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1 UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” AVM FACULDADE INTEGRADA DO HAICAI AO SLOGAN: A POESIA DO INSTANTE COMO FUNDAMENTO DO DISCURSO PUBLICITÁRIO Por: CRISTIANI BARROS DE FREITAS Orientador Prof. JORGE VIEIRA Rio de Janeiro 2013 DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL

DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · do haicai ao slogan: a poesia do instante como fundamento do discurso publicitÁrio por: cristiani barros de freitas orientador

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

AVM FACULDADE INTEGRADA

DO HAICAI AO SLOGAN: A POESIA DO INSTANTE COMO FUNDAMENTO DO DISCURSO PUBLICITÁRIO

Por: CRISTIANI BARROS DE FREITAS

Orientador

Prof. JORGE VIEIRA

Rio de Janeiro

2013

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

AVM FACULDADE INTEGRADA

DO HAICAI AO SLOGAN: A POESIA DO INSTANTE COMO FUNDAMENTO DO DISCURSO PUBLICITÁRIO

Apresentação de monografia à AVM Faculdade

Integrada como requisito parcial para obtenção do

grau de especialista em Marketing

Por: Cristiani Barros de Freitas.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço em primeiro lugar ao professor Jorge Vieira pela brilhante orientação, apoio, incentivo e dedicação ao meu tema. Foi um privilégio poder trabalhar ao lado de um profissional tão competente. Sua ajuda e participação foram essenciais para que o resultado do trabalho superasse as minhas próprias expectativas. Espero que a vida nos una em novos projetos.

Durante a minha caminhada e pesquisas sobre o haicai, encontrei pessoas que foram fundamentais para que eu descobrisse a alma e o verdadeiro significado dessa poesia.

Por fim, agradeço à minha família que sempre me encheu de forças para

que eu buscasse os meus objetivos e de amor para que eu conseguisse alcançá-los.

A todos vocês o meu sincero muito obrigada.

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DEDICATÓRIA

“Dedico este trabalho à minha querida família, amigos, por acreditarem nos meus sonhos e por sonharem junto comigo.”

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RESUMO

A publicidade atual enfrenta o desafio de chamar a atenção do consumidor e conseguir fixar as marcas e produtos em sua mente. Para isso, a eficácia do discurso publicitário é fundamental. Apesar de existir um modelo racional proposto por Aristóteles para garantir a qualidade de persuasivo ao texto, observa-se que a utilização da função poética da linguagem rompe com essa estrutura e produz mensagens tão eficazes quanto aquelas outras. Esse estudo apresenta o haicai, analisa o texto publicitário e dá destaque à sua forma mais redutível: o slogan. Em seguida, faz uma aproximação entre o haicai e o slogan demonstrando como algumas características da chamada “poesia do instante” são utilizadas para que o texto publicitário envolva emocionalmente o consumidor fazendo com que o mesmo se identifique com marcas e produtos e os incorpore ao seu dia-a-dia. Palavras-chave: haicai, texto publicitário, slogan.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 07

CAPÍTULO I – O haicai 09 CAPÍTULO II – O texto publicitário 22 CAPÍTULO III - A poesia e a publicidade: o haicai e o slogan 37 CONCLUSÃO 48 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 50 ANEXOS 52

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INTRODUÇÃO

O consumidor atual vive cercado de nomes de marcas, produtos e serviços. Aonde quer que ele vá, certamente será bombardeado por centenas de mensagens publicitárias todos os dias. No entanto, algumas pesquisas sustentam que, à medida que aumenta o número de meios de comunicação e de anunciantes, o seu interesse e lembrança pela argumentação publicitária diminuem. É exatamente nesse contexto que se encontra o grande desafio do discurso publicitário: chamar e prender a atenção do consumidor e ainda ir mais além: conseguir marcar o nome do anunciante na sua mente.

Com tanta informação, as pessoas passam a dispor de pouco ou de

nenhum tempo para cada uma delas. Mensagens grandes correm o risco de serem rejeitadas antes mesmo de serem lidas. Por isso, ao longo do tempo, vem aumentando a busca pelo poder de transmitir em poucas palavras sensações e conceitos abrangentes.

No entanto, essa busca não é objetivo atual e nem sempre se limitou

apenas à publicidade. Há muitos séculos a poesia já tentava sintetizar a grandiosidade e os enigmas da natureza, do universo e das sensações através do haicai, composição poética de origem japonesa formada por apenas três versos. Assim, se na poesia a concisão e o minimalismo se fazem presentes através do haicai, na publicidade também há um elemento que tem como função transmitir todo um conceito, uma imagem, uma visão de mundo ou uma forma de vida em poucas palavras. Esse elemento é o slogan.

Assim, este trabalho apresenta características do haicai, do texto

publicitário e tem como objetivo mostrar como dois tipos de linguagens aparentemente tão distintas se entrelaçam e como a publicidade atual se utiliza das características do haicai para persuadir produzindo mensagens extremamente eficazes.

Para o desenvolvimento do trabalho foram estudadas a função poética

da linguagem, mais especificamente o haicai, e a publicidade, com grande destaque para o texto publicitário. Foram vários os autores consultados, como: João Anzanello Carrascoza, Celso Figueiredo, Antônio José Sandmann, Vestergaard e Schroder e Massaud Moisés.

Para que o trabalho cumpra os seus objetivos, cada capítulo tem uma

finalidade específica: o primeiro apresenta a origem e as características do haicai, sua chegada ao 10 Brasil e sua influência sobre a poesia concreta. No segundo capítulo são estudados detalhadamente as características e objetivos do texto publicitário, demonstrando os recursos utilizados para que esse tipo de discurso exerça a sua função. E o terceiro e último capítulo une os universos da poesia e da publicidade mostrando como cada uma das áreas se apropria da outra há muito tempo e como o texto publicitário e, mais especificamente o slogan na sua geração atual, se utilizam da poesia para persuadir. Por fim, é feita uma aproximação entre o haicai e o slogan, demonstrando como características da “poesia do instante” são utilizadas como fundamento para produzir mensagens publicitárias concisas e eficazes. Ao longo de todo o

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trabalho são apresentados vários exemplos visando elucidar conceitos e informações.

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Capítulo 1 O haicai

Este capítulo tem como objetivo apresentar e estudar o haicai, explicar

sua origem, características e influências. Com a finalidade de elucidar e enriquecer o estudo, serão citados e analisados haicais de diversos autores.

Em seguida, será apresentada de forma breve a história do haicai no

Brasil citando os tipos de correntes do haicai defendidas pelos poetas brasileiros e suas divergências com relação à forma original que surgiu e se desenvolveu no Japão.

Após a compreensão do haicai e do seu desenvolvimento no Brasil, será

descrita a influência do mesmo sobre o movimento concretista surgido na década de 1950, que deu origem à poesia concreta. Nesse tipo de poesia, a palavra assume uma nova função: deixa de ser só conteúdo e passa a ser também forma, trabalhando pela valorização do aspecto visual da mensagem.

Finalmente, após estudar o haicai e a poesia concreta, serão

apresentados alguns conceitos literários, com o objetivo de complementar o estudo e de situar o haicai num dos gêneros literários.

1.1 – Origem e características

O haicai (haikai ou haiku) é uma composição poética de origem japonesa que, em sua forma tradicional, apresenta dezessete sílabas distribuídas em três versos: o primeiro com cinco sílabas, o segundo com sete e o terceiro com cinco, como pode ser exemplificado pelo haicai de Teruko Oda1:

“Verde mandruvá

Se arrasta no caule esguio De um lírio branco”

Para compreender o nascimento do haicai, é necessário remontar ao período Nara, século VIII (710 a 794 d.C.), marcado por grande desenvolvimento político e cultural do Japão. É nessa época que no campo das artes surgem grandes obras, como a antologia poética Manyôshû, que reúne milhares de poemas classificados nos tipos: tanka2, sedôka3, chôka4 e bussoku sekika5. O que exerceu maior influência para o desenvolvimento do haicai foi o tanka, que tem sua estrutura dividida em dois conjuntos: o primeiro é onstituído pelos versos de cinco, sete e cinco sílabas e denomina-se kaminoku. Já o segundo, que recebe o nome de shimonoku, é formado por dois versos de sete sílabas. ____________________ 1 Teruko Oda é uma poetisa e professora brasileira, filha de imigrantes japoneses e uma das maiores haicaistas do Brasil, seguindo uma corrente dos imigrantes japoneses de manter as tradições do gênero. 2 Chamado também de waka é um poema composto de cinco, sete, cinco, sete e sete sílabas. 3 Poema constituído de cinco, sete, cinco, sete, cinco e sete sílabas. 4 Poema constituído de cinco, sete, cinco, sete, cinco, sete e sete sílabas. 5 Poema composto de cinco, sete, cinco, sete, sete e sete sílabas.

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Foi na separação desses dois conjuntos do tanka que surgiu o renga. Segundo Saito6, este é formado da seguinte maneira: uma pessoa compõe o kaminoku, outra compõe o shimonoku, a terceira compõe outro kaminoku, e assim sucessivamente.

Foi no período Muromachi, século XIV (aproximadamente entre 1336 e 1573)7 que surgiu, então, o renga de haicai, posteriormente denominado renku, que atinge sua maior expressão e plenitude no século XVII com o poeta japonês Matsuo Basho (1644- 1694). É Basho que consolida e aprimora literariamente o haicai e a ele que o gênero deve sua maior originalidade. Além de Basho, Yosa Buson (1716-1784) e Kobayashi Issa (1763-1828) são nomes importantes na história e no desenvolvimento do haicai.

Basho foi o poeta que trouxe a influência do zen-budismo para o haicai. Seus versos refletem a filosofia que norteava seus pensamentos. Essa influência pode ser constatada no mais famoso de todos os haicais, justamente de Basho, transcrito abaixo:

“furu ike ya / kawazu tobikomu / mizu no oto”8

Literalmente tem-se a tradução: “o lago antigo, o som da água da rã

mergulhando”. Analisando o haicai descrito anteriormente, constata-se a extrema calma retratada nos versos. Apenas alguém envolvido por uma imensa paz num momento de profunda introspecção pode distinguir um “barulho de rã mergulhando num lago”. O silêncio é tamanho, bem como a conexão entre homem e natureza. A busca da essência da natureza no íntimo de todas as coisas é marcante nos haicais de Basho, bem como a tranqüilidade transmitida por ela. O haicai é para ele como o momento de iluminação durante a meditação zen que vem e surge como um insight. É um acontecimento efêmero sempre inserido na natureza infinita. A natureza é elemento característico fundamental do haicai em sua forma original. Algum dos versos apresenta sempre uma referência a uma estação do ano. Essa “palavra de estação” denomina-se kigo. Assim, existe kigo de primavera, de verão, de outono e de inverno. ____________________ 6 SAITO, Miyoko. “Haikai da Literatura Japonesa”. In: http://www.apliepar.com.br/site/anais_eple2007/artigos/23_MiyokoSaito.pdf acessado em 07/setembro/2012. Miyoko Saito é professora da Universidade Federal do Paraná e ministrou durante o XV Encontro de Professores de Línguas Estrangeiras do Paraná - EPLE a oficina “Poesia Haiku – história e experimentação”. 7 Dados do site Wikipédia, disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Per%C3%ADodo_Muromachi, acessado em 07/setembro/2012. 8 In: “Haikai”. Folder escrito por Ataualpa Antonio Pereira Filho, professor graduado em Letras com especialização em Lingüística que há quatro anos estuda o haicai.

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Para ilustrar a afirmação acima, serão citadas como exemplo algumas “palavras de estação” utilizadas no haicai: Kigos de primavera: sapo, cerejeira, borboleta, beija-flor. Kigos de verão: cigarra, girassol, arco-íris, pernilongo. Kigos de outono: maçã, libélula, campo amarelo, lua cheia. Kigos de inverno: gelo, lareira, fogueira, coelho.

No haicai de H. Masuda Goga9 transcrito abaixo é evidente a referência à primavera devido à utilização do kigo “borboletas”:

“Por sobre o gramado,

As borboletas em bando Um caixão chegando”10

Já no haicai de Delores Pires11 observa-se o kigo de outono “neblina”: “Imersa em neblina A cidade se reveste De um tom de nostalgia”12

O fato de no Japão cada estação do ano ser bem definida faz com que cada uma delas assuma características próprias sob o ponto de vista da sensibilidade do poeta. Assim, este capta as emoções que cada uma lhe transmite e as transforma em verso.

Além da presença obrigatória do elemento da natureza, o haicai

tradicional caracteriza-se por captar uma cena da realidade, como faz uma fotografia que “congela” o momento presente focando um instante específico. Esse instante da realidade retratado no haicai provoca uma reflexão sobre a vida e traz sempre uma mensagem (haimi).

Na sua forma tradicional o haicai não apresenta título nem tem obrigação com a rima e traz em seu conteúdo a sua grande característica: uma linguagem extremamente concisa. Mesmo com tanta concisão, no haicai há espaço para o contraste: se de um lado o fato do poema estar contextualizado temporalmente numa estação do ano revela permanência, de outro a percepção do momento leva à transformação e ao efêmero. Essa expressão do momento enfatizando a estação do ano traz sempre uma sensação, seja ela da visão, tato, olfato, paladar ou audição. O haicai traz dessa forma o concreto. Essa sensação produzida pelos versos pode levar a um sentimento ou a uma lembrança, mas o psicológico é despertado apenas depois do real, do físico. O concreto é a causa e o psicológico a conseqüência. _____________________ 9 Agricultor, comerciante, jornalista, escritor, pintor e poeta japonês, nascido em 1911, radicado no Brasil desde 1929. Faleceu em São Paulo no dia 28 de maio de 2008. 10 In: “Introdução ao Haicai do Grêmio Haicai Ipê Aliança Cultural Brasil-Japão”, p. 4. 11 Delores Pires nasceu em Criciúma - SC, em 1947, tendo se radicado no interior do Paraná desde menino. A partir de 1975, adotou Curitiba como sua cidade, onde se formou em Letras pela PUC. Mestre em haicai pela PUC—PR, escritor, haicaísta. Blog Passagens e Marcas, 12 In: “Introdução ao Haicai do Grêmio Haicai Ipê Aliança Cultural Brasil-Japão”, p. 5.

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A linguagem, simples, concisa e objetiva do haicai não abre espaço para excesso de adjetivos nem para a expressão do “eu” do autor. Essa poesia nasce de uma cena da natureza e o homem, quando está presente, aparece sempre vinculado a ela.

