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28 B. Téc. Senac: a R. Educ. Prof., Rio de Janeiro, v. 35, n.1, jan./abr. 2009. Ilustração: Vilma Gomez

Docência Uma Construção a Partir de Múltiplos Condicionantes

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Artigo sobre pesquisas docentes

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  • 28 B. Tc. Senac: a R. Educ. Prof., Rio de Janeiro, v. 35, n.1, jan./abr. 2009.

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    * Doutora em Educao pela Universidade Federal de Gois e Mestre em Educao pela Universidade Federal de Uberlndia. Atua como professora na Faculdade de Educao da Universidade Federal de Uberlndia. Professora no PPGED/UFU. Coordenadora do Curso de Ps-Graduao Lato Sensu em Docncia no Ensino Superior. Integrante do Ncleo de Didtica. E-mail: [email protected]

    Recebido para publicao em: 26/02/09.

    docncia: uma consTruo a parTir de mlTiplos condicionanTes

    Geovana Ferreira Melo Teixeira*

    Resumo

    O presente artigo evidencia questes referentes docncia a partir de mltiplos condicionantes: a formao, a inseronacarreiradomagistrio,osimpasseseosdesafiospostospelaprticadocente.Temporobjetivosanalisarolcusdaformaodeprofessoreseseusaspectoslegais,discutirossabereseaidentidadeprofissional,almdeapresentarreflexesarespeitodaformaocontinuadadeprofessores.Aanlisetevecomopontodepartidaoestudo da literatura referente formao de professores, alm de dados coletados junto aos professores cursistas. O desafioqueseapresentasinstituieseducacionaisodeorganizaroscursosdeformaocontinuadacombasenuma perspectiva emancipadora, na qual o professor seja considerado um partcipe de seu processo formativo.

    Palavras-chave: Docncia; Formao de Professores; Formao Inicial; Formao Continuada; IdentidadeProfissional;Saber.

    UTOPIAA utopia est l no horizonte.

    Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos.Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos.

    Por mais que eu caminhe, jamais alcanarei.Para que serve a utopia?

    Serve para isso: para que eu no deixe de caminhar.Eduardo Galeano1

    legalmente um indivduo diplomado a assumir a docncia como profisso.DeacordocomBazzo(2007)2, essa situao torna-se ainda mais preocupante quando se trata da docncia no ensino tecnolgico. Segundo esse autor3, as cincias tm como ponto de partida fatos apreensveis pelos sentidos, e seu papel descrev-los por leis universais e imutveis. Nesse sentido, o professor que teve uma formao assentada em fortes princpios positivistas ir desenvolver prticas formativas pautadas, principalmente, pela objetivao e racionalizao tcnica de suas aes. Essa herana da tradio positivista por meio do processo educacional se alastranaformaodessesprofissionais,demodoacristalizarum determinado tipo de cultura profissional assentada nosprincpios da tradio positivista.

    De certa forma, no caso da formao de professores para atuar na educao bsica h uma preocupao com o desenvolvimento de diferentes saberes e prticas pedaggicas, dentre elas as prticas de ensino, as metodologias e o estgio supervisionado que englobam uma carga horria expressiva no novo desenho curricular para a formao de professores no Brasil4. Em contrapartida, para o exerccio da docncia nos cursos tcnicos e no ensino superior o foco na competncia

    Embora a universidade se constitua no principal espao formativoparaprofissionaisdediferentesreas,destacamospelomenosumaspectonoqualtem-semostradoineficaz:aformaode professores para atuar nas diferentes etapas e modalidades da educao, principalmente na educao profissionalizante,alm dos cursos de graduao. Regra geral so considerados habilitados para assumir a carreira docente, nesses nveis, aque-lesprofissionaisquepossuemumttulosuperior,qualquerqueseja.Assim,porexemplo,paraserprofessordeeletrnicabastaser engenheiro, para lecionar microbiologia basta ser bilogo, para assumir o ensino de desenho industrial basta ser arquiteto, e assim por diante.

    Tais prticas baseiam-se no entendimento de que o domnio dossaberestcnicosdaprofissosejasuficienteparaautorizar

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    cientfica, desprovida da dimensodidtico-pedaggica.Essecontexto tem como pressuposto a ideia de que para essa atuao bastaterodomniodocontedoaserensinado,apartirdamxima:quemsabe,sabeensinar.Talsituaoreferendadapelaausnciadepolticaspblicasdeformaoespecficaparao ingresso na carreira do magistrio superior. No caso da LDB 9.394-96LeideDiretrizeseBasesdaEducao,doisartigosmencionam a docncia universitria:

    Artigo65A formaodocente, excetopara aeducaosuperior,incluir prtica de ensino de, no mnimo, trezentas horas.

    Artigo66Apreparaoparaoexercciodomagistriosuperiorfar-se- em nvel de ps-graduao, prioritariamente em programas de mestrado e doutorado 5.

    No h, na referida Lei, nenhuma meno quanto formao didtico-pedaggica a ser desenvolvida nos cursos de mestrado e doutorado, cujo modelo formativo desenvolvido tem como ca-racterstica a especializao aprofundada em determinado campo do conhecimento. Nesse sentido, caracteriza-se a verticalizao da formao, ou seja, formam-se nesses cursos pesquisadores com amplodomniodocampoespecfico,noentantodesprovidosdeconhecimentosreferentesdocncia.Essasituaoconfigura-seemumparadoxo,poisgrandepartedosprofissionaisegressosdessescursos atuar na docncia, assim sero pesquisadores que ensinam ou que tentam ensinar, e no professores pesquisadores.

    De acordo com Cunha (2001) o professor ao fazer sua formao ps-graduada, via de regra, constri uma competncia tcnico-cientfica em algum aspecto de seu campo de conhecimento, mas caminha com prejuzos rumo a uma viso mais ampla, abrangente e integrada de sociedade6. As consequncias desse modelo formativo, centrado no aprofun-damentodeumdeterminadocampocientfico,sosentidasnapele quando o docente assume a tarefa complexa de desenvolver o processo de ensino-aprendizagem. Desprovido em sua forma-o de questes relacionadas ao campo das cincias humanas e sociais,oprofessor frequentementeenfrentardificuldadesparacompreenderedesenvolversuaprofisso,quetemcomoexigncia o domnio de diferentes saberes.

