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Fundação Oswaldo Cruz Escola Nacional de Saúde Pública Centro de Pesquisas Aggeu Magalhãe s Doutorado Interinstitucional em Saúde Pública
“Impacto da aplicação do Protocolo da Organização Mundial da Saúde (OMS) na evolução de crianças com desnutrição grave hospitalizadas no Instituto Mater no
Infantil de Pernambuco (IMIP)”
Recife, 2003
Ana Rodrigues Falbo
ANA RODRIGUES FALBO
IMPACTO DA APLICAÇÃO DO PROTOCOLO DA ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (OMS) NA EVOLUÇÃO DE CRIANÇAS COM DESNUTRIÇÃO GRAVE HOSPITALIZADAS
NO INSTITUTO MATERNO INFANTIL DE PERNAMBUCO (IMIP)
RECIFE, 2003
ANA RODRIGUES FALBO
IMPACTO DA APLICAÇÃO DO PROTOCOLO DA ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (OMS) NA EVOLUÇÃO DE CRIANÇAS COM DESNUTRIÇÃO GRAVE HOSPITALIZADAS
NO INSTITUTO MATERNO INFANTIL DE PERNAMBUCO (IMIP)
Tese apresentada ao Doutorado Interinstitucional em Saúde
Pública da Escola Nacional de Saúde Pública ENSP /
FIOCRUZ – Rio de Janeiro, como parte dos requisitos para
a obtenção do título de Doutor em
Saúde Pública.
Orientador: Prof. Dr. João Guilherme Bezerra Alves Co-orientador: Prof. Dr. Malaquias Batista Filho
Recife, 2003
FICHA CATALOGRÁFICA Preparada pela biblioteca do Instituto materno Infantil de Pernambuco
Falbo, Ana Rodrigues Impacto da aplicação do Protocolo da Organização Mundial da Saúde (OMS) na evolução de crianças com desnutrição grave hospitalizadas no Instituto Materno Infantil de Pernambuco (IMIP) / Ana Rodrigues Falbo. - Ana Rodrigues Falbo. – Recife: A autora; 2003. p. il. (tabelas) Tese (doutorado) – Escola nacional de Saúde Pública, ENSP / Fundação Oswaldo Cruz, FIOCRUZ. Área de concentração: Saúde Pública Orientador: João Guilherme Bezerra Alves Co-orientador: Malaquias Batista Filho !. Transtornos da nutrição infantil, dietoterapia 2. Transtornos da nutrição infantil, terapia 3. Desnutrição protéico-energética 4. Criança hospitalizada I. Alves, João Guilherme Bezerra, orientador II. Batista Filho, Malaquias, co-orientador III. Título NLN WS115
I
DEDICATÓRIA
A meus pais, Lena e Ricardo, a meu esposo, Gilliatt, aos meus filhos Conrado Vito e Clarissa,
cujas presenças, incentivo e apoio sempre contribuíram para a minha realização pessoal e
profissional.
Ao Professor Fernando Jorge Simão dos Santos Figueira, pelo aprendizado da pediatria,
sobretudo em sua dimensão humana e ética.
Ao Instituto Materno Infantil de Pernambuco, pela assistência de qualidade e respeito prestada
às mães e às crianças carentes.
Às crianças que participaram desta pesquisa, que são a conseqüência de uma sociedade
injusta, cujos valores subordinam o homem aos mercados financeiros e aos lucros econômicos
de poucos.
II
AGRADECIMENTOS
Aos Professores João Guilherme Bezerra Alves e Malaquias Batista Filho, pela orientação e
contribuição na elaboração do trabalho.
Ao Professor José Natal Figueirôa, pela sua orientação na análise estatística dos dados da
pesquisa.
Ao Dr. Bertoldo Kruse Grande de Arruda, presidente do IMIP, e ao Dr. Antônio Carlos dos
Santos Figueira, superintendente do IMIP, pelo grande apoio em todas as etapas do trabalho.
À coordenação do Doutorado Interinstitucional em Saúde Pública ENSP / FIOCRUZ, pelo
empenho para o bom funcionamento do curso.
Ao amigo Alex Caminha de Azevedo, por sua indispensável e inestimável colaboração.
Aos Professores Giorgio Tamburlini e Ann Hill pelas contribuições valiosas desde a fase de
elaboração do projeto até a fase final da pesquisa.
Aos colegas do Doutorado pela amizade e apoio durante todo o curso.
Às colegas médicas do IMIP: Anna Cleide, Carla e Conceição pela grande ajuda na
enfermaria e na emergência pediátrica, prestando assistência às crianças da pesquisa.
A Regina Lúcia Carvalho de Lima, pelo empenho e entusiasmo na realização de suas tarefas,
contribuindo de modo substancial.
A Nadja Maria Mattos Rezende, por sua colaboração na revisão do texto.
Sinceros agradecimentos: a todos os colegas da emergência pediátrica que se dedicaram ao
atendimento das crianças da pesquisa. Às enfermeiras do 4º andar do HGP/IMIP Sara, Anne
Kelly e Edluza. Às enfermeiras da emergência pediátrica Giórgia, Paula, Giovana, Yohana
Sumaya, Helen Cristina, Adriana, Maria Epifânia, Edilani e Andréa. Às auxiliares de
enfermagem Floracy, Gercinéia, Marilda, Flávia Roberta e todas as auxiliares de enfermagem
da emergência pediátrica. Às burocratas Ana Paula, Marineide, Norma e Cacilda. Às
III
auxiliares de serviços gerais Adenil, Maria do Carmo e Betânia. Às farmacêuticas Mércia
Cristina, Eliane e Renata. À nutricionista Miriam e seus auxiliares de nutrição. Às
funcionárias da emergência pediátrica Paula, Mônica, Janally, Paula Cristina, Débora Cecília,
Laís do Carmo, Márcia Èrika, Aretuza, Silvia Fausto, Ketilin, Creusa e Adriana. Aos
funcionários do SAME do IMIP Alberto Peixoto, Cleyton Roberes, Limbendorque Vitor e
Carlos Alberto. Ao Dr. Carlos Ferraz de Vasconcelos por seu trabalho eficiente garantindo a
presença dos medicamentos para todas as crianças hospitalizadas no IMIP.
A todos que direta ou indiretamente participaram na elaboração deste trabalho.
IV
RESUMO
Realizou-se um estudo de intervenção com controle histórico e um estudo de série de casos
para avaliar a aplicação do Protocolo da Organização Mundial da Saúde (OMS) em crianças
com desnutrição grave hospitalizadas no Instituto Materno Infantil de Pernambuco (IMIP).
Foram estudadas 256 crianças, sendo 117 no grupo da intervenção experimental (crianças que
receberam o tratamento recomendado pelo Protocolo da OMS) e 139 no grupo controle,
recebendo o tratamento de rotina utilizado no IMIP, no período de maio de 1999 a dezembro
de 2001. Os principais objetivos do estudo foram: comparar a taxa de letalidade entre os
grupos do estudo (estudo de intervenção) e avaliar alguns aspectos do cumprimento das etapas
do Protocolo no grupo da intervenção (série de casos). A taxa de letalidade hospitalar foi
menor nas crianças do grupo da intervenção experimental (16,2%) quando comparada com a
observada no grupo controle (33,8%) (p 0,051 – OR:0,51 (ajustado) - IC95%: 0,26 a 1,00).
Foi avaliado o cumprimento de 36 etapas do Protocolo da OMS, em 24 delas (66,6%) houve o
cumprimento das orientações sem falhas em mais de 80,0% dos casos. As principais
dificuldades encontradas no cumprimento das etapas foram em relação a monitorização,
quando esta implicava a presença freqüente do médico ou enfermeira junto à criança.
Conclui-se que o Protocolo da OMS para manejo da criança desnutrida grave hospitalizada no
IMIP teve efeito positivo na redução da taxa de letalidade hospitalar e em relação à sua
operacionalização, é possível ser aplicado mesmo em locais com poucos recursos, desde que
haja treinamento e empenho da equipe envolvida na assistência às crianças. Os resultados
obtidos no presente estudo confirmam o benefício da utilização do conhecimento científico
adquirido em relação à desnutrição infantil e sua incorporação às recomendações de
tratamento contidas no Protocolo da OMS.
Palavras-chave: Desnutrição; Hospitalização; Tratamento; Saúde Infantil.
V
ABSTRACT
The authors undertook an interventional study with a historical control and a case study to
avaluate the applicability of the WHO guidelines for hospitalized severe malnourished
children at the Instituto Materno Infantil de Pernambuco/Brazil. The study had the
participation of 256 children. The control group had 139 subjects, which received standard
treatment as proposed by the protocol of the hospital. The case group of 117 children received
the experimental intervention treatment proposed by the WHO guidelines. The experiment
was carried out from May/1999 to December/2001.The study’s main objectives were to
compare the lethality between groups, as well as evaluate some aspects of the fulfillment of
each step of the WHO protocol among those in the intervention group. The lethality rate was
lower among the interventional group (16,2%) when compared to control group (33,8%) (p
0,051 – OR: 0,51 (adjusted) – IC95%: 0,26 a 1,00).The fulfillment of the 36 steps of the
WHO protocol was also avaluated. For twenty-four of these steps (66,6%) the orientations
were followed without failure in more than 80,0% of the cases. The major difficulties to the
fulfillment of the Protocol steps were founded at the monitoring fases when the doctors or
nurses presence were needed at the child bedside. We conclude that the WHO guidelines for
management of children hospitalized for severe malnutrition had a positive effect on the
lethality rate reduction and are feasible even in places with scarse resources, as long as there
is proper training and a willing and motivated team to attend these children. The results
obtained in the present study confirm the benefits of incorporating scientific knowledge
acquired in relation to malnourished children along with the treatment proposals of the WHO
protocol.
Key words: Malnutrition; Guidelines; Hospitalization, Child; Treatment.
VI
LISTA DE TABELAS
Pág.
Tabela 1 - Distribuição de freqüência das crianças do estudo, segundo variáveis
sociodemográficas.
53
Tabela 2 - Distribuição de freqüência das crianças do estudo, segundo
características das suas mães.
54
Tabela 3 - Distribuição de freqüência das crianças do estudo, segundo variáveis
indicadoras de sua condição de saúde.
55
Tabela 4 - Distribuição de freqüência das crianças do estudo, segundo variáveis
indicadoras de sua condição clínica à admissão e o tempo de
permanência hospitalar.
57
Tabela 5 - Distribuição de freqüência das crianças do estudo, segundo a evolução
para alta ou óbito.
58
Tabela 6 - Modelo de regressão logística multivariada para reavaliar o efeito da
intervenção sobre a taxa de letalidade hospitalar, controlando o efeito
de possíveis variáveis de confusão.
59
Tabela 7- Distribuição de freqüência das crianças do grupo da intervenção
experimental do estudo, segundo aspectos da sua evolução clínica
durante a hospitalização.
61
Tabela 8 - Distribuição de freqüência das crianças do grupo da intervenção
experimental do estudo que receberam alta hospitalar, segundo
aspectos relacionados com a dieta e a evolução do estado nutricional.
63
VII
Tabela 9 - Distribuição de freqüência das crianças do grupo da intervenção
experimental do estudo que não iniciaram a fase de reabilitação,
segundo características clínicas.
65
Tabela 10 - Distribuição de freqüência das crianças do grupo da intervenção
experimental do estudo que foram a óbito, segundo aspectos da sua
condição clínica.
67
Tabela 11 - Distribuição de freqüência das crianças do grupo da intervenção
experimental do estudo, segundo o manejo da hipoglicemia e da
hipotermia.
70
Tabela 12 - Distribuição de freqüência das crianças do grupo da intervenção
experimental do estudo, segundo o manejo da desidratação.
72
Tabela 13 - Distribuição de freqüência das crianças do grupo da intervenção
experimental do estudo que receberam hemotransfusão, segundo a
indicação para o seu uso e a monitorização do procedimento.
74
Tabela 14 - Distribuição de freqüência das crianças do grupo da intervenção
experimental do estudo, segundo a administração de eletrólitos e
micronutrientes.
75
Tabela 15 - Distribuição de freqüência das crianças do grupo da intervenção
experimental do estudo, segundo o tratamento da infecção e
parasitoses.
76
Tabela 16 - Distribuição de freqüência das crianças do grupo da intervenção
experimental do estudo, segundo o manejo nutricional.
77
Tabela 17 - Distribuição de freqüência das crianças do grupo da intervenção
experimental do estudo, segundo a monitorização da dieta, dos
vômitos, das evacuações, da freqüência cardíaca (FC) e freqüência
respiratória (FR) e do ganho médio do peso (GMP).
78
VIII
LISTA DE QUADROS
Pág.
Quadro 1 – Classificação de Gomez
5
Quadro 2 – Classificação de Wellcome (tipos clínicos de desnutrição)
6
Quadro 3 – Classificação de Waterlow
6
Ana Rodrigues Falbo Introdução
1
1. INTRODUÇÃO
1.1 CONCEITUAÇÃO DA DESNUTRIÇÃO
A desnutrição na infância é uma doença de origem multifatorial e complexa que tem suas
raízes na pobreza. Ocorre quando o organismo não recebe os nutrientes necessários para o seu
metabolismo fisiológico, devido à falta de aporte ou problema na utilização do que lhe é
ofertado. Assim sendo, na maioria dos casos, a desnutrição é o resultado de uma ingestão
insuficiente, ou fome, e de doenças (WHO – ACC/SCN, 2000).
O amplo espectro de situações relacionadas à desnutrição implica, portanto, a admissão de
que, mesmo tendo uma identidade própria como nosologia, a desnutrição energético-protéica
(DEP) reúne e unifica, em cada caso, um conjunto variado de fatores biológicos, físicos,
socioeconômicos e ambientais que devem ser devidamente compreendidos e considerados na
avaliação clínica, na configuração epidemiológica e, em conseqüência, nas medidas que
devem ser aplicadas para seu monitoramento em escala individual, familiar e comunitária
(BATISTA FILHO, 1999).
Mesmo apresentando, em sua compreensão conceitual, uma grande diversidade de fatores e
cursos patogênicos, a desnutrição em crianças se instala e evolui com uma característica
universal, que é o crescimento deficiente, resultando que a criança desnutrida é mais baixa e
pesa menos do que o esperado para a sua idade (GUERRANT et al., 2000).
De modo genérico, usa-se o termo “desnutrição energético-protéica” para descrever uma série
de quadros clínicos, incluindo as manifestações semiológicas do kwashiorkor e do marasmo, e
as formas leves e moderadas que as precedem.
As características clínicas do kwashiorkor incluem: idade de um a quatro anos, edema,
diarréia, lesões em membranas mucosas, manchas pelagróides e descamação da pele, fígado
gordo e risco de evolução para o óbito se não houver tratamento adequado. O marasmo atinge,
com maior freqüência, crianças no primeiro ano de vida, em que há hipoalimentação por falta
do leite materno ou insuficiência dos seus substitutos. A criança apresenta um adelgaçamento
intenso, não existe edema, a pele é fina, enrugada, com perda da elasticidade, porém sem
Ana Rodrigues Falbo Introdução
2
lesões cutâneas. A criança é inquieta, apresenta olhar vivo e choro constante por fome
(WATERLOW, 1992).
Estudos de avaliação com dieta demonstraram que crianças que desenvolviam kwashiorkor
recebiam quantidades inadequadas de energia tanto quanto de proteína. A conseqüência foi
que o termo “desnutrição protéica” mudou para “desnutrição protéico-calórica” ou
“desnutrição energético-protéica”, para cobrir todas as formas de desnutrição, sem, no
entanto, levar em conta as deficiências específicas dos micronutrientes (WATERLOW, 1992).
Recentemente tem havido um movimento no sentido da substituição do termo “desnutrição
energético-protéica” para “desnutrição de energia e nutrientes”, dando supremacia à
deficiência de energia e incluindo a proteína entre outros nutrientes. O ciclo então se completa
voltando ao termo que os pesquisadores inicialmente utilizavam na América Latina como
“síndrome de múltipla deficiência” ou “síndrome policarencial infantil” (WATERLOW,
1992).
GOLDEN (1996) sugere que o termo “desnutrição energético-protéica” deva ser evitado, pois
implica a falsa impressão que a deficiência de energia e/ou proteína é a causa direta de todas
as condições agrupadas sob essa rubrica. Sugere então a utilização de um termo
etiologicamente neutro como “subnutrição” ou “malnutrição”.
O crescimento deficiente em crianças é reconhecido hoje como resultado não apenas do
desequilíbrio energético-protéico, mas também de um consumo inadequado de minerais vitais
(como ferro, zinco e iodo), de vitaminas (como a vitamina A) e, freqüentemente, também de
ácidos graxos essenciais. O organismo necessita de quantidades mínimas desses minerais, daí
serem chamados de micronutrientes. Os micronutrientes são essenciais para a produção de
enzimas, hormônios e outras substâncias para regular os processos biológicos que geram o
crescimento, o desenvolvimento e o funcionamento dos sistemas imunológico e reprodutivo.
Embora os micronutrientes sejam necessários em todas as idades, os efeitos de sua ingestão
inadequada são particularmente graves durante períodos de crescimento rápido, gravidez e
durante a lactação. A cada dia surgem mais conhecimentos sobre a importância dos
micronutrientes para o desenvolvimento físico e cognitivo das crianças (THE ZINC FOR
CHILD HEALTH, 1997).
Ana Rodrigues Falbo Introdução
3
O Encontro Mundial de Cúpula pela Criança, realizado em 1990, citado pelo UNICEF (Fundo
das Nações Unidas para a Infância) em 1998, salientou a deficiência de três micronutrientes:
ferro, iodo e vitamina A, como sendo freqüente e preocupante para a saúde da mulher e da
criança nos países em desenvolvimento. Recentemente, devido ao reconhecimento da
importância do zinco no processo de crescimento e desenvolvimento da criança, este
micronutriente passou a ser incluído nessa lista (GOLDEN, 1996; UNICEF, 1998).
A manifestação mais sensível da desnutrição infantil se expressa na dificuldade ou
impossibilidade de manter o crescimento normal. Vários métodos foram propostos para
classificar o estado nutricional da criança. Qualquer critério de classificação deve ser de uso
prático para a identificação de indivíduos que requerem uma intervenção ou para avaliar a
prevalência de desnutrição em uma comunidade, de forma que possibilite a implementação de
medidas preventivas. Tal classificação deve identificar aqueles indivíduos sob o maior risco,
ser de simples aplicação e aceita universalmente.
Em 1946, Gomez e seus colaboradores descreveram um quadro clínico que precedia a morte e
a causa aparente dessa morte nas crianças desnutridas em um hospital na cidade do México. O
principal objetivo do artigo foi proporcionar informação sobre as características clínicas da
desnutrição infantil e seu risco associado de mortalidade. O que tornou o trabalho histórico foi
o fato de empregar uma medida antropométrica simples, o peso, para elaborar um índice
(peso/idade) e sobre esta base classificar os diversos graus de desnutrição. Com isso se
estabelecia uma relação entre este sistema de classificação e um resultado concreto, a
mortalidade, e atribuía aos diversos graus de desnutrição não só o valor clínico, mas também
o valor prognóstico (GOMEZ, 1946; GOMEZ et al., 1956; ONIS, 2001).
RAMOS e seus colaboradores (1967), levando em consideração que o peso é uma função da
estatura (e não apenas da idade), propuseram que, para fins clínicos, o estado nutricional das
crianças fosse considerado a partir da relação peso/comprimento (até dois anos de idade) ou
peso/altura (acima de dois anos de idade), usando-se os mesmos pontos de corte da
classificação de Gomez. Mesmo partindo de uma base conceitual correta, o método implicava
um viés de avaliação da gravidade dos casos, em relação ao método de Gomez. Em outras
palavras: déficits de 25,0% (II grau) já apresentavam um prognóstico grave, enquanto uma
defasagem de 40,0% (III grau) seria, praticamente, incompatível com a sobrevida.
Ana Rodrigues Falbo Introdução
4
JELLIFFE (1968) pode ser considerado o sistematizador da antropometria nutricional,
propondo a utilização de várias medidas e índices (peso/altura, altura/idade, circunferência
braquial, dobras cutâneas, perímetro muscular do braço e outros) como forma de avaliar a
condição nutricional das crianças e dos adultos. No entanto, a proposta de utilizar um critério
uniforme (afastamentos sucessivos de 10,0% para mais ou para menos a partir de valores de
referência ou “normas” estatísticas, como a média e a mediana) implicava uma padronização
inadequada, desde que a variabilidade das diversas medidas ou índices não é homogênea.
Considerando especificamente o interesse prognóstico, MCLAREN e seus colaboradores
(1969) propuseram e testaram um conjunto básico de índices antropométricos e clínicos para
discriminar o risco de morte e acompanhar a evolução do tratamento de crianças desnutridas.
O método foi adotado por algum tempo e em alguns países como um princípio normativo para
o tratamento de casos de desnutrição.
Dentre os sistemas de classificação propostos, três receberam aceitação mais geral: Gomez,
Wellcome e Waterlow, citados por GOLDEN (1996). Em cada um deles, a criança em
avaliação é comparada com uma referência “normal”; a referência atualmente recomendada
pela Organização Mundial da Saúde (OMS) é o padrão do “National Center for Health
Statistics” (NCHS, 1977).
Teoricamente é importante distinguir entre “referência” e “padrão”, mas na prática é quase
impossível fazê-lo. Uma referência deveria ser neutra, sem juízo de valor, atuando como um
marco para comparações, enquanto um padrão implicaria um juízo de valor, um alvo ou nível
que deveria ser encontrado (WATERLOW, 1992).
A média dos pesos de um grupo de crianças não significa nada, pois tem-se que relacioná-los
com a distribuição das idades. Por outro lado, índices (combinações de medidas
antropométricas), demonstrando a extensão na qual cada criança difere da criança da mediana
de referência da mesma idade ou altura, podem ser tratados estatisticamente (WATERLOW,
1992).
A classificação de Gomez caracteriza a criança de acordo com o seu peso em relação com o
peso de uma criança normal da mesma idade (mediana do padrão de referência), que é
Ana Rodrigues Falbo Introdução
5
expresso como percentual. Os graus estão demonstrados no Quadro 1 (GOMEZ ,1946;
GOMEZ et al., 1956; WATERLOW, 1992; GOLDEN, 1996).
Quadro 1. Classificação de Gomez
Peso da criança em avaliação Peso p/ idade (% da referência)* Peso de uma criança normal da mesma idade
x 100
90 - 110 Normal
75 - 89 Grau I - Desnutrição leve
60 - 74 Grau II - Desnutrição moderada
< 60 Grau III - Desnutrição grave
* Percentagem da mediana do padrão de referência do NCHS Fonte: Golden,1996.
A classificação de Wellcome, citado por GOLDEN (1996), foi introduzida com o intuito de
superar a dificuldade de classificar a criança com desnutrição e edema. Este sistema agrupa as
crianças de acordo com dois critérios: presença ou ausência de edema e, semelhante ao
sistema de Gomez, avalia o déficit de peso em relação a uma criança da mesma faixa de idade
(Quadro 2). Um resultado indesejado desta classificação foi em relação à restrição da
definição do kwashiorkor à presença do edema nutricional apenas.
O termo kwashiorkor vem sendo atualmente utilizado com dois significados diferentes: um
como sinônimo de “desnutrição edematosa” e outro para designar a síndrome clínica descrita
por Williams, citada por WATERLOW (1992), que inclui modificações na pele, no cabelo, no
humor e alteração gordurosa do fígado.
Outro fator limitante em relação a esta classificação é a impossibilidade de diferenciar entre o
emagrecimento grave agudo (wasted) e o nanismo nutricional (stunted). A classificação de
Gomez e a de Wellcome, ambos referidos por GOLDEN (1996), por utilizarem o índice
peso/idade, não diferenciam entre o distúrbio de longa duração, que leva ao nanismo
nutricional, da perda aguda de peso (WATERLOW, 1992; GOLDEN, 1996).
Dentro do grupo de crianças que têm baixo peso para suas idades (classificação de Gomez e
Wellcome), existem duas condições conceitualmente distintas: a primeira, a criança com
baixa estatura, mas normalmente proporcionada (nanismo nutricional); a segunda, a criança
com estatura normal, mas emagrecida (conceito original do marasmo).
Ana Rodrigues Falbo Introdução
6
Quadro 2. Classificação de Wellcome (tipos clínicos de desnutrição)
Peso / idade* Sem edema Com edema
60% - 80% Subnutrição kwashiorkor
Menos de 60% (aprox. – 4 DP)
Marasmo Kwashiorkor-marasmático
* Percentagem da mediana do padrão de referência do NCHS Fonte: Golden, 1996.
A classificação de Waterlow, avaliando os três parâmetros - idade, peso e estatura - permite
estabelecer a diferença entre o nanismo nutricional e o emagrecimento. O nanismo nutricional
é determinado avaliando-se a altura da criança em relação à altura de uma criança normal da
mesma idade (mediana do padrão de referência), utilizando-se o índice altura/idade (Quadro
3). O emagrecimento é determinado avaliando-se o peso da criança em relação ao peso de
uma criança normal da mesma altura (mediana do padrão de referência), mesmo que a criança
normal seja cronologicamente mais jovem, utilizando-se o índice peso/altura (WATERLOW,
1992).
Quadro 3. Classificação de Waterlow
Normal Leve* Moderado* Grave*
Déficit peso / altura (emagrecimento) (%)
90–120** (+2DP a -1DP)
80-89 (-1DP a -2DP)
70–79 (-2DP a -3DP)
< 70 (<-3DP)
Déficit altura / idade (nanismo nutricional) (%)
95–110 (+2DP a-1DP)
90–94 (-1DP a -2DP)
85–89 (-2DP a -3DP)
< 85 (<-3DP)
*Sem edema. A presença de edema denota desnutrição grave (kwashiorkor), mesmo sem emagrecimento
acentuado.
**Percentagem da mediana do padrão de referência do NCHS
Fonte: Waterlow, 1992.
Atualmente, por recomendação da OMS, são utilizados os índices altura/idade (A/I),
peso/altura (P/A) e peso/idade (P/I) para a classificação do estado nutricional. Os pontos de
corte para esta classificação são: desnutrição grave se menor que menos 3DP (escores de
desvios padrão ou escore Z); moderada entre menos 2 e menos 3DP ; e leve entre menos 1 e
menos 2DP (WHO, 1995).
Ana Rodrigues Falbo Introdução
7
Segundo a classificação antropométrica, considera-se a existência de três formas de
desnutrição: “baixa estatura ou nanismo nutricional”, definido pelo índice altura/idade (A/I)
quando abaixo de menos 2 DP da mediana do padrão de referência do NCHS/OMS;
“emagrecimento”, definido pelo índice peso/altura (P/A) quando se situa abaixo de menos
2DP da mediana do padrão de referência do NCHS/OMS; e “baixo peso”, definido pelo
índice peso/idade (P/I) quando estiver abaixo de menos 2DP da mediana do padrão de
referência do NCHS/OMS ( WHO, 1995; MONTE, 2000).
O baixo peso representa a massa corporal relativa à idade. Reflete o crescimento linear e o
acúmulo de peso atingido no período pré e pós-natal, bem como o acúmulo de peso ocorrido
em curto prazo. Uma vez que sofre influência tanto do grau de nanismo como do grau de
magreza da criança, não diferencia a criança que sofreu um insulto grave e prolongado,
levando ao nanismo nutricional, daquela que sofreu um agravo agudo, levando ao
emagrecimento. Sabe-se que a criança com nanismo nutricional, apesar de ser também
vulnerável aos diferentes agravos, tem menor gravidade clínica que a criança emagrecida
grave, e será mais beneficiada por intervenções na comunidade que melhorem a sua condição
de vida. A criança com emagrecimento agudo grave pode apresentar problemas clínicos
passíveis de resolução por intervenções médicas que garantam a sua sobrevivência imediata
(ASHWORTH & MILLWARD, 1996; GERNAAT & VOORHOEVE, 2000; MONTE, 2000;
ONIS, 2001; REICHENHEIM & HASSEMANN, 2001).
Existem dois métodos atualmente utilizados para expressar os valores obtidos dos índices: o
mais simples, que expressa os valores como uma percentagem do normal (percentil); e o
segundo, que expressa o déficit em termos de múltiplos do desvio padrão da população
normal de crianças. O resultado é chamado "escore Z" (GERNAAT & VOORHOEVE, 2000;
SIGULEM & DEVINCENZI, 2000).
1.2 EPIDEMIOLOGIA DA DESNUTRIÇÃO
A prevalência da desnutrição infantil tem diminuído nos países em desenvolvimento de
47,0%, em 1980, para 33,0%, em 2000 (no estudo foi analisado o índice altura/idade,
considerando como ponto de corte o valor < menos 2DP, tendo como referência o padrão do
NCHS), apesar do progresso desigual observado nas diferentes regiões. Assim, a ocorrência
de desnutrição tem aumentado na África Oriental e diminuído na Ásia Sul Oriental, Ásia
Ana Rodrigues Falbo Introdução
8
Meridional e Américas do Sul e Central. A África Setentrional e o Caribe mostram uma
ligeira melhora, e a África Ocidental e a América Central mostram progressos muito escassos
(ONIS et al., 2000).
Estima-se que a taxa de desnutrição na América Latina tenha sido reduzida de 21,0%, em
1970, para 7,2%, em 1997, enquanto a taxa de pobreza, medida pelo nível de renda,
apresentou apenas uma ligeira flutuação ao longo das três últimas décadas, diminuindo de
45,0%, em 1970, para 44,0%, em 1997. Essas tendências mostram que a redução da
desnutrição não depende exclusivamente do aumento da renda. Na América Latina, as
condições subjacentes que permitiram ganhos na redução da desnutrição estão relacionadas a
boas práticas de cuidados e ao acesso aos serviços básicos de saúde, incluindo planejamento
familiar e serviços de saneamento. As condições básicas para esse progresso também
envolvem a capacitação da mulher, traduzida em educação e em seu controle dos recursos
monetários (UNICEF, 1998).
O Brasil, segundo dados de 1990 a 1997 (UNICEF, 1998), possui, em crianças menores de
cinco anos, um percentual de aproximadamente 6,0% de baixo peso ao nascer, 2,0% de
marasmo moderado e grave e 11,0% de nanismo nutricional moderado e grave.
BATISTA FILHO (1999) comenta, em publicação sobre a desnutrição e sua situação no
Brasil, que em nível nacional três estudos seriam representativos do estado de nutrição da
população brasileira: o Estudo Nacional de Despesas Familiares (ENDEF), efetuado pelo
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), entre 1974 e 1975; a Pesquisa Nacional
de Saúde e Nutrição (PNSN), promovida pelo Instituto Nacional de Alimentação e Nutrição
(INAN) e pelo IBGE (1989); e a Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde (PNDS), liderada
pela Sociedade Civil para o Bem-estar da Família no Brasil BEMFAM (1996). Assinala-se
no decurso deste período (1974 a 1996) um declínio acentuado na prevalência de DEP em
crianças brasileiras, em todas as regiões do país (utilizando o índice peso/idade ≤ menos
2DP). Na região Norte houve uma redução de 24,5% para 7,7%; na região Nordeste, de
27,0% para 8,3%; na região Sudeste, de 13,0% para 4,7%; na região Sul, de 11,7% para 2,0%;
e na região Centro-Oeste, uma diminuição de 13,3% para 5,6%.
RISSIN (1997) realizou trabalho utilizando o banco de dados da Pesquisa Nacional de Saúde
e Nutrição, estudando 7.511 crianças menores de cinco anos, e encontrou para o país um
percentual de 21,8% de crianças classificadas abaixo do percentil 10 para o índice peso/idade,
Ana Rodrigues Falbo Introdução
9
sendo que 9,1% achavam-se situadas abaixo do percentil 3, caracterizando as formas de
desnutrição moderada e grave. Considerando como ponto de corte o percentil 10, o Nordeste
apareceu como a região com a maior prevalência de desnutrição (33,3%), seguido da região
Norte (27,9%), constituindo um quadro bem diferenciado das demais regiões do Brasil.
