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BERNARDO PIMENTEL SOUZA DOS RECURSOS E DOS PROCESSOS NOS TRIBUNAIS TOMO V — DOS PROCESSOS NOS TRIBUNAIS

Dos Processos Nos Tribunais

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BERNARDO PIMENTEL SOUZA

DOS RECURSOS E

DOS PROCESSOS

NOS TRIBUNAIS

TOMO V — DOS PROCESSOS NOS TRIBUNAIS

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APRESENTAÇÃO

Como revela o próprio título (Dos Processos nos Tribunais), o presente tomo tem como escopo o estudo dos institutos insertos no Título IX (“DO PROCESSO NOS TRIBUNAIS”) do Livro I do Código de Processo Civil, em especial a Uniformização de Jurisprudência (artigos 476 a 479), o Incidente de Inconstitucionalidade (artigos 480 a 482), a Homologação de Sentença Estrangeira (artigos 483 e 484) e a Ação Rescisória (artigos 485 a 495), bem assim dos institutos afins também previstos no Código de Processo Civil, como a Carta Rogatória (artigos 201, 202, 211 e 212) e a Remessa Obrigatória (artigo 475), além de outros institutos que igualmente integram o Processo nos Tribunais, como a Reclamação, o Mandado de Segurança e a Suspensão de Segurança, previstos nos artigos 13, 24 e 25, todos da Lei n. 8.038, de 1990 — “Institui normas procedimentais para os processos que especifica, perante o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal”.

Além do presente quinto tomo (Dos Processos nos Tribunais), outros quatro completam a obra: o primeiro tomo é destinado ao estudo da Teoria Geral dos Recursos; o segundo tomo trata dos recursos de Apelação e Agravos; o terceiro tomo versa sobre os recursos de Embargos; e no quarto tomo há o estudo dos Recursos Constitucionais.

Brasília, maio de 2006.

Bernardo Pimentel Souza

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CAPÍTULO 1 — UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA

1.1. Conceito e natureza jurídica da uniformização de jurisprudência

O instituto da uniformização de jurisprudência previsto no artigo 476 do Código de Processo Civil é o incidente processual de competência exclusiva dos tribunais judiciários cujo escopo é a pacificação da divergência interna corporis acerca da interpretação do direito em tese.

Com efeito, ao contrário do que pode parecer à primeira vista, o instituto da uniformização de jurisprudência inserto no artigo 476 do Código de Processo Civil não tem natureza recursal. Em primeiro lugar, a uniformização de jurisprudência pode ser instaurada por força de requerimento do próprio relator, do revisor e até mesmo de vogal; e magistrado não tem legitimidade recursal à luz do artigo 499 do Código. Sob outro enfoque, a uniformização também pode ser instaurada em ação de competência originária de tribunal (verbi gratia, ação rescisória), e não apenas no exercício da competência recursal. Ademais, o instituto não tem finalidade corretiva, ou seja, a uniformização da jurisprudência não tem como escopo a correção de decisão jurisdicional por meio de reforma ou cassação. Na verdade, o instituto tem finalidade preventiva: prevenir a continuação do dissenso intra muros acerca da exegese de norma jurídica. Em síntese, a uniformização de jurisprudência não é recurso.

A uniformização de jurisprudência também não é ação. Em primeiro lugar, o magistrado não possui legitimidade nem interesse processual. Além da ausência de condições da ação, não há previsão de citação na legislação de regência do instituto da uniformização, razão pela qual é possível concluir pela inexistência de formação de nova relação jurídica processual.

Por tudo, a uniformização de jurisprudência não tem natureza recursal nem de ação. Trata-se, na verdade, de incidente processual de competência exclusiva de tribunal, o que explica a possibilidade da respectiva instauração em sede de recurso, de remessa necessária, de ação originária da competência do tribunal no qual reside o dissídio jurisprudencial acerca da interpretação do direito objetivo. Com efeito, a uniformização de jurisprudência tem natureza jurídica de incidente processual, já que emerge no curso de algum processo em tramitação perante tribunal, seja no exercício de competência originária, seja em fase recursal, seja em reexame obrigatório. Em reforço, convém registrar que os artigos 64, inciso II, e 118, caput e § 3º, ambos do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, conferem ao instituto a correta natureza de “incidente de uniformização de jurisprudência”1.

1 Em sentido semelhante ao texto dos parágrafos anteriores: ALFREDO BUZAID. Uniformização da jurisprudência. p. 213; e in Revista de doutrina e jurisprudência, número 15, p. 38 e 42; BARBOSA MOREIRA. Comentários. Volume V, 7ª ed., 1998, p. 3, 5, 8, 9 e 11; BOTELHO DE MESQUITA. Da uniformização da jurisprudência. p. 15; CARLOS AURELIANO MOTTA DE SOUZA. O papel constitucional

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Ainda a respeito do assunto, é importante estudar o significado da combinação do vocábulo “prévio” com a expressão “interpretação do direito”, existentes no caput do artigo 476 do Código de Processo Civil. Da combinação é possível concluir pela existência de uma questão de direito prévia em relação às questões de fato e de direito a serem solucionadas no julgamento propriamente dito a ser realizado pelo órgão fracionário do tribunal.

Resta saber se a questão prévia é prejudicial ou preliminar. Prejudicial é a questão cuja solução influencia no resultado da questão subseqüente, cujo julgamento ocorre necessariamente após ao daquela2. Já a preliminar é a questão cuja decisão pode conduzir à inexistência de julgamento da questão seguinte, como bem estabelece o caput do artigo 560 do Código de Processo Civil. Daí a diferenciação: enquanto a prejudicial interfere no conteúdo do julgamento da questão subseqüente, a preliminar pode impedir o próprio julgamento da questão ulterior; rejeitada a preliminar, todavia, não há interferência alguma no julgamento da questão seguinte3.

Fixadas as premissas teóricas, já é possível responder se a questão prévia referente ao incidente de uniformização de jurisprudência é prejudicial ou preliminar: o instituto tem como objeto uma questão prejudicial4, já que, findo o julgamento de uniformização de jurisprudência, o órgão fracionário aprecia as questões de fato e de direito subseqüentes, as quais serão necessariamente solucionadas logo em seguida, à luz do decidido no incidente.

1.2. Pressupostos da uniformização de jurisprudência

Os pressupostos do incidente de uniformização de jurisprudência estão insertos no artigo 476, caput e incisos, do Código de Processo Civil, razão pela qual o preceito merece ser decomposto para a melhor compreensão do instituto.

do STF. 2000, p. 89, 91 e 92; MANUEL ALCEU AFFONSO FERREIRA. Do processo nos tribunais. 1974, p. 148; NELSON LUIZ PINTO. Manual. 1999, p. 104; NERY JUNIOR. Princípios fundamentais. 5ª ed., 2000, p. 83, 84 e 87; PEDRO BARBOSA RIBEIRO e PAULA RIBEIRO FERREIRA. Curso. Volume I, tomo V, 1998, p. 254, 255 e 257; ROBERTO ROSAS. Comentários. Volume V, 2ª ed., 1988, p. 11, 13, 25, 27 e 51; SÉRGIO SAHIONE FADEL. Código. Tomo III, 3ª ed., 1975, p. 52; e VICENTE GRECO FILHO. Direito. Volume II, 11ª ed., 1996, p. 372.2 “São exemplos de questão prejudicial: a do parentesco na ação de alimentos ou de investigação de paternidade; a da inexistência do casamento na ação de separação judicial, divórcio ou de anulação de casamento, a de já estar extinta a sociedade comercial, cuja dissolução foi requerida; etc.” (ALCIDES DE MENDONÇA LIMA. Dicionário. 2ª ed., 1994, p. 488).3 Na precisa lição do Professor BARBOSA MOREIRA, “a denominação de prejudiciais é, pois, a que histórica e lògicamente mais convém às questões de cuja solução depende o teor da solução de outras”. “À outra classe de questões prévias ou prioritárias de cuja solução pode decorrer, para o juiz, a dispensa ou o impedimento de ir além — ficará, então reservado o nome de preliminares” (Questões prejudiciais. 1971, p. 86 e 87). Também em sentido conforme: ARAÚJO CINTRA, ADA GRINOVER e CÂNDIDO DINAMARCO. Teoria. 13ª, 1997, p. 312; e NERY JUNIOR. Princípios. 5ª ed., 2000, p. 223.4 Em sentido conforme: NELSON LUIZ PINTO. Manual. 1999, p. 104; e ROBERTO ROSAS. Comentários. Volume II, 2ª ed., 1988, p. 25.

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1.2.1. “pronunciamento prévio” — A cláusula “pronunciamento prévio” revela que o incidente só pode ser suscitado antes da conclusão do julgamento do recurso, da ação originária, da remessa necessária. À luz do proêmio do artigo 556 do Código de Processo Civil, considera-se concluído o julgamento, com a conseqüente impossibilidade da instauração do incidente de uniformização, quando o presidente do colegiado (verbi gratia, turma, câmara) anuncia publicamente o resultado do recurso, da ação originária, da remessa obrigatória, conforme o caso. Com efeito, em razão da finalidade preventiva do instituto, tem-se que não é possível a instauração da uniformização de jurisprudência após a proclamação do resultado do julgamento pelo presidente do colegiado. É imprescindível que não esteja concluído o julgamento do recurso, do reexame necessário, da ação originária, conforme o caso; após o término do julgamento, já não é permitida a instauração do incidente de uniformização5.

1.2.2. “turma, câmara, ou grupo de câmaras” — Ao contrário do que pode parecer à primeira vista, a expressão “turma, câmara, ou grupo de câmaras” é apenas exemplificativa. Na verdade, o incidente tem lugar perante qualquer órgão fracionário de tribunal, até mesmo seção. Já as câmaras cíveis reunidas estão fora do alcance do incidente, segundo abalizada doutrina6. É certo que a exclusão das câmaras cíveis reunidas encontra amparo na literalidade do artigo 476. A melhor interpretação do preceito, todavia, é a teleológica, a qual busca a finalidade da lei: prevenir a divergência acerca da interpretação do direito em um mesmo tribunal. Daí a sustentação de que o rol previsto no caput do artigo 476 não é exaustivo, mas apenas exemplificativo. Com efeito, é possível a ocorrência de dissídio interpretativo acerca de dispositivos de aplicação geral, como os preceitos constitucionais e regimentais, em relação aos quais o dissenso pode ocorrer com precedente de turma, seção ou câmara criminal, bem assim turma, seção ou câmara de direito público. Portanto, ainda que muito respeitável a tese da impossibilidade da instauração do incidente em julgamento da competência das câmaras cíveis reunidas, a interpretação teleológica da legislação de regência permite a instauração do incidente de uniformização de jurisprudência. Admitida a tese da possibilidade da instauração da uniformização de jurisprudência até mesmo quando o colegiado de origem for as câmaras cíveis reunidas, o julgamento do incidente será da competência do pleno ou do órgão especial do mesmo tribunal, ou seja, pelo colegiado superior indicado no regimento interno do tribunal.

5 De acordo: BARBOSA MOREIRA. Comentários. Volume V, 7ª ed., 1998, p. 9 e 11; PONTES DE MIRANDA. Comentários. Tomo VI, 3ª ed., 1998, p. 16; e ROBERTO ROSAS. Comentários. Volume V, 2ª ed., 1988, p. 11. Em sentido conforme, na jurisprudência: REsp n. 183.150/RS – AgRg, 2ª Turma do STJ, in RSTJ, volume 126, p. 147; RMS n. 9.023/DF – AgRg, 5ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 25 de outubro de 1999, p. 103; Ag n. 122.573/GO – AgRg, 5ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 1º de setembro de 1997, p. 40.859; e Ag n. 82.713/DF – AgRg, 6ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 23 de outubro de 2000, p. 199. 6 Cf. ALFREDO BUZAID. In Revista de doutrina e jurisprudência, número 15, p. 41; e LUÍS ANTÔNIO DE ANDRADE. Aspectos. 1974, p. 200.

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Em contraposição, se o julgamento — do recurso, da ação originária — já for da competência do pleno ou do órgão especial do tribunal, não há possibilidade jurídica da instauração do incidente de uniformização de jurisprudência7. À luz do artigo 476, não há dúvida de que o incidente só pode ser instaurado se o julgamento for da competência de órgão fracionário: turma, câmara, seção, grupo de câmaras, câmaras reunidas. Com efeito, se o julgamento já for da competência do plenário ou do órgão especial, nem haveria razão para a instauração do incidente, já que a uniformização também seria da competência do mesmo órgão coletivo superior do tribunal. Por conseguinte, o julgamento — do recurso, da ação originária — pelo pleno ou pelo órgão especial já produz de imediato a mesma uniformização que seria alcançada pelo incidente, o qual, além da incompatibilidade com o artigo 476, também seria inconciliável com os princípios processuais da economia e da celeridade.

Segundo autorizadas doutrina8 e jurisprudência9, o incidente de uniformização de jurisprudência não é admissível no Supremo Tribunal Federal, ao argumento de que o Regimento Interno de 1980 não trata do instituto. Ainda que muito respeitável o entendimento já assentado na doutrina e na jurisprudência, o silêncio do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal não afasta a incidência do artigo 476 do Código de Processo Civil. Por outro lado, o artigo 126 do Código resolve o problema da lacuna regimental. Além do mais, como a Corte Suprema é um tribunal judiciário dividido em turmas, não fica fora do alcance do artigo 476 do Código: “Compete a qualquer juiz, ao dar o voto na turma, câmara, ou grupo de câmaras, solicitar o pronunciamento prévio do tribunal acerca da interpretação do direito quando: I – verificar que, a seu respeito, ocorre divergência; II – no julgamento recorrido a interpretação for diversa da que lhe haja dado outra turma, câmara, grupo de câmaras ou câmaras cíveis reunidas”.

Há outro argumento contrário ao instituto no âmbito do Supremo Tribunal Federal: ex vi dos artigos 11, parágrafo único, e 22, parágrafo único, do Regimento Interno de 1980, tanto a turma quanto o relator têm competência para submeter os recursos ao imediato julgamento do Plenário. Tal competência, todavia, diz respeito a apenas um dos legitimados à provocação do incidente: o magistrado. Ficaram de fora do preceito regimental as partes; e o parágrafo único do artigo 476 do Código é claro acerca da legitimidade ativa das partes. Daí a conclusão: os preceitos regimentais que zelam pela unificação da jurisprudência da Corte Suprema não cobrem toda a extensão do artigo 476 do Código, especialmente no tocante aos legitimados à suscitação do incidente.

7 Assim: BARBOSA MOREIRA. Comentários. Volume V, 7ª ed., 1998, p. 9; LUÍS ANTÔNIO DE ANDRADE. Aspectos. 1974, p. 200; e VICENTE GRECO FILHO. Direito. Volume II, 11ª ed., 1996, p. 372.8 Cf. PEDRO BARBOSA RIBEIRO e PAULA RIBEIRO FERREIRA. Curso. Volume I, tomo V, 1998, p. 254 e 256.9 Cf. AR n. 1.198/DF, Pleno do STF, in Diário da Justiça de 17 de junho de 1988.

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Também não merece ser prestigiado o argumento de que os embargos de divergência cabíveis no Supremo Tribunal Federal têm “o mesmo efeito”10 do incidente de uniformização de jurisprudência. Ao contrário do que pode parecer à primeira vista, os embargos de divergência e a uniformização de jurisprudência são institutos diferentes, com características próprias, que os distinguem entre si11. Os embargos têm natureza recursal, enquanto a uniformização é apenas incidente processual. Por conseguinte, somente os embargos de divergência têm finalidade corretiva, já que adequados para a correção da interpretação do direito aplicada por uma turma em desconformidade com a exegese fixada por outro órgão colegiado do mesmo tribunal. Já o incidente de uniformização de jurisprudência tem finalidade apenas preventiva. Com efeito, o incidente tem como escopo evitar a adoção, no julgamento de caso concreto em tramitação, de tese jurídica diversa da já agasalhada por outro órgão do próprio tribunal em julgado precedente. Sob outra perspectiva, o incidente de uniformização é admissível em sede de recurso, de reexame obrigatório, de ação originária e até mesmo de outro incidente da competência de tribunal, como o conflito de competência. Já os embargos de divergência são cabíveis apenas contra acórdão proferido em recursos especial e extraordinário; jamais podem ter como alvo aresto prolatado em ação de competência originária das cortes superiores, nem em qualquer outra espécie de processo. Diante de tantas diferenças, não é possível confundir os institutos. Tanto que o Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça trata de ambos, mas em preceitos autônomos. Os embargos de divergência estão previstos no artigo 266. Já o incidente de uniformização de jurisprudência consta do artigo 118 do Regimento de 1989.

Por tudo, sustenta-se a admissibilidade da uniformização de jurisprudência no Supremo Tribunal Federal12, a despeito de a Corte Suprema já ter assentado a inadmissibilidade do incidente13.

Já em relação ao Superior Tribunal de Justiça, não há dúvida acerca da admissibilidade do incidente, consagrado no artigo 118 do Regimento Interno de 1989.

1.2.3. “do tribunal” e “outra turma, câmara, grupo de câmaras, ou câmaras cíveis reunidas” — A cláusula “do tribunal” e a expressão “outra turma, câmara, grupo de câmaras, ou câmaras cíveis reunidas” revelam que o instituto tem como escopo apenas a unificação da jurisprudência intra muros. Não é possível a instauração do incidente fundado em dissídio pretoriano externo, ou

10 Cf. PEDRO BARBOSA RIBEIRO e PAULA RIBEIRO FERREIRA. Curso. Volume I, tomo V, 1998, p. 254 e 256.11 A respeito do assunto, vale a pena conferir na doutrina: BARBOSA MOREIRA. Comentários. Volume V, 8ª ed., 1999, p. 5, 6, 11 e 607; CÂNDIDO DINAMARCO. A reforma. 3ª ed., 1996, p. 228; e HUMBERTO THEODORO JÚNIOR. Curso. Volume I, 19ª ed., 1997, p. 603.12 Assim, na doutrina: FREDIE DIDIER JR. e LEONARDO JOSÉ CARNEIRO DA CUNHA. Curso de direito processual civil. Volume 3, 2006, p. 373.13 Cf. AR n. 1.198/DF, Pleno do STF, in Diário da Justiça de 17 de junho de 1988.

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seja, com a evocação de precedentes jurisprudenciais de outros tribunais14. Também não é admissível a instauração do incidente de “uniformização da jurisprudência” quando o dissenso ocorre em relação à doutrina15. Em suma, o incidente só pode ser suscitado à luz da divergência jurisprudencial interna em um mesmo tribunal.

1.2.4. “acerca da interpretação do direito” — A cláusula “acerca da interpretação do direito” permite a conclusão de que não há julgamento do caso concreto no incidente. O instituto da uniformização de jurisprudência cumpre sua missão com a só indicação da tese jurídica considerada correta pela corte, com a pacificação do dissenso entre diferentes órgãos do próprio tribunal. Não há a aplicação do direito à espécie no incidente. A solução do caso concreto à luz da exegese fixada pelo colegiado julgador do incidente cabe apenas ao órgão fracionário competente para o julgamento do recurso, do reexame obrigatório, da ação originária em que houve o requerimento de uniformização da jurisprudência16.

A expressão em estudo também indica que somente o dissenso na exegese de regra jurídica dá ensejo à instauração do incidente. As questões de fato e as cláusulas contratuais não foram alcançadas pelo artigo 476. Já em relação às normas jurídicas, não há limitação alguma: tanto os dissídios na interpretação do direito processual quanto a divergência relativa ao direito material ensejam a argüição do incidente. Também não há distinção entre direito federal e direito local (estadual, distrital e municipal). Da mesma forma, o dissídio sobre direito constitucional e também o que envolve direito infraconstitucional permitem a instauração do incidente de uniformização de jurisprudência. É igualmente irrelevante a natureza do processo e do procedimento, assim como se o dissenso reside em questão principal, ou não. Em suma, basta a divergência na inteligência de regra jurídica17.

14 No mesmo sentido do texto do parágrafo, na doutrina: BARBOSA MOREIRA. Comentários. Volume V, 7ª ed., 1998, p. 13; BOTELHO DE MESQUITA. Da uniformização da jurisprudência. p. 17 e 18; NELSON LUIZ PINTO. Manual. 1999, p. 104; NERY JUNIOR. Princípios fundamentais. 5ª ed., 2000, p. 84; e ROBERTO ROSAS. Comentários. Volume V, 2ª ed., 1988, p. 13. De acordo, na jurisprudência: REsp n. 156.915/SP, 4ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 11 de maio de 1998, p. 122; e REsp n. 141.101/MG, 5ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 17 de agosto de 1998, p. 79.15 De acordo: BARBOSA MOREIRA. Comentários. Volume V, 7ª ed., 1998, p. 14; PEDRO BARBOSA RIBEIRO e PAULA RIBEIRO FERREIRA. Curso. Volume I, tomo V, 1998, p. 258; e VICENTE GRECO FILHO. Direito. Volume II, 11ª ed., 1996, p. 373.16 No mesmo diapasão: CARLOS AURELIANO MOTTA DE SOUZA. O papel constitucional do STF. 2000, p. 91; NERY JUNIOR. Princípios fundamentais. 5ª ed., 2000, p. 85; ROBERTO ROSAS. Comentários. Volume V, 2ª ed., 1988, p. 55; e VICENTE GRECO FILHO. Direito. Volume II, 11ª ed., 1996, p. 372.17 Em sentido semelhante ao texto do parágrafo: ALFREDO BUZAID. Uniformização da jurisprudência. p. 217; e in Revista de doutrina e jurisprudência, número 15, p. 42; BARBOSA MOREIRA. Comentários. Volume V, 7ª ed., 1998, p. 10 e 14; CARLOS AURELIANO MOTTA DE SOUZA. O papel constitucional do STF. 2000, p. 92; IVAN DE HUGO SILVA. Recursos. 2ª ed., 1978, p. 64; PEDRO BARBOSA RIBEIRO e PAULA RIBEIRO FERREIRA. Curso. Volume I, tomo V, 1998, p. 256 e 258; PONTES DE MIRANDA. Comentários. Tomo VI, 3ª ed., 1998, p. 10, 11, 16 e 28; ROBERTO ROSAS. Comentários. Volume V, 2ª ed., 1988, p. 26 e 27; e VICENTE GRECO FILHO. Direito. Volume II, 11ª ed., 1996, p. 372 e 373. Por oportuno, vale a pena conferir a precisa lição de PONTES DE MIRANDA: “O prejulgamento pode ser relativo a direito material, ou a direito processual, ou concernente a questão de mérito, ou a questão que não se liga ao mérito. Por exemplo: pode ser referente à cognição ou não-cognição de recurso. Além

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1.2.5. “verificar que, a seu respeito, ocorre divergência” — O inciso I permite a conclusão de que o incidente de uniformização de jurisprudência pode ser suscitado em qualquer recurso, ação originária, remessa obrigatória e até mesmo em outro incidente da competência de tribunal (por exemplo, conflito de competência). A propósito da ação rescisória, o incidente de uniformização de jurisprudência pode ser suscitado na inicial, no curso do processamento e até durante o julgamento. Trata-se, sob todos os aspectos, de permissivo amplo, sem a restrição encontrada na cláusula “julgamento recorrido”, própria do inciso II.

Com efeito, o inciso I é o permissivo genérico do instituto da uniformização de jurisprudência. Para a instauração do incidente com esteio no inciso I, basta verificar se, a respeito da interpretação do direito, ocorre divergência, qualquer que seja o dissídio jurisprudencial interno no tribunal: preexistente ou no curso do julgamento. Quanto ao dissenso preexistente ao julgamento, não há dúvida de que autoriza a instauração do incidente; mas também há dissenso na exegese do direito quando surgem votos diferentes durante o julgamento, em conseqüência da adoção de interpretações jurídicas diversas no curso da votação. Trata-se, todavia, de vexata quaestio18.

Em contraposição, o dissídio superveniente ao próprio julgamento não permite a instauração do incidente. Com efeito, diante do caráter preventivo do instituto, é inoportuna a solicitação após o término do julgamento no órgão fracionário.

1.2.6. “no julgamento recorrido a interpretação for diversa da que lhe haja dado outra turma, câmara, grupo de câmaras ou câmaras cíveis reunidas” — Em relação ao inciso II, trata-se de permissivo específico, o qual cuida de hipótese que, a rigor, já está contida no amplo inciso I19. Não obstante, é inegável a importância do permissivo específico do inciso II: nele reside a hipótese mais comum de instauração da uniformização de jurisprudência. Com efeito, no mais das vezes o incidente é instaurado por força de divergência em

disso, não importa se se trata de questão prévia, ou incidental, ou principal” (p. 10). E remata o jurisconsulto: “Se o julgamento é de recurso na turma, câmara ou grupo de câmaras, não há diferença entre tratar-se de divergência a respeito de quaestio iuris de direito material ou de direito processual, ou de texto constitucional ou de alguma lei ordinária, ou decreto, ou regulamento, ou regimento, ou simples aviso ou portaria” (p. 11).18 No mesmo sentido da opinião sustentada no presente ensaio: PONTES DE MIRANDA. Comentários. Tomo VI, 3ª ed., 1998, p. 17, 24, 25 e 26. Ao comentar o inciso I do artigo 476, o Jurisconsulto assevera que é possível incluir “aí, divergência entre os membros da turma, câmara ou grupos de câmaras” (19). E remata com precisão: “Se os votos que estão sendo proferidos discrepam, e a parte não presencia a solicitação, por algum juiz, do prévio pronunciamento, está ela legitimada a invocar o art. 476, I;” (p. 24 e 25).Em sentido contrário, há autorizada doutrina: NELSON LUIZ PINTO. Manual. 1999, p. 104. Também contra a opinião defendida no presente ensaio, é importante registrar que o eminente Professor BARBOSA MOREIRA sustenta que “é insuficiente a divergência entre votos” (Comentários. Volume V, 8ª ed., 1999, p. 14).19 Em sentido semelhante: BARBOSA MOREIRA. Comentários. Volume V, 7ª ed., 1998, p. 12.Com outra opinião: BOTELHO DE MESQUITA. Da uniformização da jurisprudência. p. 17 e 18.

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relação a “outra turma, câmara, grupo de câmaras, ou câmaras cíveis reunidas” do próprio tribunal. Daí a justificativa para o destaque da hipótese em permissivo específico. Além do mais, a divergência entre acórdãos é a que gera mais insegurança jurídica, razão pela qual deve ser prevenida com maior razão.

A expressão “no julgamento recorrido” permite a conclusão de que o incidente de uniformização de jurisprudência pode ser suscitado no bojo ou no curso de embargos infringentes interpostos contra acórdão proferido em apelação ou em ação rescisória em divergência com outra acórdão de turma, câmara, seção, grupo ou câmaras reunidas, bem assim no bojo ou no curso de agravo regimental interposto contra decisão monocrática igualmente prolatada em divergência com aresto de turma, câmara, seção, grupo ou câmaras reunidas do próprio tribunal. A rigor, o incidente pode ser veiculado na própria apelação interposta contra sentença exarada em divergência com acórdão de turma, câmara, seção, grupo ou câmaras reunidas. Em suma, o incidente de uniformização de jurisprudência pode ser suscitado no ato da interposição ou durante a tramitação de recurso, independemente da natureza do julgamento recorrido: acórdão, decisão monocrática, sentença e até mesmo decisão interlocutória. Basta a divergência entre o julgado recorrido e algum precedente do tribunal para acionar a uniformização da jurisprudência.

Resta saber se o incidente pode ser suscitado com esteio em decisão monocrática proferida por magistrado de tribunal. O inciso II não permite a instauração da uniformização, à medida que exige o dissenso jurisprudencial em relação a acórdão de “outra turma, câmara, grupo de câmaras, ou câmaras cíveis reunidas”. O inciso I, todavia, não contém igual restrição: basta a existência de dissídio interno na exegese do direito. Com efeito, ex vi do permissivo genérico consubstanciado no inciso I, é possível concluir em prol da possibilidade da instauração do incidente em virtude de dissenso apurado à luz de decisão monocrática20.

1.3. Incidência do artigo 476 do Código de Processo Civil nos processos penal e do trabalho

Estudados os pressupostos para a instauração do incidente de uniformização de jurisprudência nos processos cíveis de competência dos tribunais, resta saber se o artigo 476 do Código de Processo Civil pode ser aplicado de forma subsidiária nos processos penal e do trabalho.

A despeito da omissão do Código de Processo Penal acerca do instituto, o artigo 3º do Código de 1941 autoriza a “aplicação analógica” do artigo 476 do

20 Contra, na jurisprudência: Ag n. 95.585/SP – AgRg, 5ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 27 de maio de 1996, p. 17.910.

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Código de Processo Civil, raciocínio que também é reforçado pelo disposto no artigo 4º da Lei de Introdução ao Código Civil. Daí a possibilidade da instauração do incidente de uniformização de jurisprudência nos recursos criminais21, nas ações penais originárias e nos demais processos criminais em tramitação perante órgãos fracionários dos diversos tribunais judiciários.

Quanto ao processo trabalhista, com maior razão é possível a instauração do incidente de uniformização da jurisprudência, ex vi do proêmio do § 3º do artigo 896 da Consolidação das Leis do Trabalho, o qual determina a aplicação do disposto no Capítulo I do Título IX do Livro I do Código de Processo Civil, ou seja, dos artigos 476 e seguintes. Na mesma esteira, o artigo 156 do Regimento Interno do Tribunal Superior do Trabalho consagra o incidente de uniformização de jurisprudência: “O incidente de uniformização reger-se-á pelos preceitos dos artigos 476 a 479 do Código de Processo Civil”. Além do artigo 896, § 3º, da Consolidação das Leis do Trabalho, bem assim do artigo 156 do Regimento Interno de 2002, o artigo 769 daquela Consolidação também reforça a conclusão em prol da aplicação do artigo 476 do Código de Processo Civil em relação ao processo trabalhista22.

Por tudo, o incidente de uniformização de jurisprudência pode ser suscitado nos processos cíveis, criminais e trabalhistas de competência dos órgãos fracionários dos tribunais judiciários em geral.

1.4. Legitimidade

O caput do artigo 476 do Código de Processo Civil revela que “qualquer juiz” com direito de voto tem legitimidade para suscitar o incidente. Por conseguinte, a uniformização de jurisprudência pode ser instaurada por força de requerimento do relator, do revisor e até de qualquer vogal.

O parágrafo único do artigo 476 também confere legitimidade à “parte”. À evidência, o vocábulo alcança tanto o autor quanto o réu, e com maior freqüência quando atuam como recorrente e recorrido.

Por fim, o Ministério Público também tem legitimidade para suscitar o incidente. Há notório “interesse público” na unificação da interpretação do direito. Tanto é verdade que, “em qualquer caso, será ouvido o chefe do Ministério Público que funciona perante o tribunal”. Sob outro prisma, se o § 2º do artigo 499 confere ao parquet legitimidade para até mesmo interpor recurso, com maior razão há a legitimação em prol do Ministério Público para

21 Assim: Ag n. 93.547/RS, 5ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 27 de maio de 1996, p. 17.910; Ag n. 93.547/RS, 3ª Seção do STJ, in Diário da Justiça de 27 de setembro de 1999; e REsp n. 2.169/RJ, 3ª Seção do STJ, in Diário da Justiça de 6 de dezembro de 1990, p. 387.22 Assim: “CORREIOS. EXECUÇÃO. Suspensão do julgamento do presente feito e remessa dos autos ao Tribunal Pleno para que seja julgado o Incidente de Uniformização de jurisprudência” (ROMS n. 652.135, Segunda Subseção do TST, in Diário da Justiça de 24 de maio de 2001).

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suscitar mero incidente processual, como o de uniformização de jurisprudência. Em resumo, à luz da combinação dos artigos 82, inciso III, 478, parágrafo único, e 499, § 2º, todos do Código de Processo Civil, é possível concluir a favor da legitimidade do parquet para suscitar incidente de uniformização de jurisprudência23.

1.5. Suscitação da uniformização de jurisprudência

O incidente de uniformização de jurisprudência pode ser suscitado por qualquer juiz com direito de voto, pelas partes e pelo Ministério Público, até o momento imediatamente anterior ao anúncio do resultado do julgamento pelo presidente do órgão fracionário24; proclamado o resultado pelo presidente do colegiado, não há mais a possibilidade da suscitação do incidente.

Quanto aos juízes do colegiado julgador, o incidente pode ser suscitado no momento da prolação dos respectivos votos. Aliás, até mesmo após a conclusão do voto o juiz ainda pode suscitar o incidente, desde que o julgamento não esteja concluído em razão da anúncio presidencial previsto no artigo 556 do Código de Processo Civil. Com efeito, ainda que já proferido o respectivo voto, o juiz que integra o colégio judiciário pode requerer a palavra ao presidente e formular o requerimento de instauração de uniformização de jurisprudência. Ex vi do § 2º do artigo 555 do Código, qualquer juiz também pode pedir vista, para a melhor verificação do precedente em relação ao qual se discute a existência da divergência. Por fim, nada impede o adiamento do julgamento, a fim de que possa ser conferida a existência do dissenso acerca da exegese do direito pelo relator ou por qualquer outro magistrado do órgão fracionário. É ampla, portanto, a oportunidade para a suscitação judicial do incidente de uniformização.

Salvo quando a divergência surge no curso do julgamento, o juiz suscitante deve indicar o precedente do próprio tribunal que revela o dissídio na inteligência da norma jurídica em discussão. A indicação do paradigma é importante para que o colegiado fracionário possa proferir o respectivo juízo de admissibilidade acerca da instauração do incidente, o qual é indispensável ex vi do proêmio do artigo 477: “Reconhecida a divergência”. Em seguida, há a redação do acórdão de instauração do incidente, assim como a distribuição de fotocópias do acórdão aos juízes que integram o órgão superior competente para a uniformização da jurisprudência. Tais providências são tomadas a fim de 23 Em sentido conforme ao texto do tópico: BARBOSA MOREIRA. Comentários. Volume V, 7ª ed., 1998, p. 14, 15 e 16; ERNANE FIDÉLIS. Manual. Volume I, 6ª ed., 1998, p. 599; NERY JUNIOR. Princípios fundamentais. 5ª ed., 2000, p. 87; e ROBERTO ROSAS. Comentários. Volume V, 2ª ed., 1988, p. 52.Com opinião parcialmente contrária, com a sustentação da tese de que o Ministério Público não pode suscitar o incidente como fiscal da lei: ALFREDO BUZAID. Uniformização da jurisprudência. p. 217.24 No mesmo diapasão: ERNANE FIDÉLIS. Manual. Volume I, 6ª ed., 1998, p. 599; e PONTES DE MIRANDA. Comentários. Tomo VI, 3ª ed., 1998, p. 16: “Depois de tomado o último voto e antes de ser proclamado o resultado, ainda qualquer juiz pode requerer o prejulgado”.

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que os membros do órgão coletivo ad quem possam verificar a existência da divergência jurisprudencial e, após o conhecimento dos fundamentos que sustentam as conclusões diferentes, indicar qual a correta interpretação do direito.

Se há a regra da necessidade da indicação do precedente do tribunal pelo juiz suscitante, com maior razão é necessária tal demonstração quando o requerimento de suscitação é formulado por qualquer das partes. A exigência consta do parágrafo único do artigo 476, preceito que exige a veiculação do pleito “fundamentadamente”. O termo indica que a parte suscitante deve comprovar e demonstrar o dissídio jurisprudencial. A interpretação sistemática do Código de Processo Civil conduz à conclusão de que o pedido de instauração deve ser formulado com a observância das exigências previstas no parágrafo único do artigo 541.

O parágrafo único do artigo 476 também revela que o requerimento pode ser elaborado no bojo da própria peça recursal ou “em petição avulsa”. A solicitação para a instauração do incidente pode ocorrer até mesmo na sustentação oral25 prevista no artigo 554, mas sempre “fundamentadamente”. A rigor, o pedido de instauração pode ser formulado até o momento imediatamente anterior à proclamação do resultado do julgamento.

Por fim, para suscitar o incidente, o Ministério Público também precisa elaborar requerimento “fundamentadamente”, consoante a combinação dos artigos 126, 476, parágrafo único, e 541, parágrafo único, todos do Código. Quanto ao momento, o parquet pode formular o pedido na respectiva peça recursal, “em petição avulsa”, ao apresentar parecer, assim como oralmente na própria sessão de julgamento perante o órgão fracionário.

1.6. Do procedimento e do julgamento da uniformização de jurisprudência

Formulado o requerimento por “qualquer juiz”, por parte ou pelo Ministério Público, o presidente do órgão fracionário deve suspender o julgamento e colher os votos dos membros do colegiado acerca da instauração do incidente de uniformização de jurisprudência. A expressão “reconhecida a divergência”, inserta no proêmio do artigo 477, revela a existência de juízo primeiro de admissibilidade no órgão a quo. O § 1º do artigo 118 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça reforça a conclusão.

Quando o órgão fracionário não reconhece a existência de dissenso jurisprudencial acerca da exegese da regra jurídica, retoma desde logo o julgamento do recurso, da ação originária ou do reexame necessário, com a

25 De acordo, com maior autoridade: BARBOSA MOREIRA. Comentários. Volume V, 7ª ed., 1998, p. 17; ERNANE FIDÉLIS. Manual. Volume I, 6ª ed., 1998, p. 599; PONTES DE MIRANDA. Comentários. Tomo VI, 3ª ed., 1998, p. 25; e VICENTE GRECO FILHO. Direito. Volume II, 11ª ed., 1996, p. 373.

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imediata o direito à espécie. É o que também ocorre na hipótese de dissídio superado26.

Porém, instaurado o incidente pelo órgão fracionário após o reconhecimento da divergência, o julgamento permanece suspenso — até o retorno dos autos do órgão ad quem.

Resta saber se o órgão fracionário pode deixar de instaurar o incidente de uniformização, após ter reconhecido a existência de dissenso na interpretação do direito. Segundo orientação predominante27, o órgão a quo pode deixar de instaurar o incidente mesmo após reconhecer a divergência jurisprudencial; trata-se de ato discricionário do órgão julgador. Tal entendimento parece ter provocado o esquecimento do instituto, raramente acionado na prática judiciária, apesar das inúmeras controvérsias jurídicas verificadas diariamente nos tribunais pátrios. Sem dúvida, a orientação prevalecente de que não há necessidade de instauração do incidente, mesmo quando reconhecida a divergência, baldou o instituto. Tal orientação jurisprudencial trouxe danos irreparáveis ao instituto da uniformização, o qual, à evidência, não cumpre a missão conferida pelo legislador.

Não obstante, ainda que apenas em defesa do instituto, tanto a interpretação teleológica quanto a exegese literal da legislação de regência conduzem à conclusão em prol da obrigação da instauração do incidente quando há o reconhecimento do dissenso28. O texto do artigo 477 é imperativo, ou seja, não deixa margem para discrição. Em reforço, o § 3º do artigo 896 da Consolidação das Leis do Trabalho confirma a obrigatoriedade da instauração do incidente de uniformização quando há o reconhecimento da divergência jurisprudencial. A despeito da literalidade dos textos legias, prevalece a orientação jurisprudencial em prol da existência de poder discricionário do órgão a quo.

26 Em sentido conforme: PEDRO BARBOSA RIBEIRO e PAULA RIBEIRO FERREIRA. Curso. Volume I, tomo V, 1998, p. 256 e 259: “Também não se admite a instauração do incidente de uniformização da jurisprudência quando a divergência se dá entre um caudal de acórdãos que se norteiam por uma tese atual e um acórdão ancião, que esposa tese de direito já ultrapassada” (p. 256). De acordo, na jurisprudência: REsp n. 72.569/SP – IU, 1ª Seção do STJ, in Diário da Justiça de 7 de fevereiro de 2000, p. 110: “Superada a divergência que o animava não merece conhecimento o incidente de uniformização de jurisprudência”.27 Conferir, na doutrina: BARBOSA MOREIRA. Comentários. Volume V, 7ª ed., 1998, p. 19; e PEDRO BARBOSA RIBEIRO e PAULA RIBEIRO FERREIRA. Curso. Volume I, tomo V, 1998, p. 256. Assim, na jurisprudência: REsp n. 195.683/SP, 1ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 10 de maio de 1999, p. 117; RMS n. 6.277/SP – EDcl, 3ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 27 de outubro de 1997, p. 54.785; RMS n. 4.270/SP, 4ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 10 de outubro de 1994, p. 27.173; REsp n. 14.882/SP, 4ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 30 de junho de 1997, p. 31.033; Ag n. 122.573/GO – AgRg, 5ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 1º de setembro de 1997, p. 40.859; REsp n. 9.086/SP, 6ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 5 de agosto de 1996, p. 26.424; e Ag n. 251.239/SP – AgRg, 6ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 13 de março de 2000, p. 198.28 Em sentido semelhante: ALFREDO BUZAID. Uniformização da jurisprudência. p. 213 e 214; e in Revista de doutrina e jurisprudência, número 15, p. 39; BOTELHO DE MESQUITA. Da uniformização da jurisprudência. p. 15 e 16; ERNANE FIDÉLIS. Manual. Volume I, 6ª ed., 1998, p. 600; e PONTES DE MIRANDA. Comentários. Tomo VI, 3ª ed., 1998, p. 26: “Se a turma, câmara ou grupo de câmaras reconhece a discrepância entre votos ou entre julgados, de modo nenhum pode deixar de remeter os autos ao presidente do tribunal”. É o que também ensina o Ministro ALFREDO BUZAID: “Reconhecida a divergência, tem o tribunal não apenas interesse senão também o dever de interromper o julgamento da causa pelo órgão a que foi distribuída e proceder à exata interpretação do direito”.

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No tocante ao juízo de mérito, o artigo 477 revela a inexistência no órgão a quo. É o que se infere da expressão “indo os autos ao presidente do tribunal para designar a sessão de julgamento”. Com efeito, o julgamento do incidente ocorre apenas no órgão ad quem, que é o único competente para proferir o juízo de mérito da unificação da jurisprudência29.

Consoante o disposto no artigo 477 do Código, o reconhecimento da divergência conduz à redação de acórdão. Tal exigência é reforçada pelo § 1º do artigo 118 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça.

Após, há mera anotação ou verdadeira distribuição do incidente30, conforme o disposto no respectivo regimento interno31. Os artigos 67, parágrafo único, incisos IX e X, e 73 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça revelam que há simples anotação do incidente, já que atua “como relator o do processo principal”. É o que também se infere dos §§ 2º e 3º do artigo 118 do Regimento Interno de 1989.

Em seguida, os autos seguem ao Ministério Público, que atua como custos legis, em favor da correta interpretação da lei. A exigência consta do parágrafo único do artigo 478: “Em qualquer caso, será ouvido o chefe do Ministério Público que funciona perante o tribunal”. O proêmio do § 2º do artigo 118 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça reforça: “Publicado o acórdão, o relator tomará o parecer do Ministério Público no prazo de quinze dias”. O artigo 64, inciso II, do Regimento daquela Corte confirma: “O Ministério Público terá vista dos autos nos incidentes de uniformização de jurisprudência”.

Após, o relator lança o relatório nos autos, os quais seguem ao presidente do órgão ad quem competente para julgar o incidente. Compete ao presidente “designar a sessão de julgamento”, nos termos do artigo 477 do Código de Processo Civil e do artigo 118, § 2º, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça. A interpretação sistemática dos artigos 477 e 552 do Código conduz à conclusão de que o incidente de uniformização de jurisprudência deve ser incluído em pauta32.

Posteriormente, a secretaria deve distribuir cópia do acórdão proferido no órgão fracionário a todos os juízes que integram o colegiado ad quem. É o que se infere da última parte do artigo 477. A interpretação teleológica do preceito permite a conclusão de que a secretaria também deve expedir cópias do relatório do incidente e das decisões confrontadas. A propósito, merece ser prestigiada a última parte do § 2º do artigo 118 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça: “A secretaria expedirá cópias do relatório e dos acórdãos divergentes e fará a sua distribuição aos Ministros”.

29 De acordo: BOTELHO DE MESQUITA. Da uniformização da jurisprudência. p. 16.30 A propósito, confira-se a lição de LUÍS ANTÔNIO DE ANDRADE: “O presidente do órgão julgador, recebidos os autos, há de, primeiro, sortear relator para o processo” (Aspectos. 1974, p. 203).31 Assim: PONTES DE MIRANDA. Comentários. Tomo VI, 3ª ed., 1998, p. 29: “O regimento interno é que há de resolver o problema normativo da escolha do relator, que pode ser o do acórdão do órgão de que proveio o remédio jurídico processual do prejulgamento”.32 Em sentido conforme: PONTES DE MIRANDA. Comentários. Tomo VI, 3ª ed., 1998, p. 27.

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Decorrido o prazo fixado no § 1º do artigo 552 e afixada a pauta na entrada da sala de sessão, já é possível a realização do julgamento do incidente pelo órgão ad quem indicado pelo respectivo regimento interno: plenário, órgão especial, seção especializada ou câmaras cíveis reunidas. É o que revelam o artigo 101, § 3º, alínea “c”, e § 4º, da Lei Complementar n. 35, os artigos 11, inciso VI, e 12, inciso IX, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, bem assim o artigo 29, inciso II, do Regimento Interno do Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Se fosse aceita a tese da admissibilidade do incidente no Supremo Tribunal Federal, a competência seria do Plenário, nos termos do artigo 7º, inciso VII, do Regimento Interno de 1980.

Em seguida, o presidente do colegiado ad quem verifica a observância do quorum regimental para o início do julgamento do incidente. É o quorum constitutivo33. Em relação ao Superior Tribunal de Justiça, vale a pena conferir o caput do artigo 119 do Regimento Interno: “No julgamento de uniformização de jurisprudência, a Corte Especial e as Seções se reunirão com o quorum mínimo de dois terços de seus membros”.

Cumprido o quorum constitutivo, tem-se o início do julgamento. Por força do artigo 554, o relator faz a exposição da controvérsia sobre que versa o incidente. Após a leitura do relatório, o presidente do colegiado concede a palavra aos advogados das partes para sustentarem oralmente as respectivas razões34. Diante do silêncio do Código, e por força do artigo 126, aplica-se o disposto no artigo 554 ao incidente de uniformização de jurisprudência. Aliás, o artigo 554 está inserto no título que trata “da ordem dos processos no tribunal”. Como a “uniformização da jurisprudência” consta do título “do processo nos tribunais”, tudo indica que o disposto naquele título XI também alcança o instituto previsto no artigo 476, no que compatível, como ocorre em relação à sustentação oral. Registre-se, por fim, que o artigo 159, caput e § 1º, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça reforça a conclusão da existência de sustentação oral em incidente de uniformização de jurisprudência.

Após, o relator profere o primeiro voto, seguido dos demais juízes que integram o colegiado competente. No Superior Tribunal de Justiça, o presidente do órgão ad quem geralmente não participa do julgamento do incidente. Com efeito, o presidente apenas participa do julgamento para proferir voto de desempate, consoante o disposto nos artigos 21, inciso VI, 24, inciso I, e 119, § 1º, todos do Regimento Interno de 1989.

O julgamento do incidente no colégio julgador pode ser dividido em duas etapas: juízo de admissibilidade e juízo de mérito. Em primeiro lugar, há novo juízo de admissibilidade no órgão ad quem, o qual não fica vinculado ao juízo

33 Cf. FERNANDO AMÂNCIO FERREIRA. Manual dos recursos. 2000, p. 214.34 Em sentido idêntico: PONTES DE MIRANDA. Comentários. Tomo VI, 3ª ed., 1998, p. 29; e ROBERTO ROSAS. Comentários. Volume V, 2ª ed., 1988, p. 13: “Na sessão de julgamento do incidente pode haver sustentação oral pelos advogados”.

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positivo proferido no colegiado a quo35. Proferido igual juízo positivo de admissibilidade, há a prolação do juízo de mérito pelo órgão coletivo julgador, com a indicação da interpretação a ser observada no julgamento do recurso, da ação originária, do reexame necessário, conforme o caso. O colegiado ad quem apenas indica a correta exegese do direito a ser aplicado à espécie pelo órgão fracionário. Sem dúvida, o órgão superior não julga desde logo o caso concreto36; limita-se a apontar a inteligência da norma jurídica controvertida. É o que se infere da primeira parte do caput do artigo 478: “O tribunal, reconhecida a divergência, dará a interpretação a ser observada”.

Findo o julgamento do incidente, o presidente do colegiado indica o redator do respectivo acórdão, o qual geralmente é o relator, ex vi do artigo 556. O redator do acórdão do incidente de uniformização de jurisprudência deve lavrar o acórdão cujo dispositivo será publicado no órgão oficial de imprensa, com a conclusão do órgão julgador.

Tomada a decisão no julgamento do incidente por maioria simples, a exegese vitoriosa deve ser prestigiada pelo colegiado a quo quando da retomada do julgamento37. É o que se infere do caput do artigo 478 do Código de Processo Civil.

Resta saber se existe alguma vantagem quando o acórdão referente ao incidente é proferido por maioria absoluta. Antes de solucionar a questão, é importante entender o real significado da expressão “maioria absoluta”, inserta no caput do artigo 479. Tem-se por maioria absoluta o primeiro número inteiro logo após a metade38 dos componentes do órgão julgador — e não metade mais um, como sustenta autorizada doutrina39. De volta à questão formulada, é afirmativa a resposta. Se a decisão for tomada por maioria absoluta dos membros que integram o órgão ad quem, a tese predominante na interpretação do direito também deve ser consolidada em enunciado da súmula do respectivo tribunal, consoante estabelecem o artigo 479 do Código de Processo Civil e os artigos 119, § 3º, e 122, § 1º, primeira parte, ambos do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça.

35 De acordo: PEDRO BARBOSA RIBEIRO e PAULA RIBEIRO FERREIRA. Curso. Volume I, tomo V, 1998, p. 259.36 Em sentido conforme: CARLOS AURELIANO MOTTA DE SOUZA. O papel constitucional do STF. 2000, p. 91; e PONTES DE MIRANDA. Comentários. Tomo VI, 3ª ed., 1998, p. 19 e 23: “O prejulgado não prejulga a causa; julga, antes, qual a interpretação que se há de dar à lei que se quer aplicar” (p. 19).37 De acordo: ALFREDO BUZAID. In Revista de doutrina e jurisprudência, número 15, p. 38; e LUÍS ANTÔNIO DE ANDRADE. Aspectos. 1974, p. 204.Contra: PONTES DE MIRANDA. Comentários. Tomo VI, 3ª ed., 1998, p. 30.38 Com a mesma opinião: BARBOSA MOREIRA. Comentários. Volume V, 7ª ed., 1998, p. 45; CELSO BASTOS. Comentários. Volume IV, tomo III, 1997, p. 81; e MÁRIO GUIMARÃES. O juiz. 1958, p. 374: “Maioria absoluta, ensina-se geralmente, é a metade mais um. A definição falha, porém, quando o número de votantes fôr ímpar — 11, por exemplo. Qual, então, a maioria absoluta? Seis ou sete? Viu-se o Supremo Tribunal Federal, várias vêzes, em face dessa dificuldade e decidiu que maioria absoluta de 11 é seis. Exigir que fôsse sete, seria fazer prevalecer, sôbre o voto dos seis juízes que votaram num sentido, a opinião dos cinco, que ficaram derrotados. Maioria absoluta é, pois, mais rigorosamente definido, a representada pelo número imediatamente superior à metade”.39 Cf. ERNANE FIDÉLIS. Manual. Volume I, 6ª ed., 1998, p. 608, n. 848; e PONTES DE MIRANDA. Comentários. Tomo VI, 3ª ed., 1998, p. 30.

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A propósito, embora não seja comum a distinção na prática forense e na legislação de regência, há, ainda que apenas no plano teórico40, diferença entre enunciado e súmula. O enunciado é a proposição, a asserção que versa sobre uma questão de direito específica, isolada. Já a súmula é a jurisprudência predominante de determinado tribunal, vale dizer, é o conjunto dos enunciados. Mutatis mutandis, o enunciado está para a súmula assim como o artigo está o código. Feita a distinção entre enunciado e súmula, convém retornar às conseqüências da inclusão de enunciado na súmula de um tribunal.

Incluído o enunciado na súmula, ocorre a respectiva publicação no órgão oficial, consoante o disposto no regimento interno do tribunal e no parágrafo único do artigo 476 do Código de Processo Civil: “Os regimentos internos disporão sobre a publicação no órgão oficial das súmulas de jurisprudência predominante”. No tocante ao Superior Tribunal de Justiça, os enunciados devem ser publicados três vezes consecutivas no Diário da Justiça, consoante o disposto no artigo 123, caput, do Regimento Interno de 1989.

Mesmo quando tomada pelo voto da maioria absoluta dos magistrados do colegiado ad quem (pleno, órgão especial, câmaras reunidas, seção especializada) e incluída na súmula do tribunal, a decisão uniformizadora só tem força vinculante inter partes, e no processo no qual foi suscitado o incidente. Por conseguinte, o órgão fracionário perante o qual o incidente foi suscitado (verbi gratia, turma, câmara) deve observar a interpretação ditada pelo colegiado ad quem41. Quanto aos outros processos, não há vinculação alguma. A despeito da inclusão de enunciado em súmula, até mesmo de tribunal superior, há a preservação da ampla liberdade judicante dos magistrados de primeiro grau e das outras cortes42.

Embora não tenha força vinculante quanto aos demais processos43, é certo que a inclusão do enunciado na súmula do tribunal também influencia os magistrados do próprio tribunal, já que o entendimento consolidado na respectiva súmula deve ser observado nos futuros julgamentos44, até a suscitação de novo incidente, a revisão ou o cancelamento do enunciado. É o 40 “ENUNCIADO. (1) S.m. (lat. enuntiatio) Dir. Jud. A correta denominação das súmulas dos Tribunais Superiores, quando singularizadas ou mencionadas com o número correspondente.” (OTHON SIDOU, J. M. de. Dicionário Jurídico. 4ª ed., 1997, p. 317).41 De acordo: AR n. 1.090/SP – AgRg, 2ª Seção do STJ, in Diário de Justiça de 10 de abril de 2000, p. 66: “A tese fixada pelo Órgão Especial, após reconhecido o incidente de uniformização de jurisprudência, vincula o julgamento da causa principal no órgão fracionário”.42 Em sentido conforme: CARLOS AURELIANO MOTTA DE SOUZA. O papel constitucional do STF. 2000, p. 74e 89; e PONTES DE MIRANDA. Comentários. Tomo VI, 3ª ed., 1998, p. 6: “O juiz ou o tribunal pode interpretar a lei contra o que foi assente pelos tribunais superiores e pelo próprio Supremo Tribunal Federal”.43 A respeito do efeito vinculante dos enunciados da Súmula do Supremo Tribunal Federal posteriores ao advento da Emenda Constitucional n. 45, de 2004, fica a sugestão da leitura do posterior tópico específico.44 No mesmo sentido do texto: CARLOS AURELIANO MOTTA DE SOUZA. O papel constitucional do STF. 2000, p. 74, 87 e 89; NERY JUNIOR. Princípios fundamentais. 5ª ed., 2000, p. 86; PONTES DE MIRANDA. Comentários. Tomo VI, 3ª ed., 1998, p. 30 e 31, comentário 1; e SÉRGIO SAHIONE FADEL. Código. Tomo III, 3ª ed., 1975, p. 57.Com outra opinião: MANUEL ALCEU AFFONSO FERREIRA. Do processo nos tribunais. 1974, p. 155 e 156; e VICENTE GRECO FILHO. Direito. Volume II, 11ª ed., 1996, p. 374 e 375.

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que se infere do proêmio do caput do artigo 125 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça: “Os enunciados da súmula prevalecem e serão revistos na forma estabelecida neste Regimento Interno”. Com efeito, o enunciado prevalece até a respectiva a revisão ou cancelamento. Há a possibilidade da revisão e do cancelamento do enunciado em novo incidente de uniformização do artigo 476 do Código de Processo Civil, em incidente de afetação do § 1º do artigo 555 do próprio Código, bem assim pelo procedimento previsto no regimento interno do respectivo tribunal. A respeito do procedimento no Superior Tribunal de Justiça, os parágrafos do artigo 125 do Regimento Interno de 1989 cuidam da revisão e do cancelamento dos respectivos enunciados. Da mesma forma, enunciado incluído na Súmula do Supremo Tribunal Federal pode ser revisto e até mesmo cancelado, consoante o disposto nos artigos 7º, inciso VII, 102, §§ 1º e 2º, e 103, do Regimento Interno de 1980.

Além da vinculação relativa dos magistrados do próprio tribunal à jurisprudência consolidada na súmula da respectiva corte, a consolidação de tese jurídica em súmula também estimula a prolação de julgamento unipessoal pelos relatores, na esteira dos artigos 544, § 3º, e 557, caput e § 1º, do Código de Processo Civil, assim como do artigo 38 da Lei n. 8.038, de 1990. E mais, a sentença proferida com esteio em enunciado da Súmula do Supremo Tribunal Federal ou de tribunal superior não está sujeita ao reexame oficial por corte intermediária, conforme revela o § 3º do artigo 475 do Código de Processo Civil, com a redação conferida pela Lei n. 10.352, de 2001. Não é só. A apelação interposta contra sentença proferida em conformidade com enunciado da Súmula do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça não pode ser recebida pelo juiz de primeiro grau competente para o primeiro juízo de admissibilidade. Eis o que dispõe o § 1º do artigo 518, acrescentado pela Lei n. 11.276, de 2006: “O juiz não receberá o recurso de apelação quando a sentença estiver em conformidade com súmula do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal”. Por fim, a aprovação de enunciado também facilita a comprovação da divergência jurisprudencial, consoante o disposto no artigo 102, § 4º, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, bem como no artigo 124 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça. Portanto, a inclusão de tese jurídica em súmula de tribunal concretiza os princípios processuais da celeridade e da economia, além de ocasionar a pacificação jurisprudencial interna corporis acerca da interpretação do direito, em determinado momento histórico.

Como é perceptível primo ictu oculi, a decisão tomada em incidente de uniformização por maioria simples tem utilidade reduzida, se comparada com a proferida por maioria absoluta. A decisão tomada por maioria simples tem serventia somente para o caso concreto no qual foi suscitado o incidente e indica mera tendência na orientação do tribunal.

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A interpretação sistemática do Código de Processo Civil e dos Regimentos do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça conduz às seguintes conclusões:

a) o quorum mínimo para a realização do julgamento do incidente de uniformização de jurisprudência está no regimento interno do respectivo tribunal, e não no artigo 479 do Código de Processo Civil;

b) a decisão tomada pela maioria absoluta dos magistrados que integram o órgão colegiado ad quem ocasiona a inclusão da tese jurídica vitoriosa na súmula do respectivo tribunal;

c) respeitado o quorum constitutivo, tem-se o julgamento do incidente, ainda que nenhuma tese jurídica seja prestigiada pela maioria absoluta dos membros do órgão colegiado superior. Tomada a decisão sem a anuência de juízes em número superior à metade, não há a consolidação da tese jurídica vitoriosa na súmula do respectivo tribunal, mas o julgamento do incidente de uniformização serve para o desate do caso concreto45.

Por fim, após o retorno dos autos ao colegiado a quo, cessa a suspensão, e o órgão fracionário retoma o julgamento do recurso, da ação originária, do reexame necessário, com a aplicação do direito à espécie a tese jurídica fixada pelo órgão ad quem. Quanto à questão de direito solucionada no incidente de uniformização de jurisprudência, o órgão suscitante está vinculado à interpretação indicada pelo colegiado superior, a qual deve “ser observada” no julgamento do caso concreto46.

1.7. Da recorribilidade

Assunto interessante é o da recorribilidade em incidente de uniformização de jurisprudência.

No tocante ao julgamento proferido pelo órgão a quo, é possível afirmar que sempre são cabíveis embargos de declaração47; mas os declaratórios são o único recurso admissível contra o acórdão de que cuida o artigo 477 do Código de Processo Civil. Já o aresto que trata do indeferimento do pedido de

45 Em sentido semelhante às conclusões indicadas no texto: BARBOSA MOREIRA. Comentários. Volume V, 7ª ed., 1998, p. 25; e LUÍS ANTÔNIO DE ANDRADE. Aspectos. 1974, p. 204.Contra, no tocante à conclusão da letra “c”: PONTES DE MIRANDA. Comentários. Tomo VI, 3ª ed., 1998, p. 30; e VICENTE GRECO FILHO. Direito. Volume II, 11ª ed., 1996, p. 374: “No julgamento, é necessário a presença e a decisão da maioria absoluta dos membros fixando a tese”.46 No sentido do texto do parágrafo: BARBOSA MOREIRA. Comentários. Volume V, 7ª ed., 1998, p. 23; LUÍS ANTÔNIO DE ANDRADE. Aspectos. 1974, p. 204; BARBOSA MOREIRA. Comentários. Volume V, 7ª ed., 1998, p. 19; e PEDRO BARBOSA RIBEIRO e PAULA RIBEIRO FERREIRA. Curso. Volume I, tomo V, 1998, p. 260; e NERY JUNIOR. Princípios fundamentais. 5ª ed., 2000, p. 85.47 Contra, ao argumento de que é irrecorrível o acórdão proferido pelo colegiado de origem: MANUEL ALCEU AFFONSO FERREIRA. Do processo nos tribunais. 1974, p. 154; e PONTES DE MIRANDA. Comentários. Tomo VI, 3ª ed., 1998, p. 9 e 18. Também em sentido contrário: REsp n. 4.082/SP, 4ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 25 de março de 1991, p. 3.226.

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instauração do incidente é passível de impugnação também por meio de outros recursos. Com efeito, cabem recursos extraordinário e especial, desde que preenchidos os requisitos dos artigos 102, inciso III, e 105, inciso III, da Constituição Federal.

Em relação ao julgamento do incidente de uniformização de jurisprudência proferido pelo órgão ad quem, são — como sempre — cabíveis embargos de declaração48. É o único recurso admissível contra o acórdão de que cuidam os artigos 478 e 479 do Código de Processo Civil. À evidência, não são cabíveis embargos infringentes49. Até mesmo quando proferido por maioria de votos, o acórdão versa apenas sobre o incidente de uniformização de jurisprudência, o que afasta o cabimento dos embargos infringentes, já que o artigo 530 do Código exige que o julgamento não unânime tenha sido proferido no bojo do recurso apelatório ou na própria ação rescisória. Também não são cabíveis recursos extraordinário e especial, em razão da inexistência de causa decidida e a ausência de interesse recursal50.

Por fim, quanto ao acórdão proferido pelo órgão fracionário após o julgamento do incidente pelo colegiado superior, é impugnável por meio de embargos declaratórios. Além do recurso de declaração, também são admissíveis extraordinário e especial, ex vi dos artigos 102, inciso III, e 105, inciso III, da Constituição Federal51.

1.8. Uniformização de jurisprudência nos Juizados Especiais Federais

Tema igualmente importante reside no artigo 14 da Lei n. 10.259, preceito que trata da uniformização nos juizados especiais federais. A existência de normas específicas na Lei n. 10.259 afasta a incidência do artigo 476 do Código de Processo Civil. Como já estudado, a uniformização de jurisprudência do artigo 476 do Código pode envolver divergência tanto sobre direito material quanto acerca de direito processual. O mesmo não ocorre com

48 De acordo, na doutrina: PONTES DE MIRANDA. Comentários. Tomo VI, 3ª ed., 1998, p. 28. Assim, na jurisprudência: Embargos de declaração em uniformização de jurisprudência n. 16.410, Pleno do 2º TACivSP, in Revista dos Tribunais, volume 509, p. 181.49 Em sentido idêntico: Embargos infringentes na uniformização de jurisprudência n. 1 na apelação n. 40.359, Câmaras Cíveis Reunidas do TJMG, in Revista de Processo, volume 5, p. 301: “Apesar de obtida por maioria de votos, a decisão proferida no procedimento de uniformização da jurisprudência não enseja recurso de embargos infringentes, admissíveis somente quando a divergência se verifica no julgamento da ação rescisória e de apelação”..50 Em sentido conforme, na doutrina: SERGIO BERMUDES. Comentários. Tomo VI, 3ª ed., 1998, p. 22, nota 12, e p. 28, nota 18; e VICENTE GRECO FILHO. Direito. 11ª ed., 1996, p. 375. Assim, na jurisprudência: RE n. 90.756/ES, 1ª Turma do STF, in Diário da Justiça de 15 de outubro de 1979: “— A decisão, que enseja a interposição de recurso extraordinário, não é a das Câmaras Cíveis Reunidas, que resolveu o incidente de uniformização de jurisprudência, mas a do órgão que completa o julgamento do processo. Aplicação analógica da Súmula 513. Não conhecimento do recurso extraordinário”.Contra: PONTES DE MIRANDA. Comentários. Tomo VI, 3ª ed., 1998, p. 28. 51 Assim, na jurisprudência: RE n. 90.756/ES, 1ª Turma do STF, in Diário da Justiça de 15 de outubro de 1979.

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o instituto do artigo 14 da Lei n. 10.259, de 2001. A uniformização de jurisprudência dos juizados especiais federais alcança apenas o “direito material”, sendo inadmissível quando o dissenso estiver relacionado ao direito processual. Há outra importante diferença. O incidente do artigo 476 pode versar sobre dissídio na interpretação de qualquer lei, seja municipal, estadual, federal, até mesmo a Constituição Federal. Com efeito, para a admissibilidade do incidente de uniformização do artigo 476 é suficiente a ocorrência de divergência “acerca da interpretação do direito”. A cláusula do Código é ampla. Em contraposição, o dissídio que autoriza a instauração da uniformização nos juizados especiais é aquele que reside somente na “interpretação de lei federal”. Em síntese, apenas a divergência jurisprudencial acerca da interpretação de lei federal de direito material enseja a uniformização nos juizados especiais federais.

Ainda sobre a dessemelhança dos institutos, o incidente do artigo 476 só pode ser instaurado quando o dissenso ocorre intra muros, ou seja, entre julgados de um mesmo tribunal judiciário. Ao revés, a uniformização do artigo 14 pode versar sobre dissídio externo, tanto que alcança até mesmo o dissenso em relação a enunciado da Súmula do Superior Tribunal de Justiça. Daí a impossibilidade de confusão entre os institutos do artigo 476 do Código e do artigo 14 da Lei n. 10.259, de 2001. Aliás, tanto o artigo 14 da Lei n. 10.259 quanto o Regimento Interno editado pela Resolução n. 390 sugerem a natureza recursal da uniformização dos juizados federais52, ao contrário da uniformização de jurisprudência do artigo 476 do Código, cuja natureza de incidente processual está isenta de dúvida.

À luz do artigo 14 da Lei n. 10.259, a uniformização nos juizados especiais federais é admissível nas seguintes hipóteses de divergência na interpretação de lei federal de direito material:

a) entre acórdãos de “Turmas da mesma Região”;

52 Apesar de o artigo 2º do Regimento Interno da Turma de Uniformização de Jurisprudência dos Juizados Especiais Federais revelar a natureza de “incidente de uniformização” (não há o grifo no original), com o reforço do artigo 5º, incisos I e XI (“ incidentes de uniformização”), os artigos 8º e 9º da mesma Resolução n. 390 tratam da “tempestividade”, com indicação do “prazo de dez dias”, bem como das “contra-razões no mesmo prazo”, o que gera dúvida acerca da natureza do instituto do artigo 14 da Lei n. 10.259: incidente ou recurso? Aliás, consta do item 2 da Questão de Ordem n. 1, de 12 de novembro de 2002: “2. Diante de divergência entre decisões de Turmas Recursais de regiões diferentes, o pedido de uniformização tem a natureza jurídica de recurso, cujo julgado, portanto, modificando ou reformando, substitui a decisão ensejadora do pedido provido.” (não há o grifo no original). Colhe-se do relatório e do voto condutor proferido pela Relatora, Juíza Federal LILIANE DO ESPÍRITO SANTO RORIZ DE ALMEIDA: “Trata-se de questão de ordem com vistas a dirimir dúvidas sobre a natureza da decisão proferida pela Turma de Uniformização de Jurisprudência: se equivalente à do Incidente de Uniformização de Jurisprudência, previsto nos arts. 476 a 479 do CPC, ou se análoga à dos Embargos de Divergência em Recurso Especial, regulados pelos arts. 266 e 267 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça”. “Assim sendo, deve-se buscar o meio de processamento mais célere e simples para os recursos do referido art. 14. Recomenda a razoabilidade, pois, que, na prática, sejam os mesmos tratados como se fossem embargos de divergência, e como tais sejam processados. Tal significa dizer que, ao se manifestar sobre a uniformização de jurisprudência, em sendo o caso, deve ser reformada a decisão da Turma Recursal, indicando-se o resultado da lide, como se 3ª instância fosse a Turma de Uniformização.” (os grifos foram acrescentados). A propósito, reforça a Questão de Ordem n. 2: “O acolhimento do pedido de uniformização gera dois efeitos: a reforma da decisão da Turma Recursal e a conseqüente estipulação de honorários advocatícios” (não há o grifo no original). O mesmo não ocorre no instituto do artigo 476 do Código de Processo Civil, real incidente de uniformização de jurisprudência.

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b) entre acórdãos “de turmas de diferentes regiões”;

c) entre acórdão de turma recursal e jurisprudência predominante ou consolidada na Súmula do Superior Tribunal de Justiça.

