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artigos rural
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Associao Rio-Grandense de Empreendimentos de Assistncia Tcnica e Extenso Rural EMATER/RS
Associao Sulina de Crdito e Assistncia Rural ASCAR
DIRETORIA EXECUTIVA DA EMATER/RS E SUPERINTENDNCIA DA ASCAR
LINO DE DAVID
Presidente da EMATER/RS
Superintendente Geral da ASCAR
GERVSIO PAULUS
Diretor Tcnico da EMATER/RS
Superintendente Tcnico da ASCAR
SILVANA DALMS
Diretora Administrativa da EMATER/RS
Superintendente Administrativa da ASCAR
DIRETORIA SOCIAL DA ASCAR
IVAR PAVAN
Presidente
RUI POLIDORO PINTO
Vice-presidente
ELTON ROBERTO WEBER
Vice-presidente
2013 Emater/RS-Ascar Parte desta publicao pode ser reproduzida, desde que citada a fonte.
Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)
Biblioteca da Emater/RS-Ascar
Emater/RS-Ascar - Rua Botafogo, 1051 - 90150-053 Porto Alegre/RS - Brasil Fone (0XX51) 2125-3144 http://www.emater.tche.br E-mail:[email protected].
REFERNCIA
COTRIM, Dcio (Org.). Textos selecionados: produo acadmica da Ascar . Porto Alegre, RS: Emater/RS-Ascar, 2013. Disponvel em: .
Realizao: Gerncia de Recursos Humanos da Emater/RS-Ascar Catalogao Internacional na Publicao e Normalizao: Cleusa Alves da Rocha, CRB 10/2127 Sabrina Diehl Menezes, CRB 10/2086 Design Grfico: Naira de Azambuja Costa e Roseana Caeneghem Kriedt Agradecimentos Greice Santini Galvo
T355
Textos selecionados : [recurso eletrnico] produo acadmica da
Ascar / organizado por Dcio Cotrim. - Porto Alegre, RS: Emater/RS-Ascar, 2013. 406 p. (Coleo Desenvolvimento Rural, v. 1).
Modo de acesso: World Wide Web:
http://www.emater.tche.br/site/arquivos_pdf/teses/E_Book.pdf E-book produzido a partir do evento realizado pela Gerncia de
Recursos Humanos da Emater/RS-Ascar. ISBN 978-85-98842-09-7 1. Produo acadmica. 2. Produo intelectual. 3. Extenso rural.
4. Rio Grande do Sul. I. Cotrim, Dcio. II. Srie.
CDU 63.001.82013(063)
APRESENTAO
O processo de modernizao da agricultura, a partir da dcada de 1970,
trouxe um conjunto de modificaes dentro da lgica da agricultura no Brasil. Esse
processo gerou um forte impacto no entendimento do formato de produo do
conhecimento.
A viso moderna de cincia introduziu a ideia de que a produo do
conhecimento era unicamente realizada em laboratrios e centros de pesquisa
dentro das universidades. O conhecimento cientfico passou a ser o nico valorizado
e certificado.
Nesse arcabouo terico da modernizao dentro das cincias agrrias, o
papel da extenso rural passou a ser entendido como uma espcie de correia de
transmisso do conhecimento cientfico at os agricultores. Os extensionistas teriam
a funo de replicar o conhecimento moderno e cientfico ao agricultor no sentido do
avano tecnolgico que levaria ao progresso.
Nessa concepo, os agricultores possuam um conhecimento tradicional que
no era acadmico ou cientfico e por esse motivo eram atrasados dentro do
processo de desenvolvimento. A adoo por eles dos preceitos cientficos difundidos
pela ao dos extensionistas seria o caminho do desenvolvimento, ou seja, a partir
do avano tecnolgico ocorreria o crescimento econmico.
Na atualidade, vivemos um momento de transio da viso moderna da
cincia para uma viso contempornea, a qual entende a realidade como complexa
e sistmica, exigindo um esforo holstico para a tentativa da sua compreenso.
Os conhecimentos tradicionais dos agricultores e os modernos ensinados nas
universidades necessariamente precisam dialogar. Essa interface de saberes produz
um novo conhecimento embebido nas realidades agroecossistmicas e refletindo os
princpios cientficos.
4
O Seminrio de Produo Acadmica dos empregados da Ascar inseriu-se
como um tijolo nessa construo, no sentido de trazer para o debate acadmico os
esforos de pesquisas de pessoas que atuam profissionalmente na mediao social.
Esses profissionais trabalham nessa interface entre saberes na construo de novos
conhecimentos.
Esse encontro de profissionais ocorrido nos dias 25 e 26 de setembro de
2012 iniciou um processo de troca entre atores no caminho da construo do novo
conhecimento, que dialoga com as regras e condutas da universidade e no perde o
foco do saber enraizado e contextualizado dos agricultores.
Esse seminrio apresentou os ltimos trabalhos de doutorado, mestrado e
especializao do programa de ps-graduao da Ascar, que no desenvolvimento
de sua existncia propiciou a produo de seis teses, quarenta e sete dissertaes e
mais que cento e cinquenta monografias de especializaes.
Os esforos acadmicos de doutorado e mestrado foram desenvolvidos
dentro da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), da Universidade
Federal de Santa Maria (UFSM), da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)
e da Universidade Federal de Rio Grande (FURG) entre os anos de 1998 e 2010.
O primeiro trabalho apresentado no Seminrio foi do Ms. Gervsio Paulus,
intitulado O forjamento do padro moderno de agricultura: concepes e
possibilidades de transio, que apresenta que o padro moderno de agricultura
gerou um processo de crise e levanta o questionamento da existncia de uma
transio que no se sabe o ponto de chegada. A hiptese central trabalhada que
o processo para a produo agrcola alternativa mais importante que o produto
final orgnico. O autor dialogou com as percepes de modernizao do
campesinato dos autores marxistas, dos neoclssicos e de Alexander Chaynov.
Apontou que o debate acadmico no Brasil sobre a questo agrria a partir dos anos
1950 est essencialmente voltado ao tema fundirio. Apresentou os limites
econmico, ambiental e social do padro moderno de agricultura e aponta uma crise
gerada pela noo de separao entre o que sociedade e o que natureza.
Entende que existe um mosaico de possibilidade de agriculturas alternativas.
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Finalizando, enfatiza que a tentativa de unificar um pacote orgnico a reconduo
do modelo moderno. O ponto mais central e essencial o prprio processo de
produo.
O segundo trabalho apresentado foi conduzido pelo Dr. Cludio Marques
Ribeiro, sob o ttulo Estudo do modo de vida dos pecuaristas familiares da regio da
Campanha do Rio Grande do Sul. O autor buscou entender a dinmica dos
pecuaristas do pampa gacho tendo como hiptese central as perguntas: O
pecuarista familiar um agricultor familiar?, Qual sua identidade?, Qual sua
origem?, Como se organizam em sua vida?. O referencial terico dialogava com a
noo de Modo de Vida desenvolvida por Frank Ellis agregado noo de
Liberdades e Capacitaes de Amarthia Sen. O autor desvela que os pecuaristas
familiares tm mais que 60 anos, recebem aposentadoria rural, tm pouca
participao das mulheres nos espaos decisrios e no possuem habilitao
formal. Esse grupo social, na organizao interna da propriedade, prioriza o
autoconsumo, o qual representa 11% do produto bruto (PB), sendo basicamente a
carne. A propriedade o capital natural que foi recebido por herana. O recurso
financeiro disponvel desse grupo investido na compra de animais. Foram
identificados elementos de reciprocidade no trabalho entre as propriedades nos
afazeres a cavalo. So filiados ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais devido
existncia de dentista e mdico. A principal identidade desse grupo como
pecuaristas ou produtores rurais. A principal atividade econmica a criao de
bovinos de corte devido segurana e ao conhecimento prtico. Os processos de
diversificao ocorrem por dentro da bovinocultura de corte, baseada em campos
nativos, sem uso externo. O autor conclui que o modo de vida desse grupo social
baseado na criao de bovino de corte, sobre pastagem nativa, sem uso insumos
interno e com alto grau de autonomia. Nesse sentido, caracterizam-se como
agricultores familiares tendo uma lgica prpria e diferente com uma racionalidade
peculiar.
O terceiro trabalho do seminrio foi apresentado pelo Ms. Dcio Cotrim, cujo
ttulo Proposta metodolgica para uso de indicadores de sustentabilidade na pesca
artesanal. Esse estudo buscou entender as dinmicas sociais desenvolvidas pelo
grupo dos pescadores artesanais no litoral Norte do RS. O referencial terico
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transitou pela abordagem sistmica de Marcel Mazoyer e dialogou com os autores
da escola da Agroecologia quando do debate sobre indicadores de sustentabilidade.
O autor desenvolveu uma anlise de evoluo e diferenciao de sistemas
pesqueiros para angariar elementos que explicaram o atual estgio de vida dos
pescadores de Tramanda/RS. Na fase contempornea, separou o grupo em seis
sistemas de produo pesqueiro e desenvolveu um grupo de indicadores para
avaliao do grau de sustentabilidade das famlias de pescadores.
O quarto trabalho foi apresentado pelo Ms. Mauro F. Stein, intitulado A
experincia de planejamento participativo no municpio de Putinga/RS, o qual
analisou a prtica na extenso rural atravs do planejamento de aes e aplicao
de polticas pblicas. Como pano de fundo, fez-se referncia realizao de 2.584
planos de desenvolvimento comunitrios com mtodos participativos e gerou-se a
questo: Esses planos contriburam para a democratizao das polticas pblicas?.
As hipteses levantadas apontaram que o planejamento participativo gerava maior
eficcia das polticas e promovia transparncia na gesto pblica das polticas. Foi
escolhido com objeto emprico o municpio de Putinga devido a ter sido realizado o
monitoramento, em 2005, de planos com 275 demandas e a sistematizao dos
dados. Os resultados apontaram que os mtodos participativos auxiliam na presena
das mulheres nos espaos de deciso, os conselheiros ampliaram a participao e o
monitoramento das polticas pblicas e ocorreu a reduo da dependncia nas
relaes de poder entre tcnicos e agricultores. Os atores responsabilizam-se
quando da ao em processos participativos, ou seja, atuam com maior
comprometimento.
