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EDITORESJoão de Almeida

João Luiz da Silva Almeida

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JOSÉ CIRILO DE VARGAS

DO TIPO PENAL

2a edição

EDITORA LUMEN JURIS

Rio de Janeiro2007

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Copyright © 2007 by José Cirilo de Vargas

PRODUÇÃO EDITORIAL

Livraria e Editora Lumen Juris Ltda.

A LIVRARIA E EDITORA LUMEN JURIS LTDA.não se responsabiliza pelas opiniões emitidas nesta obra.

É proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo, inclusive quanto às características

gráficas e/ou editoriais. A violação de direitos autorais constitui crime (Código Penal, art. 184 e §§, e Lei no 10.695,

de 1o/07/2003), sujeitando-se à busca e apreensão e indenizações diversas (Lei no 9.610/98).

Todos os direitos desta edição reservados àLivraria e Editora Lumen Juris Ltda.

Impresso no BrasilPrinted in Brazil

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Para Cirilo Augusto e Mirinha.

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AGRADECIMENTOS

Ao Sr. Prof. Jair Leonardo Lopes, o primeiro etalvez único verdadeiro dogmata penal de Minas.Seja na quietude da judicatura ou no alarido dademanda, seja em texto para o Aluno, vez poroutra deixa escapar, em linguagem sóbria e con-tida, o fruto maduro de sua reflexão serena, com-promissada apenas com a unidade sistemática doDireito posto. Entre muitos exemplos, devo a eleo sentido da perseverança.

Com reconhecimento, agradeço a acadêmicaAimara Dias Leite, amiga da Faculdade de Direi-to, pela atualização legislativa do texto.

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Sumário

Capítulo 1 – O Objeto da Tutela Penal ............................. 11.1. Bem Jurídico, Interesse e Valor .................................. 1

Capítulo 2 – O Tipo Penal................................................... 192.1. Tipo e Tipicidade: conceito e evolução...................... 192.2. Elementos Especiais do Tipo...................................... 32

2.2.1. Elementos Subjetivos ........................................ 322.2.2. Elementos Normativos ...................................... 45

2.3. A Função do Tipo ......................................................... 47

Capítulo 3 – Análise do Tipo.............................................. 673.1. A Ação........................................................................... 68

3.1.1. A Omissão........................................................... 733.1.2. O Verbo................................................................ 80

3.2. O Resultado: crimes sem resultado ........................... 843.3. O Nexo causal............................................................... 953.4. O Sujeito ativo .............................................................. 1013.5. O Sujeito Passivo .......................................................... 1123.6. O Objeto Material......................................................... 1173.7. Instrumento ou Meio de Execução............................. 1303.8. Modos de Execução ..................................................... 1333.9. O Lugar.......................................................................... 1363.10. O Tempo....................................................................... 138

Capítulo 4 – Classificação dos Tipos ................................ 1454.1. Quanto à sua Estrutura ............................................... 1454.2. Quanto à Ação.............................................................. 1464.3. Quanto ao Bem Jurídico Tutelado .............................. 1484.4. Quanto à Unidade ou Pluralidade de Bens Tutelados . 150

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4.5. Quanto à Forma de Ação............................................. 1514.6. Quanto a seu Conteúdo............................................... 151

Capítulo 5 – Ausência de Tipicidade ................................ 1535.1. No Crime Putativo ........................................................ 1535.2. Nos Casos de Crime Impossível................................. 1535.3. Na Falta de Certos Elementos Constitutivos do Tipo. 154

5.3.1. Ação..................................................................... 1545.3.2. Objeto Material................................................... 1555.3.3. Elementos Normativos ...................................... 1555.3.4. Elementos Subjetivos ........................................ 1565.3.5. Sujeito Ativo........................................................ 1575.3.6. Sujeito Passivo.................................................... 1575.3.7. Circunstância de Tempo ou de Lugar.............. 1585.3.8. Modos de Execução ........................................... 1585.3.9. Meio ou Instrumento ......................................... 159

5.4. Princípio da Adequação Social ................................... 1595.5. Princípio da Insignificância......................................... 1605.6. Risco Permitido............................................................. 1615.7. Algumas Situações de Erro......................................... 163

Conclusão ............................................................................. 165

Referências Bibliográficas................................................. 167

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Capítulo 1O Objeto da Tutela Penal

Em determinado momento histórico, a consciênciacoletiva de um povo emite juízos de valor, posteriormentereconhecidos pelo Estado; essa valoração cria os chamadosbens jurídicos. E tais são a vida, o patrimônio, a boa fama,a liberdade individual, etc.

Do bem jurídico é que parte a norma penal que,segundo Bruno, “é a norma do Direito em que se manifes-ta a vontade do Estado na definição dos fatos puníveis ecominação das sanções.” (Direito Penal, I. Rio, Forense,1967, p. 181)

Na norma penal propriamente dita, ou norma incrimi-nadora, cuja sede é a Parte Especial, está o tipo, que con-tém a matéria de proibição, ou de comando; ou seja, aque-le descreve uma conduta humana que ofende ou põe emperigo um bem jurídico.

Dessa forma, o bem jurídico representa o ponto de par-tida na elaboração e na interpretação dos tipos penais. Osconceitos de bem jurídico e tipo penal acham-se de talmaneira entrelaçados, que não se pode prescindir da idéiado primeiro, ao se examinar o segundo.

Ensina Grispigni que “il bene giuridico è la ragiond‘esere della fattispecie legale, lo spirito che la fa vivere.”(Diritto penale italiano, tomo secondo. Milano, Giuffrè,1950, p. 140.)

1.1. Bem Jurídico, Interesse e Valor

Bem é tudo aquilo que possui utilidade ou é vantajosopara a pessoa ou para coletividade: a casa onde moramos,

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os nossos livros, o nome do cidadão, a condição de filho oude pai, o direito à integridade física e moral, etc.

Nem todos os bens, contudo, são bens jurídicos: nestacategoria inscrevemos apenas o que está amparado pelaordem jurídica.

São bens jurídicos, antes de tudo, os bens de naturezapatrimonial. Nesse sentido, tudo o que se pode integrar aonosso patrimônio é um bem e, como tal, recebe a tutela doDireito. Mas não são somente os bens patrimoniais que seerigiram em bem jurídico. A ordem jurídica envolve, ainda,outros bens inestimáveis do ponto de vista econômico, ouinsusceptíveis de se traduzirem por um valor pecuniário.Assim, não recebendo, embora, valoração financeira, sãoobjeto da tutela jurídica e, mais precisamente, da tutelapenal: a vida, a honra, a liberdade individual, etc.

O século XVIII propiciou considerável desenvolvimen-to das idéias penais, em que se assentaram os precedentesda construção científica e moderna de nossa Disciplina.Parece datar dessa época as preliminares da delimitaçãodo conceito de bem jurídico, que haveria de ser o centro dosistema penal em razão da ilicitude, a primeira das carac-terísticas da conduta punível. Nesse tempo, pela influêncialiberal de pensadores como Rousseau e Montesquieu, só sereconhecia fundamentada a pena quando houvesse umaprévia lesão jurídica.

Como já referido, o momento histórico é fundamentalna escolha dos bens que se tornarão objeto da proteçãopenal. Ao lado desse momento histórico, a ideologia:nosso Código, ao erigir em bem jurídico a honestidadesexual, os bons costumes e o pudor, refletiu o caráter fas-cista de sua época. A ideologia imperante em 1940 levoua que se considerasse fundamento de certos delitosquestões puramente morais, o que atualmente não seajusta aos parâmetros legislativos de países como a

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Alemanha e a Espanha, tidos em alta conta em matériapenal, no início do terceiro milênio.

Mais que o histórico e o ideológico é o princípio da“ultima ratio”. Só se deve recorrer ao Direito penal quandofalharem os outros setores do ordenamento jurídico. Aintervenção penal é violenta por natureza. A violência esta-tal, que essa intervenção representa, só deve ser manejadaem última instância. A gravidade da ação penal inviabilizasua aplicação sistemática. Somente a violação de bens deconsiderável importância justifica um processo criminal.Do contrário, o Estado se converterá numa entidade poli-cialesca.

A questão do valor é tão complexa que Hessen chegaa dizer:

“O conceito de ‘valor’ não pode rigorosamentedefinir-se. Pertence ao número daqueles conceitossupremos, como os de ‘ser’, ‘existência’, etc., que nãoadmitem definição. Tudo o que pode fazer-se a respei-to deles é simplesmente tentar uma classificação oumostração do seu conteúdo.” (Filosofia dos valores.Trad. de Cabral de Moncada. Coimbra, ArménioAmado, 1967, p. 37. No mesmo sentido, MachadoPaupério: “Em geral, não encontramos uma definiçãode valor, mesmo nas obras dos maiores autores namatéria. O valor é mostrado, não é definido. Muitosaté, como o notável filósofo J. de Finance, professor daUniversidade de Paris, insistem em que o conceito nãoseria definível” – Introdução axiológica ao Direito. Rio,Forense, 1977, p. 13 – Gustav Radbruch observa que“entre os dados da experiência, no meio da matériainforme das nossas vivências, ‘realidade’ a ‘valor’ apa-recem-nos caoticamente baralhados e confundidos.Temos vivências de homens e coisas carregados ousaturados duma idéia de valor ou de desvalor (valores

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positivos e negativos) que lhes associamos, e todavianão nos lembramos de que esse valor ou desvalordependem de nós, provêm de nós, e não das própriascoisas ou dos próprios homens em si mesmos”—Filosofia do Direito, 1. Trad de Cabral de Moncada.Coimbra, Arménio Amado, 1961, p. 44).

Afirma Welzel que “es misión del derecho penal ampa-rar los valores elementales de la vida de la comunidad”(Derecho penal, parte general. Trad de Fontán Balestra.Buenos Aires, Depalma, 1956, p. 1).

O valor tutelado por uma norma é um valor jurídico, namedida em que entra em contato com o mundo do Direito.Mas isso não quer dizer que fora dessa relação ele nãotenha também um significado: antes de ser um valor jurídi-co é um valor social.

O mundo em que o Direito se move não é o mundo danatureza bruta, governado apenas pela lei da causalidade;ao contrário, o Direito está relacionado diretamente com o“desconcertante espetáculo da vida” (imagem de NelsonHungria), com o mundo social, todo ele impregnado de exi-gências morais, religiosas e econômicas, às quais a ordemjurídica pode, em dado momento, estender sua tutela.

Quando o Legislador descreve uma conduta delituosa,como “matar alguém”, já emitiu um juízo de valor, isto é, nocaso, já valorou positivamente a vida humana, antes da ela-boração do tipo. Ao mesmo tempo valorou negativamentea conduta violadora do preceito “não matar”, quando esta-belece a correspondente pena a que fica sujeito o agente.A afirmação é válida para a ocasião em que este trabalhofoi escrito, na segunda metade do século XX. Se voltarmosum pouco no tempo, veremos que a principal contribuiçãoprestada à teoria do tipo deu-se numa época (fins do sécu-lo XIX e princípios do seguinte) em que o delito era vistoapenas como ação, antijuridicidade e culpabilidade.

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O conceito de tipo e tipicidade surgiu por último nateoria da conduta punível. Até então, e mesmo depois daconstrução de Beling, a valoração, negativa ou positiva, erafeita exclusivamente no setor da antijuridicidade. Nessaprimeira fase evolutiva, posteriormente chamada “clássi-ca”, eram completamente separados os aspectos objetivo esubjetivo do delito. O “objetivo” compreendia a tipicidadee a antijuridicidade; o “subjetivo” dizia respeito à culpabi-lidade. O tipo era valorativamente neutro, isto é, não conti-nha nenhum juízo de valor.

Daí Beling dizer que “todos los delito-tipos son, enconsecuencia, de carácter puramente descriptivo; en ellosno se expresa aún la valoración jurídica calificante de lo ‘-antijurídico’ (tipo de ilicitud)” (La doctrina del delito-tipo.Trad. arg. de S. Soler. Buenos Aires, Depalma, 1944, III, p.16. Esse trabalho, anterior à obra mais conhecida, de 1906,é fundamental no estudo de nosso tema).

Só na fase seguinte da teoria do delito, conhecida porneo-clássica ou neo-kantiana (em razão de autores comoStammler e Lask, adeptos da filosofia kantiana), é que seintroduziram modificações, entre as quais, e de maiorrelevo, a consideração de elementos subjetivos e normati-vos no tipo, identificados, sobretudo, por M.E. Mayer,Mezger e Hegler.

Fizemos tais digressões, aparentemente sem sentido,para dizer que o Direito penal, como sistema de tutela debens jurídicos é, essencialmente, valorativo. Qual critérioteria presidido à elaboração dos tipos penais senão o davaloração? Não se compreenderia a existência de um catá-logo de condutas na Parte Especial que não fossem proibi-das ou impostas, sob ameaça de pena. É impensável desta-car no Código condutas penalmente irrelevantes.

Se a vida, o patrimônio e a honra não tivessem sidoobjeto de valoração a priori pelo Legislador, não existiriam

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no Código Penal os tipos que descrevem o homicídio, ofurto e a injúria. Essa é a técnica de proteção penal.

Ensina Miguel Reale:

“O direito tutela determinados valores, que repu-ta positivos, e impede determinados atos, considera-dos negativos de valores: até certo ponto, poder-se-iadizer que o direito existe porque há possibilidade deserem violados os valores que a sociedade reconhececomo essenciais à convivência” (Filosofia do Direito, I.SP, Saraiva, 1978, p. 189).

É óbvio que o Direito não tutela senão aquilo que jáfoi objeto de valoração; em outras palavras, a valoraçãoprecede a tutela. E, com Maurach, dizemos que o injustoé anterior ao injusto tipificado (Tratado de derecho penal,I. Trad. de Juan Córdoba Roda. Barcelona, Ariel, 1962, p.249. Falamos “injusto” por fidelidade à tradução deCórdoba Roda, que usava os termos injusto, ilicitude eantijuridicidade indistintamente, como, ainda hoje, distin-guidos Autores o fazem. No mesmo Tratado, Maurachacrescenta: “Antes de que la norma prohíba uma conduta,debe haberla reconocido como um desvalor” – p. 155. Daí,resulta: quem desvalora, já valorou, porque o sentimentode dignidade ou de utilidade é anterior à sensação deindignidade ou de inutilidade. Só quem conhece o valorpode avaliar o desvalor).

Diz Groppali que “qualquer norma pressupõe sempreum critério de valoração, na medida em que qualifica eimpõe uma ação ou omissão. O momento valorativo prece-derá logicamente o momento imperativo” (Introdução aoestudo do Direito. Trad. de Manuel de Alarcão. Coimbra,Coimbra Editora, 1978, p. 39).

Doutrinariamente, existe controvérsia sobre se o bemjurídico é um valor ou se é um interesse tutelado.

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Escrevendo sobre o direito subjetivo, Groppali ensina:

“Entendemos por interesse o desejo, a exigênciade um bem que se considera útil, isto é, apto parasatisfazer uma necessidade. O interesse implica umarelação entre uma necessidade psicológica ou espiri-tual do homem e o meio ou bem que se julga apto parasatisfazê-la. Por isso, o interesse depende sempre deuma apreciação subjetiva, de uma valoração de nexo,entre a necessidade e o bem que se julga apto a satis-fação, e traduz-se, em última análise, num juízo devalor, como observou Binding.” (Ob. cit., p. 124 e 132.Dizemos nós que o termo pode ser empregado comosinônimo de conveniência, de proveito, de ganho, devantagem, de benefício, de relevância, etc. Por isso,não afronta à linguagem jurídica a indagação: é conve-niente, ou benéfico, ou relevante, ou proveitoso colo-car tal ou qual valor sob a proteção penal?

A obra de von Jhering, que, por sua vez, influenciou av. Liszt, levou a uma doutrina que fundamenta o conceitode Direito na noção do interesse. É evidente que todoEstado tem interesse na observância das normas penaispor ele estabelecidas. E tanto é assim que sustenta, aomesmo tempo, a pretensão de manter inalterados os bensaos quais deferiu sua tutela. Como adiante se verá, pelapalavra de Fragoso, não se pode confundir interesse com oobjeto sobre o qual recai. São múltiplas as dimensões con-ceituais de interesse.

No exame do conceito de bem jurídico, como objeto daproteção penal, consideramos como tal todo objeto e todarelação que possam contribuir para o bem-estar físico eespiritual do ser humano. Assim, nos precavemos contrapossível mal-entendido lingüístico. Para nós, tudo o quedenominamos bem só merece esse nome enquanto e na

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medida em que haja o dado de sua relevância para o bem-estar da pessoa. Se, como exemplo, tendo em mãos o pre-cioso livro “Antijuridicidade concreta” e, ao mesmo tempo,estando faminto há vários dias, permuto o livro por um sim-ples sanduíche, faço-o pelo interesse em saciar a fome.Passada esta, a monografia do prof. Miguel Reale Júniorvolta a ter sua costumeira relevância.

Esse conceito de bem jurídico exige a possibilidade deaplicação às finalidades de certa e determinada pessoa,conferindo ao mesmo um conteúdo diferenciador. Todo inte-resse denota a existência de uma relação entre um bem eum sujeito, através da qual um objeto ou um estado chegama constituir um bem para certo indivíduo (empregamos apalavra “indivíduo” sem qualquer conotação pejorativa).

Nada obstante as considerações supra, não descreve-mos o conceito de interesse, posto que não se concretizounem mesmo a integral e indiscutível essência do conceitode bem. E, com o reconhecimento de tal noção fragmentá-ria de interesse, havemos de admitir que bem pouco seconseguiu avançar em benefício da sistemática jurídica.

Com base em tais postulados, haveremos de ter emconta que, assim como o conceito de bem é destituído deconteúdo quando privado de sua conexão ao sentimentohumano, o mesmo acontece com a idéia de interesse. Emsíntese, não existem mais interesses do que as exigênciasdo ser humano.

Sobre a base de exigências derivadas de sua próprianatureza, o bem e o interesse se condicionam de maneirarecíproca. Não há nenhum bem que não seja objeto idôneode um interesse humano. Interesses e bens se apresentam,em certo sentido, quase como conceitos simultâneos,desde quando são unidos à existência de uma pessoa.Historicamente precedem ao Direito e ao Estado. E, por seranteriores ao Legislador, este não os cria nem os altera emsua essência.

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O objeto de proteção de qualquer tipo se acha integra-do por um interesse estimado positivamente pela lei: ointeresse a que permaneça proibida a ação que poderiaresultar lesiva ou perigosa para determinado bem.

A esse respeito, não se perca de vista que todo interes-se se refere a duas coisas distintas: a um determinado beme a um eventual acontecimento subjetivo referido ao mesmo.

O que dissemos até aqui sobre interesse—bem jurídicopode ser alvo de críticas e contestações, mas é o inevitável.De outro lado, considerar o bem jurídico-penal como o inte-resse protegido tem sido reputado inexato, porque nem todoobjeto de garantia legal tipificada constitui um interesse.

Deixando de lado certos escrúpulos, e evitando umaconfiguração formalista pura, não haveria inconvenienteafirmar que o bem jurídico é o interesse legalmente prote-gido mediante a descrição de um tipo de delito, porqueassim se confere ao interesse um significado abrangentede todos os bens e valores objetos de garantia penal.

O Direito, no aspecto subjetivo, é a consagração davontade individual, enquanto se encaminha para um objetodeterminado. Esse objeto determinado é um bem, como tal;mas, se referido ao sujeito que o deseja, é um interesse (DelVecchio. Lições de Filosofia do Direito, II. Coimbra, ArménioAmado, 1972, p. 187 et seq.).

Von Jhering identificava bem jurídico com interesse edireito subjetivo, o que evidentemente é impróprio, porqueo direito subjetivo deve ser entendido como a faculdadeque se atribui ao homem de buscar e obter do Estado atutela de um interesse (a informação de que v. Jheringidentificava bem jurídico com interesse e direito subjetivovem de Bruno - Direito penal, cit., v. I, p. 18).

Para von Liszt, “a idéia do bem jurídico é mais ampla doque a do direito subjetivo. Mas, em todo caso, não se compa-dece com o uso da língua falar em direito a vida, a liberdade,à honra, etc., como, por exemplo, o faz R. Lönig” (Tratado de

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direito penal alemão. Trad. bras. de José Hygino DuartePereira. Rio de Janeiro: F. Briguiet, 1889, v. 1, p. 94, nota 1). Anota do tradutor José Hygino, lançada nessa edição, reforçaa afirmativa de von Liszt: o conceito de bem jurídico é bemmais abrangente que o de direito subjetivo, porque, muitasvezes, a ordem jurídica protege interesses sem, em contra-partida, conferir direitos a determinadas pessoas.

Segundo Jiménez de Asúa, é muito antiga a teoria,segundo a qual o delito é a violação dos direitos subjetivos,remontando-se a Feuerbach. Gregori confirma que o maisconhecido defensor desta tese é Feuerbach, em sua obra“Lehrbuch des Gemeinem in Deustschland gültigen peinli-chen Rechts”, Giessen., I ed., par. 9 (Saggio sull’ aggettogiuridico del reato. Padova: Cedam, 1978, p. 10, n. 4. OTratado de Feuerbach foi vertido ao espanhol por Zaffaronie Irma Hagemeier, e publicado em Buenos Aires porHammurabi, em 1989).

Nuvolone acha que o “objeto jurídico da infração penalé o interesse juridicamente relevante, que qualifica a rela-ção com a entidade (coisa ou pessoa) que constitui o obje-to material da infração penal” (O sistema do direito penal.Trad. de Ada Pellegrini Grinover e notas de René ArielDotti. São Paulo: Revista do Tribunais, 1981, vol 1, p. 251).No mesmo sentido, Manzini: “Objeto jurídico (objetividadjurídica) del delito es aquel particular bien-interés que elhecho incriminado lesiona o expone a peligro, y en protec-ción del cual interviene Ia tutela penal” (Tratado de derechopenal. Trad. de Santiago Sentis Melendo e notas de Direitoargentino de Ricardo Nuñez e Ernesto Gavier. BuenosAires: Ediar. 1948, p. 16).

Von Jhering, como visto, influenciou largamente a VonListz, que escreveu:

“Todo derecho existe para el hombre. Tiene porobjeto la defensa de los intereses de la vida humana

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(Lebensisteressen). El Derecho es, por su naturaleza,la protección de los intereses; la idea de fin da fuerzageneradora al Derecho.” (Tratado de Derecho penal, I.Trad de Jiménez de Asúa. Madrid, Editorial Reus, s/d,p. 6. Quem afirma a influência de Jhering sobre Liszt éAsúa, in Tratado, III, cit., p. 8).

Fragoso observa que “bem não é o interesse protegido.Objeto da tutela é o bem, não o interesse, mas nada impedeque a este se refira o intérprete, pois se trata tão-somente deum aspecto subjetivo ou de um juízo de valor sobre o bemcomo tal. Inaceitável é o conceito objetivo de interesse, poiseste denota sempre uma atitude mental. Não é possível afir-mar que existe um interesse, sem um juízo ou uma opiniãosobre a capacidade ou idoneidade do bem para satisfazeruma necessidade” (Lições, PG, 1980, p. 271). Segundo o Min.Toledo, “bem, em um sentido muito amplo, é tudo o que senos apresenta como digno, útil, necessário, valioso... bensjurídicos são valores ético-sociais que o direito seleciona,com o objetivo de assegurar a paz social, e coloca sob suaproteção para que não sejam expostos a perigo de ataque oua lesões efetivas” (Princípios, 1982, p. 15-16).

V. Liszt dizia que é a vida, e não o Direito, que cria ointeresse. Este, afirmava, surge das “relações dos indiví-duos entre si, e dos indivíduos para com o Estado e a socie-dade, ou vice-versa. Onde há vida, há força que tende amanifestar-se, afeiçoar-se e desenvolver-se livremente”(Tratado, I, trad. brasileira, p. 95).

Ninguém pode negar que toda atividade humana édominada pelo princípio do interesse. Assim, o homem sóse movimenta, de maneira espontânea, para aplacar umanecessidade, surgida de acontecimentos da vida.

Bettiol sustenta uma posição inteiramente oposta àde v. Liszt, com referência à afirmação deste último de

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que o Direito tem por objeto a defesa de interesses davida humana.

O antigo professor de Pádua, tomando como exemploo crime de vilipêndio da religião, constata o “artifício”,segundo ele, que existe na consideração de que o objeto datutela seja o interesse do Estado ao respeito pela religiãodominante.

Diz, textualmente:

“Houve uma grave deformação da realidade quan-do, no lugar do ‘valor’ se pretendeu colocar o ‘interes-se’ como objeto da tutela, abrindo assim o caminho auma concepção que aproxima o direito penal, defensordos mais altos valores éticos da coletividade, do direi-to comercial, em que estão, verdadeiramente, em jogointeresses particulares e materialistas” (Direito penal,I, trad port. de Fernando de Miranda. Coimbra,Coimbra Editora, 1970, p. 141. Também é do professoritaliano a afirmação de que “os bens ou valores que oDireito penal tutela, ainda que sejam bens ou valoresque possam ter reflexos utilitarísticos, são, na suaessência, valores éticos, na medida em que, fora daética, não é compreensível um direito que, como onosso, pretenda ser garantia e tutela dos postuladosmorais fundamentais sobre os quais assenta a socieda-de... É precisamente por essa razão que nós falamos, apropósito do bem jurídico, de valores e não de interes-ses, porque o valor é um termo mais apropriado paraexprimir a natureza ética do conteúdo das normaspenais, ao passo que o interesse é um termo que expri-me uma relação. Não é ponto de chegada, mas trâmitepara o ponto de chegada (op cit., p. 326-327).

Por bem jurídico Antolisei entende aquele quid que anorma, sob ameaça da pena, visa a tutelar contra possíveis

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agressões. Afiança, contudo, que a teoria do bem jurídico,possuindo embora um inegável fundamento de verdade,tem sua importância “não pouco exagerada” na doutrina(op. cit., p. 136-139. Nesse passo, dissentimos do professoritaliano. Em nossa Disciplina é impossível prescindir daidéia de bem jurídico, como bem destaca Jescheck: “ElDerecho penal tiene encomendada la misión de protegerbienes jurídicos. En toda norma jurídica penal subyacenjuicios de valor positivos sobre bienes vitales imprescindi-bles para la convivencia humana en Sociedad que son, portanto, merecedores de protección a través del poder coac-tivo del Estado representado por la pena pública” – Tratadode Derecho penal, parte general I. Trad. e adições deDireito espanhol por Mir Puig e Muñoz Conde. Barcelona,Bosch, 1981, p. 9-10—Bettiol também anota: “Se já vimosque o método para estudar o crime e a pena deve ser ummétodo de lógica concreta, não poderemos nunca esquecera inclusão da noção de bem jurídico na de crime, que émais ampla: só assim o crime é enquadrado na realidadesocial, só assim se dá ao crime um conteúdo e um signifi-cado, só assim podem confluir no crime as concepçõesético-sociais dominantes” (ob. cit., p. 321).

Os bens jurídicos são hierarquizados. Se ao homicídioé cominada pena mais grave que a prevista para o furto, éporque, para o Legislador, a vida encontra-se em planomais alto do que o patrimônio.

