reestruturação produtiva e
pelas próprias estratégias empresariais específicas adotadas nesse contexto.
Novos mecanismos como polivalência, terceirização, Participação nos Lucros e
Resultados, redução dos estoques, redução das pausas coletivas e individuais, aumento da
cadência do trabalho, just in time, trabalhos em grupo, banco de horas, diminuição dos intervalos,
diminuição dos prazos para execução das tarefas, aumento do ritmo e da velocidade das ações,
maior cobrança por resultados, maior acúmulo de tarefas e alongamento e flexibilização da
jornada de trabalho despontaram no cenário laboral contemporâneo, evidenciando um conjunto
significativo de implicações para a classe trabalhadora (CARDOSO, 2009; DAL ROSSO, 2008).
Tomadas em conjunto tais mecanismos revelam um movimento fortemente empreendido
pelos capitalistas no sentido de intensificar ainda mais o ritmo de trabalho e eliminar as suas
porosidades, especialmente através de um processo qualitativamente mais sofisticado de controle
sobre a realização do trabalho e, principalmente, sobre a própria reprodução social dos
trabalhadores (CARDOSO, 2009; DAL ROSSO, 2008).
No estudo de maior relevância elaborado no país, atinente a questão da intensificação do
labor, o pesquisador Sadi Dal Rosso (2008) analisa esse processo em curso com base num
levantamento sistemático realizado a partir das declarações dos trabalhadores em abril de 2000,
na economia do Distrito Federal. Para tanto, delimitando-se a amostra selecionada e agrupando-a
em três ramos de atividade - (a) capitalista moderno: bancário, telefonia, comunicação, shopping
center, construção civil, escolas privadas, serviços de saúde privados, serviços especializados e
indústria; b) tradicional: mecânica e reparação, serviços pessoais, restaurantes e bares, indústria
gráfica, trabalhadoras domésticas, transporte coletivo, limpeza e vigilância e c) governamental-
estatal – o autor sustenta a hipótese de que “o processo de intensificação ocorre de forma
diferente, partindo das empresas que adotam sistemas hegemônicos de organização do trabalho e
difundindo-se para outras empresas ou instituições, num passo que simplesmente
desconhecemos” (Dal Rosso, 2008, p. 97).
De acordo com as suas principais considerações, podemos destacar que:
78
(i) em primeiro lugar, o processo de intensificação surge inicialmente nos setores
econômicos capitalistas modernos que englobam relações mais amplas com os mercados nacional
e internacional. São nestas empresas que emanam as inovações e as técnicas organizacionais do
processo e da gestão do trabalho, posteriormente difundidas aos setores mais tradicionais da
economia e do aparato estatal. Todavia, é fundamental desagregar os distintos ramos de atividade
com o intuito de se verificar especificamente como se dão as mudanças nas condições de trabalho
- e seus reflexos sobre a saúde dos que laboram - segundo o uso particular das técnicas que visam
o aumento da intensidade, uma vez que essa onda de intensificação não afeta os trabalhadores do
mesmo modo, sendo bastante variados os meios para se elevar o ritmo de trabalho, inclusive
dentro mesmo de cada um dos três ramos demarcados pela pesquisa (DAL ROSSO, 2008);
(ii) em segundo lugar, no que tange a maneira como esse processo se manifesta
concretamente na realidade do mundo do trabalho, é possível observar inúmeros mecanismos e
formas utilizadas pelos capitalistas no sentido de se produzir níveis mais elevados de
intensificação. Dentre as mais comuns, representativas do trabalho contemporâneo, estão: a
imposição por maior velocidade, agilidade, ritmo, polivalência, versatilidade, flexibilidade,
acúmulo de tarefas e busca por mais resultados. Conforme aponta o estudo, em média, cerca de
43% dos trabalhadores entrevistados reconheceram esses elementos no cotidiano de vossos
trabalhos. Situando-se acima da média ficaram o ritmo e a velocidade, a cobrança por mais
resultados e a polivalência, versatilidade e flexibilidade e, abaixo dela, apenas o acúmulo de
tarefas e o alongamento da jornada. Não obstante as três primeiras técnicas se tratarem daquelas
que mais se difundiram no levantamento da amostra, aumentar o ritmo e a velocidade das ações
adquiriu maior destaque, alcançando 57% dos entrevistados, acompanhado da cobrança por
resultados (56,8%) e da polivalência, versatilidade e flexibilidade (50,5%). Isso indica, a rigor,
uma questão muito interessante em que, por um lado, o mais expressivo dos mecanismos
voltados à intensificação (aumento do ritmo e da velocidade), apesar de tudo, corresponde a algo
já fartamente utilizado pelos capitalistas desde os tempos mais remotos e que continua adquirindo
centralidade ainda hoje, ao passo que as outras duas subsequentes formas de intensificação são
frutos das modernas escolas de gestão de trabalho, inscrita na lógica de racionalização do labor.
Com relação àqueles mecanismos intensificadores do trabalho posicionados abaixo da média,
suas participações nas entrevistas junto aos trabalhadores chegaram a 1/3 do total, revelando se
79
tratar de um patamar tampouco desprezível frente aos demais. Aliás, a acumulação de tarefas e o
alongamento das horas fazem parte também do conjunto de estratégias utilizadas em todos os
setores, ainda que, com base na amostra pesquisada, tivessem ganhado menor proporção relativa
(DAL ROSSO, 2008) e,
(iii) por fim, o seu estudo de campo revelou, ademais, que os principais elementos
consequentes da intensificação do trabalho à saúde dos trabalhadores, especialmente nos setores
capitalistas modernos, são estresse, LER/Dort, muitos atestados médicos e doenças permanentes
decorrentes de tais agressões e que, nas atividades capitalistas tradicionais ou nas atividades
governamentais, é mais frequente os problemas decorrentes do aspecto físico do trabalho. No
entanto, o autor acredita que, uma vez generalizada as distintas formas de intensificação dos
setores capitalistas modernos aos demais ramos de atividades, tudo indica a ocorrência de um
processo de universalização das condições de saúde e das doenças próprias do trabalho moderno
em toda a economia (DAL ROSSO, 2008).
Sendo assim, devido à sofisticação nas formas de controle do tempo de trabalho
encontradas pelos capitalistas, seja através do desenvolvimento tecnológico e científico, seja
também a partir da reorganização e da gestão do trabalho, as jornadas de trabalho dos
trabalhadores se tornaram cada vez mais intensificadas, implicando em consequências nefastas a
saúde e a vida dos mesmos (DAL ROSSO, 2008).
No caso brasileiro, porém, deve-se ressaltar que, além de não ter ocorrido nenhuma
mudança substantiva na legislação que pretenda abordar essa questão fundamental de modo mais
favorável aos trabalhadores, tampouco se verificou nas negociações coletivas - e ainda na agenda
sindical desse período analisado - qualquer iniciativa contrária ao avanço da intensificação do
ritmo de trabalho, revelando a imensa dificuldade encontrada pela classe trabalhadora no sentido
de combater e/ou refrear esse processo que a afeta decisivamente tanto no local de trabalho
quanto na própria reprodução social de suas vidas (CARDOSO, 2009).
Em suma, no cenário hostil de profundas transformações políticas, econômicas e sociais
verificado nos anos 1990 na sociedade brasileira, foram muitos os obstáculos que impediram com
que o movimento sindical brasileiro pudesse, de alguma maneira, pautar a agenda social e
80
política em relação à temática do tempo de trabalho, de modo que o debate sobre a questão da
jornada de trabalho concentrou-se “muito mais em torno da sua flexibilização, no sentido de
diminuir as limitações impostas à gestão do tempo de trabalho por parte do empresariado”
(Cardoso, 2009, p. 123).
Ressalta-se ainda a baixa incidência de sindicatos que conseguiram negociar os elementos
fundamentais inscritos nas mudanças técnico-organizacionais que afetaram substancialmente o
ambiente de trabalho. Aspectos como os processos de inovação tecnológica, as políticas de
qualificação e treinamento, o trabalho temporário, a terceirização e a redução da jornada de
trabalho foram alvo apenas, e nem todas em conjunto, de algumas categorias de trabalhadores
melhor organizados, ainda que de maneira restrita (CARDOSO, 2009).
Num campo de correlações de força substantivamente desfavorável à ação combativa da
classe trabalhadora as disputas em torno dos limites do tempo de trabalho foram forjando um
processo de reconfiguração de suas três dimensões fundamentais. Uma vez considerado nestes
termos, trata-se claramente de um processo de precarização e de intensificação da
superexploração do trabalho, marcado pelo alongamento, pela exacerbação da flexibilização e
pelo aumento da intensidade da jornada de trabalho, onde a própria luta pela redução das
sobrejornadas passou a ser pensada enquanto política que visa exclusivamente enfrentar o
elevado desemprego estrutural.
No Brasil, a implantação da jornada flexível, fluida e mais adensada seguiu, em resumo,
os seguintes contornos, respectivamente: a realização das sobrejornadas atinge um novo patamar,
com cerca de 40% da PEA, em média, laborando 45 horas semanais ou mais; já a distribuição da
jornada mais adequada às sazonalidades das atividades econômicas e o aumento da
disponibilidade com que o trabalhador cumpre para com o labor indicam o processo de
exacerbação da flexibilização da jornada de trabalho em sua lógica por ajustar o uso do tempo
dos trabalhadores segundo as necessidades da própria empresa, irrompendo a ideia de dias
atípicos de labor e de horários tradicionalmente definidos e, finalmente, tanto os novos quanto os
velhos mecanismos provenientes do desenvolvimento tecnológico e das escolas de gestão do
trabalho revelam um movimento de intensificação do ritmo de trabalho, de eliminação de suas
porosidades e de maior sofisticação no controle sobre a realização do trabalho, com implicações
81
severas sobre a própria reprodução social dos trabalhadores. Cabe agora avaliar qual foi o
percurso ocorrido com o tempo de trabalho ao longo dos anos 2000, especialmente partir do
governo Lula. Esse será o alvo de nosso próximo capítulo
.
83
CAPÍTULO 2 – O TEMPO DE TRABALHO NO BRASIL NOS
ANOS 2000
Vimos no capítulo anterior que, nos anos 1990, o padrão do tempo de trabalho brasileiro
assistiu a uma reconfiguração no que tange à duração das horas trabalhadas e, segundo indicou a
literatura, no modo como a jornada se distribui ao longo do dia, da semana e do ano e ainda na
forma como o trabalho foi adquirindo elementos cada vez mais intensificadores em seu ritmo de
execução50
.
Destacamos também que a incorporação das tendências constitutivas da atual acumulação
flexível de capital, especialmente no que diz respeito ao tempo de trabalho no país, fora
promovida por alterações nas legislações e no teor da negociação coletiva e, sobretudo, através da
forte pressão dos capitalistas em determinar as características que regem o uso do tempo de
trabalho em suas três dimensões fundamentais.
No entanto, a partir da ascensão de Lula ao poder, o quadro vivenciado pela sociedade
brasileira sofreu algumas modificações que rumaram, em certa medida, em outro sentido àquele
delineado nos anos 1990, enquanto movimentos contraditórios, tais como discutido por Krein et
al (2011).
Com a promoção do crescimento econômico e do papel das políticas sociais do governo,
os indicadores do mercado de trabalho melhoraram e o processo de flexibilização das relações de
trabalho se arrefeceu, ainda que de maneira ambígüa. Até mesmo o próprio movimento sindical
viu-se num momento decisivo por lograr uma maior participação no debate político, econômico e
social brasileiro e estabelecer um protagonismo mais efetivo.
A análise desse contexto mais geral e da forma como se deu a política econômica dos
governos Lula e de seus impactos ao mercado de trabalho, assim como o modo com que fora
encaminhada a reforma trabalhista e sindical será o propósito de nossa primeira seção (2.1). Em
seguida, na seção 2.2, faremos então uma avaliação do comportamento do tempo de trabalho na
50
Cf. CALVETE, 2006; KREIN, 2007; DAL ROSSO, 2008; CARDOSO, 2009.
84
conjuntura de maior crescimento econômico e de tentativa de retomada da ação sindical no país,
que se refletiu inclusive de maneira contraditória na disputa em torno dos limites das horas
trabalhadas. Novamente, nossa contribuição maior será dada em relação ao comportamento da
duração da jornada de trabalho, ainda que discutamos em certa medida o aspecto da flexibilização
e da intensidade do trabalho.
2.1 A CONJUNTURA DE CRESCIMENTO ECONÔMICO E DE TENTATIVA
DE MAIOR PROTAGONISMO DO MOVIMENTO SINDICAL
Em 2003, o PT ascende ao poder sob o comando de Lula, contando com uma base ampla
de alianças com a burguesia e setores bastante retrógrados, fortemente marcado por um discurso
moderado programático e cioso por cumprir a promessa do crescimento econômico, do respeito
aos contratos e da firmeza do ajuste fiscal. Em um governo notadamente de coalizão irrestrita, o
PT procurou se apoiar, a princípio, na manutenção do tripé macroeconômico neoliberal (taxa de
câmbio flutuante, regime de metas de inflação e superávit primário), aliando essa política de
estabilidade com a perseguição da redução das desigualdades sociais, principalmente por meio de
um conjunto de programas distributivos. Algo que, de fato, só começou a surtir efeitos desejáveis
a partir do “susto” com a crise do mensalão em 2005, que propiciou, aliás, uma inflexão dessa
política econômica.
Não obstante, em 2004 o Brasil ingressa em um ciclo de crescimento mais expressivo do
PIB vis a vis às condições mais favoráveis da economia mundial. Mesmo auferindo taxas muito
menores do que aquelas verificadas nos demais países periféricos, as contas nacionais indicam
crescimento médio da ordem de 4,6% ao ano, no quinquênio 2004-2008, gerando implicações
importantes às condições de vida dos brasileiros. Ademais, nesse mesmo ínterim assistiu-se
também a virtuosa combinação entre a expansão do PIB e o piso salarial legal que expressou
ganhos reais em torno de 4,8% ao ano (QUADROS, 2010).
Desde 2003, com a situação da economia mundial especialmente melhor para os países
periféricos, a despeito da continuidade da política econômica ortodoxa até meados de 2005, o
85
Brasil conseguiu alcançar níveis inflacionários baixos, sendo que, principalmente entre 2006-
2008, pode-se observar finalmente a promoção de um crescimento econômico mais intenso do
PIB.
A retomada do crescimento do PIB se dá através do incremento do volume de
exportações, ainda que acompanhada do aumento expressivo das importações e da manutenção
dos estímulos à entrada de capitais que, se bem serviu como aporte para a realização de grande
acúmulo de reservas internacionais, por outro lado contribuiu sobremaneira ao processo de
revalorização do câmbio, a partir de 2004.
Desta forma, a inflação começou a declinar e o crescimento do PIB se acelerou em grande
medida devido aos impactos positivos em termos da ampliação do consumo e do investimento.
Atuando de modo decisivo nesse modelo, o governo promove uma forte expansão do crédito ao
consumo, que pode ser visto claramente na proporção elevada das vendas dos bens duráveis.
Nesse contexto, as empresas efetivaram novas decisões de investimento na ampliação da
capacidade produtiva ao mesmo tempo em que o governo procurava estimular a retomada do
investimento em infraestrutura e sustentar o ciclo de crescimento apoiado no mercado interno
(BALTAR et al., 2010).
Cumpre frisar também o papel dos programas de transferência de renda e da política de
valorização sustentada do salário mínimo, fundamentais às melhorias nas condições de vida de
grande parte da população brasileira. Ressalta-se ainda, especialmente a partir do segundo
governo Lula, certo alívio com relação ao aprofundamento do ajuste fiscal, explicitando-se uma
perspectiva de tentativa de retomada do investimento público que possibilitou, dentre outras
coisas, o lançamento de programas mais robustos como o Plano de Aceleração do Crescimento
(PAC) e o movimento de capitalização do BNDES, cuja ideia reside em articular
estrategicamente a formação de grandes grupos empresariais nacionais e fortalecer o país no
mercado internacional (BALTAR et al., 2010).
Com a crise mundial ocorrida em 2008, o governo brasileiro - apesar da demora em
esboçar uma reação prontamente e depois de tomar a decisão de aumentar a taxa de juros, quando
86
em todo o mundo a tendência era contrária - utilizou-se de inúmeras políticas no sentido de
contornar os seus efeitos maléficos para a economia.
Em linhas gerais, essa ação se mostrou mais consistente no início de 2009, momento em
que se consolida a compreensão de que a esperança havia vencido o temor e o Banco Central
começou a reduzir a Selic e a relaxar o depósito compulsório dos bancos. No entanto, o atraso na
política monetária foi de certa forma compensado pela política fiscal anticíclica. Segundo Baltar
et al (2010), o governo
usou as reservas internacionais para garantir o financiamento das exportações; reduziu
temporariamente o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) dos bens duráveis de
consumo (automóveis, eletrodomésticos, materiais de construção, móveis e outros
produtos); lançou um programa de construção de habitações populares (Minha Casa,
Minha Vida); reduziu o Imposto de Renda da classe média; usou os bancos públicos para
garantir o atendimento da demanda de crédito e incorporar instituições financeiras
fragilizadas pela crise e garantiu crédito dos bancos ao segmento constituído pelas micro e
pequenas empresas (BALTAR et al., 2010, p. 8).
Sendo assim, ao longo de 2009 a economia brasileira voltou a crescer graças às ações
efetivas do governo e da própria evolução da situação internacional, contrariando as expectativas
mais pessimistas (BARBOSA & PEREIRA, 2010). Nessa conjuntura política, econômica e social
mais favorável, o mercado de trabalho refletiu um conjunto de alterações significativas.
Em primeiro lugar, verificamos no período 2004-2008 um aumento da taxa de
participação das pessoas em idade ativa, sobretudo das mulheres adultas, revelando um
movimento de maior absorção da população e gerando consequentemente uma menor taxa de
desemprego. No que diz respeito à estrutura ocupacional, assistimos a uma redução do peso do
empregado sem carteira, do trabalho por conta própria e do trabalho não remunerado e a um
aumento considerável do emprego assalariado formal e da formalização das empresas e dos
contratos de trabalho (BALTAR et al, 2010).
De acordo com Baltar et al (2010), a tendência de elevação do emprego formal no país se
deu em todos os grupos etários, principalmente entre os jovens, e ocorreu de modo generalizado
em todos os setores de atividade econômica e em quase todos os grupos de ocupação, além de
apresentar também elevadas taxas de expansão nas grandes empresas.
87
Tratou-se, assim, de um movimento que implicou numa maior tendência à formalização
das empresas e dos contratos de trabalho simultaneamente à elevação substantiva do emprego
formal, seja por força das alterações positivas ocorridas na estrutura produtiva nacional, seja -
ainda que em menor parte - pelo papel cumprido pelos órgãos de fiscalização, a exemplo do
Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), do Ministério Público do Trabalho (MPT) e da Justiça
do Trabalho (BALTAR et al, 2010).
Por sua vez, em relação aos rendimentos provenientes do trabalho no período analisado,
foi possível perceber uma recuperação da renda média dos trabalhadores e de suas famílias.
Observou-se nesse sentido o impacto da política de valorização do salário mínimo, fazendo com
que houvesse a elevação das remunerações dos setores de menor renda, onde a renda média é
menor do que a média geral da economia (BALTAR et al, 2010).
Sem embargo, num quadro de baixo desemprego, o peso relativo do aumento do
assalariamento, da formalização dos contratos de trabalho e do aumento dos rendimentos,
acompanhado do movimento de retomada da ação sindical, principalmente em suas grandes
conquistas em prol da elevação dos salários, foram determinantes para o aumento do poder de
compra dos trabalhadores e de suas famílias, acarretando assim um ciclo virtuoso que, articulado
à ampliação do crédito, permitiu que se estabelecesse a realização de um alto nível de consumo
massificado no país (BALTAR et al, 2010).
Em suma, como bem sintetizou Baltar et al (2010), nessa conjuntura marcada pela
elevação das taxas médias de crescimento da economia brasileira,
o mercado de trabalho apresentou mudanças significativas que, no conjunto, resultaram
em importantes melhorias: redução das taxas médias de desemprego; expansão do
emprego assalariado formal (protegido pela legislação trabalhista, social e previdenciária
brasileira); crescimento do emprego nos setores mais organizados da economia (inclusive
na grande empresa e no setor público); redução do peso do trabalho assalariado sem
registro em carteira (ilegal) e do trabalho por conta própria na estrutura ocupacional;
elevação substantiva do valor real do salário mínimo; recuperação do valor real dos
salários negociados em convenções e acordos coletivos; importante redução do trabalho
não remunerado; intensificação do combate ao trabalho forçado e redução expressiva do
trabalho infantil (Baltar et al, 2010, p. 10).
88
Nos seus contornos gerais, o período em questão notabilizou-se por alterações importantes
também na regulação do trabalho, principalmente por meio da atuação do MTE - que melhorou
seu sistema de fiscalização, recompondo o quadro de auditores fiscais -; do Ministério Público do
Trabalho - que exerceu um papel mais atuante na vigilância do cumprimento da legislação social,
sobretudo a trabalhista - e da Justiça do Trabalho - que se fortaleceu e se tornou mais favorável às
teses contrárias à flexibilização dos direitos (BALTAR et al., 2010).
Outro elemento relevante se deu com a distribuição de renda, onde se verificou uma leve
queda na desigualdade - o índice de GINI foi de 0,58 em 2003 para 0,55 em 2008 - e uma
expressiva diminuição da pobreza (de 34,3% em 2003 para 21,9% em 2008) e da miséria extrema
(14,6% em 2003 para 7,3% em 2008). Além disso, se reconhece o grande impacto da política de
valorização do salário mínimo e das políticas de transferência de renda (BALTAR et al., 2010).
Fez-se notório ainda a mudança ocorrida nas negociações coletivas, seja em termos da
contribuição para a recuperação do poder de compra dos salários, seja no discreto aumento da
taxa de sindicalização (de 16,7% em 2001 para 18,2% em 2008) (BALTAR et al., 2010), seja
finalmente no estabelecimento de uma agenda comum incluindo as principais centrais sindicais
(GALVÃO, 2010).
Por sinal, tais modificações na conjuntura econômica, política e ideológica propiciaram,
em grande medida, uma recuperação do sindicalismo, sobretudo entre 2004 e 2007, ainda que
depois da crise de 2008 o movimento sindical tenha se pautado muito mais num caráter
propositivo do que crítico.
Galvão et al. (2009) enumera alguns indicadores que ajudam a sustentar essa hipótese:
houve uma elevação do patamar do número de greves e de grevistas, sendo que as mesmas
revelaram uma disposição mais ofensiva, especialmente em relação às conquistas por ganho real
de salário e/ou majoração da PLR, embora tal ofensividade seja algo mais comum a setores
específicos, como os dos trabalhadores da indústria.
Por sua vez, se reconhece o fortalecimento das negociações coletivas no sentido de se
avançar em novas conquistas e observa-se uma maior amplitude das greves nacionais e de
métodos de luta mais agressivos tais como atos públicos, passeatas, piquetes e ocupações. Não
89
obstante, é nítida a continuidade da predominância das greves realizadas pelo setor público, com
novidades de mobilização de algumas categorias, seguido pelo maior volume de greves em
setores historicamente mais combativos (GALVÃO et al., 2009).