    H, segundo Cunha (2001) 7, uma contradio presente no projeto social da universidade, pois ao mesmo tempo em que afirma,nodesenvolvimentodeseuscursosdelicenciatura,quehumconhecimentobastanteespecficoeprprioparaoexercciodaprofissodocente,legitimadoporelaviadiplomao,negaaexistncia desse saber aos seus prprios professores.

    Se por um lado a formao de grande parte dos docentes universitrios no contempla questes relacionadas ao exerc-ciodaprofissodocente,poroutroserfundamentalcriarnasuniversidadesespaosparadiscussoereflexoarespeitodadocnciaedosdesafiosenfrentadosnoexercciodessaprofisso.O objetivo desse processo ser buscar um melhor entendimento a respeito do sentido formativo da instituio e do compromisso dos docentes com a melhoria da qualidade da formao pessoal eprofissionaldeseusestudantes.

    A funo da universidade historicamente passa por trans-formaes. H, no imaginrio social, cada vez mais a atribuio

    de um valor peculiar ao conhecimento, no qual a universidade ocupa dupla tarefa: a de produzir e disseminar os conhecimen-tos nas diferentes reas. Nesse sentido, o trabalho do professor universitrio consiste, tambm, em contribuir efetivamente para que os estudantes aprendam a superar a razo instrumental, fruto de vrios anos inseridos numa cultura escolar que privilegia o empirismoeocientificismo,emdetrimentodopensamentocrticopautado por uma slida formao terica nas humanidades. Ao professor caber a tarefa de despertar nos estudantes a capacidade inventiva, a criatividade, a dvida metdica, a curiosidade epis-temolgica (FREIRE, 1996)8 e a expresso crtica da realidade. Esseprocessodeverpropiciaraformaodeumprofissionalpreparado para enfrentar um mundo de mudanas e incertezas (IMBERNN, 2002)9, no qual exigido o desenvolvimento de saberestcnicos(especficosparaoexercciodaprofisso),almde saberes relacionados convivncia humana, dado que somos seressociaiseasprofisses,emsuamaioria,soexercidasemcontextos coletivos.

    Nessa perspectiva, o professor dever atentar para questes ticaseestticasdaprofisso.Hqueexercitar,cadavezmais,suacapacidadeindagativaereflexivaconformeapontamSchn(1995)10 e Zeichner (1993)11 no intuito de buscar respostas para algumasquestesimportantes,como:Qualperfildeserhumano/profissionalqueremosformar?Comodesenvolverumaformaoque instrumentalize os estudantes para a insero nessa reali-dade globalizada, multimdia e tecnolgica? Que pressupostos, que metodologias? Como avaliar se realmente nossos objetivos educacionais esto sendo alcanados?

    Pimenta (2006)12 destaca que a profisso docente umadas atividades de ensino e formao ligadas prtica educativa mais ampla que ocorre na sociedade. Nesse sentido uma ati-vidade que tem uma dimenso terico-prtica. O professor em formao dever passar por um processo de preparao para

    ...

    a formao de grande parte dos docentes universitrios no contempla questes relacionadas ao exerccio da profisso docente, por outro ser fundamental criar nas universidades espaos para

    discusso e reflexo a respeito da docncia e dos desafios enfrentados

    no exerccio dessa profisso.

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    assumir tarefas prticas relativas docncia, visto ser essa uma profissoquedemandaumaformaoamplaedensaemtermosdeelaboraodeconhecimentosespecficosdaprofissodo-cente. Nesse sentido, se o curso de formao inicial, em funo desuaespecificidade,conformedestacamosanteriormente,noteve como objetivo principal esse preparo para a docncia, os cursos de formao continuada devero se constituir em espaos importantesparaodesenvolvimentodaidentidadeprofissionale para a construo dos saberes docentes. Tero tambm, como tarefa, de contribuir para uma formao para alm da reproduo de modelos prticos dominantes, mas como espao legtimo de investigao e anlise das teorias e da contribuio das pesquisas para a atividade docente. Nesse sentido,

    Apreender na cotidianidade a atividade docente supe no perder de vista a totalidade social, pois a escola parte constitutiva da prxis social e representa, no seu dia-a-dia, as contradies da sociedade na qual se localiza. Assim, um estudo da atividade docente cotidiana envolve o exame de determinaes sociais mais amplas, bem como da organizao do trabalho nas escolas (PIMENTA, 2006)13.

    Como se v, o exerccio da docncia no algo simples. Trata-se de um fazer complexo, que exige do docente uma for-maoparaalmdodomniodocampocientficodesuareadeformaoeatuao imprescindvel,masnoobastantepara o desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem. Nesse sentido, torna-se imperiosa a elaborao de conhecimentos tericos e prticos relacionados docncia, compreendida como um ofcio que exige o domnio de vrios saberes.

    os saberes da docncia

    A anlise apresentada neste tpico tem o objetivo de contribuir para o entendimento da prtica pedaggica do professor, que tomadocomomobilizadordesaberesprofissionaisbastanteespecficos,caractersticosdaprofissodocente.Partimosdopressupostodeque,emsuatrajetriaformativaeprofissional,o professor constri e reconstri seus saberes conforme a ne-cessidade de utilizao que a prtica lhe impe. Para discutirmos os saberes docentes tomamos como interlocuo preferencial as ideiasdospesquisadoresMauriceTardif (2000;2002) 14, Bernard Charlot (2000)15 e Clermont Gauthier (1998)16.

    O modelo da racionalidade tcnica17 e as abordagens psicol-gicas que se centravam nos processos de aprendizagem no mais satisfazem as inquietaes dos pesquisadores na rea educacional. Isso faz com que se volte um olhar diferente para a problemtica educacionale,especificamente,paraadocncianosdiferentesnveis de ensino, buscando compreender o professor como sujeito histrico, dotado de subjetividades e intencionalidades. Nessa perspectiva, o saber docente vem sendo utilizado como importante categoria de anlise que busca desvelar o entendimento daculturaescolar,daprticapedaggica,enfim,dossaberesdeque se utilizam os professores em seu cotidiano.