O reconhecimento da hierarquia dos bens dependenão somente da estrutura da sociedade, como também dasvariadas tendências de cada época, como lembramFragoso: “É evidente que os interesses que o direito tutelacorrespondem sempre às exigências da cultura de determi-nada época e de determinado povo” (PG, 4a ed, p. 2) eBettiol: “O bem jurídico anda intimamente ligado às con-cepções ético-políticas dominantes e adquire, portanto, um

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significado diferente e um conteúdo diverso, à medida quemudam o tempo e o ambiente” (ob cit., p. 324).

Assim, a decadência valorativa de um bem, reconheci-do até determinada época como merecedor de proteção,constitui a razão mais importante para a derrogação dasnormas penais pelo direito consuetudinário. O cometimen-to de adultério transformou-se em fato tão comum e corri-queiro no Brasil de hoje que de longa data já se achava der-rogado, pelo costume, o art. 240 do Código Penal.

A qualidade de bem jurídico de um conjunto de inte-resses tem uma “vigência valorativa” tanto maior quantose encontre mais próxima dos chamados direitos naturais,do indivíduo e da sociedade.

Por isso é que o valor da vida, da liberdade, da honra,da propriedade e da integridade corporal tem sido reco-nhecido por quase todos os ordenamentos jurídicos domundo civilizado, de maneira mais ou menos duradoura(temos de notar, contudo, que na Alemanha do nacional-socialismo o valor da liberdade foi decaindo aos poucos,até ser substituído em definitivo pela “nova ordem” políti-ca, tomada depois por modelo na Espanha e em Portugal,até épocas recentes).

Ainda que existam alguns, como von Jhering eBinding, defensores da idéia de que unicamente a coletivi-dade pode ser titular de um bem jurídico, achamos perfei-tamente possível distinguir entre bens do particular e bensda sociedade, incluindo-se entre os primeiros a vida, a inte-gridade corporal, a honra, a liberdade pessoal, etc., e entreos segundos a família, a paz pública, a fé pública, etc.

Ao lado de ambos, Fragoso avaliava que “a tutela jurí-dica que o direito penal exerce refere-se sempre a interes-ses da coletividade, mesmo quando se trata de bens, cujaofensa primariamente atinge o indivíduo (vida, patrimônio,honra, etc)” (PG, p. 2. Também assim Hungria: “O indivíduosó tem direitos como membro da comunhão social. Além

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disso, cumpre acentuar que o Direito penal não protegeinteresses jurídicos do indivíduo (ainda quando constituemdireitos subjetivos) porque sejam tais, mas somente peraccidens, isto é, somente quando e enquanto coincide asua proteção com a do interesse social” (Comentários, V,1979, p. 9). E, ainda, Manzini: “El objeto jurídico del delitoes siempre y necesariamente un interesés público, porque,también cuando la tutela penal se dirige a intereses indivi-duales, éstos son protegidos como intereses colectivosasumidos por el Estado, sin que a los indivíduos lês seaatribuído poder algun jurídico-penal de querer y de obrarpara la satisfacción de sus intereses particulares” – ob. cit.,p. 18 – além de Bettiol: “A pena é uma providência que,dada a sua natureza ético-retributiva, não pode ser postaem contato com um interesse meramente privado e indivi-dual, mas, sim, com interesses públicos, quer dizer, comaqueles valores de que, num dado momento, o Estadoassumiu a tutela. É o Estado, portanto, que é tomado emconsideração, quando se trata de interesses penalmentetutelados: o Estado, mesmo quando a norma penal tutelainteresses individuais ou sociais que não pareçam ter noEstado o seu imediato e direto titular” ob. cit., p. 330).

Não é desse ângulo que vemos as coisas, repetimos.É precisamente de maneira inversa. O ser humano, indivi-dualmente considerado, precede ao corpo social a quepertence. Só por injunções ligadas à sobrevivência e pos-sibilidades de expansão é que historicamente aderiu acerto grupo. Adesão imposta apenas por necessidade.Sua individualidade sempre foi dotada de interesses,bens, direitos e aspirações. A mera transposição a umaentidade politicamente organizada de modo algum impli-ca a abdicação daquilo que já se achava incorporado aseu acervo pessoal. O que era de seu, não muda e muitomenos se perde: conserva-se.

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Daí, nossa adesão ao ponto de vista de Aníbal Bruno:“O homem é que é o objeto final da proteção jurídica, e ospróprios bens protegidos no sentido da coletividade o sãoporque satisfazem exigências da natureza do homem, quesó na vida em grupo atinge a sua plenitude e alcança osseus fins” (I, p. 25).

Da exemplificação de bens jurídicos (vida, integridadefísica, patrimônio, etc.), feita atrás, pode advir confusãoentre bem jurídico (ou objeto da proteção) e objeto mate-rial; este é a pessoa, ou a coisa, sobre a qual recai a açãodo sujeito ativo.

Não se pode confundir objetividade jurídica com obje-tividade material, por muitas razões: para a interpretaçãodo tipo, para a verificação da ocorrência de justificativaspenais, para o exercício da ação penal, etc., o Direito nãoatende ao objeto da ação (objeto material), mas ao bemjurídico, ou objeto da proteção.

Hans Welzel teve justo prestígio e exerceu largainfluência sobre o pensamento jurídico penal moderno.Assim se manifesta quanto ao valor e ao bem jurídico:

“Para la mayoría de los delitos, ciertamente, esesencial la lesión o amenaza de un bien jurídico, perosolamente como elemento que forma parte de laacción antijurídica personal, nunca en el sentido deque la lesión del bien jurídico (el disvalor del resulta-do) tiene en el derecho penal importancia solamentedentro de una acción antijurídica-personal (dentro deldisvalor de acción). El disvalor personal de acción esel disvalor genérico de todos los delitos penales” (ob.cit., p. 70. Apesar de atribuir maior relevância ao des-valor da ação, a doutrina finalista, de que Welzel foi oexpoente, nunca deixou de reconhecer importância aoresultado de lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico– haja à vista os delitos de perigo e os de resultado.

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Para ele, o desvalor do resultado (bem jurídico) podefaltar, sem que se elimine o desvalor da ação, como nocaso da tentativa inidônea. Perderíamos nosso rumo eo trabalho faltaria a seu objetivo se abríssemos umadiscussão a respeito).

Sobre valor, interesse e bem, assim se manifestaEduardo Correia:

“Descreve o Legislador aquelas expressões davida humana que em seu critério encarnam a negaçãodos valores jurídicos-criminais, que violam, portanto,os bens ou interesses jurídico-criminais. Como valoresjurídico-criminais, são, com efeito, ao mesmo tempo,interesses-bens jurídico-criminais. Na verdade, a clas-sificação como criminais de certos valores só podeentender-se na medida em que estes correspondam afins a que o Estado reconhece interesse específico, namedida em que, portanto, dada a relação quae interest Estado e valores jurídico-criminais, eles são para oEstado interesses. Enquanto, porém, tem valor para odireito criminal, enquanto são susceptíveis de satisfa-zer aquela necessidade do Estado que conduziu a suatutela jurídico-criminal, eles são bens no sentido debens de Direito, Güter des Rechts, ou bens só enquan-to assim se encaram, as expressões valores, interessese bens são coincidentes.” (Direito criminal, I, em cola-boração com Figueiredo Dias. Coimbra, Almedina,1971, p. 275)

O entendimento de Groppali é o mesmo:

“Os conceitos de bem, de interesse e de valorestão ligados entre si por laços de interdependência,aparecendo quase como um único conceito substan-

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cialmente equivalente, que muda apenas conforme oponto de vista sob que e examinado, pois que, como,justamente observa Jellineck, aquilo que objetivamen-te considerado aparece como um bem, subjetivamen-te torna-se um interesse, e o valor não é mais do que oresultado da apreciação da utilidade do bem relativa-mente ao interesse e à necessidade” (ob. cit., p. 163.Diz Bettiol que, para Groppali, “bem, interesse e valorservem para representar um só conceito”. In Direitopenal, I, trad port cit, p. 145).

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Capítulo 2O Tipo Penal

2.1. Tipo e Tipicidade: conceito e evolução

Como se sabe, o crime não é qualquer negação de valo-res, mas a negação de determinados valores, quais sejam,os valores jurídico-criminais. Essa negação de valores é oinjusto, a ilicitude, a antijuridicidade (estamos encampandoaqui o entendimento de certos Autores espanhóis quanto àcoincidência de injusto, ilicitude e antijuridicidade).

Tal constatação enseja o problema de saber em qualfonte se irá buscar o conhecimento de que tal ou qualconduta humana significa uma negação dos valores jurí-dico-criminais.

Em decorrência da teoria da separação de poderes oufunções, refoge da alçada do juiz a determinação da ilicitu-de fora dos casos concretos que lhe são levados. A emissãode um juízo acerca da negação de valores, por um juiz, sópode ser feita no exercício de suas funções judicantes. Foradisso, implicaria o desaparecimento da Parte Especial doscódigos penais, por inútil, e se confundiriam, numa só pes-soa, as figuras do Legislador e do Julgador.

Por isso é que existe a necessidade de a ordem jurídi-ca, vigente em determinado momento histórico, formular,da maneira mais exata possível, os seus juízos de valor,tarefa que, evidentemente, não pode estar afeta à ativida-de judicial.

A solução do problema foi encontrada pelos juristas epela técnica legislativa com o recurso ao tipo penal, que é,segundo Fragoso, “o modelo legal do comportamento proi-bido, compreendendo o conjunto das características objeti-

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vas e subjetivas do fato punível”, ou, ainda, “a descriçãolegal de um fato que a lei proíbe” (Lições, PG, 1980, p. 156.Dizia o Min. Toledo que “o Legislador, por meio da elabora-ção do tipo, seleciona valorativamente, entre a imensavariedade de formas possíveis de comportamento humano,aquelas condutas que reputa relevantes para o direitopenal, ou porque se apresentam aptas a causar lesão abens jurídicos, ou porque se revelam ética e socialmentereprováveis. Com isso transforma espécies ou classes deconduta, assim selecionadas, em tipos de delito, segundoas exigências do princípio nullum crimen sine lege” (O errono direito penal. São Paulo: Saraiva. 1977. p. 45).

No Direito Penal contemporâneo, não basta que o com-portamento do agente seja uma negação de valores demaneira reprovável, para que, automaticamente, sejaimposta a pena; é necessário também que a ação seja típi-ca, “isto é, que retrace na realidade da vida a definição danorma penal” (Bruno, I, p. 341. Maurach observa que “latipificación de las particulares formas de injusto en lasfiguras legales tiene una significación que excede, conmucho, al derecho penal, una significación única desde elpunto de vista de los principios jurídicos. El modernoDerecho penal constitucional es derecho penal vinculado altipo: el tipo representa, por un lado, la limitación del poderpunitivo del Estado (función de garantía) y, por otro, la basedel delito (función fundamentadora) – ob cit, p. 265).

Essa certeza de que só existirá a pena quando o com-portamento se ajustar, primeiramente e de modo preciso, auma descrição legal de injusto é que dá segurança e esta-bilidade a ordem jurídica (já dissemos não ser pacífica emDoutrina a distinção entre injusto e ilicitude. É comumentre escritores espanhóis o termo “injusto tipificado”, nosentido de afirmar que alguma coisa “contrária ao Direito”foi objeto de tipificação. Em outras palavras, consideramque o injusto é constituído pelos desvalores próprios da

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tipicidade e da antijuridicidade. Em suma, pelo desvalor daação e pelo desvalor do resultado. Jescheck, por exemplo,faz a distinção nesses termos: “Antijuridicidad es la contra-dicción de la acción con una norma jurídica. Injusto es lapropia acción valorada antijuridicamente ... el concepto deinjusto se entiende también en el sentido de antijuridicidadmaterial” – Tratado, I, 1981, p. 315, texto e nota 4).

Resulta claro que o tipo só descreve conduta ilícita, nãoimportando se do ponto de vista formal ou material. Aliás,discute-se em Doutrina se é correto fazer-se a distinçãoentre uma e outra ilicitude. Para nós, carece de qualquersentido, pois a lei não descreve uma conduta lícita, o queseria de todo inconseqüente. Assim, a confirmação de queo tipo foi realizado carrega consigo uma valoração da con-duta do agente, no sentido de haverem sido lesados valoresprotegidos penalmente. Veremos, adiante, que muitosAutores consideram “provisória” essa valoração negativa.

O enquadramento ou ajustamento da ação humana ilí-cita à descrição abstrata feita pela lei é a tipicidade, sem aqual, num sistema jurídico fundado no princípio da anterio-ridade da lei, não se pode falar em existência de crime.

A Parte Especial do Código Penal é, basicamente, o roldessas descrições, ou tipos penais, constituindo-se a fonteonde se buscará saber se uma dada conduta significa, ounão, em princípio, uma negação de valores jurídico-penais.

Dizemos “em princípio” porque o comportamento,segundo considerável parte da Doutrina, pode ajustar-se àdescrição legal, ou modelo, mas estar amparado por umacausa de justificação, ficando elidida a antijuridicidade (e atipicidade, segundo supomos). Adiante, no item sobre afunção do tipo, voltaremos ao assunto.

A investigação sobre a existência, ou não, de uma justi-ficativa, após constatada a tipicidade, é apenas um métodode trabalho. Na realidade, uma ação não pode ser antijurídi-

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ca e, depois, tornar-se jurídica, em face da justificativa. Nocaso, a ilicitude seria apenas aparente, se tal fosse possível.

Segundo a teoria dos elementos negativos do tipo, con-correndo uma justificativa, não há falar em adequação típica.Não pretendemos, por ora, entrar no mérito dessa teoria. Emoutro trabalho (“Introdução ao estudo dos crimes em espé-cie”) discorremos sobre o tema, fixando nossa posição a res-peito. Mais adiante daremos uma rápida visão do assunto.

Até a reforma de 1984, a palavra “tipo” não era usadapela lei penal brasileira; constitui tradução livre do vocábu-lo “Tatbestand”, empregado no texto do art. 59 do CódigoPenal alemão de 1871, e provindo da expressão latina cor-pus delicti. Não é pacifica na Doutrina a tradução dessapalavra alemã. Segundo Luiz Luisi, “em traduções france-sas do código penal alemão de 1871, a locução ‘gesetzlicheTatbestand’ aparece como eléments légaux. Na versãoespanhola do mencionado código alemão, feita em 1945 porM. Finzi e R. Nunez, a locução referida é traduzida comocontenido legal Del hecho” (O tipo legal e a teoria da açãofinalista. Porto Alegre, A Nação, s/d, p. 9, nota 1). O prof.Soler traduz por “delito-tipo” (La doctrina Del delito-tipo.Buenos Aires, Depalma, 1944). Asúa prefere “tipicidade”(Tratado, III, p. 655-657). Na Itália, Antolisei fala em“modello astratto del reato” (Manuale, I, p. 153), enquantoGrispigni se refere a fattispecie legale, modelo ou tipo(tomo secondo, p. 125).

Entre nós, a expressão tipo tem uso generalizado, con-forme se vê nas obras de Hungria, de Bruno, de Fragoso, deCosta e Silva, de Cunha Luna e de Toledo. Se bem que a eti-mologia tenha valor apenas relativo, dela nos devemosvaler. Tatbestand é composto do substantivo Tat (fato) e doverbo bestehen, isto é, consistir em, compor-se de, serconstituído por. Poderia ser assim uma tradução: “em queconsiste o fato”, ou, tomando o sentido do revogado art. 59do CP alemão: “aquilo em que consiste o delito”. Nessa

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ligeira monografia sobre o tipo e a tipicidade, não podemosignorar o modo como nossos melhores criminalistas (alémde reconhecidos conhecedores do idioma alemão) empre-garam a palavra: foi como tipo. Portanto, não mais voltare-mos ao assunto.

Sobre a evolução do conceito de tipo, valemo-nos deJiménez de Asúa:

“Al irse constituyendo como doctrina independien-te, el Tatbestand es la suma de todos los caracteres oelementos del delito, en su contenido de acción. Así sedijo: Tatbestand als Inbegriff der Verbrechenmerkmale(Tatbestand como conjunto de las caracierísticas deldelito). Esta fué la manera cómo se concibió elTatbestand antes de Beling.” (Tratado, III, p. 658.)

O ano de 1906 marca o aparecimento da obra funda-mental “Die Lehre vom Verbrechen” (A Doutrina do Crime),de von Beling, que passou a ver o tipo não mais como oconjunto das características exigidas para a aplicação dapena e demais conseqüências penais.

Maurach esclarece que, segundo von Beling,

“el tipo está integrado no por el delito como tota-lidad, sino tan sólo por una parte del mismo, a saberpor la ‘tipificación conforme a una imagen rectora’ dedeterminados procesos de injustos, llevada a cabo porel Legislador. Esta tipificación está libre de momenlosde antijuridicidad, describe el procest objetivo, y per-manece, por lo tanto, libre hasra tal punto también ‘demomentos subjetivos, que un tipo psíquico seria unacontradictio in adjecto’. Todo lo subjetivo pertenece,para Beling, a la culpabilidad: seria un extravio meto-dológico el que se quisiera introducir ‘lo interno ‘prove-niente del alma del autor, en el tipo” (ob. cit., p. 271).

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Eduardo Correia anota que, “para Beling, o tipo deve-ria considerar-se valorativamente neutro: a ação seria típi-ca sempre que, formalmente, se pudesse subsumir em umadas descrições de conformação externa da conduta puní-vel, independentemente da formulação de qualquer juízode valor; este só viria a ter lugar quando se analisasse aconcordância ou oposição entre o comportamento externo-objetivo do agente e as exigências impostas pela ordemjurídica, isto é, precisamente, quando se analisasse a lici-tude ou ilicitude daquele comportamento” (Direito crimi-nal, cit., p. 280-281). Francisco de Assis Toledo esclareceque, “na construção originária de Beling (1906), o tipo tinhauma significação puramente formal, meramente seletiva,não implicando, ainda, um juízo de valor sobre o comporta-mento que apresentasse suas características. Moderna-mente, porém, procura-se atribuir ao tipo, além desse sen-tido formal, um sentido material. Assim, a conduta, paraser crime, precisa ser típica, precisa ajustar-se formalmen-te a um tipo legal de delito (nullum crimen sine lege). Nãoobstante, não se pode falar ainda em tipicidade, sem que aconduta seja, a um só tempo, materialmente lesiva a bensjurídicos, ou ética e socialmente reprovável [...] O tipo nãopode, pois, no momento atual ser concebido apenas comoum Leitbild, uma descrição desprovida de qualquer valora-ção; é algo mais, ou seja, um ‘tipo de injusto’ (O erro..., cit.,p. 46-47) Soler adota o mesmo ponto de vista de Beling,dizendo: “El externo encuadramiento de una acción a sufigura no és más que el primer paso dado en el sentido deesa valoración. Pero siendo la figura delictiva ordinaria-mente tan solo una descripción, es necesario en cada casoverificar si el hecho examinado, además de cumplir eserequisito de adecuación externa, constituye una violacióndel derecho entendido en su totalidad, como organismounitario”. (Derecho penal argertino. Buenos Aires:Tipografica Argentina, 1973, t. I, p. 301).

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Nossa discordância básica relacionada à teoria origi-nal de Beling é quanto à alegada ausência de valoração notipo. Zu Dohna afirma que o delito é ação antijurídica e cul-pável, e que as leis penais determinam quais ações antiju-rídicas e culpáveis são puníveis. Textualmente, diz: “Elhecho de que una acción sea subsumible en un tipo legales, por tanto, una peculiaridad formal, que puede sery hasido elevada a una característica conceptual general” (Laestructura de ia teoría del delito. Trad. arg. de FontánBalestra. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1958, p. 16-17). Se,para Zu Dohna, a antijuridicidade e a culpabilidade prece-dem a descrição, segue-se que quando o tipo foi elaborado,o Legislador já havia dado valor a algo, objeto jurídico docrime (ou objeto da proteção). Invocamos, também, a auto-ridade de Mezger, para quem “la decisión respecto a si unadeterminada conducta cae en la esfera del Derecho puniti-vo resulta de la Consideración de que, como fundamentode la exigencia penal del Estado, no es suficiente cualquieracción antijurídica, sino que es preciso una antijuridicidadespecial ‘tipificada’, típica”. E ainda: “Para nosotros el todoel peso de la valoración jurídico-penal” e que “dicho tipo esel propio portador de la desvaloración jurídico-penal que elinjusto supone” (Tratado de derecho penal. Trad. esp. deJosé Arturo Rodriguez Muñoz. Madrid: Revista de deDerecho Privado, 1955, t. 1, p. 364-367).

Jiménez Huerta anota: “No obstante los esfuerzos querealiza Beling en defensa de sus trincheras jurídicas, nopuede convencernos de que todos los elementos del tipodelictivo son puramente descriptivos. En primer término, lapureza descriptiva del tipo de delito aparece desvirtuada sise tiene en cuenta que el propio tipo ya contiene la valora-ción jurídica calificante de lo antijurídico” (Derecho penalmexicano. México: Porrúa, 1972. t. I, p. 45). No mesmo sen-tido, Eduardo Correia: “O tipo legal deixa de ser mera des-crição objetiva e valorativamente neutra, de um comporta-

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mento proibido, para se tornar no portador da valoraçãojurídico-criminal que o juízo de ilicitude exprime” (op. cit.,p. 281). Bettiol observa que “devemos admitir, com Delitalae com outros, que o momento imperativo é, logicamente,precedido por um momento valorativo, no sentido de que anorma impõe uma obrigação de se abster ou de realizaruma certa ação, porque o Legislador avaliou a conformida-de ou desconformidade dessa ação com as necessidadesde tutela do direito penal” (Direito penal, cit., p. 180-181).Afirma Engisch: “Os comandos e proibições do Direito têmas suas raízes nas chamadas ‘normas da valoração’, elesfundamentam-se - dito de forma mais simples - em valora-ções, em aprovações e desaprovações” (Introdução ao pen-samento jurídico. Trad. port. de J. Baptista Machado.Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1977, p. 35).Engisch traz Mezger à colação: “O Direito como normavaloradora é um necessário pressuposto lógico do Direitocomo norma determinativa. [...] Pois quem pretende ‘-determinar’ alguém a fazer algo tem de previamenteconhecer aquilo a que o quer determinar: ele tem de ‘-valorar’ aquele algo num determinado sentido positivo. Umprius lógico do Direito como norma de determinação é sem-pre o Direito como norma de valoração” (Ob. et loc. cit.).

Ao tratar de ação humana como objeto do juízo devalor e, mais especificamente, sobre a gênese da norma,Armin Kaufmann escreve: “Estes juízos de valor que, naopinião de Binding, constatam a ‘insuportabilidadejurídica’ ou a ‘imprescindibilidade jurídica’, ou, mais preci-samente, valorações negativas ou positivas dos atos cons-tituem, ‘sem dúvida, o único motivo da pretensão jurídicaque dá origem a atuação do Legislador e encontram ‘suaexpressão na norma e na lei penal’ ” (Teoria da norma jurí-dica. Apresentação de Richard Paul Netto. Rio de Janeiro:Editora Rio, 1976, p. 104-105). Ensina Toledo: “O tipo nãoserve apenas para identificar as condutas criminosas, mas

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se presta igualmente para discriminar os fatos atípicos;todavia, ao fazê-lo, não exclui a possível ilicitude dessesmesmos fatos que podem configurar algum ilícito nãopenal (exemplo: o dano culposo). O fato atípico pode, pois,ser antijurídico; não pode, todavia, ser um injusto penal(isso releva a precedência da ilicitude)” (Princípios..., cit.,p. 182). A lição de Reale Júnior: “Como já vimos, dá signi-ficado ao tipo o valor cuja positividade ele impõe e cujorespeito exige, pela omissão da conduta que em todos osseus elementos é descrita e sujeita a uma sanção... O tipotem um conteúdo valorativo, como modelo de ação, poresse conteúdo próprio da natureza da ação, não podendoestar ausente do tipo, que é um paradigma generalizadordo concreto” (Antijuricidade concreta. São Paulo: JoséBushatsky, 1974, p. 47).

Para Sauer, o tipo não está isento de valor; elemesmo é um valor (apud Jiménez de Asúa, op. cit.,p.1.019). Em seu trabalho de Direito penal mais conside-rado (Allgemeine Strafrechtslehre, cuja 3a edição foipublicada em Berlin por Walter de Gruyter, em 1955),Sauer dedica nada menos que quatro parágrafos (13, 14,15 e 16), densos e longos, ao complexo problema da valo-ração, da ilicitude, do tipo e da tipicidade. Diverge, emalto nível científico e filosófico, da construção de Beling,quanto à neutralidade valorativa do tipo; de fato, emnossa pesquisa, não encontramos quem, nesse aspecto,aderisse a Beling.

Em face do exposto no parágrafo anterior, concluímosque a antijuridicidade, que contém sempre um juízo devalor, precede o tipo, seguindo-se que este não pode serdesprovido de valor, como pretendeu Beling, sem razão, anosso ver. O correto é dizer, com Mezger, que o tipo é o ver-dadeiro portador da “desvaloração” (ou valoração negati-va) que o injusto penal supõe.

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Na evolução do conceito de tipo, a Doutrina distinguetrês fases:

a) na primeira, o tipo é puramente descritivo;b) na segunda, tem caráter indiciário da antijuridi-

cidade;c) na terceira, é a razão de ser da antijuridicidade

(tipo de injusto e elementos negativos do tipo).

A propósito, escreve Cunha Luna:

“No primeiro momento, é concebida como descri-ção pura, sendo os fatos típicos conhecidos indepen-dentemente de juízos de valor (Beling, La doctrina deldelito-tipo, estudo de trinta páginas). No segundomomento, mantém relações com a injuricidade da qualé a ratio cognoscendi: a tipicidade é indício da injuri-dicidade, comportando-se uma com outra assim comoa fumaça e o fogo (M. E. Mayer, Der Allgemeine Teildes Deustchen Strafretchs, passim). No terceiromomento, passa a existir em função da injuridicidade,desta representando o ratio essendi (Mezger, 1955)”(Estrutura jurídica do crime. Recife: UniversidadeFederal de Pernambuco. 1970, p. 58).

Diz Mario Folchi que foi de Max Ernst Mayer “la másconstructiva de las críticas hechas a Beling - expuesta ensu tratado de derecho penal -, pues no negó en ella el granvalor de la tipicidad, haciendo posible que la doctrina deltipo legal alcanzare el fecundo desarrollo que por último halogrado. Adelantemos que Mayer considera a la tipicidadcomo una mera descripción, al igual que Beling, pero atri-buyéndole un valor indiciario con relación a la antijuridici-dad; o sea, que la primera es el fundamento de mayorimportancia para conocer la segunda, y dice que actúan de

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igual manera que el humo y el fuego” (La importancia da latipicidad en derecho penal. Buenos Aires: Depalma. 1960,p. 31). Toledo ensina: “A antijuridicidade [...], ao descrimi-nar um fato, exclui a sua ilicitude para todo o direito, inclu-sive, portanto, para o direito penal. Um fato lícito não podeser um injusto típico penal (exemplo: o homicídio cometidoem legítima defesa). Nessa acepção, o tipo é mais do quemero portador de um indício da antijuridicidade: é comefeito, uma visão esquemática do injusto que, em concreto,pode ficar excluído pela incidência de uma norma permis-siva ou causa de justificação” (Princípios, cit.. p. 182).