Em relação ao índice altura/idade, para o conjunto do país, 31,6% dos menores de cinco anos
estavam classificados abaixo do percentil 10 do padrão do NCHS, sendo que 18,6% se
situavam abaixo do percentil 3, caracterizando o quadro de nanismo grave. As regiões Norte e
Nordeste representaram os espaços geográficos de maior prevalência de déficit estatural, com
24,1% e 30,0%, respectivamente.
Utilizando-se a relação peso/altura, encontrou-se para as diferentes regiões que apenas 7,4%
das crianças estudadas se classificavam abaixo do percentil 10, com 3,0% dos casos situando-
se em níveis inferiores ao percentil 3. Na região Sul, apenas 4,0% das crianças estavam
situadas abaixo do percentil 10.
A II Pesquisa Estadual de Saúde e Nutrição (INSTITUTO NACIONAL DE
ALIMENTAÇÃO E NUTRIÇÃO et al., 1998) encontrou, segundo o índice peso/idade, um
percentual de 4,9% de desnutrição moderada (abaixo de menos 2 desvios-padrão) em todo o
estado de Pernambuco.
De acordo com o índice altura/idade, a prevalência da desnutrição moderada no estado foi de
12,1%.
Em relação ao índice peso/altura, 1,8% das crianças foram classificadas como tendo
desnutrição moderada, sendo a prevalência inferior à previsão de ocorrência na própria
população de referência (NCHS, 1977).
Observa-se que em todas as áreas estudadas, segundo o índice peso/idade, a desnutrição é
menos prevalente no grupo de menores de um ano. Para o Estado de Pernambuco, a partir
dessa faixa etária, a freqüência de desnutrição moderada e leve praticamente duplica em todos
os grupos em relação aos menores de um ano, mantendo-se esses percentuais nas demais
faixas etárias (INSTITUTO NACIONAL DE ALIMENTAÇÃO E NUTRIÇÃO et al., 1998).
Ana Rodrigues Falbo Introdução
10
Segundo pesquisa realizada em relação à saúde materno-infantil no estado de Pernambuco
(MINISTÉRIO DA SAÚDE et al., 2000), analisando a posição da curva de peso do cartão da
criança, observou-se que de 385 crianças estudadas 13,8% estavam abaixo do percentil 10,
com maior prevalência no interior do estado (17,1%) que na Região Metropolitana do Recife
(11,2%).
POST e colaboradores (2000), estudando 386 crianças entre seis e 59 meses de idade,
residentes em áreas de baixa renda do município de Pelotas, Rio Grande do Sul, com o
objetivo de avaliar a associação entre o déficit de peso para estatura e o perímetro abdominal,
encontraram, valores dos índices altura/idade, peso/idade e peso/altura de 25,9%, 14,4% e
3,5%, respectivamente (considerando como déficit antropométrico aquelas crianças cujos
valores de altura/idade ou peso/altura fossem inferiores a menos 2DP em relação à população
de referência do NCHS). O perímetro abdominal dividido pela altura mostrou-se elevado em
crianças baixas e menos pesadas. Os autores do estudo concluem que as baixas prevalências
de déficit de peso/altura na presença de elevados déficits de altura/idade podem ser
parcialmente explicados por aumentos no perímetro abdominal.
Apesar da diminuição global da desnutrição nos países em desenvolvimento, a desnutrição na
infância continua a ser um problema de saúde pública nesses países. Um balanço sobre
nutrição infantil (1999 a 2000), divulgado pelo UNICEF, relata que em relação à meta
proposta para 2000, de redução de metade dos casos de desnutrição grave e moderada, entre
crianças menores de cinco anos de idade, houve uma redução global de 17,0% nos países em
desenvolvimento, conseguindo a América Latina alcançar a meta com redução de 60,0% de
crianças com baixo peso ao longo da década. Apesar disso, 149 milhões de crianças ainda
estão desnutridas, sendo dois terços delas na Ásia, e houve aumento do número absoluto de
crianças com desnutrição na África. Desigualdades importantes continuam motivando a
mortalidade em menores de cinco anos, como o nível de renda entre as zonas rural e urbana
(UNICEF, 2002).
No século XX, houve diminuição importante da mortalidade na infância em quase todos os
países do mundo. Estima-se que em 1999 morreram 10,5 milhões de crianças de zero a quatro
anos, o que representa 2,2 milhões (17,5%) menos que 10 anos antes. É previsto que em
média 15,0% dos recém-nascidos na África morram antes de completar o seu quinto ano de
vida. As cifras correspondentes em muitas outras partes do mundo em desenvolvimento
Ana Rodrigues Falbo Introdução
11
oscilam entre 3,0% e 8,0%, enquanto na Europa é inferior a 2,0%. O progresso na redução da
mortalidade infantil diminuiu no decênio de 1990 (AHMAD et al., 2001).
Apesar do crescimento da maioria das economias européias, a segunda metade da última
década, desde a queda do regime comunista, mostra o aumento da iniqüidade, e
aproximadamente 18 milhões de crianças vivem em situação de pobreza na região da antiga
União Soviética e países do leste europeu, aumentando o hiato no estado de saúde entre
populações ricas e pobres (KROSNAR, 2001).
Das cerca de 12 milhões de mortes de menores de cinco anos registradas a cada ano nos
países em desenvolvimento, devidas principalmente a causas evitáveis, cerca de sete milhões,
ou seja, 50,0%, podem ser direta ou indiretamente atribuídas à desnutrição. É uma emergência
silenciosa, porém é real e tem profundas e graves implicações para a criança, a sociedade e o
futuro da humanidade. Algumas vezes o problema é invisível uma vez, que três quartos das
crianças que morrem em todo o mundo por causas relacionadas com a desnutrição estão
classificadas como tendo desnutrição leve e moderada e não apresentam indício aparente do
problema (UNICEF, 1998).
1.3 CAUSAS DA DESNUTRIÇÃO
As causas que levam à desnutrição são complexas e a sua compreensão é fundamental para a
avaliação da magnitude do problema, dos progressos já realizados até o momento e das
possibilidades de novos avanços.
Na década de 70, modelos analíticos começaram a ser concebidos na tentativa de explicar e
ordenar o pensamento em torno das causas da desnutrição. O primeiro modelo participativo
foi realizado na Guatemala por BEGHIN & DUJARDIN (1988). Este tipo de abordagem
participativa, estabelecendo uma rede de causas hierarquizadas adaptadas a cada situação e
com participação de vários atores, foi decididamente uma contribuição importante no
diagnóstico nutricional.
Um quadro conceitual sobre os fatores causais da desnutrição foi desenvolvido em 1990 como
parte da Estratégia de Nutrição do UNICEF (UNICEF, 1998), mostrando que as causas da
desnutrição são multissetoriais, incluindo alimentação, saúde e práticas de cuidados. Essas
causas também são classificadas como imediatas (nível individual), subjacentes (nível
Ana Rodrigues Falbo Introdução
12
familiar) e básicas (nível social), sendo que fatores de um nível podem influenciar os outros
níveis. É utilizado como um guia na avaliação e na análise das causas do problema da
desnutrição e facilita a identificação das ações mais adequadas a serem instituídas.
1.3.1 CAUSAS IMEDIATAS
A interação entre as duas causas imediatas mais significativas da desnutrição (o consumo
inadequado de alimentos e as doenças associadas, sobretudo infecciosas) tende a criar um
ciclo vicioso (WATERLOW, 1992).
A desnutrição sabidamente afeta de modo adverso a resposta imunológica específica e
inespecífica, aumentando a susceptibilidade às infecções. Estas, por sua vez, podem conduzir
a uma maior deterioração do estado nutricional, pela redução do apetite, comprometendo a
ingestão de alimentos, má absorção, mobilização dos estoques corporais, aumento do
catabolismo e outras reações sistêmicas que podem afetar o crescimento linear e ponderal da
criança. A criança envolvida neste ciclo desnutrição-doença pode cair numa espiral
potencialmente fatal, uma vez que as duas condições se reforçam mutuamente (UNICEF,
1998; GUERRANT et al., 2000; GIOVAMBATTISTA et al., 2000).
Uma das causas importantes que contribuem para a desnutrição é o desmame precoce. Na
criança, o leite materno constitui o alimento de eleição, devendo ser exclusivo nos seis
primeiros meses de vida. A precocidade da desnutrição na infância nas últimas décadas,
notadamente nas populações urbanas dos países pobres, tem sido estreitamente associada à
tendência geral do desmame prematuro. Habitualmente, os alimentos complementares
utilizados após o desmame não satisfazem as necessidades nutricionais da criança, além de
favorecer, por sua composição imprópria ou por efeito de contaminação por vírus, bactérias,
protozoários e helmintos, a ocorrência de doenças gastrintestinais (BATISTA FILHO, 1999).
Segundo dados do UNICEF, publicados em 2002, apenas metade das crianças no mundo são
amamentadas exclusivamente durante os primeiros quatro meses de vida (UNICEF, 2002).
Vários estudos têm apontado a relação entre as infecções bacterianas, virais e parasitárias e o
comprometimento do estado nutricional em populações infantis.
Ana Rodrigues Falbo Introdução
13
KOSSMANN e colaboradores (2000) avaliaram a relação entre estado nutricional, diarréia e
infecção respiratória. Foram estudadas 28.753 crianças entre seis meses e seis anos de idade
no norte do Sudão. O risco relativo de desenvolver episódios subseqüentes de diarréia e
infecção respiratória em relação ao estado nutricional classificado por antropometria
(altura/idade, peso/altura e peso/idade) foi estimado utilizando odds ratios na análise de
regressão logística, ajustando para variáveis com possível efeito de confusão.
Os índices altura/idade, peso/altura e peso/idade foram significativa e inversamente
associados com o desenvolvimento posterior de diarréia (p<0,001), com o risco sendo 2,00
vezes maior (IC95%: 1,64 a 2,43) entre crianças com peso/idade menor que menos 4DP, e
1,75 vezes maior (IC95%: 1,56 a 1,96) entre aquelas com peso/idade entre menos 4 e menos
3DP, comparadas com crianças com peso/idade ≥ 1DP.
A infecção respiratória também foi inversamente associada com peso/idade e peso/altura
(p<0,03), com riscos variando de 1,41 vezes maior (IC95%: 1,02 a 1,97) a 1,21 vezes maior
(IC95%: 1,04 a 1,41) no grupo com peso/idade menor que menos 4DP e entre menos 2DP e
menos 1DP, todas comparadas com crianças eutróficas (≥ -1DP).
CUNHA (2000) avaliou a associação entre infecção respiratória e desnutrição entre crianças
menores de cinco anos de idade. Esse autor utilizou um banco de dados secundários de quatro
estados do nordeste do Brasil (Maranhão, Paraíba, Pernambuco e Piauí), o qual foi construído
a partir de um inquérito com base populacional desenhado para avaliar o estado nutricional
das crianças envolvidas. A amostra estudada foi composta por 4.718 crianças. A desnutrição
foi avaliada utilizando-se os índices peso/idade, peso/altura e altura/idade, calculados em
escore Z (≤ menos 2), e o padrão de referência do NCHS. A desnutrição passada ou atual foi
associada com infecção respiratória aguda do trato respiratório inferior, mesmo após o ajuste
para potenciais fatores de confusão (odds ratio: 2,03. IC95%: 1,20 a 2,43).
HAGEL e colaboradores (1999) estudaram infecção parasitária e índices antropométricos
num grupo de crianças em idade escolar, numa favela em Caracas, na Venezuela. Eles
encontraram que a proporção de crianças abaixo do pecentil 10 para altura/idade e peso/idade
foi significativamente maior nas crianças parasitadas quando comparadas com as não
parasitadas. Embora este fato pudesse refletir parcialmente a co-dependência entre infecção
parasitária e desnutrição ou pobreza, quando foi administrado às crianças tratamento anti-
helmíntico de forma regular, por um ano, houve melhora significativa nos índices
Ana Rodrigues Falbo Introdução
14
antropométricos. Quando as crianças foram reavaliadas oito meses após o final do tratamento,
o grau de re-infecção pelo Ascaris lumbricoides, o parasita mais comum, foi maior no grupo
de crianças com desnutrição.
SHUBAIR e colaboradores (2000), estudando a prevalência de parasitoses intestinais e sua
relação com anemia e estado nutricional entre crianças de seis a 11 anos em Gaza,
encontraram uma prevalência global de parasitoses de 24,5%. A Giardia lamblia (62,2%)
sendo o parasita mais comumente isolado particularmente no grupo de seis a sete anos,
seguido pelo Ascaris lumbricoides (20,0%), e em seguida pela Entamoeba histolytica
(18,0%). As parasitoses declinaram de modo geral no grupo de maior idade para ambos os
sexos. A prevalência de anemia foi em geral maior nas crianças mais jovens. As crianças
parasitadas do grupo de idade entre oito e nove anos mostraram uma incidência maior de
déficit de peso/altura em relação às não parasitadas. A prevalência de nanismo nutricional e
emagrecimento grave foi maior entre as crianças parasitadas que nos controles.
ZULKIFLI e colaboradores (2000) realizaram estudo na Malásia com crianças em idade
escolar e encontraram uma prevalência de 40,4% de nanismo nutricional (stunted) e 28,4% de
baixo peso. Destas crianças, 69,4% tinham infecção por geo-helmintos. O parasita mais
comumente encontrado foi o Ascaris lumbricoides (62,8%), seguido pelo Trichuris trichiura
(38,9%). Todos os índices antropométricos foram mais baixos nas crianças parasitadas
quando comparados com as crianças não parasitadas.
STEPHENSON e colaboradores (2000) publicaram estudo no qual ressaltam a importância do
Trichuris trichiura como um problema de saúde pública e estimam que um bilhão e 49
milhões de pessoas albergam o parasita no mundo, incluindo 114 milhões de crianças pré-
escolares e 233 milhões de crianças em idade escolar. A prevalência do Trichuris trichiura é
elevada e pode chegar a 95,0% em crianças em muitas partes do mundo onde a desnutrição e
as anemias são também muito prevalentes, e onde é precário o acesso aos cuidados de saúde e
à educação.
1.3.2 CAUSAS SUBJACENTES
Três conjuntos de causas subjacentes levam ao consumo alimentar inadequado e às doenças
infecciosas: acesso inadequado da família a alimentos; serviços de saúde insuficientes e
Ana Rodrigues Falbo Introdução
15
ambiente pouco saudável e a falta de cuidados adequados no atendimento à mulher e à criança
(UNICEF, 1998).
A garantia de alimentação para a família depende do acesso aos alimentos, entendido como
acesso financeiro, físico e social, e como uma condição distinta de disponibilidade de
alimentos. É possível que haja alimentos disponíveis em abundância no mercado, mas as
famílias pobres não podem comprá-los e ter a sua alimentação assegurada (UNICEF, 1998).
Um elemento essencial para a manutenção da saúde é o acesso a serviços curativos e
preventivos de boa qualidade. As famílias devem dispor de um centro de saúde a uma
distância razoável, e a equipe de atendimento deve ser qualificada e equipada para oferecer a
orientação e os cuidados necessários (UNICEF, 1998).
Em termos de saúde ambiental, a falta de acesso imediato a algum tipo de abastecimento de
água limpa e de saneamento adequado, e a manipulação dos alimentos sem cuidados de
higiene, assim como as condições pouco higiênicas verificadas dentro e fora das casas, que
constituem a causa da maior parte das diarréias na infância, têm significativas implicações na
disseminação de doenças infecciosas (UNICEF, 1998).
Segundo o UNICEF (1998), a experiência tem demonstrado que ainda que alimentos
adequados estejam disponíveis na casa, e que a família viva em um ambiente saudável e tenha
acesso a serviços de saúde, mesmo assim as crianças podem sofrer de desnutrição. A
explicação para tal fato estaria relacionada à compreensão mais completa dos diversos tipos
de recursos necessários para uma boa nutrição e dos fatores que interferem no modo como a
família tem acesso e controla esses recursos. Muitas vezes os esforços no sentido de atender a
uma certa condição necessária para uma boa nutrição disputam os mesmos recursos
necessários para o atendimento de outra condição. Por exemplo, se uma mulher precisa gastar
muito tempo para garantir a presença do alimento para a família, a sua capacidade de
dispensar os cuidados para a criança pode ficar comprometida, contribuindo para a
desnutrição da criança (UNICEF, 1998).
A falta de cuidados adequados para crianças e mulheres, que constitui o terceiro elemento das
causas subjacentes para a desnutrição, só recentemente foi reconhecida e entendida em todas
as suas implicações. O cuidado é manifestado na maneira pela qual a criança é alimentada,
Ana Rodrigues Falbo Introdução
16
estimulada, ensinada e orientada. Expressa os valores domésticos e culturais que orientam os
indivíduos e as famílias (UNICEF, 1998).
A discriminação enfrentada por meninas e mulheres em relação à educação e à oportunidade
de emprego e o favorecimento dos homens dentro da família e da comunidade comprometem
as práticas de cuidados para garantir a nutrição adequada das crianças (UNICEF, 1998).
É importante comentar sobre o vínculo mãe-filho, pois, apesar de não citado no modelo causal
proposto pelo UNICEF, é um importante fator para a instalação e perpetuação da desnutrição
na infância. Vários aspectos, como sentimento de ambigüidade em relação à maternidade,
insegurança quanto ao fato de ser uma boa mãe e esposa, o tipo de relação que a mulher teve
com a própria mãe, que tipo de mãe ela teve, que tipo de filha foi, a discriminação social da
mulher, entre outros fatores, vão influenciar na forma como se estabelece a relação mãe-filho
(NÓBREGA & CAMPOS, 1996).
1.3.3 CAUSAS BÁSICAS
Em relação às causas básicas da desnutrição, temos a quantidade e qualidade dos recursos
(humanos, econômicos e organizacionais) e a maneira pela qual são controlados (Figura 1).
Fatores políticos, legais e culturais em níveis nacional e regional influem na garantia de um
bom nível de nutrição para todos os membros da família. Esses fatores incluem a proteção dos
direitos de mulheres e meninas, o sistema político e econômico que determina a distribuição
de renda e dos recursos, e as ideologias e as políticas que orientam os setores sociais
(UNICEF, 1998).
Ainda que a pobreza econômica não seja a única forma de pobreza que afeta a nutrição, ela
constitui, sem dúvida, um fator importante. A superação de condições de pobreza e de
subdesenvolvimento demanda recursos e insumos que poucos países em desenvolvimento têm
condições de reunir (UNICEF, 1998).
Ana Rodrigues Falbo Introdução
17
Figura 1. Fatores causais da desnutrição
� Desnutrição infantil � Morte e incapacitação
� Conseqüências
� Consumo inadequado de alimentos � Doenças infecciosas
� Causas imediatas
� Causas subjacentes
� Acesso inadequado aos alimentos � Práticas inadequadas de cuidados maternos e infantis � Serviços de água e saneamento deficientes e serviços
de saúde inadequados
� Quantidade e qualidade dos recursos: humanos, econômicos e organizacionais
� Maneira pela qual são controlados
� Causas básicas
� Recursos potenciais: ambiente, tecnologia, população
Fonte: UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância), 1998.
1.4 A BUSCA DE SOLUÇÕES PARA A DESNUTRIÇÃO
1.4.1 MEDIDAS DE CARÁTER GERAL
Com a chegada do novo milênio, aproximadamente 800 milhões de pessoas no mundo
encontram-se cronicamente desnutridas. Duzentos milhões de crianças estão abaixo do peso
padrão de forma moderada ou grave, enquanto 70 milhões têm desnutrição grave. Muitas
crianças que ainda estão por nascer terão que fazer face às circunstâncias adversas
predisponentes à desnutrição (WHO, 1996; IYENGAR et al., 2000).
Ana Rodrigues Falbo Introdução
18
É necessária a erradicação em escala global das deficiências nutricionais entre mulheres e
crianças para garantir uma melhoria na qualidade de vida das próximas gerações. O mundo
terá que enfrentar esse desafio por meio de um planejamento cuidadoso e através da
cooperação internacional (IYENGAR et al., 2000).
Ações contra a desnutrição não são apenas imperativas, como também viáveis. Para ter
sucesso, a luta contra a desnutrição deve ser travada em várias frentes. A saúde da população
é adversamente afetada pelas desigualdades existentes em um país. Sendo as mulheres e as
crianças os indivíduos mais vulneráveis, são mais profundamente atingidos. A educação de
quem realmente cuida da criança e da família é uma importante estratégia na redução da
desnutrição (UNICEF, 1998; BHARMAL, 2000).
Deve-se ressaltar o valor da educação das famílias, principalmente das mães e dos
profissionais de saúde na alimentação da criança. A elaboração de estratégias educativas e de
divulgação sobre a importância do aleitamento materno, dos alimentos complementares
adequados, da higiene no preparo dos alimentos, entre outros aspectos, pode ser de grande
contribuição na luta contra a desnutrição infantil, causando um grande impacto na sua redução
(MONTE et al., 2002).
A capacitação da mulher é um fator de importância fundamental para a melhoria da nutrição
tanto da própria mãe quanto de suas crianças. Este aspecto implica esforços legislativos e
políticos para combater a discriminação e a exploração da mulher, e medidas para lhe garantir
acesso adequado a recursos e a cuidados em todos os níveis da sociedade. A melhoria da
educação das meninas e das mulheres também é uma providência fundamental (UNICEF,
1998; DELPEUCH et al., 2000).
A falta de garantia de alimentação para a família, que constitui uma das causas subjacentes à
desnutrição, representa com freqüência o ponto central da relação entre crescimento
econômico e status nutricional, mesmo com a observação de que nem sempre as famílias
pobres usam aumentos da renda para melhorar de maneira significativa seu consumo calórico
(UNICEF, 1998; ENGSTROM & ANJOS, 1999; ROMERO & SZWARCWARD, 2000).
O envolvimento dos pais e das famílias contribui de modo significativo para a melhoria da
nutrição e da saúde das crianças. A realização de ações com base na população possibilita que
os pais e outros membros da comunidade possam avaliar as condições de saúde das suas
Ana Rodrigues Falbo Introdução
19
crianças. Desta forma, adquirem uma compreensão mais clara dos fatores envolvidos no bem-
estar nutricional das crianças e podem participar efetivamente do planejamento e ações que
atuem na melhoria das condições gerais das crianças e da comunidade (UNICEF, 1998;
ARENAS-MONREAL et al., 1999; IMPROVING CHILD NUTRITION, 2000).
Para que seja possível criar soluções para as causas básicas da desnutrição, serão necessários
recursos maiores e mais bem direcionados; mais colaboração, participação e diálogo em todas
as instâncias: departamentos de governos, doadores, investidores, organizações não-
governamentais e, acima de tudo, a participação da população atingida pelo problema
(UNICEF, 1998; BROWN, 2000).
1.4.2 ABORDAGEM MÉDICA DO PROBLEMA
O manejo da criança desnutrida grave tem sido modificado com o passar dos anos. O alto
custo do tratamento hospitalar e as altas taxas de mortalidade fizeram com que se voltasse a
atenção para os centros de reabilitação nutricional, e os programas de prevenção ganharam
força. Uma conseqüência dessa mudança foi o entendimento de que a desnutrição grave era
causada primariamente pela simples falta do alimento, e a provisão de quantidades adequadas
de comida, sob a forma de programas de suplementação, resolveria o problema. Centros de
reabilitação nutricional foram desenvolvidos em várias partes, mas somente alcançaram
sucesso limitado. A provisão apenas de alimentos é insuficiente para superar os agravos
ocasionados pelos graves problemas de origem social e clínica que afetam essas crianças
(BREDOW et al., 1994).
As crianças desnutridas têm que ser tratadas levando-se em conta as particularidades
fisiopatológicas, principalmente em relação à desnutrição grave. A perda dessa noção e a
impressão de que o problema da desnutrição tinha sido resolvido com a suplementação
alimentar levaram muitos clínicos a perderem o interesse em aprimorar o manejo terapêutico
do problema (OMS, 2000).
A revisão de publicações dos últimos 50 anos revela que a mediana da taxa de letalidade da
desnutrição grave não se modificou nesse período e que tende a oscilar entre 20,0% e 30,0%,
com os maiores percentuais (50,0% a 60,0%) atribuídos aos casos de desnutrição edematosa
(SCHOFIELD & ASHWORTH, 1997).
Ana Rodrigues Falbo Introdução
20
Uma causa provável para essa taxa elevada é o tratamento inadequado dos casos, segundo
uma pesquisa realizada em centros de tratamento em distintas partes do mundo. O resultado
da pesquisa aponta para a necessidade da aplicação de pautas terapêuticas atualizadas e
práticas como parte de um programa integral de capacitação. A inadequação do tratamento
geralmente resulta da falta de reconhecimento do estado fisiológico alterado e da redução dos
mecanismos homeostáticos que ocorrem na desnutrição. As práticas incluem: reidratação
inadequada, levando a sobrecarga de fluidos e falência cardíaca; falta de reconhecimento de
infecções que podem levar à sepse; falha em reconhecer a vulnerabilidade dessas crianças à
hipotermia e à hipoglicemia (SCHOFIELD & ASHWORTH, 1997).
Em alguns centros, a falta de recursos econômicos é o fator limitante, embora exista o
conhecimento adequado. Em outros, a atualização e/ou o aperfeiçoamento das condutas,
através de pequena modificação, podem trazer um benefício substancial (OMS, 2000;
WATERLOW, 1992).
É importante comentar sobre alguns aspectos fisiopatológicos que servem de suporte para as
propostas terapêuticas recomendadas atualmente para o manejo hospitalar da criança com
desnutrição grave.
A desnutrição afeta todos os sistemas e órgãos, nenhuma das funções até o momento
estudadas nesta condição tem se mostrado normal. De longe, a adaptação mais importante é a
redução do trabalho corporal em todos os seus níveis de organização: órgãos, tecidos, células,
organelas, sistemas enzimáticos. Reservas de tecido e capacidade funcional são caras do
ponto de vista energético, e é este excesso que é sacrificado na desnutrição e fornece a base
para a redução na capacidade funcional dos órgãos e no requerimento de energia
(ASHWORTH, 1978).
Em relação ao coração, e do ponto de vista do corpo como um todo, a variação mais
importante é em relação ao débito cardíaco. É relatada uma diminuição de 30,0% no estado de
desnutrição comparado com o estado de recuperação. Parece bastante provável que haja uma
alteração da função miocárdica na desnutrição grave, desde que se observa que o estresse
provocado por um aumento no volume circulatório, como resultado de uma infusão venosa, é
muito mais propenso a causar insuficiência cardíaca (IC) na criança desnutrida que na
Ana Rodrigues Falbo Introdução
21
eutrófica. Em alguns lugares, as mortes foram relatadas como secundárias à utilização de
dietas contendo grandes quantidades de sal (WATERLOW, 1992).
Crianças com desnutrição grave freqüentemente apresentam anormalidades cardiovasculares,
incluindo hipotensão, arritmias cardíacas, cardiomiopatia, insuficiência cardíaca e até morte
súbita. ÖCAL e colaboradores (2001) estudando a função cardíaca em crianças com
desnutrição demonstraram que a massa do ventrículo esquerdo e o débito cardíaco estavam
reduzidos na proporção da redução do tamanho corporal nessas crianças, e que as funções
sistólica e diastólica do ventrículo esquerdo estão preservadas no coração atrófico.
Em relação ao trato gastrointestinal, a secreção ácida gástrica está reduzida, permitindo a
colonização do estômago, que é normalmente estéril, por bactérias intestinais fecais. As
bactérias competem tanto pela vitamina B-12, como levam a uma conseqüência mais grave
que é a desconjugação dos sais biliares, com a interferência na absorção das gorduras. A
cinética da regeneração do epitélio intestinal está alterada e há lentificação na proliferação,
migração e maturação das células. A conseqüência é a redução das enzimas dissacaridases,
especialmente a lactase. Outras funções de transporte pelo epitélio estão alteradas, inclusive a
absorção de glicose pode estar impedida, podendo levar a profunda hipoglicemia
(SOLOMONS, 1985; BREWSTER et al., 1997).
O paciente desnutrido torna-se poiquilotérmico. Pequena redução na temperatura do ambiente
para 22oC ou uma elevação para 33oC pode levar a hipotermia ou febre. Mesmo nos países
tropicais não é infreqüente a criança desnutrida desenvolver hipotermia (GOLDEN, 1996).
A desnutrição tem efeitos adversos nos mecanismos imunológicos específicos e inespecíficos,
a criança desnutrida tem dificuldade de produzir novos anticorpos. A fisiologia da fagocitose
dos leucócitos não está alterada por si, mas os elementos circulantes que permitem aos
fagócitos o reconhecimento e a opsonização dos agentes estão reduzidos. A alteração mais
pronunciada é em relação à imunidade celular, com depressão da resposta inflamatória e da
defesa contra parasitas e patógenos intracelulares. Observa-se redução do timo, com
comprometimento da maturação dos linfócitos envolvidos na resposta celular. A resposta
inflamatória de fase aguda envolve a liberação de mediadores pelos leucócitos ativados. O
órgão alvo dos mediadores é o fígado, que responde com o seqüestro de elementos traços
como o zinco e o ferro e produz as proteínas de fase aguda. Esta função está comprometida na
Ana Rodrigues Falbo Introdução
22
desnutrição (SOLOMONS, 1985; PERNETA, 1988; CUNHA, 2000; GIOVAMBATTISTA
et al., 2000; KOSSMANN et al., 2000).
Em relação às modificações metabólicas que ocorrem na desnutrição, uma das mais
importantes diz respeito à alteração na água corporal. Dentre as implicações clínicas mais
importantes há o surgimento do edema. De longe o mecanismo mais implicado na formação
do edema é a hipoalbuminemia. A clássica teoria de Starling, citada por WATERLOW
(1992), associa o edema à hipoalbuminemia por meio da redução da pressão oncótica (PO) do
plasma.
Alguns autores sugerem que a hipoalbuminemia pode ser necessária, mas não suficiente para
causar o edema, estando outros fatores envolvidos no seu surgimento. Um de tais fatores seria
a disponibilidade de sal e água, daí o edema também poder surgir na criança com marasmo
por excesso de infusão de líquido salino (WATERLOW, 1992).
Há evidência de dano causado por radicais livres à membrana celular provocando a sua
quebra e com isso o estabelecimento do edema. Uma explicação para esse fato seria que as
células do túbulo renal permitiriam uma maior entrada do sódio, o qual seria liberado para a
circulação, e, para manter a tonicidade do meio, a água deveria entrar junto com o sódio
(WATERLOW, 1992).
Outro fator seria o aumento da permeabilidade capilar provocado por infecção. Ocorre não
apenas o extravasamento de fluido, mas também o escape transcapilar de albumina,
aumentando a PO no espaço intersticial e promovendo um aumento do acúmulo de líquido no
local. Normalmente o conteúdo de proteína do fluido do edema é baixo (GOLDEN, 1996).
Na avaliação da influência da desnutrição sobre o funcionamento do sistema nervoso, é
importante comentar aspectos relacionados à capacidade de aprendizado e ao comportamento.
Em relação à dinâmica do crescimento e desenvolvimento, devemos ter presente que ambos
os processos se caracterizam pela sua variabilidade ao longo do tempo. Esta variabilidade é
particularmente importante em relação ao crescimento do cérebro, pois as transformações
histológicas ocorrem conforme a idade do organismo. Produzem-se alterações de grande
importância (diferenciação inicial dos neurônios, as formações dendríticas, as conexões
sinápticas básicas e o processo de mielinização) durante a gestação e os primeiros 24 meses
Ana Rodrigues Falbo Introdução
23
de vida. Essas mudanças estruturais e metabólicas fazem do cérebro um órgão particularmente
vulnerável nesse período da vida. Posteriormente as mudanças são menores. Portanto, se a
desnutrição afeta o funcionamento cognitivo por meio de mudanças cerebrais específicas, as
alterações produzidas vão depender do período do desenvolvimento em que ela incide, sendo
os resultados distintos se o insulto (desnutrição) ocorre nos dois primeiros anos ou no quinto
ou no sexto ano de vida (POLLITT, 1988).