Entretanto, essa tentativa de retomada do movimento sindical - na busca por ganhar maior
protagonismo na sociedade - esteve demarcada, por um lado, pela postura um tanto ambígüa do
governo Lula frente à flexibilização dos direitos e das relações de trabalho (KREIN et al. 2011) e,
por outro lado, pela alteração na relação entre o movimento sindical e o governo (GALVÃO,
2010).
Ao longo de seus dois mandatos, a administração petista manteve em sua plataforma
governamental a proposta de realizar uma reforma sindical e trabalhista, criando para isso um
organismo tripartite, o Fórum Nacional do Trabalho (FNT), do qual seria o palco das discussões e
dos debates. Muito embora tal objetivo não tenha sido concretizado de modo eficaz,
especialmente devido às inúmeras divergências envolvidas no processo de uma reforma do
modelo de organização sindical e da legislação trabalhista, algumas medidas tiveram certos
impactos junto aos sindicatos e à ação sindical.
Do ponto de vista da reforma trabalhista, as medidas realizadas seguiram ora na direção
da flexibilização, ora na de fortalecimento da regulação pública de trabalho (KREIN et al. 2011).
Os sinais contraditórios ficam mais evidentes quando olhamos as medidas concretas que foram
encaminhadas pelo Executivo Federal ao Congresso Nacional, conforme podemos observar nos
quadros 4 e 5.
Quadro 4 – Principais medidas flexibilizadoras das relações de trabalho no Brasil (2003-2010)
TEMAS INICIATIVAS
Crédito consignado
(Lei nº 10.820/03)
Autoriza a concessão de empréstimos, pelos bancos, a empregados e
aposentados, mediante o desconto salarial a ser processado pelo empregador
ou Previdência Social. A inovação afronta o princípio da intangibilidade
salarial.
1º Emprego (Lei nº 10.748/03 e
10.940/04 e Decreto nº 5.199/04)
Concede incentivos fiscais para as empresas que contratam jovens,
permitindo a contratação de jovens por prazo determinado, desde que por um
período mínimo de 12 meses. Recomenda que as empresas devem evitar a
substituição de trabalhadores. Limita a 20% do seu quadro de pessoal os
90
contratados pelo programa.
Reforma previdenciária
(EC nº 41/03)
Extingue o regime de previdência pública para os servidores públicos
admitidos a partir da publicação da EC, com o fim da integralidade e da
paridade, fixação do limite a ser percebido a título de proventos de
aposentadoria, de acordo com o teto do regime geral do INSS, e
determinação de que fossem instituídos os fundos de pensão. Também taxou
os inativos, aumentou o limite de idade e fixou condições mais duras para o
servidor alcançar a aposentadoria.
Nova Lei das Falências e da
Recuperação Judicial
(Lei nº 11.101/05)
A CLT estabelece que, na falência, a totalidade dos salários e indenizações
devidos aos trabalhadores seriam créditos privilegiados; mas a nova lei reduz
o limite de preferência do crédito trabalhista para o valor de 150 salários
mínimos. Ao contrário do que ocorria no regime anterior, com a nova lei, no
caso de recuperação judicial da firma, os empregados deixam de receber
seus créditos trabalhistas durante um ano e passam a discutir sua forma de
pagamento com os demais credores, em Assembléia Geral; e, na venda dos
ativos da sociedade falida, não há mais a sucessão trabalhista, de modo que a
empresa arrematante não está obrigada nem a permanecer com os
empregados nem a pagar a dívida trabalhista.
Super Simples
(LC 123/06)
As micro e pequenas empresas continuam dispensadas de: fixar quadro de
Trabalho em suas dependências; de anotar as férias dos empregados no livro
ou ficha de registros; de matricular aprendizes nos cursos de Serviços
Nacionais de Aprendizagem; da posse do Livro de Inspeção do Trabalho; de
comunicar a entidade fiscalizadora quanto à concessão de férias coletivas.
Perante a Justiça do Trabalho, o empregador poderá fazer-se substituir por
representante legal.
Nova regulação para o trabalho em
atividades de cunho intelectual
(Lei nº 11.196/05)
Estabelece que, mesmo apresentando todos os elementos que delineiam um
assalariado, a pessoa física que presta serviços intelectuais pode ser
materialmente concebida como uma pessoa jurídica. Passa-se, assim, do
campo das regras trabalhistas para o das civis e comerciais. Tanto para o
empreendimento tomador quanto para o prestador de serviços há redução de
tributos, mas o último deixa de contar com os direitos laborais.
Empregados domésticos
(Lei nº 11.324/06)
Garante a estabilidade provisória à empregada grávida, férias anuais
remuneradas de 30 dias e vedação a descontos por fornecimento de
alimentação, vestuário ou higiene aos empregados domésticos. Entretanto, o
presidente vetou a obrigatoriedade do FGTS, a multa rescisória de 40%, o
salário família e o seguro desemprego, com o argumento de que poderia
contribuir para o aumento da informalidade e o desemprego. Com isso, o
veto do presidente impediu a equiparação integral com os direitos dos
trabalhadores amparados pela CLT.
Trabalho em atividades de transporte
rodoviário de cargas
(Lei nº 11.442/07)
Considera que não há vínculo de emprego, mas apenas relações de natureza
comercial, entre o motorista transportador de cargas e a empresa do referido
setor, pelo fato de se exigir do trabalhador que ele seja proprietário do
veículo de carga. Essa categoria perde os direitos trabalhistas.
Intervalo intrajornada
(Portaria nº 42 do MTE/07)
Autoriza a redução do intervalo intrajornada por meio de negociação
coletiva de trabalho, dando prevalência ao negociado sobre o legislado.
Trabalho dos comerciários aos
domingos
(Lei nº 11.603/07)
Ratifica o trabalho aos domingos para os comerciários. Mas colocou dois
limites: a permissão de trabalho em feriados e domingos nas atividades do
comércio passa por convenção coletiva, desde que observada a legislação
municipal.
Contrato de trabalhador rural por
pequeno prazo
(Lei nº 11.718/08)
Autoriza a contratação de empregados rurais sem registro na Carteira de
Trabalho, para serviços de curta duração (até dois meses). Os direitos
trabalhistas serão pagos diretamente ao trabalhador, mediante adição à
remuneração acordada.
Fonte: NUNES (2010) apud KREIN et al. (2011, pgs. 40 e 41)
91
Quadro 5 –Medidas contrárias à flexibilização das relações de trabalho no Brasil (2003-2010)
TEMAS INICIATIVAS
Retirada do Senado do Projeto de Lei
(PLC 134/01)
Retirada do projeto de lei que previa a prevalência do negociado sobre o
legislado. Projeto aprovado na Câmara dos Deputados que estava em regime
de urgência no Senado Federal. O projeto permitia que a legislação
trabalhista pudesse ser alterada pela vontade autônoma das partes.
Política de Valorização do Salário
Mínimo (2005)
A política de valorização do salário mínimo prevê um reajuste de acordo
com o INPC do ano anterior acrescido de um aumento real correspondente à
variação do PIB de 2 anos anteriores. A política está sendo aplicada, mas
ainda não foi aprovada no Congresso Nacional.
Estágio
(Lei nº 11.788/08)
Regulamentação do estágio, buscando criar algumas regras para a sua
adoção, tais como o limite de jornada de 6 horas diárias e o pagamento de
férias.
Veto à Emenda 3 da Super Receita
Veto presidencial à “Emenda 3da Super Receita”, que proibia o auditor
fiscal multar as empresas que estabeleciam uma relação de emprego
disfarçada. Na prática estimula a propagação da contratação como PJ
(Pessoa Jurídica), que burla a legislação do trabalho.
Seguro Desemprego
Ampliação das parcelas de seguro desemprego para 7 meses aos setores
maia atingidos pela crise econômica de 2008/2009.
Cancelamento dos subsídios para
contratação por prazo determinado
(2003)
Eliminação dos incentivos para a contratação por prazo determinado por
meio do cancelamento de subsídios nas contribuições sociais. Era uma
medida provisória criada para estimular a adoção da contratação por prazo
determinado (Lei nº 9.601/98).
Revogação da Portaria 865/1995 A revogação da portaria do MTE que impedia a fiscalização dos auditores
das cláusulas constantes dos contratos coletivos de trabalho.
Pagamento da licença maternidade
Cancelamento das alterações da licença maternidade feitas em 1999, que
estabeleciam o pagamento do salário maternidade diretamente pelo INSS e
não mais pelo empregador, que era depois ressarcido.
Período de experiência
(Lei nº 11.644) Proíbe que o período de experiência exigido seja maior de 6 meses.
Micro Empreendedor Individual
(MEI), 2009
Reduz o valor da contribuição previdenciária do autônomo ou do micro
empreendedor individual.
Fonte: NUNES (2010) apud KREIN et al. (2011, p. 43)
Desta forma, torna-se explícito o caráter ambígüo da atuação dos Governos Lula frente ao
processo de flexibilização das relações de trabalho no Brasil. Entretanto, segundo apontou
Galvão (2010), esse movimento contraditório - tanto de refreamento quanto de avanço da
regulamentação dos direitos trabalhistas - não se trata de algo generalizado na sociedade
enquanto tendência.
De acordo com a autora, fica claro que a flexibilização está voltada especialmente para
públicos específicos (a exemplo dos jovens, da pessoa jurídica e das micro e pequenas empresas),
92
sobretudo tendo em vista a maneira majoritária de encaminhamento desse processo, a partir de
alterações pontuais via legislação ordinária. Portanto, são movimentos que revelam, em verdade,
as próprias tensões imanentes sobre as quais a sociedade brasileira se deparou diante de um
governo proveniente de uma forte base sindical e popular, mas que foi optando por ações e
políticas contraditórias nos marcos da manutenção da ordem instituída.
Acontece que, mesmo com as medidas positivas efetivadas pelo governo, o padrão
vigente de regulação social do trabalho continuou apresentando alto grau de flexibilidade. A
flexibilização continua a avançar com a terceirização, a subcontratação, a contratação como
pessoa jurídica, a permanência da alta ilegalidade, informalidade e rotatividade51
(BALTAR et al,
2010), assim como também com a remuneração variável, a flexibilização da jornada de trabalho e
as formas de contratação atípicas (KREIN et al., 2011).
Todavia, é possível admitir ao menos que aquelas teses conservadoras identificadas ao
processo de desregulamentação e flexibilização dos direitos e das relações de trabalho,
radicalmente presentes nos anos 1990, foram paulatinamente perdendo força nesta conjuntura
mais favorável da economia e das próprias lutas sindicais e sociais52
. Há, assim, um
enfraquecimento no país deste prognóstico conservador e isto pode ser observado, dentre outras
referências, na tentativa de retomada de protagonismo do movimento sindical (KREIN et al.,
2011; GALVÃO, 2010).
51
De acordo com Baltar et al. (2010), “do total da população economicamente ativa, 31,2% ainda estavam ocupados
como trabalhadores por conta-própria, empregadores, trabalhadores não-remunerados, trabalhadores na produção
agrícola para o consumo próprio e na construção da casa própria. Assim, o emprego assalariado não abrangia mais
do que 61,7% da população economicamente ativa, sendo que desse contingente, 33,7% eram empregados sem
registro (forma ilegal de utilização da força de trabalho assalariada no Brasil) e 10,9% eram empregados no trabalho
doméstico remunerado” (Baltar et al., 2010, p. 11-12).
52 Na verdade, essa foi a realidade percebida em inúmeros países da região latinoamericana. A eleição de governos
no subcontinente, em sua maioria progressista - no Brasil: Governos Lula (2003-2006 e 2007-2010); na Argentina:
Governos Sr.Kirchner (2004-2007) e Sra. Kirchner (2008-2011); no Uruguai: Governos Tabaré Vasques (2005-
2010) e no Chile: Governos Bachelet (2006-2010) - favoreceu sobremaneira a possibilidade de enfrentamento do
cenário hostil herdado dos anos 1990, buscando construir um ambiente político que privilegiasse a retomada do papel
do Estado e a conformação de uma agenda mais favorável às relações de trabalho. O maior dinamismo do mercado
de trabalho acompanhado da contribuição das políticas públicas, da regulação social do trabalho, da ação das
instituições públicas e da atuação sindical permitiu com que algumas tendências flexibilizadoras das relações de
trabalho fossem perdendo força nas sociedades latino-americanas. Ver, especialmente, URIARTE, E. La politica
laboral de los gobiernos progressitas. Revista NUEVA SOCIEDAD, n° 211, septiembre-octubre de 2007.
93
No que tange à reforma sindical observou-se poucas, mas importantes alterações na
legislação: houve o reconhecimento das Centrais e o financiamento das mesmas através do
repasse de parte do imposto sindical. Tais medidas, por sua vez, acabaram gerando, de um lado,
um processo de fusão entre algumas Centrais sindicais53
e, de outro lado, novas divisões na
cúpula54
.
Na visão de Galvão (2010), estes movimentos certamente representaram um
aprofundamento da divisão do movimento sindical em geral, onde se verifica elementos que
caracterizam tanto um indicativo de vitalidade das organizações dos trabalhadores - no sentido
destas novas organizações se manifestarem contrárias ao governo e às próprias Centrais Sindicais
que lhe dão apoio - quanto de acomodação política - uma vez que algumas destas organizações
criadas derivam do efeito da legislação sindical com o intuito de se aproveitarem da garantia do
financiamento de parte do imposto sindical.
Pode-se dizer, portanto, que a partir de 2002 começam a ocorrer mudanças interessantes
na relação entre o movimento sindical e o governo, sendo possível identificar um processo de
reconfiguração das organizações dos trabalhadores por várias razões: além do descontentamento
de algumas correntes sindicais com as políticas neoliberais adotadas pelo governo e de suas
estratégias utilizadas para envolver melhor o movimento sindical, como por exemplo, a criação
de inúmeros organismos tripartites, chama atenção a aproximação e a atenuação das diferenças
entre as duas maiores centrais do país (CUT e Força Sindical), que constituem base significativa
de sustentação de Lula (GALVÃO, 2010).
Conforme avaliaram Galvão et al (2009), a década de 2000 – ao contrário dos anos 1990,
marcado pelo refluxo político – é uma década de acomodação política do movimento operário. E
o governo Lula contribuiu de alguma maneira para que as Centrais sindicais demonstrassem um
caráter mais reivindicativo e propositivo, especialmente após a crise de 2008. Na CUT, essa
53
Como a criação da UGT (2007), oriunda da CAT, CGT e SDS. Além dessas, houve ainda, a partir da estrutura
confederativa, a criação da NCST (2005).
54 Em 2004 surge a Conlutas, em 2006 a Intersindical e em 2008 a CTB, todas originalmente pertencentes aos
quadros das correntes internas da CUT.
94
mudança entre a relação do governo e o movimento sindical é mais nítida, já que ela implicou no
aprofundamento da tendência dominante da sua direção, que se estabelece desde fins dos anos
1990, e no acirramento dos conflitos no interior da Central.
Não apenas várias lideranças cutistas fizeram parte integrante dos poderes instituídos da
República, como também a constituição de inúmeros espaços institucionais criados pelo PT
acabou por definir um tipo de ação sindical conformada à ordem, ainda que em algumas ocasiões
fossem necessárias um posicionamento mais crítico diante do governo devido às fortes perdas
quantitativas (provenientes das cisões internas) e qualitativas (provenientes da alcunha de
“combatividade” de outrora).
Dito de outra maneira, a atuação da CUT se viu muito comprometida seja pela sua
proximidade com o governo, seja - até em parte por decorrência disso -, das significativas perdas
de correntes internas. Perante a reforma da legislação sindical, a defesa da Central pelo projeto
dominante lhe pareceu oportuna, na medida em que tais mudanças, mesmo que impactassem suas
ações, jogariam a favor de seu fortalecimento, caso tivessem de fato ocorrido. Em relação à
reforma trabalhista, verifica-se algo contraditório, uma vez que em seu discurso oficial as teses
flexibilizadoras e desregulamentadoras são encaradas como nefastas, porém é bastante comum
nos sindicatos que a representam a negociação em tais acordos e convenções (GALVÃO, 2010).
Não obstante, na emergência da crise de 2008, o apoio de grande parte do movimento
sindical, sobretudo da CUT, ao governo Lula se concretizou através de algumas medidas
propositivas55
de recuperação da economia, visando à promoção do desenvolvimento nacional
com base na relação colaboradora e construtiva do capital e do trabalho. Assim, não somente a
CUT, mas muitas Centrais pautaram-se na priorização da negociação com o governo, na aposta
das esferas de atuação parlamentar e na realização dos acordos patronais (GALVÃO, 2010).
Em resumo, verifica-se uma maior convergência da CUT com a Força Sindical ao mesmo
tempo em que ocorre um aprofundamento da divisão do movimento sindical - sendo esta divisão
55
Inscritas na Agenda Positiva do Trabalho, na defesa de um novo modelo de desenvolvimento e na Agenda da
Classe Trabalhadora, Pelo Desenvolvimento com Soberania, Democracia e Valorização do Trabalho. Para maiores
detalhes, ver GALVÃO, 2010.
95
notadamente na cúpula da organização dos trabalhadores – que explicitam de maneira inconteste
a disputa entre as distintas concepções e práticas sindicais no que diz respeito a suas relações com
os Governos Lula e com o posicionamento perante as reformas.
As Centrais apoiadoras do Governo, dentre elas a CUT, acabaram por priorizar, em
grande medida, os mecanismos de negociação e de pressão direta com o Estado (via atuação
parlamentar e participação nos órgãos tripartites) e por realizar acordos patronais, num quadro de
um pouco maior resistência à flexibilização dos direitos, ainda que de forma contraditória.
Embora a CUT apresente um discurso mais crítico a este processo flexibilizador, não é incomum
os acordos de seus sindicatos filiados versando sobre o banco de horas, a demissão imotivada
causadora da alta rotatividade, a remuneração variável (PLR), dentre outros elementos.
A partir da crise de 2008, a CUT consolida o seu projeto político-ideológico apoiado no
socialdesenvolvimentismo, que preconiza o crescimento econômico com distribuição de renda e
fortalecimento das políticas públicas, deixando em segundo plano, a rigor, o seu caráter de luta
anticapitalista e classista, que pode bem ser observado na substituição de uma perspectiva pela
construção do socialismo por outra que preconiza um novo modelo de desenvolvimento
capitalista para o país, articulado por uma atuação por dentro da estrutura oficial.
Conforme criticamente analisou Galvão (2010), não apenas na própria CUT, mas em
quase todo o campo de atuação das Centrais sindicais ao longo das administrações petistas,
não há confronto aberto com o governo, nem se cogita uma greve geral, por exemplo.
Prevalece uma perspectiva propositiva, ainda que haja cláusulas interessantes do ponto de
vista da resistência ao neoliberalismo (a defesa da manutenção e ampliação de direitos).
Por outro lado, o apoio ao governo impede essas centrais de apresentarem reivindicações
mais ousadas: limitam-se a reivindicações viáveis e críticas pontuais, na linha do
sindicalismo propositivo (GALVÃO, 2010, p. 17-18).
Sendo assim, podemos concluir que os dois governos Lula implicaram em um conjunto de
mudanças na sociedade brasileira. Sem dúvida, tratou-se de um contexto de retomada do
crescimento econômico, com impactos bastante positivos ao mercado de trabalho e acompanhado
pela tentativa do movimento sindical de alcançar um maior protagonismo na agenda política,
econômica e social do país, ainda que sob a atuação de maneira acomodada e restrita em grande
96
medida à institucionalidade oficial. Vejamos então, na próxima seção, como essa nova realidade
influenciou o tempo de trabalho, especialmente na dimensão da duração.
2.2 TEMPO DE TRABALHO NO PERÍODO RECENTE (2004-2009): UMA
INFLEXÃO?
De acordo com o que apresentamos na seção anterior (2.1), ficou explícito que o Brasil
passou por expressivas transformações socioeconômicas ao longo dos anos 2000, principalmente
a partir dos dois governos Lula. O que procuraremos sustentar agora é que, nesse cenário pouco
mais favorável ao mercado de trabalho e à ação sindical, as disputas em torno do estabelecimento
do tempo de trabalho foram forjando um novo padrão de horas trabalhadas no país, tendo como
marco o ano de 2007, em que, pela primeira vez, foi possível observar o maior percentual relativo
dos trabalhadores ocupados laborando jornadas de trabalho padronizadas com o ordenamento
legal, delineada pelo limite entre as 40 e 44 horas semanais. Na realidade, isso representaria um
marco na história do tempo de trabalho no Brasil, mas que exige certa cautela em sua análise.
Com efeito, conforme já indicamos, a atuação do Governo Lula no âmbito das relações de
trabalho se dá de maneira ambígüa e, por vezes, contraditória, ora na direção de refrear, ora na
direção de avançar com o processo de flexibilização. Sendo assim, do ponto de vista das medidas
legislativas, registram-se duas importantes sinalizações que reforçam a tendência de
flexibilização da jornada de trabalho: a prevalência de atribuir à negociação coletiva a questão do
intervalo intrajornada e a consolidação da realização do trabalho aos domingos no comércio
(KREIN et al, 2011).
Verificamos quanto à temática do intervalo intrajornada que o governo passou a autorizar
a sua redução através de negociação coletiva de trabalho, permitindo com que o campo em torno
de sua disputa estivesse marcado pelo prevalecimento do acordo a ser negociado entre as partes
representativas do capital e do trabalho. O problema é que, apesar de contar com uma legislação
que o regulamente, trata-se de uma questão que divide muito os trabalhadores e que conta com o
apoio da classe patronal no sentido de flexibiliza-lo.
97
Por sua vez, no que concerne ao trabalho aos domingos, o acordo foi na perspectiva de
reduzir a possibilidade de utilização da flexibilização da jornada de trabalho, especialmente
através da determinação da obrigatoriedade da negociação coletiva, em vigor com a legislação
municipal, e da atribuição das folgas, que podem se dar em ao menos dois domingos no mês56
.
Contudo, em linhas gerais, trata-se de um movimento do governo no sentido de legitimar e
ratificar essa possibilidade flexibilizadora aberta nos anos 1990.
Destarte, em contraste a essas duas mudanças, seria necessário enfatizar ainda a existência
de uma medida considerada contrária ao processo de flexibilização, tal qual aquela em que se
observa a regulamentação dos regimes de estágios. Com ela, houve a ocorrência da estipulação
de uma jornada de trabalho de no máximo 6 horas diárias, inclusive com o direito ao recebimento
de férias para todos os estagiários do país.
Vemos, assim, que se trata de alterações bastante pontuais e específicas, que seguem o
movimento geral das demais mudanças legislativas, de escopo restrito a públicos-alvo
(GALVÃO, 2010).