Assiste razão ao falecido professor de Brasília: a reali-zação do tipo não pode ser considerada um simples sinalou indicação de que o agente obrou antijuridicamente. Denosso lado, fazemos uma inversão: a conduta típica é, viade regra, antijurídica. E isso porque seria absurdo descre-ver uma conduta que não fosse contrária à ordem jurídica.O tipo só descreve o proibido. Não faria sentido um tipopenal descrevendo uma conduta lícita. O que ocorre, narealidade, quando se realiza um tipo, é um comportamentoilícito que, apenas por exceção, deixa de representar umcontraste com a ordem jurídica, em face de um tipo permis-sivo. Assim, a tipicidade não pode ser apenas um indícioda antijuridicidade.

Em 1930, Beling retoma o assunto, com sua brevemonografia “Die Lehre vom Tatbestand”, escrita para acoletânea em homenagem a Reinhard v. Frank, e traduzidapor Soler como “La doctrina del delito-tipo”. Nesse traba-lho, Beling reconhece e agradece as objeções feitas à suadoutrina do tipo, de 1906, mas considera que apesar daabundante bibliografia crítica, esta não estabeleceu qualparte de sua teoria “tem que corrigir-se”.

No novo ensaio, o professor introduz o “Deliktstypus”,ou tipo de delito, em oposição ao “Tatbestand”, ou delito-tipo, substituído pelo termo “Leitbild”, ou imagem regula-

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dora, figura reitora, etc; rejeita a existência de elementosnormativos e subjetivos do tipo, nesses termos:

“De inmediato se advierte que es imposible con-cebir, con Sauer y Mezger, los delito-tipos como ‘tiposde ilicitud’ aquela doctrina se base en una concepciónconfusamente unificante de los delito-tipo y los tiposde ilicitud.”

Por fim, sugere:

“Creo que para el lenguaje de la ciencia la expre-sión, usada por mí, por primera vez en este ensayo,‘Leitbild legal’ (esquema legal), puede encontrar acep-tación. En él se destaca precisamente lo que es esen-cial al concepto: la naturaleza meramente regulativadel delito-tipo. No he podido encontrar una expresiónmejor” (La doctrina del delito-tipo. cit. p. 14-15, 25).

Hungria, em seus Comentários (v. I, t. II, p. 21, nota17), cita Beling e atribui a este uma definição de tipicidade,sem indicar a fonte. Na bibliografia, que antecede o texto,o Ministro refere três obras de Beling: A Doutrina do Crime,A Doutrina do Delito-Tipo e Esquema de Direito Penal.Afiançamos que tal definição não se encontra nas duas últi-mas obras mencionadas. Na monografia de 1930 (Die Lehrevom Tatbestand), Beling considera o termo“Tatbestandsmässigkeit” a adequação de um fato ao deli-to-tipo (p. 3), enquanto, no Esquema (Grundzüge), diz tex-tualmente: “Redúcese el actual Derecho penal a un catálo-go de tipos delictivos. La antijuridicidad y la culpabilidadsubsisten como notas conceptuales de la acción punible,pero concurre con ellas, como característica externa, la‘Tipicidad’ (adecuación al catálogo) (p. 37).

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Vai daí que, para Beling, tanto faz falar“Tatbestandsmässigkeit” quanto “Typizität”, pois, paraele, designam a mesma coisa. Jiménez Huerta diz que ovocábulo “tipicidade” “significa símbolo representativo deuma cosa figurada o figura principal de alguma cosa a laque suministra fisonomía propria” (La tipicidad. México:Porrúa, 1955, p. 11). Continuamos dizendo que tipicidade éa adequação do comportamento ilícito ao tipo, ou descriçãolegal do injusto.

O tipo penal, como qualquer outro instituto jurídico,poderia perfeitamente continuar servindo à Ciência semperder sua singeleza, como a descrição de uma condutarelevante para o Direito Penal. Em vez disso, tornou-seobjeto de fórmulas e construções cerebrinas, dificultando acompreensão da Ciência tão claramente ensinada porMezger e Aníbal Bruno, entre outros.

Anota Eduardo Correia:

“Ao conceito de Tatbestand em sentido específi-co, por sua vez, é dado agora por Beling o papel deponto de apoio ou referencial (Leitbild) dos momentosda ilicitude e da culpa que constituem um certo tipode delito (Grundzüge, 1930, p. 25 e 29). A construção,inteiramente artificiosa, não encontrou, porém, qual-quer projeção na ciência do direito criminal.” (A teoriado concurso em direito criminal. Coimbra: Almedina,1963, p. 90. Reale Júnior, referindo-se à 11a edição do“Esquema”, de 1930, diz: “Quanto ao que mais nosimporta, ou seja, às relações entre tipicidade e antiju-ridicidade, Beling continua fiel à sua nova concepção,sustentando que o delito-tipo, a imagem reitora, temtão-somente caráter descritivo, desprovido de conteú-do valorativo, não constituindo um indício de antijuri-dicidade” (op. cit., p. 34).

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A teoria do tipo passa, assim, por três fases: a) tipovalorativamente neutro, do modo como Beling o concebeuem 1906; b) o tipo funciona como indício do ilícito; fase tam-bém chamada de regra-exceção; c) a tipicidade é a ratioessendi da ilicitude, que se desdobra em duas alternativas,e tem Mezger e Sauer como seus principais Autores.

2.2. Elementos Especiais do Tipo

2.2.1. Elementos Subjetivos

O tipo, na concepção original de Beling, é a descriçãomais objetiva possível de condutas penalmente relevantes,como “matar alguém”. Contudo, no art. 157, são encontra-das expressões “coisa móvel alheia” e “para si ou paraoutrem”, que retiram a simplicidade da formula descritiva.

No primeiro caso, os elementos são nitidamente obje-tivos e podem ser apreendidos “pela simples capacidadede conhecer, sem ser preciso utilizar nenhum recurso dejulgamento”, como diz Bruno (I, p. 331).

Tais elementos são encontrados em maior número,pois é deles que se vale a lei para descrever as condutasproibidas. São referências a pessoas, ao modo de agir, acoisas, e, pelo fato de poderem ser captadas pelo sentido -como Bruno acentua acima -, são consideradas elementospuros da tipicidade.

Para certo entendimento doutrinário, essas referênciasobjetivas não coincidem com a antijuridicidade, que, sendotambém elemento objetivo do delito, supõe um juízo devalor que resulta da contradição entre a conduta e a ordemjurídica (ilicitude formal); essa mesma conduta, ocasionan-do lesão ou perigo a um bem tutelado, representa a ilicitu-de material.

Ao lado dos elementos objetivos são encontrados oschamados elementos subjetivos.

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Referindo-se ao conceito jurídico-penal de ação, dizMaurach:

“En sus consecuencias, las tentativas de, enparte caracterizar, y en parte limitar, el ‘suceso pura-mente objetivo del injusto’ por elementos subjetivosafectaron, sin clara separación, tanto a la cuestión delinjusto como a la del tipo. En este sentido se pronun-cia Nagler, que exigió para certas causas de justifica-ción la presencia de elementos subjetivos. AsimismoHegler demostró que con el tipo de Beling resultabaimposible compreender los tipos de tendencia internatranscendente; de modo semejante se pronuncia M.E.Mayer” (ob cit p. 191).

De um modo geral, fala-se na existência de elementossubjetivos do tipo, “distintos do dolo e da culpa”, quandose identifica um especial fim de agir, ou quando o agenterealiza o tipo com certa e determinada intenção. Isso acon-tece naqueles casos em que não é suficiente, na descriçãoda conduta ilícita, a simples consideração da dimensãoexterna da mesma (como no delito tipo de homicídio), masé necessário levar em conta, também, uma efetiva tendên-cia subjetiva ou atitude psicológica especial do agente.

Daniela de Freitas Marques compôs o mais completo,a nosso ver, trabalho sobre o tema, entre nós. Diz ela: “Oselementos subjetivos do injusto são os componentes docampo psíquico-espiritual do agente que dizem respeito àsespeciais tendências, propósitos, intenções (fim especialde agir), condicionando ou fundamentando o juízo de ilici-tude do comportamento” (Elementos subjetivos do injusto.B. Horizonte, Del Rey, 2001, p. 151).

Seriam especiais momentos “anímicos” a conferirtranscendência jurídico-penal à atuação do sujeito ativo,

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cuja comprovação é exigida caso a caso, para se ter o tipopor realizado.

Welzel esclarece:

“La sustración de una cosa ajena es una activi-dad dirigida hacia un fin y dominada por el dolo; susentido ético-social es, sin embargo, absolutameniedistinto, si se realiza con el objeto de un uso transito-rio o com el propósito de apropiación: solamente en elúltimo caso existe el disvalor ético-social especial delhurto” (ob. cit., p. 83. O exemplo não é de Welzel. É ori-ginário de Hegler, em trabalho publicado em 1914,como salienta Mezger no Tratado, I, p. 347).

As hipóteses se acumulam: o mestre-escola, ao re-preender o aluno, tanto pode fazê-lo com intuito pedagógi-co, quanto com intenção de o humilhar ou vingar-se de seupai; o médico, ao fazer um exame ginecológico, pode agircom fim terapêutico ou com intenção libidinosa (exemplosmencionados por Bruno).

Segundo Jescheck, “el descubrimiento de los elemen-tos subjetivos del injusto se remonta a Fischer, el que pri-mero demostró para el Derecho Civil, en especial en rela-ción a determinadas causas de justificacción, que a menu-do no es suceso objetivo en cuanto tal lo que se prohíbe,‘sino que se prohíbe o se permite según la actitud internacon que el autor comete el hecho’. Sobre fenómenos simila-res en Derecho penal ya habian llamado la atención Naglery Graf Zu Dohna. Poco después, Hegler y M.E. Mayer con-siguieron casi simultáneamente la ordenación sistemáticade estos casos. Aunque ambos todavía veían la antijuridi-cidad material unicamente en la danosidad social delhecho, ya advirtieron que a menudo contribuyen a determi-narla los fines perseguidos pro el autor. De forma parecida,Sauer mostro que los elementos subjetivos del injusto

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caracterizan a menudo el tipo de delito. El pleno desarrollode la teoría de los elementos subjetivos del injusto se debea Mezger... los partidarios de la sistemática moderna venen su existencia una confirmación del concepto personal deinjusto” (ob. cit., p. 435).

Não é tranqüila em Doutrina a admissão de tais ele-mentos no tipo. A começar pelo próprio Beling, que nosdois trabalhos mais importantes publicados depois de 1906(a 11a edição do “Esquema” e a 1a edição de “Die Lehrevom Tatbestand”, na coletânea em homenagem a Frank,ambos em 1930), rechaça de pronto a nova teoria.

Examinando atentamente o significado desses ele-mentos, percebemos que são reveladores de uma vontademais determinada à prática do delito. Comparemos o homi-cídio simples com aquele praticado “para” assegurar aimpunidade de outro crime: a segunda situação revela ummaior grau de censura na conduta do agente. Quem sim-plesmente priva alguém de sua liberdade, medianteseqüestro (art. 148 do CP), atua com menos reprovabilida-de do que o seqüestrador que visa a extorquir dinheirocomo preço do resgate.

Por isso é que os mesmos são colocados sistematica-mente na culpabilidade, na condição de dolo específico,como o faz Battaglini (Direito penal, I. Trad. de Paulo Joséda Costa Júnior et al. São Paulo, Saraiva, 1973, pp 184 e290). No mesmo sentido, Ferrando Mantovani (Diritto pena-le, parte generale. Padova,Cedam, 1992, p. 332).

Na Argentina, Ricardo Núñez (Manual, PG, 1999, p. 140)os tem como dolo específico, enquanto que Soler os vê“abarcados pela valoração objetiva”, isto é, no setor daantijuridicidade, mas sempre influindo na culpabilidade(ob. cit., II, 1973, pp. 150-151).

Como se sabe, James Goldschmidt foi um dos princi-pais teóricos da concepção normativa da culpabilidade. Emseu denso trabalho “Normativer Schuldbegriff”, publicado

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em 1930 na coletânea em homenagem a Frank, dedica pra-ticamente todo o último item, o terceiro, à questão dos ele-mentos subjetivos, sobretudo no referente à sistematizaçãodos mesmos feita por Mezger. Mencionamos, a seguir,algumas passagens do artigo de Goldschmidt: “mesmoque as pretendidas ‘características subjetivas do injusto’constituam características especiais do tipo (como a inten-ção impudica, o egoísmo ou a cobiça como móveis dacomissão, a profissionalidade ou a habitualidade da comis-são, a maldade ou a malícia), elas são características espe-ciais da culpabilidade (como o são o motivo de necessida-de nos §§ 248 a et 264a, como a reflexão no § 211 do CP, osentimento desonroso no § 20 do CP). Todas contêm exi-gências especiais postas como situação de motivação, cujaprática tem significado, seja para fundamentar, seja paraagravar, seja para atenuar a pena”; “como já assinalaraFrank, assim como na tentativa, o dolo de execução, a quenão corresponde nada objetivo, não deixa de ser culpabili-dade; tampouco deixa de o ser a intenção, nos ‘delitos deintenção’”; “em todos os casos tratados, as característicasespeciais da culpabilidade estão ‘tipificadas’ legalmente”;“segundo Beling, no tipo só pode haver característicasobjetivas. (Esse) pensamento aparece claro em Mezger,para quem o tipo é somente ‘antijuridicidade tipificada’.Desse modo, Mezger chega a apontar muito corretamenteas características típicas da culpabilidade como ‘elemen-tos subjetivos do tipo’, com o que, todavia, quer dizer, comoM.E.Mayer, ‘características subjetivas da antijuridicidade’.Mas se se reconhece que o tipo não é outra coisa senão oconjunto dos pressupostos da punibilidade, composto dascaracterísticas de antijuridicidade e características de cul-pabilidade, então desaparecem todas as anomalias”; “seas leis penais geralmente não têm considerado a intençãocorrespondente ao tipo como o grau mais grave da culpabi-lidade, isto é, no sentido de uma motivação pela represen-

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tação do tipo, sem embargo a têm erigido em uma especialcaracterística da culpabilidade correspondente ao tipo”;“Frank tem razão ao reivindicar a finalidade do agente, nosentido de motivo, como elemento da culpabilidade.Sempre que o motivo do agente, em qualquer das formasconsideradas acima, se funde em característica da culpabi-lidade correspondente ao tipo, é evidente sua função comofator constitutivo, agravante ou atenuante da culpabilida-de... decisivo para sua força como agravante ou atenuanteda culpabilidade é o grau de sua reprovabilidade, escusa-bilidade ou respeitabilidade ético-social” (Festgabe fürFrank, Band I, Tübingen, 1930. Reimpressão em Aalen, porScientia Verlag, 1969, pp. 428-468, tradução nossa). Parecenão ser necessário acrescentar nada, para afirmar o repú-dio do prof. Goldschmidt a essa doutrina. Zaffaroni, em sua“Teoria do delito”, menciona inúmeros outros Autores ali-nhados a Goldschmidt.

Voltando ao exemplo do homicídio. Não há quem deixede reconhecer mais reprovabilidade na conduta de quemmata por motivo torpe. Ao revés, a censura é menor, quan-do se mata por motivo de relevante valor moral. Nesseponto, a segura observação da professora Daniela: “Osmotivos, integrantes do tipo-de-ilícito, são elementos pró-prios da culpabilidade” (ob cit p. 150). Em trabalho publica-do em 1997 (Instituições, tomo I), escrevemos que certasmotivações são consideradas elementos subjetivos do tipo,o que nos fez incidir na crítica leal e franca de Daniela (p. 83de sua valiosa investigação). A reprimenda procede, porquedeveríamos ter feito a distinção entre os dois fundamentaisjuízos (da ilicitude e da culpabilidade) e afirmar, como elaafirma longamente no segundo capítulo de seu trabalho,que, no plano das idéias, o motivo “precede a finalidade” (p.90). A nós, infelizmente, nos escaparam, e nos escapam, aargúcia e a fineza intelectual de Daniela. Nem mesmo ovenerável Cunha Luna foi poupado ao crivo severo da jovem

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pensadora, no específico tema da intenção. Redarguindo aoprofessor do Recife, por posição sua expressada no estudo“Estrutura jurídica do crime” (SP, Saraiva, 1993, p. 120), eladisparou: “os elementos subjetivos do tipo são elementosintegrantes do fato valorado, negativamente, como ilícito;logo: elementos do tipo-de-ilícito, porque o tipo expressavaloração, é um trecho da própria vida” (nota 13, p. 87). Napesquisa feita há mais de duas décadas, arrolamos os moti-vos como elementos subjetivos. Por razões já expostas, e emadesão ao ponto de vista da professora, retiramos os moti-vos do rol adiante mencionado.

Ainda bem que nosso ponto de vista acerca da “ges-tação” do tipo não vai de encontro ao pensamento deDaniela, expresso no item 1.3 de sua investigação, e tam-pouco duvidamos de que o ceticismo de Pascal, quanto àhistoricidade das regras jurídicas, “paira como uma brumanos domínios da ciência do Direito” (p.25). Já na primeiraedição desta monografia afirmávamos a precedência davaloração e dizíamos que o injusto é anterior ao injusto tipi-ficado. De todo modo, o estudo de Daniela é alguma coisaque surge e fica aflorando como repentino e imenso blocode granito nessa planura de lugares-comuns em que, nessetempo, se encontra nossa literatura jurídico-penal. E, nofeitío de água benta e sacristia, só lamentamos uma coisa:o grande trabalho não saiu de nossa pena.

Sauer não vê qualquer significado prático nessa dou-trina, chegando a dizer que lhe foi atribuída uma indevidaimportância. Tudo não passa, segundo ele, de uma separa-ção entre objetividade e subjetividade. Daí considerar quetais elementos, localizados no tipo, mas sendo característi-cas da ilicitude (o que, segundo pensamos, não se podecontestar com êxito), também o são da culpabilidade.Refere ele o delito de furto; a intenção de apropriar-se dacoisa, pertence, relativamente à apropriação, evidentemen-te, ao tipo, como “unrecht” (termo que poderia ser traduzi-

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do por injusto) objetivamente tipificado. Todavia, faz partetambém da culpabilidade, na medida em que não é sufi-ciente um dolo qualquer de apropriação, sendo necessáriauma intensão que “ultrapassa” o dolo, e se encontra dire-cionada à utilização da coisa. É clara a distinção entre a ili-citude e a culpabilidade, o objetivo e o subjetivo – juízonegativo de valor quanto à danosidade social ou ilegalida-de e o juízo negativo de natureza subjetiva quanto à vonta-de culposa do agente. Apesar disso, continua argumentan-do, ilicitude e culpabilidade não se distinguem quanto aoobjeto, pois a vontade e a ação se interpenetram (em deta-lhes, o § 14, III, do trabalho por último mencionado).

No início de sua carreira de penalista, Heleno Fragosonão era adepto da teoria da ação finalista. Talvez em razãodisso é que tenha escrito em sua dissertação de livre-docência: “ Não há elementos subjetivos no tipo. A admis-são de elementos subjetivos no tipo compromete irreme-diavelmente o sistema, pois o tipo é um esquema a quedeve ajustar-se a face subjetiva do crime. Se se incluísse notipo elementos subjetivos, a face subjetiva do crime deve-ria referir-se a si mesma, o que me parece insustentável”(Conduta punível. São Pulo, Bushatsky, 1961, p. 201-202).Já em fase posterior, na edição de 1980 de suas Lições,dizia identificar “diversas espécies de elementos subjeti-vos do tipo” (PG, n. 152).

Hoje em dia o que prevalece é uma concepção objetiva-subjetiva de ilicitude. No ensinamento de Bettiol, “se a anti-juridicidade pode e deve na grande maioria dos casos serdeterminada objetivamente, em alguns casos o juízo da ili-citude é condicionado pela presença de elementos finalísti-cos de caráter subjetivo que são decisivos para estabelecertambém o caráter culpável da conduta....quando se fala deelementos subjetivos da antijuridicidade não se pretendedizer com a doutrina predominante que o juízo de antijuridi-cidade deva necessariamente incluir o da culpabilidade ou

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vice-versa, mas que pelo juízo de ilicitude é necessáriotomar em consideração um fator ou um elemento que reali-za normalmente a sua função no âmbito do juízo de culpa-bilidade” (tomo I da edição brasileira, cit., p 374-375).

Em nosso Direito podem ser apontados diversos tiposem que se acham presentes elementos subjetivos: a inten-ção de ter a coisa para si ou para outrem, no tipo de furto; ofim de obter vantagem, na extorsão mediante seqüestro; ofim libidinoso, no rapto violento ou mediante seqüestro, etc.

Embora tenham sido Hegler e M.E. Mayer, respectiva-mente, em 1914 e 1915, os que levantaram a questão de otipo penal não ter, sempre e exclusivamente, caráter objeti-vo, foi Mezger o grande formulador da teoria em apreço,com seu trabalho “Elementos subjetivos do ilícito”, de 1923.

O assunto era por ele estudado no setor da antijuridici-dade (parágrafo 20 do volume I, do Tratado, sob o título “Oselementos subjetivos do injusto”), dizendo que normalmen-te as referências anímicas subjetivas do agente, o conheci-mento de infringência à ordem jurídica e a intenção de atuarantijuridicamente pertencem, pelo menos normalmente, àteoria da culpabilidade. Mas ressaltava em seguida:

“Pero sería erróneo querer afIrmar este principiosin excepción alguna, y referir en consecuencia todo loobjetivo ao injusto y todo o subjetivo e la culpabilidad,concibiendo al primeiro sólo objetivamente y sólo sub-jetivamente a la segunda” (p. 347).

Tomando por base o Direito Penal então vigente emseu País, dividia em três grupos os tipos de delito com ele-mentos subjetivos:

a) os crimes de intenção na forma dos chamadosdelitos cortados em dois atos, nos quais o ato équerido pelo agente como meio subjetivo de uma

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ação posterior do mesmo sujeito. Ex.: o tipo do art.146 do Código alemão (fabricação de moeda falsae adulteração de moeda);

b) os delitos de tendência, ou seja, naqueles em quea conduta aparece como realização de uma ten-dência subjetiva. Ex.: a ação impudica do art. 176,com sua tendência sexual, ou o art. 260, com suatendência de lucro, ou com a inclinação que cons-titui a base da mesma tendência (os arts. 176 e260 se referiam, respectivamente, à libidinagemgrave e à receptação profissional);

c) os delitos, nos quais a ação aparece como expres-são anímica do agente. Ex.: o juramento de convic-ção do art. 153 do Código Penal, em referência aoart. 459 do Código de Processo Civil (o então art.153 do CP alemão previa o delito de depoimentofalso sem juramento. Estamos empregando a pala-vra artigo em vez de parágrafo, para evitar malentendido em nossa linguagem jurídica).

No segundo grupo Mezger incluía os delitos comresultado cortado (expressão de Binding), nos quais,segundo Fragoso, “o resultado natural da ação não é exigi-do pela lei para a consumação do delito, embora deva cons-tituir o fim de agir” (Hungria-Fragoso, v. I, tomo II, 1978, p.548). Goldschmidt rechaçava esse grupo de delitos, nodizer de Mezger.

Em trabalho publicado na Revista Forense, HelenoFragoso refere uma outra categoria “ainda controvertida”,esclarecendo: “São os casos em que encontramos na lei asações praticadas por motivos egoísticos, ‘por cobiça’, ‘porinstinto sanguinário’, ‘por motivo torpe’, etc” (Elementossubjetivos do tipo, RF n. 256, p. 34).

Afirma Mezger que em seu trabalho “Vom Sinn derStrafrechtlichen Tatbestand”, publicado em 1926 na coletâ-

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nea em homenagem a Traeger, inclui também no primeirogrupo os delitos de resultado cortado. Mas diz que Hegleradverte com acerto que tais delitos devem ser incluídos nosegundo grupo, por ser mais correto (Tratado, p. 357, nota8). Observe-se que os delitos de resultado cortado são deli-tos de intenção e, mesmo assim, Mezger, adotando a posi-ção de Hegler, os inclui no segundo grupo (delitos de ten-dência). Referindo-se aos delitos de resultado cortado,leciona Jescheck: “En ellos la producción del resultado nose incluye en el tipo, sino que basta la intención del autordirigida al resultado” (op. cit., p. 361).

Existem partidários de uma teoria geral da ParteEspecial do Código penal, entre os quais contam-se, porexemplo, Aníbal Bruno, Euclides Custódio da Silveira eJuan Del Rosal. Particularmente não estimamos viável taldesiderato, como deixamos consignado na quarta capa daprimeira edição desta monografia. Se alguém, porém, sedispuser a trabalhar na difícil tarefa, pensamos que as refe-rências subjetivas, aqui tratadas como elementos do tipo,ou do injusto, poderiam ser estudadas na sistematizaçãodos elementos constitutivos dos tipos em espécie.

São crimes de resultado cortado o envenenamento,previsto no art. 229 do revogado código penal alemão, e ocrime de perigo de contágio de moléstia grave (art. 131 doCódigo brasileiro), em que o agente tem o fim de transmitira moléstia a outrem.

Na categoria dos tipos cortados em dois atos, nosquais, segundo Fragoso, “a ação que corresponde ao tipo econsuma o crime é praticada com a intenção de praticar oagente uma ação posterior” (v. I, tomo II, p. 549), temos, nodireito brasileiro, um exemplo esclarecedor: formar novacédula, com fragmentos de cédulas verdadeiras, com oobjetivo de restituí-la à circulação (art. 290).

No volume referente aos arts. 121 a 160, de suasLições, Fragoso ora fala em “elementos subjetivos do tipo”

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(p. 155) ora repete a expressão e coloca entre parênteses“dolo específico” (p. 275). Ele diz que as denominações“dolo genérico” e “dolo específico” “são impróprias”(Lições...- Parte geral, 1976. p. 191). Neste trabalho, ao tra-tar da culpabilidade, não faz qualquer alusão ao assunto,deixando a seus leitores a indagação: por que é imprópriaa denominação dolo específico? Também Celso Delmanto(Código Penal anotado. São Paulo: Saraiva, I ed., 1980), aoindicar o “tipo subjetivo” do crime de perigo de contágiode moléstia grave, fala em elemento subjetivo do tipo “queé o especial fim de agir”... “É o ‘dolo especifico’, na corren-te tradicional” (p. 131). Por “corrente tradicional”, tem-seentendido a teoria causal da ação, o que nos faz dizer:Autores italianos da novíssima geração de penalistas, alémdo consagrado Ferrando Mantovani, usam de modo corren-te a expressão, sem incidir em qualquer reparo por parte deseus também modernos colegas europeus.

Como já acentuamos, Beling jamais aceitou quepudesse o delito-tipo conter elementos subjetivos. O máxi-mo que concedeu foi a existência, na ação, de uma faseexterna (objetiva) e de uma interna (subjetiva).

Diz ele:

“Los elernentos externos caracterizan el ‘tipo deilicitud’ de cada caso y los internos las particularida-des de la culpabilidad que deben concurrir pararedondear el tipo de ilicitud como tipo de delito”(Esquema, p. 42).

Repudiando o termo “elementos subjetivos”, asseveraque “es tarea de los juristas buscar una expresión verbalpara sustituir a esa inadecuada palabra compuesta, expre-sión que designe corretamente al esquema reguladorcomúm para la faz objeliva y subjetiva” (Esquema, p. 43).