O quinto trabalho foi apresentado pelo Ms. Neimar Damian Perondi, sob o
ttulo Redes de cooperao versus custos de transao: um estudo de caso da Agel
na mesorregio Noroeste do Rio Grande do Sul. A pergunta central do estudo foi:
Qual estrutura de governana mais adequada visando ao custo de transao
voltado manuteno dos agricultores familiares (AF)? Como conceito de custo de
transao, o autor entendeu como sendo todas as operaes de um sistema
econmico, ou seja, custo para estar no mercado, aproximando-se a corrente
econmica da Nova Economia Institucional. Apresentaram-se a cadeia produtiva do
leite e os custos de cada uma das suas fases. Posteriormente, foram debatidos os
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aspectos levantados na anlise da cadeia e geradas as recomendaes de curto,
mdio e longo prazo. De forma genrica, a indicao para os pequenos laticnios a
realizao de contratos slidos com cooperativas maiores para minimizar os riscos,
uma estrutura de governana hbrida, a produo base de pasto, exclusivamente
familiar, no rastreado, com licenciamento ambiental e base convencional.
O sexto trabalho foi apresentado pelo Ms. Lus Bohn, cujo ttulo Expresses
de conhecimento de grupos sociais locais para a gesto de recursos hdricos na
bacia hidrogrfica do Rio Mampituba. Esse autor tratou da problemtica da
ocorrncia de enchentes do Rio Mampituba e as iniciativas de enfrentamento,
debate sobre a soluo do problema que envolve interesses divergentes na questo
da gesto. O objeto de anlise foi o comit de gesto da bacia do Rio Mampituba,
tendo como pergunta central a dvida se esse comit teria capacidade de discutir o
tema da gesto devido ao tamanho do problema, falta de tolerncia e
comprometimento e influencia dos poderes. O objetivo principal do trabalho foi
reconhecer as expresses de conhecimento na tomada de deciso. A pesquisa
identificou que os grupos sociais agrcolas locais so alienados devido ruptura da
relao sociedade-natureza. Porm, existiram indcios de ressignificao nessa
questo com novidades emergindo. Existe um forte estigma de desconfiana com
entidades estatais ambientais. Tambm existe a busca de consenso e solidariedade
atravs de valores da comunidade. Os grupos locais tm atitudes contraditrias em
relao ao tema da gesto, sendo um desafio direcionar para uma oportunidade
pedaggica.
O stimo trabalho foi apresentado pelo Ms. Rubens V. Tesche, intitulado As
relaes de reciprocidade e redes de cooperao no desempenho socioeconmico
da agricultura familiar. A cadeia produtiva do leite passou pela modernizao
tecnolgica que possibilitou a ampliao da produo longe dos centros urbanos. A
cadeia um oligpsnios onde existem muitos produtores e poucos compradores. A
pergunta-chave desse trabalho : Como, atravs da reciprocidade, os agricultores
podem resistir ao poder das indstrias?. O estudo teve como objeto emprico o
municpio de Sete de Setembro/RS, devido produo leiteira ser baseada em
agricultores familiares. Existem grupos de agricultores organizados que comearam
a desenvolver, atravs de mutires, a confeco de silagem, a compra conjunta de
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resfriadores de leite e a comercializao conjunta para a indstria, ainda que
existissem agricultores que trabalhavam individualmente. O trabalho analisou
comparativamente esse dois grupos atravs de indicadores econmicos, sociais e
de reciprocidade. A concluso do estudo apontou que as relaes de reciprocidade
produzem valores de confiana e solidariedade que influenciam positivamente no
desempenho socioeconmico das famlias.
O oitavo trabalho foi apresentado pelo Ms. Joo Alfredo de Oliveira Sampaio,
sob o ttulo Crescimento de linguados paralichthys orbignyanus (Valenciennes,
1839) em policultivo com tainhas mugil platanus (Gnther, 1880) em viveiros de solo.
O trabalho versa sobre a produo de peixes em viveiros de solo atravs da
produo natural (eutrofizao). Foram utilizados linguados e tainhas voltados para
propriedades ao redor da Lagoa dos Patos. O linguado um carnvoro que aceita
guas estuarinas. O objetivo foi a avaliao do crescimento dos animais em
policultivo. O experimento foi realizado em 197 dias, no saco do Justino, em Rio
Grande. O resultado de desempenho do linguado em todas as lotaes no
interferiu no desempenho da tainha. A sobrevivncia dos alevinos foi alta. A
alimentao natural com plncton foi central no desenvolvimento dos peixes. A
temperatura da gua mostrou ser um fator fundamental para as variaes de
desempenho. A concluso do trabalho aponta para a possvel estocagem de tainha
e linguado em baixa lotao utilizando alimento natural.
O nono trabalho foi apresentado pelo Ms. Vilmar Fruscalso, cujo ttulo
Caractersticas fsico-qumicas do leite de vacas holandesas submetidas restrio
alimentar. O objetivo central do estudo foi a identificao de leite no cido (Lina) e
suas causas como as questes genticas dos animais ou individualidade do animal,
a subnutrio e a restrio alimentar, problemas com mastite e estresse. A Lina
mantm o pH normal do leite, mas precipita no teste com lcool, como leite cido ou
masttico. A concluso do trabalho aponta que as restries nutricionais so a
principal causa da Lina, que podem ser resolvidas com o balanceamento alimentar.
O uso do teste do lcool isolado possibilita a mistura do leite com Lina com o leite
cido. Torna-se premente a localizao de outros tipos de testes, pois o leite com
Lina tem boas condies de utilizao pela indstria.
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O dcimo trabalho foi apresentado pelo Ms. Rui Rotava, intitulado
Desempenho e digestibilidade de frangos de corte alimentados com subprodutos da
uva. O objetivo do trabalho foi testar o uso dos resduos de uva na regio da serra
gacha voltada para a criao de galinhas crioulas na agricultura familiar. O
experimento foi realizado dentro da UFSM com sementes secas e modas
misturadas rao em diferentes dosagens. Tambm foi realizada inoculao
bacteriana para avaliao do efeito antibacteriano da semente de uva. No
ocorreram influencias positivas nas avaliaes zootcnicas. Porm, ocorreram
influncias positivas a partir da inoculao bacteriana.
O dcimo primeiro trabalho foi apresentado pelo Ms. Alfredo Schons, sob o
ttulo Crescimento, desenvolvimento e rendimento de mandioca e milho em
diferentes arranjos espaciais no cultivo solteiro e consorciado. A mandioca tem uma
produo total em torno de 12 mil toneladas no RS, e o milho, de 3,4 milhes de
toneladas. O objetivo do trabalho foi avaliar a sustentabilidade na agricultura familiar
atravs desses cultivos. A mandioca plantada em fileira dupla pode gerar aumento
de produtividade. O ensaio testou o cultivo consorciado, o espao entre fileiras, os
arranjos de plantas e a competio intraespecfica e interespecfica para melhor
utilizao do solo. A concluso apontou que no houve competio entre milho e
mandioca dentro dos consrcios.
Os resultados acadmicos de especializao so frutos do curso MBA da
Unisinos em Gesto do Agronegcio, desenvolvido entre os anos de 2009 e 2010 e
que formou 26 especialistas. Durante o seminrio, ocorreu a apresentao da
sinopse de cinco monografias.
A primeira monografia foi apresentada pelo Esp. Dalberto Corezzola,
intitulada Caracterizao e anlise do arranjo produtivo local (APL) da ma no
municpio de Ip/RS. O autor utiliza o conceito de arranjo produtivo local para a
anlise do cultivo da ma no territrio e localizar gargalos. Os critrios para anlise
do desenvolvimento da cadeia foram elencados em uma escala qualitativa. Como
concluso, foi apontada a fragilidade dos mecanismos de cooperao entre
agricultores, a necessidade de novos mecanismos de agregao de valor, de
estruturas que influenciem a demanda e a oferta e a maior quantidade de formao.
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A segunda monografia foi apresentada pelo Esp. Elir Paulo Pasquetti, sob o
ttulo A competitividade da suinocultura desenvolvida no municpio de Nova
Candelria e sua representatividade no Noroeste do Rio Grande do Sul. Na
atualidade, 80% dos criadores de sunos do municpio de Nova Candelria so
integrados. Existe um processo de forte reduo no nmero de criadores pela
seleo das empresas integradoras. O trabalho analisou os indicadores econmicos
do municpio em relao regio, tendo como pano de fundo a cadeia da
suinocultura.
A terceira monografia foi apresentada pelo Ms. Jaime Eduardo Ries, com o
ttulo Atributos valorizados pelos consumidores em relao carne bovina: estudo
de caso da Aproccima. O trabalho analisou a relao entre o perfil socioeconmico
do consumidor e as caractersticas da carne. A teoria transitou pela anlise do
comportamento do consumidor e a cadeia produtiva. A Aproccima iniciou suas aes
atravs de um Cite e evoluiu para uma aliana mercadolgica que busca aproximar
o produtor do consumidor. Tornou-se um programa de qualidade de carne.
A quarta monografia foi apresentada pelo Esp. Mario Landerdahl, intitulada
Modelo de dimensionamento de projetos de audes (MDPA) - Processo de
desenvolvimento de uma ferramenta de dimensionamento de projetos de audes do
tipo construo de terra. A distribuio das chuvas no estado agregado aos meses
mais quentes aponta para perodos de falta de gua que justificam um programa de
construo de audes para o armazenamento de gua para irrigao. O trabalho
enfoca a avaliao e o aprimoramento de uma ferramenta informatizada para
dimensionamento de projetos de audes.
A quinta monografia foi apresentada pela Esp. Sandra M. Dalmina, cujo ttulo
Anlise da aplicao dos recursos de crdito rural no municpio de Nova Pdua/RS
viabilizados pelo escritrio municipal da Emater/RS-Ascar no perodo de 1997-2009.
O trabalho mostra os dados sobre aplicao do Pronaf Investimento no municpio
onde os tratores e os implementos agrcolas so os maiores volumes de crdito
utilizados. Tambm foram financiados pomares, construes e veculos utilitrios.
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O primeiro seminrio de produo acadmica dos empregados da Ascar
finalizou com a mostra de uma tese de doutorado, dez dissertaes de mestrado e
cinco monografias de especializao, sendo um extrato do montante produzido
pelos empregados desta Instituio. Esse exerccio acadmico tambm propiciou a
formao e a informao de um pblico interno e externo de mais de 150 pessoas
participantes e a assistncia de um grande grupo atravs da veiculao via web.