Na hipótese mencionada na letra “a”, a uniformização deverá ser julgada pelas turmas recursais reunidas da própria Região, “sob a presidência do Juiz Coordenador”, nos termos dos artigos 14, § 1º, e 22, caput, da Lei n. 10.259, de 2001.

Nas hipóteses das alíneas “b” e “c”, a uniformização deverá ser julgada pela Turma Nacional de Uniformização, sob a presidência do ministro do Superior Tribunal de Justiça que atua como coordenador-geral da Justiça Federal, nos termos do § 2º do artigo 14 da Lei n. 10.259, de 2001, assim como do artigo 2º do Regimento Interno editado pela Resolução n. 390, de 2004: “Compete à Turma Nacional julgar o incidente de uniformização de interpretação de lei federal em questões de direito material fundado em divergência entre decisões de turmas recursais de diferentes ou em contrariedade à súmula ou jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça”.

Quanto ao acórdão proferido pela Turma Nacional de Uniformização, se estiver em divergência com a orientação consolidada em enunciado da Súmula do Superior Tribunal de Justiça ou na jurisprudência da corte ad quem, enseja a provocação do Tribunal pela “parte interessada”. Dispõe o § 4º do artigo 14 da Lei n. 10.259, de 2001: “Quando a orientação acolhida pela Turma de Uniformização, em questões de direito material, contrariar súmula ou jurisprudência dominante no Superior Tribunal de Justiça – STJ, a parte interessada poderá provocar a manifestação deste, que dirimirá a divergência”.

De início, convém registrar que o último preceito é de constitucionalidade duvidosa. À luz do princípio da indisponibilidade de competências e do princípio da tipicidade de competências, é possível concluir que a competência constitucional dos tribunais é exaustiva53. Portanto, mera lei ordinária não tem o condão de ampliar a competência fixada no texto constitucional.

Fixada a premissa de que não é possível a instituição de nova competência do Superior Tribunal de Justiça via simples lei ordinária, passa-se ao problema do enquadramento jurídico54 do instituto previsto no § 4º do artigo

53 De acordo, na doutrina: CRETELLA JÚNIOR. Comentários. Volume VI, 2ª ed., 1993, p. 3.119. Realmente, como bem concluiu o Ministro ADHEMAR MACIEL no julgamento do REsp n. 28.848/SP, “pelo ‘princípio da indisponibilidade de competências’, que se acha associado ao ‘princípio da tipicidade de competências’, consagrados pela nossa Constituição, a competência dos órgãos constitucionais, entre eles os dos tribunais, não pode ser ampliada ou transferida” (in Diário da Justiça de 2 de agosto de 1993).54 A Resolução n. 390 parece conferir ao instituto do § 4º do artigo 14 da Lei n. 10.259 natureza recursal, até mesmo pela previsão no Capítulo V: “DOS RECURSOS”. Além do mais, o instituto consta do artigo 28 da Resolução n. 390, com o mesmo tratamento conferido ao recurso extraordinário para o Supremo Tribunal Federal. Porém, o mesmo artigo 28 ressalta a natureza de “incidente”. Da forma como está tratado na Resolução n. 390, ainda que adotado o nome de “ incidente”, o instituto do § 4º do artigo 14 da Lei n. 10.259 parece ser verdadeiro sucedâneo de recurso especial, o que agrava o problema da inconstitucionalidade do instituto, em razão da impossibilidade jurídica de atribuição de competência por

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14, ou seja, do requerimento da parte interessada na manifestação da corte ad quem acerca da divergência entre o acórdão da Turma Nacional de Uniformização e a sua jurisprudência sumulada ou predominante no Superior Tribunal de Justiça.

Em primeiro lugar, tal requerimento não pode ser veiculado em recurso especial, consoante o óbice do enunciado n. 203 da Súmula do próprio Superior Tribunal de Justiça, verbete que reflete a correta interpretação do inciso III do artigo 105 da Constituição Federal. Sem dúvida, não cabe recurso especial contra acórdão que não seja de tribunal.

Sob outro prisma, não é possível o enquadramento do requerimento no inciso II do artigo 105 da Constituição Federal. A hipótese prevista no § 4º do artigo 14 da Lei n. 10.259 é igualmente incompatível com a interposição de recurso ordinário.

Resta a análise da competência originária. A leitura das alíneas do inciso I do artigo 105 também revela a impossibilidade do enquadramento do instituto previsto no § 4º do artigo 14 em algum dos permissivos constitucionais.

Apesar da inconstitucionalidade do instituto previsto no § 4º do artigo 14 da Lei n. 10.259, o Regimento Interno consubstanciado na Resolução n. 390 não só tratou da “uniformização perante o Superior Tribunal de Justiça”, bem como sugere a natureza recursal do instituto, já que previsto no Capítulo V: “DOS RECURSOS”. Em contraposição, o artigo 28 da mesma Resolução n. 390 ressalta a natureza de “incidente”. Daí a vexata quaestio acerca da natureza jurídica do instituto.

Tal como tratado na Resolução n. 390, ainda que adotado o nome de “incidente”, o instituto do § 4º do artigo 14 da Lei n. 10.259 é verdadeiro sucedâneo de recurso especial, o que agrava o problema da inconstitucionalidade do instituto, em razão da impossibilidade jurídica de atribuição de competência por norma infraconstitucional incompatível com o artigo 105, inciso III, da Constituição Federal.

Em síntese, tudo indica que o § 4º do artigo 14 da Lei n. 10.259 é inconstitucional55, por ser incompatível com os princípios da indisponibilidade de competências e da tipicidade de competências. A conclusão é reforçada pela absoluta impossibilidade de enquadramento da competência atribuída ao Superior Tribunal de Justiça pelo § 4º do artigo 14 da Lei n. 10.259 nos permissivos constitucionais do artigo 105 da Constituição Federal. Ainda que superado o óbice da inconstitucionalidade, a Resolução n. 390 sugere a natureza recursal56 do instituto objeto do § 4º do artigo 14, especialmente em

norma infraconstitucional incompatível com o artigo 105, inciso III, da Constituição Federal.55 Com igual opinião: “Na verdade, o que se constata é a criação sorrateira, através da Lei 10.259/2001, em seu art. 14, §§ 4º e 5º, de uma nova figura de recurso especial não previsto no art. 105, inc. III, da CF e, por conseguinte, insustentável, inadmissível, ou melhor dizendo, de cunho manifestamente inconstitucional.” (JOEL DIAS FIGUEIRA JÚNIOR. Juizados Especiais Federais. 2002, p. 367).56 De acordo: BRUNO MATTOS E SILVA. Juizados Especiais Federais. 2002, p. 167 e 168: “Se a Turma

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razão da previsão no Capítulo V (“DOS RECURSOS”), a despeito da denominação “incidente” no artigo 28.

Por tudo, a Lei n. 10.259 trata da uniformização de jurisprudência para as turmas reunidas da mesma região (§ 1º do artigo 14), da uniformização de jurisprudência para a turma nacional de uniformização (§ 2º do artigo 14), bem assim da uniformização de jurisprudência para o Superior Tribunal de Justiça (§ 4º do artigo 14). A despeito da denominação “incidente” na legislação de regência, tudo indica que os institutos têm natureza recursal57, na esteira do que ficou assentado na Questão de Ordem n. 158. Não há, portanto, semelhança entre os institutos do artigo 14 da Lei n. 10.259 com a uniformização de jurisprudência do artigo 476 do Código de Processo Civil.

1.9. Instituto do § 1º do artigo 555 do Código de Processo Civil

A Lei n. 10.352 alterou a redação do § 1º do artigo 555 do Código de Processo Civil, assim como instituiu o incidente59 de afetação, com a integral transferência da competência da turma ou câmara para colegiado maior do mesmo tribunal: câmaras cíveis reunidas, seção especializada de direito privado, órgão especial ou pleno, conforme o disposto no respectivo regimento interno.

Com efeito, ao proferir o voto em sessão de julgamento de qualquer recurso, pode o relator, preliminarmente, suscitar o incidente de transferência da competência para colegiado mais numeroso do próprio tribunal. É a exceção consagrada no § 1º do artigo 555. Com efeito, se o recurso versar sobre questão de direito já controvertida no tribunal, o relator pode sugerir a transferência da competência para colegiado ad quem. O mesmo pode ocorrer para prevenir futura divergência intra muros. Aliás, não só o relator, mas

de Uniformização não acolher a orientação do STJ, caberá novo recurso (e um outro ‘pedido de uniformização’, pois, como diz a Lei ‘a parte interessada poderá provocar a manifestação’), desta vez para o próprio STJ, nos termos do § 4º, que não usa a expressão recurso. É de se perceber que também a redação do § 9º deixa clara a natureza de ‘recurso’ e não de ‘incidente’ da ‘provocação de manifestação’, uma vez que, ao contrário do pedido de uniformização de jurisprudência (previsto no Código de Processo Civil) que pode ser suscitado no tribunal de apelação, a presente ‘provocação de manifestação’ da Lei 10.259/2001 é interposta contra a decisão já proferida pela Turma de Uniformização, como se vê do § 4º, visando a sua reforma.” (grifos aditados). Também sentido semelhante: CARREIRA ALVIM. Juizados Especiais Federais. 2002, p. 99 e 100: “Apesar da Lei não falar, só pode ser este recurso, pois trata-se de divergência jurisprudencial – entre a Turma de Uniformização e o STJ – sendo a hipótese subsumível na alínea ‘c’ do item III, do art. 105 da Constituição Federal.” (não há o grifo no original).57 No mesmo sentido: CARREIRA ALVIM. Juizados Especiais Federais. 2002, p. 99 e 100: “Os pedidos de uniformização de interpretação de lei federal são formulados no mesmo processo em que a decisão foi proferida, pelo que, dogmaticamente, são verdadeiros e próprios recursos, embora, de lege lata, não tenham sido como tal tratados.” (não há o grifo no original).58 Consta do item 2 da Questão de Ordem n. 1, de 12 de novembro de 2002: “2. Diante de divergência entre decisões de Turmas Recursais de regiões diferentes, o pedido de uniformização tem a natureza jurídica de recurso, cujo julgado, portanto, modificando ou reformando, substitui a decisão ensejadora do pedido provido.” (não há o grifo no original).59 O eminente Professor BARBOSA MOREIRA também sustenta que o instituto tem natureza de “incidente” (Comentários. Volume V, 11ª ed., 2003, p. 653).

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qualquer magistrado da turma ou câmara pode suscitar o incidente do § 1º do artigo 555. Também as partes e o Ministério Público têm legitimidade para a argüição60. A previsão legal explícita em favor do relator ocorre apenas em razão da maior probabilidade de o incidente poder ser suscitado pelo magistrado responsável pelo processamento do recurso no tribunal, além da redação do relatório.

Se a conveniência da afetação for declarada pela maioria da turma ou câmara, os autos são remetidos ao órgão coletivo ad quem. Se igualmente reconhecida a existência de controvérsia acerca da questão de direito, ocorre o imediato julgamento do próprio recurso pelo colegiado maior, com a participação dos respectivos magistrados61. Com efeito, se o incidente de transferência de competência for deferido nos colegiados originário e superior, o próprio recurso é julgado desde logo pelo órgão coletivo ad quem.

Em contraposição, se o incidente de afetação de competência for rejeitado, o recurso é julgado na própria turma ou câmara, mas apenas com a participação dos respectivos magistrados. Aliás, na apelação e no agravo, incide a regra do caput do artigo 555 do Código de Processo Civil: só três magistrados votam na turma ou câmara.

Portanto, não há lugar para confusão entre o incidente de uniformização de jurisprudência do artigo 476 do Código de Processo Civil e o previsto no § 1º do artigo 555 do mesmo diploma62. Na uniformização de jurisprudência, o colegiado ad quem julga apenas em tese, indica a melhor interpretação da lei, com a posterior baixa ao colegiado fracionário competente para o julgamento do recurso, ação originária ou reexame necessário, quando só então o direito é aplicado à espécie. O mesmo não ocorre no incidente de afetação do § 1º do artigo 555, já que a competência integral é transferida para o colegiado superior, com o imediato julgamento do próprio recurso63. Por outro lado, a uniformização de jurisprudência pressupõe sempre a existência de divergência, ainda que surgida verificada durante o julgamento. Já o incidente do § 1º do

60 Com a mesma opinião: BARBOSA MOREIRA. Comentários. Volume V, 11ª ed., 2003, p. 655; e CRISTIANO REIS JULIANI. A nova redação do art. 555, CPC. In Revista AJURIS, volume 89, p. 32 e 33. 61 A respeito da exceção consagrada no § 1º do artigo 555 do Código de Processo Civil, vale a pena conferir artigo específico de autoria do Professor CRISTIANO REIS JULIANI, publicado na Revista AJURIS, volume 89, páginas 29 e seguintes.62 Aliás, o incidente do artigo 476 tem natureza de prejudicial, enquanto o previsto no § 1º do artigo 555 é verdadeira preliminar. Basta lembrar que a uniformização da jurisprudência não impede o posterior julgamento do recurso, da ação originária ou do reexame necessário no próprio órgão fracionário de origem, além de ter influência direta em relação ao resultado do mesmo. Já o incidente do § 1º do artigo 555 impede o posterior julgamento do recurso na turma ou câmara, que perde totalmente a competência em favor do órgão coletivo ad quem, mas sem interferir de forma alguma no resultado do julgamento final.63 Com a mesma opinião: CRISTIANO REIS JULIANI. A nova redação do art. 555, CPC. In Revista AJURIS, volume 89, p. 34: “Se o órgão destinatário rejeitar a competência, o feito terá seu julgamento retomado no órgão de origem. Se ele aceitá-la, julgará o recurso, o que representa avanço em relação à uniformização de jurisprudência, em que o órgão uniformizador se limita a decidir a quaestio iuris objeto da divergência, sem julgar a causa, devolvendo-a ao remetente para ali ser retomado o julgamento suspenso.” (grifos aditados).

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artigo 555 pode ser suscitado quando já há dissídio jurisprudencial, mas também é admissível com a mera possibilidade de ulterior dissídio; basta a probabilidade de futura divergência para transferir a competência ex vi do § 1º. Por fim, o artigo 476 alcança qualquer processo em tribunal: recurso, ação originária e remessa obrigatória. O mesmo não acontece com o incidente do § 1º, já que restrito aos recursos, embora seja admissível em todas as espécies recursais: ao contrário do caput do artigo 555, não há limitação no § 1º quanto ao tipo de recurso64.

1.10. Enunciados da Súmula do Supremo Tribunal Federal

Prevalece no Supremo Tribunal Federal65 e na doutrina66 o entendimento de não é admissível a instauração do incidente de uniformização de jurisprudência na Corte Suprema, ao argumento de que o Regimento Interno de 1980 não trata do instituto. Fixada tal premissa, com a ressalva já exposta em tópico anterior, resta saber como são incluídos os enunciados na Súmula da Corte Suprema.

O procedimento para a inclusão, a revisão e o cancelamento de enunciados na Súmula do Supremo Tribunal Federal está previsto nos artigos 7º, inciso VII, 102, §§ 1º e 2º, e 103, do Regimento Interno de 1980.

Além de procedimento próprio, diverso do disposto nos artigos 476 a 479 do Código de Processo Civil, há outra particularidade da Súmula do Supremo Tribunal Federal. Enquanto os enunciados das súmulas dos outros tribunais seguem o disposto no Código e são aplicados de forma restrita, já que incidem de forma obrigatória apenas em relação ao caso concreto no qual houve a instauração do incidente e, quanto aos demais casos, prevalecem somente no próprio tribunal no qual houve a instauração do incidente, há importante diferença em prol dos enunciados da Súmula do Supremo Tribunal.

Os enunciados da Súmula do Supremo Tribunal Federal têm “efeito vinculante” erga omnes, desde que aprovados após o disposto na Emenda Constitucional n. 45, de 2004, com a observância do procedimento previsto no novel artigo 103-A da Constituição Federal. Ao revés, os enunciados da Súmula do Supremo Tribunal Federal aprovados antes da Emenda n. 45 sofrem as mesmas restrições daqueles submetidos ao procedimento previsto nos artigos 476 a 479 do Código de Processo Civil.

64 Em sentido conforme: BARBOSA MOREIRA. Comentários. Volume V, 11ª ed., 2003, p. 654.65 Cf. AR n. 1.198/DF, Pleno do STF, in Diário da Justiça de 17 de junho de 1988.66 Cf. PEDRO BARBOSA RIBEIRO e PAULA RIBEIRO FERREIRA. Curso. Volume I, tomo V, 1998, p. 254 e 256.

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CAPÍTULO 2 — INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE

2.1. Controle jurisdicional de constitucionalidade no direito brasileiro e incidente de inconstitucionalidade

No direito brasileiro, há dois métodos de controle jurisdicional de constitucionalidade das leis e dos atos normativos do poder público: o concentrado e o difuso. Com efeito, o nosso sistema é eclético ou misto, já que contém os dois tipos de controle de constitucionalidade67.

Consoante o disposto nos artigos 102, inciso I, alínea “a”, 103 e 125, § 2º, da Constituição Federal, reforçados pela Lei n. 9.868, de 1999, o controle concentrado é exercido por via de ação perante o Supremo Tribunal Federal e os Tribunais de Justiça, respectivamente. Já o difuso, também denominado controle por via de defesa ou exceção, é exercido por todos os juízes e tribunais do país68.

Enquanto no controle concentrado a questão constitucional é discutida principaliter69 já perante o órgão colegiado máximo do tribunal (pleno ou órgão especial), no difuso o controle da constitucionalidade é feito incidentalmente, configurando a questão verdadeira prejudicial70.

Como o artigo 97 da Constituição de 1988 e o artigo 481, parágrafo único, do Código de Processo Civil estabelecem a regra da reserva de plenário, geralmente surge, no controle difuso perante as cortes judiciárias, a

67 No mesmo sentido do texto do parágrafo: ADHEMAR MACIEL. Observações sobre o controle de constitucionalidade. In O Direito. 1998, p.180; ALEXANDRE DE MORAES. Direito constitucional. 6ª ed., 1999, p. 539 e 541; BARBOSA MOREIRA. Comentários. Volume V, 7ª ed., 1998, p. 33; CELSO BASTOS. Comentários. Volume IV, tomo III, 1997, p. 18; ERNANE FIDÉLIS. O controle. In Revista dos Tribunais, volume 661, p. 30; JOSÉ AFONSO DA SILVA. Curso. 16ª ed., 1999, p. 555 e 556; PAULO BONAVIDES. Curso. 8ª ed., 1999, p. 293; e VICENTE GRECO FILHO. Direito. Volume II, 11ª ed., 1996, p. 376 e 377. A propósito, merece ser prestigiado o pronunciamento do Ministro CARLOS VELLOSO: “Temos, pois, os dois tipos de controle de constitucionalidade, o que possibilita ao Supremo Tribunal Federal realizar o equilíbrio entre ambos, explorando as vantagens e minimizando as desvantagens de um e de outro, o que faz do sistema misto brasileiro um dos mais avançados e democráticos do mundo.” (Supremo Tribunal Federal. In Revista Del Rey, número 12, p. 18) (grifos aditados).68 De acordo: ALEXANDRE DE MORAES. Direito constitucional. 6ª ed., 1999, p. 541 e 543; BARBOSA MOREIRA. Comentários. Volume V, 7ª ed., 1998, p. 31, 33 e 34; CELSO BASTOS. Comentários. Volume IV, tomo III, 1997, p. 82; JOSÉ AFONSO DA SILVA. Curso. 16ª ed., 1999, p. 556 e 559; MANUEL ALCEU AFFONSO FERREIRA. Do processo nos tribunais. 1974, p. 158; e PAULO BONAVIDES. Curso. 8ª ed., 1999, p. 279, nota 19.69 Principalmente.70 Em sentido semelhante ao texto do parágrafo: ADA GRINOVER. Controle de constitucionalidade. In Revista de Processo, volume 90, p. 11 e 14; ALEXANDRE DE MORAES. Direito constitucional. 6ª ed., 1999, p. 542; BARBOSA MOREIRA. Comentários. Volume V, 7ª ed., 1998, p. 31 e 33; CELSO BASTOS. Comentários. Volume IV, tomo III, 1997, p. 145; ERNANE FIDÉLIS. O controle. In Revista dos Tribunais, volume 661, p. 29; JOSÉ AFONSO DA SILVA. Curso. 16ª ed., 1999, p. 556 e 559; MANUEL ALCEU AFFONSO FERREIRA. Do processo nos tribunais. 1974, p. 158 e 159; NERY JUNIOR. Código. 4ª ed., 1999, p. 936; e VICENTE GRECO FILHO. Direito. Volume II, 11ª ed., 1996, p. 377 e 378. Assim, na jurisprudência: RE n. 89.553/GO, 1ª Turma do STF, in Revista dos Tribunais, volume 554, p. 253: “Ação declaratória. Declaração incidenter tantum de inconstitucionalidade. Questão prejudicial. O controle da constitucionalidade por via incidental se impõe toda vez que a decisão da causa reclame, não podendo o juiz julgá-la com base em lei que tenha por inconstitucional, senão declará-la em prejudicial, para ir ao objeto do pedido. Recurso extraordinário conhecido e provido” (grifos aditados).

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necessidade da transferência da questão prejudicial do colegiado a quo para o órgão jurisdicional máximo do tribunal: pleno ou órgão especial — consoante o disposto nos artigos 93, inciso XI, e 97 da Constituição Federal. E tal transferência ocorre por meio do incidente de inconstitucionalidade, previsto nos artigos 480 e seguintes do Código de Processo Civil.

Em contraposição, no controle difuso de constitucionalidade efetuado por juiz de primeiro grau71 não há necessidade nem possibilidade de instauração de incidente de inconstitucionalidade72.

Em suma, o incidente de inconstitucionalidade previsto nos artigos 480 e seguintes do Código de Processo Civil é exclusivo do controle difuso de constitucionalidade realizado pelos tribunais judiciários, a fim de que seja respeitada a regra da reserva de plenário inserta no artigo 97 da Constituição Federal, para que possa ser declarada a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público.

2.2. Natureza jurídica do instituto

71 A propósito, autorizadas doutrina e jurisprudência sustentam que o juiz de primeiro grau não chega a declarar a inconstitucionalidade da lei, como ocorre nos diversos tribunais judiciários, em razão da competência exclusiva conferida pelo artigo 97 da Constituição de 1988; o juiz de primeiro grau apenas afasta a aplicação da lei que considerar inconstitucional: “A diferença é que o magistrado de primeiro grau não declara nenhuma inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, apenas afasta a sua aplicação e decide a causa segundo o seu convencimento” (JOÃO BATISTA DE ALMEIDA. A proteção jurídica. 2000, p. 246; não há o grifo no original). No mesmo sentido, na jurisprudência: “Somente aos Tribunais (órgãos judiciários colegiados) compete a declaração incidental de inconstitucionalidade de lei (total ou parcial)”. “Somente os Tribunais podem declarar incidentalmente a inconstitucionalidade de lei ou dispositivo de lei. Ao Juízo de 1º Grau, não. Se se entender que a lei ofende a Constituição ele apenas deixa de aplicá-la.” (Apelação n. 1999.01.00.048552-4/MG, 1ª Turma do TRF da 1ª Região; não há o grifo no original). Há, todavia, respeitável divergência, já que há precedente da Corte Suprema em prol da tese de que o próprio juiz de primeiro grau tem competência para a efetiva declaração da inconstitucionalidade da lei: “— O controle de constitucionalidade por via incidental se impõe toda vez que a decisão da causa o reclame, não podendo o juiz julgá-la com base em lei que tenha por inconstitucional, senão declará-la em prejudicial, para ir ao objeto do pedido.” (RE n. 89.553/GO, 1ª Turma do STF; grifos aditados). Reforça o voto do Ministro RAFAEL MAYER: “De qualquer modo, o controle de constitucionalidade, por via incidental, se impõe toda vez que a decisão da causa reclame, necessariamente, o equacionamento dessa premissa, não podendo o Juiz julgar com base em lei que tem por inconstitucional, senão tem o dever de assim declará-la em prejudicial para ir ao objeto do pedido, sob pena de denegar a prestação jurisdicional.” (não há o grifo no original). O Professor MICHEL TEMER também sustenta a tese de que o juiz de primeiro grau tem competência para a própria declaração da inconstitucionalidade: “b) o juiz singular poderá declarar a inconstitucionalidade de ato normativo ao solucionar o litígio entre as partes“ (Elementos de direito constitucional. 18ª ed., 2002, p. 43). Ainda que muito interessante a discussão acerca da competência do juiz de primeiro grau para declarar efetivamente a inconstitucionalidade da lei ou apenas negar a sua aplicação ao caso concreto, a vexata quaestio está restrita ao plano acadêmico, sem nenhuma implicação sob o enfoque pragmático, já que ambas as correntes reconhecem corretamente que o próprio juiz a quo tem competência para afastar desde logo a lei considerada inconstitucional no julgamento do caso concreto em primeira instância, sem necessidade da instauração de incidente, muito menos qualquer outra atuação prévia do tribunal. Portanto, por mais interessante que seja, trata-se de debate puramente acadêmico, pois os resultados práticos de ambas as correntes são exatamente os mesmos. Feita a ressalva da ausência de conseqüência de ordem pragmática, já é possível concluir que, do ponto de vista acadêmico, a primeira tese parece ser a melhor, pois tudo indica que o artigo 97 da Constituição e os artigos 480 e 481 do Código de Processo Civil permitem a conclusão de que apenas os tribunais têm competência para a declaração formal da inconstitucionalidade das leis e atos normativos, pelo que cabe ao juiz de primeiro grau o afastamento no caso concreto, quando deixa de aplicar a lei ou o ato normativo à espécie, mas sem a declaração formal da inconstitucionalidade.72 Como bem ensina o Professor BARBOSA MOREIRA, “o controle incidental por juízo singular não reclama disciplina processual específica” (Comentários. 2002, p. 34).

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A argüição de inconstitucionalidade prevista nos artigos 480 e seguintes do Código de Processo Civil tem natureza de incidente processual, e não de recurso. É que o instituto não tem como escopo a reforma, a cassação ou o esclarecimento da decisão recorrida, mas apenas para a fixação de tese acerca da constitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, ou não. Além do mais, a argüição de inconstitucionalidade pode ser suscitada de ofício por qualquer magistrado pertencente ao órgão julgador no tribunal. Com efeito, não há, no tocante à argüição de inconstitucionalidade, a limitação de legitimidade imposta pelo artigo 499 do Código de Processo Civil. Por fim, ao contrário dos recursos, a argüição da inconstitucionalidade não está sujeita a prazo peremptório já fixado na legislação; a inconstitucionalidade pode ser suscitada a qualquer tempo, seja oralmente ou em petição inicial, recursal ou avulsa, bem assim após o trânsito em julgado por meio da ação rescisória fundada no inciso V do artigo 485. Por tudo, é possível concluir que a argüição de inconstitucionalidade tem natureza jurídica de incidente processual de competência exclusiva dos tribunais judiciários73, o qual pode ser suscitado em grau de recurso, em sede de ação originária, na remessa necessária e também nos incidentes da competência dos tribunais (verbi gratia, conflito de competência do artigo 123 do Código de Processo Civil, uniformização de jurisprudência do artigo 476 do mesmo diploma).

2.3. Obrigatoriedade da instauração do incidente: regra. Exceção da dispensa do incidente

Suscitada a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público perante órgão fracionário de tribunal, a respectiva declaração está condicionada à instauração do incidente previsto nos artigos 480 e seguintes do Código de Processo Civil, bem como nos artigos 176 e seguintes do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, já que vigora em nosso direito a regra da reserva de plenário, consagrada no artigo 97 da Constituição de 1988.

Com efeito, os órgãos fracionários dos tribunais (verbi gratia, câmara, seção, turma) — até mesmo do Supremo Tribunal Federal, por força do § 1º do artigo 176 do Regimento Interno de 1980 — não têm competência para a

73 Não só os tribunais judiciários, mas também os tribunais de contas têm competência para a declaração da inconstitucionalidade, conforme revela o enunciado n. 347 da Súmula do Supremo Tribunal Federal: “O Tribunal de Contas, no exercício de suas atribuições, pode apreciar a constitucionalidade das leis e dos atos do Poder Público”. Não há, todavia, a instauração do incidente de inconstitucionalidade no Tribunal de Contas, pois o artigo 97 da Constituição Federal e os artigos 480, 481 e 482 do Código de Processo Civil versam apenas sobre os tribunais judiciários. Além do mais, a competência para decidir “conflito de lei ou de ato normativo do poder público com a Constituição Federal” já é da competência originária do Plenário, consoante o disposto no artigo 15, inciso I, alínea “e”, do Regimento Interno do Tribunal de Contas da União.

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declaração da inconstitucionalidade de lei ou de ato normativo do poder público, salvo quando já existe precedente do órgão jurisdicional máximo do próprio tribunal ou do plenário do Supremo Tribunal Federal acerca da questão constitucional74. Em suma, com a ressalva da exceção prevista no parágrafo único do artigo 481 do Código de Processo Civil, compete apenas ao órgão jurisdicional máximo (vale dizer, pleno ou órgão especial) das cortes judiciárias declarar a inconstitucionalidade incidental de lei ou ato normativo. E, fora das hipóteses do parágrafo único do artigo 481, há error in procedendo passível de cassação quando o próprio órgão fracionário (verbi gratia, turma, seção, câmara, grupo de câmaras, câmaras reunidas) declara a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo75.

Já a declaração de constitucionalidade não está sujeita à regra da reserva de plenário e pode ser efetuada desde logo pelos próprios órgãos fracionários dos tribunais76. Nem poderia ser diferente, pois há a presunção da constitucionalidade das leis e dos atos normativos do poder público.

2.4. Alcance da expressão “lei ou ato normativo do poder público”

À luz do artigo 97 da Constituição Federal e do artigo 480 do Código de Processo Civil, a argüição de inconstitucionalidade pode ter como alvo “lei ou ato normativo do poder público”. Tal expressão alcança as emendas à Constituição, as leis complementares, as leis ordinárias, as leis delegadas, as medidas provisórias, os decretos do Poder Executivo, os decretos legislativos, as resoluções, os regimentos internos dos tribunais e os demais atos

74 No mesmo sentido: THEOTONIO NEGRÃO. Código. 30ª ed., 1999, p. 26, nota 2a: “Se o Pleno do Tribunal (ou do STF) já se manifestou anteriormente pela inconstitucionalidade de determinada lei ou ato normativo, não há necessidade de remessa dos autos a ele pela Turma, para que novamente aprecie a questão (CPC 481 § ún.)”.75 No mesmo sentido: RE n. 353.593, 1ª Turma do STF, in Diário da Justiça de 29 de novembro de 2002: “— Recurso extraordinário. Art. 97 da Constituição. — Esta Primeira Turma, ao julgar o RE 140.948, assim decidiu: ‘Controle difuso de inconstitucionalidade: reserva de plenário (CF, art. 97): inteligência. Tem-se difundido, nos Tribunais, a prática de aplicação aos casos concretos posteriores, pelos seus órgãos parciais, da precedente declaração de inconstitucionalidade, dispensando-se nova remessa da mesma questão ao Plenário; é inadmissível, porém, que Turma de Tribunal Regional Federal, cujo Plenário ainda não se tenha pronunciado a respeito, substitua a remessa pela invocação de decisão plenária do extinto Tribunal Federal de Recursos.’ Dessa orientação divergiu o acórdão recorrido. Recurso extraordinário conhecido e provido." (grifos aditados). A propósito, merece ser prestigiado outro didático precedente da Corte Suprema: “Controle de constitucionalidade: reserva de plenário (art. 97 da Constituição Federal). Inobservância. Recurso extraordinário provido, para cassar a decisão recorrida, a fim de que seja a questão de inconstitucionalidade submetida ao órgão competente.” (RE n. 319.181, 1ª Turma, in Diário da Justiça de 28 de junho de 2002; não há o grifo no original).76 Assim: ALEXANDRE DE MORAES. Direito constitucional. 6ª ed., 1999, p. 543; BARBOSA MOREIRA. Comentários. Volume V, 7ª ed., 1998, p. 40; CELSO BASTOS. Comentários. Volume IV, tomo III, 1997, p. 82; HUMBERTO THEODORO JÚNIOR. Curso. Volume I, 19ª ed., 1997, p. 628, item 598; e ROGÉRIO LUZ COELHO. A mitigação da cláusula de reserva de plenário. p. 19: “Por outro lado, é imperioso ressaltar que, não reconhecida a inconstitucionalidade pela turma ou câmara, ou seja, rejeitada a alegação, prosseguirá o julgamento normalmente, até porque, a contrário senso do que determina o dispositivo, a constitucionalidade pode ser reconhecida pelo órgão fracionário (turma ou câmara)”.

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normativos (vale dizer, genéricos e abstratos) provenientes do poder público77. Não é só. O incidente pode ser instaurado para a declaração da inconstitucionalidade de toda e qualquer “lei”, e não apenas da lei federal. Tanto a legislação estadual quanto a municipal também podem ser objeto da argüição78. Na mesma esteira, até mesmo as Constituições estaduais podem ser alvo da argüição79.

Por fim, pode ser discutida no incidente a inconstitucionalidade tanto em face da Constituição Federal como também em relação às Constituições Estaduais e à Lei Orgânica do Distrito Federal, e sob os enfoques das inconstitucionalidades formal e material. A inconstitucionalidade é formal quando ocorre o desrespeito às exigências previstas na Constituição para a produção legislativa80. É material a inconstitucionalidade quando o próprio conteúdo de preceito constitucional não é observado, com o conseqüente conflito sob o aspecto substancial entre a norma infraconstitucional e dispositivo constitucional, em razão do descompasso do próprio teor do preceito infraconstitucional com o texto constitucional81. Portanto, tanto a inconstitucionalidade formal como a inconstitucionalidade material ensejam o controle de constitucionalidade82. Já mera ilegalidade não dá ensejo à instauração do incidente83. O mesmo ocorre em relação à incompatibilidade de

77 Em sentido semelhante: BARBOSA MOREIRA. Comentários. Volume V, 7ª ed., 1998, p. 36; HUMBERTO THEODORO JÚNIOR. Curso. Volume I, 19ª ed., 1997, p. 627 e 628, item 595; e MICHEL TEMER. Elementos. 14ª ed., 1998, p. 49.78 De acordo: BARBOSA MOREIRA. Comentários. Volume V, 7ª ed., 1998, p. 36; e HUMBERTO THEODORO JÚNIOR. Curso. Volume I, 19ª ed., 1997, p. 628, item 595.79 Em igual sentido: HUMBERTO THEODORO JÚNIOR. Curso. Volume I, 19ª ed., 1997, p. 628, item 595.80 Eis alguns exemplos: “Provimento de Tribunal de Justiça que proíbe os juízes de se ausentarem das comarcas, sob pena de perda dos subsídios: matéria reservada à Lei Complementar. Procedência da ação direta para declarar a inconstitucionalidade formal do provimento impugnado” (ADI n. 3.053/PA, Pleno do STF, in Diário da Justiça de 17 de dezembro de 2004, p. 32). “— O desrespeito à cláusula de iniciativa reservada das leis, em qualquer das hipóteses taxativamente previstas no texto da Carta Política, traduz situação configuradora de inconstitucionalidade formal, insuscetível de produzir qualquer conseqüência válida de ordem jurídica. A usurpação da prerrogativa de iniciar o processo legislativo qualifica-se como ato destituído de qualquer eficácia jurídica, contaminando, por efeito de repercussão causal prospectiva, a própria validade constitucional da lei que dele resulte” (ADI n. 2.364/AL – MC, Pleno do STF, in Diário da Justiça de 14 de dezembro de 2001, p. 23).81 Eis alguns exemplos: “— Por outro lado, procede, também, a argüição de inconstitucionalidade material do artigo 3º da mesma Lei Distrital, porquanto ele determina que, nos novos cargos de fiscal tributário, haja o aproveitamento dos servidores dos cargos extintos de técnico tributário, sem, portanto, a prévia aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos como exige, para a investidura, que não mais se limita à primeira, de cargo ou emprego público, o disposto no inciso II do artigo 37 da Constituição” (ADI n. 1.677/DF, Pleno do STF, in Diário da Justiça de 28 de março de 2003, p. 61). “Há, porém, vício de inconstitucionalidade material, pois o inciso III do § 3º artigo 18 da lei contém requisito relativo a limites mínimo e máximo de idade, para nomeação de Advogado a cargo de Magistrado de Tribunal Estadual, não prevista no inciso IV do artigo 144 da Constituição Federal” (RP n. 1.202/MG, Pleno do STF, in Diário da Justiça de 5 de dezembro de 1986, p. 24.079).82 No mesmo sentido: GILMAR FERREIRA MENDES. Controle de constitucionalidade. 1990, p. 28: “Costuma-se proceder à distinção entre inconstitucionalidade material e formal, tendo em vista a origem do defeito que macula o ato questionado. Os vícios formais afetam o ato normativo singularmente considerado, independentemente de seu conteúdo, referindo-se, fundamentalmente, aos pressupostos e procedimentos relativos à sua formação. Os vícios materiais, dizem respeito ao próprio conteúdo do ato, originando-se de um conflito com princípios estabelecidos na Constituição”.83 De acordo: ERNANE FIDÉLIS. Manual. Volume I, 6ª ed., 1998, p. 608. Por ser didático, merece ser transcrito o seguinte trecho da ementa de acórdão proferido pelo Pleno do STF, publicado na RTJ, volume 160, p. 806: “Decreto regulamentar não está sujeito ao controle de constitucionalidade, dado que,

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lei antiga à luz de Constituição superveniente84. O eventual aproveitamento da legislação anterior ocorre em virtude da técnica da recepção85. As leis incompatíveis com a nova Constituição são simplesmente revogadas86, nos termos do artigo 2º, §§ 1º e 2º, do Decreto-lei n. 4.657, de 1942, diploma de regência dos conflitos de direito intertemporal87.

2.5. Legitimidade para suscitar o incidente de inconstitucionalidade

se o decreto vai além do conteúdo da lei, pratica ilegalidade e não inconstitucionalidade. Somente na hipótese de não existir lei que preceda o ato regulamentar é que poderia este ser acoimado de inconstitucional, assim sujeito ao controle de constitucionalidade”.84 Em sentido semelhante: ADI n. 21/DF, Pleno do STF, in Diário da Justiça de 21 de novembro de 1997: “O vício da inconstitucionalidade é congênito à lei e há de ser apurado em face da Constituição vigente ao tempo de sua elaboração. Lei anterior não pode ser inconstitucional em relação à Constituição superveniente; nem o legislador poderia infringir Constituição futura. A Constituição sobrevinda não torna inconstitucionais leis anteriores com ela conflitantes: revoga-as” (não há o grifo no original).85 A propósito, merecem ser sempre prestigiadas as lições do saudoso Professor Emérito RAUL MACHADO HORTA: “A validez e a vigência das normas compatíveis passam a encontrar fundamento na Constituição nova. A compatibilidade entre normas do ordenamento antigo e a nova Constituição, que estabelece o ordenamento novo, caracteriza o que Kelsen denominou de fenômeno de recepção. O novo ordenamento, segundo Kelsen, adota nas normas do antigo ordenamento, atribuindo validade e vigência às normas nele introduzidas pelo processo de recepção. Opera-se uma transferência do fundamento de validez da norma, que abandona a Constituição extinta e passa a vincular-se à Constituição nova.” (Estudos de direito constitucional. 1995, p. 228 e 229; e Direito constitucional. 4ª ed., 2003, p. 202 e 203; não há os grifos nos originais). Por oportuno, vale a pena conferir a também a didática lição do Professor MICHEL TEMER: “A Constituição nova recebe a ordem normativa que surgiu sob o império de Constituições anteriores se com ela for compatível. É o fenômeno da recepção, que se destina a dar continuidade às relações sociais sem necessidade de nova, custosa, difícil e quase impossível manifestação legislativa ordinária. Ressalte-se, porém, que a nova ordem constitucional recepciona os instrumentos normativos anteriores dando-lhes novo fundamento de validade e, muitas vezes, nova roupagem. Explica-se: com o advento de nova Constituição, a ordem normativa anterior, comum, perde seu antigo fundamento de validade para, em face da recepção, ganhar novo suporte. Da mesma forma, aquela legislação, ao ser recebida, ganha a natureza que a Constituição nova atribuiu a atos regentes de certas matérias. Assim, leis anteriores tidas por ordinárias podem passar a complementares; decretos-leis podem passar a ter a natureza de leis ordinárias; decretos podem obter característica de leis ordinárias. O Dec 24.643, de 1934, é o Código das Águas. Foi produzido ao tempo em que os decretos do Poder Executivo tinham força de lei. Foi recebido por todas as ordens constitucionais posteriores. Hoje a disciplina dessa matéria é fornecida pela lei; daí sua natureza legal.” (Elementos de direito constitucional. 20ª ed., 2005, p. 38 e nota 13; não há os grifos no original).86 A propósito, merecem ser sempre lembradas as lições do saudoso Professor Catedrático RAUL MACHADO HORTA: “É complexa a regulação do convívio entre a Constituição nova e a legislação ordinária anterior. Em princípio, a Constituição não cancela as normas jurídicas anteriores, pois isto equivaleria a instaurar o caos e a insegurança total nas relações jurídicas. As antinomias entre o Direito Constitucional novo e o Direito pré-constitucional, para usarmos a terminologia de Gomes Canotilho, resolvem-se na via da revogação, de modo a prevalecer o critério hierárquico ou da hierarquia de normas no conflito entre atos normativos de categorias diferentes, isto é, entre norma constitucional e norma ordinária. A revogação da norma anterior pressupõe a incompatibilidade entre ela e a Constituição, de modo que as normas compatíveis subsistirão no ordenamento jurídico.” (Estudos de direito constitucional. 1995, p. 228 e 229; e Direito constitucional. 4ª ed., 2003, p. 202 e 203; não há os grifos nos originais). No mesmo sentido, na jurisprudência: “Lei anterior não pode ser inconstitucional em relação à Constituição superveniente; nem o legislador poderia infringir Constituição futura. A Constituição sobrevinda não torna inconstitucionais leis anteriores com ela conflitantes: revoga-as” (ADI n. 21/DF, Pleno do STF, in Diário da Justiça de 21 de novembro de 1997; não há o grifo no original).87 A respeito do tema, merece ser prestigiado didático voto-condutor proferido pelo Ministro PAULO BROSSARD: “É por essa singelíssima razão que as leis anteriores à Constituição não podem ser inconstitucionais em relação a ela, que só mais tarde veio a ter existência. Se entre ambas houver inconciliabilidade, ocorrerá revogação, dado que, por outro princípio elementar, a lei posterior revoga a lei anterior com ela incompatível e a lei constitucional, por ser constitucional não deixa de ser lei e como lei que é, revoga as leis a ela anteriores que se lhe oponham. Num caso o problema é de direito constitucional, em outro é de direito intertemporal. Com efeito, a Constituição superveniente revoga a

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As partes, o Ministério Público e os magistrados que integram o órgão fracionário julgador têm legitimidade para requerer a instauração do incidente de declaração de inconstitucionalidade88.

A argüição da inconstitucionalidade na via incidental pode ser suscitada pelas partes por meio de petição inicial, recursal e avulsa, assim como na sustentação oral prevista no artigo 554 do Código de Processo Civil. O Ministério Público também pode requerer a instauração do incidente em petição avulsa, oralmente e até mesmo em parecer oferecido na qualidade de fiscal da lei. Por fim, qualquer juiz com assento no órgão julgador igualmente tem legitimidade para suscitar de ofício o incidente ao proferir o respectivo voto na sessão de julgamento do recurso, da ação originária, do reexame obrigatório ou do incidente da competência do tribunal (verbi gratia, conflito de competência do artigo 123 do Código de Processo Civil, uniformização de jurisprudência do artigo 476 do mesmo diploma).

2.6. Procedimento do incidente de inconstitucionalidade

A teor do artigo 480 do Código de Processo Civil, suscitada a inconstitucionalidade por qualquer das partes, o relator deve colher o parecer do Ministério Público e, posteriormente, submeter a prejudicial à apreciação do órgão fracionário competente para o reexame necessário ou para julgar o recurso, a ação originária ou o incidente processual em que houve a argüição da inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo do poder público. Quando a inconstitucionalidade é suscitada pelo relator ou por qualquer juiz com assento no órgão fracionário, ao Ministério Público igualmente deve ser concedida a oportunidade de manifestação, a qual pode ser oral ou por escrito.

Após, cabe ao órgão fracionário do tribunal examinar a alegação de inconstitucionalidade. Se rejeitá-la, adotando a tese da constitucionalidade, o próprio colegiado a quo dá prosseguimento ao julgamento do recurso, da ação originária, do reexame obrigatório ou do incidente processual, conforme o caso. Portanto, os órgãos fracionários têm competência para declarar a constitucionalidade de lei ou de ato normativo, independentemente do pronunciamento do pleno ou do órgão especial do tribunal89.

legislação anterior com ela incompatível não por ser superior, mas por ser posterior.” (ADI n. 36/RS, Pleno do STF, in Diário da Justiça de 14 de junho de 1991; não há os grifos no original).88 Em sentido semelhante ao texto do tópico: ADHEMAR MACIEL. Observações sobre o controle de constitucionalidade. In O Direito. 1998, p.174; BARBOSA MOREIRA. Comentários. Volume V, 7ª ed., 1998, p. 37 e 38; ERNANE FIDÉLIS. Manual. Volume I, 6ª ed., 1998, p. 608; HUMBERTO THEODORO JÚNIOR. Curso. Volume I, 19ª ed., 1997, p. 628; e NELSON NERY JUNIOR. Código. 2ª ed., 1996, p. 857. 89 Com igual entendimento: ROGÉRIO LUZ COELHO. A mitigação da cláusula de reserva de plenário. p. 19: “Por outro lado, é imperioso ressaltar que, não reconhecida a inconstitucionalidade pela turma ou câmara, ou seja, rejeitada a alegação, prosseguirá o julgamento normalmente, até porque, a contrário senso do que determina o dispositivo, a constitucionalidade pode ser reconhecida pelo órgão fracionário

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Acolhida a alegação de inconstitucionalidade pelo órgão fracionário, lavra-se o respectivo acórdão, nos termos do caput do artigo 481 do Código de Processo Civil. Já o § 1º do artigo 176 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, dispensa a redação de acórdão específico para a instauração do incidente de inconstitucionalidade. Trata-se de exceção à regra contida no artigo 481, a qual é válida para os demais tribunais pátrios. Quanto ao Supremo Tribunal Federal, todavia, prevalece a exceção consubstanciada no § 1º do artigo 176, já que o respectivo Regimento Interno de 1980 é posterior ao Código de 1973, além de igualmente ter força de lei federal, por ter sido elaborado na vigência da Emenda n. 7, de 1977.

Em seguida, a questão prejudicial é submetida à apreciação do órgão jurisdicional máximo do tribunal, colegiado competente para julgar o incidente, bem como para declarar a inconstitucionalidade, consoante o disposto no artigo 97 da Constituição de 1988, no artigo 481, caput, parte final, do Código, e nos artigos 6º, inciso II, alínea “a”, e 176, §§ 1º e 2º, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.

A secretaria do tribunal deve, em cumprimento ao caput do artigo 482 do Código de Processo Civil, remeter fotocópias do acórdão proferido pelo órgão fracionário aos componentes do órgão jurisdicional máximo do tribunal: pleno ou órgão especial.

O caput do artigo 482 também revela que compete ao presidente do tribunal designar o dia do julgamento do incidente de inconstitucionalidade. Enquanto o incidente de inconstitucionalidade é processado, fica sobrestado o julgamento do recurso, da ação originária, do reexame necessário ou do outro incidente processual no qual houve a argüição da inconstitucionalidade.

Por força dos §§ 1º, 2º e 3º do artigo 482 do Código, acrescentados pela Lei n. 9.868, de 1999, tanto o Ministério Público como os terceiros indicados nos mencionados parágrafos podem apresentar petição com manifestação acerca da questão constitucional veiculada no incidente.

À luz do artigo 97 da Constituição Federal, compete ao pleno ou ao órgão especial do tribunal julgar a alegação de inconstitucionalidade acolhida pelo colegiado a quo. A inconstitucionalidade só pode ser declarada pelo voto da maioria absoluta dos magistrados que integram o órgão jurisdicional máximo do tribunal90. Tem-se por maioria absoluta o primeiro número inteiro logo após a metade91 dos componentes do pleno ou do órgão especial — e não metade

(turma ou câmara)”.90 No mesmo sentido: JOSÉ CRETELLA JÚNIOR. Comentários à Constituição. 3ª ed., 1992, p. 3.040: “Determina a regra jurídica constitucional que, do mesmo modo que a lei, poderá todo ato normativo do poder público ser declarado inconstitucional pelo voto da maioria absoluta dos membros (não dos presentes) integrantes do colegiado julgador do anátema argüido.” (não há o grifo no original).91 Com a mesma opinião, na doutrina: BARBOSA MOREIRA. Comentários ao Código. Volume V, 7ª ed., 1998, p. 45; CELSO RIBEIRO BASTOS. Comentários à Constituição. Volume IV, tomo III, 1997, p. 81; e MÁRIO GUIMARÃES. O juiz e a função jurisdicional. 1958, p. 374: “Maioria absoluta, ensina-se geralmente, é a metade mais um. A definição falha, porém, quando o número de votantes fôr ímpar — 11, por exemplo. Qual, então, a maioria absoluta? Seis ou sete? Viu-se o Supremo Tribunal Federal, várias vêzes, em face dessa dificuldade e decidiu que maioria absoluta de 11 é seis. Exigir que fôsse sete, seria

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mais um, como sustenta autorizada doutrina92. Portanto, no Supremo Tribunal Federal, Corte composta por onze ministros, tem-se a maioria absoluta pelo voto de seis deles no mesmo sentido. É o que estabelece o artigo 173 do Regimento Interno de 1980, aplicável ao incidente de inconstitucionalidade por força do artigo 176.

Não é possível confundir a exigência da maioria absoluta para a declaração de inconstitucionalidade com a do quorum mínimo para a realização do julgamento, que recebe a denominação de quorum constitutivo93.

Segundo o parágrafo único do artigo 172 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, há a necessidade, para a realização do julgamento do incidente de inconstitucionalidade pela Corte Especial, da presença de dois terços dos membros do órgão julgador. É o quorum constitutivo. Mas a inconstitucionalidade pode ser declarada pelo voto da maioria absoluta dos componentes do órgão especial: quorum deliberativo.

No Supremo Tribunal Federal, o quorum constitutivo de julgamento no Plenário acerca de matéria constitucional é de oito ministros. Basta, todavia, a maioria absoluta para a declaração de inconstitucionalidade. Portanto, a declaração de inconstitucionalidade depende do voto de seis ministros94. É o que se infere do disposto nos artigos 143, parágrafo único, e 173 do Regimento Interno de 1980, aplicáveis ao incidente de inconstitucionalidade por força do artigo 176.

Julgado o incidente de inconstitucionalidade, fixada a tese pelo pleno ou pelo órgão especial, os autos retornam ao órgão fracionário primitivo (verbi gratia, turma, câmara, seção, grupo), o qual julga o recurso, a ação originária, o reexame necessário ou o outro incidente processual, com a aplicação obrigatória da solução dada pelo pleno ou órgão superior à espécie.

2.7. Efeitos do julgamento do incidente de inconstitucionalidade

fazer prevalecer, sôbre o voto dos seis juízes que votaram num sentido, a opinião dos cinco, que ficaram derrotados. Maioria absoluta é, pois, mais rigorosamente definido, a representada pelo número imediatamente superior à metade”. Ainda no mesmo sentido, na jurisprudência: RE n. 68.419/MA, Pleno do STF, in Diário da Justiça de 15 de maio de 1970, p. 1.981: “Maioria absoluta. Sua definição, como significando metade mais um, serve perfeitamente quando o total é número par. Fora daí, temos que recorrer à verdadeira definição, a qual, como advertem SCIALOJA e outros, deve ser esta, que serve, seja par ou ímpar o total: maioria absoluta é o número imediatamente superior à metade. Assim, maioria absoluta de quinze são oito, do mesmo modo que, de onze (número de juízes do Supremo Tribunal), são seis, e sobre isso não se questiona, nem se duvida aqui.” (não há o grifo no original).92 Cf. ERNANE FIDÉLIS. Manual. Volume I, 6ª ed., 1998, p. 608, n. 848; e PONTES DE MIRANDA. Comentários. Tomo VI, 3ª ed., 1998, p. 30.93 Assim: AMÂNCIO FERREIRA. Manual. 2000, p. 214.94 Em sentido conforme: SYDNEY SANCHES. Aspectos processuais do controle de constitucionalidade. 1996, p. 69: “No Supremo Tribunal Federal, integrado por onze ministros, o julgamento se realiza com quorum (mínimo) de oito e a constitucionalidade ou inconstitucionalidade somente se declara se num ou noutro sentido se tiverem manifestado seis Ministros (art. 173 do RISTF)” (não há o grifo no original). “É de seis, a maioria absoluta dos juízes do Supremo Tribunal para declarar a invalidade de leis atentatórias da Constituição” (Rp n. 106/GO, Pleno do STF, in Diário da Justiça de 27 de setembro de 1951, p. 2.989; não há o grifo no original).

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Ao contrário do controle concentrado, o qual produz efeitos erga omnes por força do artigo 102, § 2º, da Constituição Federal, com a redação determinada pela Emenda Constitucional n. 45, de 2004, reforçado pelo parágrafo único do artigo 28 da Lei n. 9.868, de 1999, o julgamento proferido no incidente de inconstitucionalidade alcança apenas as partes, ou seja, tem somente efeitos inter partes, o que é explicável por ser o controle de constitucionalidade efetuado pelo critério difuso95. Assim, eventual declaração de inconstitucionalidade no incidente atinge apenas as partes envolvidas no litígio, enquanto os terceiros continuam sofrendo as conseqüências jurídicas da lei ou do ato normativo96.

A regra da limitação dos efeitos às partes, todavia, está sujeita à exceção prevista no artigo 52, inciso X, da Constituição de 1988. O preceito constitucional confere ao Senado Federal competência para suspender a execução da lei declarada inconstitucional pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal no controle difuso97. Com efeito, a ampliação dos efeitos da inconstitucionalidade declarada incidentalmente depende da edição de resolução pelo Senado. Após a publicação da resolução que suspende a execução da lei, a declaração de inconstitucionalidade proferida pelo Supremo Tribunal Federal no controle difuso passa a ter efeitos erga omnes98.

Há importante diferença entre a declaração incidental de inconstitucionalidade e a suspensão da execução da lei pelo Senado Federal. A declaração incidental de inconstitucionalidade tem efeitos ex tunc apenas relação às partes. Então, todos os atos praticados com esteio na lei são

95 Assim: ADI n. 91/SE, Pleno do STF, in Diário da Justiça de 23 de março de 2001, p. 83: “Até porque a declaração incidental só é possível no controle difuso de constitucionalidade, com eficácia inter partes, sujeita, ainda, à deliberação do Senado no sentido suspensão definitiva da vigência do diploma, ou seja, para alcançar eficácia erga omnes”.96 Como bem ensina o Professor PAULO BONAVIDES, “o julgamento não ataca a lei em tese ou in abstracto, nem importa o formal cancelamento das suas disposições, cuja aplicação fica unicamente tolhida para a espécie demandada.” (Curso. 13ª ed., p. 303).97 Em contraposição, no controle concentrado não há atuação do Senado Federal, pois o julgamento do Pleno do Supremo Tribunal Federal tem efeitos erga omnes, ex tunc e vinculante.98 Em sentido conforme, na jurisprudência: ADI n. 91/SE, Pleno do STF, in Diário da Justiça de 23 de março de 2001, p. 83: “Até porque a declaração incidental só é possível no controle difuso de constitucionalidade, com eficácia inter partes, sujeita, ainda, à deliberação do Senado no sentido suspensão definitiva da vigência do diploma, ou seja, para alcançar eficácia erga omnes”. Também no mesmo sentido, na doutrina: “Hoje, a resolução do Senado suspensiva da execução da lei declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, que é prevista no artigo 52, inciso X, da Constituição Federal, gera dois efeitos indiscutíveis. No âmbito do direito material, suspende a eficácia da lei inconstitucional, que deixa imediatamente de ser aplicada. A se tratar, por exemplo, de um norma instituidora de imposto, a resolução impede, desde a sua publicação, que o tributo seja cobrado. Já no campo do direito processual, fará com que qualquer pessoa que se bata, em juízo, contra a lei constitucional, seja favorecida com uma decisão positiva. Assim, se a decisão do Supremo Tribunal Federal disser respeito à criação de um imposto, a sua declaração de inconstitucionalidade, que inicialmente beneficiou apenas a parte em litígio, deverá ser aplicada a todos os que que discutirem em juízo a legitimidade do tributo, depois que a lei tiver sua execução suspensa pelo Senado. A resolução funciona, portanto, como um instrumento garantidor da segurança jurídica, na medida em que estende, a todos, os efeitos da decisão do Supremo Tribunal Federal que originariamente só se aplicavam às partes do processo.” (CLÈMERSON MERLIN CLÈVE. Crédito-prêmio de IPI e a resolução do Senado Federal. In Correio Braziliense, Direito & Justiça, de 27 de fevereiro de 2006, p. 1).

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alcançados. Há a retroação integral até o advento do diploma inconstitucional. Já a resolução do Senado não tem tal força retroativa. A suspensão da execução da lei tem apenas efeitos ex nunc99.

Outra exceção à regra da limitação dos efeitos somente às partes reside no parágrafo único do artigo 481 do Código de Processo Civil. Por força do preceito, o órgão fracionário (verbi gratia, turma, câmara, seção, grupo, câmaras reunidas) pode desde logo declarar a inconstitucionalidade quando houver precedente do pleno ou do órgão especial do próprio tribunal ou do Plenário do Supremo Tribunal Federal. Também aqui os efeitos do julgamento do incidente de inconstitucionalidade atingem terceiros, ainda que de forma indireta.

2.8. Da recorribilidade

Resta, para concluir o tópico destinado ao estudo do incidente de inconstitucionalidade, analisar a recorribilidade.

Em primeiro lugar, não cabe recurso extraordinário contra acórdão proferido pelo plenário ou pelo órgão especial do tribunal a quo em incidente de inconstitucionalidade. Justifica-se tal conclusão por não preencher o julgamento do incidente a exigência inserta no inciso III do artigo 102 da Constituição Federal: “causas decididas”. Além do mais, a sucumbência que impulsiona o recurso extraordinário surge após a aplicação da tese à espécie, o que ocorre apenas com o julgamento final realizado pelo órgão fracionário. Tal raciocínio igualmente impede a imediata interposição de recurso ordinário contra acórdão proferido em incidente de inconstitucionalidade. A propósito, merece ser prestigiado o enunciado n. 513 da Súmula do Supremo Tribunal Federal: “A decisão que enseja a interposição de recurso ordinário ou extraordinário não é a do plenário, que resolve o incidente de inconstitucionalidade, mas a do órgão (Câmaras, Grupos ou Turmas) que completa o julgamento do feito”100. Portanto, não cabem extraordinário e

99 No mesmo sentido: ADA PELLEGRINI GRINOVER. Controle de constitucionalidade. In Revista de Processo, volume 90, p. 12, 13 e 14; e ALEXANDRE DE MORAES. Direito constitucional. 7ª ed., 2000, p. 565: “A Constituição, porém, previu um mecanismo de ampliação dos efeitos da declaração incidental de inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal (CF, art. 52, X). Assim, ocorrendo essa declaração, como já visto, o Senado Federal poderá editar uma resolução suspendendo a execução no todo ou em parte, da lei ou ato normativo declarado inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal, que terá efeitos erga omnes, porém, ex nunc, ou seja, a partir da publicação da citada resolução”.Ao contrário, há autorizada doutrina em prol de efeitos ex tunc: “Concluindo: a resolução do Senado Federal suspendendo a eficácia da lei declarada inconstitucional pelo STF, no que tange aos seus efeitos, eqüivale à sentença de procedência de uma ação direta de inconstitucionalidade.” (BRUNO NOURA DE MORAES RÊGO. Ação rescisória. 2001, p. 272).100 De acordo, na doutrina: BARBOSA MOREIRA. Comentários. Volume V, 7ª ed., 1998, p. 46, 47 e 572; NELSON NERY JUNIOR. Código. 2ª ed., 1996, p. 206 e 857; e VICENTE GRECO FILHO. Direito. Volume II, 11ª ed., 1996, p. 378. Assim, na jurisprudência: Ag n. 138.000/AM — AgRg, 1ª Turma do STF, in Diário da Justiça de 7 de fevereiro de 1992: “A decisão definitiva, susceptível de RE, não é a decisão plenária da questão prejudicial de inconstitucionalidade, mas a que, depois, no órgão competente, a aplica ao caso

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ordinário contra acórdão proferido em incidente de inconstitucionalidade; os recursos são cabíveis apenas para a impugnação do posterior julgamento prolatado pelo órgão fracionário.

Quanto aos embargos infringentes, também não há o cabimento contra acórdão proferido em incidente de inconstitucionalidade, ainda que por maioria de votos. O verbete n. 293 da Súmula da Corte Suprema reforça: “São inadmissíveis embargos infringentes contra decisão em matéria constitucional submetida ao plenário dos tribunais”. Aliás, a questão constitucional solucionada no incidente não pode ser veiculada em embargos infringentes nem mesmo após o julgamento da apelação ou da ação rescisória. É o que se infere do correto enunciado n. 455 da Súmula do Supremo Tribunal Federal: “Da decisão que se seguir ao julgamento de constitucionalidade pelo Tribunal Pleno, são inadmissíveis embargos infringentes quanto à matéria constitucional”. Sem dúvida, os embargos infringentes só serão cabíveis após o julgamento do colegiado a quo de provimento da apelação interposta contra sentença de mérito ou de procedência da rescisória, mas apenas em relação ao dissenso ocorrido perante o órgão fracionário acerca de outras questões, conforme se infere do artigo 530 do Código de Processo Civil. Em nenhum caso a questão constitucional solucionada no julgamento do incidente pode ser veiculada em embargos infringentes, como bem revelam os enunciados 293 e 455 da Súmula da Corte Suprema.

Por fim, como qualquer decisão, a proferida em julgamento de incidente de inconstitucionalidade pode ser impugnada por meio de embargos de declaração101. Realmente, os declaratórios são o único recurso cabível contra o acórdão prolatado no incidente de inconstitucionalidade.

concreto para julgar a causa ou o recurso”. Na mesma linha: RE n. 100.280/MG, Pleno do STF, in Diário da Justiça de 19 de março de 1993, p. 4.281: “— Recurso extraordinário. Súmula 513. Nos termos da Súmula 513 são descabidos os dois primeiros recursos: enseja a interposição do extraordinário a decisão que completa o julgamento do feito, não a decisão do plenário que resolve o incidente de inconstitucionalidade”.101 Em sentido conforme: BARBOSA MOREIRA. Comentários. Volume V, 8ª ed., 1999, p. 47.Com outra opinião, com a sustentação da tese de que é irrecorrível o acórdão proferido no incidente de inconstitucionalidade: HUMBERTO THEODORO JÚNIOR. Curso. Volume I, 19ª ed., 1997, p. 629, item 599.

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CAPÍTULO 3 — HOMOLOGAÇÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA

3.1. Conceito

A homologação de sentença estrangeira é a ação de natureza constitutiva de competência originária do Superior Tribunal de Justiça (artigo 105, inciso I, alínea “i”, da Constituição Federal), cujo escopo é conferir eficácia às decisões proferidas por juízos e tribunais estrangeiros também no Brasil (artigo 17 do Decreto-lei n. 4.657, de 1942 — Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro, artigo 483 do Código de Processo Civil e artigos 787 e 790 do Código de Processo Penal). A propósito, reforça o caput do artigo 4º da Resolução n. 9, de 2005: “A sentença estrangeira não terá eficácia no Brasil sem a prévia homologação pelo Superior Tribunal de Justiça ou por seu Presidente”.

3.2. Competência

Com o advento da Emenda Constitucional n. 45, de 2004, a competência para a ação de homologação de sentença estrangeira foi transferida do Supremo Tribunal Federal para o Superior Tribunal de Justiça. A competência do Superior Tribunal de Justiça, todavia, restringe-se ao juízo de delibação102, no qual não há novo e integral julgamento da anterior ação, mas somente a verificação da compatibilidade da decisão estrangeira com a soberania, a ordem pública e os bons costumes nacionais (artigo 17 do Decreto-lei n. 4.657, de 1942 — Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro, artigo 781 do Código de Processo Penal e artigo 6º da Resolução n. 9, de 2005).

Em regra, compete ao Ministro-Presidente do Superior Tribunal de Justiça homologar as decisões estrangeiras, mediante decisão monocrática (artigos 2º e 4º da Resolução n. 9, de 2005). Porém, se a ação de homologação for contestada pelo réu ou pelo respectivo curador especial, a competência para o julgamento será transferida para a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, com a distribuição a outro Ministro, o qual será o Relator (artigo 9º, § 1º, da Resolução n. 9, de 2005).

102 “JUÍZO DE DELIBAÇÃO. Dir. Proc. Expressão empregada para designar o órgão que dá início a um processo a fim de ter seguimento em juízo inferior; mais adequadamente, o juízo de homologação da sentença estrangeira, quando importar em execução no Brasil. OBS. O qualificativo advém do lat. delibatio, na acep. de encetar, principiar. Cf. CF, art. 109 (X).” (OTHON SIDOU. Dicionário jurídico: Academia Brasileira de Letras Jurídicas. 9ª ed., 2004, p. 482 e 483; não há o grifo no original).

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3.3. Conceito de sentença estrangeira e objeto da ação de homologação.

Além das decisões proferidas por juízos e tribunais estrangeiros propriamente ditos, os atos administrativos realizados no exterior e que, no Brasil, são da competência do Poder Judiciário, também dependem da ação de homologação para que tenham eficácia no território nacional103. Com efeito, além das decisões jurisdicionais, os atos administrativos equiparados igualmente não têm eficácia no Brasil sem a prévia ação de homologação, a qual é indispensável tanto para as sentenças estrangeiras próprias quanto para as impróprias104.

A regra de que os atos decisórios dependem da propositura da ação de homologação de sentença estrangeira, todavia, comporta exceção105. Com o advento do Protocolo de Las Leñas, passou a ser dispensável o ajuizamento da ação de homologação de sentença estrangeira em relação aos Estados-partes, com a possibilidade da exeqüibilidade até mesmo dos atos decisórios por meio de simples carta rogatória106. A propósito da inovação, reforça o caput do artigo 7º da Resolução n. 9, de 2005: “As cartas rogatórias podem ter por objeto atos decisórios e não decisórios”.

Por fim, a sentença arbitral estrangeira depende de homologação107, ex vi dos artigos 35 e 36 da Lei n. 9.307, de 1996. Em contraposição, título

103 “Prevendo a respectiva legislação o divórcio mediante simples ato administrativo, como ocorre, por exemplo, no Japão, cabível é a homologação para que surta efeitos no território brasileiro.” (SEC n. 6.399/JA, Pleno do STF, in Diário da Justiça de 15 de setembro de 2000, p. 119).104 “Omissis, ou seja, de atos jurisdicionais irrecorríveis de outros países, ou ainda de atos administrativos que sejam a eles equiparados, como é o caso, por exemplo, do divórcio consensual em países cujo sistema jurídico tem esta previsão.” (SEC n. 4.966/PT, Pleno do STF, in Diário da Justiça de 30 de setembro de 1994, p. 26.165; não há o grifo no original).105 De acordo: “CARTA ROGATÓRIA – PENHORA – INVIABILIDADE DE EXECUÇÃO – MERCOSUL – PARÂMETROS SUBJETIVOS. A regra direciona à necessidade de homologação da sentença estrangeira, para que surta efeitos no Brasil. A exceção corre à conta de rogatória originária de país com o qual haja instrumento de cooperação, o que não ocorre relativamente à Bolívia, ante o fato de não estar integrada ao Mercosul e de ainda não haver sido aprovado, pelo Congresso Nacional, o Acordo de Cooperação e Assistência Jurisdicional em Matéria Civil, Comercial, Trabalhista e Administrativa entre os Estados Partes do Mercosul e as Repúblicas da Bolívia e do Chile, nos termos do artigo 19, inciso I, da Carta da República.” (CR n. 10.479/BOLÍVIA – AgRg, Pleno do STF, in Diário da Justiça de 23 de maio de 2003).106 Assim: “O Protocolo de Las Leñas (‘Protocolo de Cooperação e Assistência Jurisdicional em Matéria Civil, Comercial, Trabalhista, Administrativa’ entre os países do Mercosul) não afetou a exigência de que qualquer sentença estrangeira – à qual é de equiparar-se a decisão interlocutória concessiva de medida cautelar – para tornar-se exeqüível no Brasil, há de ser previamente submetida à homologação do Supremo Tribunal Federal, o que obsta à admissão de ser reconhecimento incidente, no foro brasileiro, pelo juízo a que se requeira a execução; inovou, entretanto, a convenção internacional referida, ao prescrever, no art. 19, que a homologação (dito reconhecimento) de sentença provinda dos Estados-partes se faça mediante rogatória, o que importa admitir a iniciativa da autoridade judiciária competente do foro de origem e que o exequatur se defira independentemente da citação do requerido, sem prejuízo da posterior manifestação do requerido, por meio do agravo à decisão concessiva ou de embargos ao seu cumprimento” (CR n. 7.613/ARGENTINA — AgRg, Pleno do STF, in Diário da Justiça de 9 de maio de 1997, p. 18.154).107 “SENTENÇA ARBITRAL ESTRANGEIRA. Dir. Proc. Civ. A que é proferida por Juízo Arbitral fora do território nacional, e cujo reconhecimento e execução estão sujeitos, necessariamente, à homologação do Supremo Tribunal Federal. CPC, arts. 483, 484; L 9307, de 23.9.1996, arts. 34-40.” (OTHON SIDOU. Dicionário jurídico: Academia Brasileira de Letras Jurídicas. 9ª ed., 2004; não há o grifo no original).