Contudo, o mais importante a destacar é que, na sociedade brasileira, sob a administração
Lula, o papel do Estado quanto à relação capital e trabalho, se bem não foi capaz de propiciar as
condições para um maior acirramento e combatividade das lutas políticas e sociais, por outro lado
contribuiu para que houvesse um enfraquecimento daquelas teses conservadoras favoráveis à
desregulamentação e flexibilização dos direitos e das relações de trabalho.
Tal caráter ambígüo revela-se tanto pelo apoio explícito de amplos setores do
empresariado e das organizações sindicais ao governo, quanto no descontentamento de parte dos
mesmos com algumas de suas ações ou ainda com a própria condução mais geral do processo
político.
No que tange a atuação dos capitalistas, num contexto de melhoria dos indicadores do
mercado de trabalho e das condições de vida da população em geral e da tentativa de retomada da
56
Segundo KREIN et al. (2011), no ordenamento anterior, realizado pelo Governo FHC, não havia a previsão de
exigência da negociação coletiva de trabalho; além disso a folga mínima estabelecida para os trabalhadores do
comércio era apenas de 1 domingo ao mês.
98
ação sindical, podemos dizer que, apesar das alianças importantes de empresários com o Governo
Lula, sobretudo dos grandes grupos nacionais, existem indicações de continuidade do processo de
flexibilização e intensificação da jornada de trabalho.
Ainda que a partir de 2007 os dados indiquem um maior volume de pessoas ocupadas no
país laborando entre 40 e 44 horas semanais, não apenas manteve-se alto o patamar de execução
das sobrejornadas, em termos do contingente populacional relativo, como também se verificou
evidências do avanço das estratégias empresariais no sentido de se flexibilizar e intensificar o
trabalho, conforme será discutido abaixo.
Além da permanência de alguns dos elementos históricos flexibilizadores das relações de
trabalho (alta ilegalidade, informalidade e rotatividade), somados com os demais, surgidos no
bojo da reestruturação produtiva (terceirização, just in time, polivalência, PLR, subcontratação,
contratação com pessoa jurídica), continuaram a avançar aqueles mecanismos atinentes
especificamente a questão da jornada de trabalho, a exemplo do banco de horas e da
compensação individual da jornada; da liberação do trabalho aos domingos; da recomposição dos
turnos ininterruptos de revezamento; do descumprimento do descanso intrajornada; da
descaracterização do regime de sobreaviso, dentre outros, apontado por vários pesquisadores57
Mesmo em se tratando de um cenário em que a classe trabalhadora logrou expressivas
conquistas através das negociações coletivas, especialmente em relação à recuperação dos níveis
salariais profundamente defasados nos anos 1990 - marcado pelo maior protagonismo da ação
sindical que pode ser vista no crescente volume de greves -, não foi possível ocorrer um
refreamento ou contraposição efetiva quanto à tendência geral ocorrida com a jornada de trabalho
flexível que se constituiu nos anos 1990, uma vez que o setor patronal continuou contrário à
inclusão de novas cláusulas, nas negociações coletivas, relacionadas à questão do tempo de
trabalho (CARDOSO et al., 2011).
Em grande medida, as estratégias utilizadas pelos capitalistas, tais como o uso abusivo de
horas extras (ainda que em menor patamar), a descaracterização das horas extras e o
descumprimento e/ou a reavaliação de seu pagamento (especialmente naqueles setores onde se
57
Cf. DAL ROSSO, 2006; CARDOSO, 2009, et al., 2011; KREIN, 2007, et al, 2011; CALVETE, 2006.
99
verifica a presença do regime de banco de horas), a manutenção do baixo custo e risco para as
empresas em descumprir com o pagamento dos direitos dos trabalhadores, as alterações na
jornada diária, semanal, anual e na escala do ciclo de vida dos trabalhadores, o avanço dos
mecanismos introduzidos na reestruturação produtiva e das estratégias específicas utilizadas em
cada empresa e setor da atividade econômica, o ajuste do tempo de trabalho aos interesses e à
sazonalidade das próprias empresas, a intensificação do ritmo, a eliminação das porosidades, o
maior controle sobre a realização do trabalho e sobre a própria reprodução social dos
trabalhadores, servem de indicação de que a classe patronal continuou a aprofundar o processo de
flexibilização e intensificação do trabalho no Brasil, ao longo da década de 2000, sobretudo
quando se verifica o movimento mais geral de negociação da redução da jornada de trabalho
acompanhada pela flexibilização e intensificação do labor.
Seguindo a lógica da reprodução do capital em escala global, a classe patronal brasileira
continuou a desencadear um forte movimento pela transformação dos sete dias da semana em
dias normais de trabalho e pelo funcionamento, ao longo das 24 horas do dia, de todas as suas
atividades empresariais, mantendo os trabalhadores à disposição da empresa em qualquer hora do
dia, em qualquer dia da semana e do ano, e remunerando-os apenas na efetividade da realização
do labor, dado a necessidade de ajustar o uso do tempo de trabalho segundo o corolário das
sazonalidades das atividades econômicas e da demanda efetiva da economia (CALVETE, 2006;
KREIN, 2007).
Em face da manutenção da posição refratária dos capitalistas em relação ao processo de
flexibilização da jornada de trabalho e das ações contraditórias desempenhadas pelos dois
governos Lula quanto às disputas entre o capital e o trabalho, a atuação da classe trabalhadora
organizada, em grande medida, se viu premida pela acomodação política e pela condução por
dentro da institucionalidade amplamente promovida pelo governo. Porém, ao contrário dos anos
1990, as organizações sindicais lograram conquistas importantes que, em geral, indicam uma
tentativa de retomada de seu protagonismo na sociedade brasileira.
Segundo destacou o DIEESE (2010), em 2009, por exemplo, 80% das negociações
salariais realizadas por 692 categorias de trabalhadores conquistaram aumento real de salários e
outros 88 documentos (quase 13% do total) asseguraram, no mínimo, a reposição da inflação com
100
base no INPC-IBGE. Além disso, os reajustes salariais foram pouco afetados pela crise
econômica internacional deflagrada nos últimos meses de 2008. Já em relação aos pisos salariais
registrados em acordos e convenções coletivas de 635 unidades de negociação de 2009,
aproximadamente 96% das unidades de negociação consideradas conquistaram pelo menos a
reposição das perdas salariais ocorridas desde a última data-base, com base no INPC-IBGE. E
cerca de 93% das unidades de negociação consideradas conquistaram aumentos reais para os
pisos em 2009.
Entretanto, se do ponto de vista da renda do trabalho houve conquistas - principalmente
num quadro de conformação de um maior volume de greves desencadeadas no país, conforme
ressaltamos anteriormente - em relação à questão da jornada de trabalho foram muitas as
dificuldades encontradas pelos trabalhadores no sentido de refrear ou até mesmo dirimir algumas
das tendências verificadas nos anos 1990.
Muito embora a atuação sindical tenha se revigorado, em certa medida, isso ajuda a
explicar, apenas em parte, a perspectiva de aparente redução das horas trabalhadas no Brasil,
sobretudo após o ano de 2007, ainda que ela tenha tanto conseguido emplacar até mesmo, de
modo limitado, o lançamento de uma Campanha Nacional sobre a redução da jornada de trabalho
sem a redução dos salários, a partir de 2003, quanto indicar de maneira tímida algumas
reivindicações mais consistentes sobre o tempo de trabalho, no plano da negociação coletiva.
Não obstante, faz-se necessário levar em conta outros elementos, tais como o forte
crescimento do emprego formal e a própria formalização do trabalho enquanto relevantes para
esse processo de maior padronização das horas trabalhadas. Todavia, os assuntos e as cláusulas
relacionados à flexibilização e à intensificação do trabalho continuaram bastante residuais nas
pautas das negociações coletivas.
De acordo com o balanço da atuação sindical frente às disputas em torno da jornada de
trabalho, a Tabela 1458
, abaixo, nos permite tecer as seguintes considerações:
58
A propósito, tomaremos como fonte CARDOSO (2009), referente aos anos 2003-2006. Para os anos posteriores,
2007-2010, procedemos com a atualização da mesma, a partir de levantamento junto ao DIEESE.
101
(i) entre 2004 e 2010, começa a ocorrer uma primeira reação do movimento sindical, em
grande medida, influenciada pela iniciativa promovida pela Campanha Nacional. A partir de
2005 é possível verificar tal movimento (CARDOSO, 2009), sendo que, em 2008, o total de
greves realizadas sobre a questão da jornada de trabalho atinge o seu ponto máximo de 18%. Se
comparado ao período anterior, vigorado nos anos 1990, essa série representa um aumento
expressivo de quase o dobro de reivindicações efetuadas pelos sindicatos. Deste total, as greves
referentes exclusivamente à redução da jornada de trabalho alcançam maior destaque nos anos de
2007 (47,7%), 2009 (47,8%) e 2010 (53,6%), onde se observa o efeito importante da crise
econômica sobre a economia brasileira, em termos de negociação coletiva;
Tabela 14 - Total anual e distribuição das greves segundo reivindicações selecionadas, Brasil - 2003-2010
Ano Total de
Greves (A)
Reivindicações relativas a jornada
Total de Greves sobre Jornada (B)
Manutenção de Jornada
Redução de Jornada
Extinção de Horas Extras (1)
Não-flexibilização da Jornada
nº % sobre (B) nº % sobre (B) nº % sobre
(B) nº % sobre (B) nº % sobre (B)
2003 340 34 10,0 6 17,6 18 52,9 2 5,9 2 5,9
2004 302 36 11,9 1 2,8 14 38,9 4 11,1 2 5,6
2005 299 40 13,4 1 2,5 16 40,0 5 12,5 7 17,5
2006 320 51 15,9 3 5,9 9 17,6 16 31,4 2 3,9
2007 316 44 13,9 2 4,5 21 47,7 3 6,8 4 9,1
2008 411 74 18,0 3 4,1 27 36,5 1 1,4 10 13,5
2009 518 69 13,3 11 15,9 33 47,8 1 1,4 2 2,9
2010 446 56 12,6 4 7,1 30 53,6 2 3,6 5 8,9
Fonte: CARDOSO (2009, p. 115) - Referente aos anos 2003 – 2006; DIEESE – Referente aos anos 2007 – 2010. Elaboração: CARDOSO (2009). (1) Inclui redução do número de horas extras
(ii) no que diz respeito às greves desencadeadas sobre a “manutenção da jornada”,
destaca-se, sobretudo, o ano de 2009, revelando se tratar de um movimento de caráter
propriamente reativo da ação sindical em face do imediato da crise econômica;
(iii) no que concerne às greves realizadas sobre a flexibilização da jornada de trabalho,
verifica-se um forte aumento desta reivindicação nas pautas das negociações coletivas, ao
contrário do observado na década de 1990, sendo 2005 o ano mais representativo (17,5%)
102
(CARDOSO, 2009), acompanhado de 2008 (13,5%). Contudo, veremos nesta seção que, na
grande maioria das pautas, poucos foram os avanços significativos;
(iv) o mesmo movimento é indicado pelo quesito “extinção ou limitação de horas extras”,
onde chama a atenção o aumento considerável desta questão, especialmente em 2006 (31,4%)
(CARDOSO, 2009). No entanto, apesar do maior destaque, ainda se verifica relativamente a
baixa incidência desta reivindicação junto ao movimento sindical.
Um fato importante a se ressaltar é que, diante dessa nova conjuntura um pouco mais
favorável, é reacendido, em 2003, o debate sobre a redução da jornada de trabalho, através da
execução da “Campanha Nacional pela Redução da Jornada de Trabalho sem Redução de
Salário”, sob os auspícios das seis maiores centrais sindicais do país até então naquele momento
(CUT, Força Sindical, CGT, CGTB, CAT e SDS) e do apoio do DIEESE.
O conjunto dessas instituições passaram a somar esforços no sentido da aprovação no
Congresso Nacional da Proposta de Emenda Constitucional (PEC 393/01) de autoria do senador
Paulo Paim (PT) e do deputado federal Inácio Arruda (PCdoB)59
. O projeto prevê a redução do
limite legal para 40 horas semanais, podendo alcançar 35 horas dois anos depois, e estabelece
uma compensação maior para as horas extras (CARDOSO, 2009).
Segundo Cardoso (2009), apesar de tudo, a Campanha - que tinha como mote não apenas
a redução da jornada de trabalho, sem redução de salários, mas também a limitação da hora extra
e do banco de horas - não conseguiu se traduzir em um amplo e efetivo processo de discussão de
alcance nacional devido a inúmeras razões. Em primeiro lugar, foi muito difícil ao movimento
sindical garantir a mobilização dos trabalhadores quanto a esta reivindicação, em parte pela
preocupação dos mesmos com a questão do emprego e dos salários e não com a própria redução
da jornada de trabalho, mas também pelo fato de que muitas categorias importantes lograram
conquistas da diminuição das horas trabalhadas, a despeito da flexibilização e da intensificação
da mesma.
59
De acordo com CARDOSO (2009), em 2001, a CUT e o DIEESE criaram um sítio (www.tempolivre.com.br)
disponibilizando informações acerca do tempo de trabalho no Brasil e no mundo. Em 2003, por sua vez, as Centrais
sindicais promovem um seminário do qual se constitui o planejamento da “Campanha Nacional pela Redução da
Jornada de Trabalho, sem Redução dos Salários”.
103
Outro elemento seria a dificuldade do movimento sindical em torno das tomadas de
decisão coletiva e da manutenção das propostas e, sobretudo, do nível de verticalização que as
decisões foram sendo implementadas pelos atores envolvidos no processo (CARDOSO, 2009).
De maneira geral, os representantes sindicais entenderam que o alcance da redução da
jornada de trabalho deveria ser conquistado através de mudanças na legislação, acreditando que o
novo contexto político, propiciado pelo governo Lula, seria mais favorável à sua implantação.
Acontece que, entretanto, a partir da crise política ocasionada com o “mensalão”, em 2005, o
governo abandona as discussões da Reforma Sindical e Trabalhista. Mesmo assim, sem o apoio
do governo, durante o ano de 2005 e do início de 2006, a Campanha é retomada através de um
novo abaixo-assinado e de marchas em Brasília (CARDOSO, 2009).
Tal processo, por sua vez, se estendeu até o ano de 2009, com a perspectiva da proposta
de Redução da Jornada de Trabalho ser votada no Congresso Nacional. No final de junho de
2010, a Comissão Especial da Câmara dos Deputados que analisou a redução da jornada de
trabalho, de 44 para 40 horas semanais, aprovou por unanimidade o relatório favorável à proposta
apresentado pelo deputado Vicentinho (PT-SP) relativo à Proposta de Emenda à Constituição
PEC 231/95. A proposta, em tramitação há 14 anos no Congresso Nacional, também aumenta o
valor da hora extra de 50% do valor normal para 75%. A expectativa era que a PEC fosse votada
pelo plenário da Casa no início de agosto do referido ano. Ela teria que ser votada em dois turnos
e para ser aprovada seriam necessários, no mínimo, 308 votos favoráveis. Se aprovada na
Câmara, a PEC seria encaminhada para discussão e votação no Senado Federal.
Acima de tudo, uma questão bastante importante merece ser discutida em relação ao
impacto e ao teor que a Campanha Nacional emprestou ao debate sobre o tempo de trabalho na
sociedade brasileira. Novamente, o foco da reivindicação por parte do movimento sindical residiu
na vinculação da redução da jornada de trabalho com a geração de empregos, menosprezando-se
por vezes a ideia do tempo livre e do bem viver.
Na avaliação de Cardoso (2009), ainda que a relação entre desemprego e tempo de
trabalho seja algo muito comum em todos os discursos dos diversos atores sociais envolvidos no
processo - uma vez que o problema do desemprego desde sempre passou a ocupar o papel de
104
destaque nos processos de negociação coletiva, sobretudo na década de 1990 – existem razões de
fundo que ajudam a explicar o apelo ao tempo de trabalho e não ao aumento do tempo livre, a
exemplo da constituição e composição do próprio mercado de trabalho, marcado pela alta
informalidade e precarização; a ausência de um estado de bem-estar social que garanta os direitos
mínimos do trabalhador; os patamares muito baixos dos salários e, especialmente, o ardil da
desmedida valorização do trabalho que acomete a classe trabalhadora brasileira.
Não obstante, Calvete (2006), por seu turno, assevera que os maiores obstáculos à
aprovação da redução da jornada de trabalho não são de ordem econômica e sim de ordem
política. Ademais, ressalta que a luta pela redução da jornada não pode ser vista como uma
panacéia para o problema do desemprego, mas com objetivo de ajudar a unir a classe
trabalhadora em torno de uma ação pró-ativa no sentido do desenvolvimento social.
Para o autor, as maiores dificuldades a serem enfrentadas em torno desta questão residem
na resistência do setor empresarial; na fragilidade do movimento sindical; no tamanho do setor
informal; na heterogeneidade da economia nacional; nos baixos salários; na amplitude das
ocupações paralela à elevada desigualdade nos rendimentos do trabalho e na precariedade da
fiscalização do trabalho.
Em suma, todos estes fatores levantados pelos autores ajudam a explicar porque, nas
reivindicações dos trabalhadores referentes à redução da jornada de trabalho no período mais
recente, continuou a ocorrer de modo intenso a relação desta com a questão do desemprego. No
entanto, é importante destacar que, apesar do papel limitado da ação sindical no que tange ao
avanço por reduzir a jornada de trabalho, por outro lado, não apenas o Brasil assistiu a um
aparente processo de diminuição da execução das sobrejornadas, ainda que influenciado por
outros fatores relevantes nesse sentido, tais como a recuperação do emprego formal e
formalização do trabalho, como também se tornou talvez a única experiência no mundo em que
verificamos uma tentativa da classe trabalhadora de pautar o debate nacional em torno da
reivindicação da redução da jornada de trabalho, mesmo que isso tenha se mostrado mais
fortemente significativo no imediato da crise econômica, por força de seu impacto à economia
brasileira.
105
Ao contrário dos anos 1990, o movimento sindical conseguiu expressar um maior
protagonismo na sociedade, ainda que marcado por uma acomodação política, oriunda
principalmente de suas relações estabelecidas com o Governo Lula. Apesar de contribuir de
modo parcial ao processo de constituição, a partir de 2007, da tendência de maior padronização
da jornada de trabalho, limitada pelo ordenamento legal das 40 às 44 horas semanais, ele não foi
capaz de refrear ou até mesmo enfrentar com mais combatividade as tendências constitutivas do
atual padrão de acumulação flexível no Brasil, surgidas na década passada.
A própria CUT, sem embargo, mostrou-se bastante tímida em relação às disputas travadas
sobre o tempo de trabalho no país. Nas resoluções de seus Congressos, verifica-se certa tentativa
de se criar, especialmente no seu 10º CONCUT, novas reivindicações mais efetivas e de procurar
também reestabelecer as bandeiras quanto à jornada de trabalho, mas, no entanto, pouco se
avançou nesse sentido, sobretudo em se tratando da distribuição flexível e da intensificação das
horas trabalhadas.
Vejamos então um balanço realizado por Freitas (2009), com base no teor das resoluções
aprovadas em seus CONCUTs, no contexto de maior crescimento econômico, de melhorias
significativas nos indicadores do mercado de trabalho, de arrefecimento (ainda que contraditório)
das teses conservadoras no que concerne às relações de trabalho e de correlação de forças pouco
mais favorável à ação sindical (Quadro 6).
106
Quadro 6: Tempo de Trabalho nos Congressos da CUT (2003-2009)
Resoluções aprovadas nos Congressos da CUT
Congresso Resolução Forma de Implementação
8º CONCUT
2003
A CUT buscará garantir na reforma sindical a
instituição do Sistema Democrático de Relações
de Trabalho (SDRT); e na reforma trabalhista,
alterações da CLT, baseadas na ampliação do
atual patamar de conquistas e de direitos já
assegurados para os trabalhadores. Nesse
sentido, destacamos os seguintes aspectos:
[...] e) Redução da jornada de trabalho sem
redução de salários e benefícios e limitação das
horas extras
A CUT e a construção de uma educação do
tamanho do Brasil
[...] Erradicação do analfabetismo e elevação do
nível médio de escolaridade da classe
trabalhadora brasileira, empregando parte da
jornada de trabalho na educação
Além disso, deve ser proibida a fixação de
horário nas empresas de produção contínua e de
turno de revezamento, pois, quando se discute
com o patronato a redução da jornada no turno
de revezamento, a primeira ameaça patronal é a
de fixar os horários em turnos, de forma a
descaracterizar a produção ininterrupta, com o
objetivo de fugir à jornada constitucional de seis
horas diárias
Redução da jornada de trabalho mediante a
destinação de quatro horas da jornada semanal de
trabalho em primeiro lugar à alfabetização,
quando e se este for o caso, e concomitantemente
à elevação da escolaridade da força de trabalho
9º CONCUT
2006
Plano de Ação e Lutas
Salário, Emprego, Desenvolvimento e Inclusão
Social
Potencializar a luta pela redução da jornada de
trabalho e limitação das horas extras
10º CONCUT
2009
Construção de agendas comuns em defesa da
redução da jornada de trabalho sem redução
salarial
Pauta da IV Marcha (2007): redução da jornada
de trabalho com vistas à obtenção de mais e
melhores empregos
Jornada Mundial pelo Trabalho Decente (2008):
deu visibilidade à defesa da RJT sem redução
salarial
Plataforma da Classe Trabalhadora (2010)
1) prevê a realização de Campanha pela RJT sem
redução de salário e limitação do uso de horas
extras
2) propõe novo modelo para o setor energético
capaz de redistribuir melhor o tempo de trabalho,
reduzir a intensidade e ampliar a participação da
força de trabalho na produção e ainda aumentar a
produtividade da economia. No caso do Petróleo,
há a proposta de adequação de regimes e
jornadas de trabalho mais dignas aos
trabalhadores do ramo
Políticas específicas da CUT para:
1) Educação: lutar pela aplicação da Lei
11.738/08 que garante o direito ao piso salarial e
às horas-atividade
2) Saúde do trabalhador: a CUT deve
desenvolver uma política de saúde do
trabalhador capaz de reforçar a ação sindical nos
locais de trabalho e ramos de atividade e nos
espaços institucionais que regulem a prevenção e
a reparação dos danos causados pelo trabalho
(áreas da saúde, do trabalho e previdência social)
3) Mulheres: propõe uma PEC que altere o artigo
7º da CF visando garantir a equiparação de
direitos às trabalhadoras domésticas
4) Jovens: luta pela redução da carga laboral para
estudo sem redução de salários
107
FONTE: FREITAS (2009, p. 16) – Referente ao 8º e 9º CONCUTs;
Elaboração do autor – Referente ao 10º CONCUT
De acordo com Freitas (2009), podemos observar as seguintes considerações acerca da
temática do tempo de trabalho no 8º e 9º CONCUTs:
(i) a preocupação da CUT continuou a se apoiar na perspectiva de redução da jornada de
trabalho semanal, sem a correspondente redução de salários. Dentre os principais temas utilizados
pela Central, permaneceram a questão do emprego e a questão do tempo livre. No entanto, em
contraste da proposta defendida pela Central nos anos 1990 (de redução da jornada de trabalho
para 40 horas semanais, sem a correspondente redução salarial e, às vezes, incluindo a abolição
das horas extras), é notório observar uma inovadora proposta de redução da duração semanal do
trabalho ocorrida no 8º CONCUT, quando foi aprovada uma resolução propondo a conversão de
parte da jornada de trabalho em horas destinadas à alfabetização dos trabalhadores. Quanto à
relação com o tempo livre, a CUT não conseguiu reestabelecer a ideia do bem viver, tendo o foco
direcionado à reivindicação pela vinculação da redução da jornada de trabalho com a geração de
empregos (FREITAS, 2009);
(ii) no caso da questão das horas extraordinárias, a CUT continuou a criticar a ineficácia
da legislação trabalhista, de sorte a buscar restringir efetivamente o grande volume de
sobrejornadas praticadas no país. Se em 2000, no 7º CONCUT, observou-se uma proposta mais
efusiva em torno de estabelecer uma campanha nacional junto aos seus sindicatos filiados para
acabar com o Banco de Horas e com as Horas Extras (ver Quadro 3), no entanto, no 8º
CONCUT, vê-se que a proposta preponderante volta a ser a da redução da jornada de trabalho,
sem redução de salários e limitação das horas extraordinárias. E o mesmo passa a ocorrer em
2006, no 9º Congresso. Todavia, no ano de 2006 a CUT emite um documento que discute de
maneira ampla o que a Central pensa acerca da realização das sobrejornadas e de como isso afeta
toda a sua base de sindicatos filiados. Em tal documento, fica nítida a manutenção das mesmas
Plano de Ações e Lutas
Prosseguir com a Campanha pela RJT sem
redução de salário
Intensificar campanhas pela ampliação de
direitos, dentre eles, combatendo o trabalho aos
domingos e feriados
108
críticas, ainda que apoiadas em estudos mais sistemáticos, refletida no teor de seus últimos
Congressos, à exceção do 7º CONCUT60
(FREITAS, 2009);
(iii) ademais, continuou a vigorar a ausência de uma posição mais crítica da CUT em
relação às férias e licenças parentais e à aposentadoria dos trabalhadores. A despeito da
compreensão de que o estatuto das férias e das licenças deva ser pensado na condição de direitos
sociais fundamentais, pouco se discutiu no período recente sobre a perspectiva de se ampliar o
período de férias ou de licenças parentais. Apenas no que tange à licença maternidade, houve a
ocorrência de uma proposta de encaminhamento ao Congresso Nacional de uma lei que amplie o
período licenciado para 160 dias. No caso da aposentadoria, em sua proposta de previdência
pública, aprovada em seu 8º Congresso Nacional, a Central passou a defender que o sistema
deveria ter um caráter contributivo. No seu 9º Congresso, a Central voltou a aprovar questões
pontuais sobre a aposentadoria – com vinculação ao tempo de trabalho – propondo: a aprovação
de uma lei de universalização dos direitos previdenciários, ações junto ao Ministério da
Previdência quanto à limitação do tempo para aposentadoria do segurado especial, aposentadoria
especial para professores, aposentadoria especial para trabalhadores da construção civil, dos
correios e do setor elétrico. A partir do Governo Lula, no que diz respeito ao tempo mínimo para
se aposentar, a CUT passou a defender a manutenção da idade mínima aprovada na reforma do
Governo FHC, contida na EC nº 20. Da mesma forma, se manteve favorável aos limites da
aposentadoria por tempo de serviço. Para o autor, portanto, se durante o Governo FHC a CUT foi
peremptória na defesa do tempo de serviço para efeito de contabilidade para a aposentadoria, no
Governo Lula sua posição foi dúbia ao continuar defendendo que o tempo de serviço deveria ser
o referencial e não o tempo de contribuição (FREITAS, 2009).
