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Dentistry EDIÇÃO PORTUGUESA Clínica 16 O diagnóstico clínico de recessão gengival pressu- põe a localização apical da margem gengival em relação à linha amelo-cementária de um ou mais dentes. São factores predisponentes das recessões gengi- vais as deiscências/fenestrações da tábua vestibular, o bió- tipo gengival fino, situações de banda de gengiva aderida queratinizada 2 mm ou a posição vestibularizada dum dente. Como seus factores causadores directos podemos destacar fenómenos de: • Abrasão • Inflamação gengival • Má ortodontia • Restaurações debordantes • Retracção gengival iatrogénica aquando de impressões para prótese fixa. A classificação das recessões gengivais internacionalmente aceite é a classificação de Miller que não só nos ajuda do ponto de vista de diagnóstico como estabelece a previsi- bilidade de recobrimento parcial ou total de cada tipo de recessão. Assim, podemos dividir clinicamente as reces- sões gengivais em Classe I, II, III e IV de Miller (Figuras 1, 2 e 3). As classes I e II de Miller são recessões em que não há per - da de osso interproximal e a recessão gengival não atinge a linha mucogengival (classe I de Miller) ou atinge a linha mucogengival (classe II de Miller). Em ambas as situações é possível recobrir a raiz a 100%, corrigindo na totalidade a recessão. A classe III de Miller apresenta perda de osso interproximal (perda de papila interproximal) e uma reces- são gengival que pode estender-se até à linha mucogengival. Neste caso, o recobrimento total da raiz não é previsível e a correcção da recessão ficará aquém dos 100%. Na classe IV de Miller o osso interproximal está severamente afectado com perda horizontal extensa, ou existe uma má posição dentária severa e o recobrimento radicular, nestes casos, não é previsível nem está indicado. As técnicas de recobrimento radicular estão maioritaria- mente indicadas nos casos de classes I e II de Miller e divi- dem-se, sobretudo, em enxertos gengivais livres e enxertos gengivais pediculados. Estes últimos baseiam-se na utiliza- ção do tecido gengival apical ou lateral à recessão e à sua movimentação de forma a recobrir a raiz. Esta técnica está indicada caso exista uma quantidade suficiente de gengiva aderida (4 mm) em apical ou lateralmente à recessão, que se possa movimentar. É importante também que a gengiva não seja demasiado fina (deve ter 1 mm de espessura) para que se possa dividir em espessura parcial aquando da execução do retalho pediculado; e que a recessão gengival seja relativamente estreita (4 mm de largura radicular). A técnica de posicionamento coronal é uma técnica de re- talho pediculado em que se aproveita a banda de gengiva aderida presente apicalmente à recessão gengival, a qual se desloca coronalmente recobrindo a raiz exposta. Pode utilizar-se para o recobrimento duma recessão única ou de recessões múltiplas, quer na maxila quer na mandíbula. As figuras 4, 5 e 6 mostram um exemplo duma situação clíni- ca de recessões múltiplas classe I de Miller na maxila que foram corrigidas pela técnica de retalho de posicionamento coronal. Quando a banda de gengiva queratinizada disponível é maior lateralmente à recessão do que apicalmente, o reta- lho pediculado de rotação lateral estará mais indicado. Isto acontece sobretudo na mandíbula, onde a gengiva apical é normalmente escassa e/ou demasiado fina e a presença de freios gengivais pode dificultar a sua movimentação No artigo desta edição, a Dra. Célia Coutinho Alves aborda os fenómenos indicadores das recessões gengivais, o seu diagnóstico e as técnicas de recobrimento da raiz indicadas em cada caso. Enxertos pediculados para recobrimento radicular Dentistry EDIÇÃO PORTUGUESA www.dentistry.pt Dra. Célia Coutinho Alves. Licenciada em Medicina Dentária pela FMDUP – 2000. Pós-graduação em Periodontologia pela FMDUP – 2001. Residência clínica 2004-Pericop. P.C. Dr. Myron Nevins, Boston, EUA. Curso de cirurgia mucogengival em Harvard 2004-Boston-USA. ITI Fellow. Professora Convidada dos mestrados de Periodontologia do ISCSN, Porto, Portugal e Universidade de Santiago de Compostela, Espanha. Aluna de doutoramento da Universidade de Santiago de Compostela. Pratica de Periodontologia na Clínica Medicina Dentária Dr. Manuel Neves. Figuras 1, 2 e 3: Esquema da classificação de Miller das recessões gengivais Figura 5: Retalho de posicionamento coronal com Emdogain® para recobrimento das recessões múltiplas Figura 4: Recessões gengivais múltiplas classe I de Miller na maxila Figura 6: Cicatrização aos seis meses EDIÇÃO PORTUGUESA Clínica

EDIÇÃO PORTUGUESA Clínica - Manuel Neves | … EDIÇÃO PORTUGUESAstry Clínica 17 no sentido apical. As figuras 7 mostram a situação inicial duma recessão classe II de Miller

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Odiagnóstico clínico de recessão gengival pressu-põe a localização apical da margem gengival em relação à linha amelo-cementária de um ou mais

dentes. São factores predisponentes das recessões gengi-vais as deiscências/fenestrações da tábua vestibular, o bió-tipo gengival fino, situações de banda de gengiva aderida queratinizada ≤ 2 mm ou a posição vestibularizada dum dente. Como seus factores causadores directos podemos destacar fenómenos de:• Abrasão• Inflamação gengival• Má ortodontia• Restaurações debordantes• Retracção gengival iatrogénica aquando de impressões para prótese fixa.