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executivo extrajudicial oriundo de país estrangeiro não depende de homologação para ter eficácia no Brasil (artigo 585, § 2º, do Código de Processo Civil)108.

3.4. Execução da sentença estrangeira.

A execução da decisão homologatória proferida pelo Superior Tribunal de Justiça será processada perante a Justiça Federal (artigo 109, inciso X, da Constituição Federal), mediante carta de sentença (artigo 484 do Código de Processo Civil).

108 Embora seja anterior ao advento da Emenda Constitucional n. 45, de 2004, a qual transferência a competência do Supremo Tribunal Federal para o Superior Tribunal de Justiça, vale a pena conferir o seguinte precedente da Corte Suprema: “- Os títulos de crédito constituídos em país estrangeiro, para serem executados no Brasil (CPC, art. 585, § 2º), não dependem de homologação pelo Supremo Tribunal Federal. A eficácia executiva que lhes é inerente não se subordina ao juízo de delibação a que se refere o art. 102, I, "h", da Constituição, que incide, unicamente, sobre "sentenças estrangeiras", cuja noção conceitual não compreende, não abrange e não se estende aos títulos de crédito, ainda que sacados ou constituídos no exterior.” (RCL n. 1.908/SP – AgRg, Pleno do STF, in Diário da Justiça de 3 de dezembro de 2004; não há o grifo no original).

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CAPÍTULO 4 — CARTA ROGATÓRIA

4.1. Legislação de regência e competência

Na esteira das diversas Constituições pretéritas, o artigo 102, inciso I, alínea “h”, da Constituição Federal de 1988 igualmente atribuía ao Supremo Tribunal Federal competência exclusiva para a concessão de exeqüibilidade às cartas rogatórias. Já a execução é da competência da Justiça Federal de primeiro grau, nos termos do artigo 109, inciso X, da Constituição de 1988: “Aos juízes federais compete processar e julgar: omissis, a execução de carta rogatória,”.

Também na mesma linha das várias Constituições anteriores, os Códigos de Processo Civil de 1939 e de 1973 cuidavam do processamento das cartas rogatórias perante o Supremo Tribunal Federal. Quanto ao Código de 1939, merece destaque o artigo 797: “As cartas rogatórias emanadas de autoridades estrangeiras não dependem de homologação e serão cumpridas, depois de obtido o exequatur do Presidente do Supremo Tribunal Federal pelo juiz de direito da comarca onde houverem de ser executadas as diligências deprecadas”. Já em relação ao Código de 1973, os artigos 201, 202, 210 e 211 versam expressamente sobre a carta rogatória. E mais, o artigo 211 fez ainda remissão ao Regimento Interno da Corte Suprema: “A concessão de exeqüibilidade às cartas rogatórias das justiças estrangeiras obedecerá ao disposto no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal”. Por conseguinte, os artigos 225 usque 229 do atual Regimento Interno da Corte Suprema também tratam da carta rogatória.

Com o advento da Emenda Constitucional n. 45, de 2004, houve importante alteração da competência e da legislação de regência da carta rogatória. O novel artigo 105, inciso I, alínea “i”, da Constituição Federal transferiu a competência para o Superior Tribunal de Justiça. Diante da alteração promovida pela Emenda n. 45, o processamento das cartas rogatórias passou a seguir o disposto na Resolução n. 9, de 4 de maio de 2005, do Presidente do Superior Tribunal de Justiça.

Em suma, atualmente a legislação de regência da carta rogatória está resumida ao artigo 105, inciso I, letra “i”, e 109, inciso X, ambos da Constituição Federal, bem como à Resolução n. 9, de 2005, a qual dispõe, ainda que em caráter provisório, sobre a competência conferida ao Superior Tribunal de Justiça pela Emenda Constitucional n. 45, de 2004. Portanto, a concessão da exeqüibilidade compete ao Superior Tribunal de Justiça; já a execução propriamente dita, é da competência da Justiça Federal de primeiro grau, nos termos do artigo 109, inciso X, da Constituição Federal.

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4.2. Nomen iuris e tipos de carta rogatória

As cartas ou comissões109 rogatórias podem ser ativas e passivas. A carta rogatória ativa é a expedida por autoridade judiciária nacional para a realização de diligência em outros países110. A carta rogatória passiva, ao revés, é proveniente de juízes e tribunais estrangeiros e tem por objeto a pratica de ato processual no Brasil111, após a concessão do exequatur112 pelo Superior Tribunal de Justiça.

4.3. Natureza jurídica

A propósito da natureza jurídica da carta rogatória, trata-se de incidente processual, pois tem como escopo a realização de um ato processual específico relativo a anterior processo já iniciado em outro país. Com efeito, ex vi da combinação dos artigos 200, 202 e 210, todos do Código de Processo Civil, não há dúvida de que a carta rogatória versa sobre atos processuais, especialmente os de comunicação, embora também possa alcançar determinadas diligências. Diante da limitação da carta rogatória aos atos processuais e da respectiva vinculação com processo já existente em outro país, não há como atribuir ao instituto natureza de ação autônoma. Sob outro prisma, como a carta rogatória não tem como escopo a impugnação de decisão alguma, também não há como atribuir ao instituto natureza recursal. A propósito, a carta rogatória não apresenta semelhança alguma com a carta testemunhal, recurso do sistema criminal. Por tudo, é possível concluir que a carta rogatória tem natureza jurídica de incidente processual.

4.4. Objeto da carta rogatória

109 Conferir, na doutrina: MONIZ DE ARAGÃO. Comentários. Volume II, 8ª ed., 1995, p. 132. Conferir, na jurisprudência: CR n. 4.707/REINO UNIDO – AgRg, Pleno do STF, in Diário da Justiça de 29 de junho de 1988, p. 16.442.110 A propósito, vale a pena conferir o seguinte trecho extraído de didática decisão proferida pelo Ministro MARCO AURÉLIO: “cartas rogatórias ativas, ou seja, as enviadas pela Justiça brasileira para serem cumpridas em países estrangeiros.” (CR n. 9.822/FRANÇA, in Diário da Justiça de 17 de outubro de 2001, p. 29).111 A propósito, vale a pena conferir o seguinte trecho extraído de didática decisão proferida pelo Ministro CELSO DE MELLO: “Em regra, as cartas rogatórias encaminhadas à Justiça brasileira somente devem ter por objeto a prática de simples ato de informação ou de comunicação processual, ausente, desse procedimento, qualquer conotação de índole executória, cabendo relembrar, por necessário, a plena admissibilidade, em tema de rogatórias passivas, da realização, no Brasil, de medidas cientificatórias em geral (intimação, notificação ou citação)” (CR n. 8.647/SUIÇA).112 Cumpra-se; execute-se.

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A carta rogatória normalmente tem por objeto ato não decisório: citação113, intimação, inquirição de testemunhas114 e demais diligências de mero expediente115. Os atos decisórios geralmente dependem da propositura da ação de homologação de sentença estrangeira. A regra, todavia, comporta exceção116. Com o advento do Protocolo de Las Leñas, passou a ser dispensável o ajuizamento da ação de homologação de sentença estrangeira em relação aos Estados-partes, com a possibilidade da exeqüibilidade até mesmo dos atos decisórios por meio de simples carta rogatória117. A propósito da inovação, reforça o caput do artigo 7º da Resolução n. 9, de 2005: “As cartas rogatórias podem ter por objeto atos decisórios e não decisórios”.

Ainda a respeito do objeto da carta rogatória, convém registrar que tal via processual não permite a solicitação de extradição118. A carta rogatória é adequada apenas para a prática de atos processuais específicos em país diverso daquele no qual já tramita o processo, o que explica a sua formulação pelo respectivo magistrado. Não é o que ocorre com a extradição, a qual deve

113 Assim: “A citação de réu domiciliado no Brasil deve processar-se mediante carga rogatória e não por notificação remetida por cartório de registro de títulos e documentos, redigida, ademais, em língua estrangeira. Precedente citado: SEC 861-EX, DJ 1º/8/2005” (SEC 919/EX, Corte Especial do STJ, in Informativo de jurisprudência STJ, n. 265).114 Assim: “CONSTITUCIONAL. CARTA ROGATÓRIA. I – Exequatur concedido para inquirição de testemunha.” (CR n. 8.871/ESPANHA, in Diário da Justiça de 15 de dezembro de 2000, p. 65).115 A propósito, vale a pena conferir o seguinte trecho extraído de didática decisão proferida pelo Ministro CELSO DE MELLO: “Em regra, as cartas rogatórias encaminhadas à Justiça brasileira somente devem ter por objeto a prática de simples ato de informação ou de comunicação processual, ausente, desse procedimento, qualquer conotação de índole executória, cabendo relembrar, por necessário, a plena admissibilidade, em tema de rogatórias passivas, da realização, no Brasil, de medidas cientificatórias em geral (intimação, notificação ou citação)” (CR n. 8.647/SUIÇA).116 De acordo: “CARTA ROGATÓRIA – PENHORA – INVIABILIDADE DE EXECUÇÃO – MERCOSUL – PARÂMETROS SUBJETIVOS. A regra direciona à necessidade de homologação da sentença estrangeira, para que surta efeitos no Brasil. A exceção corre à conta de rogatória originária de país com o qual haja instrumento de cooperação, o que não ocorre relativamente à Bolívia, ante o fato de não estar integrada ao Mercosul e de ainda não haver sido aprovado, pelo Congresso Nacional, o Acordo de Cooperação e Assistência Jurisdicional em Matéria Civil, Comercial, Trabalhista e Administrativa entre os Estados Partes do Mercosul e as Repúblicas da Bolívia e do Chile, nos termos do artigo 19, inciso I, da Carta da República.” (CR n. 10.479/BOLÍVIA – AgRg, Pleno do STF, in Diário da Justiça de 23 de maio de 2003).117 Assim: “O Protocolo de Las Leñas (‘Protocolo de Cooperação e Assistência Jurisdicional em Matéria Civil, Comercial, Trabalhista, Administrativa’ entre os países do Mercosul) não afetou a exigência de que qualquer sentença estrangeira – à qual é de equiparar-se a decisão interlocutória concessiva de medida cautelar – para tornar-se exeqüível no Brasil, há de ser previamente submetida à homologação do Supremo Tribunal Federal, o que obsta à admissão de ser reconhecimento incidente, no foro brasileiro, pelo juízo a que se requeira a execução; inovou, entretanto, a convenção internacional referida, ao prescrever, no art. 19, que a homologação (dito reconhecimento) de sentença provinda dos Estados-partes se faça mediante rogatória, o que importa admitir a iniciativa da autoridade judiciária competente do foro de origem e que o exequatur se defira independentemente da citação do requerido, sem prejuízo da posterior manifestação do requerido, por meio do agravo à decisão concessiva ou de embargos ao seu cumprimento” (CR n. 7.613/ARGENTINA — AgRg, Pleno do STF, in Diário da Justiça de 9 de maio de 1997, p. 18.154).118 “Assinale-se, ademais, que a carta rogatória não se constitui na via adequada ao procedimento de pedido de extradição, vale dizer, não cabe, em carta rogatória solicitar pedido de extradição. Também a rogatória não pode compreender, por exemplo, pedido de prisão, reservado ao processo de extradição (Lei 6.815/80, art. 82).” (CR n. 9.191/EP, in Diário da Justiça de 28 de junho de 2000, p. 5). Em reforço: “A rogatória não pode compreender pedido de prisão, reservado ao processo de extradição (Lei 6.815/80, art. 82).” (CR n. 11.353/BE, in Diário da Justiça de 13 de outubro de 2004, p. 2). Com efeito, o Supremo Tribunal Federal já assentou “que não cabe em carta rogatória solicitar pedido de extradição.” (CR n. 9.771/CB, in Diário da Justiça de 29 de maio de 2001, p. 14).

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ser solicitada por Estado estrangeiro. Com efeito, a extradição tem natureza jurídica de ação, a qual dá início a processo próprio, intitulado extradicional, a fim de que seja proferida decisão do Supremo Tribunal Federal. Além da inadequação da via processual, há também o intransponível óbice da incompetência absoluta119. Ex vi do artigo 102, inciso I, alínea “g”, da Constituição Federal, a extradição reside na competência originária do Supremo Tribunal Federal. Após o advento da Emenda Constitucional n. 45, de 2004, a carta rogatória passou a ser da competência originária do Superior Tribunal de Justiça, em razão do acréscimo da alínea “i” ao inciso I do artigo 105 da Constituição Federal. Sob ambos os prismas, é inadmissível a solicitação de extradição por meio de carta rogatória.

4.5. Requisitos para a concessão do exequatur

Os requisitos para a concessão da exeqüibilidade às cartas rogatórias podem ser divididos em formais e materiais, consoante o disposto nos artigos 6º e 9º da Resolução n. 9, de 2005.

Sob o prisma formal, o artigo 9º da Resolução n. 9 revela a necessidade da “autenticidade dos documentos” que instruem a carta rogatória.

Já sob o ponto de vista material, os requisitos são obtidos por exclusão. Em primeiro lugar, a carta rogatória não pode versar sobre ato processual com conteúdo decisório e caráter executório120, salvo se existente convenção internacional com a dispensa da ação de homologação da sentença estrangeira, como, por exemplo, o artigo 19 do Protocolo de Las Leñas. O segundo requisito a ser examinado é se o ato cuja prática foi rogada não ofende a soberania nacional, como ocorre quando a carta rogatória atinge imóvel situado no Brasil, com afronta ao disposto no artigo 89 do Código de Processo Civil121. Outro requisito material reside na impossibilidade de o ato

119 De acordo: CR n. 865, in Diário da Justiça de 17 de junho de 2005.120 A propósito da regra, vale a pena conferir o seguinte trecho extraído de didática decisão proferida pelo Ministro CELSO DE MELLO: “Em regra, as cartas rogatórias encaminhadas à Justiça brasileira somente devem ter por objeto a prática de simples ato de informação ou de comunicação processual, ausente, desse procedimento, qualquer conotação de índole executória, cabendo relembrar, por necessário, a plena admissibilidade, em tema de rogatórias passivas, da realização, no Brasil, de medidas cientificatórias em geral (intimação, notificação ou citação), consoante expressamente autorizado pelo magistério jurisprudencial prevalecente no âmbito desta Suprema Corte (RTJ 52/299 - RTJ 87/402 - RTJ 95/38 - RTJ 95/518 - RTJ 98/47 - RTJ 103/536 - RTJ 110/55). No caso ora em análise, observo, como precedentemente já enfatizado, que as diligências solicitadas pela Justiça rogante revestem-se de caráter executório, circunstância esta que impõe a denegação do pretendido exequatur. Assim sendo, considerando as razões expostas, e nos termos do parecer da douta Procuradoria-Geral da República, denego o exequatur, e, em conseqüência, determino a devolução, por via diplomática, da presente comissão rogatória.” (CR n. 8.647/SUIÇA).121 Conferir, na jurisprudência: “Cuida-se de carta rogatória encaminhada pelo Juizado Nacional de 1ª Instância da 39ª Vara Cível de Buenos Aires - República Argentina, com o objetivo de obter a inscrição de partilha de bem localizado em Porto Alegre. 2. O Ministério Público Federal opinou pela denegação do pedido, alegando, em síntese, que ‘a sentença estrangeira sobre a partilha do imóvel localizado em território nacional não tem nenhum valor em nosso país’. 3. Na espécie, cuida-se de jurisdição exclusiva

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objeto da carta rogatória ofender a ordem pública122. Por fim, à luz do artigo 17 do Decreto-lei n. 4.657, de 1942 — Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro, deve ser verificada a compatibilidade do objeto da carta rogatória com os bons costumes nacionais123.

Portanto, é possível concluir que o Brasil adotou o sistema da contenciosidade limitada nas cartas rogatórias, no qual há somente o juízo de delibação previsto no artigo 17 do Decreto-lei n. 4.657, de 1942 — Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro, no artigo 781 do Código de Processo Penal e nos artigos 6º, 7º e 9º da Resolução n. 9, de 2005: só é possível discutir a autenticidade dos documentos, a interpretação do ato e a ofensa à soberania nacional, à ordem pública e aos bons costumes124.

4.6. Procedimento e julgamento

brasileira, pois, a ação proposta na Justiça rogante envolve imóvel localizado no Brasil - artigos 12, § 1º, da Lei de Introdução ao Código Civil e 89 do Código de Processo Civil. Dessa forma, tendo em vista que o objeto desta carta atenta contra a ordem pública e a soberania nacional, denego o exequatur e determino a devolução, por via diplomática, à origem.” (CR n. 11.291/ARGENTINA, in Diário da Justiça de 31 de março de 2004, p. 3). Conferir, ainda na jurisprudência: “Revela-se lesiva à soberania brasileira, e transgride o texto da Lei Fundamental da República, qualquer autorização, que, solicitada mediante comissão rogatória emanada de órgão judiciário de outro País, tenha por finalidade permitir, em território nacional, a inquirição, por magistrados estrangeiros, de testemunha aqui domiciliada, especialmente se se pretender que esse depoimento testemunhal - que deve ser prestado perante magistrado federal brasileiro (CF, art. 109, X) - seja realizado em Missão Diplomática mantida pelo Estado rogante junto ao Governo do Brasil. Omissis.O Estado rogante, no entanto, pretende muito mais do que isso, pois deseja inquirir, por intermédio de seus próprios agentes, em sua Missão Diplomática, uma testemunha domiciliada em território brasileiro. Essa pretensão - como precedentemente já enfatizado - conflita com o texto da Constituição do Brasil e ofende, de maneira frontal, a soberania nacional (CF, art. 1º, I c/c art. 109, X). Assim sendo, tendo em consideração as razões expostas, nego exequatur à presente comissão rogatória.” (CR n. 8.577/ARGENTINA, in Diário da Justiça de 1º de março de 1999, p. 34).122 Conferir, na jurisprudência: “O Ministério Público Federal, em parecer subscrito pelo em. Procurador-Geral Geraldo Brindeiro, manifestou-se nestes termos: ‘A presente rogatória visa à citação de pessoa residente em nosso país (fls. 28), para responder à ação oriunda de dívida de jogo. Às duas intimações prévias, por via postal, foram devolvidas. A primeira, porque o endereço comercial fornecido nos autos não foi localizado (fls. 83) e a segunda porque o endereço residencial é insuficiente (fls. 53, quando o correto seria 93). O tema da carta já foi enfrentado por essa E. Suprema Corte, que decidiu no sentido de indeferir o exequatur, por se tratar de hipótese que viola a ordem pública brasileira (C.R. 7.424-7, DJ de 01-08-96). Assim, opinamos pela denegação do exequatur e devolução da carta à justiça de origem.’ Acolho o parecer. Na linha das decisões proferidas pelos ems. Ministros Octavio Gallotti (CR 5.332, DJU 2.6.93) e Celso de Mello (CR 7.424, DJU 1.8.96) em hipóteses similares, indefiro o exequatur.” (CR n. 7.426/ESTADOS UNIDOS, in Diário da Justiça de 15 de outubro de 1996).123 “Será admissível a denegação do exequatur, ou o acolhimento de embargos, para revogá-lo, se a diligência ofender a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes, bem como nas hipóteses em que, segundo a lei brasileira, a ação, por sua natureza, somente poderia ser processada e julgada perante a autoridade judiciária brasileira (Lei de Introdução ao Código Civil, arts.17 e 12, § 1º; Código de Processo Civil, art. 89).” (ECR n. 3.538/PT, Pleno do STF, in Diário da Justiça de 9 de dezembro de 1983; não há o grifo no original).124 “MÉRITO DA CAUSA - IMPOSSIBILIDADE DE SUA DISCUSSÃO NO PROCEDIMENTO ROGATÓRIO - SISTEMA DE CONTENCIOSIDADE LIMITADA. - Em tema de comissões rogatórias passivas - tanto quanto em sede de homologação de sentenças estrangeiras -, o ordenamento normativo brasileiro instituiu o sistema de contenciosidade limitada, somente admitindo impugnação contrária à concessão do exequatur, quando fundada em pontos específicos, como a falta de autenticidade dos documentos, a inobservância de formalidades legais ou a ocorrência de desrespeito à ordem pública, aos bons costumes e à soberania nacional.” (CR n. 7.870/ESTADOS UNIDOS – AgRg, in Diário da Justiça de 4 de março de 1999, p. 5).

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A regra reside na competência do Presidente do Superior Tribunal de Justiça para a concessão e a denegação de exeqüibilidade às cartas rogatórias. A propósito da regra, dispõe o proêmio do artigo 2º da Resolução n. 9, de 2005: “É atribuição do Presidente homologar sentenças estrangeiras e conceder exequatur a cartas rogatórias”.

A regra da competência presidencial, todavia, não é absoluta. Se a carta rogatória tiver como objeto ato decisório e sofrer impugnação da parte prejudicada ou do Ministério Púbico, o Presidente poderá determinar a redistribuição a outro ministro, o qual será o relator da carta rogatória no julgamento perante a Corte Especial. Trata-se, entretanto, de faculdade conferida ao Presidente, consoante o disposto no § 2º do artigo 9º da Resolução n. 9, de 2005: “Havendo impugnação às cartas rogatórias decisórias, o processo poderá, por determinação do Presidente, ser distribuído para julgamento da Corte Especial”.

4.7. Recorribilidade

Compete, em regra, ao Presidente do Superior Tribunal de Justiça conceder e denegar a exeqüibilidade às cartas rogatórias. Da decisão monocrática presidencial cabe agravo regimental para a Corte Especial, em cinco dias, conforme o disposto no artigo 39 da Lei n. 8.038, de 1990, combinado com o artigo 11 da Resolução n. 9, in verbis: “Das decisões do Presidente na homologação de sentença estrangeira e nas cartas rogatórias cabe agravo regimental”.

Já os acórdãos proferidos pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, seja em grau de recurso de agravo regimental interposto contra decisão presidencial, seja na competência originária de carta rogatória decisória impugnada, são recorríveis por meio de recurso extraordinário para o Supremo Tribunal Federal, cabível nas hipóteses do inciso III do artigo 102 da Constituição Federal. Ao contrário do que pode parecer à primeira vista, a carta rogatória não é mero procedimento administrativo; o juízo de delibação inserto na competência do Superior Tribunal de Justiça ex vi do artigo 105, inciso I, alínea “i”, da Constituição Federal, combinado com os artigos 6º, 7º e 9º da Resolução n. 9, de 2005, revela a natureza jurisdicional da carta rogatória, de modo a ensejar o cabimento de recurso extraordinário para o Supremo Tribunal Federal.

Por fim, tanto a decisão presidencial quanto o acórdão da Corte Especial são impugnáveis por meio de embargos de declaração, admissíveis nas hipóteses do artigo 535 do Código de Processo Civil. Outras espécies recursais, como os embargos de divergência, os embargos infringentes e o recurso ordinário, por exemplo, são manifestamente incabíveis. A interposição

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de agravo regimental contra acórdão da Corte Especial igualmente configura erro inescusável. Também há erro grosseiro se o recurso extraordinário é interposto contra decisão presidencial, a qual tem como recurso específico o agravo regimental.

4.8. Execução da carta rogatória

A decisão concessiva da exeqüibilidade da carta rogatória é executada perante a Justiça Federal de primeiro grau, conforme determina o artigo 109, inciso X, da Constituição Federal. O caput do artigo 13 da Resolução n. 9 reitera o disposto no preceito constitucional: “A carta rogatória, depois de concedido o exequatur, será remetida para cumprimento pelo Juízo Federal competente”.

Os prejudicados pelo ato executado e o Ministério Público têm legitimidade ativa para a oposição de embargos à execução da carta rogatória, em dez dias. Os embargos podem versar sobre os atos em geral acerca do cumprimento da carta rogatória pelo juiz federal. O julgamento dos embargos, todavia, não é da competência do juiz federal de primeiro grau, mas do Presidente do Superior Tribunal de Justiça, tudo nos termos do § 1º do artigo 13 da Resolução n. 9, de 2005: “No cumprimento da carta rogatória pelo Juízo Federal competente cabem embargos relativos a quaisquer atos que lhe sejam referentes, opostos no prazo de 10 (dez) dias, por qualquer interessado ou pelo Ministério Público, julgando-os o Presidente”.

A decisão monocrática presidencial acerca dos embargos é impugnável por meio de agravo regimental para a Corte Especial, em cinco dias. É o que se infere da combinação do artigo 39 da Lei n. 8.038, de 1990, com o § 2º do artigo 13 da Resolução n. 9: “Da decisão que julgar os embargos, cabe agravo regimental”.

Por fim, após o cumprimento da carta rogatória, o juiz federal determina a devolução da carta ao Presidente do Superior Tribunal de Justiça, em dez dias. No mesmo prazo, o Presidente determina a remessa ao Ministério da Justiça ou das Relações Exteriores, a fim de que seja enviada ao juiz ou tribunal estrangeiro rogante.

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CAPÍTULO 5 — AÇÃO RESCISÓRIA

5.1. Notícia histórica

Os antecedentes históricos da ação rescisória repousam no Direito Romano e no Direito Canônico, especialmente nos institutos da querela nullitatis e da restitutio in integrum. Realmente, a origem da ação rescisória reside nos dois institutos encontrados tanto no Direito Romano como no Canônico.

Aliás, o cotejo do atual Codex Iuris Canonici com o Código de Processo Civil brasileiro revela que ainda hoje existem traços comuns comprobatórios das raízes históricas125. O cânon 1620, número 1, do Código de Direito Canônico trata da mesma hipótese da segunda parte do inciso II do artigo 485 do Código de Processo Civil. Com efeito, a incompetência absoluta enseja a querela nullitatis126 no Direito Canônico e a ação rescisória no Direito Processual Civil brasileiro. Já o cânon 1645, § 2º, número 1, do Codex trata da restitutio in integrum com esteio em prova falsa, enquanto o inciso VI do artigo 485 do Código de Processo Civil cuida da ação rescisória pelo mesmo fundamento. Ainda no cânon 1645, § 2º, o número 2 versa sobre a mesma hipótese prevista no inciso VII do artigo 485 do Código pátrio. Já o número 3 trata da restitutio in integrum por motivo de dolo processual, hipótese de rescindibilidade prevista no inciso III do artigo 485 do Código de Processo Civil. O número 4 trata de hipótese que encontra alguma semelhança com a prevista no inciso V do artigo 485. Por fim, o número 5 do § 2º do cânon 1645 e o inciso IV do artigo 485 igualmente cuidam da ofensa à coisa julgada.

Em síntese, a ação rescisória é uma derivação dos antigos institutos da querela nullitatis e da restitutio in integrum existentes no Direito Romano e no Direito Canônico.

5.2. Natureza jurídica

No direito processual civil brasileiro, existem dois remédios jurídicos aptos ao combate das decisões jurisdicionais: as ações autônomas de impugnação e os recursos. A diferença entre eles reside na instauração, ou não, de novo processo. Com efeito, enquanto as ações autônomas de impugnação

125 Aliás, há muito o Professor BUENO VIDIGAL já tinha registrado a influência do direito canônico no brasileiro à luz dos anteriores Código Canônico de 1917 e Código de Processo Civil de 1939, conforme se infere de sua clássica obra Da ação rescisória dos julgados, publicada em 1948, especialmente da página 21.126 Querela de nulidade.

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ocasionam a formação de um novo processo, diverso daquele em que foi proferido o decisum gerador da insatisfação, os recursos são interpostos no mesmo processo em que foi proferida a decisão causadora do inconformismo127.

Entre as ações autônomas de impugnação, merece destaque a ação rescisória. Trata-se de ação apropriada para desconstituir julgado protegido pela res iudicata, e que dá ensejo à prolação, em regra, necessária, de novo julgamento da causa solucionada por meio do decisum impugnado na rescisória. Enquanto a desconstituição do julgado ocorre no juízo rescindendo ou rescindente (iudicium rescindens), o novo julgamento da causa primitiva é realizado no juízo rescisório (iudicium rescissorium).

Com efeito, a rescisória é ação, e não recurso. Enquanto todos os recursos pátrios — até mesmo o extraordinário e o especial — são interpostos antes da formação da coisa julgada, a rescisória depende da existência da res iudicata. É o que se infere dos artigos 467 e 485 do Código de Processo Civil. Aliás, o prazo decadencial da rescisória é contado "do trânsito em julgado da decisão", nos termos do artigo 495. Ao revés, o prazo recursal tem como dies a quo a intimação da decisão, consoante o disposto no artigo 506. E a ausência da interposição do recurso no prazo legal acarreta a formação da coisa julgada, com a posterior baixa dos autos do respectivo processo. Confiram-se os artigos 467 e 510. Não é só. O artigo 491 reforça a tese de que a rescisória tem natureza jurídica de ação. É que a parte contrária é citada, o que revela a instauração de nova relação jurídica processual. Diversamente, nos recursos, há mera intimação, com o conseqüente prosseguimento do mesmo processo no qual foi proferida a decisão recorrida. Tanto que os artigos 527, inciso III, e 542 indicam que o recorrido "será intimado". Há mais. Os artigos 488 e 490 revelam que a rescisória é aforada por meio de "petição inicial", que é própria das ações. Por fim, os artigos 489, 495, 551 e 553 classificam a rescisória como "ação". Aliás, a rescisória não consta do rol de recursos do artigo 496, nem do Título X, “Dos recursos”. Ao contrário, a rescisória está prevista no Título IX, “Do processo nos Tribunais”, destinado aos incidentes e às ações de competência originária de tribunal judiciário. Em síntese, sob todos os prismas, tem-se que a rescisória é ação, não podendo ser confundida com recurso.

Resta saber em que classe pode ser incluída a ação rescisória. À luz do iudicium rescindens, é possível concluir que a ação é constitutiva128. Autorizada doutrina acrescenta o vocábulo negativa129, já que a rescisória busca a desconstituição do julgado. Tanto que é igualmente intitulada de ação

127 De acordo: BARBOSA MOREIRA. Comentários. Volume V, 7ª ed., 1998, p. 99 e 100; CALMON DE PASSOS. Rescisória. p. 330; LIEBMAN. Estudos. 2001, p. 71; NERY JUNIOR e ROSA NERY. Código. 4ª ed., 1999, p. 942, comentários 4 e 5.128 Com a mesma opinião: CALMON DE PASSOS. Rescisória. p. 371; JOSÉ FREDERICO MARQUES. Manual. Volume III, 1975, p. 257; e SÉRGIO RIZZI. Ação rescisória. 1979, p. 7.129 Conferir: CALMON DE PASSOS. Rescisória. p. 330; e NERY JUNIOR e ROSA NERY. Código. 5ª ed., 2001, p. 933.

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desconstitutiva130. Por oportuno, a natureza constitutiva da ação rescisória já revela que o respectivo prazo é decadencial131.

Quanto ao iudicium rescissorium, tem-se a repetição da natureza jurídica da ação primitiva: condenatória, declaratória ou constitutiva, conforme a natureza da ação originária132. Já o juízo de admissibilidade da ação tem natureza declaratória, sendo positivo ou negativo. A despeito da diversidade de soluções à luz de cada um dos juízos, partindo da característica essencial da rescisória, é possível concluir que a ação é constitutiva.

Por fim, sendo a rescisória a ação impugnativa apropriada para desconstituir julgado protegido pela res iudicata, de nada adianta ajuizar outra ação autônoma de impugnação, como o mandado de segurança ou a reclamação, conforme já assentou o Supremo Tribunal Federal nos enunciados 268 e 734, respectivamente. Sem dúvida, diante da adequação específica da ação rescisória contra decisum sob o manto da coisa julgada, são inadmissíveis as ações impugnativas de mandado de segurança133 e de reclamação134. Tal raciocínio é confirmado pelo verbete n. 268 da Súmula do Supremo Tribunal Federal: “Não cabe mandado de segurança contra decisão judicial com trânsito em julgado”. Reforça o enunciado n. 734: “Não cabe reclamação quando já houver transitado em julgado o ato judicial que se alega tenha desrespeitado decisão do Supremo Tribunal Federal”.

Estudada a natureza jurídica da rescisória, já é possível indicar o alvo da ação, ou seja, o julgado rescindendo.

130 Em sentido semelhante ao texto do parágrafo: SÉRGIO GILBERTO PORTO. Comentários. Volume VI, 2000, p. 296.131 Assim: AGNELO AMORIM FILHO. Critério científico para distinguir a prescrição da decadência. In Revista dos Tribunais, volume 300, p. 23 e 37.132 De acordo: ALEXANDRE FREITAS CÂMARA. Lições. Volume II, 2ª ed., 1999, p. 8: “A decisão de procedência no juízo rescindente é constitutiva, e a de procedência no juízo rescisório será, conforme o caso, meramente declaratória, constitutiva ou condenatória (lembre-se que, no juízo rescisório, o tribunal estará apreciando novamente a causa que fora objeto de decisão pela sentença rescindida, o que faz com que este capítulo da decisão tenha seu conteúdo determinado pela demanda original)”. Também com o entendimento semelhante: CALMON DE PASSOS. Rescisória. p. 330 e 371; e SÉRGIO RIZZI. Ação rescisória. 1979, p. 7.133 Em sentido conforme: MS n. 23.975/DF — AgRg, Pleno do STF, in Diário da Justiça de 5 de outubro de 2001, p. 41: “A AÇÃO DE MANDADO DE SEGURANÇA NÃO CONSTITUI SUCEDÂNEO DA AÇÃO RESCISÓRIA. — A ação de mandado de segurança — que se qualifica como ação autônoma de impugnação (RTJ 168/174-175, Rel. Min. CELSO DE MELLO) — não constitui sucedâneo de ação rescisória, não podendo ser utilizada como meio de desconstituição de decisões já transitadas em julgado. Precedentes”.134 No mesmo sentido: RCL n. 1.438/DF, Pleno do STF, in Diário da Justiça de 22 de novembro de 2002, p. 56: “RECLAMAÇÃO — ALEGADA USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL — INOCORRÊNCIA — DECISÃO RECLAMADA QUE TRANSITOU EM JULGADO — OCORRÊNCIA DO FENÔMENO DA RES JUDICATA — INVIABILIDADE DA VIA RECLAMATÓRIA — RECLAMAÇÃO DE QUE NÃO SE CONHECE. A EXISTÊNCIA DE COISA JULGADA IMPEDE A UTILIZAÇÃO DA VIA RECLAMATÓRIA. — Não cabe reclamação, quando a decisão por ela impugnada já transitou em julgado, eis que esse meio de preservação da competência do Supremo Tribunal Federal e de reafirmação da autoridade decisória de seus pronunciamentos — embora revestido de natureza constitucional (CF, art. 102, I, "e") — não se qualifica como sucedâneo processual da ação rescisória. — A inocorrência do trânsito em julgado da decisão impugnada em sede reclamatória constitui pressuposto negativo de admissibilidade da própria reclamação, que não pode ser utilizada contra ato judicial que se tornou irrecorrível. Precedentes”.

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5.3. Alvo da ação rescisória: julgado rescindendo

Ao contrário do que pode parecer à primeira vista, não só a “sentença” é passível de impugnação por meio de ação rescisória. Com efeito, a exegese do caput do artigo 485 não deve ser feita à luz do método de interpretação literal, que conduz à inaceitável conclusão de que a ação rescisória pode ter como alvo apenas “sentença”135.

A exata compreensão do texto codificado é obtida pela interpretação sistemática. Desde logo, é bom lembrar que o capítulo do Código que trata da ação rescisória termina no artigo 495, cujo teor é o seguinte: “O direito de propor ação rescisória se extingue em dois (2) anos, contados do trânsito em julgado da decisão”. Ora, o vocábulo “decisão” revela que não só a “sentença” pode ser desconstituída por meio de ação rescisória. É que, ao contrário do termo “sentença”, o vocábulo “decisão” é genérico, abrangendo também o acórdão, a decisão monocrática e a decisão interlocutória.

Estudado o Código de Processo Civil, convém voltar os olhos para a Constituição de 1988. O artigo 108, inciso I, alínea “b”, fixa a competência dos tribunais regionais federais para o processamento e o julgamento de ação rescisória “de julgados seus ou dos juízes federais da região”. A teor do artigo 105, inciso I, alínea “e”, o Superior Tribunal de Justiça tem competência para processar e julgar “as ações rescisórias de seus julgados”. Igualmente, o Supremo Tribunal Federal tem competência para processar e julgar “a ação rescisória de seus julgados”, nos termos do artigo 102, inciso I, alínea “j”.

Como se vê, o texto constitucional também revela — e à exaustão — que a ação rescisória pode ter em mira não apenas o pronunciamento de juiz de primeiro grau que extingue o processo, ou seja, sentença. Os diversos “julgados” dos tribunais são igualmente passíveis de impugnação por meio de ação rescisória. Tal conclusão é reforçada pelo artigo 259 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, segundo o qual a ação rescisória também pode ter como alvo acórdão e decisão monocrática: “Caberá ação rescisória de decisão proferida pelo Plenário ou por Turma do Tribunal, bem assim pelo Presidente, nos casos previstos na lei processual”.

Outra não é a conclusão tirada à luz da interpretação teleológica. A finalidade do instituto da ação rescisória é a eliminação do mundo jurídico de pronunciamento jurisdicional maculado por vício de extrema gravidade. Não há dúvida de que, além das sentenças, também os acórdãos, as decisões monocráticas, e até mesmo as decisões interlocutórias podem estar

135 Tanto que, no Simpósio da Associação dos Magistrados ocorrido em 1974, a Segunda Comissão, composta pelos Desembargadores BRUNO AFFONSO ANDRÉ, HERMANN ROENICK, IVO SELL, DOMINGOS SÁVIO BRANDÃO LIMA, JORGE DUARTE DE AZEVEDO, pelo Juiz VIVALDE BRANDÃO COUTO, e pelo Procurador de Justiça CARLOS OCTÁVIO DA VEIGA LIMA, recomendou a pertinente alteração do caput do artigo 485 do Código, substituindo-se o vocábulo “sentença” pelo termo “decisão” (cf. Revista da Associação dos Magistrados do Paraná. Volume I, número I, 1974, p. 20).

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contaminados pelos vícios previstos nos incisos do artigo 485 do Código de Processo Civil.

Em síntese, do mesmo modo que as sentenças, os acórdãos podem ser impugnados via rescisória. Igualmente, as decisões monocráticas136 proferidas pelos magistrados dos tribunais não estão isentas de ataque por meio de ação rescisória. Até mesmo as decisões interlocutórias137 são passíveis de impugnação por meio de ação rescisória, ainda que excepcionalmente. Basta imaginar a hipótese de o juiz de primeiro grau pronunciar a decadência ou a prescrição, alcançando apenas um dos litisconsortes ativos. Como o processo segue em razão da ação remanescente relativa ao outro litisconsorte, tem-se que o pronunciamento jurisdicional é mera decisão interlocutória, apesar de ter versado sobre matéria de mérito138.

No entanto, independentemente do decisum tido em mira, a admissibilidade da ação rescisória está sempre condicionada à impossibilidade jurídica da interposição de recurso — o que geralmente ocorre com o término dos prazos recursais — e do ajuizamento de outra ação. Com efeito, é inadmissível ação rescisória enquanto estiver pendente prazo recursal ou for juridicamente possível a propositura de outra ação, nos termos do artigo 268 do Código.

Escoado o prazo recursal, ainda que sem a interposição de nenhum recurso contra o decisum rescindendo, tem-se o acesso à ação rescisória. É o que estabelece o correto enunciado n. 514 da Súmula do Supremo Tribunal Federal: “Admite-se ação rescisória contra sentença transitada em julgado, ainda que contra ela não se tenham esgotado todos os recursos”. Com efeito, a admissibilidade da ação rescisória não está condicionada ao esgotamento das vias recursais cabíveis contra o decisum proferido no processo originário139 — mas, sim, do prazo recursal.

A teor do artigo 512 do Código de Processo Civil, o conhecimento de recurso pelo tribunal conduz à substituição da sentença pelo acórdão — salvo quando há a constatação de error in procedendo no juízo de mérito, o que 136 Com a mesma opinião, na doutrina: BARBOSA MOREIRA. Comentários. Volume V, 8ª ed., 1999, p. 114, 115 e 647; e 9ª ed., 2001, p. 116, 656 e 657; e SÉRGIO RIZZI. Ação rescisória. 1979, p. 31. No sentido do texto, na jurisprudência: AR n. 1.343/SC, Pleno do STF, in Diário da Justiça de 25 de setembro de 1992; e AR n. 1.352/RJ — AgRg, Pleno do STF, in Diário da Justiça de 7 de maio de 1993.137 Em sentido semelhante, na doutrina: ALCIDES MENDONÇA LIMA. Ação rescisória. In Revista de Processo, n. 41, p. 15; BRUNO FREIRE E SILVA. Ação rescisória. 2005, p. 172; HUMBERTO THEODORO JÚNIOR. Curso. Volume I, 19ª ed., 1997, p. 633; JOSÉ RIBAMAR MORAES. O labirinto da ação rescisória. p. 27; e NERY JUNIOR. Princípios fundamentais. 3ª ed., 1996, p. 97 e 98; e 5ª ed., 2000, p. 247. Contra, também há respeitável doutrina: SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA. A ação rescisória. 1991, p. 279; e Código. 4ª ed., 1992, p. 282.138 Cf. NERY JUNIOR e ROSA NERY. Código. 4ª ed., 1999, p. 945.139 No sentido do texto: BARBOSA MOREIRA. Comentários. Volume V, 7ª ed., 1998, p. 115 e 116; BUENO VIDIGAL. Comentários. Volume VI, 2ª ed., 1976, p. 235, nota 261; COQUEIJO COSTA. Ação rescisória. 4ª ed., 1986, p. 86; HUMBERTO THEODORO JÚNIOR. Curso. Volume I, 19ª ed., 1997, p. 636; SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA. A ação rescisória. 1991, p. 261; e Código. 4ª ed., 1992, p. 280; SERGIO BERMUDES. Comentários. Volume VII, 2ª ed., 1977, p. 85 e 90; e SÉRGIO RIZZI. Ação rescisória. 1979, p. 32: “Cumpre observar que não há necessidade de esgotamento das vias recursais para a propositura da ação rescisória”.

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acarreta a cassação do decisum recorrido. Com a substituição da sentença, a ação rescisória deve ter como alvo o acórdão, e não o pronunciamento do juiz de primeiro grau, que deixou de existir no plano jurídico após o julgamento do tribunal140. A respeito do tema, vale a pena conferir a correta proposição n. 48 da Segunda Subseção do Tribunal Superior do Trabalho: “Em face do disposto no art. 512 do CPC, é juridicamente impossível o pedido explícito de desconstituição de sentença quando substituída por acórdão Regional”. Contudo, quando o tribunal não conhece do recurso, proferindo juízo de admissibilidade negativo, a sentença subsiste, estando sujeita a ataque por meio de rescisória141.

Do mesmo modo, há a substituição do acórdão proferido no tribunal a quo pelo prolatado na corte superior, quando ela profere juízo de admissibilidade positivo, e em seguida passa ao juízo de mérito — sem pronunciar a existência de error in procedendo. Com efeito, tirando a exceção anotada, conhecido o recurso pelo tribunal ad quem, o respectivo acórdão substitui o proferido na corte de origem. É o que revela o enunciado n. 249 da Súmula do Supremo Tribunal Federal: “É competente o Supremo Tribunal Federal para a ação rescisória, quando, embora não tendo conhecido do (rectius, não tendo provido o) recurso extraordinário, ou havendo negado provimento ao agravo, tiver apreciado a questão federal controvertida”142 143.

Entretanto, quando o tema decidido pela corte superior não está em discussão na ação rescisória, o julgamento é da competência do tribunal a quo. A respeito do tema, merece ser prestigiado o verbete n. 515 da Súmula

140 De acordo, na doutrina: BARBOSA MOREIRA. Comentários. Volume. V, 7ª ed., 1998, p. 112, 113 e 114; COQUEIJO COSTA. Ação rescisória. 4ª ed., 1986, p. 30; HUMBERTO THEODORO JÚNIOR. O processo. 1999, p. 161; e PONTES DE MIRANDA. Comentários. Tomo VI, 3ª ed., 1998, p. 192; VICENTE GRECO FILHO. Direito. Volume II, 11ª ed., 1996, p. 422. Assim, na jurisprudência: AR n. 499.739, 4ª Câmara do 2º TACivSP, in Boletim da AASP, n. 2.109, suplemento, p. 7: “Rescisória de sentença — Questão reapreciada por acórdão. Se o acórdão substituiu a sentença, então a rescisória deve se voltar contra aquele e não contra esta”.141 No mesmo sentido, na doutrina: PONTES DE MIRANDA. Comentários. Tomo VI, 3ª ed., 1998, p. 192. Assim, na jurisprudência: AR n. 596/SP, 2ª Seção do STJ, julgado em 26 de maio de 1999.142 Em sentido idêntico: AR n. 1.151/RJ, Pleno do STF, in Diário da Justiça de 31 de agosto de 1984; e RCL n. 377/PR, Pleno do STF, in Diário da Justiça de 30 de abril de 1993: “RECLAMAÇÃO. AÇÕES RESCISÓRIAS PROCESSADAS PERANTE O TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ, COM ALEGADA USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, JÁ QUE DIRIGIDAS CONTRA ACÓRDÃOS QUE HAVIAM SIDO APRECIADOS POR ESSA CORTE, EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO, CONQUANTO DESTE NÃO TENHA CONHECIDO. Evidenciado que, ao julgar o recurso, decidiu o STF questão federal nele suscitada, é fora de dúvida a incompetência da Corte Estadual para as ações rescisórias que, conquanto houvessem impugnado apenas a decisão local, na verdade investem contra os efeitos do acórdão do STF que a confirmou e que, conseqüentemente, a substituiu (art. 512 do CPC). O Supremo Tribunal Federal é competente para a ação rescisória quando, embora não tendo conhecido do recurso extraordinário, tiver apreciado a questão controvertida (Súmula nº 249). Competência que se afirma, independentemente da natureza da questão federal apreciada. Reclamação acolhida, para o fim de tornar sem efeito as decisões impugnadas e julgar extintas as rescisórias, por impossibilidade jurídica do pedido”.143 A propósito, não é rara na literatura pátria a afirmação de que o enunciado n. 249 restou superado pelo advento do verbete n. 515. Permissa venia, tal entendimento não parece ser o melhor. Os enunciados não são antagônicos, nem incompatíveis entre si. Muito pelo contrário, são harmônicos, pois cuidam de assuntos diferentes, pelo que um completa o outro. Aliás, nos precedentes indicados na nota anterior, o Supremo Tribunal Federal prestigiou expressamente o verbete n. 249. É importante não esquecer que os acórdãos da Corte Suprema foram proferidos após a publicação do enunciado n. 515, o que demonstra a subsistência da proposição n. 249.

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do Supremo Tribunal Federal: “A competência para a ação rescisória não é do Supremo Tribunal Federal, quando a questão federal, apreciada no recurso extraordinário ou no agravo de instrumento, seja diversa da que foi suscitada no pedido rescisório”. Um exemplo pode facilitar a compreensão do assunto: o autor A propõe ações cumuladas de cobrança das dívidas X e Y contra o réu R. Inconformado com a sentença de procedência, o réu R interpõe apelação total. O tribunal de segundo grau nega provimento ao apelo. Insatisfeito em parte, o réu R interpõe recurso especial apenas acerca da dívida X. O Superior Tribunal de Justiça conhece do recurso, mas nega provimento ao especial. Na hipótese, a ação rescisória que versar sobre a dívida Y deve ser proposta perante a corte de segundo grau. Com efeito, a ação rescisória que trata de tema alheio ao recurso especial deve ser processada e julgada no tribunal a quo. O Superior Tribunal de Justiça só tem competência para processar e julgar a ação rescisória que tratar da dívida X.

Como já estudado, a admissibilidade da ação rescisória está sempre condicionada à impossibilidade jurídica da interposição de recurso e do ajuizamento de outra ação. Realmente, é inadmissível ação rescisória enquanto estiver pendente prazo recursal ou for possível a propositura de outra ação, nos termos do artigo 268 do Código de Processo Civil. O legislador optou por sintetizar tal asserção na seguinte fórmula, inserta no caput do artigo 485 do Código: “sentença de mérito, transitada em julgado”. A teor do artigo 467, “denomina-se coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário”. A segunda parte do § 3º do artigo 301 reforça: “há coisa julgada, quando se repete ação que já foi decidida por sentença, de que não caiba recurso”.

Há, na quase totalidade dos casos, compatibilidade entre a asserção e a fórmula utilizada pelo Código. Quando são inconciliáveis as conclusões tiradas a partir da asserção e da fórmula legal, o que ocorre raramente, a doutrina e a jurisprudência têm temperado cum grano salis144 a cláusula legal “sentença de mérito, transitada em julgado”. Exemplo tradicional pode facilitar a compreensão do assunto: o juiz de primeiro grau extingue o processo sem julgamento do mérito, reconhecendo a existência de coisa julgada. Decorrido o prazo recursal in albis, o autor constata que a sentença está contaminada por vício arrolado no artigo 485. Todavia, o autor não pode ajuizar nova ação, tendo em vista o óbice previsto no artigo 268 do Código, que faz expressa remissão ao inciso V do artigo 267. A única solução é o ajuizamento de ação rescisória, apesar de a sentença não ser de mérito. Em suma, tem-se como admissível a rescisória na hipótese, já que a propositura de outra ação e a interposição de recurso são juridicamente impossíveis145.

144 Com um grão de sal; com prudência; com inteligência pronta; com certa reserva.145 Assim, na doutrina: SÁLVIO DE FIGUEIREDO. A ação rescisória. 1991, p. 260 e 261, nota 3: “Em alguns casos, pode-se admitir a ação rescisória em se tratando de acórdão que, por equívoco, extingue o processo sob o fundamento de coisa julgada (CPC, art. 267, V), uma vez que, em tal hipótese, não há possibilidade de renovar-se a causa em primeiro grau, por força do disposto no art. 268 do CPC. A hipótese é rara, mas pode ocorrer, a exemplo do que se deu em Minas Gerais, onde, em primeiro grau,

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A ação rescisória, em síntese, tem geralmente como alvo decisum de mérito protegido pela res iudicata; excepcionalmente, pode ter em mira até mesmo julgado irrecorrido que não tratou de matéria de mérito.

Assim, não é difícil responder à seguinte pergunta: é admissível ação rescisória contra o último julgado proferido no processo, ainda que nele não tenha sido resolvida a matéria de mérito, solucionada apenas na decisão recorrida?

Tudo indica que a resposta afirmativa é a melhor146. Quando o recurso não ultrapassa a barreira da admissibilidade, é o decisum recorrido que adquire a auctoritas rei iudicatae, após o decurso in albis do prazo recursal para a impugnação do último julgado proferido no processo. Não é juridicamente possível a interposição de outro recurso, nem o ajuizamento de nova ação de procedimento comum, em razão da combinação dos artigos 268,

uma juíza obtivera ganho de causa sobre adicionais de tempo de serviço, que anteriormente lhe haviam sido negados pela Comissão Permanente do Tribunal, órgão composto de desembargadores mas com atribuições apenas administrativas. Em grau de recurso, a Câmara Civil isolada, levada por uma má redação do Regimento Interno, extinguiu o processo sem julgamento do mérito, ao entendimento de haver coisa julgada (CPC, art. 267, V). Impedida de retornar com a mesma ação em primeiro grau, em face do disposto no art. 268 do CPC, a magistrada não teve outra solução senão manejar a ação rescisória, admitida pelo Tribunal para não inviabilizar a tutela jurisdicional, partindo-se da premissa segundo a qual onde quer que haja um direito violado há de existir um meio judicial de debater a ofensa”. De acordo, ainda na doutrina: OTHON SIDOU. Dicionário jurídico. 4ª ed., 1997, p. 19: “A expressão sentença de mérito deve ser tomada com reserva (admitindo portanto interpretação ampla), pois há casos em que o processo é extinto sem julgamento do mérito, e, quando menos por eqüidade, a ação rescisória deve prevalecer”. Em seu clássico Tratado da ação rescisória, PONTES DE MIRANDA também sustenta que “não só as sentenças de mérito são rescindíveis” (5ª ed., 1976, p. 144). Reitera o Jurisconsulto a tese em seus Comentários. Tomo VI, 3ª ed., 1998, p. 162 e 166. Ainda em sentido semelhante: HUMBERTO THEODORO JÚNIOR. Curso. Volume I, 19ª ed., 1997, p. 636. De acordo, na jurisprudência: AR n. 1.501/RJ, 2ª Seção do TFR, in Diário da Justiça de 10 de abril de 1989, p. 5.004: “Ação rescisória — Impugnação de sentença que extinguiu o processo, a fundamento de existir coisa julgada. Embora não se trate de sentença de mérito, enseja a ação rescisória já que inadmissível seja novamente intentada a ação (CPC art. 268)”. Também é muito elucidativa a ementa do voto vencedor declarado pelo Ministro ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO: “Reconhecida a existência de coisa julgada, assim como de perempção e de litispendência, muito embora a decisão não seja de mérito, a ação não poderá ser renovada. Daí ser cabível a rescisória”.Com outra opinião, na doutrina: COQUEIJO COSTA. Ação rescisória. 4ª ed., 1986, p. 30; ERNANE FIDELIS. Manual. Volume I, 6ª ed., 1998, p. 619; e SÉRGIO RIZZI. Ação rescisória. 1979, p. 29 e 30. Também em sentido oposto, na jurisprudência: AR n. 1.056/GO, Pleno do STF, julgado em 26 de novembro de 1997.146 De acordo, na doutrina: HUMBERTO THEODORO JÚNIOR. Curso. Volume I, 19ª ed., 1997, p. 636: “Por outro lado, pode acontecer a necessidade de recorrer-se à rescisória, quando a decisão última (rescindenda), embora não sendo de mérito, importou tornar preclusa a questão de mérito decidida no julgamento precedente. Assim, se, por exemplo, o Tribunal recusou conhecer de recurso mediante decisão interlocutória que violou disposição literal de lei, não se pode negar à parte prejudicada o direito de propor a rescisória, sob pena de aprovar-se flagrante violação da ordem jurídica. É certo que a decisão do Tribunal não enfrentou o mérito da causa, mas foi por meio dela que se operou o trânsito em julgado da sentença que decidiu a lide e que deveria ser revista pelo Tribunal por força da apelação não conhecida. Não se pode, outrossim, dizer que se na sentença existir motivo para a rescisória esta deveria ser requerida contra a decisão de primeiro grau e não contra o acórdão do Tribunal, cujo conteúdo teria sido meramente terminativo. É que nem sempre é possível fazer-se o enquadramento da sentença nos permissivos do art. 485. Mas, se houve o error in iudicando no acórdão, o apelante sofreu violento cerceamento do direito de obter a revisão da sentença de mérito, pela via normal da apelação, que é muito mais ampla do que a da rescisória. Tendo-se em vista a instrumentalidade do processo e considerando-se que o error in iudicando, embora de natureza simplesmente processual, afetou diretamente uma solução de mérito, entendo que, nessa hipótese excepcional, a mens legis deve ser interpretada como autorizadora da ação rescisória, a fim de que, cassada a decisão ilegal do Tribunal, se possa completar o julgamento de mérito da apelação, cujo trancamento se deveu a flagrante negação de vigência de direito expresso”. Assim, na jurisprudência: REsp n. 122.413/GO, 3ª Turma do STJ, julgado em 20 de junho de 2000.

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301, § 3º, e 467, todos do Código de Processo Civil. Porém, se o vício previsto no artigo 485 diz respeito à última decisão, de nada adianta atacar o primeiro decisum, já que o mesmo não está contaminado por defeito que autoriza a rescisão. Com efeito, se o vício reside no último julgado, a ação rescisória deve ter como alvo o julgamento derradeiro, contaminado pelo defeito previsto em algum dos incisos do artigo 485, ainda que só a primeira decisão tenha sido de mérito. Mais uma vez a cláusula inserta no caput do artigo 485 deve ser temperada cum grano salis, porque basta que a primeira decisão tenha sido de mérito para que ocorra a coisa julgada obstativa da propositura de nova ação de procedimento comum, ex vi do artigo 268. Na verdade, embora o vício resida na última decisão, a qual, a despeito de não versar sobre o mérito, gera, por via reflexa, a res iudicata do julgamento do meritum causae ocorrido na primeira decisão. Daí a necessidade da propositura da ação rescisória contra o último julgado, contaminado por vício previsto em algum inciso do artigo 485 do Código147.

Estudado o alvo da ação rescisória, já é possível analisar as hipóteses de rescindibilidade.

5.4. Hipóteses de rescindibilidade

5.4.1. Generalidades

A ação rescisória só é admissível nas hipóteses de rescindibilidade taxativamente previstas na legislação de regência148, não sendo possível interpretação extensiva149.

Consoante revelam as hipóteses de rescindibilidade insertas no Código de Processo Civil, a ação rescisória pode ser proposta tanto para sanar vício de juízo (error in iudicando) como vício de atividade (error in procedendo)150. 147 De acordo: REsp n. 562.334/SP, 1ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 31 de maio de 2004: “PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. ACÓRDÃO RESCINDENDO FUNDADO EM ERRO DE FATO (CONSIDEROU-SE INTEMPESTIVO RECURSO PROTOCOLIZADO EM COMARCA DO INTERIOR OPORTUNAMENTE). CORREÇÃO DO ERRO PELA VIA RESCISÓRIA. VIABILIDADE. INTERPRETAÇÃO DO ART. 485, IX DO CPC. 1. Há de ser reformado acórdão que entendeu não ser cabível a via rescisória com intuito de desconstituir julgado que não apreciou o mérito da demanda (apenas declarou a intempestividade do agravo de instrumento interposto). Porquanto o acórdão rescidendo não tenha enfrentando o mérito, consoante pressupõe o caput do art. 485 do CPC, o seu inciso IX admite rescisória fundada em erro de fato”.148 De acordo: HUMBERTO THEODORO JÚNIOR. Curso. Volume I, 19ª ed., 1997, p. 634 e 637; JOSÉ RIBAMAR MORAES. O labirinto da ação rescisória. p. 39 e 43; SÉRGIO GILBERTO PORTO. Comentários. Volume VI, 2000, p. 300; e VICENTE GRECO FILHO. Direito. Volume II, 11ª ed., 1996, p. 423. Também com a mesma opinião, na doutrina estrangeira: AMÂNCIO FERREIRA. Manual. 2000, p. 267 e 269.149 Como bem ensina o Professor SÉRGIO RIZZI, “a melhor hermenêutica, em se tratando de rescisória, reside na inteligência restritiva para todos os incisos do art. 485 do Código” (Ação rescisória. 1979, p. 50).150 De acordo, na doutrina: BARBOSA MOREIRA. Comentários. Volume V, 7ª ed., 1998, p. 108 e 117; COQUEIJO COSTA. Ação rescisória. 4ª ed., 1986, p. 61; HUMBERTO THEODORO JÚNIOR. Curso.

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O que importa para a admissibilidade da ação rescisória é a observância dos permissivos legais, e não o tipo de vício apontado pelo autor.

Convém ressaltar que os permissivos de rescindibilidade são autônomos entre si, sendo suficiente a procedência de apenas um deles para a desconstituição do julgado151, já que é possível suscitar mais de um. Sem dúvida, o autor pode formular os pedidos rescindendo e rescisório com esteio em mais de uma causa de pedir, acarretando verdadeira cumulação de ações rescisórias152. Não é só. Em virtude da autonomia das hipóteses de rescindibilidade, ainda que julgada improcedente a rescisória por alguma delas, o autor pode ajuizar nova ação rescisória com esteio em outro permissivo que não foi suscitado, desde que no biênio fixado no artigo 495 do Código153.

5.4.2. Prevaricação, concussão e corrupção

A teor do artigo 485, caput e inciso I, do Código de Processo Civil, o decisum pode ser desconstituído por meio de ação rescisória quando se verificar prevaricação, concussão ou corrupção do magistrado que o proferiu. Os conceitos das mencionadas infrações são fornecidos pelo Direito Penal154. O delito de prevaricação está previsto no artigo 319 do Código Penal: “Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal”. O crime de concussão está tipificado no artigo 316: “Exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida”. Já a corrupção, que só pode ser a passiva, consiste em “solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem”. É o que dispõe o artigo 317 do Código Criminal. Ao revés, não sendo possível o enquadramento específico da conduta do magistrado em qualquer dos tipos

Volume I, 19ª ed., 1997, p. 636; NERY JUNIOR. Código. 4ª ed., 1999, p. 942, comentários 6 e 7; SÁLVIO DE FIGUEIREDO. A ação rescisória. 1991, p. 267; SÉRGIO GILBERTO PORTO. Comentários. Volume VI, 2000, p. 319; e VICENTE GRECO FILHO. Direito. Volume II, 11ª ed., 1996, p. 425. Na mesma linha, na jurisprudência: AR n. 870/RJ – EI, 1ª Seção do TFR, in RTFR, volume 164, p. 11; e REsp n. 11.290/AM, 4ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 7 de junho de 1993.Em sentido contrário, há também autorizada doutrina: MANUEL ALCEU AFFONSO FERREIRA. Do processo nos tribunais. 1974, p. 164.151 De acordo: JOSÉ RIBAMAR MORAES. O labirinto da ação rescisória. p. 39, letra “j”: “A autonomia dos casos de rescisão ocorre porque cada uma das hipóteses de cabimento, per se, isoladamente, se comprovado, é causa eficiente para a rescisão de sentença”.152 Com a mesma opinião: JOSÉ RIBAMAR MORAES. O labirinto da ação rescisória. p. 25.153 Em sentido conforme: BARBOSA MOREIRA. Comentários. Volume V, 7ª ed., 1998, p. 153.154 Assim: ALEXANDRE FREITAS CÂMARA. Lições. Volume II, 2ª ed., 1999, p. 9; HUMBERTO THEODORO JÚNIOR. Curso. Volume I, 19ª ed., 1997, p. 637 e 638; JOSÉ FREDERICO MARQUES. Manual. Volume III, 1975, p. 260; LUIZ FUX. Curso. 2001, p. 14; SÁLVIO DE FIGUEIREDO. A ação rescisória. 1991, p. 262; SÉRGIO GILBERTO PORTO. Comentários. Volume VI, 2000, p. 304; e SÉRGIO RIZZI. Ação rescisória. 1979, p. 49.

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dos artigos 316, 317 e 319 do diploma penal, a rescisória não pode prosperar155.

A admissibilidade de ação rescisória com esteio no inciso I do artigo 485 não está condicionada à prévia condenação criminal do magistrado que proferiu o decisum rescindendo. Também é irrelevante para a admissibilidade da ação rescisória a existência de processo criminal contra o juiz. Cabe ao órgão colegiado julgador averiguar, mediante as provas produzidas no próprio processo da rescisória, a ocorrência, ou não, do crime imputado ao magistrado que proferiu a decisão impugnada156. Em síntese, ao contrário do que ocorre no direito português157, o Código de Processo Civil brasileiro não exige a condenação penal do juiz em anterior processo criminal, pelo que a conduta dolosa do magistrado pode ser aferida na própria ação rescisória.

A despeito da ausência da necessidade de prévia condenação em processo criminal, nada impede que a rescisória seja instruída com a respectiva sentença penal passada em julgado. Realmente, é admissível a rescisória amparada em sentença criminal irrecorrida condenatória do juiz prolator da decisão cível. Aliás, além de admissível, a rescisória deve ser julgada procedente no juízo rescindendo, consoante o disposto na segunda parte do artigo 935 do Código Civil de 2002. É o que também se infere da combinação dos artigos 110, 265, inciso IV, letra “a”, e 584, inciso II, todos do Código de Processo Civil.

A prática da infração penal por membro de tribunal também dá ensejo à ação rescisória, que pode ser proposta tendo como alvo tanto decisão monocrática como acórdão. Enquanto não há dúvida em relação à admissibilidade da rescisória tendo em mira decisão monocrática, até mesmo em razão do caráter unipessoal do julgado, que fica irremediavelmente contaminado pela prevaricação, concussão ou corrupção do respectivo prolator, a solução não é tão simples no que tange ao julgamento de órgão coletivo. Tratando-se de acórdão, a ação é admissível desde que o infrator tenha proferido voto que conduziu à maioria ou que simplesmente a compôs no julgamento do colegiado. Não há necessidade da existência de juízes infratores em número suficiente para compor a maioria. Basta um voto vencedor viciado para que o acórdão seja rescindido, já que não é possível garantir que os

155 De acordo, na doutrina pátria: SÉRGIO RIZZI. Ação rescisória. 1979, p. 51. Assim, na literatura estrangeira: AMÂNCIO FERREIRA. Manual. 2000, p. 270: “Se o dolo do juiz não se integrar num dos tipos de crimes referidos, não é fundamento de revisão”.156 Em sentido semelhante ao texto do parágrafo: BARBOSA MOREIRA. Comentários. Volume V, 7ª ed., 1998, p. 119; BUENO VIDIGAL. Comentários. Volume VI, 2ª ed., 1976, p. 56; CALMON DE PASSOS. Rescisória. p. 339; HUMBERTO THEODORO JÚNIOR. Curso. Volume I, 19ª ed., 1997, p. 638; JOSÉ FREDERICO MARQUES. Manual. Volume III, 1975, p. 260; LUCIANO LEMOS. Primeiras linhas. 2000, p. 16; MÁRIO GUIMARÃES. O juiz. 1958, p. 385; NERY JUNIOR. Código. 4ª ed., 1999, p. 943, comentário 11; SÁLVIO DE FIGUEIREDO. A ação rescisória. 1991, p. 263; SÉRGIO GILBERTO PORTO. Comentários. Volume VI, 2000, p. 305; SÉRGIO RIZZI. Ação rescisória. 1979, p. 54; e VICENTE GRECO FILHO. Direito. Volume II, 11ª ed., 1996, p. 423.157 Cf. AMÂNCIO FERREIRA. Manual. 2000, p. 270.

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demais votos vitoriosos não foram contaminados pelo defeituoso158. Ao revés, se o infrator proferiu voto divergente que não foi prestigiado pelos pares e não teve nenhuma repercussão prática, a rescisória é inadmissível por carência de ação, tendo em vista a ausência de interesse processual.

Por fim, constatado o fato delituoso em anterior processo criminal ou na própria ação rescisória, o julgado rescindendo deve ser desconstituído, a fim de que a causa primitiva receba novo julgamento. Ao contrário do que pode parecer à primeira vista, nada impede que se chegue — no juízo rescisório — ao mesmo resultado indicado no julgado rescindido159.

5.4.3. Impedimento e incompetência absoluta

A ação rescisória também pode ser ajuizada contra decisum proferido por magistrado impedido ou “absolutamente incompetente”. É o que estabelece o artigo 485, caput e inciso II, do Código de Processo Civil. As hipóteses de impedimento estão previstas nos artigos 134 e 136. Já a mera suspeição — de que cuida o artigo 135 — não dá ensejo à rescisão do julgado160.

Ainda a respeito do permissivo consubstanciado no impedimento, não é demais lembrar que a admissibilidade da rescisória não está condicionada à prévia argüição de exceção no processo originário. Do mesmo modo, é admissível a ação rescisória ainda que o tribunal julgue improcedente a exceção de impedimento161.

