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Drogas de Argumentos

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DROGAS DE ARGUMENTOSNA EDIO DE 1 DE JUNHO103 do Jornal do Brasil, trs apstolosda liberao da maconha mostraram, a quem tivesse olhos paraver, at que ponto sua causa no se vexa de ser defendida porargumentos artificiosos, que constituem voc decide ouuma explorao da ignorncia alheia ou uma exibio da prpria.Aqueles a quem essa proposta repugna devem estar gratosaos srs. Leonardo Boff ( Caderno B ) , Paulo Tota e FernandoGabeira ( pgina 4 do primeiro caderno ) pelo completo autodesmascaramentoda tese liberante.O Sr. Gabeira pretende fazer-nos crer que o fato de os EUAterem liberado a maconha para uso teraputico um argumentoem favor de sua liberao para uso geral e, digamos, recreativo.Ou este critrio vale somente para a maconha e neste caso oargumentante est obrigado a nos justificar esse privilgioatribudo cannabis ante as demais substncias qumicas deorigem vegetal , ou vale para todas: o que quer que seja deuso legal em medicina e no seja de efeito positivamente mortalpoder ser livremente comprado e consumido por qualquer um,sem receita mdica e para fins de curtir um barato, eliminandoassim radical e definitivamente toda distino legal entre o usomdico e o consumo arbitrrio de remdios. Em qualquer dasduas hipteses, a coisa to absurda que nossa mente falha,perplexa e aturdida, carente de defesa contra argumentos queesto abaixo da dignidade dos smios superiores.Mas, com a aparente aprovao do Sr. Gabeira, o deputadoestadual pela Paraba, Sr. Paulo Tota, ultrapassando a esfera damera absurdidade lgica, parte logo para o equvoco comodirei? Total: contra aqueles que s vem na maconha osaspectos prejudiciais, ele aponta os benefcios que, j desde oincio do sculo, a medicina homeoptica extraa dessa plantapara o tratamento de determinados sintomas patolgicos.Diante de tal argumento, Samuel Hahnemann, de l doassento etreo, comunica ao distinto pblico que a cannabis( indica ou sativa, tanto faz ) realmente usada em homeopatia,mas sempre em diluio infinitesimal e para curar especificamenteaqueles mesmos sintomas que provoca se ingerida emdose material. Como a diluio vai em geral bem abaixo donmero de Avogadro, o que h de maconha na cannabis que secompra em farmcias homeopticas , literalmente, menos quefumaa: uma ex-maconha, ou antimaconha, com propriedadesinversas s da maconha material, e por isto mesmo teraputicas.A seguirmos a tese do Sr. Tota at suas ltimas conseqncias,uma bala de chumbo no meio da testa poderia ser at recomendvelpara a sade, de vez que o plumbum metallicum sua diluio homeoptica faz bem para os doentes de ataxialocomotora e esclerose mltipla.Finalmente, o Sr. Boff. Ele vai longe. Primeiro, defende aliberalizao, dizendo que ela quebraria a espinha do trficoilegal. Segundo, afirma que ela no basta: que preciso ir scausas e atender por saudveis meios substitutivos a nsia que leva as pessoas ao consumo de maconha, nsia esta que, sendode fundo espiritual, bem pode ser saciada pela... Teologia daLibertao. Quarto, associa o banditismo do Rio s razes danossa sociedade, assentada sobre uma violncia histrica,institucional, estrutural, porque somos herdeiros de uma colonizaoque usurpou o projeto nacional e destruiu as populaesque estavam aqui. Quinto, diz que o crime organizado temrazes na escravido colonial. E termina por uma apologia danova Igreja popular que, desvencilhando-se das peias vaticanastradicionais, corre em apoio dos pobres e oprimidos.Vamos por partes:1 A liberalizao do comrcio de maconha liquidaria otrfico ilegal, sim, mas por meio da mais gigantesca operao delavagem de dinheiro j realizada em toda a Histria. No sendomais crime, o trfico no poderia ser punido retroativamente, eas grandes quadrilhas internacionais entrariam num negciolegal em condies de privilgio monopolstico: j possuindo asfontes de matria-prima, o know how especializado, a aparelhagemde processamento, as redes de distribuio e a organizaocontbil e administrativa, dominariam instantaneamente o mercado, sendo inconcebvel que os concorrentes novatos tivessema a menor chance. Ademais, seria impossvel legalizar o comrciode drogas sem anistiar, no mesmo ato, todos os crimesque foram cometidos em associao e em razo do trfico ilegal: os roubos e contrabandos de armas, a falsificao de documentos,as remessas ilegais de dinheiro, os seqestras e osmorticnios tudo, mas absolutamente tudo teria de ser esquecidonuma universal reconciliao que