60
Conforme já indicamos anteriormente, em se tratando da questão das horas extraordinárias, a CUT critica a
insuficiência da legislação, expressa em seu artigo 59 da CLT, no sentido de reduzir o nível abusivo de tal recurso
utilizado pelos capitalistas. Além disso, ressalta que mesmo a majoração com o adicional incrementado ao
pagamento das horas extras também não se mostrou eficaz para desestimular a realização das longas jornadas. Ao
contrário, devido ao fato dos salários serem muitos baixos, o uso das horas extras passou a ser identificado pela
classe trabalhadora como uma das poucas oportunidades de elevação de suas rendas do trabalho. Finalmente, existe a
defesa explícita da necessidade de se alterar a legislação corrente, de modo a restringir efetivamente o grande volume
de horas extras praticadas no país e estimular as negociações coletivas sem, entretanto, acabar por “engessar” o
funcionamento das atividades econômicas (FREITAS, 2009).
109
Por conseguinte, apesar da continuidade da proposta hegemônica residir
fundamentalmente na redução da jornada de trabalho com vistas à geração de empregos, foi
possível observar, no seu último Congresso (10º CONCUT), realizado pela Central em 2009,
sugestões de lutas, até certo ponto, originais, ainda que não tenham concretamente se viabilizado.
Neste Congresso, a despeito da manutenção em geral de propostas reivindicativas bastante
tímidas, a CUT apontou algumas iniciativas a serem pensadas, tais como, a proposta de um novo
modelo de jornada de trabalho para os setores energético e petroleiro, que leve em conta a
redistribuição mais favorável ao trabalhador do tempo de trabalho e sua respectiva redução da
intensidade; a ideia de adoção de um regime de horas-atividade voltado à execução do trabalho
da atividade educacional do país; a extensão dos direitos constituídos às trabalhadoras
domésticas, garantindo uma estipulação quanto à jornada de trabalho e o vencimento de férias,
dentre outros; a preocupação para com as horas trabalhadas pelo jovem brasileiro, através da luta
pela redução de sua jornada de trabalho a ser compatibilizada com mais horas de estudo, sem
redução dos salários e, finalmente, a ressalta da importância de se atentar para o avanço das
doenças ocupacionais, no sentido de se buscar reforçar a ação sindical nos locais de trabalho e
ramos de atividade e nos espaços institucionais, visando estabelecer uma maior regulação quanto
à prevenção e uma maior reparação dos danos causados pelo trabalho. Além disso, aparece pela
primeira vez uma proposta que visa combater o trabalho aos domingos e feriados. Sem dúvida,
trata-se de propostas mais significativas em relação ao movimento real que vem tomando a
jornada de trabalho no país. Entretanto, praticamente nenhuma delas conseguiu até então ganhar
maior expressão.
Assim, levando em consideração todo esse movimento mais geral empreendido pelo
Estado, pelos capitalistas e pela ação sindical, ao longo dos anos 2000, nos é permitido analisar
agora quais foram os desdobramentos mais relevantes ocasionados em relação ao tempo de
trabalho.
Conforme já anunciamos, ao contrário daquilo verificado consoante aos dois padrões do
tempo de trabalho conformado nos anos 1990, podemos salientar nos Governos Lula o
surgimento de um terceiro padrão das horas trabalhadas em que se observa uma aparente inflexão
das sobrejornadas no que diz respeito a sua duração do trabalho, sobretudo a partir de 2007, mas,
por outro lado, há evidências de continuidade da flexibilização e da intensificação do labor.
110
Em outras palavras, isso significa que, nessa conjuntura mais favorável da economia
nacional, o país conseguiu alterar o comportamento do uso abusivo da realização das horas
extras, ainda que mantendo de certa forma as tendências flexibilizadoras e intensificadoras da
jornada de trabalho.
Do ponto de vista da duração do tempo de trabalho, a partir de nosso levantamento
junto aos microdados da Pesquisa Nacional de Amostragem Domiciliar (PNAD), elaborada pelo
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), defendemos a ideia de que, no período
demarcado entre 2004-2009, houve a constituição de um terceiro padrão da extensão do trabalho
no país. Neste padrão podemos observar um movimento significativo de maior padronização das
jornadas de trabalho de acordo com o ordenamento legal permitido pela Carta Magna.
Conforme indica a Tabela 15, na evolução do tempo de trabalho brasileiro, os
trabalhadores ocupados em idade ativa, que laboram no patamar das 40 às 44 horas semanais,
passaram de 33,6% (2004) para 40,3% (2009), ao mesmo tempo em que aqueles situados na faixa
das 45 horas semanais ou mais caíram de 37,9% (2004) para 31,8% (2009).
O destaque fica para o ano de 2007, onde pela primeira vez na história do país se verifica
a situação de maior percentual relativo da PEA executando jornadas segundo os parâmetros
legais. Desde então, tal tendência se mostrou consistente até o nosso último ano da série (2009)
analisada neste trabalho.
Não obstante, seguindo a base de dados, continuou a ser pequeno o percentual no país dos
que trabalham abaixo das 14 horas (5,8% em 2009) e manteve-se razoavelmente os demais
trabalhadores que executam jornadas na faixa entre 15 e 39 horas, alcançando 22% em 2009.
Tudo indica, portanto, que aparentemente o Brasil conseguiu reverter, ainda que
conjunturalmente, aquela tendência histórica de predomínio das sobrejornadas, a despeito de
continuar relativamente alto o contingente dos trabalhadores que perseguem longas jornadas
(algo perto de 30 milhões em 2009).
111
Tabela 15 - Evolução do tempo de trabalho (Nº horas habitualmente trabalhadas por semana – todos os trabalhos – dez anos ou mais de idade) – Brasil:
2004-2009
Grupos de Horas trabalhadas por
semana em todos os trabalhos
Ano
2004 2005 2006
(Em Milhões) (%) (Em Milhões) (%) (Em Milhões) (%)
Até 14 horas 5,36 6,3 6,10 7,0 6,32 7,1
15 a 39 horas 18,69 22,1 19,21 22,1 19,68 22,2
40 a 44 horas 28,41 33,6 29,62 34,1 30,39 34,3
45 horas ou mais 32,09 37,9 31,88 36,7 32,29 36,4
Sem declaração 0,04 0,0 0,03 0,0 0,05 0,1
Total 84,60 100,0 86,84 100,0 88,73 100,0
2007 2008 2009
(Em Milhões) (%) (Em Milhões) (%) (Em Milhões) (%)
Até 14 horas 5,89 6,6 5,71 6,2 5,37 5,8
15 a 39 horas 19,49 21,7 20,04 21,7 20,41 22,0
40 a 44 horas 33,40 37,1 35,81 38,8 37,39 40,3
45 horas ou mais 31,12 34,6 30,83 33,4 29,52 31,8
Sem declaração - - - - - -
Total 89,90 100,0 92,39 100,0 92,69 100,0
Fonte: Microdados PNAD-IBGE, 2004-2009. Elaboração própria.
Com base na Tabela 16, nos é permitido inferir a evolução do tempo de trabalho segundo
o sexo. No caso dos homens continuou a registrar-se uma fraca incidência dos mesmos em
trabalhos situados abaixo das 14 horas semanais e a manutenção num patamar baixo daqueles que
laboram na faixa entre as 15 e 39 horas semanais.
112
Tabela 16 - Evolução do tempo de trabalho (Nº horas habitualmente trabalhadas por semana – todos os trabalhos – dez anos ou mais de idade, segundo
sexo) – Brasil: 2004-2009
Grupos de Horas habitualmente trabalhadas por semana em todos
os trabalhos
Ano
2004 2005 2006
(Em Milhões) (%) (Em Milhões) (%) (Em Milhões) (%)
Homem
Até 14 horas 1,46 3,0 1,70 3,4 1,77 3,5
15 a 39 horas 7,61 15,5 7,76 15,4 8,11 15,9
40 a 44 horas 17,43 35,4 18,34 36,5 18,73 36,7
45 horas ou mais 22,71 46,1 22,47 44,7 22,42 43,9
Sem declaração - - - - - -
Total 49,21 100,0 50,27 100,0 51,03 100,0
Mulher
Até 14 horas 3,89 11,0 4,40 12,0 4,54 12,1
15 a 39 horas 11,08 31,4 11,45 31,3 11,57 30,7
40 a 44 horas 10,99 31,1 11,28 30,9 11,66 31,0
45 horas ou mais 9,38 26,5 9,41 25,8 9,87 26,2
Sem declaração - - - - - -
Total 35,34 100,0 36,54 100,0 37,64 100,0
2007 2008 2009
(Em Milhões) (%) (Em Milhões) (%) (Em Milhões) (%)
Homem
Até 14 horas 1,72 3,3 1,56 2,9 1,54 2,9
15 a 39 horas 7,98 15,4 8,25 15,5 8,24 15,5
40 a 44 horas 20,41 39,4 22,13 41,6 22,90 43,1
45 horas ou mais 21,75 41,9 21,25 39,9 20,51 38,6
Sem declaração - - - - - -
Total 51,86 100,0 53,19 100,0 53,20 100,0
Mulher
Até 14 horas 4,17 11,0 4,15 10,6 3,82 9,7
15 a 39 horas 11,51 30,3 11,79 30,1 12,17 30,8
40 a 44 horas 12,98 34,1 13,68 34,9 14,49 36,7
45 horas ou mais 9,37 24,6 9,58 24,4 9,01 22,8
Sem declaração - - - - - -
Total 38,03 100,0 39,20 100,0 39,49 100,0
Fonte: Microdados PNAD-IBGE, 2004-2009. Elaboração própria.
No entanto, a despeito do maior contingente sempre ter se situado no nível das 40 a 44
horas semanais, houve, no período analisado, um movimento de inversão daqueles que cumprem
longas jornadas (saindo de 46,1% em 2004 para 38,6% em 2009), para o nível mais padronizado
113
das horas trabalhadas segundo a normatização legal: de 35,4% em 2004 passou-se para 43,1% em
2009, sendo que esta inflexão começa a ganhar maior dinâmica a partir de 2008. Nesse sentido,
fica claro que se trata de uma tendência na PEA masculina brasileira de maior padronização em
suas jornadas de trabalho.
Já no que tange ao comportamento do padrão feminino, no período em referência,
verifica-se que na faixa de até 14 horas o contingente absoluto e o percentual relativo caíram (de
11% para 9,7%); na faixa entre 15 a 39 horas o contingente absoluto aumentou, mas o percentual
relativo caiu (de 31,4% para 30,8%), embora ainda seja alto (contando com quase 31% da PEA
feminina); na faixa entre 40 a 44 horas, por sua vez, tanto o contingente absoluto quanto o
percentual relativo aumentaram, principalmente a partir de 2007 (de 31,1% para 36,7%) e,
finalmente, na faixa de 45 horas ou mais, ao contrário, tanto o contingente absoluto como ainda o
percentual relativo caem, especialmente também após 2007 (de 26,5% para 22,8%).
Diferentemente do ocorrido com os homens, a PEA feminina somente atinge o maior
contingente absoluto e o percentual relativo de trabalhadoras, laborando no patamar das 40 às 44
horas semanais, a partir de 2006, deixando em segundo lugar aqueles atinentes a faixa entre 15 a
39 horas. E esta tendência segue adiante até 2009. No último ano da série, cerca de 15 milhões de
mulheres ocupadas passaram a laborar entre 40 a 44 horas semanais e perto de 12 milhões delas
alcançaram a faixa entre 15 a 39 horas.
Não obstante, em 2007 começa a inflexionar tanto o contingente absoluto quanto o
percentual relativo daquelas que executavam sobrejornadas em direção a maior padronização das
jornadas de trabalho femininas nos marcos da legislação constitucional. Por outro lado, continuou
a se evidenciar o contraste entre o comportamento masculino, em que 81,7% realizam trabalhos
acima das 40 horas semanais, e o feminino, em que esse patamar atinge apenas de 59,5% do total
de ambos os sexos da força de trabalho ocupada em idade ativa.
A partir da Tabela 17, podemos verificar a relação entre grupos de horas habitualmente
trabalhadas por semana segundo posição na ocupação de atividade do trabalho principal. Em
geral, observamos que em todas as categorias houve queda das sobrejornadas, ficando a exceção
apenas para o autoconsumo, que perdeu participação na estrutura ocupacional.
114
Tabela 17 – Pessoas de 10 anos ou mais de idade, ocupadas na semana de referência, por grupos de horas habitualmente trabalhadas por semana no trabalho principal, por posição na ocupação de
atividade do trabalho principal (%) – Brasil: 2004-2009
Posição na Ocupação na atividade do
trabalho principal
Ano
2004 2005 2006
Até 14 15 a 39 40 a 44 45 ou mais
Até 14 15 a 39 40 a 44 45 ou mais
Até 14 15 a 39 40 a 44 45 ou mais
Empreg. c/ cart. 0,5 8,4 48,9 42,1 0,5 8,6 49,8 41,1 0,5 8,8 49,7 40,9
Militar 0,0 10,4 54,9 34,7 0,8 7,7 59,5 31,7 0,3 9,3 59,0 31,4
Func. Púb. Estat. 0,6 29,5 48,7 21,1 0,7 29,5 48,9 21,0 0,6 28,9 49,6 21,0
Out. Emp. s/ cart. 3,0 22,0 35,4 39,6 3,5 22,6 35,4 38,5 3,6 23,8 35,6 37,0
Emp. s/ dec. de cart. 0,0 50,1 49,9 0,0 - - - - 0,0 0,0 100,0 0,0
Dom. c/ carteira 1,1 15,0 35,4 48,5 1,1 12,6 37,5 48,8 1,3 15,0 34,8 48,8
Dom. s/ carteira 11,6 36,1 20,4 31,8 11,9 36,8 20,1 31,3 13,0 39,0 18,8 29,2
Dom. s/ dec. de cart. 0,0 100,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 57,8 42,2
Conta- própria 7,0 26,0 22,3 44,5 8,1 26,0 23,6 42,2 8,5 26,7 23,2 41,5
Empregador 1,9 10,7 24,3 63,0 1,5 10,8 25,3 62,3 1,7 10,9 24,8 62,5
Autoconsumo 55,5 33,3 6,5 4,6 56,8 32,8 5,9 4,5 55,4 32,5 6,6 5,4
Autoconstrução - - - - 20,5 47,9 16,5 15,1 20,7 38,2 21,0 20,0
Não remunerado 15,1 54,2 14,2 16,4 16,4 54,3 13,9 15,4 18,0 52,0 13,5 16,4
2007 2008 2009
Até 14 15 a 39 40 a 44
45 ou mais
Até 14 15 a 39 40 a 44 45 ou mais
Até 14 15 a 39 40 a 44 45 ou mais
Empreg. c/ cart. 0,7 7,9 53,1 38,2 0,3 7,9 55,6 36,2 0,4 7,8 57,8 34,1
Militar 1,1 9,0 60,2 29,7 0,2 7,9 57,9 34,0 0,4 9,4 65,2 25,0
Func. Púb. Estat. 0,9 28,0 51,6 19,5 0,5 28,5 52,1 18,9 0,5 26,9 54,6 18,0
Out. Emp. s/ cart. 3,6 24,2 37,1 35,2 3,5 25,2 37,3 34,0 3,5 26,0 38,7 31,8
Emp. s/ dec. de cart. - - - - - - - - - - - -
Dom. c/ carteira 1,8 14,5 38,3 45,4 1,0 13,5 41,8 43,8 0,7 14,6 42,0 42,8
Dom. s/ carteira 12,4 38,1 21,3 28,2 12,8 39,4 21,4 26,4 13,0 42,5 20,2 24,3
Dom. s/ dec. de cart. - - - - - - - - - - - -
Conta- própria 7,6 26,4 25,3 40,7 7,9 27,8 25,9 38,4 7,6 28,5 26,6 37,2
Empregador 1,7 11,4 26,1 60,7 1,8 11,6 28,3 58,3 2,0 10,8 29,3 57,9
Autoconsumo 48,5 35,9 9,9 5,7 47,7 37,5 8,6 6,1 44,3 40,0 9,1 6,6
Autoconstrução 28,5 39,8 16,2 15,5 23,4 36,9 16,9 22,8 24,7 35,5 23,0 16,8
Não remunerado 18,6 51,6 14,8 15,0 19,1 51,5 13,7 15,8 17,4 53,0 14,4 15,3
Fonte: Microdados PNAD-IBGE, 2004-2009. Elaboração própria.
Comparado aos anos 1999-2003, continuaram sendo os mesmos, e na mesma colocação
aqueles que executam as longas jornadas, com a diferença de que em todos estes ocorreu uma
115
diminuição expressiva do percentual relativo à realização das horas extras, de maneira
decrescente em 2009: (i) empregador (57,9%); (ii) doméstica com carteira (42,8%); (iii) conta
própria (37,2%); (iv) empregado com carteira (34,1%) e (v) empregado sem carteira (37,2%).
Ao longo da série analisada (2004-2009), aumentou o contingente absoluto e o percentual
relativo do empregado com carteira (34,91% da PEA), sendo que houve um movimento de queda
do volume inserido na faixa das 45 horas semanais ou mais que se deslocou para o patamar das
40 a 44 horas semanais, de modo quase equivalente.
No caso do conta própria há um leve aumento do contingente absoluto seguido por uma
queda do percentual relativo (20,47% da PEA), onde se nota o mesmo movimento de
deslocamento, de pouco mais da metade do volume de trabalhadores, da faixa das 45 horas ou
mais para a das 40 a 44 horas semanais. Ressalta-se ainda a inflexão ocorrida com os outros
empregados sem carteira, onde se verifica a predominância, a partir de 2007, do patamar das 40 a
44 horas semanais, mantendo-se até 2009.
Estes números ilustram a forte tendência de redução das longas jornadas no país,
acompanhada pela maior padronização da duração do trabalho de acordo com a legislação,
especialmente através do impacto da queda ocorrida na posição do empregado com carteira, que
passou a representar pouco mais de 1/3 da PEA ocupada no Brasil, na qual se destaca uma
diminuição em torno de 9 p.p.61
A Tabela 18, por sua vez, indica as faixas de horas habitualmente trabalhadas pela
população ocupada segundo os grupos de ocupação na atividade do trabalho principal, entre 2004
e 2009. Da mesma forma, em todos os grupos ocupacionais houve uma queda importante no
volume dos que executam longas jornadas.
Tabela 18 - Pessoas de 10 anos ou mais de idade, ocupadas na semana de referência, por grupos de horas habitualmente trabalhadas por semana no trabalho principal, por grupos de ocupação na
61
Ver Anexo – Tabela 1.
116
atividade do trabalho principal (%) – Brasil: 2004-2009
Grupos de Ocupação do trabalho principal
Ano
2004 2005 2006
Até 14 15 a 39 40 a 44 45 ou mais
Até 14 15 a 39 40 a 44 45 ou mais
Até 14 15 a 39 40 a 44 45 ou mais
Dirigentes em geral 1,7 10,6 37,8 49,8 1,5 11,0 39,6 47,8 1,4 11,0 38,1 49,4
Profissionais das ciências e das artes
4,9 36,1 42,3 16,7 6,2 36,1 41,0 16,7 5,9 35,5 41,1 17,4
Técnicos de nível médio 4,2 29,5 44,7 21,5 4,8 29,2 45,0 21,0 4,6 28,9 45,6 20,9
Trab. de serviços administrativos
1,3 20,1 54,3 24,3 1,4 21,3 54,0 23,3 1,2 20,9 54,1 23,8
Trabalhadores dos serviços 6,8 26,7 28,6 37,8 7,1 26,3 29,5 37,1 7,3 27,6 28,9 36,2
Vend. e prest. de serviço do comércio
7,6 23,0 25,6 43,7 8,2 23,0 26,5 42,2 9,0 22,1 26,6 42,2
Trabalhadores agrícolas 15,4 32,6 21,5 30,5 17,4 32,8 21,3 28,5 18,2 32,7 21,6 27,5
Trab. da produção de bens e serviços e de reparação e
manutenção 2,5 11,9 40,7 44,8 3,0 12,5 41,8 42,7 2,9 12,8 41,9 42,2
Membros das forças armadas e auxiliares
0,2 15,5 44,5 39,9 0,8 14,5 45,5 39,3 0,5 15,5 47,9 36,2
Ocup. mal defin. ou não declar.
