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8/19/2019 EAD-Historia Contemporanea I (UEPG) 2016
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André Luiz Joanilho
Cláudio Denipoti
PONTA GROSSA - PARANÁ2011
HistóriaLICENCIATURA EM
EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA I
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CRÉDITOS
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE PONTA GROSSANúcleo de Tecnologia e Educação Aberta e a Distância - NUTEAD
Av. Gal. Carlos Cavalcanti, 4748 - CEP 84030-900 - Ponta Grossa - PRTel.: (42) 3220 3163
www.nutead.org2011
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Carlos Alberto VolpiCarmen Silvia Simão CarneiroAdilson de Oliveira Pimenta Júnior
Projeto Gráfico
Anselmo Rodrigues de Andrade Júnior
Colaboradores em EAD
Dênia Falcão de Bittencourt Jucimara Roesler
Colaboradores de Publicação
Maria Beatriz Ferreira – RevisãoSozângela Schemim da Matta – RevisãoEdson Gil Santos Júnior – Diagramação
Colaboradores Operacionais
Carlos Alex CavalcanteEdson Luis MarchinskiThiago Barboza Taques
Joanilho, André LuizJ62h História contemporânea I / André Luiz Joanilho e Cláudio
Denipoti. Ponta Grossa : UEPG/NUTEAD, 2011.99p. il
Licenciatura em História – Educação a distância.
1. Revolução Francesa. 2. Revolução Industrial.3. Invenção das Nações. 4. Movimento e teorias sociais.I. Denipoti, Cláudio. II. T.
CDD : 909.8
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APRESENTAÇÃO INSTITUCIONAL
A Universidade Estadual de Ponta Grossa é uma instituição de ensino
superior estadual, democrática, pública e gratuita, que tem por missão responder aos
desaos contemporâneos, articulando o global com o local, a qualidade cientíca e
tecnológica com a qualidade social e cumprindo, assim, o seu compromisso com a
produção e difusão do conhecimento, com a educação dos cidadãos e com o pro-
gresso da coletividade.
No contexto do ensino superior brasileiro, a UEPG se destaca tanto
nas atividades de ensino, como na pesquisa e na extensão Seus cursos de graduação
presenciais primam pela qualidade, como comprovam os resultados do ENADE,
exame nacional que avalia o desempenho dos acadêmicos e a situa entre as melhores
instituições do país.
A trajetória de sucesso, iniciada há mais de 40 anos, permitiu que a
UEPG se aventurasse também na educação a distância, modalidade implantada na
instituição no ano de 2000 e que, crescendo rapidamente, vem conquistando uma
posição de destaque no cenário nacional.
Atualmente, a UEPG é parceira do MEC/CAPES/FNED na execu-
ção do programas Pró-Licenciatura e do Sistema Universidade Aberta do Brasil
e atua em 38 polos de apoio presencial, ofertando, diversos cursos de graduação,
extensão e pós-graduação a distância nos estados do Paraná, Santa Cantarina e São
Paulo.
Desse modo, a UEPG se coloca numa posição de vanguarda, assumin-
do uma proposta educacional democratizante e qualitativamente diferenciada e se
armando denitivamente no domínio e disseminação das tecnologias da informa-
ção e da comunicação.
Os nossos cursos e programas a distância apresentam a mesma carga
horária e o mesmo currículo dos cursos presenciais, mas se utilizam de metodolo-
gias, mídias e materiais próprios da EaD que, além de serem mais exíveis e facilita-
rem o aprendizado, permitem constante interação entre alunos, tutores, professores
e coordenação.
Esperamos que você aproveite todos os recursos que oferecemos para
promover a sua aprendizagem e que tenha muito sucesso no curso que está reali-
zando.
A Coordenação
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SUMÁRIO
■
PALAVRAS DOS PROFESSORES 7 ■ OBJETIVOS E EMENTA 9
O MUNDO EM CONVULSÃOA REVOLUÇÃO FRANCESA 11
■ SEÇÃO 1 - O FIM DO ANTIGO REGIME 14 ■ SEÇÃO 2 - PRÁTICAS E PENSAMENTOS REVOLUCIONÁRIOS 19 ■ SEÇÃO 3 - O NASCIMENTO DA POLÍTICA MODERNA 25
O MUNDO EM MARCHAA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL 33 ■ SEÇÃO 1 - TRABALHO E SOCIEDADE 36 ■ SEÇÃO 2 - TRABALHO NA IDADE MÉDIA 42 ■ SEÇÃO 3 - O NASCIMENTO DAS FÁBRICAS 48
A INVENÇÃO DAS NAÇÕES 57 ■ SEÇÃO 1 - NAÇÃO E NACIONALISMO – CONCEITOS E IDEIAS CENTRAIS 58 ■ SEÇÃO 2 - OS HISTORIADORES E A CONSTRUÇÃO DAS HISTÓRIAS NACIONAIS 64
MOVIMENTOS E TEORIAS SOCIAIS 71 ■ SEÇÃO 1 - GENEALOGIA DA MILITÂNCIA 74 ■ SEÇÃO 2 - TEMPO E DISCIPLINA 79 ■ SEÇÃO 3 - TEORIAS E MOVIMENTOS SOCIAIS 84
■ PALAVRAS FINAIS 93
■ REFERÊNCIAS 95 ■ NOTAS SOBRE OS AUTORES 99
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PALAVRAS DOS PROFESSORES
Caro aluno, este livro sobre História Contemporânea traz algumas escolhas
que tivemos de fazer para discutir o período. Muitos acontecimentos, que mereceriam
constar em qualquer texto, foram deixados de lado, não pela sua falta de importância,
mas pelo espaço reduzido que oferece este livro. Isso quer dizer que fizemos
determinadas opções e elas partiram principalmente do ponto de vista historiográfico
que adotamos.
Entendemos, em primeiro lugar, que a história não é um campo de estudos que
pode dar conta de tudo o que aconteceu. Não nos é possível, inclusive fisicamente,
saber de todo o passado. Mas nos vem a questão: se isso não é possível, como escolher?Em segundo lugar, a escolha é feita na possibilidade narrativa. A história tradicional,
sabendo que era impossível contar tudo o que aconteceu, buscava enquadrar todos
os seres humanos numa única narrativa, como se apenas um eixo comandasse as
ações de todos. Assim, numa corrente historiográfica, a política era central, enquanto
que em outra, a economia comandava o processo histórico.
Nos últimos anos, com os avanços da crítica historiográfica e também de novas
formas de abordar os acontecimentos, ficou patente que a narrativa unificadora era
uma criação de historiadores e que a história não era um processo em direção a um
fim inexorável. Estamos diante de possibilidades e, pensando nisso, o próprio passado
é pleno delas, somente sabemos o que veio depois e não nos é possível prever o que
acontecerá.
Se estabelecemos algumas prioridades, na realidade elas se devem mais
às convenções. Assim, Revolução Francesa, Revolução Industrial, Nacionalismo e
Nações e Movimentos Sociais são temas consagrados, mas também poderíamos
optar por “O amor na Era Contemporânea” ou ainda “Roupas e estilo de vida nos
dois últimos séculos” e muito mais. Porém, devido ao tratamento que aqueles temas
recebem, optamos por rediscuti-los dentro das nossas opções teóricas.
Assim, neste volume, procuramos incorporar as recentes discussões
historiográficas, buscando uma bibliografia atual e também dando importância para
aspectos históricos pouco discutidos.
BONS ESTUDOS
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OBJETIVOS E EMENTA
OBJETIVO GERAL ■ Compreender os processos históricos de formação da contemporaneidade.
OBJETIVOS ESPECÍFICOS ■ Conhecer a produção historiográfica sobre a contemporaneidade.
■ Compreender o processo de produção do conhecimento histórico a partir do
Iluminismo.
■ Analisar as relações entre processos históricos da modernidade e a
sociedade contemporânea.
EMENTA ■ Mudanças e permanências na consolidação das sociedades
contemporâneas e seus enfoques historiográficos. As revoluções do século
XVIII e o nascimento do mundo moderno. Revolução Industrial e Revolução
Francesa. O pensamento romântico e a consolidação da sociedade burguesa.
O socialismo. A comuna de Paris. O nacionalismo no século XIX.
PLANO DE ESTUDO
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O mundo em convulsãoA Revolução Francesa
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM ■ Compreender as mudanças ocorridas no final do século XVIII e sua relação com
a criação da modernidade. ■ Compreender os processos históricos geradores dessas mudanças.
ROTEIRO DE ESTUDOS ■ SEÇÃO 1 - O fim do antigo regime ■ SEÇÃO 2 - Práticas e pensamentos revolucionários
■ SEÇÃO 3 - O nascimento da política moderna
U N I D
A D E
I
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UNIDADE 1
PARA INÍCIO DE CONVERSA
A Revolução Francesa marcou a ascensão de novas formas deorganização social e política. Podemos dizer que existe uma divisão entre
o mundo antes e depois da Revolução. Isso não quer dizer que esse
acontecimento teve a capacidade de mudar tudo. Ao contrário, essas
mudanças já aconteciam na França, na Inglaterra, nos Estados Unidos.