O haicai é considerado literatura do povo e, por isso, trata de temas simples e presentes na vida cotidiana. Porém, apesar de tamanha concisão e simplicidade, essa poesia, através da reflexão e da contemplação, sugere um mundo de amplitude imensa. Segundo Franchetti13: “Haicai não é síntese, no sentido de dizer o máximo com o mínimo de palavras. É antes a arte de, com o mínimo, obter o suficiente”. [grifo meu.] Esse também é objetivo do texto publicitário e, mais especificamente do slogan, como será analisado posteriormente neste trabalho. O haicai de Edson Kenji Iura14 apresentado a seguir exemplifica bem a questão dos temas do cotidiano ao unir a natureza, representada pela busca do pouso da borboleta, à rua movimentada:

“Procurando pouso Na rua movimentada Borboleta aflita”15

No que diz respeito à forma, a preocupação com o elemento visual é uma característica intrínseca à própria poesia japonesa de uma forma geral, já que o ideograma16 (ou kanji17, em japonês) que os japoneses importaram dos chineses para sua escrita na segunda metade do século XIII, funciona como uma verdadeira metáfora visual. Segundo Campos18:

_____________________ 13 Site Caqui, disponível em http://www.kakinet.com/caqui/nyumon30.htm - acessado em 13/setembro/2012. 14 Desde 1991, Edson Kenji Iura é devotado à prática do haicai como membro do Grêmio Haicai Ipê Aliança Cultural Brasil-Japão, fundado em 1987 e constituído pela reunião de pessoas com o objetivo de estudar, produzir e apreciar haicais . O autor também compõe versos encadeados (renga) como membro do Grêmio Haicai Caleidoscópio, o único grupo brasileiro dedicado a esta prática. Seleciona haicais de leitores para publicação no jornal Nippo-Brasil. Pioneiro na divulgação do haicai brasileiro na internet como editor do Caqui, primeira revista eletrônica em português exclusivamente dedicada ao assunto, fundada em 1996. Administrador do fórum eletrônico Haikai-L, o primeiro na internet dedicado ao haicai brasileiro, fundado em 1996. Jurado de concursos de haicai, entre os quais o Concurso Mundial de Haicai para crianças da Fundação Japan Airlines - JAL, o Concurso Brasileiro de Haicai Infanto-Juvenil e o Concurso do Festival das Estrelas de São Paulo. Desde 1996, participa da organização do Encontro Brasileiro de Haicai. Tem haicais publicados em antologias do Brasil e do exterior. Site Germina Literatura, disponível em http://www.germinaliteratura.com.br/haicais_abreki.htm, acessado em 13/setembro/2012. 15 In: “Introdução ao Haicai do Grêmio Haicai Ipê Aliança Cultural Brasil-Japão”, p. 13. 16 Símbolo gráfico utilizado para representar uma palavra ou conceito abstrato. Site Wikipédia, disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Ideograma, acessado em 13/setembro/2012. 17 Caracteres de origem chinesa, da época da Dinastia Han (206 a.C. até 220 d.C.). No Brasi, kanji é sinônimo de ideograma. Site Wikipédia, disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Kanji, acessado em 13/setembro/2012. 18 CAMPOS, Haroldo de. A arte no horizonte do provável. São Paulo, Perspectiva, 1969, pp. 63-64.

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“O kanji, que evoluiu de uma fase pictográfica (desenho do objeto) para uma notação extremamente sintética e estilizada, é, em si mesmo, uma verdadeira metáfora gráfica, tanto mais complexa quanto mais

‘‘abstratas’ as idéias a veicular, pois com este sistema de escrita se podem, como é óbvio, representar não apenas coisas do mundo real, como também emoções, sentimentos, etc. (daí a pertinência do termo ideograma, ou representação gráfica de idéias). O orientalista Ernest Fenollosa foi talvez o primeiro a chamar a atenção dos ocidentais para a importância do ideograma como instrumento para a poesia. Em seu The Chinese Written Character as a Medium for Poetry, escreve: ‘Neste processo de compor, duas coisas conjugadas não produzem uma terceira, mas sugerem uma relação fundamental entre ambas’ ”.

Não só na forma, mas também no conteúdo, a metáfora é uma figura de linguagem que se faz presente de forma constante no haicai. Como exemplo, pode-se citar o haicai de Olinda Marques de Azevedo abaixo: “Sutis vaga-lumes

Acendem suas luzes Baile na floresta”19

Muito tempo depois de se consolidar no Japão é que o haicai chega ao ocidente.Segundo Marsicano20, “a primeira referência do haicai no Ocidente surge em 1905 numa antologia de poesia clássica japonesa traduzida para o francês por Julian Vacance, que cinco anos depois publicaria alguns poemas desse gênero em Cent Visions de Guerre:

Sur son chariot mal graissé L’obus très haut, pas pressé Au-dessus de nous a passe”

Em português:

“Sobre seu carro rugente O obus bem alto, sem pressa Passou acima de nós”

____________________ 19 In: “Introdução ao Haicai do Grêmio Haicai Ipê Aliança Cultural Brasil-Japão”, p. 6. 20 MARSICANO, Alberto. “A trilha errante do haikai”. In: BASHO, Matsuo. Trilha estreita ao confim. São Paulo, Iluminuras, 1997, p. 67.

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1.2 – O haicai no Brasil No Brasil, foi Shuhei Uetsuka (1876-1935), considerado por seus

conterrâneos o pai da imigração japonesa, um dos primeiros japoneses a escrever haicai no Brasil.

“karetaki o / miagete tsukinu / iminsen”21

Esse é tido como o primeiro haicai escrito no Brasil em língua japonesa pelo próprio Shuhei Uetsuka.

Em português tem-se a tradução:

“A nau migrante Chegando: vê-se lá no alto A cascata seca”

É ao poeta baiano Afrânio Peixoto22, porém, que se atribui a primeira divulgação do haicai no Brasil, devido ao prefácio do seu livro Trovas Populares Brasileiras, publicado em 1919. No entanto, o primeiro livro brasileiro exclusivamente de haicais foi publicado em 1933 por Waldomiro Siqueira Júnior.

Foi Guilherme de Almeida23 um dos maiores responsáveis pela

propagação do haicai no Brasil. Em 1936, ano em que se encontrou com o cônsul japonês no Brasil, o autor começou a escrever o livro Haicais em Português. No ano seguinte publicou o artigo “Os Meus Haicais”, em que definiu o que para ele seria o haicai em português:poema de três versos com cinco, sete e cinco sílabas, com título e rimas: o primeiro verso rima com o terceiro e o segundo verso tem uma rima interna, em que a segunda sílaba rima com a sétima. Essa forma influenciou vários poetas no Brasil e consolidou uma escola que ficou conhecida como Escola Guilhermista. Os haicais abaixo de Guilherme de Almeida exemplificam o modelo que orienta os adeptos de sua escola: Velhice

“Uma folha morta Um galho no céu grisalho Fecho a minha porta”24

___________________ 21 In: “Haikai”. Folder escrito por Ataualpa Antonio Pereira Filho. 22 Júlio Afrânio Peixoto (1876 - 1947) foi um médico, político, professor, crítico literário, ensaísta, romancista, historiador brasileiro. Ocupou a Cadeira nº 7 da Academia Brasileira de Letras, onde foi eleito em 7 de maio de 1910, e a Cadeira nº 2 da Academia Brasileira de Filologia, da qual foi fundador. Site Wikipédia, disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Afr%C3%A2nio_Peixoto, acessado em 13/setembro/2012. 23 Guilherme de Andrade e Almeida (1890 - 1969) foi um advogado, jornalista,crítico de cinema,poeta, ensaísta e tradutor brasileiro. Entre outras realizações, foi o responsável pela divulgação do poema japonês haikai no Brasil. Site Wikipédia, disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Guilherme_de_Almeida, acessado em 13/setembro/2012. 24 Site Terebess Asia Online, disponível em http://www.terebess.hu/english/haiku/almeida.html - acessado em 14/setembro/2012.

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Caridade

“Desfolha-se a rosa Parece até que floresce O chão cor-de-rosa”25

Outra corrente do haicai brasileiro defende a forma tradicional do haicai,

ou seja, três versos de cinco, sete e cinco sílabas, sem título nem rima e, obrigatoriamente, contendo uma palavra que faça referência a uma estação do ano (kigo).

Há ainda a terceira corrente, que incorpora o haicai à tradição brasileira e não valoriza a métrica nem o uso do kigo. Paulo Leminski26 é um dos nomes mais representativos entre os adeptos dessa corrente e um dos grandes responsáveis pela popularização do haicai no Brasil. A seguir, alguns Haicais de Paulo Leminski:

“Hoje à noite Até as estrelas Cheiram a flor de laranjeira”27 “Duas folhas na sandália O outono Também quer andar”28

“A palmeira estremece Palmas pra ela Que ela merece”29

No Brasil, o haicai também se apropria de outros temas que fogem da relação com a natureza, como por exemplo, o humor e a crítica social. Serão apresentados a seguir alguns haicais escritos por autores de grande destaque na literatura brasileira:

___________________ 25 Site Terebess Asia Online, disponível em http://www.terebess.hu/english/haiku/almeida.html - acessado em 14/setembro/2012. 26 Paulo Leminski Filho (1944 - 1989) foi escritor, poeta, tradutor e professor brasileiro. Site Wikipédia, disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Paulo_Leminski, acessado em 14/setembro/2012. 27 Notas sobre a história do haikai no Brasil, disponível em http://paginas.terra.com.br/arte/PopBox/kamiquase/ensaio3.htm - acessado em 14/setembro/2012 28 Notas sobre a história do haikai no Brasil, disponível em http://paginas.terra.com.br/arte/PopBox/kamiquase/ensaio3.htm - acessado em 14/setembro/2012. 29 Notas sobre a história do haikai no Brasil, disponível em http://paginas.terra.com.br/arte/PopBox/kamiquase/ensaio3.htm - acessado em 14/setembro/2012

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“Gota de orvalho Na coroa dum lírio Jóia do tempo”30

(Érico Veríssimo)

“- O senhor cultiva Epigramas? - Não, só a grama de meu jardim”31 (Carlos Drummond de Andrade) “Tatalou e caiu Como onda espirralada Fragor de entrudo”32 (Guimarães Rosa) “Com pó e mistério A mulher ao espelho Retoca o adultério”33 (Millôr Fernandes)

“Tantos outonos Em uma paisagem Chuva nos pinheiros”34 (Alice Ruiz)

__________________ 30 In: “Haikai”. Folder escrito por Ataualpa Antonio Pereira Filho. 31 In: “Haikai”. Folder escrito por Ataualpa Antonio Pereira Filho. 32 In: “Haikai”. Folder escrito por Ataualpa Antonio Pereira Filho. 33 In: “Haikai”. Folder escrito por Ataualpa Antonio Pereira Filho. 34 RUIZ, Alice. Desorientais hai-kais. São Paulo, Iluminuras, 2001, p. 39.

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Além de diferenças de conteúdo encontradas quando se compara o haicai brasileiro à forma original do haicai japonês, é importante ressaltar também as diferenças que existem com relação à métrica. Enquanto no haicai japonês contam-se todas as unidades silábicas, no Brasil conta-se apenas até a última sílaba tônica da palavra final de cada verso. Além disso, no Brasil, os autores também fazem uso das licenças poéticas, como a elisão35.

O haicai abaixo de Jorge Fonseca Júnior36 será utilizado para elucidar essa questão da métrica:

“Nesta catedral, Quando arde o sol, toda tarde, Sangra este vitral”37

Conforme descrito anteriormente, a contagem silábica se dá até a última sílaba tônica das palavras finais de cada verso (apresentadas em destaque no exemplo):

Nes / ta /ca / te / dral, Quan / doar / deo / sol, / to / da / tar / de, San / graes / te / vi / tral

1.3 - O haicai e a poesia concreta no Brasil

No Brasil, essa valorização do aspecto visual e conciso do haicai influenciou fortemente o concretismo, movimento de vanguarda surgido na década de cinqüenta que envolveu as artes visuais e a música eletrônica e que deu origem também a um novo tipo de poesia denominado poesia concreta.

O Jornal do Brasil, segundo Mendonça e Sá38, publicou numa reportagem

de 1957 uma definição do que era essa então nova maneira de fazer poesia:

“... os poetas concretos rompem definitivamente com a sintaxe discursiva do verso, reivindicando para o poema uma estruturação própria e objetiva (ideograma), revitalizando na palavra sua condição de objeto e assim dela extraindo suas possibilidades plásticas e sonoras, de forma que, sem abolir o significado e atuando o espaço também como elemento funcional, surjam novos instrumentos mais positivos que concorram para a dinamização da estrutura do poema objeto...”

___________________ 35 “Junção de vogais átonas pertencentes a palavras diferentes em uma só sílaba métrica. Exemplo: tan/toa/mor”. In: “Haikai”. Folder escrito por Ataualpa Antonio Pereira Filho. 36 Nasceu em São Paulo, SP, em 1912. Faleceu em São Paulo. Formou-se pela Faculdade de Direito de São Paulo, mas não exerceu a profissão. Foi funcionário público, jornalista, professor de português, poeta, cronista e crítico. Seu interesse pelo haicai iniciou-se no ano de 1934, mas somente em 1937, convidado a integrar o Grêmio Cultural Brasileiro-Nipônico e conhecendo o haicaísta H. Masuda Goga é que se iniciou decisivamente no haicai. Site Kakinet, disponível em http://www.kakinet.com/caqui/fonsecbi.htm, acessado em 15/setembro/2008. 37 In: “Introdução ao Haicai do Grêmio Haicai Ipê Aliança Cultural Brasil-Japão”, p. 12. 38 MENDONÇA, Antônio Sérgio Lima; SÁ, Álvaro de. Poesia de Vanguarda no Brasil De Oswald de Andrade ao Poema Visual. Rio de Janeiro, Antares, 1983, p. 106.

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Assim, na poesia concreta a palavra deixa de ser apenas conteúdo para ser também forma e passa a atuar como objeto autônomo. Segundo Mendonça e Sá39, “... na poesia concreta o uso da palavra tira qualquer caráter abstrato da mesma e a presença visual das letras exige uma leitura para além da percepção imediata”.

São algumas características da poesia concreta: a união do verbal com

o nãoverbal, o fato de a palavra não ser mais só conteúdo, mas também forma, o espaço em branco do papel passar a ser incorporado ao poema, a não-linearidade, a grande valorização do aspecto visual da mensagem produzida e o estabelecimento de uma comunicação mais rápida, direta, objetiva, sintética, dinâmica e interativa. Essa concisão remete à idéia do ideograma, que utiliza apenas as palavras essenciais. A poesia concreta também é assim, não abre muito espaço para preposições, artigos e pronomes, é quase na sua totalidade uma junção de substantivo e verbo.

Concisão, valorização da forma e do sensorial, mensagem rápida, direta

e objetiva são características que fazem referência também ao haicai e que ilustram a sua influência sobre o surgimento da poesia concreta.