Crianças com desnutrição grave têm alteração do afeto, classicamente tornam-se apáticas
quando deixadas sós e se mostram irritadas ao manuseio. A apatia pode ser profunda de tal
modo que podem permanecer imóveis na cama por longos períodos. Quando choram, emitem
um som monótono, diferente do ruído bem sonoro emitido por crianças normais. Por conta da
atrofia das glândulas lacrimais, podem não liberar lágrimas no choro (GOLDEN, 1996).
Essas crianças podem desenvolver uma série de movimentos estereotipados repetitivos, de
auto-estimulação, que são típicos de privação psicossocial e ausência de estimulação. Um dos
comportamentos típicos de auto-estimulação e um dos mais danosos para a criança é a
ruminação. Quando deixada só, a criança regurgita a última refeição e então novamente volta
a engolir o alimento regurgitado, mas, inevitavelmente, haverá perda de algum conteúdo
alimentar com prejuízo da ingestão (GOLDEN, 1996).
Nos últimos anos alguns estudos foram realizados avaliando o impacto da aplicação de
protocolos de tratamento e programas de seguimento para a criança com desnutrição grave.
BREDOW & JACKSON (1994) realizaram um estudo com um programa de tratamento de
base comunitária, de baixo custo, aplicado em crianças com menos de três anos, com
desnutrição grave e moderada, em um centro de saúde na zona rural da Jamaica. As crianças
foram acompanhadas mensalmente. O manuseio consistiu de uma cuidadosa orientação sobre
a alimentação e suplementação de antibióticos, anti-helmínticos e vitaminas. Antes da
introdução do programa não havia nenhuma estratégia definida para o tratamento de crianças
com desnutrição. O programa nutricional foi desenvolvido pelos funcionários do centro de
saúde, sem fundo adicional e sem provisão ou distribuição de nenhum alimento suplementar.
Foi dada ênfase em capacitar a mãe para compreender as necessidades da criança e identificar
o surgimento de problemas.
Ana Rodrigues Falbo Introdução
24
No total, o aumento no ganho de peso das crianças foi de 2,03 kg num período de cinco a seis
meses, não sendo fácil avaliar a relevância desses dados, uma vez que há o aumento do ganho
de peso esperado pelo crescimento normal da criança. Entretanto, se a mudança for expressa
pelo índice peso/idade, nenhuma das crianças deteriorou. De 45 crianças estudadas, três
permaneceram com o mesmo índice, e 33 melhoraram. A média do aumento do peso/idade de
aproximadamente 11,0% em cinco a seis meses foi significante (p<0,01, teste “t” de student).
As crianças com desnutrição grave mostraram uma média de aumento do peso/idade de
15,3%, quase duas vezes o valor observado nas crianças com desnutrição moderada (8,9%) ao
longo do mesmo período, sendo esta diferença significante.
Houve um aumento significante no comprimento durante o período de seguimento, o qual
estava dentro do esperado para uma criança que está crescendo normalmente e, portanto, sem
evidência de recuperação do crescimento (catch-up). Entretanto, o grupo como um todo
permaneceu com nanismo moderado, com altura/idade em torno de 88,0% da mediana do
padrão de referência do NCHS. Isto significa que o aumento de peso durante o mesmo
período representou um aumento de peso/altura com uma redução significante no grau de
emagrecimento.
Apesar de os resultados desse programa indicarem a possibilidade de tratar até mesmo as
crianças com desnutrição grave na comunidade, com programas de baixo custo e simples, e
ter sucesso, cabe lembrar que essas são crianças altamente vulneráveis a apresentarem
hipotermia, hipoglicemia, desidratação, choque, sepse e outras condições mórbidas que as
colocam sob o risco de morrer, e que são condições que devem ser obrigatoriamente
manejadas no hospital (OMS, 2000).
HEIKENS e colaboradores (1994) realizaram estudo avaliando o impacto do tratamento
hospitalar de longa e curta permanência em crianças com desnutrição grave. Os autores
argumentam que há muitos relatos de recaídas e morte após a alta dessas crianças em
diferentes períodos de tempo. Foram estudadas 81 crianças, com idade média de 11 meses.
Quando a doença concorrente tinha sido tratada e a alimentação normal restabelecida, as
crianças foram randomicamente alocadas para o tratamento de longa permanência (LP) ou
para o tratamento de curta permanência (CP). No tratamento LP, as crianças permaneciam no
hospital até a recuperação completa (padrão NCHS para o indicador peso/altura) (média de 40
dias). No tratamento CP, as crianças tinham alta imediatamente (média de 18 dias) e
passavam a receber cuidados de saúde em casa por seis meses e mais a suplementação de
Ana Rodrigues Falbo Introdução
25
dieta com alto conteúdo de energia por três meses. Após a alta, o grupo do tratamento LP
recebia seis meses de tratamento em casa, mas sem suplementação alimentar.
Os resultados do trabalho demonstraram vantagens significativas para o grupo da LP na
evolução dos índices tanto de peso/idade quanto de altura/idade na alta, e aos 12, 18, 24 meses
e para o comprimento também aos 30 meses (P < 0,05 a P < 0,001).
Os autores concluem que a recuperação nutricional completa é relevante. A permanência
hospitalar promoveu e manteve vantagem significativa em peso e altura por quase dois anos
após o final da intervenção.
KHANUM e colaboradores (1998) realizaram um estudo no Children´s Nutrition Unit, em
Dhaka, entre dezembro de 1990 e novembro de 1991, com crianças de 12 a 59 meses, com
desnutrição grave. Foi realizado um estudo de seguimento de 12 meses para avaliar três
modalidades de tratamento.A alocação para os grupos de tratamento ocorreu por um rodízio
diário. A seqüência inicial foi randomicamente determinada, sendo as crianças selecionadas
para receberem tratamento no hospital (200 crianças), no hospital dia (200 crianças) ou
tratamento domiciliar (173 crianças).
Embora o tempo de recuperação tenha diferido nos três grupos, no início do seguimento todas
as crianças apresentavam o mesmo estado nutricional (peso/altura 80,0% da mediana do valor
de referência do NCHS). Durante o tratamento, todos os três grupos receberam orientações
em saúde e nutrição. As mães e os profissionais de saúde dos grupos de crianças em
tratamento no hospital dia e domiciliar receberam instruções adicionais em como alimentar as
crianças em casa, em relação à quantidade e à freqüência da dieta.
Os principais desfechos de interesse nos 12 meses do seguimento do estudo foram a
morbidade, o crescimento, a recaída e a letalidade.
Os problemas mais comumente diagnosticados foram diarréia e febre. Não houve diferença
nos achados clínicos entre os três grupos do tratamento. Em relação ao crescimento, as
crianças eram pesadas e medidas mensalmente, com instrumentos e técnicas adequadamente
padronizados. O ganho médio de peso e altura não diferiu significativamente entre os três
grupos do estudo. O ganho de peso foi suficiente para melhorar a média do índice peso/altura
de 80,0% no início do seguimento para 91,0% da mediana do valor de referência do NCHS ao
Ana Rodrigues Falbo Introdução
26
final do período do estudo (menos 1,6DP para menos 0,92DP). O ganho de peso foi maior no
primeiro semestre do seguimento. Recaída foi considerada quando as crianças apresentavam
edema ou peso/altura < 60,0% da mediana do valor de referência do NCHS. Quando a morte
era documentada durante a visita domiciliar, o pesquisador interrogava a mãe em relação à
causa e ao local da morte. Houve 1,2% de readmissões para tratamento, 0,6% de recaídas e
2,3% de mortes, e não houve diferenças entre os grupos do estudo.
A OMS sistematizou uma forma de tratamento e recomenda que ela seja utilizada em países
como o nosso, e está propondo uma adaptação dessas propostas à realidade de cada local, com
o intuito de tentar reduzir as altas taxas de mortalidade observadas (OMS, 2000).
Em 2000, a OMS lançou um protocolo, incorporando o conhecimento científico acumulado
nos últimos 20 anos que contou com a participação de um grupo de especialistas de várias
partes do mundo, com reconhecido saber sobre o tema e experiência prática no tratamento da
criança com desnutrição. Este protocolo fornece diretrizes para o tratamento de crianças com
desnutrição grave (menores de cinco anos) em hospitais e centros de saúde.
É importante salientar que as recomendações contidas no protocolo são dirigidas
especificamente para as crianças com desnutrição grave, levando-se em conta as suas
alterações fisiopatológicas.
O Protocolo da OMS é dirigido a profissionais de saúde que trabalham no nível central e de
distrito, incluindo médicos, enfermeiras, nutricionistas e os seus auxiliares. Contém diretrizes
práticas para o manejo de pacientes com desnutrição grave, procura promover a melhor
terapia disponível com o objetivo de reduzir o risco de morte, encurtar o tempo de
permanência hospitalar e facilitar a recuperação e a reabilitação completas.
Crianças com desnutrição grave freqüentemente estão seriamente doentes quando chegam
para tratamento. Emagrecimento, anorexia e infecções são comuns (OMS, 2000).
Devem ser hospitalizadas para tratamento as crianças com manifestações clínicas de
kwashiorkor, marasmo ou kwashiorkor-marasmático, cujo peso/idade seja menor que menos
3DP (< P1) ou menos de 70,0% da mediana dos valores de referência do NCHS, associado à
inapetência acentuada; e/ou diarréia e/ou vômitos; e/ou qualquer infecção associada. Também
se deve indicar a hospitalização para as crianças que não podem ser referidas para tratamento
Ana Rodrigues Falbo Introdução
27
em centros de recuperação nutricional ou para tratamento ambulatorial. Quando é possível
medir a altura, utiliza-se o indicador peso/altura e considera-se a desnutrição grave com a
presença de edema ou emagrecimento importante (peso/altura <-3DP ou menos que 70,0%)
ou sinais clínicos de desnutrição grave (MINISTÉRIO DA SAÚDE et al., 1999; OMS, 2000.
WHO, 2000).
A abordagem do tratamento é a mesma independentemente do tipo de desnutrição.
O manejo da criança desnutrida grave, segundo o Protocolo da OMS, é dividido em três fases:
Fase inicial: na qual problemas com risco de vida são identificados e tratados em hospital ou
em instalações para tratamento em regime de internação. As deficiências específicas são
corrigidas, as anormalidades metabólicas são revertidas e a alimentação é iniciada. O
tratamento inicial começa com a admissão ao hospital e dura até que a condição da criança
esteja estável e seu apetite tenha retornado, o que acontece geralmente após dois a sete dias.
Se a fase inicial dura mais de 10 dias, a criança está falhando em responder ao tratamento, e
medidas adicionais são requeridas. As principais tarefas durante a fase inicial são:
• Tratar ou prevenir hipoglicemia;
• Tratar ou prevenir hipotermia;
• Tratar ou prevenir desidratação e restaurar o equilíbrio eletrolítico;
• Tratar infecção e choque séptico se presente;
• Começar a alimentar a criança;
• Identificar e tratar quaisquer outros problemas, incluindo deficiências de
vitaminas, anemia grave e insuficiência cardíaca.
Fase da reabilitação: na qual alimentação intensiva é dada para recuperar o peso perdido,
intensifica-se a estimulação emocional e física, e a mãe ou a pessoa que cuida da criança é
treinada para continuar os cuidados em casa, e é feita a preparação para a alta da criança.
Entende-se que a criança entra na fase de reabilitação quando seu apetite volta. As principais
tarefas durante a fase de reabilitação são:
• Encorajar a criança a comer tanto quanto possível;
• Reiniciar e/ou encorajar a amamentação quando necessária;
• Estimular o desenvolvimento físico e emocional;
• Preparar a mãe ou quem cuida da criança para continuar a cuidar dela após a alta.
Ana Rodrigues Falbo Introdução
28
A criança deve permanecer no hospital durante a primeira fase de reabilitação (fase anterior).
Quando ela estiver comendo bem, o seu estado mental tiver melhorado (sorri, responde a
estímulos, se interessa pelo ambiente), estiver sentando, engatinhando, ficando em pé ou
andando (dependendo da idade), mantendo a temperatura corporal normal (36,5ºC a 37,0oC),
estiver sem apresentar vômitos ou diarréia, sem edema e com ganho de peso > 5g/kg de peso
corporal por dia, em três dias sucessivos, a criança poderá ser transferida para um centro de
reabilitação nutricional. É previsto que a fase de reabilitação completa dure em média entre
duas e seis semanas.
Fase do acompanhamento: após a alta, a criança e a família são acompanhadas para prevenir
recaída e assegurar a continuidade do desenvolvimento emocional, físico e mental da criança.
É recomendado que a criança seja seguida de perto por um período de sete a 26 semanas.
O tratamento dietético recomendado pelo Protocolo da OMS leva em conta o fato de que no
momento da admissão para tratamento hospitalar quase todas as crianças gravemente
desnutridas têm infecções, função hepática e intestinal comprometidas, e problemas
relacionados ao desequilíbrio de eletrólitos. Devido a esses problemas, elas são incapazes de
tolerar as quantidades dietéticas habituais de proteína, gordura e sódio. Então, é importante
começar a alimentar essas crianças com uma dieta na qual o conteúdo desses nutrientes é
baixo, e o de carboidratos é alto.
Duas formulações para dieta, F75 e F100, são usadas para crianças com desnutrição grave, a
F75 (75Kcal/100ml) é usada durante a fase inicial de tratamento, enquanto a F100
(100Kcal/100ml) é usada durante a fase de reabilitação, depois que o apetite retornou. Estas
fórmulas podem ser facilmente preparadas a partir dos ingredientes básicos: leite desnatado
ou integral em pó, açúcar, farinha de cereal, óleo, mistura de minerais e mistura de vitaminas
(vide apêndices 1 e 3 do Anexo 1).
As recomendações terapêuticas gerais do Protocolo da OMS (OMS, 2000; WHO, 2000) estão
contidas no Anexo 1.
Na bibliografia pesquisada, há relatos de estudos que foram realizados avaliando a aplicação
do Protocolo da OMS.
Ana Rodrigues Falbo Introdução
29
CAVALCANTE e colaboradores em 1998, aplicaram algumas normas preconizadas pelo
Protocolo da OMS para o manejo da criança com desnutrição grave no Instituto de Prevenção
à Desnutrição e à Excepcionalidade (IPREDE), no Ceará, Brasil.
Os maiores problemas no manuseio destas crianças eram diarréia persistente, falta de apetite e
crescimento inadequado. Como resultado, a recuperação era prolongada, cara e ineficiente. As
principais modificações dietéticas introduzidas segundo as normas do Protocolo da OMS
foram: divisão do tratamento em duas fases inicial e de recuperação, diminuição do conteúdo
de lactose do leite dado inicialmente, adição de uma solução de eletrólitos e minerais às
fórmulas lácteas, monitorização das quantidades oferecidas e consumidas a cada refeição, da
quota calórica diária, das evacuações, e a monitorização diária do peso.
O ganho de peso das primeiras 20 crianças que receberam o tratamento orientado pelo
Protocolo da OMS, em novembro e dezembro de 1995, foi comparado com o das primeiras 40
crianças admitidas em janeiro e fevereiro de 1995 que receberam a dieta padrão do IPREDE
(fórmula láctea com alto conteúdo de lactose – 5,1g/100ml, alta osmolaridade – 700mOsml/l,
sem adição de eletrólitos e minerais com densidade calórica de 120Kcal/100ml, sopa e sucos
de frutas com baixo conteúdo calórico menor que 100Kcal/100ml). Também foram
examinadas para as 20 crianças que receberam o novo tratamento: a extensão da diarréia na
primeira semana e a quota calórica durante o período de recuperação do crescimento. O novo
regime proporcionou um ganho de peso, que foi no geral 10,0g/kg/dia comparados com
apenas 2,4g/kg/dia para as crianças que receberam a dieta de rotina. A diarréia foi um evento
raro com o novo regime e a quota calórica durante a fase de recuperação do crescimento foi,
no geral, 160 Kcal/kg/dia.
AHMED & TOLBOM (2000) avaliaram o uso de um Protocolo padronizado para o
tratamento de crianças com desnutrição grave com diarréia no Centre for Diarrhoeal Diseases
Research (ICDDR) em Dhaka, Bangladesh.
O estudo utilizou o Protocolo em crianças admitidas nos seis primeiros meses de 1997 e
comparou os efeitos com os do tratamento não-padronizado dispensado às crianças admitidas
nos primeiros seis meses de 1996. Cada grupo foi composto de aproximadamente 300
crianças.
A mortalidade foi de 9,0% no grupo teste, comparada com 17,0% no grupo controle.
Ana Rodrigues Falbo Introdução
30
A contribuição mais importante para essa diferença, segundo os autores, foi provavelmente
um melhor manuseio da hidratação. Apenas 40,0% das crianças no grupo teste receberam
hidratação venosa, comparado com 70,0% no grupo controle, e o volume e a duração da
infusão foram menores no grupo teste. Entretanto, os autores avaliam se a mera existência de
uma conduta padronizada pode ter sido o fator responsável por uma maior disciplina, maior
atenção aos detalhes, menos liberdade de escolha por parte dos clínicos, com menor
possibilidade de cometer erros.
O trabalho utilizou orientações contidas no Protocolo da OMS, excetuando-se a utilização da
ReSoMal (soro para a reidratação oral da criança com desnutrição grave) e também não foram
utilizadas as fórmulas lácteas recomendadas no protocolo.
PUOANE e colaboradores (2001), recentemente, realizaram trabalho cujo principal objetivo
foi avaliar o manejo da criança com desnutrição grave em dois hospitais rurais na Cidade do
Cabo, na África do Sul, para identificar as dificuldades e recomendar a melhoria nos
cuidados. Os dados foram coletados retrospectivamente pelos prontuários médicos, também
por observações estruturadas dos pacientes nas enfermarias e entrevistas com médicos e
enfermeiras.
Alimentação inadequada, manejo inadequado da reidratação e infecção, falta de recursos, e
falta de conhecimento e motivação entre os funcionários dos hospitais foram identificadas
como áreas com necessidade de atenção.
Eles concluem que o manejo da criança desnutrida grave pode ser rapidamente avaliado,
detectando-se necessidade de adequação em determinados aspectos, e que o envolvimento dos
funcionários nesse processo leva a uma participação mais ativa na direção da melhoria do
atendimento da criança desnutrida grave nos hospitais.
DENN e colaboradores (2002. Comunicação pessoal) realizaram estudo qualitativo em
hospitais da África para documentar o processo de implementação, viabilidade e
sustentabilidade de cada etapa contida no Protocolo da OMS.
Em contato pelo correio, os membros de 12 hospitais africanos se mostraram interessados em
participar do estudo. Cinco hospitais foram avaliados e dois foram finalmente selecionados
Ana Rodrigues Falbo Introdução
31
para o estudo: um hospital distrital e um hospital missionário em Ghana. Na visita inicial, um
pediatra experiente reviu a situação nos hospitais e introduziu as orientações contidas no
Protocolo da OMS, utilizando uma estratégia de participação de todos os funcionários
envolvidos. Durante uma segunda visita, seis meses após a primeira, o mesmo pediatra
reavaliou a viabilidade e a sustentabilidade das mudanças introduzidas e ajudou na busca de
soluções para as dificuldades encontradas. Na última visita, após um ano, o mesmo pediatra
realizou uma nova avaliação da situação de forma global.
Os achados foram que o manuseio do problema melhorou nos dois hospitais. O manejo da
hipoglicemia, hipotermia e infecção receberam mais ênfase. Alimentação introduzida mais
rapidamente e mantida com maior freqüência foi estabelecida como uma prática de rotina.
Alguns micronutrientes para serem adicionados na dieta não estavam disponíveis no local e
necessitaram de importação. Foram detectados problemas com a monitorização do ganho de
peso e com a introdução da solução de reidratação para a criança com desnutrição (ReSoMal).
Os autores concluem que a implementação das principais recomendações do Protocolo da
OMS foi viável e sustentável nos dois hospitais africanos. O referido Protocolo pode ser
melhorado e acrescido de sugestões que se adaptem a cada local onde será aplicado. O estudo
não foi estruturado para produzir informações sobre impacto na mortalidade.
BHAN e colaboradores (2003) realizaram um estudo de revisão sobre o manejo da criança
desnutrida grave em países em desenvolvimento utilizando bases de dados do Medline,
Cocharane e também de fonte de publicações da OMS utilizando as palavras chaves
“desnutrição” ou “desnutrição energético-protéica”. Foram identificadas 4.818 referências,
nas quais foram avaliados aspectos relacionados com a avaliação, a fisiopatologia e o
tratamento da desnutrição grave. Foram excluídas as referências que tratavam sobre a
desnutrição em adultos, desnutrição secundária ou os estudos que incluíam série de casos ou
intervenções não controladas. No final foram revisadas em detalhes 140 publicações e em
nenhuma delas houve o relato sobre a utilização do Protocolo da OMS seguindo todas as suas
etapas.
Ana Rodrigues Falbo Introdução
32
1.5 JUSTIFICATIVA
Identifica-se a necessidade da avaliação e aplicação de pautas terapêuticas, atualizadas, que
levem em conta as alterações fisiopatológicas que ocorrem na desnutrição.
O protocolo elaborado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) pretende atender a esta
demanda, recomendando um tratamento sistematizado à criança, cujo principal objetivo é
contribuir para a diminuição da taxa de letalidade hospitalar da criança gravemente desnutrida
e promover a sua reabilitação nutricional.
No Brasil, no sentido de promover uma padronização do atendimento à criança desnutrida
grave, em maio de 1999, foi promovido e coordenado pelo Comitê de Nutrição Materno
Infantil do intercâmbio Ceará/Inglaterra (UFC/SESA-CE/UECE/LSHTM-Universidade de
Londres), um seminário nacional, em outubro de 1999, para a apresentação e discussão do
Protocolo da OMS para tratamento hospitalar da criança desnutrida grave.
Deste evento, participaram a Organização Pan Americana da Saúde (OPAS), a Área Técnica
de Nutrição do Ministério da Saúde, a Sociedade Brasileira de Pediatria e profissionais de
ensino e pesquisa das Universidades Federais e outras instituições de ensino e pesquisa do
país, onde se realiza atualmente o tratamento hospitalar dessas crianças. O IMIP foi uma das
instituições incluídas por ser considerado como centro de referência no tratamento da criança
desnutrida e por ter vínculo com outros centros universitários no país e no mundo.
Após a apresentação dos 10 passos que compõem a execução do protocolo e seus
fundamentos científicos pela Dra. Ann Hill, professora da London School of Hygiene and
Tropical Medicine, que além de ser uma das pioneiras mundiais no tratamento das crianças
desnutridas graves foi também consultora da OMS para a definição do protocolo, um grupo de
40 especialistas discutiu intensamente sobre o mesmo. A conclusão foi de que, de uma
maneira geral, o protocolo poderia ser aplicado mesmo onde não houvesse recursos
sofisticados parta a atenção à criança.
A experiência do IPREDE, uma organização não-governamental cearense onde a coordenação
do Comitê do Intercâmbio de Nutrição Ceará/Inglaterra vinha executando desde 1996/1997 o
Protocolo (CAVALCANTE et al., 1998), foi de grande valia como exemplo prático da
Ana Rodrigues Falbo Introdução
33
viabilidade de aplicação do protocolo no país, uma vez que se trata de uma instituição com
recursos financeiros e humanos limitados.
Neste contexto, o IMIP foi a primeira instituição de ensino e pesquisa a realizar, no período
de maio de 1999 a maio de 2000, um levantamento sobre o atendimento hospitalar de crianças
desnutridas cujo índice peso/idade estava abaixo do percentil 3; a taxa de letalidade
encontrada neste grupo foi de 34,3% (FALBO & ALVES, 2002).
Sendo o IMIP um hospital voltado para ensino, pesquisa e assistência, identifica-se a
necessidade de mobilizar esforços no sentido de melhorar a qualidade do atendimento à
criança desnutrida grave hospitalizada. A utilização da recomendação de tratamento contida
no Protocolo da OMS, de forma adequada à realidade local, pode ser um passo importante
nessa direção.
A Sociedade Brasileira de Pediatria, em publicação recentemente aprovada por seu
Departamento Científico de Nutrição e elaborada por MONTE & SARNI (2002), definiu as
diretrizes a serem utilizadas no tratamento da criança desnutrida grave hospitalizada. Tais
recomendações são essencialmente baseadas no atual Protocolo da OMS.
O atual estudo é o primeiro realizado no país a utilizar o protocolo na íntegra. Visou avaliar os
resultados da aplicação do mesmo, particularmente no que se refere à taxa de letalidade
hospitalar e à operacionalização das diversas tarefas que compõem cada um dos passos
terapêuticos para desta forma contribuir para a adequação da assistência médico-hospitalar do
problema em foco.
O propósito foi, portanto, adequar o tratamento atualmente dispensado às crianças no IMIP,
de forma a integrar a base e a aplicação de princípios do conhecimento científico atual, e
assim obter a redução na taxa de letalidade hospitalar existente.
Um outro aspecto de relevância para a realização do estudo é que, além de ser o IMIP um
centro de referência para assistência, ensino e pesquisa, funciona também como importante
centro de capacitação de recursos humanos na área da saúde para o Brasil e particularmente
para a região Nordeste. Desta forma, isso possibilita que, após a conclusão do trabalho, sejam
repassados a prática e os conhecimentos adquiridos para a capacitação de profissionais que
Ana Rodrigues Falbo Introdução
34
atuam em hospitais e centros de saúde da periferia da capital e do interior do estado de
Pernambuco, e de outros estados do país onde este tipo de atuação se faça necessária.
Ana Rodrigues Falbo Hipótese do Estudo
35
2. HIPÓTESE DO ESTUDO
O Protocolo adaptado da OMS para manejo da criança com desnutrição grave hospitalizada é
mais efetivo para a redução da letalidade hospitalar que o Protocolo utilizado anteriormente
no IMIP.
Ana Rodrigues Falbo Objetivos
36
3. OBJETIVOS
3.1 GERAL
• Avaliar a aplicação e o impacto do Protocolo adaptado da Organização
Mundial da Saúde (OMS) no manejo e na evolução da criança com
desnutrição grave hospitalizada no Instituto Materno Infantil de Pernambuco
(IMIP).
3.2 ESPECÍFICOS
• Comparar a taxa de letalidade hospitalar entre o grupo de crianças com
desnutrição grave hospitalizadas no IMIP que receberam o tratamento de rotina
utilizado no serviço para manejo da desnutrição (grupo controle do estudo) e o
grupo de crianças igualmente desnutridas graves hospitalizadas no IMIP que
foram tratadas conforme o Protocolo adaptado da OMS para manejo da
desnutrição grave (grupo da intervenção experimental do estudo).
• Avaliar a realização das etapas de tratamento do Protocolo adaptado da OMS
para manejo da criança desnutrida grave hospitalizada com a finalidade de
verificar a sua operacionalização na prática clínico-hospitalar e o cumprimento
do tratamento.
3.3 SECUNDÁRIOS
• Verificar características sociodemográficas, características das mães e da
condição de saúde das crianças nos dois grupos do estudo.
• Avaliar a condição clínica das crianças dos dois grupos do estudo na ocasião da
admissão e o tempo de permanência hospitalar.
• Avaliar a evolução das crianças do grupo da intervenção experimental do
estudo, considerando aspectos clínicos e do início da fase de reabilitação.
• Avaliar as crianças do grupo da intervenção experimental do estudo que foram
a óbito, em relação à sua condição clínica, à causa provável dos óbitos e à
presença de falhas no manejo.
Ana Rodrigues Falbo Sujeitos e Método
37
4. SUJEITOS E MÉTODO
4.1 LOCAL DO ESTUDO
O estudo foi realizado no Instituto Materno Infantil de Pernambuco, situado na região
metropolitana do Recife, no estado de Pernambuco. O IMIP é uma entidade não-
governamental, filantrópica, tendo como missão precípua a assistência médico-social, o
ensino, a extensão comunitária e a pesquisa.
É Centro de Referência Nacional para a Assistência Materno-Infantil do Ministério da Saúde,
sendo ainda credenciado como Hospital-escola pelo Ministério da Educação.
Como centro de referência do Sistema Único de Saúde (SUS) de PE, para atendimento a
doenças de alta complexidade, o IMIP atende rotineiramente às crianças dos municípios de
todo o estado e estados vizinhos. Essas crianças são atendidas em 142 consultórios,
perfazendo em média 50.000 consultas por mês. Esta atividade ambulatorial estende-se desde
a Clínica Pediátrica Geral e Especializada, Clínica Obstétrica e Ginecológica, com todas as
especialidades médicas e paramédicas.
O setor de Emergência Pediátrica assiste uma média de 6.000 crianças/mês. A Unidade
Hospitalar permite uma média de 2.200 internamentos/mês, a realização mensal de 500
procedimentos cirúrgicos infantis, inclusive transplante renal. A Unidade de Terapia Intensiva
é responsável por cerca de 100 internamentos/mês, clínicos e cirúrgicos. A UTI neonatal
realiza aproximadamente 30 internamentos/mês. A Unidade Renal Infantil realiza, em média,
120 hemodiálises/mês.
Para o atendimento deste grande número de pacientes, o IMIP destina 99,0% de sua
capacidade instalada ao SUS, disponibilizando fisicamente uma complexa estrutura
hospitalar, composta de três prédios que reúnem 190 leitos de Pediatria Clínica, inclusive com
os oito leitos de Isolamento Infantil, 138 leitos da Clínica Cirúrgica, Unidade Renal Pediátrica
com 13 leitos e 10 máquinas para hemodiálise infantil, Unidade para Recém-nascidos
Prematuros e Baixo-peso com 21 leitos, Berçário Interno de Risco com 32 leitos semi-
intensivos, Berçário Externo Patológico com 16 leitos, Unidade de Oncologia Infantil com 32
leitos, Hospital Dia Pediátrico com 12 leitos e Tocoginecologia com 126 leitos, inclusive para
Ana Rodrigues Falbo Sujeitos e Método
38
gestação de alto risco. Dispõe ainda de bloco cirúrgico com seis salas, bloco cirúrgico
obstétrico com seis salas, Centro Diagnóstico e Terapêutico Cirúrgico para procedimentos
intervencionistas menos complexos e investigatórios com três salas, além de UTI pediátrica
com 12 leitos, UTI neonatal com 18 leitos e UTI obstétrica com 12 leitos.
No ensino, o IMIP é credenciado pelo Ministério da Educação (MEC) nos seguintes campos:
Hospital de ensino; Programa de Integração do Ensino Superior (PIES) Ministério da Saúde e
MEC, como capacitado tecnicamente no nível máximo do Fundo de Incentivo ao
Desenvolvimento de Ensino e Pesquisa em Saúde (FIDEPS); Programas de Residência
Médica em Pediatria Clínica, Residência Médica em Neonatologia, Residência Médica em
Obstetrícia e Ginecologia, Residência Médica em Reprodução Humana, Residência Médica
em Cirurgia Pediátrica, Residência Médica em Cirurgia Plástica, Residência Médica em
Anestesiologia, Residência Médica em Saúde da Família (PSF) e Residência em
Enfermagem; Programas de Mestrado Materno-Infantil em Saúde Pública; Instituição de
suporte técnico-científico para o desenvolvimento de estágios curriculares de graduação na
área médica e paramédica; capacitado a realização de Convênio de Cooperação Técnico-
científica com a Secretaria de Saúde do Estado de Pernambuco, Fundação de Saúde Amaury
de Medeiros (FUSAM) e as Secretarias Municipais de Saúde do Recife e de Olinda, entre
outras; como replicador técnico nacional de Programas e Estratégias do Ministério da Saúde,
Sistema Único de Saúde em nível Municipal, Estadual e Federal.