No tocante à incompetência, só a absoluta acarreta a desconstituição do decisum. Já a relativa não permite a rescisão do julgado, pois a ausência da formulação da exceção de incompetência relativa no prazo da resposta

158 Em sentido semelhante ao texto do parágrafo: ALEXANDRE FREITAS CÂMARA. Lições. Volume II, 2ª ed., 1999, p. 10; JOSÉ FREDERICO MARQUES. Manual. Volume III, 1975, p. 260; LUCIANO LEMOS. Primeiras linhas. 2000, p. 17; NERY JUNIOR e ROSA NERY. Código. 4ª ed., 1999, p. 943, comentário 11; SÁLVIO DE FIGUEIREDO. A ação rescisória. 1991, p. 263; e SÉRGIO RIZZI. Ação rescisória. 1979, p. 56. Em sentido contrário, há também autorizada doutrina: SÉRGIO GILBERTO PORTO. Comentários. Volume VI, 2000, p. 306.159 Com o mesmo entendimento: ALEXANDRE FREITAS CÂMARA. Lições. Volume II, 2ª ed., 1999, p. 10: “A sentença deverá ser rescindida e, em seguida, no juízo rescisório, deverá o tribunal julgar novamente a causa (e, se for o caso, dar nova decisão, de idêntico teor ao da sentença desconstituída)”. 160 Com a mesma opinião, na doutrina: ALEXANDRE FREITAS CÂMARA. Lições. Volume II, 2ª ed., 1999, p. 11; BARBOSA MOREIRA. Comentários. Volume V, 7ª ed., 1998, p. 122; BUENO VIDIGAL. Comentários. Volume VI, 2ª ed., 1976, p. 65 e 66; FREDIE DIDIER JÚNIOR. Direito. Volume I, 5ª ed., 2005, p. 448; HUMBERTO THEODORO JÚNIOR. Curso. Volume I, 19ª ed., 1997, p. 639; JOSÉ FREDERICO MARQUES. Manual. Volume III, 1975, p. 260; LUCIANO LEMOS. Primeiras linhas. 2000, p. 17; NERY JUNIOR. Código. 4ª ed., 1999, p. 943, comentário 12; SÉRGIO GILBERTO PORTO. Comentários. Volume VI, 2000, p. 307; e VICENTE GRECO FILHO. Direito. Volume II, 11ª ed., 1996, p. 424. Na mesma linha, na jurisprudência: AR n, 1.134/GO, Pleno do STF, in Diário da Justiça de 14 de fevereiro de 1986, p. 1.207.161 Com o mesmo entendimento: SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA. A ação rescisória. 1991, p. 263; e SÉRGIO RIZZI. Ação rescisória. 1979, p. 61.

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acarreta a prorrogação da competência, nos termos do artigo 114 do Código de Processo Civil162.

Característica importante da ação rescisória fundada em incompetência absoluta, é a regra da inexistência de juízo rescisório163. Basta imaginar a hipótese de o tribunal regional federal reconhecer a incompetência da justiça federal, desconstituindo a sentença proferida por juiz federal. Não há a possibilidade da prolação do juízo rescisório. Julgada procedente a rescisória e desconstituído o decisum, os autos do processo originário devem ser encaminhados à justiça competente, nos termos do artigo 113, § 2º, do Código de 1973164. Todavia, ao contrário do que pode parecer à primeira vista, nem sempre há o óbice à prolação do juízo rescisório. Tendo o próprio tribunal competência para julgar a ação primitiva, é possível a realização do imediato julgamento da causa anterior165. Em síntese, a regra em caso de rescisória fundada em incompetência absoluta é a ausência do iudicium rescissorium; mas em hipóteses excepcionais é possível a existência de juízo rescisório.

5.4.4. Dolo rescisório, processo fraudulento e processo simulado

A teor do artigo 485, caput e inciso III, o decisum pode ser rescindido “quando resultar de dolo da parte vencedora em detrimento da parte vencida, ou de colusão entre as partes, a fim de fraudar a lei”.

Há dolo rescisório, também denominado de dolo processual, quando a parte vencedora age voluntariamente em desacordo com o estabelecido nos artigos 14, inciso II, e 17, ambos do Código de Processo Civil, com prejuízo à atuação da parte contrária ou induz o juiz a erro. Ao revés, a inércia da parte vitoriosa não gera a rescisão do julgado. Na mesma esteira, reforça o

162 No mesmo sentido do texto, na doutrina: BARBOSA MOREIRA. Comentários. Volume V, 7ª ed., 1998, p. 122; FREITAS CÂMARA. Lições. Volume II, 2ª ed., 1999, p. 11; HUMBERTO THEODORO JÚNIOR. Curso. Volume I, 19ª ed., 1997, p. 639; JOSÉ FREDERICO MARQUES. Manual. Volume III, 1975, p. 260; NERY JUNIOR. Código. 4ª ed., 1999, p. 943, comentário 12; SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA. A ação rescisória. 1991, p. 264; SÉRGIO GILBERTO PORTO. Comentários. Volume VI, 2000, p. 308; e VICENTE GRECO FILHO. Direito. Volume II, 11ª ed., 1996, p. 424. Assim, na jurisprudência: AR n. 777/RJ, Pleno do STF, in Diário da Justiça de 28 de março de 1980. 163 Em sentido semelhante: MANUEL ALCEU AFFONSO FERREIRA. Do processo nos tribunais. 1974, p. 168: “Uma questão surge: por que diz o Código que haverá cumulação desses juízos de mérito (rescindens e rescissorium), ‘se for o caso’ (arts. 488, II, e 494). É que pode haver ocasiões em que tal cumulação seja totalmente impossível. Veja-se o caso da AR fundada na incompetência absoluta do juiz que prolatou a sentença. Suponha-se que um juiz estadual tenha julgado matéria da exclusiva jurisdição da Justiça Federal. O que ocorrerá então? Evidente que não se poderia pedir, ao Tribunal Federal de Recursos, a desconstituição daquela coisa julgada emanada de Judiciário de Estado. O interessado deverá propor ação ante o Tribunal Estadual. Mas este, por sua vez, não poderá apreciar a matéria que é da exclusiva competência da Justiça da União. O que se fará então? O Tribunal Estadual formulará o ius rescindens, anulando, por incompetência absoluta, a sentença do seu juiz. Mas o ius rescissorium estará logicamente vedado à sua cognição”.164 A propósito, vale a pena conferir o didático acórdão proferido pelo Pleno do Tribunal Regional Federal da 5ª Região no julgamento da AR n. 974/CE, publicado no Diário da Justiça de 6 de novembro de 1998, p. 733.165 Em sentido semelhante: SÉRGIO RIZZI. Ação rescisória. 1979, p. 64.

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enunciado n. 403 da Súmula do Tribunal Superior do Trabalho: “AÇÃO RESCISÓRIA. DOLO DA PARTE VENCEDORA EM DETRIMENTO DA VENCIDA. ART. 485, III, DO CPC. I - Não caracteriza dolo processual, previsto no art. 485, III, do CPC, o simples fato de a parte vencedora haver silenciado a respeito de fatos contrários a ela, porque o procedimento, por si só, não constitui ardil do qual resulte cerceamento de defesa e, em conseqüência, desvie o juiz de uma sentença não-condizente com a verdade”166.

Tal como o ato doloso da parte vencedora, o do seu advogado também dá ensejo à rescisão do julgado, consoante se infere do artigo 14, caput e inciso II. Aliás, até mesmo o ato doloso do representante legal da parte autoriza a desconstituição do decisum. Em todas as hipóteses, a rescisão do julgado está condicionada à existência de nexo de causalidade entre o dolo e o pronunciamento do juiz167.

É igualmente admissível ação rescisória tendo como alvo decisão proferida em processo marcado pela colusão das partes para fraudar a lei. Considera-se fraudulento o processo quando as partes fazem uso dele em conluio para obter fim proibido por lei. Havendo nexo de causalidade entre a colusão e o pronunciamento do juiz, o julgado pode ser desconstituído por meio de ação rescisória, nos termos do artigo 485, inciso III, segunda parte, que recebe o reforço do artigo 129 do próprio Código de Processo Civil168.

Resta saber se é admissível ação rescisória tendo em vista decisão proferida em processo simulado. Tem-se por simulado o processo quando as partes em conluio fazem uso dele para prejudicar terceiro169. Embora exista 166 Cf. Resolução n. 137, in Diário da Justiça de 22 de agosto de 2005.167 No sentido do texto do parágrafo: BARBOSA MOREIRA. Comentários. Volume V, 7ª ed., 1998, p. 122 e 123; BUENO VIDIGAL. Comentários. Volume VI, 2ª ed., 1976, p. 83; ERNANE FIDÉLIS. Manual. Volume I, 6ª ed., 1998, p. 617; HUMBERTO THEODORO JÚNIOR. Curso. Volume I, 19ª ed., 1997, p. 639 e 640; JOSÉ FREDERICO MARQUES. Manual. Volume III, 1975, p. 261; LUCIANO LEMOS. Primeiras linhas. 2000, p. 18 e 19; SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA. A ação rescisória. 1991, p. 264 e 265; e SÉRGIO RIZZI. Ação rescisória. 1979, p. 72, 76, 77, 80 e 81. O Professor BARBOSA MOREIRA apresenta elucidativo exemplo de decisum passível de desconstituição por ocorrência de dolo rescisório: “O litigante vitorioso criou empecilho, de caso pensado, à produção de prova que sabia vantajosa para o adversário, subtraiu ou inutilizou documento por este junto aos autos” (p. 123). Na mesma linha, o Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO indica como exemplo a hipótese “em que se inutilizou ou extraviou prova de relevo constante dos autos” (p. 265, nota n. 9). O Professor ERNANE FIDÉLIS também formula exemplos didáticos: “Os exemplos são os mais variados: o advogado do autor, fazendo petição conjunta de transação com o réu, deixa de juntá-la, e o prazo de contestação se escoa, provocando revelia, com os fatos tidos por verdadeiros (art. 319). Uma das partes rasura documento, falsifica-o ou altera-o, iludindo o juiz no julgamento. A parte suborna o advogado da outra, para que este pratique ou deixe de praticar ato que possa influenciar na decisão”.168 No sentido do texto do parágrafo: BARBOSA MOREIRA. Comentários. Volume V, 7ª ed., 1998, p. 125 e 126; NERY JUNIOR e ROSA NERY. Código. 2ª ed., 1996, p. 554; e SÉRGIO RIZZI. Ação rescisória. 1979, p. 95 e 97. Exemplos de processos fraudulentos passíveis de ação rescisória: a) “quando marido e mulher, em conluio, fazem crer um vício do matrimônio que não existe, para conseguir que o juiz declare a nulidade, porque um e outro entendem valer-se dos efeitos da sentença” (cf. SÉRGIO RIZZI e BARBOSA MOREIRA); e b) “ação de alimentos de mãe contra filho, com o objetivo de criar dedução ilegal do imposto de renda, em detrimento do erário” (cf. NERY JUNIOR e ROSA NERY).169 No sentido do texto: BARBOSA MOREIRA. Comentários. Volume V, 7ª ed., 1998, p. 125; LUCIANO LEMOS. Primeiras linhas. 2000, p. 19; e NERY JUNIOR e ROSA NERY. Código. 2ª ed., 1996, p. 554. A propósito, vale a pena conferir o seguinte exemplo de processo simulado elaborado por CARNELUTTI: “Tício e Caio, querendo subtrair um bem do primeiro, à ação de execução de Semprônio, credor de Tício, simulam uma reivindicação de Caio contra Tício para opor a sentença que a acolha, a Semprônio, mas, sempre com o entendimento que, entre eles, aquela sentença não terá qualquer eficácia” (SÉRGIO RIZZI.

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séria divergência entre os doutores acerca da admissibilidade de ação rescisória para desconstituir julgado proferido em processo simulado, prevalece a orientação pela afirmativa170. Ainda que muito respeitável a tese contrária, o entendimento predominante parece ser o melhor. O processo simulado também é marcado pela fraus legis171. Se é certo afirmar que a característica essencial do processo simulado é o prejuízo a terceiro, a fraude à lei parece ser uma conseqüência inexorável, consoante se infere do artigo 129 do Código de Processo Civil e dos artigos 167 e 168 do Código Civil de 2002. Então, além da marca principal do prejuízo a terceiro, a fraus legis parece ser uma característica secundária do processo simulado, o que já basta para a admissibilidade da rescisória com esteio no inciso III do artigo 485. O enquadramento da decisão proferida em processo simulado no inciso V também parece ser inevitável, tendo em vista a ofensa aos artigos do Código de Processo Civil e do Código Civil que tratam do instituto. Há mais. Consoante o inciso II do artigo 487 do Código de Processo Civil, o terceiro prejudicado também tem legitimidade para ajuizar ação rescisória, o que reforça a conclusão pela resposta positiva. Por tudo, é possível concluir pela admissibilidade de ação rescisória que tem em mira julgado proferido em processo simulado.

Convém salientar que a simulação pode ser demonstrada na própria rescisória. Com efeito, na legislação pátria a petição inicial da ação não precisa ser instruída com sentença proferida em anterior processo de reconhecimento da simulação. O mesmo não ocorre no direito português, já que a exigência consta do artigo 779, número 1, do Código lusitano172.

Por fim, como o processo fraudulento e o simulado são marcados pela inexistência de litígio verdadeiro, é possível concluir pela ausência de juízo rescisório, cumprindo a ação rescisória sua missão apenas com a prolação do juízo rescindendo173.

5.4.5. Ofensa à coisa julgada

Ação rescisória. 1979, p. 94 e 95). Outro “exemplo típico que bem ilumina o assunto é o do devedor que, para fraudar os credores, simula débito a um comparsa, em favor do qual assina promissórias. O processo para a cobrança do débito simulado, nesse caso, visaria a frustrar o pagamento dos credores ou, pelo menos, a aviltá-lo” (HÉLIO TORNAGHI. Comentários. Volume I, 2ª ed., 1976, p. 401).170 Os Professores ERNANE FIDÉLIS (Manual. Volume I, 6ª ed., 1998, p. 618 e 619), NERY JUNIOR e ROSA NERY (Código. 2ª ed., 1996, p. 553, comentário 2) e SÉRGIO RIZZI (Ação rescisória. 1979, p. 96 e 97), defendem a tese da admissibilidade de rescisória para desconstituir julgado proferido em processo simulado. Entretanto, o Professor BARBOSA MOREIRA agasalha tese diversa, considerando inadmissível a ação rescisória na hipótese (Comentários. Volume V, 7ª ed., 1998, p. 125). Também defendendo a impossibilidade de rescisória em processo simulado: LUCIANO LEMOS. Primeiras linhas. 2000, p. 19.171 Fraude à lei.172 Em sentido conforme: AMÂNCIO FERREIRA. Manual. 2000, p. 295 e 296.173 Em sentido semelhante: SÉRGIO RIZZI. Ação rescisória. 1979, p. 7.

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Decisum que ofende a coisa julgada também é passível de desconstituição por meio de ação rescisória, nos termos do artigo 485, caput e inciso IV, do Código de Processo Civil. A teor do artigo 301, § 3º, segunda parte, “há coisa julgada, quando se repete ação que já foi decidida por sentença, de que não caiba recurso”. O artigo 467 reforça: “Denomina-se coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário e extraordinário”. Daí a regra proibitiva inserta no proêmio do artigo 471: “Nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas, relativas à mesma lide”. Por conseqüência, na hipótese de julgamento de causa já solucionada por decisum protegido pelo manto da coisa julgada, é admissível ação rescisória tendo como alvo a segunda decisão, proferida em afronta à res iudicata da primeira.

Não tem nenhuma importância para a admissibilidade da ação rescisória se a preliminar de coisa julgada foi, ou não, solucionada no decisum rescindendo. Com efeito, ainda que rejeitada a preliminar, é possível em nosso direito ressuscitar a ofensa à coisa julgada em ação rescisória174.

É bom lembrar que não há iudicium rescissorium quando a ação rescisória é proposta com esteio no inciso IV do artigo 485. Realmente, tratando-se de ação rescisória por ofensa à coisa julgada, a prestação jurisdicional do tribunal se esgota no iudicium rescindens. Do contrário, a ofensa à coisa julgada passaria a ser perpetrada pelo próprio acórdão proferido na rescisória175.

5.4.6. Violação de literal disposição de lei

Por força do artigo 485, caput e inciso V, do Código de Processo Civil, julgado que contraria “literal disposição de lei” também pode ser desconstituído. É a hipótese de rescindibilidade mais acionada na prática forense, tendo em

174 No sentido do texto do parágrafo: BARBOSA MOREIRA. Comentários. Volume V, 7ª ed., 1998, p. 128 e 129; BUENO VIDIGAL. Comentários. Volume VI, 2ª ed., 1976, p. 87; ERNANE FIDÉLIS. Manual. Volume I, 6ª ed., 1998, p. 619; HUMBERTO THEODORO JÚNIOR. Curso. Volume I, 19ª ed., 1997, p. 641; LUCIANO LEMOS. Primeiras linhas. 2000, p. 20; PONTES DE MIRANDA. Tratado da ação rescisória. 5ª ed., 1976, p. 256; SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA. A ação rescisória. 1991, p. 266; e SÉRGIO RIZZI. Ação rescisória. 1979, p. 46, 130 e 132.Outra é a solução no direito português: AMÂNCIO FERREIRA. Manual. 2000, p. 277: “Só pode verificar-se o motivo de revisão de que ora cuidamos, se a decisão revidenda não se tiver pronunciado sobre a excepção de caso julgado, por suscitada no processo em que foi proferida”.175 No mesmo sentido do texto do parágrafo: AMÂNCIO FERREIRA. Manual. 2000, p. 279; HUMBERTO THEODORO JÚNIOR. Curso. Volume I, 19ª ed., 1997, p. 649 e 652; ERNANE FIDÉLIS. Manual. Volume I, 6ª ed., 1998, p. 613, 620 e 635; LUÍS ANTÔNIO DE ANDRADE. Aspectos. 1974, p. 218; LUIZ RODRIGUES WAMBIER e TERESA ARRUDA ALVIM WAMBIER. Breves comentários à 2ª fase da reforma do Código de Processo Civil. 2002, p. 134; NERY JUNIOR e ROSA NERY. Código. 4ª ed., 1999, p. 942, comentário 4, e p. 953, comentário 6; SYDNEY SANCHES. Da ação rescisória. In Revista dos Tribunais, volume 501, p. 15; e VICENTE GRECO FILHO. Direito. Volume II, 11ª ed., 1996, p. 428.

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vista a correta consagração da acepção ampla do vocábulo “lei” pela doutrina176

e pela jurisprudência177.

Sem dúvida, o vocábulo “lei” deve ser interpretado em sentido lato, alcançando a Constituição, as emendas à Constituição, as leis federais, as leis estaduais, as leis municipais, as leis ordinárias, as leis complementares, as leis delegadas, as leis processuais, as leis materiais, as medidas provisórias, os decretos, os regulamentos, as resoluções e até mesmo os regimentos internos dos tribunais178.

Quanto aos enunciados das súmulas dos tribunais, apenas os da Corte Suprema, desde que aprovados após o disposto na Emenda Constitucional n. 45, de 2004, já que o novel artigo 103-A da Constituição Federal consagrou o “efeito vinculante”. Como os enunciados da Súmula do Supremo Tribunal aprovados à luz do artigo 103-A da Constituição Federal terão verdadeiro conteúdo normativo, em razão da combinação do caráter genérico com o abstrato e o obrigatório, tudo indica que a ofensa literal a tais verbetes poderá ser objeto de ação rescisória. Em contraposição, os enunciados dos demais tribunais pátrios e também os verbetes da Súmula do Supremo Tribunal Federal aprovados antes da Emenda n. 45 não autorizam a rescisória. Daí a regra: a ofensa a enunciado de súmula de tribunal geralmente não enseja ação rescisória, pois os verbetes normalmente não têm força normativa em nosso direito. A respeito da regra, merece ser prestigiada a proposição n. 118 da Segunda Subseção do Tribunal Superior do Trabalho: “AÇÃO RESCISÓRIA. EXPRESSÃO ‘LEI’ DO ART. 485, V, DO CPC. INDICAÇÃO DE CONTRARIEDADE A SÚMULA OU ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL DO 176 Conferir: ALEXANDRE FREITAS CÂMARA. Lições. Volume II, 2ª ed., 1999, p. 14; BARBOSA MOREIRA. Comentários. Volume V, 7ª ed., 1998, p. 129; ERNANE FIDÉLIS. Manual. Volume I, 6ª ed., 1998, p. 620; JOSÉ FREDERICO MARQUES. Manual. Volume III, 1975, p. 261; MÁRIO GUIMARÃES. O juiz. 1958, p. 390 e 392; NERY JUNIOR e ROSA NERY. Código. 4ª ed., 1999, p. 943 e 944, comentário 15; SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA. A ação rescisória. 1991, p. 267; SÉRGIO GILBERTO PORTO. Comentários. Volume VI, 2000, p. 318 e 319; SÉRGIO RIZZI. Ação rescisória. 1979, p. 109; e VICENTE GRECO FILHO. Direito. Volume II, 11ª ed., 1996, p. 425. Por oportuno, pontifica o Ministro MÁRIO GUIMARÃES: “A palavra lei há de ser tomada em sentido amplo, compreensivo não só da lei pròpriamente dita, isto é, da resolução votada pelo Congresso Nacional e promulgada pelo presidente da República, como de leis estaduais ou municipais e até dos regulamentos” (p. 392). E mais: “A disposição de lei violada tanto pode ser de direito substantivo como de direito adjetivo” (p. 391). A propósito, o Professor JOSÉ AFONSO DA SILVA bem ensina “que a rescisória cabe, também, quando a sentença fôr proferida contra o Direito estadual ou municipal.” (Do recurso extraordinário. 1963, p. 113).177 Conferir: REsp n. 11.106/SC, 2ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 10 de novembro de 1997: “O vocábulo lei inserto no inciso V do art. 485 do CPC deve ser interpretado em sentido amplo, abrangendo os decretos federais, as leis estaduais e as leis municipais”. Também em prol da acepção ampla, ainda na jurisprudência: AR n. 579/SP, 2ª Seção do STJ: “Ação rescisória. Regimento Interno do Tribunal. Enseja a rescisória, com base no artigo 485, V, do Código de Processo Civil, a violação a dispositivo constante de regimento interno, editado no exercício da competência privativa dos tribunais, deferida pelo artigo 96, I, a, da Constituição”.178 Quanto às portarias, há precedente contrário da relatoria de eminente processualista: ROAR n. 330, Pleno do TST, in Diário da Justiça de 27 de junho de 1980: “AÇÃO RESCISÓRIA. VIOLAÇÃO DE LEI. NÃO CABE POR VIOLAÇÃO DE PORTARIA. LAUDO PERICIAL NÃO VINCULA JUIZ. 1. A expressão ‘lei’ do inciso V do artigo 485 do CPC de 1973 tem sentido lato — vai da Constituição ao decreto executivo —, da União, do Estado ou do Município mas não envolve simples portaria”. Em reforço, vale a pena conferir o seguinte trecho do voto condutor proferido pelo eminente Ministro COQUEIJO COSTA: “Embora a expressão ‘lei’ do inciso V do artigo 485 do CPC ali esteja em sentido lato — desde a Constituição ao decreto executivo, da União, do Estado ou do Município — não alcança uma simples Portaria”.

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TST. DESCABIMENTO. Não prospera pedido de rescisão fundado no art. 485, inciso V, do CPC, com indicação de contrariedade a súmula, uma vez que a jurisprudência consolidada dos tribunais não corresponde ao conceito de lei”.

Também não é admissível ação rescisória fundada em contrariedade a cláusula contratual179. Subsiste, a despeito da revogação do artigo 800 do Código de 1939, a orientação doutrinária e jurisprudencial consubstanciada no antigo preceito: “A injustiça da sentença e a má apreciação da prova ou errônea interpretação do contrato não autorizam o exercício da ação rescisória”.

Sob outro enfoque, a ação rescisória pode ser proposta para sanar error in iudicando e também error in procedendo180. Aliás, não há no direito brasileiro restrição como a existente no direito canônico. O cânon 1645, § 2º, o número 4, do Codex de 1983 só admite a restitutio in integrum por violação de preceito de direito material. O inciso V do Código brasileiro, ao contrário, não faz nenhuma restrição em relação ao cunho do direito contrariado. Daí a possibilidade da discussão da ofensa direta a dispositivo de direito material e também a preceito de índole processual. A propósito, reforça o enunciado n. 412 da Súmula do Tribunal Superior do Trabalho: “AÇÃO RESCISÓRIA. SENTENÇA DE MÉRITO. QUESTÃO PROCESSUAL. Pode uma questão processual ser objeto de rescisão desde que consista em pressuposto de validade de uma sentença de mérito”181.

O vocábulo “literal” inserto no inciso V do artigo 485 revela a exigência de que a afronta deve ser tamanha que contrarie a lei em sua literalidade182. Já quando o texto legal dá ensejo a mais de uma exegese, não é possível desconstituir o julgado proferido à luz de qualquer das interpretações plausíveis183. Trata-se de orientação tradicional em nosso direito, conforme o disposto no enunciado n. 343 da Súmula do Supremo Tribunal Federal: “Não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão

179 Assim: CALMON DE PASSOS. Rescisória. p. 366.180 De acordo, na doutrina: ALEXANDRE FREITAS CÂMARA. Lições. Volume II, 2ª ed., 1999, p. 14; BARBOSA MOREIRA. Comentários. Volume V, 7ª ed., 1998, p. 108 e 117; COQUEIJO COSTA. Ação rescisória. 4ª ed., 1986, p. 61; HUMBERTO THEODORO JÚNIOR. Curso. Volume I, 19ª ed., 1997, p. 636; NERY JUNIOR e ROSA NERY. Código. 4ª ed., 1999, p. 942, comentários 6 e 7; SÁLVIO DE FIGUEIREDO. A ação rescisória. 1991, p. 267; SÉRGIO GILBERTO PORTO. Comentários. Volume VI, 2000, p. 319; e VICENTE GRECO FILHO. Direito. Volume II, 11ª ed., 1996, p. 425. Na mesma linha, na jurisprudência: AR n. 870/RJ – EI, 1ª Seção do TFR, in RTFR, volume 164, p. 11; e REsp n. 11.290/AM, 4ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 7 de junho de 1993.181 Cf. Resolução n. 137, in Diário da Justiça de 22 de agosto de 2005.182 Assim: ERE n. 78.314, Pleno do STF, in RTJ, volume 77, p. 489: “A má interpretação que justifica o judicium rescindens há de ser de tal modo aberrante do texto que eqüivalha à sua violação literal”. Também no mesmo sentido, ainda na jurisprudência: AR n. 259/SP, 1ª Seção do STJ, in Diário da Justiça de 7 de março de 1994. 183 No sentido do texto, na doutrina: HUMBERTO THEODORO JÚNIOR. Curso. Volume I, 19ª ed., 1997, p. 641. De acordo, na jurisprudência: REsp n. 9.086/SP, 6ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 5 de agosto de 1996: “Para que a ação rescisória fundada no art. 485, V, do CPC, prospere é necessário que a interpretação dada pelo decisum rescindendo seja de tal modo aberrante, que viole o dispositivo legal em sua literalidade. Se, ao contrário, o acórdão rescindendo elege uma dentre as interpretações cabíveis, ainda que não seja a melhor, a ação rescisória não merece vingar, sob pena de tornar-se “recurso” ordinário com prazo de “interposição” de dois anos”.

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rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais”. Reforça o enunciado n. 83 da Súmula do Tribunal Superior do Trabalho: “Não procede o pedido formulado na ação rescisória por violação literal de lei se a decisão rescindenda estiver baseada em texto legal infraconstitucional, de interpretação controvertida nos Tribunais”184. É o que também estabelece o verbete n. 134 da Súmula do extinto Tribunal Federal de Recursos: “Não cabe ação rescisória por violação de literal disposição de lei se, ao tempo em que foi prolatada a sentença rescindenda, a interpretação era controvertida nos Tribunais, embora posteriormente se tenha fixado favoravelmente à pretensão do autor”. Por fim, é o que igualmente fixa a proposição n. 3 da Súmula do Primeiro Tribunal de Alçada Civil de São Paulo: “Descabe o ajuizamento de ação rescisória, quando fundado em nova adoção de interpretação do texto legal”.

Entretanto, a orientação consolidada nos enunciados não está sendo observada pelos tribunais quando está em discussão o texto constitucional. Realmente, prevalece na jurisprudência o entendimento consubstanciado no verbete n. 63 da Súmula do Tribunal Regional Federal da 4ª Região: “Não é aplicável a Súmula 343 do Supremo Tribunal Federal nas ações rescisórias versando matéria constitucional”185. Reforça a orientação jurisprudencial n. 29 da Segunda Subseção do Tribunal Superior do Trabalho: “Ação rescisória. Matéria constitucional. Súmula nº 83 do TST e Súmula 343 nº do STF. Inaplicáveis. No julgamento de ação rescisória fundada no art. 485, inciso V, do CPC, não se aplica o óbice das Súmulas nºs 83 do TST e 343 do STF, quando se tratar de matéria constitucional”. Além da orientação predominante consolidada no enunciado n. 63 e na proposição n. 29, é importante registrar a existência de autorizada corrente jurisprudencial, que, a despeito de ser minoritária nos tribunais, merece ser prestigiada186. Na verdade, a proposição n.

184 Nova redação conferida pela Resolução n. 121, publicada no Diário da Justiça de 21 de novembro de 2003.185 Cf. Diário da Justiça de 9 de maio de 2000, seção 2, p. 657. No mesmo sentido do enunciado n. 63, na jurisprudência: AI n. 305.592/RS, 1ª Turma do STF, in Diário da Justiça de 6 de abril de 2001; AR n. 1.178/RN, 3ª Seção do STJ, in Diário da Justiça de 9 de abril de 2001, p. 329; REsp n 130.890/RS, 1ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 16 de março de 1998; REsp n. 122.477/DF, 2ª Turma do STJ, in Diário da Justiça 2 de março de 1998; e REsp n. 156.929/SC, 6ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 2 de março de 1998. Também em conformidade com o verbete n. 63, na doutrina: JOSÉ RIBAMAR MORAES. O labirinto da ação rescisória. p. 49.186 Contra a orientação consubstanciada na proposição n. 63, vale a pena noticiar a existência de precedente jurisprudencial: AR n. 808/DF, 3ª Seção do STJ, in Diário da Justiça de 18 de junho de 2001. Na oportunidade, foi prestigiada a precisa tese defendida pelo Ministro ADHEMAR MACIEL: “O respeito à coisa julgada não pode ficar condicionado a futuro e incerto julgamento do STF sobre a matéria, não tendo o ulterior pronunciamento daquela Corte, ao exercer o controle difuso na estreita via do recurso extraordinário, o condão de possibilitar a desconstituição dos julgados, proferidos pelos tribunais de apelação à luz da jurisprudência prevalecente antes do julgamento proferido pelo STF ”. Remata o eminente Ministro ADHEMAR MACIEL: “Como qualquer norma jurídica, as regras insertas na Constituição Federal não estão isentas de interpretação divergente, seja por parte da doutrina, seja por parte dos tribunais. Quando isso ocorre, a tese rejeitada pelo STF, ao exercer o controle difuso em recurso extraordinário, não pode ser tida como absurda a ponto de abrir a angusta via da ação rescisória aos insatisfeitos. Para que a ação rescisória fundada no art. 485, V, do CPC prospere, é necessário que a interpretação dada pelo decisum rescindendo seja de tal modo aberrante que viole o dispositivo legal em sua literalidade. Se, ao contrário, o acórdão rescindendo elege uma dentre as interpretações cabíveis, ainda que não seja a melhor, a ação rescisória não merece vingar, sob pena de tornar-se um mero

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63 só deveria ser aplicada em caso de modificação da jurisprudência até então prevalecente quando há superveniente julgamento do Pleno da Corte Suprema em controle de constitucionalidade concentrado, marcado pelos efeitos vinculante, erga omnes187 e ex tunc188. Em contraposição, os julgamentos proferidos pelo Supremo Tribunal Federal em recursos ordinário e extraordinário não são dotados dos efeitos previstos no § 2º do artigo 102 da Constituição Federal e no parágrafo único do artigo 28 da Lei n. 9.868, pelo que a garantia da coisa julgada deve prevalecer quando a questão constitucional foi resolvida apenas em controle difuso. Porém, o entendimento consubstanciado no verbete n. 63 e na proposição n. 29 tem sido aplicado indistintamente, sem a necessária observância das diferenças existentes entre os controles de constitucionalidade concentrado e difuso.

Por fim, é bom lembrar que a admissibilidade da ação rescisória por violação de literal disposição de lei não está condicionada à prévia apreciação da respectiva matéria jurídica no julgado rescindendo189. Realmente, a admissibilidade da ação rescisória não depende do prequestionamento do tema inserto no preceito tido por violado. Não há no particular a exigência prevista nos artigos 102, inciso III, e 105, inciso III, da Constituição Federal, de que o assunto veiculado nos recursos extraordinário e especial tenha sido decidido em única ou última instância. Diante da inexistência do requisito na legislação de regência da ação rescisória, não há como cobrar o prequestionamento da quaestio iuris. Todavia, há na jurisprudência entendimento contrário, conforme se infere do enunciado n. 298 da Súmula do Tribunal Superior do Trabalho: “A conclusão acerca da ocorrência de violação literal de lei pressupõe pronunciamento explícito, na sentença rescindenda, sobre a matéria veiculada”.

5.4.7. Prova falsa

A teor do artigo 485, caput e inciso VI, do Código de Processo Civil, é possível desconstituir julgado fundado “em prova, cuja falsidade tenha sido apurada em processo criminal ou seja provada na própria rescisória”.

Com efeito, decisum apoiado em prova falsa é passível de desconstituição por meio de ação rescisória. A falsidade da prova tanto pode ser material como ideológica. Sem dúvida, é irrelevante se a falsidade reside na forma ou no fundo, ou seja, se o vício que contamina a prova é de construção ou de conteúdo. Também não importa se a prova falsa é

‘recurso’ com prazo de ‘interposição’ de dois anos”. 187 Relativamente a todos; para com todos; contra todos.188 Desde a origem, com efeito retroativo.189 Em sentido idêntico: BARBOSA MOREIRA. Comentários. Volume V, 7ª ed., 1998, p. 131; HUMBERTO THEODORO JÚNIOR. Curso. Volume I, 19ª ed., 1997, p. 642; e SÉRGIO RIZZI. Ação rescisória. 1979, p. 110.

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documental, pericial ou testemunhal. Em todas as hipóteses, o julgado contaminado deve ser rescindido. Porém, se a prova viciada não teve nenhuma importância para o desate do processo primitivo, a rescisória não prospera, já que o dispositivo do julgado impugnado subsiste independentemente da prova considerada falsa190.

O inciso VI do artigo 485 permite que a demonstração da falsidade da prova seja efetuada na própria ação rescisória — ao contrário do que ocorre no direito português, onde a combinação do artigo 771, alínea “b”, com o artigo 773 revela a exigência de prévio julgado irrecorrido de reconhecimento da falsidade191.

A ação rescisória também pode ser proposta quando a falsidade já foi reconhecida por decisum condenatório irrecorrido exarado em processo criminal192. A influência da decisão condenatória passada em julgado no iudicium rescindens é extraída da segunda parte do artigo 935 do Código Civil de 2002, assim como da combinação dos artigos 110, 265, inciso IV, letra “a”, e 584, inciso II, do Código de Processo Civil.

Por fim, a inteligência do artigo 4º, inciso II, do Código de Processo Civil permite a conclusão de que o julgado proferido em ação declaratória autônoma igualmente vincula o juízo rescindendo da ação rescisória proposta com base em prova falsa193.

190 No sentido do texto do parágrafo, na doutrina pátria: BARBOSA MOREIRA. Comentários. Volume V, 7ª ed., 1998, p. 131 e 132; BUENO VIDIGAL. Comentários. Volume VI, 2ª ed., 1976, p. 128; FREITAS CÂMARA. Lições. Volume II, 2ª ed., 1999, p. 15; HUMBERTO THEODORO JÚNIOR. Curso. Volume I, 19ª ed., 1997, p. 642; JOSÉ FREDERICO MARQUES. Manual. Volume III, 1975, p. 262; LUCIANO LEMOS. Primeiras linhas. 2000, p. 22; NERY JUNIOR e ROSA NERY. Código. 4ª ed., 1999, p. 944, comentário 17; SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA. A ação rescisória. 1991, p. 268 e 269; SÉRGIO GILBERTO PORTO. Comentários. Volume VI, 2000, p. 323; e SÉRGIO RIZZI. Ação rescisória. 1979, p. 142 e 145. De acordo, na literatura estrangeira: AMÂNCIO FERREIRA. Manual. 2000, p. 274 e 275. Assim, na jurisprudência: REsp n. 11.106/SC — EDcl, 2ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 16 de março de 1998: “Quando a decisão rescindenda está apoiada em prova cuja falsidade se demonstra na ação rescisória, o decisum prolatado na ação originária deve ser desconstituído, proferindo-se novo julgamento somente à luz das provas que não estão eivadas de falsidade ou sob suspeita. A desconstituição se faz necessária, porque a conclusão do juiz acerca da questão fática está baseada no conjunto probatório como um todo. Se o magistrado tivesse ciência da falsidade de determinada prova, na qual se apoiou para resolver a quaestio facti, poderia ter dado outra solução à causa. Só a falsidade de prova de fato irrelevante para o desate da causa é que não acarreta a rescisão do julgado. Já quando a prova foi importante para a formação do convencimento do juiz, deve-se desconstituir o julgado, ainda que outras provas tenham sido invocadas na decisão rescindenda. O valor dessas será averiguado quando do juízo rescisório —consubstanciado no rejulgamento da causa ou do recurso— por parte do tribunal. Inteligência do art. 485, VI, do CPC “. 191 De acordo: AMÂNCIO FERREIRA. Manual. 2000, p. 275.192 No sentido do texto do parágrafo: BARBOSA MOREIRA. Comentários. Volume V, 7ª ed., 1998, p. 133 e 134; HUMBERTO THEODORO JÚNIOR. Curso. Volume I, 19ª ed., 1997, p. 642; NERY JUNIOR e ROSA NERY. Código. 4ª ed., 1999, p. 944, comentário 17; SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA. A ação rescisória. 1991, p. 268 e 269; e SÉRGIO GILBERTO PORTO. Comentários. Volume VI, 2000, p. 323.193 Com a mesma opinião: EVARISTO ARAGÃO FERREIRA DOS SANTOS. A ação rescisória. 2001, p. 338 usque 355; SÉRGIO GILBERTO PORTO. Comentários. Volume VI, 2000, p. 323; e SÉRGIO RIZZI. Ação rescisória. 1979, p. 147 usque 153.Em sentido contrário, há também autoriza doutrina: BARBOSA MOREIRA. Comentários. Volume V, 8ª ed., 1999, p. 133 e 134.

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5.4.8. Documento novo

Consoante o disposto no inciso VII do artigo 485 do Código de Processo Civil, a ação rescisória também prospera quando, depois do decisum, o autor obtém “documento novo, cuja existência ignorava, ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável”.

Ao contrário do que pode parecer à primeira vista, “documento novo” é aquele que já existia ao tempo da prolação do julgado rescindendo, mas que não foi apresentado em juízo: a) por não ter o autor da rescisória conhecimento da existência do documento ao tempo do processo primitivo; ou b) por não ter sido possível ao autor da rescisória juntar o documento aos autos do processo primitivo, em virtude de motivo estranho a sua vontade. A cláusula “depois da sentença” — inserta no inciso VII do artigo 485 — reforça a idéia de que o documento tenha sido obtido pelo autor da rescisória quando já não podia fazer uso dele no processo originário. Em suma, a novidade reside no conhecimento do documento ou na possibilidade da utilização, e não na existência em si do documento194. A propósito, merece ser prestigiado o proêmio da enunciado n. 402 da Súmula do Tribunal Superior do Trabalho: “Documento novo é o cronologicamente velho, já existente ao tempo da decisão rescindenda, mas ignorado pelo interessado ou de impossível utilização, à época, no processo”195.

Ao revés, documento que não existia quando da prolação do decisum rescindendo não conduz à desconstituição do julgado. Realmente, tratando-se de documento cuja a própria existência é nova, ou seja, posterior ao julgamento impugnado, não é possível a rescisão. A inteligência do inciso VII do artigo 485 revela a necessidade da prévia “existência” do documento. O vocábulo “novo” diz respeito ao conhecimento e ao acesso ao documento196. Saliente-se que, a despeito da semelhança do inciso VII do artigo 485 do Código pátrio com a alínea “c” do artigo 771 do Código português, dispositivo que serviu de inspiração para o preceito nacional, a doutrina lusitana admite a revisão com esteio em documento cuja formação se deu após o trânsito em julgado da decisão. Então, além das duas hipóteses que ensejam a rescisória brasileira, a revisão portuguesa também pode ser amparada em documento superveniente197.

194 No sentido do texto do parágrafo: BARBOSA MOREIRA. Comentários. Volume V, 7ª ed., 1998, p. 135 e 137; ERNANE FIDÉLIS. Manual. Volume I, 6ª ed., 1998, p. 624; e HUMBERTO THEODORO JÚNIOR. Curso. Volume I, 19ª ed., 1997, p. 643.195 Cf. Resolução n. 137, in Diário da Justiça de 22 de agosto de 2005.196 No sentido do texto do parágrafo: BARBOSA MOREIRA. Comentários. Volume V, 7ª ed., 1998, p. 135 e 136; HUMBERTO THEODORO JÚNIOR. Curso. Volume I, 19ª ed., 1997, p. 643; LUCIANO LEMOS. Primeiras linhas. 2000, p. 23; e NERY JUNIOR. Código. 4ª ed., 1999, p. 944, comentário 18. A propósito, o Professor ALEXANDRE FREITAS CÂMARA também sustenta a mesma tese: “É de se verificar que a referência a ‘documento novo’ não pode levar à conclusão de que trata a lei de documento cuja formação se deu após a sentença. Ao contrário, o documento que permite a rescisão da coisa julgada já tinha de existir ao tempo da prolação da sentença que se quer atacar.” (Lições. Volume II, 2ª ed., 1999, p. 16).197 Cf. AMÂNCIO FERREIRA. Manual. 2000, p. 276.

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À luz do inciso VII do artigo 485 do Código nacional, é possível concluir pela necessidade do perfeito enquadramento no permissivo de rescindibilidade. A rescisória está condicionada ao desconhecimento da existência do documento ou à impossibilidade de acesso, não prosperando quando o autor busca o mero reexame da prova ou a simples correção de injustiça. Não é só. Convém salientar que o documento novo deve ser de tal modo relevante que se tivesse sido anteriormente juntado aos autos do processo primitivo, poderia, por si só, ter alterado a formação do convencimento do juiz. Documento novo irrelevante ao desate do processo originário não conduz à rescisão do julgado.

Por fim, observe-se que o preceito alcança apenas “documento”, com o que fica afastada a possibilidade da rescisória com esteio em testemunha nova198. Porém, apesar de não ensejar a rescisória à luz do inciso VII do artigo 485, a testemunha pode revelar a falsidade da prova, o dolo do juiz, o dolo processual do vencedor e a existência de processo fraudulento ou simulado. Em síntese, o inciso VII só permite a rescisória com base em “documento”; jamais em testemunha. Todavia, nas hipóteses dos incisos I, III e VI, a ação rescisória é admissível com fulcro em prova testemunhal a ser produzida.

5.4.9. Confissão, reconhecimento do pedido, renúncia e transação

O artigo 485, caput e inciso VIII, do Código de Processo Civil permite a desconstituição do julgado “quando houver fundamento para invalidar confissão, desistência ou transação, em que se baseou a sentença”.

O vocábulo “confissão” deve ser interpretado em sentido amplo, abrangendo a confissão propriamente dita, prevista nos artigos 348 e seguintes do Código de Processo Civil, bem como o reconhecimento do pedido, tratado no artigo 269, inciso II, do mesmo diploma199.

No tocante à confissão propriamente dita, é necessário ter em mente a distinção fixada no artigo 352 do Código: “A confissão, quando emanar de erro, dolo ou coação, pode ser revogada: I – por ação anulatória, se pendente o processo em que foi feita; II – por ação rescisória, depois de transitada em julgado a sentença, da qual constituir o único fundamento”. Ao contrário do que pode parecer à primeira vista, o rol de vícios previsto no caput desse artigo é exemplificativo, e não taxativo200. Basta imaginar a hipótese de confissão realizada por advogado sem o poder especial exigido pelo artigo 38 do

198 Com a mesma opinião: AMÂNCIO FERREIRA. Manual. 2000, p. 277.199 Na mesma linha: ALEXANDRE FREITAS CÂMARA. Lições. Volume II, 2ª ed., 1999, p. 17; BARBOSA MOREIRA. Comentários. Volume V, 7ª ed., 1998, p. 141 e 142; JOSÉ FREDERICO MARQUES. Manual. Volume III, 1975, p. 245; LUCIANO LEMOS. Primeiras linhas. 2000, p. 25; SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA. A ação rescisória. 1991, p. 270; e SÉRGIO RIZZI. Ação rescisória. 1979, p. 46.Com outra opinião, há abalizada doutrina: ERNANE FIDÉLIS. Manual. Volume I, 6ª ed., 1998, p. 626.200 Assim: BARBOSA MOREIRA. Comentários. Volume V, 7ª ed., 1998, p. 141 e 142.

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Código201. Como a confissão, a renúncia à pretensão, o reconhecimento do pedido e a transação homologados por decisum ainda não passado em julgado também podem ser impugnados com êxito por meio de ação anulatória, nos termos do artigo 486. Já após o trânsito em julgado, o decisum homologatório só pode ser desconstituído via ação rescisória202.

Ainda a respeito da confissão, apenas a prevista no artigo 348 do Código de Processo Civil enseja ação rescisória. Ao revés, a confissão ficta proveniente do artigo 319 não autoriza a desconstituição do julgado, já que o inciso VIII do artigo 485 cuida apenas da confissão real, como bem revela o enunciado n. 404 da Súmula do Tribunal Superior do Trabalho: “AÇÃO RESCISÓRIA. FUNDAMENTO PARA INVALIDAR CONFISSÃO. CONFISSÃO FICTA. INADEQUAÇÃO DO ENQUADRAMENTO NO ART. 485, VIII, DO CPC. O art. 485, VIII, do CPC, ao tratar do fundamento para invalidar a confissão como hipótese de rescindibilidade da decisão judicial, refere-se à confissão real, fruto de erro, dolo ou coação, e não à confissão ficta resultante de revelia”203.

O termo “desistência” deve ser entendido como renúncia. É que, à luz do artigo 269, inciso V, há extinção do processo com julgamento do mérito “quando o autor renunciar ao direito sobre que se funda a ação”. Ao revés, mera desistência da ação conduz apenas à extinção do processo sem julgamento do mérito, conforme o disposto no artigo 267, inciso VIII. Por tal razão, o autor pode ajuizar outra ação, nos termos do artigo 268. Daí a explicação para a inadmissibilidade de ação rescisória que objetiva a desconstituição de julgado que extinguiu o processo com base em desistência da ação204.

Já o vocábulo “transação” foi bem empregado pelo legislador, estando em consonância com o disposto no inciso III do artigo 269. Não obstante a literalidade do texto codificado, há séria divergência acerca da admissibilidade de ação rescisória tendo como alvo sentença que extingue processo contencioso em virtude da transação. Prevalece a orientação de que a ação apropriada na hipótese é a prevista no artigo 486. É o que se infere da conclusão n. 2 do 6º Encontro dos Tribunais de Alçada: “A transação

201 Cf. SÉRGIO GILBERTO PORTO. Comentários. Volume VI, 2000, p. 332.202 De acordo: ALEXANDRE FREITAS CÂMARA. Lições. Volume II, 2ª ed., 1999, p. 18; BARBOSA MOREIRA. Comentários. Volume V, 7ª ed., 1998, p. 159 e 160; e JOSÉ FREDERICO MARQUES. Manual. Volume III, 1975, p. 245 e 262. Como bem ensina o Professor SÉRGIO RIZZI, “os atos homologáveis, previstos no art. 485, VIII, do Código, não estão sujeitos à ação anulatória, posteriormente ao trânsito em julgado da decisão que os homologou” (Ação rescisória. 1979, p. 4, nota 3).203 Cf. Resolução n. 137, in Diário da Justiça de 22 de agosto de 2005.204 No sentido do texto do parágrafo: ALEXANDRE FREITAS CÂMARA. Lições. Volume II, 2ª ed., 1999, p. 17 e 18; BARBOSA MOREIRA. Comentários. Volume V, 7ª ed., 1998, p. 141 e 142; COQUEIJO COSTA. Ação rescisória. 4ª ed., 1986, p. 73; ERNANE FIDÉLIS. Manual. Volume I, 6ª ed., 1998, p. 626; HUMBERTO THEODORO JÚNIOR. Curso. Volume I, 19ª ed., 1997, p. 644; LUCIANO LEMOS. Primeiras linhas. 2000, p. 25; LUÍS ANTÔNIO DE ANDRADE. Aspectos. 1974, p. 213; SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA. A ação rescisória. 1991, p. 270; SÉRGIO GILBERTO PORTO. Comentários. Volume VI, 2000, p. 333; SÉRGIO RIZZI. Ação rescisória. 1979, p. 10, 11, 46 e 88; e VICENTE GRECO FILHO. Direito. Volume II, 11ª ed., 1996, p. 426.

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homologada em juízo pode ser rescindida como os atos jurídicos em geral, não assim mediante ação rescisória. Não há incompatibilidade entre os arts. 486 e 485, n. VIII, do CPC, que tratam de hipóteses distintas”. Ainda que muito respeitável a orientação consubstanciada na conclusão n. 2, tudo indica que a ação anulatória tem serventia quando ocorre homologação de transação em jurisdição voluntária — que não dá ensejo à formação de coisa julgada material205. O mesmo não ocorre quando há prolação de sentença homologatória de transação em processo contencioso206. Tratando-se de processo litigioso, a ação anulatória só poderia ser proposta antes da formação da coisa julgada. Após o trânsito em julgado, a ação apropriada é a rescisória. É o que revela a interpretação sistemática do Código, especialmente dos artigos 352, 485, inciso VIII, e 486. No entanto, como noticiado, predomina na jurisprudência outro entendimento207, segundo o qual a ação apropriada até mesmo em processo contencioso com decisão já protegida pelo manto da coisa julgada é a anulatória, tratada no artigo 486.

Estudadas as hipóteses de rescindibilidade, é possível imaginar um exemplo208 que alcança todas elas. A confissão, o reconhecimento do pedido, a renúncia e a transação efetuados por advogado sem os poderes especiais do artigo 38 do Código de Processo Civil possibilita a propositura de ações rescisórias contra as respectivas sentenças definitivas que adquiriram a auctoritas rei iudicatae.

A admissibilidade da ação rescisória não está condicionada à prévia invalidação da confissão, do reconhecimento do pedido, da renúncia ou da transação em processo anterior. No entanto, o julgado rescindendo só é desconstituído quando fundado em confissão, reconhecimento do pedido, renúncia ou transação cuja regularidade é discutida pelo autor da ação rescisória. Por óbvio, a desconstituição do julgado acarreta a insubsistência do ato defeituoso, que é invalidado209.

Por tudo, a inteligência do inciso VIII do artigo 485 conduz à conclusão de que a ação rescisória é admissível quando houver fundamento para invalidar

205 Em sentido semelhante: COQUEIJO COSTA. Ação rescisória. 4ª ed., 1986, p. 82 e 83; HUMBERTO THEODORO JÚNIOR. Curso. Volume I, 19ª ed., 1997, p. 646 e 647; MÁRIO GUIMARÃES. O juiz. 1958, p. 404 e 405; e SÉRGIO RIZZI. Ação rescisória. 1979, p. 30 e 31. 206 Com a mesma opinião: COQUEIJO COSTA. Ação rescisória. 4ª ed., 1986, p. 74 e 82; HUMBERTO THEODORO JÚNIOR. Curso. Volume I, 19ª ed., 1997, p. 646 e 647; JOSÉ FREDERICO MARQUES. A rescisão de sentença que homologa transação; e Manual. Volume III, 1975, p. 245 e 262. No mesmo sentido: Apelação n. 16.959-2, 14ª Câmara Civil do TJSP, in Revista dos Tribunais, volume 558, p. 66: “TRANSAÇÃO — Ação anulatória de homologação — Improcedência — Inteligência do art. 485 do CPC. O art. 485 endereça a ação rescisória contra sentença de mérito. E a transação julgada por sentença é representativa de que houve julgamento de mérito”.207 Conferir na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça: REsp n. 38.434/SP, 4ª Turma, in Diário da Justiça de 25 de abril de 1994, p. 9.260; e REsp n. 143.059/SP, 4ª Turma, in Diário da Justiça de 3 de novembro de 1997, p. 56.326. 208 Inspirado em exemplo da literatura portuguesa: AMÂNCIO FERREIRA. Manual. 2000, p. 271.209 No sentido do texto do parágrafo: BARBOSA MOREIRA. Comentários. Volume V, 7ª ed., 1998, p. 142 e 144.

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confissão, reconhecimento do pedido, renúncia ou transação, em que se baseou a decisão210.

5.4.10. Erro de fato

O erro de fato também dá ensejo à ação rescisória, nos termos do artigo 485, inciso IX e §§ 1º e 2º, do Código de Processo Civil. Trata-se de exceção à regra de que a injustiça do julgado em virtude de erro na apreciação da quaestio facti não pode ser corrigida em ação rescisória. A excepcionalidade da hipótese de rescindibilidade por erro de fato é revelada pelas restrições gerais e específicas previstas no artigo 485.

Com efeito, além das limitações gerais insertas no caput do artigo 485, o inciso IX indica que só o erro de fato perceptível à luz dos autos do processo anterior pode ser sanado em ação rescisória. Daí a conclusão: é inadmissível ação rescisória por erro de fato, cuja constatação depende da produção de provas que não figuram nos próprios autos do processo primitivo211.

A teor do § 2º do artigo 485, apenas o erro relacionado a fato que não foi alvo de discussão pode ser corrigido em ação rescisória. A existência de controvérsia entre as partes acerca do fato impede a desconstituição do julgado212.

A expressão “erro de fato” tem significado técnico-processual, que consta do § 1º do artigo 485: “Há erro, quando a sentença admitir um fato inexistente, ou quando considerar inexistente um fato efetivamente ocorrido”. Assim, o erro

210 Em sentido conforme: ALEXANDRE FREITAS CÂMARA. Lições. Volume II, 2ª ed., 1999, p. 18.211 No sentido do texto do parágrafo: BUENO VIDIGAL. Comentários. Volume VI, 2ª ed., 1976, p. 108; COQUEIJO COSTA. Ação rescisória. 4ª ed., 1986, p. 79; FREITAS CÂMARA. Lições. Volume II, 2ª ed., 1999, p. 19; HUMBERTO THEODORO JÚNIOR. Curso. Volume I, 19ª ed., 1997, p. 644; LUCIANO LEMOS. Primeiras linhas. 2000, p. 26; NERY JUNIOR e ROSA NERY. Código. 4ª ed., 1999, p. 944, comentário 20; SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA. A ação rescisória. 1991, p. 272; SERGIO BERMUDES. Comentários. Tomo VI, 3ª ed., 1998, p. 248, nota n. 170; SÉRGIO RIZZI. Ação rescisória. 1979, p. 118, 119 e 120; e SYDNEY SANCHES. Da ação rescisória. In Revista dos Tribunais, volume 501, p. 22, 23 e 31, especialmente a conclusão n. 7. De acordo, na jurisprudência: AR n. 107, Câmara Cível do TJDF, in Diário da Justiça de 7 de março de 1983, p. 2116: “Ação rescisória — Erro de fato. O erro que justifica o pedido de rescisão há de evidenciar-se do exame dos elementos constantes dos autos em que proferida a decisão que se intenta rescindir”. Realmente, como bem ensina o Professor BUENO VIDIGAL, “não se pode admitir, na rescisória, a produção de novos títulos ou documentos para fornecer a prova do erro em que o juiz caiu”. Portanto, merece ser prestigiada a conclusão do Professor SÉRGIO RIZZI: “Somente o que se contém nos autos do processo anterior, servirá para evidenciar o erro” (p. 119).212 De acordo: ALEXANDRE FREITAS CÂMARA. Lições. Volume II, 2ª ed., 1999, p. 19; BUENO VIDIGAL. Comentários. Volume VI, 2ª ed., 1976, p. 108; COQUEIJO COSTA. Ação rescisória. 4ª ed., 1986, p. 79; JOSÉ FREDERICO MARQUES. Manual. Volume III, 1975, p. 263; NERY JUNIOR e ROSA NERY. Código. 4ª ed., 1999, p. 944, comentário 20; SÉRGIO RIZZI. Ação rescisória. 1979, p. 119 e 122; e SYDNEY SANCHES. Da ação rescisória. In Revista dos Tribunais, volume 501, p. 31 e 32: “É absolutamente necessário que não tenha havido entre as partes controvérsia em torno do fato sobre o qual o juiz, apesar disso, se manifestou (assim, no § 2º do n. IX do art. 485 do CPC brasileiro só há um requisito, e não dois, como aparenta); vale dizer, ao afirmar a ocorrência ou a inocorrência de um fato, o juiz não se estava pronunciando sobre questão suscitada pelas partes, isto é, como tema de julgamento, hipótese em que descaberia a rescisória por erro de fato)”. Em suma: “Se houve controvérsia, discussão ou debate, e, apesar disso, o erro se registrou, não cabe a rescisória, pois, no caso, existiu erro de julgamento, e não o erro de fato a que a lei se refere” (FREDERICO MARQUES. p. 263).

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que pode ser corrigido na ação rescisória é o de percepção do julgador, não o proveniente da interpretação das provas213. Exemplo típico de erro de fato é o ocorrido em sentença de procedência proferida tendo em conta prova pericial que não foi produzida na ação de investigação de paternidade214. Já a equivocada interpretação da prova não configura erro de fato à luz do § 1º do artigo 485, não dando ensejo à desconstituição do julgado.

Apenas o erro de fato relevante permite a rescisão do decisum. É necessária a existência de nexo de causalidade entre o erro de fato e a conclusão do juiz prolator do decisum rescindendo215. Erro de fato irrelevante não dá ensejo à desconstituição do julgado.

Resta examinar se o “pronunciamento judicial” sobre fato incontroverso veda a desconstituição do julgado. Autorizada doutrina defende que sim216. Para tal corrente, se o juiz reconheceu explicitamente a existência ou a inexistência do fato é inadmissível ação rescisória contra o decisum. Em síntese, é necessário que o juiz não tenha emitido juízo expresso sobre a existência, ou não, do fato. No entanto, há doutrina217, igualmente abalizada, em sentido oposto, defendendo, à luz da legislação e da doutrina italianas, que o pronunciamento sobre fato incontroverso não impede a rescisão do julgado. Na verdade, o pronunciamento judicial acerca do fato é até importante para a verificação da ocorrência do erro de fato. Sem dúvida, o erro é geralmente perceptível quando há o pronunciamento acerca da existência de fato que não ocorreu, e vice-versa. Tudo indica que a restrição quanto ao pronunciamento judicial diz respeito à controvérsia envolvendo o fato, e não ao fato em si. Tal orientação parece ser a melhor, tanto que é prestigiada pela jurisprudência218,

213 A respeito do tema, é precisa a lição do Ministro SYDNEY SANCHES: “O erro de fato a que alude o texto brasileiro (art. 485, n. IX), colhido do italiano, decorre de inadvertência do juiz, que, lendo os autos, neles vê o que não está, ou não vê o que está. Erro dos sentidos, de percepção, eventualmente de reflexão, de raciocínio, mas nunca de interpretação ou valoração da prova. Por causa dele, o juiz considera existente um fato inexistente. Ou inexistente um fato existente”. E remata o eminente Ministro: “O erro de fato, justificador da rescisão, é do juiz, e não das partes”. “Esse erro há de consistir em ter a sentença considerado ocorrido um fato inocorrido ou vice-versa”. “Esse erro deve decorrer de inadvertência do juiz, de má percepção dos fatos, de sua desatenção na leitura dos autos e não de má interpretação ou valoração da prova” (Da ação rescisória. In Revista dos Tribunais, volume 501, p. 25 e 31). Com a mesma opinião: COQUEIJO COSTA. Ação rescisória. 4ª ed., 1986, p. 80.214 Inspirado em exemplo apontado pelo Ministro SYDNEY SANCHES: “Butera recolheu da jurisprudência italiana vários casos em que se considerou ocorrido o erro de fato: omissis; 3º) afirmar que uma prova foi produzida, quando, na verdade, não foi, ou afirmar que não foi produzida, quando, na verdade, foi ” (Da ação rescisória. In Revista dos Tribunais, volume 501, p. 25 e 31).215 Assim: BUENO VIDIGAL. Comentários. Volume VI, 2ª ed., 1976, p. 108; COQUEIJO COSTA. Ação rescisória. 4ª ed., 1986, p. 79; NERY JUNIOR e ROSA NERY. Código. 4ª ed., 1999, p. 944, comentário 20; SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA. A ação rescisória. 1991, p. 272; e SYDNEY SANCHES. Da ação rescisória. In Revista dos Tribunais, volume 501, p. 25 e 31.216 Cf. FREITAS CÂMARA. Lições. Volume II, 2ª ed., 1999, p. 19 e 20; BARBOSA MOREIRA. Comentários. Volume V, 7ª ed., 1998, p. 149; COQUEIJO COSTA. Ação rescisória. 4ª ed., 1986, p. 79; PONTES DE MIRANDA. Comentários. Tomo VI, 3ª ed., 1998, p. 249; e SÉRGIO RIZZI. Ação rescisória. 1979, p. 119, 121 e 126.217 Cf. CARLOS ORTIZ. O processo civil. Apud SYDNEY SANCHES. Da ação rescisória. In Revista dos Tribunais, volume 501, p. 29; e SYDNEY SANCHES. Da ação rescisória. In Revista dos Tribunais, volume 501, p. 29, 30, 31 e 32.218 Conferir: REsp n. 57.501/RS, 4ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 7 de agosto de 1995: “AÇÃO RESCISÓRIA. Erro de fato. Admitido sem controvérsia fato que os autos evidenciam inexistente, ou julgado inexistente fato que evidentemente existiu, cabe a rescisória fundada no inciso IX, embora

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conforme revela a didática proposição n. 136 da Segunda Subseção do Tribunal Superior do Trabalho: “A caracterização do erro de fato como causa de rescindibilidade de decisão judicial transitada em julgado supõe a afirmação categórica e indiscutida de um fato, na decisão rescindenda, que não corresponde à realidade dos autos. O fato afirmado pelo julgador, que pode ensejar ação rescisória calcada no inciso IX do art. 485 do CPC, é apenas aquele que se coloca como premissa fática indiscutida de um silogismo argumentativo, não aquele que se apresenta ao final desse mesmo silogismo, como conclusão decorrente das premissas que especificaram as provas oferecidas, para se concluir pela existência do fato. Esta última hipótese é afastada pelo § 2º do art. 485 do CPC, ao exigir que não tenha havido controvérsia sobre o fato e pronunciamento judicial esmiuçando as provas”.

5.5. Hipóteses que não ensejam ação rescisória

Ainda que de forma perfunctória, foram escritas algumas linhas acerca da impossibilidade da rescisória no tópico inicial dedicado às generalidades do instituto. Estudados os permissivos de rescindibilidade, já é possível retomar o estudo das hipóteses que não autorizam ação rescisória, analisadas nos tópicos subseqüentes.

5.5.1. Ação rescisória fundada em correção de injustiça quanto aos fatos, reexame de provas e interpretação de cláusula contratual

As hipóteses excepcionais de rescindibilidade em matéria probatória estão taxativamente previstas no Código de Processo Civil, especialmente nos incisos VI, VII e IX do artigo 485. Fora delas, não é possível a desconstituição do julgado. Como a mera correção de injustiça quanto aos fatos e o simples reexame das provas não estão entre as hipóteses excepcionais que dão ensejo à rescisória, merece ser prestigiado o enunciado n. 410 da Súmula do Tribunal Superior do Trabalho: “AÇÃO RESCISÓRIA. REEXAME DE FATOS E PROVA. INVIABILIDADE. A ação rescisória calcada em violação de lei não admite reexame de fatos e provas do processo que originou a decisão rescindenda”219. Trata-se, na verdade, de orientação tradicional em nosso direito, consagrada no caput do artigo 800 do anterior Código de 1939: “A injustiça da sentença e a má apreciação da prova ou errônea interpretação do

constando esse enunciado da sentença, pois tal pronunciamento é indispensável para o reconhecimento da existência do erro como um fato do processo, e não como simples estado da consciência do juiz. O que a lei considera imprescindível é que não tenha havido pronunciamento judicial a respeito da controvérsia sobre ponto relevante para a solução da causa”.219 Cf. Resolução n. 137, in Diário da Justiça de 22 de agosto de 2005.

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contrato não autorizam o exercício da ação rescisória”220. A despeito da ausência de preceito similar no Código de Processo Civil vigente, a interpretação sistemática e a teleológica do diploma atual conduz à conclusão de que a orientação moderna é exatamente a mesma da legislação processual pretérita221.

5.5.2. Ação rescisória e processo cautelar

À luz do artigo 810 do Código em vigor, a sentença proferida em cautelar não pode ser impugnada por meio de ação rescisória, salvo quando há a pronúncia — no próprio processo cautelar — da prescrição ou da decadência do direito do autor222.

5.5.3. Ação rescisória e Juizados Especiais Cíveis

As sentenças e os acórdãos proferidos nos Juizados Especiais Cíveis e nas respectivas Turmas Recursais também não podem ser impugnados por meio de ação rescisória, consoante o disposto no artigo 59 da Lei n. 9.099, de 1995: “Não se admitirá ação rescisória nas causas sujeitas ao procedimento instituído por esta Lei”. Reforça o artigo 41 da Resolução n. 273, do Presidente do Conselho da Justiça Federal: “Nas causas de que trata a Lei nº 10.259, de 12 de julho de 2001, não haverá rescisória de seus julgados”. Em suma, as

220 A propósito, merece ser prestigiada a ainda atual lição do Professor CALMON DE PASSOS: “Excluem a rescisória tanto a injustiça da decisão quanto a má apreciação da prova. Numa e noutra hipótese o juiz não vulnera o direito objetivo, o direito em tese, sim o direito subjetivo, o direito no caso concreto, que não foi pôsto sob a tutela da rescisória. Pelo mesmo motivo, exclui-se da rescisória a errônea interpretação do contrato pelo juiz” (Rescisória. p. 366).221 Com a mesma opinião: BARBOSA MOREIRA. Comentários. Volume V, 7ª ed., 1998, p. 128; CALMON DE PASSOS. Rescisória. p. 366; ERNANE FIDÉLIS. Manual. Volume I, 6ª ed., 1998, p. 622; JOSÉ RIBAMAR MORAES. O labirinto da ação rescisória. p. 25; NERY JUNIOR e ROSA NERY. Código. 4ª ed., 1999, p. 943, comentário 10; SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA. A ação rescisória. 1991, p. 268; e Código. 4ª ed., 1992, p. 280; e SÉRGIO RIZZI. Ação rescisória. 1979, p. 119: “O Código vigente conserva implicitamente a regra do art. 800 do Código revogado, daí por que, a injustiça da sentença e a má apreciação da prova (fatos) ou errônea interpretação do contrato não autorizam a ação rescisória”. A propósito, no Simpósio da Associação dos Magistrados ocorrido em 1974, a Segunda Comissão, composta pelos Desembargadores BRUNO AFFONSO ANDRÉ, HERMANN ROENICK, IVO SELL, DOMINGOS SÁVIO BRANDÃO LIMA, JORGE DUARTE DE AZEVEDO, pelo Juiz VIVALDE BRANDÃO COUTO, e pelo Procurador de Justiça CARLOS OCTÁVIO DA VEIGA LIMA, concluiu pela “ impertinência da discussão, em ação rescisória, da injustiça da decisão, má apreciação da prova ou errônea interpretação do contrato” (Revista da Associação dos Magistrados do Paraná. Volume I, número I, 1974, p. 21). Ainda no mesmo sentido, na jurisprudência: REsp n. 147.796/MA, 4ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 28 de junho de 1999: “A rescisória não se presta a apreciar a boa ou má interpretação dos fatos, ao reexame da prova produzida ou a sua complementação. Em outras palavras, a má apreciação da prova ou a injustiça da sentença não autorizam a ação rescisória”.222 De acordo: HUMBERTO THEODORO JÚNIOR. Comentários. Volume V, 2ª ed., 1983, p. 108; SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA. A ação rescisória. 1991, p. 279; e SÉRGIO RIZZI. Ação rescisória. 1979, p. 12 e 15: “Em conclusão: descabe ação rescisória contra decisões proferidas em processos cautelares, exceto quando configuradas as hipóteses do art. 810, in fine do Código”.

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decisões proferidas nas ações que seguem o rito sumaríssimo instituído pelas Leis 9.099 e 10.259 não são passíveis de impugnação por meio de ação rescisória223.

5.5.4. Ação rescisória e controle concentrado de constitucionalidade

Por força do artigo 26 da Lei n. 9.868, é inadmissível ação rescisória contra julgado proferido em ação direta de inconstitucionalidade224 e em ação declaratória de constitucionalidade225. Também é inadmissível ação rescisória contra julgado proferido pelo Supremo Tribunal Federal em ação de argüição de descumprimento de preceito fundamental. É o que estabelece o artigo 12 da Lei n. 9.882, de 1999: “A decisão que julgar procedente ou improcedente o pedido em argüição de descumprimento de preceito fundamental é irrecorrível, não podendo ser objeto de ação rescisória”.