Podemos encontrar práticas sociais do estilo democráticas na sociedade
francesa por volta de 1780. Ou, ainda, tentativas do Estado monárquico em
taxar toda a população, inclusive a nobreza. Porém, o que a Revolução marcou
foi a possibilidade de essas práticas se tornarem comuns a toda população e
a vários países.No entanto, a historiografia tem tratado esse acontecimento como
“natural”, quer dizer, estaria inscrito na natureza humana, sendo, portanto,
compreendido como causal. Dessa forma, sendo “natural”, a grande
questão é saber “por que” aconteceu. Ora, a naturalização de eventos ou
da própria história não deixa de ser um modo de compreender a história e,
assim, projetar no futuro acontecimentos passados, ou melhor, estipular que
os acontecimentos são resultados da evolução humana, portanto, são
“naturais”. Nessa perspectiva, o que aconteceu deveria invariavelmente
acontecer. Há certa dose de fatalismo e teleologia. O passado explica opresente e este projeta o futuro.
A história humana estaria explicada de acordo com a sua própria
finalidade, eliminando automaticamente aquilo que não se encaixa
nessa projeção do que viria. Portanto, a Revolução Francesa, nessa
concepção, viria a cumprir um papel específico: o de dar continuidade
ao cumprimento do Telos.
Esse foi o caso da historiografia marxista, que, desde o fim do século
XIX, entende este evento como uma etapa necessária da História humana:
Teleologia em história significa que o processo histórico caminha para deter-
minada finalidade. Por exemplo, para os católicos a história humana tende para a
Parusia, enquanto que para os marxistas a tendência é o próprio fim da história
com o estabelecimento da sociedade comunista. Dessa forma, os acontecimentos
se encadeariam e explicariam o Telos, ou seja, a direção que a história teria nesse
tipo de interpretação.
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UNIDADE
o preâmbulo da Revolução Russa de 1917. Esta, por sua vez, seria o início do
fim da história. Após o período da ditadura do proletariado, o Estado deixaria
de existir, pois a sociedade comunista o aboliria simplesmente, mesmo porque
não haveria mais a luta de classes implicando o término do processo histórico
devido ao fim daquilo que o movia, ou seja, a própria luta de classes.
Essa posição da historiografia marxista é amplamente conhecida,
estando, inclusive, majoritariamente presente nos livros didáticos. É
essa visão que domina o aprendizado da história. Mas já é tempo de
desinvestir a Revolução Francesa de toda essa interpretação. Ao invés
de lançarmos a pergunta por que ela aconteceu?, talvez devêssemos
fazer outra: como ela foi possível?
Esse tipo de pergunta altera profundamente o questionário, pois do
horizonte familiar, aquele da Revolução como etapa necessária, passamos
a ver o que ela provocou naqueles que a testemunharam, o seu ineditismo.
Antes de ser fatal, sempre há no evento histórico, isto é, em qualquer
evento, uma dose de inesperado, de inaudito.
Normalmente é o presente que “naturaliza” o passado, colocando-o
numa ordem causal, explicando o próprio presente. Porém, se tomarmos
os acontecimentos como inéditos, teremos outra dimensão deles.
Trataremos, nesta unidade, do caráter inédito da Revolução; veremos,
portanto, que esse acontecimento foi único e não pode ser naturalizado. Não
se pode considerá-lo simplesmente como uma etapa de um processo histórico
alheio ao que os próprios seres humanos criaram em torno de si mesmos.
Desse modo, a Revolução pode ser compreendida, antes de tudo, como um
evento que não estava inscrito em lugar algum. Não havia, para as pessoas
envolvidas, nenhum roteiro prévio, nenhuma fórmula dizendo: “quando os
governos são tirânicos, eles devem ser mudados por outras formas”.
A Revolução americana estava longe demais para que se pudesse
sentir o seu peso na Europa. Assim, nada prescrevia o acontecimento de
1789 antes dele próprio. Os atores tiveram de “inventar” no calor dosacontecimentos o sentido do que faziam. Isto é, ao fazerem a Revolução,
os revolucionários tiveram de nomeá-la, pois não havia nenhum escrito,
nenhum prenúncio de que ela aconteceria.
É desse fato inédito que devemos tratar quando falamos sobre a
Revolução Francesa, ao contrário do que a historiografia vem tratando há
muito tempo. E é isso que você estudará nesta unidade.
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UNIDADE 1
SEÇÃO 1O FIM DO ANTIGO REGIME
Tradicionalmente a historiografia costuma colocar acento na grave crise econômica
que enfrentava o Estado monárquico francês perto da Revolução e também na estrutura
de classes do período. Podemos dizer que os dois elementos tiveram um peso significa-
tivo, no entanto é preciso considerar outras questões quando se trata da decadência do
Antigo Regime.
A Revolução não pode ser reduzida a algumas causas, como se
todos os seres humanos, todos os eventos coubessem nelas; ou, ainda,
como se aqueles que não perceberam o acontecimento vivessem como
sonâmbulos, e somente aqueles conscientes do que acontecia pudessem
participar ativamente da história. Podemos dizer que a Revolução teve
tantas causas quanto o número de seres humanos que existiram antes
dela. Porém, cabe-nos traçar linhas de acontecimentos não por ordem
de importância (esta questão deixou de ser séria há muito tempo emhistória), mas conforme a capacidade de explicar.
A Revolução tem causas, sim, no entanto não são necessárias nem
fatais. Assim, passamos da explicação econômica e política com pitadas
de estrutura social, como tradicionalmente se faz, para aquela que trata
das representações e práticas sociais. Quer dizer, daquilo que os homens
acreditavam e praticavam no seu cotidiano, ou melhor, daquilo que dava
sustentação ao que existia.
Ora, para um determinado regime político existir é preciso que haja
um “investimento” social nele, isto é, as pessoas precisam acreditar que
ele é necessário e tem uma função a exercer. O que aconteceu com o
Antigo Regime foi a descrença de parte da sociedade na capacidade da
monarquia em governar e existir. Muitas pessoas deixaram de acreditar
na necessidade da existência de um tipo de governo ou, então, passaram
a ver que ele não cumpria o seu dever de governo, o que é quase a
mesma coisa, pois a sociedade havia mudado e as formas, até então, de
O período que precede a Revolução Francesa cou conhecido como Antigo Regime, em
francês Ancien Régime, que também pode ser estendido a outros países. A expressão foi toma -
da por Alexis de Tocqueville na sua obra clássica, O Antigo Regime e a Revolução, tornando
comum o seu uso.
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UNIDADE
administrar do Estado estavam ultrapassadas para essa sociedade.
Durante todo o século XVIII, a sociedade francesa modificou
profundamente a sua relação com o poder e também se modificou. A forma
tradicional, a famosa pirâmide onde a figura no topo era representada
pelo rei, deixou de ter funcionalidade ou, ainda, funcionava muito mal.
Podemos seguir a análise de François Furet (1989) acerca dessas
mudanças. Em primeiro lugar (não é por ordem de importância, mas de
conveniência textual), surge uma figura nova no cenário político, social e
filosófico: o indivíduo. Bem, a novidade não está exatamente em se pensar
no indivíduo particularmente, mas numa nova posição dele perante
a sociedade. A grande questão que atravessou o século XVIII é saber
exatamente por que estaríamos juntos, ou melhor, por que os indivíduos
preferem viver em sociedade no lugar de viverem isolados e livres?
Vários pensadores tentaram responder a essa questão e de várias
maneiras. Devemos compreender que no século XVIII havia outra
compreensão do que éramos, portanto a questão não foi respondida da
mesma forma que responderíamos. Assim, o modo mais comum foi partir
de um hipotético “estado de natureza” para explicar a sociedade. Nesse
estado os homens viviam isolados, porém por vários motivos decidiram
ficar juntos. Essa é a ideia básica do Contrato Social, isto é, cansados da
vida na natureza e buscando algum tipo de conforto, os seres humanos
acordaram um contrato, estipulando o governo e as leis como formas de
controle e segurança.
Dessa forma, os indivíduos cedem sua soberania ao Estado como
meio de garantir as suas existências e a possibilidade de adquirir bens.
Essa teoria do direito jusnaturalista – quer dizer, as leis eram feitas com
base na natureza, pelo menos esta era a crença – determinaria que as
formas de governo e o próprio Estado também teriam sua origem nessas
leis “naturais”.
Tais proposições afrontavam as tradicionais teorias de direitopautadas na religião. O rei retira a sua soberania diretamente de Deus, isto
é, acreditava-se que o poder real era sancionado pela própria divindade.
Sendo assim, o jusnaturalismo se mostrava uma teoria contrária aos
interesses da monarquia, pois o depositário da soberania era o povo,
já que foi ele, o povo, quem acordou o contrato, sendo, portanto, este a
origem do poder.
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UNIDADE 1
Compreender a sociedade dessa forma levava muitos a pensar que o
governo deveria buscar sua legitimidade nas vontades individuais, o que,
de certa maneira, fez muitos pensadores se voltarem para a Grécia Antiga
e para a República Romana, vendo ali modelos de governo e Estado que
deveriam ser seguidos.
Assim, durante o século XVIII se gesta uma ideia de sociedade
que é totalmente diferente daquela estabelecida desde o Renascimento,
com o surgimento dos Estados monárquicos, que teriam no poder real a
origem de sua soberania. No caso da França, isso é mais sintomático, pois
as duas teorias convivem conflituosamente, sem, no entanto, provocarem
uma ruptura até a Revolução.