No programa de Extensão Comunitária, o IMIP possui 19 equipes do Programa de Saúde da
Família, atendendo em 12 postos de saúde de oito comunidades de baixa renda (favelas), com
uma população superior a 70.000 habitantes, localizadas na periferia das cidades do Recife e
de Olinda.
Quanto às atividades de pesquisa, o IMIP conta com uma Diretoria com atribuições de
estimular, desenvolver, analisar, orientar e propiciar apoios ético, legal, científico, material e
financeiro às atividades de investigação científica nos campos da medicina, biologia e
ciências humanas, institucionalmente ou através de convênios com reconhecidas organizações
acadêmico-científicas nacionais e internacionais.
Durante seus 40 anos de existência, o IMIP vem continuamente expandindo-se objetivando
uma permanente melhoria aos serviços ofertados à população carente.
Ana Rodrigues Falbo Sujeitos e Método
39
4.2 POPULAÇÃO DO ESTUDO
A população do estudo foi composta por crianças com idade de um a 60 meses, hospitalizadas
no Hospital Geral de Pediatria do IMIP (HGP/IMIP), no período de maio de 1999 a dezembro
de 2001, com desnutrição grave (índice peso/idade abaixo do percentil1, segundo os valores
de referência do NCHS e da OMS, e/ou presença de edema simétrico envolvendo no mínimo
os pés), que procuraram o serviço de emergência do IMIP.
4.3 DESENHO DO ESTUDO
Realizou-se um estudo de intervenção com controle histórico (FRIEDMAN et al., 1996). As
crianças tratadas conforme a orientação do protocolo da OMS no período de dezembro de
2000 a dezembro de 2001 foram comparadas com as crianças igualmente desnutridas,
hospitalizadas no IMIP durante o período de maio de 1999 a maio de 2000, que não
receberam o esquema de tratamento orientado pela OMS.
Em estudos com controle histórico, uma nova intervenção é aplicada a um grupo de
participantes e os resultados são comparados com a evolução de um outro grupo prévio à
intervenção. Por definição, estudo com controle histórico é não-randômico e não-concorrente.
O argumento para a utilização de desenho de estudo com controle histórico é que nenhum
novo paciente portador da doença sob investigação deixe de receber a nova intervenção, que
na opinião dos autores é reconhecidamente benéfica. Portanto, a sua restrição a novos
pacientes teria sérias implicações éticas.
Um estudo com controle histórico é particularmente vulnerável a vieses, cuja possibilidade de
ocorrência os pesquisadores têm que levar em conta na realização da análise e na busca de
formas de entendimento e interpretação dos resultados que busquem isolar ao máximo os
efeitos deletérios dos vieses sobre a questão em estudo (EBRAHIM & SULLIVAN, 1996).
Neste estudo, além da comparação entre os grupos em relação à taxa de letalidade hospitalar e
à intervenção, foi realizada uma análise quantitativa de dados referentes à evolução clínica, ao
início da fase de reabilitação, aos casos de óbito e ao cumprimento das etapas do tratamento
Ana Rodrigues Falbo Sujeitos e Método
40
no grupo da intervenção experimental, constituindo assim um outro desenho de estudo, qual
seja, o de uma série de casos (FLETCHER et al., 1996).
4.4 TAMANHO AMOSTRAL
O cálculo do tamanho da amostra foi baseado na redução da taxa de letalidade hospitalar da
criança desnutrida grave hospitalizada no IMIP/HGP (principal desfecho avaliado no estudo),
que antes da aplicação do protocolo da OMS era de 38,1%, e que seria reduzida para 20,0%
com a aplicação do protocolo.
Segundo orientação da OMS (OMS, 2000), uma taxa de letalidade hospitalar maior que
20,0% é considerada inaceitável, de 11,0% a 20,0% é deficiente, de 5,0% a 10,0% moderada,
de 1,0% a 4,0%, boa, e menor que 1,0%, excelente.
Utilizou-se para o cálculo do tamanho da amostra o software EPI-INFO versão 6.0, no
EPITABLE CALCULATOR módulo do EPI-INFO, utilizando a comparação entre duas
proporções, com um poder de 80,0% e 5,0% de nível de significância, obtendo-se o número
de 110 crianças para cada grupo do estudo.
4.5 CRITÉRIOS DE INCLUSÃO
Grupo da intervenção experimental: crianças com idade de um a 60 meses, com desnutrição
grave (índice peso/idade abaixo do percentil1, cujo valor é aproximadamente correspondente
a < que menos 3DP, segundo os valores de referência do NCHS e da OMS, e/ou presença de
edema simétrico envolvendo no mínimo os pés), e que foram atendidas no serviço de
emergência do IMIP, apresentando anorexia acentuada, e/ou vômitos e/ou diarréia, e/ou
qualquer processo infeccioso após o consentimento livre e esclarecido dos responsáveis
(Anexo 2).
Grupo controle: crianças com idade de um a 60 meses, com desnutrição grave (índice
peso/idade abaixo do percentil1, cujo valor é aproximadamente correspondente a < menos
3DP, segundo os valores de referência do NCHS e da OMS), internadas segundo critério
utilizado na prática do serviço, com base na gravidade da doença intercorrente, segundo o
julgamento do médico assistente da emergência.
Ana Rodrigues Falbo Sujeitos e Método
41
4.6 CRITÉRIOS DE EXCLUSÃO
Crianças que, embora tenham as características de ingresso na pesquisa, no momento da
admissão apresentaram quadro clínico de doença em fase terminal, ou que apresentaram
parada cardiorespiratória à admissão (para ambos os grupos).
Crianças que, embora elegíveis para o estudo, não tiveram o consentimento dos pais ou
responsáveis para a participação na pesquisa (critério utilizado para o grupo da intervenção,
uma vez que era muito difícil localizar os pais ou responsáveis das crianças que compõem o
grupo controle).
Crianças no grupo da intervenção experimental que, por dificuldade ou vontade dos pais ou
responsáveis, não permaneceram hospitalizadas até atingir os critérios estabelecidos para a
alta hospitalar.
4.7 VARIÁVEIS DO ESTUDO
4.7.1 VARIÁVEL EXPLICATIVA
A intervenção: aplicação do Protocolo adaptado da OMS na criança com desnutrição grave
hospitalizada no IMIP.
4.7.2 VARIÁVEL DEPENDENTE
A taxa de letalidade hospitalar: que foi calculada em cada grupo do estudo, dividindo-se o
número de crianças hospitalizadas com desnutrição grave que foram a óbito, multiplicado por
100, dividido pelo número total de crianças hospitalizadas com desnutrição grave em cada
período estudado.
4.7.3 VARIÁVEIS ESTUDADAS PARA A CARACTERIZAÇÃO DOS SUJEITOS
E PARA A AVALIAÇÃO DA SUA CONDIÇÃO CLÍNICA
- Sexo;
- Dados antropométricos (peso ao nascer, peso à admissão, comprimento/altura);
Ana Rodrigues Falbo Sujeitos e Método
42
- Condição da habitação: local, tipo da habitação, saneamento básico;
- Condição socioeconômica: renda, escolaridade da mãe;
- Condição de saúde da criança: duração da gestação, aleitamento materno, estado
de vacinação, presença de doença de base;
- Condição clínica da criança à admissão: presença de edema, estado de hidratação,
sinais de choque circulatório, presença de anemia;
- Condição clínica da criança durante o internamento: hipoglicemia, hipotermia,
infecção hospitalar, insuficiência cardíaca, episódios de diarréia, ganho médio de
peso (GMP) e tempo de permanência hospitalar.
4.8 OPERACIONALIZAÇÃO DO ESTUDO
4.8.1 INTERVENÇÃO: as crianças foram tratadas segundo a orientação do Protocolo da
OMS (2000) para manejo da criança desnutrida grave hospitalizada. Algumas modificações
foram realizadas, adequando-o à realidade do local, para possibilitar a viabilidade da
implantação do referido protocolo (o Anexo 1 contém as orientações terapêuticas que foram
seguidas no estudo).
O diagnóstico de hipoglicemia foi considerado quando a glicemia ou o exame realizado com a
fita reagente (dextrostix ®) foi menor do que 50 mg/dl, quando no Protocolo da OMS esse
diagnóstico é dado com um valor respectivo menor do que 54mg/dl. A fita reagente utilizada
no estudo não fornece leitura com tal especificação.
A monitorização durante a reidratação oral com a ReSoMal foi programada para ser feita a
cada duas horas, e não a cada hora como orientado no Protocolo da OMS.
A monitorização durante a reidratação venosa foi programada para ser feita a cada hora e não
a cada cinco ou 10 minutos como recomendado pelo Protocolo da OMS.
A monitorização durante a infusão de hemoderivados com a aferição da freqüência cardíaca e
da freqüência respiratória foi programada para ser feita no início, na metade e no final da
infusão, e não a cada cinco ou 10 minutos como preconizado pelo Protocolo da OMS, bem
como o tempo gasto para a infusão foi estabelecido como sendo o mais lento possível, já que
não seria possível controlá-lo para fazer a infusão durante pelo menos três horas.
Ana Rodrigues Falbo Sujeitos e Método
43
Em relação à estimulação sensorial, não era possível colocar em prática o currículo de
ludoterapia recomendado pelo Protocolo da OMS com a participação de profissionais com
treinamento específico para tal. A estimulação sensorial e o suporte emocional utilizados no
estudo envolveram:
O manuseio com carinho através da sensibilização prévia da equipe envolvida no tratamento
das crianças;
O oferecimento de ambiente com estimulação o mais adequado possível (berços abertos para
possibilitar a visualização de todo o ambiente, sem a imobilização das crianças, e a colocação
de objetos coloridos na enfermaria);
A oportunidade para recreação com brinquedos e música por 15 a 30 minutos diariamente;
O envolvimento materno tanto quanto possível no tratamento da criança.
O estudo considerou que a criança estava em condição de receber alta hospitalar quando:
O problema clínico que motivou o internamento foi superado ou em condição de tratamento
ambulatorial e
A criança estava alimentando-se bem por via oral cumprindo as quotas calórica e hídrica
programadas e
O ganho médio de peso foi > 10g/kg/dia por pelo menos três dias consecutivos.
O Protocolo da OMS para manejo da criança desnutrida grave orienta que ela estará em
condição de receber alta hospitalar quando: o problema clínico que motivou o internamento
esteja superado ou em condição de tratamento ambulatorial; a criança esteja alimentando-se
bem por via oral; com ganho médio de peso > 5g/kg/dia; e que tenha apresentado a
reabilitação nutricional, ou seja, a evolução do índice nutricional peso/altura de < menos 3
DP para peso/altura < menos 1 DP. Há uma expectativa que este processo possa durar em
média de duas a seis semanas.
Ana Rodrigues Falbo Sujeitos e Método
44
Os pacientes do estudo foram internados no quarto andar do Hospital Geral de Pediatria do
IMIP, permanecendo todos eles em uma mesma enfermaria;
Os pacientes foram acompanhados do ponto de vista da evolução clínica pela pesquisadora e
receberam também assistência dos demais membros da equipe de saúde do serviço que
rotineiramente prestam atenção às crianças hospitalizadas na instituição;
A coleta dos dados das crianças participantes do estudo foi feita por meio de um formulário
para registro de dados (Anexo 3) construído conforme as variáveis do estudo; por meio da
planilha de acompanhamento clínico (Anexo 4); planilha de acompanhamento da terapêutica e
de exames laboratoriais (Anexo 5); planilha de ingestão alimentar (Anexo 6); pelo gráfico de
acompanhamento do peso (Anexo 7); além da utilização do prontuário médico;
Para o diagnóstico da hipoglicemia foi utilizada a fita reagente do dextrostix;
Para o controle da temperatura da criança foi utilizado um termômetro capaz de realizar
aferições abaixo de 35,0o C (termômetro para hipotermia);
Para controle da temperatura do ambiente foi utilizado um termômetro de aferição da
temperatura ambiente, fixado na parede no local de permanência das crianças durante a
intervenção
Quando houve a indicação da realização de exames laboratoriais e exames de imagem, os
mesmos foram realizados no serviço específico do IMIP;
Os pacientes foram pesados diariamente, na mesma balança, específica para uso da pesquisa,
da marca Filizola, modelo BP-baby, número 6767/100, com capacidade máxima de 15 kg e
capacidade mínima de 125g e com sensibilidade de 5g. A pesagem foi realizada pela
pesquisadora ou por membro auxiliar de pesquisa, estando a criança despida e clinicamente
hidratada;
O comprimento foi aferido através de um antropômetro de 130cm, com a criança relaxada,
sem sapatos, deitada em posição supina paralela ao eixo axial do antropômetro, com a cabeça
posicionada na linha média e tocando a borda superior da régua. Os pés em flexão de 90º com
Ana Rodrigues Falbo Sujeitos e Método
45
a perna e tocando o limite inferior da régua, anotando-se os valores fracionários com
aproximação de 0,1cm;
Para o acompanhamento da evolução ponderal das crianças foi realizado a cada três dias o
cálculo do ganho médio de peso em gramas por quilo por dia (peso atual em gramas menos o
peso anterior de três dias atrás em gramas dividido por três, dividido pelo peso anterior em
quilos). Exemplo:
Peso anterior da criança (de três dias atrás) = 4.500g
Peso atual da criança = 4.600g
Cálculo: 4.600 – 4.500 = 100: 3 = 33,3: 4,5 kg = 7,4 g/kg/dia;
A verificação da aplicação do Protocolo da OMS, foi feita por meio de uma check list (Anexo
8) elaborada segundo os passos seguidos na aplicação do Protocolo e que foi aplicada para
cada paciente duas vezes por semana. O formulário utilizado como check list registrava as
informações dos dias precedentes à sua utilização;
As fórmulas lácteas foram preparadas segundo a orientação encontrada no Protocolo original
da OMS (WHO, 2000; Anexo 1) no setor de nutrição do IMIP, por nutricionista ou auxiliar de
nutrição (os funcionários foram treinados para tal procedimento). Modo de preparo da
fórmula láctea: os ingredientes da fórmula (água fervida, leite em pó, sacarose, solução da
mistura de minerais, óleo vegetal) eram colocados em recipiente devidamente esterilizado
(segundo a orientação da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar: lavado com escova e
detergente e imerso em solução hipoclorídrica com 0,02% de cloro ativo por uma hora),
graduado para um litro e agitado manualmente. O óleo vegetal e a solução da mistura de
minerais foram medidos em seringa descartável. O leite em pó e a sacarose quando utilizados
em quantidade menor que 5g foram medidos com colher-medida, se a quantidade foi maior
que 5g foi utilizada balança. A quantidade da preparação da fórmula foi de acordo com a
planilha (elaborada conforme a necessidade dos pacientes internados no dia) enviada
diariamente para o setor de nutrição. O recipiente de cada paciente era devidamente marcado
com o número da enfermaria, o número do leito, o tipo da fórmula láctea em uso (F75 ou
F100), a quantidade e o horário da alimentação (o rótulo era colocado antes da preparação da
fórmula). Nos pacientes alimentados por sonda gástrica, a fórmula foi colocada em frasco
próprio (frasco diet®) para evitar contaminação;
Ana Rodrigues Falbo Sujeitos e Método
46
Foram elaborados na farmácia do serviço, conforme a orientação contida no protocolo (Anexo
1): a solução da mistura de minerais (utilizada no preparo das fórmulas lácteas e do soro para
reidratação para a criança com desnutrição grave - ReSoMal), a solução do ácido fólico
(1mg/ml), e a sacarose utilizada no preparo da ReSoMal (pesada em potes de 50g, em balança
de precisão). O Anexo 9 contém detalhes sobre a manipulação da solução da mistura de
minerais;
Por dificuldades técnicas, não foi possível o preparo da mistura de vitaminas, como orientado
pelo protocolo, para ser adicionada às fórmulas lácteas. Em substituição, utilizou-se a
suplementação com polivitamínico (Anexo 1).
4.8.2 ESQUEMA TERAPÊUTICO UTILIZADO NO GRUPO CONTRO LE
O Protocolo utilizado pelo IMIP para tratamento hospitalar da criança desnutrida grave
deixava de seguir, como observado em muitos outros centros hospitalares (SCHOFIELD &
ASHWORTH, 1997), algumas das orientações atualmente recomendadas.
O critério de admissão hospitalar utilizado levava em conta a gravidade da intercorrência
médica apresentada pela criança, sem contextualizá-la dentro dos fatores de risco inerentes ao
seu estado nutricional. O critério de alta hospitalar priorizava a resolução do problema médico
apresentado, sem avaliar o estado nutricional, e o risco associado em relação à possibilidade
de recaída após a alta.
Outros aspectos não contemplados na rotina de tratamento utilizada no IMIP, e que são
recomendados pelo protocolo da OMS são: o uso de antibiótico para todas as crianças com
desnutrição grave no momento da admissão hospitalar; o uso do ferro apenas após a primeira
semana de tratamento hospitalar; o uso da vitamina A em dose elevada na admissão para
todas as crianças; e a adição de micronutrientes e eletrólitos às fórmulas lácteas.
Em relação ao manejo nutricional, a rotina de tratamento que era utilizada no IMIP oferecia já
na admissão quotas elevadas de calorias e proteínas, e não havia a utilização de alimentação
posterior específica para o início da fase de recuperação do peso.
Ana Rodrigues Falbo Sujeitos e Método
47
O Protocolo utilizado no IMIP não continha um item específico que ressaltasse a importância
de componentes definidos para o monitoramento dessas crianças (nos anexos 10 e 11 estão
colocados os principais componentes terapêuticos e de monitorização utilizados nas crianças
dos dois grupos do estudo).
4.9 DEFINIÇÃO DOS TERMOS
Diarréia: definida como a ocorrência de três ou mais evacuações de consistência diminuída
(semipastosas, semilíquidas e líquidas) no período de 24 horas ou pelo menos uma evacuação
com a presença de sangue visível;
Novo episódio de diarréia: se, após três dias da normalização do trânsito intestinal, a criança
volta a apresentar alteração compatível com a definição de diarréia utilizada no estudo e
descrita acima;
Doença de base: doença grave e crônica que sabidamente tenha influência negativa no estado
nutricional da criança;
Choque circulatório: presença de desidratação grave com diminuição do nível de consciência;
Insuficiência cardíaca congestiva (ICC): definida pelo aumento na freqüência cardíaca em
25bpm e pelo aumento na freqüência respiratória em 5ipm, em relação às respectivas
freqüências basais da criança, aumento que é mantido em duas aferições sucessivas com
intervalo de quatro horas (segundo o Protocolo da OMS) e/ou por dados clínicos sugestivos
de ICC (dispnéia, ausculta de congestão pulmonar, cianose, agitação etc.);
Novo episódio de insuficiência cardíaca congestiva: se após um episódio de ICC, segundo a
definição utilizada no estudo, a criança apresenta normalização da freqüência cardíaca, da
freqüência respiratória e/ou do quadro clínico, e volta a apresentar alterações compatíveis com
ICC segundo a definição utilizada no estudo e descrita acima;
Infecção hospitalar: presença de distermias e/ou aparecimento de foco infeccioso com
repercussão sistêmica grave (pulmonar, gastrointestinal, cutâneo, sistema nervoso etc.),
alterações estas que não estavam presentes à admissão, surgindo após 48 horas do ingresso
Ana Rodrigues Falbo Sujeitos e Método
48
hospitalar ou que, uma vez presentes à admissão, já haviam sido superadas com tratamento e
reapareceram;
Tempo de permanência hospitalar: definido como o tempo em semanas decorrido da admissão
até a alta ou o óbito;
Hipoglicemia: glicemia estimada pelo teste da fita reagente (dextrostix ) com um valor <
50mg/dl e/ou alteração do nível de consciência e/ou presença de hipotermia;
Novo episódio de hipoglicemia: se após um episódio de hipoglicemia, segundo a definição
utilizada no estudo, a criança tem a glicemia normalizada, está clinicamente bem, sem
hipotermia e volta a apresentar alterações compatíveis com a definição de hipoglicemia
utilizada no estudo e descrita acima;
Hipotermia: temperatura axilar < 35oC, aferida com termômetro próprio para leitura de baixas
temperaturas, e com tempo de permanência no local de três minutos;
Novo episódio de hipotermia: se após um episódio de hipotermia, segundo a definição
utilizada no estudo, a criança tem a temperatura axilar normalizada (≥ 36,5ºC) e volta a
apresentar alteração compatível com a definição de hipotermia utilizada no estudo e descrita
acima;
Início da fase de reabilitação (recuperação do peso): momento em que se observa a subida da
curva de peso (ganho médio de peso >10g/kg/dia), que se mantém por três dias seguidos,
sendo este fato acompanhado pelo retorno do apetite e pela melhora clínica da criança.
4.10 ANÁLISE ESTATÍSTICA
A partir do levantamento das informações nos formulários pré-codificados, construiu-se um
banco de dados (com dupla entrada), no software EPI-INFO versão 6.0. Para análise do
estado nutricional, utilizou-se o EPINUT, módulo do EPI-INFO, com o padrão do NCHS.
Foi verificada a distribuição de freqüência das variáveis estudadas, apresentando-as em forma
de tabelas.
Ana Rodrigues Falbo Sujeitos e Método
49
A análise estatística do efeito da intervenção sobre a letalidade foi realizada em duas etapas.
Na primeira, o intuito foi investigar a comparabilidade entre os grupos com relação a
possíveis variáveis de confusão. Nessa etapa empregou-se o teste qui-quadrado ou o teste
exato de Fisher.
Na segunda etapa foi construído um modelo logístico multivariado com aquelas possíveis
variáveis de confusão que na primeira etapa apresentaram distribuição estatisticamente
distinta nos dois grupos, ou seja, variáveis que apresentaram associação com nível de
significância de até 25,0%, segundo a recomendação de HOSMER e LEMESHOW (1989). O
nível de significância adotado nos testes foi de 5,0%.
4.11 PROBLEMAS METODOLÓGICOS
O critério de inclusão de crianças no grupo da intervenção experimental não foi o mesmo do
grupo controle em relação à aparente gravidade da condição médica devido a razões éticas
decorrentes do atual conhecimento científico sobre desnutrição grave.
Atualmente, sabe-se que a criança desnutrida grave é altamente vulnerável a morte. Muitas
vezes, ainda que não apresente manifestações clínicas de alta gravidade aparente por ocasião
da chegada ao hospital, na verdade já são portadoras de condições infecciosas, de
desequilíbrio hidroeletrolítico e de outros agravos passíveis de êxito letal.
Segundo recomendação da Organização Mundial da Saúde, as crianças devem ser
hospitalizadas quando se constata desnutrição grave e a presença de intercorrências médicas
independentemente da gravidade aparente da sua situação.
A OMS (2000) recomenda a aplicação do protocolo para a criança desnutrida grave com o
indicador peso/altura < menos 3DP ou menos que 70,0% da mediana do valor de referência
do NCHS, o que caracteriza o emagrecimento grave e/ou a ocorrência de sinais clínicos de
desnutrição grave, como a presença de edema simétrico pelo menos nos pés. No nosso estudo
não pudemos trabalhar com o índice peso/altura, pois, no grupo de controle histórico
utilizado, em muitos casos não estava disponível o dado referente à altura das crianças, o que
impossibilitou o uso do índice para a comparação.
Ana Rodrigues Falbo Sujeitos e Método
50
O serviço de pediatria do IMIP dispõe de enfermarias com nove leitos cada uma e uma
auxiliar de enfermagem para prestar os cuidados a essas crianças. Esta profissional alimenta,
realiza os cuidados de higiene, afere a temperatura a cada seis horas, anota a aceitação
alimentar, o número de evacuações e seu aspecto, a diurese, a presença de vômitos e de
quaisquer outras alterações que ocorram com as crianças. Geralmente, as mães acompanham
as crianças durante a hospitalização e colaboram com esses cuidados.
Existe uma auxiliar de enfermagem responsável pela administração da medicação oral, outra
responsável pela administração da medicação venosa e outra responsável pela realização de
punção venosa, quando indicada.
Pelo que foi relatado acima, foi antecipado que haveria dificuldade no cumprimento das
etapas do tratamento relacionadas com a monitorização freqüente das crianças.
O estudo foi realizado em um hospital terciário de referência, que recebe crianças com
problemas de saúde complexos, sem condição de tratamento em nível primário e secundário,
crianças que procedem de todo o estado de Pernambuco e de estados vizinhos, tendo,
portanto, de atender a uma alta demanda, sem condição de manter os seus leitos ocupados por
um período muito longo. O serviço não dispõe de estrutura específica para realizar a
recuperação nutricional da criança com desnutrição.
Pelas razões expostas acima, não foi possível utilizar a recuperação nutricional das crianças
do grupo da intervenção do estudo como um critério para a alta hospitalar. Utilizamos como
um dos critérios o ganho médio de peso >10g/kg/dia, por pelo menos três dias seguidos, para
termos mais segurança de que a criança estava pelo menos no início da fase de recuperação
nutricional.
Ana Rodrigues Falbo Resultados
51
5. RESULTADOS
Foram selecionadas 270 crianças, 139 no grupo controle e 131 no grupo da intervenção
experimental. No último grupo, 14 crianças foram excluídas após o ingresso: em 10 casos,
houve solicitação dos pais para sair do estudo antes que fossem atingidos os critérios de alta
utilizados pelo Protocolo da OMS; em três casos, constatou- se que eram crianças no segundo
internamento, e que já haviam participado do estudo no primeiro internamento, e um caso foi
excluído por ocorrência de óbito nas primeiras 24 horas da admissão, com quadro clínico de
hipertensão intracraniana grave.
Portanto, no total, fizeram parte do estudo 256 crianças, sendo 139 crianças no grupo controle
e 117 crianças no grupo da intervenção.
5.1 ESTUDO DE INTERVENÇÃO
5.1.1 CARACTERÍSTICAS DAS CRIANÇAS
5.1.1.1 Características sociodemográficas
Em relação ao sexo não houve diferença, pois aproximadamente metade das crianças era do
sexo masculino e metade do sexo feminino nos dois grupos do estudo. No grupo da
intervenção do estudo, 49,6% das crianças eram do sexo masculino e 50,4% do sexo feminino
e, no grupo controle, 50,4% das crianças eram do sexo masculino e 49,6% do sexo feminino.
No que diz respeito à idade, a maior parte das crianças dos dois grupos do estudo tinha menos
de 12 meses, sendo este percentual de 62,4% no grupo da intervenção e de 95,7% no grupo
controle (p < 0,001).
Quanto ao local da residência, mais da metade das crianças nos dois grupos do estudo (59,7%
no grupo da intervenção e 57,5% no grupo controle) procedia do interior do estado,
aproximadamente um terço da zona da mata (33,3% no grupo da intervenção e 38,1% no
grupo controle) (p =0,389).
Ana Rodrigues Falbo Resultados
52
Casa de alvenaria foi o tipo de habitação observado em mais de 70,0% das crianças nos dois
grupos do estudo (71,4% no grupo da intervenção e 70,2% no grupo controle) (p =0,975).
Mais de 40,0% das crianças dos dois grupos do estudo não possuíam água encanada (45,5%
no grupo da intervenção e 40,6% no grupo controle) (p =0,567) e fossa e/ou esgotamento
sanitário em suas casas (46,9% no grupo da intervenção e 44,7% no grupo controle) (p =
0,868).
Em relação à renda, constatou-se pior situação econômica no grupo da intervenção, com a
maior parte das famílias (54,2%) recebendo menos que um salário mínimo por mês, enquanto
no grupo controle este percentual foi de 36,7% (p =0,04). Os dados referentes às
características sociodemográficas das crianças dos dois grupos do estudo estão demonstrados
na Tabela 1.
Ana Rodrigues Falbo Resultados
53
Tabela 1. Distribuição de freqüência das crianças do estudo, segundo variáveis sociodemográficas. Recife, 1999 a 2001.
Grupo da Intervenção Grupo Controle Variáveis
N % N % Valor de p
Sexo
Masculino 58 49,6 70 50,4
Feminino 59 50,4 69 49,6 1,000
Idade
1 a 12 meses 73 62,4 133 95,7
≥ 12 meses 44 37,7 6 4,3 <<<< 0,001
Local da residência
RMR 47 40,2 59 42,4
Zona da Mata 39 33,3 53 38,1
Outros 31 26,4 27 19,4
0,389
Tipo de habitação
Alvenaria 80 71,4 71 70,2
Outros 32 28,5 30 29,7 0,975
Água encanada
Sim 61 54,4 57 59,3
Não 51 45,5 39 40,6 0,567
Fossa/Esgotamento
Sim 60 53,0 53 55,2
Não 53 46,9 43 44,7 0,868
Renda Familiar
< 1 SM 57 54,2 29 36,7
1 a 2 SM 32 30,4 37 46,8
≥ 2 SM 16 15,2 13 16,4
0,04
RMR: Região Metropolitana do Recife; SM: Salário Mínimo
OBS: a diferença em relação ao número total de crianças estudadas corresponde à ausência da informação
Ana Rodrigues Falbo Resultados
54
5.1.1.2 Características das mães
Em relação à idade das mães, foi observado um percentual de 14,2% e 25,4% de mães com
menos de 19 anos de idade, respectivamente, no grupo da intervenção e no grupo controle, e
foi observado um percentual de 30,3% e 25,4% de mães com mais de 30 anos de idade,
respectivamente, no grupo da intervenção e no grupo controle (p = 0,108).
Observou-se uma maior paridade nas mães do grupo da intervenção, com 47,7% delas tendo
quatro ou mais filhos, enquanto este fato ocorreu em 29,8% das mães do grupo controle (p<
0,015).
O nível de escolaridade das mães dos dois grupos do estudo foi baixo, com mais de 60,0%
delas tendo menos de oito anos de estudo (68,1% no grupo da intervenção e 62,5% no grupo
controle) e pouco mais de 20,0% delas sem nenhuma escolaridade (21,8% no grupo da
intervenção e 22,9% no grupo controle) (p=0,557). Os dados referentes às características
citadas em relação às mães das crianças dos dois grupos do estudo estão apresentados na
Tabela 2.
Tabela 2. Distribuição de freqüência das crianças do estudo, segundo características das suas mães. Recife, 1999 a 2001.
Grupo da Intervenção Grupo Controle Variáveis
N % N %
Valor de p
Idade da mãe
< 19 anos 16 14,2 29 25,4
19 a 30 anos 62 55,3 56 49,1
≥ 30 anos 34 30,3 29 25,4
0,108
Paridade da mãe
1 a 4 filhos 59 52,1 61 70,0
≥ 4 filhos 54 47,7 26 29,8 < 0,015
Escolaridade da mãe
Nenhuma 24 21,8 22 22,9
< 8 anos 75 68,1 60 62,5
≥ 8 anos 11 10,0 14 14,5
0,557
OBS: a diferença em relação ao número total de crianças estudadas corresponde à ausência da informação
Ana Rodrigues Falbo Resultados
55
5.1.1.3 Condição de saúde
Quanto à idade gestacional, 47,1% das crianças do grupo controle foram prematuras ao
nascer, o que só ocorreu com 21,6% das crianças no grupo da intervenção (p< 0,001).
Em relação ao aleitamento materno, 52,7% das crianças do grupo da intervenção mamou por
um período igual ou maior a dois meses, e, no grupo controle, apenas 29,5% das crianças
receberam leite materno por período semelhante (p< 0,001). Dezenove por cento das crianças
do estudo nunca mamaram.
O esquema vacinal estava completo para a idade em 35,9% das crianças do grupo da
intervenção e em apenas 7,5% das crianças do grupo controle (p<0,001). A Tabela 3 apresenta
os dados referentes à condição de saúde das crianças dos dois grupos do estudo.
Tabela 3. Distribuição de freqüência das crianças do estudo, segundo variáveis indicadoras da sua condição de saúde. Recife, 1999 a 2001.
