"É preciso parar de prender", por Evandro Lins e Silva

Embed Size (px)

Citation preview

  • PONTO DE VISTA,E preciso parar de prender

    Toda vez que a violncia aumenta,as pessoas tendem a clamar pormedidas punitivas mais rigorosas paraos transgressore das leis. POO@IDapena de morte para os mais perigosose cadela para todos quanto saiam dotrilho da conduta determinada pelalegislao em vigor. Essa uma rea-o instintiva e nada racional. Nin-gum ignora que hoje no Brasil apriso no regenera nem ressocializaas pessoas que so privadas da liber-dade por tea cometido algum tipo decrime. Ao contrria, de conhecimen-to geral que a cadeia perverte, corrom-pe, deforma, avilta .e embrutece. uma fbrica de reincidncia, umauniversidade s avessas, onde se di-ploma o profissional do crime. A pri-so, essa monstruosa opo, perpetua-se ante a insensibilidade da maioriacomo uma forma ancestral de castigo.~ositivame.nte, jamais ~viu algum_sair de um crcere melhor do quequando entrou. Os egressos do crcereesto sujeitos a uma outra terrvelcondenao: o desemprego. Pior quetudo, so atirados a uma obrigatria marginalizao. O ex-condenado s tem uma sada: incorporar-se ao crime organi-zado .. A sociedade, que os enclausurou sob o pretextohipcrita de reinseri-los em seu seio, os repudia.Que fazer? A poltica criminal do nosso tempo deve

    encaminhar-se para a gradual eliminao da pena de priso,com o encontro de substitutivos, Para se chegar esseobjetivo, preconiza-se a deseriminalizao, isto , a retiradadas leis penais de infraes que no devem mais ser cataloga-das como crimes, de acorde com os costumes de noss poca.Bons exemplos so o adultrio e a emisso de cheques semfundo. Adlteros e emitentes de cheques sem fundo no vopara a cadeia, A despenalizao - aplicao de sanes queno pena de priso ---' outro instrumento importante que seaplicaria aos delitos que no apresentam maior gravidade nemofendem as regras de manuteno do convlvio social, qu ecaso de pequenos furtos. Tambm seria necessrio desjudicia-rizar, ou seja, retirar da competncia do poder judicirio penal,aes cuja soluo melhor. ficaria situada na esfera civil ouadministrativa, como delitos de dano sem violncia. A prisorestaria para os delitos mais graves: homicdio, sequestro,genocdio, roubo com violncia e terrorismo. Ou seja, iriampara a priso todos aqueles que atentam contra normasprotetoras dos direitos cujo desrespeito atinge fundamental-mente princpios de coeso social.A tendncia, no entanto, tem sido no sentido contrrio.

    Os partidrios da volta a mtodos brbaros de represso no

    entendem que esto transformandohomens em feras e aumentando alegio de desajustados. Eles tm con-

    ti~~~rr.:'"r""'IUistado muito terreno no Brasil, nosltimos tempos, com a priso caute-lar, que atinge os inocentes e serve depretexto para a prtica de constantesabusos de poder, e a agravao depenas para crimes hediondos. Procu-ra-se criar uma atmosfera de pnico,que oferece ensejo proposta legisla-tiva do retomo pena de morte.Nenhum desses pregoeiros da repres-so pensa na preveno dos delitos,no atendimento aos menores abando-nados, na criao de condies so-coeconmcas que impeam a gera-o de novos delinqentes.Procura-se criminalizar condutas

    que afetam direitos difusos, entre osquais se destacam a ofensa ao meioambiente e os crimes de "colarinhobranco". A criminalizpropna condio, um hipersocializado? Mais eficaz seriacompeli-I o a ressarcir o dano causado e pagar uma multa queeventualmente poderia trn-lo pobre. preciso entender a necessidade de humanisar os regimes

    de priso, de aproximar cada vez mais a vida carcerra da. vida livre, de favorecer os contatos com a famlia, de tratar opreso como criatura humana, de propiciar-lhe condies detrabalho til e de estudo de modo a tom-lo apto e preparadopara sua reintegrao social. H no Rio de Janeiro e em SoPaulo mais de 50 000 mandados de priso expedidos pelaJustia. absolutamente impossvel prender esses condena-dos porque o Estado no dispe de recursos. muito caro ocusto de cada preso.

    Devem ser adotadas, e ampliadas as modalidades alternati-vas da priso, algumas j incorporadas s legislaes -restae de servios gratuitos comunidade, multa, proibi-

    o de exerccio de profisso, suspenso de funcionamentode estabelecimentos, proibio de freqncia a determinadoslugares. So formas de condenao sem o estigma quedificulta, . se no impede, a reinsero do condenado nacomunidade. Outras 'alternativas sero encontradas no dia-a-dia da aplicao de uma poltica criminal in'felig@nte ecriativa- que enverede novamente por seu caminho luminosode proteo e garantia dos direitos humanos.

    Evandro Uns e Silva

    "A cadeia umauniversidade s avessas

    onde-se-diploma oprofissional do crime"

    E".,.dro Uns e Silva advogado no Rio de Ianeiro e ministro aposentado doSupremo Tribunal Federal

    90 VEIA, 22 DE MAIO, 1991