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Segundo Fragoso, o propósito de ofender, nos crimescontra a honra, é elemento subjetivo do tipo (PG, 549. Nomesmo sentido, entre outros, Delmanto e Asúa).

O Legislador pátrio introduziu elementos subjetivosem diversos tipos. Assim: art. 131: com o fim de; 134: paraocultar desonra própria; 155, 156 e 157: para si ou paraoutrem; 158: com o intuito; 159: com o fim; 161, caput: paraapropriar-se; 161, § 1o, II: para o fim de; 171, caput: para siou para outrem; 171, § 2o, V: com o intuito; 173 e 174: emproveito próprio ou alheio; 180, caput: que sabe ser; 184, §1o: com o intuito de; 184, § 2o: com o intuito de; 202: com ointuito ou com o mesmo fim; 206: com o fim de; 207: com ofim de; 219: para fim libidinoso; 227, § 3o: com o fim de; 228,§ 3o: com o fim de; 231, § 3o: com o fim de; 234: para fim de;235, § 1o: conhecendo essa circunstância; 237: conhecendoa existência do impedimento; 245, § 1o: para obter lucro;245, § 2o: com o fito de; 247, IV: para exercitar a comisera-ção pública; 250, § 1o, I: com o intuito de; 261, § 2o: com ointuito de; 270, § 1o: para o fim de; 273, § 1o, 278: para ven-der; 282, parágrafo único: com o fim de; 288: para o fim de;289, § 2o: depois de conhecer a falsidade; 290: para o fim de;293, § 2o: com o fim de; 296, § 1o, II: em proveito próprio oualheio; 299: com o fim de; 301, § 2o: com o fim de; 302, pará-grafo único: com o fim de; 303, parágrafo único: para finsde; 305: em benefício próprio ou de outrem; 307: para obtervantagem ou para causar dano; 308: para que dele se utili-ze; 309: para entrar ou permanecer; 309, parágrafo único:para promover-lhe a entrada; 312: em proveito próprio oualheio; 312, § 1o: em proveito próprio ou alheio; 316: para siou para outrem; 316, § 1o: que sabe indevido; 317: para si oupara outrem; 319: para satisfazer interesse ou sentimentopessoal; 332: para si ou para outrem; 333: para determiná-lo a praticar: 334, § 1o, c e d: em proveito próprio ou alheio,que sabe ser, que sabe serem; 339: de que o sabe inocente;340: que sabe não se ter verificado; 324: depois de saber

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oficialmente; 342, § 1o: com o fim de; 343: para fazer; 343,parágrafo único: com o fim de; 344: com o fim de; 345: parasatisfazer pretensão; 347: com o fim de; 349: destinado atornar seguro; 353: a fim de.

2.2.2. Elementos Normativos

Vimos que o Código, de modo geral, limita-se a des-crever objetivamente o modelo de comportamento repre-sentativo de um desvalor jurídico-penal.

Mas nem sempre é possível encerrar em esquemaspuramente objetivos a estrutura de uma conduta humana,motivo por que é necessário, às vezes, introduzir no tipoelementos para cuja interpretação se exige uma posiçãovalorativa.

Tais são os chamados elementos normativos, como,sem justa causa, funcionário, documento, coisa móvel, che-que, duplicata, mulher honesta, dignidade, decoro, empre-gados na elaboração de diversos tipos.

Eduardo Correia anota que, primeiro Mayer, e depoisMezger, Zimmerl e Grünhut foram sucessivamente acen-tuando “a necessidade de distinguir no Tatbestand ele-mentos descritivos e normativos. Sendo, pois, o Tatbestandembora descritivo, é-o de juízos de valor; ao juiz caberáuma simples função cognitiva, mas de conceitos teleológi-cos” (A teoria do concurso cit., p. 89. Claus Roxin observaque “la gran transformación surge de los elementos norma-tivos del tipo. Ellos hacen vacilar por primera vez la teoríade la neutralidad valorativa del tipo penal”, in Teoría deltipo penal, tipos abiertos y elementos del deber jurídico.Trad de Enrique Bacigalupo. Buenos Aires, Depalma, 1979,p. 61. Erik Wolf afirmava que no fundo todos os elementosdo tipo têm caráter normativo, pois todos são conceitosjurídicos e, portanto, conceitos valorativos teleologicamen-

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te edificados, in “Strafrechtliche Schuldlehre”, v. 1, p. 79,nota 7, referido por Mezger, Tratado, I, cit., p. 388, no 20).

Bettiol ensina:

“Os elementos normativos são aqueles elementosque postulam, para poder existir, uma valoração espe-cial por parte do juiz; fora da valoração específica, elesnão existem como elementos de facto, que possam sertomados em consideração para os fins de determina-ção dos elementos característicos de uma fatispécie.”(ob. cit., II, p. 74).

Terán Lomas (Derecho penal, cit., p. 322-323) anota quesão distinguíveis três classes de elementos valorativos:

a) os que expressam uma necessidade estimativa,como o perigo de vida, nas lesões corporais graves;

b) os que requerem uma valoração jurídica, como oconceito de coisa móvel, no crime de furto, ou acondição de funcionário público, no delito depeculato;

c) os que requerem uma valoração cultural, como oconceito de mulher honesta, no crime de rapto vio-lento ou mediante fraude.

Embora obstinado em dizer que todos os tipos são decaráter puramente descritivo, Beling admitia que oLegislador, para caracterizar uma conduta,

“puede tomar toda clase de elementos: el com-portamiento corporal mismo, la situación vital de lacual aquél proviene, aquella en la que ha incido yaquella que ha acarreado. Por eso no puede imperdir-sele que se sirva de las relaciones jurídicas de la con-ducta para la construcción de los tipos (cosa ‘ajena’, §

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242, CP; cosa ‘propria’, § 113, etc)” (La doctrina deldelito-tipo, cit., p. 17).

Mesmo importando em enfraquecimento da garantiado princípio nullum crimen sine lege, é fato concreto a pre-sença de elementos normativos no tipo.

Deles ainda fala Bettiol:

“Isto quer dizer que, em princípio, os elementosnormativos do facto correspondem a uma concepçãoautoritária do direito penal; ou melhor, a uma concep-ção que vê sem apreensões um aumento dos poderesdiscricionários do juiz, a que corresponde um perigopara as liberdades individuais.” (Direito penal, II, cit.,ed. port., p. 77. Rosa Maria Cardoso da Cunha é de opi-nião que os elementos normativos do tipo, dentreoutras circunstâncias que aponta, ‘refutam por comple-to as funções sistemáticas e de garantia acreditadas àregra da legalidade” in “O caráter retórico do princípioda legalidade”. Porto Alegre: Síntese, 1979, p. 72).

2.3. A Função do Tipo

A garantia é uma das funções que a generalidade dadoutrina atribui ao tipo (Dentre outros: Maurach, op. cit., p.265; Bruno, I, p. 333; Sauer, Derecho penal, PG, trad de Juandel Rosal e de José Cerezo. Bacelona, Bosch, 1956, p. 114;Baumann, Derecho Penal – Conceptos fundamentales y sis-tema. Trad de Conrado Finzi. Buenos Aires, Depalma, 1973,p. 57; Correia, Eduardo, Direito criminal, cit., p. 276; TeránLomas, ob. cit., p. 309; Fragoso, Lições... cit., p. 159 e Con-duta punível, p. 131; Fontán Balestra, Derecho penal, PG.Buenos Aires, Abeledo-Perrot, 1975, p. 228; Jiménez deAsúa, Tratado..., cit., v. III, p. 677; Reyes, La tipicidad. Bo-gotá, Universidad Externado de Colombia, 1979, p. 29; Soler,

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Derecho penal argentino, cit., v. II, p. 147; Beling, La doctri-na del delito-tipo, cit., p. 5; Roxin, op. cit., p. 169; Wessels,Direito penal, PG. Trad de Juarez Tavares. Porto Alegre,Fabris, 1976, p. 30).

Se o tipo descreve o comportamento proibido, e se oart. 1o do Código Penal estabelece que “não há crime semlei anterior que o defina”, segue-se que ao lado dos tipospenais e fora deles não existe nenhuma conduta punível: éa sua primeira e principal função, a de garantia, que os sis-temas penais democráticos e contemporâneos asseguramao cidadão.

Como corolário do princípio nullum crimen sine lege,resulta a exigência de que o Legislador, na elaboraçãodos tipos, formule, o mais exato possível, a conduta incri-minada. É inconcebível, por exemplo, a redação de umtipo assim: “Lesar bem jurídico alheio”, e a respectivacominação de pena.

Se é certo que em muitos casos o Legislador não podeprescindir dos elementos normativos, não é menos corretoque o emprego excessivo deles enfraquece a garantia indi-vidual, como já consignamos.

Outra conseqüência decorrente do princípio da reser-va legal é a proibição da analogia: proibindo-a, a ordemjurídica impõe ao juiz apego estrito ao tipo, vedando-se aaplicação analógica in malam partem. Em outras palavras,não se ajustando o comportamento ao tipo, não pode o juizvaler-se de uma outra descrição, “parecida” ou “semelhan-te” à conduta do agente.

O referido princípio contém ainda uma disposiçãosobre a validez da lei penal no tempo, quando se proíbe aoLegislador a criação de um direito penal retroativo, parapiorar a situação do agente, e ao juiz, sua aplicação.

Bruno, ensinando sobre a importância do tipo, diz:

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“A sua função não se esgota na descrição dascondições elementares do fato punível; serve desuporte à norma implícita e fundamenta e limita aantijuridicidade; define precisamente o fato típico, dis-tinguindo-o de outros que o acompanham influindosobre o problema da unidade ou pluralidade de cri-mes: marca o iter criminis assinalando o início e o tér-mino da ação nos seus momentos penalmente relevan-tes, isto é, onde já se configura a tentativa e onde ter-mina a consumação; atribui a culpabilidade, atravéssobretudo do dolo, o seu caráter ajustado a cada figu-ra penal.” (Direito penal, cit., v. I, p. 333).

Jescheck insiste em que “los tipos penales debenestar redactados del modo más preciso posible, evitandoemplear conceptos indeterminados, imponiendo conse-cuencias jurídicas inequívocas y conteniendo únicamentemarcos penales de extensión limitada. La razón de esta exi-gência de determinación o certeza se encuentra en que lareserva de ley sólo puede desarrollar toda sua eficacia,cuando la voluntad de órgano representante del pueblo seexpresa tan claramente que excluye uma decisión subjeti-va y arbitraria del juez” (op. cit., p. 183).

Das imensas possibilidades de alguém atuar injusta-mente, o Legislador escolhe aquelas formas de condutaque, em razão de sua censurabilidade, são proibidas, sobameaça de pena; estas ações são descritas pelo tipo, sur-gindo daí uma função capital, que é a de possibilitar aocidadão orientar-se no sentido de conhecer o que é desa-provado, ou não.

Mayer manifestou a opinião segundo a qual, realiza-do o tipo, existe indício de que a ação seja também anti-jurídica, só não o sendo se tiver sido praticada em situa-ção de exclusão da ilicitude, como em legítima defesa, porexemplo.

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Diz que tipicidade e antijuridicidade devem separar-se uma da outra, e que aquela é o mais importante funda-mento para se conhecer esta. Textualmente, afirma: “Elmás cumplido reconocimiento encuentra su expresión per-manente en los tipos legales, ellos son, por tanto, los fun-damentos de cognición sobre qué normas de cultura hanencontrado reconocimienlo y en qué extension se hahecho. Con esto volvemos a la teoría sentada al hacer elanálisis de de que los tipos son indicios de la antijuridici-dad”, mas advertindo que “solo hasta que se pruebe locontrario es justo deducir del tipo la antijuridicidad.”(Apud Asúa, III, cit., p. 663).

É a função fundamentadora da ilicitude, de que falamMaurach (op. cit., p. 265), Fragoso (PG, cit., pp. 159-160) eWessels (op. cit., pp. 30-31), ou limitadora, para TeránLomas (op. cit., p. 309. Soler afirma que uma das funçõesmais importantes do tipo é a limitadora. Mas ele empregao adjetivo com sentido diferente do usado por Terán Lomas.Diz Soler: “Esta función (limitadora) puede ser entendidaen distintos sentidos: desde luego, el más importante és elque hemos señalado al establecer la relación entre nuestroderecho penal y el articulo 19 de la Constitución Nacional”- Derecho penal argentino, v. II, p. 148. O professor argenti-no está se referindo ao princípio nullum crimen sine lege),ou, finalmente, a função de concretizar ou indicar o injusto,referida por Jiménez de Asúa (Tratado..., cit., v. III, p. 180.Afirma o professor espanhol: “El tipo penal concreta o indi-ca lo antijurídico. Sin que el hecho sea injusto o sin queaparezca en aquel instante como injusto, no puede acuñar-se un tipo legal-penal... parece evidente que el Legislador,cuando describe el tipo en el artículo de la parte especialde su Código, no se entretiene en configurar conductas quesupone neutras, sino las que cree que serán antijurídicas”).

Nesse passo, encerramos o que a Doutrina chama desegunda fase da teoria do tipo, em que este funciona como

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fundamento do ilícito. Nessa fase vigora a chamada “regra-exceção”: realizado o tipo, a regra é estar presente a ilicitu-de; a exceção é a presença de uma justificativa (legítimadefesa, estado de necessidade, etc), sendo lícito o compor-tamento. Por isso é que se fala que o fato pode ser típico e,ao mesmo tempo, lícito. Esse modo de encarar a questãoparece contar com a maioria da Doutrina (Bruno, Hungria,Toledo, Fragoso, Zaffaroni, Welzel e seguidores, MuñozConde, Quintero Olivares, Bacigalupo, Maurach, Jescheck,Asúa, Nilo Batista, Stratenwerth, Luzón Peña, Cobo delRosal, Zipf, Sancinetti, Wessels, Vives Antón, Cerezo,Bustos, Hormazábal, Mercedes Arán, Eduardo Correia, etc).

Passamos, a seguir, à terceira fase, em que a tipicidadeé vista como ratio essendi (razão de ser) da antijuridicidade.Apesar de não contar com muitos adeptos hoje em dia, nósa consideramos a mais importante. Comporta vários desdo-bramentos, alguns dos quais são plenamente aceitos pelamelhor e mais moderna doutrina do crime. Seus principaisteóricos mais conhecidos são Mezger e Sauer.

Mezger situa a tipicidade na antijuridicidade, uma vezque a estuda no Capítulo desta (§ 21 do Tratado), e defineo tipo em seu sentido jurídico-penal, como “el injusto des-crito concretamente por la ley en sus diversos artículos, y acuya realización va ligada la sanción penal”, e o crime,como ação antijurídica, mas, ao mesmo tempo e sempre,“tipicamente antijurídica” (op. cit., p. 364).

Para o antigo professor de Munique, a tipicidade não éindício, mas razão de ser da antijuridicidade, o que levouJiménez de Asúa a escrever:

“No es que lo típico sea la ratio essendi de loinjusto, como cree Mezger, tesis que, como hemosdicho, nos llevaría a la falsa posición de que hay unaantijuridicidad penal que tiene su razón de ser en eltipo, sino que concreta lo injusto o lo señala.”

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(Tratado, III, p. 680. No mesmo sentido, ReyesEchandía: “Créase en esta forma una antijuricidadpenal de contenido propio y, por lo mismo, diversa deuna antijuridicidad in genere” - p. 19).

A tipicidade, como ratio essendi da ilicitude, compor-ta duas alternativas. Uma considera que a tipicidade impli-ca a ilicitude, e esta resulta excluída em face de uma causade justificação. É chamada teoria do “tipo de injusto”, sus-tentada principalmente por Mezger e Sauer. Outra é a teo-ria dos elementos negativos do tipo, tendo como principalformulador Adolf Merkel. Cuidaremos primeiro da teoria dotipo de injusto.

Welzel anota: “No es correcta, en cambio, la estructu-ra bimembre del delito de Sauer e Mezger, que fusiona latipicidad y la antijuridicidad. El tipo es, segundo ella, laantijuridicidad ‘tipificada’ ” (El nuevo sistema del derechopenal. Trad. esp. de José Cerezo Mir. Barcelona: Ariel, 1965,p. 50). Para o Prof. Fragoso “a identificação de tipo e antiju-ridicidade conduz ao entendimento inaceitável de que háuma antijuridicidade especificamente penal” (PG, 1980. p.160). No mesmo sentido pronuncia-se Munhoz Netto:“Atribuir ao tipo uma função constitutiva da antijuridicida-de leva a admitir-se uma antijuridicidade penal distinta daantijuridicidade geral... não é razoável fundir num únicoelemento a antijuridicidade e a tipicidade. A constataçãode uma nada tem que ver com a constatação da outra”.Sempre é bom lembrar: mesmo sendo professor titular emCuritiba e assíduo nos encontros e seminários de Direitopenal, além da convivência de Heleno, Toledo, Cunha Lunae visitantes, Alcides nunca alcançou o status de teórico,dedicando-se mais à prática dos tribunais. Jamais foi umcientífico. De qualquer maneira, ainda dizia: “A premissade que a conduta é antijurídica não leva à conseqüência deque seja típica, da mesma forma que a adequação típica

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não implica necessariamente em antijuridicidade” (A igno-rância da antijuricidade em matéria penal. Rio de Janeiro:Forense, 1978, pp. 90-93).

Em benefício da exatidão, esclareça-se que Mezgerrebateu a crítica, mesmo, a nosso ver, sem necessidade: “Elinjusto típico específico del Derecho Penal no tiene nadaque ver con la tesis, que a veces aparece en la bibliografia,de una especial antijuridicidad penal. Tal concepción deberechazarse en absoluto [...] este supuesto de una antijuridi-cidade solo penal contradice la naturaleza misma delDerecho como ordenación unitaria de vida. El tipo jurídico-penal no es, por tanto, una especie del injusto circunscritoa la esfera especial del Derecho punitivo, sino un injustoespecialrnente delimitado y con especiales consecuenciasjurídicas, que tanto fuera como dentro del ámbito delDerecho Penal representa una contradicción con elDerecho”. (Tratado, I. pp. 374-375.)

Eduardo Correia, na mesma linha de Mezger, é de opi-nião que “a ilicitude é um todo e o direito unitário, emborahaja que descrevê-la especialmente, através dos tiposlegais, para que ela seja relevante no direito criminal. Nesteúltimo sentido cf. Mezger, Lehrbuch § 21, V, e a teoria domi-nante na Alemanha” (Direito criminal, v. II, p. 8, n. 3).

Quando Munhoz Netto diz, acima, “que a adequaçãotípica não implica necessariamente em antijuridicidade”,apenas repete Mezger: “Es cierto que el tipo no demuestrasiempre la antijuridicidad de la acción (a saber, cuandoexiste una causa de exclusión del injusto)” (Libro de estu-dio - Parte general. Trad. de Conrado Finzi. Buenos Aires:Editorial Bibliográfica Argentina, 1958, p. 145).

Para Roxin, Mezger “ha subrayado, con razón, que senecesitaría, ‘no caer en el error de caracterizar la realiza-ción del tipo como antijurídica en sí misma’, si es que sequiere sostener que el tipo es un juicio de disvalor proviso-rio” (op. cit., p. 67). Figueiredo Dias, em sua tese de douto-

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rado, na passagem sobre a doutrina do tipo, escreve: “Oupode, diversamente, considerar-se que ele abrange apenasos elementos configuradores de uma espécie de delito (queele é, nesta acepção, um tipo de delito), sendo depois, naperspectiva da ilicitude, limitado por causas justificativasque do exterior se lhe impõem, de tal modo que o tipo é sóuma expressão provisória de ilicitude e que esta se afirmasó sob reserva da não intervenção de uma causa justifica-tiva” (O problema da consciência da ilicitude em direitopenal. Coimbra: Almedina, 1969, p. 89).

Toledo coloca-se de acordo, ou manifesta sua preferên-cia pelo escrito do professor português, acrescentando:“Além disso, a concepção do tipo como portador de umjuízo de desvalor condicionado tem contado com o apoio deprestigiosos penalistas, dentre os quais Mezger (Von Sinnder Strafrechtlichen Tatbestanden) e Sauer (Grundlagen).Nessa linha de pensamento, não vemos contradição emaceitar-se o conceito tripartido de crime (ação típica, anti-jurídica e culpável), bem como a afirmação de que o tipocontém um sentido, não definitivo, de antijuridicidade, poisa presença desta na esfera penal só se revela, por inteiro,de modo perfeito, quando: a) o fato está previsto em leicomo crime e b) o fato não está autorizado por algumanorma jurídica permissiva (causa de justificação)”(Princípios, cit., p. 176).

Achamos que o professor de Brasília mostra não assis-tir razão a Welzel, quando este se refere “a la estructurabimembre del delito de Sauer e Mezger, que fusiona la tipi-cidad y la antijuridicidad”.

Não é verdade que o crime, no conceito de Mezger ede Sauer, é bi-partido, em vez de tri-partido (tipicidade, ili-citude e culpabilidade), como vem concebido no pioneirolivro de Beling. Em contrário do que a maioria dos escrito-res vai passando adiante, ensinavam eles (Sauer e Mezger)que, havendo a adequação típica, o fato era ilícito, mas

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somente e enquanto não fosse identificada uma causa dejustificação, mesmo considerando a tipicidade como razãode ser da ilicitude.

Afirmava Sauer: “Com a realização do tipo e a ausên-cia de causas de justificação, estão fixadas a antijuridicida-de do fato, e, por conseqüência, a do injusto objetivo” (obcit., pp. 118-119). Não há dúvida de ambos, Sauer e Mezger,adotavam o conceito tri-partido de crime. A postura delesé a da regra-exceção.

Na segunda fase de sua evolução, o tipo é indício dailicitude. Na terceira, é razão de ser. Na doutrina dos doisprofessores, segundo nossa avaliação, a causa de justifica-ção afeta apenas a ilicitude. Preferimos não usar a expres-são “juízo de desvalor provisório ou condicionado” porquequando a ação incriminada é praticada ocorrem simulta-neamente a tipicidade, a ilicitude e a culpabilidade. Deuma só vez e ao mesmo tempo. Como, então, “parar” essedesenvolvimento e verificar a provisoriedade da ilicitude?O adjetivo seguramente não é apropriado. Com isso, nãopretendemos negar a utilidade da decomposição de certofenômeno para melhor ser analisado em suas partes ecaracterísticas. É o que acontece com freqüência no estudoanalítico do delito.

Outro aspecto a considerar é a ilicitude especifica-mente penal, que resulta do pensamento de muitos pena-listas, incluindo Mezger e Sauer. Para este último, a tipici-dade é antijuridicidade tipificada. Estimamos corretaessa posição. Seria imaginável o Congresso tipificar con-dutas lícitas? Intuitivo que somente se descreve o ilícito.É também verdadeira a doutrina de Mezger, quando con-sidera que o tipo legal é um tipo de ilicitude portador davaloração jurídico-penal no âmbito da delimitação entreDireito e ilicitude.

Toledo, referindo-se ao tipo de injusto, lembra que este“não abrange, entretanto, as causas de justificação, que,

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ao ver de muitos Autores, deveriam igualmente ser incluí-das em um tipo total de injusto, como elementos negativosdo tipo. Estas, as causas de justificação, constituem verda-deiros tipos permissivos, modelos de conduta lícita, que,por terem precisamente a função de excluir a ilicitude daconduta lesiva, não se confundem com o tipo de injustonem podem estar nele incluídas”(O erro, p. 47). O Ministro,além de penalista de grandes méritos, era especialista emerro jurídico-penal e adepto da teoria limitada da culpabili-dade, impondo-a à reforma de 84, em vez da teoria extre-mada, adotada por Welzel e seus mais antigos seguidores,como Cerezo, Hirsch, Armin Kaufmann e, entre nós,Fragoso, para quem o erro sobre os pressupostos fáticos deuma causa de exclusão da ilicitude é sempre erro de proi-bição. Toledo, mesmo sem renunciar ao entendimento deque o tipo descreve a ilicitude (como sempre escreveu),preferiu a teoria limitada da culpabilidade, como poderiater optado, como faz Jescheck, pela teoria que remete àsconseqüências jurídicas, ou pela teoria dos elementosnegativos do tipo, tudo isso sem perda de coerência. Équestão de ponto de vista.

O grande problema, a nosso ver, é o preconceito emafirmar que os mencionados professores acabam por fundira tipicidade com a ilicitude, criando uma estrutura de con-duta punível composta apenas de dois elementos, em vezde três. Só mesmo quem quer ignorar a realidade é capazde negar que o tipo descreve a ilicitude. Estamos conven-cidos de que a doutrina de Mezger e de Sauer não leva àpretendida fusão. Basta recordar alguns pontos segurospara eles: a) uma ação, só por ser típica, não é ainda neces-sariamente ilícita; b) a justificativa afasta a ilicitude; c) aantijuridicidade não pertence ao tipo; d) a antijuridicidadeé uma característica do delito, mas não uma característicado tipo (por ambos, Mezger, Tratado, I, p. 371).

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Pensamos ser forçoso reconhecer que em um sistemajurídico subordinado ao princípio nullum crimen sine lege ailicitude carece de sentido sem a tipicidade. Ao penalistasó pode interessar a ilicitude descrita pelo tipo. Por isso éque temos posição firmada acerca de uma antijuridicidadeespecificamente penal.

Vingou, a partir dos trabalhos de Binding sobre anorma jurídica e sua violação, no princípio do século passa-do, a crença de que nossa Disciplina teria a simples carac-terística de estabelecer penas para as situações de viola-ção de preceitos já contidos em outros setores da ordemjurídica. Equivale isso dizer que o Direito penal tem nature-za puramente sancionatória, sem comandos jurídicos pró-prios. Nega-se à nossa Disciplina o reconhecimento de quesuas normas, como quaisquer outras, possuem preceito esanção. Argumenta-se que o imperativo de comando “nãomatar”, implícito na definição do delito de homicídio, des-tina-se a todos, e é principal em relação à pena, comandodirigido apenas ao juiz. É visível a superficialidade. Se o se-gundo comando (a pena) não se dirigisse também a todos,de que valeria a prevenção geral assinalada à pena? Éacreditável que o cidadão se sentiria constrangido a nãoviolar o preceito caso não soubesse da conseqüência? Não,em definitivo.

O máximo admissível, a nosso ver, é o seguinte: oDireito penal intervém apenas onde resta insuficiente asanção respectiva de outros setores da ordem jurídica. Naelaboração dos tipos penais o que se leva em conta é o bemjurídico, não se cogitando saber nem mesmo se ele existeem outras partes do Direito.

Repudiamos a tese da antijuridicidade geral e de umDireito penal puramente sancionador. Não é possível acei-tar que, estabelecido o caráter geral da ilicitude, firma-se oprincípio de que ela abarca todos os setores do Direito, me-nos o Direito penal, porque este conteria apenas a sanção.

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Assim como todos os sistemas jurídicos são primários,autônomos e constitutivos, a pena criminal não pode sertida como sanção instituída para aplicar-se ao cidadão quehaja atuado em contrariedade aos preceitos de TODO oDireito abstratamente, seja na esfera civil, comercial ou tra-balhista. Deve ser tida como sanção aplicável à pessoa dodelinquente, isto é, à pessoa que violou preceito imlícitoem regra de Direito penal.