Grupo da Intervenção Grupo Controle
Variáveis N % N %
Valor de p
Idade gestacional
Pré-termo 24 21,6 50 47,1
A termo 87 78,3 56 52,8 <<<< 0,001
Aleitamento materno
Nunca mamou 21 19,0 20 19,0
< 2meses 31 28,1 54 51,4
≥ 2 meses 58 52,7 31 29,5
< 0,001
Vacinas
Nenhuma 12 11,6 30 45,4
Esquema incomp 54 52,4 31 46,9
Esquema comp 37 35,9 5 7,5
<<<< 0,001
OBS: a diferença em relação ao número total de crianças estudadas corresponde à ausência da informação
Ana Rodrigues Falbo Resultados
56
5.1.2 CONDIÇÃO CLÍNICA DAS CRIANÇAS NA OCASIÃO DA A DMISSÃO E
TEMPO DE PERMANÊNCIA HOSPITALAR
As principais causas do internamento das crianças nos dois grupos do estudo foram a diarréia,
em mais de 40,0% dos casos (47,9% no grupo da intervenção e 48,2% no grupo controle), e a
pneumonia, em mais de 30,0% dos casos (31,6% no grupo da intervenção e 31,6% no grupo
controle) (p = 0,942 e p = 0,896, respectivamente).
O edema nutricional esteve presente em 17,1% das crianças do grupo da intervenção e em
apenas 7,2% das crianças do grupo controle (p< 0,023).
Quadro clínico de choque circulatório, denotando uma condição clínica grave, foi detectado
em 11,5% das crianças no grupo controle e em apenas 1,7% das crianças no grupo da
intervenção (p< 0,004).
Quanto à presença de anemia, apenas 21,4% das crianças do grupo da intervenção do estudo e
11,4% das crianças do grupo controle do estudo tinham hemoglobina menor do que 6g% (p =
0,140).
Não houve diferença estatisticamente significante na ocorrência de doença de base entre os
grupos do estudo, que foi constatada em aproximadamente um terço das crianças nos dois
grupos do estudo (35,0% no grupo da intervenção e 39,6% no grupo controle). O grupo da
intervenção experimental apresentou um maior tempo de hospitalização, com 40,8% das
crianças permanecendo internadas por um período maior ou igual que duas semanas, enquanto
no grupo controle apenas 21,8% das crianças permaneceram por período semelhante
(p<0,001). A Tabela 4 apresenta os dados relativos à condição clínica das crianças dos dois
grupos do estudo na ocasião da admissão hospitalar e ao tempo de permanência hospitalar.
Ana Rodrigues Falbo Resultados
57
Tabela 4. Distribuição de freqüência das crianças do estudo, segundo variáveis indicadoras de sua condição clínica à admissão e o tempo de permanência hospitalar. Recife, 1999 a 2001.
Grupo da Intervenção Grupo Controle Variáveis
N % N % Valor de p
Internamento por diarréia
Sim 56 47,9 67 48,2
Não 61 52,1 72 51,8 0,942
Internamento por pneumonia
Sim 37 31,6 44 31,6
Não 80 68,3 95 68,3
0,896
Presença de edema
Sim 20 17,1 10 7,2
Não 97 82,9 129 92,8 < 0,023
Choque circulatório
Sim 2 1,7 16 11,5
Não 115 98,3 123 88,5 < 0,004
Anemia (Hb)*
< 6g% 18 21,4 13 11,4
6 a 10g% 50 59,5 73 64,0
≥ 10g% 16 19,0 28 24,5
0,140
Doença de base
Sim 41 35,0 55 39,6
Não 76 64,9 84 60,4 0,538
Tempo de permanência
hospitalar**
< 2 semanas 58 59,1 72 78,3
2 a 3 semanas 21 21,4 9 9,8
≥ 3 semanas 19 19,4 11 12,0
<0,001
*Inclui apenas os casos em que houve indicação da realização do exame.
** Excluídas as crianças que foram a óbito.
Ana Rodrigues Falbo Resultados
58
5.1.3 TAXA DE LETALIDADE HOSPITALAR
A taxa de letalidade hospitalar foi de 16,2% nas crianças que receberam a intervenção e de
33,8% nas crianças do grupo controle (p< 0,002) (Tabela 5).
Tabela 5. Distribuição de freqüência das crianças do estudo, segundo a evolução para alta ou óbito. Recife, 1999 a 2001.
Evolução
Óbitos Altas Grupos
N % N %
OR IC95% Valor de p
Intervenção 19 16,2 98 83,8
0,38 0,2 a 0,7 < 0,002
Controle 47 33,8 92 66,2
Para avaliar o efeito da intervenção sobre a taxa de letalidade hospitalar, controlando-se o
efeito de possíveis variáveis de confusão, foi considerado que no momento do ingresso no
estudo todas as crianças estavam igualmente desnutridas, e as variáveis que atuaram
anteriormente à hospitalização, como aquelas relacionadas à condição de vida da criança, às
características da mãe, à idade gestacional, ao aleitamento materno e ao estado vacinal, seriam
de risco para determinar o estado nutricional e não para a evolução posterior durante a
hospitalização em relação ao risco de óbito.
Quanto a prematuridade, como foi observada uma distribuição com diferença importante entre
os grupos, e pela possibilidade de introdução de um viés importante na classificação das
crianças, foi feita uma avaliação mais detalhada dessa variável. Foi observado que o número
de óbitos no total das crianças do estudo que foram prematuras (23,0%) foi semelhante ao
número de óbitos no total das crianças do estudo nascidas a termo (24,5%) (p= 0,868).
Conclui-se que no estudo em que pese a distribuição diferente da prematuridade entre os
grupos, esta não teve influência na evolução das crianças.
As co-variáveis ou variáveis prognósticas com potencial efeito de confusão, identificadas na
análise univariada, foram a idade da criança, a presença de edema, o choque circulatório e a
Ana Rodrigues Falbo Resultados
59
anemia na admissão hospitalar. Para determinar se todas ou apenas um subconjunto delas
apresentavam efeito de confusão, foi realizada uma análise de regressão logística
multivariada. O modelo final ajustado excluiu apenas a anemia como possível fator de
confusão (Tabela 6).
Tabela 6. Modelo de regressão logística multivariada para reavaliar o efeito da intervenção sobre a taxa de letalidade hospitalar, controlando o efeito de possíveis variáveis de confusão.
Variáveis OR IC 95% Valor de p
Grupo
Intervenção 0,51 0,26 a 1,00
Controle 1,00 - 0,051
Idade da criança
1 a 12 meses 2,56 0,89 a 7,31
≥ 12 meses 1,00 - 0,080
Choque circulatório
Sim 3,73 1,35 a 10,30
Não 1,00 - 0,011
Edema
Sim 2,13 0,88 a 5,20
Não 1,00 - 0,095
A razão de Odds (OR), de óbito hospitalar, entre o grupo da intervenção e o grupo controle,
passou de 0,38, sem ajuste, para 0,51, com o ajuste de possíveis fatores de confusão. O
incremento de 0,13 representou um aumento de 34,2% em relação ao OR bruto.
Foi também estimado o risco relativo (RR) na avaliação do efeito da intervenção sobre a taxa
de letalidade, cujo valor sem ajuste para possíveis fatores de confusão foi de 0,48 (IC95%: 0,3
a 0,77). A partir do valor do OR ajustado (0,51) foi estimado o RR ajustado (0,61), de acordo
com o método proposto por ZHANG (1998). Portanto há um efeito de proteção associado a
intervenção em relação ao risco de óbito. A intensidade desta associação diminuiu após o
ajuste para fatores de confusão, mas não deixou de existir.
Ana Rodrigues Falbo Resultados
60
5.2 SÉRIE DE CASOS
5.2.1 EVOLUÇÃO DAS CRIANÇAS DO GRUPO DA INTERVENÇÃO
EXPERIMENTAL
5.2.1.1 Aspectos clínicos
Mais de sessenta por cento (62,3%) das crianças apresentaram pelo menos um episódio de
diarréia durante a evolução. Vinte e sete crianças (23,1%) apresentaram quadro clínico
sugestivo de insuficiência cardíaca congestiva. Constatou-se infecção hospitalar em 34
crianças (29,1%). Foram observados apenas cinco casos (4,5%) de hipoglicemia e três casos
(2,5%) de hipotermia na admissão hospitalar. Foi verificado apenas um caso de hipoglicemia
durante a hospitalização das crianças. Em relação a episódios de hipotermia, nove crianças
(7,7%) apresentaram esta complicação durante a sua permanência no hospital. Os dados
relativos a estes aspectos da evolução das crianças estão apresentados na Tabela 7.
Ana Rodrigues Falbo Resultados
61
Tabela 7. Distribuição de freqüência das crianças do grupo da intervenção experimental do estudo, segundo aspectos da sua evolução clínica durante a hospitalização. Recife, 2000 a 2001. Variáveis N %
Episódios de diarréia
Nenhum 4 37,6
1 48 41,0
2 19 16,2
≥ 3 0 5,1
Episódios de insuficiência cardíaca congestiva
Nenhum 89 76,7
1 23 19,8
2 3 2,5
≥ 3 1 0,8
Infecção hospitalar
Sim 34 29,1
Não 83 70,9
Hipoglicemia na admissão*
Sim 5 4,5
Não 104 95,4
Hipotermia na admissão**
Sim 3 2,5
Não 113 97,4
Episódios de hipotermia na evolução
Nenhum 107 92,2
1 7 6,0
2 2 1,7
* Em oito crianças não houve a checagem
** Em sete crianças não houve a checagem
5.2.1.2 Dieta e evolução do estado nutricional
Aproximadamente sessenta por cento (57,7%) das crianças levaram de três a sete dias
recebendo a fórmula láctea F75, estando dentro do tempo previsto para esta fase do
tratamento (fase inicial). Em apenas uma criança este tempo foi maior que 10 dias (1,0%). O
Ana Rodrigues Falbo Resultados
62
início do uso da F100 caracteriza a preparação para a fase de recuperação do peso. Mais da
metade das crianças (64,5%) levou entre uma e duas semanas em uso da F100.
O ganho médio de peso durante o uso da F75 (fase inicial) foi menor que 5g/kg/dia em 71,1%
das crianças, sendo maior que 10 g/kg/dia em 16 crianças (16,4%).
O ganho médio de peso durante o uso da F100 (fase de reabilitação) foi maior que 10g/kg/dia
em 86,4% das crianças.
Setenta e nove crianças (80,6%) apresentaram o início da fase de reabilitação do peso, sendo
esta fase caracterizada pela presença de um ganho médio de peso maior que 10g/kg/dia por
pelo menos três dias consecutivos, estando a criança bem clinicamente e com o apetite
normalizado.
A maior parte das crianças (73,3%) levou menos de duas semanas para iniciar a fase de
reabilitação (recuperação do peso). Em 21 crianças (26,5%), este período foi maior ou igual a
duas semanas.
Foi observado que na admissão hospitalar 20,0% das crianças apresentavam o indicador
peso/altura < menos 3DP, caindo este percentual para 5,3% no momento da alta. Os dados
relacionados com a dieta e a evolução do estado nutricional das crianças acham-se
demonstrados na Tabela 8.
Ana Rodrigues Falbo Resultados
63
Tabela 8. Distribuição de freqüência das crianças do grupo da intervenção experimental do estudo que receberam alta hospitalar, segundo aspectos relacionados com a dieta e a evolução do estado nutricional. Recife, 2000 a 2001.
Variáveis N %
Número de dias em uso da fórmula láctea F75
< 3 3 3,0 3 a 7 56 57,7 7 a 10 37 38,1 10 a 15 1 1,0
Número de dias em uso da fórmula láctea F100
< 3 1 1,0 3 a 7 18 18,7 7 a 10 35 36,4 10 a 15 27 28,1 ≥ 15 15 15,6
Ganho médio de peso em uso da F75 (g/kg/dia)
< 5 69 71,1
5 a 10 12 12,3
> 10 16 16,4
Ganho médio de peso em uso da F100 (g/kg/dia) <5 4 4,1 5 a 10 9 9,3
> 10 83 86,4
Apresentaram início da fase de reabilitação Sim 79 80,6 Não 19 19,3
Tempo para início da fase de reabilitação*
< 1 semana 12 15,1
1 a 2 semanas 46 58,2
≥ 2 semanas 21 26,5
Índice peso/altura inicial** < - 3DP 15 20,0 < - 2DP 31 41,3 < -1DP 20 26,6 ≥ -1DP 9 12,0
Índice peso/altura final**
< - 3DP 4 5,3
< - 2DP 22 29,3
< - 1DP 28 37,3 ≥ - 1DP 21 28,0
*Excluídas as crianças que não apresentaram o início da fase de reabilitação **Excluídas as crianças com edema na admissão e com o comprimento fora da tabela (peso/altura)
Ana Rodrigues Falbo Resultados
64
5.2.1.3 Crianças que não iniciaram a fase de reabilitação
Dezenove (19,3%) crianças do grupo da intervenção do estudo não apresentaram o início da
fase de reabilitação. Neste grupo de crianças não foram incluídas aquelas que foram a óbito.
Em relação a algumas características clínicas desse grupo, foi observada a presença de uma
outra doença de base em nove crianças (47,4%). A presença de edema foi constatada em três
crianças (15,8%) e anemia grave foi observada em duas crianças (18,1%). Em relação à
condição clínica no momento da admissão hospitalar, duas crianças (10,5%) apresentavam
desidratação, sendo esta leve, nenhuma criança apresentou hipotermia, e em uma criança foi
verificada a presença de hipoglicemia (5,3%). Durante a hospitalização, uma criança
apresentou um episódio de desidratação (5,3%), e infecção hospitalar foi diagnosticada em
quatro crianças (21,0%). Os dados relatados acima acham-se demonstrados na Tabela 9.
Ana Rodrigues Falbo Resultados
65
Tabela 9. Distribuição de freqüência das crianças do grupo da intervenção experimental do estudo que não iniciaram a fase de reabilitação, segundo características clínicas. Recife, 2000 a 2001. Variáveis N %
Doença de base
Sim 9 47,4
Não 10 52,6
Edema
Sim 3 15,8
Não 16 84,2
Hemoglobina*
4 a 6g% 2 18,1
6 a 10g% 4 36,3
≥ 10g% 5 45,4
Estado de hidratação à admissão hospitalar
Hidratado 17 89,5
Desidratado do primeiro grau 2 10,5
Temperatura à admissão hospitalar
35ºC a 36,5ºC 6 31,6
≥ 36,5ºC 13 68,4
Hipoglicemia na admissão hospitalar
Sim 1 5,3
Não 18 94,7
Episódios de desidratação durante o internamento
Sim 1 5,3
Não 18 94,7
Infecção hospitalar
Sim 4 21,0
Não 15 78,9
Obs.: excluídas as crianças que foram a óbito
* Inclui apenas as crianças em houve a indicação para a realização do exame
Ana Rodrigues Falbo Resultados
66
5.2.2 CARACTERÍSTICAS DAS CRIANÇAS QUE FORAM A ÓBI TO
Em relação ao motivo da admissão hospitalar, a diarréia foi a causa em 42,1% das crianças e a
pneumonia foi a causa em 15,8% delas. Em cinco crianças (26,3%) foi constatada a presença
de uma outra doença de base. Seis crianças (31,6%) tinham desnutrição edematosa. No
momento da admissão hospitalar, cinco crianças (26,3%) apresentavam algum grau de
desidratação, sendo esta grave em duas delas (10,5%). No momento da chegada ao hospital,
nenhuma criança apresentava hipotermia, e foram detectados dois casos de hipoglicemia
(10,5%). A maior parte das crianças (66,6%), tinha hemoglobina entre 6g% e 10g% e em
nenhuma delas se constatou a presença de anemia grave com hemoglobina abaixo de 4g%.
Duas crianças (10,5%) apresentaram sinais sugestivos de insuficiência cardíaca congestiva, e
infecção hospitalar foi diagnosticada em nove casos (47,3%). Os dados relatados acima se
acham colocados na Tabela 10.
Ana Rodrigues Falbo Resultados
67
Tabela 10. Distribuição de freqüência das crianças do grupo da intervenção experimental do estudo que foram a óbito, segundo aspectos da sua condição clínica.– Recife, 2000 a 2001.
Variáveis N %
Internamento por diarréia
Sim 8 42,1
Não 11 57,9
Internamento por pneumonia
Sim 3 15,8
Não 16 84,2
Doença de base
Sim 5 26,3
Não 14 73,7
Presença de edema
Sim 6 31,6
Não 13 68,4
Estado de hidratação à admissão hospitalar
Hidratado 14 73,7
Desidratado do 1º grau 2 10,5
Desidratado do 2º grau 1 5,3
Desidratado do 3º grau 2 10,5
Temperatura axilar à admissão hospitalar*
35,0ºC a 36,5ºC 3 25,0
≥ 36,5ºC 9 75,0
Hipoglicemia à admissão hospitalar
Sim 2 10,5
Não 17 89,5
Nível de hemoglobina à admissão hospitalar
4 a 6g% 3 25,0
6 a 8g% 5 41,6
8 a 10g% 3 25,0
≥ 10g% 1 8,3
Sinais de insuficiência cardíaca congestiva
Sim 2 10,5
Não 17 89,5
Infecção hospitalar
Sim 9 47,3
Não 10 52,6
* Em sete crianças não houve a checagem
Ana Rodrigues Falbo Resultados
68
5.2.2.1 Causa provável dos óbitos
Hipoglicemia foi observada em uma criança pouco antes da ocorrência da morte, tendo este
evento acontecido após 48 horas do internamento, o mesmo ocorrendo com hipotermia, que
foi documentada em uma criança nas mesmas circunstâncias descritas anteriormente.
Nos dois casos relatados acima, havia o diagnóstico de sepse associada, porém hipoglicemia e
hipotermia foram documentadas pouco antes do óbito.
Três crianças estavam desidratadas no momento do óbito, o que ocorreu com menos de 24
horas da admissão em dois casos, sendo ambos casos de desidratação grave com choque, e
entre 24 e 48 horas em um caso.
Sepse foi diagnosticada em 12 crianças, em uma o óbito ocorreu com menos de 24 horas do
internamento, em outra ocorreu entre 24 e 48 horas do internamento e nas outras 10 crianças
aconteceu após 48 horas da admissão hospitalar.
Insuficiência cardíaca congestiva foi observada em duas crianças, as quais eram portadoras de
cardiopatia congênita, e cujos óbitos ocorreram após 48 horas do internamento no hospital.
A maior parte dos óbitos (73,6%) ocorreu após 48 horas da admissão.
5.2.3 CUMPRIMENTO DAS ETAPAS DO TRATAMENTO
Com o intuito de avaliar o cumprimento das etapas de tratamento contidas no Protocolo da
OMS para manejo da criança desnutrida grave hospitalizada (Anexo 1), foi utilizada uma lista
de verificação (Anexo 8), elaborada segundo as etapas contidas no referido protocolo, que foi
utilizada duas vezes por semana para cada paciente do estudo, sendo no momento da sua
aplicação avaliados os procedimentos realizados nos dias antecedentes.
5.2.3.1 Tratamento e prevenção da hipoglicemia e da hipotermia
A hipoglicemia constitui um importante fator de risco para morte na criança desnutrida grave,
principalmente nos dois primeiros dias de internamento no hospital. Por este motivo, o
Ana Rodrigues Falbo Resultados
69
Protocolo da OMS orienta que seja feita a checagem da glicemia no momento da admissão em
todas essas crianças.
Em 109 (93,2%) das 117 crianças do estudo, foi realizada a checagem para hipoglicemia no
momento da admissão hospitalar. À admissão hospitalar, foi constatada hipoglicemia em
cinco (4,5%) crianças, e em 80,0% dos casos (quatro crianças) o tratamento foi realizado
conforme o orientado no protocolo. Em relação à monitorização após o tratamento, esta foi
realizada corretamente em 40,0% dos casos (duas das cinco crianças que apresentaram
hipoglicemia).
Hipotermia foi detectada em 12 crianças do estudo (10,2%), e a monitorização correta da
temperatura da criança após o manejo inicial só foi realizada adequadamente em uma criança
(8,3%). A temperatura do ambiente foi aferida na maior parte dos dias de permanência
hospitalar das crianças do estudo, e esteve fora do limite indicado (25oC a 30oC) em algum
momento da permanência hospitalar em 37,6% dos casos (44 crianças). Nos casos detectados
de hipotermia (12 casos), só houve checagem da glicemia em duas crianças (16,6%). Apenas
uma criança (8,3%) das que apresentaram hipotermia não recebeu alimentação a cada duas
horas, conforme o orientado pelo protocolo.
As informações sobre o manejo da hipoglicemia e da hipotermia estão demonstradas na
Tabela 11.
Ana Rodrigues Falbo Resultados
70
Tabela 11. Distribuição de freqüência das crianças do grupo da intervenção experimental do estudo, segundo o manejo da hipoglicemia e da hipotermia. Recife, 2000 a 2001.
Variáveis N %
Checagem da glicemia à admissão hospitalar
Sim 109 93,2
Não 8 6,8
Tratamento da hipoglicemia conforme o protocolo
Sim 4 80,0
Não 1 20,0
Monitorização da glicemia após o tratamento inicial
Sim 2 40,0
Não 3 60,0
Temperatura do ambiente fora do limite indicado
Sim 44 37,6
Não 73 62,4
Monitorização da temperatura a cada duas horas se h ipotermia
Sim 1 8,3
Não 11 91,6
Checagem para hipoglicemia se hipotermia
Sim 2 16,6
Não 10 83,3
Alimentação a cada duas horas se hipotermia
Sim 11 91,6
Não 1 8,3
5.2.3.2 Tratamento e prevenção da desidratação
Existe a indicação para a utilização da solução de reidratação oral para a criança desnutrida
grave para prevenir a desidratação repondo as perdas anormais que ocorrem, principalmente
por diarréia, e para tratar a desidratação já instalada.
Ana Rodrigues Falbo Resultados
71
Em 73 casos (62,0%) houve a indicação da utilização da ReSoMal, seja para repor perdas,
seja para reidratar, mas a mesma só foi empregada de fato em 61 crianças (83,5%), cumprindo
a orientação do protocolo.
Em 72 crianças (61,6%), houve a indicação da utilização da ReSoMal para repor perdas por
diarréia. O volume da ReSoMal de reposição foi oferecido adequadamente e após cada
evacuação diarréica em 12 crianças (16,6%).
Houve desidratação com indicação para a terapia de reidratação oral (TRO) em 21 casos
(17,9%), o volume da ReSoMal empregado esteve conforme o indicado em 13 crianças
(61,9%).
Se a reidratação ainda não se completou na sexta e décima horas, devem ser oferecidas as
fórmulas lácteas específicas do Protocolo. Em 16 crianças (76,1%), a reidratação ainda se
processava nestes horários e 12 delas (75,0%) receberam as fórmulas como indicado. Em 19
(90,4%) das 21 crianças que receberam a TRO, após a reidratação, foram oferecidas as
fórmulas lácteas indicadas. Houve monitorização correta da reidratação a cada duas horas em
13 destas crianças (61,9%). Em nenhum caso do uso da TRO se constatou a presença de sinais
de hiperidratação.
A Tabela 12 apresenta os dados referentes ao manejo da desidratação.
Ana Rodrigues Falbo Resultados
72
Tabela 12. Distribuição de freqüência das crianças do grupo da intervenção experimental do estudo, segundo o manejo da desidratação.Recife, 2000 a 2001. Variáveis N %
Utilização da ReSoMal quando indicada Sim 61 83,5 Não 12 16,4
ReSoMal de reposição adequada Sim 12 16,6 Não 60 83,3
Volume da ReSoMal foi correto (TRO) Sim 13 61,9 Não 8 38,0
Fórmulas na sexta e décima horas da reidratação Sim 12 75,0 Não 4 25,0
Início da dieta após reidratação Sim 19 90,4 Não 2 9,5
Monitorização da reidratação Sim 13 61,9 Não 8 38,0
Em oito crianças do estudo (6,8%), houve desidratação com indicação para reidratação venosa
(desidratação com alteração do nível de consciência). Quatro dessas crianças (50,0%) se
recuperaram adequadamente com apenas uma fase de expansão, utilizando as recomendações
do Protocolo, e evoluíram bem posteriormente. Em três casos (37,5%) houve a necessidade de
duas fases de expansão e a evolução para o óbito. Uma criança (12,5%) necessitou de três
fases de expansão, inclusive com o uso de bicarbonato de sódio (indicado pelo quadro clínico
e gasometria), e teve uma evolução posterior favorável.
5.2.3.3 Tratamento da anemia
O Protocolo da OMS orienta que a criança desnutrida grave deve receber hemoderivado
(concentrado de hemácias) se apresentar uma dosagem de hemoglobina inferior a 4,0g% ou
com níveis maiores que 4,0g% se houver sinais de descompensação hemodinâmica associada.
Houve necessidade do uso de hemoderivado em 33 crianças do estudo (28,2%). Avaliando-se
algumas características desse grupo de crianças, foi observado que apenas seis (18,2%) delas
tinham hemoglobina abaixo de 4,0g%, nas demais 27 crianças (81,8%), a indicação foi por
conta de dados sugestivos de repercussão hemodinâmica. Em 11 (40,7%) dessas crianças foi
constatada a presença de cardiopatia, o diagnóstico de pneumonia foi estabelecido em dez
Ana Rodrigues Falbo Resultados
73
(37,0%) crianças, uma (3,7%) criança tinha calazar, duas (7,4%) crianças tiveram o
diagnóstico de choque circulatório e em três (11,1%) crianças foram observados dados de
insuficiência cardíaca congestiva. Nove (27,2%) das crianças deste grupo foram a óbito.
Em relação a este procedimento, o volume utilizado foi adequado em todos os casos, a
monitorização da freqüência cardíaca (FC) e da freqüência respiratória (FR) no início, no
meio e no final da infusão foi realizada em 23 (69,6%) das 33 crianças que receberam
hemotransfusão. Em 12 crianças (36,3%), houve a necessidade de uma segunda transfusão, e
esta foi administrada após quatro dias da primeira, conforme indicado no Protocolo, em 10
crianças (83,3%). Foi utilizado furosemide no início da transfusão, como orientado no
Protocolo, em 23 crianças (69,6%), nas demais crianças esta droga foi feita no final da
transfusão ou não foi administrada.
Os dados relativos à utilização de hemotransfusão estão expostos na Tabela 13.
Ana Rodrigues Falbo Resultados
74
Tabela 13. Distribuição de freqüência das crianças do grupo da intervenção experimental do estudo que receberam hemotransfusão, segundo a indicação para o seu uso e a monitorização do procedimento. Recife, 2000 a 2001. Variáveis N %
Hemoglobina < 4,0g% 6 18,2
Presença de repercussão hemodinâmica provavelmente associada a
Cardiopatia 11 40,7
Pneumonia 10 37,0
Calazar 1 3,7
Choque circulatório 2 7,4
ICC 3 11,1
Volume adequado do concentrado de hemácias
Sim 33 100,0
Monitorização da FC e FR durante a transfusão
Sim 23 69,6
Não 10 30,3
Segunda transfusão após quatro dias
Sim 10 83,3
Não 2 16,6
Feito furosemide no início da transfusão
Sim 23 69,6
Não 10 30,3
5.2.3.4 Correção do desequilíbrio eletrolítico e da deficiência de micronutrientes
Em aproximadamente 100,0% das crianças do grupo da intervenção experimental do estudo,
houve a administração correta de eletrólitos e micronutrientes, como pode ser verificado na
Tabela 14.
Ana Rodrigues Falbo Resultados
75
Tabela 14. Distribuição de freqüência das crianças do grupo da intervenção experimental do estudo, segundo a administração de eletrólitos e micronutrientes.Recife, 2000 a 2001.
Variáveis N %
Recebimento de potássio extra na maioria dos dias
Sim 117 100,0
Recebimento de magnésio extra na maioria dos dias
Sim 117 100,0
Administração do ferro na primeira semana
Sim 1 0,9
Não 116 99,1
Administração do ferro a partir da segunda semana
Sim 106 98,1
Não 2 1,8
Recebimento da vitamina A na admissão
Sim 117 100,0
Recebimento de ácido fólico e polivitaminas
Sim 115 98,3
Não 2 1,7
5.2.3.5 Tratamento da infecção e parasitoses
Todas as crianças do grupo da intervenção experimental do estudo receberam antibiótico na
admissão hospitalar.
O Protocolo da OMS recomenda que, se há evidência de parasitose ou o local é de alta
prevalência, e a criança tem um ano ou mais de idade e não recebeu droga antiparasitária nos
últimos seis meses, deve-se administrar mebendazol 100 mg/dia por três dias, após o sétimo
dia de admissão. Sessenta e duas crianças (52,9%) preencheram esse critério, e em 90,3%
delas o tratamento foi feito conforme indicado pelo protocolo OMS. Esses dados estão
expostos na Tabela 15.
Ana Rodrigues Falbo Resultados
76
Tabela 15. Distribuição de freqüência das crianças do grupo da intervenção experimental do estudo, segundo o tratamento da infecção e parasitoses. Recife, 2000 a 2001. Variáveis N %
Recebimento de antibiótico desde a admissão Sim 117 100,0
Uso do mebendazol conforme indicado Sim 56 90,3 Não 6 9,6
5.2.3.6 Manejo nutricional
Constatou-se o uso das fórmulas lácteas indicadas, o oferecimento da quota calórica adequada
para o início da fase de reabilitação do tratamento e a progressão da alimentação segundo a
orientação do Protocolo em mais de 90,0% dos casos.
Apenas seis crianças (5,4%) receberam a primeira alimentação dentro das primeiras duas
horas de admissão hospitalar como orientado no Protocolo. Na maioria dos casos (70,9%), só
foi possível oferecer a primeira refeição após quatro horas da chegada ao hospital. Os dados
referentes ao manejo nutricional das crianças estão apresentados na Tabela 16.
Ana Rodrigues Falbo Resultados
77
Tabela 16. Distribuição de freqüência das crianças do grupo da intervenção experimental do estudo, segundo o manejo nutricional. Recife, 2000 a 2001.
Variáveis N %
Fórmula láctea na fase inicial
F75 116 99,1
Outra 1 0,9
Quota calórica na fase inicial (cal/kg/dia)
< 80 18 15,5
80 a 100 97 83,6
> 100 1 0,8
Quota calórica na fase de recuperação (cal/kg/dia)
< 80 3 2,8
80 a 100 1 0,9
100 a 150 29 27,8
150 a 200 46 44,2
> 220 25 24,0
Substituição adequada da F75 pela F100
Sim 101 99,0
Não 1 0,9
Aumento adequado da dieta
Sim 96 93,2
Não 7 6,7
Tempo para início da primeira dieta após a admissão hospitalar
Antes de 2 horas 6 5,4
2 a 4 horas 26 23,6
Após 4 horas 78 70,9
5.2.3.7 Monitorização dos diversos itens do tratamento
Aproximadamente em todas as crianças do grupo da intervenção do estudo foi possível
monitorizar a quantidade da dieta oferecida e aceita, a presença de vômitos, a freqüência e o
aspecto das evacuações, a freqüência cardíaca e a freqüência respiratória e o ganho médio do
Ana Rodrigues Falbo Resultados
78
peso calculado para cada criança a cada três dias. Os dados referidos acima estão apresentados
na Tabela 17.
Tabela 17. Distribuição de freqüência das crianças do grupo da intervenção experimental do estudo, segundo a monitorização da dieta, dos vômitos, das evacuações, da freqüência cardíaca (FC) e freqüência respiratória (FR) e do ganho médio do peso (GMP). Recife, 2000 a 2001.
Variáveis N %
Monitorização da quantidade da dieta oferecida e ac eita pela criança
Sim 117 100,0
Monitorização da presença de vômitos
Sim 116 99,1
Não 1 0,9
Monitorização da freqüência e consistência das evac uações
Sim 116 99,1
Não 1 0,9
Monitorização da FC e FR duas vezes ao dia
Sim 115 98,3
Não 2 1,7
Monitorização do GMP
Sim 117 100,0
Foram avaliadas 36 etapas do protocolo e foi observado que em 24 delas houve o
cumprimento correto em mais de 80% das crianças, em 7 etapas este percentual ficou entre 50
e 80% e em 5 etapas o percentual de cumprimento adequado foi menor do que 50%.
