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rd; Cuadernos de Ebtudios sobre el Ejército Romano

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Túmulo sumptuoso para o aquilver

Flavius Quadratus (CZL 11 266)

José ~'ENCARNACAO Universidade de Coimbra

((Esquecida no cunhal de uma casa modesta situada na Calcada de Laveiras, em Caxias, encontra-se uma lápida funerária do maior interesse histórico)) - assim noticiava, na sua ediciio de 18 de Julho de 1962, um jornal de Lisboa, o ((Diário Ilustrado)), a existencia de uma epígrafe romana. Aliás, o título da notícia era, desde logo, assaz significativo: «A memória de um lusitano que foi figura de destaque nas legioes romanas está em risco de perder-se».

Continuava o jornal escrevendo:

«A inscriciio fora já identificada em 1735 pelo antiquário António José da Cunha que a trasladou para a sua Lithologia Lusitana e, já nessa altura, o historiador registava que a pedra se encontrava "no angulo de uma casa, entiio de Joana Rebelo, passando da Cartuxa, a duas léguas de Lisboa a caminho de Laveiras".

A nota jomalística alude, em seguida, ao estudo que sobre o monumento publicara, dois anos antes, Fernando Bandeira Ferreira. Trata-se de um dos apontamentos inserto, sob o número VI1 e com o título 'A inscricao do aquilifer Flavius Quadratus ', no artigo ((Varia Epigraphica)) citado na bibliografía. Daí vinha a referencia

notícia de 1735, que, de resto, o próprio Emílio Hübner colhera para o CIL 11 266.

No entanto, fora uma chamada de atenciio feita, algum tempo antes, num jornal local chamadoA Cartua que despoletara o alerta

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J. d' EncamaqZo: Túmulo sumptuoso para o aquilfer Flavius Quadratus (CIL 11 266)

e o apelo as entidades governamentais para que evitassem que ((este importante documento)) continuasse «em risco de perder-se, sujeito as intempéries e aos descuidos de pessoas menos conhecedoras do seu valor)). Sugeria-se, pois, que a pedra fosse removida para o entao ((Museu Arqueológico Dr. Leite de Vasconcelos, no Mosteiro dos Jerónimos, onde a valiosa estela poderia alinhar junto a outras lápidas, algumas das quais nao tem nem o valor nem o interesse desta que regista a presenqa de um lusitano entre os soldados de Roma onde ocupou um lugar do maior destaque na Legiao)).

O apelo foi ouvido. Assim, na sua ediqao de 12 de Agosto de 1963, sob o título ((Salvou-se uma inscriqao funerária latino-romana do século 1 da era crista que estava na iminencia de perder-se», o diário lisboeta Novidades informava:

"O ((Diário do Governo)), 11 série, de 5 do corrente, em nota publicada pela Direcqiio-Geral do Ensino e das Belas Artes, declara que, por despacho do Sr. Subsecretário de Estado da Educaqiio Nacional, de 29 de Janeiro último, fica sujeita ao regime estabelecido no artigo 2" e seu 5 único do Decreto-Lei 38.906, de 10 de Setembro de 1952, uma lápide, com a seguinte inscriqiio [. . .]".

Acrescentava-se que a dápide estava situada numa parede do prédio no 22 da Rua da Quintinha, i Estrada de Laveiras, em Caxias, concelho de Oeiras, e que dera ((entrada, há meses, no Museu Etnológico Dr. Leite de Vasconcelos, por sugestiio e após diligencias efectuadas pelo nosso colaborador José Maria de Almeida que, no jornal A Cartuxa, que se publica em Caxias, escreveu o seguinte, no número correspondente ao mes de Junho de 1962 [. . .]B.

E transcreve os elementos, anotando que Bandeira Ferreira, o epigrafista que mais pormenorizadamente estudou o monumento no

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J. d' Encarnaciio: Túmulo sumptuoso para O aquilifer Flavius Quadratus (CIL 11 266)

referido artigo da Revista da Faculdade de Letras de Lisboa, fora informado da sua existencia, em Marco de 1960, pelo Sr. Nicolau Pereira da Silva, filho do proprietário da casa em cujo muro a pedra se encontrava embutida.