Dcio Cotrim Gerente de Recursos Humanos
Emater/RS-Ascar
SUMRIO
APRESENTAO 3
PARTE I
Captulos
Captulo I - O Forjamento do Padro Moderno de Agricultura: concepes e possibilidades de transio
Gervsio Paulus 19
Captulo II - Estudo do Modo de Vida dos Pecuaristas Familiares da Regio da Campanha do Rio Grande do Sul
Claudio Marques Ribeiro 45
Captulo II - Proposta Metodolgica para Uso de Indicadores de Sustentabilidade na Pesca Artesanal
Dcio Cotrim 67
Captulo IV - A Experincia de Planejamento Participativo no Municpio de Putinga/RS
Mauro Fernando Stein 89
Captulo V - Redes de Cooperao Versus Custos de Transao: um estudo de caso da Agel na Mesorregio Noroeste do Rio Grande do Sul
Neimar Damian Peroni 117
Captulo VI - Expresses de Conhecimento de Grupos Sociais Locais para a Gesto de Recursos Hdricos na Bacia Hidrogrfica do Rio Mampituba
Luis Bohn e Csar Augusto Pompo 135
Captulo VII - As Relaes de Reciprocidade e Redes de Cooperao no Desempenho Socioeconmico da Agricultura Familiar
Rubens Wladimir Tesche e Joo Armando Dessimon Machado 157
Captulo VIII - Crescimento de Linguados Paralichthys Orbignyanus (Valenciennes, 1839) em Policultivo com Tainhas Mugil Platanus (Gnther, 1880) em Viveiros de Solo
Joo Alfredo de Oliveira Sampaio, Luis Andr Nassr Sampaio, Mrio Roberto Chim Figueiredo, Viviana Lisboa da Cunha e Marcelo Hideo Okamoto 187
Captulo IX - Caractersticas Fsico-Qumicas do Leite de Vacas Holandesas Submetidas Restrio Alimentar
Vilmar Fruscalso, Vivian Fischer e Maira Balbinotti Zanela
209
14
Captulo X - Desempenho e Digestibilidade de Frangos de Corte Alimentados com Subprodutos da Uva
Rui Rotava 223
Captulo XI - Crescimento, Desenvolvimento e Rendimento de Mandioca e Milho em Diferentes Arranjos Espaciais no Cultivo Solteiro e Consorciado
Alfredo Schons, Nereu Augusto Streck, Alencar Junior Zanon, Bruno Kraulich e Diego Garrido Pinheiro 237
PARTE II
Resumos
Resumo I - O Impacto das App no Contexto Fundirio e Econmico da Agricultura Familiar, dentro da Microbacia Hidrogrfica da Comunidade So Jos do Umbu, Municpio de Victor Graeff/RS
Alessandro Botelho Davesac 261
Resumo II - Caractersticas Agropecurias da Regio da Grande Santa Rosa
Carlos Olavo Neutzling 267
Resumo III - Evoluo Histrica das Polticas Agrcolas e Impactos na Produo Brasileira de Cereais
Clio Alberto Colle 275
Resumo IV - Diversificao nos Cultivos de Citros para Consumo In Natura: o exemplo adotado em uma pequena propriedade rural no municpio de Erechim/RS
Cezar da Rosa 279
Resumo V - Preo da Terra X Viabilidade das Propriedades Adquiridas pelo Banco da Terra e PNCF: Anlise dos Municpios de Cristal e de Herval e Anlise da Realidade Socioeconmica dos Assentamentos Emergentes do PNCF no Municpio de Herval e Perspectivas de Desenvolvimento
Charles Cladistone Pauli 285
Resumo VI - Caracterizao e Anlise do Arranjo Produtivo Local (APL) da Ma no Municpio de Ip/RS
Dalberto Corezzola 289
Resumo VII - Polticas Pblicas Agrcolas para a Agricultura Familiar: uma anlise da Regio Central do RS
Edson Paulo Mohr 297
Resumo VIII - Histria e Evoluo da Associao de Desenvolvimento Comunitrio dos Produtores Rurais de Morro Redondo: uma contribuio para a sustentabilidade da agricultura familiar
Edgar Martin Norenberg
301
15
Resumo IX - Anlise e Tendncias Futuras para o Pssego na Regio de Pelotas no Contexto Globalizado
Edgar Martin Norenberg e Evair Ehlert 313
Resumo X - A Competitividade da Suinocultura Desenvolvida no Municpio de Nova Candelria e sua Representatividade no Noroeste do Rio Grande do Sul
Elir Paulo Pasquetti 323
Resumo XI - Manejo das Plantas de Cobertura do Solo na Viticultura da Serra Gacha Visando ao Controle das Perdas de Solo pela Eroso Hdrica
Enio ngelo Todeschini 327
Resumo XII - A Atividade de Silvicultura Inserindo a Viso Ambiental nas Propriedades Rurais de Canguu/RS
Evair Ehlert 331
Resumo XIII - A Silvicultura como Alternativa Potencial de Gerao de Renda para Agricultura Familiar em Canguu/RS
Evair Ehlert 339
Resumo XIV - Diversificao das Pequenas Propriedades Rurais: a alternativa da produo de leo vegetal pelas famlias da associao dos produtores rurais de So Geraldo
Everton Schuch Vargas 347
Resumo XV - Gesto da Pequena Unidade Familiar Produtora de Leite: uma anlise do modelo de gesto atravs da compreenso da unidade de produo
Gilberto Bortolini 351
Resumo XVI - Mapeamento da Cadeia Produtiva da Erva-Mate no Municpio de Machadinho: desafios e propostas
Ilvandro Barreto de Melo 357
Resumo XVII - Atributos Valorizados pelos Consumidores em Relao Carne Bovina: estudo de caso da aproccima
Jaime Eduardo Ries 361
Resumo XVIII - Cooperativismo e Polticas Pblicas para a Agricultura Familiar: estudo de caso da Coomafitt
Marcelo Xavier Tozzi 367
Resumo XIX - Os Sistemas Agroflorestais como Proposta Produtiva e de Adequao de Reserva Legal para as Pequenas Propriedades do Noroeste Gacho
Joney Cristian Braun 377
Resumo XX - Modelo de Dimensionamento de Projetos de Audes (MDPA): processo de desenvolvimento de uma ferramenta de dimensionamento de projetos de audes do tipo construo de terra
Mrio Luiz Landerdahl 383
16
Resumo XXI - Agronegcio do Leite: caracterizao dos sistemas produtivos e especializao da atividade no municpio de Ronda Alta/RS
Milton Carlos Dossin 387
Resumo XXII - Anlise da Aplicao dos Recursos de Crdito Rural no Municpio de Nova Pdua/RS Viabilizados pelo Escritrio Municipal da Emater/RS-Ascar no Perodo de 1997-2009
Sandra Maria Dalmina 393
Resumo XXIII - Influncia das Parcerias e Verticalizaes na Suinocultura e Avicultura Industrial e do Modelo da Produo de Commodities na Agricultura Familiar da Regio do Alto Uruguai do Rio Grande do Sul
Walmor Jos Gasparin 405
Captulo I O forjamento do padro moderno de agricultura.
19
O Forjamento do Padro Moderno de Agricultura: concepes e
possibilidades de transio1
PAULUS, Gervsio2
Uma cincia emprica privada de reflexo e uma filosofia puramente especulativa so insuficientes, conscincia sem cincia e cincia sem conscincia so radicalmente mutiladas e mutilantes...
Edgar Morin (Cincia com Conscincia, 1996)
RESUMO Muitos aspectos esto envolvidos na transio de um modelo de agricultura para outro, como mostra a implantao do padro moderno de agricultura no Brasil. Das concepes sobre a modernizao tecnolgica na agricultura, tanto a corrente de interpretao neoclssica quanto a vertente marxista partem do pressuposto de que a industrializao da agricultura o nico caminho para promov-la. No caso brasileiro, o Estado teve papel destacado na implantao desse modelo, sobretudo atravs do instrumento de crdito rural, aplicado de forma subsidiada e dirigida, alm do carter discriminatrio em sua concesso. A maior parte das anlises converge em reconhecer que o momento atual de crise do "padro moderno" de agricultura. A crise manifesta-se atravs das consequncias (sociais, ambientais e econmicas) que decorrem da maneira como se deu a implantao desse modelo, ainda que o "pacote tecnolgico" difundido tenha incidido sobre problemas reais enfrentados pelos agricultores. Discute-se a construo do significado de agricultura sustentvel, enfatizando que uma crtica radical do padro moderno de agricultura, o qual agudizou a atual crise socioambiental, pressupe um questionamento das concepes de cincia e agronomia que nortearam a formao desse padro. Entretanto, propostas de estilos alternativos de agricultura no so novas, como revelam as correntes alternativas de agricultura, com distintas denominaes. Sustenta-se, por fim, que no existe uma via nica para a transio do padro moderno, mas antes um mosaico de possibilidades. O que ir determinar a emergncia de um novo padro de produo a partir das experincias em curso a forma como se organizam, e no somente os apelos mercadolgicos a ela associados. Palavras-chave: Agroecologia. Transio Agroecolgica. Ecologia Vegetal. Agroecossistema.
1 Este captulo toma como base a dissertao apresentada pelo autor ao Centro de Cincias Agrrias da
Universidade Federal de Santa Catarina, como requisito parcial para a obteno do ttulo de Mestre em Agroecossistemas. Acesse aqui a dissertao na ntegra.
2 Engenheiro Agrnomo, Mestre em Agroecossistemas pela UFSC. Extensionista Rural da Emater-RS/Ascar, E-
mail: [email protected]
Captulo I O forjamento do padro moderno de agricultura.
20
1 A QUESTO
O desenvolvimento tecnolgico da agricultura, sobretudo a partir da segunda
metade deste sculo, permitiu a incorporao de um conjunto de tecnologias
avanadas ou modernas que, indubitavelmente, aumentaram a produo e a
produtividade das atividades agropecurias, a par de alterar relaes sociais no
campo. Contudo, a incorporao dessas tecnologias frequentemente ocorreu de
forma inadequada realidade do meio rural, seja pela maneira como se deu essa
implantao, seja pela natureza mesma das tecnologias introduzidas. A prevalncia
de prticas e mtodos que se tornaram convencionais, como a monocultura, o uso
massivo de agrotxicos, o desmatamento generalizado e o manejo inadequado do
solo e da gua, revelam na verdade um problema mais profundo de relao homem-
meio fsico, com consequncias ambientais (eroso, contaminao do solo e
mananciais de gua, perda da biodiversidade) e sociais (xodo rural acentuado),
com o consequente agravamento de problemas urbanos no entorno das mdias e
grandes cidades.
A observao de que a procura por produtos orgnicos crescente permite
constatar que aquela maior que esta. Ou seja, existe uma demanda
potencialmente maior que a produo atual de produtos orgnicos. Ora, se existe um
descompasso entre demanda de mercado e produo, quais so as causas que
limitam a expanso da produo orgnica? Em outras palavras, uma pergunta que
frequentemente surge : se a agricultura alternativa to boa, por que no est
mais difundida?