Os mais importantes nomes da poesia concreta são os irmãos Augusto40

e Haroldo41 de Campos e Décio Pignatari42. Porém, é Paulo Leminski, o autor que melhor estabelece a conexão entre o universo oriental zen e a abordagem tecnicista da poesia concreta e que, segundo Marsicano43, recria Basho livremente conforme se observa nos exemplos a seguir:

Exemplo 1:

“umi kurete / kamo no koe / honoka ni shiroshi” (Basho)

“O mar escurece A voz das gaivotas Quase branca” (Leminski)

____________________ 39 Idem, Ibidem, p. 102. 40 Nascido em São Paulo, em 1931, poeta, tradutor, ensaísta, crítico de literatura e música. Em 1952, com seu irmão Haroldo de Campos e Décio Pignatari, lançou a revista literária Noigandres, origem do Grupo Noigandres que iniciou o movimento internacional da Poesia Concreta no Brasil. Site UOL, disponível em http://www2.uol.com.br/augustodecampos/biografia.htm, acessado em 15/setembro/2008. 41 Nascido em São Paulo, em 1929, foi poeta e tradutor brasileiro. Faleceu em 2003. Site Wikipédia, disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Haroldo_de_Campos, acessado em 15/setembro/2008. 42 Nascido em Jundiaí, em 20 de agosto de 1927, é poeta, ensaísta e tradutor brasileiro. Desde os anos 1950, realizava experiências com a linguagem poética, incorporando recursos visuais e a fragmentação das palavras. Tais aventuras verbais culminaram no Concretismo, movimento estético que fundou junto com Augusto e Haroldo de Campos, com quem editou as revistas Noigandres e Invenção e publicou a Teoria da Poesia Concreta (1965). Site Wikipédia, disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/D%C3%A9cio_Pignatari, acessado em 15/setembro/2008. 43 MARSICANO, Alberto. “A trilha errante do haikai”. In: BASHO, Matsuo. Trilha estreita ao confim. São Paulo, Iluminuras, 1997, pp. 82-83.

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Exemplo 2:

“kare eda ni / karasu tomarikeri / aki no cure” (Basho)

“Árvore curva O vôo do corvo Inverno” (Leminski)

1.4 - Haicai: poesia ou prosa?

Após a apresentação do haicai e de uma breve passagem pela poesia concreta, torna-se necessário elucidar alguns conceitos literários com a função de complementar este estudo.

Recorre-se, então, em primeiro lugar ao próprio conceito de literatura, como arte que se caracteriza pelo uso da palavra. Assim, segundo Moisés44, “Literatura é a expressão dos conteúdos da ficção, ou da imaginação, por meio de palavras de sentido múltiplo e pessoal. Ou, mais sucintamente, Literatura é ficção”.

Inserido no amplo conceito de literatura, está o conceito de gênero

literário, que é visto por Moisés45 como:

“repetição dum molde e duma visão do mundo, seria precisamente conseqüência do esforço de expressão dum conteúdo: ao exprimi-lo, o artista dá-lhe uma forma, uma estrutura, ou melhor, descobre-lhe ao mesmo tempo a forma e a estrutura que lhe é congênita, enfim, enquadra-o num molde. Este, à custa de repetido, dá no que chamamos de gênero.”

_____________________ 44 MOISÉS, Massaud. A criação literária: introdução à problemática da literatura. São Paulo, Melhoramentos, 1970, p. 25. 45 Idem, Ibidem, p. 36.

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Ainda segundo Moisés46: “... a ser aceito o emprego rigoroso da palavra ‘gênero’ e do conteúdo

a que ela remete, somente há dois gêneros: a poesia e a prosa.” E complementa: “os gêneros seriam a expressão, a estrutura de dois modos

fundamentais de ver o mundo: o voltado para fora – a prosa - , e o voltado para dentro – a poesia –”47.

Segundo Suberville48: “A palavra ‘poesia vem do Grego poèsis, de poien: criar, no sentido de

imaginar’. ‘Os Latinos chamavam a poesia de oratio vincta: linguagem travada, ligada por regras de versificação, por oposição a oratio prorsa: linguagem direta e livre. Prorsa, tornou-se, por metátase, prosa”.

A distinção entre poesia e prosa, segundo Moisés49, não fica presa à

forma, mas sim ao conteúdo transmitido pelas palavras. Para o autor, o todo (real mais a pessoa que vê e sente) é uma expressão do “eu” + “resto”, que pode ser denominado “não-eu”. E cita ainda:

“Assim, a poesia tem por objeto o ‘eu’ (enquanto a prosa, o ‘não-eu’), vale dizer, o ‘eu’, que confere o ângulo do qual o artista ‘vê’ o mundo, se volta para si próprio. ‘Para o poeta, somente há um centro: ele’; ele apenas está atento aos liames que o relacionam com o mundo, e faz de sua subjetividade o objeto essencial de suas investigações’; ‘a atitude do poeta é pois uma atitude de debruçamento sobre si próprio, uma atitude contemplativa não sem analogia com a do filósofo. Mas o filósofo contempla idéias gerais, absolutas, infinitas. O poeta contempla idéias particulares, subjetivas e entretanto, em certo sentido, verdadeiras; (...) Em suma: ‘o objeto verdadeiro da poesia é o reino infinito do espírito’ 50.

Sucintamente, Moisés51 define então a poesia como “a expressão do ‘eu’

pela palavra metafórica”52. E diz que o poema é “o sistema harmônico de palavras (metáforas e termos de ligação) através das quais o ‘eu’ do poeta se expressa em seu conteúdo e em seu intrínseco ritmo”. Pode ser composto de dois modos: o descontínuo e o contínuo. O primeiro é “formado por linhas cortadas regularmente, que recebem o nome de versos”53 e o segundo “é formado por linhas ‘inteiras’, que ocupam a ‘mancha’ toda da página impressa”54. Este último pode ser chamado de poema em prosa ou prosa poética. _____________________ 46 Idem, Ibidem, p. 38. 47 Idem, Ibidem, p. 39. 48 SUBERVILLE, Jean. Théorie de l’Art et des Genres Littéraires. Paris, Les Éditions de l’École, 1964 apud Idem, Ibidem, p. 44. 49 MOISÉS, op.cit., p. 46. 50 BONNET, Henri. Roman et Poésie. Paris, Nizet, 1951 apud Idem, Ibidem, p.46. 51 MOISÉS, op.cit., p. 48. 52 “Metáfora é uma figura de linguagem que consiste em associar a uma palavra, característica de outra, em função de uma analogia estabelecida de forma subjetiva”. In: TUFANO, Douglas. Estudos de Língua Portuguesa: Gramática. São Paulo, Ed. Moderna, 1985, p. 281. 53 MOISÉS, op.cit., p. 51. 54 Idem, Ibidem, p. 51.

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Para definir a prosa, Moisés55 utiliza a definição de poesia e compara:

“Na poesia, como acabamos de ver, o sujeito, o ‘eu’, volta-se para dentro de si, fazendo-se ao mesmo tempo espetáculo e espectador. A prosa, todavia, inverte completamente essa equação. Com efeito, a prosa é a expressão do ‘não-eu’, do objeto. Por outras palavras: o sujeito que pensa e sente está agora dirigido para fora de si próprio, buscando seus núcleos de interesse na realidade exterior, que assim passa a gozar de autonomia em relação ao sujeito. A este, interessam agora os outros ‘eus’56 e as coisas do mundo físico, como objetos alheios cuja natureza vale a pena decifrar”.

E completa: “Portanto, a base permanece subjetivista, pessoal, pois o ‘eu’ é que

‘vê’ a realidade; a visão do mundo continua egocêntrica. Entretanto, o espetáculo mudou, os focos de atração são outros; o espetáculo passa a ser o que está fora do ‘eu’, no plano físico, e os motivos de interesse deslocam-se do ‘eu’ para o ‘não-eu’ formados dos demais ‘eus’ e da Natureza em suas diversificações várias (o mundo animal, o mineral, o vegetal)”57.

Assim como a poesia, a prosa pode ser expressa de duas maneiras: em versos (modo descontínuo) ou com suas linhas ocupando a “mancha” inteira da página (modo contínuo).

Após a apresentação dos conceitos literários, retorna-se ao haicai com o

objetivo de classificá-lo dentro de um dos gêneros literários. Observa-se que, ao mesmo tempo que a composição traz da prosa a descrição da realidade, evidenciando a natureza sem a apresentação clara do sentimentalismo do autor, traz da poesia a descrição de um momento no qual o autor não é somente espectador, mas é também aquele que sente.

Voltando ao famoso haicai de Basho, que fala do barulho da água da rã

mergulhando, o poeta não descreve ali apenas uma cena da natureza, ele expressa seu momento de calma, seu estado de imensa paz interior e, por isso, além de espectador é espetáculo, é aquele que vê e que sente. O haicai traz assim o concreto para o abstrato, o “não-eu” para o “eu”, o objeto para o sujeito, a prosa para a poesia. 57 MOISÉS, _____________________ 55 Idem, Ibidem, p. 52. 56 BONNET, op. cit., apud Idem, Ibidem, p. 52. 57 MOISÉS, op.cit., p. 52.

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Capítulo 2 O texto publicitário

Este capítulo tem como finalidade a compreensão dos objetivos do discurso publicitário. Através da explicação do conceito de persuasão, será apresentada a estrutura proposta por Aristóteles para que um texto seja persuasivo. Porém, este trabalho tem também como objetivo demonstrar que é a função poética da linguagem o elemento capaz de romper com esse esquema racional e que vai persuadir através do emocional, explorando os sentimentos sempre mantendo a eficácia da mensagem. Em seguida, serão apresentadas algumas características do discurso publicitário, os recursos persuasivos utilizados e alguns aspectos lingüísticos comuns nesse tipo de discurso. Com a finalidade de elucidar os conceitos, serão apresentados vários exemplos da aplicação dos mesmos em textos publicitários. No fim do capítulo, serão expostas as funções da linguagem e a sua utilização no texto publicitário. Será dada atenção especial à função poética devido aos objetivos deste trabalho e, no final, serão enfatizados os elementos do texto publicitário que exploram especificamente essa função. 2.1 – Publicidade e propaganda Segundo Sandmann58, o termo “propaganda foi extraído do nome Congregatio de propaganda fide, congregação criada em 1622, em Roma, e que tinha como tarefa cuidar da propagação da fé. Em tradução literal teríamos ‘Congregação da fé que deve ser propagada’ ”. De acordo com cada país, a palavra propaganda assume significados distintos:

“No inglês, por exemplo, propaganda é usado exclusivamente para a propagação de idéias, especialmente políticas, tendo muitas vezes uma conotação depreciativa, sendo que para a propaganda comercial ou de serviços se usa o termo advertising. Em alemão Propaganda é mais de idéias, sendo que se usa Reklame, empréstimo do francês, para a comercial...”59.

Ainda segundo Sandmann60, “em português publicidade é usado para a

venda de produtos ou serviços e propaganda tanto para a propagação de idéias quanto no sentido de publicidade. Propaganda é, portanto, o termo mais abrangente e que pode ser usado em todos os sentidos”. No presente trabalho serão adotados estes mesmos critérios para a utilização das nomenclaturas.

___________________ 58 SANDMANN, Antônio José. A linguagem da propaganda. São Paulo, Contexto, 2003, p. 9. 59 Idem, Ibidem, p. 10. 60 Idem, Ibidem, p. 10.

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2.2 – O objetivo e a prática do discurso publicitário Segundo Vestergaard e Schroder61, denomina-se texto o que se passa

entre os participantes do processo de comunicação, seja uma conversa, um filme, um anúncio ou um romance. E afirmam ainda que há algumas observações a serem feitas quando se estudam os textos: “o texto existe numa situação particular de comunicação; o texto é uma unidade estruturada – tem textura; o texto comunica significado”.

Isso significa que três aspectos devem ser considerados no estudo dos

textos: como estes funcionam na situação de comunicação, como estão estruturados e qual o significado que comunicam. Cada um desses aspectos será analisado separadamente.

Inicialmente será apresentada uma descrição da situação de

comunicação, que segundo Vestergaard e Schroder 62:

“envolve necessariamente pelo menos duas pessoas, aquela que fala (o emissor) e aquela a quem se fala (o receptor). No processo de comunicação, o significado é transmitido entre os dois participantes. Mas não pode ser transmitido em abstrato, tem que estar materializado em algum código (o significado de ‘pare’, por exemplo, pode ser transmitido por meio de vários códigos: um sinal rodoviário em vermelho e branco, o braço de um policial, a luz vermelha nos semáforos ou a palavra pare). Além disso, para que alguma coisa seja comunicada, o emissor e o receptor devem estar em contato um com o outro, isto é, a mensagem tem de ser comunicada através de alguma espécie de canal (na conversação, ondas de som; por escrito, letras no papel; as ondas de som podem converter-se em outras formas de ondas, como no telefone, rádio ou televisão). Por fim, todo ato de comunicação se verifica em cada situação, num contexto. Isso depende da situação em que o emissor e o receptor se acham, incluindo os acontecimentos imediatamente anteriores, embora o contexto também englobe a situação cultual mais ampla de ambos, bem como o conhecimento que tenham da situação deles e de sua cultura”.

A estruturação dos textos e o significado que eles comunicam, serão

estudados dentro do texto publicitário especificamente. Para isso, é fundamental compreender os objetivos a que esses textos se destinam.

O texto publicitário é uma construção que, em seu íntimo, se vale da

persuasão. Segundo Ferreira63, persuasão é o “ato ou efeito de persuadir”. E o autor define o verbo persuadir como: “1. levar a crer ou a aceitar. 2. Induzir, convencer. 3. Convencer. 4. Adquirir persuasão; convencer-se”. Já para Carrascoza64, convencer e persuadir possuem significados distintos. O autor estabelece assim a diferença entre ambos: __________________ 61 VESTERGAARD, Torben; SCHRODER, Kim. A linguagem da propaganda. São Paulo, Martins Fontes, 2000, p. 14. 62 Idem, Ibidem, p. 15. 63 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Minidicionário da Língua Portuguesa. São Paulo, Nova Fronteira, 1977, p. 364. 64 CARRASCOZA, João Anzanello. A evolução do texto publicitário: a associação de palavras como elemento de sedução na publicidade. São Paulo, Futura, 1999, p. 17.

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“Um discurso que deseja convencer é dirigido à razão por meio de raciocínio lógico e provas objetivas, podendo atingir um ‘auditório’ universal. O discurso que deseja persuadir tem um caráter mais ideológico, subjetivo e intemporal: busca atingir a vontade e o sentimento do interlocutor por meio de argumentos plausíveis ou verossímeis, visando obter a sua adesão, dirigindo-se assim mais para um ‘auditório’ particular65. Convencer é, pois, um esforço direcionado à mente, à Psique; persuadir é o domínio do emotivo, próprio de Vênus, deusa do amor, daí a sua proximidade com a arte da sedução”.

Assim, mais do que informar, o principal objetivo do discurso publicitário

é persuadir, chamando a atenção do público para um produto, serviço ou para uma marca.