Estamos tentando mostrar é que, do ponto de vistasubstancial, diferença alguma existe entre a ilicitude civil ea criminal, ou entre esta e a comercial ou trabalhista.Diferenças não substanciais existem, e muitas. Tenha-seem vista a tipicidade. Repetimos: a única ilicitude que inte-ressa ao penalista é a que tiver sido objeto de tipificação,sem o que não toma forma nem sentido, nem chegandomesmo a existir. Um fato pode ser aparentemente ilícito emface do Direito penal; mas só o será se for típico.

Por tais razões é que discordamos de uma pretensaunidade da ordem jurídica, no âmbito total dos diferentessetores: civil, administrativo, penal, etc. Basta que se tomea teleologia ou a finalidade de uma regra civil e de umaregra penal. Existe uma gama imensa de fatos ilícitos quenão típicos, e que, consequentemente, não violam o Direitopenal: o esbulho possessório sem violência ou sem concur-so de pessoas, o dano culposo, a apropriação indébita deuso, a fuga sem violência de pessoa legalmente presa, etc.Portanto, o que é ilícito em certa disciplina jurídica, não oserá necessariamente em outra. Daí, nossa insistêncianesse ponto: a ilicitude não é sempre a mesma para todo oDireito. Existe, sim, uma ilicitude penal, tipificada, e outra,não penal, por não ter sido objeto de tipificação peloCongresso. Alguns Autores que se posicionam nesse senti-do: Aldo Moro, H. Mayer, F. Schaffstein, Francisco de AssisToledo e August Hegler.

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Nessa terceira fase, que estamos considerando, ensi-na Mezger: “o legislador cria, mediante a formulação dotipo penal, a antijuridicidade específica: a adequação típi-ca da ação não é mera ratio cognoscendi, mas autênticaratio essendi da antijuridicidade especial. A adequaçãotípica converte a ação em ação antijurídica, naturalmentenão por só, mas em vinculação com a falta de especiaisfundamentos que excluem a antijuridicidade. O tipo penalé um juízo pelo qual se estabelece que a ação, nele subsu-mida, constitui um injusto, enquanto não se demonstre ocontrário. Desta maneira, o tipo, por oposição à opinião deBeling e à concepção fundamental de M.E.Mayer, deixa deser objeto da valoração e passa a conter diretamente avaloração de todos os fatos que lhe são subsumíveis. Adiferença entre tipo e antijuridicidade só reside no seguin-te: o ‘juízo de desvalor jurídico’ emitido no tipo é provisó-rio” (Vom Sinn der Strafrechtlichen Tatbestände. InTraeger Fest., 1926, p. 7).

Essa alternativa, como sub-divisão da terceira fase,conhecida como “teoria do tipo de injusto” (tipicidade maisilicitude), e sustentada por considerável parcela dogmáticaalemã e espanhola, parece-nos contraditória. Lembra-nos odilema do ser e do não ser, do dar e do tirar, além de nãoconseguir se afastar do tipo indiciador, como se verá.

Consideremos a tipicidade e a justificativa. Havendo aprimeira, é correto afirmar o juízo positivo de ilicitude. Mas,afirmar, e, concomitantemente, negar, na mesma situaçãofática? Observe-se que os professores Mezger e Sauer sem-pre ensinaram corretamente que o tipo é a descrição legalde um comportamento ilícito. Por isso, um raciocínio coeren-te jamais levaria à conclusão da adequação típica se o fatofosse lícito, porque, então, o tipo já não estaria descrevendoum fato ilícito, mas alguma coisa de acordo com o Direito.

Fala-se, há muito, que o fato é congenitamente lícitoou congenitamente ilícito, não sendo possível, em presen-

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ça da justificativa, transmudar a natureza de uma conduta:nasceu ilícita, porque, do contrário, não seria tipificada; etornou-se lícita. Vá que houvesse, por exemplo, uma aboli-tio criminis, e tudo estaria regular e compreensível. Masnão da forma e nos moldes pretendidos.

Para evitar equívocos ao leitor, e este poder avaliarmelhor a situação, relembramos não estar cuidando do tipoindiciário. Mas do tipo de injusto, com a óbvia consideraçãode uma específica ilicitude tipificada. Um singelo indíciopode ser afastado ou elidido. Mas e a ilicitude tipificada?Pode ela ser afastada como algo apenas provisório ou con-dicionado? Isso, acaso, não seria retroceder à fase da regra-exceção? Evidente que se trata de visível retrocesso.

Em vez desse artificialismo, melhor seria retornar aotipo valorativamente neutro de Beling. Afastar um indícioem razão de uma justificativa representa um ponto devista defensável em seu tempo. Mas idêntica posição nãopode ser assumida na fase da ratio essendi, sob pena deignorar conceitos devidamente aceitos e estratificados nateoria da conduta punível. Contrariando posições suas, deresponsabilidade científica advinda de suas respectivasCátedras, Mezger, Sauer e seguidores ignoram o entendi-mento da ilicitude tipificada e especificamente penal,para considerar, como o faz a corrente da ratio cognoscen-di, que o juízo positivo de antijuridicidade é apenas provi-sório. Correu tanta tinta sobre uma concepção “nova”, e,ao final, chega-se à mesma conclusão do tipo indiciador.Não se compreende. O mesmo não acontece na teoria doselementos negativos do tipo.

Ficam, assim, sem sentido as sentenças de Sauer: “atipicidade é ilicitude tipificada”; “o tipo é somente umaforma de aparecimento do injusto, e certamente, uma desuas duas adequações típicas, a saber: as positiva,enquanto que a outra, negativa, forma as causas de justifi-cação”; “o tipo representa uma reunião típica dos elemen-

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tos desvalorados juridicamente relevantes e socialmenteprejudiciais” (ob cit, p. 111).

A outra alternativa da ratio essendi é a teoria dos ele-mentos negativos do tipo, considerada a seguir, e de quesomos partidários há mais de duas décadas.

Claus Roxin, escrevendo sobre o conceito e as vanta-gens do tipo total de injusto (isto é, tipo de injusto maisausência de justificação), anota: “A idéia segundo a qual ojuízo de desvalor legislativo está expresso no tipo penal, éum fundamento pelo qual as circunstâncias excludentes doinjusto correspondem sistematicamente ao tipo, dado queelas contribuem para a determinação do injusto tantoquanto os elementos da descrição particular do fato”(Teoría, 274).

A teoria em apreço surgiu na Alemanha na segundametade do século XIX, por obra de Adolf Merkel, sendolembrados também os nomes de Frank, Radbruch eBaumgarten. Tinha-se em vista solucionar a questão doerro sobre os pressupostos fáticos de uma causa de exclu-são da ilicitude, que o então art. 59, I, do CP, não resolviadiretamente. O vigente continua sendo omisso, havendoposições doutrinárias as mais variadas, dentre as quais aque estamos referindo. Autores da importância deJescheck chegam a mencionar até cinco soluções.Acreditamos que na presente monografia bastam umaligeira notícia do instituto e nossa posição a respeito.

O ponto de partida de Merkel foi a consideração deque o tipo de injusto contém uma parte positiva e outra,negativa. A primeira seria formada pela descrição da con-duta incriminada; a segunda, negativa, pela ausência decausa de justificação. Em conseqüência, o tipo do art. 121do CP brasileiro deveria estar assim redigido: “Mataralguém, a não ser em legítima defesa, ou em estado denecessidade...” etc. Desse modo, a presença de uma justi-ficativa, funcionando como elemento negativo, impede a

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realização típica. O fato, portanto, nessas condições, nãoseria típico.

O “tipo total de injusto”, que resulta da fusão das par-tes positiva e negativa, abrange todos os elementos quefundamentam, delimitam e excluem a ilicitude. Com isso, aafirmação da tipicidade implica, desde já, a inocorrência decausa justificativa, permitindo um juízo definitivo sobre ailicitude, e, não, um simples indício.

Em seu Tratado, Merkel, cuidando da imputação e daculpabilidade, no capítulo III, escreve: “ Não se pode dizerque haja delito doloso.... quando o agente pressupõe a exis-tência de relações cuja inexistência pertence às caracterís-ticas designadas pela lei ao delito (características negati-vas deste), como, por exemplo, relações que se houvessemexistido teriam servido para justificar a prática do fato, emrazão de legítima defesa” (Derecho penal, parte general. §30, 1 e 2. Trad do original por Dorado Montero. Montevideoe Buenos Aires, B de F, 2004, pp. 83-84. No mesmo sentidode que há erro de tipo, entre muitos outros criminalistas,Stratenwerth, Parte Geral, no de margem 491 e ss).

Tipo e ilicitude fundem-se portanto numa só figura, ado tipo total de injusto, na expressão de Lang-Hinrichsen(“Die Irrtümliche Annahme eines Rechtfertigungsgrundesin der Rechtsprechung des Bundesgeritchtshofes”.Juristen-zeitung, 1953, 362 et seq.). Dizemos em favordessa teoria: o tipo só descreve condutas ilícitas. Ora, aconduta praticada em legítima defesa não é ilícita. Nãosendo imaginável que o Congresso Nacional perca seutempo descrevendo conduta conforme ao Direito, segue-sea ausência de tipicidade. Voltando à lição de Toledo: “maisuma vez se ressalta... a anterioridade da ilicitude em rela-ção ao tipo legal de crime” (Princípios, 134).

Consideremos a tipicidade e as causas de justificação.Havendo a primeira, é correto afirmar o juízo positivo daantijuridicidade. Havendo ambas (a tipicidade e a justifica-

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tiva), haveremos de afirmar e de negar a um só tempo. Emais: em presença da justificativa, o fato narrado na pri-meira parte do tipo “total” seria lícito. É crível um tipolegal de crime descrever conduta conforme ao Direito?Ninguém imagina situação ao menos parecida.

Assim imaginada, recebeu o prestigioso aval deEdmundo Mezger (conferir a sétima edição dos “Co-mentários de Leipzig”, de 1954, em que aprofunda o estu-do do tema) e da mais refinada dogmática alemã. Fragosolembra que “de elementos negativos do tipo já falava AdolfMerkel em seu Tratado, ao cuidar da legítima defesa, mastinha em vista a concepção do tipo como conjunto de todosos pressupostos da pena (Gesamttatbestand), de sorte queas causas de exclusão da antijuridicidade pertenceriamindubitavelmente ao tipo” (Conduta punível, cit., p. 150.Em seu Tratado, Merkel, ao cuidar da legítima defesa, nãomenciona a teoria dos elementos negativos do tipo).Resultava, assim, um tipo total de injusto, ao qual só falta-ria a culpabilidade, para estar completa a figura do delito.

Wessels avalia que “o mérito dogmático da teoria doselementos negativos do tipo assenta-se em ter descobertotodos aqueles fundamentos que sugerem um tratamentoespecial do erro sobre as circunstâncias justificantes dofato (erro de tipo permissivo), situado entre o autêntico‘erro de tipo’ e o puro ‘erro de proibição’ ” (op. cit., p. 32).

Entre nós, Miguel Reale Júnior é reconhecidamente afavor da teoria. Escreve ele: “Mas toda ação típica é antiju-rídica? A nosso ver, sim. E as causas de justificação?Ocorrendo uma causa de justificação não há a adequaçãotípica” (Antijuridicidade concreta, cit., p. 53). No mesmosentido, Cunha Luna: “Não são típicos os atos justificados(exercício regular de direito, estrito cumprimento do deverlegal, estado de necessidade e legítima defesa)” e“Configurada uma causa de exclusão da antijuridicidade,excluída está a antijuridicidade” (Capítulos de Direito

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Penal. SP, Saraiva, 1985, p. 22-23 e 76). Mais recentemente,Paulo de Souza Queiroz (Direito Penal, Introdução Crítica.SP, Saraiva, 2001, p. 101 et seq.) e Janaina ConceiçãoPaschoal (Direito penal, parte geral, p. 48. SP, Manole,2003). Em Portugal, Figueiredo Dias, em sua vasta obra, oraparece a favor, ora contra, o mesmo acontecendo comEduardo Correia. Na Espanha, decididamente a favor, entreoutros, Santiago Mir Puig (Derecho Penal, PG, 6a ed.,Barcelona, Reppertor, 2002), Cuello Contreras (El DerechoPenal Español, PG, Madrid, Dykinson, 2002), Gómez de laTorre/Arroyo Zapatero et al (Curso de Derecho Penal, PG.Barcelona, Ediciones Experiencia, 2004), Bustos Ramírez(“El tratamiento del error em la reforma de 1983”, Anuariode Derecho Penal, 1985, pp 709 e ss) e Gimbernat Ordeig(“Introducción a la parte general del Derecho penal espa-ñol”, Madrid, 1979, pp 33 e ss, 55 e ss). Na Alemanha,Bernd Schünemann (“La función de la delimitación deinjusto y culpabilidad”, in Fundamentos de um sistemaeuropeo del derecho penal – Livro-homenaje a Roxin –Barcelona, Bosch, 1995, pp 205 e ss).

Na mesma linha de Reale Júnior, Roxin: “Para o tipototal, uma ação justificada não é típica, e uma ação típica ésempre antijurídica”; “O tipo total resulta, desde pontos devista sistemáticos, dogmáticos e práticos, preferível a umtipo penal que só contenha os elementos das prescriçõespenais da Parte Especial. Só o tipo total é realmente umtipo ‘cerrado’, pois compreende a totalidade do substratocorrespondente ao juízo de injusto” (Teoría, p. 294).

Rechaçando tal doutrina, Jescheck: “ Para esta exten-dida teoría el tipo há de abarcar no sólo las circunstanciastípicas del delito, sino todas aquellas que afecten a la anti-juricidad. Os pressupuestos de las causas de justificaciónse entendien, así, como elementos negativos del tipo. Seincluyen, por tanto, en el tipo porque sólo cuando faltan esposible um juicio definitivo sobre la antijuridicidad del

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hecho. Elementos del tipo y pressupuestos de las causasde justificación se reúnen, por esta vía, em um tipo total yse sitúan sistemáticamente em un mismo nivel.” (I, cit., p.338) e Fragoso: “As descriminantes (art. 19, CP) não sãoelementos negativos do tipo, mas causas de exclusão da ili-citude do fato. Situam-se, assim, fora do tipo e sua ocorrên-cia exclui apenas a antijuridicidade, não a tipicidade. Ateoria dos elementos negativos, como é exposta por muitospenalistas modernos, leva a identificar a tipicidade e aantijuridicidade, o que é inadmissível” (PG, 1980, p. 164).

Achamos que em um sistema jurídico subordinado aoprincípio nullum crimen, a antijuridicidade não tem qual-quer sentido sem a tipicidade, razão porque não nos cons-trange dizer que a antijuridicidade não está rigidamentedela separada.

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Capítulo 3Análise do Tipo

Do modo como Beling o concebeu, em 1906, o tiporepresentou um avanço extraordinário no estudo de nossadisciplina, pois, desde então, a maioria das construçõesteóricas sobre o crime parte do pressuposto de que a açãohumana se ajustou ao molde legal, ou tipo. Se não houveessa correspondência, ou tipicidade, nem como possívelhipótese de trabalho, não há que se passar adiante e inves-tigar a existência, ou não, de uma justificativa penal, e se aação é culpável, isto é, se a ordem jurídica reprova o com-portamento do agente, para então estar completa a condu-ta punível: a ação humana acrescida dos atributos da ilici-tude, da tipicidade e da culpabilidade.

Antes da construção do penalista germânico, o crimeera estudado sob os aspectos objetivo e subjetivo que, naverdade, representavam a antijuridicidade e a culpabilida-de. Com a idéia do tipo, viabilizou-se a formulação do con-ceito analítico do crime: fato típico, antijurídico e culpável.Nosso ponto de vista é no sentido da precedência da ilicitu-de sobre tipicidade, pelas razões já expostas anteriormente.

Nosso propósito, agora, é analisar os elementos obje-tivos e circunstâncias constitutivas do tipo, excluídos, evi-dentemente, os elementos especiais (subjetivos e normati-vos), já atrás referidos.

Consideraremos, nesse passo, a ação e a omissão, oresultado, o nexo causal, os sujeitos, o objeto material, ascircunstâncias de lugar e de tempo, os meios e os modosde execução.

Por motivo que aqui não cabe discutir, Grispigni, queescreveu, a nosso ver, a mais detalhada análise do tipo,

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exclui da relação de elementos objetivos e circunstânciasconstitutivas o sujeito passivo e as circunstâncias modais,reduzindo-se aqueles a oito (op. cit., p. 145).

O objeto jurídico, examinado na primeira parte damonografia, não constitui, a nosso ver, elemento do tipo; esteé elaborado tendo em vista a proteção de um bem, ou valor(Diz Mayer que “el objeto de protección jamás es una moda-lidad del acto, y por tanto, nunca es tampoco un elementodel tipo”, apud Asúa, Tratado, v. III, p. 92. No mesmo senti-do, Grispigni: “Devesi dire che l’oggetto giurídico è fuori delreato, perchè essendo quest’ultimo, nella sua unità e totali-tà, l’offesa di un bene giurídico, tale ofesa non puó nello stes-so tempo essere uno degli elementi di esso. Escludendo peról’oggetto giurídico dagli elementi della fattispecie legale,devesi nello stesso tempo affrettarsi ad aggingere che laconsiderazione di esso non solo è della massima importanzaper l’esatta determinazione e rocostruzione della fattispeciepenale” (op. cit., p. 139). Jiménez Huerta não acha corretoexcluir o bem jurídico dos elementos do tipo, dizendo queaquele é parte componente da estrutura do concreto tipopenal – La tipicidad, cit., p. 92-93).

Por fim, insistimos em que os requisitos, ou elementos,ou circunstâncias que serão estudados adiante não sãoencontrados sempre e em todos os tipos. Grispigni achamesmo que a maior parte dos tipos é composta de apenasquatro elementos: conduta, evento, nexo causal e objetomaterial (Op. cit., p. 146).

3.1. A Ação

A leitura de um livro, a ida à escola ou ao cinema, aprática de um esporte ou um passeio são ações de nossocotidiano que nada têm de contrário ao Direito. De fato, sóuma pequena parcela de nossas ações ou omissões lesa ou

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põe em perigo bens jurídicos dignos de proteção penal, e,por isso, são proibidas sob ameaça de pena criminal.

Tais ações, previamente incriminadas ou tipificadas,são ilícitas por decisão do Congresso Nacional, refletindo oque já havia sido repudiado pela “vontade social preponde-rante”. Fazendo parte ou sendo elemento do tipo legal decrime, carregam consigo a primeira valoração negativa doponto de vista jurídico-penal. Se formam a “matéria deproibição”, não vemos necessidade de alusão à sua “dano-sidade social” ou “evitabilidade” ou a expressões congêne-res no momento de sua conceituação doutrinária. A lesãoou perigo de lesão a bem jurídico é parte integrante de suanatureza, não carecendo, pois, ser reafirmada. Que esta-mos tratando de ação ilícita é ponto indiscutível.

A ação de matar alguém está prevista no art. 121 doCP muito mais por garantia individual que por outra razãoqualquer. A essa ilicitude formalizada se alia outra, decunho material, porque a descrição típica implica, desde já,lesão ou perigo de lesão à vida, ou seja, o bem que mencio-nado dispositivo está protegendo.

Não estamos considerando lesão a alguma regra deDireito, e, muito menos, proteção de sua vigência. Essaestranha mescla de bem jurídico com lesão e proteção devigência da norma está na ordem do dia de nossaDisciplina, graças a certas concepções de Jakobs, professorde Bonn a desencavar idéias pouco aceitas até mesmo aotempo de sua proposição pelo filósofo Hegel, no século XIX.

Nossa Disciplina não foi concebida como instrumentode tutela do ordenamento jurídico. De modo algum se com-preende que o bem jurídico-penal, nos delitos contra opatrimônio, seja a vigência do “conteúdo da norma”, comoquer o referido professor (Strafrecht, AT. Berlin, Gruyter,1991, 2/5).

A posição valorativa antecede à elaboração típica, talcomo estamos insistindo. A natureza ilícita da ação, que

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realizar o tipo, levará ao juízo acerca da reprovabilidade, ounão, atribuível ao agente. O mais, que importará saber, ése, no caso, existe uma causa de justificação. Se existir, ofato não será típico.

A teoria da ação já contou com mais e melhores favo-res doutrinários. Recentemente a maioria das exposiçõessistemáticas da teoria do delito tende a não considerá-laelemento independente e prévio às demais característi-cas da conduta punível, mas, simplesmente, parte inte-grante ou do tipo ou do ilícito (a propósito, o artigo-contri-buição de Juarez Tavares numa das coletâneas em home-nagem a Enrique Bacigalupo. Madrid-Barcelona, MarcialPons, 2004, p. 901).

Hoje em dia seu papel é modesto, se considerado orelevo fundamental que até há pouco lhe era concedido noestudo do crime. Se observarmos os melhores trabalhosproduzidos em nossa área, veremos que em muitos delesos “níveis de imputação” se limitam ao ilícito e ao culpável.No início dos anos sessenta do século XX, Claus Roxin,escrevendo sobre a teoria da ação finalista, afirmou váriasvezes que o conceito de ação, em Direito penal, não temqualquer serventia (Problemas fundamentais de Direitopenal. Lisboa, Vega, 1986, pp. 91 et seq.) Antes, em 1903 e1930, Gustav Radbruch já se manifestava no sentido deoutorgar primazia não ao conceito de ação, mas à realiza-ção típica. Deve também ser lembrado que, segundo Sauer,o criminalista pensa em termos de tipo.

É bem verdade que o tipo cumpre uma das maisimportantes funções num Estado de Direito, que é a garan-tia. E esta é o principal fundamento para se editar a regrajurídica descrevendo a conduta proibida. Elaborado o tipo,é possível afirmar o marco dentro do qual se confere rele-vância jurídico-penal a certa conduta humana. A par disso,e como já reiteramos, a única ação relevante para o Direitopenal é a que realiza um tipo legal de crime. Daí, pensar-

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mos primeiramente na ilicitude tipificada, nada havendoem nossa Disciplina que se possa crismar de pré-típico. Emnossa concepção valorativa, a ação carece de qualquer sen-tido se não for típica (é como dissemos supra: a única ilici-tude que nos interessa é a ilicitude tipificada).

Na atual ciência alemã do Direito penal coexistemvárias teorias sobre o conceito de ação, de que destacamostrês: causal, final e social.

Segundo os causalistas, ação é um comportamentohumano voluntário que causa uma modificação no mundoexterior. Para a corrente finalista, ação é o exercício de umaatividade final. A partir de idéias causalistas e finalistas,construiu-se um conceito social de ação: comportamentohumano socialmente relevante (Jescheck, Tratado, §§ 22/23).

Não repudiamos totalmente nem o causalismo nem ofinalismo, pois ambas as correntes têm um “quid” de ver-dade. Autores da importância de Eb. Schmidt, Engisch,Maihofer, Wessels e Jescheck, implícita ou explicitamente,se manifestaram nesse sentido.

Para nós, ação é um movimento corporal voluntáriodirigido à realização típica. Não mencionamos o resultadoporque este não é indispensável ao tipo. Tampouco ignora-mos a intenção, atentos ao fato de a ação ser ontologica-mente finalista.

Comporta ela dois momentos perfeitamente distintos:a formacão da vontade e a sua exteriorização, podendo pro-duzir, ou não, uma modificação do mundo exterior, entida-de que pode se acrescentar ao conceito de ação.

Todo movimento corporal do homem, que não sejafruto de sua vontade, não pode ser chamado de ação. Naformação da vontade, trava-se uma luta entre os motivos eos contra-motivos: sem essa possibilidade de opção, nãohá falar em vontade.

Na coação física absoluta, por exemplo, não há ação,porque não houve possibilidade de escolha. Já o coagido

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moralmente é capaz de agir, porque lhe resta sempre a pos-sibilidade de decidir entre a continuação do padecimento,físico ou moral, e a atuação.

A vontade, que se exige na ação, é apenas aquela sufi-ciente para afirmar a ausência de coação física absoluta, oude reflexos institivos, em cuja presença não se pode falarem ação. Nesse momento do fenômeno do crime, reputa-mos irrelevante o conteúdo da vontade de quem agiu; paranós, o conteúdo do ato de vontade só tem importância nainvestigação da culpabilidade.

O doente mental e o imaturo podem ter a vontadeindispensável para agir. Muitas vezes a vontade, comoensina Aníbal Bruno, “insuficiente para fundamentar a cul-pabilidade, basta para constituir o elemento subjetivo daação” (Direito penal, v. I, p. 285. Anotam os Autores:Baumann: “Nosso conceito de ação realça que a capacida-de de atuar é inerente ao ser humano. Pode atuar tanto omenor quanto o alienado, sempre que estejam em condi-ções de realizar uma conduta guiada pela vontade” (op.cit., p. 114); Wessels: “Capaz de ação em sentido jurídico-penal é toda pessoa natural independentemente de suaidade ou de seu estado psíquico, portanto também osdoentes mentais. A capacidade de ação, apenas depen-dente das forças naturais da vontade, deve ser incisiva-mente separada da concreta e individual capacidade deculpa” (op. cit., p. 23); Beling: “Para afirmar que existe umaação, basta a certeza de que o sujeito atuou voluntariamen-te. O que ele quis (isto é, o conteúdo da sua vontade) é porora irrelevante; o conteúdo do ato de vontade só tem impor-tância no problema da culpabilidade” (apud Mezger,Tratado, I, p. 221).

Observa Maria Helena Diniz: “A ação consta de doiselementos: o extrínseco — pois é manifestação objetiva,realidade pertencente ao mundo físico; e o intrínseco por-que se trata de entidade de psíquica, intenção, estado de

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ânimo, afirmação da vontade. Por conseguinte, um fenôme-no só é ação quando emana de uma pessoa, quando expri-me uma atividade voluntária da mesma, um comportamen-to seu” (Conceito de norma jurídica como problema deessência. São Paulo: Revista dos Tribunais. 1979, p. 102).Também, assim, Ignacio Villalobos: “La actividad mentalsin voluntad, no obstante corresponder a una de las facul-dades superiores y propiamente humanas, no es acto delhombre” (Derecho penal mexicano — Parte general.México: Porrúa, 1975. p. 233).

Mas a vontade que se esgota tão-somente na alma dapessoa é um nada, do ponto de vista jurídico-penal: cogita-tionis poenam nemo patitur.

É necessário que a vontade se exteriorize no mundofísico e represente um ataque a bem jurídico tutelado poruma norma penal. Se assim não for, trata-se de ação jurídi-co-penalmente irrelevante.

Uma ação que jamais pode realizar um tipo, seja porabsoluta impropriedade do objeto jurídico, seja por absolu-ta inidoneidade do meio empregado, jamais será uma açãocriminosa. Em nosso Direito, o cidadão só pode ser punidopelo que fez, e, não, pelo que é.

A ação deve ser subsumível ou enquadrável em umtipo penal; do contrário, falhará a tipicidade, e, por conse-qüência, o próprio crime.

Se o agente atuou com discernimento e vontade doresultado, ou assumindo o risco, ou imprevidentemente, ouse era exigível dele uma conduta diferente, são questões aser resolvidas no setor da culpabilidade.