Dos pensadores jusnaturalistas, o mais rigoroso foi, sem dúvida,
Jean-Jacques Rousseau (1712-1778). Seu livro O Contrato Social, apesar
de ter sido um fracasso de vendas na época, trazia como principal
formulação a ideia de que se um indivíduo entregasse a sua soberania ao
todo, isto é, à maioria, estaria obedecendo a si mesmo, pois o interesse da
maioria era o interesse do indivíduo. No entanto, a dificuldade reside na
fórmula que Rousseau inventou para chegar a isso.
Numa visão burguesa, a maioria se constitui por uma simples
somatória. Somando-se as opiniões individuais, chega-se à opinião damaioria, isto é, cinquenta por cento mais um. Já a fórmula de Rousseau não
previa uma somatória, mas uma resultante, a chamada Vontade Geral. O
que exatamente ele entendia por isso não foi possível estabelecer até hoje,
mas acredita-se que ele imaginava algo parecido com uma consciência
coletiva. Obedecendo-a, o homem obedece a si mesmo, portanto é livre.
A complicada fórmula de Rousseau lhe deu fama posterior, sendo
Jean-Jacques Rousseau nasceu em Genebra (1712-1778) e era filho de um
relojoeiro calvinista. Aprendeu a ler e escrever cedo. Com a morte do pai, quando
ele tinha dez anos, foi trabalhar. Adolescente, resolveu sair da cidade natal. Apósvagar foi recebido por uma rica senhora, madame de Warens, tornando-se amante
dela. Assim empreendeu os seus estudos. Já adulto chega à Paris e logo faz ami-
zades no círculo dos letrados.
Diderot o convidou para escrever sobre música na Enciclopédie. Participou de
concursos de academias e ganhou vários prêmios, o que lhe deu fama e o tornou
parte integrante da República das Letras.
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considerado precursor do espírito revolucionário, apesar de ele próprio
nunca ter pensado nesses termos. Rousseau possivelmente consideraria
que a Revolução invertia os valores nos quais ele acreditava. Para ele uma
massa inculta estaria tomando o poder e não aqueles mais iluminados
pelo conhecimento.
Tal postura condiz com a da maioria dos pensadores que fizeram
parte do Iluminismo (como você viu na disciplina de História Moderna
II). Eles desejavam, antes de tudo, conduzir a população a um Estado de
felicidade, isto é, a partir de um liberalismo político, pretendiam implantar
uma sociedade baseada no indivíduo livre.
Como foi dito, essas ideias iam contra a ideologia monárquica,
segundo a qual o rei retirava a sua soberania diretamente de Deus.
Evidentemente, essas teorias não alimentaram os revolucionários,
muito pelo contrário. Elas eram cultivadas nos círculos mais restritos
da sociedade francesa, quer dizer, entre a nobreza. Alguns burgueses
próximos à nobreza e pessoas letradas podiam também compartilhar
de tais ideias. No entanto, elas circulavam livremente nos salões da
aristocracia. Por isso é um grande engano dizer que o Iluminismo era
uma ideologia burguesa. De modo algum. Ele fazia parte do repertório
da nobreza, que desejava, cada vez mais, adquirir formas de distinção
social. Ou seja, a nobreza considerava a filosofia, a ciência, as belas
letras (como chamavam a literatura) bens que podiam ser tomados
como privativos e exclusivos dela própria. Daí o patrocínio de
encontros em salões da alta nobreza e o fomento de círculos restritosde aquisição de bens culturais, como a maçonaria.
Porém, a importância do Iluminismo não estava na sua capacidade
de alimentar ideologicamente revolucionários, e sim no diagnóstico
de uma sociedade que estava se afastando das formas tradicionais
de poder e de compreensão de si mesma. Costumava-se considerar
o reino como um conjunto de súditos, não importando suas origens,
O Iluminismo foi um movimento losóco e cientíco que questionou os valores vigentes,
inclusive da própria Igreja Católica. Para nós, o seu maior legado foi político, pois estudamos
até hoje muitos daqueles que zeram parte dele. Nomes como Rousseau, Voltaire, Diderot,
D’Alambert, entre outros, sempre são lembrados quando se discute o século XVIII.
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línguas, costumes e história, pois estavam submetidos ao soberano,
sendo este, portanto, o corpo e a alma da nação.
Contudo, se a sociedade é composta por indivíduos e estes
acordaram viver juntos, então o governo deve retirar a sua soberania
do próprio povo e este, por sua vez, deve ter sua própria especificidade.
Não é um povo qualquer, mas o francês, o inglês, o holandês e assim
por diante, isto é, o povo é uma comunidade de interesses com língua,
história, cultura e costumes comuns.
A nobreza estava mais propensa a admitir essa concepção porque
atendia aos seus interesses. Ela desejava, como sempre, ter poder
sobre o próprio Estado, mas desde Luís XIV, havia perdido espaço em
favor do poder real. A ideia de que a soberania do rei era tácita, ou
melhor, foi outorgada pela sociedade, servia muito bem à nobreza, que
desejava assumir um papel ativo na condução do Estado e, portanto,
usufruir de maiores privilégios.
Ora, numa sociedade extremamente hierarquizada como a do
Antigo Regime, o exemplo sempre parte de cima. Se a própria nobreza
se rebelou contra o rei, as outras classes não precisavam continuar
caladas e submissas ao poder real. Há um sintoma generalizado, no
final do Antigo Regime, de que o rei não impõe mais a sua vontade.
Chegou 1789, e o rei detém somente o poder nominal. Reinava,
mas não governava. Não conseguia mais reunir na sua pessoa o poder,
pois só era obedecido na fachada. A nobreza se rebelou e não aceitava
mais a sua autoridade como primus inter pares; a burguesia, por sua
vez, se via às voltas com a burocracia, o emaranhado de impostos
e o descontentamento; já os trabalhadores em geral, desgostosos,
famintos e sediciosos, não viam utilidade alguma na hierarquia social,
na existência da nobreza e na diferença de sangue entre as pessoas.
Havia uma descrença generalizada na monarquia e na sociedade
hierárquica. Um clamor por mudanças era sentido.Porém, o Antigo Regime resistia. Tentava manter o status quo a
despeito da própria sociedade. Fechava-se cada vez mais nas tradições
que se esvaziaram ao longo do século. Tentava manter a primazia do
sangue em detrimento da elevação das massas populares. O preço
seria alto.
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UNIDADE
SEÇÃO 2PRÁTICAS E PENSAMENTOS REVOLUCIONÁRIOS
Quando se fala de Revolução Francesa geralmente se esquece de
falar dos revolucionários. Ora, se a tradição quer que a Revolução seja
um acontecimento “natural”, como vimos acima, ou seja, como algo
que faz parte do espírito humano, logicamente os seus agentes serão
essencialmente “naturais”. Quer dizer, revolucionários existem como
planetas, estrelas, árvores, animais etc., bem como revoluções.
A naturalização da história nos leva a enganos acerca dos
acontecimentos. Assim, o que seria inédito num determinado
acontecimento, deixa de ser, aparecendo-nos como fruto de uma evolução
natural. Afinal, a História é a história da evolução humana, assim como a
História Natural trata da evolução das espécies.
Porém, se atentarmos para o evento Revolução Francesa, é possível
perceber o quanto nos revela de ineditismo, pois antes que ela acontecesse
nada a prenunciava, quer dizer, nenhum escrito, nenhum aviso, nenhum
acontecimento prévio indicava que tal evento, um verdadeiro terremoto
político, estava para acontecer alguns meses antes. Até hoje, não foi
encontrado nenhum livro, panfleto, carta, bilhete, frase que, um mês
antes de o conflito eclodir, dissesse: “Façamos uma Revolução”.
No entanto, a Revolução aconteceu e a historiografia a trata como um
evento natural, fruto do descontentamento humano com relação a governos
perversos ou incompetentes. Logo, trata-se de algo que deve acontecer
invariavelmente. A história seria, então, uma sucessão de banalidades?
Ou o inédito viria a se instalar entre os homens e eles procurariam dar-lhe
sentido, entendendo-o como normal? Podemos ter uma dimensão do que
sentiam aqueles que vivenciaram os acontecimentos revolucionários?
Em primeiro lugar, como vimos na seção anterior, havia umasensação generalizada de que o rei só tinha o poder nominalmente. O rei
só era respeitado superficialmente. A aristocracia da corte percebera a
fraqueza de Luís XVI e procurava, ao máximo, extrair vantagens para si.
Ora, numa sociedade extremamente hierarquizada como a sociedade
francesa do Antigo Regime, essa situação era claramente percebida pelos
extratos mais baixos. A monarquia perdia, cada vez mais, a sua aura de
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UNIDADE 1
sacralidade e nas ruas de Paris a decadência da aristocracia e dos reis era
especialmente sentida.
Podemos situar a perda da sacralidade quando Luís XV, avô de Luís
XVI, deixou de fazer o toque das escrófulas, pois se recusava a confessar
pelo fato de manter como amante a Madame du Barry. Quer dizer: se
estava em estado de pecado, não poderia fazer a cerimônia. Por isso o rei
recebeu enormes críticas, além de ser alvo de chacota.
Le Roy Ladurie nos leva a perceber a importância das cerimônias
de sagração:
A cerimônia de sagração era importante para a credibilidade
da monarquia, pois esta se fazia essencialmente pela visibilidade. O
tempo todo o rei devia ser visto, através de suas representações (vide as
estátuas equestres de Luís XIV que ainda existem em toda a França), ou
pessoalmente. As suas aparições públicas aconteciam sempre na forma
de espetáculo. A entrada real nas cidades, os brasões, os decretos, as
cerimônias em que o rei era figura central, inclusive a do toque real,
mostravam que a ordem social iniciava-se com o próprio rei.