Considera-se, de incio, que no basta a existncia de um mercado potencial
de produtos orgnicos para que ocorra a converso do processo produtivo
convencional para o orgnico por parte dos produtores. Isso significa que a opo
pela produo alternativa no decorre exclusivamente da disfuno entre demanda
e produo, isto , no explicada apenas pela lgica da "mo invisvel" do
mercado. Interagem nesse processo vrios outros fatores, no apenas de natureza
tcnica, mas tambm sociolgica, tais como a organizao local dos produtores, sua
relao com assessoria tcnica externa e a articulao com formas de
comercializao, bem como outras preferncias que nem sempre podem ser
demarcadas objetivamente. Dentro desse pressuposto, discute-se em que medida a
Captulo I O forjamento do padro moderno de agricultura.
21
proposta de estilos alternativos de agricultura pode representar de fato uma
transio para um novo modelo, alternativo ao padro produtivo convencional, ou
representa apenas uma adequao a novas exigncias de mercado (fruto da
presso dos consumidores e da influncia da mdia, entre outras razes) que, no
limite, se traduz por uma substituio de insumos.
A hiptese principal formulada que a forma como as experincias
alternativas de agricultura (conhecidas como orgnicas ou ecolgicas) se
organizam determinante para desencadear uma transio do modelo de produo
convencional para estilos alternativos de agricultura, e no o fato de o produto final
ser considerado como orgnico ou ecolgico".
2 AS CONCEPES SOBRE A MODERNIZAO TECNOLGICA NA AGRICULTURA
O debate em torno das concepes sobre a modernizao da agricultura e,
em decorrncia destas, sobre o destino histrico do campesinato (leia-se
agricultores familiares), j dura pelo menos um sculo. Inobstante, o campesinato
continua existindo, desafiando as teorias que previam seu desaparecimento. A viso
amplamente dominante na anlise da modernizao da agricultura tem por
pressuposto a inevitvel associao entre progresso tcnico na indstria e a
correspondente industrializao da agricultura. Essa viso corresponde tanto
interpretao neoclssica quanto dos autores da vertente marxista.
Entre os defensores da corrente neoclssica destaca-se o pensamento do
economista Theodor W. Schultz. A tese de Schultz (1965), um dos principais
idelogos da modernizao, era que, em geral, os camponeses combinavam de
forma racional os fatores de produo: [...] h comparativamente poucas
ineficincias significativas na distribuio dos fatores de produo na agricultura
tradicional (SCHULTZ, 1965, p. 47).
A nica maneira de aumentar a eficincia produtiva na agricultura seria,
portanto, atravs do aporte de fatores externos3, substituindo os "insumos
3 Conquanto seja bvio que as fazendas freqentemente produzam os animais de trao de que necessitam,
no podem produzir tratores agrcolas. Nem tampouco podem produzir os fertilizantes qumicos e os inseticidas (SCHULTZ, 1965, p. 123).
Captulo I O forjamento do padro moderno de agricultura.
22
tradicionais" por "insumos modernos", oferecidos a custos baixos ao agricultor
atravs de crditos subsidiados, acompanhados de assistncia tcnica:
[...] objetivando transformar esse tipo de agricultura, ter que ser oferecido um conjunto de fatores mais proveitosos. Desenvolver e oferecer tais fatores e aprender como us-los eficientemente uma questo de investimento, tanto em capital humano como material (SCHULTZ, 1965, p. 12).
Nessa perspectiva, para os seguidores de Schultz (1965) no Brasil, a
modernizao da agricultura dispensaria a reforma agrria como instrumento para o
desenvolvimento agrcola (em que pese o fato de que o autor atribua um papel
distribuio fundiria na modernizao da agricultura, em determinadas conjunturas,
como no caso do Mxico). A adoo das novas tecnologias permitiria, por si s, a
elevao da renda dos agricultores, atravs do aumento da produo e da
produtividade. A lgica subjacente a esse raciocnio pode ser assim resumida: a
adoo de tecnologias modernas gera maior rendimento na agricultura, o qual
resulta em maior bem-estar social. dentro desse contexto que assume relevncia a
criao do Sistema Brasileiro de Extenso Rural (Sibrater) e a poltica de crdito
subsidiado.
Pode-se afirmar, em sntese, que o que caracteriza a concepo
modernizante no pensamento neoclssico a ideia de que o desenvolvimento
econmico e o bem-estar social resultam sobretudo da capacidade de a agricultura
transformar sua base tcnica, no sentido de incorporar cada vez mais insumos
modernos (fertilizantes de origem industrial, agrotxicos, sementes hbridas, raas
animais geneticamente melhoradas). Do lado da corrente marxista, a primeira
constatao a relativa pequena importncia dada por Marx, em toda a sua intensa
produo intelectual, ao campesinato, a qual pode ser atribuda ao fato de
consider-lo como uma categoria fatalmente destinada ao desaparecimento, pela
evoluo histrica das contradies do sistema capitalista. A anlise implacvel
sobre a contribuio poltica dos camponeses para a ascenso de Lus Bonaparte
na Frana, representando o retorno da burguesia ao poder, levou Marx a compar-
los a um saco de batatas, no sentido de no constiturem uma classe social,
deixando-se manipular por interesses de outros grupos:
Uma pequena propriedade, um campons e sua famlia; ao lado deles outra pequena propriedade, outro campons, outra famlia. Algumas dezenas delas constituem uma aldeia, e algumas dezenas de aldeias constituem um
Captulo I O forjamento do padro moderno de agricultura.
23
departamento. A grande massa da nao francesa , assim, fornada pela simples adio de grandezas homlogas, da mesma maneira por que batatas em um saco constituem um saco de batatas. Na medida em que milhes de famlias camponesas vivem em condies econmicas que as separam umas das outras, e opem o seu modo de vida, os seus interesses e sua cultura aos das outras classes da sociedade, esses milhes constituem uma classe. Mas na medida em que existe entre os pequenos camponeses apenas uma ligao local e em que a similitude de seus interesses no cria entre eles comunidade alguma, nem organizao poltica, nessa exata medida no constituem uma classe. So, consequentemente, incapazes de fazer valer seu interesse de classe em seu prprio nome, quer por meio de um Parlamento, quer por meio de uma conveno. No podem representar-se, tm de ser representados. Seu representante tem, ao mesmo tempo, de aparecer como seu senhor, como autoridade sobre eles, como um poder governamental ilimitado que os protege das demais classes e que do alto lhes manda o sol ou a chuva. A influncia poltica dos pequenos camponeses, portanto, encontra sua expresso final no fato de que o Poder Executivo submete a seu domnio a sociedade. (MARX, 2003).
Abramovay (1992) chega a afirmar que no h espao para o campesinato na
teoria marxista4. Para Marx (1985), a principal questo que a agricultura colocava era
o problema da renda da terra, vista como um obstculo para o pleno
desenvolvimento capitalista no campo, em funo do monoplio da terra pelos
grandes proprietrios. A forma de o capital enfrentar o monoplio da propriedade da
terra seria atravs do progresso tecnolgico representado pela industrializao da
agricultura (SILVA, 1981). O que nos interessa, para os propsitos deste estudo,
salientar que as anlises e as formulaes tericas produzidas pelos principais
herdeiros da tradio marxista no incio do sculo XX tm o mesmo pressuposto da
viso neoclssica - desenvolvimento mximo das foras produtivas na agricultura
pela incorporao crescente de insumos modernos - e continuam a exercer grande
influncia nos dias atuais. As discusses recentes sobre agricultura familiar e
sustentabilidade esto fortemente marcadas - de forma explcita ou implcita - pela
influncia do debate clssico a partir das concepes de Lnin e Kautski sobre as
tendncias de diferenciao/reproduo do campesinato em um pas capitalista. O
ncleo terico dessas concepes gira em torno da crescente polarizao social do
campesinato, com a passagem inevitvel do campons rico a capitalista e do pobre
4 Esta posio contestada por alguns autores marxistas contemporneos, os quais argumentam que, para
entender a questo agrria em Marx, seria necessrio recorrer aos escritos do velho Marx, principalmente a troca de correspondncia com os populistas russos, nos quais Marx admitia a possibilidade da passagem pr-capitalista (a partir das comunas russas - os Mir), diretamente para o socialismo, rompendo dessa forma com o esquema evolucionista histrico. Para maiores detalhes, pode-se ver Dilemas do Socialismo. A controvrsia entre Marx, Engels e os populistas russos. FERNANDES, R. C. (Org.). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982.
Captulo I O forjamento do padro moderno de agricultura.
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a assalariado (LENIN, 1974), e da superioridade da produo em grande escala
comparativamente pequena escala:
[...] foi a indstria quem criou as condies tcnicas e cientficas para a existncia da nova agricultura racional; foi ela que revolucionou a agricultura atravs das mquinas e do adubo artificial, dos microscpios e dos laboratrios qumicos, contribuindo, dessa maneira, para a superioridade tcnica do grande estabelecimento capitalista sobre o pequeno estabelecimento agrcola. (KAUTSKI, 1986, p. 263)
Mais recentemente, correntes de interpretao alternativas viso da
agricultura como "industrializao da natureza" ganharam alento a partir da releitura
do agrnomo russo Alexander Chayanov5, cujo legado terico principal foi o
desenvolvimento da tese da especificidade da produo camponesa. Para
Chayanov (1974), as unidades de produo camponesas no podem ser entendidas
to somente a partir das leis gerais que regem as relaes de produo e
acumulao em uma sociedade capitalista, nem das categorias de anlise das
empresas capitalistas. necessrio, sustenta ele, buscar outra racionalidade,
baseada em um balano entre trabalho e consumo:
[...] chega um momento, ao alcanar o ingresso de um determinado nvel de rendimento, em que as fadigas de desgaste da fora de trabalho marginal chegaro a equiparar-se com a avaliao subjetiva da utilidade marginal da soma obtida com essa fora de trabalho. A produo do trabalhador na explorao domstica cessar neste ponto de natural equilbrio porque qualquer outro aumento no desgaste de fora de trabalho resultar subjetivamente desvantajoso. Qualquer unidade domstica de explorao agrria tem assim um limite natural para sua produo, o qual est determinado pelas propores entre a intensidade anual de trabalho da famlia e o grau de satisfao de suas necessidades. (CHAYANOV, 1974, p. 84-85)
Em outras palavras, significa que, por possuir uma estrutura econmica
diferente da empresa capitalista clssica, a unidade de explorao familiar requer,
para sua anlise e compreenso, tambm outra teoria econmica, a "economia
camponesa". por isso que a anlise de Chayanov concentra-se em um nvel micro:
[...] simplesmente aspiramos a compreender o que a unidade econmica camponesa desde um ponto de vista organizativo. Qual a morfologia deste aparato produtivo? Nos interessa saber como se logra aqui a natureza
5 Alexander Chayanov fazia parte de uma corrente de pensamento econmico chamada Escola de Organizao
da Produo, que existiu na Rssia no incio do sculo XX. Devemos lembrar que a Rssia pr-revoluo socialista j possua um eficiente servio de recenseamento e coleta de dados, estimulando assim o desenvolvimento de estudos sobre a organizao e a produo agrcola nesse pas.