9,1 38,2 36,4 16,4 4,0 52,0 32,0 12,0 0,0 16,7 50,0 33,3
Ocupações mal definidas - - - - - - - - - - - -
2007 2008 2009
Até 14 15 a 39 40 a 44
45 ou mais
Até 14 15 a 39 40 a 44 45 ou mais
Até 14 15 a 39 40 a 44 45 ou mais
Dirigentes em geral 1,7 11,0 42,5 44,8 1,5 11,2 42,3 45,0 1,7 9,8 44,0 44,6
Profissionais das ciências e das artes
5,8 34,9 43,9 15,4 5,5 36,4 44,3 13,8 4,6 35,2 46,4 13,7
Técnicos de nível médio 4,5 27,1 48,4 19,9 4,0 27,3 49,7 19,0 4,4 25,6 52,0 18,1
Trab. de serviços administrativos
1,6 20,3 56,8 21,3 1,0 21,7 57,4 19,9 1,1 20,2 60,0 18,6
Trabalhadores dos serviços 7,0 26,3 32,0 34,8 6,9 27,2 33,3 32,6 6,7 28,3 34,2 30,8
Vend. e prest. de serviço do comércio
7,6 22,0 31,0 39,5 7,9 22,3 31,1 38,8 7,5 22,6 33,2 36,7
Trabalhadores agrícolas 16,9 33,3 22,6 27,2 17,4 33,5 23,3 25,8 15,3 34,3 24,1 26,3
Trab. da produção de bens e serviços e de reparação e
manutenção 2,8 12,2 44,4 40,6 2,3 11,7 47,0 39,0 2,4 12,3 48,8 36,4
Membros das forças armadas e auxiliares
0,8 14,4 47,4 37,4 0,7 12,2 47,5 39,6 0,4 13,9 52,1 33,6
Ocup. mal defin. ou não declar.
- - - - - - - - - - - -
Ocupações mal definidas 5,7 22,9 45,7 25,7 5,6 22,2 61,1 11,1 - - - -
Fonte: Microdados PNAD-IBGE, 2004-2009. Elaboração própria.
Ainda que os vendedores e prestadores de serviço do comércio tenham se situado em
segundo lugar no ranking das sobrejornadas, ao passo da queda para terceiro dos trabalhadores da
produção de bens e serviços e de reparação e manutenção, podemos identificar três movimentos:
117
(i) aqueles em que a faixa das 40 a 44 horas semanais desde sempre fora o padrão
majoritário da jornada dos trabalhadores e que sofreu um processo ainda maior de padronização
de suas jornadas, sob o efeito deslocamento causado pela diminuição do percentual que
executava 45 horas ou mais, tais como: profissionais das ciências e das artes, técnicos de nível
médio, trabalhadores dos serviços administrativos e membros das forças armadas;
(ii) aqueles em que ocorre forte deslocamento do percentual referente às 45 horas
semanais em direção ao patamar das 40 a 44 horas, mas, no entanto, as sobrejornadas continuam
sendo a faixa mais representativa, como por exemplo: dirigentes em geral, vendedores e
prestadores de serviço do comércio e trabalhadores agrícolas – embora o patamar das 15 às 39
horas seja majoritário ainda – e, finalmente,
(iii) aqueles em que ocorreu um processo de inflexão das 45 horas semanais ou mais em
direção ao patamar das 40 às 44 horas, a seguir: trabalhadores dos serviços e trabalhadores da
produção de bens e serviços e de reparação e manutenção.
Entre 2004 e 2009, aumentou pouco o contingente dos dirigentes em geral e dos
vendedores e prestadores de serviço do comércio e foi expressiva a elevação dos trabalhadores
dos serviços e dos trabalhadores da produção de bens e serviços e de reparação e manutenção
pari passo a queda vertiginosa dos trabalhadores agrícolas.
Dentre estes grupos ocupacionais mais representativos, quanto à execução das
sobrejornadas, os trabalhadores dos serviços e da produção de bens e serviços e de reparação e
manutenção obtiveram maior percentual relativo da PEA em 2009, se comparado ao padrão
anterior (1999-2003), e os vendedores e prestadores de serviço do comércio apresentaram leve
queda relativa em termos percentuais.
Em conjunto, este grupo dos serviços passou a contar com 53,26% da PEA ocupada62
, em
que se verifica uma substantiva redução das longas jornadas rumo a maior padronização das
mesmas na faixa das 40 às 44 horas semanais, com a exceção dos vendedores de comércio, do
qual não foi possível ultrapassar ainda a realidade das sobrejornadas.
62
Ver Anexo – Tabela 2.
118
Segundo os grupos de horas trabalhadas por ramos de atividade do trabalho principal, no
período 2004-2009 (Tabela 19), se constata também uma queda geral do percentual daqueles que
cumprem longas jornadas.
Tabela 19 - Pessoas de 10 anos ou mais de idade, ocupadas na semana de referência, por grupos de horas habitualmente trabalhadas por semana no trabalho principal, por ramos de atividade do
trabalho principal (%) – Brasil: 2004-2009
Ramos de atividade do
trabalho principal
Ano
2004 2005 2006
Até 14 15 a 39 40 a 44 45 ou mais
Até 14 15 a 39 40 a 44 45 ou mais
Até 14 15 a 39 40 a 44 45 ou mais
Agrícola 15,3 32,5 21,5 30,8 17,3 32,7 21,1 28,8 18,1 32,5 21,6 27,8
Ind. da Transf. 3,1 13,4 47,2 36,2 4,1 14,5 46,6 34,7 3,7 14,1 47,6 34,5
Ind. da Constr. 1,4 9,0 43,7 45,8 1,5 9,3 46,3 43,0 1,7 9,8 45,4 43,1
Outras ativ. Ind. 3,0 13,2 47,6 36,2 3,9 14,3 47,2 34,5 3,6 13,9 48,1 34,3
Com. de Merc. 5,1 16,9 30,5 47,5 5,3 17,2 32,0 45,5 5,8 16,4 32,1 45,6
Prest. de Serv. 7,8 27,4 22,8 41,9 7,8 27,3 23,8 41,0 8,3 29,1 22,3 40,2
Serv. Auxiliares - - - - - - - - - - - -
Transp. e comum. 2,4 13,7 31,5 52,2 2,7 13,7 34,0 49,4 2,3 14,4 32,4 50,7
Social 3,8 41,6 40,9 13,7 4,5 42,0 39,5 14,1 4,4 41,6 40,1 14,0
Admin. Pública 1,1 26,1 54,9 17,9 0,9 26,3 55,3 17,4 1,1 27,1 55,5 16,3
Outras atividades - - - - - - - - - - - -
Outros serviços 11,8 30,8 25,7 31,7 14,3 29,1 25,3 31,4 13,2 29,4 25,7 31,7
2007 2008 2009
Até 14 15 a 39 40 a 44
45 ou mais
Até 14 15 a 39 40 a 44 45 ou mais
Até 14 15 a 39 40 a 44 45 ou mais
Agrícola 16,8 33,3 22,5 27,3 17,2 33,2 23,4 26,1 15,2 34,0 24,2 26,6
Ind. da Transf. 3,5 13,4 49,9 33,2 3,1 13,3 52,8 30,8 3,2 13,7 54,6 28,5
Ind. da Constr. 2,4 10,4 47,3 39,8 1,6 9,9 49,9 38,6 1,5 10,0 52,8 35,7
Outras ativ. Ind. 3,4 13,2 50,3 33,1 2,9 13,1 53,3 30,7 3,0 13,6 55,1 28,4
Com. de Merc. 4,9 16,6 35,6 42,9 4,5 15,7 37,4 42,4 4,7 16,2 39,6 39,5
Prest. de Serv. 8,2 28,0 25,8 38,1 8,2 28,9 26,4 36,5 8,3 30,6 26,4 34,7
Serv. Auxiliares - - - - - - - - - - - -
Transp. e comum. 2,5 13,4 36,4 47,7 2,2 14,0 38,5 45,3 1,8 14,2 39,8 44,2
Social 4,5 39,6 43,6 12,4 3,8 41,0 42,8 12,4 3,8 38,9 45,9 11,4
Admin. Pública 1,3 25,1 58,1 15,6 1,1 26,4 57,7 14,8 0,8 24,8 60,7 13,7
Outras atividades 9,0 33,3 33,8 23,8 9,4 34,2 32,2 24,3 7,9 40,9 35,0 16,3
Outros serviços 12,7 30,5 27,8 29,1 12,6 31,3 28,2 27,9 11,3 31,4 30,7 26,7
Fonte: Microdados PNAD-IBGE, 2004-2009. Elaboração própria.
119
Consoante ao que ocorreu anteriormente, com as categorias ocupacionais, neste quesito
dos ramos de atividade econômica três movimentos se destacam:
(i) aqueles em que a faixa das 40 a 44 horas semanais desde sempre fora o padrão
majoritário da jornada dos trabalhadores e que sofreu um processo ainda maior de padronização
de suas jornadas, sob o efeito deslocamento causado pela diminuição do percentual que
executava 45 horas ou mais, tais como: indústria da transformação, outras atividades industriais,
social e administração pública;
(ii) aqueles em que ocorre forte deslocamento do percentual referente às 45 horas
semanais em direção ao patamar das 40 a 44 horas, mas, no entanto, as sobrejornadas continuam
sendo a faixa mais representativa, como por exemplo: agrícola – embora o patamar das 15 às 39
horas seja majoritário ainda –, prestação de serviços e transporte e comunicação e, finalmente,
(iii) aqueles em que ocorreu um processo de inflexão das 45 horas semanais ou mais em
direção ao patamar das 40 às 44 horas, a seguir: indústria da construção e comércio de
mercadorias.
Ao longo do período analisado, em todos os ramos de atividade ocorreu um leve aumento
do contingente absoluto e do percentual relativo, com exceção do setor agrícola que caiu
vertiginosamente em ambos. Novamente, manteve-se inalterado o nicho privilegiado das
sobrejornadas representado pelos cinco setores, respectivamente, em ordem decrescente, em
2009: transporte e comunicação (44,2%), comércio de mercadorias (39,5%), indústria da
construção (35,7%), prestação de serviços (34,7%) e indústria da transformação (28,5%).
Por outro lado, estes ramos que passaram a representar 55,51% da PEA em 2009, podem
ser divididos em dois grupos: os dos serviços (34,26% da PEA) e os da indústria (21,25% da
PEA)63
. No primeiro caso, verifica-se que transporte e comunicação e prestação de serviços
alcançaram um patamar bastante razoável de redução das sobrejornadas, ainda que ela
continuasse a ser predominante, ao contrário do comércio de mercadorias, onde houve uma
inflexão das longas jornadas em direção a maior padronização.
63
Ver Anexo – Tabela 3.
120
Nos setores industriais, é nítida a queda importante das horas extras na indústria da
transformação, que já se constituía de um setor com jornadas de trabalho mais padronizadas, e
chama à atenção a redução substantiva ocorrida na indústria da construção, algo perto de 10 p.p.
Portanto, o setor de serviços, a despeito do quadro de maior padronização das jornadas, continua
a conformar o nicho fundamental das longas horas trabalhadas no país.
Já a Tabela 20 nos possibilita analisar a relação das faixas de horas trabalhadas pela
população ocupada brasileira com as classes de rendimento mensais na atividade do trabalho
principal. Com base nesses dados, podemos notar - seguindo a mesma tendência das demais
categorias anteriores - a ocorrência de uma queda generalizada em todas as classes de rendimento
mensais do trabalho.
Além disso, verificamos também um processo evidente de padronização das jornadas de
trabalho, que se dá em quase todas as classes de rendimentos, com exceção da faixa de até ½
salário mínimo (onde o patamar das 15 a 39 horas semanais continua sendo maior) e da faixa de
> 20 salários mínimos (em que, apesar de ter sofrido um diminuição importante, o nível das 45
horas semanais ou mais ainda se mantêm superior).
Ademais, entre 2004-2009 houve um aumento do contingente absoluto e do percentual
relativo de todas as faixas de baixa renda até a classe de rendimento de > 2 a 3 salários mínimos.
Por outro lado, nas faixas de > 3 a 5 salários mínimos até > 20 salários mínimos, ao contrário, é
nítida tanto a queda do contingente absoluto quanto do percentual relativo das mesmas.
Na realidade, o que acontece é um aumento expressivo da base da população trabalhadora
ocupada - que percebe rendimentos situados entre até ½ a 1 salário mínimo e > 1 a 2 salários
mínimos - que em 2009 chegou a representar 52,16% da PEA64
. Foram nestas classes onde se
verificou o forte movimento de redução das sobrejornadas.
64
Ver Anexo – Tabela 4.
121
Tabela 20 - Pessoas de 10 anos ou mais de idade, ocupadas na semana de referência, por grupos de horas habitualmente trabalhadas por semana no trabalho principal, por classes de rendimento mensal
em atividade do trabalho principal (%) – Brasil: 2004-2009
Classes de rendimento
mensal no trabalho principal
Ano
2004 2005 2006
Até 14 15 a 39 40 a 44 45 ou mais
Até 14 15 a 39 40 a 44 45 ou mais
Até 14 15 a 39 40 a 44 45 ou mais
Até 1/2 S.M. 18,4 42,7 18,0 20,9 18,6 41,7 18,0 21,6 19,6 42,7 17,4 20,3
> 1/2 a 1 S.M. 3,3 24,8 32,7 39,2 3,6 23,9 34,0 38,5 3,8 25,4 33,7 37,2
> 1 a 2 S.M. 1,3 14,8 39,3 44,6 1,2 14,0 41,2 43,6 1,3 14,1 41,7 42,8
> 2 a 3 S.M. 0,9 12,3 41,3 45,5 1,0 12,1 42,0 44,9 1,0 12,9 41,0 45,1
> 3 a 5 S.M. 1,0 13,0 40,3 45,6 1,0 13,7 41,7 43,6 1,0 14,0 42,8 42,1
> 5 a 10 S.M. 0,9 12,9 42,7 43,4 1,1 11,8 44,7 42,3 1,1 12,5 43,8 42,6
> 10 a 20 S.M. 0,7 11,6 43,3 44,4 0,9 10,9 43,2 44,9 0,9 10,5 41,7 46,9
> 20 S.M. 0,8 8,7 34,3 56,2 0,7 9,4 35,2 54,6 0,9 9,8 35,6 53,5
Sem rendimento 29,7 46,5 11,6 12,1 32,2 45,9 10,9 11,1 33,7 43,6 10,8 11,9
Sem declaração 3,3 19,2 34,3 42,8 4,4 16,9 35,0 43,2 3,8 15,1 36,6 44,2
2007 2008 2009
Até 14 15 a 39 40 a 44
45 ou mais
Até 14 15 a 39 40 a 44 45 ou mais
Até 14 15 a 39 40 a 44 45 ou mais
Até 1/2 S.M. 19,0 43,5 18,2 19,3 18,7 44,0 18,9 18,4 19,4 45,1 18,2 17,2
> 1/2 a 1 S.M. 4,2 26,4 35,1 34,3 3,1 25,6 37,5 33,8 3,1 26,6 38,6 31,7
> 1 a 2 S.M. 1,5 14,1 45,0 39,4 1,1 13,9 47,1 37,9 1,0 14,3 49,1 35,6
> 2 a 3 S.M. 1,5 12,0 43,9 42,5 0,9 12,3 47,1 39,8 0,9 12,6 48,0 38,4
> 3 a 5 S.M. 1,0 13,1 45,2 40,6 1,0 12,8 46,0 40,1 1,0 12,1 48,5 38,4
> 5 a 10 S.M. 1,2 12,4 44,5 41,8 0,9 12,5 47,2 39,4 0,9 12,2 48,4 38,5
> 10 a 20 S.M. 1,0 10,6 44,2 44,3 0,6 11,7 44,3 43,4 0,8 10,7 47,5 40,9
> 20 S.M. 1,0 8,1 36,0 55,0 1,5 11,5 36,8 50,2 0,8 8,7 36,7 53,8
Sem rendimento 31,1 44,8 12,8 11,2 32,6 45,0 11,4 11,0 30,1 46,8 12,0 11,1
Sem declaração 4,6 19,4 38,8 37,2 5,1 18,7 39,3 36,9 3,9 16,1 44,7 35,3
Fonte: Microdados PNAD-IBGE, 2004-2009. Elaboração própria.
Todavia, as alterações nas posições das maiores sobrejornadas no país revelaram o
seguinte movimento: na medida em que aumenta o rendimento do trabalho, aumenta a execução
da sobrejornada. Certamente, isso tem a ver com o processo de flexibilização da jornada de
trabalho e da remuneração variável, a exemplo da PLR, dentre outros mecanismos utilizados
pelas empresas que atrelam o maior patamar de rendimento ao nível de maior disposição e
desempenho do trabalhador para com o seu labor. Também devido ao fato daqueles que
122
percebem maiores rendimentos, em grande medida, exercerem atividades e/ou cargos de
confiança, o que geralmente implica em jornadas mais elevadas.
De modo geral, é possível destacar três padrões, segundo as classes de renda do trabalho:
(i) naqueles que auferem até ½ salário mínimo há um efeito deslocamento da faixa das 45
horas semanais ou mais para a faixa das 15 a 39 horas, acompanhado de um aumento tímido da
faixa das 40 a 44 horas;
(ii) no outro extremo, naqueles que percebem rendimentos de > 20 salários mínimos há
uma queda importante do patamar das 45 horas ou mais e um aumento do patamar das 40 a 44
horas semanais, mas as sobrejornadas ainda predominam e,
(iii) naqueles situados entre os dois limites das classes de rendimento (de > ½ a 1, > 1 a 2,
> 2 a 3, > 3 a 5, > 5 a 10 e > 10 a 20 salários mínimos) há um processo de forte inflexão do nível
das 45 horas ou mais para as 40 a 44 horas semanais de trabalho.
Portanto, em franco contraste àquele vigorado nos padrões da extensão do trabalho da
década de 1990, fica explícito o movimento de maior padronização das jornadas de trabalho
ocorrido ao longo de 2004-2009 promovido pela grande concentração das 40 a 44 horas semanais
nas classes de rendimento que compõem a base da população trabalhadora ocupada brasileira.
Em síntese, a constituição do terceiro padrão da duração do trabalho no Brasil foi
marcado por uma conjuntura mais favorável de promoção do crescimento econômico, de
melhorias nos indicadores do mercado de trabalho, de certo arrefecimento do processo de
flexibilização e desregulamentação das relações de trabalho e da tentativa de retomada do
protagonismo da ação sindical.
A partir de 2004, o país assistiu a um crescimento mais intenso do PIB, em grande
medida, devido as melhores condições propiciadas pelo cenário internacional, do qual o governo
soube aproveitar para efetuar as políticas de estímulo ao fortalecimento do mercado interno e
consolidar o consumo massificado em uma economia capitalista periférica.
123
A manutenção da inflação a níveis baixos e a ampliação do consumo e do investimento
associado a forte expansão do crédito implicou na sustentação de um ciclo de crescimento da
economia, gerando grandes impactos em termos da capacidade de criação de empregos no país.
Nesse sentido, o papel dos programas de transferência de renda e da política de valorização do
salário mínimo atuou também de modo determinante em prol da melhoria das condições de vida
da população brasileira.
Ainda que a eclosão da crise mundial em 2008 tenha trazido consequências mediatas, o
governo – não tanto com tamanha prontidão – foi capaz de reverter as expectativas pessimistas e
adotar políticas anticíclicas que, de certa forma, conseguiram retomar o rumo do crescimento
econômico ao longo do ano de 2009.
Entre 2004 e 2009, o mercado de trabalho, por sua vez, apresentou um conjunto
significativo de melhorias, conforme já analisado anteriormente: a taxa de participação das
pessoas em idade ativa aumentou, o emprego formal cresceu de modo substantivo, acompanhado
da maior formalização das empresas e dos contratos de trabalho, os rendimentos provenientes do
trabalho alcançaram uma recuperação relevante em se tratando do poder de compra, sobretudo
através do peso da elevação dos rendimentos dos setores de menor renda e as taxas médias de
desemprego mostraram-se bastante baixas.
Ao passo de um maior desempenho da economia nacional com reflexos importantes no
mercado de trabalho, o terceiro padrão de duração do trabalho no Brasil, segundo nosso
levantamento junto aos microdados da PNAD, indica um forte movimento de padronização da
jornada de trabalho, situada na faixa das 40 às 44 horas semanais, conforme a legislação
constitucional.
Ocorre, na verdade, uma importante inflexão daqueles que executam sobrejornadas (de
37,9% em 2004 para 31,8% em 2009) concomitante ao aumento expressivo do nível das 40 a 44
horas semanais (de 33,6% em 2004 para 40,3% em 2009), especialmente a partir de 2007.
Embora não seja alvo de discussão os anos posteriores àqueles delimitados na pesquisa, é
fundamental ressaltar que tanto o Censo de 2010 quanto a PNAD de 2011 reafirmam este
movimento recente ocorrido no país. Segundo o Censo de 2010, 45,9% dos trabalhadores
124
estavam situados entre 40 e 44 horas semanais e apenas 28,1% dos ocupados em idade ativa
cumpriam sobrejornadas acima de 45 horas semanais (IBGE, Censo, 2010). Já a PNAD de 2011
indica 43,6% dos mesmos laborando entre a faixa de 40 e 44 horas semanais e 30,7% na de 45
horas semanais ou mais.
No que diz respeito ao comportamento masculino e feminino da PEA ocupada entre 2004
e 2009 tal padronização das jornadas de trabalho é nítida no caso dos homens, onde se verifica
uma inversão das sobrejornadas em 2008 para o padrão das 40 às 44 horas semanais, e ainda no
caso das mulheres, em que se observa no mesmo ano o aumento do contingente absoluto e do
percentual relativo delas na faixa das 40 às 44 horas semanais, acompanhado da queda das longas
jornadas. Entretanto, continuou a persistir a enorme discrepância entre ambos, no total dos grupos
de horas habitualmente trabalhadas acima das 40 horas semanais.
Em relação à posição na ocupação, no período referendado, nota-se também uma queda
generalizada da realização de horas extras. Ressalta-se, sobretudo, o aumento considerável do
peso do empregado assalariado com carteira (quase 35% da PEA ocupada) em que há diminuição
expressiva das 45 horas ou mais sob o efeito deslocamento em direção a faixa das 40 às 44 horas.