Ana Rodrigues Falbo Discussão
79
6. DISCUSSÃO
6.1 CARACTERÍSTICAS DAS CRIANÇAS
Sabe-se que a pobreza em nível familiar constitui importante causa da desnutrição na
infância, contribuindo para o acesso inadequado aos alimentos, condições precárias de
moradia e dificultando o acesso aos serviços de saúde, entre outras adversidades (UNICEF,
1998). Os resultados do presente estudo confirmam esta afirmação, pois revelam que mais
da metade das crianças nos dois grupos do estudo (59,7% no grupo da intervenção e 57,5%
no grupo controle) residia no interior do estado, provavelmente muitas delas na zona rural.
O local da residência pode muitas vezes, indiretamente, caracterizar condições
socioeconômicas e de moradia, uma vez que a pobreza é substancialmente maior nas zonas
rurais (LAS CONDICIONES DE SALUD EM LAS AMÉRICAS, 1994). No que diz
respeito ao abastecimento de água e fossa e/ou esgotamento sanitário, mais de 40,0% das
crianças nos dois grupos do estudo não possuíam esses benefícios.
Como ressaltado anteriormente, o nível educativo e social das mulheres é um importante
determinante do estado nutricional da criança. Os anos de estudo das mães, mais do que a
renda familiar expressam as condições de percepção, informação, acesso aos serviços de
saúde e práticas sanitárias. A mãe é geralmente a pessoa que presta assistência mais direta
à criança (ONIS, 2001; TOYAMA et al., 2001).
Confirmando o que foi dito acima, o resultado do presente trabalho mostra um baixo nível
de escolaridade das mães, com a maior parte delas (68,1% no grupo da intervenção e
62,5% no grupo controle) tendo menos de oito anos de escolaridade, fato observado sem
diferença significativa nos dois grupos do estudo. Aproximadamente 20,0% das mães não
tinham nenhum grau de escolaridade.
A diarréia e a infecção respiratória são os dois eventos infecciosos mais freqüentemente
relacionados com a desnutrição infantil, sendo importante causa de hospitalização e óbito
(ALVES et al., 1989; CUNHA, 2000; GIOVAMBATTISTA et al., 2000; KOSSMANN et
al., 2000).
Ana Rodrigues Falbo Discussão
80
Os achados do estudo corroboram com os dados da literatura: a diarréia foi o motivo do
internamento em quase metade das crianças nos dois grupos do estudo (47,9% no grupo da
intervenção experimental e 48,2% no grupo controle), sendo que durante a hospitalização
das crianças do grupo da intervenção foi documentado pelo menos um episódio de diarréia
em 62,3% delas. A pneumonia foi o motivo da admissão no hospital em aproximadamente
um terço das crianças nos dois grupos do estudo (31,6% nos dois grupos do estudo).
Um aspecto típico na desnutrição é a presença de uma anemia moderada, com a
hemoglobina variando de 8 a 10g/dl (WATERLOW, 1992). Os dados do estudo são
semelhantes aos dados da literatura, pois mais da metade das crianças, 59,5% no grupo da
intervenção e 64,0% no grupo controle, apresentava hemoglobina entre 6 e 10g/dl.
O fato de ter-se encontrado um relativamente alto percentual de crianças com doença de
base nos dois grupos do estudo (35,0% no grupo da intervenção experimental e 39,6% no
grupo controle), explica-se, pois o IMIP atua como um centro de referência para
tratamento em várias especialidades médicas como cardiologia, pneumologia, genética
médica, entre outras.
Foi observado que 59,1% das crianças do grupo da intervenção experimental teve alta com
menos de duas semanas de hospitalização, enquanto pouco menos da metade (40,8%)
recebeu alta após a segunda semana de tratamento, apresentando um maior tempo de
permanência hospitalar que o grupo controle, no qual este tempo foi inferior a duas
semanas, num maior percentual dos casos (78,3%).
Reforçamos o fato de que no grupo controle o estado nutricional da criança não foi
utilizado como parâmetro para definir o critério de alta. No grupo da intervenção
experimental, ao contrário, a criança só estaria em condição de saída do hospital se
houvesse um ganho médio de peso acima de 10g/kg/dia por pelo menos três dias
consecutivos, fornecendo indício do início da fase de reabilitação, aliado naturalmente à
sua condição clínica favorável.
O tempo de permanência hospitalar pode estar associado a um aumento na ocorrência de
infecção hospitalar e a um agravamento do estado nutricional das crianças (ALVES, 1997;
KAC et al., 2000). Em contrapartida, a recuperação nutricional da criança, mesmo
Ana Rodrigues Falbo Discussão
81
implicando uma duração maior da hospitalização, pode ser relevante para a sua
sobrevivência após a alta, diminuindo a chance de recaída (HEIKENS et al., 1994).
Não foi possível avaliar a influência do tempo de permanência hospitalar na ocorrência de
infecção comparando os dois grupos do estudo, pois não tivemos dados suficientes no
grupo controle para definir a presença de infecção hospitalar.
6.2 EVOLUÇÃO CLÍNICA
Além das alterações observadas no funcionamento do coração, como já comentado
anteriormente, a capacidade renal de concentração e diluição máximas está comprometida,
havendo uma importante limitação na capacidade de excretar íons hidrogênio livres, ácidos
tituláveis e amônia em resposta a uma sobrecarga ácida. Há uma limitação grave e
específica na capacidade de excretar o sódio, especialmente em resposta à expansão do
volume extracelular.
Durante a fase inicial do tratamento, quando há a recuperação da bomba de sódio e o
excesso de sódio intracelular passa a ser excretado para o compartimento extracelular, há
uma sobrecarga aguda do sistema circulatório que pode predispor à morte súbita se o rim
se recupera mais lentamente que a bomba de sódio (WATERLOW, 1992; GOLDEN,
1996).
A insuficiência cardíaca congestiva pode ocorrer na criança desnutrida grave, geralmente
como uma complicação de hiperidratação (especialmente quando é feita infusão venosa de
líquidos ou oferecidas soluções para reidratação oral com grande quantidade de sal), de
anemia grave, transfusão de hemoderivados, ou da utilização de dieta com alto conteúdo de
sódio (OMS, 2000).
Pelas razões expostas acima, se orienta que líquidos e sal sejam oferecidos com muita
cautela para a criança desnutrida grave. A administração de volume por via oral ou venosa
deve ser sempre cuidadosa e monitorizada com rigor, dentro do possível.
O Protocolo da OMS recomenda que durante a infusão venosa de líquidos e
hemoderivados a criança seja monitorizada em relação à freqüência cardíaca e à freqüência
respiratória a cada 10 a 15 minutos, até o final da infusão, e na reidratação oral esta
Ana Rodrigues Falbo Discussão
82
monitorização se faça a cada hora. No presente estudo foi avaliado que não seria possível
cumprir esta orientação, que foi modificada, para reavaliações em três momentos durante a
hemotransfusão (no início, no meio e no final da infusão), reavaliações a cada hora durante
a hidratação venosa e a cada duas horas durante a hidratação oral.
Como já citado, houve a necessidade de hemotransfusão em 33 crianças do estudo
(28,2%), e foi possível a monitorização da FC e da FR como planejado em 69,6% dos
casos.
Em oito crianças do estudo (6,8%), houve desidratação com indicação para reidratação
venosa (desidratação com alteração do nível de consciência). Quatro dessas crianças
(50,0%) se recuperaram adequadamente com apenas uma fase de expansão, utilizando as
recomendações do protocolo, e evoluíram bem posteriormente. Em três casos (37,5%)
houve a necessidade de duas fases de expansão e evolução para o óbito. Uma criança
(12,5%) necessitou de três fases de expansão, inclusive com o uso de bicarbonato de sódio
(indicado pelo quadro clínico e gasometria), e teve uma evolução posterior favorável. Em
nenhum desses casos foi possível monitorizar a FC e FR, mesmo a cada hora.
Em relação à dieta sem sal de adição, em apenas uma criança do grupo da intervenção
experimental não foi cumprida esta orientação (0,9%).
Foi observado um alto percentual de infecção hospitalar nas crianças do grupo da
intervenção experimental do estudo (29,1%).
No Hospital Geral de Pediatria do IMIP como um todo, esse percentual foi de 3,9% (NEPI,
2001). No setor da pediatria onde se situa a enfermaria que recebeu as crianças da pesquisa
(quarto andar HGP), o percentual para o ano 2001 foi de 7,9% (NEPI, 2001).
Não foi possível a utilização de isolamento, mas todas as crianças do estudo foram
admitidas em uma mesma enfermaria, mesmo não sendo esta exclusiva para a pesquisa. O
percentual bem maior de infecção hospitalar encontrado nas crianças do estudo pode ser
devido a maior gravidade e vulnerabilidade dessas crianças e a um maior tempo de
permanência no hospital sem isolamento adequado, aumentando assim a exposição ao
risco.
Ana Rodrigues Falbo Discussão
83
Todas as crianças gravemente desnutridas estão em risco de desenvolver hipoglicemia, que
é importante causa de morte durante os dois primeiros dias de tratamento. A hipoglicemia
pode ser causada por uma infecção sistêmica grave, hipotermia ou jejum prolongado
(quatro a seis horas), o que ocorre com freqüência durante o trajeto para o hospital (OMS,
2000).
Apenas cinco crianças do grupo da intervenção experimental do estudo (4,5%),
apresentaram hipoglicemia na chegada ao hospital. Dessas cinco crianças, três tinham o
diagnóstico de sepse na admissão. Houve apenas um caso documentado de hipoglicemia
durante a hospitalização neste grupo.
Houve checagem para hipoglicemia à admissão em 93,2% dessas crianças e o tratamento
inicial proposto, nos casos documentados de hipoglicemia, foi seguido em 80,0% das
vezes. A dificuldade encontrada foi em relação a monitorização após o tratamento inicial e
monitorização na enfermaria: houve monitorização da glicemia após o tratamento inicial
em apenas 40,0% dos casos, e em dez (83,3%) das 12 crianças que apresentaram
hipotermia não foi realizada a checagem para hipoglicemia, conforme orientado.
Crianças menores de 12 meses, aquelas com marasmo, com grandes áreas de pele lesadas
ou infecções sérias são altamente suscetíveis à hipotermia. A criança desnutrida grave deve
ser mantida em ambiente com temperatura entre 25oC e 30oC, ter a temperatura corporal
monitorizada, ser adequadamente aquecida e manuseada de forma racional (OMS, 2000).
À admissão hospitalar, foi detectada hipotermia em três (2,5%) crianças do grupo da
intervenção experimental, e durante a evolução na enfermaria nove (7,7%) crianças
apresentaram hipotermia. Houve monitorização da temperatura das crianças, pelo menos
três vezes ao dia durante o período do internamento, em 98,4% dos casos.
Em relação ao manejo da hipotermia, não se conseguiu instituir o tratamento preconizado
pelo protocolo: uma vez detectada a hipotermia e feito o aquecimento da criança junto com
as outras medidas recomendadas, não foi possível a verificação da temperatura a cada 30
minutos ou a cada duas horas (como modificado posteriormente) até a normalização da
temperatura, como orientado pelo Protocolo. Os episódios de hipotermia na sua maioria
ocorreram durante o período da noite. A temperatura do ambiente foi monitorizada
diariamente e esteve acima ou abaixo do preconizado (entre 25oC e 30oC), em algum
Ana Rodrigues Falbo Discussão
84
momento da permanência, em 37,6% dos casos, mas não houve como adequá-la, já que
não se dispunha de aquecimento ou de arcondicionado. Não houve dificuldade na oferta da
dieta a cada duas horas às crianças nas quais foi documentada hipotermia, o que foi feito
em 91,6% dos casos.
Apesar de a ocorrência de hipoglicemia e hipotermia ser freqüente na criança desnutrida
grave, colocando-a até mesmo sob o risco de morte, pelos fatores de risco que apresenta,
não foram eventos observados com freqüência no estudo.
Era de se esperar um maior percentual de hipoglicemia na admissão, já que muitas crianças
vieram de regiões afastadas do hospital (59,7% do interior do estado), viajando por
algumas horas, provavelmente sem oferta de alimentos, a maior parte delas com quadro de
infecção bem definido e também pelo fato do tempo para início da dieta após a chegada ao
hospital, que foi maior que quatro horas em 70,9% dos casos.
Durante a evolução na enfermaria, como não houve maiores dificuldades com o manuseio
da dieta (preparo das fórmulas, monitorização do volume oferecido e aceito, horários de
administração, substituição das fórmulas, quotas calóricas etc.), as crianças foram
adequadamente tratadas para infecção, e a hipotermia não foi um evento freqüente (apesar
de que quando ocorreu, na maior parte das vezes, não houve checagem para hipoglicemia),
era de se esperar que a hipoglicemia não fosse de fato um problema na evolução dessas
crianças.
Em relação à hipotermia, por motivos semelhantes aos explanados para a hipoglicemia,
esperava-se encontrar um maior percentual de ocorrência na admissão das crianças. Na
evolução na enfermaria em que pese, a temperatura do ambiente ter estado algumas vezes
fora do limite preconizado, a hipotermia também não foi um grande problema na evolução
destas crianças, provavelmente pelas mesmas razões expostas para a pouca ocorrência de
hipoglicemia, já que, como sabemos, os dois eventos caminham lado a lado.
6.3 EVOLUÇÃO NUTRICIONAL
O ganho médio de peso (GMP) durante o uso da fórmula láctea F75 (fase inicial) foi menor
que 5g/kg/dia em 71,1% das crianças, sendo maior que 10g/kg/dia em 16 crianças (16,4%).
Durante a fase inicial do tratamento, quando do uso da F75, não se deve esperar um ganho
Ana Rodrigues Falbo Discussão
85
médio de peso elevado, pois as quotas calóricas e hídricas são reduzidas, respeitando as
limitações fisiológicas ainda presentes.
Foi investigada a ocorrência de falhas no manejo nutricional dessas 16 crianças com ganho
médio de peso > 10g/kg/dia.
Em dois casos, a quota calórica oferecida pela dieta foi menor que 80cal/kg/dia, quando
deveria ter sido entre 80 e 100cal/kg/dia nesta fase do tratamento. Este fato não parece ter
tido influência no aumento do ganho ponderal, já que a quota calórica estava abaixo do
indicado.
Em três casos, não houve o aumento progressivo da dieta em 10ml por refeição até que a
criança deixasse resto, como orientado pelo Protocolo da OMS, o que pode ter
influenciado no ganho ponderal, pois pode ter ocorrido uma maior oferta de volume
ocasionando, talvez, não o aumento real do peso, mas a retenção de líquidos (edema).
Em três casos, houve o uso de hemoderivado, dos quais em dois não houve monitorização
da FC e da FR e em um não houve o uso do furosemide, como indicado. A infusão de
líquidos feita sem o devido controle e a não utilização do diurético podem ter ocasionado
sobrecarga de fluidos com repercussão no peso corporal.
Em um caso, foi administrado o ferro na primeira semana de tratamento. Como já
discutido, o ferro quando administrado na fase inicial do tratamento quando a criança ainda
não está estabilizada do ponto de vista clínico pode ter ação deletéria, alterando a
permeabilidade capilar e contribuindo para a retenção de líquidos (DEMPSTER et al.,
1995), influenciando, portanto, no peso corporal. No total, observou-se a ocorrência de
falhas em seis dessas crianças (37,5%), com mais de uma falha existindo na mesma
criança.
Na fase de reabilitação, quando as crianças estão recebendo a fórmula láctea F100, espera-
se um maior ganho médio de peso (GMP). No caso do presente estudo, considerou-se um
GMP >10g/kg/dia por três dias seguidos, como caracterizando o início dessa fase de
tratamento, o que foi observado em 80,6% das crianças do estudo. Três crianças
apresentaram um GMP bem próximo a 10g/kg/dia (sendo menor que 10), mas foram
Ana Rodrigues Falbo Discussão
86
consideradas como tendo iniciado a fase de reabilitação, pois estavam muito bem
clinicamente e com bom apetite, o que poderia indicar a probabilidade da recuperação.
Não foi objetivo do estudo que as crianças apresentassem evolução do índice nutricional
peso/altura para a normalidade (de < menos 3 DP para < menos 1 DP), como orientado
pelo Protocolo da OMS. Como já citado anteriormente, o IMIP não dispõe de estrutura
específica para realizar a recuperação nutricional da criança com desnutrição.
O tempo requerido para o início da recuperação do peso (que é definido como o momento
em que se observa um ganho médio de peso > 10g/kg/dia nos últimos três dias), foi menor
que duas semanas na maior parte das crianças (73,3%), e em 26,5% foi maior ou igual que
duas semanas, ficando dentro da expectativa do Protocolo da OMS, que prevê em média
duas a seis semanas para a fase de reabilitação, na qual a criança inicia a sua recuperação
nutricional, superadas as condições médicas agudas.
Espera-se que, quando as diretrizes do tratamento contidas no Protocolo da OMS são
seguidas adequadamente, a criança desnutrida grave sem complicações apresente sinais
claros de melhora em alguns dias, com estabilização da sua condição clínica, o retorno do
apetite e um ganho médio de peso satisfatório (OMS, 2000).
Dezenove crianças do grupo da intervenção do estudo (19,3%) não apresentaram o início
de recuperação do peso (fase de reabilitação). Neste grupo de crianças não foram incluídas
aquelas que foram a óbito.
Avaliando algumas características clínicas dessas crianças, foi observado que em 47,4%
delas havia uma doença de base associada, em 15,8% foi constatada a presença de edema,
anemia grave foi documentada em dois casos (18,1%) e o diagnóstico de infecção
hospitalar foi dado em 21,0% desses casos. Estes fatores sabidamente interferem
negativamente na evolução e na recuperação nutricional destas crianças.
Ainda em relação à condição dessas crianças, ressaltamos o fato que 13 (68,4%) das
crianças desse grupo tinham nanismo nutricional de moderado a grave (altura/idade abaixo
do percentil 3),e estas crianças apresentam uma forma diferente de recuperação do peso.
Presumivelmente, neste caso, a taxa de ganho de peso é limitada pela taxa de crescimento
Ana Rodrigues Falbo Discussão
87
linear, o que ocorre para manter as proporções corporais. Crianças que têm apenas o
nanismo nutricional são cronicamente desnutridas e apresentam um ganho de peso mais
lento que as crianças com emagrecimento grave. É provável que estas crianças não
consigam manter uma taxa de ganho de peso maior que 2 a 3g/kg/dia, enquanto as crianças
com emagrecimento grave têm o potencial para um ganho de 20g/kg/dia (ASHWORTH &
MILLWARD, 1996).
O seguimento de todas as etapas do Protocolo no manejo dessas crianças foi avaliado com
o objetivo de verificar a ocorrência de falhas que pudessem justificar o fato de essas
crianças não terem apresentado o início da recuperação do peso.
No que diz respeito ao manejo da hipoglicemia, foi observado que em duas delas (10,5%)
não foi realizado o exame de checagem inicial para detectar o problema (dextrostix ®).
Durante o internamento nenhum caso de hipoglicemia foi documentado.
Quanto ao manejo da hipotermia, foi observado que em três crianças (15,7%) a
temperatura do ambiente esteve fora do limite indicado (25ºC a 30ºC) em algum momento
da sua permanência no hospital, e em nenhum caso foi possível monitorar o aquecimento
adequado das crianças. Durante o internamento nenhum caso de hipotermia foi
documentado.
Em relação ao manejo da desidratação, foi observada a indicação (para repor perdas ou
para reidratar) e o uso da ReSoMal em sete casos (36,8%); em seis deles (85,7%), o
volume da ReSoMal utilizado para repor as perdas por diarréia estava incorreto. Em duas
crianças (10,5%), houve a indicação do uso da ReSoMal para a reidratação oral, estando o
manejo correto em todas as suas etapas.
Houve indicação para o uso de hemoderivado em dois casos (10,5%), nos quais o manejo
estava correto em todas as suas etapas, conforme as orientações contidas no protocolo da
OMS.
Em relação ao manejo nutricional, foi observado que a primeira alimentação após a
admissão no hospital em apenas um caso (5,2%) foi oferecida antes de duas horas da
chegada ao hospital, como indicado. Cinco crianças (26,3%) receberam a primeira dieta
entre duas e quatro horas da chegada e 12 crianças (63,1%) só foram alimentadas após
Ana Rodrigues Falbo Discussão
88
quatro horas da admissão hospitalar. Em uma criança esta informação não estava
disponível. Como não foram detectados casos de hipoglicemia e hipotermia nessas crianças
e posteriormente o manejo nutricional foi realizado sem problemas (uso das fórmulas de
leite indicadas, quotas calóricas adequadas para cada fase, progressão da alimentação),
provavelmente este fato não deve ter contribuído para o problema em discussão.
Nas demais etapas do Protocolo, quanto à correção da deficiência de eletrólitos e
micronutrientes, ao tratamento da infecção e parasitose e ao monitoramento das crianças,
não foi detectada a ocorrência de falhas na maioria das crianças.
Pelo que foi exposto acima, parece provável que a própria condição da criança tenha sido
responsável pelo fato de não terem iniciado a fase de recuperação do peso, já que quanto
ao manejo os problemas encontrados aparentemente não justificam este fato.
6.4 TAXA DE LETALIDADE HOSPITALAR
No que se refere, especificamente, à casuística hospitalar, PUOANE e colaboradores
(2001) estudaram crianças com desnutrição grave em dois hospitais rurais na Cidade do
Cabo, na África do Sul, e relatam uma taxa de letalidade hospitalar de 32,0% nessas
crianças.
DEEN e colaboradores (2002. Comunicação pessoal) realizaram estudo na África e
avaliaram 12 hospitais que prestavam assistência às crianças gravemente desnutridas. A
taxa de letalidade hospitalar dessas crianças variava entre 15,0% e 40,0%.
ALVES e colaboradores (1989), estudando a causa de óbito em 128 crianças hospitalizadas
no IMIP, observaram que a freqüência de desnutrição nessa casuística foi de 73,0% (43,0%
de desnutrição grave pela classificação de Gomez). Todos os óbitos nos desnutridos foram
originados por causas infecciosas, predominando a diarréia.
Outro estudo também realizado no IMIP observou que, de 1045 crianças carentes falecidas
no hospital no ano de 1995, 60,1% tinham algum grau de comprometimento do estado
nutricional (ALVES et al., 1996).
Ana Rodrigues Falbo Discussão
89
Foram estudadas 99 crianças hospitalizadas no IMIP, com desnutrição moderada e grave
(peso/idade abaixo do percentil 3, padrão de referência do NCHS), no período de maio de
1999 a maio de 2000. A taxa de letalidade hospitalar observada no grupo foi de 34,3%
(FALBO & ALVES, 2002).
Os dados expostos acima evidenciam de maneira expressiva o papel do hospital como
centro de demanda dos casos de desnutrição grave, enquanto as altas taxas de letalidade
referidas podem traduzir o manejo inadequado nos serviços, como também a gravidade
clínica, inerente ao estado nutricional da criança, o que limitaria o sucesso de uma
intervenção médica, mesmo sendo adequada.
Na análise univariada, aplicada à experiência apresentada no presente estudo, constatou-se
que a intervenção, ou seja, a aplicação do Protocolo da OMS para manejo da criança
desnutrida grave hospitalizada, apresentou um efeito estatisticamente significante sobre a
taxa de letalidade hospitalar, reduzindo-a a quase 50,0% daquela ocorrida no grupo
controle.
Quando foram controladas as variáveis de confusão que apresentaram distribuição
diferente nos dois grupos, verificou-se que o OR passou de 0,38 (sem ajuste) para 0,51
(com ajuste), indicando que o efeito da intervenção sobre a taxa de letalidade diminuiu de
intensidade, mas permaneceu. A análise do intervalo de confiança para o OR ajustado
(IC95%: 0,26 a 1,00) embora inclua a unidade no seu limite, revela que os dados obtidos
neste estudo também são compatíveis com um conjunto de valores indicativos de relevante
efeito da intervenção.
Quanto às variáveis de confusão identificadas no estudo, sabemos que a idade tem
influência em vários aspectos clínicos e biológicos, e quanto mais jovem a criança mais
vulnerável ela está aos diferentes agravos.
Em relação à desnutrição, sabe-se que o pico de prevalência do emagrecimento ocorre no
segundo ano de vida, coincidindo com a introdução dos alimentos complementares e o
aumento da incidência da doença diarréica. Uma vez que o episódio da infecção é
controlado e há disponibilidade de alimentos, o peso pode ser recuperado. A baixa estatura
ou nanismo nutricional tem uma história natural diferente do emagrecimento, tem início
em torno do terceiro mês de vida e continua por dois ou três anos. A velocidade de
Ana Rodrigues Falbo Discussão
90
crescimento só é mais ou menos restaurada em torno dos cinco anos, quando o déficit de
altura pode ser já de cerca de 15 cm em relação à criança normal, e mantido durante a
idade adulta (MONTE, 2000).
Observou-se que a maior parte das crianças do grupo controle tinha menos de um ano de
idade, portanto antes do pico da incidência do emagrecimento e antes, talvez, que houvesse
a expressão de um insulto crônico produzindo o nanismo nutricional. No entanto, essas
crianças com certeza sofreram agravos importantes, traduzidos pelo grau de desnutrição
que de fato apresentavam. Apesar da diferença estatisticamente significante encontrada em
relação à faixa etária nos grupos do estudo, observou-se que também no grupo da
intervenção experimental a maior parte das crianças tinha idade menor que um ano. Talvez
o menor percentual observado neste grupo se deveu ao fato de que, como essas crianças
foram internadas num momento de menor gravidade clínica, houve a chance de selecionar
crianças maiores, que geralmente são menos graves.
O maior percentual de choque circulatório na admissão corrobora com o fato já sugerido de
que o critério de admissão hospitalar utilizado de forma distinta, mesmo tratando-se de
grupos com comprometimento nutricional importante, selecionou crianças expostas a uma
maior morbidade, já que o internamento hospitalar ocorreu numa fase em que a doença
intercorrente assumia uma certa gravidade.
Há relato na literatura de maior percentual de óbito na criança com desnutrição edematosa
(SCHOFIELD & ASHWORTH, 1997), o que indica uma maior gravidade desses casos. O
menor percentual de edema encontrado no grupo controle (7,2%), comparado com o
percentual do grupo da intervenção experimental (17,1%), não condizendo com a condição
clínica mais favorável dessas crianças, pode ser atribuído a uma provável falta de
notificação, já que as crianças do grupo controle foram selecionadas a partir do livro de
registro da admissão, em que constavam a idade e o peso, mas nem sempre havia
referência à presença de edema.
É importante comentar que independentemente da especificidade das medidas propostas
pelo Protocolo OMS, ao se aplicar um tratamento sistematizado, e uma melhor
monitorização da criança durante a hospitalização, este fato por si, já poderia contribuir
para uma evolução mais favorável das crianças do ponto de vista médico.
Ana Rodrigues Falbo Discussão
91
Apesar das limitações impostas, que foram identificadas e discutidas ainda na fase de
elaboração do projeto do estudo, o resultado encontrado assume ainda maior importância
quando avaliamos alguns aspectos.
O fato de ter sido a primeira vez que foi aplicada no serviço a proposta de tratamento em
estudo, nos leva a pensar que com a identificação e correção das dificuldades encontradas
muito provavelmente será alcançado um melhor resultado.
Quando sabemos que as taxas de letalidade hospitalar da criança desnutrida grave
hospitalizada variam de 20,0% e 40,0%, como foi relatado anteriormente em vários outros
estudos com crianças igualmente desnutridas graves, a redução encontrada no presente
estudo deve ser valorizada.
6.5 OS CASOS DE ÓBITO
Dezenove crianças do grupo da intervenção do estudo foram a óbito (16,2%). Muitas
dessas crianças tinham dados clínicos graves que por si só podem ter influenciado na sua
evolução desfavorável, mas também podem estar relacionados a uma inadequação do
manejo.
A presença de doença de base foi constatada em cinco crianças (26,3%), seis crianças
(31,6%) tinham desnutrição edematosa, duas crianças (10,5%) tinham quadro clínico
compatível com choque circulatório (na admissão hospitalar), anemia grave foi encontrada
em três casos (25,0%), duas crianças (10,5%) tiveram dados de insuficiência cardíaca
congestiva e nove (47,3%) preencheram os critérios para o diagnóstico de infecção
hospitalar.
Tentou-se identificar o evento imediato mais provável de estar relacionado com o óbito, o
tempo decorrido desde a admissão até este desfecho e a presença de falhas no manejo.
Em uma criança foi constatada a presença de hipoglicemia pouco antes do óbito, o que
ocorreu 48 horas após o internamento. Neste caso, não houve o tratamento correto do
problema segundo, a orientação do Protocolo, o que pode ter contribuído diretamente para
o óbito. Os dois casos de hipoglicemia verificados no momento da admissão
provavelmente não tiveram influência no óbito das demais crianças.
Ana Rodrigues Falbo Discussão
92
Hipotermia foi registrada próximo à ocorrência do óbito em uma criança, o que ocorreu
após 48 horas da admissão. Neste caso, não houve a monitorização correta da temperatura
após as medidas iniciais e não houve a checagem para hipoglicemia, conforme indicado.
Três crianças estavam desidratadas pouco antes do óbito, sendo que em duas este fato
ocorreu com menos de 24 horas da admissão no hospital. Ambas tinham quadro de
desidratação grave. Em uma delas, não foi detectada nenhuma falha no manejo da
desidratação, mas apresentava sangramento digestivo alto, denotando um importante grau
de comprometimento clínico. Na outra criança citada, foi observada em relação ao manejo
da desidratação a falta do oferecimento da dieta nos horários previstos durante a
reidratação e logo após a conclusão da mesma. Na terceira criança, cujo óbito ocorreu entre
24 e 48 horas da admissão hospitalar, e havia desidratação grave associada, não houve
falha no manejo do problema discutido.
Doze crianças tinham o diagnóstico de sepse, tendo o óbito ocorrido antes de 48 horas em
dois casos e após 48 horas nos demais casos. Em relação à avaliação do cumprimento das
etapas do Protocolo nessas crianças, em apenas um caso foi detectada falha. Uma dessas
crianças recebeu um concentrado de hemácias quatro horas antes do óbito, e não houve a
monitorização da freqüência cardíaca e da freqüência respiratória, bem como não foi
administrado o furosemide, em que pesem não ter sido observados sinais de insuficiência
cardíaca congestiva.
Quadro clínico sugestivo de ICC foi registrado em duas crianças portadoras de cardiopatia
congênita pouco antes do óbito. Os dois casos ocorreram após 48 horas da admissão. Em
ambos foi observado o aumento da FC e da FR e não houve a redução do volume da dieta
como deveria ser feito.
Pelos dados demonstrados acima, pelo menos em seis (31,5%) das 19 crianças que foram a
óbito foi observada alguma falha no manejo quando se avaliou o cumprimento das etapas
do Protocolo da OMS. Este fato sugere que esses óbitos poderiam ter sido evitados se o
tratamento tivesse sido instituído conforme o indicado, melhorando assim os resultados
obtidos no estudo quanto à taxa de letalidade hospitalar e reforçando o potencial efeito
benéfico que é esperado com a aplicação correta do referido Protocolo.
Ana Rodrigues Falbo Discussão
93
6.6 OPERACIONALIZAÇÃO DAS ETAPAS DO TRATAMENTO
Foram avaliados alguns aspectos da implementação do Protocolo da OMS na prática
clínico-hospitalar, o que foi verificado segundo as etapas recomendada para a sua
aplicação, algumas das quais já foram comentadas em outras seções do estudo.
Fazendo parte da implementação do Protocolo da OMS, houve treinamento de toda a
equipe, com aulas e práticas ministradas para cada grupo de profissionais (médicos,
doutorandos, residentes, enfermeiras, auxiliares de enfermagem, nutricionistas, auxiliares
de nutrição e funcionários de serviços gerais) tanto no setor da emergência quanto da
enfermaria, nas quais se procurou discutir os aspectos importantes que serviram de
embasamento para a elaboração do tratamento proposto, atualizando desta forma o
conhecimento e sensibilizando os profissionais envolvidos.