5.5.5. Ação rescisória e ação anulatória

Não é admissível a ação rescisória quando a via apropriada for a ação anulatória do artigo 486. Também há a carência da ação anulatória que tem como alvo decisão de mérito sob o manto da res iudicata, cuja via impugnativa apropriada é a ação rescisória do artigo 485. Com efeito, são diferentes os campos de incidência das ações rescisória e anulatória, bem assim os procedimentos, prazos e os órgãos judiciários competentes para os respectivos julgamentos. Enquanto a rescisória é ação de procedimento especial de competência originária de tribunal, a ação anulatória é da competência de juiz de primeiro grau e segue o procedimento comum. Por conseguinte, a rescisória não pode ser proposta no lugar da anulatória226, nem a ação do artigo 486 pode

223 No mesmo sentido do texto, na doutrina: ATHOS CARNEIRO. Requisitos específicos. 1999, p. 102; BARBOSA MOREIRA. Comentários. Volume V, 7ª ed., 1998, p. 115; HUMBERTO THEODORO JÚNIOR. Curso. Volume III, 21ª ed., 1999, p. 500; e SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA. A ação rescisória. 1991, p. 279. De acordo, na jurisprudência: AR n. 514.414, 5ª Câmara do 2º TACivSP, julgado em 19 de agosto de 1998, in Boletim da AASP, n. 2.105, suplemento, p. 3: “Ação rescisória de julgado proferido por juizado especial. Em face de expressa proibição legal de ajuizamento de ação rescisória nas causas julgadas pelos juizados especiais, a teor do artigo 59 da Lei nº 9.099/95, é de rigor o reconhecimento da impossibilidade jurídica e a extinção do processo, sem julgamento do mérito, impondo ao autor os encargos perdimentais”.224 De acordo, na doutrina: ALEXANDRE DE MORAIS. Direito constitucional. 6ª ed., 1999, p. 571 e 572. Assim, na jurisprudência, mesmo antes do advento da Lei n. 9.868, de 1999: AR n. 1.365/BA — AgRg, Pleno do STF, julgado em 3 de junho de 1996; e AR n. 878/SP, Pleno do STF, in RTJ, volume 94, p. 49: “Ação rescisória. Cabimento. Declaração de inconstitucionalidade de lei em tese — Não cabe ação rescisória contra decisão de declaração de inconstitucionalidade de lei em tese, falecendo legitimidade ao particular para intentá-la. Ação rescisória inadmissível”.225 Em sentido conforme: JOSÉ AFONSO DA SILVA. Curso. 16ª ed., 1999, p. 63; e NAGIB SLAIBI FILHO. Ação declaratória de constitucionalidade. 1994, p. 179.226 De acordo: “1. Sentença homologadora de desquite amigável ou separação consensual dos cônjuges.

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ser ajuizada quando for apropriada a rescisória227, sob pena de extinção liminar dos respectivos processos, consoante a combinação dos artigos 267, incisos I e VI, 295 e 490, todos do Código de Processo Civil, por carência de ação.

Assim, não prospera ação rescisória ajuizada contra decisum proferido em jurisdição voluntária228; eventual vício pode ser denunciado na ação anulatória do artigo 486 do Código de Processo Civil229.

Igualmente, as decisões homologatórias irrecorridas de remição, adjudicação e arrematação em processo de execução podem ser impugnadas por meio da ação anulatória do artigo 486 do Código de Processo Civil230. É o que estabelece a correta conclusão n. 14 do 8º Encontro dos Tribunais de Alçada: “Incabível é a ação rescisória contra sentenças homologatórias de adjudicação, arrematação ou remição, que devem ser atacadas por ação ordinária”231. Reforça o inciso I do enunciado n. 399 da Súmula do Tribunal

É anulável, e, não, rescindível. Código de Processo Civil de 1939, art. 800, parág. único. Código de Processo Civil de 1973, art. 486. Diferença entre a anulatória e a rescisória. Doutrina da matéria. Exceção ao princípio. 2. Recurso extraordinário provido.” (RE n. 74.625/SP, 1ª Turma do STF, in Diário da Justiça de 27 de março de 1981, sem o grifo no original).227 Assim: “2. Tratando-se de ratificação necessária à homologação da fase executória da divisão e demarcação, incabível é a ação anulatória, mas, sim, a rescisória, por ser aquêle processo de jurisdição contenciosa.” (RE n. 71.833/PR, 1ª Turma do STF, in Diário da Justiça de 26 de novembro de 1971, sem o grifo no original). Também em sentido conforme: “Anulação de cessão de herança, realizada com simulação e fraude. Legitimidade da ação anulatória. Descabimento da ação rescisória.” (RE n. 66.982/PI, 1ª Turma do STF, in Diário da Justiça de 1º de julho de 1970, sem o grifo no original).228 De acordo, na doutrina: JOSÉ FREDERICO MARQUES. Manual. 1975, p. 259; MÁRIO GUIMARÃES. O juiz. 1958, p. 404 e 405; e SÉRGIO RIZZI. Ação rescisória. 1979, p. 30 e 31: “Todas as sentenças proferidas em procedimentos de jurisdição voluntária são irrescindíveis. Na jurisdição voluntária não há processo, não há lide, não há sentença de mérito, não há coisa julgada material”. No mesmo sentido, na jurisprudência: RE n. 86.348/CE, 1ª Turma do STF, in Diário da Justiça de 15 de setembro de 1978: “— AÇÃO RESCISÓRIA – PRESSUPOSTO. A ação rescisória, tendo por finalidade elidir a coisa julgada, não é meio idôneo para desfazer decisões proferidas em processos de jurisdição voluntária e graciosa, não suscetíveis de trânsito em julgado, mormente quando a pretensão é formulada por quem não foi parte do feito administrativo. Recurso extraordinário conhecido e provido, para julgar a autora carecedora da ação”.229 Com o mesmo entendimento, na doutrina: SÉRGIO RIZZI. Ação rescisória. 1979, p. 62: “As sentenças proferidas em procedimentos de jurisdição voluntária são anuladas como os atos jurídicos em geral, através de ação anulatória (art. 486)”. Em sentido semelhante, na jurisprudência: REsp n. 2.810/RJ, 3ª Turma do STJ, in RSTJ, volume 17, p. 422: “Não cabe ação rescisória de sentença homologatória de separação consensual, face à inexistência de lide. A declaração de nulidade de aditivo à inicial, não assinado pelo casal, mas, apenas, pelo advogado, deve ser perseguida em ação ordinária (art. 486 do CPC)”. Ainda na jurisprudência, merece ser prestigiado antigo precedente: “SENTENÇA – ANULAÇÃO – JURISDIÇÃO GRACIOSA – A anulação de sentença simplesmente homologatória proferida em processo de jurisdição graciosa há de ser intentada como a dos atos jurídicos em geral, através de ação anulatória, independentemente de ação rescisória.” (Apelação n. 5.070, 2ª Câmara do TJMG, in Revista Forense, volume 256, p. 286).230 De acordo, na jurisprudência: REsp n. 3.255/BA, 1ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 18 de abril de 1994: “A arrematação é anulável por ação ordinária (art. 486, CPC), como os atos jurídicos em geral, sendo inadmissível a exigência de ser movida Ação Rescisória”. Também no mesmo sentido: “ARREMATAÇÃO. Anulação. A arrematação pode ser desfeita através de ação de anulação, e não de ação rescisória.” (REsp n. 49.553/RJ, 4ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 5 de junho de 1995, p. 16.670). Ainda em sentido conforme: “PROCESSUAL CIVIL – SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA DE ADJUDICAÇÃO – DESCONSTITUIÇÃO – AÇÃO ANULATÓRIA. As sentenças homologatórias de arrematação, remição e adjudicação são impugnáveis através da ação anulatória, sendo incabível o ajuizamento da ação rescisória.” (REsp n. 33.694/RS, 1ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 7 de junho de 1993, p. 11.245). Por fim, com igual sentido: “AÇÃO RESCISÓRIA – PROPOSITURA PARA ANULAR SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA DE REMIÇÃO – IMPROCEDÊNCIA. A sentença homologatória de remição só pode ser anulada, como os atos jurídicos em geral, nos termos da lei civil e não por intermédio de ação rescisória.” (Embargos de declaração na Apelação n. 555/74, 2ª Câmara Cível do TAPR, in Revista Forense, volume 256, p. 305).231 Anais do VIII Encontro Nacional dos Tribunais de Alçada. Porto Alegre, Tribunal de Alçada do Rio

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Superior do Trabalho: “É incabível ação rescisória para impugnar decisão homologatória de adjudicação ou arrematação”232. Em contraposição, ajuizada a respectiva ação de embargos do artigo 746, há a instauração de processo de conhecimento, cujo término se dá por meio de sentença. Definitiva a sentença proferida na ação de embargos, há a formação da res iudicata233, sendo admissível ação rescisória após o trânsito em julgado234.

Por fim, a decisão arbitral também não enseja ação rescisória. Além da ação de embargos, a impugnação da decisão arbitral viciada só pode ser feita em ação anulatória de procedimento comum, conforme se infere da combinação do artigo 33, § 1º, da Lei n. 9.307, com o artigo 486 do Código de Processo Civil.

5.5.6. Ação rescisória e mandado de segurança

A inteligência dos artigos 15 e 16 da Lei n. 1.533 revela que a inexistência de julgamento do meritum causae em processo de mandado de segurança não impede o posterior ajuizamento de ação própria, tendo em vista a ausência da formação da coisa julgada material. Por conseqüência, é inadmissível ação rescisória que tem como alvo decisum de conteúdo terminativo proferido em processo de mandado de segurança.

Alguma dificuldade surge por ser equívoca a expressão decisão denegatória, alcançando duas hipóteses distintas em nosso direito. A primeira consta do artigo 16 da Lei n. 1.533, de 1951. O preceito revela a possibilidade jurídica da existência de “decisão denegatória” sem que tenha sido “apreciado o mérito”. É a decisão denegatória imprópria, a que faz referência o verbete n. 304 da Súmula do Supremo Tribunal Federal: “Decisão denegatória de mandado de segurança, não fazendo coisa julgada contra o impetrante, não impede o uso da ação própria”. Em tal hipótese, é inadmissível ação rescisória.

Grande do Sul, 1988, p. 229. 232 Cf. Resolução n. 137, in Diário da Justiça de 22 de agosto de 2005.233 Como bem ensina o Professor HUMBERTO THEODORO JÚNIOR, “há consenso entre os doutores a respeito da inexistência de coisa julgada no processo de execução”. “Quando há interposição de embargos do devedor, a questão é simples, porque, sendo a medida um procedimento de cognição, acaba por gerar a coisa julgada” (Execução forçada e coisa julgada. In Revista Forense, volume 256, p. 49).234 Com a mesma opinião do texto do parágrafo, na doutrina: JOSÉ FREDERICO MARQUES. Manual. 1975, p. 264; e SÉRGIO RIZZI. Ação rescisória. 1979, p. 22 e 25. Também em sentido conforme, na jurisprudência: “Processo civil. Arrematação. Desconstituição. A arrematação é anulável por ação ordinária, como os atos jurídicos em geral, na forma prevista no art. 486 do CPC. Só quando há sentença de mérito, vale dizer, quando apresentados embargos à arrematação, é que a desconstituição exige ação rescisória .“ (REsp n. 30.956/SP, 3ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 21 de novembro de 1994, p. 31.762). Ainda no mesmo sentido: “Processual civil. Arrematação. Anulação. I – A arrematação é anulável por ação ordinária, como os atos jurídicos em geral; se, porém, forem apresentados embargos à arrematação, será necessária ação rescisória para anular a decisão neles proferida.” (REsp n. 35.054/SP, 2ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 16 de maio de 1994, p. 11.746).

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Além da decisão denegatória imprópria, existe a própria. Sem dúvida, é denegatória a decisão em mandado de segurança quando o pedido do impetrante é rejeitado, nos termos do inciso I do artigo 269 do Código de Processo Civil. Realmente, se houve extinção do processo de segurança com julgamento do mérito contra o impetrante, tem-se decisão denegatória própria. Na hipótese, não é possível o ajuizamento de outra ação, conforme se infere do artigo 268 do Código e do artigo 16 da Lei n. 1.533. Resta apenas a ação rescisória após o decurso in albis do prazo recursal.

Em resumo, as decisões de mérito proferidas em processos de mandado de segurança também adquirem a auctoritas rei iudicatae. Os artigos 15 e 16 da Lei n. 1.533 e o enunciado n. 304 asseguram apenas a possibilidade da propositura de outra ação, caso a decisão proferida no mandado de segurança não tenha versado sobre o mérito da causa235. Se o fez, o decisum — concessivo ou denegatório da ordem — fica protegido pelo manto da coisa julgada após o decurso in albis do prazo recursal, só podendo ser desconstituído por meio de ação rescisória236.

Antes de passar ao estudo de outro assunto, convém lembrar que a expressão “direito líqüido e certo” tem significado técnico-jurídico. Tal cláusula indica que os fatos narrados na petição inicial não podem ser duvidosos. O que pode ser confusa, complexa e intrincada no mandado de segurança é a matéria de direito, mas nunca a de fato237. Havendo necessidade de dilação probatória para a solução da quaestio facti, o impetrante é carecedor da ação de segurança238. Portanto, à luz da terminologia processual — que nem sempre é

235 De acordo: “Mandado de segurança. Denegação pelo mérito, em termos que afastam a existência do direito pleiteado, faz coisa julgada e impede a propositura de ulterior ação ordinária. — Inteligência da Súmula 304.” (RE n. 65.805/GB, 2ª Turma do STF, in Revista Forense, volume 245, p. 111).236 No mesmo sentido, no tocante aos assuntos tratados no parágrafo: AR n. 768/SP, Pleno do STF, in Diário da Justiça de 9 de julho de 1971; AR n. 767/SP, Pleno do STF, in Diário da Justiça de 29 de junho de 1972; RE n. 32.885, 1ª Turma do STF, in Ementário do STF, volume 296, p. 765; REsp n. 1.014/RJ, 1ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 20 de novembro de 1989, p. 17.291; REsp n. 2.439/RJ, 1ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 25 de junho de 1990, p. 6026; REsp n. 8.699/RJ, 1ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 17 de dezembro de 1992, p. 24.213; REsp n. 4.157/RJ, 1ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 25 de outubro de 1993, p. 22.454; REsp n. 308.800/RS, 1ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 25 de junho de 2001, p. 130; REsp n. 1.710/RJ, 2ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 7 de dezembro 1992, p. 23.301; e REsp n. 15.499/SP, 2ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 19 de dezembro de 1994, p. 35.295. Também em sentido conforme, na doutrina: HELY LOPES MEIRELLES. Mandado de segurança. 16ª ed., p. 76, 77 e 78; e SÉRGIO RIZZI. Ação rescisória. 1979, p. 11, 12 e 29, assim como as notas 19 e 77.237 No sentido do texto do parágrafo: ADA PELLEGRINI GRINOVER. Mandado de segurança. 1996, p. 11 e 22; ATHOS CARNEIRO. Anotações. In Revista de Direito da Procuradoria Geral do Estado, volume 45, p. 7; BANDEIRA DE MELLO. Curso. 8ª ed., 1996, p. 129; BARBOSA MOREIRA. Mandado de segurança. 1996, p. 81; e MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO. Direito Administrativo. 7ª ed., p. 510. Assim, na jurisprudência: RMS n. 8.143/CE, 6ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 4 de agosto de 1997, p. 34.894.238 Com a mesma opinião: ADHEMAR MACIEL. Mandado de segurança. 1997, p. 10 e seguintes. Por oportuno, vale a pena conferir os seguintes trechos extraídos da ementa do acórdão proferido no MS n. 4.822/DF: “Para que o processo de mandado de segurança seja julgado em seu mérito, é necessário que a condição da ação do direito líqüido e certo esteja satisfeita”. “A condição da ação de segurança do direito líqüido e certo consiste na exigência de que a matéria fática seja incontroversa, certa, induvidosa, já que na angusta via do writ não se admite dilação probatória” (1ª Seção do STJ, in Diário da Justiça de 25 de agosto de 1997).Com entendimento diferente: SÉRGIO FERRAZ. Mandado de segurança. 3ª ed., 1996, p. 25.

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utilizada com acerto na praxe forense —, a ausência de “direito líqüido e certo” acarreta a extinção do processo de segurança sem julgamento de mérito, ensejando o posterior ajuizamento de ação própria, com a conseqüente inadmissibilidade de ação rescisória.

5.5.7. Ação rescisória e decisões administrativas

A ação rescisória só é admissível contra decisão jurisdicional239. Já as decisões administrativas não ensejam ação rescisória240, mesmo quando proferidas por órgão colegiado do Judiciário. Com efeito, até mesmo as decisões administrativas prolatadas pelos Conselhos da Magistratura ou por órgão colegiado eqüivalente estão fora do alcance da rescisória. Igualmente, os acórdãos dos tribunais de contas não podem ser alvo de ação rescisória. Em suma, apenas as decisões jurisdicionais podem ser impugnadas por meio de rescisória, já que só elas adquirem a auctoritas rei iudicatae241. As demais, oriundas de colegiados administrativos, de tribunais de contas, ensejam a propositura de outras ações, como a impetração de mandado de segurança. É o que se infere dos artigos 5º, incisos XXXV e LXIX, 102, inciso I, alínea “d”, segunda parte, da Constituição Federal.

239 Assim: AMÂNCIO FERREIRA. Manual. 2000, pág. 268.240 Em sentido semelhante: “Já as medidas administrativas não produzem, por óbvio, coisa julgada e podem ser anuladas tais como os atos jurídicos.” (EDUARDO PELLEGRINI DE ARRUDA ALVIM et alii. Aspectos polêmicos e atuais dos recursos. 2000, p. 446). Também em sentido similar: JOSÉ DE ALBUQUERQUE ROCHA. Teoria Geral do Processo. 7ª ed., 2004, p. 90: “Finalmente, a inexistência, na esfera administrativa, da coisa julgada, e a anulabilidade dos atos administrativos pelo Judiciário constituem duas das principais distinções entre as funções jurisdicional e administrativa”. Por oportuno, merece ser prestigiada a lição do Professor SÍLVIO VENOSA: “Não há coisa julgada no âmbito administrativo, a qual é atributo exclusivo dos atos jurisdicionais.” (Da revogação e anulação dos atos administrativos. In Revista Forense, volume 259, p. 67). Ainda em sentido conforme, vale a pena conferir a lição do Professor PEDRO LENZA: “Por fim, a definitividade, na medida em que as decisões jurisdicionais transitam em julgado e, acobertadas pela coisa julgada formal e material, após o prazo para a interposição da ação rescisória, não poderão mais ser alteradas. Ao contrário de alguns países da Europa, no Brasil toda decisão administrativa poderá ser reapreciada pelo Judiciário, não tendo sido conferido ao contencioso administrativo o poder de proferir decisões com força de coisa julgada definitiva ” (Direito constitucional. 9ª ed., 2005, 364).Com opinião diversa: CHRISTINO ALMEIDA DO VALLE. Teoria e prática da ação rescisória. 3ª ed., 1990, número 70, p. 113.241 Em abono ao raciocínio desenvolvido no ensaio: “omissis; e o Executivo pode criar tribunais administrativos que aplicam a lei a particulares, inclusive por meio de um procedimento contencioso: são os contenciosos administrativos (embora em nosso direito não possam jamais decidir em última instância, ficando sempre sujeitos ao crivo do Judiciário). A função jurisdicional, porém, é típica do Judiciário, de modo que, na sua forma típica, pode ser chamada de função judiciária. Esta – a jurisdição judicial – é que decide com força definitiva, fazendo coisa julgada” (MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO. Curso de direito constitucional. 31ª ed., 2005, p. 245 e 246, sem o grifo no original). Em sentido conforme, também na doutrina: MICHEL TEMER. Elementos de direito constitucional. 20ª ed., 2005, p. 170: “Por ato jurisdicional entende-se aquele capaz de produzir a coisa julgada (art. 5º, XXXVI)”. “A definitividade é traço marcante da jurisdição”. “Por força dele é que a solução dos litígios, pela Administração, por mais capazes que sejam os seus tribunais, não é definitiva”.

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5.5.8. Ação rescisória, sentença inexistente, ausência de citação e nulidade da citação

Por fim, também é inadmissível ação rescisória contra sentença inexistente, como a proferida sem dispositivo, a prolatada sem assinatura do magistrado, a exarada por quem não exerce o ofício judicante, a atividade jurisdicional. Em tais hipóteses, a ação rescisória é inadmissível, já que a inexistência jurídica da sentença pode ser suscitada no bojo de qualquer processo, podendo até mesmo ser declarada em ação autônoma, nos termos do inciso I do artigo 4º do Código de Processo Civil. Além do mais, a sentença juridicamente inexistente não passa em julgado, o que reforça a inadmissibilidade da ação rescisória no particular.

Resta saber se é admissível ação rescisória contra sentença proferida em processo de conhecimento contaminado por ausência ou nulidade de citação, com a conseqüente revelia do réu. A despeito da existência de autorizada doutrina sustentando a admissibilidade242, tudo indica que a resposta negativa é a melhor243.

Em primeiro lugar, não há em nosso direito preceito similar ao artigo 771, alínea “f”, do Código de Processo Civil português, que indica a hipótese como ensejadora do instituto similar do direito lusitano: “A decisão transitada em julgado só pode ser objecto de revisão nos seguintes casos: omissis; f) Quando, tendo corrido a acção e a execução à revelia, por falta absoluta de intervenção do réu, se mostre que faltou a sua citação ou é nula a citação feita”.

242 Cf. ADROALDO FURTADO FABRÍCIO. In AJURIS, volume 42, p. 29; ALEXANDRE FREITAS CÂMARA. Lições. Volume II, 2ª ed., 1999, p. 346, embora reconheça que “seria, a rigor, desnecessária admitir-se a possibilidade de rescisão dessa sentença (o que tornaria a ação rescisória inadmissível, pois faltaria interesse de agir, por inexistência da necessidade da tutela jurisdicional)”; JOSÉ RIBAMAR MORAES. O labirinto da ação rescisória. p. 49 usque 51; e MONIZ DE ARAGÃO. Comentários. Volume II, 8ª ed., 1995, p. 259.243 De acordo, na doutrina: CALMON DE PASSOS. Rescisória. p. 337 e 338: “Igualmente sustentamos que é inexistente a sentença dada contra quem não foi citado. A ausência de citação impede a formação da relação processual em ângulo, pelo que o suposto réu se coloca fora da jurisdição do magistrado e liberto da sujeição da coisa julgada. Já diziam as Ordenações que era nenhuma a sentença dada sem a parte ser primeiro citada. E hoje ainda é nenhuma a mesma sentença. E se sua inexistência pode ser argüida nos embargos do executado, nada obsta a que ela possa ser oposta em outra oportunidade qualquer.” (p. 337). “Em tôdas as circunstâncias estudadas, independe a sentença de ser rescindida. Em qualquer tempo a ela se pode opor a argüição de ser nenhuma. Em embargos, na execução; na oposição que se ofereça à pretensão que nela procure ter assento. E se acaso rescisória fôr proposta, deve ela ser repelida liminarmente, com a declaração de inexistência do julgado.” (p. 338). Também no mesmo sentido do texto: “Como o vício de citação gera inexistência e não nulidade, será impróprio o ajuizamento de ação rescisória, pois nada haverá a rescindir. O correto será a ação declaratória de inexistência por falta de citação, denominada querela nulitatis insanabilis, que não tem prazo para ser aforada” (MARCUS VINÍCIUS RIOS GONÇALVES. Novo curso. Volume I, 2004, p. 106). O Professor BARBOSA MOREIRA igualmente defende que “a rescisória é, na hipótese, desnecessária (e, portanto, inadmissível)” (Comentários. Volume V, 8ª ed., 1999, p. 107, nota 17). Assim, na jurisprudência: RE n. 96.696/RJ, 1ª Turma do STF, in RTJ, volume 104, p. 826: “Desnecessidade da ação rescisória”.

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Sob outro prisma, trata-se, a rigor, de sentença inexistente244, tanto que não adquire a auctoritas rei iudicatae e pode ser impugnada até mesmo após o biênio que geralmente enseja a formação da denominada coisa soberanamente julgada. E, se não há o trânsito em julgado, não é admissível ação rescisória, conforme se infere do artigo 485 do Código de Processo Civil vigente. A propósito, merece ser prestigiado o verbete n. 7 da Súmula do Tribunal de Justiça de Santa Catarina: “Ação declaratória é meio processual hábil para se obter a declaração de nulidade do processo que tiver corrido à revelia do réu por ausência de citação ou por citação nulamente feita”245. É a intitulada querela nullitatis, que subsiste em nosso direito246, conforme se 244 Com a mesma opinião, na doutrina: CALMON DE PASSOS. Rescisória. p. 337; MONIZ DE ARAGÃO. Comentários. Volume II, 8ª ed., 1995, p. 259; e LIEBMAN. Estudos. 2001, p. 141 usque 146: “Primeiro e fundamental requisito para a existência de um processo sempre foi, é, e sempre será, a citação do réu, para que possa ser ouvido em suas defesas”. “Sem esse ato essencial não há verdadeiramente processo, nem pode valer a sentença que vai ser proferida” (p. 141). Como bem sustentou o memorável processualista, existem “vícios maiores, vícios essenciais, vícios radicais, que sobrevivem à coisa julgada e afetam a sua própria existência. Neste caso a sentença, embora se tenha tornado formalmente definitiva, é coisa vã, mera aparência e carece de efeitos no mundo jurídico” (p. 142). Portanto, “a falta de citação, é ainda hoje motivo de nulidade absoluta ou de inexistência da sentença” (p. 145). “E a razão é que a falta de citação infringe de tal modo os supremos princípios do processo, ofende tão profundamente o direito reconhecido a todo cidadão de defender-se perante o juiz que vai julgá-lo, que torna radicalmente nulo, juridicamente inexistente o processo, igualmente nula e inexistente a sentença proferida. É este o único caso que sobrevive nos nossos dias de sentença ‘que é per Direito nenhuma, nunca em tempo algum passa em cousa julgada, mas em todo tempo se pode opor contra ela, que é nenhuma e de nenhum efeito’” (p. 145 e 146). “Qual seria, em verdade, o processo adequado para a declaração de tal nulidade? Não há outra resposta que esta: todo e qualquer processo é adequado para constatar e declarar que um julgamento meramente aparente é na realidade inexistente e de nenhum efeito. A nulidade pode ser alegada em defesa contra quem pretende tirar da sentença um efeito qualquer; assim como pode ser pleiteada em processo principal, meramente declaratório. Porque não se trata de reformar ou anular uma decisão defeituosa, função esta reservada privativamente a uma instância superior; e sim de reconhecer simplesmente como de nenhum efeito um ato juridicamente inexistente” (p. 146). Com esteio na lição do eminente processualista italiano, o Professor VICENTE GRECO FILHO também sustenta a tese defendida no texto: “Liebman classificou a sentença proferida sem a citação do réu ou com nulidade desta como sentença inexistente, daí a possibilidade de o juiz da execução obstar as medidas constritivas do devedor independentemente de ação rescisória. Como inexistente, ela pode ser desconhecida por qualquer juiz, ainda que de hierarquia inferior à do juiz que proferiu a sentença exeqüenda. A falta ou nulidade da citação do réu e a circunstância de que o processo tenha corrido à sua revelia impediram a própria formação da relação processual, e daí ser a sentença um mero simulacro ou aparência de ato jurisdicional” (Direito. Volume III, 12ª ed., 1997, p. 113). Também no mesmo sentido do texto: “Como o vício de citação gera inexistência e não nulidade, será impróprio o ajuizamento de ação rescisória, pois nada haverá a rescindir. O correto será a ação declaratória de inexistência por falta de citação, denominada querela nulitatis insanabilis, que não tem prazo para ser aforada” (MARCUS VINÍCIUS RIOS GONÇALVES. Novo curso. Volume I, 2004, p. 106). Ainda a respeito do tema, merece ser conferida a conclusão do Professor ALFREDO BUZAID, lançada no voto vencedor proferido no RE n. 96.696/RJ, que conduziu a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal: “Se aqueles em cujo nome está transcrito o título de domínio não foram citados para a ação de usucapião, o processo é para eles juridicamente inexistente. Nunca, em tempo algum, a sentença pode atingi-los e a fortiori a coisa julgada”. “Não se lhes pode impor a propositura de ação rescisória, porque contra eles não há sentença nem coisa julgada” (In RTJ, volume 104, p. 826).Em sentido contrário, há abalizada doutrina: ADROALDO FABRÍCIO FURTADO. In AJURIS, volume 42, p. 29; ALEXANDRE FREITAS CÂMARA. Lições. Volume II, 2ª ed., 1999, p. 345 e 346; e BARBOSA MOREIRA. Comentários. Volume V, 8ª ed., 1999, p. 106 e 107, nota 17.245 Uniformização de jurisprudência n. 10, Câmaras Cíveis Reunidas do TJSC, in Diário da Justiça de 20 de agosto de 1986, p. 18.246 De acordo: AC 94.01.00139-1/DF, 3ª Turma do TRF da 1ª Região, in Diário da Justiça de 28 de maio de 1999, p. 525: “PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE DECLARAÇÃO DE NULIDADE INSANÁVEL (QUERELA NULLITATIS INSANABILIS). CONCEITO. EXISTÊNCIA NO DIREITO PROCESSUAL BRASILEIRO. DECLARAÇÃO DE NÃO OPONIBILIDADE DOS EFEITOS DA SENTENÇA PARA O RÉU NÃO CITADO. INEXISTÊNCIA DE RES JUDICATA. APELAÇÃO PROVIDA. 1. A ação declaratória de nulidade insanável — querela nullitatis insanabilis, apesar de ter tido origem no direito medieval, subsiste no direito processual brasileiro, como ação ordinária autônoma, para declarar a não

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infere do artigo 4º, inciso I, do Código de Processo Civil. Como a referida sentença juridicamente inexistente jamais adquire a auctoritas rei iudicatae, nem enseja a formação da coisa soberanamente julgada, é possível concluir que a ação declaratória autônoma também não está sujeita a prazo, podendo ser ajuizada a qualquer tempo247. Então, além da impossibilidade jurídica ex vi do caput do artigo 485, a rescisória igualmente não cumpre outra condição da ação: interesse de agir, pois não há necessidade da utilização da via derradeira da rescisória para o réu revel obter o resultado prático desejado. Com efeito, diante da possibilidade de o revel propor ação declaratória autônoma de procedimento comum, não há necessidade da ação rescisória.

Por tudo, é inadmissível ação rescisória que tem como alvo sentença proferida em processo de conhecimento que correu à revelia, se causada pela inexistência ou pela nulidade da citação do réu248.

5.6. Ação rescisória e direito intertemporal

oponibilidade dos efeitos da sentença proferida contra réu não citado para a ação, tornando inválido o processo contra ele (Art. 214 do CPC e Art. 5º, LIV e LV, da CF). 2. A sentença proferida contra réu não citado para a ação, por ser inválido o processo, isto é, inexistente, não transita em julgado. 3. A CEF, por ser depositária dos bens, objeto da Ação Declaratória de Outorga de Consentimento Presumido de Doação, ajuizada contra Terceiros Interessados, na qual não foi citada, tem interesse processual em ver declarado, pela Justiça Federal, seu foro natural, que a relação jurídica decorrente da sentença proferida em processo inválido (Art. 214 do CPC e Art. 5º, LIV e LV, da CF) não lhe é oponível, bem como o título executivo dela resultante. 4. Apelação provida, para que seja examinado o mérito do pedido”.247 Com a mesma opinião: CALMON DE PASSOS. Rescisória. p. 336, 337 e 338: “Igualmente sustentamos que é inexistente a sentença dada contra quem não foi citado. A ausência de citação impede a formação da relação processual em ângulo, pelo que o suposto réu se coloca fora da jurisdição do magistrado e liberto da sujeição da coisa julgada. Já diziam as Ordenações que era nenhuma a sentença dada sem a parte ser primeiro citada. E hoje ainda é nenhuma a mesma sentença. E se sua inexistência pode ser argüida nos embargos do executado, nada obsta a que ela possa ser oposta em outra oportunidade qualquer.” (p. 337). “Em tôdas as circunstâncias estudadas, independe a sentença de ser rescindida. Em qualquer tempo a ela se pode opor a argüição de ser nenhuma. Em embargos, na execução; na oposição que se ofereça à pretensão que nela procure ter assento. E se acaso rescisória fôr proposta, deve ela ser repelida liminarmente, com a declaração de inexistência do julgado.” (p. 338). “E mais, o ato inexistente é impugnável em qualquer tempo e em qualquer processo.” (p. 336). Também em sentido semelhante, na doutrina: OVÍDIO BAPTISTA DA SILVA. Sobrevivência da querela nullitatis. In Revista Forense, volume 333, p. 118: “Por outro lado — é uma conseqüência necessária da natureza dessas nulidades —, a utilização da ação autônoma declaratória (ou desconstitutiva) da nulidade, não estará sujeita a nenhum prazo preclusivo. Em tais casos, podendo a nulidade ser argüida no recurso, caso não o seja, a omissão não impedirá o exercício da ação de nulidade, em qualquer tempo ”. Também no mesmo sentido do texto: “Como o vício de citação gera inexistência e não nulidade, será impróprio o ajuizamento de ação rescisória, pois nada haverá a rescindir. O correto será a ação declaratória de inexistência por falta de citação, denominada querela nulitatis insanabilis, que não tem prazo para ser aforada” (MARCUS VINÍCIUS RIOS GONÇALVES. Novo curso. Volume I, 2004, p. 106). Ainda em sentido semelhante, na jurisprudência: REsp n. 7.550/RO: “Nula a citação, não se constitui a relação processual e a sentença não transita em julgado, podendo, a qualquer tempo, ser declarada nula, em ação com esse objetivo, ou em embargos à execução, se o caso (CPC, art. 741, I)”.248 Em sentido semelhante, na jurisprudência: RE n. 97.589/SC, Pleno do STF, in RTJ, volume 107, p. 778: “Para a hipótese prevista no art. 741, I, do atual CPC — que é a da falta ou nulidade de citação, havendo revelia — persiste, no direito positivo brasileiro — a querela nullitatis, o que implica dizer que a nulidade da sentença, nesse caso, pode ser declarada em ação declaratória de nulidade, independentemente do prazo para a propositura da ação rescisória, que, a rigor, não é a cabível para essa hipótese”. Também em sentido semelhante: RE n. 96.374/GO, 2ª Turma do STF, in RTJ, volume 110, p. 210: “— Para a hipótese prevista no art. 741, I, do atual CPC — que é a de falta ou nulidade de citação, havendo revelia —, persiste, no direito positivo brasileiro — a querela nullitatis, o que implica dizer que a nulidade da sentença, nesse caso, pode ser declarada em ação declaratória de nulidade, independentemente do prazo para a propositura da ação rescisória, que, em rigor, não é a cabível”.

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Tema interessante em matéria de ação rescisória é o relativo ao direito intertemporal. O direito à rescisão é regido pela lei em vigor na data do trânsito em julgado do decisum. Assim, ficam preservados os direitos adquiridos processuais dos litigantes. A criação de novo permissivo de rescindibilidade não atinge os julgados já protegidos pela res iudicata. Pelo mesmo motivo, a ulterior eliminação de hipótese de rescindibilidade também não alcança as decisões já passadas em julgado, que podem ser desconstituídas à luz de permissivo posteriormente eliminado pela lei nova. Em síntese, a rescindibilidade é aferida à luz da legislação vigente quando da formação da coisa julgada249.

5.7. Do prazo

5.7.1. Generalidades

Assunto importante em matéria de ação rescisória é o que diz respeito ao prazo para o exercício do direito de rescisão. Por força do artigo 495 do Código de Processo Civil de 1973, o direito à desconstituição do decisum extingue-se “em dois (2) anos”. A propósito, o artigo 178, § 10, inciso VIII, do anterior Código Civil de 1916, preceito que fixava o prazo em cinco anos, foi revogado pelo artigo 495 do Código de Processo Civil de 1973, dispositivo que atualmente rege o tema. Portanto, decorrido in albis o biênio previsto no artigo 495, ocorre a extinção do direito à rescisão.

Trata-se de prazo decadencial, já que a rescisória tem natureza de ação constitutiva e versa sobre direito potestativo250. O prazo decadencial é apreciável de ofício e não enseja interrupção nem a suspensão, ex vi dos artigos 207 e 210 do Código Civil de 2002. Não corre, todavia, a decadência em relação aos absolutamente incapazes, conforme se infere da interpretação sistemática dos artigos 3º, 198, inciso I, 207 e 208, todos do Código Civil de 2002.

O Código Civil de 2002 igualmente indica como deve ser feita a contagem do prazo, conforme revela o § 3º do artigo 132: “Os prazos de meses e anos

249 No sentido do texto do parágrafo, na doutrina: BARBOSA MOREIRA. Comentários. Volume V, 7ª ed., 1998, p. 153 e 154; CHRISTINO VALLE. Teoria. 3ª ed., 1990, p. 110; GALENO LACERDA. Aspectos. 1974, p. 324; e O novo direito. 1974, p. 56; ROBERTO ROSAS. Direito processual. 3ª ed., 1999, p. 171 e 172; e SYDNEY SANCHES. Da ação rescisória. In Revista dos Tribunais, volume 501, p. 31. Também de acordo, na jurisprudência: AR n. 944/RJ, Pleno do STF, in Diário da Justiça de 28 de março de 1980, p. 1.773: ”— AÇÃO RESCISÓRIA. DIREITO INTERTEMPORAL. — Acórdão rescindendo que transitou em julgado na vigência do Código de Processo Civil de 1939. Ação rescisória fundada em novos pressupostos criados pelo atual diploma processual. Impossibilidade, porquanto, a lei reguladora da ação rescisória é a contemporânea ao trânsito em julgado da sentença rescindenda”.250 De acordo: AGNELO AMORIM FILHO. Critério científico para distinguir a prescrição da decadência. In Revista dos Tribunais, volume 300, p. 23 e 37.

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expiram no dia de igual número do de início, ou no imediato, se faltar exata correspondência”. Aliás, trata-se de regra tradicional em nosso direito, já que prevista no artigo 3º da Lei n. 810, de 1949: “Quando no ano ou mês do vencimento não houver o dia correspondente ao do início do prazo, este findará no primeiro dia subseqüente”.

Por fim, convém lembrar que a citação válida evita a consumação da decadência. É o que se infere dos artigos 219 e 220 do Código de Processo Civil. Resta saber se deve ser pronunciada a decadência quando a citação não é concretizada por morosidade do próprio Poder Judiciário. A resposta negativa se impõe. A propósito, merece ser conferido o correto verbete n. 106 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça: “Proposta a ação no prazo fixado para o seu exercício, a demora na citação, por motivos inerentes ao mecanismo da Justiça, não justifica o acolhimento da argüição de prescrição ou decadência”.

5.7.2. Termo inicial do prazo: regra e exceções

O biênio previsto no artigo 495 só começa a fluir no momento em que finda in albis o prazo recursal para impugnar a última decisão proferida no processo, mesmo que o decisum derradeiro não seja de mérito. É que o julgado de inadmissibilidade de recurso tem efeito ex nunc. Acerca de tal regra, merece ser prestigiado o item I do enunciado n. 100 da Súmula do Tribunal Superior do Trabalho, com a nova redação conferida pela Resolução n. 109, de 2001: “AÇÃO RESCISÓRIA. DECADÊNCIA. I - O prazo de decadência, na Ação Rescisória, conta-se do dia imediatamente subseqüente ao trânsito em julgado da última decisão proferida na causa, seja de mérito ou não"251.

Todavia, sensível aos argumentos contrários de doutrina abalizada252, a jurisprudência fixou duas exceções que restaram consagradas nos outros itens

251 No mesmo sentido em relação ao proêmio do enunciado, na doutrina: FRANCISCO ANTONIO DE OLIVEIRA. Ação rescisória. 2ª ed., 1996, p. 104: “Cuida-se de prazo decadencial e que tem início ao dia seguinte ao trânsito em julgado. Na sua contagem é de observar-se a regra geral do art. 184, §§ 1º e 2º, do CPC, computando-se o prazo com a exclusão do dia do começo e inclusão do dia do vencimento, devendo os dias, do início e do término, coincidirem com dias úteis”. Em sentido semelhante acerca da última parte do enunciado, na doutrina: NELSON LUIZ PINTO. Recurso especial. 2ª ed., 1996, p. 80; NERY JUNIOR. Código. 4ª ed., 1999, p. 916, comentário 11; e Princípios fundamentais. 5ª ed., 2000, p. 235, 236 e 237; e VICENTE GRECO FILHO. Direito. Volume II, 11ª ed., 1996, p. 421 e 422. Assim, na jurisprudência: AR n. 963/CE, Pleno do STF, in Diário da Justiça de 23 de novembro de 1979, p. 8.777; RE n. 94.055/RJ, 1ª Turma do STF, in Diário da Justiça de 4 de dezembro de 1981, p. 12.320; RE n. 92.816/SC, 1ª Turma do STF, in Diário da Justiça de 12 de agosto de 1983, p. 11.764; RE n. 87.420/PR, 2ª Turma do STF, in RTJ, volume 84, p. 684; REsp n. 18.691/RJ, 1ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 28 de novembro de 1994, p. 32.568; e REsp n. 11.106/SC, 2ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 10 de novembro de 1997: “O biênio para a propositura da ação rescisória corre da passagem in albis do prazo para recorrer da decisão proferida no último recurso interposto no processo, ainda que dele não se tenha conhecido”. Na mesma linha é a jurisprudência da 4ª Turma do STJ: REsp n. 2.760/SP, in Diário da Justiça de 1º de outubro de 1990; e REsp n. 34.014/RJ, in Diário da Justiça de 7 de novembro de 1994.252 Conferir: BARBOSA MOREIRA. Comentários. Volume V, 7ª ed., 1998, p. 263; e PONTES DE MIRANDA. Comentários. Tomo VIII, p. 297.

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do mesmo enunciado n. 100 da Súmula do Tribunal Superior do Trabalho: “II - Havendo recurso parcial no processo principal, o trânsito em julgado dá-se em momentos e em tribunais diferentes, contando-se o prazo decadencial para a ação rescisória do trânsito em julgado de cada decisão, salvo se o recurso tratar de preliminar ou prejudicial que possa tornar insubsistente a decisão recorrida, hipótese em que flui a decadência, a partir do trânsito em julgado da decisão que julgar o recurso parcial. III - Salvo se houver dúvida razoável, a interposição de recurso intempestivo ou a interposição de recurso incabível não protrai o termo inicial do prazo decadencial”.

Em resumo, consoante o entendimento jurisprudencial predominante, o biênio da rescisória começa a correr após o decurso in albis do prazo recursal para a impugnação da última decisão proferida no processo, salvo nas hipóteses de interposição de recurso parcial (ad exemplum, artigo 505 do Código de Processo Civil253) e manifestamente inadmissível (verbi gratia, intempestividade notória, inadequação evidente), quando o prazo para a rescisória é contado à luz da anterior decisão — e não da última, prolatada no recurso parcial ou de manifesta inadmissibilidade. Por tudo, merece ser prestigiado o verbete n. 5 do Pleno do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região, com sede em Brasília: “O termo inicial do prazo fixado no art. 495 do CPC flui a partir da última decisão proferida no processo, mesmo que ela não haja apreciado o mérito da lide. Excepcionam-se, todavia, as hipóteses de recurso manifestamente intempestivo ou incabível, isto é, aquele estranho à seqüência dos atos processuais estabelecida em lei”254.

5.7.3. Termo final

Como já estudado, quanto ao prazo decadencial prevalece a regra da inexistência de interrupção e de suspensão, conforme o disposto no artigo 207 do Código Civil de 2002. No entanto, ocorre a prorrogação do prazo quando o biênio termina em dia em que não há expediente forense normal, conforme entendimento jurisprudencial predominante, na esteira da proposição n. 13 da Segunda Subseção do Tribunal Superior do Trabalho: “Ação rescisória. Decadência. Dies ad quem. Art. 775 da CLT. Aplicável. Prorroga-se até o primeiro dia útil imediatamente subseqüente o prazo decadencial para o ajuizamento de ação rescisória quando expira em férias forenses, feriados, finais de semana ou em dia em que não houver expediente forense. Aplicação do art. 775 da CLT”255.

253 De acordo: LUIZ FUX. Curso de direito processual civil. 2001, p. 727: “Se a impugnação à sentença foi parcial (arts. 505 e 512, in fine), forma-se a coisa julgada sobre o que não fora objeto do recurso, iniciando-se, portanto, o prazo para propositura da rescisória, quanto a esta parte”.254 In Diário da Justiça, Seção 3, publicado no dia 13 de setembro de 2000.255 Com o mesmo entendimento, na doutrina: FRANCISCO ANTONIO DE OLIVEIRA. Ação rescisória. 2ª ed., 1996, p. 104: “Cuida-se de prazo decadencial e que tem início ao dia seguinte ao trânsito em julgado.

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5.7.4. Momentos da pronúncia da decadência

A decadência pode ser pronunciada em várias fases processuais: a) liminarmente, pelo relator; b) após as “providências preliminares” dos artigos 323 usque 328, também pelo relator; c) na sessão de julgamento da ação rescisória, pelo órgão colegiado; e d) no julgamento dos recursos cabíveis, como, ad exemplum, em sede de embargos declaratórios. Apontados os momentos de pronúncia da decadência, convém estudar cada um deles em separado.

Consoante o disposto nos artigos 295, inciso IV, primeira parte, e 490, inciso I, ambos do Código de Processo Civil, a petição inicial da ação rescisória deve ser liminarmente indeferida pelo relator se consumada a decadência256.

O próprio relator ainda pode extinguir o processo por meio de decisão monocrática após as providências preliminares, pronunciando a decadência no momento tratado no artigo 329. É que o artigo 491 faz remissão ao capítulo onde está inserido o artigo 329; e não há incompatibilidade alguma na aplicação do preceito ao processo da rescisória.

Não é só. O órgão colegiado julgador da ação rescisória também tem competência para averiguar de ofício a ocorrência da decadência.

Quanto aos recursos cabíveis, nas duas primeiras hipóteses, ou seja, pronunciada a decadência pelo próprio relator isoladamente, o autor pode interpor agravo interno contra a decisão monocrática extintiva do processo da rescisória. É bom não esquecer que a interposição de apelação contra a decisão monocrática do relator configura erro grosseiro, o que impede a aplicação do princípio da fungibilidade recursal. Já o acórdão proferido pelo colegiado pode ser impugnado via embargos infringentes, recurso especial e recurso extraordinário, dependendo da existência, ou não, de voto divergente e da procedência da rescisória. Em todos os casos, também são cabíveis embargos declaratórios, nos quais pode ser suscitada omissão, já que a decadência deve ser pronunciada de ofício, consoante a regra do artigo 210 do Código Civil de 2002. Em suma, a decadência também pode ser pronunciada na fase recursal.

5.7.5. Prazo da ação rescisória eleitoral: cento e vinte dias

Na sua contagem é de observar-se a regra geral do art. 184, §§ 1º e 2º, do CPC, computando-se o prazo com a exclusão do dia do começo e inclusão do dia do vencimento, devendo os dias, do início e do término, coincidirem com dias úteis” (não há o grifo no original).256 Em sentido contrário, há autorizada doutrina: JOSÉ RIBAMAR MORAES. O labirinto da ação rescisória. p. 38: “Todavia, parece-me que a decadência do direito do autor somente pode ser declarada pelo órgão colegiado, mesmo quando caiba indeferimento da inicial, embora exista posicionamento contrário”.

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O prazo previsto no artigo 495 do Código de Processo Civil não tem aplicação na ação rescisória eleitoral, tendo em vista a incidência de norma específica: artigo 22, inciso I, letra “j”, do Código Eleitoral, alínea acrescentada pela Lei Complementar n. 86, de 1996. Como o direito processual eleitoral é influenciado, à exaustão, pelos princípios da celeridade e da segurança, o prazo para a propositura da ação rescisória é de apenas cento e vinte dias.

5.8. Da competência

Os artigos 102, inciso I, alínea “j”, 105, inciso I, alínea “e”, e 108, inciso I, alínea “b”, da Constituição Federal, bem como o artigo 494 do Código de Processo Civil estabelecem que a ação rescisória será julgada por “tribunal”. Aliás, o próprio Título IX, no qual o Capítulo IV da rescisória está inserto, recebeu denominação didática, que afasta qualquer dúvida acerca da competência para o processamento e o julgamento da ação: "Do processo nos tribunais". Em síntese, trata-se de ação de competência originária de tribunal, pelo que não pode ser julgada por juiz de primeiro grau.

Os textos constitucional e codificado revelam que as cortes de segundo grau têm competência para processar e julgar as ações rescisórias dos julgados proferidos pelos juízes de primeiro grau, assim como das próprias decisões. Já ao Superior Tribunal de Justiça compete processar e julgar originariamente apenas as ações rescisórias dos julgados do próprio tribunal. Do mesmo modo, o Supremo Tribunal Federal tem competência para processar e julgar originariamente tão-somente as ações rescisórias dos julgados da própria Corte Suprema. A propósito, o artigo 6º, inciso I, alínea “c”, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, confere ao “Plenário” competência para “processar e julgar originariamente” “a ação rescisória de julgado do Tribunal”.

Por fim, e tirando as hipóteses excepcionais marcadas pela inexistência de juízo rescisório, o mesmo tribunal que tem competência para o juízo rescindendo também é o competente para proferir o iudicium rescissorium257.

5.9. Da legitimidade

O artigo 487 do Código de Processo Civil traz o rol dos legitimados à propositura de ação rescisória. Em primeiro lugar, quem foi parte no processo primitivo tem legitimidade para ajuizar a rescisória, ainda que tenha sido réu

257 Com a mesma opinião: AMÂNCIO FERREIRA. Manual. 2000, pág. 280.

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revel258. Do mesmo modo, o sucessor da parte a título universal ou singular também tem legitimidade ativa. É o que estabelece o inciso I do artigo 487. Tal regra comporta exceção. Consoante o disposto no parágrafo único do artigo 352, “cabe ao confitente o direito de propor a ação, nos casos de que trata este artigo; mas, uma vez iniciada, passa aos seus herdeiros”.

O inciso II do artigo 487 confere legitimidade ativa ao terceiro juridicamente interessado. É terceiro legitimado aquele não participou do processo originário259, mas foi prejudicado do ponto de vista jurídico pelo decisum nele proferido, ainda que indiretamente260. Então, têm legitimidade ativa na condição de terceiro prejudicado os que poderiam ter ingressado no processo primitivo como assistente — simples ou litisconsorcial — e litisconsorte261. À luz do § 2º do artigo 42, reforçado pelo § 3º, o adquirente e o cessionário também têm legitimidade para ajuizar ação rescisória262. Igualmente tem legitimidade na qualidade de terceiro o substituído processualmente nos termos do artigo 6º, já que atingido diretamente pela coisa julgada formada no processo primitivo que teve como parte o substituto processual263. Por fim, não há como negar a legitimatio ad causam do terceiro prejudicado por julgado proferido em processo simulado264, conforme se infere dos artigos 167 e 168 do Código Civil de 2002.

Resta examinar o inciso III do artigo 487 do Código de Processo Civil. Por força da alínea “a” do inciso III do artigo 487, o Ministério Público tem legitimidade para ajuizar ação rescisória, a fim de desconstituir julgado proferido em processo que não teve a participação do parquet, apesar de a lei (verbi gratia, artigo 82 do Código) exigir a intervenção ministerial. O Ministério Público também tem legitimidade para propor ação rescisória quando o julgado resulta de colusão entre as partes para fraudar a lei, consoante o disposto na letra “b” do inciso III. Não é só. Além do julgado proferido em processo

258 De acordo: CALMON DE PASSOS. Comentários. Volume III, 9ª ed., 2004, p. 469 até 474.259 Ad exemplum, merece ser prestigiado o seguinte precedente jurisprudencial: “– Ação Rescisória – Legitimidade ativa ad causam. II. O sócio majoritário da empresa, que não foi parte em processo falimentar, tem legitimidade ativa ad causam para propor ação rescisória contra sentença que declarou a auto-falência da referida empresa, sem prévia autorização da assembléia geral. Negativa de vigência aos arts. 487, II do CPC e arts. 87, parágrafo único, i, 94 e 105 do DL 2627/40. III. RE conhecido e provido.” (os grifos são do original).260 A propósito, vale a pena conferir a didática lição do Professor SÉRGIO GILBERTO PORTO: “Por terceiro juridicamente interessado entenda-se aquele que é titular de relação jurídica que, direta ou reflexamente, venha a ser atingido pela sentença rescindenda, tal como, por exemplo, o sublocatário na ação de despejo promovida, evidentemente, contra o locatário.” (Comentários. Volume VI, 2000, p. 299).261 Em sentido semelhante: JOSÉ FREDERICO MARQUES. Manual. Volume III, 1975, p. 260.262 Com a mesma opinião: JOSÉ RIBAMAR MORAES. O labirinto da ação rescisória. p. 35: “Excluindo-se as partes, é possível que terceiros interessados, tais como: o adquirente, o cessionário, o espólio, os herdeiros, o sócio da sociedade, quando a empresa já tiver sido extinta, o substituído, que não foi parte no processo e o substituto processual, têm legitimidade processual para propor ação rescisória, na dicção do art. 487, II, c/c o art. 42, § 2º, do CPC”.263 No sentido do texto do parágrafo: BARBOSA MOREIRA. Comentários. Volume V, 7ª ed., 1998, p. 169; ERNANE FIDÉLIS. Manual. Volume I, 6ª ed., 1998, p. 631; JOSÉ RIBAMAR MORAES. O labirinto da ação rescisória. p. 35; NERY JUNIOR. Código. 4ª ed., 1999, p. 390, comentário 16; e VICENTE GRECO FILHO. Direito. Volume II, 11ª ed., 1996, p. 420.264 Com a mesma opinião: CALMON DE PASSOS. Rescisória. p. 369; e JOSÉ FREDERICO MARQUES. Manual. Volume III, 1975, p. 248.

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fraudulento, o decisum prolatado em processo simulado também pode ser alvo de rescisória movida pelo Ministério Público265. É o que se depreende do artigo 168 do Código Civil de 2002, na esteira dos artigos 105 e 146 do antigo Código Civil de 1916. Com efeito, prevalece a orientação jurisprudencial de que são apenas exemplificativas as hipóteses previstas no inciso III do artigo 487. Eis o enunciado n. 407 da Súmula do Tribunal Superior do Trabalho: “AÇÃO RESCISÓRIA. MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE AD CAUSAM PREVISTA NO ART. 487, III, ‘A’ E ‘B’, DO CPC. AS HIPÓTESES SÃO MERAMENTE EXEMPLIFICATIVAS. A legitimidade ad causam do Ministério Público para propor ação rescisória, ainda que não tenha sido parte no processo que deu origem à decisão rescindenda, não está limitada às alíneas ‘a’ e ‘b’ do inciso III do art. 487 do CPC, uma vez que traduzem hipóteses meramente exemplificativas”266. Em síntese, além da legitimidade como parte, o que enseja o ajuizamento da ação rescisória com esteio no inciso I do artigo 487, o parquet tem igual legitimidade ativa como custos legis, o que também permite a propositura da ação com fulcro no inciso III.

No tocante à legitimidade passiva, a regra é a de que quem figurou como parte no processo originário também deve participar do processo da ação rescisória267.

5.10. Ação rescisória e execução do julgado rescindendo

O ajuizamento de ação rescisória não tem o condão de retirar a eficácia do julgado rescindendo. Com efeito, a propositura de ação rescisória não impede a execução definitiva do julgado rescindendo, consoante o disposto no artigo 587, primeira parte.

À luz da literalidade do anterior artigo 489 do Código de Processo Civil, prevaleceu na jurisprudência por muitos anos a orientação consubstanciada no enunciado n. 234 da Súmula do extinto Tribunal Federal de Recursos: “Não cabe medida cautelar em ação rescisória para obstar os efeitos da coisa julgada”268.

265 De acordo, com maior autoridade: JOSÉ FREDERICO MARQUES. Manual. Volume III, 1975, p. 265.266 Cf. Resolução n. 137, in Diário da Justiça de 22 de agosto de 2005.267 Em sentido semelhante, na doutrina: ALEXANDRE FREITAS CÂMARA. Lições. Volume II, 2ª ed., 1999, p. 21; BARBOSA MOREIRA. Comentários. Volume V, 7ª ed., 1998, p. 172 e 173; JOSÉ FREDERICO MARQUES. Manual. Volume III, 1975, p. 259; e VICENTE GRECO FILHO. Direito. Volume II, 11ª ed., 1996, p. 420. Ainda em sentido semelhante, na jurisprudência: “AR. CITAÇÃO. LITISCONSORTE NECESSÁRIO. O marido, réu na ação anulatória de venda de bem imóvel, deve ser citado como litisconsorte passivo necessário na ação rescisória daquele julgado. Assim, todos aqueles que participaram da relação processual da ação em que se proferiu o acórdão rescindendo devem ser citados, como litisconsortes necessários, para a ação rescisória sob pena de nulidade. Precedentes citados: AR 2.009-PR, DJ 3/5/2004, e REsp 162.069/DF, DJ 24/8/1998” (REsp n. 689.321/DF, 4ª Turma do STJ, in Informativo de jurisprudência STJ, n. 266, p. 2).268 É o que também defende, na doutrina: COQUEIJO COSTA. Ação rescisória. 4ª ed., 1986, p. 113 e 114.

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Houve, não obstante, importante evolução jurisprudencial, especialmente após o advento das Leis 8.952 e 9.032, de 1994 e 1995, respectivamente. A primeira introduziu o instituto da tutela antecipada em nosso direito, com nova redação ao artigo 273 do Código de Processo Civil. A segunda acrescentou o seguinte parágrafo único ao artigo 71 da Lei n. 8.212: “Será cabível a concessão de liminar nas ações rescisórias e revisional, para suspender a execução do julgado rescindendo ou revisando, em caso de fraude ou erro material comprovado”. Em seguida, a doutrina e a jurisprudência passaram a sustentar a admissibilidade da suspensão da execução via decisão jurisdicional. Tanto que hoje é possível afirmar que a orientação consolidada no enunciado n. 234 da Súmula do antigo Tribunal Federal de Recursos está ultrapassada269. A propósito, merece ser prestigiado o inciso I do recente enunciado n. 405 da Súmula do Tribunal Superior do Trabalho: “I – Em que do que dispõe a MP 1.984-22/00 e reedições e o artigo 273, § 7º, do CPC, é cabível o pleito liminar formulado na petição inicial de ação rescisória ou na fase recursal, visando a suspender a execução da decisão rescindenda”270.

Assim, a discussão passou a residir na via processual adequada para a obtenção da paralisação da execução do julgado rescindendo: a) requerimento de antecipação de tutela na própria ação rescisória; ou b) ação cautelar, especialmente a antecedente, também chamada de preparatória, já que proposta antes do ajuizamento da principal: ação rescisória.

À luz do novo artigo 273 do Código de Processo Civil, formou-se respeitável corrente doutrinária e jurisprudencial em favor do instituto da tutela antecipada271. Com efeito, o artigo 273 não proíbe a antecipação da tutela em ação rescisória, especialmente a parcial, apenas para sustar a execução do julgado rescindendo. É a orientação predominante e que restou consolidada na conclusão n. 6 do 9º Encontro dos Tribunais de Alçada: “É cabível a concessão de tutela na ação rescisória, visando à suspensão dos efeitos práticos da sentença rescindenda”272.

Sob outro enfoque, existe corrente igualmente abalizada que sustenta a adequação da cautelar. Com efeito, há na doutrina e na jurisprudência

269 Com a mesma opinião: ELIANA CALMON. Tutelas de urgência nos tribunais. In O Magistrado. Instituto dos Magistrados do Distrito Federal, Ano 1, número 3, 2001, p. 16. Em idêntico sentido: “A Súm. 234 do extinto TFR que, outrora, reputava como inadmissível a suspensão dos efeitos da coisa julgada via medida cautelar preparatória de ação rescisória, não é compatível com a moderna leitura da dicção do ordenamento processual.” (MC n. 66/CE, in Diário da Justiça de 29 de agosto de 1994, p. 46.860).270 Cf. Resolução n. 137, in Diário da Justiça de 22 de agosto de 2005.271 Conferir, na doutrina: BRUNO FREIRE E SILVA. Ação rescisória. 2005, p. 177 e 178; HUMBERTO THEODORO JÚNIOR. O processo civil brasileiro. 1999, p. 120 e 121; JOSÉ RIBAMAR MORAES. O labirinto da ação rescisória. p. 29 usque 33; LUCIANA DINIZ NEPOMUCENO. A antecipação da tutela na ação rescisória. 2002; p. 113 e 115; e NERY JUNIOR e ROSA NERY. Código. 4ª ed., 1999, p. 750, comentário 17, e p. 954, comentário 3. Assim, na jurisprudência: REsp n. 81.529/PI, 2ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 10 de novembro de 1997, p. 57.734; REsp n. 127.342/PB, 4ª Turma do STJ, julgado em 19 de abril de 2001, noticiado no Informativo Jurisprudência STJ, número 92; e AR n. 911/MG — AgRg, in Diário da Justiça de 27 de março de 2000.272 In Boletim da AASP, n. 2.027, Suplemento, p. 10.

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entendimento em prol da admissibilidade de ação cautelar para obstar a execução do julgado rescindendo273.

A solução do problema da via processual adequada depende do estudo — ainda que perfunctório — dos provimentos antecipatórios, cautelares e liminares274, pois foram as Leis 8.952 e 9.032 que permitiram o afastamento da orientação consubstanciada no antigo enunciado n. 234 da Súmula do extinto Tribunal Federal de Recursos. O primeiro diploma instituiu a antecipação da tutela, em 1994. Já o segundo, de 1995, permitiu a concessão de “liminar” para suspender a execução de julgado impugnado via ação rescisória. O instituto da tutela antecipada é marcado pelo adiantamento do provimento jurisdicional que o magistrado vislumbra como o provável ao final do processo. A tutela cautelar tem como característica essencial a preservação do resultado útil do processo principal. Já o vocábulo “liminar” diz respeito ao momento da prestação jurisdicional. É liminar o provimento lançado in limine litis275. Por conseguinte, a antecipação da tutela in initio litis configura provimento liminar. Mas a tutela antecipada também pode ser ulterior, quando perde o caráter de liminar. A tutela cautelar pode igualmente ser liminar, ou não276. Então, o termo “liminar” inserto no novo parágrafo único do artigo 71 da Lei n. 8.212 não esclarece se a suspensão da execução do julgado rescindendo deve ser objeto de requerimento de antecipação de tutela na própria ação rescisória ou de ação cautelar. Com efeito, o artigo 2º da Lei n. 9.032 parece permitir as duas soluções, pois a única preocupação do legislador foi instituir um provimento 273 Defendo a admissibilidade de cautelar para suspensão da execução, na doutrina: ALEXANDRE FREITAS CÂMARA. Lições. Volume II, 2ª ed., 1999, p. 21; BRUNO NOURA DE MORAES RÊGO. Ação rescisória. 1999, p. 12; ERNANE FIDÉLIS. Manual. Volume I, 6ª ed., 1998, p. 612 e 613; GALENO LACERDA. Comentários. Volume VIII, 6ª ed., 1994, p. 35 usque 38; e SERGIO BERMUDES. Comentários. Tomo VI, 3ª ed., 1998, p. 312: “Não obsta, no entanto, à concessão de medida cautelar, instituída a fim de assegurar a eficácia prática da providência jurisdicional demandada, inclusive na ação rescisória, que desencadeia um processo de conhecimento do qual o cautelar, preparatório ou incidente, é fâmulo”. No mesmo sentido, na jurisprudência: Petição n. 1.347/SP, Pleno do STF, julgado em 17 de setembro de 1997; Petição n. 2.343/ES, 1ª Turma do STF, julgado em 12 de junho de 2001, in Informativo STF, número 232; e REsp n. 351.766/SP, 3ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 26 de agosto de 2002, p. 214: “Cabe medida cautelar em ação rescisória para atribuição de efeito suspensivo à sentença rescindenda”.274 A respeito das diferenças entre a tutela antecipada, a tutela cautelar e a liminar, vale a pena conferir o excelente trabalho de autoria do Professor ADROALDO FURTADO FABRÍCIO, intitulado Breves notas sobre provimentos antecipatórios, cautelares e liminares, publicado nos justos Estudos de direito processual civil em memória de LUIZ MACHADO GUIMARÃES. Ainda sobre as diferenças entre a tutela antecipada e a tutela cautelar, vale a pena conferir os didáticos ensinamentos do Professor HUMBERTO THEODORO JÚNIOR (O processo civil brasileiro. 1999, págs. 75 usque 109).275 De acordo: “Liminar é o nome que damos a toda providência judicial determinada ou deferida initio litis, isto é, antes de efetivado o contraditório, o que pode ocorrer sem citação do réu ou com sua ciência para acompanhar a justificação exigida para apreciação da liminar“. “A liminar, portanto, não é liminar em função do seu conteúdo, sim em decorrência do momento de seu deferimento” (CALMON DE PASSOS. Comentários. Volume III, 9ª ed., 2004, pág. 73).276 “Ficou visto, pois, que (a) toda liminar é antecipatória de tutela; (b) nem toda antecipação de tutela é liminar; e (c) a antecipação de tutela pode ser ou não cautelar” (ADROALDO FURTADO FABRÍCIO. Breves notas. 1999, pág. 25). “Pode-se falar, assim, de liminar de natureza cautelar, como liminar que se configura como verdadeira antecipação da tutela”. “Outrossim, numa ação cautelar, quando liminarmente se defere a medida, em verdade antecipa-se a providência cautelar” (CALMON DE PASSOS. Comentários. Volume III, 9ª ed., 2004, págs. 73 e 74). Realmente, “as medidas cautelares têm presente a preocupação com a urgência, daí normalmente verificar-se a concessão de uma liminar que nada mais é do que uma antecipação de cautela que, pelo seu trâmite normal, só seria obtida com a sentença no processo cautelar” (WILLIAM SANTOS FERREIRA. Tutela. 2000, pág. 131).

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“liminar nas ações rescisórias” “para suspender a execução do julgado rescindendo”. Portanto, nada impede a prolação do referido provimento liminar em virtude de requerimento de antecipação da tutela rescindenda e via ação cautelar.

A combinação do artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, com os artigos 154, 244 e 805 do Código de Processo Civil reforça a conclusão de que o periculum in mora ocasionado pela execução definitiva do decisum pode ser amparado tanto por meio de tutela antecipada como via ação cautelar.

Se é certo que os dois institutos não podem ser confundidos277, parece ser igualmente correto afirmar que o provimento jurisdicional de suspensão da execução do julgado rescindendo possui cargas antecipatória e cautelar. A carga antecipatória é revelada pelo parcial adiantamento de conseqüência importante da procedência da rescisória, qual seja, obstar a execução do julgado rescindendo. A carga cautelar é revelada pela preservação da utilidade do processo principal da rescisória. Basta imaginar a hipótese de a ação rescisória ter como alvo sentença de procedência proferida em ação demolitória278. Aliás, é a existência das cargas antecipatória e cautelar no provimento jurisdicional de suspensão da execução do julgado impugnado pela rescisória que explica a divergência doutrinária e jurisprudencial que envolve a via processual. Mas a interessante discussão acerca do meio processual mais adequado à luz da carga predominante não deve comprometer um valor que ambos os institutos buscam proteger: o perigo da demora279.

Em reforço, com o advento da Lei n. 10.444, de 2002, a qual acrescentou o § 7º ao artigo 273 do Código de Processo Civil, preceito originalmente destinado ao instituto da antecipação de tutela, passou a ser admissível a concessão de tutela cautelar no bojo do próprio processo de conhecimento. Tal evolução legislativa parece estar relacionada com a preocupação dos excessos teóricos na separação das tutelas de urgência, com notório prejuízo para o jurisdicionado, vítima de discussões acadêmicas que acabam contaminando a prestação jurisdicional. Sem dúvida, a Lei n. 10.444 reforçou a tese da fungibilidade das tutelas de urgência, em prol da efetividade da prestação jurisdicional, como assentou o Tribunal Superior do Trabalho no enunciado n. 405 da Súmula da Corte: “AÇÃO RESCISÓRIA. LIMINAR. ANTECIPAÇÃO DE 277 Na prática forense, no entanto, “nem sempre é fácil distinguir se o que o autor pretende é tutela antecipada ou medida cautelar, conceitos que não podem ser tratados como absolutamente distintos. Trata-se, diversamente, de duas categorias pertencentes a um só gênero, o das medidas urgentes” (REsp n. 202.740/PB, 3ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 7 de junho de 2004, p. 215).278 O exemplo é de autoria do Professor ERNANE FIDÉLIS. Após sustentar a “possibilidade de medida cautelar inominada para suspensão da execução”, lança a seguinte pergunta: “De que adiantaria, por exemplo, a rescisória de sentença que determinasse a demolição de prédio, sem suspensão da execução?” (Manual. Volume I, 6ª ed., 1998, p. 612 e 613).279 Com a mesma opinião: HUMBERTO THEODORO JÚNIOR. O processo civil brasileiro. 1999, p. 91 usque 95: “Ao aplicador da lei processual incumbe, então, esforçar-se para fugir de tecnicismos estéreis na separação dos terrenos da tutela cautelar genérica e da antecipação de tutela, que, se podem satisfazer vaidades acadêmicas, em nada contribuem para a implementação das metas instrumentais do moderno direito processual, cada vez menos voltado para o dogmatismo e cada vez mais preocupado com os resultados práticos capazes de criar nesse limiar de um novo século um processo que mereça, realmente, o epíteto do devido processo legal, ou mais precisamente, de um processo justo”.