3.1.1. A Omissão

Quando o Legislador elabora os tipos, o preceito aliimplícito é, na maioria das vezes, negativo: não furtarás,não provocarás aborto. Nesses casos, o tipo contém enun-

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ciado positivo: “subtrair para si ou para outrem” e “provo-car aborto”. Ao contrário, em certos tipos, o preceito é posi-tivo, e o enunciado é negativo: no tipo do art. 269 do CP, opreceito é “denunciarás à autoridade pública”, etc... O“deixar de denunciar”, portanto, constitui um “não fazer”que possui a mesma relevância jurídica do “fazer” “mataralguém”, para efeito da existência do crime.

Assim, os crimes podem ser praticados também atra-vés da omissão. O Anteprojeto de reforma da Parte Geral,de 1981, repetindo o Código de 69, dizia: “A omissão épenalmente relevante quando o omitente devia e podiaagir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe: a)tenha por lei obrigação de cuidado, proteção e vigilância;b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impediro resultado; c) com seu comportamento anterior, criou orisco de sua superveniência” (art. 13, § 2o). Houve ligeiramodificação introduzida pela lei 7.209/84, resultando aseguinte redação: “O dever de agir incumbe a quem: ...” c:“...criou o risco da ocorrência do resultado.”

No caso, o Legislador caminha junto aos Autores, por-que a omissão de que aqui se cogita, não é uma pura inér-cia, ou abstenção ou um non facere qualquer.

Ao revés, deve ser a abstenção daquilo que a ordemjurídica impõe, porque sem o dever de agir não se podefalar em omissão, como ensina Bruno: “A omissão relevan-te para o Direito Penal é a que consiste em omitir o cumpri-mento de um dever jurídico.” (Direito penal, v. I, p. 299. EmComunicação ao XIII Congresso Internacional de DireitoPenal, o Grupo Brasileiro da Associação Internacional deDireito Penal disse: “Tal dever incumbe ao garantidor, istoé, a quem reúne características especiais que a tornam res-ponsável pela preservação do bem de interesse jurídico[...]. Se faltar a possibilidade de realizar a ação que impeçaa lesão, não haverá omissão adequada ao tipo penal” (Os

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crimes omissivos no Brasil. Revista de Direito Penal eCriminologia, Rio de Janeiro, v. 33, p. 18 et seq.).

Essa Comunicação é o relatório geral (elaborado porAlcides Munhoz Netto) do colóquio nacional, preparatóriodo mencionado Congresso, e foi celebrado no Rio, em 1982,com as presenças de Zaffaroni e Novoa Monreal, especial-mente convidados. Infelizmente, Alcides não pôde ver seutrabalho apresentado ao Congresso, reunido no Cairo, em1984, porque foi colhido pela morte, de maneira trágica eantes do evento.

Sobre a omissão, observam os Autores: von Liszt: “Elconcepto de la omisión supone: que el resultado produci-do hubiera sido evitado por el acto, que, apesar de serposible para el autor y esperado par nosotros, fué omitidopor éste” (Tratado..., v. II. § 30, p. 315). Grispigni: “Senzal’elemento del ‘dover essere’, sia pure meramente stru-mentale e cioè di mezzo a fine, è impossibile parlare diomissione” (op. cit., p. 32). Bettiol: “O conceito de omissãosó tem significado em cantato com uma exigência espiri-tual, na medida em que, na realidade naturalística e como auxílio de meros critérios, não é possível qualificar comoomissivo um determinado comportamento” (v. 2, p. 109).Soler: “La mera abstención se transforma en omisiónpunible, cuando el acto que habría evitado el resultadoera juridicamente exigible” (v. 1, p. 295). Mezger: “Sinesta acción pensada (esperada) no es posibie hablar deomisión en sentido jurídico” (Tratado..., v. I, p. 289).Fragoso: Lições... - PG, 1976): “Omissão é abstenção deatividade que o agente podia e devia realizar. Omissão,em conseqüência, não é mero não fazer, mas, sim, nãofazer algo que, nas circunstâncias, era o agente impostopelo direito e que lhe era possível submeter ao seu poderfinal de realização” - p. 235).

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Com a reforma de 1984, o código alinha, no art. 13, §2o, as fontes do dever de atuar, sob a rubrica “relevância daomissão”:

a) obrigação de cuidado, proteção ou vigilância,como, por exemplo, o dever de guarda e manuten-ção dos filhos, previsto no art. 1.634 do Cód. Civil;

b) o dever de quem, de outra forma, assumiu a res-ponsabilidade de impedir o resultado. São asconhecidas hipóteses do guia alpino, do salva-vidas e do professor de natação;

c) quem cria o risco da ocorrência do resultado tem odever jurídico de afastá-lo. A mãe, omitindo-se emseu dever de alimentar o filho recém-nascido, coma intenção de matá-lo, e sobrevém a morte, res-ponde por homicídio. É a mesma situação daenfermeira que, dolosamente, se abstém de minis-trar o remédio ao doente, que, em conseqüência,vem a morrer.

Como assinala Fragoso, “os pressupostos de fato queconfiguram a posição de garantidor são elementos do tipo,devendo estar cobertos pelo dolo. O agente deve ter, assim,consciência de sua posição de garantidor da não-superve-niência do resultado. O erro a tal respeito é erro de tipo eexclui o dolo” (PG, 1995, p. 233).

Da mesma forma que na ação, o elemento vontade éimprescindível na omissão: não há falar nesta, se aquele aquem incumbia agir foi fisicamente coagido a não agir.

A Doutrina distingue duas categorias de crimes omis-sivos: os próprios, ou puros, e os impróprios, ou comissivospor omissão.

Nos omissivos próprios, o agente realiza o tipo apenasse abstendo de cumprir o comando do preceito positivo; ocrime se consuma com a só abstenção, prescindindo, pois,

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de qualquer resultado. Mostrando que o agente não reali-zou o que podia e devia realizar, tem-se que a conduta étípica. Ex.: o delito previsto no art. 135 do Código Penal,omissão de socorro.

Por omissivos impróprios entendem-se aqueles emque o resultado é conseqüência de uma omissão.

Às vezes, os crimes de resultado podem ser realizadostanto através de uma ação, quanto de uma omissão. Assim,a mãe tanto pode matar o filho sufocando-o, como privan-do-o de alimentação. Nesta segunda hipótese, o resultadoé conseqüência da omissão.

Nos crimes omissivos puros, que se consumam com asó abstenção da atividade imposta, não há o nexo causal,por não existir o resultado. Somente por exceção, comoocorre, por exemplo, nos parágrafos dos arts. 133, 134 e135, há um resultado (lesão corporal grave ou morte) visí-vel, destacável do comportamento do agente. Nessescasos, evidentemente não se pode negar a existência darelação causal.

Bruno diz que a omissão “não consiste em um movi-mento corpóreo, mas é manifestação precisa da vontade nomundo exterior, expressa em um não fazer contrário aodever jurídico de fazer. E daí a relação causal que prendeessa maneira de agir ao resultado que dela provém e quese pode afirmar com a mesma segurança lógica da causali-dade no atuar positivo” (v. I, p. 294. Pesa-nos divergir dogrande penalista brasileiro. Nos crimes omissivos puros,como se sabe, não há um resultado que condiciona a exis-tência daqueles. A relação causal, como o próprio Mestreensina (vol. I, p. 305), “estabelece o vínculo entre o compor-tamento em sentido estrito e o resultado”. Por exemplo,qual resultado haveria na omissão de notificação de doen-ça? No caso, qual a modificação do mundo exterior?Rigorosamente, nenhuma).

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Se, de regra, não existe a relação causal nos tiposomissivos puros, o mesmo não se dá quanto aos omissivosimpróprios. Na hipótese fática da mãe que deliberadamen-te deixa de alimentar o próprio filho, querendo matá-lo, esobrevém o resultado morte, por desnutrição, o resultadolesivo é conseqüência da omissão. Se a mãe tivesse cum-prido o dever jurídico de alimentar seu filho, o resultadomuito provavelmente não teria ocorrido. Embora a lei bra-sileira seja expressa no sentido da causalidade na omissão,os Autores debatem o assunto.

Fragoso escreve: “Os crimes comissivos por omissãoou comissivos impróprios, não são como geralmente sesupõe, crimes comissivos. São crimes omissivos em que apunição surge, não porque o agente tenha causado o resul-tado (não há causalidade alguma na omissão), mas porquenão o evitou” (PG, 1976,p. 238). Significativamente, aexpressão “evitar o resultado” foi empregada peloAnteprojeto de 1981 e mantida pela Reforma de 84.

Admitindo a causalidade na omissão, Cunha Luna:“Causa é a ação, causa é a omissão. Também a omissão écausa do resultado. Mesmo que a Lei brasileira não dispu-sesse, expressamente, que a omissão é causal, mesmoassim não veríamos dificuldade em considerá-la a par daação, no que diz respeito ao nexo de causalidade”(Estrutura jurídica do crime. Recife: Universidade Federalde Pernambuco, I 970, p. 75). E também Sauer: “Es comple-tamente errôneo negar la causalidad de la omisión y en sulugar exigir (v. Liszt) la antijuridicidad, la infraccion de undeber jurídico”, completando: “La omisión es causal cuan-do la acción esperada (sociológicamente) hubiese proba-blemente evitado el res, de otro modo: Cuando la omisiónde esta acción es peligrosa socialmente y por el contrario Iaacción hubiese apartado el peligro” (op. cit., p. 148-150).

Ilustre componente de seleta Banca que examinoueste trabalho qualificou de “gritante contradição” o fato de

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admitirmos a relação causal nos crimes omissivos impró-prios, e a negarmos nos omissivos puros. Refutando a críti-ca, argumentamos: concebemos o resultado como umaentidade natural, que se acrescenta à ação, como seu efei-to, ou conseqüência. Aquela liga-se a este pelo vínculo cau-sal. Sabendo-se que, de regra, nos crimes omissivos purosnão há um resultado natural, segue-se que neles não hánexo causal. Já nos omissivos impróprios há resultado, e,por conseqüência, nexo causal.

Como se vê, há disputa em torno do assunto, mas con-tinuamos com nosso ponto de vista: nos omissivos puros,não há relação causal, exceto nas hipóteses de agravaçãoespecial pelo resultado morte ou lesão corporal.

Nos omissivos impróprios (art. 13, § 2o), o nexo causalexiste e é tão perceptível quanto nos crimes comissivos.

Grispigni enfatiza que a omissão é um juízo de contra-dição de uma conduta em relação a uma norma que impõedeterminada conduta (Op. cit., p. 32).A omissão seria, por-tanto, uma conduta “diversa” daquela imposta pela ordemjurídica. Tanto nos omissivos puros quanto nos impróprios,o comportamento só terá a qualidade de omissão relevanteem relação com uma norma, com uma exigência. A omissãoé conceito normativo: a norma jurídica (art. 1.566, IV, doCódigo Civil de 2002) é que impõe à mãe o dever de alimen-tar o filho recém-nascido. No sentido da “normatividade”da omissão, também Cunha Luna: “A ação omissiva nãopode ser concebida como omissão naturalista. A omissão éfato jurídico e, como fato de direito, toma cores normativas,jurídicas. Ao penalista... não interessam omissões simples-mente, mas omissões relevantes para o direito. Nada deomissões incolores” (Estrutura..., cit.. p. 70-71).

Diz o mencionado professor italiano: “Devesi pertantoriconoscere che la concezione normativa dell’omissione èpienamente legittima e che questa consiste nel ‘non facerequod debetur”, fazendo uma distinção entre a omissão con-

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sistente em um ‘aliud agere’ e a que concebe como “nonfacere quod debetur”: “La concezione dell’omissione svol-ta nel testo como ‘non facere quod debetur’ è ben diversadalla concezione como ‘aliud agere’. Ed invero, secondoquest’ultima, l’omissione consiste sempre in un facere(condotta positiva) ed appunto con ciò si mira a dimostrarela causalità naturale dell’omissione. Secondo noi, invece,questa può consistere anche in un non facere (inerzia), epertanto neghiamo che possa aversi una causalità naturaldell’omissione” (op. cit., p 33, 36, nota 28; grifo nosso).

Bruno afasta-se tanto da teoria da ação esperada, deMezger (“fundando com ela a antijuridicidade e a causalida-de na omissão”), quanto da posição de Grispigni. Diz ele:“Grispigni, que adota uma teoria à primeira vista semelhan-te, afasta-se de Mezger para aproximar-se mais da realida-de, substituindo desde logo a fórmula ação esperada poração que era de esperar, [...] o que não é simples questão depalavras, mas um meio de denunciar prontamente o conteú-do normativo da fórmula. Não basta falar de ação esperada.‘Sem o elemento do dever ser, como diz Grispigni, sejaembora meramente instrumental, isto é, de meio a fim, éimpossível falar de omissão’[...] Este é um ponto firme emsua construção; construção sugestiva, mas da qual divergi-mos em mais de um ponto”, (op. cit., p. 296, n. 10).

3.1.2. O Verbo

A ação se expressa por um verbo, ou, como diz Beling,“el contenido de cualquier delito-tipo traza una línea deli-mitativa al redor del acontecimiento configurado’. Su sellocaracterístico lo recibe del verbo en él contenido, como‘matar’ (CP, 211), ‘substraer’ (242), etc.” (Esquema... cit.,§ 16, p. 47).

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No esgotante exame do elemento objetivo do tipo quefez, e chama de simples “programa de trabalho”, o mestreitaliano Grispigni afirma:

“Il punto di partenza nella ricostruzione della fat-tispecie legale deve essere il verbo usato dalla propo-sizione legislativa, perché il verbo indica l’azione (insenso lato), e già si è visto como il reato consistaessenzialmente in una condotta positiva o negativa”(Op. cit., p. 148. Escrevendo sobre a conduta, dizReyes Echandía: “Si el verbo es la parte más impor-tante de una oración y si la conduta descrita en el tipose plasma en una oración gramatical, entiéndese per-fectamente que el verbo haya sido llamado con todapropiedad ‘núcleo rector del tipo’ ” - op. cit., p. 69).

Como se sabe, os tipos encontram-se no Código a par-tir do art. 121, que contém o tipo mais simples e despojadode elementos: matar alguém, seguindo-se outros até o art.359-H, que contempla o crime de oferta pública ou coloca-ção de títulos no mercado; aqui, os verbos são ordenar,autorizar e promover.

O verbo exerce um papel fundamental na interpreta-ção e aplicação da lei penal. Certa vez patrocinamos a defe-sa de um rapaz denunciado por ter sido encontrado“fumando maconha” em companhia de amigos; o promotorde justiça capitulou o fato no art. 16 da então vigente lei detóxicos, cujos núcleos eram “adquirir”, “guardar” e “tra-zer”. Não estava prevista a conduta “fumar”. A defesa par-tiu desse ponto, para concluir que o fato imputado ao réunão era típico e, portanto, não havia que falar em crime. OJuízo acolheu o argumento.

Em sua maior parte, os verbos são transitivos diretos,acompanhados de seu objeto, que é a coisa, ou a pessoa,sobre a qual incide a atuação do agente.

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Pode acontecer que, no mesmo tipo, encontrem-sedois ou mais verbos, mas somente um deles é “reitor”: notipo do art. 138, há três verbos: caluniar, imputar e defi-nir. No entanto, só o verbo caluniar expressa a condutaincriminada; os outros, imputar e definir, possuem cará-ter apenas secundário.

Em detalhado exame da Parte Especial, feito ao tempoda realização dessa pesquisa, verificamos que ali foram uti-lizados 172 (cento e setenta e dois) verbos reitores. Desses,o mais usado foi “expor”, que aparecia em 14 tipos, isto é,nos arts. 130, 134, 136, 184, § 2o, 234, parágrafo único, I,251, 252, 261, 262, 276, 277, 278, 279 e 334, § 1o, letra c.

Selecionamos alguns que reputamos de significadoamplo e geral. Em torno deles, agrupamos uns tantos outros,que contêm, mais ou menos, a mesma idéia. Desse modo:

a) o verbo “alterar”, como transformação do conteú-do de alguma coisa, pode compreender: falsificar(arts. 272, 289, 293, 296, 297, 298, 301, § 1o, e 306);contrair (art. 235, § 1o, 236 e 237); deteriorar (arts.163 e 165); destruir (arts. 151, § 1o, I, 163, 165, 171,§ 1o, V, 211, 255, 305 e 346); desviar (arts. 289, § 4o,312, 316, § 2o, 161, § 1o, I); inutilizar (arts. 163, 165,255, 257, 336, 337 e 356); rasgar (art. 336); cons-purcar (art. 336); violar (arts. 184, 210 e 336); remo-ver (art. 255); adulterar (art. 272); corromper (arts.218, 271 e 272); danificar (arts. 202 e 346); suprimir(arts. 161, 162, 290, 293, § 2o, 305 e 346); deslocar(art. 161); substituir (arts. 175, § 1o e 242); tirar(art. 346); envenenar (art. 270); poluir (art. 271).

b) o verbo “adquirir”, com o significado de ingressode alguma coisa no patrimônio de alguém: apos-sar (art. 151, § 1o); subtrair (arts. 155, 157, 312, §1o); apropriar-se (arts. 168, 169, parágrafo único, Ie II, 312); receber (arts. 160, 180, 313, 292, parágra-

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fo único, 334, § 1o, letra d e 357); ocultar (arts. 180,184, § 2o, 305 e 334, § 1o, letra d); obter (arts. 171 e332); guardar (arts. 289, § 1o, 291 e 294); importar(arts. 234, 289, § 1o e 334).

c) o verbo “ofender” como lesão ao patrimônio moralde uma pessoa: caluniar (art. 138); difamar (art.139); injuriar (art. 140).

d) o verbo ‘dar’, como ação em virtude da qual umacoisa passa ao poder de outrem: vender (arts. 171,§ 2o, I e II, 175, § 1o, 184, § 2o, 234, parágrafo único,I, 276, 277, 278, 279, 289, § 1o e 334, § 1o, letra c);entregar (arts. 245 e 278); ceder (arts. 289, § 1o, e308); distribuir (art. 234, parágrafo único, I);emprestar (art. 289, § 1o); fornecer (arts. 253, 280,291 e 294).

e) o verbo “obrigar”, entendido como ação impositi-va sobre uma pessoa: constranger (arts. 146, 158,197, 199, 213 e 214); exigir (arts. 160, 316, § 1o);ordenar (art. 350); impedir (art. 151, § 1o, III, 208,209, 257, 260, 262, 266, 335 e 358); arrebatar (art.353); seqüestrar (art. 159); privar (art. 148); execu-tar (art. 350); submeter (art. 350, parágrafo único,III); recolher (art. 350, parágrafo único, I); prolon-gar (art. 350, parágrafo único, II); raptar (art. 219);afastar (arts. 335 e 358).

f) o verbo “propalar”, no sentido de manifestar algo:divulgar (arts. 138, § 1o, 151, § 1o, II, e 153); revelar(arts. 154 e 325); anunciar (art. 283). g) o verbo“perturbar”, como causar distúrbio a alguém:escarnecer (art. 208); invadir (arts. 161, II e 202);interromper (art. 266): dificultar (arts. 257, 262 e266); ameaçar (art. 147); causar (arts. 250, 254, 256e 267); desacatar (art. 331); iludir (art. 334). A idéiadesse reagrupamento é de Reyes Echandía (op.cit., p. 70-72).

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O verbo “subtrair” foi encontrado também nos arts.211, 249 e 257, mas não com o significado de ingresso dealguma coisa no patrimônio de alguém.

3.2. O Resultado: crimes sem resultado

Quando o homem exterioriza a sua vontade, são mui-tos os efeitos que daí decorrem, porque cada um desses,por sua vez, traz consigo outras modificações do mundoexterior, e, assim, vai-se ao infinito. Esses efeitos, ou modi-ficações do mundo exterior, constituem o resultado.

Ensina o Prof. Cunha Luna:

“No domínio da atividade humana, surge o resul-tado como efeito da ação, aquele acontecimento quese liga, segundo o nexo de causalidade, a condutaativa ou omissiva, da qual se destaca como um poste-rius, pela própria natureza e, na maioria das vezes,também cronologicamente, alguma coisa que, notempo, é sucessiva de outra.” (O resultado, no direitopenal. São Paulo: Bushatsky, 1976, p. 33).

Alguns penalistas colocam o resultado no conceito deação. Assim, von Liszt: “La voluntad debe manifestarsefrente al mundo exterior. El concepto el acto exige, pues, laaparición de un cambio en mundo exterior (aúnque sólo seapasajero); es decir, en los hombres (aúnque sólo sea en suvida psíquica,) o en las cosas. Nosotros llamamos resultadoa este cambio, perceptible por los sentidos” (Tratado....Trad. de Asúa, s/d. v. II. p. 300); Bruno: “O resultado seincorpora à ação como o seu momento final e juridicamen-te mais relevante, quando a ação se apresenta de relevân-cia para o Direito” (v. I. p. 285); Mezger: “En el concepto dela acción está compreendido el concepto del resultado.

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Resultado del delito es la total realización típica exterior”(Tratado..., v. I, p. 172).

Outros o colocam no tipo. Sauer: “En la mayor parte delos tipos se menciona el resultado como caráter: delitos deresultado”. Sobre os elementos do tipo, afirma: “Un resulta-do se requerirá la mayor parte de las veces (op. cit., §§ 211,223, 242, 303” e p. 116-118); Welzel: “Tipo objetivo de injus-to es la acción de hecho con el resultado eventual y laseventuales condiciones y caracrerísticas objetivas deautor” (op. cit., p. 62): Maurach: “El resultado, ‘enteramen-te un producto del legislador’, permanece fuera de laacción y constituye el punto terminal del tipo” (op. cit., p.212); Cunha Luna: “O resultado funciona como efeito daação, ora inserido no tipo, ora coma causa especial de agra-vação da pena” (O resultado, p. 16); Fragoso: “O resultado,no entanto, eventualmente ligado à ação por relação decausalidade (nos crimes materiais), não pertence à ação,sendo integrante do tipo” (PG, 1976, p. 152);

Os três professores, primeiro mencionados (von Liszt,Bruno e Mezger), são reconhecidamente partidários da teo-ria causal da ação. Colocando o resultado na ação, a teoriacausal pretende proporcionar uma base comum a todas asformas de aparição do crime. Eventual discordância nossa,relativamente à questão do resultado, não implica repúdioà teoria causal da ação.

Ao entendimento de que o resultado é parte da ação,podem ser opostos alguns argumentos: a) nos crimes cul-posos, o agente só quer a ação; não quer o resultado, nemmesmo eventualmente pois, do contrário, responderia atítulo de dolo, já que o Código adotou, nesse particular, asteorias da vontade e do consentimento. O resultado, por-tanto, não pertence à ação; b) assentado que o resultado éuma modificação do mundo exterior, como se explica a“conseqüência natural da ação” nos crimes formais e nosomissivos puros, em que a mundo exterior não foi modifica-

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do? c) diz Cunha Luna: “Não se entende que o resultadoesteja na própria ação, como se o efeito pudesse estar naprópria causa”. O resultado não pode ser absorvido pelaação, porque causa e efeito são termos distintos” (O resul-tado, p. 80-88). No mesmo sentido, Bettiol: “O evento nãopode incluir-se no conceito de ação, entendida em sentidolato: a ação é posição de causa, é fator causal, ao passo queo evento é conseqüência” (v. II, p. 112). Estamos convenci-dos de que o resultado não faz parte da ação, sendo ele-mento da maioria dos tipos.

Ao lado desse conceito, dito “naturalista”, a Doutrinase refere a um outro, “jurídico” ou “normativista”, queidentifica o resultado com o dano: o resultado seria a lesão,ou perigo de lesão, do bem jurídico, produzida pelo delito.

É grande a diferença entre as duas concepções: oresultado, entendido como uma modificação do mundoexterior, relevante para o Direito Penal, é uma entidade quese acrescenta à conduta do homem, uma entidade natural,distinta e diversa do comportamento do sujeito; enquantoisso, a ofensa ao bem jurídico é o mesmo fato humano, con-siderado do ponto de vista da tutela jurídica.

Bettiol vai além, para explicar que

“as conseqüências da ação (evento) não podemconfundir-se com os atributos da ação ou do evento(lesividade). A questão da lesividade do fato diz respei-to ao capítulo da antijuridicidade, isto é, do fato namedida em que contrasta com os interesses tutelados.Pensamos, por isso, que deve, em princípio, repetir-seuma concepção, ‘jurídica’, para admitir uma concepçãonaturalística do evento, em harmonia com tudo o quedissemos a respeito do fato em geral” (v. II, p. 113).

Dentre outros, manifestam-se, também contrários àconcepção jurídica: Grispigni (p. 61); Antolisei (p. 178);

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Frederico Marques (Tratado de direito penal. São Paulo:Saraiva, 1956, v. II, p. 65); Fragoso, referindo-se à concepçãojurídica, diz: “Contra essa concepção observa-se que a ofen-sa ao bem jurídico tutelado não constitui o resultado daação, mas sim uma valoração jurídica do mesmo” (PG, 1976,p. 171). Sobre as duas concepções do resultado, escrevePimentel: “A nossa opinião é de que a razão está com ospartidários da corrente naturalista. Os adeptos da correntenormativa incorrem no erro de incluir a antijuridicidade nofato típico, identificando o fato, no sentido natural, com ofato, no sentido jurídico, o que importa em negar até mesmoa existência da conduta, no plano natural, uma vez que elaconstitui um dos elementos do fato típico” (Crimes de meraconduta. São Paulo: Revista dos Tribunais. 1975, p. 48).

Filiar-se a uma ou a outra concepção significa posicio-nar-se também em relação a um tema que tem dividido ospenalistas: a existência, ou não, de crime sem resultado.

Os que concebem o resultado sob o prisma naturalís-tico podem admitir o crime sem resultado. Ao contrário, aconcepção normativa considera o resultado como elementoindispensável do delito. (Pela Exposição de Motivos, infere-se que o Código Penal acolheu a concepção normativa. Dizo texto: “Com o vocábulo ‘resultado’, o citado artigo desig-na o efeito da ação ou omissão criminosa, isto é, o dano efe-tivo ou potencial, a lesão ou perigo de lesão de um bem ouinteresse penalmente tutelado. O projeto acolhe o conceitode que ‘não há crime sem resultado’. Não existe crime semque ocorra, pelo menos, um perigo de dano; e sendo o peri-go um ‘trecho da realidade’ (um estado de fato que contémas condições de superveniência de um efeito lesivo), nãopode deixar de ser considerado que, em tal caso, o resulta-do coincida ou se confunda, cronologicamente, com a açãoou omissão”. A propósito, Fragoso (PG, 1976, p. 171).

O código Rocco, de 1930, principal inspirador donosso, continha idênticas disposições sobre o tema. Em

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sua vigência, escreveu Antolisei: “A sostegno della conce-zione giuridica si invoca il testo degli articoli 40 e 43 delcódice, nei quali si parla direito evento ‘da cui dipendel’esistenza del reato’. Tale espressione dimostrerebbe chenon può esistere alcun reato senza evento, e, siccome nontutti i reati hanno un evento inteso in senso naluralístico,l’evento per il nostro códice non sarebbe che l’evento insenso giuridico” (Manuale..., v. I, p. 179).