A partir do momento em que ele deixou de ter um papel
preponderante e visível, foi perdendo, paulatinamente, a aura de
sacralidade, quer dizer, a instituição real deixava de ter a mesma
importância, produzindo questionamentos em relação à sua utilidade.
Aos poucos, os monarcas perdiam essa aura e, cada vez mais, erammotivo de chacota por parte de panfletistas e escritores do submundo
parisiense.
Luís XVI, por exemplo, demorou muito para gerar herdeiros, o
que levantou suspeita sobre a sua virilidade e a fidelidade da rainha.
Panfletos satíricos circulavam com certa facilidade. Charges associando
o rei a animais não eram raras, como pode ser observado a seguir:
Um primeiro traço ‘central’ põe em relevo o caráter sagrado da instituição monárquica. As cerimônias de sagração (...) e o toque régio das escrófulas, com seu efeito curativoou miraculoso, são-lhe a expressão conhecida (...) A essência sagrada da monarquiase inscreve, por outro lado, no interior de um sistema de entidades simbólicas e defunções. A Renascença as aclara: elas incluem as noções de dignidade real e de justiça, esta fundamental em relação à instituição soberana em seu conjunto. Essa justiça e essa dignidade são imortais ou, pelo menos, sobrevivem à pessoa efêmerados reis sucessivos. (LADURIE, 1994, p. 9-10).
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Figura 01: (O rei representado como uma mistura de animais, cada um fazendo parte do imaginário popular. Ao representar
assim o rei, mostrava-se uma não naturalidade, quer dizer, o rei não era natural, portanto, era uma monstruosidade. Fonte:
http://chnm.gmu.edu/revolution/)
A monarquia e a aristocracia perderam a sua importância sociale eram percebidos como pesos pelo restante da sociedade. As antigas
funções aristocráticas, aplicar justiça, fornecer proteção e, em tempos
de penúria, providenciar alguma provisão aos camponeses, perderam o
sentido numa sociedade centralizada. Restava apenas o enorme peso dos
impostos para financiar uma nobreza perdulária e inútil, principalmente
a alta nobreza abrigada em Versalhes.
Esse sentimento ainda não era revolucionário, mas permitiu e
animou muito o sentimento antiaristocracia na sociedade francesa em
finais do século XVIII. Um caso sintomático foi a questão dos escritores a
partir de meados daquele século.
Atraídos pelas obras de Voltaire, Rousseau, Diderot, entre outros,
muitos jovens deslocavam-se do campo para Paris na esperança de se
tornarem também escritores e participarem da chamada “República das
Letras”, como Voltaire havia cunhado o pequeno círculo de “filósofos”
consagrados. A esperança deles se esvaía quando percebiam que lhes
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faltavam as qualidades fundamentais, descritas por Robert Darnton,
para penetrarem nesse círculo: “boa aparência, boas maneiras e um
tio parisiense” (DARNTON, 1987, p. 15). Quer dizer, sem alguém para
apresentar à boa sociedade, nada feito! Um escritor talentoso certamente
estaria excluído do mundo das letras ou, como era chamado naquele
período, Grand Monde, o Grande Mundo.
Apeado para fora do círculo fechado das sinecuras e pensões
garantidas aos escritores consagrados, o pretendente a escritor se via
forçado a procurar o seu sustento em trabalhos menores ou, ainda, a tentar
viver da pena executando obras não bem qualificadas. Ou seja, muitas
vezes, se via obrigado a escrever pornografias, obras apócrifas, vender
livros proibidos ou panfletos difamatórios para conseguir sobreviver. Esse
foi o caso, por exemplo, de Marat, que antes de se tornar revolucionário
levou uma vida errática típica de um escritor da sarjeta, isto é, de alguém
que vivia de escritos de baixo tom e de expedientes. Segundo o relatório
da polícia de Paris pré-revolucionária, ele era um “charlatão atrevido. M.
Vicq d’Azir pede, em nome da Société Royale de Médicine, sua expulsão
de Paris. É de Neuchâtel, na Suiça. Muitos doentes morreram em suas
mãos, mas tem diploma de médico, sem dúvida comprado” (DARNTON,
1987, p. 37).
Marat não era único, os exemplos se multiplicam, como Louis-
Sébastien Mercier, autor do livro Tableau de Paris, agora famoso entre
os historiadores , no qual mostra o cotidiano da cidade. Nas palavras da
polícia de Paris:
A esperança de ganhar a vida através de seus escritos evanesceu
rapidamente para muitos jovens escritores. Forçados à vida da sarjeta,
isto é, da boemia literária, como a chamou Darnton, viram-se obrigados
a destilar o seu ódio ao Grand Monde que os havia rejeitado através de
escritos difamatórios.
Com a monarquia já enfraquecida pela falta de autoridade, os
advogado, homem feroz e bizarro; não pleiteia na corte nem dá consultas. Não foiadmitido na Ordem, mas usa o título de advogado. Escreveu o Tableau de Paris emquatro volumes, e outras coisas. Temente à Bastilha, andou sumido por uns tempos,mais tarde reaparecendo; mostra-se desejoso de trabalhar para a polícia. (DARNTON,1987, p. 36).
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panfletos produzidos por esses escritores deram golpes eficazes na
imagem de sacralidade do rei e, além disso, contribuíram decisivamente
para fabricar a imagem de inutilidade, de frivolidade e de arrogância da
nobreza.
Por exemplo, Charles Théveneau de Morande, um libelista
conhecido,
O tom do panfleto ou libelles, como eram chamados esses escritos,
não podia ser mais claro. Um nobre senil impotente deixa a jovem esposa
se satisfazer sexualmente nas mãos de um mordomo, quer dizer, alguém
do povo. Dessa forma, a “sobrevivência” da aristocracia estaria nas mãos
do próprio povo, que providenciaria a própria descendência dos nobres.
Morande também atacava a realeza:
Pode-se dizer que imagens e textos não eram exatamente
revolucionários. Não tratavam diretamente do problema do governo ou
do regime político. Denegriam, certamente, a nobreza e a monarquia,mas em momento algum clamavam por mudanças revolucionárias, pelo
contrário. Geralmente lamentavam o passado perdido, no qual tanto
monarcas quanto nobres cumpriam suas obrigações. Devemos ter em
mente que antes de ser uma sociedade de mando e obediência, eram uma
sociedade de contrato. Contrato do rei com os súditos, dos nobres com os
servos e assim por diante. Se os súditos tinham obrigações, o monarca
dosava calúnias especícas e arengas gerais em parágrafos breves e confusos,numa antecipação do estilo dos colunistas de mexericos da moderna imprensamarrom. Prometia revelar ‘segredos de bastidores’, na melhor tradição da chroniquescandaleuse (crônica escandalosa). Mas servia aos leitores mais que escândalo: Adevotada esposa de um certo marechal de França (o qual sofre de imaginária moléstiapulmonar), considerado um marido dessa espécie demasiado delicado, julga seudever religioso poupá-lo, morticando-se com os carinhos mais crus de seu mordomo,
que ainda seria mero lacaio se não houvesse dado provas de invejável robustez.(DARNTON, 1987, p. 40).
Zombando da ideia de origem divina da soberania real, Morande reduzia o reiao nível de sua corte ignorante e devassa. Fazia de Luís XV uma gura ridícula,trivial até em seu despotismo: ‘Publicou-se um anúncio: procura-se o cetro de umdos maiores reis da Europa. Depois de longa e minuciosa busca, foi encontradona toilette de uma bela condessa, que o usa para fazer cócegas na barriga de seugato. (DARNTON, 1987, p. 42).
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também: aplicar justiça, garantir paz e, quando necessário, providenciar
o sustento mínimo para que não se perecesse de fome.
O passado perdido, o presente corrompido e o futuro sombrio eram
os temas dos panfletos:
Da aristocracia literária para a aristocracia propriamente dita foi
um passo. Logo esses escritores pugnavam contra e qualquer privilégio
social. A nobreza era decadente e corrupta. Doente, ela se comprazia em
usurpar o poder real para se manter na ociosidade à custa do povo. Pelo
menos essa era a visão corrente meses antes da Revolução.
Os escritores, pelo menos até 1789, não eram revolucionários, ou
melhor, nunca aventaram essa possibilidade, pois “os libelles careciam
de programa. Não apenas sonegavam ao leitor qualquer ideia sobre
que tipo de sociedade deveria substituir o Ancien Régime, na verdade
mal continham ideias abstratas” (DARNTON, 1987, p. 44). Porém, esses
panfletos foram elementos eficazes para insuflar o imaginário popularcontra a realeza e os aristocratas.
Assim, podemos concluir com Robert Darnton sobre essa literatura
do submundo de Paris:
É aqui que devemos olhar quando pensamos na Revolução
Francesa. A sua origem não é a dos grandes escritos e das grandes
questões filosóficas. A monarquia e a nobreza soçobraram sob os duros
golpes da calúnia, da difamação e da decadência moral que panfletos
espalhavam por todo o lado. Podemos concluir com Darnton: “Foi nesse
ódio que subia das entranhas, e não nas refinadas abstrações de uma bem
As obras pré-revolucionárias de homens como Marat , Brissot e Carra nãoexpressam nenhum sentimento vago e ‘anti-establishment ’: transpiram ódio contraos ‘aristocratas’ literários que haviam expugnado a igualitária ‘república das letras’,dela fazendo um ‘despotismo’. Foi nas profundezas do submundo intelectual queesses homens se tornaram revolucionários: ali nasceu a determinação jacobinade exterminar a aristocracia do pensamento. (DARNTON, 1987, p. 31).