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TUTELA. I – Em que do que dispõe a MP 1.984-22/00 e reedições e o artigo 273, § 7º, do CPC, é cabível o pleito liminar formulado na petição inicial de ação rescisória ou na fase recursal, visando a suspender a execução da decisão rescindenda. II – O pedido de antecipação de tutela, formulado nas mesmas condições, será recebido como medida acautelatória em ação rescisória, por não se admitir tutela antecipada em sede de ação rescisória”280.

Por fim, com o advento da Lei n. 11.280, de 2006, diploma que conferiu nova redação ao artigo 489 do Código de Processo Civil281, não resta mais dúvida alguma de que a execução do julgado rescindendo pode ser suspensa tanto em virtude de pedido de antecipação da tutela quanto em cautelar, cujo pleito pode ser feito de forma incidental ou mediante ação antecedente à rescisória.

Por tudo, é possível concluir pela admissibilidade da suspensão da execução do decisum rescindendo por meio de requerimento de tutela antecipada na própria ação rescisória como também via ação cautelar282, especialmente a antecedente283. Em reforço, é importante registrar que a fungibilidade284 entre as tutelas de urgência restou consagrada nos artigos 273, § 7º, e 489, ambos do Código de Processo Civil, alterado pelas Leis 10.444 e 11.280, de 2002 e 2006, respectivamente.

5.11. Do procedimento

A teor do artigo 488 do Código de Processo Civil, a petição inicial da ação rescisória deve ser elaborada com a observância do disposto no artigo 282. Ao formular o pedido, o autor deve, se for o caso, como ocorre de regra, requerer, além da rescisão do julgado impugnado, o novo julgamento da causa primitiva. É o que estabelece o inciso I do artigo 488.

280 Cf. Resolução n. 137, in Diário da Justiça de 22 de agosto de 2005.281 “8. A nova redação apresentada ao art. 489 do CPC apenas incorpora ao ordenamento jurídico positivo o entendimento dominante na jurisprudência quanto à possibilidade de concessão de medidas de urgência concomitantes com o ajuizamento de demanda rescisória, pelo que não nos parece haver óbice a sua aprovação.” (Exposição de Motivos do Ministro da Justiça. In Reforma infraconstitucional do processo civil. Volume 4, 2005, p. 111).282 Com o mesmo entendimento defendido no texto, ou seja, permitindo a suspensão da execução do julgado rescindendo tanto por meio de requerimento de tutela antecipada como via ação cautelar: SÉRGIO GILBERTO PORTO. Comentários. Volume VI, 2000, p. 366 usque 368.283 Também denominada preparatória.284 Em sentido semelhante, na jurisprudência: “Processual Civil. Ação rescisória. Tutela antecipatória para conferir efeito suspensivo à sentença rescindenda. Cabimento. ‘Fungibilidade’ das medidas urgentes. Fumus boni iuris. Inocorrência. Violação a literal disposição de lei. Interpretação controvertida nos Tribunais. – Cabe medida cautelar em ação rescisória para atribuição de efeito suspensivo à sentença rescindenda. – Se o autor, a título de antecipação de tutela requer providência de natureza cautelar, pode o juiz, presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter incidental no processo ajuizado, em atendimento ao princípio da economia processual” (REsp n. 351.766/SP, 3ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 26 de agosto de 2002, p. 214). Também em sentido conforme, ainda na jurisprudência: REsp n. 202.740/PB, 3ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 7 de junho de 2004, p. 215.

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Por força dos artigos 282, inciso V, e 488, o autor deve indicar o valor da causa na petição inicial da ação rescisória. A regra é a de que o valor da ação rescisória é o atualizado atribuído à causa primitiva. É o que revela a seguinte conclusão do 7º Encontro dos Tribunais de Alçada: “O valor da causa na ação rescisória é o mesmo da ação originária, com correção monetária na data da inicial”285. Porém, quando a ação rescisória não alcança todas as ações solucionadas no decisum anterior, o valor da causa deve ser proporcional, ao invés do valor atualizado da causa primitiva. Realmente, quando a rescisória tem como alvo apenas parte do julgado proferido no processo originário, o valor da causa não deve ser mera atualização do inserto na primitiva petição inicial286. Em suma, a regra do valor da causa originária como referência para a ação rescisória não é absoluta e pode ser objeto de impugnação ao valor da causa287.

A petição inicial da ação rescisória deve ser subscrita por advogado. É o que se infere da combinação dos artigos 36, 39, inciso I e parágrafo único, 295, inciso VI, e 490, inciso I, todos do Código de Processo Civil. Todavia, não há necessidade de poder especial na procuração para a propositura da ação rescisória288, já que não existe tal restrição no artigo 38 do Código. Sem dúvida, basta a “procuração geral para o foro”, conforme revela o proêmio do artigo 38.

O autor deve instruir a petição inicial com a guia do depósito da verba exigida no inciso II do artigo 488. Com efeito, a importância equivalente a cinco por cento sobre o valor da causa deve ser recolhida in limine litis289, sob pena de indeferimento da petição inicial — desde que o autor não comprove o recolhimento no decêndio para a emenda da inicial. Porém, a teor do parágrafo único do artigo 488, a União, o Distrito Federal, os Estados, os Municípios e o Ministério Público estão livres do depósito. Aliás, a União, as autarquias e fundações federais igualmente estão isentas do depósito prévio e até mesmo da própria multa na ação rescisória, conforme revela o artigo 24-A da Lei n. 9.028: “A União, suas autarquias e fundações, são isentas de custas e emolumentos e demais taxas judiciárias, bem como do depósito prévio e multa em ação rescisória, em quaisquer foros e instâncias”. Reforça o enunciado n.

285 Cf. Anais do VII Encontro dos Tribunais de Alçada do Brasil. São Paulo, Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo, 1985, p. 237.286 Em sentido semelhante: JOSÉ RIBAMAR MORAES. O labirinto da ação rescisória. p. 26: “Todavia, o valor da causa na ação rescisória de um modo geral deve ser o mesmo da ação originária, cuja decisão deseja o autor desconstituir. Entretanto, pode ocorrer, na prática, que o autor não busque desconstituir integralmente a sentença rescindenda, mas apenas uma parte, devendo o valor corresponder apenas a esta parte”.Com outra opinião, há autorizada doutrina: COQUEIJO COSTA. Ação rescisória. 4ª ed., 1986, p. 99 e 192: “Conforme se passa com a rescisória no cível, o valor da causa é o da ação cuja sentença se quer desconstituir, ainda que a rescisória vise apenas a um dos capítulos da decisão rescindenda.”.287 A propósito da regra e também da possibilidade de exceção, vale a pena conferir acórdão da relatoria do Ministro ALFREDO BUZAID, cujo voto foi prestigiado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal e restou sintetizado na seguinte ementa: “1 – Ação rescisória. Impugnação ao valor da causa. Agravo regimental. 2 – O valor da causa na ação rescisória é, de regra, o valor da ação, cujo aresto se pretende rescindir.” (AR n. 1.112/SP – AgRg, in Diário da Justiça de 4 de fevereiro de 1983).288 Com a mesma opinião: EDSON PRATA. Comentários. Vol. I, 1987, p. 173.289 No limiar da lide, do processo; liminarmente.

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175 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça: “Descabe o depósito prévio nas ações rescisórias propostas pelo INSS”. O particular sob o pálio da assistência judiciária também está dispensado do recolhimento da verba prevista no inciso II do artigo 488. A propósito, merece ser prestigiado o enunciado n. 108 da Súmula do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro: “A gratuidade de justiça abrange o depósito na ação rescisória”290. No mais, vale dizer, fora das hipóteses de dispensa estudadas, prevalece a regra de que a petição inicial deve estar acompanhada da guia reveladora do pagamento do depósito de cinco por cento, nos termos do parágrafo único do artigo 488.

A petição inicial também deve ser instruída com os documentos indispensáveis à propositura da ação, consoante o disposto no artigo 283 do Código de Processo Civil. A certidão comprobatória do trânsito em julgado do decisum rescindendo e a certidão de inteiro teor ou fotocópia do julgado impugnado são documentos que devem acompanhar a petição inicial da rescisória291. A propósito, merece ser prestigiada a orientação consubstanciada no proêmio do verbete n. 299 da Súmula do Tribunal Superior do Trabalho: “É indispensável ao processamento da demanda rescisória a prova do trânsito em julgado da decisão rescindenda”.

Por fim, o instrumento de mandato outorgado ao advogado subscritor da petição inicial também deve acompanhá-la, tendo em vista o disposto no artigo 37 do Código de Processo Civil. É possível, entretanto, a apresentação posterior da procuração, conforme o caput do próprio artigo 37.

Além do pagamento imediato dos cinco por cento sobre o valor da causa a título de multa processual destinada ao réu em caso de julgamento unânime de inadmissibilidade da ação rescisória ou de improcedência do pedido rescindendo, o autor também deve efetuar o recolhimento e a respectiva demonstração das custas iniciais, quando exigidas, e no prazo previsto na legislação pertinente. No Supremo Tribunal Federal, caso não apresente desde logo com a petição inicial da ação rescisória, o autor deve protocolizar, dentro do decêndio posterior ao protocolo da inicial, petição avulsa acompanhada da guia comprobatória do recolhimento das custas iniciais. É o que se infere do artigo 59, inciso II, do Regimento Interno de 1980, combinado com a Tabela “B”, item III, da respectiva Resolução de Custas do Supremo Tribunal Federal. O mesmo não ocorre no Superior Tribunal de Justiça, tendo em vista a dispensa do artigo 112 do Regimento Interno de 1989, preceito que também alcança as ações originárias. Em suma, a necessidade do pagamento de custas iniciais na ação rescisória, bem como o prazo para a demonstração do

290 Assim, na doutrina: ERNANE FIDÉLIS. Manual. Volume I, 6ª ed., p. 633; JOSÉ RIBAMAR MORAES. O labirinto da ação rescisória. p. 28; e VICENTE GRECO FILHO. Direito. Volume II, 11ª ed., 1996, p. 428. De acordo, na jurisprudência: AR n. 43/SP, 3ª Seção do STJ, in Diário da Justiça de 30 de abril de 1990, p. 3.518; e REsp n. 4.001/SP, 4ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 9 de setembro de 1991, p. 12.204.291 Com a mesma opinião: CALMON DE PASSOS. Rescisória. p. 369: “Essencial para admissibilidade da rescisória é instruir-se a inicial com a certidão do julgado rescindendo e a prova de haver a decisão transitado em julgado”.

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respectivo recolhimento são fixados na legislação pertinente, como as leis de custas e os regimentos internos dos tribunais.

A petição inicial da ação rescisória deve ser apresentada na seção de registro, autuação e distribuição do tribunal competente. Em seguida, ocorre o registro e a autuação, consoante o disposto no artigo 547 do Código de Processo Civil. Após, a ação rescisória é distribuída. A distribuição segue o disposto no artigo 548 do Código e nos artigos 76 e 77, caput, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. Por força dos artigos 126 e 548 do Código de Processo Civil e dos preceitos do Regimento Interno de 1980, os magistrados que atuaram como relator e revisor no processo primitivo devem ser excluídos da distribuição das ações rescisórias em geral, salvo disposição em contrário no respectivo regimento interno. É o que ocorre no Superior Tribunal de Justiça, cujo Regimento Interno contém preceito específico excluindo da distribuição da ação rescisória apenas o ministro que atuou como relator no processo originário. Por oportuno, vale a pena conferir o artigo 238 do Regimento do Superior Tribunal de Justiça: “À distribuição da ação rescisória não concorrerá o Ministro que houver servido como relator do acórdão rescindendo”. Em síntese, a regra parece ser a da exclusão do relator e do revisor originários da distribuição da ação rescisória, ressalvada a existência de preceito regimental específico em sentido contrário, como o artigo 238 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, que exclui apenas o relator primitivo.

Feita a distribuição, os autos sobem à conclusão do relator, que deve verificar desde logo a regularidade da petição inicial. Havendo irregularidade sanável, o relator deve conceder ao autor dez dias para que emende a petição inicial, nos termos do artigo 284 do Código de Processo Civil292. É o que também estabelece a segunda parte do preciso enunciado n. 299 da Súmula do Tribunal Superior do Trabalho: “Verificando o relator que a parte interessada não juntou à inicial o documento comprobatório, abrirá prazo de 10 (dez) dias para que o faça, sob pena de indeferimento”.

Diante da ausência ou da insuficiência do depósito exigido pelo inciso II do artigo 488, é igualmente necessária a intimação do autor para regularizar a petição inicial no decêndio do artigo 284. Não sendo sanado o vício pelo autor, a petição inicial deve ser indeferida pelo próprio relator. É o que se depreende do disposto no artigo 490.

Por força dos artigos 282, inciso IV, 284, 488, inciso I, e 490, o relator também deve determinar a emenda da petição inicial da ação rescisória sem pedido específico de novo julgamento da causa primitiva, quando indispensável o iudicium rescissorium. Decorrido in albis o decêndio, cabe ao relator proferir decisão monocrática de indeferimento da petição inicial293.

292 Em sentido conforme: JOSÉ FREDERICO MARQUES. Manual. Volume III, 1975, p. 266.293 Em sentido semelhante ao texto do parágrafo: JOSÉ RIBAMAR MORAES. O labirinto da ação rescisória. p. 23; e SÉRGIO RIZZI. Ação rescisória. 1979, p. 7.

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Já a petição inicial contaminada por vício insanável deve ser indeferida desde logo pelo relator. Consoante o artigo 39 da Lei n. 8.038, de 1990, a decisão monocrática de indeferimento da petição inicial da ação rescisória pode ser impugnada por meio de agravo regimental294, também denominado agravo interno. A interposição de apelação contra a decisão monocrática indeferitória da inicial configura erro inescusável, o que impede o aproveitamento do recurso inadequado295.

Resta saber se a petição inicial com irregularidade no enquadramento dos fatos narrados às hipóteses de rescindibilidade previstos nos incisos do artigo 485 é inepta e deve ser indeferida pelo relator, nos termos dos artigos 295 e 495 do Código de Processo Civil. Tudo indica que não. Se os fatos estão devidamente esclarecidos na petição inicial e permitem a incidência de algum permissivo de rescindibilidade que não foi evocado pelo autor, devem-se prestigiar os princípios da mihi factum, dabo tibi ius e iura novit curia296.

Se a petição inicial estiver em ordem, o relator deve determinar a citação do réu, oportunidade na qual estabelece o prazo para a apresentação das respostas (contestação, impugnação ao valor da causa, exceções e reconvenção), de quinze a até trinta dias, consoante o proêmio do artigo 491 do Código de Processo Civil.

Resta saber se o artigo 188 do Código alcança a contestação à ação rescisória. Tudo indica que não297. É que o artigo 188 não pode ser estendido 294 Com a mesma opinião, na doutrina: COQUEIJO COSTA. Ação rescisória. 4ª ed., 1986, p. 117; NERY JUNIOR e ROSA NERY. Código. 4ª ed., 1999, p. 956, comentários 1 e 2; e PAULO LÚCIO NOGUEIRA. Curso. 5ª ed., 1994, p. 462. Assim, na jurisprudência: REsp n. 13.640/RJ, 3ª Turma do STJ, in Diário de Justiça 4 de novembro de 1991, p. 15.685; Ag n. 127.662/DF, 5ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 19 de dezembro de 1997; e Ag n. 192.253/SP — AgRg, 5ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 19 de abril de 1999.Em sentido contrário, defendendo a irrecorribilidade: LUCIANO LEMOS. Primeiras linhas. 2000, p. 32.295 Em sentido conforme: AR n. 1.354/CE, 3ª Seção do STJ, in Diário da Justiça de 5 de março de 2001.296 No mesmo sentido, na jurisprudência: “Processo civil. Ação rescisória. Causa de pedir. Enquadramento legal. Iura novit curia. Recurso desacolhido. I — Os brocardos jurídicos iura novit curia e da mihi factum dabo tibi ius são aplicáveis às ações rescisórias. II —- Ao autor cumpre precisar os fatos que autorizam a concessão da providência jurídica reclamada, incumbindo ao juiz conferir-lhes adequado enquadramento legal. III — Se o postulante, embora fazendo menção aos incisos III e VI do art. 485, CPC, deduz como causae petendi circunstâncias fáticas que encontram correspondência normativa na disciplina dos incisos V e IX, nada obsta que o julgador, atribuindo correta qualificação jurídica às razões expostas na inicial, acolha a pretensão rescisória. IV — O que não se admite é o decreto de procedência estribado em fundamentos distintos dos alinhados na peça vestibular.” (REsp n. 7.958/SP, 4ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 15 de fevereiro de 1993, p. 1687). Também em sentido conforme, na doutrina: EDUARDO RIBEIRO DE OLIVEIRA. Recurso especial — Algumas questões de admissibilidade. 1991, p. 189. Em tópico destinado ao princípio iura novit curia, concluiu o eminente Ministro: “Consigne-se, para finalizar, que raciocínio análogo aplica-se à ação rescisória. Se o autor pretende ter havido violação da lei deve indicá-la. Não importa, entretanto, tenha invocado erradamente, ou deixado de invocar o inciso pertinente do art. 485 do Código de Processo Civil”.297 Com a mesma opinião, na doutrina: BARBOSA MOREIRA. Comentários. Volume V, 7ª ed., 1998, pág. 190. Por oportuno, o eminente processualista defendeu a tese em acórdão do qual foi redator: AR n. 286, 4º Grupo de Câmaras do TJRJ, in Revista dos Tribunais, volume 547, pág. 177. Também no mesmo sentido, na jurisprudência: AR n. 67.018-1 — AgRg, 2º Grupo de Câmaras Civis do TJSP, in RJTJSP, volume 104, pág. 380; AR 78.528-2 — AgRg, 5º Grupo de Câmaras Civis do TJSP, in Revista dos Tribunais, volume 603, pág. 90; e AR n. 139.739, 3º Grupo de Câmaras do 2º TACivSP, in Revista dos Tribunais, volume 571, pág. 163.Contra, na doutrina: JOSÉ RIBAMAR MORAES. O labirinto da ação rescisória. pág. 45; e NERY JUNIOR. Código. 4ª ed., 1999, pág. 955, comentário 1. Também em sentido contrário, na jurisprudência: RE n. 94.960-7/RJ, 1ª Turma do STF, in Diário da Justiça de 8 de outubro de 1982; e AR n. 250/MT — AgRg, 2ª

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aos prazos judiciais, dentre eles o previsto no artigo 491. A adoção da tese — em prol da aplicação do artigo 188 — conduz à inutilidade do artigo 491, já que, em última análise, não seria observado o prazo máximo de trinta dias nele fixado. E, segundo princípio de hermenêutica jurídica, não se presumem, na lei, palavras inúteis: verba cum effectu sunt accipienda.

Pelos mesmos motivos, parece não ser possível a incidência do artigo 191 do Código298. Na verdade, uma das justificativas para a possibilidade da fixação do prazo da contestação em trinta dias parece ser a existência de litisconsórcio passivo. Realmente, se o relator já tem tal competência à luz das peculiaridades do caso concreto, nada justifica a duplicação do prazo para os litisconsortes com advogados diferentes, sob pena de o prazo máximo previsto no artigo 491 poder ser ultrapassado.

Ainda em matéria de resposta, é admissível reconvenção, desde que o réu tenha como alvo capítulo do julgado rescindendo favorável ao autor. Portanto, o réu só pode ajuizar verdadeira ação rescisória reconvencional299. Registre-se que o relator deve efetuar em relação à petição inicial da reconvenção o mesmo controle da petição inicial da ação rescisória principal. Com efeito, o relator pode proferir decisão de indeferimento liminar da petição inicial da ação reconvencional, nos termos do artigo 490 do Código de Processo Civil. Da aludida decisão monocrática também é cabível agravo regimental300.

Também em relação às respostas possíveis, o réu ainda pode apresentar impugnação ao valor da causa à luz do artigo 261 do Código de Processo Civil, com o cabimento de agravo regimental contra a respectiva decisão monocrática proferida pelo relator301.

Por fim, o réu ainda pode aviar as exceções de impedimento e suspeição. Já a exceção de incompetência relativa parece ser de difícil ocorrência na ação rescisória. É imaginável a ocorrência de vícios em razão da matéria e da hierarquia, que ocasionam a incompetência absoluta, a ser suscitada como preliminar na contestação.

À luz da segunda parte do artigo 491 do Código de Processo Civil, findo o prazo para a apresentação das respostas do réu, deve ser observado o disposto nos capítulos destinados às “providências preliminares” e ao “julgamento conforme o estado do processo”, “no que couber”. Com efeito, o rito ordinário só é aplicável apenas no que for compatível com o instituto da

Seção do STJ, in Diário da Justiça de 6 de agosto de 1990.298 Há respeitável doutrina em sentido contrário: JOSÉ RIBAMAR MORAES. O labirinto da ação rescisória. pág. 45.299 Em sentido conforme: CALMON DE PASSOS. Comentários. Volume III, 9ª ed., 2004, pág. 347; e JOSÉ RIBAMAR MORAES. O labirinto da ação rescisória. págs. 33 e 35.300 No mesmo diapasão: JOSÉ RIBAMAR MORAES. O labirinto da ação rescisória. p. 36.301 A propósito, vale a pena conferir acórdão da relatoria do Ministro ALFREDO BUZAID, cujo voto foi prestigiado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal e restou sintetizado na seguinte ementa: “1 – Ação rescisória. Impugnação ao valor da causa. Agravo regimental. 2 – O valor da causa na ação rescisória é, de regra, o valor da ação, cujo aresto se pretende rescindir.” (AR n. 1.112/SP – AgRg, in Diário da Justiça de 4 de fevereiro de 1983).

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rescisória. Por tal razão, ao contrário do que ocorre na maioria das ações, a ausência de contestação à rescisória não gera a presunção — nem mesmo relativa — da veracidade dos fatos narrados na petição inicial302, pois o artigo 319 e o inciso II do artigo 330 são incompatíveis com o instituto da rescisória. Incide, ao revés, o inciso II do artigo 320, já que a ação rescisória versa sobre direito indisponível. Com efeito, a coisa julgada é direito indisponível, tanto que enseja a apreciação oficial em qualquer grau de jurisdição, consoante o disposto no artigo 267, inciso V e § 3º, do Código de Processo Civil. Por tudo, reforça o enunciado n. 398 da Súmula do Tribunal Superior do Trabalho: “AÇÃO RESCISÓRIA. AUSÊNCIA DE DEFESA. INAPLICÁVEIS OS EFEITOS DA REVELIA. Na ação rescisória, o que se ataca não ação é a sentença, ato oficial do Estado, acobertado pelo manto da coisa julgada. Assim sendo, e considerando que a coisa julgada envolve questão de ordem pública, a revelia não produz confissão na ação rescisória”303.

Sendo necessária a produção de outras provas além das já carreadas aos autos, o relator pode delegar a juiz de primeiro de grau a competência para a respectiva instrução probatória. No prazo fixado pelo relator à luz do artigo 492, o juiz de primeiro grau deve determinar a remessa dos autos ao tribunal. Não é demais lembrar que a delegação de atos instrutórios a juiz a quo configura faculdade atribuída ao relator da ação rescisória, conforme o disposto no parágrafo único do artigo 261 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.

Resta saber se o relator pode determinar de ofício a produção de provas que entender necessárias. A interpretação do artigo 130 conduz à resposta afirmativa. Porém, cabe agravo interno para o colegiado contra a respectiva decisão monocrática.

Finda a instrução probatória, cada uma das partes tem dez dias para a apresentação de razões finais. É o que revela o artigo 493 do Código de Processo Civil, reforçado pelo artigo 262 do Regimento Interno de 1980.

Após, os autos são remetidos ao Ministério Público, cuja intervenção é obrigatória304. É o que se infere do artigo 82, inciso III, do Código de Processo Civil, combinado com os artigos 52, inciso X, e 262, do Regimento Interno do

302 Assim, na doutrina pátria: BARBOSA MOREIRA. Comentários. Volume V, 7ª ed., 1998, p. 192; e JOSÉ RIBAMAR MORAES. O labirinto da ação rescisória. p. 33 e 37. Também com a mesma opinião, na literatura estrangeira: AMÂNCIO FERREIRA. Manual. 2000, p. 286. De acordo, na jurisprudência: AR n. 193/SP, 1ª Seção do STJ, in Diário da Justiça de 5 de março de 1990, p. 1.395; REsp n. 23.596/RS, 3ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 22 de abril de 1996, p. 12.566; AR n. 139.739, 3º Grupo de Câmaras do 2º TACivSP, in Revista dos Tribunais, volume 571, p. 163; e AR n. 167, Câmaras Cíveis Reunidas do TJMS, in Revista Forense, volume 256, p. 330: “A norma do art. 319 do C. Pr. Civ., onde se afirma que, incontestada a ação, os fatos afirmados pelo autor reputar-se-ão verdadeiros, não se aplica no juízo rescisório”.303 Cf. Resolução n. 137, in Diário da Justiça de 22 de agosto de 2005.304 De acordo: CALMON DE PASSOS. Rescisória. p. 370; CARLOS OCTAVIO DA VEIGA LIMA. O Ministério Público. In Revista Forense, volume 246, p. 293; HUMBERTO THEODORO JÚNIOR. Curso. Volume I, 19ª ed., 1997, p. 651; IVAN DE HUGO SILVA. Recursos. 2ª ed., Aide, 1978, p. 252; JOSÉ FREDERICO MARQUES. Manual. Volume III, 1975, p. 259 e 264; JOSÉ RIBAMAR MORAES. O labirinto da ação rescisória. p. 36; e VICENTE GRECO FILHO. Direito. Volume II, 11ª ed., 1996, p. 429.

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Supremo Tribunal Federal. Em suma, é possível concluir que o parquet atua na ação rescisória no mínimo como custos legis, já que também pode intervir como parte.

Apresentado o parecer, o relator lança o relatório nos autos, nos termos do artigo 549, caput e parágrafo único, do Código de Processo Civil. “Devolvidos os autos pelo relator, a secretaria do tribunal expedirá cópias autenticadas do relatório e as distribuirá entre os juízes que compuserem o tribunal competente para o julgamento”, conforme dispõe o artigo 553.

A teor do caput artigo 551 do Código de Processo Civil, reforçado pelo artigo 262, última parte, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, assim como pelo artigo 40, inciso I, da Lei n. 8.038, os autos sobem à conclusão do revisor305, que, após a revisão do relatório, pede dia para julgamento. Por força do § 1º do artigo 551, “será revisor o juiz que se seguir ao relator na ordem descendente de antigüidade”. As atribuições do revisor constam do didático artigo 25 do Regimento Interno de 1980: “Compete ao Revisor: I - sugerir ao Relator medidas ordinatórias do processo que tenham sido omitidas; II - confirmar, completar ou retificar o relatório; III - pedir dia para julgamento dos feitos nos quais estiver habilitado a proferir voto”. Tudo indica que o preceito alcança os demais tribunais, tendo em vista o disposto no artigo 126 do Código de Processo Civil, reforçado pela compatibilidade do artigo 25 com o § 2º do artigo 551. Por fim, se o revisor efetuar aditamento ao relatório, a secretaria do tribunal deve remeter cópias da emenda aos outros juízes que compõem o órgão julgador, até mesmo — e especialmente — ao relator da ação rescisória.

Em seguida, o presidente do colegiado designa dia para julgamento, determinando a inclusão da ação rescisória em pauta. É o que dispõe o artigo 552 do Código de Processo Civil. Realmente, após o pedido de dia para julgamento da ação rescisória pelo revisor, os autos devem ser apresentados ao presidente do órgão colegiado competente. Cabe ao presidente designar a data do julgamento. Após a inclusão da ação em pauta, ocorre a publicação no órgão oficial de imprensa. Posteriormente, a pauta é afixada na entrada da sala do colegiado competente, conforme o disposto no artigo 552, caput e § 2º, do Código de Processo Civil.

5.12. Do julgamento

A ação rescisória é julgada por órgão colegiado de tribunal judiciário. Por força do artigo 493, caput, parte final e incisos, do Código de Processo Civil, as

305 Em sentido semelhante: JOSÉ RIBAMAR MORAES. O labirinto da ação rescisória. p. 38.Com efeito, há a necessidade da intervenção de revisor em ação rescisória, conforme o disposto na legislação de regência apontada no texto do ensaio. Com efeito, compete ao revisor pedir dia para julgamento da ação rescisória. É o que se infere do artigo 551, caput e §2º, do Código de Processo Civil.

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ações rescisórias são julgadas pelos órgãos coletivos indicados nos regimentos internos dos tribunais e nas leis de organização judiciária. A teor do artigo 6º, inciso I, letra “c”, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, compete ao Plenário processar e julgar originariamente a ação rescisória de julgado proferido por relator, pelo presidente, por turma ou pelo Pleno da própria Corte Suprema.

À luz do enunciado n. 252 da Súmula do Supremo Tribunal Federal, “na ação rescisória, não estão impedidos juízes que participaram do julgamento rescindendo”. O artigo 134, inciso III, do Código de Processo Civil proíbe o exercício da atividade judicante apenas no mesmo processo em que o magistrado proferiu decisão. Porém, a ação rescisória dá ensejo à formação de novo processo, diverso daquele em que prolatado o decisum rescindendo. Portanto, o magistrado que proferiu a decisão impugnada ou que participou da votação no colegiado não está impedido de participar do julgamento da ação rescisória306.

Noticiado que o julgamento ocorre em órgão coletivo, assim como que os magistrados que proferiram decisão ou voto no processo anterior não estão impedidos, resta tratar da sessão de julgamento. Diante do silêncio da legislação de regência, aplica-se o artigo 554 no particular. Sem dúvida, estando o artigo 554 inserto no capítulo que cuida “da ordem dos processos no tribunal”, e a ação rescisória no título que trata “do processo nos tribunais”, tudo indica que o preceito deve ser aplicado, até mesmo em respeito do artigo 126 do Código de Processo Civil.

Em primeiro lugar, o relator faz a exposição da causa, geralmente com a leitura do relatório que já foi distribuído aos demais componentes do órgão colegiado julgador. Em seguida, os advogados das partes podem sustentar oralmente as razões finais. É o que revelam os artigos 553 e 554.

Após, tem-se a realização do julgamento propriamente dito, com a observância dos artigos 556, 560 e 561. Sem dúvida, após as sustentações orais, o presidente concede novamente a palavra ao relator para a prolação do primeiro voto. Em seguida, vota o revisor. Depois, os vogais passam a votar. Os votos devem ser proferidos em relação a cada juízo — de admissibilidade, rescindendo e rescisório —, nos termos dos artigos 560 e 561. Realmente, a regra é a de que o julgamento da ação rescisória é dividido em três etapas.

Sem dúvida, o julgamento da ação rescisória é geralmente realizado em três etapas consecutivas307. A primeira está consubstanciada no juízo de admissibilidade da ação rescisória. Nela, o tribunal verifica se em tese há o enquadramento em permissivo legal de rescindibilidade, bem como se estão

306 Em sentido idêntico: SÉRGIO RIZZI. Ação rescisória. 1979, p. 59. 307 Assim: BARBOSA MOREIRA. Comentários. Volume V, 7ª ed., 1998, p. 203 e seguintes; HUMBERTO THEODORO JÚNIOR. Curso. Volume I, 19ª ed., 1997, p. 652; JOSÉ RIBAMAR MORAES. O labirinto da ação rescisória. p. 42 e 45; MANUEL ALCEU AFFONSO FERREIRA. Do processo nos tribunais. 1974, p. 167; e NERY JUNIOR e ROSA NERY. Código. 4ª ed., 1999, p. 957, comentários 1, 2 e 3.

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satisfeitos os pressupostos processuais e as condições da ação308. Sendo negativo o juízo de admissibilidade da ação, o colegiado julga inadmissível a rescisória, extinguindo o processo sem julgamento do mérito. Sendo positivo, o órgão julgador passa à segunda etapa do julgamento: o juízo rescindendo, também denominado juízo rescindente.

É no iudicium rescindens que o tribunal decide se o julgado impugnado deve, ou não, ser desconstituído, tendo em vista a existência, ou não, do vício que autoriza a rescisão. Portanto, é no juízo rescindendo que o colegiado julgador verifica se houve na espécie o vício apontado pelo autor. Realmente, enquanto no juízo de admissibilidade da rescisória ocorre uma análise em tese da possibilidade jurídica em sentido amplo, no juízo rescindente tal verificação se dá in concreto, ou seja, no caso concreto309. Sendo negativo o juízo rescindendo, o colegiado julga improcedente a rescisória, extinguindo o processo com julgamento de mérito. Sendo positivo, há a desconstituição do julgado, que é eliminado do mundo jurídico.

Antes de passar ao estudo do iudicium rescissorium, é importante definir se o tribunal pode, ou não, converter o julgamento em diligência, determinando de ofício a produção de provas. A interpretação sistemática dos artigos 130, 491, 492 e 560, parágrafo único, do Código de Processo Civil brasileiro permite a resposta afirmativa. É certo que não há em nosso Código preceito idêntico ao artigo 775, número 1, segunda parte, do diploma português, que trata do julgamento do instituto lusitano similar: “o tribunal conhecerá do fundamento da revisão, precedendo as diligências que forem consideradas indispensáveis”. Porém, e tendo em vista o disposto no artigo 126 do Código nacional, tudo indica que os artigos 130, 491, 492 e 560, parágrafo único, conduzem à resposta afirmativa.

Geralmente, sendo positivo o juízo rescindendo, o órgão julgador ingressa na terceira etapa do julgamento: iudicium rescissorium. É no juízo rescisório que ocorre o novo julgamento do processo primitivo, que ficou pendente após a desconstituição do julgado que o extinguiu310. Ao contrário do que pode parecer à primeira vista, o resultado do juízo rescisório pode ser o mesmo do julgado desconstituído311. Basta imaginar a hipótese de o tribunal, após desconsiderar

308 Em sentido semelhante: CALMON DE PASSOS. Rescisória. p. 370; ERNANE FIDÉLIS. Manual. Volume I, 6ª ed., 1998, p. 636; HUMBERTO THEODORO JÚNIOR. Curso. Volume I, 19ª ed., 1997, p. 652; JOSÉ RIBAMAR MORAES. O labirinto da ação rescisória. p. 42 e 45; e MANUEL ALCEU AFFONSO FERREIRA. Do processo nos tribunais. 1974, p. 167.309 O Professor CALMON DE PASSOS resumiu com perfeição o que ocorre na segunda etapa da ação rescisória: “Examina-se, já agora em sua existência concreta.” (Rescisória. p. 371).310 Como bem ensina o Professor SÉRGIO RIZZI, “no juízo rescisório, quando cabível, haverá somente rejulgamento da demanda apreciada pela decisão rescindida” (Ação rescisória, 1979, p. 7).311 Com a mesma opinião: ERNANE FIDÉLIS. Manual. Volume I, 6ª ed., 1998, p. 636: “O novo julgamento pode perfeitamente coincidir com o da sentença rescindida. Juiz impedido profere sentença condenatória contra a parte. Por tal motivo, a rescisória é admissível e deve ser julgada procedente. A nova decisão, na rescisória, porém, pode manter a condenação, mas, em princípio, com efeitos a partir dela própria ”. Ainda com o mesmo entendimento: ALEXANDRE FREITAS CÂMARA. Lições. Volume II, 2ª ed., 1999, p. 10. A propósito, também merece ser prestigiada a correta lição do Professor SÉRGIO RIZZI: “O vício da incompetência, absoluta, quando ocorrente, será extrínseco ao julgado, sendo, pois, perfeitamente admissível que o Tribunal, no juízo rescisório, rejulgue o mérito, através de decisão de igual teor àquela

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a prova falsa reconhecida no juízo rescisório, apreciando o conjunto probatório remanescente, chegar a conclusão idêntica à do juiz de primeiro grau. Tal coincidência é perfeitamente possível.

É importante que os votos acerca dos juízos de admissibilidade, rescindendo e rescisório sejam tomados em separado, ou seja, em votação específica, a fim de que não sejam somados votos acerca de juízos diversos. Por ser didático, merece ser prestigiado o artigo 61 do Regimento Interno do Tribunal de Justiça de Minas Gerais: “Sempre que o objeto da decisão puder ser decomposto em questão ou parcelas distintas, cada uma será votada separadamente para se evitar dispersão de votos, ou soma de votos sobre teses diferentes”.

A teor dos artigos 488, inciso II, e 494, ambos do Código de Processo Civil, o depósito exigido naquele preceito é destinado ao réu quando o tribunal, à unanimidade de votos, julga inadmissível a ação rescisória ou improcedente o pedido rescindendo. Tendo sido o julgamento de inadmissibilidade ou de improcedência proferido por maioria de votos, o depósito é levantado pelo autor. A importância de cinco por cento também é devolvida ao autor quando o pedido de rescisão é julgado procedente, independentemente do resultado do novo julgamento do processo primitivo, no juízo rescisório312.

Consoante o disposto no artigo 20 do Código de Processo Civil, a parte vencida deve arcar com o pagamento dos honorários advocatícios e das custas processuais. Tais verbas não podem ser confundidas, nem estão relacionadas à multa prevista no inciso II do artigo 488. É o que se depreende do disposto na segunda parte do artigo 494. Convém lembrar que a condenação relativa às verbas de sucumbência não está condicionada à unanimidade de votos no julgamento realizado pelo tribunal. Portanto, havendo julgamento de inadmissibilidade ou de improcedência da rescisória por maioria de votos, o autor fica livre da multa prevista no inciso II do artigo 488, mas não dos honorários advocatícios e das custas processuais tratados no artigo 20.

Após os votos dos magistrados que compõem o órgão julgador da rescisória, o presidente do colegiado anuncia o resultado do julgamento. O presidente também designa o redator do acórdão. Geralmente, cabe ao relator

proferida no juízo absolutamente incompetente” (Ação rescisória. 1979, p. 64). Também em sentido conforme, na literatura portuguesa: AMÂNCIO FERREIRA. Manual. 2000, p. 287.312 Em sentido idêntico: BARBOSA MOREIRA. Comentários. Volume V, 7ª ed., 1998, p. 209 e 210: “Diz o art. 494 que a restituição ocorrerá quando se julgar procedente a ação, e que a importância será entregue ao réu quando a ação for declarada inadmissível ou improcedente. No texto comentado, as palavras procedente e improcedente referem-se ao pedido de rescisão, e portanto ao resultado do iudicium rescindens, sendo irrelevante o teor do julgamento proferido, se for o caso, no iudicium rescissorium, favorável ou desfavorável — pouco importa — ao autor”. Também no mesmo sentido: PONTES DE MIRANDA. Tratado da ação rescisória. 5ª ed., 1976, p. 548: “Ao julgar-se a ação rescisória, tem-se de decidir quanto ao depósito de cinco por cento do valor da causa, que o autor fizera. Ou a quantia é restituída ao autor, ou aos autores, ou reverte em benefício do réu, ou dos réus. Há, aí, dever dos juízes, pois não é preciso que tenha havido qualquer requerimento da parte, ou das partes. Ou a ação rescisória é julgada procedente, ou improcedente, isto é, se tinha razão o autor, ou se não tinha, ou se tinham razão os autores, ou se não tinham. Está em causa o iudicium rescindens, a razão para a rescisão, ou a falta de razão; e não o iudicium rescissorium”. Ainda em sentido conforme: ERNANE FIDÉLIS. Manual. Volume I, 6ª ed., 1998, p. 636.

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redigir o aresto. Sem dúvida, a regra é que o redator do acórdão seja o relator da ação rescisória. Mas quando o relator fica vencido, o acórdão é redigido pelo revisor ou, sendo o revisor igualmente vencido, pelo vogal prolator do primeiro voto vitorioso, tudo nos termos do artigo 556.

Resta saber qual o magistrado responsável pela redação do acórdão quando o relator reconsidera o seu voto anterior para acompanhar a divergência inaugurada pelo revisor ou por vogal. Há orientação jurisprudencial em favor da redação do acórdão pelo próprio magistrado que suscitou a divergência, sendo irrelevante a retratação do relator — ou do revisor, conforme o caso. É o que se infere do verbete n. 1 da Primeira Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região, com sede em Brasília: “ACÓRDÃO - REDATORIA - REFORMULAÇÃO DE VOTO - A reformulação de voto por parte do Relator ou Revisor, derivada de voto divergente, não retira do Juiz que apresentou a divergência a redação do acórdão”313. Ainda que muito respeitável a orientação jurisprudencial consubstanciada no verbete, tudo indica que o artigo 556 do Código de Processo Civil enseja outra solução. Realmente, a exegese do artigo 556 permite a conclusão de que o relator será o redator do acórdão sempre que for vencedor, não tendo nenhuma importância se reconsiderou o seu voto, ou não. Com efeito, a regra da redação pelo relator merece ser prestigiada até mesmo quando há retratação, pois o término do julgamento só ocorre — e, por conseqüência, só é possível aferir se o relator é vencedor — quando o presidente do colegiado anuncia o resultado coram populo. Antes da proclamação do resultado do julgamento pelo presidente só existem votos que ainda podem ser reformulados, pelo que não há como afirmar se o relator é vencedor, ou não. Em suma, o artigo 556 parece revelar que o redator do acórdão será o relator até mesmo quando ocorre reformulação do anterior voto para acompanhar posterior divergência.

Lavrado o acórdão, há a publicação da ementa e do dispositivo no órgão oficial de imprensa. É o que dispõem os artigos 506, inciso III, 563 e 564.

5.13. Da recorribilidade

O acórdão que soluciona a ação rescisória pode ser impugnado por meio de embargos declaratórios. É irrelevante para o cabimento do recurso de declaração se o aresto foi proferido por unanimidade, ou não.

Tendo ocorrido divergência no julgamento de procedência da rescisória, o acórdão também é passível de ataque por meio de embargos infringentes. Não importa se o dissídio ocorreu no juízo rescindendo ou no juízo rescisório. Como o mérito da rescisória pode ser separado nos dois juízos, a procedência exigida pelo artigo 530 do Código de Processo Civil pode se dar tanto no juízo rescindente como no rescisório, desde que por maioria. Realmente, a 313 In Diário da Justiça, Seção 3, do dia 19 de novembro de 2002, p. 3.

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combinação dos artigos 488, inciso I, e 494, primeira parte, com o artigo 530 permite a conclusão de que os infringentes são adequados tanto quando o dissenso reside no juízo rescindendo como no juízo rescisório314. É importante lembrar que a existência de apenas um voto vencido dá ensejo à interposição dos embargos infringentes, até mesmo contra acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal em julgamento de ação rescisória. Realmente, a orientação firmada à luz do artigo 333, inciso III, combinado com o parágrafo único, do Regimento Interno de 1980 não resistiu ao advento do artigo 24 da Lei n. 8.038, de 1990. Com o advento da denominada Lei de Recursos, restou superada a exigência de quatro votos divergentes para o cabimento de embargos infringentes contra aresto prolatado em julgamento de ação rescisória no Supremo Tribunal Federal; basta a existência de um voto dissidente315. Ao revés, acórdão tomado por unanimidade de votos não enseja recurso de embargos infringentes, conforme se infere do artigo 530 do Código de Processo Civil. O enunciado n. 295 da Súmula da Corte Suprema reforça: “São inadmissíveis embargos infringentes contra decisão unânime do Supremo Tribunal Federal em ação rescisória”.

Em resumo, os embargos infringentes são cabíveis apenas contra acórdão de procedência proferido por maioria de votos em julgamento de ação rescisória, desde que o dissídio tenha ocorrido no iudicium rescindens ou no iudicium rescissorium. Ao contrário, os embargos não são cabíveis quando ocorre inadmissibilidade e improcedência, conforme se infere do atual artigo 530, com a redação conferida pela Lei n. 10.352, de 2001.

Os demais arestos proferidos por maioria ou por unanimidade de votos em rescisória podem ser impugnados desde logo por meio de recursos extraordinário e especial, desde que satisfeitas as exigências previstas nos artigos 102, inciso III, e 105, inciso III, da Constituição Federal de 1988. Entretanto, prevalece o entendimento de que os recursos para as cortes superiores só podem versar sobre vício surgido no próprio processo da rescisória, não sendo possível ressuscitar defeito relativo ao processo primitivo316.

314 Com opinião semelhante: BARBOSA MOREIRA. Novas vicissitudes dos embargos infringentes. 2002, p. 188: “Concebem-se, pois, em tese, embargos do réu concernentes ao iudicium rescindens, relativos ao iudicium rescissorium e referentes a ambas essas etapas do julgamento do mérito da rescisória”.315 No sentido do texto: AR n. 1.178/SP — AgRg — QO, Pleno do STF, in Diário da Justiça de 15 de maio de 1998, p. 56: “— Ação Rescisória. 2. Embargos infringentes. 3. Regimento Interno do STF, art. 333 e parágrafo único. 4. Lei nº 8.038/1990, art. 24. 5. Código de Processo Civil, art. 530. 6. Desde o advento da Lei nº 8.038/1990, art. 24, não cabe exigir o número mínimo de quatro votos dissidentes, previsto no parágrafo único do art. 333 do RISTF, para a admissão de embargos infringentes, contra acórdão do Plenário do STF, em ação rescisória. Bastante se faz não seja o aresto unânime. 7. Questão de Ordem que se resolve no sentido de não ser mais aplicável às ações rescisória o disposto no parágrafo único do art. 333 do RISTF, mas, sim, o art. 530 do Código de Processo Civil”.316 Em sentido semelhante: BARBOSA MOREIRA. Comentários. Volume V, 7ª ed., 1998, p. 212, 213 e 214; e SERGIO BERMUDES. Comentários. Volume VII, 2ª ed., 1977, p. 348: “Em se tratando de recurso extraordinário contra decisão proferida em ação rescisória, não pode o Supremo Tribunal Federal apreciar a matéria julgada na decisão rescindenda. Conforme leciona Pontes de Miranda, não pode haver recurso extraordinário na relação jurídica processual em que se pede a rescisão quanto ao que se passou na relação jurídica processual em que foi proferida a sentença rescindenda. Se isso acontecesse, entrar-se-ia, indevidamente, na relação jurídica processual extinta”.

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Como já estudado, é possível a prolação de decisão monocrática no processo da rescisória. Contra decisão monocrática cabe agravo regimental, ou seja, agravo interno, nos termos do artigo 39 da Lei n. 8.038, de 1990. Como todas as decisões jurisdicionais, a decisão monocrática também pode ser impugnada por meio de embargos declaratórios.

Ao revés, não é cabível apelação, tendo em vista a inexistência de sentença em ação rescisória. Com efeito, sentença é o pronunciamento de autoria de juiz de primeiro grau por meio do qual o processo é extinto. Realmente, sob o ponto de vista técnico-processual, não há prolação de sentença em tribunal. Assim, tanto a decisão monocrática de indeferimento da petição inicial da rescisória como o acórdão proferido pelo colegiado no julgamento da ação não estão sujeitos a ataque por meio de apelação317. Aliás, a interposição de apelação em sede de rescisória configura erro grosseiro, o que impede a aplicação do princípio da fungibilidade recursal318.

Por fim, também não cabe agravo do artigo 522, seja retido ou de instrumento319. É que não há decisão interlocutória no processo da rescisória. Realmente, decisão interlocutória é o pronunciamento de autoria de juiz de primeiro grau que não provoca a extinção do processo, mas possui conteúdo decisório, pelo que é capaz de causar prejuízo a algum dos legitimados a recorrer. É certo que há decisão monocrática de conteúdo interlocutório, como a lançada pelo relator ao apreciar pedido de tutela antecipada formulado na petição inicial da ação rescisória. Na verdade, o relator pode proferir decisão monocrática de natureza definitiva, terminativa e interlocutória. O que marca a decisão monocrática não é o conteúdo, mas a autoria. Sem dúvida, decisão monocrática é o pronunciamento jurisdicional com conteúdo decisório proferido isoladamente por magistrado de tribunal. Tanto quanto sutil, a diferença é relevante, especialmente para a fixação da recorribilidade. Quanto ao agravo retido, some-se o argumento de que não é cabível apelação em sede de ação rescisória, o que torna impossível a reiteração exigida pelo § 1º do artigo 523. Em síntese, tratando-se de ação rescisória, não é cabível agravo de instrumento nem agravo retido. As decisões monocráticas proferidas desafiam agravo regimental, melhor denominado de agravo interno. A propósito, a interposição de agravo de instrumento e a apresentação de agravo retido configuram erros inescusáveis, não ensejando a incidência do princípio da fungibilidade recursal.

5.14. Ação rescisória de julgado proferido em ação rescisória

317 Assim, na doutrina: ERNANE FIDÉLIS. Manual. Volume I, 6ª ed., 1998, p. 636: “Das decisões proferidas em ação rescisória não cabe apelação”. Também com a mesma opinião, na doutrina: JOSÉ RIBAMAR MORAES. O labirinto da ação rescisória. p. 47. Em sentido semelhante, na jurisprudência: Ag n. 43.484/RJ — AgRg, 5ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 29 de novembro de 1993, p. 25.901.318 Em sentido conforme: AR n. 1.354/CE, 3ª Seção do STJ, in Diário da Justiça de 5 de março de 2001.319 Com a mesma opinião: JOSÉ RIBAMAR MORAES. O labirinto da ação rescisória. p. 47 e 48.

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Ao tempo das Ordenações Filipinas — aplicáveis ao Império do Brasil por força do artigo 1º da Lei de 20 de outubro de 1823 —, do Regulamento n. 737 de 1850, da Consolidação Ribas de 1876, do Decreto n. 763 de 1890, do Decreto n. 3.084 de 1898, e dos Códigos de Processo estaduais, não havia norma que versasse sobre a possibilidade de ação rescisória de julgado proferido em anterior ação rescisória. Daí a explicação para a formulação de teses divergentes acerca do assunto. Uns defendiam a sua admissibilidade; outros, a sua impossibilidade. Por fim, prevaleceu a tese da admissibilidade, ao argumento de que, ao contrário do Código de Processo Civil italiano de 1865, que vedava a propositura de rivocazione contra julgado prolatado em anterior rivocazione320, não havia em nosso direito norma proibindo a rescisão de julgado proferido em ação rescisória321.

O Código de Processo Civil brasileiro de 1939 admitiu expressamente, no artigo 799, a propositura de ação rescisória impugnando decisão proferida em anterior ação rescisória, quando o julgado prolatado na rescisória antecedente tivesse sido proferido: a) por juiz peitado, impedido ou incompetente ratione materiae322; b) com ofensa à coisa julgada; ou c) com base em prova cuja falsidade tivesse sido apurada posteriormente em juízo criminal. Não admitia, no entanto, o Código de 1939, outra ação rescisória quando a decisão prolatada na rescisória antecedente tivesse sido proferida contra literal preceito de lei323. É o que se inferia da interpretação a contrario sensu do artigo 799.

O Código de Processo Civil de 1973 retornou às origens do direito brasileiro, ficando silente sobre a possibilidade da desconstituição de decisão proferida em ação rescisória. Assim, a solução do problema da sua admissibilidade passa pelo estudo do nosso direito sob o ponto de vista histórico.

Antes do diploma de 1939, prevalecia a tese da admissibilidade. E não havia norma limitando os casos de rescisão do decisum proferido em ação rescisória324. Já o Código de 1939 impôs restrição à desconstituição de decisão prolatada em ação rescisória, pois não admitia ação rescisória para afastar violação a literal disposição de lei praticada em decisão proferida em anterior rescisória. Ao não repetir a regra inserta no artigo 799 do diploma pretérito, o 320 O artigo 509 do Codice di Procedura Civile de 1865 dispunha: “La domanda di rivocazione non è ammessa contro le sentenze pronunziate in giudizio di rivocazione” (Cf. L. FRANCHI. Cinque Codici. 1933, p. 69).321 No sentido do texto do parágrafo: CARVALHO SANTOS. Código. Volume IX, 1947, p. 156, 157 e 158; ODILON DE ANDRADE. Comentários. Volume IX, 1946, p. 85; e PONTES DE MIRANDA. Comentários. Volume IV, 1949, p. 574; e Tratado da ação rescisória. 5ª ed., 1976, p. 390.322 Em razão da matéria.323 Com a mesma opinião: ADA PELLEGRINI GRINOVER. Direito processual civil. 2ª ed., 1975, p. 180; BARBOSA MOREIRA. Comentários. Volume V, 7ª ed., 1998, p. 103 e 104; BUENO VIDIGAL. Comentários. Volume VI, 2ª ed., 1976, p. 172; HUMBERTO THEODORO JÚNIOR. Curso. Volume I, 19ª ed., 1998, p. 653; LUÍS ANTÔNIO DE ANDRADE. Aspectos. 1974, p. 222; ODILON DE ANDRADE. Comentários. Volume IX, 1946, p. 85; PONTES DE MIRANDA. Tratado da ação rescisória. 5ª ed., 1976, p. 392; e SÉRGIO RIZZI. Ação rescisória. 1979, p. 111. 324 De acordo: CARVALHO SANTOS. Código. Volume IX, 1947, p. 156 e seguintes.

Bernardo Pimentel Souza, 18/03/06,
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Código de 1973 optou pela orientação original do direito pátrio: a admissibilidade da rescisão de julgado prolatado em ação rescisória, nas mesmas hipóteses em que é possível a desconstituição das decisões proferidas nas ações em geral.

Sob outro prisma, o Código de Processo Civil brasileiro de 1973, ao contrário dos Códigos italianos de 1865 e de 1940325, não proíbe a rescisão de decisão proferida em ação rescisória326. Assim, e à luz do princípio de hermenêutica jurídica consubstanciado no brocardo ubi lex non distinguit, nec interpres distinguere, é possível desconstituir julgado prolatado em ação rescisória, desde que constatado algum dos vícios que autorizam a rescisão das decisões proferidas nas demais ações327.

Além do mais, como todas as decisões jurisdicionais, as proferidas em ação rescisória também podem estar contaminadas pelos vícios que possibilitam a rescisão dos julgados em geral328.

Não obstante os argumentos acima apresentados, chegou-se a afirmar que com o advento do Código de 1973 as decisões proferidas em ação rescisória se tornaram irrescindíveis329. No entanto, tal orientação não prevaleceu entre os doutrinadores, tampouco logrou êxito nos tribunais. Vingou a tese da possibilidade da rescisão de decisum prolatado em ação rescisória, em quaisquer das hipóteses do artigo 485 do Código vigente, até mesmo em caso de violação a literal disposição de lei perpetrada em decisão proferida em anterior rescisória330. 325 Repetindo, “com formulazione più generale” (VIRGILIO ANDRIOLI. Commento. Volume II, 2ª ed., 1945, p. 436), o disposto no artigo 509 do diploma de 1865, o Codice di Procedura Civile de 1940 estabeleceu em seu artigo 403: “Non può essere impugnada per revocazione la sentenza pronunciata nel giudizio di revocazione". Registre-se que a própria doutrina italiana reconhece “ser difícil de justificar logicamente esta norma” (AMÂNCIO FERREIRA. Manual. 2000, p. 289, nota 458).326 No mesmo sentido: BUENO VIDIGAL. Comentários. Volume VI, 2ª ed., 1976, p. 172; HUMBERTO THEODORO JÚNIOR. Curso. Volume I, 19ª ed., 1998, p. 653; LUCIANO LEMOS. Primeiras linhas. 2000, p. 29; LUÍS ANTÔNIO DE ANDRADE. Aspectos. 1974, p. 222; e PONTES DE MIRANDA. Tratado da ação rescisória decisões. 5ª ed., 1976, p. 390. Com outra opinião, há autorizada doutrina: SÉRGIO SAHIONE FADEL. Código. Volume II, 4ª ed., 1982, p. 121.327 Com o mesmo argumento, na literatura portuguesa: “Por a nossa lei nada dizer em contrário, a sentença proferida em substituição da que foi rescindida poderá igualmente ser objecto de um novo recurso de revisão, com base numa das anomalias das alíneas a) a g) do art.º 771” (AMÂNCIO FERREIRA. Manual. 2000, p. 289).328 Com a mesma opinião: BUENO VIDIGAL. Comentários. Volume VI, 2ª ed., 1976, p. 172; LUÍS ANTÔNIO DE ANDRADE. Aspectos. 1974, p. 222; e ODILON DE ANDRADE. Comentários. Volume IX, 1946, p. 85.329 Cf. ALFREDO BUZAID, voto-vencido proferido na AR n. 1.130/GO, in RTJ, volume 110, p. 30, 31 e 32; PAULO LÚCIO NOGUEIRA. Curso. 5ª ed., 1994, p. 462; e SÉRGIO SAHIONE FADEL. Código. Volume II, 4ª ed., 1982, p. 120, 121 e 122.330 No sentido do texto, na doutrina: ADA PELLEGRINI GRINOVER. Direito processual civil. 2ª ed., 1975, p. 180; BARBOSA MOREIRA. Comentários. Volume V, 7ª ed., 1998, p. 104; BUENO VIDIGAL. Comentários. Volume VI, 2ª ed., 1976, p. 7, 8, 9, 22 e 172; COQUEIJO COSTA. Ação rescisória. 4ª ed., 1986, p. 133; ERNANE FIDÉLIS. Manual. Volume I, 6ª ed., 1998, p. 627; HUMBERTO THEODORO JÚNIOR. Curso. Volume I, 19ª ed., 1998, p. 653; JOSÉ RIBAMAR MORAES. O labirinto da ação rescisória. p. 37; LUCIANO LEMOS. Primeiras linhas. 2000, p. 29; LUÍS ANTÔNIO DE ANDRADE. Aspectos. 1974, p. 223; MARCOS AFONSO BORGES. Comentários. Volume II, 1975, p. 206; PONTES DE MIRANDA. Tratado da ação rescisória. 5ª ed., 1976, p. 391, 392, 393 e 394; SÁLVIO DE FIGUEIREDO. A ação rescisória. 1991, p. 274; SERGIO PINTO MARTINS. Direito. 8ª ed., 1998, p. 396; e SÉRGIO RIZZI. Ação rescisória. 1979, p. 111. De acordo, na jurisprudência: AR n. 1.130/GO, Pleno do

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Afastada a tese da irrescindibilidade dos julgados proferidos em ação rescisória, faz-se necessário fixar o limite a ser observado na propositura de ação rescisória de decisão prolatada em anterior rescisória. Só é possível discutir, em nova rescisória, vícios atinentes ao decisum proferido na rescisória antecedente. Não pode, portanto, o inconformado, repetir em outra rescisória a mesma causa de pedir que deu ensejo à propositura da antecedente331. Se assim não fosse, o vício alegado na primeira rescisória poderia ser ressuscitado em outras ações rescisórias, com a eternização do conflito de interesses e a instabilidade nas relações jurídicas. Em reforço, há o enunciado n. 400 da Súmula do Tribunal Superior do Trabalho: “AÇÃO RESCISÓRIA DE AÇÃO RESCISÓRIA. VIOLAÇÃO DE LEI. INDICAÇÃO DOS MESMOS DISPOSITIVOS LEGAIS APONTADOS NA RESCISÓRIA PRIMITIVA. Em se tratando de rescisória de rescisória, o vício apontado deve nascer na decisão rescindenda, não se admitindo a rediscussão do acerto do julgamento da rescisória anterior. Assim, não se admite rescisória calcada no inciso V do art. 485 do CPC para discussão, por má aplicação dos mesmos dispositivos de lei, tidos por violados na rescisória anterior, bem como para argüição de questões inerentes à ação rescisória primitiva”332.

Na tentativa de facilitar a compreensão do limite a ser observado na propositura de ação rescisória de julgado proferido em anterior ação rescisória, seguem dois exemplos333:

1º) O autor A ajuizou ação sob o rito ordinário contra o réu R. Requereu a condenação do réu R ao pagamento de indenização por dano moral. O juiz de primeiro grau julgou improcedente a demanda. O prazo recursal decorreu in albis. Apoiando-se no inciso V do artigo 485 do Código de Processo Civil, o autor A propôs ação rescisória para desconstituir a sentença, ao fundamento de que houve ofensa ao artigo 186 do Código Civil de 2002 e ao inciso X do artigo 5º da Constituição Federal. A Seção Cível do Tribunal, à unanimidade de votos, julgou improcedente a ação rescisória. O acórdão transitou em julgado.

STF, in RTJ, volume 110, p. 19; AR n. 1.168/GO, Pleno do STF, in RTJ, volume 110, p. 510 e ss.; AR n. 192/SP, 2ª Seção do STJ, in Diário da Justiça de 27 de novembro de 1989; AR n. 337/RJ, 2ª Seção do STJ, in Diário da Justiça de 11 de outubro de 1993; e AR n. 1997.01.00.019400-6, 2ª Seção do TRF da 1ª Região, in Diário da Justiça de 19 de outubro de 1998, p. 219.331 No sentido do texto: BARBOSA MOREIRA. Comentários. Volume V, 7ª ed., 1998, p. 104; BUENO VIDIGAL. Comentários. Volume VI, 2ª ed., 1976, p. 7, 8, 9, 216 e 217; COQUEIJO COSTA. Ação rescisória. 4ª ed., 1986, p. 134; ERNANE FIDÉLIS. Manual. Volume I, 6ª ed., 1998, p. 627; HUMBERTO THEODORO JÚNIOR. Curso. Volume I, 19ª ed., 1998, p. 653; ODILON DE ANDRADE. Comentários. Volume IX, 1946, p. 85 e 86; PONTES DE MIRANDA. Tratado da ação rescisória. 5ª ed., 1976, p. 392, 393 e 394; e SERGIO PINTO MARTINS. Direito. 8ª ed., 1998, p. 396. De acordo, na jurisprudência: AR n. 1.130/GO, Pleno do STF, in RTJ, volume 110, p. 19 e ss.; AR n. 1.168/GO, Pleno do STF, in RTJ, volume 110, p. 510; AR n. 192/SP, 2ª Seção do STJ, in Diário da Justiça de 27 de novembro de 1989; e AR n. 337/RJ, 2ª Seção do STJ, in Diário da Justiça de 11 de outubro de 1993.332 Cf. Resolução n. 137, in Diário da Justiça de 22 de agosto de 2005.333 O Professor ALEXANDRE FREITAS CÂMARA também indica exemplo de ação rescisória contra julgado proferido em anterior ação rescisória. Como bem ensina o eminente Professor, “nada impede que se proponha ação rescisória com o objetivo de rescindir o julgamento proferido em ação rescisória, o que poderia permitir alteração daquele julgado original. Basta pensar, por exemplo, numa ação rescisória de cujo julgamento tenha participado juiz peitado, com voto vencedor. Rescindível será, então, o julgamento da ação rescisória, sendo certo que este, ao ser rescindido, permitirá que se julgue novamente a matéria objeto daquele primeiro processo” (Lições. Volume II, 2ª ed., 1999, p. 24, nota 43).

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Não se dando por vencido, o autor A ajuizou nova ação rescisória com fulcro no artigo 485, inciso V, do Código de Processo Civil. Reiterou o argumento de que houve violação à literalidade do artigo 186 do Código Civil, bem como do artigo 5º, inciso X, da Constituição de 1988. Bateu-se, mais uma vez, pela condenação do réu R ao pagamento de indenização por dano moral. Na hipótese, a nova ação rescisória é inadmissível, pois se trata de mera repetição da rescisória antecedente. A reiteração da primeira rescisória é revelada pela identidade das causas de pedir: ofensa ao artigo 186 do Código Civil e ao artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal, surgida no processo originário. Com efeito, em ambas as ações rescisórias foi suscitado vício referente ao processo primitivo, o que explica a inadmissibilidade da nova rescisória.

2º) O autor A ajuizou ação de investigação de paternidade contra o réu R. O juiz de primeiro grau julgou procedente a demanda, apoiando-se na prova pericial referente ao DNA. Inconformado, o réu R apelou. A 1ª Turma Cível do Tribunal, à unanimidade de votos, negou provimento ao recurso. O acórdão passou em julgado. Posteriormente, o réu R constatou a falsidade da prova pericial. Por tal razão, propôs ação rescisória com fulcro no artigo 485, inciso VI, do Código de Processo Civil. A Seção Cível do Tribunal, à unanimidade de votos, julgou improcedente a ação rescisória. O aresto transitou em julgado. Em seguida, o réu R verificou que o julgamento ocorreu apenas vinte e quatro horas depois da publicação da pauta, sem a participação do seu advogado. Constatou, ainda, que os autos não foram conclusos ao revisor, tendo o próprio relator pedido dia para julgamento. Apoiando-se nos artigos 485, inciso V, 551, caput e § 2º, e 552, § 1º, todos do Código de Processo Civil334, o réu R ajuizou outra ação rescisória. Na hipótese, a nova ação rescisória é admissível, já que os alegados vícios ocorreram no processo da anterior rescisória, e não no da ação de investigação de paternidade.

Em síntese, o direito brasileiro admite ação rescisória de decisão proferida em anterior ação rescisória. O que não é permitido é repetir em outra ação rescisória a causa de pedir que deu ensejo à antecedente. A nova ação rescisória só pode versar sobre vício diretamente ligado ao processo da anterior rescisória, e não da ação originária.

5.15. Ação rescisória eleitoral

334 “A inobservância do prazo de 48 horas, entre a publicação de pauta e o julgamento sem a presença das partes, acarreta nulidade” (verbete n. 117 da Súmula do STJ). Tanto que a 1ª Seção do TFR, à unanimidade de votos, decidiu que “tendo o julgamento sido proferido com infringência ao disposto no art. 552, § 1º, do Código de Processo Civil, cabe ação rescisória para desconstituir o acórdão dele resultante, vez que a violação de literal disposição de lei pode ocorrer tanto de error in iudicando como de error in procedendo” (AR n. 870/RJ – EI, in RTFR, volume 164, p. 11). No mesmo sentido é a jurisprudência, conforme se depreende da ementa do seguinte precedente: “Ação rescisória. Julgamento nulo por não observado o prazo previsto no § 1º do art. 552 do Código de Processo Civil. Recurso extraordinário conhecido e provido” (RE n. 85.440/RJ, 1ª Turma do STF, in RTJ, volume 96, p. 665). Além do mais, “é nulo o julgamento sem revisão, nos casos em que exigida em lei — CPC, art. 551, § 2º” (REsp n. 24.218/RS, 4ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 28 de setembro de 1992).

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Estudada a rescisória no processo civil, é importante registrar a existência da ação também no processo eleitoral, mas com diferenças relevantes em relação à admissibilidade, ao prazo e à competência.

A ação foi instituída pela Lei Complementar n. 86, de 1996, diploma que acrescentou a alínea “j” no inciso I do artigo 22 do Código Eleitoral, e conferiu competência ao Tribunal Superior Eleitoral para processar e julgar originariamente rescisória proposta contra julgado ensejador de inelegibilidade proferido pela própria Corte.

Como a Lei Complementar n. 86 tratou especificamente do artigo 22 do Código Eleitoral, apenas o Tribunal Superior Eleitoral tem competência para processar e julgar ação rescisória eleitoral. Realmente, a ausência de previsão no artigo 29 do Código Eleitoral revela a impossibilidade jurídica de ação rescisória perante tribunal regional, tendo como alvo sentença de juiz eleitoral e julgado da própria corte eleitoral intermediária. Aliás, a sentença de juiz eleitoral e o acórdão de tribunal regional também não podem ser impugnados por meio de ação rescisória perante o Tribunal Superior Eleitoral335, tendo em vista a competência exclusiva para processar e julgar ação rescisória que tenha como alvo somente julgado da própria Corte Superior, conforme se infere, por analogia, dos artigos 102, inciso I, alínea “j”, e 105, inciso I, letra “e”, da Constituição Federal.

Quanto ao prazo, também é diferente da ação rescisória cível. Enquanto o artigo 495 do Código de Processo Civil concede dois anos, a novel alínea “j” do inciso I do artigo 22 do Código Eleitoral fixa o prazo da rescisória eleitoral em apenas cento e vinte dias.

Tal como ocorre na ação rescisória cível, a simples propositura da rescisória eleitoral não impede a total eficácia do julgado rescindendo, pelo que não há a possibilidade do exercício do mandato em razão do julgamento de inelegibilidade protegido pela res iudicata. Aliás, o Supremo Tribunal Federal já bem decidiu pela inconstitucionalidade da última parte da novel alínea “j” do inciso I do artigo 22 do Código Eleitoral, in verbis: “possibilitando-se o exercício do mandato eletivo até o seu trânsito em julgado”336. Ainda que

335 Assim, na jurisprudência: AR n. 176 — AgRg, Pleno do TSE, em 1º de outubro de 2004: “Registro. Indeferimento. Candidato. Vereador. Acórdão regional. Ação rescisória. Art. 22, I, j, do Código Eleitoral. Não-cabimento. Precedentes. 1. A jurisprudência desta Corte Superior é firme no sentido de que, diante do que preceitua o art. 22, I, j, do Código Eleitoral, a ação rescisória, no âmbito da Justiça Eleitoral, somente é cabível para desconstituir decisão deste Tribunal Superior que contenha declaração de inelegibilidade. Precedentes. 2. Não há como se contrapor, por meio da ação rescisória nesta Corte Superior, a decisão do egrégio Tribunal Regional Eleitoral que manteve indeferimento do registro de candidatura, ainda que fundado em inelegibilidade”. No mesmo sentido, ainda na jurisprudência: AR n. 165 — AgRg, Pleno do TSE, in Diário da Justiça de 3 de setembro de 2004, p. 107: “Agravo regimental. Ação rescisória. Acórdão regional. Condição de elegibilidade. Negativa de seguimento. Compete ao Tribunal Superior Eleitoral julgar originariamente ação rescisória nos casos de inelegibilidade somente de seus julgados. Agravo desprovido”.336 “2. São inconstitucionais, porém, as expressões ‘possibilitando-se o exercício do mandato eletivo até o seu trânsito em julgado’, contidas na mesma alínea ‘j’, pois implicariam suspensão, ao menos temporária, da eficácia da coisa julgada sobre inelegibilidade, em afronta ao inciso XXXVI do art. 5º da Constituição Federal” (ADI n. 1.459/DF, Pleno do STF, in Diário da Justiça de 7 de maio de 1999).