    A complexidade do processo de formao, particularmente da formao de professores, dever envolver diferentes aspectos: sociais,polticos,filosficoseculturais.precisoousadiaparaque possamos nos desvencilhar de velhas prticas formativas que poucocontriburamparaaformaodeprofessoresautnomoseconscientesdarelevnciasocialdesuaprofisso,poisexistemoutras dimenses a serem consideradas. De acordo com dife-rentes tericos (Por exemplo: TARDIF, 200218;GAUTHIER, 199819;PIMENTA, 200020),dominarocontedoespecficono garante uma prtica pedaggica eficaz. Trata-se de umaquesto histrica, no sentido de que a atividade docente, durante muito tempo, foi pautada pela nfase na transmisso de conte-dos prontos, inquestionveis, na qual o professor tinha a tarefa apenas de divulgar e avaliar esses contedos. Nessa perspectiva, Roldoafirmaque:

    Tal como nas universidades medievais, redutos nicos do saber dis-ponvel, continuou a perpetuar-se a idia de que se ensina porque se sabe. S mais tarde o saber sobre o como ensinar - os saberes pedaggicos e didticos - assumiram alguma visibilidade21.

    Essa questo encontra-se presente no imaginrio dos profes-sores,aoconsideraremqueodomniodocontedoespecficocapaz de promover uma boa aula. Nesse sentido,

    O olhar social sobre a educao continua a manifestar, assim, uma distncia,emesmoumahostilidade,faceaodesenvolvimentodeumsaber educacional especfico, traduzido nesta persistente defesa dodescartar do inputdeconhecimentoeducacionalcomosuprfluoemfavordamanutenodeumestadopr-cientficodeespontanesmodo ato de educar, regulado no mximo por bom senso e slido saber exclusivamenteconfinadoaoscamposdoscontedoscientficosqueintegram o currculo escolar - o clebre escolstico ensino porque sei(ROLDO,2005)22.

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    Diante dessa problemtica que se torna oportuno reavaliar os saberes que so importantes na formao dos professores. precisorompercomaculturadoensinoporqueseiparaensinoporqueseieseiensinare,assim,construirumaoutraperspectiva que promova uma formao de professores pautada nosdiferentessaberes:slidosconhecimentosdareaespecficae igualmente slidos conhecimentos da rea pedaggica. Ainda de acordo com Roldo,

    Osdocentestransportamumdficitdeafirmaoprofissionalexata-mentepelafragilidadedasuarelaocomosaberdefinidordaatividadeeconsequentementedefinidordonveldeprofissionalidade;possuem,usam e trabalham com saberes, mas carecem de um saber prprio queosidentifiqueecomqueseidentifiquem:ouvivemosabercomosinnimodoscontedosqueensinam,ouvivemosabereducativonaverso praticista divorciada da teorizao e formalizao que o saber educacional - que eles tambm no produzem - oferece no campo das cincias da educao, situada num outro mundo de produo do saber queapenasaformaoprocuraligarmascomescassosucessonaruptura desta divergncia paradigmtica das duas culturas em presena (ROLDO,2005)23.

    As pesquisas tm contribudo, ainda, para uma melhor compreenso dos processos formativos de professores e dossaberesquecaracterizamaprofissodocente.Odesen-volvimento desses estudos utiliza uma abordagem terico-metodolgica que permite ouvir as vozes dos professores, a partirdaanlisedehistriasdevida,trajetriasprofissionais,prticas pedaggicas, etc. De acordo com Nvoa (1995)24, esta outra roupagem da pesquisa educacional surge em oposio aos estudosanterioresquerestringiamaprofissodocenteaumconjunto de regras, competncias e tcnicas prescritas, ou seja, que ignorava o professor como pessoa. Como consequncia, esses estudos acabaram por gerar nos professores uma crise de identidade em decorrncia da separao do eu pessoal e o euprofissional.Aspesquisasatuaistmdestacadooprofessor

    comofiguracentraldosestudos,possibilitandoumaabordagemmais abrangente a partir de diferentes enfoques que possuem comopressupostosossaberesprofissionais,aidentidadedo-cente, a prtica pedaggica, dentre outros aspectos ligados ao exercciodaprofissodocente.

    As concepes de formao de professores, antes a partir da tica da capacitao, ou seja, da transmisso pura e simplesmente de conhecimentos prontos, para que os professores estivessem treinadosparaoexercciodadocncia,tmdadolugaraumaoutra abordagem: a anlise das prticas docentes, enfatizando os saberes dos professores, como estes so mobilizados e cons-trudos no cotidiano acadmico.

    Nessa perspectiva, compreender os processos formativos, as experincias, as trajetrias de vida permite esclarecer uma srie de questes que vo desde a forma como o professor ensina at ao modo como ele organiza os contedos, os procedimentos e como lida com os alunos. Isso faz com que se valorize um outro tipo de saber: o experiencial, aquele que brota da experincia, sendo validado por ela e que est diretamente ligado maneira como o professor age, porque toma determinadas decises e como se posiciona diante dos problemas cotidianos. Conforme Tardif (2000)25, os saberes da experincia do segurana ao professor, porque j foram testados e validadosnocotidianodesuaprticaprofissional.

    No intuito de compreender melhor a configurao dosdiferentes saberes necessrios prtica docente, temos como refernciaqueossaberesprofissionaissoelaborados,incorpora-dos no processo do fazer docente, e que s tm sentido quando se considera o contexto em que essas prticas pedaggicas se constituem e so constitudas. Tardif (2000)26 nos alerta para o fatodequeossaberesprofissionaisdosprofessoressopluraise heterogneos porque formam um repertrio de conhecimento unificado.So,portanto,eclticosepluridimensionais.Assim,essessaberesprofissionaisestoaserviodaao,enaprticaquesetornamsignificativos.Almdisso,Tardif (2000)27 pon-tua que o objeto do trabalho do docente so seres humanos e, consequentemente, os saberes dos professores trazem consigo a marca do humano. As dimenses ticas e estticas na prtica pedaggica dos professores passam a ser consideradas, pois essa prtica implica a construo de valores, expectativas e relaes interpessoais que vo tecendo a complexidade da trama que o processo de ensino-aprendizagem produz.