O monumento

A epígrafe ainda hoje se mantém no acervo do Museu Nacional de Arqueologia.

Trata-se de uma ampla placa, sem m o l d u r a ~ ~ o nem campo epigráfico delimitado, com 73 cm de altura, 118 de largura e 57 de espesura, apresentando-se em cunha na parte superior. Ou seja, serviu de elemento arquitectónico, a embutir em jazigo.

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J. d' Encarnac50: Túmulo sumptuoso para o aquilifer Flavius Quadratus (CIL 11 266)

Está praticamente intacta, registando-se escoriaqoes várias, nomeadamente nos vértices, uma das quais, no superior esquerdo, terá levado a sigla do praenomen.

A leitura faz-se sem dificuldade, embora - como Fernando Bandeira Ferreira já muito bem assinalara- haja quem tenha cedido a tentaqio de proceder ao avivamento do letreiro, de modo que se tornaram pouco compreensíveis algumas das palavras, como se verá. Os acrescentos ficaram mais visíveis a nível dos sinais de pontuaqio - talvez só a esse nível -, primitivamente quiqá heras (hederae) de fino recorte, que os curiosos transformaram em pequena cmz quadrada e nurn sol radiado, na linha 2, numa corola hexapétala inscrita num círculo e num círculo com urna espécie de estrela de cinco pontas, na linha 3.

A leitura é a seguinte:

[. . .] FLAVIVS M(arci) F(i1ius) GAL(eria tribu) - QVADRATVS / AQVILIFER .LEG(ionis) 11 (secundae) SE VIVO / MVNIMENTVM . FECIT HIC / MVNIMENTVS [sic]. CVM . MVNITIONI(bus) / [ET] TRICILA [sic] HER(redem) NON SE[quetur]

(. ..) Flávio Quadrado, filho de Marco, da tribo Galéria, aquilífero da 11 Legiiio, em vida fez o monumento. Este monumento com muniqoes e caramanchio nao passam ao herdeiro.

Altura das letras: 1. 1: 7,7; 1. 2: 7 3 ; 1. 3: 7 (T = 8); 1.4: 6,2 (T = 7); 1.5: 5,7. Espaqos: 1: 8,8; 2: 3,l; 3: 3,3; 4: 2,8; 5: 3,8; 6: 14,5.

Nio se vislumbram restos da letra que indicaria opraenomen, que certamente existiria. A hipótese T(itus) é, sem dúvida, aliciante,

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J. d' Encamacao: Túmulo sumptuoso para o aquilifer Flavius Quadratus (CIL 11 266)

porquanto é esse o prenome dos imperadores flávios e seríamos tentados a datar o monumento dessa época. Mas já 1á vamos ao problema da datagao.

Quanto As anomalias gráficas verificadas nas últimas duas linhas, nao me parece viável atribuí-las a corrupgoes posteriores, mas sim a ignorancia do lapicida ou má compreensiio da minuta.

Escrever um eventual nominativo munimentus nao é de estranhar: atrás se escrevera o acusativo e, no dia-a-dia, a terminagao -um era para o acusativo e -us para o nominativo, nao se apercebendo de que se estava perante um nome neutro. Aqui, o lapso tanto pode ser do lapicida como do encomendante De facto, o S final saiu da mesma m20 que o de Flavius ou Quadratus, nao há que enganar.

A lasca que saltou no final da linha 4 levou a letra a seguir ao N. Distingue-se uma barra vertical, que tanto pode ser de um 1 como de um E. A pouca profundidade do trago sugere mais 1 que E, se compararnos com os demais. Teríamos, assirq munitio- ni(bus), um plural que se adequa ao contexto, embora se nao concorde com Hübner, que sugere ter havido originalmente na pedra a sílaba final: munitioni[bus]. Nao houve. Bandeira Ferreira opina, por seu turno, que o lapicida nao abreviaria assim e propoe, por isso, o singular munitione. A minha argumentagao estriba-se na forma como foi deixada incompleta - claramente incompleta -, na derradeira linha, a palavra sequetur, de que, a seguir a primeira sílabase, se nao enxerga, na verdade, qualquer indício de ter havido letras gravadas, pelo que também aqui se nao poderá subscrever a interpretagiio de Hübner, que reconstitui [sequetur]. Por outro lado, a outra reconstituigao hübneriana - tri[cle]a[e] - que José Vives segue (ILER 5625)', nao tem justificag?io.