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excepcionalmente, é juridicamente possível a propositura de ação cautelar antecedente e a formulação de pedido de antecipação da tutela no bojo da própria rescisória, a fim de que o mandato possa ser exercido durante o processamento da ação.

Resta saber quais são os recursos cabíveis na ação rescisória eleitoral. Decisão monocrática proferida por ministro do Tribunal Superior Eleitoral comporta agravo regimental para o Pleno da Corte, em três dias.

Quanto aos acórdãos, a despeito da existência de respeitável entendimento favorável ao cabimento dos embargos infringentes na ação rescisória eleitoral337, o artigo 530 do Código de Processo Civil não pode ser evocado, tendo em vista a manifesta incompatibilidade dos embargos infringentes com o princípio da celeridade, um dos pilares do direito processual eleitoral. Tanto que não há previsão de embargos infringentes no Código Eleitoral, diploma que contém título específico (Título III) acerca do sistema recursal eleitoral, com mais de vinte artigos, preceitos que cuidam dos recursos cabíveis no processo eleitoral. Portanto, à luz dos princípios da celeridade e da taxatividade, são inadmissíveis embargos infringentes em ação rescisória eleitoral338.

Em suma, contra os acórdãos são cabíveis apenas embargos declaratórios e recurso extraordinário, ambos em três dias.

337 Conferir: Acórdão n. 313, Pleno do TSE.338 De acordo: REsp n. 19.653/MT – EDcl, Pleno do TSE, in Diário da Justiça de 19 de dezembro de 2003, p. 244: “Embargos de declaração. Ação rescisória. Embargos infringentes. Art. 530 do Código de Processo Civil. Justiça eleitoral. Não-cabimento. 1. Não são cabíveis embargos infringentes, no âmbito da Justiça Eleitoral, sem norma legal que expressamente admita esse recurso”. Também no mesmo sentido: AR n. 12, Pleno do TSE, em 18 de novembro de 1997.

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CAPÍTULO 6 — REMESSA OBRIGATÓRIA

6.1. Nomen iuris e natureza jurídica

A “remessa” obrigatória, também denominada “reexame necessário”, bem assim “duplo grau de jurisdição”, não tem natureza recursal339. São várias as razões que conduzem a tal conclusão. Em primeiro lugar, o juiz não tem legitimidade recursal340, já que o artigo 499 do Código de Processo Civil conferiu apenas às partes, ao Ministério Público e ao terceiro prejudicado legitimidade para recorrer; e o magistrado não pode ser considerado terceiro prejudicado em relação ao julgamento por ele mesmo proferido, nem tem interesse de impugnar pronunciamento de sua autoria341. Sob outro enfoque, a “remessa” obrigatória ocorre independentemente da manifestação de quem quer que seja, em prazo determinado. Já os recursos estão condicionados à interposição dentro de prazo peremptório previsto em lei342. Com efeito, diferentemente dos recursos, o reexame necessário não está sujeito à observância do requisito de admissibilidade da tempestividade. Por tal razão, decorrido o prazo para a interposição do recurso cabível, o presidente do tribunal ad quem competente para o reexame deve avocar os autos, caso não tenha ocorrido a “remessa” de ofício na Justiça de origem. Sem dúvida, a combinação do caput do artigo 475 com o § 1º conduz à conclusão de que o reexame não está condicionado a prazo peremptório, ao contrário do que ocorre com os diversos recursos processuais.

Não bastassem a ilegitimidade recursal, a ausência de interesse recursal e a inexistência de prazo peremptório como condição para a realização do reexame da causa pelo tribunal ad quem, o Código de Processo Civil vigente tratou da “remessa” obrigatória fora do título destinado ao sistema recursal (Título X). Hoje a “remessa” consta do artigo 475, preceito inserto em seção

339 Em sentido conforme: ALCIDES DE MENDONÇA LIMA. Os recursos. In Revista Forense, Volume 246, p. 174 e 175; ALEXANDRE FREITAS CÂMARA. Lições. Volume II, 2ª ed., 1999, p. 43; ARAUJO CINTRA. Comentários. Volume IV, 2000, p. 310; FREDIE DIDIER JR. e LEONARDO JOSÉ CARNEIRO DA CUNHA. Curso de direito processual civil. Volume 3, 2006, p. 339; JOSÉ AFONSO DA SILVA. Dos recursos. 1974, p. 192; LUÍS ANTÔNIO DE ANDRADE. Aspectos e inovações. 1974, p. 226; NERY JUNIOR. Princípios fundamentais. 3ª ed., 1996, p. 53 e 254; 5ª ed., 2000, p. 245; e Código. 2ª ed., 1996, p. 849, comentário 1; OVÍDIO BAPTISTA DA SILVA. Curso. Volume I, 4ª ed., 1998, p. 479 e 480; PINTO FERREIRA. Vocabulário jurídico. 1999, p. 93; e PONTES DE MIRANDA. Comentários. Tomo VII, 3ª ed., 1999, p. 102.Em sentido contrário, há autorizada doutrina: ARAKEN DE ASSIS. Admissibilidade. 2001, p. 130, 131 e 134; e SERGIO BERMUDES. Comentários. Volume VII, 2ª ed., 1977, p. 31 e seguintes.340 De acordo: NERY JUNIOR. Princípios fundamentais. 3ª ed., 1996, p. 53; e Código. 2ª ed., 1996, p. 849, comentário 1; e OVÍDIO BAPTISTA DA SILVA. Curso. Volume I, 4ª ed., 1998, p. 479 e 480.341 Assim: ALCIDES DE MENDONÇA LIMA. Os recursos. In Revista Forense, Volume 246, p. 174; ELIÉZER ROSA. Cadernos. 1973, p. 55; NERY JUNIOR. Princípios fundamentais. 3ª ed., 1996, p. 53; e Código. 2ª ed., 1996, p. 849, comentário 1; e OVÍDIO BAPTISTA DA SILVA. Curso. Volume I, 4ª ed., 1998, p. 479 e 480.342 Como bem ensina o Jurisconsulto LINO ENRIQUE PALACIO, “constituyen requisitos comunes a todos los recursos: omissis; 3º) Su interposición dentro de un plazo perentorio” (Manual. 11ª ed., 1995, p. 569).

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destinada ao tratamento da coisa julgada (Seção II do Capítulo VIII do Título VIII). Daí a conclusão acerca da natureza jurídica do instituto: condição à formação da coisa julgada343.

Em reforço, o atual Código de Processo Civil não prestigiou a expressão “apelação necessária ou ex officio”, prevista no artigo 822 do anterior Código de 1939, a qual não traduzia a natureza do instituto, como já reconheciam até mesmo os comentadores do diploma pretérito344. Aliás, embora o Código de Processo Penal de 1941 ainda trate do instituto como “recurso de ofício” nos artigos 411, 574 e 746, terminologia também prestigiada na jurisprudência345, a doutrina bem sustenta a erronia da denominação legal, conforme revela a precisa conclusão n. 125 das Mesas de Processo Penal da Universidade de São Paulo: “O denominado ‘recurso necessário’ não é recurso, mas sim condição de eficácia da decisão, que só transita em julgado após confirmada em segundo grau de jurisdição”346.

Ainda sob o aspecto histórico, convém lembrar que no original Código de Processo Civil de 1973 havia a palavra “voluntária”, a qual gerava dúvida acerca da existência de outra “apelação” que não fosse apenas a “voluntária”. Eis o primitivo parágrafo único do artigo 475 do Código de 1973: “Nos casos previstos neste artigo, o juiz ordenará a remessa dos autos ao tribunal, haja ou não apelação voluntária da parte vencida; não o fazendo, poderá o presidente do tribunal avocá-los”. Com efeito, a anterior redação do artigo 475 do Código de 1973 ensejava a errônea interpretação favorável à existência de outra apelação que não fosse voluntária, ou seja, a necessária. Porém, na Lei n. 10.352 já não há o vocábulo “voluntária”. Realmente, a palavra “voluntária” já não é encontrada no atual § 1º do artigo 475: “Nos casos previstos neste artigo, o juiz ordenará a remessa dos autos ao tribunal, haja ou não apelação; não o fazendo, deverá o presidente do tribunal avocá-los”. A ausência merece elogio, já que afastou a redundância do Código de 1973, pois toda apelação é voluntária. A propósito, o vocábulo que pode ser encontrado tanto no texto original como no atual é “remessa”, em prol do esclarecimento da natureza jurídica e do nomen iuris do instituto.

Por tudo, é possível concluir que a “remessa” necessária não tem natureza de recurso processual; trata-se, na verdade, de condição para a formação da coisa julgada. Portanto, as expressões recurso necessário, recurso oficial, recurso ex officio não deveriam ser mais utilizadas na linguagem forense, já que não encontram sustentação na doutrina e na legislação moderna, bem como conduzem o intérprete em falsa pista.

343 Em sentido semelhante: ALCIDES DE MENDONÇA LIMA. Os recursos. In Revista Forense, Volume 246, p. 174; e ARAUJO CINTRA. Comentários. Volume IV, 2000, p. 310.344 Cf. CARVALHO SANTOS. Código. Volume IX, 1947, p. 282; ELIÉZER ROSA. Cadernos. 1973, p. 54 e 55; e GABRIEL REZENDE FILHO. Curso. Volume III, 4ª ed., 1956, p. 103.345 “Está sujeita a recurso ex officio a sentença que absolver sumariamente o acusado (art. 411 CPP) e a que conceder a reabilitação.” (verbete n. 9 do Grupo de Câmaras Criminais do TJMG, aprovado por unanimidade de votos).346 In ADA PELLEGRINI GRINOVER et alii. Recursos. 3ª ed., 2001, p. 452.

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Realmente, quanto ao nomen iuris do instituto, merecem ser prestigiadas as expressões “remessa” e “duplo grau de jurisdição”, ambas previstas pelo próprio artigo 475 do atual Código de Processo Civil, assim como a expressão “reexame necessário”, inserta no comando da Lei n. 10.352, de 2001.

É certo que a confusão tão comum entre “remessa” e recurso347 ocorre em razão de o reexame da causa ser igualmente realizado por “tribunal”, conforme revelam o caput e o § 1º do artigo 475 do Código de Processo Civil. Por conseguinte, o reexame também segue o procedimento do capítulo VII: “DA ORDEM DOS PROCESSOS NO TRIBUNAL”. A adoção de procedimento semelhante, todavia, não permite a confusão dos institutos. Na verdade, todos os processos seguem nos tribunais o procedimento geral previsto nos artigos 547 até 565. Por exemplo, a ação rescisória também está sujeita à incidência do capítulo VII, conforme se infere dos artigos 551 e 553. Portanto, qualquer que seja a natureza do julgamento no tribunal (recurso, remessa obrigatória ou ação originária), incidem as regras gerais do mesmo capítulo VII, ressalvados os preceitos específicos de determinada espécie recursal (verbi gratia, artigos 551, 553 e 555, caput) ou de alguma ação específica (ad exemplum, artigos 551 e 553), dispositivos com aplicação particular. No mais, a ordem dos processos no tribunal é geral, até mesmo para a remessa necessária. Porém, a semelhança procedimental não justifica a confusão entre os recursos, o reexame obrigatório e as ações originárias, institutos diferentes, mas que geralmente seguem o mesmo procedimento nos tribunais.

6.2. Hipóteses de remessa obrigatória

Estudados o nomen iuris e a natureza jurídica do instituto, já é possível estudar as hipóteses de remessa obrigatória, com enfoque especial no Direito Processual Civil.

O atual Código de Processo Civil contém duas hipóteses de reexame necessário, previstas nos incisos I e II do artigo 475, com a redação conferida pela Lei n. 10.352, de 2001.

Antes de ingressar no estudo das hipóteses específicas, convém registrar que, consoante o caput do artigo 475 do Código de Processo Civil, só é obrigatória a remessa de “sentença”. Em contraposição, acórdão não depende de reexame, ainda que proferido em ação cível originária de tribunal. Se a ação originária for, todavia, da competência de Tribunal Regional do Trabalho, há a necessidade do reexame do respectivo acórdão, em razão da combinação do artigo 1º, inciso V, do Decreto-lei n. 779, de 1969, com o artigo 895, alínea “b”, da Consolidação das Leis do Trabalho. Em resumo, no processo civil, a

347 Quanto ao processo civil, a confusão ocorre entre a remessa necessária e a apelação; no processo trabalhista, com o recurso ordinário; e no processo penal, com o recurso em sentido estrito, conforme a combinação dos artigos 411, 574 e 581, incisos VI e X, todos do Código de Processo Penal.

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remessa obrigatória só ocorre em relação às sentenças; os acórdãos jamais estão sujeitos ao reexame necessário. Já no processo trabalhista, não só as sentenças proferidas pelos juízes do trabalho contra os entes públicos, mas também os acórdãos prolatados em ações originárias de competência dos tribunais regionais do trabalho igualmente dependem do reexame oficial, quando contrários aos entes públicos.

Voltando os olhos para o processo civil, com o registro de que a remessa atinge apenas as sentenças, já é possível estudar as duas hipóteses previstas no artigo 475 do Código de Processo Civil.

Há necessidade de reexame pelo tribunal quando “a sentença” é “proferida contra a União, o Estado, o Distrito Federal, o Município, as respectivas autarquias e fundações de direito público”. É o que dispõe o novo inciso I do artigo 475, inspirado no antigo inciso II do mesmo dispositivo: “proferida contra a União, o Estado e o Município”. Também há a inspiração no artigo 10 da Lei n. 9.469, que já tratava da necessidade do reexame também na hipótese de sentença prolatada contra as autarquias e as fundações públicas. Quanto ao Distrito Federal, a despeito do silêncio do texto primitivo do artigo 475, jamais houve dúvida acerca da igual obrigatoriedade do duplo grau de jurisdição. Tanto a interpretação teleológica como a sistemática do antigo artigo 14 do Código Civil de 1916 como do artigo 32, § 1º, da Constituição Federal de 1988 já revelavam a necessidade do mesmo tratamento ao Distrito Federal. Não importa, entretanto, se a União, o Estado, o Distrito Federal, o Município, a Autarquia ou a Fundação ocupou o pólo passivo, como ocorre no mais das vezes, ou o ativo da relação processual. Na verdade, o que importa é se houve a prolação de julgamento de mérito contrário ao ente público, tanto na qualidade de autor como de réu. Em contraposição, se a sentença foi apenas terminativa, ou seja, proferida com esteio no artigo 267, não há a remessa oficial348.

Também há necessidade da remessa dos autos ao tribunal para o reexame da sentença “que julgar procedentes, no todo ou em parte, os embargos à execução de dívida ativa da Fazenda Pública (art. 585, VI)”. A remissão ao inciso VI do artigo 585 revela que o reexame obrigatório alcança apenas a sentença de total ou parcial procedência proferida em ação de embargos proposta em execução aparelhada em título executivo extrajudicial consubstanciado na “certidão de dívida ativa da Fazenda Pública da União, Estado, Distrito Federal, Território e Município”. Também é necessário o reexame na hipótese de procedência dos embargos à execução fiscal movida pelas “respectivas autarquias”, conforme revela a combinação do artigo 1º da

348 De acordo: “RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL. REEXAME NECESSÁRIO. ART. 475 DO CPC. INAPLICABILIDADE ÀS SENTENÇAS DE EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO. PRECEDENTES. É cediço o entendimento de que a exigência do duplo grau de jurisdição obrigatório, prevista no artigo 475 do Código Buzaid, somente se aplica às sentenças de mérito. ” (REsp n. 688.931/PB, 2ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 25 de abril de 2005, p. 324).

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Lei n. 6.830, de 1980, com os artigos 475, inciso II, e 585, inciso VI, ambos do Código de Processo Civil349.

Ainda no tocante ao vigente inciso II do artigo 475, a redação atual está em harmonia com a linguagem técnica. Ao contrário do anterior inciso III, que previa o reexame da sentença “que julgar improcedente a execução de dívida ativa da Fazenda Pública”, o atual inciso II cuida do duplo grau de jurisdição da sentença “que julgar procedentes, no todo ou em parte, os embargos à execução de dívida ativa da Fazenda Pública”. Realmente, só os embargos são efetivamente marcados por juízo de cognição de mérito, já que verdadeira ação de conhecimento, com julgamento de procedência, ou não. Portanto, sob o enfoque científico, a atual redação é superior em relação ao antigo inciso III do original Código de 1973.

Também há outras hipóteses de remessa obrigatória em outras leis processuais.

Por força do artigo 12, parágrafo único, da Lei n. 1.533, de 1951, a sentença concessiva de mandado de segurança está sujeita ao reexame necessário. Há, todavia, uma peculiaridade: apesar da obrigatoriedade da remessa ao tribunal, a sentença concessiva da segurança tem eficácia imediata, ainda que provisória.

A sentença denegatória do mandado de segurança, todavia, não está sujeita ao reexame necessário350, consoante a inteligência do parágrafo único do artigo 12 da Lei n. 1.533, de 1951. À luz do mesmo preceito, não há remessa obrigatória de acórdão proferido em mandado de segurança de competência originária de tribunal, salvo se concessivo e prolatado por tribunal regional do trabalho, em razão da exceção extraída da combinação do artigo 1º, inciso V, do Decreto-lei n. 779, de 1969, com o artigo 895, alínea “b”, da Consolidação das Leis do Trabalho.

A sentença terminativa e a definitiva de improcedência proferidas em ação popular também dependem da remessa obrigatória, conforme o disposto no caput do artigo 19 da Lei n. 4.717, de 1965.

Igualmente está sujeita ao reexame necessário a sentença condenatória da Fazenda Pública em quantia superior ao dobro da oferecida na petição inicial da ação de desapropriação. O mesmo ocorre com a sentença condenatória do expropriante em quantia superior a cinqüenta por cento sobre o valor oferecido na petição inicial da ação de desapropriação de imóvel rural para reforma agrária. É o que se infere do artigo 28, § 1º, do Decreto-lei n. 3.365, e do artigo 13, § 1º, da Lei Complementar n. 76, de 1993.

Também está sujeito ao reexame necessário a sentença proferida em ação anulatória de registro ou de matrícula de imóvel rural, na hipótese do parágrafo único do artigo 3º da Lei n. 6.739, de 1979.

349 Nova reflexão acerca do tema gerou a reconsideração da anterior opinião em sentido contrário expressa na página 156 da terceira edição, publicada em 2004.350 De acordo: Apelação n. 8.598, 2ª Câmara Cível do TJMS, in Revista Forense, volume 256, p. 325.

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Estudadas as hipóteses de remessa oficial, convém destacar as exceções ao reexame obrigatório. Convém registrar, desde logo, que as exceções alcançam não só os casos de necessidade de duplo grau de jurisdição por força do Código de Processo Civil, como também os previstos nas leis especiais.

Em primeiro lugar, a sentença condenatória de ente público que não ultrapassar sessenta salários mínimos e a de procedência — ainda que parcial — dos embargos na execução fiscal que não superar o mesmo valor estão dispensadas do reexame necessário, conforme o novo § 2º do artigo 475, acrescentado pela Lei n. 10.352, de 2001. Da mesma forma, o artigo 13 da Lei n. 10.259 revela a inexistência de reexame necessário nas causas em geral processadas nos juizados especiais federais. Por conseqüência, ainda que condenatória da União, de autarquia federal ou de fundação pública, as sentenças proferidas nos juizados especiais não estão sujeitas ao duplo grau de jurisdição ex vi legis.

A outra exceção reside no § 3º do mesmo artigo 475. Independentemente do valor da condenação ou da execução fiscal, está livre do reexame obrigatório a sentença proferida com esteio em enunciado ou precedente do Plenário do Supremo Tribunal Federal, assim como enunciado de tribunal superior.

Por fim, convém lembrar que, com a superveniência da Lei n. 10.352, de 2001, a sentença de anulação do casamento não está mais sujeita ao reexame obrigatório. A remessa era necessária na vigência do original Código de Processo Civil 1973, mas a preocupação do legislador com a preservação do matrimônio restou incompatível com o advento do divórcio, instituto previsto na Lei n. 6.515, de 1977. Daí a explicação para a eliminação da hipótese de reexame prevista no inciso I do artigo 475 do original Código de 1973.

6.3. Procedimento e julgamento

Proferido o julgamento sujeito ao reexame necessário, o próprio magistrado prolator deve desde logo determinar a remessa dos autos ao tribunal ad quem, independentemente da interposição de recurso voluntário351. É admissível, todavia, a interposição de recurso, até mesmo pelo ente público já beneficiado pela remessa oficial, em razão da autorização expressa inserta no § 1º do artigo 475 do Código de Processo Civil. Se interposto e recebido o recurso, os autos sobem ao tribunal ad quem para o julgamento conjunto do recurso e do reexame obrigatório.

351 Aliás, todo recurso é voluntário; a redundância foi proposital para reforçar a separação do recurso da remessa.

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Após a chegada dos autos no tribunal ad quem, o reexame segue o procedimento estabelecido nos artigos 547 até 565 do Código de Processo Civil. Em primeiro lugar, há a autuação prevista no artigo 547. Em seguida, ocorre a distribuição, a qual é realizada à luz dos princípios do artigo 548. Logo após, os autos seguem ao relator. Embora não seja recurso, o artigo 557 igualmente alcança o reexame necessário, conforme já assentou o Superior Tribunal de Justiça no enunciado n. 253 e o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro no enunciado n. 53: “O art. 557, do Código de Processo Civil abrange, não só julgamento dos recursos arrolados no art. 496, como o reexame necessário previsto no art. 475, do mesmo diploma legal (Súmula 253 do S.T.J.)”. Portanto, se o relator constatar que o julgamento não está sujeito ao reexame obrigatório, bem assim se a causa versar sobre questão de direito já pacificada na jurisprudência, pode proferir decisão monocrática ex vi do artigo 557. Da decisão do relator, todavia, cabe agravo interno para a turma julgadora.

Quanto ao julgamento, o Superior Tribunal de Justiça assentou que o tribunal competente para o reexame necessário não pode majorar a condenação imposta ao ente público, salvo se interposto, admitido e conhecido o recurso voluntário do particular ou do Ministério Público. Em contraposição, no reexame obrigatório desacompanhado de recurso particular ou ministerial, o tribunal não pode piorar a situação do ente público, consoante o enunciado n. 45.

Por fim, resta saber se o acórdão proferido por maioria de votos contra a sentença de mérito é impugnável por meio dos embargos infringentes do artigo 530 do Código de Processo Civil. O antigo Tribunal Federal de Recursos assentou o entendimento favorável ao cabimento dos embargos infringentes no enunciado n. 77. Porém, a orientação jurisprudencial não parece ser a melhor, já que a remessa não é recurso e nem pode ser confundida com a apelação. Além do mais, a Lei n. 10.352, de 2001, diploma que conferiu nova redação ao artigo 530 do Código de Processo Civil, restringiu o cabimento dos embargos infringentes. Diante da ausência de previsão legal do cabimento de embargos em reexame necessário, reforçada pela notória restrição proveniente da Lei n. 10.352, é possível concluir pela inadequação dos infringentes.

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CAPÍTULO 7 — MANDADO DE SEGURANÇA

7. 1. Generalidades

O mandado de segurança foi instituído pela Constituição de 1934, especificamente pelo inciso XXXIII do artigo 113, e hoje é regido pelo artigo 5º, incisos LXIX e LXX, da Constituição Federal de 1988, bem como pelas Leis 1.533, 4.348, 5.021, 6.014, 6.071 e 9.259.

O mandado de segurança é a ação de rito especial apta à proteção de qualquer pessoa ou grupo de pessoas em face de ato e omissão contaminados por ilegalidade ou abuso de poder, assim como contra ameaça de lesão praticada por autoridade pública ou por agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições públicas, desde que o ato, a omissão ou a ameaça não sejam impugnáveis por meio de habeas corpus ou habeas data, nem por outra ação própria ou algum recurso processual específico.

Com efeito, a interpretação do artigo 5º, inciso LXIX, da Constituição Federal, reforçado pelos artigos 1º e 5º, inciso II, da Lei n. 1.533, de 1951, revela que o alcance do mandado de segurança é obtido por exclusão352. Não é admissível, por conseguinte, a ação de segurança quando prevista outra ação específica para a impugnação da decisão jurisdicional. Na mesma esteira, não é admissível o mandado de segurança quando cabível algum recurso processual específico contra a decisão jurisdicional. A propósito, reforça o preciso enunciado n. 102 da Súmula do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro: “Descabe a impetração de mandado de segurança perante o Órgão Especial contra as decisões das Câmaras isoladas, nos casos em que a lei prevê recursos para os Tribunais Superiores”353.

A propósito, a regra reside na inadmissibilidade da ação de segurança contra decisão judicial, ex vi do artigo 5º, inciso II, da Lei n. 1.533, de 1951. Porém, quando a decisão judicial não comporta recurso processual específico, é admissível a ação segurança, consoante a interpretação a contrario sensu do próprio inciso II do artigo 5º da Lei n. 1.533. Um exemplo muito freqüente na prática forense pode facilitar a compreensão do assunto: decisão monocrática — proferida por relator, presidente de turma, presidente de seção, presidente de tribunal — pode ser impugnada por meio do recurso de agravo interno, consoante a regra consagrada no artigo 39 da Lei n. 8.038, de 1990, bem assim no § 1º do artigo 557 do Código de Processo Civil. Diante da existência

352 Em sentido semelhante: MONIZ DE ARAGÃO. Correição parcial. 1969, p. 149: “Aliás, a exclusão do mandado de segurança, consoante a lei, abrange nem só o caso de caber a correição parcial como outro qualquer recurso”.353 Cf. Aviso n. 17, in Diário de 30 de maio de 2005, p. 1. Eis a precisa justificativa: “A legislação processual prevê recursos específicos contra as decisões proferidas em apelações, agravos e embargos infringentes, que são os especial e extraordinário. O Regimento Interno da Corte também não prevê o writ. Não pode ele, portanto, ser utilizado pela parte como substituto desses recursos”.

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de recurso processual específico (agravo interno, também denominado agravo regimental), é inadmissível a impetração da ação de segurança, conforme revela o enunciado n. 121 da Súmula do antigo Tribunal Federal de Recursos: “Não cabe mandado de segurança contra ato ou decisão, de natureza jurisdicional, emanado de relator ou presidente de turma”. Porém, se não for cabível o recurso de agravo interno contra decisão monocrática, como nas hipóteses dos incisos II e III do artigo 527 do Código de Processo Civil, é admissível a ação de mandado de segurança contra a decisão unipessoal do relator. Diante da irrecorribilidade da decisão monocrática dos incisos II e III do artigo 527 por meio de agravo interno, é admissível a ação de segurança para o colegiado competente (verbi gratia, pleno, órgão especial, turma especial de férias) do próprio tribunal354. A possibilidade da formulação do pedido de reconsideração previsto no parágrafo único do mesmo artigo 527 não impede a impetração da segurança, já que o pedido de reconsideração não tem natureza recursal355, nem aciona órgão colegiado com competência para reforma e cassação, mas apenas a competência do próprio relator que proferiu a decisão monocrática causadora do inconformismo. Por tudo, a regra da inadmissibilidade de mandado de segurança contra decisão monocrática comporta exceções, como nas hipóteses dos incisos II e III do artigo 527, nas quais a impetração da ação de segurança encontra sustentação no artigo 5º, LXIX, da Constituição Federal e no artigo 5º, inciso II, da Lei n. 1.533, de 1951, em razão da inadequação do agravo interno, vale dizer, agravo regimental.

Outro exemplo reside na impossibilidade jurídica de recurso de agravo contra decisão interlocutória proferida em processo da competência dos juizados especiais. Daí a admissibilidade da ação de mandado de

354 Assim: Mandado de Segurança n. 2002.01.00.025040-9/DF — AgRg, Turma Recursal de Férias do TRF da 1ª Região: “CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. DECISÃO DE RELATOR. INDEFERIMENTO DE EFEITO SUSPENSIVO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. INEXISTÊNCIA DE PREVISÃO RECURSAL. CABIMENTO, EM TESE, DO MANDADO DE SEGURANÇA. INDEFERIMENTO DA INICIAL. REFORMA DA DECISÃO. 1. Nos termos do artigo 5º, II, da Lei nº 1.533/51, não se dará mandado de segurança contra ‘despacho ou decisão judicial, quando haja recurso previsto nos leis processuais ou possa ser modificado por via de correição’. 2. Da decisão de relator sobre efeito suspensivo em agravo de instrumento não cabe agravo regimental (art. 293, § 1º, do Regimento Interno), logo, a contrario sensu do citado dispositivo, é cabível, em tese, mandado de segurança .” (não há o grifo no original). Também em sentido semelhante: Mandado de Segurança n. 2001.01.00.044260-1/MG — AgRg, Corte Especial do TRF da 1ª Região, in Revista do Tribunal Regional Federal 1ª Região, número 12, ano 14, dezembro de 2002, p. 71: “Processual Civil. Agravo Regimental. Mandado de Segurança contra ato judicial. Indeferimento liminar da inicial de Mandado de Segurança interposto contra decisão de relator, que atribuiu efeito suspensivo em agravo. Iminência de prejuízos irreparáveis. Provimento do regimental. 1. A teor do art. 5º, II, da Lei 1.533/51, não cabe mandado de segurança contra despacho ou decisão judicial quando haja recurso previsível nas leis processuais ou possa ser modificado por via de correição. 2. De acordo com o § 1º do art. 293 do Regimento Interno deste Tribunal Regional Federal, não cabe qualquer recurso contra decisão de Relator que confere ou denega efeito suspensivo em agravo de instrumento, sendo, pois, tal decisão impugnável por via de mandado de segurança, em casos teratológicos, ou de manifesta ilegalidade, ou na iminência de prejuízos irreparáveis ou de difícil reparação dela decorrentes.” (não há o grifo no original).355 A inexistência de prazo peremptório para a formulação do pedido de reconsideração revela, à evidência, a ausência da natureza recursal do instituto. No tocante ao prazo peremptório, vale a pena conferir a lição do Professor PALACIO: “Constituyen requisitos comunes a todos los recursos: omissis; 3º) Su interposición dentro de un plano perentorio” (Manual. 11ª ed., 1995, p. 569).

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segurança356, consoante a interpretação a contrario sensu do artigo 5º, inciso II, da Lei n. 1.533, de 1951.

Portanto, o raciocínio pode ser assim resumido: se for cabível algum recurso processual específico, tem-se a impossibilidade jurídica da ação de segurança357, consoante o disposto no verbete n. 267 da Súmula do Supremo Tribunal Federal: “Não cabe mandado de segurança contra ato judicial passível de recurso ou correição”. Ao contrário, se a decisão não for — nem em tese — impugnável por recurso específico, a ação de segurança é admissível, conforme revela a interpretação a contrario sensu do inciso II do artigo 5º da Lei n. 1.533 e do enunciado n. 267.

Porém, não é toda decisão irrecorrível que enseja mandado de segurança. É o que ocorre com decisão de mérito sob o manto da coisa julgada. Há outra via processual de impugnação específica: ação rescisória. Se existe outra ação própria, é inadmissível o mandado de segurança. É o que se infere do preciso verbete n. 268 da Súmula do Supremo Tribunal Federal reforça: “Não cabe mandado de segurança contra decisão judicial com trânsito em julgado”. Reforça o enunciado n. 33 da Súmula do Tribunal Superior do Trabalho: “Não cabe mandado de segurança contra decisão judicial passada em julgado”. Com efeito, como a rescisória é a ação impugnativa apropriada para desconstituir julgado protegido pela res iudicata, de nada adianta impetrar o mandado de segurança358, em razão da inadmissibilidade — e da conseqüente carência — da ação de segurança. Em suma, é possível concluir que o campo de incidência do mandado de segurança é residual. A ação de segurança é admissível apenas quando não for cabível recurso processual específico algum e não for adequada outra ação própria. Daí a asserção de que só excepcionalmente o mandado de segurança tem em mira decisão jurisdicional, já que a ação tem como alvo tradicional ato de autoridade administrativa.

356 Assim, na jurisprudência: “Cabível a impetração do mandado de segurança contra decisão irrecorrível de Juiz singular do Juizado Especial.” (RMS n. 17.113/MG, 5ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 13 de setembro de 2004, p. 264). Também de acordo, ainda na jurisprudência: “É cabível mandado de segurança contra ato ilegal ou abusivo de juiz federal com jurisdição nos juizados especiais federais (JEFs), sendo competentes para processá-lo e julgá-lo as turmas recursais.” (Processo n. 2005.71.95.006166-0/RS; não há o grifo no original). Em sentido semelhante, na doutrina: GEDIEL CLAUDINO DE ARAUJO JÚNIOR. Recursos no processo civil. 1999, p. 101.357 De acordo, na jurisprudência: RMS n. 11.168/SP, 4ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 10 de dezembro de 1999: “PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. ATAQUE A ATO JUDICIAL RECORRÍVEL. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. DISCIPLINA APÓS A LEI 9.139/95. POSSIBILIDADE DE CONFERIR-SE EFEITO SUSPENSIVO. RECURSO DESPROVIDO. — Após o advento da Lei 9.139/95, que prevê efeito suspensivo ao agravo dele desprovido (art. 558, CPC), o mandado de segurança voltou ao seu leito normal, sendo inadmissível, por impossibilidade jurídica do pedido (art. 5º, II, da Lei 1.533/51), sua impetração contra ato judicial recorrível”.358 Em sentido conforme: MS n. 23.975/DF — AgRg, Pleno do STF, in Diário da Justiça de 5 de outubro de 2001, p. 41: “A AÇÃO DE MANDADO DE SEGURANÇA NÃO CONSTITUI SUCEDÂNEO DA AÇÃO RESCISÓRIA. — A ação de mandado de segurança — que se qualifica como ação autônoma de impugnação (RTJ 168/174-175, Rel. Min. CELSO DE MELLO) — não constitui sucedâneo de ação rescisória, não podendo ser utilizada como meio de desconstituição de decisões já transitadas em julgado. Precedentes”.

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A propósito, o mandado de segurança foi inicialmente idealizado como ação do indivíduo contra os atos da Administração Pública. Porém, como não há restrição alguma na Constituição Federal e na legislação de regência acerca da natureza da autoridade pública, foi possível concluir que, além dos atos provenientes do Poder Executivo, os atos dos outros poderes (Judiciário e Legislativo) também podem ser impugnados via mandado de segurança, desde que não seja admissível recurso processual ou ação específica. Além dos verbetes já estudados, os quais tratam das limitações ao uso do mandado de segurança em relação ao Judiciário, também não pode ser esquecido o enunciado n. 266 da Súmula do Supremo Tribunal Federal, verbete que cuida de importante restrição no que tange ao Legislativo: “Não cabe mandado de segurança contra lei em tese”. Diante da existência de ações específicas, como a ação direta de inconstitucionalidade, a ação declaratória de constitucionalidade e a ação de argüição de descumprimento de preceito fundamental, é inadmissível o mandado de segurança.

Com efeito, o mandado de segurança é a ação constitucional que tem como alvo ato comissivo ou omissivo do Poder Público, lesivo a direito subjetivo ou que coloque em risco o mesmo, mas sem a respectiva proteção por outra via processual. Se o ato lesivo ou intimidador proveniente do Executivo, Legislativo ou Judiciário pode ser impugnado por outra via processual (verbi gratia, habeas data, habeas corpus, ação direta de inconstitucionalidade, ação declaratória de constitucionalidade, ação rescisória, recursos processuais específicos), não há a admissibilidade do mandado de segurança. Portanto, a ação de segurança é admissível contra atos dos Poderes Públicos específicos ou delegados e que não sejam impugnáveis por outra via processual, mas geram lesão ou ameaça a direito subjetivo.

No que tange ao procedimento, o rito da ação de mandado de segurança é especial, em razão a celeridade que marca o procedimento, até mesmo por ser permitida apenas a produção de prova documental359. Ressalvada a hipótese prevista no parágrafo único do artigo 6º da Lei n. 1.533, a prova documental comprobatória dos fatos deve acompanhar desde logo a petição inicial360, o que explica a celeridade, especialmente se comparado o rito do mandado de segurança com o ordinário seguido pela maioria das ações.

A proibição de dilação probatória no mandado de segurança nasceu da interpretação dada pela jurisprudência e pela doutrina à expressão “direito líqüido e certo”. Tal cláusula indica que os fatos narrados na petição inicial não podem ser duvidosos. Ademais, devem ser comprovados de plano. O que pode 359 Assim: ADA PELLEGRINI GRINOVER. Mandado de segurança. 1996, p. 11 e 22; ADHEMAR MACIEL. Mandado de segurança. 1997, p. 18; ATHOS CARNEIRO. Anotações. In Revista de Direito da Procuradoria Geral do Estado, volume 45, p. 7; BARBOSA MOREIRA. Mandado de segurança. 1996, p. 81; e CELSO BARBI. Do mandado de segurança. 7ª ed., 1993, p. 50. Assim, na jurisprudência: RMS n. 7.876/CE, 6ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 8 de setembro de 1997, p. 42.608.360 Assim: ADA PELLEGRINI GRINOVER. Mandado de segurança. 1996, p. 11 e 22; ADHEMAR MACIEL. Mandado de segurança. 1997, p. 18; BANDEIRA DE MELLO. Curso. 8ª ed., 1996, p. 129; e MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO. Direito administrativo. 7ª ed., p. 510. De acordo, na jurisprudência: RMS n. 7.876/CE, 6ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 8 de setembro de 1997, p. 42.608.

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ser confusa, complexa e intrincada no mandado de segurança é a matéria de direito, mas nunca a de fato361. A respeito da exegese da cláusula constitucional “direito líqüido e certo”, vale a pena conferir o correto enunciado n. 625 da Súmula do Supremo Tribunal Federal: “Controvérsia sobre matéria de direito não impede a concessão de mandado de segurança”.

O direito ao rito especial do mandado de segurança deve ser exercido dentro dos cento e vinte dias posteriores à data em que o prejudicado atingido pelo ato teve ciência da sua concretização. Por oportuno, bem assentou o Plenário do Supremo Tribunal Federal no enunciado n. 632: “É constitucional lei que fixa o prazo de decadência para a impetração de mandado de segurança”. Porém, é preciso ter em mente que tal prazo decadencial não diz respeito ao suposto direito material sustentado pelo prejudicado por ato de autoridade pública. O decurso in albis do prazo previsto no artigo 18 da Lei n. 1.533 apenas fecha a via especial do writ. Nada impede, no entanto, que o insatisfeito proponha ação de procedimento comum para impugnar o ato tido por coativo362.

Por tudo, é possível concluir que o mandado de segurança é a ação de estatura constitucional adequada para a impugnação, em procedimento especial marcado pela celeridade e pela produção de prova apenas documental, de atos de autoridades públicas em geral, bem assim de atos de particulares no exercício de delegação pública, no prazo decadencial de cento e vinte dias, desde que a omissão e o ato contaminados por ilegalidade ou abuso de poder não possam ser impugnados por outra via processual específica (verbi gratia, habeas corpus, habeas data, ação direta de inconstitucionalidade, ação rescisória, ação popular, recurso processual específico).

7.2. Mandados de segurança repressivo e preventivo

Além da forma tradicional de impetração repressiva363, pela qual se combate ato ou omissão já perpetrados, o mandado de segurança pode ser

361 ? No sentido do texto do parágrafo: ADA PELLEGRINI GRINOVER. Mandado de segurança. 1996, p. 11 e 22; ATHOS CARNEIRO. Anotações. In Revista de Direito da Procuradoria Geral do Estado, volume 45, p. 7; BANDEIRA DE MELLO. Curso. 8ª ed., 1996, p. 129; BARBOSA MOREIRA. Mandado de segurança. 1996, p. 81; e MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO. Direito Administrativo. 7ª ed., p. 510. Assim, na jurisprudência: RMS n. 8.143/CE, 6ª Turma do STJ, unânime, in Diário da Justiça de 4 de agosto de 1997, p. 34.894; e MS n. 4.822/DF, 1ª Seção do STJ, in Diário da Justiça de 25 de agosto de 1997: “A condição da ação de segurança do direito líqüido e certo consiste na exigência de que a matéria fática seja incontroversa, certa, induvidosa, já que na angusta via do writ não se admite dilação probatória”.362 Em sentido conforme: ATHOS CARNEIRO. O mandado de segurança. In Revista Forense, volume 316, p. 42.363 Como bem observa o Professor HELY LOPES MEIRELLES, “o mandado de segurança normalmente é repressivo de uma ilegalidade já cometida” (Mandado de segurança. 16ª ed., 1996, p. 19).

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preventivo364, quando impetrado com o fito de impedir a concretização de ato ou omissão ofensivos a direito do impetrante.

Ao contrário do mandado de segurança repressivo, a impetração preventiva exige apenas a existência de ameaça365. No entanto, não basta o mero receio, medo do impetrante de que o ato e a omissão sejam perpetrados366. É necessário que haja ameaça real e atual367 de o ato — comissivo ou omissivo — vir a ser realizado por parte da autoridade pública.

O mandado de segurança preventivo não está sujeito ao prazo decadencial previsto no artigo 18 da Lei n. 1.533, já que na impetração preventiva não existe um ato coator já concretizado a ser impugnado368, mas apenas indícios de que o ato será perpetrado.

7.3. Legitimidade

O sujeito ativo no processo de mandado de segurança é a pessoa física ou jurídica369 ameaçada ou prejudicada pelo ato — comissivo ou omissivo — de autoria da autoridade pública ou delegada.

Se o ato, a omissão ou a ameaça atingir um grupo de pessoas, pode ser impetrado mandado de segurança coletivo por organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, assim como por partido político com representação no Congresso Nacional. Aliás, o mandado de segurança coletivo pode ser impetrado até mesmo em favor apenas de uma parcela da coletividade, conforme revela o preciso enunciado n. 630 da Súmula do Supremo Tribunal Federal: “A entidade de classe tem legitimação para o mandado de segurança ainda quando a pretensão veiculada interesse apenas a uma parte da respectiva categoria”.

Também em relação ao sujeito ativo e ao mandado de segurança coletivo, a organização, a entidade, a associação e o partido figuram no pólo

364 De acordo: ADA PELLEGRINI GRINOVER. Mandado de segurança. 1996, p. 11; ALEXANDRE DE MORAES. Direito constitucional. 6ª ed., 1999, p. 150; HELY LOPES MEIRELLES. Mandado de segurança. 16ª ed., 1996, p. 19 e 20; e MICHEL TEMER. Elementos. 14ª ed., p. 181, nota 3. 365 Assim: ADA PELLEGRINI GRINOVER. Mandado de segurança. 1996, p. 11; CELSO BARBI. Do mandado de segurança. 7ª ed., 1993, p. 80; HELY LOPES MEIRELLES. Mandado de segurança. 16ª ed., 1996, p. 19 e 20; e MICHEL TEMER. Elementos. 14ª ed., p. 181, nota 3: “No entanto, existindo ameaça de lesão a direito líquido e certo, cabível será o mandado de segurança preventivo, no sentido de afastar tal ameaça a direito, nos termos do art. 1º da Lei 1.533/51”. 366? Assim: CELSO BARBI. Do mandado de segurança. 7ª ed., 1993, p. 81; e HELY LOPES MEIRELLES. Mandado de segurança. 16ª ed., 1996, p. 20.367 Cf. CELSO BARBI. Do mandado de segurança. 7ª ed., 1993, p. 82. 368 Com efeito, “quando o mandado de segurança for preventivo, é claro que não há de cogitar-se do marco inicial para a fluência do prazo” (CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO. Manual do Mandado de Segurança. 2ª ed., 1994, p. 75).369 ? Assim: ADA PELLEGRINI GRINOVER. Mandado de segurança. 1996, p. 11; e MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO. Direito Administrativo. 7ª ed., 1996, p. 516.

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ativo da relação processual como substitutos processuais370 das pessoas integrantes da coletividade prejudicada. Como tal legitimidade reside no artigo 5º, inciso LXX, da Constituição de 1988, não há necessidade de autorização específica dos associados e filiados. A propósito, merece ser prestigiado o enunciado n. 629 da Súmula do Supremo Tribunal Federal: “A impetração do mandado de segurança coletivo por entidade de classe em favor dos associados independe de autorização destes”.

Ainda em razão da substituição processual prevista no artigo 5º, inciso LXX, da Constituição Federal, o mandado de segurança coletivo pode ser impetrado sem que a petição inicial esteja acompanhada com a relação nominal dos substituídos, ou seja, dos associados e filiados371. Como o pólo ativo do mandado de segurança coletivo é ocupado pela organização, pela entidade, pela associação ou pelo partido político, em virtude da substituição processual, só haverá a necessidade da identificação dos substituídos no momento do cumprimento da decisão concessiva da segurança. Só então, após a concessão da segurança, pode ser necessária a posterior apresentação da relação nominal dos associados e filiados, a fim de que a ordem concedida seja cumprida.

Já a parte passiva no processo de mandado de segurança é a pessoa jurídica372 da qual a autoridade coatora é órgão. E a razão é simples: quem sofre as conseqüências jurídicas da sucumbência na ação de segurança, da coisa julgada, da litispendência é a pessoa jurídica373, e não a autoridade

370 Assim: ATHOS CARNEIRO. O mandado de segurança. In Revista Forense, volume 316, p. 37. 371 Em sentido semelhante, na doutrina: “285. Petição Inicial — Na petição inicial, deve figurar como autora apenas a entidade. Os nomes dos titulares dos direitos subjetivos ou interesses difusos objeto da demanda serão referidos apenas se isto for necessário para caracterizar os elementos da questão. A relação dos beneficiários da sentença somente será necessária na fase de execução, quando for o caso. ” (CELSO AGRÍCOLA BARBI. Do mandado de segurança. 7ª ed., 1993, p. 297, n. 285, sem os grifos no original). De acordo, na jurisprudência: MS n. 23.769/BA, Pleno do STF, in Diário da Justiça de 30 de abril de 2002, p. 33; MS n. 6.318/DF, 3ª Seção do STJ, in Diário da Justiça de 2 de dezembro de 2002, p. 218; REsp n. 150.384/CE, 6ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 4 de maio de 1995, p. 223; REsp n. 253.607/AL, 2ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 4 de junho de 2002, p. 189; e REsp n. 489.179/BA, 1ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 23 de agosto de 2004, p. 122: “PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO. INAPLICABILIDADE DA EXIGÊNCIA DE INSTRUÇÃO DA INICIAL COM A RELAÇÃO NOMINAL DOS ASSOCIADOS DA IMPETRANTE E DE SEUS RESPECTIVOS ENDEREÇOS (LEI 9.494/97, ART. 2º-A). ORIENTAÇÃO PACIFICADA NOS TRIBUNAIS SUPERIORES. 1. No mandado de segurança coletivo, a legitimação ativas das associações, em razão do regime de substituição processual autônoma, dispensa a autorização expressa ou a relação nominal dos associados substituídos.” (não há os grifos no original).372 No mesmo sentido, na doutrina: ADA PELLEGRINI GRINOVER. Mandado de segurança. 1996, p. 11 e 19; ATHOS CARNEIRO. O mandado de segurança. In Revista Forense, volume 316, p. 43; CELSO BARBI. Comentários. Volume I, 9ª ed., 1994, p. 88 e 89; e Do mandado de segurança. 7ª ed., 1993, p. 152 e seguintes; EDUARDO RIBEIRO. Recursos em mandado de segurança. 1990, p. 289; LÚCIA VALLE FIGUEIREDO. A autoridade coatora. 1996, p. 128 e 129; MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO. Direito Administrativo. 7ª ed., p. 516; SÁLVIO DE FIGUEIREDO. Mandado de segurança. 1990, p. 111; e SÉRGIO FERRAZ. Mandado de segurança. 3ª ed., 1996, p. 185 e 186. De acordo, na jurisprudência: PET n. 321/BA — AgRg, 1ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 17 de maio de 1993, p. 9.292; REsp n. 56.205/PE, 1ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 13 de fevereiro de 1995; REsp n. 83.632/CE, 1ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 21 de outubro de 1996, p. 40.204; e REsp n. 106.811/PR, 6ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 31 de março de 1997. Com outra opinião: HELY LOPES MEIRELLES. Mandado de segurança. 16ª ed., 1996, p. 44 e 45; e NERY JUNIOR. Princípios fundamentais. 3ª ed., 1996, p. 257.373 Assim: ADA PELLEGRINI GRINOVER. Mandado de segurança. 1996, p. 20 e 35; CELSO BARBI.

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coatora. Além do mais, órgão de pessoa jurídica não pode ser parte374, pois não é dotado de personalidade jurídica375, nem ao menos de personalidade judiciária — conferida ex vi legis em hipóteses excepcionais a órgãos de pessoas jurídicas, que passam a ter capacidade para ser parte, como nos casos dos incisos e do § 4º do artigo 103 da Constituição Federal.

Fixada a premissa de que o pólo passivo da relação jurídica processual é ocupado pela pessoa jurídica da qual a autoridade coatora é órgão, fica evidente que só aquela tem legitimidade para recorrer como parte376. A pessoa física cujo ato ou omissão foi alvo da impetração pode, entretanto, interpor recurso em nome próprio na qualidade de terceiro prejudicado377, conforme o disposto no artigo 499, § 1º, do Código de Processo Civil. O interesse jurídico que permite a interposição de recurso está consubstanciado na possibilidade de a pessoa física poder vir a sofrer ação regressiva, nos termos do § 6º do artigo 37 da Constituição de 1988378.

7.4. Autoridade coatora

Comentários. Volume I, 9ª ed., 1994, p. 88 e 89; e Do mandado de segurança. 7ª ed., 1993, p. 144, 152 e seguintes; e MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO. Direito Administrativo. 7ª ed., p. 516. No mesmo sentido, na jurisprudência: REsp n. 25.723/SP, 1ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 24 de outubro de 1994, p. 28.700.374 Em sentido conforme: CELSO BARBI. Comentários. Volume I, 9ª ed., 1994, p. 88 e 89; e Do mandado de segurança. 7ª ed., 1993, p. 152 e seguintes; e PONTES DE MIRANDA. Comentários. Tomo I, 5ª ed., 1996, p. 221. Como bem ensina o último Jurisconsulto, “nem é parte o órgão da pessoa jurídica”.375 ? De acordo: CELSO BARBI. Comentários. Volume I, 9ª ed., 1994, p. 88 e 89; e Do mandado de segurança. 7ª ed., 1993, p. 152 e seguintes; e EDUARDO RIBEIRO. Recursos em mandado de segurança. 1990, p. 289.376 Assim, na doutrina: EDUARDO RIBEIRO. Recursos em mandado de segurança. 1990, p. 290; e MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO. Direito Administrativo. 7ª ed., p. 517. De acordo, na jurisprudência: RE n. 97.282/PA, 1ª Turma do STF, in Diário da Justiça de 24 de setembro de 1982, p. 9.446; RE n. 105.731/RO, 2ª Turma do STF, in Diário da Justiça de 16 de agosto de 1985, p. 13.259; REsp n. 25.723/SP, 1ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 24 de outubro de 1994, p. 28.700; REsp n. 39.937/SP, 1ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 5 de junho de 1995, p. 16.635; REsp n. 83.632/CE, 1ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 21 de outubro de 1996, p. 40.204; REsp n. 3.370/AM, 2ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 13 de agosto de 1990, p. 7.646; REsp n. 45.917/PR, 5ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 17 de outubro de 1994, p. 27.908; REsp n. 45.941/PR, 5ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 17 de outubro de 1994, p. 27.908; e MAS n. 89.04.10485, 4ª Turma do TRF da 4ª Região, in Diário da Justiça de 18 de outubro de 1990, p. 27.132: “Parte legítima para recorrer é a pessoa jurídica de Direito Público afetada pela concessão do writ. A autoridade tida como coatora é apenas notificada para prestar informações”.

Em sentido contrário, na doutrina: HELY LOPES MEIRELLES. Mandado de segurança. 16ª ed., 1996, p. 75 e 76, especialmente a nota 5; e NERY JUNIOR. Princípios fundamentais. 3ª ed., 1996, p. 257. Contra, na jurisprudência: REsp n. 4.045/CE, 2ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 25 de março de 1991, p. 3.215.377 Assim: EDUARDO RIBEIRO. Recursos em mandado de segurança. 1990, p. 290: “Afirmar que o órgão possa recorrer em nome próprio, além da legitimidade atribuída à pessoa a que representa, não parece aceitável. Ademais, a responsabilidade que possa existir será pessoal do funcionário. Este, como pessoa física, terá interesse. Ocorrendo que este interesse seja jurídico, sustentável possa recorrer como terceiro”. Ainda no mesmo sentido: SÉRGIO FERRAZ. Mandado de segurança. 3ª ed., p. 185 e 186.

Em sentido contrário: REsp n. 33.219/MS, 6ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 29 de novembro de 1993, p. 25.906.378 ? É o exemplo indicado pelo Ministro EDUARDO RIBEIRO (Recursos em mandado de segurança. 1990, p. 290) e pelo Professor SÉRGIO FERRAZ (Mandado de segurança. 3ª ed., p. 186).

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A petição inicial do mandado de segurança deve conter a indicação da autoridade coatora com precisão. Aliás, a correta indicação da autoridade coatora é até mais importante do que a da parte passiva, a qual é imediatamente conhecida pela só indicação daquela. Na verdade, a precisa indicação da autoridade coatora é essencial para a fixação da competência do órgão judiciário para o mandado de segurança. Por conseguinte, o erro na indicação da autoridade coatora pode gerar a incompetência absoluta do juízo ou tribunal. Sob outro prisma, há o problema da legitimidade passiva, a qual também está relacionada à perfeita indicação da autoridade coatora. Daí a exigência de que a petição inicial da ação de segurança deve conter a indicação precisa da autoridade coatora, consoante revela o enunciado n. 21 da Súmula do Tribunal de Justiça do Distrito Federal: “A indicação errônea da autoridade coatora importa na extinção do processo”379.

7.5. Competência

A competência do juízo ou tribunal para o processamento e o julgamento do mandado de segurança está diretamente relacionada à autoridade coatora, consoante o disposto nos artigos 102, inciso I, alínea “d”, 105, inciso I, letra “b”, 108, inciso I, alínea “c”, todos da Constituição Federal. Portanto, o mandado de segurança pode ser da competência originária de tribunal, mas também pode ser da competência de juízo de primeiro grau (artigo 109, inciso VIII, da Constituição), tudo conforme a autoridade coatora.

A competência é originária do Supremo Tribunal Federal quando a impetração tem como alvo ato ou omissão do Presidente da República, da Mesa do Senado Federal, da Mesa da Câmara dos Deputados Federais, do Procurador-Geral da República, do Tribunal de Contas da União e do próprio Supremo Tribunal Federal, ex vi do artigo 102, inciso I, letra “d”, da Constituição Federal. Em tais hipóteses, portanto, a ação de segurança deve ser impetrada desde logo no Supremo Tribunal Federal, como bem revela o enunciado n. 248 da Súmula da Corte Suprema: “É competente, originariamente, o Supremo Tribunal Federal, para mandado de segurança contra ato do Tribunal de Contas da União”.

Em contraposição, todavia, não compete ao Supremo Tribunal Federal processar nem julgar os mandados de segurança contra atos — unipessoais e coletivos — de outros tribunais, ainda que judiciários. Trata-se, aliás, de orientação jurisprudencial tradicional, conforme revela o enunciado n. 330 da Súmula da Corte Suprema: “O Supremo Tribunal Federal não é competente

379 Assim: MS n. 11.004/DF – AgRg, 1ª Seção do STJ, in Diário da Justiça de 28 de novembro de 2005, p. 172; e RMS n. 18.234/SE, 2ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 7 de novembro de 2005, p. 166: “2. A jurisprudência do STJ firmou entendimento de que, havendo erro na indicação da autoridade coatora, deve o juiz extinguir o processo sem julgamento do mérito, a teor do que preceitua o art. 267, inciso VI, do Código de Processo Civil, sendo vedada a substituição do pólo passivo”.

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para conhecer de mandado de segurança contra atos dos Tribunais de Justiça dos Estados”. A propósito, reforça o enunciado n. 624: “Não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer originariamente de mandado de segurança contra atos de outros tribunais”.

À luz do artigo 105, inciso I, alínea “b”, da Constituição Federal, compete ao Superior Tribunal de Justiça processar e julgar os mandados de segurança contra ato e omissão de Ministro de Estado, dos Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, bem assim do próprio Superior Tribunal de Justiça.

Ao revés, não compete ao Superior Tribunal de Justiça processar e julgar mandado de segurança contra ato de colegiado presidido por Ministro de Estado, mas integrado por outras autoridades. Consoante orientação já consolidada na jurisprudência, ainda que o órgão coletivo tenha a participação e até seja presidido por Ministro de Estado, o ato do colegiado não se confunde com o ato unipessoal do Ministro de Estado, consoante o disposto no enunciado n. 177 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça: “O Superior Tribunal de Justiça é incompetente para processar e julgar, originariamente, mandado de segurança contra ato de órgão colegiado presidido por Ministro de Estado“380.

Também não compete ao Superior Tribunal de Justiça julgar mandado de segurança contra ato unipessoal ou colegiado proveniente de tribunal local, de tribunal regional federal e até mesmo de outro tribunal superior. Com efeito, ex vi do artigo 105, inciso I, letra “b”, da Constituição Federal, o Superior Tribunal de Justiça tem competência para processar e julgar originariamente mandado de segurança contra ato do “próprio Tribunal”; quanto aos demais tribunais, o writ refoge à competência da Corte, como bem revela o enunciado n. 41: “O Superior Tribunal de Justiça não tem competência para processar e julgar, originariamente, mandado de segurança contra ato de outros tribunais ou dos respectivos órgãos”.

No que tange aos tribunais intermediários, a alínea “c” do inciso I do artigo 108 da Constituição Federal versa sobre a competência originária dos

380 De acordo: “COMPETÊNCIA – MANDADO DE SEGURANÇA – ATO DE MINISTRO DE ESTADO PRATICADO NA QUALIDADE DE PRESIDENTE DE ÓRGÃO COLEGIADO – JUÍZO FEDERAL X SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. À luz do disposto no artigo 105, inciso I, alínea ‘b’, da Constituição Federal, a competência do Superior Tribunal de Justiça em mandado de segurança pressupõe a posição do Ministro de Estado, como autoridade coatora, considerado o ato, comissivo ou omissivo, ligado à atividade específica que exerça, inerente ao cargo, ou seja, a atuação, em si, como Ministro de Estado, a integrar a mais alta equipe de assessores do Presidente da República. Tratando-se de procedimento relativo a órgão colegiado, como é o caso do Conselho Curador do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, do qual o Ministro do Trabalho é presidente por força do disposto no § 1º do artigo 3º, da Lei nº 8.036/90, a competência para processar e julgar o mandado de segurança é do Juízo Federal. Precedente: recurso em mandado de segurança nº 10.078-DF, Pleno do Supremo Tribunal Federal, redator designado Ministro Pedro Chaves, julgado em 22 de agosto de 1962, publicado na Revista Trimestral de Jurisprudência nº 28, páginas 90 a 92.” (RMS n. 21.560/DF, Pleno do STF, in Diário da Justiça de 18 de dezembro de 1992). Também em sentido conforme: “RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. MANDADO DE SEGURANÇA. COMPETÊNCIA. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. ATO DE ÓRGÃO COLEGIADO PRESIDIDO POR MINISTRO DE ESTADO. O Superior Tribunal de Justiça é incompetente para julgar ato do Conselho Superior da Advocacia-Geral da União. Recurso a que se nega provimento.” (RMS n. 25.479/DF, 2ª Turma do STF, in Diário da Justiça de 25 de novembro de 2005, p. 34).

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Tribunais Regionais Federais para o processamento e o julgamento dos mandados de segurança contra atos do próprio tribunal e dos juízes federais de primeiro grau. O mesmo raciocínio alcança os Tribunais de Justiça ex vi do caput do artigo 125 da Constituição Federal. Com efeito, os Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal têm competência originária para o processamento e o julgamento das ações de segurança impetradas contra atos do próprio tribunal e dos juízes de direito.

7.6. Julgamento majoritário de mandado de segurança originário de tribunal: inadequação de embargos infringentes

O artigo 833 do Código de Processo Civil de 1939, com a redação conferida pelo Decreto-lei n. 8.570, permitia o recurso de embargos infringentes contra acórdão não unânime proferido em ação de mandado de segurança de competência originária de tribunal. Eis o teor do antigo preceito: “Além dos casos em que os permitem os arts. 839, § 2º e 839, admitir-se-ão embargos de nulidade e infringentes do julgado, quando não for unânime a decisão proferida em grau de apelação, em acção rescisória e em mandado de segurança. Se o desacordo for parcial, os embargos serão restritos à matéria objecto de divergência”.

Todavia, o artigo 530 do Código de 1973 não reproduziu o dispositivo pretérito no tocante ao mandado de segurança originário. Na mesma linha, a superveniente Lei n. 10.352 igualmente não previu o cabimento dos embargos em ação originária de mandado de segurança. Sem dúvida, à luz do preceito de regência do Código de Processo Civil vigente, é possível concluir que aresto proferido por maioria de votos em julgamento de mandado de segurança de competência originária de tribunal não é passível de impugnação por meio de embargos infringentes. A respeito do tema, merece ser prestigiado o enunciado n. 294 da Súmula do Supremo Tribunal Federal: “São inadmissíveis embargos infringentes contra decisão do Supremo Tribunal Federal em mandado de segurança”. É o que também estabelece o verbete n. 169 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça: “São inadmissíveis embargos infringentes no processo de mandado de segurança”. Por fim, o enunciado n. 18 da Súmula do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul igualmente trata da vedação: “São inadmissíveis Embargos Infringentes no processo de Mandado de Segurança”.

Em suma, não é cabível o recurso de embargos infringentes de julgamento proferido em ação originária de mandado de segurança, ainda que o acórdão seja tomado por maioria de votos381.

381 Com a mesma opinião: EDUARDO RIBEIRO. Recursos em mandado de segurança. 1989, p. 279; JACY DE ASSIS. Sistemática dos recursos. p. 83: “Se o mandado for originário, e a votação não for unânime, não cabe”. Também em sentido idêntico: MANOEL CAETANO FERREIRA FILHO. Comentários. Volume VII, 2001, p. 260. Por fim, merece ser prestigiada a lição do Professor BARBOSA MOREIRA: “Obviamente não cabem embargos contra acórdão em mandado de segurança da competência originária

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7.7. Julgamento denegatório de mandado de segurança originário de tribunal: cabimento de recurso ordinário

7.7.1. Recurso ordinário em mandado de segurança: generalidades

O recurso ordinário, também denominado recurso ordinário constitucional382, é a espécie recursal cabível em hipóteses excepcionais taxativamente previstas na Constituição Federal383, e que provoca a prestação jurisdicional dos tribunais superiores como cortes de segundo grau.

Com efeito, o Superior Tribunal de Justiça e até mesmo o Supremo Tribunal Federal atuam como verdadeiras cortes de segundo grau quando julgam recurso ordinário, já que exercem o duplo grau de jurisdição384. Por conseguinte, o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal têm competência para o reexame até mesmo questões de fato em recurso ordinário385; não incidem os enunciados 7 e 279 das Súmulas do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal não incidem em sede de recurso ordinário. Na mesma esteira, é admissível o questionamento acerca da legalidade, da inteligência e da aplicação de contrato em recurso ordinário386;

de tribunal.” (Comentários. Volume V, 11ª ed., 2003, p. 522 e 523).382 Cf. GETÚLIO TARGINO LIMA. Apontamentos. 1994: “O recurso ordinário constitucional é o mesmo que figura no inciso V do art. 496 do Código de Processo Civil, com a denominação singela de recurso ordinário”. Também é a denominação adotada pelo Ministro e Professor LUIZ FUX (Curso. 2001, p. 959).383 Assim: Petição n. 1.469/SC, in Diário da Justiça 29 de maio de 2001: “I — Os recursos ordinários cabíveis para o Superior Tribunal de Justiça são aqueles enumerados no art. 105, inciso II, da Constituição Federal, cujo rol é taxativo”. 384 Em sentido semelhante: ELIANA CALMON. A superposição de competência recursal. In Direito & Justiça, Brasília, 26 de novembro de 2001, p. 1; e MANOEL CAETANO FERREIRA FILHO. Comentários. Volume VII, 2001, p. 336.385 No mesmo sentido do texto do parágrafo é a lição do Professor ALCIDES DE MENDONÇA LIMA: “O Supremo age na mesma situação, podendo reexaminar a prova e decidir, até exclusivamente sobre matéria de fato, como um autêntico órgão de segundo grau” (Introdução. 2ª ed., 1976, p. 221). É o que também ensina o Professor SERGIO BERMUDES: “Como se vê, a sistemática recursal a ser observada nessas causas, que, por questões de natureza política, são julgadas, em grau de recurso, pelo Supremo Tribunal Federal, outra não é que a sistemática geral, consagrada no Código de Processo Civil. A atividade recursal do Supremo, nessas causas, é em tudo e por tudo idêntica à dos tribunais de segundo grau. Não há qualquer espécie de restrição a essa atividade. O Supremo Tribunal Federal atua, no julgamento dos recursos interpostos nesses processos, como segunda instância. Aliás, aí o Supremo Tribunal Federal é segunda instância“ (Comentários. Volume VII, 2ª ed., 1977, p. 244). A propósito, merece ser transcrita a lição do Professor BARBOSA MOREIRA: “Devolve o recurso ordinário ao órgão ad quem ‘o conhecimento da matéria impugnada’ (art. 515, caput, aplicável por analogia). Ao contrário do que ocorre no recurso especial e no extraordinário, a devolução não se limita às questões de direito, mas abrange também as de fato” (Comentários. 7ª ed., 1998, p. 560 e 561; e O novo processo. 20ª ed., p. 158). Ainda no mesmo diapasão: ARAÚJO CINTRA, ADA GRINOVER e CÂNDIDO DINAMARCO. Teoria. 13ª, 1997, p. 180; CELSO BASTOS. Comentários. Volume IV, tomo III, 1997, p. 212; MARCOS AFONSO BORGES. Recursos cíveis. 2ª ed., 1996, p. 67; NELSON LUIZ PINTO. Manual. 1999, p. 166; e VICENTE GRECO FILHO. Direito. Volume II, 11ª ed., 1996, p. 353 e 355.386 Cf. RMS n. 16.627/MG, 1ª Turma do STF, in Diário de Justiça de 1º de dezembro de 1967; RMS n. 21.334/DF, 2ª Turma do STF, in Diário da Justiça de 23 de setembro de 1994, p. 25.330; RMS n. 14.080/RS, 2ª Turma do STJ, in Diário da Justiça 10 de outubro de 2005, p. 265; RMS n. 14.924/DF, 2ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 3 de outubro de 2005, p. 155; e RMS n. 15.530/RS, 2ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 1º de dezembro de 2003, p. 294.

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os verbetes 5 e 454 das Súmulas do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal também não alcançam o recurso ordinário. Em suma, a apreciação do recurso ordinário não está sujeita às restrições existentes quando as mencionadas cortes atuam como tribunais superiores propriamente ditos387. Por tal razão, no recurso ordinário não há a incidência dos enunciados 5, 7 e 211 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça e dos verbetes 279, 280, 282, 356, 389, 399, 454 e 636 da Súmula do Supremo Tribunal Federal, já que tais enunciados estão relacionados à atuação das cortes enquanto tribunais superiores, o que não ocorre no julgamento de recurso ordinário.

Na verdade, o recurso ordinário produz efeito devolutivo amplo388. Aplica-se, por analogia, quanto ao recurso ordinário, o disposto nos artigos 515, caput e parágrafos, e 516, ambos do Código de Processo Civil389. Por conseguinte, é possível discutir em recurso ordinário tanto questões de fato como questões de direito, ainda que as últimas sejam de natureza local390. Temas de direito constitucional também podem ser suscitados em sede de recurso ordinário391, mesmo quando o tribunal ad quem é o Superior Tribunal de Justiça.