Quanto ao manejo da hipoglicemia e da hipotermia, foi observada a ocorrência de
problemas principalmente nos aspectos relacionados com a monitorização. Em três das
cinco crianças (60,0%) que apresentaram hipoglicemia não houve a checagem posterior da
glicemia após o tratamento inicial. Em apenas uma criança (8,3%) das 12 que
apresentaram hipotermia houve a monitorização posterior da temperatura, e a checagem
para hipoglicemia só foi realizada em duas dessas crianças (16,6%). Esses dados apontam
para a necessidade de um reforço no treinamento e para uma maior sensibilização da
equipe em relação à importância desses agravos na evolução da criança desnutrida grave,
para que tais procedimentos sejam incorporados na rotina do atendimento da mesma forma
que se prestam os cuidados de higiene e de alimentação.
A temperatura do ambiente esteve fora do limite indicado em algum momento da
permanência hospitalar em 44 crianças (37,6%). Quanto a este fato, não se dispunha de
aparelho que pudesse controlar a temperatura do ambiente, mas esse dado reforça a
importância de se instituir de forma correta as etapas no manejo e na prevenção da
hipotermia nessas crianças, para que o efeito negativo de uma falha estrutural seja
minimizado.
O clínico que lida com a criança desnutrida tem que considerar a desidratação tanto quanto
a hiperidratação.
Ana Rodrigues Falbo Discussão
94
Muitos dos sinais que são normalmente utilizados para avaliação da desidratação não são
confiáveis em uma criança com desnutrição grave. A desidratação tende a ser
hiperdiagnosticada e sua gravidade superestimada. Alguns sinais importantes para o
diagnóstico da desidratação na criança desnutrida grave são: história de diarréia, sede
(irritabilidade, ansiedade nos menores), olhos encovados (na opinião da mãe), pulso fraco
(choque), pés e mãos frios (choque), diminuição da diurese. Sinais que não são confiáveis:
estado mental (normalmente são apáticas e podem ter alteração do nível de consciência por
hipotermia, hipoglicemia), saliva e lágrimas (atrofia das glândulas), elasticidade da pele
(WATERLOW,1992; GOLDEN, 1996; OMS, 2000).
O Protocolo da OMS (2000) recomenda que a reidratação dessas crianças se faça com a
ReSoMal, em menor volume e em maior tempo do que o proposto para a criança eutrófica.
A única indicação de infusão intravenosa em uma criança gravemente desnutrida é colapso
circulatório causado por desidratação ou choque séptico.
Em relação ao manejo da desidratação das crianças do estudo que receberam o tratamento
do Protocolo da OMS, nem sempre foi possível cumprir as orientações recomendadas,
como foi observado na seção dos resultados do estudo. Foi utilizada a ReSoMal em 83,5%
dos casos nos quais houve indicação para o seu uso, e em 38,0% dos casos o volume
utilizado não foi correto, bem como não houve a correta monitorização da progressão da
reidratação. A utilização da ReSoMal para repor perdas após cada evacuação diarréica para
prevenir a desidratação só foi utilizada como indicado em 16,6% dos casos.
As falhas observadas apontam para a necessidade de rever os aspectos que possam ter
influenciado para a sua ocorrência, bem como para um reforço no treinamento da equipe
que presta assistência a essas crianças.
Pela importante repercussão da deficiência dos eletrólitos e micronutrientes para a criança
desnutrida grave, levando às alterações fisiológicas que as coloca em risco para o aumento
de sua morbimortalidade, o Protocolo da OMS preconiza e enfatiza a administração regular
desses elementos no tratamento dessas crianças (OMS, 2000; BHAN et al., 2001).
O metabolismo eletrolítico na desnutrição foi muito estudado nos anos 60 e 70, mas desde
então se tem tido pouco interesse no assunto.
Ana Rodrigues Falbo Discussão
95
Dentre as alterações existentes nos eletrólitos, minerais e elementos traços, cabe ressaltar
aquelas observadas no potássio, sódio, magnésio, zinco, cobre.
Em relação ao potássio, os achados fornecem evidência de que sua deficiência é um fato
comum e importante na desnutrição.
A depleção do potássio tem relação com a “quebra” da membrana celular, levando a
redução na capacidade de reter potássio e aumento do sódio e água dentro da célula. A
diminuição do potássio intracelular promove retenção de sódio e água, diminuição da
contratilidade miocárdica e afeta o transporte através da membrana celular. Hipocalemia
grave provoca apatia, fraqueza, hipotonia, íleo paralítico, alterações no eletrocardiograma
(ECG) e morte súbita (WATERLOW, 1992; MANARY & BREWSTER, 1997).
Em relação ao sódio, observa-se que com o aumento do volume de fluido extracelular há o
aumento do sódio corporal. Paradoxalmente, o aumento do sódio corporal é algumas vezes
acompanhado por hiponatremia. Existem duas explicações para tal fato: o sódio é diluído
no fluido extracelular ou é desviado dele. O sódio entra na célula como conseqüência da
deficiência do potássio. Se o sódio entra, o potássio deve sair. Atribui-se à hiponatremia a
evidência do que se chama “doença a nível celular” (WATERLOW, 1992).
O magnésio é o segundo cátion celular mais freqüente. Está envolvido em muitas reações
enzimáticas, como síntese de ácidos graxos, proteínas, rotas glicolíticas e formação de
AMPc. Quando a criança entra na fase de recuperação, de crescimento rápido, há a
necessidade de grandes quantidades de magnésio para restaurar a depleção tecidual. Como
o potássio, uma inadequação da quantidade do magnésio pode limitar a taxa de
recuperação tecidual e até mesmo contribuir para a morte (WATERLOW, 1992; SINGLA
et al., 1998).
O zinco é particularmente importante na multiplicação celular, pois é componente
essencial de enzimas que participam da síntese de proteínas e RNA. Daí sua ação ao nível
do epitélio intestinal e da epiderme e sua participação na atrofia do timo e distúrbio na
imunidade celular, que é uma característica da desnutrição grave. O ganho ponderal é
inadequado se há uma dieta com pouco zinco disponível. Há a relação causal da
deficiência do zinco com retardo do crescimento linear em crianças (GOLDEN &
Ana Rodrigues Falbo Discussão
96
GOLDEN, 1979; SIMMER et al., 1988; SINGLA et al., 1996; DOHERTY et al., 1998;
GATHERU et al., 1998; RIVERA et al., 1998).
O cobre tem um importante papel no metabolismo do ferro e na eritropoiese. O cobre
participa de enzimas, ceruloplasmina (ferroxidase I) e ferroxidase II que oxidam o ferro,
que assim pode ser transportado do lúmem intestinal e dos sítios de estocagem para os
sítios de eritropoiese. Isto explica a anemia na deficiência do cobre. Uma outra enzima que
contém cobre, a superóxido-dismutase, tem um papel importante no clareamento de
radicais livres. Na fase de crescimento rápido, o cobre deve estar disponível em
quantidades suficientes para garantir a formação de novos tecidos. Desde que o leite é o
alimento básico de vários esquemas de tratamento, e tem baixo conteúdo de cobre, este
deve ser dado de rotina durante o tratamento (WATERLOW, 1992; SINGLA et al., 1996).
A administração de potássio, magnésio, zinco e cobre às crianças desnutridas graves
submetidas ao tratamento pelo Protocolo da OMS é feita por meio da solução da mistura
de minerais (Anexo 1 e Anexo 9), a qual é adicionada às fórmulas lácteas e à ReSoMal
(Anexo 1), garantindo a oferta diária desses eletrólitos.
Não houve dificuldade em relação ao cumprimento da correção do desequilíbrio
eletrolítico e da deficiência de micronutrientes.
O IMIP possui farmácia hospitalar, com estrutura adequada para a produção da referida
solução da mistura de minerais, garantindo assim a sua disponibilidade. A sua
administração foi garantida, pois não houve dificuldade no manuseio da dieta, o que foi
verificado quando se constatou que a maioria das crianças (>90,0%) recebeu as fórmulas
preparadas adequadamente (F75 e F100), condizentes com a etapa do tratamento, em
horário e volume adequados. Houve substituição das fórmulas F75 para F100, como
orientado, em 99,0% dos casos. A progressão da dieta foi adequada em 93,2% dos casos e
houve monitorização da quantidade da dieta oferecida e aceita em todos os casos do
estudo. A quota calórica na fase inicial do tratamento esteve dentro do recomendado em
83,6% das crianças e a quota calórica na fase de recuperação foi adequada em 96,0% dos
casos.
Em relação ao metabolismo do ferro, relata-se uma diminuição dos níveis de transferrina
no kwashiorkor, o que resultaria em maior disponibilidade deste metal
“descompartimentalizado”, e que promoveria um sobrecrescimento bacteriano, e este ferro
Ana Rodrigues Falbo Discussão
97
agiria como um catalítico, convertendo o radical superóxido relativamente arreativo em um
radical hidroxil extremamente agressivo e danoso. A conseqüência seria que este ferro
deslocado promoveria o aumento dos radicais livres, que seriam responsáveis pelas
manifestações clínicas do kwashiorkor. O que se postula é que normalmente o ferro é
compartimentalizado de uma forma segura para prevenir o dano tecidual.
Em muitos países, a mortalidade do kwashiorkor permanece muito alta durante a fase de
realimentação. A peroxidação induzida pelo ferro pode ser crucial (DEMPSTER et al.,
1995; MOELESE et al., 1997; ASHWORTH & SCHOFIELD, 1998).
ASHWORTH e colaboradores (1973) demonstraram que crianças em fase de recuperação
de desnutrição absorvem apenas 5,0% do ferro de dietas de massa, e até mesmo uma
pequena infecção, como um resfriado, pode reduzir a absorção para praticamente zero. Em
contrapartida, VASQUEZ e colaboradores (2001) realizaram trabalho também com
crianças na fase de recuperação de desnutrição grave e concluíram que mesmo na presença
de infecção ou inflamação a absorção do ferro não está comprometida.
O Protocolo da OMS preconiza, pelas razões expostas acima, que no tratamento da criança
desnutrida grave o ferro seja iniciado a partir da segunda fase do tratamento, quando a
criança tenha estabilizado o seu estado clínico, superado uma possível infecção e haja
retorno do apetite.
Não houve dificuldade em relação à administração do ferro, a droga estava disponível no
hospital e seu uso foi iniciado no momento e na dose corretos na maioria das crianças
(>90,0%).
A hipovitaminose A é talvez a deficiência de micronutrientes mais séria, podendo produzir
dificuldade visual permanente, até mesmo levando à cegueira. No estado de depleção de
proteínas, a vitamina não pode ser prontamente mobilizada e transportada. Com a
recuperação devido à ingestão adequada de proteínas, o sistema rapidamente se recupera, e
se não houver vitamina A disponível para o metabolismo pode haver a precipitação de
complicações oculares. É importante considerar que a deficiência da vitamina A tem um
papel crucial na evolução dos casos de diarréia, podendo, nesta condição, aumentar o risco
de morte em quase 25,0% (SOLOMONS, 1985; BEATON ,1990; SOMMER, 1995;
BATISTA FILHO, 1999).
Ana Rodrigues Falbo Discussão
98
Postula-se a administração de altas doses da vitamina A no início do tratamento com o
intuito de prevenir este processo, o que ainda é controverso na literatura (DONNEN et al.,
1998).
Segundo a orientação contida no Protocolo da OMS, toda criança desnutrida grave deve
receber uma megadose da vitamina A logo à admissão no hospital.
Todas as crianças do grupo da intervenção do estudo receberam a vitamina A, como
orientado. Em relação ao uso do ácido fólico e das polivitaminas, foram administrados
corretamente em 98,3% dos casos.
Quase todas as crianças desnutridas graves apresentam infecções bacterianas na ocasião da
admissão para tratamento hospitalar. Muitas têm várias infecções causadas por diferentes
organismos. A infecção é normalmente reconhecida como uma resposta orgânica em
termos de febre, leucocitose, formação de pus, taquipnéia etc. Nessas crianças, essas
respostas podem não ocorrer, dificultando o reconhecimento de infecções e colocando em
risco suas vidas (OMS, 2000). A partir desses dados, surgiu a orientação do Protocolo da
OMS (OMS,2000) para a utilização do antibiótico em todas as crianças desnutridas graves
hospitalizadas. Todas as crianças do grupo da intervenção experimental do estudo
receberam antibioticoterapia.
O Protocolo da OMS recomenda que a medicação antiparasitária seja instituída quando a
criança inicie a fase de reabilitação, ou seja, no geral, a partir da segunda semana do
tratamento. Como a nossa região é de alta prevalência para parasitoses intestinais, foi
proposta a administração do mebendazol, após o sétimo dia da admissão hospitalar, se a
criança tinha um ano ou mais de idade e não houvesse recebido droga antiparasitária nos
últimos seis meses. Essa proposta foi realizada em 90,3% das crianças que preencheram os
critérios determinados acima.
Em relação à estimulação emocional e sensorial, não foi possível instituí-la como orientado
no currículo de ludoterapia, com estimulação específica por 15 a 30 minutos por dia para
cada criança. Houve recreação livre com brinquedos e música diariamente. O ambiente
possuía estimulação visual, os berços eram abertos para permitir que as crianças
percebessem todo o ambiente a sua volta. Houve quase sempre a presença da mãe ou de
outra pessoa da família durante o internamento da criança.
Ana Rodrigues Falbo Discussão
99
Em relação ao cumprimento das etapas de tratamento do Protocolo da OMS na prática
clínico-hospitalar, em resumo, constatou-se dificuldades, como previsto antes da realização
do estudo, principalmente em relação a algumas etapas do manejo que incluíam a
monitorização e implicava a presença freqüente de médico ou enfermeira junto à criança.
Esta dificuldade ficou patente quando avaliamos algumas etapas do tratamento da
hipoglicemia, da hipotermia, da desidratação e na infusão de líquidos e hemoderivados.
Merece atenção o fato de o estudo ter sido realizado em um hospital terciário de referência,
tendo, portanto, melhores condições de que outras unidades de saúde da região onde a
desnutrição infantil é um problema freqüente.
Não foi constatada dificuldade em relação à monitorização de outros aspectos do
Protocolo, como da dieta, da presença de vômitos, das evacuações, das freqüências
cardíacas e respiratórias pelo menos uma vez ao dia e do ganho médio de peso a cada três
dias.
Em relação aos recursos materiais de uma forma geral, não houve problema em relação à
disponibilidade e à utilização dos medicamentos, bem como na preparação das fórmulas,
na utilização de aparelhos como balança, antropômetro, termômetro para detectar
hipotermia, termômetro para aferição da temperatura do ambiente e fita reagente para
triagem de hipoglicemia.
Em relação aos recursos humanos, trabalham no serviço doutorandos, médicos residentes,
médicos, residentes de enfermagem, enfermeiras e auxiliares de enfermagem, que
constituem a equipe que dispensa os cuidados aos pacientes internados. O serviço possui
também farmacêuticos e nutricionistas que têm atuação de suma importância, não só no
tratamento da criança desnutrida grave, como também na assistência de todas as crianças
hospitalizadas no serviço.
Não se pode esquecer que, no local onde o problema da desnutrição infantil é de alta
prevalência, normalmente as condições socioeconômicas são precárias e há grande
dificuldade na obtenção dos recursos para se instituir qualquer tratamento na sua forma
ideal. É importante que as condições de cada local onde haja a necessidade de aplicação do
Protocolo sejam levadas em conta e que sejam feitas adaptações para garantir a sua
utilização.
Ana Rodrigues Falbo Discussão
100
Com pequenos ajustes, achamos que as etapas da fase inicial (hospitalar) recomendadas
pelo Protocolo podem ser seguidas sem grande dificuldade, e sem comprometer os
objetivos mais importantes, que são a redução da letalidade e a recuperação nutricional.
Mais de 80,0% (83,7%) das crianças do estudo receberam alta hospitalar, e destas 80,6%
estavam no início da fase de reabilitação nutricional, o que nos fornece indicação de que se
os cuidados fossem mantidos após a alta haveria diminuição importante da ocorrência de
recaída, assegurando assim a continuidade do desenvolvimento físico, mental e emocional
da criança.
Achamos que o estudo traz uma importante contribuição, somando evidências no sentido
da viabilidade da aplicação do protocolo e do resultado positivo na redução da taxa de
letalidade hospitalar da criança com desnutrição grave. Em adição, os resultados revelam e
reforçam a necessidade da implementação de medidas simples que se adequadamente
executadas contribuirão para a melhoria da qualidade na atenção de todas as crianças
hospitalizadas, não só as desnutridas graves, tanto no IMIP como em outros centros do
país.
Em caráter especulativo, considerando-se que metade dos óbitos foram atribuídos a casos
de sepse, pode-se esperar que cuidados adicionais (enfermarias próprias para a internação
de crianças desnutridas graves e intensificação das medidas dos casos previstos no
Protocolo da OMS) pudessem evitar cinco ou seis óbitos ocorridos. Com esta estimativa, a
letalidade hospitalar de crianças com desnutrição grave poderia baixar para valores em
torno de 10,0%, o que configuraria um resultado muito positivo, considerando a situação
atual encontrada no IMIP (FALBO & ALVES, 2002) e em nível internacional (PUOANE
et al., 2001; DEEN et al., 2002).
Reforçamos o fato de que a adequação do manejo durante o tratamento hospitalar deva ser
buscada em todas as unidades de saúde que prestam cuidados a essas crianças.
Com a realização do trabalho, houve a oportunidade para a sensibilização e o envolvimento
de toda a equipe do serviço com o problema, o qual foi redimensionado, passando-se a
compreender que, em que pese a natureza social e econômica da desnutrição, que não deve
ser esquecida, a adequação e a atualização do conhecimento e da prática médica podem de
Ana Rodrigues Falbo Discussão
101
fato ser de grande valor e fazer parte de uma das várias frentes de luta contra a desnutrição
infantil.
O IMIP, como importante centro de formação e treinamento de recursos humanos, deverá
se empenhar em corrigir as falhas ocorridas no primeiro momento da aplicação do
Protocolo da OMS no serviço e repassar a prática e os conhecimentos adquiridos para a
capacitação dos centros e dos profissionais de saúde de outras localidades da região, onde
o atendimento à criança com desnutrição grave seja freqüente e ainda constitua um
desafio.
Por fim, e de forma sintética, deve ser referenciada como um objetivo explícito do
desenvolvimento humano, a aplicação de medidas conjunturais e estruturais que possam
interromper ou reduzir as carências nutricionais e as doenças evitáveis ou curáveis que se
associam à desnutrição, diminuindo o fluxo de casos graves que demandam internação
hospitalar. No setor específico da saúde, isto implica ações seqüenciais e integradas que
precedem a hospitalização, intensificam e especializam os cuidados da assistência
hospitalar e acompanham os egressos após a alta, consolidando a recuperação clínica e a
reabilitação social da criança e da família afetada. É um ciclo completo de cuidados, e não
apenas um tratamento episódico que, mesmo sendo necessário, não se torna suficiente para
abranger a história médica e social da desnutrição.
Ana Rodrigues Falbo Conclusões
102
7. CONCLUSÕES
A taxa de letalidade hospitalar foi menor nas crianças que receberam o tratamento
recomendado pelo Protocolo da OMS para manejo da criança desnutrida grave
hospitalizada do que a observada nas crianças igualmente desnutridas que receberam o
tratamento do protocolo de rotina utilizado no IMIP (odds ratio ajustado de 0,52 –
IC95%: 0,26 a 1,00);
Foi avaliado o cumprimento de 36 etapas do Protocolo da OMS para manejo da criança
desnutrida grave hospitalizada, em 24 delas houve o cumprimento das orientações sem
falhas em mais de 80,0% das crianças. A principal dificuldade encontrada foi em
relação às etapas que incluíam a monitorização da criança e exigiam a presença
freqüente do médico ou da enfermeira junto à criança;
As crianças do grupo controle do estudo apresentaram uma pior condição clínica no
momento da admissão hospitalar, pois o critério de internamento utilizado levava em
conta a gravidade da intercorrência clínica apresentada por essas crianças;
O tempo de permanência hospitalar foi maior no grupo da intervenção experimental do
estudo, no entanto neste grupo foram considerados para definir a alta hospitalar aspectos
da reabilitação nutricional, e não apenas a resolução do problema médico que motivou o
internamento;
Foi constatada a ocorrência de episódios de diarréia (62,3%), de insuficiência cardíaca
congestiva (23,1%) e de infecção hospitalar (29,1%) no grupo da intervenção
experimental do estudo, estando provavelmente estes eventos relacionados à presença
de falhas no manejo. Não foi possível haver comparação desses dados entre os dois
grupos do estudo, pela falta de informações mais detalhadas nas crianças do grupo
controle em relação aos aspectos estudados acima;
A maior parte das crianças (80,6%) do grupo da intervenção experimental do estudo
apresentou o início da recuperação do peso (fase de reabilitação);
O início da fase de reabilitação ocorreu com menos de duas semanas de hospitalização
em 73,3% dos casos;
Ana Rodrigues Falbo Conclusões
103
Dezenove crianças do grupo da intervenção experimental do estudo (19,3%) não
apresentaram o início da recuperação do peso (fase de reabilitação). Foram excluídas
deste grupo as crianças que foram a óbito. Parece provável que a própria condição
clínica da criança tenha sido responsável por este fato;
Foi observada alguma falha no manejo em seis (31,5%) das 19 crianças que foram a
óbito. Este fato sugere que esses óbitos poderiam ter sido evitados com o tratamento
adequado, melhorando assim os resultados obtidos no estudo quanto à taxa de letalidade
hospitalar.
O Protocolo da OMS para manejo da criança desnutrida grave hospitalizada é possível
de ser aplicado mesmo em locais com poucos recursos econômicos, desde que haja
treinamento e empenho da equipe envolvida na assistência às crianças;
Os resultados obtidos no presente estudo confirmam o benefício da incorporação do
conhecimento científico adquirido em relação à desnutrição infantil às propostas de
tratamento contidas no Protocolo da OMS.
Ana Rodrigues Falbo Recomendações
104
8. RECOMENDAÇÕES
Que as orientações para o tratamento contidas no Protocolo da OMS sejam aplicadas em
todos os locais onde ainda se tenha que manejar crianças com desnutrição grave no hospital;
Que as condições de cada local sejam avaliadas para que adaptações sejam feitas no sentido
de viabilizar a aplicação do Protocolo sem comprometer os resultados obtidos;
Que se realize treinamento da equipe de saúde que presta assistência hospitalar a essas
crianças, incluindo: o conhecimento científico que embasa o tratamento, a prática para o
cumprimento das várias etapas e a sensibilização para que haja o empenho de todos;
Que o IMIP, uma vez identificadas as dificuldades na aplicação do Protocolo da OMS,
mobilize esforços no sentido de resolvê-las;
Que o IMIP, como instituição de assistência, ensino e pesquisa, atue como centro de
capacitação para que as orientações do Protocolo da OMS sejam difundidas e aplicadas;
Que os órgãos competentes e os profissionais envolvidos com o problema da desnutrição na
criança busquem recursos para garantir o cumprimento de todas as etapas do referido
Protocolo: a fase inicial (hospitalar), a fase de reabilitação (centro de reabilitação pós-alta) e o
acompanhamento da criança na comunidade.
Ana Rodrigues Falbo Referências Bibliográficas
105
9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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ADAPTAÇÃO DO PROTOCOLO OMS PARA MANEJO DA CRIANÇA DESNUTRIDA GRAVE HOSPITALIZADA NO IMIP 1) INTRODUÇÃO: A criança desnutrida grave está propensa a apresentar sérios problemas que a coloca sob risco de vida, como hipoglicemia, hipotermia, infecção e distúrbios hidroeletrolíticos. O seu tratamento no hospital deve ser bem organizado e executado por pessoal adequadamente treinado. 2) CRITÉRIO DIAGNÓSTICO: Para a utilização do protocolo da pesquisa define-se como desnutrição grave a presença de edema em ambos os pés, ou indicador peso/idade < 70% ou < -3DP (aprox. menor que P1),ou indicador peso/altura < -3DP. 3) TRATAMENTO GERAL: O tratamento geral envolve 10 passos divididos em duas fases: uma fase inicial de estabilização (para tratamento de condições médicas agudas) e uma fase mais longa de reabilitação. Esquema para o manejo de uma criança com desnutrição grave Atividade Tratamento inicial
Dias 1-2 dias 3-7 Reabilitação Semanas 2-6
Acompanhamento Semanas 7-26
Tratar ou prevenir Hipoglicemia Hipotermia Desidratação
→ → →
Corrigir distúrbio eletrolítico
→ → →
Tratar infecção → → Corrigir deficiência de Micronutrientes
→ sem ferro → Com ferro→
Começar a alimentação → → Aumentar a alimentação p/ recuperar o peso perdido
→ → → →
Estimular o desenvolvimento emocional e sensorial
→ → →
Preparar p/ alta →
3.1) HIPOGLICEMIA Hipoglicemia e hipotermia usualmente ocorrem juntas e são freqüentemente sinais de infecção. Checar hipoglicemia sempre que houver hipotermia. Toda criança no momento da admissão deve realizar o teste de triagem para detectar hipoglicemia (dextrostix). Diagnóstico: glicemia (dextrostix) < 50 mg/dl (se não pode ser medida, assumir que toda criança desnutrida grave tem hipoglicemia). Sinais clínicos de hipoglicemia: hipotermia, letargia, incoordenação, perda de consciência. Sudorese e palidez não ocorrem na criança desnutrida grave. O único sinal pode ser a sonolência. Tratamento: • Se o paciente pode beber, dar 50 ml de glicose a 10% ou solução de
sacarose (1 colher de chá de açúcar em 3 e ½ colheres de sopa de água) por via oral ou sonda gástrica, e iniciar a primeira alimentação assim que esteja disponível (F75). Vigiar a criança.
• Alimentar a cada 2 horas (dia e noite), pelo menos no primeiro dia (F75) (apêndice 1).
• Dar antibióticos indicados (ver adiante) • Se a criança não pode beber (inconsciência, convulsão,...): utilizar SOG
(sonda orogástrica), mesmo volume dado por VO, se não for possível dar 5 ml/kg de SG (soro glicosado) 10% IV.
Monitorização: Se a medida inicial da glicemia foi baixa, repetir com 30 minutos. Uma vez tratadas a maioria das crianças estabiliza com 30 minutos. • Se a glicemia (dextro) está baixa ou a criança se torna sonolenta, repetir a
glicose a 10% ou a solução de sacarose. • No acompanhamento na enfermaria repetir o dextro sempre que houver
hipotermia e/ou queda do nível de consciência, e tratar de acordo. Prevenção: • Alimentar a cada 2 ou 3 horas (mesmo durante a noite). Se necessário,
hidratar a criança antes.
3.2) HIPOTERMIA Hipotermia é associada com o aumento da mortalidade na criança desnutrida grave, daí porque necessita ser controlada. A alimentação freqüente é parte importante da sua prevenção. Diagnóstico: temperatura axilar < 35o C ou se não se consegue registro assumir que há hipotermia. Tratamento: • Alimentar a criança imediatamente (se necessário reidratar antes) • Manter a criança vestida, incluindo a cabeça. Cobri-la com cobertor
aquecido ou colocá-la sob lâmpada, ou colocá-la pele-à-pele com a mãe e cobri-las com cobertor ou roupas aquecidas (técnica canguru).
• Dar antibióticos apropriados (ver adiante). Monitorização: • Aferir a temperatura da criança a cada 2 horas até que chegue a 36.5o C • Ter certeza de que a criança está coberta todo tempo (incluindo a cabeça),
especialmente à noite • Checar para hipoglicemia sempre que houver hipotermia Prevenção: • Alimentar a criança a cada duas horas, iniciando assim que possível • Dar alimentos durante a noite • Colocar o berço em local aquecido e manter a criança coberta • Trocar roupas molhadas, para manter a criança sempre seca • Prevenir exposição da criança ao frio (durante o banho, exame físico, etc...) • Permitir a permanência da criança junto da mãe, para melhorar o
aquecimento
3.3) DESIDRATAÇÃO / CHOQUE SÉPTICO Desidratação: Diagnóstico: O diagnóstico e a gravidade da desidratação tendem a ser, superestimadas, na criança desnutrida grave, pela dificuldade de utilização dos sinais clínicos nessas crianças. Assumir, que toda criança com diarréia tem algum grau de desidratação (hipovolemia pode existir na presença de edema) Tratamento: • Não utilizar a via venosa exceto em casos de choque (c/ letargia ou
inconsciência) • Utilizar a solução de reidratação especial para a criança desnutrida
(ReSoMal / apêndice 2) por via oral (VO) ou sonda gástrica (SOG), mais lentamente do que na criança normal. Dar 5 ml/kg cada 30 minutos durante as primeiras 2 horas. Após dar 5-10 ml/kg/hora durante as próximas 4-10 horas (vide esquema abaixo). A quantidade exata de líquido vai depender de quanto é aceito pela criança, do volume fecal e se há vômitos
• Reidratação venosa: solução glicofisiológica (1:1) 15 ml/kg IV em 1 hora (monitorizar sinais de hiperidratação). Pode-se paralelamente dar ReSoMal por SOG enquanto o equipo está sendo instalado. Reavaliar com 1 hora: se houver melhora: repetir o tratamento 15 ml/kg em 1 hora. Se a criança não melhora após a 1a fase IV: tratar como choque séptico.
• Avaliar o progresso da hidratação a cada duas horas, e seguir a seguinte orientação: 1) Se a criança hidratou satisfatoriamente, reiniciar a dieta conforme indicado e fazer ReSoMal 10 ml/kg por VO ou SOG só após cada evacuação diarreica. 2) Se melhorou, mas ainda não hidratou satisfatoriamente, prosseguir com a TRO com a ReSoMal por VO ou por SOG 10 ml/kg/hora por até 10 horas. 3) Se a criança piorou, surgindo sinais de desidratação grave com letargia ou inconsciência, fazer hidratação venosa como orientado acima.
• Se a reidratação ainda está ocorrendo na 6o e 10o horas, oferecer a fórmula F-75 (apêndice 1), ao invés da ReSoMal, nos mesmos volumes da solução de reidratação
• Após hidratação iniciar dieta com a fórmula F-75 (apêndice 1)
Monitorização: Estar alerta aos sinais de hiperidratação, que é extremamente perigosa e pode levar a insuficiência cardíaca. Checar: • Freqüência respiratória • Pulso (FC) • Freqüência urinária • Freqüência de evacuações e vômitos Durante o tratamento a freqüência respiratória e o pulso (FC) devem diminuir e a criança começar a urinar. A persistência de respiração rápida e pulso rápido sugerem coexistência de infecção ou hiperidratação. Se há sinais de hiperidratação, suspender a ReSoMal imediatamente e reiniciar após 1 hora. Prevenção: • Continuar a amamentação, se for o caso • Realimentar com a fórmula F-75 (apêndice 1) • Dar ReSoMal 10 a 15 ml/kg após cada evacuação diarreica OBS: é comum a criança desnutrida ter fezes de consistência diminuída que não requer reposição de líquidos, não confundir com diarréia profusa. Choque Séptico Todas as crianças com desnutrição grave com sinais de choque séptico incipiente ou desenvolvido devem ser tratadas para choque séptico. QC: • Sinais de desidratação, mas sem uma história de diarréia • Hipotermia e/ou hipoglicemia • Edema e sinais de desidratação Tratamento geral:
• Início imediato de antibióticos de largo espectro • Aquecimento / evitar exposição • Manuseio mínimo • Não dar ferro
Choque séptico incipiente: • Alimentar para prevenir hipoglicemia com F75 (apêndice 1) e mistura de
minerais (apêndice 3).