' Vives comete diversas incorrecc6es: omite toda a linha 3 e, nas tábuas de correspond&ncia como CIL 11 (p. 790), indica CIL 11 266 por duas vezes - si> a primeira

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J. d' EncarnaqZo: Túmulo sumptuoso para o aquilifer Flavius Quadratus (CIL 11 266)

Nessa linha 5, há, antes do T, leves indícios de outro T; o espaqo e o alinhamento com o M da linha anterior permitem, portanto, a reconstituiqiio do ET. Depois do A de tricila parece ver-se uma base vertical a que se seguiria, pegado, um O oblongo, dando a sensaqiío de se poder ler um desajeitado P. Trata-se, a meu ver, de mais uma das intervenqoes a nível da pontuaqiio, alterando eventual hera.

A paginaqiío foi cuidada, com espaqos interlineares praticamente homogéneos, puxada um tudo-nada acima porque se destinava a ser lida a partir de um nível inferior do olhar. O ordinator recorreu sabiamente a utilizaqiío do T mais alto para poupar espaqo; o numeral indicativo da legiiío está devidamente encimado por travessiío.

Os caracteres siío do tipo actuário, de fino e elegante recorte, gravados com buril, seguramente com prévio desenho na superficie a epigrafar. Notável, a cauda muito alongada do Q (de corpo bem circular, como se de um O se tratasse); a simetria patente no desenho do A e do V, obtidos aliás a partir do mesmo escantilhiío, usado ora numa posiqiío ora noutra, do M e do S; a verticalidade das barras, acentuada pelos travessoes horizontais que lhes siío rigorosamente perpendiculares (vejam-se o F, o L, o E, o H).

O texto

Antes de nos referimos ao personagem e ao alcance das infomaqoes contidas na epígrafe, sublinhemos dois aspectos que de imediato nos cativaram.

Prende-se o primeiro com o uso da expressiio se vivo. Ela nao é, de facto, corrente, na epigrafia peninsular. Hübner (CIL 11, p.

é válida.

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J. d' Encamaqiio: Túmulo sumptuoso para o aquilifer Flavius Quadratus (CIL 11 266)

1202, no final da la coluna), refere, além deste caso, vinte testemunhos, o que, na verdade, tantas siio as epígrafes funerárias, niio é estatisticamente relevante. No item anterior, indica Hübner as referencias atestadas de vivus fecit, fórmula que é equiparada a que se regista no monumento de Oeiras, e assinala, entre parentesis, que é tique epigráfico frequente na epigrafia de Sagunto. Recordo, por exemplo, que a expressiio figura amiúde nas epígrafes que se exp6em no Museu de Nimes. Contudo, Gabriel Sanders (1989,61), depois de referir que erigir um túmulo sibi vivo «tem as suas vantagens)), acrescenta que também niio é menos verdade que «as crengas supersticiosas olham com desconfianga)) um túmulo mandado edificar antes do tempo. Trata-se, pois, de uma atitude invulgar, própria de quem já detém uma certa cultura e habituado a viver num ambiente urbano.

Já o uso de monumentum para indicar o local de sepultura é mais comente, niio sendo também raro que se lhe siga, como aqui, a expressiio heredem non sequetur (cf. CIL 11, p. 1203, que cita pouco mais de uma trintena de testemunhos).

Merece reflexiio esta disposigiio testamentária. Ela significa que estamos perante um sepulcro familiar - em contraposigao aos sepulchra hereditaria - e visava ((garantir a reserva de inumagao aos membros da família)) (Marcos 1990, 174).