    Nesse contexto, surgem os processos de formao continu-ada como importante espao para oportunizar aos professores a aprendizagem dos diferentes saberes, para que possam exercer sua tarefa, bastante complexa, da melhor maneira possvel, vis-to que ensinar supe aprender a ensinar, ou seja, aprender a dominar progressivamente os saberes necessrios realizao do trabalho docente (TARDIF, 2002)28. Gage, citado por Gauthier (1998), trata da questo dos saberes pensando que o ensino

    Distingue-sedas receitas,das frmulasedosalgoritmos;ele requerimprovisao, espontaneidade e o manejo de um vasto leque de consideraes em termos de forma, de estilo, de rapidez, de ritmo e de adequao, de modo to complexo que nem os computadores conseguiriam realizar... 29

    preciso romper com a cultura do ensino porque sei para ensino porque sei e sei ensinar e, assim, construir uma outra perspectiva que promova uma formao de

    professores pautada nos diferentes saberes: slidos conhecimentos da

    rea especfica e igualmente slidos conhecimentos da rea pedaggica

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    Nessa dimenso, o manejo de um vasto leque de considera-esspossvelseoprofessorteveaoportunidadedeconstruirosdiferentessaberesqueo identificamcomoprofissionaldadocncia em toda sua complexidade. Ser professor requer uma multiplicidade de atitudes que ultrapassam a previsibilidade. preciso aprender a lidar diariamente com o inesperado, os conflitos,asindividualidades,aadversidade,eissorequerumtempo de formao para alm dos limites das instituies de ensino superior.

    Todosaberimplicaumprocessodeaprendizagemedeformao;e,quanto mais um saber desenvolvido, formalizado, sistematizado, comoacontececomascinciaseossaberescontemporneos,maisserevela longo e complexo o processo de aprendizagem que exige, por sua vez, uma formalizao e uma sistematizao adequadas (TARDIF, 2000)30.

    Aprofissodocente implica saberes,oquedemandaaoscursos de formao continuada de professores compreender como esses saberes so produzidos, integrados e utilizados na prtica. A docncia assim entendida como um ofcio pleno de saberes que a caracterizam (cf. GAUTHIER, 1988)31. O saber, afirmaCharlot(2000),construdoemuma histria coletiva que a da mente humana e das atividades do homem e est submetido a processos coletivos de validao (...). Como tal produto de relaes epistemolgicas entre os homens 32.

    Charlot atribui uma dimenso relacional aos saberes, no entanto os distingue de informao e conhecimento. Para esse autor, a informao um dado exterior ao sujeito, se constituindo no primeiro estgio do conhecimento. Conhecer relaciona-se a um segundo estgio: o de labor com as informaes, analisando-as, contestando-as ou aceitando-as. O conhecimento , ento, o resultado de uma experincia pessoal ligada atividade de um sujeito provido de qualidades afetivo-cognitivas(CHARLOT,2000)33. O pr-ximo estgio do conhecimento, conforme Pimenta (2000), tem a ver com a inteligncia, a conscincia ou sabedoria34. O conhecimento, ao ser elaborado e trabalhado em diferentes aspectos (ticos, estticos,culturais,conceituais),configura-seemsaberesque,por sua vez, tm sua dimenso individual e coletiva.

    A compreenso dos saberes desenvolvidos nos cursos de formao continuada permite ampliar o entendimento das prticas formativas desses cursos e contribuir para o desenvolvimento da identidadeprofissionaldosprofessores.Ossaberessoconside-rados, portanto, como o resultado de uma produo histrica e social, fruto de uma interao entre os sujeitos (professores) e seus processos formativos.

    Os saberes docentes esto em constante movimento, passam por elaboraes e reelaboraes medida que h necessidade e provm de diferentes fontes: experincias, histria de vida, curso de formao inicial e continuada, prtica pedaggica, convivncia com os pares, dentre outros. Portanto, compreender a impor-tnciadossaberesdocentestem,paraesteestudo,aintenodeevidenciar a necessidade de que os cursos de formao continuada favoream a articulao entre a formao terica (saberes disci-plinares) e os conhecimentos oriundos do universo acadmico (saberespedaggicos),umavezque,aoafirmarseradocncia

    umaprofissoqueenvolveaproduoeautilizaodesaberes,o conhecimento desses saberes docentes pode contribuir para a melhoriadaformaoedaprofissionalizaodoprofessor,queserrefletidanamelhoriadaqualidadedesuasprticas.

    Genericamente, os saberes disciplinares referem-se aos conhecimentosdareaespecficadeformao,ouseja,umconhecimento que vai alm da aquisio de informaes. Os saberes disciplinares, conforme Gauthier (1998), dizem respeito aos saberes produzidos pelos pesquisadores e cientistas nas diversas disciplinas cientficas, ao conhecimento por eles produzidos a respeito do mundo 35. Referem-se tambm ao conhecimento do contedo a ser transmitido, uma vez que s se poder ensinar o contedo que se domina (GAUTHIER, 1998)36. O conhecimento tem como ponto de partida o trabalho cognitivo com as informaes, mas no se reduz a este, porque envolve areflexoeaproduodenovasformasdedesenvolverascapacidades intelectuais.

    Os saberes pedaggicos esto diretamente relacionados orien-taoparaaprticaprofissionaldadocncia,steoriasdaedu-cao, aos processos de ensino-aprendizagem e aos princpios da organizao escolar. Gauthier (1998)37 ressalta que os saberes pedaggicos so os menos desenvolvidos durante a formao dos professores, o que se constitui em um problema, visto que so imprescindveis profissionalizaodo ensino.Para esseautor, os saberes pedaggicos constituem um dos fundamentos da identidade profissional do professor38.