conferiria aos bandidosde ontem o estatuto de honrados comerciantes da Nova Era.Desde sir Francis Drake, ningum obteve mais eloqente provade que o crime compensa.2 Uma espiritualidade apropriada para atender substitutivamenteao tipo de anseio de emoes que leva um sujeito aconsumir maconha , de fato, uma espiritualidade bem chinfrim.O Sr. Boff d a medida da sua envergadura espiritual ao definira vida interior como busca da paz de esprito. Cristo, emcontrapartida, exortava-nos a no buscar a paz, mas a verdade; eno consta que, em sua vida, gozasse de um momento de paz. OSr. Boff, como tantos outros gurus de hoje em dia, confunde avida espiritual com psicoterapia, com relaxamento, com programaoneurolingstica. uma espiritualidade de showbusiness e nada mais. A sua difere da do Sr. Lair Ribeiro apenaspelo diverso adorno ideolgico que ostenta.4 As populaes que estavam aqui no tinham projetonacional nenhum, porque viviam numa organizao tribal edesconheciam, felizes que eram, o conceito moderno de nao conceito este precisamente em nome do qual foram dizimadas.Se o Dr. Boff dissesse que a colonizao usurpou aos autctonesas terras onde se assentava sua vida tribal, isto aindafaria algum sentido, mas projeto nacional, francamente, umabolha que faz boff! e explode no ar.5 No h vnculo entre escravido e banditismo organizado.A escravido uma constante na histria humana, e o fenmenodo banditismo organizado recente e muito posterior libertao dos escravos no mundo todo. No surgiu banditismoorganizado entre os servos libertos na Rssia tzarista, nem entreos escravos romanos libertos pela extino do Imprio, nementre os judeus libertos do jugo dos faras, alis faras de raanegra segundo tericos da causa black. O banditismo organizado um fenmeno novo e de escala planetria, tem a ver com asnovas condies do regime capitalista no mundo e est a lguasde distncia de qualquer mtica violncia estrutural herdada do Brasil-Colnia. Violncia estrutural um chavo de palanque,j usado e gasto para todos os fins, e que agora nos oferecido como um Ersatz de explicao para um fenmeno quenem existia quando inventaram esse termo.6 Uma Igreja antivaticana no novidade nenhuma, rigorosamente uma tradio brasileira. Durante o Imprio, oclero estava repleto de padres e bispos maons que ajudavam oestablishment imperial a vetar toda intromisso do Vaticano naIgreja local, proibindo at mesmo visitas dos superiores dasordens religiosas europias a seus mosteiros e escolas no Brasile a fundao de novas escolas catlicas. O nico religioso quese revoltou contra esse estado de coisas e tentou reatar a fidelidadeda Igreja local ao Vaticano foi D. Vital, que terminoupreso, sob aplausos dos polticos e do clero irmanados numantivaticanismo feroz. Foi a aliana dos vaticanistas com osdesafetos do poder imperial que proclamou a Repblica e deuao Brasil a liberdade religiosa, de que se beneficiam at hojeamigos e inimigos do Vaticano.Tambm foi antivaticana s para darmos um segundoexemplo a Igreja binica criada pela Revoluo Francesa,que ajudou o governo revolucionrio a ratear a preo vil aspropriedades imobilirias da Igreja ltimo refgio dos semterra,na poca para enriquecer a burguesia e lanar hordasde camponeses na mais negra misria pelo prazo de quase umsculo.Nem fidelidade ao Vaticano sinal de reacionarismo, nem arebeldia antivaticana prova de amor s causas populares, esim, no mais das vezes, apenas de amor aos poderosos destemundo ou, em alguns casos especiais, ao prprio umbigo.Ou o Sr. Boff ignora totalmente as questes sobre as quaisopina, ou supe que ns outros as ignoremos. E se, aproveitando-se da discusso sobre a maconha, faz dela uma ocasio demarketing da sua proposta espiritual, s posso concluir que nosprope a substituio de uma droga por outra.APNDICECarta ao JBRio, 13 de maro de 1996Senhor redator,Onde j se viu debate sem divergncias? Debate unnime?Debate entre o amm e o sim, senhor? Eu imaginava queisso s acontecesse na extinta URSS. Pois acaba de aconteceraqui mesmo: a noitada sobre as drogas na srie denominadaDebates Civis foi uma empulhao, um jogo de cartas marca das, onde um verniz de polmica democrtica mal chegou amascarar o intuito dirigista e manipulador que orquestrou oevento. A tcnica consistiu em atribuir o papel de contendores apessoas que, por baixo de divergncias menores, estavam emabsoluto acordo no essencial: isto induziu a platia a tomarfestivamente a tese subjacente como uma verdade bvia e inquestionvel,obrigatria para os seres inteligentes de todos ospartidos e crenas. Atravs