O monumento

Monumentum terá, sobretudo, uma conotagiio arquitectónica: é o edificio construído - e o papel determinante de Quadratus nessa construgiio encontra-se bem patente no uso, por extenso, da forma verbal fecit, «fez», como se ele próprio, com o seu labor, tivesse contribuído para tal. Se isso nao aconteceu - e poderia, na verdade,

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J. d' Encarnaqao: Túmulo sumptuoso para o aquiliJer Flavius Quadratus (CIL 11 266)

ter acontecido - o certo é que revela urn empenhamento pessoal profundo.

Nao é, porém, um mausoleum, termo que incorpora uma noqao de maior sumptuosidade, impregnada, nao raro, de uma tonalidade áulica e sacra acentuada.

Claro que o sepulcro possuirá serventia derredor; mas só a necessária e suficiente para a manutenqao periódica. NZo estaremos, aqui, perante a existencia «de amplas áreas adjacentes, com jardins, pomares, terrenos de cultivo, sem qualquer finalidade sepulcral, mas com o escopo de consignar o seu rendimento A conservaqiío do monumento funerário e A recompensa dos libertos eleitos para a preservaqao fiel da memória do fündador)) (Marcos, 1990, 175)2.

No entanto, é também esse espaqo envolvente que interessa a Quadratus e esse ele pretende igualmente acautelar quando se refere As munitiones e A trichila. Munitiones é termo que se adequa bemao contexto militar do proprietário, pois que significa os muros de defesa; trichila é o caramanchao. A circunstiincia de a palavra nao ter sido bem lida até ao presente3 fez com que tivesse passado despercebido o carácter ímpar do monumento, mesmo do ponto de vista da linguagem epigráfica utilizada. Quadratus concebe o seu sepulcro como um reduto defensivo, onde calmamente deseja repousar, na sombra fresca de um caramanchao ou de uma latada, nao sendo inverosímil que 1á tivesse mandado plantar videira para de seus bagos de uva se inebriar no Além! . . . Será interessante

Nesse aspecto, pode aduzir-se a inscri@oAE 1985,297, de Spinazzola, Bari (Regio 11), referente ao médico CIéon, em cuja Iinha 6 se enumeram os elementos constituintes

de um dominio funerário completo, que compreendia urna pequena casa (domus) destinada ao guarda, o túmulo propriamente dito (sepulchmm), cuja manutenqao era assegurada pelos rendimentos de um campo (ager) e de um horto (hortus).

Hübner interpretou bic[[e]a[e]. Eu próprio (1998, 77) optei pelo rnais corrente - mas t a m b h inusitado neste contexto - triclinia.

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J. d' EncarnaqZo: Túmulo sumptuoso para o aquilifer Flavius Quadratus (CIL 11 266)

encontrar paralelos - que, seguramente, sobretudo em textos literários se poder50 detectar.

Um militar

Inscrito na tribo Galéria, Quadratus é cidadiio olisiponense. Segundo Patrick Le Roux (1982, p. 62, n. 220), ainda que o monumento possa datar da época de Augusto, Flavius Quadratus «é, seguramente, originário da regiio em que mandou construir, em vida, o seu túmulo)). Mais adiante, incluindo o texto entre os documentos relativos a legionários ex Hispania e considerando-o datável de um período que vai desde o reinado de Augusto ao imperialato de Calígula (p. 184, no 47), comenta:

<d;lavius Quadratus serviu, pois, na Germania ou na Bretanha)) integrado na 11 Legiio Augusta, «tendo sido recrutado em Olisipo na época júlia, como o indicam o seu desejo de ser enterrado na Lusitania e o seu posto de aquilífero)).