    O desenvolvimento dos saberes pedaggicos possibilita ao professorumamelhorcompreensodofenmenoeducativo,do exerccio da docncia, alm de ampliar as possibilidades de reflexosobresuasprticas.Contribui,ainda,paraqueopro-fessor desenvolva sua autonomia profissional, no sentido deplanejar bem suas aulas, desenvolver princpios metodolgicos que contribuam para o alcance dos objetivos educacionais, utilize a avaliao da aprendizagem a partir de uma abordagem

    Ser professor requer uma multiplicidade de atitudes que

    ultrapassam a previsibilidade. preciso aprender a lidar diariamente

    com o inesperado, os conflitos, as individualidades, a adversidade, e isso requer um tempo de formao

    para alm dos limites das instituies de ensino superior.

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    mais formativa, enquanto importante instrumento balizador do processo de ensino-aprendizagem (TEIXEIRA, 2007)39.

    idenTidade profissional: a docncia em consTruo

    A identidade docente no se desenvolve apenas nos cursos de formao, mas na intrincada teia de relaes que vo se estabelecendo entre formao inicial e continuada, experincias pedaggicas e vivncias (famlia, espaos educacionais e sociais) quecadaumconstrisuaidentidadepessoaleprofissional.preciso, ainda, destacar que no se torna professor do dia para a noite, mas um processo longo e complexo. A partir das vi-vncias, do curso de formao inicial e das diversas experincias, os diferentes saberes (disciplinares, curriculares, pedaggicos e experienciais)voseconsolidandonumprocessodinmico,oquecaracterizaaprofissodocente.Issoquerdizerqueaiden-tidade docente no um dado inerte, pronto e acabado, mas um processo que vai aos poucos se constituindo, sendo modelada, modificadaeproduzidaaolongodastrajetriasprofissionais.

    A identidade no produzida de forma linear e esttica, mas se constitui justamente nas contradies apresentadas durante asdiferentesexperinciaspessoaiseprofissionais.Essecarterde construo permanente da identidade docente ilustrado na citao abaixo:

    Umaidentidadeprofissionalseconstri,pois,apartirdasignificaosocialdaprofisso;da revisoconstantedos significadossociaisdaprofisso;darevisodastradies.Mas,tambm,dareafirmaodeprticasconsagradasculturalmenteequepermanecemsignificativas.Prticas que resistem a inovaes porque prenhes de saberes vlidos s necessidades da realidade. Do confronto entre as teorias e as prti-cas, da anlise sistemtica das prticas luz das teorias existentes, da construode novas teorias.Constri-se, tambm, pelo significadoque cada professor enquanto ator e autor confere atividade docente no seu cotidiano a partir de seus valores, de seu modo de situar-se no mundo, de sua histria de vida, de suas representaes, de seus saberes, de suas angstias e anseios, do sentido que tem em sua vida o ser professor. Assim como a partir de sua rede de relaes com outros professores, nas escolas, nos sindicatos e em outros agrupamentos (PIMENTA, 2000)40.

    O desenvolvimento da identidade sempre um processo bastante complexo, que necessita de tempo. Um tempo para refazer identidades, para acomodar inovaes, para assimilar mudanas(NVOA 1995)41. Alm disso, a identidade no pode ser adqui-rida, no uma propriedade, nem um produto. Por isso, no simplesotornar-seprofessoreidentificar-secomumaprofissocuja imagem est bastante desgastada e no oferece referncias estimuladoras.

    Osdocentes,emsuamaioria,identificam-semaiscomocursode formao inicial do que propriamente com a docncia. Comu-mente,aoseremindagadossobresuaprofissomuitosprofessoresafirmamsermdicosquelecionamnocursodemedicina,bilogosque ministram aulas no curso de biologia, historiadores que en-sinam histria, engenheiros que lecionam no curso de educao tecnolgica,etc.Parecehaverumadificuldadeparaseidentificaremcom a docncia, o que reforado pelas polticas institudas em

    grande parte das instituies educacionais: o exerccio da docncia torna-se uma sobrecarga para os professores, que so muito mais incentivados a cuidarem de suas pesquisas, a produzirem inmeros artigos para publicao demandados pelas agncias de fomento pesquisa que constantemente avaliam muito mais a quantidade de produo do que a qualidade dos artigos.

    Assim,daraulaspassaaseralgodemenorvalor,princi-palmente quando se tem uma demanda grande de outras tarefas a serem cumpridas no interior das instituies: bancas, orienta-esdealunos,participaoemeventoscientficos,pesquisaeextenso. Nessa perspectiva, os estudantes so penalizados muitas vezes com a m qualidade das aulas em virtude do despreparo de seus professores.

    necessidades formaTivas dos professores: ponTuando alguns aspecTos

    Osprocessosdedesenvolvimentoprofissionaleformaocontinuada de professores tm-se tornado uma demanda urgente, dadaacomplexidadedoexercciodessaprofisso.A docncia uma profisso que tem por natureza constituir um processo mediador entre sujeitos essencialmente diferentes, professor e alunos, no confronto e na con-quista do conhecimento(PIMENTA, 2002)42. Portanto, requer do professor,almdoamploconhecimentocientficodesuareade atuao, o domnio dos saberes pedaggicos.

    Essesestudostmdestacadoaimportnciadeseanalisara questo da prtica pedaggica como algo relevante. Pimenta (2000)ressaltaaimportnciade ressignificar os processos formativos a partir da reconsiderao dos saberes necessrios docncia, colocando a prtica pedaggica e docente escolar como objeto de anlise43. De acordo com Tardif (2000) importante compreender a epistemologia da prticaprofissionalcomooestudo do conjunto dos saberes utilizados realmente pelos profissionais em seu espao de trabalho cotidiano para de-sempenhar todas as suas tarefas 44. Sendo assim, o desenvolvimento doscursosdeformaocontinuadadevepropiciarumareflexomaisamplasobrearelaoobjetivos/finalidadesdaeducao,as relaes contedo/mtodo e as relaes procedimentos/recursos, bem como os processos de avaliao na perspectiva de uma teoria crtica de educao.