Ainda segundo Carrascoza66, para melhor compreender o conteúdo do

discurso publicitário, recorre-se a Aristóteles67, que em sua Arte Retórica

“afirma que existem três gêneros da retórica68: o deliberativo, o judiciário e o demonstrativo, ou epidítico. No gênero deliberativo, aconselha-se ou desaconselha-se sobre uma questão de interesse particular ou público. O judiciário comporta a acusação e a defesa. O demonstrativo abrange o elogio e a censura. E cada um deles tem por objeto uma parte do tempo que lhe é próprio69. Deliberativo – futuro – delibera aconselhando ou desaconselhando para uma ação futura. Judiciário – passado – a acusação ou a defesa incide sobre fatos pretéritos. Demonstrativo – presente – para louvar ou censurar, sempre se leva em conta o estado atual das coisas”.

Daí conclui-se que, segundo a classificação de Aristóteles, o discurso

publicitário é basicamente deliberativo, já que o mesmo induz o público a ser favorável a determinado produto, serviço ou marca após serem-lhe apresentados atributos e benefícios dos mesmos, com o objetivo de levar uma ação futura: o consumo. Com relação à estruturação, recorre-se novamente a Aristóteles que divide a estrutura do texto em quatro partes para que se possa ter uma unidade final coerente: ___________________ 65 Distinção feita por Chain Perelman em La nouvelle rhétorique. Traité de l’argmentation, apud KOCH, Ingedore G. Villaça. Argumentação e linguagem, São Paulo, Cortez, 1987, p. 20, apud Idem, Ibidem, p.17. 66 Idem, Ibidem, pp. 25-26. 67 Nasceu em Estagira, na Calcídica (384 a.C. - 322 a.C.). Filósofo grego, aluno de Platão e professor de Alexandre, o Grande, é considerado um dos maiores pensadores de todos os tempos e criador do pensamento lógico. Está entre os mais influentes filósofos gregos, junto com Sócrates e Platão, que transformaram a filosofia pré-socrática, construindo um dos principais fundamentos da filosofia ocidental. Aristóteles prestou contribuições fundantes em diversas áreas do conhecimento humano, destacando-se: ética, política, física, metafísica, lógica, psicologia, poesia, retórica, zoologia, biologia, história natural. É considerado por muitos o filósofo que mais influenciou o pensamento ocidental. Por ter estudado uma variada gama de assuntos, e por ter sido também um discípulo que em muito sentidos ultrapassou seu mestre, Platão, é conhecido também como O Filósofo. Aristóteles também foi chamado de o estagirita, por sua terra natal. Site Wikipédia, disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Arist%C3%B3teles, acessado em 21/setembro/2012. 68 Retórica “é a arte de persuadir, de convencer e de levar à ação por meio da palavra.” In: SANDMANN, op.cit., p. 12. 69 ARISTÓTELES. Arte retórica e arte poética, apud CARRASCOZA, op. cit., 1999, p. 25.

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“Exórdio: é a introdução, quando se sinaliza qual assunto será abordado, visando assim captar de saída o interesse do interlocutor. Narração: consiste na parte do discurso em que se apresentam os fatos, atribuindo-lhes importância. Provas: associadas aos fatos, devem ser demonstrativas e, embora o discurso deliberativo aconselhe para uma conduta futura, pode-se tirar exemplos do passado, ressaltando aquilo que deu certo ou não.

Peroração: é o epílogo, em que se unem os pontos principais das três

fases anteriores. Compõe-se de quatro partes: a primeira busca predispor o interlocutor a nosso favor; a segunda amplia ou atenua o que foi dito; a terceira deve excitar a paixão do interlocutor; a quarta recapitula e o coloca na posição de realmente julgar”70.

É importante ressaltar que apesar de modelos teóricos, o discurso

publicitário não se limita a fórmulas nem se prende a regras, podendo se apresentar da melhor maneira julgada para atender aos objetivos a que se presta. Isso se verifica, por exemplo, com a utilização da função poética da linguagem nos textos publicitários, conforme será visto adiante. A poesia rompe esse esquema racional proposto por Aristóteles e persuade explorando os sentimentos, imprimindo assim uma nova personalidade ao texto publicitário.

2.3 – Características do texto publicitário Com o objetivo de se definir um padrão estilístico para o texto publicitário

contemporâneo, serão apresentadas algumas características que servem de base para a construção do discurso deliberativo da publicidade. Além da estrutura baseada no modelo de Aristóteles citada anteriormente, em que o texto seria composto por exórdio, narração, provas e peroração, Carrascoza71 afirma que há uma série de outras características que contribuem para definir um estilo para o texto publicitário. A primeira delas é a unidade, garantida ao se manter a atenção do receptor da mensagem em um só assunto relacionado ao tema central. Isso não quer dizer que as informações sejam restritas, mas sim que estas devem ser trabalhadas com um único objetivo e convergindo para um mesmo fim, no caso, incitar ao ato do consumo. O texto publicitário deve ter também uma estrutura circular. Isso quer dizer que no fim, deve-se retornar ao início, fechado assim o círculo de informações. Dessa maneira, o receptor fica impossibilitado de tirar suas próprias conclusões, cabendo somente ao texto a tarefa de lhe dizer o que deve ou não ser feito. Essa é uma característica fundamental do texto persuasivo. ___________________ 70 ARISTÓTELES. Arte retórica e arte poética, apud CARRASCOZA, João Anzanello. Redação Publicitária – Estudos sobre a Retórica do Consumo. São Paulo, Futura, 2003, p. 39. 71 CARRASCOZA, op. cit., 1999, p.31.

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Abaixo será apresentado o texto de um anúncio de revista da marca Wella (veja anúncio completo na figura 1 dos anexos) para exemplificar a estrutura em quatro etapas e a circularidade do texto publicitário:

“Cabeça não foi feita só para pensar. Raciocínios brilhantes e idéias geniais ficam mais interessantes quando

vindos de uma cabeça emoldurada por um belo cabelo. É por isso, para valorizar ainda mais a inteligência das mulheres que a Wella está lançando Soft Color. Soft Color não étintura. É uma coloração suave, mas de duração prolongada, que cobre os fios brancos e deixa seu cabelo com a cor mais bonita que ele poderia ter. Isso porque a fórmula exclusiva de Soft Color respeita as características naturais do cabelo. Além disso, Soft Color não contém amoníaco. Quer dizer: não tem aquele cheiro forte, típico de tinturas. É soft até na hora de aplicar. E as cores são especiais, agradam tanto a quem quer um tom mais próximo possível do original como a quem quer mudar para uma cor da moda. Experimente Soft Color da Wella. Você vai ficar mais bonita até em pensamento”72.

Observa-se que o exórdio é a introdução ao assunto que vai ser tratado, captando através do título “cabeça não foi feita só para pensar” a atenção do leitor. A narração, que tem início em “raciocínios brilhantes” e termina em “cor mais bonita que ele poderia ter”, apresenta os assuntos beleza dos cabelos e inteligência da mulher que usa Soft Color. A seguir, o texto apresenta as provas, ou seja, demonstra os atributos do produto. Essa etapa compreende o trecho que começa em “isso porque” e termina em “cor da moda”. E, por fim, vem a peroração, que propõe a utilização do produto em “experimente Soft Color da Wella” e sintetiza todos os argumentos do anúncio com a frase “você vai ficar mais bonita até em pensamento”, retomando assim a idéia que foi aberta no título. O cuidado na escolha lexical, ou seja, na escolha das palavras também é característica fundamental para que o texto publicitário alcance sua proposta. A rigorosa seleção das palavras é decisiva para que estas provoquem as reações emotivas desejadas no receptor.

Importante aspecto a ser estudado no texto publicitário é a utilização das figuras de linguagem que, segundo Tufano73, desempenham a tarefa de tornar a linguagem mais expressiva, através do uso da palavra de modo diferente do convencional. Essas construções especiais se dividem de acordo com o nível em que atuam em: figuras de sintaxe (ou de construção frasal), figuras de palavras (ou tropos) e figuras de pensamento. Para Sandmann74, “as figuras de linguagem são formas de expressão que fogem da linguagem comum, emprestando à mensagem maior vivacidade, vigor e criatividade, dependendo esta última qualidade naturalmente da maior ou menor originalidade”. _________________ 72 Publicado na revista Veja, 1994. Reproduzido em Idem, Ibidem, p. 28. 73 TUFANO, op. cit., p. 275. 74 SANDMANN, op. cit., p. 85

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O discurso publicitário é rico em figuras de linguagem. O presente trabalho, porém, limitar-se-á a analisar e exemplificar a utilização de três delas que ocorrem com maior freqüência: a metáfora, a metonímia e a personificação.

A metáfora, figura de palavra que associa características de uma palavra

a outra, é a figura de linguagem mais utilizada no discurso publicitário. No texto da Wella apresentado anteriormente, um exemplo de metáfora está na peroração “você vai ficar bonita até em pensamento”. São vastos os exemplos da utilização da metáfora no discurso publicitário. Seguem alguns deles:

“Não costure no trânsito” (texto de outdoor da Singer)75. “Quem disse que o problema dos aposentados não tem remédio?” (outdoor da Drogamed – Drogaria e Perfumaria)76. “Câncer de mama. A cura pode estar em suas mãos” (Ministério da Saúde)77. “Liberdade é uma calça velha, azul e desbotada” (Jeans US-Top)78.

“Cuide bem do seu pai. Ele não tem cópia” (campanha de Dia dos Pais da Xerox)79. “Felizmente, nem tudo acaba em pizza” (campanha da churrascaria Esplanada Grill)80. “Você pode mudar a sua vida do vinho pra água” (Alcoólicos Anônimos)81. “Prove que o capitalismo é selvagem. Invista no meio ambiente”82 (Fundação OndAzul83).

A metonímia, assim como a metáfora, também é definida como figura de palavra. Segundo Tufano84, “ocorre a metonímia quando, em vista de uma relação de contigüidade ou de afinidade, uma palavra é empregada em lugar de outra”. Para Carrascoza85, a publicidade é construída por um processo de associação que envolve idéias e palavras. Abaixo serão apresentados dois exemplos da utilização da metonímia em textos publicitários: ___________________ 75 Idem, Ibidem, p. 86. 76 Idem, Ibidem, p. 87. 77 Idem, Ibidem, p. 87. 78TRAJAN, Ercílio. É só propaganda. São Paulo, M. Books do Brasil Editora, 2007, p. 2. 79 Idem, Ibidem, p. 7. 80 Idem, Ibidem, p. 28. 81 Idem, Ibidem, p. 31. 82 Idem, Ibidem, p. 73. 83 Organização da Sociedade Civil de Interesse Público – OSCIP que nasceu em 1990 com a missão de promover e participar de ações visando a preservação, conservação e a otimização do uso sustentado das águas brasileiras e ecossistemas associados. Site OndAzul, disponível em http://www.ondazul.org.br/sec_quem.php, acessado em 22/setembro/2012. 84 TUFANO, op.cit., p. 282. 85 CARRASCOZA, op.cit., 2003, p. 15.

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“Homenagem da Yashica ao primeiro sorriso que você conheceu” (campanha de Dia das Mães da Yashica)86. Nesse caso, a parte (sorriso) substitui o todo (pessoa). “Aperte que o sabor aparece. Hellmanns, a verdadeira mayonnaise” (outdoor da Hellmanns)87. O concreto (molho) está sendo substituído pelo abstrato (sabor).

Já a personificação, também chamada prosopopéia, é uma figura de pensamento, que segundo Tufano88, “consiste em atribuir características humanas ou em dar vida e ação a seres inanimados e irracionais”.

Exemplos de aplicação na publicidade:

“Não existe terra cansada onde existir um homem que acredite nela” (Banco Real)89. “O lugar onde o Brasil nasceu está morrendo” (Campanha da Prefeitura de Salvador para a preservação do Pelourinho)90.

“A propaganda é feita para atingir o consumidor. Mas não vale dedo no olho, mordida, ou chute abaixo da cintura” (Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária – Conar)91.

“O fusca morreu. Que Deus o tenha, mesmo porque de resto todo mundo já teve” (Recreio Veículos)92.

No texto publicitário, tão freqüente quanto o uso das figuras de

linguagem é a utilização de recursos persuasivos. Serão analisados neste trabalho o uso de estereótipos, a substituição de nomes, a criação de inimigos, o apelo à autoridade, a afirmação e repetição, manipulção e a rede semântica.

Segundo Carrascoza93, os estereótipos são as fórmulas já consagradas,

tanto no que se refere ao código visual quanto ao lingüístico. São modelos tidos como verdades absolutas e, por isso, aceitos sem questionamento sobre seu conteúdo. Exemplos de estereótipos no anúncio da Wella apresentado anteriormente são a imagem da mulher bonita e inteligente associando essas características ao uso do produto (plano visual) e o uso de expressões-clichês como “raciocínios brilhantes” e “idéias geniais” (plano verbal). É comum a veiculação de campanhas que utilizam o estereótipo da família feliz reunida ao redor da mesa compartilhando refeições idealizadas. Essa cena descrita é muito comum em comercias de margarinas. _____________________ 86 SANDMANN, op.cit., p. 88. 87 Idem, Ibidem, p. 86. 88 TUFANO, op. cit., p. 287. 89 TRAJAN, op.cit., p. 8. 90 Idem, Ibidem, p. 24. 91 Idem, Ibidem, p. 56. 92 Idem, Ibidem, p. 67. 93 CARRASCOZA, op. cit., 1999, p.41.

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A substituição de nomes também é um recurso persuasivo muito utilizado no discurso publicitário e que está intimamente ligado à escolha lexical mencionada anteriormente. Uma figura de pensamento muito utilizada nesse recurso é o eufemismo, que segundo Tufano94, é definido como a substituição de um termo por outro “que atenue ou evite a expressão direta de uma idéia desagradável ou grosseira”. Palavras são escolhidas para influenciar positivamente ou negativamente o receptor em relação a um determinado assunto, conforme o propósito do texto. Exemplos: um discurso neutro utilizaria o nome Estados Unidos para denominar o país. Com a finalidade de obter uma reação positiva, seria utilizada a expressão grande nação americana e, para produzir carga negativa, poderia ser utilizado o termo império. Capitalismo pode ser substituído por livre iniciativa, anos por primavera, favela por comunidade, etc. A criação de inimigos é outro elemento argumentativo muito utilizado no texto publicitário. É comum se ter nesse discurso um adversário a combater. Assim, determinado produto passa a ser aliado do público no combate ao opositor. Em campanhas de detergentes a sujeira é tratada como o inimigo a ser combatido, a dor de cabeça é o inimigo a ser combatido pelos analgésicos e, no anúncio da Wella analisado, as tinturas comuns que contêm amoníaco são os inimigos dos cabelos femininos.

Outro recurso de persuasão consiste em associar a mensagem a uma

autoridade, ou seja, a um especialista no assunto ou a alguém de destaque no meio artístico ou esportivo. Com seus testemunhos favoráveis esses profissionais validam o que está sendo afirmado, tornando a mensagem mais crível e verdadeira. Em comerciais é comum médicos falando de remédios, dentistas indicando escovas de dente, atletas sugerindo complexos vitamínicos e artistas de cinema e televisão anunciando uma infinidade dos mais variados produtos.