Nio admira esta vontade de ser sepultado aqui. Além de ser natural que, terminado o serviqo, o legionário volte para a sua tema natal, a regi5o terá sido, já nessa longínqua era, um forte pólo de atracq5o populacional, inclusive para veteranos4. Temos, no vizinho concelho de Cascais, notícia epigráfica de um veteranus da XXII Legiiio (Encamaqiio, 2001, 47-49) e José Cardim Ribeiro (1982- 1983, p. 262-264) enumera e cartografa os testemunhos epigráficos de militares no município olisiponense, com a promessa (nota 56) de futuramente dar A estampa o estudo que está a preparar, ((análise

Este facto é tanto mais relevante quanto, como afirma G. Forni, «gli oltre due d e c e ~ i che i iegionari erano tenuti a trascorrere in ami, finivano per soffocare ii cicordo del sito da dove erano originari e favocivano i l loro attaccamento con i luoghi dove erano stati cosi a lungo di guarnigione)) (1974, 359).

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J. d' Encamaqáo: Túmulo sumptuoso para o aquilijér Flavius Quadratus (CIL 11 266)

e comentários suficientemente desenvolvidos sobre vários testemunhos)) que reuniu e que procurará relacionar com o território e os cidadios de Olisipo.

E se, como escreve Forni (1974,391), as informaqoes de que dispomos «non permettono di affermare perentoriamente che le legioni fossero composte soltanto da bassi ceti, da poveri e diseredati)); e se, por outro lado, ((soggiacendo ai limiti dell'informazione documentaria, scarsa e incompleta)), nao é também possível ((generalizzare nel ienso opposto~, nao há dúvida que esta placa monumental de Laveiras aponta, sobretudo, para uma condicao economicamente desafogada.

Aliás, palavras como munitiones e trichila fazem-nos recordar os epitáfios que sabiamente Lidia Storoni Mazzolani coligiu, incitando a um convívio entre o defunto, seus amigos e familiares no próprio espaco sepulcral, quer por ocasiao do ritual banquete fúnebre em dia de aniversário do passamento quer a pretexto de uma simples visita de romagem:

((Vita brevis, spes fiagilis, venite. Accensus est. Dum lucet, bibamus, sodales)).

«La vita 6 breve, la speranza fragile: entrate. Arde il lume: fino a che fa luce, beviamo, a m i c i ~ ~ .

Nao é comum arefersncia ao posto de aquilifer em inscriqoes romanas.

Se compulsarmos os índices de L Année Épigraphique desde 196 1 a 1980, verificamos que apenas se registam dois testemunhos: AE 1976 5 15 e 641 (Lass&re1992,557).

Na Península Ibérica, o outro documento assinalado procede da área urbana de Córdoba, onde foi achado, em reutilizaqao,

Mazzolani, 1991, 118-1 19. Trata-se de inscriqao sobre um copo, procedente de Klagenfurt (Austria): cf. ILS 8607.

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J. d' EncarnaqZo: Túmulo sumptuoso para o aquilifer Flavius Quadratus (CIL 11 266)

numas obras levadas a cabo, em 197 1, tendo integrado o espólio do respectivo Museo Arqueológico Provincial (no 27.725). Trata-se, tarnbém, de uma placa moldurada, de mármore branco, destinada a encimar um jazigo de família, pois que a inscriqiio refere, para além do promotor da iniciativa, a sua contubernal e um filho natural, falecido aos dez anos e sete meses, assinalando - tal como acontece no monumento de Laveiras - hoc monimentum heredem non sequetur (HEp 2, 1990, no 324). O texto viria a ser retomado por Sabino Perea (1993), que, pelo facto de vir indicada a tribo Papíria, considera o aquilifer natural de Mérida, sugerindo que, ao contrário do que antes se propusera (a legio X Gemina), ele poderia ter servido na II Augusta ou na X.Y Valeria Victrix. Escrevia, porém, Alicia Canto, em comentário a HEp 2 324:

«La indicación de aquilifer como función legionaria sin mención de esta es muy extraña, pero ciertamente la palabra no tiene paralelos en su uso como cognomen)).

E acrescentava:

((Pudo estar inscrito en las legiones VI o X, ya que éstas formaron parte de deductiones augusteas en Mérida y Córdoba. La datación se aproximaría más al cambio de era)).