Nas demais posições, principalmente no conta própria, é evidente a queda das longas
jornadas, mas em quase todas elas o patamar das 45 horas ou mais ainda é majoritário, embora a
níveis muito menores. Com o empregado sem carteira ocorre, ademais, uma inflexão rumo a
maior padronização das jornadas de trabalho.
De acordo com os grupos de ocupação da população ocupada em idade ativa, observou-se
um forte movimento de queda generalizada em todos os grupos ocupacionais travestido de uma
maior padronização das jornadas de trabalho, especialmente nos grupos dos serviços.
Nos ramos de atividade houve também uma queda geral do percentual daqueles que
cumprem horas extras e um forte movimento de padronização das jornadas nos setores industriais
e nos serviços, ainda que neste último em menor escala. Apenas no comércio de mercadorias
houve um processo de irrompimento das sobrejornadas.
125
Finalmente, no que se trata das classes de rendimento, em todas elas foi possível analisar
a queda generalizada das longas jornadas de trabalho. Além disso, a padronização das mesmas se
dá, em grande destaque, naquelas classes de rendimento que compõem a base majoritária da
população trabalhadora brasileira ocupada.
Em suma, conforme procuramos sustentar nessa pesquisa, os dados nos levariam à
indicação da ocorrência de uma tendência de redução substantiva das sobrejornadas no país,
acompanhada por um processo de padronização das jornadas de trabalho de acordo com a
legislação constitucional.
Nesse sentido, a questão da jornada de trabalho efetiva, no período entre 2004-2009,
passou por algumas mudanças importantes, sobretudo no que diz respeito à execução das horas
extras, onde se verifica a queda expressiva das mesmas pari passo a maior padronização do labor
segundo rege as normas legislativas. Tal tendência, por sinal, revelaria uma situação pouco mais
favorável aos trabalhadores brasileiros que, desde há muito, perseguem jornadas de trabalho das
mais extensas do mundo.
No entanto, faz-se necessário salientar a persistência ainda de um razoável percentual de
trabalhadores cumprindo sobrejornadas no país, algo perto de 1/3 da PEA ocupada, em 2009
(31,8%). Em nossa compreensão isso se deve ao fato de que aquele movimento de exacerbação
da realização das longas horas laboradas, promovida pelos capitalistas no final dos anos 1980 e
ao longo da década de 1990, não esgotou e tampouco esgotará seus limites, posto o interesse
permanente da classe patronal em buscar elevar a jornada de trabalho da classe trabalhadora.
Acontece que, em grande medida, a recuperação expressiva do emprego formal, o
aumento relativo da formalização das empresas e dos contratos de trabalho e, em parte, a própria
ação sindical mais atuante contribuíram para a ocorrência de certo arrefecimento do nível geral
de cumprimento das horas extraordinárias no país.
Por outro lado, é fundamental destacar também que, nesta conjuntura de retomada do
crescimento econômico, continuou a avançar a descaracterização, o descumprimento e a
reavaliação da forma como as horas extras são remuneradas, principalmente com a consolidação
no país do regime do banco de horas.
126
Diante da ausência de qualquer medida legislativa que prevê algum tipo de limitação
mensal ou anual sobre as horas excedidas e das inexpressivas punições ocasionadas aos
empregadores que ultrapassam os limites, estas estratégias utilizadas pela classe patronal
persistiram de maneira consistente nos últimos anos.
O fato do volume das sobrejornadas terem se reduzido ao longo do terceiro padrão da
duração do trabalho não significa que a hora extra tenha se tornado algo excepcional. Ao
contrário, ela, em muitos casos, passou a adquirir certa normalidade, inclusive de caráter até
mesmo ordinário.
Nos marcos da jornada de trabalho flexível fica cada vez mais complexo definir e
delimitar a linha divisória da execução entre as horas normais e as horas extraordinárias. E isso
certamente dificulta bastante tanto o processo de negociação coletiva quanto a própria noção do
quantum de horas suplementares foram realizadas, sobretudo quando o pagamento das mesmas
fica determinado a posteriori de seu cumprimento, em prazos mais longos que podem chegar a
um ano (CALVETE, 2006).
Além disso, continuou a avançar o processo de terciarização da atividade econômica no
país, onde o setor de serviços continua a ser o nicho privilegiado das sobrejornadas. De acordo
com o levantamento realizado em nosso estudo, o setor de serviços passou a corresponder, em
2009, a 53,29% da PEA, segundo os grupos ocupacionais e a 34,26% da PEA, segundo os ramos
de atividade. Resulta, portanto, não apenas no aumento relativo deste setor na composição total
da população economicamente ativa no país como ainda no aumento relativo deste setor no total
da atividade econômica no Brasil.
Por seu turno, é preciso reconhecer a enorme resistência adotada pelo Estado e pela classe
patronal na perspectiva de reduzir legalmente a duração do trabalho no país e tampouco admitir
qualquer possibilidade de redução ou eliminação das horas extras através das negociações e
acordos coletivos. Em geral, quando isso acontece ela vem acompanhada da flexibilização e da
intensificação da jornada de trabalho.
A partir do estudo realizado por Cardoso et al. (2011) com base nos dados do SACC-
DIEESE, referente ao ano de 2009, foram registradas 197 unidades de negociação (90% do total
127
dos acordos e convenções coletivas), das quais a temática sobre o tempo de trabalho aparece em
grande vulto. Segundo os autores, vários aspectos relacionados à dimensão da extensão do
trabalho tornaram-se alvo de negociações coletivas no Brasil no período recente.
O primeiro deles diz respeito à duração da jornada de trabalho, em que se verifica o
percentual de apenas 15% das negociações apresentando cláusulas de jornada inferior ao limite
de 44 horas semanais (principalmente jornadas de 40 horas semanais), atinentes aos setores
majoritariamente industriais, porém restringidos aos trabalhadores ocupados na área
administrativa das empresas. Nota-se ainda jornadas inferiores à 44 horas semanais nos acordos
coletivos dos trabalhadores de empresas estatais ou ex-estatais (como eletricitários) e naqueles
que laboram nos serviços de saneamento básico e telefônicos (CARDOSO et al., 2011).
O segundo deles refere-se à composição da jornada de trabalho, onde se observou de
modo mais frequente a questão da incorporação, à jornada, das horas dedicadas aos cursos e
treinamentos, seguidos pela ginástica laboral e pelas horas in itinere. Sem embargo, pouco mais
de um terço (1/3) das negociações entendiam que os cursos e treinamentos pudessem ser
executados durante a jornada de trabalho ou, dado sua impossibilidade, em horários considerados
extraordinários. A forma de remuneração prevê, em metade deles, que será adotado o adicional
de hora extra ou o sistema de compensação e a outra metade dos acordos indica que tais horas
não serão nem pagas nem compensadas. Já a ginástica laboral foi acordada em 10 unidades de
negociação: em apenas 4 delas ficou estipulado claramente o tratamento do tempo desta atividade
como incorporação à jornada de trabalho e, por fim, quanto à questão das horas in itinere
verificou-se tal cláusula em apenas 5 unidades de negociação (CARDOSO et al., 2011).
Em terceiro lugar, no que tange aos intervalos intrajornada houve avanços em 5 acordos,
onde o tempo dedicado a lanches (15 minutos) passou a ser computado enquanto horas de
trabalho. Por outro lado, 9 casos apresentaram garantias mais específicas em relação a
trabalhadores que executam serviços de digitação ou operacionalização de computadores e
daqueles que laboram em telemarketing (norma regulamentadora 17 do MTE). Em 3 acordos
notou-se finalmente algumas cláusulas versando sobre o descanso antes da realização de trabalho
excedente. No que concerne aos intervalos interjornada, poucos foram os avanços, predominando
128
acordos que asseguram o descanso de, no mínimo, 11 horas entre as duas jornadas, conforme
rege os preceitos legais (CARDOSO et al., 2011).
E, finalmente, do ponto de vista das horas extraordinárias, 96% das negociações apontam
uma ou mais cláusulas especificamente sobre essa temática. Em 26% delas, definiu-se o
percentual segundo valor único e, em mais de 70% restantes, em valores diferenciados, acordado
entre as partes. Em geral, as formas de diferenciação apresentaram o dia da semana como
referência (metade das negociações), a quantidade de horas extras de trabalho por dia como
padrão ou ainda a combinação destas duas modalidades. Por sua vez, em pouco mais da metade
das negociações analisadas o adicional previsto em lei para o pagamento das horas extras foi
devidamente executado. Ademais, em poucos acordos há previsão de limites à realização de
sobrejornadas, sendo que em quase nenhum deles se observa a existência de qualquer cláusula
que defina o volume de horas extras realizada por dia, mês ou ano, com exceção daqueles
inscritos no regime de Banco de Horas. Já quanto às faltas, em 92% dos acordos e convenções
coletivas é notório alguma cláusula tratando dessa questão. De maneira geral, todos acabam
seguindo os dispositivos legais, sendo poucos os casos em que há uma ampliação do número de
dias ausentes permitida pelas empresas (CARDOSO et al., 2011). Assim, fica explícito que, a
partir do teor das negociações coletivas realizadas ao longo do ano de 2009, não houve ação
contrária ao fim das horas extras e ao menos sequer conseguiu-se estabelecer a sua limitação.
Diante de todas estas considerações expostas até aqui se faz necessário, de nossa parte,
adotar uma perspectiva que relativiza um pouco o movimento mais recente ocorrido com a
duração da jornada de trabalho efetiva no Brasil. Essa questão pode ser melhor analisada pelo
levantamento realizado pelo SIPS (Sistema de Indicadores de Percepção Social)/ IPEA acerca da
relação entre o tempo de trabalho e o tempo de extratrabalho (ou tempo livre)65
.
65
Esta versão do Sips/Ipea levantou informações de 3.796 residentes em áreas urbanas, todos com pelo menos 18
anos de idade e com ao menos um trabalho remunerado na semana de referência do levantamento. As informações,
colhidas em âmbito domiciliar, por meio de questionário com 64 questões, versaram sobre esse trabalho dos
entrevistados. Mais especificamente, sobre o tempo cotidianamente gasto nesse trabalho e sobre seus impactos na
vida dos entrevistados. Várias informações foram coletadas, desde dados sócio-demográficos gerais (como sexo,
idade e raça, entre outros) até dados sócio-laborais bastante específicos (duração da jornada, existência de intervalos,
cobranças no ambiente de trabalho e assim por diante). Este relatório concentra-se na relação entre o tempo de
trabalho e o tempo extratrabalho (ou tempo livre), tal como ela é percebida pelos entrevistados do Sips/Ipea.
129
Segundo as conclusões apontadas pelo relatório (IPEA, 2012):
i) perto da metade dos entrevistados ressaltam dificuldades para se desligar totalmente do
trabalho, sobretudo após o horário de término de sua jornada diária;
ii) menos de um terço deles afirmam conseguir assumir outros compromissos regulares,
para além de seu trabalho;
iii) mais de um terço dos mesmos compreendem que o tempo livre vem diminuindo no
período recente, por força do tempo diariamente gasto com o trabalho;
iv) mais de um terço dos entrevistados entendem que o tempo cotidianamente dedicado ao
trabalho compromete a qualidade de vida;
v) quase a metade deles apresentam-se contrários diante da necessidade de dedicarem
parte de seu tempo livre para as atividades próprias do trabalho;
vi) apenas um quinto dos mesmos pensam efetivamente em trocar de trabalho por causa
do tempo que gastam com ele e, finalmente,
vii) quase um terço dos entrevistados sustentam que não perceberiam mudanças em seu
tempo livre, caso fossem aprovadas mudanças nas legislações que regulam a jornada de trabalho.
Conforme destaca o próprio estudo do IPEA (2012),
Em suma, para um grupo relevante dos entrevistados (composto por algo entre 30% e 50%
deles), há uma percepção comum da relação entre o tempo de trabalho e o tempo livre. E
essa percepção aponta para o fato de que o tempo de trabalho remunerado afeta bastante o
tempo livre disponível. Aponta também para o fato de que isso tem consequências
significativas para a qualidade de vida em geral (ao gerar cansaço, estresse e
desmotivação; ao prejudicar as relações familiares e as relações de amizade; ao
inviabilizar as atividades esportivas, educacionais e assim por diante). Para a definição de
quais são os entrevistados que compartilham essa percepção comum entre o tempo de
trabalho e o tempo livre, concorrem diversas características sociodemográficas e
socioeconômicas, com destaque para: posição ocupacional, jornada laboral e tempo de
vínculo, nível de instrução e de renda familiar, assim como idade e região geográfica de
residência. Não deixa de ser contraditório observar que a percepção compartilhada por
esse grupo de entrevistados, que destaca os impactos (significativos, crescentes e
negativos) do tempo de trabalho remunerado para a qualidade de vida em geral, conflita
com a leitura que se fez dos dados da Pnad/IBGE, que mostram uma aparente redução da
importância do tempo de trabalho na vida cotidiana da população brasileira. Parte da
130
explicação dessa contradição pode estar em uma espécie de “diluição” das fronteiras entre
tempo de trabalho e tempo livre, detectada a partir dos dados do Sips/Ipea. Quase metade
dos entrevistados relata que, mesmo quando é alcançado o limite da jornada diária, o
trabalho continua a lhes acompanhar, até mesmo em suas casas. Isso por conta da
necessidade de permanecer em prontidão/sobreaviso, por causa da realização de
teletrabalho (por internet, celular etc.), por conta da necessidade de preparação para o
trabalho do dia seguinte e assim por diante. Ou seja, mesmo com a maior parte da
população trabalhando menos a partir dos anos 2000, há um “esmaecimento” dos limites
entre tempo de trabalho e tempo livre, que faz com que este seja gradualmente convertido
no primeiro – sem que isto seja registrado em levantamentos como a Pnad/IBGE (IPEA,
2012, p. 22-23).
Importante registrar também que, mesmo diante desta percepção, a classe trabalhadora
não vêm conseguindo de maneira mais adequada ou suficiente enfrentar tal situação. Nesse
sentido, o relatório indica com clareza essa questão.
Frente à conversão do tempo livre em tempo de trabalho, a atitude dos entrevistados não é
de revolta, protesto ou recusa (em um âmbito individual ou, até mesmo, em um plano
coletivamente organizado), mas sim de estrita conformidade com o fato. [...] apesar da
percepção comum de que o tempo de trabalho afeta significativa, crescente e
negativamente a qualidade de vida, somente um quinto dos entrevistados do Sips/Ipea
afirma realmente pensar em trocar de ocupação por conta disso. Ao que parece, mesmo
com a melhora verificada no funcionamento do mercado laboral brasileiro nos anos 2000,
revelada pelos dados da Pnad/IBGE, trocar de ocupação ainda parece ser algo impactante
para o cotidiano da população, merecendo por isso muitos cuidados e várias precauções –
mesmo quando a ocupação atual, com seu tempo de trabalho excessivo, prejudica boa
parte desse mesmo cotidiano. Apenas os trabalhadores mais jovens, com menor renda e
com menor tempo de vínculo parecem considerar menos impactante a troca de ocupação,
com todos os efeitos desorganizadores que ela provavelmente tem para sua vida cotidiana
(IPEA, 2012, p. 23).
Sendo assim, fica explícito, portanto, que, a despeito da baixa incidência de pesquisas no
país sobre a relação do tempo de trabalho e o tempo livre, o trabalhador brasileiro assistiu a um
movimento de redução e/ou padronização de suas jornadas de trabalho que necessita ser
relativizado.
Ademais, existe muito a se discutir acerca do significado da jornada efetiva laborada
atualmente; algo que as organizações sindicais esbarram em muitas dificuldades, seja de
compreender o fenômeno e limitar-se a criticar algumas de suas consequências mais diretas, seja,
especialmente, pela posição favorável dos próprios trabalhadores ao padrão das jornadas mais
flexíveis.
131
A falta de um debate mais abrangente e crítico a essa problemática e a sua vinculação
sistemática apenas à perspectiva de uma luta que visa aumentar o volume de empregos,
desprezando sua relação com a qualidade de vida e com aumento do tempo livre, são indicações
inequívocas de que esta bandeira histórica da classe trabalhadora passou por um processo de
ressignificação, em que as disputas se circunscrevem apenas no plano mais imediato da
reprodução econômica dos trabalhadores. O contexto dos anos 2000 é muito diferente daquele
vivenciado nos anos 1990 e, mesmo assim, o movimento sindical não ousou suficientemente
avançar em uma discussão que contemplasse essa perspectiva.
Por outro lado, no âmbito dos debates travados ao longo do período recente - de maior
crescimento econômico e melhorias dos indicadores do mercado de trabalho - ganhou certa força
a ideia de se pensar uma política que retardasse a entrada do jovem e retirasse mais cedo o
trabalhador do mercado de trabalho nacional.
Acontece que, apesar da recuperação da atividade econômica e de seus impactos na
criação elevada de emprego, ainda quase um terço da população trabalhadora ocupada continua
fora do alcance de qualquer mecanismo ou direito de proteção social. Somados aos
desempregados, os trabalhadores informais terão muitas dificuldades para contribuírem para a
previdência e certamente não contarão com a aposentadoria na velhice.
Ao mesmo tempo, aqueles que hoje se encontram em condições de garantir qualquer tipo
de cobertura previdenciária sofreram, por parte do governo, uma reforma que restringe a
possibilidade de assegurar com qualidade a sua aposentadoria de modo satisfatório e, em alguns
casos de setores sindicais mais organizados, a mesma se tornou um grande negócio através dos
vultosos fundos de pensão.
De posse dessas considerações e levando em conta a previsão de envelhecimento da
população ocupada brasileira nas próximas décadas, fica difícil imaginar que tal política ganhe
maior força na sociedade, sobretudo num quadro de menor crescimento econômico e de
consequências danosas ao mercado de trabalho - que ainda não se consumaram, mas que estão a
caminho.
132
Mesmo que, de acordo com as atuais condições do desenvolvimento capitalista,
expressado pelos exultantes ganhos de produtividade, se coloque a necessidade de se perseverar
por uma limitação cada vez menor da jornada de trabalho na sociedade como um todo e,
especialmente, por um postergamento do ingresso na vida laboral realizado pelos jovens, torna-se
bastante imperioso lembrar que tal realidade somente será passível de ocorrer se as forças sociais
ousarem lutar em prol destas reivindicações.
Em suma, o que podemos observar no terceiro padrão da duração do trabalho no país,
delimitado entre o período de 2004 e 2009, é que aparentemente não apenas o volume expressivo
das sobrejornadas declinou de maneira consistente, como também houve a promoção de uma
maior padronização das horas trabalhadas de acordo com legislação vigente no Brasil, ainda que
tal movimento necessite ser de alguma forma relativizado.
Por sua vez, ao contrário do ocorrido com o aspecto da duração do trabalho no país,
marcado por um movimento discutível de padronização da jornada de trabalho, do ponto de vista
da distribuição do tempo de trabalho, muitas evidências identificam o avanço do processo de
flexibilização ao longo do período de 2004-2009. Dado se tratar de uma tendência inexorável
inscrita no atual padrão de acumulação capitalista, a busca por flexibilizar ainda mais as jornadas
de trabalho no Brasil é um processo que já vem sendo conformado desde a consolidação da
Constituição Federal de 1988.
Aliado aos mecanismos flexibilizadores históricos, observamos nos anos 1990 a enorme
pressão patronal, consoante com setores governamentais, no sentido de se flexibilizar com maior
amplitude o modo como o tempo de trabalho se distribui segundo o dia, a semana, o ano e a
escala do ciclo de vida ativa dos trabalhadores, seja através da introdução de novos elementos
advindos no bojo do processo de reestruturação produtiva, seja ainda daqueles que emanam das
alterações legislativas. Esse eixo perseguido pelos empregadores continuou a existir na
conjuntura de crescimento econômico e melhoria dos indicadores do mercado de trabalho.
Conforme sustentam algumas pesquisas, continuou a avançar o processo de flexibilização
da jornada de trabalho, a exemplo principalmente da recomposição dos turnos de revezamento e
das escalas de trabalho, do descumprimento dos descansos intra e interjornadas e da
133
descaracterização do regime de sobreaviso. Além disso, verificou-se não apenas a
regulamentação do trabalho aos domingos como também a consolidação do regime de banco de
horas (KREIN et al., 2011).
Com efeito, a classe patronal manteve um conjunto de ações percucientes visando tal
empreitada: buscou aumentar o controle dado ao tempo dos trabalhadores tanto dentro como fora
do local de trabalho; procurou se empenhar quanto à transformação das jornadas especiais de
menor duração em jornadas mais elevadas; continuou a insistir na redução do número de equipes
em turnos de revezamento, especialmente no setor industrial, com o intuito de ampliar e de
intensificar as jornadas de trabalho, dentre outras medidas (CARDOSO, 2009).
No que diz respeito às negociações coletivas, o empresariado conseguiu ainda rebaixar ou
até mesmo flexibilizar alguns direitos conquistados, embora a questão do banco de horas
continuasse a compor o mais importante elemento de disputa nas relações de trabalho no país.
Para termos uma noção concreta sobre o alcance desse regime no Brasil, em 2009 quase a metade
(96 negociações) dos acordos e convenções coletivas apresentaram algum dispositivo contratual
tratando de critérios utilizados pelos sistemas de compensação de jornada de trabalho
(CARDOSO et al, 2011).