Na persuasão, o uso de frases afirmativas é fundamental para que o texto provoque os efeitos desejados no receptor. Esse tipo de construção textual aliado ao uso da repetição contribui significativamente para formar no público a idéia que se deseja a respeito de determinado produto. Segundo Carrascoza95:

“A propaganda não pode dar margem a dúvidas; a meta é aconselhar o destinatário e conquistar a sua adesão, daí as frases afirmativas e o uso do imperativo na peroração (‘abra sua conta’, ‘beba Coca-Cola’, ‘ligue já’ etc.). A repetição objetiva minar a opinião contrária do receptor por meio de reiteração. É possível encontrá-la não apenas na construção frasal, sobretudo nos slogans que são insistentemente repetidos (quer na forma verbal quer na escrita) junto à marca do produto, mas também nas diversas inserções da peça publicitária nos veículos conforme seu plano de mídia”.

___________________ 94 TUFANO, op.cit., p. 287. 95 CARRASCOZA, op. cit., 1999, p. 44.

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No anúncio da Wella observa-se claramente o uso desses elementos nas frases: “é uma coloração suave, mas de duração prolongada, que cobre os fios brancos e deixa seu cabelo com a cor mais bonita que ele poderia ter”, “respeita as características naturais do cabelo”, “é soft até na hora de aplicar”, “as cores são especiais”, “Experimente Soft Color da Wella. Você vai ficar mais bonita até em pensamento”. Além das frases afirmativas e imperativas, é visível o uso da repetição, já que o nome do produto é mencionado cinco vezes no texto.

A manipulação é um recurso persuasivo que causa polêmica quando mencionado, pelo menos com esse nome, na publicidade, pois acredita-se que a mesma só atue no plano do subconsciente. Mas segundo Carrascoza96: “Há também o uso evidente da manipulação, compreendida aqui não

como algo maquiavélico, mas parte da dinâmica do aconselhamento, do esforço legítimo do emissor convencer o destinatário da mensagem, como um pai que deseja orientar o filho para o que lhe pareça ser o caminho certo”.

O autor97 cita e explica cada um dos quatro tipos mais usuais do que afirma ser a manipulação no discurso deliberativo: “Tentação (na qual o emissor propõe uma recompensa para que o

manipulado faça alguma coisa), a intimidação (em que o manipulador busca persuadir o manipulado a uma ação por meio de uma ameaça), a sedução (na qual o manipulador evoca as qualidades do manipulado a fim de convencê-lo) e a provocação (no qual o manipulador julga negativamente a competência do manipulado)”.

Dos tipos citados acima, observa-se no anúncio da Wella a tentação na frase “Experimente Soft Color da Wella. Você vai ficar mais bonita até em pensamento” e a sedução nas expressões “raciocínios brilhantes e idéias geniais ficam mais interessantes quando vindos de uma cabeça emoldurada por um belo cabelo”, “valorizar ainda mais a inteligência das mulheres” e “a fórmula exclusiva de Soft Color respeita as características naturais do cabelo”. O último recurso persuasivo a ser abordado é a rede semântica. É a este procedimento que Carrascoza98 dá destaque e denomina como “o algo mais”. Essa rede é formada pela associação de palavras com palavras e de palavras com idéias. A partir de uma palavra, convergem para ela diversos termos seja pela associação de seu radical99 (ensinamento, ensinar, etc.), do seu sufixo100 (ensinamento, argumento, etc.), da imagem acústica101 (ensinamento, elemento, etc.) ou pela analogia dos significados (ensinamento, educação, aprendizagem, etc.). É justamente essa analogia o “algo mais”. Para exemplificar Carrascoza102 ainda cita: ______________________ 96 CARRASCOZA, op. cit., 2003, p. 50. 97 Idem, Ibidem, p. 51. 98 CARRASCOZA, op. cit., 1999, p.51. 99 É o elemento constante das palavras, impossível de ser decomposto em unidades menores e que garante o significado dos termos. In: TUFANO, op.cit., p. 38. 100 É o elemento de valor gramatical posposto ao radical que se junta a ele modificando-lhe o significado ou a função. In: TUFANO, op.cit., p. 38. 101 É o significante, o aspecto concreto da palavra, seu conjunto sonoro. In: CARRASCOZA, op. cit., 1999, p. 50. 102 Idem, Ibidem, p. 52.

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“Em torno da palavra espetáculo, por exemplo, tema de um anúncio, orbitam outras que fazem parte de seu universo semântico (palco, cena, platéia, ato, show, etc.). A transposição dessas palavras do plano mental para o plano do discurso resulta num método construtivo a que se costuma chamar em literatura ‘palavra-puxa-palavra’. Evidentemente, um texto todo elaborado com palavras análogas ao significado de um paradigma – a palavra geradora (...) -, objetiva torná-lo atraente e mais facilmente memorizável para o leitor”.

A partir desse conceito observa-se que o anúncio da Wella analisado

constitui um rico exemplo desse recurso persuasivo. A partir do paradigma (palavra núcleo) “cabeça”, a rede semântica formada por palavras relacionadas ao seu significado é composta por: “pensar”, “raciocínios”, “idéias”, “cabelo”, “inteligência”, “pensamento”.

Além dos recursos persuasivos, outros aspectos lingüísticos são característicos do texto publicitário. Um desses aspectos é a adoção da linguagem coloquial, cotidiana, em quase a totalidade dos textos publicitários, às vezes até utilizando gírias, como no anúncio da revista Boa Forma: “Boa Forma. A melhor forma de viver numa boa”103.

Empréstimos lingüísticos viciosos também ocorrem na linguagem publicitária. Um deles é o estrangeirismo que, segundo Tufano104, “consiste no emprego indevido de termos e construções estrangeiras que tornam o estilo afetado e artificial”. Um exemplo desse emprego no texto publicitário é o anúncio da Fotóptica: “Fotóptica é soft no atendimento e não é hard no pagamento”105.

No aspecto ortográfico também são utilizados recursos com o objetivo

de obter “efeitos expressionais especiais”106, conforme os seguintes exemplos:

“As praias e sua Honda esperam por você” (Honda)107.

“Olhe bem: É tinta fresca ou tynta fresca? Um rolo com tinta não é um rolo com tynta. Na hora de escolher a tinta, escolha a única tinta que contém Y. Tintas Ypiranga. As únicas que contêm Y” (Ypiranga)108.

___________________ 103 SANDMANN, op.cit., p. 49. 104 TUFANO, op. cit., p. 293. 105 SANDMANN, op.cit., p. 51. 106 Idem, Ibidem, p. 53. 107 Idem, Ibidem, p. 54. 108 Idem, Ibidem, p. 55.

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. No que se refere aos aspectos fonológicos109, também é freqüente no discurso publicitário o uso de procedimentos que visam captar a atenção do receptor para o conteúdo da mensagem, despertando prazer estético. Um desses recursos é a rima, que segundo Sandmann110, consiste na “repetição de um som, melhor, de sílaba ou sílabas, é fenômeno que pode estar no final de versos mas também no meio de verso, frase ou período”. O anúncio da Philips a seguir exemplifica a utilização da rima: “Philips. Dá o tom em matéria de som”111. Há também a preocupação do ritmo, “entendido como a sucessão regular de tempos fortes e fracos ou de sílabas fortes e fracas, o ritmo pode estar e muitas vezes está associado com a rima em textos de propaganda”112, como se observa no texto do anúncio dos calçados Fibra: “Complemento indispensável para um inverno inesquecível”113. Além da rima, que é a repetição de sons, a aliteração, que é a “repetição de fonema(s) no início, meio ou fim de vocábulos próximos (...)”114, também é muito utilizada na construção dos textos publicitários, como mostram anúncio da revista Moda Moldes: “Moda Moldes. Tudo na moda. Tudo com moldes. A moda que você faz e usa”115. Pode-se se destacar ainda a paronomásia como outro elemento utilizado nesse jogo com os sons, com a parte acústica da palavra, com o significante. Nesse caso, não há repetição de sons nem de fonemas, o que há é a “confrontação semântica de palavras similares do ponto de vista fônico, independente de toda conexão etmológica”116, conforme exemplificam, respectivamente, os anúncios das Lojas Americanas e da Folha de S. Paulo: “O importante é comparar antes de comprar”117; “Veja como o respeito ao leitor se transformou em respeito ao eleitor”118. No que se refere à morfologia, que segundo Ferreira119, é o estudo do aspecto formal das palavras, observa-se que alguns aspectos de caráter morfológico são utilizados na construção dos textos publicitários, como: o jogo com a palavra complexa120, a repetição de prefixos121, a sufixação com morfemas122 de grau e o cruzamento vocabular123. Serão apresentados abaixo, um exemplo de cada um na respectiva ordem em que foram citados no texto: _____________________ 109 “Fonologia: estudo dos sons da linguagem”. In: FERREIRA, op. cit., p. 226. 110 SANDMANN, op.cit., p. 57. 111 Idem, Ibidem, p. 57. 112 Idem, Ibidem, p. 58. 113 Idem, Ibidem, p. 58. 114 FERREIRA apud Idem, Ibidem, p. 59. 115 Idem, Ibidem, p. 59. 116 JACOBSON apud Idem, Ibidem, p. 60. 117 Idem, Ibidem, p. 60. 118 Idem, Ibidem, p. 60. 119 FERREIRA, op. cit., p. 323. 120 “Palavra complexa é a palavra formada por mais de um morfema lexical”. In: SANDMANN, op. cit., p. 62. 121 Prefixo é o elemento de valor gramatical anteposto ao radical que se junta a ele modificando-lhe o significado ou a função. In: TUFANO, op.cit., p. 38. 122 Morfema é a mínima unidade da palavra dotada de significação. In: Idem, Ibidem, p. 38. 123 Tipo de composição em que palavras são unidas para formar uma nova unidade. In: SANDMANN, op. cit., p. 65.

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“Se você quer saber se a União Soviética vai virar Desunião Soviética, assine a Folha” (Folha de S. Paulo)124.

“Ela é multidata, multidia, multinoite, multieletrônica. Poupança Multidata Itaú” (Itaú)125.

“Jogar num esquema desse, só a seleção philipina” (Philips na ocasião da Copa do Mundo de Futebol da Itália)126.

“Só existe uma coisa mais bonita que um sutiã Triumph. Outro sutiã Triumph. Triumph, o showtiã” (Triumph)127.

Analisando os aspectos síntáticos128 dos textos publicitários, observa-se que estes se utilizam com freqüência de recursos dessa natureza visando alcançar seu objetivo maior, no caso, levar o público receptor ao consumo. O paralelismo, a simetria e combinações estilísticas são muito utilizadas para tal finalidade.

Segundo Sandmann129, “entende-se por paralelismo um esquema formal

em que temos a repetição próxima da mesma estrutura sintática ou de seqüência de unidades sintáticas”, como ocorre no seguinte anúncio da Ted Lapidus, loja de roupa masculina: “Descontraído o suficiente para sair do padrão. Inteligente o bastante para seguir a tendência”130.

A simetria ocorre quando “os mesmos elementos se posicionam como em espelho”131, ou seja, palavras já citadas se repetem em ordem inversa. É o que ocorre no seguinte anúncio da Folha: “Classifolha. O jornal que mais vende tem os classificados que vendem mais”132.

As combinações estilísticas são definidas por Sandmann133 como “combinações de unidades lingüísticas que fogem do que é normalmente praticado pelos usuários da língua portuguesa, especialmente na modalidade dita padrão”. Por serem, em certo sentido, desvios da norma, apresentam uma grande força comunicativa e conseguem impactar o receptor prendendo a sua atenção. Os exemplos abaixo retratam esse recurso lingüístico do texto publicitário:

“Citiconta cruzeiros. Agora é render ou render” (Citibank)134.

“A VR faz paletós, camisas, gravatas, calças e ciúmes” (VR Alfaiates)135.

____________________ 124 SANDMANN, op. cit., p. 63. 125 Idem, Ibidem, p. 63. 126 Idem, Ibidem, p. 65. 127 Idem, Ibidem, p. 66. 128 “Sintaxe é a parte da gramática que estuda a disposição das palavras na frase e a das frases no discurso”. In: FERREIRA, op. cit., p. 443. 129 SANDMANN, op. cit., p. 70. 130 Idem, Ibidem, p. 70. 131 Idem, Ibidem, p. 71. 132 Idem, Ibidem, p. 71. 133 Idem, Ibidem, p. 71. 134 Idem, Ibidem, p. 73. 135 Idem, Ibidem, p. 73.

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Com relação aos aspectos semânticos136, Sandmann137 analisa:

“Se a clareza, o significar ou dar a entender apenas uma coisa é um ideal primeiro da linguagem técnica ou científica – de uma petição jurídica ou de um requerimento, por exemplo -, o mesmo não é um desiderato da linguagem poética ou da linguagem da propaganda. Em outros termos, se um texto técnico tem como ideal a monossemia, ser monossêmico, o texto de propaganda dá-se muito bem ou atinge muito bem sua finalidade, se contiver polissemia, se for polissêmico, se explorar a homonímia ou se contiver ambigüidades”.

Na polissemia, segundo Sandmann138, vários significados aparentados

correspondem a um significante, como ocorre no anúncio da Vasp: “Venha inaugurar o primeiro vôo regular da Vasp para Buenos Aires. E descubra que ele não é só regular. Ele é ótimo”139. Já na homonímia, a um significante correspondem mais significados não-aparentados, conforme anúncio da Fiat: “Nem todo carro zero é um carro novo. Este é um carro novo”140.

Outra característica do discurso publicitário é o constante uso da conotação. Ao contrário da denotação, que ocorre quando uma palavra é utilizada em seu significado objetivo e concreto, a conotação empresta sentido subjetivo à palavra, enchendo-a de emocionalidade. O seguinte anúncio do absorvente O.b.*, ilustra a aplicação do texto conotativo na publicidade: “O.b.*Meu pequeno grande absorvente”141.

Idéias antagônicas também são utilizadas freqüentemente no discurso deliberativo da publicidade. O recurso lingüístico que trabalha com essa oposição é denominado antonímia e é encontrado em vários anúncios, como demonstram os exemplos a seguir: “Os novos leves Mercedes Benz que pegam no pesado” (Mercedes Benz)142; “Acredite. Ainda existe muita coisa séria neste país. Mesbla. O brinquedo levado a sério” (Mesbla)143. No texto publicitário é comum também a utilização do trocadilho144 e da frase feita145. Ambos têm como objetivo entreter o receptor envolvendo-o. São exemplos do uso de trocadilhos na publicidade: “Credite no Brasil” (Bamerindus)146; “O interior de São Paulo tem uma importância capital para a Folha” (Folha de S. Paulo)147. Como exemplos do uso da frase feita pode-se citar: “O Bradesco te ensina a fazer renda” (Bradesco)148; “Leve de uma vez e pague em duas” (Arapuã)149. _________________ 136 “Semântica é o estudo das mudanças ou translações sofridas, no tempo e no espaço, pela significação das palavras”. In: FERREIRA, op. cit., p. 436. 137 SANDMANN, op.cit., p. 74. 138 Idem, Ibidem, p. 75. 139 Idem, Ibidem, p. 76. 140 Idem, Ibidem, p. 76. 141 Idem, Ibidem, p. 77. 142 Idem, Ibidem, p. 78. 143 Idem, Ibidem, p. 78. 144 “Jogo de palavras parecidas no som e que dão margem a equívocos”. In: FERREIRA, op. cit., p. 481. 145 “Seqüência fixa menor ou maior de palavras, formando uma unidade sintática consagrada pelo uso. In: SANDMANN, op.cit., p. 92. 146 Idem, Ibidem, p. 91. 147 Idem, Ibidem, p. 92. 148 Idem, Ibidem, p. 93. 149 Idem, Ibidem, p. 93.