O ímpeto emocional da subliteratura foi revolucionário, mesmo não possuindoprograma político coerente nem idéias que os distinguisse. Tanto os philosophesquanto os libellistes foram sediciosos a sua maneira: estabelecendo-se, oIluminismo fez concorrência desleal à fé da elite na legitimidade da ordemsocial; atacando a elite, os libellistes disseminaram larga e profundamente odescontentamento. (DARNTON, 1987, p. 47).
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tratada elite cultural, que o extremismo revolucionário jacobino articulou
seu verdadeiro timbre” (DARNTON, 1987, p. 49).
Você viu na seção anterior que o sentimento de ódio das injustiças
e dos privilégios não nasce nas grandes elucubrações filosóficas do
Iluminismo. Se este ajudou na Revolução foi expressar a ideia deindivíduo e de liberalismo político, mas o elemento chave foi esse ódio
nascido da sarjeta, do submundo de Paris e que circulava sem ruído,
pelo menos para nós. Aliás, na realidade o barulho era imenso, mas os
historiadores pouco lhe prestaram atenção. Por isso não se dá muito
crédito ao sentimento generalizado de raiva no povo de Paris, pois ele não
tem origem “nobre”, quer dizer, não nasceu da pena de grandes filósofos.
Ao contrário: emergiu dos escritos sujos de escritores sujos. Porém, ainda
resta a seguinte questão: como esse ódio se transformou em Revolução?
Os acontecimentos se precipitaram a partir de 1787. A grave criseeconômica obrigou o rei a convocar a Assembleia dos Notáveis. Ela
era composta por membros do alto clero e da nobreza. A intenção do
rei, aconselhado por seu ministro das finanças, era acabar com alguns
privilégios fiscais da nobreza. Porém, a total recusa de qualquer reforma
obriga o rei a pensar em nova estratégia.
O que é sintomático, não foi a recusa das reformas por parte da
nobreza, mas a forma da recusa. Na ocasião, ficou patente a falta de
autoridade de Luís XVI. O povo de Paris assistia a tudo. Vendo que o
monarca não controlava os seus próprios parentes (parte da alta nobrezaera consanguínea devido aos casamentos endógenos), a população o via
enfraquecido e sem condições de comandar o reino. A sensação geral era
de que o rei reinava, mas não governava. Assim, havia um espaço a ser
preenchido, o espaço do poder.
Sem saída, Luís XVI convocou, em maio de 1789, os Estados Gerais.
Muitos historiadores dão importância ao fato de que eles não eram
SEÇÃO 3O NASCIMENTO DA POLÍTICA MODERNA
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convocados desde 1614. Porém ele deve ser minimizado, pois, dessa feita, os
representantes não foram escolhidos por aclamação de suas comunidades
de origens, mas pelo voto, especialmente no Terceiro Estado.
Essa foi uma diferença fundamental, pois se abriu uma disputa entre
candidatos para obter a preferência de uma determinada comunidade. A
princípio isso parece não ter importância, afinal eleições são comuns. Mas
não naquela época, quando a eleição proposta constituiu uma novidade.
Os deputados do terceiro Estado, isto é, da burguesia e da população
em geral, disputavam votos. Isso significa que, quando eleito, alguém
“representaria” a vontade popular. Muitos deputados do terceiro Estado
se imbuíram dessa ideia e, de acordo com as discussões sobre o indivíduo
(como você viu na primeira seção desta unidade) e a soberania, viam-
se como legítimos representantes do povo, opondo-se ao primeiro e ao
segundo Estados.
Segundo Furet (1989), a convocação dos Estados Gerais e a eleição
de representantes foram inábeis, pois foram misturados dois tipos de
procedimentos. O antigo, no qual os representantes eram simplesmente
aclamados, como no primeiro e segundo Estados, e o moderno, segundo oqual os representantes eram eleitos, como no terceiro Estado, podendo, por
sua vez, reivindicar para si a soberania popular em detrimento da real.
Assim, a primavera de 1789 se mostra tempestuosa. Novas forças
sociais apareceram na cena política. Em vez do velho teatro do poder, no
qual as ordens desfilavam sua obediência, o terceiro emergia diferente,
insubordinado, querelante, pouco disposto a aceitar a velha estrutura de
Os Estados Gerais eram compostos tradicionalmente por três ordens e tiveram sua ori-
gem na Idade Média. A teoria das três ordens foi formulada por volta do século XI. Segundo
essa teoria a sociedade era dividida em três ordens: clero, nobreza e trabalhadores, cada uma
devendo ter suas funções. O clero orava pela salvação da cristandade; a nobreza defendia essa
mesma cristandade; os trabalhadores sustentavam as duas anteriores. Com o passar do tempo,
a burguesia passou a fazer parte da terceira ordem. Esse conselho remonta à constituição dos
reinos bárbaros anteriores à queda do Império Romano, aos quais os reis, na realidade chefes
guerreiros, se reportavam e dos quais retiravam sua autoridade. Porém, os Estados Gerais, desde
a baixa Idade Média, tornaram-se uma espécie de conselho geral do monarca, passando a ser
uma gura secundária com a monarquia absoluta. Tanto que deixaram de ser convocados a par -
tir de 1614. A sua nova convocação, em 1789, reacendeu antigas ideias a respeito de a soberania
pertencer ao povo e não ao monarca.
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voto e mando. O ódio à aristocracia e à monarquia estava latente nas
atitudes dos deputados, que, a despeito da formalidade nas atitudes,
eram suficientemente audazes nas suas reivindicações.
Pedindo voto por cabeça, ao contrário do esquema tradicional do
voto por ordens, o terceiro Estado se insurgiu, pois no sistema antigo
normalmente o clero e a nobreza votavam juntos e o terceiro sempre
perdia. Com o voto por representante haveria uma grande mudança na
forma de votação, uma vez que o terceiro Estado era maioria absoluta.
Com as negativas dos dois outros Estados e a tentativa do rei de chamar
à velha ordem os Estados Gerais, tentando fechá-los, o terceiro se rebela
e, em 20 de junho, os seus deputados, em reunião na sala do jogo de
péla, prestam juramento de não se separarem enquanto o reino da França
não tivesse uma Constituição à qual o rei devesse prestar obediência.
Proclama-se, então, a Assembleia Nacional Constituinte.
Figura 02 - A sala de jogo de péla ( jeu de paume em francês) era próxima ao local onde estavam reunidos os deputados. Esta
sala servia a uma espécie de tênis praticado com as mãos, mas também com algum tipo de raquete. Era um esporte bastante
praticado pelos nobres e membros do clero. Fonte: http://fr.wikipedia.org/wiki/Fichier:Jeu_de_paume.jpg, 8/09/2010.
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UNIDADE 1
Figura 03 - Jean-Jacques David. Le serment du Jeu de Paume (O juramento do jogo de pela). 1791.
Museé National du Château de Versailles.
A notícia correu rapidamente Paris, onde circulavam boatos de que
tropas reais atacariam a cidade. Havia um grande temor nas ruas. Vimos
que a autoridade do rei estava dramaticamente abalada, e com os deputados
reunidos, a população da cidade buscou meios de se defender da monar-
quia e dos nobres. Revoltas explodiram até que, em 14 de julho, a população
atacou a fortaleza da Bastilhaem busca de pólvora e arma-
mentos para se defenderem.
Com a resistência da pequena
guarnição da fortaleza, ela foi
tomada à força, marcando sim-
bolicamente o início da Revolu-
ção, pois para a população era o
fim da monarquia absoluta.
Como vimos, a aura desacralidade da monarquia há
muito havia acabado. Com uma
direção política - a Constituição
-, a população pôs em marcha
uma democracia radical que
nascia, em parte, dos escritos
Figura 04 - Charge na qual se mostra o povo carregando o monarca,
o clero e a nobreza. O título é “O povo sob o Antigo Regime”. Fonte:
http://chnm.gmu.edu/revolution/
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da sarjeta, nos quais se apregoava o ódio aos graúdos e endinheirados.
Dessa forma, ideias sobre o indivíduo, soberania, nação encontram-se
com sentimentos de ódio e raiva, fermento necessário para a gênese da
democracia moderna.
Com a eclosão da Revolução, as forças reais foram acuadas e o rei
ficou na defensiva. Rapidamente se organizaram partidos e a Assembleia
logo se dividiu em facções. Os partidos mais famosos eram os Girondinos
e os Jacobinos.
A palavra girondino tem sua origem na região da Gironda, onde ca Bordeaux. Era uma
facção mais moderada e sentava-se geralmente à direita na Assembleia. Os girondinos foram
acusados de traidores da Revolução e muitos deles foram perseguidos, inclusive seu líder, Dan-
ton, condenado à guilhotina em abril de 1794.Jacobino vem do nome em latim de São Tiago: Jacobus. Os jacobinos se reuniam no antigo
mosteiro de São Tiago, daí o nome. Eram considerados radicais e até hoje designam aqueles
republicanos radicais. Por se sentarem do lado esquerdo da Assembléia acabaram por nomear
como “esquerda” as posições mais extremas.