Segundo o estudo de Cardoso et al. (2011), a partir da base SACC-DIEESE (2009),
destacam-se oito aspectos relevantes no conjunto das negociações coletivas:
(i) inicialmente, com relação à abrangência, foram observadas em 11 unidades alguns
dispositivos versando sobre o limite de abrangência do banco de horas. Em 3 delas apenas, houve
a exclusão de trabalhadores estudantes quanto à flexibilização da jornada de trabalho uma vez
que se constatasse alguma forma de prejuízo à frequência escolar. Em 1 das negociações se
verificou ainda a exclusão das mulheres com filhas em creche;
(ii) no que tange aos limites da jornada, apenas 41 unidades de negociação contaram com
disposições sobre o limite de horas extras realizadas nos regimes de banco de horas, sendo a mais
frequente a que impõe limite de 10 horas de trabalho por dia. Em 27 unidades de negociação
notou-se a adoção de limites quanto ao acúmulo de sobrejornadas: limites absolutos – em que se
prevê a não realização de mais horas extras – e limites para efeito de cômputo do saldo do banco
134
de horas, mas pagas com adicional correspondente. Em 6 negociações as horas eventualmente
trabalhadas em dias de repouso ou feriado ficaram fora do cômputo do Banco de Horas e no seu
pagamento se teria o adicional relativo à execução de horas extras. Em 1 unidade de negociação
as horas de sobreaviso ficaram excluídas do regime de compensação. Em geral, conforme indica
o levantamento sobre os acordos, muitas negociações apresentam definições sobre limites diários,
semanais, mensais ou por toda vigência do Banco de Horas. Por essa razão não se pode sustentar
a existência de um padrão dominante de limitação da jornada de trabalho;
(iii) acerca das comunicações sobre modificação na jornada, verificou-se em 17 unidades
de negociação a necessidade de comunicação prévia para compensação de horas, com prazos que
variam entre 24 a 72 horas de antecedência. Em 6 casos ficou previsto para o trabalhador a
permissão por solicitar a concessão de folga junto às empresas e em 2 negociações houve
cláusulas sobre os trabalhadores com dependentes deficientes, onde se possibilita a sua liberação
mediante comunicação prévia e sem definição de prazo para o informe;
(iv) em se tratando da relação entre horas trabalhadas e folgadas, em 32 unidades de
negociação (cerca de 1/3 delas) registrou-se a presença de alguns dispositivos. Em 13
negociações a relação é estabelecida em 1h/1h (isto é, para cada 1 hora extra, 1 hora destinada a
descanso) para todas as horas extras cumpridas. Em 8 negociações essa relação é estabelecida
somente para as horas extras realizadas em dias úteis. Em 11 negociações, a relação entre horas
trabalhadas e destinadas a descanso mostraram-se superiores ao modelo 1h/1h, com destaque para
os de 1h/1,5h (para cada 1 hora extra, uma hora e meia de descanso) e 1h/2h (para cada 1 hora
extra, 2 horas de descanso);
(v) sobre a duração e apuração das horas em crédito e débito, é comum em todos os
acordos a apresentação de dispositivos relativos ao saldo de horas restante no sistema de banco de
horas. Em 31 negociações o pagamento do saldo positivo se dá obrigatoriamente com adicional
de horas extras; somente em 2 casos o saldo é pago segundo horas normais ou fica transferida
para um outro período de compensação. Já o pagamento do saldo negativo aparece em apenas 10
negociações, sendo em 6 delas inclusas a previsão do abono, em 3 delas o desconto e em 2 delas
a exigência de compensação em novo período. Ademais, existem ainda negociações onde se
prevê a apuração do saldo de horas de menores prazos que aquele vigente junto ao acordo de
135
banco de horas. Nessas situações fica permitido ao trabalhador a apuração das horas a mais em
termos de remuneração ou de folga, ainda que em prazos curtos;
(vi) concernente ao controle da jornada, observou-se em 25 unidades de negociação a
garantia de acesso aos trabalhadores ao saldo do banco de horas. Em quase todas, a
disponibilidade das informações será de lançamento mensal, em 2 delas será semanal e, em
outras 2 delas, fica circunscrita ao pedido do próprio trabalhador. Em apenas 3 negociações está
definida garantias ao acesso ao saldo do Banco pelos sindicatos representativos da categoria;
(vii) a respeito das garantias em caso de rescisão contratual, verifica-se em 29 unidades
de negociação dispositivos contratuais para o caso de rescisão contratual durante a vigência do
Banco de Horas. Sendo o saldo positivo, em 26 delas se prevê o pagamento das horas creditadas
com adicional de hora extra. Ao contrário, sendo o saldo negativo, em 5 casos, ele poderá ser
abonado pelas empresas e, em 12 casos, poderá ser descontado das verbas rescisórias. Em 5
acordos, quando é descontado, o procedimento se restringe aos casos de demissão por justa causa
e, finalmente,
(viii) no que se refere às contrapartidas, apenas 2 negociações apresentam cláusulas
acerca dessa questão, ainda que de caráter vago, pois relacionado à manutenção do nível de
emprego. No entanto, não existem garantias seguras de que o mesmo seja cumprido (CARDOSO
et al, 2011).
Além das negociações relativas ao regime de Banco de Horas, verificaram-se também
algumas iniciativas versando sobre o sistema de sobreaviso. Segundo o levantamento, foram
observadas 35 unidades de negociação, em sua maioria contemplando a questão do plantão ou de
sobreaviso bem como os seus limites e suas remunerações. No caso das horas pagas em situação
de sobreaviso ficou estipulado que elas seriam remuneradas segundo horas normais, salvo quando
o trabalhador não seja convocado ao trabalho e pagas com o adicional de horas extras se
formalmente convocado. Em 4 negociações houve a garantia de ao menos um final de semana
livre para o trabalhador que cumpre o regime de plantão. Em outros 4 casos, estipulou-se limites
semanais ou mensais para a execução do sobreaviso e, em 5 delas, definiu-se critérios mais
136
específicos para o usufruto de folga ao trabalhador convocado fora de seu expediente
(CARDOSO et al, 2011).
Em suma, fica explícito que, uma vez consolidado o regime de Banco de horas no Brasil,
o movimento sindical não conseguiu de maneira efetiva garantir cláusulas ao menos um tanto
mais favoráveis aos seus interesses, revelando assim, no campo de disputa com a classe patronal,
uma ampla vantagem dos capitalistas em prol do avanço da flexibilização da jornada de trabalho.
Mesmo em se tratando de uma conjuntura mais propícia à atuação sindical, não foi
possível às organizações dos trabalhadores a promoção de um enfrentamento mais combativo a
esse elemento precarizador das condições e das relações de trabalho que, sobretudo, ocasiona um
grande impacto junto à reprodução social da classe trabalhadora.
Apesar do contexto de maior crescimento econômico, de melhoria nos indicadores do
mercado de trabalho e de tentativa de retomada do movimento sindical, as empresas conseguiram
manter de modo consistente as suas ações voltadas à lógica por ajustar a distribuição do tempo de
trabalho segundo os seus próprios interesses.
E isso fica patente, por exemplo, quando mencionamos acima a dificuldade notória que os
trabalhadores possuem de se desconectarem do trabalho, seja devido a necessidade de ficar em
prontidão ou sobreaviso, seja por conta das tecnologias de informação e de uso pessoal (pager,
celulares, internet), seja ainda por causa da necessidade de preparação (através do imperativo de
realização de estudos e/ou formação educacional e profissional complementar) ou simplesmente
do descanso para o dia seguinte ao trabalho (IPEA, 2012).
Nesse sentido, a ideia de que vem ocorrendo “um ‘esmaecimento’ dos limites entre tempo
de trabalho e tempo livre” (IPEA, 2012, p. 22-23), a partir da percepção dos próprios
trabalhadores brasileiros, certamente está relacionado ao conjunto de transformações ocorrido
com o tempo de trabalho nas atuais exigências da reprodução ampliada do capital66
.
Finalmente, do ponto de vista da intensidade do tempo de trabalho, ao longo do período
2004-2009 no Brasil, os estudos ressaltam a continuidade do processo de intensificação do ritmo
66
Para um amplo estudo sobre essa questão, ver CARDOSO (2009).
137
de trabalho. A despeito da baixa incidência de pesquisas acerca dessa temática há indicações
também da ocorrência de um aumento da intensidade sofrida pelo conjunto da classe trabalhadora
(DAL ROSSO, 2008).
Por se tratar de uma dimensão do tempo de trabalho em grande medida ausente nas
negociações coletivas e pouco (ou quase nada) presente na regulamentação regida pela legislação
trabalhista, isto não significa que os trabalhadores estejam passando por uma situação de menor
intensificação em seus labores e tampouco estejam satisfeitos com os mesmos.
Ao contrário, existem evidências de que as novas formas de organização do processo
produtivo e do trabalho, aliadas aos novos (e somadas aos velhos) mecanismos utilizados pelas
escolas de gestão capitalistas, diante das transformações tecnológicas e organizacionais operadas
desde a constituição do atual padrão de acumulação flexível em curso, estão propiciando uma
mudança qualitativa no modo como o trabalhador passa a se dedicar ao trabalho e, sobretudo, no
modo como ele se vê praticamente premido a executá-lo (DAL ROSSO, 2008).
De maneira geral, é plausível supor como uma tendência central do capitalismo
contemporâneo a exigência sobre os trabalhadores por maior ritmo, velocidade e agilidade das
ações, maior cobrança por resultados, maior acúmulo de tarefas, dentre outras (DAL ROSSO,
2008).
Não obstante, a introdução de novos elementos trazidos a cabo com o processo de
reestruturação produtiva, tais como a polivalência, a terceirização, a PLR, a redução dos
estoques, a redução das pausas coletivas e individuais, o aumento da cadência do trabalho, o just
in time, os trabalhos em grupo, o banco de horas, a diminuição dos intervalos e a diminuição dos
prazos para execução das tarefas, contribuem sobremaneira para a sustentação de que, na fase
atual do padrão de acumulação do capital, a classe capitalista vem conseguindo emplacar uma
maior intensificação do ritmo de trabalho, buscando eliminar todas as suas porosidades e
impondo um controle mais sofisticado sobre a realização do labor, afetando com grande impacto
a própria reprodução social dos trabalhadores (CARDOSO, 2009).
Ainda que este aspecto do tempo de trabalho tenha ganhado uma nova reconfiguração ao
longo das décadas de 1990 e 2000 no Brasil, a legislação trabalhista apresenta poucas
138
regulamentações a seu respeito. Além disso, o movimento sindical, por sua vez, vem enfrentando
uma dificuldade em lidar com essa questão no âmbito das disputas travadas com a classe
patronal.
Sem embargo, isso é o que demonstra o levantamento avalizado por Cardoso et al (2011),
a partir dos acordos e contratos coletivos realizado em 2009, com base em 197 unidades de
negociação (90% do painel do sistemas de acompanhamento do SACC-DIEESE67
).
Conforme salienta os autores, registraram-se apenas 43 cláusulas, presentes em 33
unidades de negociação (19% das negociações), que asseguram de alguma maneira a manutenção
dos trabalhadores impactados pelas inovações tecnológicas através do remanejamento de função
e/ou treinamento. Porém, não se verificou conquistas em relação aos impactos no tempo de
trabalho provenientes das inovações; ficando ausentes também cláusulas que tratam da questão
da polivalência. Há apenas uma cláusula (no acordo coletivo dos petroleiros) que relaciona os
impactos das mudanças tecnológicas à segurança e saúde dos trabalhadores (CARDOSO et al,
2011).
Sendo assim, mesmo em uma conjuntura mais favorável à ação sindical no país, não
houve nenhuma mudança legislativa que abordasse a dimensão da intensidade do tempo de
trabalho como tampouco se observou nas negociações coletivas uma iniciativa dos sindicatos no
sentido de se buscar trazer em pauta essa questão que afeta sobremaneira os trabalhadores, seja
no local de trabalho, seja inclusive na própria reprodução social de suas vidas, marcada de modo
cada vez mais avassalador pelo avanço inconteste do processo de adoecimento laboral.
Fica o indicativo, portanto, da imensa dificuldade também encontrada pelas organizações
sindicais frente ao combate da tendência de intensificação do labor no Brasil, assim como da
flexibilização da jornada de trabalho ressaltada anteriormente68
.
67
O SACC-DIEESE sistematiza os contratos coletivos correspondente a 220 unidades de negociação.
68 A despeito dessa caracterização mais geral, em termos da continuidade do processo de flexibilização e
intensificação da jornada de trabalho no período recente, seria interessante observar mais detalhadamente a maneira
com que estes fenômenos se difundiram nos vários setores e atividades econômicas do país. A título de ilustração,
podemos indicar algumas referências encontradas na literatura. Ver, especialmente: KREIN (2007); CARDOSO
(2009); MIRANDA (2005); LULA (2011); FARIA (2010); FREITAS (2011). Contudo, em nossa avaliação,
139
Em síntese, conforme analisamos até aqui, no período de 2004-2009 o Brasil assistiu a
volta do crescimento econômico graças, sobretudo, as condições propiciadas pelo cenário externo
que foram aproveitadas de maneira oportuna pelos governos Lula. O crescimento do PIB
estimulado pela ampliação do consumo e do investimento permitiu realizar a sustentação de uma
forte dinâmica econômica apoiada no mercado interno.
A despeito dos impactos inevitáveis promovidos pela crise internacional, em 2009 ainda
foi possível ao país retomar os rumos do crescimento econômico, tendo em vista as políticas
anticíclicas adotadas pelo governo. Nessa conjuntura mais favorável, o mercado de trabalho
nacional apresentou um conjunto importante de mudanças que, em geral, revelou a maior
capacidade de absorção da população economicamente ativa, acompanhada do aumento
significativo da taxa de participação, da formalização das empresas e dos contratos de trabalho e,
especialmente, do nível de geração de emprego formal.
Não obstante, por mais que a atuação dos governos Lula no campo das relações de
trabalho tenha se dado de maneira ambígüa, ora na direção pró-flexibilização, ora na perspectiva
de fortalecimento da regulação pública do trabalho, faz-se mister reconhecer o relativo
arrefecimento do ideário conservador identificado com o processo de flexibilização dos direitos
dos trabalhadores.
Sem embargo, tratou-se de um quadro bastante interessante para a tentativa de retomada
do protagonismo do movimento sindical que, pelas razões expostas nesse estudo, acabou optando
majoritariamente pela atuação política de modo acomodada e restringida à manutenção da
institucionalidade oficial criada e/ou consolidada a partir dos governos Lula.
Com efeito, apesar da dificuldade encontrada pelas organizações sindicais em buscar
pautar mais efetivamente a agenda social e política do país, o campo de correlações de força um
tanto melhor à ação sindical implicou na conformação de disputas entre a relação capital e
trabalho que foi forjando uma nova reconfiguração do tempo de trabalho no Brasil.
constatamos ser ainda insuficiente os estudos de caso que se debruçam sobre essa temática. Nesse sentido, seria
relevante que outras pesquisas fossem realizadas com esse intuito.
140
Se, por um lado, as negociações coletivas sobre o tema do tempo de trabalho não
refletiram tão bem o momento mais favorável de crescimento econômico e de melhorias do
mercado de trabalho, isso mostra também a dificuldade do movimento sindical conseguir lidar
com essa temática. Por outro lado, é fundamental considerar a falta tanto de efetivação de
estratégias de luta mais ousadas e combativas, quanto de capacidade de mobilização de setores
mais amplos da sociedade em torno deste aspecto.
141
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após a crise dos anos 1970 passou a configurar nas sociedades capitalistas
contemporâneas um novo padrão de acumulação a partir do movimento de reafirmação da
hegemonia norte-americana sustentada através da vinculação da globalização econômica com a
financeirização do capitalismo. Trata-se, a rigor, de um novo padrão de acumulação de capital
muito mais flexível, marcado por transformações substantivas nas distintas esferas das relações
sociais.
Nesse sentido, os desdobramentos concretos inscritos nesta nova configuração do padrão
de acumulação capitalista são oriundos, em grande medida, do alcance promovido pela livre
mobilidade de capitais e pela internacionalização da concorrência capitalista, descortinando um
processo de profundas transformações na divisão internacional do trabalho, tomado pela
centralização financeira e tecnológica e pela reestruturação produtiva subjacente às grandes
empresas transnacionais.
Em suas linhas gerais, a acumulação de capital em curso está caracterizada pela
flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e dos modos de
consumo. Além disso, as mudanças no processo de produção e de trabalho, a partir das inovações
no uso dos equipamentos e materiais, nas relações interempresas, na organização da produção e
do trabalho e na própria gestão do trabalho, acabaram implicando, em larga escala, em impactos
expressivos sobre o mercado de trabalho e as condições de vida dos trabalhadores, gerando uma
situação de extrema precarização do labor e de desemprego estrutural.
Sendo assim, nesta etapa premida pelo desenvolvimento das forças produtivas do capital
há a ocorrência de um maior estreitamento da relação entre o tempo e o espaço, que causa a
sensação aos indivíduos de estarem vivendo em um ritmo cada vez mais acelerado e intenso, com
poucas perspectivas de vislumbramento sobre o futuro e praticamente retidos a um presente
condicionado por constantes e céleres mudanças.
142
Com efeito, o tempo de trabalho nas sociedades capitalistas contemporâneas sofreu
também modificações significativas. A classe patronal procurou suplantar aquela jornada de
trabalho típica do modelo fordista-keynesiano por uma jornada muito mais adensada, mais
flexível e mais fluida, por força de um melhor adequamento às novas condições regidas pela
reprodução ampliada do capital.
Nesta empreitada, os capitalistas valeram-se da conformação de jornadas de trabalho
irregulares ao longo do ano e da criação de novos métodos organizacionais e de inovações
tecnológicas que culminaram na ampliação e na variabilidade do tempo em que os trabalhadores
se disponibilizam para a realização de seus labores. Desta forma, as possibilidades abertas pela
flexibilização da jornada de trabalho afetaram o comportamento das três dimensões elementares
do tempo de trabalho de modo a torna-lo muito mais difuso e imbricado.
Ao analisarmos o caso do Brasil, procuramos defender a hipótese de que entre as décadas
de 1990 e 2000 o tempo de trabalho passou por um processo de grande transformação que
implicou numa reconfiguração. Seguindo as tendências constitutivas do atual padrão de
acumulação de capital flexível o país alcançou um patamar de jornada de trabalho muito mais
alongado, exacerbou ainda mais a flexibilidade da mesma e apresentou um forte movimento de
intensificação do ritmo de trabalho, mas, contudo, no período de maior crescimento econômico,
houve uma diminuição do número de pessoas que trabalham para além da jornada de trabalho
legal.
Procuramos evidenciar a existência de três padrões do tempo de trabalho no Brasil ao
longo das duas últimas décadas que revelam dois momentos distintos: um primeiro, delimitado
entre 1992-1998 e entre 1999-2003, onde se verifica um processo de alongamento das horas
trabalhadas acompanhado pela exacerbação da flexibilização e da intensificação da jornada de
trabalho e, um segundo, ocorrido entre 2004-2009, em que a despeito da continuidade da
flexibilização e intensificação, a duração do trabalho sugere um movimento de maior
padronização da jornada de trabalho de acordo com a legislação laboral.
Em se tratando do primeiro momento (1992-2003), observamos inicialmente dois padrões
do tempo de trabalho que representam a fase de consolidação do neoliberalismo no país.
143
Assistimos ao baixo e instável crescimento da economia propiciada pela política econômica
ortodoxa, ao forte processo de reestruturação produtiva empreendida pelas empresas e ao
movimento de contrareforma das relações trabalhistas que, em conjunto, impactaram
severamente o mercado de trabalho e as condições de vida da classe trabalhadora.
A partir de um campo de correlações de força bastante desfavorável à ação das
organizações dos trabalhadores, as disputas em torno do estabelecimento dos limites do tempo de
trabalho foram forjando um processo de reconfiguração, caracterizado pelo alongamento, pela
exacerbação da flexibilização e pelo aumento da intensidade da jornada de trabalho. No Brasil,
entre 1990-2003, a implantação da nova jornada flexível de trabalho, mais fluida e mais adensada
apresentou-se, em relação à duração do trabalho, por um elevado patamar de realização das
sobrejornadas, com cerca de 40% da PEA, em média, laborando 45 horas semanais ou mais.
No que tange à distribuição do trabalho, é possível destacar o processo de exacerbação da
flexibilização da jornada de trabalho em sua lógica por ajustar o uso do tempo dos trabalhadores
segundo as necessidades da própria empresa, irrompendo a ideia de dias atípicos de labor e de
horários tradicionalmente definidos. Assim, por um lado, se verifica a constituição de uma
jornada muito mais adequada às sazonalidades das atividades econômicas e, por outro, o aumento
da disponibilidade com que o trabalhador cumpre para com o labor.
E, finalmente, do ponto de vista da intensidade do trabalho, a introdução de novos
(aliados à manutenção de velhos) mecanismos provenientes do desenvolvimento tecnológico e
das escolas de gestão do trabalho indicaram uma tendência de intensificação do ritmo de trabalho,
de eliminação de suas porosidades e de maior sofisticação no controle sobre a realização do
trabalho.
Num quadro marcado pelo elevado desemprego, pela precarização do trabalho e pela
flexibilização das relações de trabalho, as organizações sindicais encontraram muitas dificuldades
de atuação em suas lutas políticas e sociais na sociedade brasileira. Sejam pelas alterações
ocorridas na legislação laboral, na forma e no conteúdo das negociações coletivas, seja ainda no
aumento do poder discricionário da classe capitalista perante os trabalhadores, os sindicatos, em
grande medida, traçaram um caminho premido pela fragilização de sua ação de modo mais
144
combativo, o que pode muito bem ser apontado em termos da realidade de amplas concessões
cedidas ao capital, especialmente no que se refere às retiradas e à flexibilização de direitos
constituídos.
Já a propósito do segundo momento (2004-2009), defendemos a conformação de um
terceiro padrão do tempo de trabalho no Brasil, a partir do contexto de retomada do crescimento
econômico, de melhorias nos indicadores do mercado de trabalho e de tentativa de recuperação
do protagonismo da ação sindical. Nessa conjuntura, o PIB voltou a crescer em grande medida
devido a ampliação do investimento e do consumo.
Desta forma, o mercado de trabalho repercutiu um conjunto de melhorias significativas ao
revelar principalmente a maior capacidade de absorção da PEA. Por sua vez, assistimos ao
aumento da taxa de participação, da formalização das empresas e dos contratos de trabalho e do
nível geral de empregos formais. Observamos ainda que, do ponto de vista das relações de
trabalho, tal período esteve marcado pelo arrefecimento de algumas das tendências
flexibilizadoras constituídas nos anos 1990.
Assim, a partir desse campo de correlações de força mais favorável aos trabalhadores
passou a ocorrer uma nova reconfiguração do tempo de trabalho no Brasil entre os anos de 2004-
2009. Os dados nos indicam, em relação à duração do trabalho, o surgimento de uma tendência
de redução das sobrejornadas no país, acompanhado por um processo de padronização das horas
trabalhadas segundo os parâmetros designados pela legislação constitucional, principalmente
após o ano de 2007.
Salientamos que se trata, na realidade, de uma expressiva inflexão daqueles que laboram
sobrejornadas no país. Não apenas ocorre uma queda relativa da faixa correspondente entre as 45
horas semanais ou mais (passando de 37,8% em 2004 para 31,8% em 2009) como ainda se nota
um aumento relevante daqueles situados no nível das 40 às 44 horas semanais (que sai de 33,6%
em 2004 para alcançar 40,3% em 2009). No caso dos homens essa inflexão acontece em 2008,
consolidando o comportamento das horas extras segundo o padrão regulamentado. Em relação às
mulheres, tal inversão chegou a se dar em 2006, superando o contingente absoluto e relativo
demarcado desde então pela faixa entre as 15 e 39 horas semanais.
145
Sem embargo, o duplo movimento de queda das sobrejornadas e de maior padronização
das horas trabalhadas segundo ordenamento legal foi observado de maneira generalizada em
quase todas as posições na ocupação, nos grupos ocupacionais, nos ramos de atividade e nas
classes de rendimento, mas uma vez analisado em detalhes não significa necessariamente a
ocorrência de uma inflexão das horas trabalhadas, posto se tratar, em muitos casos, de apenas um
recrudescimento da execução das sobrejornadas. No que tange à posição na ocupação, tal
inversão acontece com os empregados com e sem carteira assinada, porém nos conta própria
ainda se mantêm elevado o percentual das sobrejornadas, embora a um nível sensivelmente
menor.