Captulo I O forjamento do padro moderno de agricultura.
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proporcional das partes, como se logra o equilbrio orgnico, quais so os mecanismos de circulao e de recuperao do capital no sentido da economia privada, quais so os mtodos para determinar o grau de satisfao e proveito, e como reage frente s influncias dos fatores externos, naturais e econmicos que aceitamos como dados. (CHAYANOV, 1974, p. 36)
J na perspectiva dos marxistas agrrios clssicos, o problema fundamental
no residiria na natureza em si das tecnologias introduzidas pela modernizao, mas
na desigual apropriao dos benefcios gerados. Diga-se de passagem que o padro
produtivo de agricultura implantado nos pases do "bloco socialista" demonstra
claramente que a opo tecnolgica seguida no difere, em essncia, do modelo
adotado nos pases capitalistas ocidentais, isto , foi baseado em uma concepo
de desenvolvimento mximo das foras produtivas, sem questionar a natureza das
tecnologias geradas e a finitude dos recursos naturais. Por estar baseado na oferta e
na produo de massa de bens de consumo, o padro produtivo implantado pelos
ento regimes polticos nos pases considerados socialistas do Leste europeu
seguiu claramente o modelo fordista, inclusive na agricultura (veja-se, por exemplo,
o caso cubano, que at o fim do "socialismo real" sovitico, mantinha uma
agricultura quase totalmente dependente de insumos industriais).
Em resumo, pode-se afirmar, concordando com Caume (1992), que tanto a
corrente terica neoclssica quanto a marxista so essencialmente deterministas em
suas anlises sobre o processo de modernizao da agricultura, pois consideram
irreversvel a marcha do progresso tecnolgico industrial, que deveria
necessariamente ser incorporado agricultura. A diferena, como apontam Souza
Leite et al. (1988), que, enquanto na viso neoclssica sobressai um determinismo
tecnolgico (a promoo de bem-estar social seria uma decorrncia da aplicao de
tcnicas), o enfoque marxista sustenta um determinismo baseado nas relaes de
produo.
O padro produtivo que se estabeleceu na agricultura brasileira seguiu
claramente a viso modernizante neoclssica, defendida por Schultz (1965) e outros,
sendo chamado de modernizao "parcial ou "dolorosa" (SILVA, 1982) ou
conservadora (GRAZIANO NETO, 1986), pelo fato de alterar a base tecnolgica
produtiva, sem modificar a estrutura agrria vigente. Embora o auge desse processo
no Sul do Brasil tenha ocorrido a partir da dcada de 1960, o modelo foi gerado,
difundido e adotado a partir dos pases industrializados. A formao desse padro
Captulo I O forjamento do padro moderno de agricultura.
26
nesses pases resultado de um "[...] lento e irreversvel processo de mudanas que
a agricultura sofreu a partir da revoluo industrial, quando as primeiras mquinas
agrcolas vinham propor o desuso de ferramentas tradicionais" (SALLES FILHO,
1993, p. 6). Adotando uma perspectiva divergente de autores que assumem uma
leitura monoltica da modernizao da agricultura a partir da Revoluo Verde, o
autor chama a ateno para as trajetrias distintas, ligadas a diferentes reas do
conhecimento e a diferentes indstrias, que conformaram o padro moderno de
agricultura. Assim afirma Salles Filho (1993, p. 5): "[...] as partes que compem este
todo tm histrias e determinaes prprias, que no podem ser identificadas
apenas pela anlise do todo". Essa perspectiva ajuda a entender, por exemplo,
porque a motomecanizao dos cultivos foi intensa no Sul do Brasil, mas o mesmo
no se verificou em outras regies que experimentaram a Revoluo Verde, como
na ndia e na China.
Castro (1984), em uma anlise da Cincia e Tecnologia para a agricultura
com base nos planos de desenvolvimento no Brasil at 1985, mostra que houve um
continuum na evoluo das polticas de modernizao no caso brasileiro, passando
de "intenes modernizantes para uma poltica efetiva de modernizao na
agricultura", atravs de programas e polticas especficos para o setor agrcola, de
estmulo adoo de tecnologias geradas e difundidas a partir da Revoluo Verde.
Entre essas polticas, destaca-se o crdito rural.
3 O QUADRO DOS DEBATES NO BRASIL A PARTIR DOS ANOS 1950
Embora a questo agrria seja anterior dcada de 1950, foi a partir desse
perodo que grande parte dos intelectuais acadmicos descobriu a existncia do
pequeno produtor enquanto um objeto de estudo no apenas da economia, mas
tambm da sociologia e da antropologia. As anlises e formulaes tericas
produzidas nesse perodo, e at hoje (assim como os decorrentes desdobramentos
na estratgia de ao das organizaes polticas), esto fortemente marcadas - de
forma explcita ou implcita - pela influncia do debate clssico a partir das
concepes de Lnin, Kautski e, mais recentemente, da releitura de Chayanov em
torno das tendncias do campesinato em um pas capitalista, j apresentadas
anteriormente.
Captulo I O forjamento do padro moderno de agricultura.
27
A partir das concepes dos dois primeiros autores, e com base em uma
perspectiva histrica evolucionista, o Partido Comunista do Brasil (PC do B) lanou,
em 1950, um manifesto no qual afirmava que [...] o problema da sociedade
brasileira estava na estrutura arcaica da economia, marcada pelos restos feudais e
pelo monoplio da terra, que impediam a ampliao do mercado interno e o
desenvolvimento da indstria nacional (MARTINS, 1983). A sada seria ento uma
revoluo democrtica e popular. Essa posio, no entanto, seria revista no final de
1953, quando o PC do B prope a abolio das formas feudais de explorao e
generalizao das formas de pagamento em dinheiro. Em 1954, quando o Partido
realiza o seu IV Congresso, declara textualmente que [...] no sero confiscados os
capitais e as empresas da burguesia nacional. O caminho seria, portanto, uma
frente ampla anti-imperialista e anti-feudal, para fazer a revoluo democrtica e
nacional libertadora (MARTINS, 1983). Essa tese via nas relaes pr-capitalistas
ou feudais as causas do atraso do pas. Era necessrio, portanto, dentro de uma
viso histrico-determinista, superar primeiro esses resqucios do feudalismo para
permitir o desenvolvimento de relaes capitalistas, mais avanadas.
No contexto do debate poltico do incio da dcada de 1960, a grande
discusso girava em torno da necessidade ou no de promover a reforma agrria,
como pressuposto para o desenvolvimento econmico do pas. As teses
predominantes estavam representadas no arcabouo terico da Comisso
Econmica para a Amrica Latina (Cepal) - que reunia intelectuais de renome como
Helio Jaguaribe, Maria da Conceio Tavares, Celso Furtado, Fernando Henrique
Cardoso e outros. As concepes cepalinas tiveram grande importncia na anlise
das caractersticas do desenvolvimento econmico brasileiro e, em particular, do
meio rural na dcada de 1960, assim como na consequente formulao de
propostas polticas para superao dos problemas sociais do pas. A tese do
dualismo estrutural, segundo a qual existiam dois Brasis, um urbano, moderno e
desenvolvido, e outro rural, arcaico, atrasado e subdesenvolvido, predominou nas
anlises de vrios estudiosos da poca.
Nessa perspectiva, a realizao de um amplo processo de Reforma Agrria
colocava-se, para esses autores, como condio sine qua non para a ampliao do
mercado interno de bens de consumo e, portanto, para alavancar o desenvolvimento
industrial capaz de fazer frente produo desses bens. De outra parte, havia uma
viso de que o Brasil, como um pas perifrico e dependente, no contexto do
Captulo I O forjamento do padro moderno de agricultura.
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capitalismo internacional, estava subordinado ao desenvolvimento dos pases
capitalistas centrais, especialmente os Estados Unidos - a famosa teoria da
dependncia econmica, desenvolvida por Fernando Henrique Cardoso e Enzo
Faletto em Dependncia e Desenvolvimento na Amrica Latina6.
Diversos trabalhos posteriores formularam a crtica ao dualismo poltico e
estrutural7, mostrando que o setor rural cumpriu um papel decisivo para viabilizar a
industrializao no pas, no por sua suposta capacidade de absoro de bens de
consumo direto, como argumentavam os defensores daquela tese, mas
precisamente como consumidor de produtos industrializados incorporados ao
processo produtivo (insumos, mquinas, sementes), portanto produtos industriais
intermedirios e no finais. A opo feita durante o perodo do regime militar foi
pela modernizao conservadora, cujas consequncias so amplamente
estudadas e conhecidas. Aliado a isso, o milagre brasileiro foi em grande medida
impulsionado por uma conjuntura econmica internacional francamente favorvel -
lembremos que esse foi um perodo de crescimento vertiginoso da dvida externa
brasileira - permitindo assim o lastreamento ainda maior da demanda interna por
bens de consumo. Nesse quadro, a proposta de Reforma Agrria no mais estava
colocada na ordem do dia para os sucessivos governos militares, o que no significa
que no ocorreram conflitos de terra nesse perodo.
6 Torna-se necessrio, portanto, definir uma perspectiva de interpretao que destaque os vnculos estruturais
entre a situao de subdesenvolvimento e os centros hegemnicos das economias centrais, mas que no atribua a estes ltimos a determinao plena da dinmica do desenvolvimento. Com efeito, se nas situaes de dependncia colonial possvel afirmar com propriedade que a histria - e por conseguinte a mudana - aparece como reflexo do que se passa na metrpole, nas situaes de dependncia das naes subdesenvolvidas a dinmica social mais complexa. (...) o centro poltico da ao das foras sociais tenta ganhar certa autonomia ao sobrepor-se situao do mercado; as vinculaes econmicas, entretanto, continuam sendo definidas objetivamente em funo do mercado externo e limitam as possibilidades de deciso e ao autnomas. Nisso radica, talvez, o ncleo da problemtica sociolgica do processo nacional de desenvolvimento na Amrica Latina. Dependncia e Desenvolvimento na Amrica Latina: ensaio de interpretao sociolgica. 3. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1975, p. 30.