    Ooqueeocomoensinarsoquestesdiretamentevinculadasaoparaquemeondeseensina.Issosignificaque os contedos e a forma como sero desenvolvidos com os estudantes no podero estar dissociados das caractersticas socioculturais e do contexto histrico-social em que se efeti-var o processo de ensino-aprendizagem. Deve-se considerar ainda que a apropriao do conhecimento pelos estudantes envolvedificuldadesquepodemestarnanaturezadoprprioconhecimento.

    No contexto escolar, de modo geral, observamos constante-mente estudantes desmotivados com seus cursos, reivindicando aulasmaissignificativaseprazerosas,professoresinsatisfeitoscom o processo e resultados da aprendizagem discente, coor-denadores de cursos ansiosos por melhores resultados. Diante desses dilemas partimos do pressuposto no de uma formao pedaggicaparaatuarnadocnciaouensinarosprofessoresa ministrar suas aulas, mas a possibilidade de criar espaos para

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    aprendizagens em dilogo com a experincia e a histria de vida de cada professor. Surge, ento, a necessidade de se criar nas instituieseducacionaisuniversidades,escolasdeeducaobsica, escolasprofissionalizantes espaos fecundospara aprtica de reflexes sobre a docncia, para explicitar desco-bertaseexperinciassignificativas,paraestimularumprocessopermanente de exerccio crtico da prtica docente e reavivar a prtica pedaggica.

    Nessa perspectiva, apontaremos algumas alternativas pro-positivas no campo da formao continuada de professores que tenham como objetivos: compreender a condio histrico-social dasinstituieseducacionaisnocontextoatual;analisardiferentesconcepesdeeducaoeteoriasdeaprendizagem;compreendera importncia dos procedimentos didtico-pedaggicos paraaorganizaodosprocessosdeensino-aprendizagem;buscarpropostas metodolgicas que apontem para a coerncia entre teoriaeprticanaatuaodocente;incentivaraconstruodeuma postura cientfica e didtico-metodolgica no cotidianodotrabalhoemsaladeaula;refletirsobreadocncia.Taisob-jetivos podero ser alcanados a partir do desenvolvimento de temticas como:a) Educao e conhecimento: teorias de conhecimento e

    educao, concepes de produo do conhecimento, para-digmas educacionais e de pesquisa, concepes de educao etendnciasecorrentespedaggicasnaprticaeducativa;

    b) Profisso e profissionalizao docente: formao inicial, processos de formao permanente (formao em servio), anlise das prticas cotidianas, socializao de experincias entreprofessores,apreensodosmovimentosdeprofissiona-lizao, desenvolvimento da identidade docente, construo dossaberesdadocncia;

    c) Os espaos de ensino-aprendizagem:reflexessobreaaula como momento de produo de conhecimentos e desenvolvimento do pensamento, possibilidades de tornar a sala de aula um ambiente favorvel ao desen-volvimento dos processos de ensino-aprendizagem, relaoindissocivelentreteoriaeprtica;

    d) Planejamento educacional e avaliao da aprendizagem: (projetos pedaggicos, planos de curso,planosdeaula)importnciadoplanejamentocomo elemento orientador da prtica pedaggica, concepes, abordagens e instrumentos de avaliao da aprendizagem, avaliao como momento privilegiado deestudos;

    e) Relao professor-aluno: autonomia docente e discen-te, autoridade versus autoritarismo, papel da afetividade no processo de ensino-aprendizagem. As unidades temticas propostas podem ser desen-

    volvidas a partir de diferentes perspectivas: reunies de estudo com leitura e discusso de textos que abordemostemas;encontrosentreprofessorespararelatosdeexperincias;elaboraocoleti-va de projetos de pesquisa-ao que tenham como temas questes referentes ao processo de ensino-aprendizagem; aulas dialogadas;

    pesquisabibliogrfica; seminrios, trabalhos individuais e emgrupo, alm da utilizao de diferentes tcnicas de ensino.

    A carga horria dos encontros poder ser organizada a partir das possibilidades e necessidades do grupo de professores em processo de formao continuada. A avaliao da aprendizagem no curso dever ter como pressuposto a abordagem formativa, que acompanhar todo o processo das aulas. Nos cursos que organizamos e desenvolvemos, a avaliao proposta foi a partir daproduodeumMemorialReflexivoproduzidopelospro-fessores cursistas.

    O memorial de formao um gnero textual que tem sido valorizado cada vez mais, uma vez que representa ao mesmo tempo uma oportunidade de os educadores desenvolverem sua escrita, de tomarem a palavra para contar a prpria histria e de serem protagonistas de seu processo formativo. O Memorial umaatividadereflexivaquepodercontribuirparaodesenvolvi-mentodaidentidadepessoaleprofissional,umavezquesetratado resultado de uma narrativa da prpria experincia retomada apartirdefatossignificativosquevmlembrana.Contudo,o processo de recordar no apenas lembrana, mas sim um exerccio de compartilhamento de experincias vividas.

    A proposta de elaborao do Memorial no Curso de Formao Continuada de Professores representa a possibilidade de discutir, analisarerefletircriticamenteasimplicaesdaformaoedaprofissionalizaodocenteinicialecontinuadanoprocessodeensino-aprendizagem e suas relaes, na perspectiva dos parti-cipantes, enquanto pessoas que constroem a base para o cres-cimentoprofissionalparaalmdospreconceitoseesteretiposarraigadossecularmenteprofissodocente.

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    algumas consideraes...