Pelo texto da Exposição de Motivos e por esse argu-mento do professor italiano, em tudo aplicável ao atual art.13 do Código brasileiro, é que achamos que nosso CP, quan-do usa a palavra resultado, está se referindo ao resultadojurídico, sem embargo da firme posição sustentada peloMin. Hungria. Paulo Costa Jr. adota uma posição conciliató-ria: “Ambas as concepções podem perfeitamente coexistir.Podem e devem. Ao contrário daquilo que induz, à primei-ra vista, um exame mais superficial ou apaixonado, não seexcluem. Completam-se. Uma e outra estão exatas naquiloque afirmam. Realmente, não há crime sem evento, e há cri-mes sem evento. Ou melhor, não há crime desprovido deevento jurídico. E há crimes destituídos de evento natura-lístico. Nem todo delito gera no mundo fenomênico um efei-to perceptível, tangível. E todo delito produz uma agressãoao ordenamento jurídico-penal dos valores abstratos tute-lados” (Do nexo causal. São Paulo: Saraiva, 1964, p. 49).

Hungria, considerado o mais qualificado intérprete doCódigo Penal, escreve:

“Não existe crime sem resultado. A toda ação ouomissão penalmente relevante corresponde um even-tus damni ou um eventus periculi, embora, às vezes,não seja perceptível pelo sentidos (como, por exemplo,a ‘ofensa a honra’, no crime de injúria). É de se enjeitara distinção entre crimes de resultado (Erfolgsdelikte) ecrimes de simples atividade (Reinetatigkeitsdelikte)”

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(Comentários..., v. I, t. II, p. 10. No mesmo sentido,Bruno, v. II, p. 212; Basileu Garcia, Instituições de direi-to penal, v. I, t. I, São Paulo: Max Limonad, 1966, p. 204-205; Jimenez de Asúa. La ley y el delito. Buenos Aires:Sudamericana, 1973, p. 214).

Já Manoel Pedro Pimentel avalia: “Para os que conside-ram o evento um efeito natural da conduta, relevante para oDireito Penal, nem todos os crimes terão um resultado”. “Overdadeiro resultado que se há deter em mira é aquele que,juntamente com a conduta, integra o fato típico. A lei penalnem sempre contém em seu preceito primário - onde apon-ta o núcleo do tipo - uma exigência de resultado natural daconduta, como requisito da infração punível. O resultado,portanto, nem sempre é exigido” (Op. cit., p. 28-29).

Também Cunha Luna: “Não se devem confundir resul-tado e dano. O resultado pertence ao fato material; o danopertence à injuridicidade, à essência do crime. O resultadomorte, no homicídio, está presente, quer seja efeito de umaação criminosa, quer de uma ação justificada: o dano, porém,só no primeiro caso surge” (Estrutura jurídica, cit., p. 72).

F. Marques, Tratado, v. 2, p. 65 et seq.; Fragoso. PG,1976, p. 171; Grispigni, Diritto penale italiano, v. II, p. 63;Antolisei. Manuale, p. 203; Bettiol, v. II, p. 115; Jescheck,Tratado, I, p. 357, sustentam a posição de que há crimessem resultado, ou de mera conduta, em que os respectivostipos descrevem como punível o simples comportamentodo agente, sem referência a qualquer modificação domundo exterior, causada pela ação, como ocorre, por exem-plo, no crime de violação de domicílio.

Reputamos segura a lição de Frederico Marques:

“Nos delitos em que a figura típica não contémmais que a descrição da conduta, por não existir expli-citamente qualquer referência ao resultado da ação ouomissão, o supedâneo natural do dano ou lesão ao

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interesse que a norma tutela é a própria conduta doagente como realidade espacial e temporal em queseu querer interno se exterioriza.” (v. 2, p. 68.)

Em outros tipos penais, ao revés, não basta a só con-duta para sua realização, requerendo, também, um resul-tado externo. Assim, como diz Reyes Echandía, “ocorre enel homicídio, por ejemplo, pues que ci tipo exige que laconducta del agente cause la muerle de una persona” (Latipicidad. p. 178).

Sustenta-se que é a própria redação do art. 13 doCódigo Penal (“o resultado, de que depende a existência docrime...”) que impede o reconhecimento da existência decrime sem resultado.

Mas, no tipo do art. 233 (ato obsceno), qual seria oresultado ou modificação do mundo exterior? O tipo se rea-liza ainda quando não há ofensa ao pudor de quem querque seja; mesmo, ainda, que o ato não tenha sido presen-ciado por qualquer pessoa.

Também no tipo do art. 135 (omissão de socorro), nãohá um resultado externo condicionando a realização dafigura típica. E os exemplos se sucedem: arts. 246 (abando-no intelectual), 269 (omissão de notificação de doença), etc.

Se o ponto de partida for do conceito naturalístico, nãoresta dúvida de que há crime sem resultado, ou seja, oagente consegue realizar o tipo, violando integralmente opreceito, independentemente de qualquer acontecimentoque seja conseqüência natural da ação. Nos tipos omissi-vos puros, por exemplo, ninguém poderá dizer que haja umresultado que se destaque da ação.

O CP italiano de 1930, no art. 40, continha dispositivoidêntico ao do Código brasileiro, quanto à relação de cau-salidade: “Nenhuma pessoa poderá ser castigada por umfato previsto pela lei como infração, se o resultado de dano-

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so ou perigoso de que depende a existência desse ilícito,não é conseqüência da ação ou omissão dessa pessoa.”

Sem embargo dessa realidade legislativa em seu país,Grispigni admitia expressamente a existência do crimesem resultado: “Dal punto di vista della strutura giuridica,i reati si dislinguono in reati di mera condotta (o senzaevento, come elemento constitutivo) e reati con evento”;refutando a argumentação que toma por base a relação decausalidade e o elemento subjetivo, completava:“Senonchè ciò non è motivo sufficiente per impedire alláscienza di ricostruire il sistema Del diritto vigente evitandoun tale errore.” (Diritto penale italiano, v. II, p. 63-6).

Antolisei, também: “Sono di pura condotta (o di sem-plice comportamento) i reati Che si perfezzionano col com-primento di una data azione od omissione” (Manual dediritto penale - Parte generale, p. 203). Bettiol dizia que,“na hipótese do delito de difamação, todos os efeitos natu-rais da ação difamatória estão excluídos do âmbito da fatis-pécie e são, por conseguinte, desprovidos de qualquer rele-vância para os fins penais. O crime é, portanto, de puraação” (Direito penal, v. II. p. 115).

Sem embargo das valiosas e ilustres posições em con-trário, aliamo-nos à corrente doutrinária que admite a exis-tência de crimes de mera conduta, ou sem resultado, ou desimples atividade.

Paulo Costa Jr., em seu trabalho sobre o nexo causal,diz, no capítulo referente ao resultado:

“Aqueles que aceitarem uma concepção estrita-mente naturalística do evento não poderão conceber,neste Capítulo, o estudo do dano ou do perigo.Haveriam que deslocá-lo para o campo da antijuridi-cidade. E isso porque dano e perigo são conceitospuramente normativos. Não tem realidade física, porserem fruto de uma valoração. Existem, estes sim, os

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efeitos, as alterações ambientais resultantes da con-duta do sujeito-agente.” (Do nexo causal, p. 62).

Por serem formais, achamos que nos tipos de delito,adiante mencionados, não há resultado naturalístico: peri-go de contágio venéreo, art. 130, caput; perigo de contágiode moléstia grave, art. 131; perigo para a vida ou saúde deoutrem, art. 132; abandono de incapaz, art. 133; exposiçãoou abandono de recém-nascido, art. 134; omissão de socor-ro, art. 135; maus-tratos, art. 136; rixa, art. 137; calúnia,difamação e injúria, arts. 138, 139 e 140; ameaça, art. 147;violação de domicílio (na forma de ‘permanecer’) art. 150;violação de correspondência, art. 151; divulgação de segre-do, art. 153; violação de segredo profissional, art. 154;extorsão indireta, art. 160; esbulho possessório, art. 161, §1o, II; supressão ou alteração de marcas em animais, art.162; introdução ou abandono de animais em propriedadealheia, art. 164 (na forma de ‘deixar’); alteração de localespecialmente protegido, art. 166; defraudação de penhor,art. 171, § 2o, III (para Fragoso - PG, 1977, v. II, p. 83 - écrime formal, não se exigindo, para a consumação, a efeti-va vantagem patrimonial); fraude para recebimento deindenização ou valor de seguro, art. 171, § 2o, V; duplicatasimulada, art. 172; abuso de incapazes, art. 173; induzi-mento à especulação, art. 174; fraudes e abusos na funda-ção ou administração de sociedade por ações, art. 177,caput, e § 1o, I e III, e § 2o; emissão irregular de conheci-mento de depósito ou “warrant”, art. 178; receptaçãoimprópria, art. 180 (2a parte, “ou influir para que tercei-ro...”); violação de direito autoral, art. 184, § 2o (na modali-dade de “expor a venda”), sabotagem, art. 202; exercíciode atividade com infração de decisão administrativa, art.205; aliciamento para o fim de emigração, art. 206; alicia-mento de trabalhadores de um local para outro do territórionacional, art. 207; ultraje a culto e impedimento ou pertur-

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bação de ato a ele relativo, art. 208 (nas formas de “escar-necer e vilipendiar oralmente”); violação de sepultura, art.210 (na modalidade de “profanar, por meio de palavras”);vilipêndio a cadáver, art. 212; tráfico de mulheres, art. 231;ato obsceno, art. 233; simulação de autoridade para cele-bração de casamento, art. 238; abandono material, art. 244;abandono intelectual, art. 246; abandono moral, art. 247(diz Fragoso - PE. v, I - que se a permissão “for dada depois,o crime será omissivo puro”, arts. 213 a 359, 3. ed. p. 138);induzimento a fuga, entrega arbitrária ou sonegação deincapazes, art. 248 (“confiar a outrem sem ordem”, “deixar,sem justa causa...”); fabrico, fornecimento, aquisição,posse ou transporte de explosivo ou gás tóxico ou asfixian-te, art. 253; perigo de inundação, art. 255; desabamento oudesmoronamento, art. 256; difusão de doença ou praga, art.259; perigo de desastre ferroviário, art. 260; atentado con-tra a segurança de transporte marítimo, fluvial ou aéreo,art. 261; atentado contra a segurança de outro meio detransporte, art. 262; arremesso de projétil, art. 264; atenta-do contra a segurança de serviço de utilidade pública, art.265; interrupção ou perturbação de serviço telegráfico outelefônico, art. 266; infração de medida sanitária preventi-va, art. 268; omissão de notificação de doença, art. 269;envenenamento de água potável ou de substância alimen-tícia ou medicinal, art. 270 e § 1o; corrupção ou poluição deágua potável, art. 271; falsificação, corrupção, adulteraçãoou alteração de substância ou produtos alimentícios, art.272 e § 1o (na modalidade de “expor à venda, ter em depó-sito e entregar a consumo”); falsificação, corrupção, adulte-ração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticosou medicinais, art. 273, § 1o (na forma de “expor à venda,ter em depósito para vender ou entregar a consumo”);emprego de processo proibido ou de substância não permi-tida, art. 274; invólucro ou recipiente com falsa indicação,art. 275; produto ou substância nas condições dos dois arti-

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gos anteriores, art. 276 (na forma de “expor à venda, ter emdepósito para vender ou entregar a consumo”); substânciadestinada à falsificação, art. 277 – “O crime consuma-secom a prática da ação incriminada, sem que se exija qual-quer outro resultado, sendo o perigo presumido”. (Fragoso,PE, v. II. p. 232 ), (arts. 213 a 359, p. 232); outras substân-cias nocivas à saúde pública, art. 278; substância avariada,art. 279; medicamento em desacordo com receita médica,art. 280; charlatanismo, art. 283; incitação ao crime, art.286; apologia de crime ou criminoso, art. 287; quadrilha oubando, art. 288; moeda falsa, art. 289, caput, e §§ 1o, 2o e 3o;crimes assimilados ao de moeda falsa, art. 290; petrechospara falsificação de moeda, art. 291; emissão de título aoportador sem permissão legal, art. 292; falsificação depapéis públicos, art. 293; petrechos de falsificação, art. 294;falsificação de selo ou sinal público, art. 296, caput, e § 1o,I; falsificação de documento público, art. 297; falsificaçãode documento particular, art. 298; falsidade ideológica, art.299; falso reconhecimento de firma ou letra, art. 300; certi-dão ou atestado ideologicamente falso, art. 301; falsidadematerial de atestado ou certidão, art. 301, § 1o; falsidade deatestado médico, art. 302; reprodução ou adulteração deselo ou peça filatélica, art. 303 e parágrafo único; uso dedocumento falso, art. 304; supressão de documento, art.305; falsificação do sinal empregado no contraste de metalprecioso ou na fiscalização alfandegária, ou para outrosfins, art. 306 e parágrafo único; falsa identidade, art. 307;uso de documento pessoal alheio, art. 308; fraude de leisobre estrangeiro, art. 309; atribuição de falsa qualidade aestrangeiro, art. 310; adulteração de sinal identificador deveículo automotor, art. 311; concussão, art. 316; excesso deexação, art. 316, § 1o; corrupção passiva, art. 317; facilita-ção de contrabando ou descaminho, art. 318; prevaricação,art. 319; condescendência criminosa, art. 320; abandono defunção, art. 323; exercício funcional ilegalmente antecipado

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ou prolongado, art. 324: violação de sigilo funcional, art.325; violação do sigilo de proposta de concorrência, art. 326;usurpação de função pública, art. 328; resistência, art. 329;desobediência, art. 330; desacato, art. 331; tráfico deinfluência, art. 332; corrupção ativa, art. 333; impedimento,perturbação ou fraude de concorrência, art. 335; inutiliza-ção de edital ou de sinal, art. 336; subtração ou inutilizaçãodo livro ou documento, art. 337; reingresso de estrangeiroexpulso, art. 338; denunciação caluniosa, art. 339; comuni-cação falsa de crime ou de contravenção, art. 340; auto-acusação falsa, art. 341; falso testemunho ou falsa perícia,art. 342; corrupção ativa de testemunha ou perito, art. 343;coação no curso do processo, art. 344; fraude processual,art. 347; favorecimento pessoal, art. 348; favorecimentoreal, art. 349; fuga de pessoa ou presa ou submetida amedida de segurança, art. 351; arrebatamento de preso,art. 353; motim de presos, art. 354; patrocínio infiel, art.355, parágrafo único; sonegação de papel ou objeto devalor probatório, art. 356 (na modalidade de “deixar de res-tituir”); exploração de prestígio, art. 357; violência ou frau-de em arrematação judicial, art. 358; desobediência a deci-são judicial sobre perda ou suspensão de direito, art. 359.

3.3. O Nexo causal

A causalidade só possui relevância naqueles crimesque, além da ação, requerem um resultado naturalístico.

É evidente que nos delitos de simples atividade, ou for-mais, ou de mera conduta, não se apresenta o problema.Resulta claro que nos tipos de resultado o nexo causal entrea ação e o resultado constitui um elemento daqueles, embo-ra não escrito. Daí, sua inclusão nesta parte do trabalho.

Rigorosamente, o conceito de causalidade não é dodomínio jurídico; antes, pertence à Lógica. Embora perten-cendo a outro setor do conhecimento humano, é de inegá-

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vel importância no Direito Penal, enquanto linha demarca-tória da responsabilidade penal.

Antes de pesquisar se o fato é ilícito, típico e culpávele, por via de conseqüência, um fato punível, devemosinvestigar se existe uma relação causal entre a ação e oresultado, ou seja, se a ação humana, no caso considerada,foi a causadora do resultado. Sem essa certeza, qualquerbusca posterior é inútil.

O nexo causal reveste-se, pois, de indeclinável “ante-rioridade”, em relação aos componentes estruturais docrime (ilicitude, tipicidade e culpabilidade). Há mesmo osque se valem, na explanação teórica do delito, da “imputa-ção objetiva” e da “imputação jurídica”, ou o lado “subjeti-vo” do crime. É expediente de garantia individual, porquesem esse nexo objetivo não há crime.

Situada, assim, a questão, observa Hungria:

“Se todo evento tivesse na ação ou omissão a suacausa única e exclusiva, não se apresentaria o proble-ma: este nasce da complexidade dos antecedentes cau-sais daquele, entre os quais a ação ou omissão não ésenão um elo de extensa cadeia. Quer-se então saberquando, sob o ponto de vista jurídico, a ação ou omis-são tem o suficiente relevo de causa.” (Comentários...,v. I, t. II, p. 57-58).

Pimentel lembra que, “nos crimes em que a lei nãorequer qualquer resultado material, seria inútil procuraruma relação de causalidade material, pelo simples motivode que não existe resultado a ser referido como efeito daconduta” (op. cit., p. 55). No que se refere às chamadasimputatio facti e imputatio juris, a lição de Bruno: “A sim-ples relação objetiva entre o comportamento e o resultadonão basta para justificar a responsabilidade penal. É preci-so que ao fato, com os seus atributos de tipicidade e antiju-

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ridicidade, se juntem os elementos que justificam o juízo daculpabilidade. A relação causal faz apenas do agente o cau-sador material do fato, mas não o transforma desde logo emautor no sentido jurídico-penal. É na confusão entre essasduas posições que se podem suceder, porque sem a primei-ra não pode ocorrer a segunda, mas que são perfeitamentedistintas, que vêm cair as teorias que fazem incluir no con-ceito do causal elementos do problema da culpabilidade”(Direito penal, v. 1, p. 306; grifo nosso). Mezger frisa um con-ceito de causa: “É o que não pode suprimir-se em mente,sem que desapareça também o efeito” (p. 225).

Para resolver a questão de se o agente, com seu com-portamento, deu causa, ou não, ao resultado, surgiramvárias teorias:

• Teoria da conditio sine qua non, ou da equivalênciados antecedentes causais, formulada, no campo do DireitoPenal, por von Buri. Para essa teoria, todos os antecedentescausais se equivalem, não se podendo distinguir entrecausa, condição ou ocasião: tudo o que concorre para oresultado é causa do resultado.

Com freqüência, os manuais afirmam que em 1894 oprofessor sueco Thyrén apresentou uma fórmula pratica,“para se identificar se determinado antecedente é causa,segundo a teoria da equivalência. Trata-se do processohipotético de eliminação, segundo o qual causa é todoantecedente que não pode ser suprimido in mente, semafetar o resultado” (Fragoso, PG, 1976, p. 167. Na verdade,a idéia da supressão mental como prova da existência ounão da causalidade já tinha sido levantada em 1858 peloaustríaco Julius Glaser. De qualquer maneira, o assunto,hoje, perdeu relevância. Basta verificar o Tratado de Jakobse o Manual de Stratenwerth).

• Teoria da totalidade das condições, referida porBruno: causa é a soma de todas as condições. O exemplo

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de Soler esclarece: “para el crecimiento de una planta esnecesario: una semilla, un suelo fértil, un acto de arar, otrode sembar; agua, aire, etc.” (Bruno, Direito penal, v. 1, p.308. Soler, I, p. 268).

• Teoria da causalidade adequada, atribuída a VonKries e a Von Bar: não faz distinção entre causa e condição,quando afirma que todo antecedente é causal, desde quese apresente como fator típico. Causa é a condição que semostra mais adequada a produzir o resultado.

• Teoria da condição perigosa (Grispigni): a condutahumana, diz Hungria, “é causa de um evento, não apenasquando lhe é condição (condição simples), mas, além disso,quando, apreciada ex ante, constitua um perigo”(Comentários..., v. I, t. II, p. 60).

• Teoria da predominância (Binding): causa é a condi-ção que rompe o equilíbrio das condições positivas e dasnegativas e decide do resultado no sentido da ocorrênciado fenômeno.

Dessas, as que ainda são levadas em conta são a daconditio e a da causalidade adequada.

Na esteira do Código Rocco, o Código brasileiro ado-tou a teoria da conditio sine qua non, sendo o art. 13 assimredigido: “O resultado, de que depende a existência docrime, somente é imputável a quem lhe deu causa.Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resul-tado não teria ocorrido”.

Contra essa teoria tem-se objetado que nela introdu-ziu-se um critério lógico muito amplo que, de causa emcausa, se remonta ao infinito.

Bettiol a critica, nos seguintes termos: “Logicamente,também deveriam considerar-se causa do homicídio ospais do homicida, só por o terem gerado, ou o construtor daarma, só por haver fabricado, ainda que outrem dela setenha servido” (Direito penal v. II, p. 128). Narra Hungria:“Dizia Binding, ironicamente, que a teoria da equivalência,

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a coberto de limites, levaria a punir-se como partícipe deadultério o carpinteiro que fabricou o leito em que se deitao par amoroso” (Comentários.., v. I, t. II. p. 63. n. 5).

É, evidentemente, um exagero do professor italianoque sabia estar a teoria limitada pela culpabilidade e queuma coisa é a imputação de fato e outra é a relação psico-lógica, que se manifesta através do dolo ou da negligência.

Mas é o próprio Bettiol quem reconhece que a teoriatem, “sobretudo, uma função de limite, no sentido de que,fora do âmbito de validade do princípio da conditio sinequa non, é esforço vão procurar saber se uma ação humanapode considerar-se causa de um evento lesivo” (v. 2, p.129). No mesmo sentido, Fragoso: “O jurista deve partir doconceito naturalístico ou ontológico de causalidade, e porisso deve ser aceito o princípio básico que a teoria da equi-valência dos antecedentes estabelece, como fórmula heu-rística, que visa simplesmente limitar o campo da respon-sabilidade penal” (PG, 1976, p. 168).

O Código Penal italiano contém um dispositivo (art.45) que faz excluir a punibilidade quando o fato foi cometi-do por caso fortuito. Embora não haja disposição similar noCódigo brasileiro, é pacífico que o limite mínimo da culpa-bilidade é a previsibilidade, que inexiste no caso fortuito. Oraciocínio pode aplicar-se também no nexo causal, comoexplica Grispigni: “Indubbiamente il caso esclude anchel’elemento soggettivo (colpa) ma, dal punto di vista logico-sistematico, prima di questo, esclude il nesso causale”(Diritto penale italano, v. II, p. 112).

Nosso Código não adotou a teoria da conditio em todoo seu rigor lógico, ao abrir-lhe uma exceção, no § 1o do art.13: “A superveniência de causa relativamente independen-te exclui a imputação quando, por si só, produziu o resulta-do.” (A redação original, sem o advérbio “relativamente”,era reprodução fiel do art. 41 do Código Rocco.)

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No exemplo clássico do ferido a bala que é levado aohospital, e aí, por engano, lhe é ministrada uma dose deveneno, em virtude do que vem a morrer, o resultado per-tence ao autor do disparo; se não tivesse havido o ferimen-to (causa colocada pelo agente), não teria havido a remoçãopara o hospital, nem a aplicação equivocada do veneno,nem, por fim, o resultado morte. Mas, pelo parágrafo 1o doart. 13, esse resultado não pertencerá àquele que colocou aprimeira causa: só lhe serão atribuíveis os fatos anteriores àaplicação do veneno. Trata-se claramente de uma exceção.

Comentando idêntica disposição do Código italiano,Grispigni assegura que, para aplicação do parágrafo, sãonecessários dois requisitos: a imprevisão, no momento daação, do novo elemento causal, e que a causa supervenientetenha uma particular eficiência causal (Op. cit., p. 116-117).

Quando, na redação anterior a 1984, o Código dizia“causa independente”, estava referindo-se a uma causaapenas relativamente independente, porque, se desejassemencionar uma causa totalmente independente, não serianecessário acrescentar um parágrafo ao art. 13, pois ocaput resolveria o problema. Como se sabe, a lei não deveconter superfluidade. Ainda: uma questão singela comoessa não passaria despercebida a Hungria, autor da reda-ção final do CP (diz Grispigni: “Che se il codice in un ‘altradisposizione avesse manifestato espresamente la volontàdi esigere una condizione qualificata dal pericolo, talecapoverso dell’art. 41 sarebbe stato superfluo. Ma siccomeinvece la detta disposizione non esiste, così non solo ildetto capoverso non é superfluo, ma si presenta anchecome la foote più importante per la ricostruzione sistemati-ca della volontà della legge” op. cit., p. 118).

Vê-se que o parágrafo cuidou apenas da concausasuperveniente; a preexistente e a concomitante não apro-veitam ao agente, consideradas, portanto, sem eficáciapara romper o nexo causal. Essa interpretação, mesmo cor-

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reta, nos parece injusta. O rigor poderia ser afastado pelaanalogia em favor do réu, como permite a melhor Doutrinae recomenda uma sã política criminal.

Fragoso critica a expressão “causa que por si só pro-duziu o resultado”, alegando: “É errôneo falar de causa quepor si só produziu o resultado, tratando-se de concausarelativamente independente. Se se trata de concausa deautonomia apenas relativo, é claro que por si só não produzo resultado.” (PG, 1976, p. 170). Embora pareça assistirrazão ao Professor, o certo é que a causa superveniente,mesmo guardando independência apenas relativa, tem aforca de romper o nexo causal e excluir o agente da impu-tação do resultado.

Ao tratarmos da omissão, deixamos consignado nossoponto de vista, segundo o qual não há causalidade algumanos crimes omissivos puros, pelo fato de não haver, nocaso, um resultado como sinônimo de modificação domundo exterior.

O mesmo, entretanto, não se pode dizer quanto aosomissivos impróprios (ou comissivos por omissão): aquiexiste a relação de causalidade, e o ensinamento de Brunoé seguro: “A omissão é causal em relação ao resultadoquando, se o omitente tivesse praticado a ação omitida, oresultado não teria ocorrido.” (v. I, p. 320).

Finalmente, nos crimes sem resultado, evidentementenão existe nexo causal.

3.4. O Sujeito ativo

Sobre o tema, a exaustiva análise de Sheila JorgeSelim de Sales em sua dissertação de Mestrado (Do sujeitoativo. Belo Horizonte, Del Rey, 1993).

O sujeito ativo, ou agente, ou autor, é, segundo Soler,“in primer lugar, el sujeto que ejecuta la acción expresada

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por el verbo típico de la figura delictiva” (Derecho penalargentino, v. II, p. 244).

Quanto à pessoa jurídica ser sujeito ativo de crime,ainda há disputa. Se aquela for encarada como entidadefictícia, ou pura criação do Direito, evidentemente que nãopode praticar crime. Seus dirigentes, sim, é que possuemconsciência e vontade para, em nome dela, praticar delitos.

Contra a possibilidade de a pessoa jurídica ser sujeitoativo de crime, argumenta-se que, afora a multa, raraspenas poderiam ser aplicadas; as privativas de liberdadeestariam, de plano, afastadas.