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As características e os recursos lingüísticos mencionados têm como finalidade aliar eficácia à persuasão de maneira criativa, fazendo com que a mensagem cumpra seu objetivo. Entretanto, há na publicidade o que é denominado “lugar-comum”, ou seja, a utilização de clichês para transmitir a mensagem. São fórmulas muito utilizadas que aliam persuasão e eficácia, mas pecam na criatividade. São exemplos de clichês expressões como: “leve agora e só pague depois”150; “tudo sem entrada”151 e “as melhores marcas pelos menores preços”152.

2.4 – As funções da linguagem e o texto publicitário Segundo Jacobson153, são seis as funções da linguagem, e podem existir

ao mesmo tempo na mesma mensagem, porém há sempre a predominância de uma delas. As funções da linguagem são definidas da seguinte forma:

“Referencial: a mensagem denota coisas reais, deixa de lado o emissor e o receptor, focalizando o objeto, o contexto (p. ex., ‘Este é um livro’).

Emotiva: o emissor fala de si mesmo, dá vazão aos seus sentimentos, usa pronome em primeira pessoa (p. ex., ‘Estou escrevendo agora!’).

Conativa ou imperativa: o ato comunicativo externa forte apelo ao receptor, representa uma ordem (p. ex., ‘Continue lendo’).

Fática: o enunciado finge despertar emoções, mas em verdade

pretende verificar se o contato com o interlocutor está vivo, se o canal de comunicação está operando (p. ex., as saudações, ou cumprimentos). Metalingüística: a mensagem elege outra mensagem para seu objeto (p. ex., ‘A palavra ‘oi’ é um exemplo de função fática’). Estética ou poética: a mensagem está estruturada de modo ambíguo e pretende atrair a atenção do destinatário especialmente para a sua própria forma (p. ex., ‘Viva a vida!’)”.

O texto publicitário permite a utilização de todas as funções, porém, por sua natureza persuasiva, é a função conativa que predomina. A freqüência de utilização das frases afirmativas e imperativas no discurso deliberativo da publicidade confirma essa afirmação. Como exemplo da função conativa na publicidade, pode-se citar o anúncio dos colchões Castor: “Não durma no volante. Durma no colchão Castor. Para viajar use cinto. Para descansar use colchão Castor”154.

Devido aos objetivos deste trabalho, será dada maior relevância à função poética do texto. É sobre essa função que Vestergaard e Schroder155 afirmam:

______________________ 150 Idem, Ibidem, p. 94. 151 Idem, Ibidem, p. 94. 152 Idem, Ibidem, p. 95. 153 JACOBSON apud CARRASCOZA, op. cit., 1999, p. 38. 154 SANDMANN, op. cit., p. 28. 155 VESTERGAARD e SCHRODER, op. cit., p. 16.

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“A função poética está voltada ao mesmo tempo para o código e para o significado: o código é empregado de forma especial, a fim de comunicar um significado que, de outra maneira, não seria objeto de comunicação. Naturalmente, o uso ‘poético’ especial do código fica mais evidente quando se recorre a instrumentos poéticos consagrados, como rima, ritmo e metáforas, mas não é preciso que eles estejam presentes para que a linguagem tenha essa característica”.

Além da rima, do ritmo e das metáforas, o emprego da aliteração, da

paronomásia (veja pág. 40), do jogo com a frase feita e os jogos de palavras, também constituem exemplos da presença da função poética no texto publicitário. Segundo Carrascoza156, essa função “é explorada, primordial e exaustivamente na construção do slogan”, como será analisado no capítulo seguinte. _____________________. 156 CARRASCOZA, op. cit., 1999, p. 41.

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Capítulo 3 A poesia e a publicidade: o haicai e o

Slogan Neste capítulo será apresentada a estreita relação entre a poesia e a publicidade, mostrando que não há limites entre as duas áreas. A transcrição de vários textos servirá para embasar os argumentos e para complementar o estudo.

Em seguida, as características do haicai serão levadas para o universo

da publicidade e será verificado que o slogan exerce a sua função da mesma forma que o haicai, utilizando-se de poesia na persuasão.

Com uma breve passagem pela evolução histórica do slogan, será demonstrado que na geração atual, em que esse elemento está ligado ao branding, a poesia passa a ser fundamental para persuadir e fazer com que a publicidade cumpra o objetivo de criar a identificação entre o público e as marcas/produtos levando, assim, esse público ao consumo.

Por fim, o estudo fará uma aproximação entre o haicai e o slogan, mostrando quais os elementos que entrelaçam essas duas formas de linguagem e em que aspectos elas convergem e divergem.

3.1 – A poesia na publicidade Desde meados do século XIX, a poesia e a publicidade mantêm uma

sólida e íntima relação. Ora os poetas colocam seu talento a serviço da publicidade, ora descrevem aspectos da publicidade em seus poemas. Segundo Carrascoza157:

“Os escritores, os primeiros free-lancers da publicidade brasileira, são chamados para redigir anúncios por encomenda e, desta forma, inserem as figuras retóricas nos anúncios, sobretudo a rima, que facilitava a memorização por parte do público, na maioria semianalfabeto ou analfabeto”.

E cita ainda que “a utilização de versos sempre foi uma das características da nossa propaganda, e coube àqueles que conheciam as técnicas poéticas criar as primeiras mensagens publicitárias (...)”158. Uma das primeiras mensagens publicitárias em formas de versos é atribuída a Casimiro de Abreu159, que segundo Carrascoza160, foi o primeiro poeta brasileiro a fazer anúncios. O texto mencionado era do Café Fama e segue apresentado abaixo: _____________________ 157 Idem, Ibidem, p. 77. 158Idem, op. cit., 2003, p. 65. 159 Casimiro José Marques de Abreu (1839 - 1860) foi um poeta brasileiro da segunda geração romântica. Deixou uma obra cujos temas abordavam a casa paterna, a saudade da terra natal e o amor (mas este tratado sem a complexidade e a profundidade tão caras a outros poetas românticos). Site Wikipédia, disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Casemiro_de_Abreu, acessado em 09/outubro/2008. 160 CARRASCOZA, op. cit., 2003, p. 65.

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“Ah! Venham fregueses! E venham depressa! Que aqui não se prega Nem logro, nem peça”161

Antes dos versos publicitários de Casimiro de Abreu, Carascoza162 afirma ainda que “uma das mensagens pioneiras a estimular a venda de produtos, já legitimando o caráter mercantil da publicidade, veio certamente da mão de um bardo popular”, cuja autoria é desconhecida e que segue abaixo:

“Quem quiser coisinhas boas Venha ao Largo do Rocio Na casa do Albino Dutra A melhor de todo o Rio”163

Olavo Bilac164 foi um dos poetas de sua geração mais requisitados pelos anunciantes. A primeira fábrica nacional de velas recorreu a esse poeta ufanista para anunciar a vela, produto que até então o Brasil importava. Com o intuito de apresentar o produto fabricado no país, Bilac escreveu:

“Pátria independente exulta Temos a vela brasileira”165

O poeta também foi responsável por apresentar o fósforo, nas primeiras décadas do século XX. Para o produto, que era uma novidade e vendido exclusivamente em farmácias, Bilac criou os seguintes versos:

“Aviso a quem é fumante Tanto o Príncipe de Gales Como o Dr. Campos Sales Usam fósforo Brilhante”166

Nesse texto já é possível observar o apelo à autoridade, recurso de persuasão descrito no capítulo anterior. Bilac associava o nome de autoridades ao produto com o objetivo de dar credibilidade ao mesmo e de fortalecer sua mensagem.

A utilização de rimas, a preocupação com o ritmo e o empréstimo de

outros instrumentos poéticos ao texto publicitário, como a metáfora, também podem ser observados nos anúncios da Odol (veja anúncio completo na figura 2 dos anexos) e dos chicletes Adams (veja anúncio completo na figura 3 dos anexos). O anúncio do creme dental Odol publicado na revista O Cruzeiro de 1931 e o anúncio dos Chicletes Adams, publicado na revista Manchete de 1958, mostram mais uma vez a utilização dos títulos em versos rimados:

______________________ 161 Idem, Ibidem, p. 66. 162Idem, Ibidem, p. 66. 163Idem, Ibidem, p. 66. 164 Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac (1865 - 1918) foi jornalista e poeta brasileiro e membro fundador da Academia Brasileira de Letras. Site Wikipédia, disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Olavo_Bilac, acessado em 09/outubro/2012. 165 CARRASCOZA, op. cit., 2003, p. 66. 166 Idem, Ibidem, p. 67.

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“Dentes que enfeitam o riso com brilhos claros de sol... Pouco, para isto é preciso: A Pasta e o Líquido Odol”167 “A todo momento... A quem trabalha com alma... Chicletes Os nervos acalma!”168

“A todo momento... A quem trabalha com alma... Chicletes Os nervos acalma!”168

Não só na mídia impressa veiculavam-se anúncios com mensagens publicitárias de caráter poético. Segundo Carrascoza169, “com o advento do rádio, e sua expansão a partir dos anos 30, foi a vez de poetas populares como Noel Rosa criarem letras para jingles que se tornaram inesquecíveis”. Exemplo disso é o refrão criado nos anos quarenta, época que não havia limitações rigorosas para a propaganda de tabaco, para os cigarros Yolanda por Noel Rosa170 que parodiava sua própria música “De babado”: “É você a que comanda

E o meu coração conduz Salve a dona Yolanda A rainha da Souza Cruz”171

Carrascoza172 afirma ainda que “o advento do rádio consubstanciou a riqueza poética e melódica da propaganda brasileira, e não são poucos os jingles permeados de poesia, às vezes simplória, às vezes singela, mas já incorporada à nossa cultura popular e ao nosso patrimônio musical”.

São inúmeros os jingles que se utilizam de versos rimados em sua composição. Muitos deles permanecem na memória dos brasileiros apesar de terem sido compostos há várias décadas. Um desses exemplos é o jingle dos Cobertores Parahyba, veiculado nos anos 60, cuja letra será apresentada a seguir: “Já é hora de dormir

Não espere mamãe mandar Um bom sono pra você E um alegre despertar”173

______________________ 167 Idem, op. cit., 1999, p. 89. 168 Idem, Ibidem, p. 101. 169 Idem, op. cit., 2003, p. 71. 170 Noel de Medeiros Rosa (1910 - 1937) foi um sambista, cantor, compositor, bandolinista, violonista brasileiro e um dos maiores e mais importantes artistas da música no Brasil. Foi responsável pela união do samba do morro com o do asfalto. Fato este que mudaria para sempre, não só o samba, mas a história da música popular brasileira. Site Wikipédia, disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Noel_rosa, acessado em 09/outubro/2012. 171 CARRASCOZA, op. cit., 2003, p. 72. 172Idem, Ibidem, p. 74. 173 IFD Blog. Jingles Inesquecíveis, disponível em http://www.ifd.com.br/blog/2008/08/05/jinglesinesqueciveis - acessado em 09/outubro/2012.

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Não eram apenas os textos publicitários antigos que utilizavam recursos poéticos na sua estruturação. Atualmente não é raro observar também a presença de elementos da poesia tanto nos textos de mídia impressa, quanto de mídia eletrônica. Um exemplo é o texto criado para o anúncio das sandálias Melissa (veja anúncio completo e seu texto na íntegra na figura 4 dos anexos), direcionado para o público feminino jovem. O texto, transcrito abaixo, adota “o formato de poesia, ainda que prosaica”174:

“Viagem. Sempre igual. Sempre diferente. Viagem tem transporte, roteiro, hospedagem, tem chegada, partida e uma nova paisagem. (...) Por mais que seus pais contem o que viagens contêm; por mais que amigos mostrem fotos, mapas, postais, compre já sua passagem. Na volta, outro você traz você na bagagem”175.

Exemplo mais recente é o texto do comercial da Natura176, apresentado a seguir, escrito por Arnaldo Antunes177, que está sendo veiculado nas grandes emissoras brasileiras de televisão:

“Rotina A idéia é a rotina do papel. O céu é a rotina do edifício. O início é a rotina do final. A escolha é a rotina do gosto. A rotina do espelho é o oposto. A rotina do perfume é a lembrança. O pé é a rotina da dança. A rotina da garganta é o rock. A rotina da mão é o toque. Julieta é a rotina do queijo. A rotina da boca é o desejo. O vento é a rotina do assobio. A rotina da pele é o arrepio. A rotina do caminho é a direção. A rotina do destino é a certeza. Toda rotina tem sua beleza”178.

____________________ 174 CARRASCOZA, op. cit., 2003, p. 91. 175Idem, Ibidem, p. 92. 176 A Natura é uma marca de origem brasileira, presente em sete países da América Latina e na França. No Brasil, é a indústria líder no mercado de cosméticos, fragrâncias e higiene pessoal. Site Natura, disponível em http://www2.natura.net/Web/Br/Inst/About/src/index.asp?about=empresa - acessado em 10/outubro/2012. 177 Arnaldo Antunes (São Paulo, 2 de setembro de 1960) é um músico, poeta e artista visual brasileiro, mais conhecido por sua participação como integrante do grupo de rock Titãs. Em suas principais áreas de atuação artística, a música, a poesia e a arte visual, demonstra a influência de sub-gêneros modernistas ou pós-modernistas. Site Wikipédia, disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Arnaldo_Antunes, acessado em 10/outubro/2012. 178 Site Propaganda, Prosa & Poesia, disponível em http://www.leonaraujo.com/2008/07/25/a-ideia-e-arotina- do-papel/ - acessado em 10/outubro/2012

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A partir dos exemplos apresentados, observa-se que é muito freqüente o uso da linguagem poética nos textos publicitários. A seguir será demonstrado que a publicidade também tem servido de inspiração para os escritores brasileiros ao longo do tempo.