    A anlise da literatura referente docncia reitera que a for-mao de professores constitui-se numa rea de conhecimentos, deinvestigaoedepropostasdeintervenoprofissionalemfavor do ensino, da aprendizagem, da universidade e, tambm, em favor do desenvolvimento das pessoas. No se trata, ento, de desenvolver processos de ensino tradicionais, centrados apenas nafigura central doprofessor,mas debuscar proce-dimentos metodolgicos que apontem para a coerncia entre teoria e prtica, pensamento e ao, contedo e forma. Trata-se deprepararosestudantespararealizaracrticaeareflexonomundodotrabalhoemqueiroinserir-secomoprofissionaisbem preparados, munidos de ferramentas que lhes possibilitem o exercciocompetentedaprofisso.Almdisso,serprecisoqueos docentes envidem esforos no sentido de promover prticas que desenvolvam a dimenso formativa do humano pautadas em valores ticos e estticos. Nesse sentido, o compromisso social das instituies de ensino ser no somente produzir e dissemi-nar informaes e conhecimentos, mas tambm formar pessoas com slidos valores, como: conscincia tica, compromisso e responsabilidade com o conhecimento adquirido, solidariedade, justia, dignidade e respeito vida humana e planetria.

    Diante da complexidade inerente ao exerccio da docncia, a formao continuada de professores dever ser pensada e efetivadaapartirdarelaodinmicaentrearealidadehistricaeasuatotalidadeconcretaemqueatuamosdocentes.Odesafioque se apresenta s instituies educacionais o de organizar os cursos de formao continuada com base numa perspectiva emancipadora, na qual o professor seja considerado um partcipe deseuprocessoformativo.Outrodesafioserodereconhecerque medidas simplistas no so capazes de resolver questes complexas, ou seja, ser preciso instituir processos formativos baseados em princpios orientadores que realmente possibilitem uma slida formao terico-prtica, capaz de munir os profes-soresdosdiferentessaberesprofissionaisparaoexercciodadocncia. Nessa perspectiva, as instituies educacionais devero propiciar condies efetivas, como a disponibilidade de horrios, infra-estrutura e incentivos para que seus professores possam e desejem participar dos cursos de formao continuada.

    A partir da avaliao dos cursos de formao continuada, realizados pelos professores ingressantes e veteranos da Univer-sidade, constatamos que esses professores tm conscincia de suas limitaes formativas, mas, ao mesmo tempo, demonstram interesse em desenvolver a dimenso didtico-pedaggica para melhorar sua prtica docente. Consideramos que os objetivos dos cursos realizados foram alcanados, conforme demonstram os relatos de alguns professores que j atestaram mudanas concretas em suas prticas, com melhoria, inclusive, da relao professor-aluno. Os aspectos principais citados pelos professores nomomentodaavaliaofinaldocursoforam:ariquezadosencontros com colegas de outras reas, a possibilidade derefletiremjuntososproblemascomunsentreospares,atrocade experincias e o efeito positivo j sentido na organizao e no desenvolvimentodesuasaulas.Umdosprofessoreschamouaateno para o fato de terem desenvolvido ainda mais a capaci-dadereflexivadesuasprticas,almdodesejodemelhorarsuas

    aulas, de planejar melhor e romper com a concepo tradicional de avaliao da aprendizagem, buscando novos instrumentos e a explicitao dos critrios avaliativos45.

    O caminho est se desenhando durante nossa trajetria de desenvolvimento dos cursos. Abrimos espaos para sugestes e temos a esperana de continuar o dilogo enriquecedor com os professores no sentido de romper com a solido acadmica, instituindo um espao fecundo para troca de experincias, para compartilhar angstias e, por que no, criar novos procedimentos metodolgicos que objetivem, cada vez mais, a crescente melhoria daqualidadenaeducao.Temosconscinciadasdificuldadesenfrentadas pelos professores para participar dos cursos, prin-cipalmente pela questo de horrios. Mas a utopia continua: ela no nos deixa parar de caminhar e acreditar!

    noTas

    1 GALEANO, Eduardo. Utopia. Disponvel em: Acesso em: 10/12/08.

    2 BAZZO,WalterA.Serumeducadoremtecnologia.In:FRANCO,M.Estela;KRAHE, Elizabeth (Orgs.). Pedagogia universitria e reas de conheci-mento. Porto Alegre: EdiPUCRS, 2007. p. 189-204.

    3 Id. ibid.4 O Conselho Nacional de Educao, por meio da Resoluo CNE/ 1, de 18

    de fevereiro de 2002, institui as Diretrizes Curriculares para a Formao de Professores da Educao Bsica, em nvel superior, curso de licenciatura, de graduao plena. Essas diretrizes apontam para uma reestruturao dos cursos delicenciatura,nosentidoderompercomoconhecidoesquema3+1,emqueanfasenobachareladoealicenciaturaficasecundarizadacomoumapndicenaformaodograduando.Umadasprincipaismodificaesinsti-tudas pela Resoluo 1/2002 do CNE refere-se ao aumento da carga horria para 400 horas de prtica de ensino como componente curricular, vivenciadas ao longo do curso, mais 400 horas de estgio curricular supervisionado a partir da segunda metade do curso, totalizando 800 horas, alm de 1/5 do total da carga horria que dever ser destinado formao pedaggica.

    5 BRASIL. Lei n 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Dirio Oficial da Unio, Braslia (DF), v. 134, n. 248, p. 27.833-27.841, 23 dez. 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da Educao Nacional.

    6 CUNHA, M. Isabel. Ensino como mediao do professor universitrio. In: MOROSINI, Marilia C. (Org.). Professor do ensino superior: docncia e formao. 2.ed. Braslia: Plano Editorial, 2001. p. 80.

    7 Id. ibid.8 FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessrios prtica

    educativa. 21 ed. So Paulo: Paz e Terra, 1996.9 IMBERNN, Francisco. A educao no sculo XXI:osdesafiosdofuturo

    imediato. Porto Alegre: Artmed, 2002.10 SCHN, Donald. Formar professores como profissionais reflexivos. In:NVOA,Antonio (Coord).Os professores e a sua formao. Lisboa: Publicaes Dom Quixote, 1995.

    11 ZEICHNER, Kenneth. A formao reflexiva dos professores: idias e prticas. Lisboa: Educa, 1993.

    12 PIMENTA, Selma G. Pesquisa e Formao de Professores: contextualizao histricaeepistemolgicadeumprojetointegrado.In:GUIMARES,ValterS. (Org.). Formar para o mercado ou para a autonomia? Campinas(SP): Papirus, 2006. p. 67-88.