Choque séptico desenvolvido: • Hidratação venosa: SGF 15ml/kg/h: vigiar sinais de hiperidratação e ICC • Assim que a criança melhorar (pulso, consciência,...): continuar hidratação
por VO ou SOG, como descrito antes • Se houver sinais de ICC e a criança não melhorar após 1 hora: fazer
concentrado de hemácias 10 ml/kg em 3 horas, se não houver sangue, fazer plasma
• Se sinais de insuficiência hepática (púrpura, icterícia, hepatomegalia,...): fazer vitamina K 1 mg por via IM
• Durante infusão de hemoderivados, não infundir outros líquidos. Se sinais de ICC: fazer diuréticos e diminuir velocidade de infusão
• Após transfusão: F75 por SOG • Se houver distensão abdominal ou vômitos: diminuir velocidade da dieta.
Se não resolver, suspender a dieta: solução glicofisiológica (SGF) 2 a 4 ml/kg/hora IV e 2 ml de sulfato de magnésio 50% por via IM
3.4) DISTÚRBIO ELETROLÍTICO • Toda criança desnutrida grave tem deficiência de potássio e magnésio, que
levará duas ou mais semanas para correção. • Edema resulta parcialmente dessas duas deficiências. • Não tratar edema com diuréticos • Excesso de sódio corporal existe, mesmo com sódio plasmático baixo.
Grandes cargas de sódio podem matar a criança. Tratamento: • Dar potássio extra (3-4 mEq/kg/dia) • Dar magnésio extra (0.4-0.6 mEq/kg/dia) O potássio, magnésio, sódio, zinco e o cobre devem ser adicionados à dieta durante a sua preparação (ver apêndice 3 para receita da solução combinada de eletrólitos mais minerais). Adicionar 20 ml dessa solução para um litro da dieta, para suprir a quantidade requerida).
• Durante a reidratação utilize a solução com baixo conteúdo de sódio (ReSoMal)
• No preparo dos alimentos não adicionar sal 3.5) INFECÇÃO Assumir que toda criança desnutrida grave tem infecção à admissão hospitalar. Hipoglicemia e hipotermia são sinais freqüentes de infecção grave. Tratamento:
• Administrar antibióticos de amplo espectro Escolha do ATB:
� Se não há complicação: cotrimoxazol por 5 dias � Se há complicação (hipoglicemia, hipotermia, criança letárgica, etc...):
Ampicilina (200 mg/kg/dia 6/6 horas) IV ou IM por 2 dias, após amoxicilina (45mg/kg/dia 8/8 horas) por 5 dias ou ampicilina oral (200mg/kg/dia 6/6 horas) por 5 dias, no total de 7 dias e gentamicina (7,5 mg/kg uma vez ao dia) por 7 dias.
� Se a criança não melhora em 48 horas, acrescentar cloranfenicol (75 mg/kg/dia 8/8 horas) por 5 dias.
• Se há suspeita de meningite, realizar LCR (se possível) e tratar conforme a rotina do serviço (IMIP).
• Se há identificação de patógenos específicos, dar ATB apropriados. • Avaliar a possibilidade da existência de tuberculose associada • Se há evidência de parasitose ou o local é de alta prevalência, e a
criança tem 1 ano ou mais de idade e não recebeu droga antiparasitária nos últimos 6 meses, dar mebendazol (100 mg 2 vezes ao dia) por 3 dias , após o 7o dia de admissão.
Monitorização: Se há anorexia após o curso de ATB programado, continuar o tratamento até 0 10o dia, e se após ainda persistir anorexia, reavaliar a criança para possíveis agentes resistentes e checar administração correta de vitaminas e minerais.
3.6) DEFICIÊNCIA DE MICRONUTRIENTES : Não dar ferro inicialmente, esperar que a criança recupere o apetite e inicie o ganho de peso. Tratamento: Dar diariamente por pelo menos 2 semanas: • Suplemento multivitamínico (apêndice 4) • Ácido fólico (5 mg no 1o dia e após 1 mg/dia) • Ocorrendo o ganho de peso, iniciar sulfato ferroso (3 mg ferro
elemento/kg/dia). • Dar vitamina A por via oral no 1o dia da admissão:
� crianças < 6 meses 50.000 UI � Entre 6-12 meses 100.000 UI � Criança acima de 12 meses 200.000 UI
O zinco e o cobre podem ser combinados com o potássio e o magnésio numa solução de eletrólitos e minerais (apêndice 3) e adicionados a ReSoMal ou à dieta.
3.7) ANEMIA GRAVE Uma transfusão de sangue é requerida se: • Hb é < 4 g/dl • Hb está entre 4 a 6 g/dl e a criança apresenta dados de repercussão
hemodinâmica (↑ FC e FR) • Volume: 10 ml/kg, o mais lentamente possível. • Furosemide: 1 mg/kg IV no início da transfusão • Monitorizar a FC e FR no início, na metade e no final da transfusão, se
houver aumento, transfundir ainda mais lentamente. • Se após a transfusão a Hb continuar a baixar, não repetir a transfusão senão
após 4 dias 3.8) ALIMENTAÇÃO INICIAL: Iniciar a dieta tão logo possível após a admissão. • Quantidades pequenas e freqüentes de baixa osmolaridade e baixa
concentração de lactose • Alimentar por via oral ou sonda gástrica • 100 cal/kg/dia (80 –100)
• Proteína: 1-1.5 g/kg/dia • Líquidos: 130 ml/kg/dia (100 ml/kg/dia se há edema grave)
� Se a criança está sendo amamentada, continuar, mas dar as quantidades programadas da fórmula inicial antes (fórmula inicial F75: 75 cal /100 ml e 0.9 g de proteína /100ml)
� Para crianças com bom apetite e sem edema o horário pode ser completado em 2-3 dias.
� Colocar a mãe ou outra pessoa responsável para ajudar com a dieta � Alimentação durante à noite é essencial para prevenir longos períodos
de jejum. � Se a ingesta da criança não atingir 80 cal/kg/dia, dar o complemento por
sonda gástrica (não exceder 100 cal/kg/dia nessa fase inicial)
Monitorização: Monitorar e anotar: • Quantidades da dieta oferecidas e deixadas • Vômitos • Freqüência e consistência das fezes • Peso corporal diário
3.9) RECUPERAÇÃO DO CRESCIMENTO (CATCH-UP): Uma abordagem cuidadosa é requerida para garantir uma alta ingesta e rápido ganho de peso: >10 g/kg/dia. Estar alerta para prevenir o risco de ICC Tratamento: Fazer uma transição gradual da fórmula inicial para a fórmula de recuperação • Substituir a F 75 por igual quantidade da fórmula de recuperação (catch-
up) F 100 (100 cal/100 ml e 2.9 g de proteína por 100 ml / apêndice1) por 2 dias
• Aumentar cada dieta sucessiva em 10 ml até algum resto de comida ser deixado pela criança, (o que ocorrerá em torno de 200 ml/kg/dia) e passar o intervalo para de 3 em 3 horas
• Após a transição gradual dar: alimentações freqüentes em quantidades ilimitadas; 150-220 cal/kg/dia; 4-6 g/kg/dia de proteína.
• Se a criança está sendo amamentada, continuar, mas dar antes a quantidade programada de F100
Monitorização: Prevenir ICC: monitorar sinais precoces de ICC (↑ da FC e FR). Se há aumento de ambos: FR ↑ em 5 ipm e FC em 25 bpm e esse aumento é mantido em 2 aferições sucessivas com intervalo de 4 horas: • Reduzir o volume da dieta para 100 ml/kg/dia por 24 horas • Após aumentar vagarosamente: 115 ml/kg/dia nas próximas 24 horas, 130
ml/kg/dia nas 48 horas seguintes, após aumentar cada dieta em 10 ml, como descrito acima.
Avaliar o progresso: • Pesar a criança toda manhã antes da dieta e anotar • Calcular o ganho ponderal em g/kg/dia a cada 3 dias
Se o ganho de peso é: Pobre: <5 g/kg/dia, a criança requer uma reavaliação completa Moderado: 5-10 g/kg/dia, checar se a ingesta está sendo adequada ou se há infecção associada 3.10) ESTIMULAÇÃO SENSORIAL E SUPORTE EMOCIONAL: A criança desnutrida necessita em especial, de interação com outras crianças e adultos. Daí, oferecer: • Tratamento com carinho • Ambiente com estimulação adequada • Recreação 15-30 minutos por dia • Envolvimento materno, tanto quanto possível CRITÉRIOS PARA A ALTA HOSPITALAR: • Cura da doença que motivou o internamento ou possibilidade de continuar
o tratamento ambulatorialmente e • A criança estar aceitando bem a quota programada da dieta pela boca e • A criança vir apresentando um ganho médio de peso (GMP) > 10 g/kg/dia
durante os 3 últimos dias
Apêndice 1 Preparação das dietas F-75 e F-100 Ingrediente F-75 F-100 Leite integral 35 g 110 g Açúcar 100 g 50g Óleo vegetal 20g 30g Mistura de minerais 20 ml 20 ml Água para completar 1000 ml 1000 ml Apêndice 2 Composição da solução de sais de reidratação oral para crianças gravemente desnutridas (ReSoMal) Componente Concentração (mmol) Glicose 125 Sódio 45 Potássio 40 Cloreto 70 Citrato 7 Magnésio 3 Zinco 0.3 Cobre 0,045 Osmolalidade 300 Apêndice 3 Composição da solução combinada de eletrólitos Substância Quantidade Cloreto de potássio 89,5g Citrato tripotássio 32,4g Cloreto de magnésio 30,5g Acetato de zinco 3,3g Sulfato de cobre 0,56g Selenato de sódio 10mg Iodide de potássio 5mg Água Pura 1000ml
Apêndice 4 Polivitamínico (Protovit) Composição (1ml=24 gotas) Vitamina A 5000 UI Vitamina B1 4,0mg Vitamina B2 1,0mg Vitamina PP 10,0mg Vitamina B6 1,0mg Vitamina B5 10,0mg Vitamina H 0,1mg Vitamina C 50,0mg Vitamina D 1000UI Vitamina E 3,0mg
ANEXO 1
ADAPTAÇÃO DO PROTOCOLO OMS PARA MANEJO DA CRIANÇA DESNUTRIDA GRAVE HOSPITALIZADA NO IMIP
RECIFE 2001
ANEXO 2 TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO I. Dados de identificação do sujeito da pesquisa ou responsável legal 1. Nome do paciente: Sexo:
Data de nascimento: Endereço: Telefone:
2. Responsável legal: Natureza (grau de parentesco, tutor, curador, etc.): Documento de identidade: Sexo: Data do nascimento: Endereço: Telefone:
II. Dados sobre a pesquisa científica 1. Título da pesquisa: “Aplicação do protocolo da Organização Mundial da Saúde (OMS) na evolução
clínica de crianças hospitalizadas com desnutrição grave no Instituto Materno Infantil de Pernambuco HGP/IMIP”
2. Pesquisador: Dra. Ana Rodrigues Falbo Cargo/função: Médica pediatra clínica do serviço do IMIP, doutoranda da ENSP/IMIP Inscrição conselho regional: 7856 Endereço: rua Conselheiro Nabuco no 363, apto 502, Casa Amarela, Recife, PE Telefones: 32681075 / 99765462
3. Avaliação do risco da pesquisa: Risco mínimo (probabilidade de que o indivíduo sofra algum dano como conseqüência imediata ou tardia do estudo)
4. Duração da pesquisa: o critério de alta hospitalar da criança será quando houver a resolução do problema clínico ou doença
presente na admissão, quando a criança estiver comendo bem pela boca cumprindo a quota alimentar prevista, e estiver apresentando um ganho médio de peso > ou igual a 10g/kg/dia por pelo menos 3 dias consecutivos. O alcance dessas metas vai depender da evolução de cada criança, inclusive será uma das variáveis analisadas pelo estudo (tempo de permanência hospitalar) III. Registro das explicações do pesquisador ao paciente ou seu representante legal sobre a pesquisa: 1. Justificativa e os objetivos da pesquisa:
Em virtude da alta taxa de mortalidade hospitalar verificada nestas crianças, pela sua condição de vulnerabilidade secundária à desnutrição grave que apresentam, decidimos aplicar uma proposta terapêutica que sugere uma forma de tratamento sem o uso de drogas novas ou procedimentos novos e invasivos, e que todas as evidências científicas apontam no sentindo de um benefício, que se traduz na redução da taxa de mortalidade hospitalar dessas crianças.
O objetivo principal da pesquisa é, portanto, avaliar a aplicação do protocolo da OMS para tratamento da criança com desnutrição severa hospitalizada, em relação à taxa de letalidade hospitalar que espera-se sofra uma redução de 38% para 15%.
2.Procedimentos utilizados: Será aplicado o protocolo da OMS para tratamento da criança com desnutrição grave hospitalizada,
com algumas modificações que foram efetuadas para adaptação às condições locais e garantir a aplicabilidade do referido protocolo.
O protocolo baseia-se sobretudo na monitorização clínica (utilizando um mínimo possível de exames laboratoriais) da criança, enfatizando o diagnóstico, tratamento e prevenção da hipoglicemia (baixa de açúcar no sangue), hipotermia (baixa de temperatura), infecção, desidratação (perda de água geralmente secundária à vômitos ou diarréia), outros distúrbios eletrolíticos (alguns constituintes do sangue). No tratamento dessas condições não será utilizado nenhuma droga ou procedimento novo, que já não tenha sido testado.
O protocolo orienta que as crianças que apresentam anemia grave e/ou com repercussão para o organismo devam ser tratadas com transfusão de sangue.
A recuperação nutricional (peso), baseia-se na utilização de fórmulas de leite que contém: leite integral, açúcar, óleo e uma mistura de minerais ( que contém: potássio, sódio, magnésio, zinco e cobre).As vitaminas serão dadas à parte, sob a forma de suplemento polivitamínico.
O acompanhamento da evolução do peso será feito pela pesagem diária das crianças, com registro em um gráfico.
Todas as crianças com 1 ano ou mais de idade receberão tratamento para parasitose intestinal (verminose), algumas durante o internamento e outras receberão o medicamento no momento da alta hospitalar.
Como parte da estimulação sensorial, as crianças terão um período durante o dia para recreação e ludoterapia, individual e em grupo, tarefa que será realizada por um grupo de pessoas voluntárias (estudantes universitários), que prestam serviços à instituição.
A aplicação do protocolo de tratamento da OMS, não acrescenta nenhum risco e/ou desconforto adicional, que já não estivessem relacionados às causas que motivaram o internamento para o tratamento hospitalar. IV. Esclarecimentos dados pelo pesquisador sobre garantias do sujeito da pesquisa: Os pais ou responsáveis legais pela criança terão: 1. Acesso a qualquer tempo, às informações sobre procedimentos, riscos e benefícios relacionados à
pesquisa, com o intuito de esclarecer qualquer dúvida 2. Liberdade de retirar o seu consentimento a qualquer momento e de deixar de participar do estudo,
sem que isto traga prejuízo à continuidade da sua assistência. 3. Garantido o sigilo e sua privacidade. 4. Disponibilidade de assistência no IMIP, por eventuais danos à saúde, decorrentes da pesquisa. 5. Viabilidade de indenização por eventuais danos à saúde decorrentes da pesquisa V. Consentimento livre e esclarecido: Declaro que, após convenientemente esclarecido pela equipe da pesquisa e ter entendido o que me foi explicado, consinto em participar do presente estudo de pesquisa. Recife, de de 2001 ________________________________ Assinatura dos pais ou responsável legal _____________________ Assinatura do pesquisador
ANEXO 3 a PESQUISA PROTOCOLO OMS FORMULÁRIO PARA REGISTRO DE DADOS Formulário número: Registro: Nome: Data do nascimento: Data da admissão: Data da alta/óbito: 1)Evolução: 1)Alta 2)Óbito com < ou = 10 dias de permanência hospitalar 3)Óbito com > 10 dias de permanência hospitalar 2)Tempo de permanência hospitalar:
1) < 1 semana 2) 1 a 2 semanas 3) 2 a 3 semanas 4) ≥ 3 semanas
9)Sem info 3)Hipoglicemia na admissão: 1)Sim 2)Não 9)Sem info 4)Episódios de hipoglicemia durante a evolução:
1)Nenhum 2)1 3)2 4)≥3 9)Sem info
5)Hipotermia na admissão: 1)Sim 2)Não 9)Sem info 6))Episódios de hipotermia durante a evolução: 1)Nenhum 2)1 3)2 4)≥3 9)Sem info 7)Episódios de ICC (hiperidratação): 1)Nenhum 2)1 3)2 4)≥ 3 9)Sem info
8)Episódios de diarréia: 1)Nenhum
2)1 3)2 4)≥ 3 episódios 9)Sem info
9)Esquema ATB na admissão: 1) Sulfa 2) Amoxicilina ou ampicilina 3) Esquema para sepse (ampicilina e gentamicina, outros)
ANEXO 3 PESQUISA PROTOCOLO OMS FORMULÁRIO PARA REGISTRO DE DADOS Formulário número: Registro: Enfermaria: Nome: Data do nascimento: Data da admissão: Data da alta / óbito: Tempo de permanência hospitalar: 1) sexo:
1) Masculino 2) Feminino
2) Idade: (colocar a idade ao lado da resposta) 1) 1m a 6m 2) 6m a 12m 3) 12m a 24m 4) ≥ 24m 9) Sem info
3) Peso:________ 4) Comprimento/Altura:__________ 5) Indicador nutricional:__________ 6) Evolução:
1) Alta 2)Óbito
7) Idade da mãe: (colocar a idade ao lado da resposta) 1) < 19 anos 2) 19 a 30 anos 3) 30 a 40 anos 4) ≥ 40 anos 9) Sem info
8)Escolaridade da mãe: (colocar os anos de escolaridade ao lado de cada resposta) 1) Ensino fundamental completo 2) Ensino fundamental incompleto 3) Ensino médio completo 4) Ensino médio incompleto 5) Ensino superior completo 6) Ensino superior incompleto 7) Nenhuma 8) Sem info (9)
9) Paridade da mãe: (colocar o número de filhos ao lado de cada resposta) 1) 1 a 2 filhos 2) 2 a 4 filhos 3) 4 a 6 filhos 4) ≥ 6 filhos 9) Sem info
10) Local da residência: 1) Zona da mata 2) Agreste 3) Sertão 4) RMR 9) Sem info Nome da cidade:_______________________
11) Tipo de habitação: 1) Taipa/madeira 2) Alvenaria 3) Outros :__________________________ 9) Sem info
12) Água encanada no domicílio: 1) Sim 2) Não 9) Sem info
13) Fossa séptica/esgotamento sanitário: 1) Sim 2) Não 9) Sem info
14) Renda: (colocar o valor ao lado de cada resposta) 1) < 1 SM 2) 1 a 2 SM 3) 2 a 3 SM 4) > 3 SM 5) Sem info (9)
15) Gestação: (colocar o número de semanas ao lado de cada resposta) 1) Pré-termo 2) A termo 3) Pós-termo 9) Sem info
16) Amamentação: (colocar o tempo ao lado de cada resposta) 1) Nunca mamou 2) < 1 m 3) 1 a 2 m 4) 2 a 4 m 5) 4 a 6 m 6) ≥ 6 m 9) Sem info
17) Vacinas: 1) Nenhuma 2) Esquema completo para idade 3) Esquema incompleto para idade 9) Sem Info
18) Internamento atual por diarréia: 1) Sim 2) Não
9) Sem info
19) Doença de base (cardiopatia, pneumopatia crônica, síndrome genética, doença neurológica, etc. inclusive HIV):
1) Sim:___________________ 2) Não 9) Sem info
20) Edema (no mínimo simétrico no dorso dos pés) à admissão: 1) Sim 2) Não 9) Sem info
21) Estado de hidratação à admissão : 1) Hidratado 2) Desidratado do 1o grau 3) Desidratado do 2o grau 4) Desidratado do 3o grau 9) Sem info
22) Sinais de choque à admissão: (hipotermia, pulsos fracos, ↓ consciência,etc.) 1) Sim 2) Não 9) Sem info
23) Anemia (Hb) durante o internamento: (primeira dosagem realizada) 1) < 4 g % 2) 4 a 6 g% 3) 6 a 8 g% 4) 8 a 10 g% 5) ≥ 10 g% 9) Sem info
24) A criança apresentou dados sugestivos de infecção hospitalar (QC compatível com infecção após 48 horas do internamento, hemocultura ou outra cultura positiva com germe hospitalar,etc.): 1) Sim: dados:___________________________________
2) Não 9) Sem Info
25) A criança apresentou sinais de choque séptico (desidratação sem perdas, hipotermia, hipoglicemia, edema com desidratação,etc.) 1) Sim
2) Não 9) Sem Info
26) Hemoderivados: 1) Sim:_____________________________ 2) Não 3) Sem Info
27) Uso de diurético no início da hemotransfusão: 1) Sim 2)Não 3)NSA 9) Sem Info
28) Uso de antibiótico (s) durante o internamento: 1) Sim:____________________ 2) Não 3) Sem info
29) A dieta foi iniciada após a admissão da criança: (colocar o tempo ao lado de cada resposta)
1) Antes de 2 horas 2) Entre 2 a 4 horas 3) Após 4 horas 9) Sem Info
30) Tempo requerido para que a criança inicie o processo de recuperação do peso (catch-up): 1) < 1 semana
2)1 a 2 semanas 1) > 2 semanas 9) Sem Info
ANEXO 6
PESQUISA PROTOCOLO OMS Planilha de Ingestão Diária de Alimentos e líquidos
Nome:_________________________________________ Prontuário:_________________ Sexo:_____ Formulário:___________ Data de nascimento:_______________ Data de admissão:_______________ Indicador nutricional:___________ Leito:_______ Data : Dia de protocolo: Alimentação:_______ refeições de_______ ml cada = __________ ml por dia
Peso: Cal/dia: Cal/kg/dia: Quota hídrica: Hora Tipo de alimentação Quantidade
oferecida (ml) Quantidade ingerida (ml)
Via de alimentação
SRO Hora
SRO Volume
Total Total Total Total Total Observações:
ANEXO 7 PESQUISA PROTOCOLO OMS GRÁFICO PARA ACOMPANHAMENTO DO PESO NOME: FORMULÁRIO: SEXO: COMPRIMENTO/ALTURA: PESO NA ADMISSÃO: INDICADOR NUTRICIONAL: PESO NA ALTA: .5 .0 .5 .0 .5 .0 Dia 0 2 4 6 8 10 12 14 16 18 20 22 24 26 28
ANEXO 4 PESQUISA PROTOCOLO OMS Planilha de Acompanhamento de dados clínicos do Paciente Nome: ________________________________________ Prontuário : ______________ Sexo:_____ Formulário:____________ Data de nascimento:_______________ Data de admissão:_______________ Indicador Nutricional: ________Leito:________
Data
Evacuações
Sg. nas fezes
Desidratação
Choque
Dist. Abd.
Epis. vômitos
Epis. diurese
FC
FR
∆∆∆∆Temperatura
Dextro/Glic.
Peso (g)
GMP
GMP (ganho médio de peso)
ANEXO 5 PESQUISA PROTOCOLO OMS
Planilha de acompanhamento da terapêutica e exames laboratoriais do paciente Nome:___________________________________________Prontuário:______________ Sexo:_____ Formulário:______________ Data de nascimento:_____________ Data da admissão:_________________ Indicador Nutricional: _________Leito:__________ Data Polivitamínico Ácido fólico Vit. A ATB Ferro oral Mebendazol Outras drogas Hemoderivad. Furosemide Uso de O2 Hb Sódio Potássio RA Cálcio Magnésio Urocultura Hemocultura Outros Exs.
ANEXO 8 FORMULÁRIO PARA VERIFICAÇÃO DA APLICAÇÃO DO PROTOCO LO DA OMS: NOME: REGISTRO: FORMULÁRIO: ENFERMARIA / LEITO: DATA DA ADMISSÃO: DATA: DIA DE INTERNAMENTO: HIPOGLICEMIA : 1. 2. O paciente foi checado para hipoglicemia (dextro ou glicemia) na admissão:
1. Sim 2. Não
2. Foi tratado p/ hipoglicemia segundo o protocolo OMS: 1. Sim p/ VO 2. Sim p/ SOG 3. Sim p/ via IV 4. Não 5. NSA
3.A monitorização após o tratamento foi correta: 1. Sim 2. Não 3. NSA
HIPOTERMIA: 4. A temperatura do ambiente foi aferida na maioria dos dias de permanência do hospital:
1. Sim 2. Não
5. A temperatura do ambiente esteve fora do limite indicado (25 a 30oC): 1. Sim: Número de dias: 2. Não
6. A temperatura da criança foi aferida nas 24 horas, na maioria dos dias: (colocar o horário da aferição)
1. 1 vez 2. 2 vezes 3. 3 vezes ou mais 4. Nenhuma vez
7. Se houve hipotermia, a temperatura da criança foi aferida a cada 2 horas até a normalização:
1. Sim 2. Não 3. NSA
8. Se houve hipotermia, a criança foi checada p/ hipoglicemia (dextro): 1. Sim 2. Não 3. NSA
9. Se houve hipotermia, a criança foi alimentada a cada 2 horas: 1. Sim 2. Não 3. NSA
DESIDRATAÇÃO: 10. Foi utilizada a ReSoMal:
1. Sim 2. Não 3. NSA
11. O volume da ReSoMal utilizado foi o orientado pelo protocolo OMS: 1. Sim 2. Não 3. NSA
12. Tempo necessário p/ reidratar a criança: 1. Menor q/ 6 horas 2. 6 a 10 horas 3. 10 a 12 horas 4. ≥ 12 horas 5. NSA
13. Se a reidratação ainda estava ocorrendo até a 6o e 10a horas foi oferecida nestes horários F75 nos mesmos volumes da ReSoMal:
1. Sim 2. Não 3. NSA
14. Após a reidratação foi iniciada dieta com a fórmula adequada (F75 ou F100,conforme indicado):
1. Sim 2. Não 3. NSA
15. O progresso da hidratação foi monitorizado a cada 2 horas (FC, FR, diurese, evacuações e vômitos):
1. Sim 2. Não 3. NSA
16. Se houve sinais de hiperidratação a ReSoMal foi suspensa e reiniciada após 2 horas: 1.Sim
2.Não 3.NSA
17. A ReSoMal foi oferecida no volume de 10 a 15 ml/kg após cada evacuação diarreica, p/ repor as perdas fecais: 1.Sim
2.Não 3.NSA
DISTÚRBIO ELETROLÍTICO: 18. A criança recebeu potássio extra: 3-4mEq/kg/dia (fórmula Láctea) na maioria dos dias:
1. Sim 2. Não
19. A criança recebeu magnésio extra: 0.4-0.6mEq/kg/dia (fórmula Láctea) na maioria dos dias: 1.Sim
2.Não 20. A criança recebeu dieta sem sal de adição: 1.Sim
2.Não INFECÇÃO: 21. A criança recebeu ATB desde a admissão:
1. Sim:_________________________________ 2. Não
22. Foi feito mebendazol em dose de rotina após o 7o dia de admissão: 1. Sim 2. Não 3. NSA
DEFICIÊNCIA DE MICRONUTRIENTES: 23. Foi oferecido ferro na 1a semana de tratamento:
1. Sim 2. Não
24. Recebeu diariamente, nas doses recomendadas pelo protocolo OMS (por pelo menos 2 semanas), suplemento multivitamínico e ácido fólico:
1.Sim 2.Não
25. O ferro foi iniciado a partir da 2a semana de tratamento: 1. Sim 2. Não 3. NSA
26. A criança recebeu a vitamina A nas doses recomendadas pelo protocolo OMS: 1. Sim 2. Não
ANEMIA SEVERA: 27. O volume do sangue transfundido foi de 10 ml/kg:
1. Sim 2. Não 3. NSA
28. Durante a hemotransfusão a FC e FR foram monitorizadas, no início, no meio e no final da transfusão:
1. Sim 2. Não 3. NSA
29. Se após a transfusão a Hb continuou a baixar, só houve nova transfusão após o 4o dia da realização da primeira :
1. Sim 2. Não 3. NSA
30. No início da transfusão foi feito furosemide 1mg/kg/dose IV: 1. Sim 2. Não 3. NSA
ALIMENTAÇÃO INICIAL: 31. Fórmula alimentar recebida pela criança:
1. F75 2. F100 3. Outra:______________________
32. Quota calórica recebida pela criança na fase inicial: 1. Menos que 80Cal/kg/dia 2. 80-100Cal/kg/dia 3. >100Cal/kg/dia
33. Quota calórica recebida pela criança na fase de recuperação: 1. Menos que 80Cal/kg/dia 2. 80 – 100 Cal/kg/dia 3. 100 – 150 Cal/kg/dia 4. 150 – 220 Cal/kg/dia 5. > 220Cal/kg/dia
34. Foram monitorizadas as quantidades da dieta oferecidas e deixadas pela criança: 1. Sim 2. Não
35. Foi monitorizada a presença de vômitos: 1. Sim 2. Não
36. Foram monitorizadas a freqüência e consistência das evacuações: 1. Sim 2. Não
37. Foi monitorizado o peso corporal diário:
1. Sim 2. Não
ALIMENTAÇÃO P/ RECUPERAÇÃO DO CRESCIMENTO: 38. A F75 foi substituída por igual quantidade da F100 por um período de 2 dias:
1. Sim 2. Não
39. A dieta foi aumentada em 10 ml a cada alimentação até resto ser deixado pela criança (em torno de 200 ml/kg/dia):
1. Sim 2. Não
40. Foram monitorizados sinais de ICC (↑ FC e da FR): 1. Sim 2. Não
41. Se a criança apresentou sinais de ICC, o volume da dieta foi reduzido p/ 100 ml/kg/dia por 24 horas:
1. Sim 2. Não 3. NSA
42. O ganho de peso da criança foi calculado em g/kg/dia a cada 3 dias: 1. Sim 2. Não
ANEXO 9 MANIPULAÇÃO DA SOLUÇÃO DA MISTURA DE MINERAIS Departamento de Assistência Farmacêutica Procedimento Operacional Padrão 1. VIDRARIA Copo Becker 25 ml Cálice 1000 ml Bastão de vidro 2. EQUIPAMENTO Estufa Balança semi-analítica 3. FÓRMULA SUBSTÂNCIA QUANTIDADE Cloreto de potássio 89,5g Citrato tripotássio 32,4g Cloreto de magnésio 30,5g Acetato de zinco 3,3g Sulfato de cobre 0,56g Água destilada q.s.p 1000ml 4.TÉCNICA
• Utilizar vidrarias previamente esterilizadas • Pesar substâncias em balança semi-analítica • Colocar as substâncias em cálice graduado capacidade 1000 ml • Completar o volume com água destilada • Homogeneizar com bastão de vidro • Rotular e etiquetar
ANEXO 10 Principais componentes terapêuticos utilizados nas crianças dos dois grupos do estudo
Componente terapêutico
Grupo controle Sim Não
Grupo da intervenção Sim Não
Uso de antibiótico na admissão hospitalar
X
X
Não uso do ferro na 1ª semana de tratamento
X
X
Uso de megadose da vitamina A
X
X
Uso de micronutrientes e eletrólitos nas fórmulas lácteas
X
X
Metas nutricionais definidas
X
X
Alimentação inicial adequada à fisiopatologia da desnutrição grave
X
X
Alimentação posterior adequada para permitir o início da fase de reabilitação
X
X
ANEXO 11
Principais componentes da monitorização utilizados nas crianças dos dois grupos do
estudo
Componente de monitorização
Grupo controle Sim Não
Grupo da intervenção Sim Não
Aferição da temperatura axilar pelo menos a cada 6 horas
X
X
Aferição da freqüência cardíaca e da freqüência respiratória pelo menos 2 vezes ao dia
X
X
Medida e registro da quantidade da alimentação oferecida e ingerida pela criança a cada refeição
X
X
Cálculo diário da quota calórica recebida pela criança através da dieta
X
X
Registro diário do peso X X