da matria Drogas menos pesadas( JB, 13 de maro ), a impresso falsa propagou-se tambm aosleitores.Sei que o ciclo promovido pelo prprio JB, de cuja idoneidadeno tenho razo para duvidar; mas aqueles a quem foientregue a coordenao do evento usaram o prestgio do patrocinadorpara propagar suas prprias idias por meios maliciosose de total desonestidade intelectual.A manobra ficou evidente desde que os debatedores, segundoinformou o JB, foram unnimes na defesa da descriminaodo usurio primeira etapa, segundo confessou o deputadoGabeira, da descriminalizao total do comrcio de drogas.Alis o deputado, por cinismo ou ingenuidade, deu logo o servio,observando que esse tpico nem mais precisaria ser debatido,por ser pr-histrico. Precisamente: o Debate Civilsobre as drogas no se destinou a debater a questo, mas a criarna mente da platia o constrangimento de debat-la francamentee a compulso de dar por pressuposta uma das teses, a qual,num confronto honesto, correria o risco de ser enfrentada edesmoralizada pela sua contrria. A prova da m-f est nadeclarao seguinte do mesmo Gabeira: a primeira mesasobre este assunto em que no tem um delegado, um pastor eum pai de drogado. Inteligentssimo como ele s, Gabeira nempercebeu que essa frase era uma autodelao: excludas asopinies divergentes, todas as que sobram so unnimes. S queisto no debate: proselitismo unilateral. No ambiente dealegre unanimismo, quem quer que tivesse em sua alma objees crena ali dominante se sentiria um estranho no ninho epreferiria calar-se prudentemente para no estragar a festa. Ospossveis argumentos contrrios foram assim excludos a priori,sem discusso ou mesmo simples meno, pela cumplicidadetcita de manipuladores e manipulados. simplesmente espantosoque os criadores desse happening, desse comcio travestidoem troca de idias tenham o descaramento de se dizer democratas:seu mtodo de induo psicolgica fascista, para dizer omnimo. importante ressaltar que, pessoalmente, no tenho nenhumaopinio formada a respeito da questo das drogas, pois nome considero ainda informado o bastante. Mas precisamente omeu estado de indefinio que me confere, no caso, o direito deexigir informao honesta e sem dirigismos. E o mnimo dehonestidade consiste em ouvir os dois lados. Ouvindo um s,fazendo-o passar por dois, o Debate Civil das drogas foiautntico como um telecatch. O Jornal do Brasil, que o pasinteiro respeita, no tem o direito de decepcionar nossa confiana,emprestando seu honrado nome para acobertar esse gnerode operaes. E no cabe aqui somente enfatizar a feira moraldo episdio, mas tambm perguntar aos especialistas em direitodo consumidor pois certamente no sou um deles seanunciar como debate a pura pregao unvoca de uma tese prescolhidano um caso tpico de propaganda enganosa. Com apalavra, a direo do JB, os advogados, a opinio pblica emgeral e sobretudo aquela parte dela que foi propositadamenteexcluda: as autoridades policiais, os religiosos, os pais deviciados. Que que acham de tudo isso, se que, ensurdecidose inibidos pelo cacarejo incessante de tantos intelectuais pesopena, j no esto desanimados de achar alguma coisa?Fao essas perguntas temendo, claro, que minha carta noseja publicada, ao menos sem cortes que, sob pretextos de tcnicaeditorial que seriam perfeitamente levianos em caso de talmagnitude, suprimam o seu encadeamento lgico e faam delaum mostrurio quebradio de opinies soltas, facilmente embaralhveispor qualquer arremedo de resposta; pois algo me dizque a opinio dominante a cuja difuso serviu o debate tambm dominante na classe jornalstica, qual j tive, emoutra poca, muito orgulho de pertencer. Apelo direo do JBpara que no permita que, em defesa de uma indefensvel manobramanipulatria, se faa com minhas palavras uma segundaprestidigitao. E digo aos meus colegas jornalistas: publiquemna ntegra ou escondam de vez e, escondendo, revelem-se.Quanto ao desempenho de Gabeira, um homem que continuaposando como digna amostra da inteligncia brasileira, deunosantes um indcio eloqente em favor da tese de que as drogas imbecilizam. uma vergonha nacional que um sujeitoobviamente desqualificado, tolo, descoordenado de cabea, sejaaceito como intelectual por conta de antigos feitos de armas queum analfabeto poderia realizar com iguais mritos, e que alis,por mais autnticos que tenham sido, mal o habilitariam aottulo de sargento honorrio do exrcito de libertao da Zmbia. O prestgio de Gabeira como pensador exemplo tpicodo nosso provincianismo cultural, onde popularidade sinnimode elevao intelectual.