7 Entre eles, citamos Francisco de Oliveira, Jos de Souza Martins, Andr Gunder Frank e Caio Prado Jnior.
Captulo I O forjamento do padro moderno de agricultura.
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Em 1985, o Governo da Nova Repblica lanou o Plano Nacional de
Reforma Agrria (PNRA), um plano - como todos os planos de governo - cheio de
boas intenes e, inclusive, com metas ousadas, mas com tempo de vida reduzido.
Na verdade, como os fatos esto a mostrar, os avanos na Reforma Agrria deram-
se menos em funo de uma legislao mais ou menos avanada, e muito mais
como resultado da presso organizada dos movimentos sociais, principalmente pela
ocupao de reas improdutivas. O fato que a forma como ocorreu o processo de
modernizao da agricultura agravou ainda mais a crise agrria. Diante das
implicaes dessa opo modernizante, na histria recente do Brasil, poder-se-ia
perguntar se uma mudana de padro produtivo que desconsidere o problema
agrrio, ainda que ambientalmente favorvel - uma espcie de segunda revoluo
verde - no iria aprofundar ainda mais os problemas sociais existentes. De outra
parte, preciso reconhecer que uma reestruturao fundiria por si s no implica
em um modelo de produo agrcola diferente do padro moderno, como se pode
constatar na estratgia produtiva de vrios assentamentos de reforma agrria no Sul
do Brasil.
dentro do quadro de debates e do contexto poltico acima que se insere o
processo de modernizao da agricultura no Brasil, para o qual concorreram
polticas pblicas de estmulo adoo das tecnologias geradas e difundidas a partir
da Revoluo Verde.
4 A CRISE DO PADRO AGRCOLA MODERNO
Se o que foi modelado pela tecnologia, e continua a ser, parece estar doente, seria talvez conveniente dar uma olhada na prpria tecnologia. Se a tecnologia vista como cada vez mais desumana, talvez fosse prefervel examinarmos se no tem alguma coisa melhor - uma tecnologia com fisionomia humana.
E. F. Schumacher (O negcio ser pequeno)
O padro produtivo estabelecido na agricultura - que decorre de uma opo
por um determinado modelo de crescimento econmico - foi difundido e adotado a
partir das concepes da Revoluo Verde, ainda que sua origem seja anterior,
sendo chamado de modernizao parcial (SILVA, 1986) ou conservadora
Captulo I O forjamento do padro moderno de agricultura.
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(GRAZIANO NETO, 1986), pelo fato de, como j se disse, alterar a base tecnolgica
produtiva, sem modificar a estrutura agrria vigente.
A constatao de que esse modelo est em crise levou a FAO a reconhecer
que o modelo convencional est esgotado e desacreditado e admitir que difcil,
para no dizer impossvel, sustentar um planejamento de crescimento com
equidade, se se seguem modelos, estratgias e procedimentos visvel e
reconhecidamente concentradores e excludentes (LACKI, 1993, grifo do autor).
Apesar dessa constatao, importante salientar, como lembra um documento do
PNUD que:
[...] o 'pacote tecnolgico' ao qual camada significativa dos agricultores da regio Sul teve acesso, veio solucionar - ainda que provisoriamente e criando novas dificuldades - problemas reais que enfrentavam. Os sistemas tradicionais, baseados fundamentalmente na rotao de terras, estavam enfrentando limites para recuperar a fertilidade do solo. Entretanto, na forma como foram enfrentados estes limites, a partir do final dos anos 1960, pelo conjunto das instituies voltadas transformao das bases tcnicas da agropecuria, que se enrazam os problemas que, at hoje, caracterizam a relao entre agricultura e meio ambiente na regio Sul (PNUD, 1999, p. 7).
Uma das principais consequncias da passagem da agricultura tradicional
para o chamado padro moderno um aumento muito grande no consumo de
energia. Atualmente, cada vez mais evidente a insustentabilidade de um modelo
de desenvolvimento baseado em fontes no renovveis de energia e, alm disso,
altamente poluentes do ambiente. Contudo, foroso reconhecer que seria
inconsequente propor o retorno a um sistema de vida pr-industrial. A soluo
obrigatria para o problema energtico est ento, como lembra Tiezzi (1988), na
busca de um modelo de vida baseado em fontes renovveis de energia. Nessa
perspectiva, a agricultura assume um papel estratgico, pois consiste em capturar
energia do sol para sintetizar matrias-primas e alimentos. Do total de energia solar
incidente sobre as terras frteis, apenas aproximadamente 1% fixada via
fotossntese vegetal. Essa energia transformada, atravs de processos
bioqumicos desencadeados pela respirao, em compostos orgnicos. Ao longo
das fases da cadeia energtica (produtores - sobretudo vegetais; consumidores -
animais; decompositores - micro-organismos), ocorre uma degradao progressiva
da qualidade da energia, restituindo no final as substncias necessrias para
reconstruir as molculas das clulas vivas, em presena da energia solar.
Captulo I O forjamento do padro moderno de agricultura.
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A agricultura moderna, praticada sobretudo aps a Segunda Guerra Mundial,
no s reduz cada vez mais a captao de energia como ainda contribui para
acelerar o esgotamento dos recursos energticos no renovveis, em um processo
altamente entrpico. Esse processo faz com que a balana energtica
(representada pela relao insumo/retorno energtico) seja cada vez mais negativa.
Um trabalho pioneiro em apontar a ineficincia da agricultura moderna do ponto de
vista energtico foi realizado por Pimentel et al. (1973), tomando por base a cultura
do milho nos Estados Unidos. Outra consequncia da modernizao acelerada da
agricultura foi a intensificao da eroso do solo. Porm, talvez mais grave que os
impactos da eroso do solo seja a eroso gentica sofrida nas regies de
modernizao intensiva da agricultura, que levou a uma perda irreparvel de
biodiversidade animal e vegetal por um lado e, por outro, concentrou grande parte
dos recursos genticos (variedades crioulas de milho, batata, arroz) nos centros de
pesquisas das empresas produtoras de sementes.
A intensificao do uso de agrotxicos, adubos qumicos e da mecanizao
tambm contribuiu para a expanso de grandes lavouras com monocultura,
reduzindo o nvel de emprego rural, aumentando a concentrao da posse da terra e
acelerando, em consequncia, o xodo de pequenos agricultores, parceiros e
arrendatrios. Em apenas uma dcada (1970), quase 16 milhes de brasileiros
migraram do campo para a cidade (o equivalente a quase metade da populao da
Argentina). Do aumento total da populao urbana, em torno de 25,9 milhes de
pessoas, 40% estiveram concentrados em apenas trs cidades - So Paulo, Rio de
Janeiro e Belo Horizonte, elevando enormemente o nmero de favelados. No Rio
Grande do Sul tambm ocorreu uma intensa migrao para as cidades, como indica
o fato de que, na dcada de 1970, todos os municpios do Estado tiveram uma
reduo em sua populao rural. Por fim, houve um aumento na concentrao da
posse da terra.
Como reflexo dos impactos mencionados anteriormente, houve um aumento
na concentrao da renda rural, que significou
[...] talvez o mais notvel impacto da capitalizao seletiva, selecionadora de parcela nfima dos produtores, indicando inclusive uma velocidade de apropriao privada, nos estratos de renda mais elevados, muito maior, comparativamente, aos mesmos estratos de renda nas cidades (NAVARRO, 1996, p. 75).
Captulo I O forjamento do padro moderno de agricultura.
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Essa modernizao seletiva, por sua vez, contribuiu para aprofundar no
apenas as diferenas entre agricultores de uma mesma regio, como tambm entre
diferentes regies do Estado. Entretanto, preciso que se diga que as diferenas
entre uma regio e outra tm causas mais profundas, das quais a maior ou menor
intensidade na modernizao da agricultura um dos componentes.
A dinmica de acumulao capitalista resultou em um desenvolvimento
desigual na agricultura, seja de exploraes dentro de uma mesma regio, seja para
regies distintas.
Diante dessas desigualdades regionais, possvel que em algumas regies
onde a modernizao da agricultura se fez sentir de forma muito tnue, no se
constituindo como padro tecnolgico dominante, ocorra a passagem diretamente
para estilos de agricultura alternativos, sem que os efeitos do padro moderno sejam
experimentados com intensidade. Em alguns casos, poder-se-ia mesmo falar da
existncia de uma agricultura que, de certa forma, nunca deixou de ser orgnica ou
ecolgica. Todavia, seria equivocado, na nossa concepo, considerar esse tipo de
agricultura como atrasada ou, em uma perspectiva evolucionista, como pr-
industrial. Na verdade, a existncia de tais casos, alm de desafiar as teorias
clssicas sobre o destino histrico do campesinato, coloca em questo o suposto
carter universal das tecnologias modernas e a viso (dominante no meio
agronmico) de que uma evoluo tecnolgica na agricultura implica
necessariamente a sua industrializao.
Isso nos remete seguinte questo: que tipo de tecnologia demandam essas
regies menos mecanizadas? Talvez uma nova fase da Revoluo Verde, com
tecnologias mais adaptadas s condies ambientais locais, porm, dentro da
mesma concepo que orientou a implantao do padro moderno de agricultura?
Aqui no existe, em nossa opinio, uma nica resposta. possvel - e mesmo
provvel - que isso ocorra em algumas regies, mas tambm verdadeiro que a
agricultura, para grande parte dos agricultores menos beneficiados com a
Revoluo Verde, assume outra significao, a partir da relao histrica e cultural
estabelecida com o ambiente entorno ou, no caso dos agricultores ecologistas que
fizeram uma reconverso produtiva, uma ressignificao.
Captulo I O forjamento do padro moderno de agricultura.
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5 AGRICULTURA SUSTENTVEL OU (RE)CONSTRUO DO SIGNIFICADO DE
AGRICULTURA?
A explicao cientfica no consiste, como somos levados a imaginar, na reduo do complexo ao simples, mas na substituio de uma complexidade menos inteligvel por uma mais inteligvel.
Claude Lvi-Strauss (O Pensamento Selvagem)
A partir da percepo da crise do padro moderno de agricultura, emerge a
discusso sobre a necessidade de promover estilos alternativos de agricultura,
genericamente denominados de agricultura sustentvel. Para alm da questo
semntica, essa discusso remete ao prprio significado da agricultura, com
profundas implicaes nos possveis rumos da transio.