Esses dois partidos centralizavam a cena política e, pelo menos,
muitos jacobinos insuflavam frequentemente o povo para mais rebeliões
e para assim pressionar seus adversários. Temendo a perda total do poder
após a promulgação da Constituição em 1791, Luís XVI fugiu de Paris
em direção à fronteira belga-alemã, no entanto ele foi reconhecido ecapturado, com a família, na pequena cidade de Varennes.
Reconduzido a Paris, foi iniciado um processo de traição. Os
acontecimentos se precipitaram. O rei da Prússia invadiu a França em
1792, motivo para os mais exaltados radicalizarem a Revolução. O rei foi
preso junto com milhares de nobres. Foi julgado, condenado à morte na
guilhotina e executado em janeiro de 1793. Sua esposa seguiu o mesmo
destino, alguns meses mais tarde.
Em junho de 1793, uma revolta radical deu condições para os jacobinos
tomarem o poder. Iniciou-se a fase conhecida por Terror. Inimigos verdadeiros
ou imaginários foram enviados às prisões e milhares foram executados. Todos
os dias circulavam pelas ruas de Paris procissões de condenados em direção
à guilhotina, onde hoje fica a Praça da Concórdia. Tribunais revolucionários
trabalhavam sem parar. No entanto, o Terror se tornou extremamente
impopular e, em 27 de julho de 1794, os girondinos articularam um golpe
derrubando o líder jacobino, Robespierre, e condenando-o à guilhotina.
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UNIDADE 1
A Revolução entrou numa fase tumultuosa, na qual a burguesia
tentou controlá-la. A França sofre internamente pela instabilidade dos
governos. Inflação, revoltas, crise econômica eram constantes. Parecia
que a Revolução somente havia trazido mais fome e crise. E sofre também
externamente. O país fora atacado por uma coligação de monarquias
europeias. O exército francês estava acuado. Porém, um jovem general
conseguiu vitórias seguidas, salvando o regime e tornando-se uma lenda:
Napoleão Bonaparte.
No final do século, o governo, chamado de Diretório, era instável
e escândalos se sucediam. Temendo pelo regime, a burguesia apoia
um Golpe de Estado em 10 de novembro de 1799 (no calendário
revolucionário 18 Brumário) e um Consulado formado por três dirigentes
assume temporariamente o poder. Entre esses dirigentes estava Napoleão
Bonaparte, que, aos poucos, vai assumindo plenamente o poder, coroando-
se imperador em 1804.
Muitos historiadores marcam a queda de Robespierre como o fim da
Revolução. Outros afirmam que ela acaba com o Golpe do 18 Brumário.
Outros, ainda, estabelecem a queda de Napoleão, em 1815, como o fim
definitivo da fase revolucionária. Qualquer que seja a data escolhida, devem
ser levadas em conta as dramáticas mudanças trazidas pela Revolução.
A democracia moderna nasceu dela. Como vimos, a Revolução não
a criou, mas a conjunção de muitos elementos permitiu a sua emergência.
Devemos imputar aos acontecimentos revolucionários o lugar do
vocabulário político moderno. Partidos, representação, democracia, e
assim por diante foram palavras que ganharam o sentido próximo daquele
que usamos ainda hoje. Portanto, a Revolução não foi um evento comum.
Pelo contrário: como historiadores, devemos ter sempre em mente a sua
excepcionalidade e importância.
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UNIDADE
Nesta Unidade vimos como a Revolução Francesa marcou o aparecimento damoderna sociedade política. Entretanto, sempre devemos ter em mente que não é nela
que nasce a nossa sociedade. A Revolução somente permitiu que ela fosse possível,porém, diferentemente do que pensam muitos historiadores, não foi um fruto “natural” dodescontentamento humano.
A Revolução foi um evento inédito na completa acepção da palavra. Ela não estava minimamenteprevista, ou nada a respeito de revoluções e tomadas de poder por parte do povo havia sido escrito.Portanto, ela carrega esse caráter de uma ação humana completamente nova.
Mas como ela foi possível? Em primeiro lugar, do ódio cultivado pela população contra os privilégiose o peso do Estado, ódio nascido no submundo de Paris. Ódio daqueles preteridos, ressentimento dosexcluídos do mundo das letras que transmitem a sua raiva para a população.
O ódio encontrou a ocasião de se expressar na convocação dos Estados Gerais. Os deputadosdo terceiro Estado se rebelaram contra o primeiro e o segundo Estados. A rebelião dos deputados doterceiro, que se consideravam legítimos representantes do povo, o ódio e o temor popular forneceramcombustível suciente para a máquina revolucionária.
Entrando em funcionamento, ela não parou até o m do século XVIII. Assim são conhecidas asvárias fases de exacerbação e retração, até o momento em que Napoleão Bonaparte, através de umGolpe de Estado, toma o poder, encerrando praticamente o período revolucionário.
Procure um dos seguintes lmes sobre a Revolução Francesa e faça uma análise do valor atribuídoaos eventos revolucionários pela contemporaneidade.Casanova e a Revolução (La Nuit de Varennes), Diretor: Ettore Scola, 1982.Danton, o processo da revolução (Danton), Diretor: Andrzej Wajda , 1982.Maria Antonieta (Marie-Antoinette), Diretora: Soa Coppola, 2007.
BOTO, Carlota. Na Revolução Francesa, os princípios democráticos da escola pública, laica e
gratuita: o relatório de Condorcet. Educ. Soc. [online]. 2003, vol.24, n.84 [cited 2010-10-08], pp. 735-762. Disponível em: http://www.scielo.br/
LAVALLE, Adrián Gurza; HOUTZAGER, Peter P. and CASTELLO, Graziela. Democracia,
pluralização da representação e sociedade civil. Lua Nova [online]. 2006, n.67 [cited 2010-10-08],pp. 49-103. Disponível em: http://www.scielo.br/
ANDERSON, Perry. Trajetos de uma forma literária. Novos estud. - CEBRAP [online]. 2007, n.77[cited 2010-10-08], pp. 205-220. Disponível em: http://www.scielo.br/
MARTIN, Olivier. Da estatística política à sociologia estatística. Desenvolvimento e transformações
da análise estatística da sociedade (séculos XVII-XIX). Rev. bras. Hist.[online]. 2001, vol.21, n.41[cited 2010-10-08], pp. 13-34 . Disponível em: http://www.scielo.br/
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UNIDADE 1
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O mundo em marchaA Revolução Industrial
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM ■ Compreender as mudanças no mundo do trabalho que caracterizam a
modernidade.
■ Analisar a historiografia sobre o mundo do trabalho.
ROTEIRO DE ESTUDOS ■ SEÇÃO 1 - Trabalho e sociedade
■ SEÇÃO 2 - Trabalho na Idade Média
■ SEÇÃO 3 - O nascimento das fábricas
U N I D
A D E
I I
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UNIDADE 2
PARA INÍCIO DE CONVERSA
A Revolução Industrial foi uma espécie de acontecimento de longoprazo, apesar do nome. Ela não foi repentina, ao menos do ponto de vista da
curta duração. Podemos dizer que foi um processo que ainda está acontecendo
e tem quase quinhentos anos. Ou seja, o fenômeno envolve todo o período da
História Moderna e Contemporânea, por isso é melhor compreendê-lo como
um longo processo, quer dizer, trata-se de uma Revolução que transformou
o planeta que deixou de ser essencialmente agrário para, nos nossos dias,
ser predominantemente industrial. Porém, cabe aqui uma questão: como a
Revolução Industrial foi possível?
Grande parte da historiografia aborda esse processo do mesmomodo que a Revolução Francesa, quer dizer, como se fosse um processo
natural de transformação da sociedade. A humanidade teria como pano
de fundo o progresso, determinando em última instância o próprio devir.
Os seres humanos progrediriam e, consequentemente, tudo que os cerca
também passaria pelo mesmo processo. Afinal, fatos não comprovariam o
progresso humano?
No entanto, se formos mais atentos com relação a essa ideia, como
aquela de ciência e de evolução, perceberemos que são noções recentes na
história humana e não estão gravadas no processo histórico. Alguém poderiaobjetar que essas noções são recentes porque somente nos últimos séculos os
homens puderam percebê-las.
Poderíamos mudar a questão: não teria sido nos dois últimos séculos
que os homens “inventaram” essas noções? Para acreditar que os homens
eram inconscientes dessas noções, ou que não tinham capacidade para
apreendê-las, é preciso considerar que todas as civilizações anteriores
à nossa, inclusive aquela considerada o berço da nossa, a grega, foram
incapazes de descobrir que o nosso devir está fadado ao progresso, ou ainda,
vinculado a um Telos.
Se mudarmos o foco da questão, podemos perceber que a nossa
sociedade criou noções distintas das sociedades anteriores. A própria ciência
é completamente diferente daquela produzida no período medieval ou no
início do período moderno, como veremos.
Não havia uma incapacidade das sociedades anteriores a nossa, ou
outras civilizações, com relação a essas noções (outras também). A questão
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A história contínua é o correlato indispensável à função fundadora do sujeito: agarantia de que tudo que lhe escapou poderá ser devolvido; a certeza de que o temponada dispersará sem reconstituí-lo em uma unidade recomposta; a promessa deque o sujeito poderá, um dia – sob a forma da consciência histórica – se apropriar,novamente, de todas essas coisas mantidas à distância pela diferença, restaurar seudomínio sobre elas e encontrar o que se pode chamar sua morada. Fazer da análisehistórica o discurso do contínuo e fazer a consciência humana o sujeito originário detodo o devir e de toda prática são as duas faces de um mesmo sistema de pensamento.O tempo é aí concebido em termos de totalização, onde as revoluções jamais passamde tomadas de consciência. (FOUCAULT, 1987, pp. 14 e 15).