Sem dúvida, os §§ 1º e 2º do artigo 515 do Código de Processo Civil são igualmente aplicáveis em relação ao recurso ordinário. A propósito, merece ser prestigiado o correto enunciado n. 393 da Súmula do Tribunal Superior do Trabalho: “Efeito devolutivo. Profundidade. Recurso ordinário. Art. 515, § 1º, do CPC. Aplicação. O efeito devolutivo em profundidade do recurso ordinário, que se extrai do § 1º do art. 515 do CPC, transfere automaticamente ao Tribunal a apreciação de fundamento da defesa não examinado pela sentença, ainda que não renovado em contra-razões. Não se aplica, todavia, ao caso de pedido não apreciado na sentença”392. Não é só. Até mesmo as exceções previstas no §§

387 Em sentido conforme: ALCIDES DE MENDONÇA LIMA. Introdução. 2ª ed., 1976, p. 222; e VICENTE GRECO FILHO. Direito. Volume II, 11ª ed., 1996, p. 355. 388 Com a mesma opinião, na doutrina: AMARAL SANTOS. Primeiras linhas. Volume III, 15ª ed., 1995, p. 185; BARBOSA MOREIRA. Comentários. 7ª ed., 1998, p. 560; LUIZ FUX. Curso. 2001, p. 959; NERY JUNIOR e ROSA NERY. Código. 4ª ed., 1999, p. 179, nota 17; e VICENTE GRECO FILHO. Direito. Volume II, 11ª ed., 1996, p. 355. Assim, na jurisprudência: RMS n. 22.771/DF, 1ª Turma do STF, relator Ministro ILMAR GALVÃO.389 Em sentido semelhante, na doutrina: BARBOSA MOREIRA. Comentários. 7ª ed., 1998, p. 560; CÂNDIDO DINAMARCO. A reforma. 3ª ed., p. 209; e VICENTE GRECO FILHO. Direito. Volume II, 11ª ed., 1996, p. 355. De acordo, na jurisprudência: RMS n. 20.976/DF, Pleno do STF, in Diário da Justiça de 16 de fevereiro de 1990, p. 928.390 De acordo, na doutrina: ERASMO BARROS DE FIGUEIREDO SILVA. Retorno do recurso ordinário. In Revista Brasileira de Direito Processual. Volume 16, p. 95; MARCOS AFONSO BORGES. Recursos cíveis. 2ª ed., 1996, p. 67; SÉRGIO FERRAZ. Mandado de segurança. 3ª ed., 1996, p. 196; e VICENTE GRECO FILHO. Direito. Volume II, 11ª ed., 1996, p. 355. Ainda no mesmo sentido do texto, merece ser prestigiado antigo precedente da Suprema Corte: MS n. 2.355, 2ª Turma do STF, in Diário da Justiça de 28 de outubro de 1954, p. 13.250: “Em mandado de segurança denegado, o recurso ordinário para a instância magna, admite a apreciação do direito local”. Em sentido idêntico, na jurisprudência moderna: REsp n. 38.607/SP, 2ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 8 de abril de 1996: “Note-se que, ao julgar recurso ordinário, pode esta Corte adentrar no exame de direito estadual”.391 No sentido do texto, na doutrina: ELIANA CALMON. A superposição de competência recursal. In Direito & Justiça, Brasília, 26 de novembro de 2001, p. 1. Também no mesmo diapasão, na jurisprudência: Ag n. 145.395/SP — AgRg, 1ª Turma do STF, in Diário da Justiça de 25 de novembro de 1994, p. 32304.392 Resolução n. 129, in Diário da Justiça de 20 de abril de 2005.

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3º e 4º do artigo 515 igualmente alcançam o recurso ordinário393. Sem dúvida, mesmo quando o ordinário tem como alvo julgado terminativo, pode o tribunal ad quem ingressar pela vez primeira no meritum causae, desde que a controvérsia seja exclusivamente de direito e a extinção do processo tenha ocorrido em alguma das fases dos artigos 329 e seguintes, ou seja, quando a causa já estava madura, mas houve mera extinção do processo sem julgamento do mérito.

Como o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal atuam como cortes de segundo grau quando julgam recurso ordinário, bem como por ter tal recurso efeito devolutivo amplo, a admissibilidade do ordinário não depende do prequestionamento do assunto jurídico nele versado394. A título de exemplificação, é possível suscitar em recurso ordinário a ausência de pressuposto processual e de condição da ação, bem como a ocorrência de decadência, de litispendência e de coisa julgada, tudo independentemente de prévia decisão na origem. O mesmo não ocorre nos recursos extraordinário e especial, que não ultrapassam a barreira da admissibilidade sem anterior solução da matéria jurídica pelo órgão judiciário a quo.

Quanto aos aspectos formais, o recurso ordinário deve ser interposto por meio de petição, ou seja, peça autônoma escrita. A petição recursal deve ser dirigida à autoridade judiciária competente para a prolação do primeiro juízo de admissibilidade: presidente ou vice-presidente do tribunal recorrido, conforme o disposto no respectivo regimento interno. A petição do recurso ordinário deve ser instruída desde logo com as razões recursais de fato e de direito pelas quais o julgado recorrido não merece subsistir395. Com efeito, por força do artigo 33 da Lei n. 8.038, de 1990, o “recurso ordinário” “será interposto” “com as razões do pedido de reforma”. Por fim, a peça recursal deve conter o pedido de novo julgamento, bem como deve ser subscrita por advogado que já tenha mandato judicial nos autos ou que o apresente no momento da interposição, sob pena de o recurso ser considerado inexistente396.

393 De acordo: “2. Presentes os pressupostos estabelecidos no § 3º, do art. 515 do Código de Processo Civil, aplica-o por analogia ao recurso ordinário de mandado de segurança, apreciando-se, portanto, desde logo o mérito da impetração.” (RMS n. 17.113/MG, 5ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 13 de setembro de 2004, p. 264).Em sentido contrário, também há respeitável precedente jurisprudencial: RMS n. 24.309/DF — EDcl, 1ª Turma do STF, julgamento em 17 de fevereiro de 2004, in Informativo STF n. 337.394 De acordo, na jurisprudência: Ag n. 145.395/SP — AgRg, 1ª Turma do STF, in Diário da Justiça de 25 de novembro de 1994, p. 32304: “— Não se revela aplicável ao recurso ordinário a exigência do prequestionamento do tema constitucional que configura pressuposto específico de admissibilidade do recurso extraordinário” . Ainda com o mesmo entendimento, na jurisprudência: RMS n. 11.255/SP, 5ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 13 de agosto de 2001, p. 179. Em sentido semelhante, na doutrina: LUIZ FUX. Curso. 2001, p. 961.395 De acordo, na jurisprudência: RMS n. 21.597/RJ, 1ª Turma do STF, in Diário da Justiça de 30 de setembro de 1994, p. 26.170; e RMS n. 4.041/RO, 6ª Turma do STJ, julgado em 26 de novembro de 2002: “O recurso ordinário de mandado de segurança deve ser interposto no prazo de quinze dias, já acompanhado de suas respectivas razões (art. 33 da Lei n. 8.038/1990). Não há espaço para apresentar-se posteriormente o arrazoado, especialmente quando se tratar da esfera cível. Precedentes citados: RMS 751-RO, DJ 13/5/1991, e RMS 4.267-PR, DJ 24/4/1995”.396 No mesmo sentido: RMS n. 6.559/SC, 4ª Turma do STJ, in Diário da Justiça 7 de outubro de 1996, p. 37.642.

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Segundo o caput do artigo 511 do Código de Processo Civil, o recorrente deve efetuar o preparo quando exigido pela “legislação pertinente”, sob pena de deserção — e, por conseguinte, de prolação de juízo negativo de admissibilidade. Verbi gratia, no tocante ao recurso ordinário para o Supremo Tribunal Federal, a exigência está inserta no item I da Tabela “A” da respectiva Resolução de Custas. O mesmo ocorre quando o recurso ordinário para o Superior Tribunal de Justiça tem como alvo acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região. O recorrente deve comprovar o pagamento do preparo previsto na Tabela V, letra “a”, da respectiva portaria presidencial da corte regional. Portanto, o enunciado n. 187 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça alcança o recurso ordinário, desde que exigido o preparo pela “legislação pertinente”.

Por fim, como a maioria dos recursos previstos em nossa legislação processual civil, o recurso ordinário também está sujeito a duplo juízo de admissibilidade397, o primeiro na Justiça de origem e o segundo no tribunal ad quem. Assim o é por força do artigo 540 do Código de Processo Civil vigente e do artigo 247 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, os quais submetem o recurso ordinário às regras da apelação referentes aos requisitos de admissibilidade e ao procedimento na origem. Aliás, mesmo antes do advento da Lei n. 8.950, que conferiu a atual redação ao artigo 540 do Código, o artigo 34 da Lei n. 8.038 já estabelecia que ao recurso ordinário são “aplicadas, quanto aos requisitos de admissibilidade e o procedimento no Tribunal recorrido, as regras do Código de Processo Civil relativas à apelação”.

7.7.2. Recurso ordinário em mandado de segurança para o Superior Tribunal de Justiça

À luz do artigo 105, inciso II, alínea “b”, da Constituição de 1988, reforçado pelo artigo 539, inciso II, letra “a”, do Código de Processo Civil, cabe recurso ordinário em mandado de segurança para o Superior Tribunal de Justiça contra acórdão proferido por tribunal regional federal ou por tribunal local, denegatório de mandado de segurança originário.

A expressão “denegatória a decisão”, inserta na alínea “b” do inciso II do artigo 105 da Constituição Federal e na letra “a” do inciso II do artigo 539 do Código de Processo Civil deve ser interpretada em sentido amplo, abarcando o acórdão denegatório da ordem após o julgamento do mérito do writ, bem como o aresto extintivo do processo de segurança sem julgamento do mérito398.

397 De acordo: HERMANN ROENICK. Recursos. 1997, p. 162; e NELSON LUIZ PINTO. Recurso especial. 2ª ed., 1996, p. 74.398 No mesmo sentido: ALEXANDRE DE MORAES. Direito constitucional. 6ª ed., 1999, p. 437; BARBOSA MOREIRA. Comentários. Volume V, 7ª ed., 1998, p. 558; e O novo. 18ª ed., 1996, p. 184; CARLOS VELLOSO. O Superior. 1991, p. 28; CARREIRA ALVIM. Código. 2ª ed., 1995, p. 199; CELSO BARBI. Do mandado. 7ª ed., 1993, p. 240 e 241; e O recurso ordinário. In Revista dos Tribunais, volume 655, p. 17; GIOVANNI CRIBARI. Recursos constitucionais. In Revista Forense, volume 309, p. 16; HERMANN ROENICK. Recursos. 1997, p. 156; HUMBERTO THEODORO JÚNIOR. O recurso ordinário. In Revista

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Realmente, a cláusula “denegatória a decisão” abrange o julgado denegatório próprio, marcado pela extinção do processo de segurança com julgamento de mérito contra o impetrante, mas também a decisão denegatória imprópria, meramente terminativa. Os textos constitucional e legal não impõem restrição evidente, pelo que é vedado ao intérprete fazê-lo: ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus. Além do mais, as normas constitucionais devem ser interpretadas em sentido amplo, a fim de que tenham a maior efetividade possível399.

Há outro argumento que justifica a interpretação ampla. A expressão “denegatória a decisão” é equívoca, alcançando duas hipóteses distintas em nosso direito. A primeira é encontrada no artigo 16 da Lei n. 1.533, de 1951. O preceito revela a possibilidade jurídica da existência de “decisão denegatória”, sem que tenha sido “apreciado o mérito”. Além da mencionada decisão denegatória imprópria, existe a própria. Sem dúvida, é com maior razão denegatória a decisão em mandado de segurança quando o próprio pedido do impetrante é rejeitado, nos termos do inciso I do artigo 269 do Código de Processo Civil. Com efeito, se houve extinção do processo de segurança com julgamento do mérito contra o impetrante, tem-se decisão denegatória própria.

Por fim, ainda há divergência se a ausência de direito líqüido e certo dá ensejo apenas à extinção do processo de segurança sem julgamento do mérito por carência de ação400, ou se conduz à extinção do processo com julgamento do mérito401. Apesar da preferência pela primeira tese, não há como negar a existência de divergência acerca da interpretação da cláusula “direito líqüido e certo”. Diante da vexata quaestio, não é conveniente fixar o cabimento do

Jurídica, volume 183, p. 11, 12 e 13; JOSÉ TÚLIO BARBOSA. Do mandado. In Revista dos Tribunais, volume 661, p. 60 e 61; LUIZ FUX. Curso. 2001, p. 960; MARCOS AFONSO BORGES. Recursos cíveis. 2ª ed., 1996, p. 66; MENEZES DIREITO. Manual. 2ª ed., 1994, p. 123 e ss; NERY JUNIOR. Princípios fundamentais. 5ª ed., 2000, p. 259; NERY JUNIOR e ROSA NERY. Código. 2ª ed., 1996, p. 2209, nota 4; SERGIO BERMUDES. A reforma. 2ª ed., 1996, p. 105; SÉRGIO FERRAZ. Mandado. 3ª ed., 1996, p. 196; e VICENTE GRECO FILHO. Direito. Volume II, 11ª ed., 1996, p. 356. Assim, na jurisprudência: MS n. 21.112/PR — AgRg, Pleno do STF, in Diário da Justiça de 29 de junho de 1990; Ag n. 145.395/SP — AgRg, 1ª Turma do STF, in Diário da Justiça de 25 de novembro de 1994, p. 32.304; RMS n. 5.955/SP, 1ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 19 de maio de 1997, p. 20.570; RMS n. 1.117, 2ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 7 de outubro de 1991; RMS n. 224/PB, 2ª Turma do STJ; RMS n. 191/SP, 3ª Turma do STJ, in RSTJ, volume 14, p. 157; REsp n. 5.288/SP, 6ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 17 de dezembro de 1990; e RMS n. 6.025/MG, 6ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 9 de junho de 1997, p. 25.569.Com outra opinião, na doutrina: CALMON DE PASSOS. Mandado de segurança. 1991, p. 63 e 64; e JOSÉ DA SILVA PACHECO. O mandado de segurança. 2ª ed., 1991, p. 235 e 236. Contra, na jurisprudência: RMS n. 82/MG, 3ª Turma do STJ, in Diário da Justiça 19 de fevereiro de 1990; RMS n. 85/MG, 3ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 19 de março de 1990; RMS n. 124/PR, 3ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 7 de maio de 1990; e RMS n. 237/MG, 3ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 25 de junho de 1990.399 Cf. CARLOS MAXIMILIANO. Hermenêutica. 16ª ed., 1996, p. 304, 305 e 306. 400 Cf. ADHEMAR MACIEL. Mandado de segurança. 1997, p. 10 e seguintes. Por oportuno, vale a pena conferir os seguintes trechos extraídos da ementa do acórdão proferido no MS n. 4.822/DF: “Para que o processo de mandado de segurança seja julgado em seu mérito, é necessário que a condição da ação do direito líqüido e certo esteja satisfeita”. “A condição da ação de segurança do direito líqüido e certo consiste na exigência de que a matéria fática seja incontroversa, certa, induvidosa, já que na angusta via do writ não se admite dilação probatória” (1ª Seção do STJ, por maioria, relator Ministro ADHEMAR MACIEL, in Diário da Justiça de 25 de agosto de 1997). 401 Cf. SÉRGIO FERRAZ. Mandado de segurança. 3ª ed., 1996, p. 25.

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recurso ordinário em mandado de segurança à luz da existência de julgamento de mérito, ou não.

Em suma, à luz do direito brasileiro é possível concluir que a cláusula “denegatória a decisão” alcança tanto o julgado de improcedência quanto o de extinção do processo de segurança sem julgamento do mérito. Portanto, todo acórdão não concessivo da segurança pleiteada originariamente em tribunal regional federal ou em tribunal local deve ser considerado denegatório, com o cabimento do recurso ordinário para o Superior Tribunal de Justiça402.

Em contraposição, concedida a ordem, não cabe recurso ordinário em mandado de segurança. Nem poderia ser diferente, diante da clareza dos textos constitucional e codificado, segundo os quais o recurso ordinário é cabível “quando denegatória a decisão”. No entanto, o acórdão concessivo do writ pode ser impugnado por meio de recursos extraordinário e especial, desde que preenchidas as exigências insertas nos artigos 102, inciso III, e 105, inciso III, da Constituição Federal, respectivamente403.

Convém lembrar que o julgamento proferido por corte regional ou local em mandado de segurança originário pode ocasionar sucumbência recíproca. A parte do acórdão concessiva da ordem pode ser combatida por meio de recursos extraordinário e especial — desde que atendidas as exigências previstas nos artigos 102, inciso III, e 105, inciso III, da Constituição de 1988. Já a parte do aresto na qual houve denegação da segurança só pode ser impugnada via recurso ordinário para o Superior Tribunal de Justiça404.

O recurso ordinário em mandado de segurança só cabe contra acórdão proferido por tribunal regional ou local em “única instância”, ou seja, em processo de segurança de competência originária405. Já os arestos proferidos pelas cortes regionais e locais no exercício da competência recursal não podem ser atacados por meio de recurso ordinário para o Superior Tribunal de Justiça — ainda que haja denegação da segurança. Pelo mesmo motivo, não cabe recurso ordinário contra acórdão proferido em reexame obrigatório406.

Também não cabe recurso ordinário contra acórdão proferido por plenário ou por órgão especial de tribunal a quo em julgamento de incidente de

402 Em sentido conforme: “Mandado de Segurança. Recurso ordinário. Admissibilidade, sempre que a ordem não é concedida, ainda que não examinado o mérito.” (RMS n. 792/MS, relator Ministro EDUARDO RIBEIRO).403 No mesmo sentido do texto do parágrafo: ADHEMAR MACIEL. Dimensões. 2000, p. 359; e ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO. Reflexões jurídicas. 2000, p. 65.404 No mesmo diapasão: REsp n. 33.512/PA, 6ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 13 de março de 1995, p. 5.317. Sem dúvida, “concedido em parte o writ, o recurso cabível, que visa modificar a parte denegada, é o ordinário e não o especial”. 405 Em sentido conforme: BARBOSA MOREIRA. Comentários. Volume V, 7ª ed., 1998, p. 558; HUMBERTO THEODORO JÚNIOR. O recurso ordinário. In Revista Jurídica, volume 183, p. 8; NERY JUNIOR. Princípios fundamentais. 3ª ed., 1996, p. 253; e VICENTE GRECO FILHO. Direito. Volume II, 11ª ed., 1996, p. 356.406 ? No mesmo sentido do texto do parágrafo, na doutrina: CELSO BASTOS. Comentários. Volume IV, tomo III, 1997, p. 213; e JOSÉ DA SILVA PACHECO. O mandado de segurança. 2ª ed., 1991, p. 235. Assim, na jurisprudência: RMS n. 4.198/SP, 1ª Turma do STJ, unânime, relator Ministro MILTON LUIZ PEREIRA, in Diário da Justiça de 21 de novembro de 1994, p. 31.707.

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inconstitucionalidade. É que o interesse recursal que possibilita a interposição do recurso ordinário surge apenas com o julgamento do mandado de segurança originário. Realmente, não há sucumbência antes do pronunciamento final do órgão fracionário. Por tal razão, só o acórdão que aplica ao caso concreto a tese fixada pelo órgão jurisdicional máximo do tribunal a quo pode ser impugnado por meio de recurso ordinário. Aliás, só há denegação da segurança quando o colegiado fracionário julga a ação originária. Antes, o recurso ordinário nem sequer é cabível, tendo em vista a inexistência de decisão denegatória da segurança. Por oportuno, merece ser prestigiado o enunciado n. 513 da Súmula do Supremo Tribunal Federal: “A decisão que enseja a interposição de recurso ordinário ou extraordinário não é a do plenário, que resolve o incidente de inconstitucionalidade, mas a do órgão (Câmaras, Grupos ou Turmas) que completa o julgamento do feito”407. Em contraposição, tratando-se de acórdão denegatório do pleno ou do órgão especial de tribunal regional ou local com o imediato julgamento do próprio mandado de segurança originário, o recurso ordinário é cabível desde logo. Tanto quanto sutil, a diferença é relevante.

Ao contrário do que pode parecer à primeira vista — em virtude de o constituinte de 1988 ter utilizado o vocábulo genérico “decisão” na alínea “b” do inciso II do artigo 105 —, não cabe recurso ordinário em mandado de segurança para o Superior Tribunal de Justiça contra decisão monocrática proferida por magistrado de corte regional ou local408. O próprio preceito constitucional estabelece que tal modalidade de recurso serve para combater pronunciamentos de “Tribunais”. Daí a incidência do artigo 163 do Código de Processo Civil, com o cabimento do recurso ordinário apenas contra acórdãos. Além do mais, contra decisão monocrática há recurso específico para órgão colegiado da própria corte de origem, o que impede o imediato acesso a tribunal ad quem, consoante o princípio do esgotamento das vias recursais.

Na esteira do artigo 39 da Lei n. 8.038, de 1990, as decisões monocráticas proferidas em processos de segurança de competência originária dos tribunais regionais e locais podem ser impugnadas por meio de agravo interno-regimental409. Ora, sendo cabível recurso de agravo interno-regimental

407 Com opinião diferente da sustentada no parágrafo: ROBERTO ROSAS. Direito processual constitucional. 3ª ed., 1999, p. 122: “Argumentar-se-á com a preclusão da matéria constitucional já decidida pelo Pleno e pretendida sua alteração no recurso ordinário interposto da decisão da Turma. Parece-nos impossível reviver no recurso ordinário a matéria constitucional já decidida pelo Pleno. Para que não fique preclusa, aí, sim, caberá o recurso extraordinário dessa decisão do Tribunal Pleno”.408 No mesmo sentido: CELSO BASTOS. Comentários. Volume IV, tomo III, 1997, p. 294; HUMBERTO THEODORO JÚNIOR. Curso. Volume I, 19ª ed., 1997, p. 594, e O recurso ordinário. In Revista Jurídica, volume 183, p. 9; MARIA STELLA RODRIGUES. Recursos. 2ª ed., 1992, p. 81; NERY JUNIOR. Princípios fundamentais. 5ª ed., 2000, p. 259; e SERGIO BERMUDES. A reforma. 1995, p. 70. Assim, jurisprudência: RMS n. 11.925/SP, 1ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 24 de setembro de 2001, p. 237; MC n. 316/SP — AgRg — AgRg, 1ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 4 de agosto de 1997, p. 34.684; RMS n. 7.274/AM, 4ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 5 de maio de 1997, p. 17.053; e RMS n. 7.135/RS, 6ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 9 de junho de 1997, p. 25.571.409 No sentido do texto, na doutrina: CELSO BASTOS. Comentários. Volume IV, tomo III, 1997, p. 294; HUMBERTO THEODORO JÚNIOR. O recurso ordinário. In Revista Jurídica, volume 183, p. 9; e NERY JUNIOR. Princípios fundamentais. 3ª ed., 1996, p. 253. Assim, na jurisprudência: RMS n. 11.925/SP, 1ª

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da competência da própria corte de origem, é inadmissível a interposição imediata de recurso ordinário para o tribunal ad quem. Já o acórdão denegatório proferido no julgamento do agravo interno-regimental interposto contra decisão monocrática extintiva do processo de segurança pode ser combatido via recurso ordinário para o Superior Tribunal de Justiça410. Realmente, o recurso ordinário só é cabível quando o legitimado interpôs o adequado recurso processual pretérito na corte de origem, com a conseqüente denegação do mandado de segurança originário por meio de acórdão proferido pelo órgão colegiado competente do tribunal regional ou local.

No entanto, quando a decisão monocrática agravada não ocasiona a extinção do processo de segurança, mas apenas a denegação de provimento liminar pleiteado pelo impetrante, o acórdão proveniente do julgamento do agravo interno não pode ser atacado por meio de recurso ordinário para o Superior Tribunal de Justiça411. À luz do artigo 105, inciso II, letra “b”, da Constituição de 1988, só os acórdãos extintivos do processo, com a denegação da segurança, são passíveis de impugnação por meio de recurso ordinário para o Superior Tribunal de Justiça. Já os arestos não extintivos do processo de segurança podem, em tese, ser impugnados por meio de embargos de declaração, recurso especial e recurso extraordinário — mas não por recurso ordinário.

O recurso previsto na alínea “b” do inciso II do artigo 105 da Constituição só serve para impugnar arestos proferidos “pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos Tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios”. Não é meio idôneo, por conseguinte, para combater julgado prolatado por turma recursal

Turma do STJ, in Diário da Justiça de 24 de setembro de 2001, p. 237; RMS n. 5.630/SP, 1ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 14 de agosto de 1995; MC n. 316/SP — AgRg — AgRg, 1ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 4 de agosto de 1997, p. 34.684; RMS n. 6.547/RS, 2ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 1º de julho de 1996; RMS n. 2.246/PR, 3ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 5 de agosto de 1996; RMS n. 5.743/RJ, 4ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 23 de outubro de 1995; RMS n. 6.296/RS, 4ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 5 de fevereiro de 1996; RMS n. 6.740/RJ, 5ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 29 de setembro de 1997, p. 48.239; RMS n. 7.426/PE, 5ª Turma do STJ, julgado em 17 de junho de 1999; e RMS n. 7.135/RS, 6ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 9 de junho de 1997, p. 25.571.410 No mesmo sentido, na doutrina: CELSO BASTOS. Comentários. Volume IV, tomo III, 1997, p. 295; HUMBERTO THEODORO JÚNIOR. O recurso ordinário. In Revista Jurídica, volume 183, p. 9. Assim, na jurisprudência: RMS n. 11.925/SP, 1ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 24 de setembro de 2001, p. 237; RMS n. 1.434/MG, 3ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 9 de agosto de 1993; RMS n. 5.942/RJ, 6ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 23 de outubro de 1995; e RMS n. 7.084/RJ, 6ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 16 de junho de 1997, p. 27.407.Em sentido contrário: RMS n. 85/MG, 3ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 19 de março de 1990; e RMS n. 7.945/PI, 6ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 5 de maio de 1997, p. 17.128.411 ? No mesmo sentido: RMS n. 2.408/DF, 1ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 16 de maio de 1994, p. 11.705; MC n. 199/DF, 2ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 16 de outubro de 1995, p. 34.632; RMS n. 5.196/SP, 5ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 6 de outubro de 1997, p. 50.011; e MC n. 323/DF — AgRg, 6ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 18 de dezembro de 1995, p. 44.617.

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dos juizados especiais412, nem para atacar acórdão proferido por tribunal regional do trabalho413 ou por tribunal regional eleitoral.

É importante salientar que o recurso ordinário é cabível contra acórdão proferido em ação originária de mandado de segurança. É irrelevante se o julgamento foi unânime ou por maioria de votos, pois não há exigência no texto constitucional e no codificado acerca da unanimidade, ou não. Aliás, o artigo 530 do Código também revela a inadequação de embargos infringentes contra acórdão não unânime proferido em ação originária de mandado de segurança414, o que reforça o cabimento do recurso ordinário, desde que denegatório o aresto. Em suma, sob todos os prismas, tanto o acórdão unânime como o proferido por maioria ensejam recurso ordinário.

Resta examinar se cabe recurso ordinário para o Superior Tribunal de Justiça contra acórdão proferido por corte regional ou estadual, que denega writ à luz de preceitos constitucionais.

Partindo da asserção de que o recurso ordinário em mandado de segurança é dotado de efeito devolutivo amplo, tem-se que é cabível tal modalidade de recurso contra aresto proferido por tribunal regional federal ou por tribunal estadual, que denega writ com esteio em fundamento de índole constitucional. É que, ao contrário do inciso III do artigo 105 da Constituição Federal, o inciso II não impõe restrições no que se refere à matéria a ser submetida à apreciação do Superior Tribunal de Justiça.

Assim sendo, cabe recurso ordinário para o Superior Tribunal de Justiça contra aresto proferido por corte regional ou local, que, apoiando-se apenas em fundamento constitucional, denega mandado de segurança originário415. Por

412 ? No sentido do texto, na doutrina: LUIZ FUX. Curso. 2001, p. 961; NERY JUNIOR. Princípios fundamentais. 3ª ed., 1996, p. 253. De acordo, na jurisprudência: RMS n. 315/RS, 3ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 12 de novembro de 1990, p. 12.867; Ag n. 347.549/SP — AgRg, 3ª Turma do STJ, julgado em 17 de abril de 2001, noticiado no Informativo de Jurisprudência STJ, número 92; e RMS n. 1.905/SC, 4ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 20 de junho de 1990.413 ? Assim: MC n. 20/BA — AgRg, 2ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 1º de agosto de 1994, p. 18.630.414 Com a mesma opinião: EDUARDO RIBEIRO. Recursos em mandado de segurança. 1989, p. 279; JACY DE ASSIS. Sistemática dos recursos. p. 83: “Se o mandado for originário, e a votação não for unânime, não cabe”. Também em sentido idêntico: MANOEL CAETANO FERREIRA FILHO. Comentários. Volume VII, 2001, p. 260.415 Em idêntico sentido, na doutrina: BARBOSA MOREIRA. Comentários. Volume V, 7ª ed., 1998, p. 558; CELSO BARBI. O recurso ordinário. In Revista dos Tribunais, volume 655, p. 15; GIOVANNI CRIBARI. Recursos constitucionais. In Revista Forense, volume 309, p. 16; e NERY JUNIOR e ROSA NERY. Código. 2ª ed., 1996, p. 2319, nota 3. Assim, na jurisprudência: Ag n. 144.895/SE — AgRg, 1ª Turma do STF, in Diário da Justiça de 20 de novembro de 1992; e Ag n. 145.395/SP — AgRg, 1ª Turma do STF, in Diário da Justiça de 25 de novembro de 1994, p. 32304: “RECURSO EXTRAORDINÁRIO — INTERPOSIÇÃO CONTRA DECISÃO DE TRIBUNAL DE JUSTIÇA QUE DENEGOU, ORIGINARIAMENTE, MANDADO DE SEGURANÇA — INADMISSIBILIDADE DO APELO EXTREMO — CABIMENTO, NO CASO, DE RECURSO ORDINÁRIO PARA O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, AINDA QUE A MATÉRIA VERSADA SEJA DE NATUREZA CONSTITUCIONAL”. “ — O regime de interposição do recurso ordinário define-se em função do caráter negativo do pronunciamento jurisdicional em sede originária de mandado de segurança, e não em razão da natureza das categorias temática versadas na decisão denegatória do writ. Mesmo, portanto, que se tenha instaurado controvérsia de índole constitucional no âmbito do processo mandamental, ainda assim terá pertinência o recurso ordinário para o Superior Tribunal de Justiça, desde que, tratando-se de decisão denegatória de mandado de segurança, tenha sido ela proferida, em única instância, por Tribunal local ou por Tribunal Regional Federal. Precedentes do STF”.

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exclusão, não é pertinente a interposição de recurso extraordinário416. A propósito, merece ser prestigiado o correto enunciado n. 281 da Súmula do Supremo Tribunal Federal: “É inadmissível o recurso extraordinário, quando couber, na Justiça de origem, recurso ordinário da decisão impugnada”. Em suma, ainda que a questão decidida pela corte regional ou local em julgamento de mandado de segurança originário seja de índole constitucional, o recurso adequado para impugnar o acórdão é o ordinário.

Estudado o cabimento, convém ressaltar que o recurso ordinário em mandado de segurança só pode ser interposto de forma independente, pois não foi incluído no rol exaustivo do inciso II do artigo 500 do Código de Processo Civil. Outro óbice à interposição de recurso ordinário em mandado de segurança pela via adesiva é que o inconformismo ficaria subordinado a recurso principal de outra modalidade, o que contraria o sistema previsto no Código. Realmente, segundo se infere do artigo 500, o recurso adesivo deve ser da mesma espécie do principal, pois está sujeito às regras de admissibilidade aplicáveis ao recurso independente, bem como deve ser dirigido ao mesmo tribunal ad quem. Em suma, tem-se como inadmissível a interposição de recurso ordinário em mandado de segurança pela via adesiva417.

Por fim, convém relembrar que o recurso ordinário em mandado de segurança não produz efeito suspensivo418. Segundo a tradição do nosso direito, as decisões proferidas em mandado de segurança são de eficácia imediata, conforme revela o parágrafo único do artigo 12 da Lei n. 1.533, de 1951. A propósito, vale a pena conferir o verbete n. 405 da Súmula do Supremo Tribunal Federal: “Denegado o mandado de segurança pela sentença, ou no julgamento do agravo, dela interposto, fica sem efeito a liminar concedida, retroagindo os efeitos da decisão contrária”419.

Porém, a despeito da inexistência de efeito suspensivo ex vi legis, o recorrente pode obter tal efeito por meio de cautelar inominada. Realmente, consoante o disposto no artigo 800, parágrafo único, do Código de Processo Civil, reforçado pelo artigo 288 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, o recorrente pode ajuizar ação cautelar no Superior Tribunal de

416 Com a mesma opinião: CELSO BARBI. Do mandado de segurança. 7ª ed., 1993, p. 241 e 242, n. 238-E; e LUIZ FUX. Curso. 2001, p. 961.417 Em sentido idêntico, na doutrina: CÂNDIDO DINAMARCO. A reforma. 3ª ed., 1996, p. 213; e HERMANN ROENICK. Recursos. 1997, p. 159 e 160. Assim, na jurisprudência: RMS n. 5.085/SP, 4ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 20 de novembro de 1995.418 Em sentido semelhante, na doutrina: HELY LOPES MEIRELLES. Mandado de segurança. 1996, p. 74; e NERY JUNIOR. Princípios fundamentais. 3ª ed., 1996, p. 380. Assim, na jurisprudência: RMS n. 5.850, 1ª Turma do STF, in Ementário do STF, volume 361, p. 183; MC n. 859/RJ, 1ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 18 de dezembro de 1998, p. 290.Com outra opinião, na doutrina: BARBOSA MOREIRA. Comentários. Volume V, 7ª ed., 1998, p. 560.419 A respeito do tema, merece ser prestigiado o voto condutor proferido pelo Ministro EVANDRO LINS E SILVA no julgamento do RMS n. 11.115: “Não é possível que prevaleça uma medida liminar, provisória, concedida no início da lide, sobre uma decisão final, proferida após o exame e o estudo de todos os elementos informativos do processo. A liminar desaparece com a sentença de 1ª instância; quando concede o mandado, passa a substituí-la; quando a nega, revoga-a expressamente”.

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Justiça, com pedido de efeito suspensivo ao recurso ordinário. Há, todavia, entendimento jurisprudencial contrário, conforme se infere do verbete n. 113 da Segunda Subseção do Tribunal Superior do Trabalho: “AÇÃO CAUTELAR. EFEITO SUSPENSIVO AO RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. INCABÍVEL. AUSÊNCIA DE INTERESSE. EXTINÇÃO. É incabível medida cautelar para imprimir efeito suspensivo a recurso interposto contra decisão proferida em mandado de segurança, pois ambos visam, em última análise, à sustação do ato atacado. Extingue-se, pois, o processo, sem julgamento do mérito, por ausência de interesse de agir, para evitar que decisões judiciais conflitantes e inconciliáveis passem a reger idêntica situação jurídica”. Ainda que muito respeitável, a combinação do artigo 800, parágrafo único, do Código de Processo Civil, com o artigo 288 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça permite a conclusão em prol da admissibilidade da cautelar incidental para conferir efeito suspensivo a recurso ordinário420.

7.7.3. Recurso ordinário em mandado de segurança para o Supremo Tribunal Federal

Feitas as considerações gerais sobre o recurso ordinário, e estudado o recurso ordinário em mandado de segurança para o Superior Tribunal de Justiça, resta tratar de assunto específico referente ao recurso em mandado de segurança para o Supremo Tribunal Federal.

Consoante o artigo 102, inciso II, alínea “a”, da Constituição de 1988, o recurso ordinário para Supremo Tribunal Federal tem como alvo apenas acórdãos proferidos “pelos Tribunais Superiores” — em única instância, com denegação da segurança. Por tal razão, o recurso ordinário em mandado de segurança para a Corte Suprema somente é cabível contra arestos prolatados pelo Superior Tribunal de Justiça, pelo Tribunal Superior Eleitoral, pelo Tribunal Superior do Trabalho e pelo Superior Tribunal Militar421.

420 De acordo: MC n. 5.420/RS, 1ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 10 de março de 2003, p. 87; PET n. 531/ES — AgRg, 2ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 13 de março de 1995, p. 5.286; MC n. 6.360/DF — AgRg, 2ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 16 de junho de 2003, p. 268; MC n. 1.592/GO — AgRg, 5ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 6 de setembro de 1999, p. 90; MC n. 5.733/RS, 5ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 4 de agosto de 2003, p. 322; e MC n. 5.847/RJ — AgRg, 3ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 31 de março de 2003, p. 212, in verbis: “AGRAVO REGIMENTAL. MEDIDA CAUTELAR. LIMINAR. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. EFEITO SUSPENSIVO. Desde que presentes os requisitos conducentes ao acolhimento da cautelar, possível se faz a concessão da liminar pleiteada, com atribuição de efeito suspensivo ao recurso constitucional. Agravo improvido”.421 No sentido do texto: ARAUJO CINTRA, ADA GRINOVER e CÂNDIDO DINAMARCO. Teoria. 13ª, 1997, p. 180; CÂNDIDO DINAMARCO. A reforma. 3ª ed., p. 209; CELSO BASTOS. Comentários. Volume IV, tomo III, 1997, p. 212 e 213; HERMANN ROENICK. Recursos. 1997, p. 155 e 158; LUIZ FUX. Curso. 2001, p. 960; MANOEL CAETANO FERREIRA FILHO. Comentários. Volume VII, 2001, p. 336; MARCOS AFONSO BORGES. Recursos cíveis. 2ª ed., 1996, p. 65; SERGIO BERMUDES. A reforma. 2ª ed., 1996, p. 105; e THEOTONIO NEGRÃO. Código. 30ª ed., 1999, p. 571, nota 7.

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No mais, o que foi dito nas considerações gerais e no tópico destinado ao recurso ordinário em mandado de segurança para o Superior Tribunal de Justiça tem total aplicação ao recurso ordinário em mandado de segurança para o Supremo Tribunal Federal.

7.8. Coisa julgada no mandado de segurança e ação rescisória

Resta, para concluir o tópico destinado ao mandado de segurança, anotar que as decisões de mérito proferidas em processos de mandado de segurança também adquirem a auctoritas rei iudicatae. Os artigos 15 e 16 da Lei n. 1.533 e o enunciado n. 304 da Súmula do Supremo Tribunal Federal asseguram apenas a possibilidade da propositura de ação de procedimento comum, caso a decisão proferida no mandado de segurança não tenha versado sobre o mérito da causa422. Se o fez, o decisum — concessivo ou denegatório da ordem — fica protegido pelo manto da coisa julgada após o decurso in albis do prazo recursal e só pode ser desconstituído por meio de ação rescisória423.

422 De acordo: “Mandado de segurança. Denegação pelo mérito, em termos que afastam a existência do direito pleiteado, faz coisa julgada e impede a propositura de ulterior ação ordinária. — Inteligência da Súmula 304.” (RE n. 65.805/GB, 2ª Turma do STF, in Revista Forense, volume 245, p. 111).423 ? No mesmo sentido: AR n. 768/SP, Pleno do STF, in Diário da Justiça de 9 de julho de 1971; AR n. 767/SP, Pleno do STF, in Diário da Justiça de 29 de junho de 1972; RE n. 32.885, 1ª Turma do STF, in Ementário do STF, volume 296, p. 765; REsp n. 1.014/RJ, 1ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 20 de novembro de 1989, p. 17.291; REsp n. 2.439/RJ, 1ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 25 de junho de 1990, p. 6.026; REsp n. 8.699/RJ, 1ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 17 de dezembro de 1992, p. 24.213; REsp n. 4.157/RJ, 1ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 25 de outubro de 1993, p. 22.454; REsp n. 308.800/RS, 1ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 25 de junho de 2001, p. 130; REsp n. 1.710/RJ, 2ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 7 de dezembro 1992, p. 23.301; e REsp n. 15.499/SP, 2ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 19 de dezembro de 1994, p. 35.295. Também em sentido conforme, na doutrina: HELY LOPES MEIRELLES. Mandado de segurança. 16ª ed., p. 76, 77 e 78; e SÉRGIO RIZZI. Ação rescisória. 1979, p. 11, 12 e 29, assim como as notas 19 e 77.

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CAPÍTULO 8 — SUSPENSÃO DE SEGURANÇA

8.1. Natureza jurídica

O instituto da suspensão de segurança não tem natureza recursal424. Trata-se de incidente processual425 que não afasta a interposição do recurso cabível contra o decisum cuja eficácia se pretende suspender.

Vários são os motivos que impedem a inserção da suspensão de segurança no rol taxativo dos recursos processuais.

Em primeiro lugar, o instituto recursório é marcado pela existência de prazo peremptório para o exercício do direito de recorrer426. Todavia, não há na legislação de regência da suspensão prazo peremptório para a formulação do requerimento427. Com efeito, ao contrário dos recursos, não há na suspensão de segurança o requisito da tempestividade, tendo em vista a ausência de previsão legal de prazo peremptório para o respectivo exercício.

424 Com a mesma opinião: ARNALDO ESTEVES LIMA. Agravo e suspensão de liminar ou de sentença. III: “Convém observar que o procedimento em foco não constitui recurso, na acepção processual, pois não visa a reforma da decisão, mas, apenas, à suspensão, si et in quantum, de sua execução”. De acordo: BARBOSA MOREIRA. Recorribilidade. p. 222: “A suspensão por ato do presidente não tem a natureza de recurso, nem é sucedâneo de recurso”. Em sentido conforme: EDUARDO RIBEIRO. Recursos em mandado de segurança. 1989, p. 286: “Vê-se que se trata de medida especialíssima que não há de ser confundida ou equiparada a recurso”. Também com igual opinião: NERY JUNIOR e ROSA NERY. Código. 4ª ed., 1999, p. 2443, comentário 1: “Não se trata de recurso”. Rematam os eminentes Professores: ”Esta medida, entretanto, não é recurso autêntico, porque ajuizada diretamente no tribunal ad quem, caracterizando incidente autônomo” (Princípios fundamentais. 5ª ed., 2000, p. 250). Em sentido contrário, na doutrina: JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FILHO. Ação civil pública. 1995, p. 280: “Ocorre que o atendimento do pedido, determinando a suspensão da execução da liminar, constitui o reconhecimento de que ao ato impugnado não merece ter inteira eficácia. Se o Presidente do Tribunal não chega a cassar o ato, não é menos certo que sua decisão o atinge frontalmente, pois que lhe retira a idoneidade de produzir efeitos jurídicos. Há, por conseguinte, um interesse revisional do postulante, com o que a medida passa a guardar semelhança com os recursos em geral. Em fase desse óbvio hibridismo, parece-nos cabível caracterizar a medida como sendo requerimento de natureza recursal, pois que assim voltados para os dois aspectos que nela estão presentes: o requerimento e o recurso.” (grifos aditados). Também em sentido contrário, há respeitável precedente jurisprudencial: AGR no MSG n. 2001.00.2.000398-8, Conselho Especial do TJDF, acórdão registrado sob o n. 137.316, in Diário da Justiça de 2 de maio de 2001, p. 31: “PROCESSUAL CIVIL — AGRAVO INTERNO CONTRA DESPACHO CONCESSIVO DE LIMINAR EM MS — LEI Nº 8.038/90 — REGIMENTO INTERNO — IMPOSSIBILIDADE — NÃO CONHECIMENTO. O Agravo Regimental dito interno, interposto com fulcro no art. 39 da Lei nº 8.038/90 não se presta a atacar decisão concessiva de liminar em mandado de segurança, eis que o Regimento Interno desta Corte preconiza, para a presente hipótese, o recurso denominado Suspensão de Segurança. Não conhecido. Unânime” (não há o grifo no original).425 Em sentido conforme, na doutrina: “O pedido de suspensão não detém natureza recursal, por não estar previsto em lei como recurso e, igualmente, por não gerar a reforma, anulação nem desconstituição da decisão liminar ou antecipatória. Desse modo, o requerimento de suspensão não contém o efeito substitutivo a que alude o art. 512 do CPC.” (sem o grifo no original). São os bem lançados fundamentos pelos quais os Professores FREDIE DIDIER JR. e LEONARDO JOSÉ CARNEIRO DA CUNHA pontificam que “não restam dúvidas de que o pedido de suspensão constitui incidente processual” (Curso de direito processual civil. Volume 3, 2006, p. 350 e 351; não há o grifo no original).426 Assim: LINO ENRIQUE PALACIO. Manual. 11ª ed., 1995, p. 569: “Constituyen requisitos comunes a todos los recursos: omissis; 3º) Su interposición dentro de un plano perentorio”.427 Com a mesma opinião: ARNALDO ESTEVES LIMA. Agravo e suspensão de liminar ou de sentença. III, in verbis: “Não há contraditório e nem mesmo prazo, legalmente fixado, para fazê-lo”. Também com entendimento semelhante: MARCELO ABELHA RODRIGUES. Suspensão de segurança. 2002, conclusão 33, p. 237.

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Por outro lado, o recurso pode ensejar a reforma, a cassação ou a integração da decisão jurisdicional impugnada. Em contraposição, o instituto da suspensão tem como finalidade específica “suspender” “a execução” do decisum concessivo do provimento liminar ou da própria segurança. Realmente, não é possível reformar ou cassar a própria decisão jurisdicional na angusta via da suspensão428. Conclusão oposta configuraria verdadeira contradictio in adiecto; como o próprio nome do instituto revela, a suspensão de segurança não enseja a cassação, muito menos a reforma da decisão, pois não há a substituição da decisão, conseqüência jurídica já possível nos recursos, nos termos do artigo 512 do Código de Processo Civil.

Sob outro prisma, os recursos podem veicular qualquer error in procedendo e error in iudicando, até mesmo os cometidos contra os interesses dos entes públicos, sem restrição. Na suspensão de segurança, entretanto, só é possível alegar a ocorrência de grave lesão aos bens jurídicos consubstanciados na ordem pública, economia pública, segurança pública e saúde pública.

Em relação à legitimidade, não há como negar a existência de diferença entre o disposto no artigo 499 do Código de Processo Civil e o que estabelecem os artigos 4º e 25, das Leis 4.348 e 8.038, respectivamente. Ainda que controvertida429 a extensão dos preceitos que tratam da suspensão, a legitimidade recursal tem alcance superior, nos termos do artigo 499. Realmente, a legitimidade para requerer a suspensão de segurança não é tão ampla como a legitimidade recursal: enquanto o recurso pode ser interposto por qualquer uma das partes, pelo Ministério Público e até por terceiro prejudicado, a regra na suspensão reside na legitimidade ativa exclusiva da parte que seja pessoa jurídica de direito público e pelo Ministério Público, conforme se infere da combinação do artigo 4º da Lei n. 4.348, de 1964, com o artigo 25 da Lei n. 8.038, de 1990.

A legislação de regência da suspensão ainda fornece outros argumentos que demonstram a ausência da natureza recursal do instituto. Tanto o artigo 4º da Lei n. 4.348 como o artigo 25 da Lei n. 8.038 utilizam o vocábulo

428 De acordo, na doutrina: ARNALDO ESTEVES LIMA. Agravo e suspensão de liminar ou de sentença. III; BARBOSA MOREIRA. Recorribilidade. p. 222; MARCELO ABELHA RODRIGUES. Suspensão de segurança. 2002, conclusão 61, p. 241; e NERY JUNIOR. Código. 4ª ed., 1999, p. 2443, comentário 1. Em sentido conforme, na jurisprudência: REsp n. 160.217/SC, 2ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 28 de setembro de 1998, p. 39.429 Em favor da tese liberal: MARCELO ABELHA RODRIGUES. A suspensão de segurança. 2003, p. 155: “mutatis mutandis, esta parece ser a tendência jurisprudencial no tocante ao conceito de pessoa jurídica de direito privado legitimada a requerer a suspensão de segurança”.Em prol de solução intermediária: ELLEN GRACIE NORTHFLEET. p. 269: “Tem-se admitido, em casos excepcionais, que empresas públicas e mesmo pessoas jurídicas de direito privado quando exercendo atividade delegada do Poder Público, possam fazer uso da medida”.Em favor da tese restritiva: LÚCIA VALLE FIGUEIREDO. Mandado de segurança. 1997, p. 146: “O pedido de suspensão deverá ser examinado com a maior detença, e, ao que se nos afigura, embora a jurisprudência seja em sentido contrário, não poderia ser feito pelos entes privados, delegados ou concessionários do serviço público, embora saibamos ser nossa posição minoritária”. Também a favor da interpretação estrita: ANA LUÍSA CELINO COUTINHO. Mandado de segurança: da suspensão de segurança. 1998, p. 113.

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“requerimento” ao tratar da suspensão. Ao revés, o recurso é “interposto”, conforme revelam os artigos 506, 507, 508, 509, 511, 541 e 559, todos do Código de Processo Civil. Ademais, a expressão “respectivo recurso” inserta no artigo 4º da Lei n. 4.348 também reforça a conclusão de que o instituto da suspensão não pode ser confundido com o recurso próprio. O proêmio do § 3º do artigo 25 da Lei n. 8.038 conduz ao mesmo raciocínio: “A suspensão de segurança vigorará enquanto pender o recurso”. Como é perceptível primo ictu oculi, os preceitos revelam que a suspensão não dispensa o julgamento do posterior recurso interposto contra a decisão suspensa. Portanto, se há o respectivo recurso contra a mesma decisão, a única conclusão possível é a de que a suspensão não tem natureza recursal, sob pena de verdadeiro bis in idem, raciocínio incompatível com o princípio da singularidade.

Aliás, além de não ter natureza recursal, a suspensão não substitui nem impede a interposição do recurso processual cabível contra o decisum concessivo do provimento liminar ou da própria segurança430.

Por tudo, é possível concluir que o instituto da suspensão de segurança não tem natureza jurídica de recurso, mas, sim, de incidente processual de competência exclusiva dos tribunais.

8.2. Recorribilidade da decisão presidencial proferida no incidente de suspensão de segurança

Durante muitos anos prevaleceu na jurisprudência a tese da inadequação de agravo interno contra decisão monocrática presidencial denegatória da suspensão em ação de mandado de segurança. Aliás, o Supremo Tribunal Federal chegou até mesmo a tratar da vedação do agravo interno contra a decisão presidencial denegatória no verbete n. 506 da Súmula da Corte: “O agravo a que se refere o art. 4º, da Lei n. 4.348, de 26.6.1964, cabe, somente do despacho do Presidente do Supremo Tribunal Federal que defere a suspensão da liminar, em mandado de segurança; não do que denega”. Na esteira do verbete n. 506, o Superior Tribunal de Justiça editou o enunciado n. 217: “Não cabe agravo de decisão que indefere o pedido de suspensão da execução da liminar, ou da sentença em mandado de segurança”.

Não obstante, tudo indica que a conclusão extraída da interpretação literal do artigo 4º da Lei n. 4.348 e do § 2º do artigo 25 da Lei n. 8.038 não resiste ao

430 Com opinião similar, na doutrina: EDUARDO RIBEIRO. Recursos em mandado de segurança. 1989, p. 286: “Ademais, presta-se a finalidades estritas que não se confundem com as que podem ser buscadas com o agravo”. Também com entendimento semelhante, na doutrina: MARCELO ABELHA RODRIGUES. Suspensão de segurança. 2002, conclusão 63, p. 241. Com orientação similar, na jurisprudência: REsp n. 160.217/SC, 2ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 28 de setembro de 1998, p. 39. A propósito, vale a pena conferir o preciso pronunciamento da Ministra ELLEN GRACIE NORTHFLEET: “Para que a preclusão não ocorra, é indispensável, que ademais do requerimento de suspensão seja aviado o recurso cabível na espécie, seja o agravo contra a liminar ou a apelação contra a sentença de mérito.” (Suspensão de sentença e de liminar. In Revista de Processo, volume 97, p. 188).

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confronto com a extraída da exegese teleológica do artigo 39 do último diploma. É amplo o alcance do artigo 39 da Lei n. 8.038, com o conseqüente amplo cabimento de agravo interno contra toda decisão monocrática — salvo quando adequado outro recurso de agravo ex vi de preceito particular, como nas excepcionais hipóteses dos artigos 540 e 544 do Código de Processo Civil.

Com efeito, diante da inexistência de outro recurso específico na legislação processual, a decisão monocrática indeferitória de suspensão em mandado de segurança também enseja agravo interno431, a fim de que o órgão colegiado competente do tribunal possa efetuar o controle jurisdicional da atividade judicante do respectivo presidente. Foi o que assentou o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, no artigo 13, § 2º, número 1º, inciso X, proêmio, do Regimento Interno de 1996: “julgar agravo contra decisão do Presidente que suspender ou negar suspensão a medida liminar ou execução de sentença em mandado de segurança”. Realmente, diante da regra da ampla recorribilidade das decisões monocráticas consagrada no artigo 39 da Lei n. 8.038, de 1990, cabe agravo interno contra toda decisão presidencial proferida em suspensão de segurança, consoante revela o parágrafo único do artigo 264 do Regimento Interno do Tribunal de Justiça de Minas Gerais: “Qualquer que seja a decisão, caberá recurso de agravo, no prazo de 5 (cinco) dias, para a Corte Superior”. Não importa se houve o deferimento ou a denegação da suspensão da segurança na decisão presidencial; cabe agravo interno em ambas as hipóteses.

Em suma, além da decisão monocrática presidencial de deferimento, também cabe agravo interno contra decisão monocrática denegatória de requerimento de suspensão suscitado em ação de segurança, como já reconheceu o Pleno do Supremo Tribunal Federal, tanto que cancelou o verbete n. 506 da Súmula da Corte Suprema432, o que também ensejou o posterior cancelamento do enunciado n. 217 pelo Superior Tribunal de Justiça433.

431 Com a mesma opinião, na doutrina: MARCELO ABELHA RODRIGUES. Suspensão de segurança. 2000, p. 193 e nota 195.432 “O Tribunal, por maioria, resolvendo questão de ordem suscitada pelo Min. Gilmar Mendes, decidiu pelo cabimento de agravo regimental contra despacho do Presidente do Supremo Tribunal Federal que indefere o pedido de suspensão de segurança, cancelando, portanto, o Verbete 506 da Súmula do STF ” (SS n. 1.945/AL — AgRg — AgRg — AgRg, Pleno do STF, julgado em 19 de dezembro de 2002, noticiado no Informativo n. 295). “Dessa forma, restou superada a orientação contida na Súmula 506 do Supremo Tribunal Federal, reafirmada em diversas decisões da Corte” (GILMAR MENDES. A Súmula 506 do Supremo Tribunal Federal. 2005, p. 15).433 Conferir: “A Corte Especial, apreciando o AgRg na SS, entendeu, preliminarmente, por maioria, ser cabível agravo regimental tanto no caso de concessão, como no de denegação de suspensão da segurança (vide Súm. n. 217-STJ).” (SS n. 1.166/SP — AgRg, julgado em 16 de junho de 2003, noticiado no Informativo n. 177). Posteriormente, no dia 23 de outubro de 2003, a Corte Especial cancelou o enunciado n. 217 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça: “Também, em sessão de 23.10.03, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça deliberou pelo cancelamento da Súmula n. 217, no julgamento do AgRg na SS n. 1.204-AM” (GILMAR MENDES. A Súmula 506 do Supremo Tribunal Federal. 2005, p. 15).

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8.3. Recurso especial em suspensão de segurança

Estudadas a natureza jurídica da suspensão de segurança e a recorribilidade da decisão monocrática presidencial proferida à luz do artigo 4º da Lei n. 4.348, de 1964, resta saber se o acórdão prolatado pelo pleno ou órgão especial do tribunal local ou regional no julgamento do agravo interno desafia recurso especial. Trata-se de vexata quaestio.

Prevalece no Superior Tribunal de Justiça a orientação contrária ao cabimento do recurso especial contra o acórdão proferido por tribunal intermediário em agravo regimental interposto contra decisão presidencial prolatada em suspensão de segurança, tendo em vista a natureza política do respectivo juízo434.

Há, todavia, entendimento jurisprudencial em favor do cabimento do recurso especial435, desde que satisfeitas as demais exigências do artigo 105, inciso III e alíneas, da Constituição Federal.

Ainda que muito respeitável a orientação predominante contrária ao cabimento do especial, a tese favorável ao recurso merece ser prestigiada. Com efeito, a suspensão de segurança é suscitada em processo de mandado de segurança, o que revela a natureza jurisdicional do incidente previsto no artigo 4º da Lei n. 4.348, de 1964. Tanto que contra a respectiva decisão monocrática cabe agravo interno, recurso tipicamente processual, conforme revelam os artigos 496, inciso II, 531, 545 e 557, §§ 1º e 2º, todos do Código de Processo Civil, com o reforço dos artigos 25 e 39 da Lei n. 8.038, de 1990, diploma que igualmente cuida de “normas procedimentais para os processos que especifica”. Diante da natureza jurisdicional do julgamento proferido pelo tribunal no recurso processual de agravo interposto contra a decisão monocrática prolatada em incidente de suspensão proveniente de processo de mandado de segurança, é perfeitamente possível o enquadramento na expressão constitucional “causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios”. Aliás, da mesma forma e pelos mesmos motivos que ensejaram a edição do enunciado n. 86 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça436. Por tudo, o recurso especial é cabível — pelo menos em tese.

434 Conferir: REsp n. 116.832/MG, 2ª Turma do STJ, in Diário da Justiça de 28 de fevereiro de 2000: “PROCESSUAL CIVIL – MANDADO DE SEGURANÇA – PEDIDO DE SUSPENSÃO FUNDADO NA LEI 4.348/64, ART. 4º - DECISÃO DE TRIBUNAL LOCAL – PRECEDENTE. – A decisão suspensiva da execução de medida liminar, em mandado de segurança, na forma do art. 4º da Lei 4.348/64 é resultado de Juízo político a respeito da lesividade do ato judicial à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas, não se sujeitando a recurso especial, em que as controvérsias são decididas à base do juízo de legalidade; é, pois, da estrita competência do Tribunal (Presidente e Plenário), a que o juiz que a proferiu está vinculado. Recurso não conhecido.” (grifos aditados).435 Assim: MS n. 9.433/PR – AgRg, 1ª Seção do STJ, julgado em 26 de fevereiro de 2004: “2. O acórdão proferido pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, em sede de Agravo Regimental em Suspensão de Segurança, desafia recurso especial ou extraordinário com possibilidade de concessão de efeito suspensivo pelo relator, quer como antecipação de tutela recursal quer via cautelar.” (não há o grifo no original).436 De acordo: REsp n. 38.867/RJ, 6ª Turma do STJ, in Revista dos Tribunais, volume 732, página 187: “II

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Por fim, ao contrário do que pode parecer à primeira vista, a incidência do enunciado n. 7 e de outros verbetes sumulares depende da espécie sub examine, ou seja, da análise do caso concreto. Realmente, o quadro fático narrado no próprio acórdão proferido pelo tribunal intermediário pode, à evidência, por si só dispensar o reexame do conjunto probatório, com o que fica aberta a angusta via do especial, já que o Superior Tribunal de Justiça pode encontrar no bojo do próprio acórdão todos os elementos fáticos necessários à verificação da correta interpretação da lei federal. Tanto quanto sutil, a diferença entre reexame de provas e qualificação jurídica dos fatos é muito relevante: naquela hipótese, o especial é incabível; já na última, o recurso é próprio e adequado.

– A UFFRJ, Autarquia Federal, interpôs recurso para suspender a execução de liminar concedida em writ (art. 4 da Lei n. 4.348/64). O presidente do tribunal a quo denegou a suspensão. Irresignada, a recorrente interpôs agravo regimental. O Plenário do TRF da 2ª Região negou provimento ao agravo. Não se dando por vencida, a autarquia interpõe o presente recurso especial. O STJ já decidiu que cabe recurso especial em hipóteses como a dos autos, pois ‘o vocábulo causa, inserto no inciso III do artigo 105 da Constituição Federal, deve ser entendido em sentido amplo’ (REsp n. 5.659-0/SP). Aplicação do enunciado n. 86 da Súmula da Corte.” (grifos aditados).

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CAPÍTULO 9 — RECLAMAÇÃO CONSTITUCIONAL

A reclamação é a ação437 constitucional originária do tribunal ad quem cuja competência foi usurpada ou teve julgado não observado por juiz ou tribunal a quo, ou pela autoridade administrativa438 responsável pelo cumprimento da decisão.

Além da previsão constitucional nos artigos 102, inciso I, letra “l”, 103-A, § 3º, e 105, inciso I, alínea “f”, a reclamação também consta dos artigos 13 usque 18 da Lei n. 8.038, do artigo 13 da Lei n. 9.882, dos artigos 6º, inciso I, alínea “g”, 9º, inciso I, letra “c”, 149, inciso III, 156 até 162, todos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, assim como dos artigos 11, inciso X, 12, inciso III, 187 usque 192, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça439.

Ao contrário do que pode parecer à primeira vista, a reclamação constitucional não pode ser confundida com a correição parcial440. Aquela é a ação constitucional cuja admissibilidade depende da propositura com esteio em alguma das duas causas de pedir específicas: a) preservação da competência do tribunal; e b) garantia da autoridade das decisões do tribunal. Já a correição parcial, também denominada reclamação correicional, é o remédio administrativo-disciplinar adequado para a impugnação de ato de magistrado para a apuração da falta perante a corregedoria do respectivo tribunal.

Da mesma forma, a reclamação não pode ser confundida com a ação rescisória, nem proposta como sucedâneo de rescisória, conforme revela o enunciado n. 734 da Súmula da Corte Suprema: “Não cabe reclamação quando

437 De acordo, na doutrina: MARCELO NAVARRO RIBEIRO DANTAS. Reclamação. 2000, p. 461. Em sentido semelhante, na jurisprudência: Rcl n. 707/SP — AgRg, Pleno do STF, in Diário da Justiça de 20 de março de 1998, p. 12.Há, ao revés, respeitável pronunciamento do Ministro MOACYR AMARAL SANTOS em prol da natureza recursal: “E entendo que a reclamação do nosso Regimento é recurso criado pelo Supremo,” (In RCL n. 831/DF, em 11 de novembro de 1970).Também em sentido contrário, há a autorizada lição do Professor EGAS DIRCEU MONIZ DE ARAGÂO em favor da natureza jurídica de incidente processual: “A reclamação, portanto, longe de ser uma ação, um recurso, é incidente processual,” (A correição parcial. 1969, p. 110).438 De acordo, na jurisprudência: Rcl n. 502/GO, 1ª Seção do STJ, in Diário da Justiça de 22 de março de 1999, p. 35. Consta da ementa: “II — Para o fim de reclamação, é irrelevante se a autoridade que está desrespeitando julgado desta Corte é judiciária ou administrativa. Voto vencido”. Ainda que muito respeitável o voto divergente, após o interessante debate acerca do assunto, a maioria absoluta concluiu pela admissibilidade da reclamação, na esteira do voto proferido pelo eminente Relator, Ministro ADHEMAR MACIEL.439 A reclamação também está prevista nos artigos 190 até 194 do Regimento Interno do Tribunal Superior do Trabalho.440 Com igual opinião, com maior autoridade: MONIZ DE ARAGÃO: “Bem distinta da correição parcial, embora conhecida pelo mesmo nome que lhe dão em alguns Estados, é a reclamação, existente no Regimento Interno do Supremo Tribunal.” (Correição parcial. 1969, p. 91). Remata o eminente Professor: “Não confundir com a reclamação prevista no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, cuja natureza e finalidade não coincidem com as da correição parcial.” (MONIZ DE ARAGÃO. Considerações. In Revista Forense, volume 246, p. 66, nota 11. A propósito, vale a pena conferir o artigo 87, incisos XVIII e XIX, do Regimento Interno do Tribunal Superior do Trabalho, tendo em vista a correta separação dos institutos, pois já não há lugar para confusão entre a reclamação e a reclamação correicional.

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já houver transitado em julgado o ato judicial que se alega tenha desrespeitado decisão do Supremo Tribunal Federal”.

Quanto ao mandado de segurança, a despeito de ser uma das fontes da reclamação, também não há lugar para dúvida acerca da adequação de cada ação441. Diante de hipótese específica da reclamação, é inadmissível mandado de segurança, até mesmo por força dos enunciados 330 e 624 do Supremo Tribunal Federal.

Por tudo, a admissibilidade da reclamação é específica e não enseja fungibilidade.

A reclamação pode ser ajuizada pelo Ministério Público, bem como pelo litigante prejudicado em razão da usurpação da competência ou do desrespeito ao julgado proferido no processo primitivo, do qual era parte. Aliás, terceiro juridicamente prejudicado também tem legitimidade ativa.

Por ser ação, a reclamação deve ser proposta por meio de petição inicial, com a completa observância dos artigos 282 e 283, ambos do Código de Processo Civil. O reclamante deve comprovar o respectivo recolhimento das custas iniciais eventualmente devidas, conforme o disposto no artigo 59, inciso II, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. Após, os autos são remetidos à presidência para a distribuição da reclamação.

Quando possível, a reclamação é distribuída ao mesmo relator do processo primitivo, nos termos do artigo 70 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.

Após a distribuição da reclamação, os autos sobem conclusos ao relator. Se manifestamente inadmissível a reclamação, compete ao próprio relator proferir decisão monocrática de indeferimento da petição inicial, impugnável por meio de agravo interno, também denominado agravo regimental. Satisfeitas as condições da ação e os pressupostos processuais, cabe ao relator requisitar informações da autoridade reclamada. O relator também pode proferir decisão monocrática de suspensão do processo anterior ou do ato impugnado, conforme o disposto no artigo 14 da Lei n. 8.038, de 1990.

Em seguida, qualquer interessado pode impugnar a reclamação, especialmente a parte contrária no processo primitivo.

Por força do artigo 16 da Lei n. 8.038, de 1990, é obrigatória a intervenção do Ministério Público como custos legis, salvo se autor da reclamação.

Após o oferecimento do parecer ministerial, compete ao relator pedir dia para julgamento ao presidente do colegiado competente. Incidem, por analogia, os artigos 552 e 554 do Código de Processo Civil.

441 De acordo: “PROCESSO CIVIL. RECLAMAÇÃO. A decisão que nega seguimento a agravo de instrumento interposto contra decisão que não admite recurso especial deve ser atacada por reclamação. Mandado de segurança denegado” (MS n. 4.507/DF, 1ª Seção do STJ, in Diário da Justiça de 8 de maio de 2000, p. 51). Embora não seja específico, também há precedente da Corte Suprema que merece ser conferido: MS n. 20.875/RO — QO, Pleno, unânime, in Diário da Justiça de 28 de abril de 1989, p. 6.295.

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A reclamação é julgada pelo órgão coletivo indicado no regimento interno. No que tange ao Superior Tribunal de Justiça, tanto a corte especial como as seções têm as respectivas competências fixadas nos artigos 11, inciso X, e 12, inciso III, ambos do Regimento Interno de 1989. Já no Supremo Tribunal Federal, além do plenário, também as turmas e até mesmo os relatores têm competências próprias, conforme o disposto nos artigos 6º, inciso I, alínea “g”, 9º, inciso I, letra “c”, 10, 149, inciso III, e 161, caput e parágrafo único, todos do Regimento Interno de 1980, com as redações alteradas pelas Emendas Regimentais números 9 e 13, de 2001 e 2004, respectivamente.

Se procedente a reclamação, o tribunal cassa a decisão exorbitante do seu julgado ou determina a providência necessária à preservação da respectiva competência. Aliás, cabe ao presidente do colegiado determinar o imediato cumprimento da decisão, com a posterior redação do acórdão, tendo em vista o disposto nos artigos 17 e 18 da Lei n. 8.038, de 1990.

Resta estudar a recorribilidade no processo de reclamação. As decisões monocráticas são impugnáveis por meio de agravo interno, nos termos do artigo 39 da Lei n. 8.038, de 1990. Já os acórdãos desafiam em tese recurso extraordinário442 para o Supremo Tribunal Federal, salvo quando prolatados na própria Corte Suprema.

Ainda que proferido por maioria de votos, não há o cabimento de embargos infringentes contra acórdão em reclamação443. É o que estabelece o correto verbete n. 368 da Súmula do Supremo Tribunal Federal: “Não há embargos infringentes no processo de reclamação”. Também são inadmissíveis embargos de divergência contra aresto prolatado em julgamento de ação de reclamação444.

Por fim, tanto as decisões monocráticas como os acórdãos proferidos na reclamação são passíveis de embargos declaratórios. Além dos recursos cabíveis, também é admissível ação rescisória de julgado proferido em processo de reclamação, desde que proposta com a observância do artigo 485 do Código de Processo Civil445.

442 Embora controvertida a possibilidade jurídica de reclamação em tribunal intermediário, eventual acórdão também enseja recurso especial, nos termos do artigo 105, inciso III, da Constituição Federal.443 Com a mesma opinião, na doutrina: MARCELO NAVARRO RIBEIRO DANTAS. Reclamação. 2000, p. 488. Também em sentido idêntico, na jurisprudência: RCL n. 377/PR — EI, Pleno do STF, in Diário da Justiça de 27 de outubro de 1994, p. 29164: “— Não cabimento, no âmbito do Supremo Tribunal Federal, de embargos infringentes contra decisão por ele tomada em reclamação”.444 De acordo: MARCELO NAVARRO RIBEIRO DANTAS. Reclamação. 2000, p. 488. Também sentido semelhante, ainda na doutrina: JOSÉ DA SILVA PACHECO. O mandado de segurança. 3ª ed., 1998, p. 590 e 591. Assim, na jurisprudência: Pet n. 1.292 — AgRg, Corte Especial do STJ, in Diário da Justiça de 25 de março de 2002, p. 157.445 Com a mesma opinião: MARCELO NAVARRO RIBEIRO DANTAS. Reclamação. 2000, p. 489.

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