Existe uma vasta literatura que coincide em apontar a necessidade de que
uma agricultura sustentvel deva responder positivamente sua viabilidade
econmica, ecolgica ou ambiental e social. Altieri (1998) afirma que o conceito de
agricultura sustentvel controverso e quase sempre indefinido; apesar disso,
lembra o autor, til, pois reconhece que a agricultura afetada pela evoluo dos
sistemas socioeconmicos e naturais. De maneira geral, porm, so aceitos alguns
pressupostos bsicos para que a agricultura seja, na viso de seus formuladores,
passvel da qualificao sustentvel.
Um aspecto importante desse conceito - que frequentemente no
contemplado, tanto na viso dos ecologistas "puros" (que enfatizam apenas os
aspectos ambientais), quanto dos defensores da "ecologia de mercado" (que tentam
valorar monetariamente toda a natureza) - a valorizao das comunidades rurais
em seus aspectos sociais, humanos e culturais. Sobre esse ltimo aspecto, no
pode haver dvida de que a diversidade cultural to imprescindvel quanto a
biodiversidade vegetal e animal - e que pode se manifestar em distintas alternativas
agricultura moderna - quando se fala de agricultura sustentvel.
A agricultura, antes de ser uma atividade essencialmente econmica, uma
atividade tambm cultural. Mais do que tratar de processos naturais, trata-se,
fundamentalmente, de processos socioculturais, de uma construo humana.
Agricultura sustentvel , portanto, no apenas um modelo ou um pacote a ser
simplesmente imposto. mais um processo de aprendizagem" Pretty (1995). Nesse
sentido, convm lembrar que o homem um ser cultural, e pela cultura que ele se
Captulo I O forjamento do padro moderno de agricultura.
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distingue dos demais seres vivos. Pretty (1995) lembra que definies precisas e
absolutas do que seja uma agricultura sustentvel so impossveis e que [...]
importante clarificar o que est sendo sustentado, por quanto tempo, em benefcio e
s custas de quem. E conclui que [...] responder a estas questes difcil, pois
implica avaliar a troca de valores e crenas. Muito embora no explicitados, esses
valores e crenas jogam um papel muito importante na produo do conhecimento
cientfico, no apenas na definio das linhas de investigao como tambm na
interpretao de resultados. Por isso o autor ressalta que o conceito de agricultura
sustentvel deve ser discutido a partir de uma crtica cincia positivista, uma vez
que grande parte dos problemas ambientais e socioeconmicos contemporneos
decorrente da forma como a cincia tem abordado a produo do conhecimento e a
gerao de tecnologias voltadas agricultura.
Mas podemos tambm refletir sobre o significado de agricultura sustentvel a
partir de outro prisma, perguntando-nos se a atividade agrcola significa
necessariamente o empobrecimento do meio ambiente, a simplificao dos
ecossistemas, com a reduo da biodiversidade e das interaes entre organismos.
Em outras palavras: existiram ou existem formas de agricultura que, em vez
de conduzir ao esgotamento dos recursos naturais locais levam ao seu incremento?
Se pensarmos somente nas lavouras extensivas com monocultura de soja, milho e
cana-de-acar, por exemplo, facilmente chegamos a acreditar que a agricultura
significa sempre um enfrentamento das adversidades naturais pelo homem, com o
propsito de produzir alimentos e fibras. Antes de analisar o que as vrias correntes
de agricultura alternativa tm a dizer, vamos mencionar um exemplo, que ajuda a
responder a questo anterior.
Uma pesquisa etnobotnica realizada em uma aldeia de ndios Kayap, no
Par, mostra que possvel manejar um ecossistema de forma a aumentar a sua
biodiversidade. Foram registradas cerca de 58 espcies por roa, em sua maioria
representadas por diversas variedades. Esses ndios cultivam pelo menos 17
variedades de mandioca e macaxeira, 33 variedades de batata-doce, inhame e
taioba, sempre de acordo com condies microclimticas bastante especficas
(ANDERSON; POSEY, 1997). Alm disso, o modo como interferem na estrutura das
roas ao longo do tempo parece seguir um modelo que se baseia na prpria
sucesso natural dos tipos de vegetao, cultivando inicialmente espcies de baixo
porte, seguidas por bananeiras e frutferas e, por fim, introduzindo espcies florestais
Captulo I O forjamento do padro moderno de agricultura.
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de grande porte (lembramos que esse um princpio bsico de implantao dos
Sistemas Agroflorestais - SAF). interessante a constatao, feita pelos autores, de
que o carter espordico e a estrutura da plantao, semelhante da vegetao
natural, fizeram com que o manejo das capoeiras pelos Kayap s fosse detectado
recentemente. Isso levou os pesquisadores a concluir que muitos dos ecossistemas
tropicais at agora considerados naturais podem ter sido, de fato, profundamente
moldados por populaes indgenas. Mas o que queremos destacar nesse exemplo
que no se trata apenas do fato de que esses povos no usam tecnologias
sofisticadas ou modernas para intervir no ecossistema, e sim de perceber que o
reflorestamento do cerrado pelos Kayap baseia-se em uma concepo do ambiente
completamente diversa da vigente nas sociedades ocidentais.
Os problemas agronmicos so ordinariamente formulados e abordados de
forma exclusivamente tcnica, pressupondo-se que as solues devam ser tambm
de natureza eminentemente tcnica. Todavia, ainda que as noes subjetivas no
expliquem os fenmenos sociais, elas participam deles. Por isso, s vezes,
sensibilizar as pessoas pode ser to ou mais importante do que transmitir
informaes tcnicas. Contudo, reconhecer a interferncia de valores subjetivos na
construo do conhecimento cientfico no significa abandonar a preocupao com
o rigor na pesquisa e no uso de conceitos.
Uma questo pertinente a propsito da natureza das tecnologias e da viso
de agricultura se, diante de uma postura dominadora do homem em relao ao
meio circundante, com uma abordagem positivista das cincias agronmicas,
realmente possvel superar o padro qumico-reducionista da agricultura
(lembramos que mesmo em pases como Cuba, com um sistema de controle
biolgico bastante eficaz e descentralizado, o conceito de praga - entendido como
um inimigo a ser destrudo - por exemplo, continua sendo preponderante nas
diretrizes das investigaes agronmicas). Como j afirmava Schumacher (1983),
em O negcio ser pequeno, [...] o homem moderno no se experiencia como parte
da natureza, mas como uma fora exterior destinada a domin-la e a conquist-la.
Ele fala mesmo de uma batalha contra a natureza, esquecendo que, se ganhar a
batalha, estar do lado perdedor.
Almeida Jnior (1995) discute essa questo de maneira original, ao refletir
sobre como as plantas passaram a ser entendidas como mquinas qumicas por um
lado e como mercadoria por outro, trazendo profundas implicaes nas interaes
Captulo I O forjamento do padro moderno de agricultura.
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entre o homem e a natureza, como, por exemplo, a grande reduo do nmero de
espcies relevantes para a agricultura. Na raiz do problema da insustentvel
maneira de produzir est o fato de que
[...] ao separar os homens e a cidade das pedras e das rvores, o pensador separa as relaes entre os homens das relaes entre o homem e a natureza. Retomado inmeras vezes, sob mltiplos disfarces, este projeto de separao afirma a possibilidade de que o homem venha a ser senhor e possuidor da natureza e implica que o homem continuar sendo senhor e possuidor do homem. Os argumentos so apresentados como se fosse possvel estabelecer uma independncia absoluta entre a relao com a natureza e a relao com os outros homens. Mas, no encontro com a natureza, o homem encontra a si mesmo e aos outros homens (ALMEIDA JUNIOR, 1995, p. 10).
A questo que se coloca, portanto, at que ponto pode-se realmente atingir
uma concepo diferente de agricultura sem um correspondente questionamento da
concepo de cincia e de agronomia que produziu o padro moderno de
agricultura8.
Para alguns autores, a crise ecolgica no fundo a prpria crise do processo
civilizatrio. Diante dessa crise, o movimento ecolgico assumiu um status que
ultrapassou o estgio da contestao contra a extino de espcies ou a favor da
proteo ambiental, para transformar-se, nas palavras de Boff (1995, p.19),
[...] numa crtica radical do tipo de civilizao que construmos. Ele altamente energvoro e devorador de todos os ecossistemas (...) Na atitude de estar por sobre as coisas e por sobre tudo, parece residir o mecanismo fundamental de nossa atual crise civilizacional. (grifo do autor).
Ao assumir a postura de separao entre a natureza e a sociedade, o
pesquisador ou tcnico no est isento das implicaes prticas da decorrentes.
Diante disso, fundamental buscar novas abordagens para os problemas
agronmicos, que reconheam na diversidade cultural um componente insubstituvel,
e que partam de uma concepo inclusiva do homem no meio ambiente.
8 Embora no seja o caso de aprofundar essa questo no presente trabalho, considero que seria muito rica a
reflexo sobre a estreita vinculao entre a concepo clssica da produo do conhecimento cientfico e a consagrao de um estilo de vida consumista, voltado para a suprema valorizao da posse de bens materiais e a negao dos valores filosficos e espirituais.
Captulo I O forjamento do padro moderno de agricultura.
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oportuno mencionar que, entre as vrias correntes de agricultura que
destoam do que se convencionou denominar padro moderno de agricultura,
algumas reconhecem na diversidade um componente fundamental e inserem-se na
perspectiva de uma concepo da natureza diferente da predominante na sociedade
ocidental, como veremos a seguir.
6 TRANSIO DO QUE PARA AONDE?
Bueno (1991), no Dicionrio escolar da lngua portuguesa define transio
como mudana de lugar ou estado; passagem de um lugar, de um tempo, para
outro; ato ou efeito de transitar (transitar: fazer caminho, passar, andar); do latim
trans: movimento para alm de, atravs de.
importante salientar que a agricultura pr-industrial ou tradicional, praticada
no Sul do Brasil antes da Revoluo Verde, j vinha apresentando limites tcnicos e
econmicos no final da dcada de 1950. Waibel (1955), estudando a formao das
zonas pioneiras do Sul do Brasil, afirma que
Tambm ali [no Planalto Ocidental do Rio Grande do Sul] a produo e a explorao de produtos agrcolas foi considervel durante alguns decnios, mas atualmente [1955], em virtude do esgotamento do solo, entrou em franco declnio. Mas, terras devolutas no existem mais, e com isso talvez o Estado do Rio Grande do Sul o primeiro Estado onde no existem mais reservas florestais e onde no h mais a possibilidade de expanso da agricultura para novas terras de mata, tendo que se recorrer cultura e colonizao de grandes reas de campos (WAIBEL, 1955, p. 15, grifo nosso).