é que isso não era um problema para elas. Se não era um problema, então
não haveria por que pensar nelas, ou melhor, isso não faria parte do universo
mental delas. A evolução, por exemplo, nunca foi uma questão para os
gregos, romanos, egípcios, etc.
No entanto, naturalizamos as ações humanas e, de modo comum,
levamos para o passado as nossas próprias crenças, imaginando-as perenes
ou transcendentes. Dessa forma, colocamos as sociedades anteriores a nossa
na mesma escala. Porém, se hoje é comum estabelecer a diferença entre as
sociedades existentes, por exemplo, a nossa e a dos Inuit (povos do norte
do Canadá e Ártico), por que não fazer o mesmo com relação ao passado?
Ele é a nossa diferença. Crenças, costumes, cultura, religião, enfim, todos os
aspectos da vida são pensados e vividos de outra maneira. Logo, dizer que os
gregos, romanos, homens do medievo europeu e as culturas ocidentais hoje
fazem parte da mesma história é desconsiderar a diferença.
Essas outras sociedades no tempo eram diferentes não por falta (faltar-
lhes-ia a ideia de progresso, de evolução, de ciência, etc.; ou, ainda, essas
noções estariam em estado latente, dependendo da descoberta feita por algum
homem de gênio), mas por não pertencerem à mesma lógica que a nossa,
isto é, simplesmente não tinham a mesma mentalidade. Portanto, colocá-
las na mesma ordem de acontecimentos que as ligaria a nós mesmos é um
equívoco, um anacronismo, pois não as consideramos apartadas de nós pelas
suas práticas e crenças sociais, mas somente distantes temporalmente.
Esse tipo de raciocínio de muitos historiadores acaba nos convencendo
de que a História não passa de uma única e mesma narrativa, pois os povos que
eram diferentes no passado, somente o eram por falta. A partir do momento
em que tomassem contato com as recentes descobertas as adotariam e se
integrariam novamente naquilo que podemos chamar de continuum. Todos
os povos que existiram, todas as civilizações, todos os seres humanos teriam,
no fim das contas, o mesmo destino. Assim:
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É justamente a ideia de sujeito depositário da narrativa universal que
alimenta a historiografia sobre a Revolução Industrial. Esse processo é tomado,
em primeiro lugar, como “natural”, quer dizer, aconteceria fatalmente; e, em
segundo lugar, como uma etapa em direção a um Telos. Isso quer dizer que
ele é natural porque atende à necessidade de uma finalidade última no devir
histórico, de que não poderemos nos furtar. Além disso, teríamos, finalmente,
a reconstituição da consciência do sujeito histórico pelo retorno, na forma de
narrativa, de tudo o que a humanidade viveu.
Tal proposição, além de não factível, é apenas uma ideia de história
que surge em finais do século XVIII e se torna vitoriosa durante o século
XIX. Quer dizer, a história como devir é recente, mas funciona muito bem,
tanto que nos acostumamos a pensar dessa forma. É por isso que a Revolução
Industrial, antes de ser algo inédito, é outra prática em relação ao trabalho:
seria a continuidade do que se anuncia desde a pré-história – a evolução do
mundo do trabalho.
Nessa forma de pensar, considera-se o labor humano como algo
totalmente natural. Afinal, os animais não têm de providenciar sua alimentação,
abrigo das intempéries, proteção etc.? Assim seria o ser humano. Ora, o que
não se leva em consideração é que não vivemos há muito tempo na natureza,
ou melhor, vivemos à parte da natureza, portanto o universo do trabalho não
se funda mais sobre a vida natural. Este é o ponto de partida desta unidade: a
organização fabril não é uma evolução do trabalho manual, que, por sua vez,
seria uma evolução do trabalho natural. Ela é uma “invenção”, ou melhor,
uma “fabricação”. É uma invenção humana e nada tem a ver com a evolução
da espécie.
SEÇÃO 1TRABALHO E SOCIEDADE*
____________________________________________________________________________________________* Este texto foi publicado inicialmente no livro História e prática: a pesquisa em sala de aula, de
André Luiz Joanilho (Campinas: Mercado de Letras, 1996).
A partir da discussão acima, a primeira questão que se coloca é sobre a
própria noção de trabalho. Como a adquirimos? Ou melhor, como a fabricamos? A
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nossa sociedade desenvolveu uma relação bem particular com esse universo, muito
diferente daquelas que nos precederam ou até mesmo de sociedades no presente.
Sem essa relação, a Revolução Industrial não teria sido possível.
Comecemos pela etimologia da palavra. Labor origina-se do latim laboris,
e signica dor ou fadiga na realização de um trabalho ( Dicionário Etimológico
Nova Fronteira, 1986). Consultando o Dicionário Escolar Latino Português (1991),
podemos ver que no latim clássico essa palavra tem o signicado de fadiga, esforço
e, no sentido gurado, de doença, desventura, infelicidade. Já o verbo trabalhar vem
da palavra tripaliare – torturar – que, por sua vez, vem de tripalium, signicando
um instrumento de tortura ( Dicionário Etimológico Nova Fronteira, 1986); portanto,
originalmente a palavra trabalho estava associada à tortura.
Uma simples consulta em dicionários disponíveis nos mostra a origem das
palavras e o seu emprego no latim de Cícero. Entretanto, hoje, temos os dois termos
em alta conta. Denimos o próprio ser a partir deles. O homem é um animal que
labora. Situamo-nos de acordo com a nossa prossão, e sempre procuramos dignicar
a condição do trabalhador. Ditos, hoje populares, atestam essa condição: “Deus ajuda
quem cedo madruga”, “o trabalho enobrece”, e assim por diante.
Percebemos hoje que as palavras labor e trabalho se tornaram sinônimas,
expressando uma condição do ser humano, e praticamente podemos estipular a
condição de alguém somente através da sua atividade (médico, engenheiro, professor,
operário) e não pela sua condição social, sexual ou moral. Mesmo se alguém é idoso,
o localizamos socialmente pela sua condição de aposentado.
De modo algum os termos abordados signicam para nós dor ou sofrimento,
muito pelo contrário. Aparecem como nalidade da vida e realização pessoal. Hoje
têm valor superior na nossa sociedade, condição para que o ser se integre socialmente,
isto é, não importa o que ele faça, desde que faça algo e que seja lícito, pelo menos
nos nossos padrões morais.
Entretanto, cabe fazer uma distinção entre esses termos. Hannah Arendt, na
sua obra A condição humana (1983), nos dá uma denição mais precisa:
O labor é a atividade que corresponde ao processo biológico do corpo humano,cujo crescimento espontâneo, metabolismo e eventual declínio têm a ver com asnecessidades vitais produzidas e introduzidas pelo labor no processo da vida. Acondição humana do labor é a própria vida.O trabalho é a atividade correspondente ao articialismo da existência humana,existência esta não necessariamente contida no eterno ciclo vital da espécie, e cujamortalidade não é compensada por este último. O trabalho produz um mundo ‘articial’de coisas, nitidamente diferente de qualquer ambiente natural (...) A condição humanado trabalho é a mundanidade. (ARENDT, 1983, p. 15).
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Através das denições fornecidas pela autora, podemos compreender que a
ideia de labor liga-se diretamente às necessidades vitais, ou seja, laborar signica
suprir a nossa necessidade de sobrevivência. Já o trabalho ultrapassa essa condição,
estabelecendo um mundo à parte da própria natureza para a existência humana.
Enquanto a palavra labor designa o próprio ato, a palavra trabalho pode ser aplicada
para o resultado do labor (ARENDT, 1983, p. 91). Daí a autora ligar a ideia de labor
ao conceito clássico de animal laborans (animal que labora), enquanto o trabalho
liga-se ao de homo faber (homem que fabrica).
Essa distinção é fundamental para compreender a ideia contemporânea
de trabalho em comparação com a Antiguidade Clássica. Dessa forma, todas as
atividades ligadas à ideia de labor eram vistas como necessárias para a manutenção
da vida (ARENDT, 1983, p. 94), o que implicava a escravização do ser, pois para a
manutenção da vida era necessário laborar, isto é, ter de se fatigar para se alimentar, se
proteger, se vestir etc. O ser submetido às necessidades vitais era um ser escravizado,
mesmo porque estava indissoluvelmente preso às paixões que governam a vida, ou
ainda, aos instintos. Logo:
Desse ponto de vista, podemos concluir que “a instituição da
escravidão na Antiguidade não foi uma forma de obter mão de obra barata
nem instrumento de exploração para fins de lucro, mas sim a tentativa de
excluir o labor das condições da vida humana” (ARENDT, 1983, p. 95).
A ideia de a palavra labor estar ligada ao reino da necessidade
aparece em Hesíodo (Os trabalhos e os dias). Além de ser a punição
imposta aos homens pelo fato de terem recebido o fogo roubado por
Prometeu, essa ideia origina-se da Caixa de Pandora, de onde, aliás,provêm todos os males.