3.2 – A publicidade na poesia Além de colocarem seu talento a serviço da publicidade, os poetas

brasileiros resgataram dessa área vários temas para a criação de seus versos. Um dos exemplos mais conhecidos é o poema “As três mulheres do Sabonete Aráxá” de Manuel Bandeira179, que exaltava a beleza das modelos do anúncio, conforme transcrito abaixo:

“As três mulheres do sabonete Araxá me invocam, me bouleversam, me hipnotizam Oh, as três mulheres do sabonete Araxá às 4 horas da tarde! O meu reino pelas três mulheres do sabonete Araxá! São amigas, são irmãs, são amantes as três mulheres do sabonete Araxá? São prostitutas, são declamadoras, são acrobatas? São as três Marias? A mais nua é doirada borboleta. Se a segunda casasse, eu ficava safado da vida, dava pra beber e nunca mais telefonava. Mas se a terceira morresse... Oh, então, nunca mais a minha vida outrora teria sido um festim! Se me perguntassem: Queres ser estrela? Queres ser rei? Queres uma ilha no Pacífico? Um bangalô em Copacabana? Eu responderia: não quero nada disso, tetrarca. Eu só quero as três mulheres do sabonete Araxá: O meu reino pelas três mulheres do sabonete Araxá”180

Carlos Drummond de Andrade181 também se inspirou na publicidade para

criar alguns de seus poemas, alguns destes são fortes críticas ao universo do consumo, como se pode observar no poema “Eu, etiqueta”182 (veja o texto na íntegra no anexo 5):

__________________ 179 Manuel Carneiro de Sousa Bandeira Filho (1886-1968) foi um poeta, crítico literário e de arte, professor de literatura e tradutor brasileiro. Considera-se que Bandeira faça parte da geração de 22 da literatura moderna brasileira, sendo seu poema Os Sapos o abre-alas da Semana de Arte Moderna de 1922. Site Wikipédia, disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Manuel_Bandeira, acessado em 10/outubro/2008. 180 Site Época, disponível em http://epoca.globo.com/edic/20000925/soci5a.htm - acessado em 10/outubro/2008. 181Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) foi um poeta, contista e cronista brasileiro. Site Wikipédia, disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Carlos_Drummond_de_Andrade, acessado em 13/outubro/2008. 182 ANDRADE, Carlos Drummond. Corpo. In: CARRASCOZA, op. cit., 1999, pp. 60-62.

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“Em minha calça está grudado um nome que não é meu de batismo ou de cartório um nome... estranho. Meu blusão traz lembrete de bebida que jamais pus na boca, nesta vida. Em minha camiseta, a marca de cigarro que não fumo, até hoje não fumei. (...) Por me ostentar assim, tão orgulhoso de ser não eu, mas artigo industrial, peço que meu nome retifiquem. Já não me convém o título de homem. Meu nome novo é coisa. Eu sou a coisa, coisamente.”

O universo da publicidade também se faz muito presente na poesia concreta e são inúmeros os exemplos dessa associação. Um deles é a seguinte crítica do poeta Décio Pignatari à sociedade de consumo:

“beba coca cola babe cola beba coca babe cola caco caco cola c l o a c a”183

Mas não é apenas sob a forma de críticas que a publicidade invade o universo concretista. As figuras 6, 7 e 8 dos anexos são exemplos da incursão do discurso publicitário nesse contexto de valorização da forma, e de rapidez e objetividade na transmissão da mensagem. Esses exemplos retratam ainda a utilização de textos extremamente concisos que “com o mínimo de palavras obtêm o suficiente”. Exatamente como Franchetti descreve o objetivo do haicai, conforme mencionado no primeiro capítulo deste trabalho.

Assim, ao se analisar algumas características do haicai, como o

estabelecimento de uma comunicação rápida, direta, concisa, objetiva, sensorial e poética e ao compará-las com o texto publicitário, observa-se finalmente que neste tipo de discurso, encontrasse um elemento que cumpre sua função exatamente da mesma maneira que o haicai, e que pode ser descrito como a mais redutível forma do texto publicitário: o slogan. 3.3 – Uma breve passagem pela história e evolução do slogan

Numa tradução literal, segundo Oliver Reboul184, slogan “é uma expressão de origem gaélica185, sluagh-ghairin, que na velha Escócia significava ____________________ 183 PIGNATARI, Décio. Poesia pois é poesia. In: CARRASCOZA, op. cit., 1999, pp. 60-62. 184 REBOUL apud FIGUEIREDO, Celso. A última impressão é a que fica. São Paulo, Thomson Learning, 2007, p. 47. 185 A língua gaélica escocesa chegou à Escócia no século V d.C., quando os celtas provenientes do norte da Irlanda se assentaram na costa ocidental. Site Wikipédia, disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/L%C3%ADngua_ga%C3%A9lica_escocesa, acessado em 16/outubro/2012.

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o grito de guerra de um clã – uma frase curta, poderosa sonoramente, com força para incentivar os guerreiros a atacar seus inimigos”. Já para Carrascoza186, o slogan pode ser definido como uma “frase ou oração que sintetiza as qualidades do produto e convida para o consumo”. Porém, uma breve análise da evolução do slogan através dos tempos, mostra que sua função não está restrita a enunciar qualidades de produtos convidando para o consumo. Sua função é bem mais ampla da que Carrascoza sugere.

Segundo Figueiredo187, a história do slogan pode ser analisada segundo três fases, de acordo com suas características e funções. Primeiramente, o slogan era utilizado como grito de guerra e palavra de ordem para fins políticos. A publicidade da primeira metade do século XX (décadas de 1930, 1940 e 1950) recorreu a esse tipo de abordagem para vender suas marcas e seus produtos já se utilizando, no entanto, da linguagem coloquial e de recursos persuasivos. Nessa primeira fase, o slogan era utilizado como título do anúncio e trazia fortemente a predominância do imperativo, da função conativa da linguagem. São frases em que o emissor sugere como o receptor deve agir ao receber as mensagens, utilizando palavras de ordem como: use, compre, corra, aproveite, experimente, prove, etc. Essa forma de comunicar é muito freqüente na publicidade de varejo e em todas as outras em que o anunciante descreve o comportamento que o receptor deve assumir, as roupas que ele deve usar, o estilo que ele deve adotar, os produtos que ele deve comprar e os serviços que ele deve adquirir para ser aceito socialmente. Porém, atualmente, essa função de ordem ou sugestão não é mais exercida pelo slogan, mas principalmente pelos títulos dos anúncios. Essa mudança de função corresponde à passagem para a segunda fase da história do slogan. Exemplos de slogans dessa primeira fase são:

“Vem pra Caixa você também. Vem!” (Nossa Caixa)188. “Abuse e use C&A” (C&A)189.

Na segunda geração, o slogan passa a ser um elemento importante para definir a personalidade da marca. Sua função é apresentar o anunciante de uma forma sedutora e única aos olhos do consumidor. É um instrumento fundamental para o posicionamento, ou seja, para fazer com que a marca seja percebida pelo público da maneira desejada. Por ser utilizado para esses fins, o slogan deve ser duradouro. Uma personalidade não é construída de um momento para outro, nem tampouco modificada. Se há modificações, mais difícil ainda se torna fixar essa marca na mente do consumidor e construir credibilidade. ____________________ 186 CARRASCOZA, op. cit., 1999, p. 92. 187 FIGUEIREDO, op. cit., pp. 46-66. 188 Idem, Ibidem, p. 59. 189 Site UOL. Língua Portuguesa, disponível em http://revistalingua.uol.com.br/textos.asp?codigo=11257, acessado em 16/outubro/2012.

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Nessa segunda fase, o slogan não muda apenas de função, muda também de lugar e de estilo de diagramação. Enquanto título, era escrito em letras garrafais e ocupava o topo dos anúncios. Ao comunicar imagem e buscar posicionamento, passa a fazer parte da marca, sendo apresentado junto a ela de forma discreta, para não conflitar com sua logomarca ou logotipo.

Exemplos de slogans da segunda geração:

“A cerveja que desce redondo” (Skol)190. “Pronto para o futuro” (Itaú)191.

Já na terceira etapa de sua história, o slogan está intimamente ligado ao

que se chama de branding, ou seja, ao processo de construção de marca. Agora, além de a empresa ter que ser única aos olhos do consumidor, ela deve também estar integrada ao seu dia-a-dia. Não basta só comunicar o que a empresa é, tem que mostrar seu ponto de vista em relação à vida e ao mundo dos negócios de uma maneira geral. É necessário que a marca pertença à vida do consumidor. Para isso, é fundamental conhecer a maneira de pensar e de agir das pessoas, seus valores e como elas reagem diante dos estímulos do cotidiano. Assim, mais do que a empresa, o slogan apresenta uma visão de mundo, uma forma de como as pessoas vivem em harmonia com produtos e marcas que “pensam, vivem e sentem” como elas. São exemplos dessa terceira geração de slogans:

“Just do it” (Nike)192. “Porque se sujar faz bem” (OMO)193. “O melhor plano de saúde é viver. O segundo melhor é Unimed” (Unimed)194.

Seja qual for a proposta do slogan e a geração à qual pertença, pode-se

afirmar que, de uma forma geral, sua função é fechar a idéia a respeito de uma marca, produto ou serviço e fazer o consumidor percebê-los da maneira desejada sentindo a necessidade de incorporá-los à sua própria vida. Para sensibilizar não basta apenas ordenar ou sugerir, é necessário envolver emocionalmente, tocar seus sentimentos, estabelecer uma relação afetiva. Assim, a função conativa tão atuante na publicidade precisa do apoio de uma grande aliada no seu trabalho de persuasão: a função poética. 3.4 – O slogan e o haicai: quando o mínimo é o suficiente

Após analisar o texto publicitário de uma forma ampla e fazer uma passagem mesmo que breve pela poesia observando como esses dois universos se relacionam e se entrelaçam, é possível comparar suas formas mínimas: o haicai e o slogan.

___________________ 190 FIGUEIREDO, op. cit., p. 60. 191 Idem, Ibidem, p. 59. 192 Idem, Ibidem, p. 63. 193 Idem, Ibidem, p. 63. 194 TRAJAN, op.cit., p. 65.

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Essa comparação não tem como objetivo estabelecer paralelos, achar correspondências ou distinguir uma forma da outra. Ela é feita no sentido de mapear semelhanças tanto de forma quanto de função, descobrindo convergências e divergências entre ambas.

O haicai e o slogan são o resultado da busca por uma linguagem

compactada, concisa, que comunica o suficiente com o mínimo e que, mesmo com o mínimo, busca ser eterna, fixar “na mente como um poema; um sonho de uma noite de verão; uma recordação na casa dos mortos que, a qualquer hora pode ressuscitar”195.

Carrascoza196 afirma que:

“já se disse que nos menores frascos se encontram os melhores perfumes ou que as grandes coisas são na verdade o corolário de outras tantas, pequenas. E, como condensa e sintetiza informações, em geral imperativas ou afirmativas, o slogan é um aliado incontestável de toda e qualquer ideologia”.

Se o slogan encerra em si um posicionamento, uma visão de mundo,

uma sugestão, um comportamento, enfim, uma ideologia, o mesmo acontece com o haicai. Como não falar de propagação ideológica quando essa poesia oriental exterioriza a visão de mundo do poeta e traz no seu âmago através dos séculos a filosofia zen-budista tão evidente nos versos de Basho? Ainda sobre ideologia, as duas formas convergem e divergem, pois se por um lado ambas induzem a uma mudança de comportamento interior através da poesia, seus objetivos finais são distintos. Enquanto o slogan busca estabelecer laços afetivos entre o consumidor e a marca para levar ao consumo, o haicai almeja uma mudança de comportamento direcionado exclusivamente para a reflexão. Se o slogan e o haicai divergem no que diz respeito a seus objetivos finais, o mesmo não se pode afirmar com relação à maneira utilizada para transmiti-los. Ambos se utilizam de uma linguagem clara, direta, objetiva e extremamente concisa, que busca a fácil memorização, a fixação na mente do receptor. Sobre esse aspecto Carrascoza197 afirma que “o slogan busca aquilo que sempre foi peculiar do haikai: atingir e explicar, pela simplicidade, o complexo. Perseguir a síntese com economia de meios, para se fazer mnemônico198 e agradavelmente dito e repetido”.

_____________________ 195 CARRASCOZA, op. cit., 2003, p. 56. 196 Idem, Ibidem, p. 56. 197 Idem, Ibidem, p. 59. 198 “Arte e técnica de desenvolver a memória”. In: FERREIRA, op. cit., p. 319.

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A valorização da forma também é outra questão convergente entre o slogan e o haicai. Este, segundo sua composição mais tradicional de origem japonesa, está subordinado à rigidez tanto de métrica quanto de conteúdo, já que deve descrever o momento presente e utilizar num de seus três versos uma palavra de estação. O slogan, também “costuma ser uma frase curta, às vezes duas, não ultrapassando em geral oito palavras”199. Esse minimalismo de ambas as formas também contribui para a memorização do receptor. Carrascoza200 ao analisar semelhanças entre as duas formas destaca a vitalidade e sedução de ambas, além de seu efeito mnemônico. O autor ainda completa, contextualizando: “o haikai, uma arte secular oriental; o slogan, uma artimanha do Ocidente no século XX. Uma vez lidos, é difícil esquecê-los”. A contextualização no tempo presente também é uma característica comum a ambas as formas. Enquanto o haicai é denominado de poesia do instante por concretizar o efêmero, o slogan descreve uma idéia, um posicionamento, uma imagem, uma visão de mundo e uma maneira de viver também do presente, seja de uma empresa, de uma marca, de um produto ou serviço ou até mesmo de uma pessoa. Descrever o presente e se manter eterno na mente do receptor, como consegue ser o haicai, é o grande objetivo almejado também por todo slogan. Apesar de tantos aspectos comuns às duas formas é a função poética a principal responsável por entrelaçar esses universos distintos e por tornar essa união fundamental para que o discurso publicitário não se resuma a enumerar características de um produto, levando o público ao consumo apenas pela promessa de benefícios racionais. Hoje a publicidade, e o slogan mais especificamente, são muito mais do que isso. Ambos têm a função de envolver, de criar laços afetivos entre a marca, produto ou serviço e o consumidor. É através da emoção que surge a identificação do público com a imagem de uma marca e forma de viver proposta por esta. É justamente esta identificação o caminho que leva ao consumo. Sobre a utilização de recursos poéticos na criação dos slogans e dos textos publicitários Carrascoza201 afirma: “Na redação publicitária, incluindo aí chamadas, subtítulos, slogans e

o texto propriamente dito, encontramos sempre recursos originalmente literários, como a rima, a anáfora202, a assonância203, a aliteração etc. E, talvez, o slogan tenha um digno e nobre ascendente no universo da poesia: os haikais japoneses”.

199 CARRASCOZA, op. cit., 2003, p. 58. 200 Idem, Ibidem, p. 58. 201 Idem, Ibidem, pp. 57-58. 202 Anáfora é uma figura de sintaxe (ou de construção frasal) que ocorre quando há repetição de uma palavra ou segmento do texto com o objetivo de enfatizar uma idéia. In: TUFANO, op.cit., p. 278. 203 Assonância é a forma de aliteração em que há a repetição do som de uma vogal. Aliteração é uma figura de linguagem que consiste em repetir consoantes, vogais ou sílabas num verso ou numa frase, especialmente as sílabas tônicas. Site Wikipédia, disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Asson%C3%A2ncia, acessado em 18/outubro/2012

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O autor acrescenta:

“Em geral, o slogan é uma conclusão, visto que encerra em si todo o posicionamento de um produto, serviço ou marca, ou uma palavra de ordem, o call to action, no jargão publicitário, o imperativo, a chamada para o consumo, uma frase de efeito, assertiva enxuta, e, sendo assim, tem a mesma função do verso final, da chave de ouro, num soneto”204.