A classificação das recessões gengivais internacionalmente aceite é a classificação de Miller que não só nos ajuda do ponto de vista de diagnóstico como estabelece a previsi-bilidade de recobrimento parcial ou total de cada tipo de recessão. Assim, podemos dividir clinicamente as reces-sões gengivais em Classe I, II, III e IV de Miller (Figuras 1, 2 e 3).As classes I e II de Miller são recessões em que não há per-da de osso interproximal e a recessão gengival não atinge a linha mucogengival (classe I de Miller) ou atinge a linha mucogengival (classe II de Miller). Em ambas as situações é possível recobrir a raiz a 100%, corrigindo na totalidade a recessão. A classe III de Miller apresenta perda de osso

interproximal (perda de papila interproximal) e uma reces-são gengival que pode estender-se até à linha mucogengival. Neste caso, o recobrimento total da raiz não é previsível e a correcção da recessão ficará aquém dos 100%. Na classe IV de Miller o osso interproximal está severamente afectado com perda horizontal extensa, ou existe uma má posição dentária severa e o recobrimento radicular, nestes casos, não é previsível nem está indicado. As técnicas de recobrimento radicular estão maioritaria-mente indicadas nos casos de classes I e II de Miller e divi-dem-se, sobretudo, em enxertos gengivais livres e enxertos gengivais pediculados. Estes últimos baseiam-se na utiliza-ção do tecido gengival apical ou lateral à recessão e à sua

movimentação de forma a recobrir a raiz. Esta técnica está indicada caso exista uma quantidade suficiente de gengiva aderida (≥ 4 mm) em apical ou lateralmente à recessão, que se possa movimentar. É importante também que a gengiva não seja demasiado fina (deve ter ≥ 1 mm de espessura) para que se possa dividir em espessura parcial aquando da execução do retalho pediculado; e que a recessão gengival seja relativamente estreita (≤ 4 mm de largura radicular). A técnica de posicionamento coronal é uma técnica de re-talho pediculado em que se aproveita a banda de gengiva aderida presente apicalmente à recessão gengival, a qual se desloca coronalmente recobrindo a raiz exposta. Pode utilizar-se para o recobrimento duma recessão única ou de recessões múltiplas, quer na maxila quer na mandíbula. As figuras 4, 5 e 6 mostram um exemplo duma situação clíni-ca de recessões múltiplas classe I de Miller na maxila que foram corrigidas pela técnica de retalho de posicionamento coronal.Quando a banda de gengiva queratinizada disponível é maior lateralmente à recessão do que apicalmente, o reta-lho pediculado de rotação lateral estará mais indicado. Isto acontece sobretudo na mandíbula, onde a gengiva apical é normalmente escassa e/ou demasiado fina e a presença de freios gengivais pode dificultar a sua movimentação

No artigo desta edição, a Dra. Célia Coutinho Alves aborda os fenómenos indicadores das recessões gengivais, o seu diagnóstico e as técnicas de recobrimento da raiz indicadas em cada caso.

Enxertos pediculados para recobrimento radicular

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Dra. Célia Coutinho Alves. Licenciada em Medicina Dentária pela FMDUP – 2000.Pós-graduação em Periodontologia pela FMDUP – 2001. Residência clínica2004-Pericop. P.C. Dr. Myron

Nevins, Boston, EUA. Curso de cirurgia mucogengival em Harvard 2004-Boston-USA. ITI Fellow. Professora Convidada dos mestrados de Periodontologia do ISCSN, Porto, Portugal e Universidade de Santiago de Compostela, Espanha. Aluna de doutoramento da Universidade de Santiago de Compostela. Pratica de Periodontologia na Clínica Medicina Dentária Dr. Manuel Neves.

Figuras 1, 2 e 3: Esquema da classificação de Miller das recessões gengivais

Figura 5: Retalho de posicionamento coronal com

Emdogain® para recobrimento das recessões múltiplasFigura 4: Recessões gengivais múltiplas classe I de Miller

na maxila

Figura 6: Cicatrização aos seis meses

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no sentido apical. As figuras 7 mostram a situação inicial duma recessão classe II de Miller extensa no dente 4.1 que foi corrigida pela técnica de retalho de rotação lateral. As figuras 8 mostram a situação inicial duma recessão classe II de Miller no dente 3.1 que foi corrigida também pela técnica de retalho de rotação lateral. Em ambas as situações a percen-tagem de recobrimento radicular ficou muito perto dos 100%.Os enxertos gengivais pediculados em relação aos enxertos livres apresentam a vantagem de não terem um segundo sítio cirúrgico (zona dadora do enxerto

livre – normalmente o palato), bem como de serem auto-irrigados pelo seu pedículo não dependendo do leito receptor para a sua irrigação. Desta forma, são menos tecnicamente sensíveis ao operador e me-nos dependentes das condições de cicatrização de cada paciente comparativamente aos enxertos livres. Têm, no entanto, a desvantagem de não consegui-rem aumentar a espessura gengival tanto quanto o conseguimos com um enxerto livre de tecido con-juntivo, pelo que, estes últimos, estarão mais indi-cados quando o objectivo é aumentar a espessura gengival para além do recobrimento radicular. n

Figuras 7a, 7b, 7c e 7d: Situação inicial e dois anos após a correcção de recessão gengival classe II de Miller

pela técnica de retalho de rotação lateral

Figuras 8a, 8b, 8c e 8d: Situação inicial e seis meses após a correcção de recessão gengival classe II de Miller

pela técnica de retalho de rotação lateral