O que a citao em destaque deixa claro, alm dos limites expanso, a
existncia de problemas ambientais anteriores modernizao da agricultura, muito
embora estes tenham sido por ela agravados. Um interessante relato sobre a
imigrao italiana no Rio Grande do Sul, feito por Costa Beber (1996), narra um
episdio de acidente com uma balsa no Rio Uruguai, no incio deste sculo, que
transportava madeira bruta (toras) para ser vendida na Argentina. Embora no
tenhamos dados estatsticos sobre a quantidade de madeira que na poca era
exportada em balsas (mesmo porque provavelmente a maior parte era vendida sem
Captulo I O forjamento do padro moderno de agricultura.
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nenhum tipo de controle), a existncia da figura do balseiro revela que esse
comrcio provavelmente era bastante intenso9.
Feldens (1989, p.38) apresenta dados de Roche (1969), que confirmam que o
problema do desmatamento praticamente iniciou com a colonizao pelos imigrantes
europeus: a cobertura florestal do Estado do Rio Grande do Sul, que era de 36% em
1850, com 0,5% desmatado, foi reduzida para 30,7% em 1881, 25% em 1914 e
17,5% em 1945. Ainda segundo este autor (1989, p.39), a mdia anual de
desmatamento em 160 anos de colonizao (1822-1982) foi de 52.192 hectares. Da
mesma forma, estava ocorrendo uma perda gradual da fertilidade do solo,
decorrente da intensificao do uso do mesmo e da reduo do perodo de pousio,
medida que aumentava a presso demogrfica. Um dos fatores que contribuiu para
acelerar o processo erosivo dos solos nos lotes foi o traado dos mesmos por
ocasio da demarcao, invariavelmente no sentido do alto do espigo at um curso
dgua.
Isso no significa que a agricultura tradicional, praticada sobretudo por
imigrantes europeus no Sul do Brasil no perodo anterior Revoluo Verde, no
tenha mritos intrnsecos, mas que preciso relativizar a noo de que a mesma era
no apenas mais ecologicamente correta como ainda tinha um grau de autonomia
quase absoluto em relao aos setores do comrcio e da indstria. Esses
argumentos carecem de comprovao em fatos histricos. Sobre essa grande
autonomia dos produtores no perodo que antecedeu modernizao da agricultura,
vale a pena lembrar o trabalho de Paulilo (1990), realizado no Sul do Estado de
Santa Catarina, no qual a autora mostra que a dependncia do agricultor em relao
a outros agentes econmicos histrica, tendo iniciado muito antes da presena das
agroindstrias integradoras na regio (sunos, aves e fumo). Desde o incio da
colonizao, os agricultores no tinham autonomia para definir os preos de seus
produtos, que eram vendidos para os comerciantes que dominavam o comrcio
local, os quais por sua vez vendiam aos agricultores produtos que eles
necessitavam. Embora essa pesquisa tenha sido realizada no Sul do Estado de
Santa Catarina, o processo de ocupao da rea foi muito parecido com o da regio
9 As balsas eram carregadas no perodo de guas baixas e desciam o Rio Uruguai em direo Argentina na
poca das chuvas, quando o nvel da gua subia, permitindo assim a passagem do Salto do Yucum. Uma msica bastante popular no Rio Grande do Sul, chamada Balseiros do Rio Uruguai, retrata bem esse acontecimento em versos: Oba, viva, veio a enchente/o Uruguai transbordou/vai dar servio pr gente/vou soltar minha balsa...
Captulo I O forjamento do padro moderno de agricultura.
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colonial do Rio Grande do Sul, e no temos razes para acreditar que nesse ltimo
caso tenha sido diferente.
certo que a transio de um padro para outro de agricultura no ocorre de
forma homognea, e que a adoo do padro moderno no significou a eliminao
pura e simples das formas de agricultura tradicional. Nesse sentido, pode-se afirmar
que no se trata to somente de rupturas, mas de rupturas e, ao mesmo tempo,
continuidades. Ou seja: novos estilos produtivos ocorrem misturados com formas
convencionais de produzir. Entretanto, resulta bastante evidente que quanto mais
intenso foi o processo de modernizao, mais distantes ficaram as formas
tradicionais de agricultura. O mesmo pode-se dizer da concentrao fundiria e da
desagregao de comunidades rurais (h casos na regio Planalto do RS em que
comunidades inteiras ficaram reduzidas a quatro ou cinco proprietrios das terras).
7 CONSIDERAES FINAIS
J se disse que toda a crise traz em si a possibilidade de sua superao. Em
um ponto quase todos os autores concordam: necessrio mudar a maneira de
produzir; o padro tecnolgico de agricultura predominante est em crise ou em
"turbulncia". A questo principal do debate como essas mudanas vo ocorrer.
A crise manifesta-se nos limites econmicos, mas sobretudo nas
consequncias sociais e ambientais da moderna agricultura. Todavia, movimentos
contestatrios ao padro moderno de agricultura no so novos, chegando alguns a
propor novos estilos de vida e uma concepo diferente da relao ser humano-
natureza.
A crtica radical crise socioambiental, da qual a agricultura um
componente fundamental, implica em um questionamento dos fundamentos da
moderna cincia, em particular da Agronomia.
Na discusso sobre os caminhos da transio preciso reconhecer,
inicialmente, a existncia - talvez aqui o termo coexistncia seja mais adequado - de
formas distintas de produo, convivendo com o padro hegemnico de agricultura.
No se pretende negar que o chamado padro moderno de agricultura seja
francamente dominante e, portanto, que determina as relaes sociais e de
produo vigentes na agricultura hoje. O que se quer destacar que a adoo do
Captulo I O forjamento do padro moderno de agricultura.
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chamado pacote tecnolgico foi na verdade incorporado em diferentes graus de
intensidade pelos agricultores e, mais importante do que isso, chamar a ateno
que, no processo de transformao da base produtiva no campo, as tecnologias
adotadas so frequentemente ressignificadas, sofrendo uma adaptao ou
reelaborao em sua forma e em seu contedo. Embora seja arriscado afirmar quais
sero as tendncias dominantes, a forma como ocorre a organizao das
experincias em curso fundamental para apontar essas tendncias. As
experincias de agricultura alternativa ou orgnica referidas neste estudo em outros
pases e, sobretudo, no Sul do Brasil, parecem apontar, antes de uma opo nica,
para um mosaico de possibilidades. A forma como se d a organizao dessas
experincias (que reunimos sob a denominao de agricultura alternativa), incluindo
a sua insero no processo produtivo mais amplo, a transformao e
comercializao dos produtos agrcolas, fundamental para determinar se elas
apontam para o surgimento de um novo padro produtivo, ou apenas para uma
substituio de insumos, sem romper com a ideia de "fabricao da natureza". Essa
a espinha dorsal de nossa argumentao. Nesse contexto, precisamente o
arranjo de foras resultante das especificidades ecolgicas regionais, caractersticas
socioculturais, organizao, assessoria tcnica, polticas pblicas, etc., que ir
determinar o padro tecnolgico resultante, e no o fato de o produto ser apenas
considerado como orgnico ou no.
A trajetria das experincias de agricultura alternativa no Rio Grande do Sul
confirma a hiptese de que as preferncias do consumidor, expressas de forma
organizada, tm grande influncia na redefinio de estilos produtivos na agricultura.
Contudo, a existncia de um mercado em potencial para produtos orgnicos no
suficiente para desencadear uma mudana no modelo produtivo. O que determina
os rumos dessa mudana a maneira como essas experincias se organizam.
Se incontestvel que esse modelo de agricultura teve na pesquisa e na
extenso rural oficiais aliados importantes para a sua implantao, no menos
verdadeiro que uma grande parte das anlises crticas do papel dessas agncias
comete o mesmo erro de enfoque metodolgico do modelo difusionista-inovador
muito embora criticando suas consequncias, ao fazer uma leitura da realidade rural
como um padro nico de agricultura, coerente e homogneo. A percepo da
diversidade de formas de agricultura, convivendo com um modelo hegemnico, leva
discusso sobre a existncia e a convenincia na adoo de tecnologias
Captulo I O forjamento do padro moderno de agricultura.
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intermedirias, entre a agricultura convencional, por assim dizer, cuja expresso
mxima representada pelo modelo da Revoluo Verde, e as propostas
emergentes de agricultura "alternativa".
Entretanto, os contornos dessas novas propostas ainda no esto claramente
definidos. Da a importncia e a necessidade de se estabelecer referncias que vo
alm das definies genricas e, geralmente, consensuais. A certificao de
produtos orgnicos deve refletir, mais que um conjunto de normas e procedimentos
de carter proscritivo e prescritivo, caractersticas do processo produtivo. Nesse
sentido, importante que existam formas de legitimao social da certificao
expressa no selo ou marca que identifica o modo diferenciado de produo (aqui o
caso francs, ainda que no necessariamente voltado para a produo orgnica,
exemplar, pela forma como a certificao realizada).
As polticas agrcolas voltadas promoo de estilos alternativos de
agricultura no devem ser vistas sob a tica produtivista ou de 'subsdios
injustificveis', mas assumem um carter de "acmulo de experincias" que
desempenha um papel fundamental na promoo de uma agricultura mais
parcimoniosa no uso de recursos naturais e socialmente mais justa.
Dada a necessidade de promover tecnologias local ou regionalmente
adequadas, do ponto de vista social e ambiental, importante que as polticas
pblicas no mais sejam pensadas por produto, mas por sistema de produo,
adaptado s especificidades da comunidade ou regio onde est inserido. Nesse
sentido, fundamental que essas propostas estejam articuladas com planos
regionais de desenvolvimento, elaborados em conjunto e a partir das prioridades dos
agricultores.
REFERNCIAS
ABRAMOVAY, R. Paradigmas do capitalismo agrrio em questo. So Paulo: Hucitec, 1992. 275 p.
______. Progresso tcnico na agricultura: a indstria o caminho? Proposta: experincias em educao popular, Rio de Janeiro, n. 27, p. 41-50, nov. 1985.
ALMEIDA JNIOR, A. R. de. A planta desfigurada: crtica das representaes como mquina e como mercadoria. 1995. 175 p. Tese (Doutorado em Sociologia) -
Captulo I O forjamento do padro moderno de agricultura.
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Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas, Universidade de So Paulo, So Paulo, 1995.
ALTIERI, M. A. Agroecologia: a dinmica produtiva da agricultura sustentvel. Porto Alegre: UFRGS, 1998. 110 p. (Sntese Universitria, 54).
ANDERSON, A. B.; P