Laborar signicava ser escravizado pela necessidade, escravidão esta inerente àscondições da vida humana. Pelo fato de serem sujeitos às necessidades da vida,os homens só podiam conquistar a liberdade subjugando outros que eles, à força,submetiam à necessidade. A degradação do escravo era um rude golpe do destino,um fato pior que a morte, por implicar a transformação do homem em algo semelhantea um animal doméstico. (ARENDT, 1983, p. 94).
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Figura 05 - Criança operária. 1918. Corbis, The New York Times photo archive.
Essa mesma ideia aparece na tradição judaica. No Gênese, quando
Adão experimenta do fruto proibido e confessa isso a Deus, é punido:
A condenação de Adão ultrapassa a perda da condição paradisíaca,
ela se estende ao tempo que o homem viveria na terra. Isso torna todo e
qualquer esforço para suprir necessidade a rememoração desse ato ab
origine, isto é, do início dos tempos.
Através desses exemplos podemos perceber que, na Antiguidade,
aquilo que chamamos de trabalho era uma atividade ligada à ideia de
punição recebida pelo homem por alguma falta na sua relação com omundo sobrenatural. Daí que o único modo de escapar a essa condição
era a escravização de outros homens, a qual geralmente se dava fora
do grupo dominante, isto é, os escravos eram obtidos graças a guerras
ou dívidas não resgatadas. A lei mosaica, por exemplo, estabelece que
“quando comprares um escravo hebreu, ele servirá seis anos; no sétimo
sairá livre sem pagar nada” (Êxodo, 21, 1-2). Podemos ver que, no caso
porque ouviste a voz de tua mulher e comeste do fruto da árvore que eu havia proibidode comer, a terra será maldita por tua causa. Tirarás dela com trabalhos penosos o teusustento todos os dias de tua vida. Ela te produzirá espinhos e abrolhos, e tu comerása erva da terra. Comerás o teu pão com o suor do teu rosto, até que voltes à terra de
que foste tirado; porque és pó, e em pó te hás de tornar. (Gênesis, 3, 17-19).
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dos israelenses, a escravidão podia ocorrer entre eles, mas o escravo
israelita tinha privilégios em relação a escravos estrangeiros.
As leis mosaicas retratam bem as noções de punição recebida pelo
homem. Para escapar a essa condição restava a escravização, o que
livrava, pelo menos os dominantes, da situação de pecadores, ou do
processo biológico de manutenção da vida.
Dessa forma, podemos notar que o trabalho escravo na Antiguidade
está longe de se constituir como uma necessidade econômica dos
dominantes. Muito pelo contrário, era uma imposição para se escapar
do ciclo vital, da reposição das energias despendidas no dia-a-dia ou,
como diríamos hoje, trabalhar para o funcionamento metabólico do
organismo:
Como foi visto, para os gregos, pelo menos, tudo o que o homem
produz não deixa rastro e, se não deixa rastro, é desprezado. Assim,tudo o que se refere ao processo vital fica reservado para o espaço
privado, já que não merece ascender ao espaço público. Tal prática
se desenvolve junto com a pólis. Logo, se desenvolve no pensamento
“político” grego a ideia de o mundo privado ser o mundo das paixões,
ou o mundo do reino da necessidade. Afinal, os animais não lutam com
todas as suas forças para manter a vida? O escravo, portanto, equivale
ao animal doméstico por pertencer a esse mundo, pois preferiu a vida
a continuar “humano”. Ele renegou sua humanidade ao aceitar a
escravidão.O cidadão que no espaço público se relaciona igualmente com
os outros, no espaço privado deve se tornar senhor, pois no mundo
natural, ou no reino das necessidades, o mais forte domina. O espaço
público aparece como contraponto ao espaço privado, pois o primeiro
é o lugar da realização do ser enquanto humano, já o segundo é o
lugar da sobrevivência do homem enquanto “animal”. Dessa forma:
o desprezo pelo labor, originalmente resultante da acirrada luta do homem contra anecessidade e de uma impaciência não menos forte em relação a todo esforço quenão deixasse qualquer vestígio, qualquer monumento, qualquer grande obra digna deser lembrada, generalizou-se à medida que as exigências da vida na polis consumiamcada vez mais tempo dos cidadãos e com a ênfase em sua abstenção de qualqueratividade que não fosse política, até estender-se a tudo quanto exigisse esforço.(ARENDT, 1983, p. 91).
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a vida ‘boa’, como Aristóteles qualicava a vida do cidadão, era, portanto, não apenasmelhor, mais livre de cuidados ou mais nobre que a vida ordinária, mas possuíaqualidade inteiramente diferente. Era ‘boa’ exatamente porque, tendo dominadoas necessidades do mero viver, tendo-se libertado do labor e do trabalho, e tendo
superado o anseio inato de sobrevivência comum a todas as criaturas vivas, deixavade ser limitada ao processo biológico da vida. (ARENDT, 1983, p. 46).
Porém, enquanto o labor repõe as energias despendidas, o trabalho
tem o caráter de permanência. O produto do trabalho não visa ao processo
biológico, e sim à constituição do mundo humano, pois esse produto não
será consumido no processo metabólico: “No processo de fabricação (...)
o fim é indubitável: ocorre quando algo inteiramente novo com suficiente
durabilidade para permanecer no mundo como unidade independente
é acrescentado ao artifício humano” (ARENDT, 1983, p. 156). Advémdaí o motivo de, na Antiguidade Clássica, o artesão gozar de um status
superior ao do escravo. Isso não quer dizer que o artífice pudesse ser
alçado à condição de cidadão, mas mostra que o fato de o produto de seu
trabalho ter durabilidade lhe dava melhores condições. Mesmo assim, a
valorização do trabalho se dava conforme a sua distância do labor: ele
podia ser mais, ou menos valorizado (ARENDT, 1983, p. 92).
Essa distinção entre labor e trabalho é importante quando nos
reportamos à nossa sociedade, onde ela desapareceu, dando lugar a uma
única noção: o trabalho dignifica. A condição atual ultrapassa a ideiade que trabalhar seria uma punição recebida pelo homem; muito pelo
contrário, o não-trabalho é que marginaliza, coloca o ser como pária social,
justamente o oposto do que os gregos achavam a respeito da atividade.
Como foi possível o trabalho, ou melhor, o labor deixar a intimidade do
espaço privado e adentrar no espaço público com tanta força? Como pôde
se tornar uma das principais preocupações políticas dos governos e uma
das principais preocupações cotidianas do ser humano?
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SEÇÃO 2TRABALHO NA IDADE MÉDIA
Para fazermos o contraponto com a nossa própria sociedade, você
vai conhecer, nesta seção, as linhas gerais sobre o universo do trabalho no
período medieval. A reflexão que se propõe, como foi dito no começo da
unidade, é repensar a noção de trabalho como fundamento do ser. Dessa
forma, poderemos verificar que essa noção não e natural. É um produto
de forças sociais e em determinados períodos.
Durante o período medieval a noção de trabalho não gozou de
melhores considerações do que na Antiguidade Clássica. Podemosimaginar o que os mais pobres achavam dele, enquanto a classe
dominante o desprezava categoricamente. Tanto a nobreza quanto o clero
consideravam vil exercer atividades que lembrassem a condição inferior
do homem, e isso não vinha de nenhum exercício filosófico.
A tripartição da sociedade (clero – oratores; nobreza – bellatores;
povo – laboratores) funcionou como uma ideologia da classe dominante
– clero e nobreza – que relegava todo aspecto produtivo ao “povo”. Isso é
evidente, pois “como Adão, após a falta, eles (o povo) estão condenados ao
trabalho forçado, à ‘condição servil’” (DUBY, 1982, p. 182). Dessa forma,“o trabalho é o comum destino de todos os homens que não são guerreiros
nem padres” (DUBY, 1982, p. 183).
Esse esquema tripartido da sociedade é formulado por volta dos
séculos XI e XII, quando se fizeram sentir progressos agrícolas. Logo, era
necessário estabelecer quem deveria trabalhar, quem deveria zelar pela
paz interna e defender a cristandade dos inimigos externos (nobres) e,
finalmente, quem deveria salvar as almas (clero). Assim:
é pois uma elite econômica, a que está à frente do progresso agrícola da Cristandade,entre o século IX e o século XII, e constitui a terceira ordem do esquema tripartido.Este esquema, que exprime uma imagem consagrada, sublimada da sociedade,não agrupa a totalidade das categorias sociais, mas apenas as que são dignasde exprimir os valores sociais fundamentais: valor religioso, valor militar e, o queé novidade na Cristandade medieval, valor econômico. Até no campo de trabalhoa sociedade medieval, a nível cultural e ideológico, permanece uma sociedadearistocrática. (LE GOFF, 1980, p. 82).
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Isso não significou que trabalhar tenha ascendido a uma posição
superior em relação à Antiguidade Clássica. Muito pelo contrário, os
laboratores (não vamos esquecer da etimologia da palavra) aparecem
no vocabulário associados a palavras como agricolae e rustici, isto é,
completamente ligados ao trabalho com a terra. O lento avanço dos
comerciantes e a introdução da moeda numa economia essencialmente
de troca fazem com que se possa pensar essa nova categoria, entretanto
o desprezo pelas atividades ligadas ao dinheiro se acentuou. A
condenação da usura e da cupidez por parte da Igreja aumentou a
desconfiança voltada para quem trabalhasse e ganhasse dinheiro com
is