    13 Id. ibid., p. 74.14 TARDIF,Maurice.Saberesprofissionaisdosprofessoreseconhecimentos

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    universitrios. Revista Brasileira de Educao. ANPED, n 13, p. 5-23, 2000; Id. Saberes docentes e formao profissional. Petrpolis( RJ): Vozes,2002.

    15 CHARLOT, Bernard. Da relao com o saber: elementos para uma teoria. Porto Alegre: ArtMed, 2000.

    16 GAUTHIER, Clemont. Por uma teoria da pedagogia: pesquisas contem-porneassobreosaberdocente. Iju (RS): Ed. Uniju, 1998.

    17 A racionalidade tcnica, conforme Giroux (1997), est calcada em ideologias instrumentais que reduzem os professores a tcnicos, de modo que, imersos na burocracia escolar, estejam incumbidos de administrar e implementar programas curriculares, mais do que desenvolver ou apropriar-se criticamente decurrculosquesatisfaamobjetivospedaggicosespecficos.Contrapondo-seaessemodelo,Girouxreafirmaaideiadequeadocnciaumtrabalhointelectual e no puramente tcnico. Dessa forma, ser preciso encarar os professorescomointelectuaistransformadores,oquesignificaconferiraoexerccio da docncia a dimenso poltica (GIROUX, Henry. Os Professores como intelectuais rumo a uma pedagogia crtica da aprendizagem. Porto Alegre: Artmed, 1997, p. 166).

    18 TARDIF (2002). op. cit.19 GAUTHIER (1998). op. cit.20 PIMENTA, Selma G. (Org.). Saberes pedaggicos e atividade docente.

    So Paulo: Cortez, 2000.21 ROLDO,MariadoCu.Sabereducativoeculturasprofissionais-contribu-

    tos para uma construo/desconstruo epistemolgica. In: CONGRESSO DASOCIEDADEPORTUGUESADECINCIASDAEDUCAO,7.. Portugal, 2005, p. 1-26. Disponvel em: , Acesso em: 22/11/05. p. 21.

    22 Id. ibid., p. 9.23 Id. ibid., p. 21-22.24 NVOA,Antnio(Org.).Profisso professor. Porto: Porto Ed., 1995.25 TARDIF (2000). op. cit.26 Id. ibid.27 Id. ibid.28 TARDIF (2002). op. cit., p. 20.29 GAGE. Apud. GAUTHIER (1998). op. cit., p. 96.30 TARDIF (2000). op. cit. , p. 218.31 GAUTHIER (1998). op. cit. , p. 28.32 CHARLOT (2000). op. cit. , p. 62.33 Id. ibid., p. 61.34 PIMENTA (2000). op. cit. , p. 22.35 GAUTHIER (1998). op. cit.36 Id. ibid., p. 29.37 Id. ibid., p. 34.38 Id. ibid.39 TEIXEIRA, Geovana Ferreira Melo. Tornar-se professor: a formao

    desenvolvida nos cursos de Fsica, Matemtica e Qumica da Universidade FederaldeUberlndia.223f.Tese(ProgramadePs-GraduaoemEducao)FaculdadedeEducao,UniversidadeFederaldeGois,Goinia,2007.

    40 PIMENTA (2000). op. cit. , p. 19.41 NVOA(1995).op. cit. , p. 16.42 PIMENTA,SelmaG.;GHEDIN,Evandro(Orgs.). Professor reflexivo no

    Brasil. So Paulo: Cortez, 2002.

    43 PIMENTA (2000). op. cit. , p. 17.44 TARDIF (2000). op. cit. , p. 13.45 Informaes colhidas a partir da avaliao escrita e no grupo focal realizado

    com os professores participantes do I e II Cursos de Formao Continuada, no perodo entre 2007 e 2008. Os cursos foram promovidos pelo NAPP (NcleodeApoioPedaggicoaoProfessorPROREH/UFUUniversidadeFederaldeUberlndia).Inicialmenteoscursosforamorganizadoscomcargahorria de 40 horas e oferecidos aos docentes. Alm dos cursos tambm foram oferecidos minicursos com carga horria de 8 horas, de acordo com as temticas sugeridas pelas Unidades Acadmicas.

    ABSTRACT

    Geovana Ferreira Melo Teixeira. Teaching: a construction based on multiple conditioning factors.

    This article discusses issues related to teaching based on multiple conditioning factors: education, insertion in the teaching career, and impasses and challenges posed by the teaching practice. The objective is to analyze the locus of teacher education and its legal aspects, discuss knowledges and professional identity, and present reflections on active continuing education for teachers. The starting point for the analysis was the study of the literature on teacher education, in addition to data collected from teachers undergoing professional training. The challenge posed to educational institutions is to organize continuing education courses with an emancipatory perspective, in which the teacher is seen as a participant in his/her education.

    Keywords: Teaching; Teacher Education; Initial Education; Continuing Education; Professional Identity; Knowledge.

    RESUMEN

    Geovana Ferreira Melo Teixeira. Docencia: una construccin a partir de condicionantes mltiples.

    El presente artculo pone de manifiesto asuntos relacionados con la docencia a partir de condicionantes mltiples: la formacin, la insercin en la carrera de magisterio, los impasses y los desafos impuestos por la prctica docente. Tiene por objeto analizar la situacin de la formacin de profesores y sus aspectos legales, as como tambin discutir los conocimientos y la identidad profesional y asimismo presentar reflexiones con respecto a la formacin continua de profesores en servicio. El anlisis tuvo como punto de partida el estudio de la literatura dedicada a la formacin de profesores, adems de los datos recogidos por los profesores que tomaban cursos. Las instituciones educacionales se enfrentan con el desafo de organizar cursos de formacin continua tomando como base una perspectiva emancipadora en la cual se considera al profesor como una parte integrante del proceso formativo.

    Palabras clave: Docencia; Formacin de Profesores; Formacin Inicial; Formacin Continua.; Identidad Profesional; Saber.

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