Conforme já mencionado, não são raras as incursões de poetas no mundo da publicidade. Conseqüentemente, o mesmo acontece na construção de slogans, como se pode observar em Bastos Tigre205, que criou um dos slogans mais conhecidos da publicidade brasileira: “Se é Bayer, é bom”206. Guilherme de Almeida, autor de fundamental importância para a propagação do haicai no Brasil, também é o criador de outro famoso slogan: “La Fonte. A fechadura que fecha e dura”207.

A seguir serão apresentados alguns slogans que conforme Carrascoza208 afirma, são mensagens predominantemente centradas na função poética da linguagem e, sendo assim, freqüentemente se utilizam dos recursos literários:

“Continental. Preferência nacional”209. (Rima) “Se a marca é Cica, bons produtos indica”210. (Rima) “Repórter Esso. O primeiro a dar as últimas”211. (Antítese) “Tomou Doril, a dor sumiu”212. (Rima) “Pense forte, pense Ford”213. (Aliteração e paronomásia) “Dumont. O primeiro a cada segundo”214. (Rede semântica) “Dura lex sed lex, no cabelo só Gumex”215. (Rima)

E assim, slogan e haicai, com suas características semelhantes e

finalidades próprias se aproximam e se distanciam, cumprindo seus objetivos com o valioso auxílio da função poética para produzir uma comunicação extremamente eficaz.

_____________________ 204 CARRASCOZA, op. cit., 2003, p. 57. 205 Manuel Bastos Tigre (1882-1957) foi um bibliotecário, jornalista, poeta, compositor, humorista e destacado publicitário brasileiro. Site Wikipédia, disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Bastos_Tigre, acessado em 18/outubro/2012. 206 CARRASCOZA, op. cit., 2003, p. 69. 207 Idem, Ibidem, p. 70. 208 Idem, op. cit., 1999, pp. 92-93. 209 Idem, op. cit., 2003, p. 62. 210 Idem, Ibidem, p. 62. 211 Idem, Ibidem, p. 62. 212 Idem, Ibidem, p. 62. 213 Idem, Ibidem, p. 62. 214 Idem, Ibidem, p. 62. 215 Idem, op. cit., 1999, p. 93.

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CONCLUSÃO

Conhecendo isoladamente o haicai e o slogan, dificilmente se estabeleceria uma relação ou associação entre ambas as formas. No entanto, após a análise detalhada de cada uma delas, verifica-se que a aproximação que parecia distante, está na verdade muito mais perto do que se imagina.

O haicai possui características fundamentais do texto publicitário como a utilização de uma linguagem compactada, concisa, clara, direta e objetiva, capaz de ser entendida por todos logo no primeiro momento. É justamente isso que o discurso publicitário almeja: ser compreendido de imediato e não deixar dúvidas. Essa concisão também é extremamente favorável para conseguir fazer com que a mensagem publicitária se destaque entre tantas outras, que chame a atenção e que se mantenha viva na lembrança do consumidor.

Essa linguagem concisa utilizada tanto no haicai quanto no slogan encerra uma grande capacidade de contração, seja de um mundo de amplitude imensa em três versos onde o homem se relaciona com a natureza, seja de uma forma de viver proposta por uma marca em uma frase, onde o homem convive harmoniosamente com seus produtos. Assim, haicai e slogan cumprem com perfeição seus objetivos e conseguem traduzir deforma simples o complexo.

Apesar de estarem sempre situados no tempo presente, seja concretizando o instante, no caso do haicai, seja estabelecendo uma visão de mundo da marca, no caso do slogan, ambos têm como finalidade serem eternos, incorporando-se à vida das pessoas através da contemplação e da reflexão como faz o haicai, ou através da identificação das pessoas com marcas e produtos como faz o slogan.

Utilizando poucas palavras, ambas as formas são capazes de propagar toda uma ideologia, seja a visão de mundo do poeta e a filosofia zen-budista no caso do haicai, ou a visão de mundo de uma empresa e a forma de vida proposta por ela no caso do slogan.

Com tantas características e objetivos em comum, chega-se finalmente ao elemento capaz de costurar as duas linguagens distintas, haicai e slogan, fazendo com que elas toquem os sentimentos do receptor e os envolva emocionalmente. Esse elemento que une os dois universos é a função poética da linguagem. É ela que vai fazer com que a publicidade não seja apenas a enumeração de atributos de um produto com o objetivo de levar as pessoas ao consumo. É através da emoção que são criados laços 61 afetivos entre consumidor e marca, fazendo com que aquele se identifique com toda uma imagem, com um comportamento, com uma visão de mundo proposta por essa marca. É essa identificação o caminho que vai levar ao consumo.

Portanto, a poesia - e sempre ela - será o elemento capaz de romper com o modelo racional proposto por Aristóteles, que sustentava que para um texto ser persuasivo deveria possuir as quatro etapas: exórdio, narração, provas e peroração. A poesia vem e persuade de outra forma, não necessariamente com um texto de estrutura circular, mas com palavras que tocam profundamente o emocional das pessoas, produzindo uma comunicação cuja eficácia nada fica a dever àquela obtida através do modelo aristotélico de persuasão.

Assim, ao tocarem os sentimentos por meio da poesia, haicai e slogan propõem uma mudança de comportamento que parte sempre do interior e que

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se exterioriza em novas atitudes e em novas formas de viver. A mudança proposta pelo haicai tem como conseqüência a reflexão; já a proposta pelo slogan tem como conseqüência o consumo.

No primeiro capítulo deste estudo foi mencionado que o haicai parte do concreto para o abstrato por congelar o instante e sensações do mundo físico, fazendo com que sejam despertados lembranças e a sentimentos. Observa-se que o slogan age exatamente da mesma forma. A partir de atributos e de dados concretos de uma empresa, o slogan os transforma num apelo emocional que transmite uma imagem, um conceito e uma visão de mundo. Assim, hoje mais do que apresentar a marca, o slogan traduz sua alma.

Observa-se diante de tudo que foi apresentado que, com a ajuda fundamental da função poética, o slogan se apropria de características do haicai para cumprir seus objetivos, conseguindo através do envolvimento emocional com o receptor se destacar e se fazer lembrado no meio de tanta informação.

Voltando à frase de Franchetti sobre os objetivos do haicai que diz: “Haicai não é síntese, no sentido de dizer o máximo com o mínimo de palavras. É antes a arte de, com o mínimo, obter o suficiente”, observa-se que a frase também se encaixa perfeitamente aos objetivos do slogan, que com o mínimo de palavras produz mensagens extremamente eficazes e capazes de tornar a comunicação uma experiência transcendental. E assim, aproximando as duas formas, haicai e slogan, este estudo cumpre seus objetivos ao demonstrar como a “poesia do instante” serve de fundamento para o discurso publicitário.

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Referências bibliográficas Livros: CAMPOS, Haroldo de. A arte no horizonte do provável. São Paulo, Perspectiva, 1969. CARRASCOZA, João Anzanello. A evolução do texto publicitário: a associação de palavras como elemento de sedução na publicidade. São Paulo, Futura, 1999. ____. Redação Publicitária – Estudos sobre a Retórica do Consumo. São Paulo, Futura, 2003. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Minidicionário da Língua Portuguesa. São Paulo, Nova Fronteira, 1977. FIGUEIREDO, Celso. A última impressão é a que fica. São Paulo, Thomson Learning, 2007. MENDONÇA, Antônio Sérgio Lima; SÁ, Álvaro de. Poesia de Vanguarda no Brasil De Oswald de Andrade ao Poema Visual. Rio de Janeiro, Antares, 1983. MOISÉS, Massaud. A criação literária: introdução à problemática da literatura. São Paulo, Melhoramentos, 1970. RUIZ, Alice. Desorientais hai-kais. São Paulo, Iluminuras, 2001. SANDMANN, Antônio José. A linguagem da propaganda. São Paulo, Contexto, 2003. TRAJAN, Ercílio. É só propaganda. São Paulo, M. Books do Brasil Editora, 2007. TUFANO, Douglas. Estudos de Língua Portuguesa: Gramática. São Paulo, Ed. Moderna, 1985.63 VESTERGAARD, Torben; SCHRODER, Kim. A linguagem da propaganda. São Paulo, Martins Fontes, 2000. Capítulo de livro: MARSICANO, Alberto. “A trilha errante do haikai”. In: BASHO, Matsuo. Trilha estreita ao confim. São Paulo, Iluminuras, 1997. Meio eletrônico: Blog Passagens e Marcas, disponível em http://passagensemarcas.blogspot.com/2008/08/delores-pires-nasceu-em-cricima-scem.

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. IFD Blog. Jingles Inesquecíveis, disponível em http://www.ifd.com.br/blog/2008/08/05/jingles-inesqueciveis Notas sobre a história do haikai no Brasil, disponível em http://paginas.terra.com.br/arte/PopBox/kamiquase/ensaio3. SAITO, Miyoko. “Haikai da Literatura Japonesa”. In: http://www.apliepar.com.br/site/anais_eple2007/artigos/23_MiyokoSaito.pdf, Site Caqui, disponível em http://www.kakinet.com Site Clube de Criação de São Paulo, disponível em http:// www.ccsp.com.br Site Época, disponível em http://epoca.globo.com/edic/20000925/soci5a.htm - Site Natura, disponível em http://www2.natura.net/Web/Br/Inst/About/src/index.asp?about=empresa - Site OndAzul, disponível em http://www.ondazul.org.br/sec_quem.php, Site Propaganda, Prosa & Poesia, disponível em http://www.leonaraujo.com/2008/07/25/a-ideia-e-a-rotina-do-papel Site Terebess Asia Online, disponível em http://www.terebess.hu/english/haiku/almeida.html - Site UOL. Língua Portuguesa, disponível em http://revistalingua.uol.com.br/textos.asp?codigo=11257 Site Wikipédia, disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/P%C3%A1gina_principal, Outras fontes: Folder “Haikai” escrito por Ataualpa Antonio Pereira Filho. “Introdução ao Haicai do Grêmio Haicai Ipê Aliança Cultural Brasil-Japão”.

(Cartilha)

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ANEXOS

Índice de anexos

Figura 1 - Anúncio publicado na revista Veja, 1994. Reproduzido em CARRASCOZA,op. cit., 1999, p. 28.

Figura 2 - Anúncio da Odol publicado na revista O Cruzeiro (RJ), 1931. Reproduzido em CARRASCOZA, op. cit.,

1999, p. 88.Figura

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Figura 3 - Anúncio dos Chicletes Adams publicado na revista Manchete (RJ), 1958.Reproduzido em CARRASCOZA, op. cit., 1999, p. 99.

Figura 4 - Anúncio das sandálias Melissa. Reproduzido em CARRASCOZA, op. cit.,2003, s/p.

“Viagem. Sempre igual. Sempre diferente. Viagem tem transporte, roteiro, hospedagem, tem chegada, partida e uma nova paisagem. Mas viagem é ir além da própria viagem. É mais do que vai-e-vem.

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Seja a pé ou de trem, de Boeing ou de trem, de ônibus ou de trem, de barco ou de trem, de bike ou de trem, de foguete ou de trem, de Internet ou de trem. Viagem é ser bem-vindo a outro tipo de alguém. - A quem? Fácil: a quem por aqui não há ninguém. Alguém que vem e que passa a ser, neste instante, meio da gente também. Por mais que seus pais contem o que viagens contêm; por mais que amigos mostrem fotos, mapas, postais, compre já sua passagem. Na volta, outro você traz você na bagagem”. Anexo 5 – Poema “Eu, etiqueta”. ANDRADE, Carlos Drummond. Corpo. In: CARRASCOZA, op. cit., 1999, pp. 60-62. “Em minha calça está grudado um nome que não é meu de batismo ou de cartório um nome... estranho. Meu blusão traz lembrete de bebida que jamais pus na boca, nesta vida. Em minha camiseta, a marca de cigarro que não fumo, até hoje não fumei. Minhas meias falam de produto que nunca experimentei mas são comunicados a meus pés. Meu tênis é proclama colorido de alguma coisa não provada por este provador de longa idade Meu lenço, meu relógio, meu chaveiro, minha gravata e cinto e escova e pente, meu copo, minha xícara, minha toalha de banho e sabonete, meu isso, meu aquilo, desde a cabeça ao bico dos sapatos, são mensagens, letras falantes gritos visuais, ordens de uso, abuso, reincidência, costume, hábito, premência, indispensabilidade, e fazem de mim homem-anúncio itinerante,

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escravo da matéria anunciada. Estou, na moda. É doce estar na moda, ainda que a moda seja negar minha identidade, trocá-la por mil, açambarcando todas as marcas registradas, todos os logotipos do mercado. Com que inocência demito-me de ser eu que antes era e me sabia tão diverso de outros, tão mim-mesmo, ser pensante, sentinte e solidário com outros seres diversos e conscientes de sua humana, invencível condição. Agora sou anúncio, ora vulgar ora bizarro, em língua nacional ou em qualquer língua (qualquer, principalmente). E nisto me comprazo, tiro glória de minha anulação. Não sou – vê-la – anúncio contratado. Eu é que mimosamente pago para anunciar, para vender em bares festas praias pérgulas piscinas, e bem à vista exibo esta etiqueta global no corpo que desiste de ser veste e sandália de uma essência tão viva, independente, que moda ou suborno algum a compromete. Onde terei jogado fora meu gosto e capacidade de escolher, minhas idiossincasias tão pessoais, tão minhas que no rosto se espelhavam, e cada gesto, cada olhar, cada vinco da roupa resumia uma estética? Hoje sou costurado, sou tecido, sou gravado de forma universal, saio da estamparia, não de casa, da vitrina me tiram, recolocam, objeto pulsante mas objeto que se oferece como signo de outros objetos estáticos, tarifados. Por me ostentar assim, tão orgulhoso de ser não eu, mas artigo industrial, peço que meu nome retifiquem. Já não me convém o título de homem. Meu nome novo é coisa. Eu sou a coisa, coisamente”

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Figura 6 – Anúncio do SpaceFox Fonte: Site Clube de Criação de São Paulo, disponível em http://www.ccsp.com.br/busca/busca.php?SearchArea=novo&t=Fam%EDlia+Space+Fox

Figura 7 – Anúncio da revista Veja Fonte: Site Clube de Criação de São Paulo, disponível em http://www.ccsp.com.br/busca/busca.php?SearchArea=novo&t=Vit%F3ria+Veja

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Figura 8 – Anúncio da TAM Fonte: Site Clube de Criação de São Paulo, disponível em http://www.ccsp.com.br/busca/busca.php?SearchArea=novo&t=Tam+Paris