Armín U. Stylow (CIL 112/7,288), contestando a hipótese de o aquilifer ser originário da Península Itálica ou descendente de veterano instalado em Mérida, concorda com Sabino Perea quanto A probabilidade de o monumento ser da época de Cláudio, até porque, escreve, ((Septicius cognomine caret neque indicatur legio, cuius aquilifer hit)); ou seja, a ausencia de cognome e da menqiio da legiiio em que servira constituía garante de dataqiio de primórdios do Império.

A questiio principal reside, pois, no significado de aquilifer. É que o personagem mencionado na epígrafe é, claramente,M(arcus) Septicius C(ai) f(i1ius) Pap(iria); segue-se-lhe a palavra aquilifer.

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J. d' Encamaqao: Túmulo sumptuoso para o aquilifer Flavius Quadratus (CIL 11 266)

E a pergunta é: trata-se de um cognomen ou da menqao de um cargo? Stylow é peremptório:

«Vix cogitaveris de cognomine Aquiliferi inaudito)) - é dificil pensar-se num cognome Aquilífero, nunca documentado.

Tal neo é, todavia, a opiniao de Alicia Canto, ao comentar (in HEp 5, 1995, no 319) as reflexoes de Sabino Perea:

«Creo que Aquilifer debe ser mejor cognomen, sobre todo a la vista de que no se menciona la legión y de que el del hijo, aún niño, evoca también el mundo militar)).

Aliás, sublinha, a terminar, wognomina parecidos y poco usuales)) refere-os Kajanto (1 965, 3 19-320).

Partilho da opiniao de Alicia Canto: Aquilifer é um cognomen. Na verdade, se se trata de um testemunho único até ao momento, a ocorrencia - referida por Kajanto - de palavras como Centurio, Optio, Sagittarius, Speculator e outros, como antropónimos, quando claramente apontam para funqoes militares, é deveras significativa. Por outro lado, sendo muito sensível ao argumento da ausencia de menqao da legiio, imprescindível segundo creio - e o monumento de Laveiras, curiosamente nunca trazido colaqao, é prova disso, nele a legiio vem mencionada -, há um outro argumento que pode ser complementar: a contubernalis será, de facto, uma escrava, pois que o filho de ambos foi libertado pelo pai; seu nome, Sabina, deve entender-se, pois, como nome único e nao como cognomen; o filho, porém, apesar da tema idade, já ostenta os tria nomina, cognomen incluído. Estar-se-ia numa altura de transiqao, dir-se-á, o pai nao tem cognomen mas o filho já tem. Enfim, a dúvida persiste numa circunstincia destas, em que o mais normal seria também nao ser dado cognomen ao filho.

Em conclusio: quanto se sabe, a epígrafe de Laveiras constitui, até ao momento, o único testemunho da existencia de umaquiZifer

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J. d' Encamaqao: Túmulo sumptuoso para o aquilifer Flavius Quadratus (CIL 11 266)

-o portador da águia legionária, símbolo máximo do poder militar romano- em terras peninsulares.

Um aquilz~er que nao quis deixar os seus créditos por mios alheias e empregou no seu túmulo parte do pecúlio que lograra amealhar, na heróica defesa intransigente do símbolo maior que lhe fora confiado pelo legado imperial. Em terras sadias, Tejo a vista, o largo Oceano ao fundo, ali desejou fixar o início de uma longa viagem, em recordaqio das que fizera por outros mares e outras vias.. . Desta feita, uma viagem semregresso. Semáguias a vista de tema ou na proa doutra galera. Mas sempre era bom ver o mar!. . .6

Já esta nota se encontrava em provas quando tomei conhecimento do artigo de Sabino Perea Yébenes, «Dos inscripciones militares de Portugal a la luz de la Lythologia Lusitana de Antonio da Cunhan, Revista Sociedad Arqueológica de Extremadura 1, 2001, 71-78. A p. 73-74 refere-se a esta inscriqao: corrige para 1753 a data de achamento; interpreta tricilab(us); data o monumento dos ((primeiros anos do reinado de Tiberio)), isto é, de 15-20, aproximadamente. Agradeqo ao autor esta informaqao.

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