Do ponto de vista dos grupos de ocupação, constatamos um movimento de queda
generalizada das horas extras em todos os grupos ocupacionais, travestido de uma maior
padronização das jornadas de trabalho, especialmente nos grupos dos serviços. Por sua vez, nos
ramos de atividade apenas o comércio de mercadorias apresentou um irrompimento das
sobrejornadas, sendo assinalada, nos demais setores, a diminuição do cumprimento das horas
excedidas legalmente. Finalmente, quanto às classes de rendimento, o arrefecimento das horas
extras executadas ocorre, em grande medida, por força do aumento da base da população
trabalhadora brasileira que atingiu jornadas de trabalho menores.
Verificamos assim uma aparente mudança no que diz respeito à execução das horas
extraordinárias no país, que refletiria em tese um importante marco para a duração do tempo de
trabalho na sociedade brasileira. Entretanto, sugerimos que seria relevante levarmos em
consideração outros elementos que sugerem uma certa relativização da tendência de redução e
padronização da jornada efetiva de trabalho no Brasil. Também julgamos importante destacar os
limites do novo padrão acima enunciado, procurando demonstrar, a partir de outros estudos, a
continuidade do processo de flexibilização e intensificação da jornada de trabalho.
Apesar do contexto mais favorável, a tendência foi na direção de ajustar a distribuição das
horas laboradas de acordo com os interesses das empresas, por meio de distintos métodos de
gestão e de recursos tecnológicos que despertam a sensação nos trabalhadores de não
conseguiram se desconectar do trabalho e, especialmente, de causar certo constrangimento ao
desfrute do tempo livre.
146
Além disso, através da introdução de novas formas de organização do processo de
produção e de trabalho, aliadas aos novos (e somadas com os velhos) mecanismos utilizados
pelas escolas de gestão capitalistas, a classe patronal continuou a imprimir um ritmo de trabalho
mais intenso, com exigências cada vez maiores aos desempenhos dos trabalhadores que, em
grande medida, culminaram num controle mais sofisticado sobre a força de trabalho.
Com efeito, diante da perpetuação das transformações ocorridas com o tempo de trabalho
no Brasil no período de retomada do crescimento econômico e de melhorias nos indicadores do
mercado de trabalho ressaltamos, por um lado, a importância da ação sindical no campo das
disputas em torno do estabelecimento de seus limites, especialmente pela possibilidade colocada
no debate promovido através do lançamento da Campanha Nacional sobre a redução da jornada
de trabalho. Entretanto, por outro lado, conforme analisamos, o movimento sindical encontrou
muitas dificuldades de sustentar estratégias de lutas contrárias ao avanço da nova jornada de
trabalho flexível em curso.
147
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ZYLBERSTAJN, H. Banco de horas: da justificativa teórica à utilização prática no Brasil.
Estudos e análise com vistas à definição de políticas, programas e projetos relativos ao
mercado de trabalho brasileiro. Tema 23. São Paulo: FIPE e Brasília: MTE, 2002b.
155
ANEXO
Tabela 1 - População Economicamente Ativa, segundo posição na ocupação na atividade do trabalho principal (em milhões e em %) – Brasil: 1992-2009
POSIÇÃO NA OCUPAÇÃO NA ATIVIDADE DO TRABALHO
PRINCIPAL
População Economicamente Ativa
1992 1993 1995 1996 1997 1998 1999 2001
(Em Milhões)
(%) (Em
Milhões) (%)
(Em Milhões)
(%) (Em
Milhões) (%)
(Em Milhões)
(%) (Em
Milhões) (%)
(Em Milhões)
(%) (Em
Milhões) (%)
Total 65,12 100,0 66,29 100,0 69,41 100,0 67,84 100,0 69,30 100,0 69,89 100,0 73,34 100,0 75,46 100,0
Empregado com carteira 19,30 29,6 19,24 29,0 19,66 28,3 19,66 29,0 19,87 28,7 19,86 28,4 20,12 27,4 22,18 29,4
Militar 0,26 0,4 0,25 0,4 0,28 0,4 0,29 0,4 0,30 0,4 0,30 0,4 0,29 0,4 0,27 0,4
Funcionário público estatutário 3,70 5,7 3,85 5,8 4,33 6,2 4,28 6,3 4,20 6,1 4,26 6,1 4,57 6,2 4,60 6,1
Outros Empregados sem carteira 10,82 16,6 11,38 17,2 11,32 16,3 11,81 17,4 11,76 17,0 12,27 17,6 12,70 17,3 13,88 18,4
Empreg. sem decl. de carteira 0,02 0,0 0,02 0,0 0,00 0,0 0,01 0,0 0,00 0,0 0,01 0,0 0,01 0,0 0,01 0,0
Trabalhador dom. com carteira 0,76 1,2 0,79 1,2 0,98 1,4 1,11 1,6 1,19 1,7 1,23 1,8 1,37 1,9 1,54 2,0
Trabalhador dom. sem carteira 3,58 5,5 3,79 5,7 4,14 6,0 3,89 5,7 4,05 5,8 3,79 5,4 4,09 5,6 4,35 5,8
Trab. dom. s/ decl. de carteira 0,00 0,0 0,01 0,0 0,00 0,0 0,00 0,0 0,00 0,0 0,01 0,0 0,00 0,0 0,00 0,0
Conta- própria 14,13 21,7 14,35 21,7 15,65 22,6 15,11 22,3 15,73 22,7 16,04 23,0 17,00 23,2 16,83 22,3
Empregador 2,40 3,7 2,36 3,6 2,73 3,9 2,48 3,7 2,79 4,0 2,84 4,1 2,99 4,1 3,18 4,2
Autoconsumo 3,35 5,1 3,32 5,0 3,37 4,9 2,88 4,2 2,98 4,3 2,98 4,3 3,28 4,5 2,88 3,8
Autoconstrução - - - - - - - 0,3 - 0,3 - 0,3 - 0,2 - 0,2
Não remunerado 6,81 10,5 6,93 10,5 6,93 10,0 6,15 9,1 6,23 9,0 6,12 8,8 6,81 9,3 5,58 7,4
156
2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009
Total 79,01 100,0 80,15 100,0 84,60 100,0 86,84 100,0 88,73 100,0 89,90 100,0 92,39 100,0 92,69 100,0
Empregado com carteira 23,13 29,3 23,92 29,8 25,69 30,4 26,87 30,9 28,04 31,6 29,77 33,1 31,88 34,5 32,36 34,9
Militar 0,21 0,3 0,25 0,3 0,26 0,3 0,25 0,3 0,27 0,3 0,24 0,3 0,26 0,3 0,28 0,3
Funcionário público estatutário 4,83 6,1 5,04 6,3 5,31 6,3 5,23 6,0 5,60 6,3 5,90 6,6 6,16 6,7 6,36 6,9
Outros Empregados sem carteira 14,64 18,5 14,32 17,9 15,44 18,2 15,43 17,8 15,74 17,7 15,58 17,3 15,88 17,2 15,31 16,5
Empreg. sem decl. de carteira 0,00 0,0 0,00 0,0 0,00 0,0 0,00 0,0 0,00 0,0 - - 0,00 0,0 0,00 0,0
Trabalhador dom. com carteira 1,57 2,0 1,66 2,1 1,67 2,0 1,74 2,0 1,82 2,1 1,81 2,0 1,77 1,9 2,00 2,2
Trabalhador dom. sem carteira 4,54 5,7 4,49 5,6 4,80 5,7 4,90 5,6 4,91 5,5 4,86 5,4 4,85 5,3 5,23 5,6
Trab. dom. s/ decl. de carteira 0,00 0,0 0,00 0,0 0,00 0,0 0,00 0,0 0,00 0,0 - - 0,00 0,0 0,00 0,0
Conta- própria 17,59 22,3 17,93 22,4 18,57 22,0 18,79 21,6 18,82 21,2 19,05 21,2 18,69 20,2 18,98 20,5
Empregador 3,35 4,2 3,36 4,2 3,48 4,1 3,67 4,2 3,94 4,4 3,37 3,8 4,14 4,5 3,99 4,3
Autoconsumo 3,14 4,0 3,37 4,2 3,39 4,0 3,91 4,5 4,04 4,6 3,89 4,3 4,05 4,4 3,78 4,1
Autoconstrução - 0,2 - 0,1 - 0,1 - 0,1 - 0,2 - 0,2 - 0,1 - 0,1
Não remunerado 5,83 7,4 5,69 7,1 5,88 7,0 5,93 6,8 5,40 6,1 5,29 5,9 4,59 5,0 4,30 4,6
Fonte: Microdados PNAD-IBGE, 1992-2009. Elaboração própria.
157
Tabela 2 - População Economicamente Ativa, segundo grupos de ocupação na atividade do trabalho principal (em milhões e em %) – Brasil: 1992-2009
GRUPOS DE OCUPAÇÃO NA ATIVIDADE DO TRABALHO PRINCIPAL
População Economicamente Ativa
1992 1993 1995 1996 1997 1998 1999 2001
(Em Milhões)
(%) (Em
Milhões) (%)
(Em Milhões)
(%) (Em
Milhões) (%)
(Em Milhões)
(%) (Em
Milhões) (%)
(Em Milhões)
(%) (Em
Milhões) (%)
Total 65,40 100,
0 66,57
100,0
69,63 100,
0 68,04
100,0
69,33 100,
0 69,96
100,0
71,68 100,
0 76,10
100,0
Ocupações não especificadas 12,85 19,6 13,03 19,6 13,73 19,7 13,66 20,1 13,96 20,1 14,29 20,4 14,49 20,2 16,34 21,5
Técnica, Científica, Artística e Assemelhada 4,64 7,1 4,83 7,3 5,24 7,5 5,42 8,0 5,43 7,8 5,84 8,3 5,92 8,3 6,71 8,8
Administrativa 8,21 12,6 8,20 12,3 8,49 12,2 8,25 12,1 8,53 12,3 8,45 12,1 8,57 12,0 9,63 12,7
Ocupações Específicas 45,72 69,9 46,48 69,8 48,73 70,0 46,96 69,0 47,86 69,0 47,51 67,9 49,09 68,5 50,86 66,8
Agropecuária e Produção Extrativa Vegetal e Animal 17,67 27,0 17,51 26,3 17,34 24,9 16,02 23,5 16,20 23,4 15,74 22,5 16,63 23,2 15,09 19,8
Indústria de Transformação e Construção Civil 11,90 18,2 12,23 18,4 12,75 18,3 12,64 18,6 12,69 18,3 12,83 18,3 13,03 18,2 14,13 18,6
Comércio e Atividades Auxiliares 7,16 10,9 7,43 11,2 8,31 11,9 8,25 12,1 8,48 12,2 8,42 12,0 8,74 12,2 9,64 12,7
Transporte e Comunicação 2,40 3,7 2,40 3,6 2,65 3,8 2,69 4,0 2,84 4,1 2,88 4,1 2,80 3,9 3,21 4,2
Prestação de Serviços 6,58 10,1 6,92 10,4 7,67 11,0 7,35 10,8 7,64 11,0 7,64 10,9 7,88 11,0 8,80 11,6
Ocupação mal definida ou não declarada 6,83 10,4 7,06 10,6 7,17 10,3 7,42 10,9 7,51 10,8 8,17 11,7 8,09 11,3 8,90 11,7
2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009
Total 79,01 100,
0 80,15
100,0
84,42 100,
0 86,84
100,0
88,73 100,
0 89,90
100,0
92,40 100,
0 92,69
100,0
Dirigentes em geral 4,05 5,1 3,98 5,0 4,06 4,8 4,43 5,1 4,70 5,3 4,42 4,9 4,80 5,2 4,59 5,0
Profissionais das ciências e das artes 4,68 5,9 4,94 6,2 5,07 6,0 5,36 6,2 5,90 6,6 6,13 6,8 6,42 6,9 7,06 7,6
Técnicos de nível médio 5,70 7,2 5,68 7,1 5,94 7,0 6,21 7,2 6,42 7,2 6,81 7,6 6,75 7,3 6,76 7,3
Trabalhadores de serviços administrativos 6,11 7,7 6,40 8,0 6,85 8,1 7,07 8,1 7,39 8,3 7,65 8,5 8,36 9,0 8,55 9,2
Trabalhadores dos serviços 15,57 19,7 15,47 19,3 16,73 19,8 16,89 19,5 17,57 19,8 17,90 19,9 18,34 19,8 18,62 20,1
Vendedores e prestadores de serviço do comércio 7,54 9,5 8,15 10,2 8,24 9,8 8,53 9,8 8,87 10,0 8,96 10,0 8,70 9,4 8,75 9,4
Trabalhadores agrícolas 16,20 20,5 16,55 20,6 17,65 20,9 17,77 20,5 17,16 19,3 16,47 18,3 15,87 17,2 15,59 16,8
Trab. da prod. de bens e serv. e de repar. e manut. 18,41 23,3 18,27 22,8 19,18 22,7 19,93 22,9 20,05 22,6 20,93 23,3 22,43 24,3 22,04 23,8
Membros das forças armadas e auxiliares 0,63 0,8 0,66 0,8 0,65 0,8 0,63 0,7 0,66 0,7 0,59 0,7 0,70 0,8 0,74 0,8
Ocupações mal definidas ou não declaradas 0,14 0,2 0,04 0,0 0,06 0,1 0,03 0,0 0,01 0,0 - - - - - -
158
Fonte: Microdados PNAD-IBGE, 1992-2009. Elaboração própria.
Tabela 3 - População Economicamente Ativa, segundo ramos de atividade do trabalho principal (em milhões e em %) - Brasil: 1992-2009
RAMOS DE ATIVIDADE NA ATIVIDADE DO TRABALHO
PRINCIPAL
População Economicamente Ativa
1992 1993 1995 1996 1997 1998 1999 2001
(Em Milhões)
(%) (Em
Milhões) (%)
(Em Milhões)
(%) (Em
Milhões) (%)
(Em Milhões)
(%) (Em
Milhões) (%)
(Em Milhões)
(%) (Em
Milhões) (%)
Total 65,40 100,0 66,57 100,0 69,63 100,0 68,04 100,0 69,33 100,0 69,96 100,0 71,68 100,0 76,10 100,0
Agrícola 18,50 28,3 18,25 27,4 18,15 26,1 16,65 24,5 16,77 24,2 16,34 23,4 17,37 24,2 15,65 20,6
Indústria da Transformação 8,38 12,8 8,54 12,8 8,55 12,3 8,41 12,4 8,51 12,3 8,23 11,8 8,28 11,6 9,38 12,3
Indústria da Construção 4,02 6,2 4,29 6,4 4,23 6,1 4,34 6,4 4,58 6,6 4,98 7,1 4,74 6,6 4,97 6,5
Outras atividades industriais 0,91 1,4 0,95 1,4 0,86 1,2 0,77 1,1 0,77 1,1 0,86 1,2 0,78 1,1 0,85 1,1
Comércio de Mercadorias 7,94 12,1 8,47 12,7 9,12 13,1 9,08 13,3 9,22 13,3 9,42 13,5 9,62 13,4 10,88 14,3
Prestações de Serviços 11,56 17,7 11,84 17,8 13,31 19,1 13,10 19,3 13,48 19,4 13,39 19,1 13,85 19,3 15,37 20,2
Serviços auxiliares da atividade econômica
1,90 2,9 1,93 2,9 2,28 3,3 2,35 3,5 5,49 7,9 2,71 3,9 2,78 3,9 3,30 4,3
Transporte e comunicação 2,28 3,5 2,28 3,4 2,54 3,7 2,55 3,8 2,76 4,0 2,79 4,0 2,82 3,9 3,20 4,2
Social 5,46 8,4 5,58 8,4 6,04 8,7 6,30 9,3 6,33 9,1 6,73 9,6 6,77 9,5 7,49 9,8
Administração Pública 2,99 4,6 3,04 4,6 3,21 4,6 3,19 4,7 3,15 4,5 3,21 4,6 3,32 4,6 3,67 4,8
Atividades mal definidas ou não declaradas
1,44 2,2 1,39 2,1 1,33 1,9 1,31 1,9 1,28 1,8 1,31 1,9 1,34 1,9 1,35 1,8
Outros serviços coletivos, sociais e pessoais
- - - - - - - - - - - - - - - -
159
2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009
Total 79,01 100,0 80,15 100,0 84,42 100,0 86,84 100,0 88,73 100,0 89,90 100,0 92,40 100,0 92,69 100,0
Agrícola 16,35 20,7 16,65 20,8 17,78 21,1 17,85 20,6 17,26 19,5 16,54 18,4 16,10 17,4 15,72 17,0
Indústria da Transformação 10,67 13,5 10,85 13,5 11,67 13,8 12,26 14,1 12,38 13,9 12,92 14,4 13,27 14,4 12,82 13,8
Indústria da Construção 5,62 7,1 5,22 6,5 5,34 6,3 5,62 6,5 5,80 6,5 6,05 6,7 6,91 7,5 6,90 7,4
Outras atividades industriais 11,24 14,2 11,50 14,3 12,35 14,6 12,94 14,9 13,11 14,8 13,66 15,2 14,00 15,1 13,60 14,7
Comércio de Mercadorias 13,55 17,2 14,20 17,7 14,61 17,3 15,43 17,8 15,63 17,6 16,14 18,0 16,09 17,4 16,48 17,8
Prestações de Serviços 9,04 11,4 9,04 11,3 9,47 11,2 9,81 11,3 10,11 11,4 9,99 11,1 10,22 11,1 10,85 11,7
Serviços auxiliares da atividade econômica
- - - - - - - - - - - - - - - -
Transporte e comunicação 3,69 4,7 3,72 4,6 3,88 4,6 3,94 4,5 4,03 4,5 4,32 4,8 4,60 5,0 4,44 4,8
Social 7,06 8,9 7,16 8,9 7,39 8,8 7,62 8,8 7,95 9,0 8,29 9,2 8,54 9,2 8,68 9,4
Administração Pública 3,87 4,9 3,99 5,0 4,20 5,0 4,26 4,9 4,43 5,0 4,47 5,0 4,53 4,9 4,75 5,1
Atividades mal definidas ou não declaradas
- - - - - - - - - - 0,21 0,2 0,20 0,2 0,20 0,2
Outros serviços coletivos, sociais e pessoais
3,15 4,0 2,98 3,7 3,49 4,1 3,28 3,8 3,77 4,2 3,67 4,1 4,08 4,4 3,93 4,2
Fonte: Microdados PNAD-IBGE, 1992-2009. Elaboração própria.
160
Tabela 4 - População Economicamente Ativa, segundo classes de rendimento mensal na atividade do trabalho principal (em milhões e em %) – Brasil: 1992-2009
CLASSES DE RENDIMENTO MENSAL NA ATIVIDADE DO
TRABALHO PRINCIPAL
População Economicamente Ativa
1992 1993 1995 1996 1997 1998 1999 2001
(Em Milhões)
(%) (Em
Milhões) (%)
(Em Milhões)
(%) (Em
Milhões) (%)
(Em Milhões)
(%) (Em
Milhões) (%)
(Em Milhões)
(%) (Em
Milhões) (%)
Total 65,40 100,0 66,57 100,0 69,63 100,0 68,04 100,0 69,33 100,0 69,96 100,0 71,68 100,0 76,16 100,0
Até 1/2 salário mínimo 8,51 13,0 7,58 11,4 4,37 6,3 3,18 4,7 4,34 6,3 3,81 5,5 4,14 5,8 5,93 7,8
Mais de 1/2 a 1 salário mínimo 11,61 17,7 11,78 17,7 10,99 15,8 10,06 14,8 10,35 14,9 10,83 15,5 10,26 14,3 12,43 16,3
Mais de 1 a 2 salários mínimos 14,57 22,3 13,86 20,8 14,21 20,4 13,32 19,6 12,94 18,7 14,63 20,9 15,52 21,7 19,81 26,0
Mais de 2 a 3 salários mínimos 6,69 10,2 7,12 10,7 8,46 12,1 8,85 13,0 9,63 13,9 8,55 12,2 10,95 15,3 9,82 12,9
Mais de 3 a 5 salários mínimos 6,17 9,4 6,82 10,2 8,45 12,1 9,36 13,8 9,82 14,2 9,92 14,2 8,06 11,2 8,36 11,0
Mais de 5 a 10 salários mínimos 4,43 6,8 4,84 7,3 7,04 10,1 7,59 11,2 6,96 10,0 7,04 10,1 6,97 9,7 5,99 7,9
Mais de 10 a 20 salários mínimos
1,54 2,4 2,17 3,3 3,23 4,6 3,56 5,2 3,11 4,5 3,11 4,4 3,09 4,3 2,67 3,5
Mais de 20 salários mínimos 0,53 0,8 1,08 1,6 1,54 2,2 1,83 2,7 1,86 2,7 1,60 2,3 1,55 2,2 1,18 1,6
Sem rendimento 10,36 15,8 10,44 15,7 10,50 15,1 9,33 13,7 9,48 13,7 9,49 13,6 10,13 14,1 8,86 11,6
Sem declaração 0,99 1,5 0,88 1,3 0,83 1,2 0,96 1,4 0,85 1,2 0,98 1,4 1,00 1,4 1,10 1,4
2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009
Total 79,01 100,0 80,15 100,0 84,42 100,0 86,84 100,0 88,73 100,0 89,90 100,0 92,40 100,0 92,69 100,0
Até 1/2 salário mínimo 7,52 9,5 8,03 10,0 7,86 9,3 8,82 10,2 8,77 9,9 7,59 8,4 9,03 9,8 8,98 9,7
Mais de 1/2 a 1 salário mínimo 13,91 17,6 14,30 17,8 15,56 18,4 17,77 20,5 18,77 21,2 17,36 19,3 17,84 19,3 18,26 19,7
Mais de 1 a 2 salários mínimos 20,76 26,3 20,81 26,0 24,03 28,5 24,77 28,5 26,17 29,5 27,61 30,7 28,63 31,0 29,50 31,8
Mais de 2 a 3 salários mínimos 9,70 12,3 10,35 12,9 8,48 10,0 8,67 10,0 9,34 10,5 10,46 11,6 10,69 11,6 9,89 10,7
Mais de 3 a 5 salários mínimos 7,87 10,0 8,13 10,1 9,15 10,8 8,09 9,3 6,56 7,4 7,51 8,3 8,25 8,9 8,51 9,2
Mais de 5 a 10 salários mínimos 5,69 7,2 4,90 6,1 5,52 6,5 5,08 5,9 5,60 6,3 5,67 6,3 4,96 5,4 4,90 5,3
Mais de 10 a 20 salários mínimos
2,25 2,8 2,27 2,8 2,34 2,8 1,87 2,2 1,92 2,2 2,10 2,3 1,95 2,1 1,93 2,1
Mais de 20 salários mínimos 1,06 1,3 1,04 1,3 0,76 0,9 0,72 0,8 0,69 0,8 0,71 0,8 0,67 0,7 0,62 0,7
Sem rendimento 9,27 11,7 9,26 11,5 9,47 11,2 10,06 11,6 9,68 10,9 9,37 10,4 8,69 9,4 8,16 8,8
Sem declaração 0,98 1,2 1,08 1,3 1,26 1,5 0,98 1,1 1,22 1,4 1,52 1,7 1,69 1,8 1,94 2,1
Fonte: Microdados PNAD-IBGE, 1992-2009. Elaboração própria.