Manifestamos, pois, a opinião de que somente ohomem, ente natural, pode ser o sujeito ativo do delito. Masnem sempre foi assim. Platão falava em como se devia jul-gar a besta de carga que “praticasse” um homicídio. VonLiszt manifestou-se a favor de se responsabilizar criminal-mente as sociedades: “Se debe afirmar que el reconoci-miento de la responsabilidad penal de las sociedades,hasta donde llegue su capacidad civil, y la punición detales entidades, en cuanto son sujetos independientes debienes jurídicos, se presenta, no sólo coma posibie, sino,ansimismo, como conveniente [...] los delitos de las corpo-raciones son posibles juridicamente; pues, por una parte,las condiciones de la capacidad de obrar de las corporacio-nes, en materia penal, non son fundamentalmente distintasde las exigidas por el Derecho Civil o por el DerechoPúblico” (Tratado..., Trad. de Asúa, v. II, § 28, p. 299, texto,e nota 4). Adotando a posição de Von Liszt, Baumann (op.cit., p. 116). Em posição contrária, Maurach: “La frase deLiszt, frecuentemente invocada como razón contraria de‘quien puede concluir contratos, puede concluir tambiéncontratos fraudulentos o usuários’, descansa en una peti-ción de principio, a saber, en la equiparación del conceptode acción tiene una naturaleza distinta en las diferentesramas del derecho. Por ello no hay reparo en considerar a la

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corporación como titular idóneo de la acción en el derechopenal administrativo. No ocurre lo mismo en el derechopenal criminal” (op. cit., p. 179).

Mesmo reconhecendo e repudiando a negação dosdireitos e garantias fundamentais na época do nacional-socialismo alemão (1933-1945), consideramos abominável afarsa que se convencionou chamar “Tribunal deNuremberg”; estiveram ali, como réus, dentre outros, oEstado-Maior Alemão, o Partido Nazista e Empresas comoa Krupp (conforme Davidson, Eugene. A Alemanha nobanco dos réus. Trad. de Hermílo Borba Filho. Rio deJaneiro: Civilização Brasileira. 1970. v. I, p. 18 et seq.). Alição segura de Bruno: “O fulcro em que assenta o DireitoPenal tradicional é a culpabilidade, cujo conceito dependede elementos biopsicológicos que só na pessoa naturalpodem existir” (Direito penal, v. II, p. 207). Diz Wessels que“as pessoas jurídicas e associações não são capazes deação em sentido natural, e também não podem, conseqüen-temente, serem infligidas com pena criminal” (Direitopenal, p. 23). Observa Giulio Battaglini: “O delito é a viola-ção de norma de comportamento, suscetível de valoraçãomoral. E essa valoração não pode dizer respeito senão àação humana, pois somente nesta é que se pode encontraruma vontade moralmente valorável” (Direito penal. Trad.de Paulo José da Costa Jr., Armida Bergamini Mioto e AdaPellegrini Grinover. São Paulo: Saraiva, 1973, v. I, p. 147).

Se o crime é a violação de um comando que o Estadoimpõe aos súditos, não se concebe um crime que não sejacometido por um homem; assim, em todo crime há umsujeito ativo, e pode-se dizer que se trata de elementoindispensável de todo tipo penal.

A maior parte dos crimes pode ser praticadas porqualquer pessoa; existindo outros que só podem ser come-tidos por pessoas determinadas na lei (crimes próprios).Observa o Prof. Fragoso que “a qualidade do agente exigi-

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da pela lei deve ser presente no momento da ação, e oagente deve ter consciência da mesma. O erro a respeito éessencial” (PG, 1976, p. 276). Grispigni, referindo-se aosdelitos próprios, diz que os alemães os chamam de “parti-culares” (sonderverbrechen), e que melhor seria que fos-sem denominados “exclusivos”. Depois, ensina: “La cate-goria del reato proprio o esclusivo é molto importanteanche praticamente, agli effetti dell’elemento soggettivo(consapevolezza della qualità); dell’eficacia del consenso,perchè questa può mancare quando ne sia destinatario unsoggetto attivo, che abbia una determinata qualità, es: unpubblico ufficiale; in rapporto ai reati plurisoggettivi; allaciassificazione dei reati in un titolo piuttosto che in altro;eec” (op. cit., p. 212).

Os crimes que podem ser praticados por qualquer pes-soa constituem a regra geral e, por isso mesmo, são maisnumerosos. Exemplos: o homicídio, o furto, o estelionato,etc. Os próprios são uma exceção. Adiante os nomearemos,indicando os respectivos artigos do Código onde estão pre-vistos: o infanticídio, art. 123; auto-aborto, art. 124; perigode contágio venéreo e perigo de contágio de moléstia grave(qualidade de enfermo do agente), arts. 130/131; abandonode incapaz, art. 133; exposição ou abandono de recém-nas-cido, art. 134; omissão de socorro, art. 135; maus-tratos, art.136; violação de correspondência comercial, art. 152; divul-gação de segredo, art. 153; violação de segredo profissio-nal, art. 154; furto de coisa comum, art. 156; alteração delimites, art. 161, caput; fraude para recebimento de indeni-zação ou valor de seguro, art. 171, §2o, V; duplicada simula-da, art. 172; exercício de atividade com infração de decisãoadministrativa, art. 205; estupro, art. 213; posse sexualmediante fraude, art. 215; sedução, art. 217; fraude à exe-cução, art. 179 (só o devedor demandado judicialmentepode ser sujeito ativo); bigamia, art. 235; induzimento aerro essencial e ocultação de impedimento (no casamento),

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art. 236; conhecimento prévio de impedimento (no casa-mento), art. 237; parto suposto. Supressão ou alteração dedireito inerente ao estado civil de recém-nascido, art. 242;adultério, art. 240; abandono material, art. 244; entrega defilho menor a pessoa inidônea, art. 245; abandono intelec-tual, art. 246; abandono moral, art. 247; omissão de notifi-cação de doença, art. 269; medicamento em desacordo coma receita médica, art, 280; exercício ilegal da medicina, artedentária ou farmacêutica (o sujeito ativo, na segunda partedo tipo, só pode ser o médico, o dentista ou o farmacêuti-co), art. 282; moeda falsa, art. 289, §§ 2o e 3o; crimes assimi-lados aos de moeda falsa, art. 290, parágrafo único; falsoreconhecimento de firma ou letra, art. 300; certidão ou ates-tado ideologicamente falso, art. 301; falsidade de atestadomédico, art. 302; fraude de lei sobre estrangeiros, art. 309;falsidade em prejuízo da nacionalização de sociedade(sujeito ativo só o brasileiro), art. 311; peculato, art. 312;peculato culposo, art. 312, § 2o; peculato mediante erro deoutrem, art. 313; extravio, sonegação ou inutilização de li-vro ou documento, art. 314; emprego irregular de verbas ourendas públicas, art. 315; concussão, art. 316; excesso deexação, art. 316, §§ 1o e 2o; corrupção passiva, art. 317; fa-cilitação de contrabando ou descaminho, art. 318; prevaria-cação, art. 319; condescendência criminosa, art. 320; advo-cacia administrativa, art. 321; violência arbitrária, art. 322;abandono de função, art. 323; exercício funcional ilegal-mente antecipado ou prolongado, art. 324; violação de sigi-lo funcional, art. 325; violação de sigilo de proposta de con-corrência, art. 326; reingresso de estrangeiro expulso, art.338; falso testemunho ou falsa perícia, art. 342; subtração,supressão ou dano à coisa própria na posse legal de tercei-ro, art. 346; fuga de pessoa presa ou submetida a medidade segurança (o preso não pode ser sujeito ativo: daí, ocrime não poder ser praticado por qualquer pessoa), art.351; evasão mediante violência contra pessoa, art. 352;

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motim de presos, art. 354; patrocínio infiel, art. 355 e pará-grafo único; sonegação de papel ou objeto de valor proba-tório, art. 356; desobediência a decisão judicial sobre perdaou suspensão de direito, art. 359. Os Capítulos II, III e IV, doTítulo III, do Código (arts. 187 a 196), de interesse da clas-sificação acima, estão revogados. Como revogado está oart. 350, onde era previsto um crime próprio, também.Nosso entendimento de que o art. 350 está revogado apóia-se em Fragoso e Delmanto.

Relativamente ao número de agentes, os tipos distin-guem-se em unissubjetivos e plurissubjetivos; os primeirossão os que podem ser cometidos por uma só pessoa, econstituem a regra geral. Exemplo: homicídio, furto, etc.

Os plurissubjetivos, ao contrário, requerem, para seter o tipo por realizado, a presença de dois ou mais agen-tes. Daí, os Autores se referirem a crimes de concursonecessário.

São tipos plurissubjetivos: rixa, art. 137; esbulho pos-sessório, art. 161, § 1o, II; paralisação de trabalho, seguidade violência ou perturbação da ordem, art. 200; paralisaçãode trabalho de interesse coletivo, art. 201; bigamia, art.235; adultério, art. 240; quadrilha ou bando, art. 288; motimde presos, art. 354.

Às vezes, o Código prevê, em tipos unissubjetivos,causas de aumento de pena, quando há o concurso de duasou mais pessoas: furto, art. 155, § 4o, IV; roubo, art. 157, §2o, II; extorsão mediante seqüestro, art. 159, § 1o; constran-gimento ilegal, art. 146, § 1o; violação de domicílio, art. 150,§ 1o; os crimes previstos nos capítulos I, II e III, do titulo VIe o acréscimo do art. 226, I, inserido nas disposições geraisrelativas aos tipos de delito dos arts. 213/220.

No art. 351, § 1o, o Código contempla uma circunstân-cia qualificadora, quando o crime de fuga de pessoa presaou submetida a medida de segurança é praticado por maisde uma pessoa.

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Relativamente à qualificação do agente, pode ela sernatural (ou social) ou jurídica (ou profissional). A qualifica-ção natural é inerente ao ser humano, independentementede sua vontade, sendo ligada ao sexo, ao parentesco, ànacionalidade, à condição biopsíquica.

Alguns crimes só podem ser praticados por pessoas dosexo masculino, como: o estupro, art. 213; a posse sexualmediante fraude, art. 215; a sedução, art. 217; o rapto parafim de casamento, arts. 219 e 220, c./c. o art. 221.

Outros, só pelas do sexo feminino: o infanticídio, art.123 (fora dos casos de co-autoria, que expressamenteadmitimos possível, nesse crime privilegiado); o auto-abor-to, art. 124, 1a parte; a exposição ou abandono de recém-nascido, art. 134; o parto suposto, art. 242, 1a parte.

Há tipos em que o sujeito ativo deve ter a qualidade deascendente: abandono material, art. 244; entrega de filhomenor a pessoa inidônea, art. 245; abandono intelectual,art. 246; abandono moral, art. 247.

A relação de parentesco exclui a punibilidade nos cri-mes patrimoniais não violentos (art. 181) e no favorecimen-to pessoal (art. 348, § 2o).

Nos arts. 130 e 131, a condição de enfermo é elementodo tipo. Os crimes dos arts. 309 e 338 só podem ser prati-cados por estrangeiro, enquanto o do art. 311 só pode sê-lopor brasileiro.

Segundo Reyes Echandía, “por calificación entiéndeseaquella connotación personal que tiene relevancia en cual-quier área del derecho” (La tipicidad, p. 58).

Se o agente tiver a qualidade de funcionário público, apena é aumentada nos seguintes tipos de delito: infraçãode medida sanitária preventiva, art. 268, parágrafo único;os assimilados ao de moeda falsa, art. 290, parágrafo único;petrechos de falsificação de papéis públicos, art. 295; falsi-ficação do selo ou sinal público, art. 296, § 2o; falsificação

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de documentos público, art. 297, § 1o; falsidade ideológica,art. 299, parágrafo único.

Referências, explícitas ou implícitas, à qualificaçãojurídica do sujeito ativo são encontradas no Código: emrazão de função, ministério, ofício ou profissão, art. 154; ocondômino, co-herdeiro ou sócio, art. 156; proprietário doimóvel vizinho, art. 161; o dono da coisa, art. 171, § 2o, II; odevedor que tem a posse do objeto, art. 171, § 2o, III; quemtem a obrigação jurídica de entregar a coisa, art. 171, § 2o,IV; o segurado ou outrem a seu mando, art. 171, § 2o, V;quem expede ou aceita a duplicata, art. 172; o comercianteou comerciário, art. 175; quem promove a fundação, art.177, caput; o diretor, gerente ou fiscal, art. 177, § 1o, II, III,IV, V, VI e VII; o acionista, art. 177, § 2o; o devedor deman-dado judicialmente, art. 179; quem se encontra impedidode exercer a atividade, art. 205; a pessoa casada, que con-trai novo casamento, art. 235; o cônjuge que induziu emerro ou ocultou impedimento, art. 236; o cônjuge que con-trai casamento sabendo da existência de impedimentoabsoluto, art. 237; o cônjuge que tem relação sexual fora docasamento, art. 240; o médico, art. 269; geralmente, o fabri-cante, art. 275; o farmacêutico, prático autorizado ou herba-nário, art. 280; o médico, dentista ou farmacêutico, art. 282,2a parte; pessoa desprovida de conhecimentos médicos,art. 284; o funcionário com fé pública para reconhecer, art.300; o funcionário público, em razão de seu ofício, art. 301e § 1o; o médico, art. 302; o funcionário público, no CapítuloI, do Título XI; a testemunha, perito, tradutor ou intérprete,art. 342; a pessoa legalmente presa ou submetida a medi-da de segurança, art. 352; os presos, art. 354; o advogadoou procurador judicial, arts. 355 e parágrafo único, e 356; apessoa a quem foi aplicada pena acessória prevista noCódigo Penal, art. 359.

Todos os crimes omissivos impróprios (ou comissivospor omissão) são crimes próprios, pois somente podem pra-

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ticá-los aqueles que se achem juridicamente obrigados aagir e a impedir o resultado.

A questão da co-autoria e das circunstâncias de cará-ter pessoal é resolvida pela regra geral de que estas últi-mas não se comunicam ao co-partícipe, exceto quandoforem elementos do crime. Assim, por exemplo, em face doart. 30 do Código, achamos ser perfeitamente possível oconcurso de agentes no crime de infanticídio, uma vez queo estado puerperal é elemento do crime.

Negando a possibilidade, Bruno: “Só pode participardo crime de infanticídio a mãe que mata o filho nas con-dições particulares fixadas na lei. O privilégio que seconcede à mulher sob a condição personalística do esta-do puerperal não pode estender-se a ninguém mais.Qualquer outro que participe do fato age em crime dehomicídio” (Direito penal, v. 4. p. 150-151). No tomo II damesma obra, escrevendo sobre a co-delinqüência, diz: “Oconcurso admite-se para qualquer espécie de fato puní-vel. Mesmo nos crimes especiais, que requerem no agen-te qualidades pessoais particulares, como a de ser fun-cionário público, por exemplo, a concorrência é possível”(Direito penal..., 1967, p. 276-277). O Ministro Hungria étaxativo: “Não diz com o infanticídio a regra do art. 25...O partícipe (instigador, auxiliar ou co-executor material)do infanticídio responderá por homicídio”(Comentários..., 1955. v. V p. 259). Em abono de sua tese,Hungria cita Gautier, in “Protokoll der zweitenExpertenkommission” - Protocolo da segunda Comissãode Peritos do Projeto do Código suíço (op. cit., loc. cit.).Na 5a edição dos Comentários, reviu seu ponto de vista edeclarou: “Assim, em face do nosso Código, mesmo osterceiros que concorrem para o infanticídio respondempelas penas a este cominadas, e não pelas do homicídio”(Rio, Forense, 1979, vol. V, p. 266).

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Tratando do concurso de agentes no infanticídio,Fragoso, numa passagem em que traz à colação Soler,Quintano Ripolles, Maurach, Schönke-Schröder e Carrara,afirma: “Em face do nosso direito (art. 26 CP), não temosdúvida em afirmar a admissibilidade da participação e daco-autoria. É opinião dominante naqueles países que confi-guram o crime com o motivo de honra”. (Derecho penalargentino, p. 88). Já na edição de 1981, das mesmas Lições,escreve: “Entendemos que deve ser adotada a lição deHungria, fundada no direito suíço, segundo a qual o concur-so de agentes é inadmissível. O privilégio se funda numadiminuição da imputabilidade, que não é possível estenderaos partícipes. Na hipótese de co-autoria (realização de atosde execução por parte do terceiro), parece-nos evidente queo crime deste será de homicídio” (PG, 1976, p. 88).

Afirma Euclides Custódio da Silveira que “no peculato(art. 312), como no infanticídio (art. 123), há comunicabili-dade ao co-autor secundário ou ao co-partícipe acessório,exatamente porque a qualidade de funcionário público doagente principal, no primeiro caso, e o estado puerperal, nosegundo, são circunstâncias pessoais elementares dostipos delitivos” (Nota ao primeiro volume da tradução bra-sileira do Direito penal de Battaglini, p. 145).

Sem embargo da autoridade de Aníbal Bruno, conti-nuamos com o que está no texto, sobre o concurso noinfanticídio. Achamos que a qualidade de funcionáriopúblico, por exemplo, no crime de peculato, é da mesmanatureza que o estado puerperal. Ambas são circunstân-cias de caráter pessoal e elementos do crime, de peculatoe de infanticídio. Por que admitir a co-autoria num caso enegá-la em outro? O emprego do superlativo “personalís-simo”, em relação ao estado puerperal, não nos convence:trata-se de artifício doutrinário para contornar um proble-ma, talvez de injustiça ou de inconveniência, criado pelainterpretação a contrário da segunda parte do então art.

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26 do Código. Este só falava em circunstância de caráter“pessoal”(como o atual art. 30), e não nos parece lícito aointérprete fazer a distinção.

Por fim, os Autores se referem aos crimes denomina-dos de mão própria, ou de atuação pessoal, em relação aosquais não se admite a autoria mediata. Toledo ensina que“denominam-se crimes de mão própria aqueles que sópodem ser cometidos por ação direta, pessoal, do agentereferido no tipo (adultério, estupro incestuoso, etc.)... Nosistema brasileiro, sectário da teoria da equivalência dascausas, onde se ‘aboliu a distinção entre autores ecúmplices’ (Exposição de Motivos, item 22), a classificaçãoem foco tem valor doutrinário mas quase nenhum efeitoprático” (Princípios, p. 195).

São eles: o adultério, art. 240; omissão de notificaçãode doença, art. 269; falso reconhecimento de firma ouletra, art. 300; certidão ou atestado ideologicamente falso,art. 301, caput; falsidade de atestado médico, art. 302;fraude de lei sobre estrangeiro, art. 309; os crimes doCapítulo I, Título XI (crimes praticados por funcionáriopúblico contra a administração em geral); reingresso deestrangeiro expulso, art. 338; falso testemunho ou falsaperícia, art. 342; evasão mediante violência contra pes-soa, art. 352; motim de presos, art. 354; patrocínio infiel epatrocínio simultâneo ou tergiversação, art. 355 e pará-grafo único; sonegação de papel ou objeto de valor proba-tório, art. 356; desobediência a decisão judicial sobreperda ou suspensão de direito, art. 359.

Pode-se supor, à primeira vista, que o crime de biga-mia, previsto no art. 235, deveria estar incluído na listaacima. Contudo, a pessoa casada que contrai novo matri-mônio pode fazê-lo através de procurador. O crime, portan-to, não é de mão própria, embora seja próprio, ou especial.

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3.5. O Sujeito Passivo

Primeiro, é preciso distinguir o sujeito passivo da açãodo sujeito passivo do crime. Este último é o titular do bemjurídico tutelado penalmente, enquanto o sujeito passivoda ação é o objeto material, ou seja, a pessoa, ou a coisasobre a qual incide a ação típica.

Grispigni exclui o sujeito passivo do tipo, alegandoque a fatispécie legal não o inclui na descrição. Diz ele que“la disputa se in un reato può mancare il soggetto passivo,si risolve nel senso che quello che non manca mai è il sog-getto passivo del reato, mentre quello che può mancare lapersona come oggetto materiale del reato stesso” (Dirittopenale italiano, p. 144). A par de dizer uma obviedade, jáque o objeto material pode ser também uma coisa (aliás, namaior parte), o professor não nos convence. Pode ser vistono texto que, em muitos tipos, a pessoa atingida pela açãoé expressamente mencionada, seja como titular do bemjurídico ofendido (sujeito passivo, portanto), seja comoobjeto material.

Ao contrário do que ocorre com o sujeito ativo, podemfigurar como sujeito passivo, além das pessoas naturais,também a sociedade e o Estado. Fragoso, ao iniciar o estu-do da Parte Especial do Código, diz que os crimes estãoclassificados, na Parte Especial, segundo o critério da obje-tividade jurídica, e que, na sua obra (os dois tomos dasLições relativos aos crimes em espécie) dividirá a matériaem três grandes grupos: crimes contra bens e interesses dapersonalidade, crimes contra bens ou interesses do corposocial e crimes contra o Estado. Se o sujeito passivo é otitular do bem jurídico tutelado, segue-se que, segundo suadivisão, o sujeito passivo só pode ser a personalidade, ocorpo social e o Estado.

Todo ser humano pode ser sujeito passivo do crime,independentemente de qualquer condição, estado ou qua-

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lidade. Dessa forma, o Direito Penal tutela, por exemplo, avida humana antes mesmo do nascimento. Tutela bens domenor, do louco.

Em torno da questão se o sujeito ativo pode ser, aomesmo tempo, sujeito passivo, não temos dúvida emnegar a possibilidade. Alguém que, por exemplo, se muti-la para receber o valor do seguro não é o sujeito passivo;este é a seguradora. No caso, confundem-se o sujeitoativo e o objeto material.

Há quem considere, como Antolisei, que existe umsujeito passivo constante de todos os crimes, que é oEstado, ao fundamento de que o crime sempre ofende uminteresse público (Manuale, I, p. 143). Argumenta aindaque a ação penal compete “exclusivamente” ao Estado.Assim também Battaglini: “De um ponto de vista lógico-abstrato, podemos por certo afirmar que o Estado, relativa-mente ao qual a norma se torna subjetiva, é sempre sujei-to passivo” (Direito penal, p. 151).Quanto à titularidade“exclusiva” da ação, Antolisei está negando ao particular odireito a promover a ação penal, em confronto com textoexpresso da Constituição e das leis.

É possível uma classificação dos tipos tomando-se porbase o sujeito passivo. Este pode ser considerado em razãoda titularidade do bem protegido, quanto ao seu número equanto à sua qualidade.

Do ponto de vista da titularidade do bem protegido, hátrês espécies de sujeito passivo: o indivíduo, a sociedade eo Estado. Esta classificação é coincidente com a que oCódigo usa na distribuição dos crimes na Parte Especial, edela não temos o que mais dizer.

Quanto ao número: singular ou plural. Há sujeito pas-sivo singular quando basta a presença de um só titular dobem jurídico tutelado. Pertencem a essa categoria os tiposcujo sujeito passivo é o indivíduo ou o Estado. A afirmaçãonão significa que em todos os tipos em que o sujeito passi-

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vo é o indivíduo ou o Estado o sujeito passivo seja singular;é perfeitamente possível que, no mesmo tipo, figurem comosujeito passivo o indivíduo e a coletividade, ou o indivíduoe o Estado. Exemplos: art. 236 (no caso, o Estado e o cônju-ge enganado. Ainda: arts. 235/239).

Nos tipos em que a proteção se exerce em relação abens da coletividade, o sujeito passivo é plural.

Quanto à qualidade, os sujeitos passivos podem serindeterminados e qualificados. O sujeito passivo indeter-minado é qualquer titular de bem jurídico tutelado.Exemplo: art. 121.

Ao contrário, algumas vezes, a titularidade do interes-se jurídico encontra-se em pessoas especialmente qualifi-cadas, de tal forma que a conduta somente será típicaquando se realiza vulnerando bens pertencentes a quemtenha a condição especial que o próprio Legislador estabe-lece no tipo. Exemplo: art. 134 (recém-nascido).

Por outro lado, a qualificação pode ser natural e jurídi-ca. É natural quando o tipo se refere à idade, ao sexo, aoparentesco ou a uma condição moral ou biopsíquica dosujeito passivo. A qualificação é jurídica quando não decor-re de uma circunstância natural, própria do ser humano,mas é dada pela ordem jurídica como um todo (direitopúblico e privado).

A pessoa menor de dezoito anos figura como sujeitopassivo em dezoito tipos de delito, a saber: no infanticídio,art. 123; nas figuras de aborto, previstas nos arts, 124, 125e 126; no abandono de incapaz, art. 133; na exposição ouabandono de recém-nascido, art. 134; na omissão de socor-ro, art. 135; no abuso de incapazes, art. 173; na sedução,art. 217; na corrupção de menores, art. 218; na sonegaçãode estado de filiação, art. 243; no abandono material, art.246; no abandono moral, art. 247; no induzimento a fuga,entrega arbitrária ou sonegação de incapazes, art. 248; nasubtração de incapazes, art. 249 (relacionamos os tipos em

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que o sujeito passivo é portador de qualificação natural: orecém-nascido ou o feto que está nascendo, no art. 123; ofeto, nos arts, 124, 125 e 126 (Fragoso acha que o feto é oobjeto material); a gestante, no art. l25; a mulher grávida,no art. 129, § 1o, IV e § 2o, V; o menor e o adulto incapaz, queestejam sob a relação de cuidado, guarda, vigilância ouautoridade com o agente, no art. 133; o recém-nascido, noart. 134; a criança abandonada ou extraviada, ou a pessoainválida, ferida ou em grave e iminente perigo, no art. 135;a pessoa que se encontra sob a subordinação prevista noart. 136; o menor, o alienado ou débil mental, no art. 173; apessoa simples ou inexperiente ou com mentalidade infe-rior, no art. 174; a mulher, no art. 213; a mulher honesta, nosarts. 215, 216, 219 e 220; a mulher virgem, menor de dezoi-to e maior de catorze anos, no art. 217; a pessoa menor dedezoito anos e maior de catorze, no art. 218; a meretriz ouo homem que exerça a prostituição masculina, no art. 230;a mulher, no art. 231; os herdeiros prejudicados, no art. 242;a criança lesada em seu estado de filiação, no art. 243; oscônjuges, pais, ascendentes ou descendentes, no art. 244;o filho menor de dezoito anos, no art. 245; o filho em idadeescolar, no art. 246; o menor de dezoito anos, no art. 247; ospais, o tutor ou curador, e o menor de dezoito anos ou inter-dito, no art. 248; os pais, tutores ou curadores, no art. 249;de maneira secundária, as pessoas prejudicadas nos tiposde delito previstos nos seguintes artigos do Código: 280,282, 284, 297, 298, 299, 300, 303, 304, 305, 307, 312, 313, 316,317, 325, 339, 342, 343, 344, 345, 346, 352, 355 e 356.Relacionamos, também, os tipos em que o sujeito passivo éportador de qualificação jurídica: quem de direito, no art.150; o remetente e o destinatário, no art. 151; o estabeleci-mento comercial ou industrial, no art. 152; o condômino, co-herdeiro ou sócio, no art. 156; o proprietário ou possuidordo imóvel, no art. 161; quem tem a posse ou o direito de uti-lização das águas, no art. 161, § 1o, I; o possuidor do imó-

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vel, no art. 161, § 1o, II; o proprietário dos animais, no art.162; o proprietário ou legítimo possuidor, no art. 164; o par-ticular, quando for proprietário de coisa tombada, no art.165; o particular, quando for o dono do local protegido, noart. 166; o dono ou possuidor, em razão de direito real, noart. 168; o proprietário do imóvel onde é encontrado otesouro, no art. 169, parágrafo único, I; o proprietário decoisa perdida, no art. 169, parágrafo único, II; o credor pig-noratício, no art. 171, § 2o, III; quem tem o direito de rece-ber a coisa, no art. 171, § 2o, IV: o segurador, no art. 171, §2o, V; o tomador (beneficiário) do cheque, no art. 171, § 2o,VI; quem desconta a duplicata e o sacado de boa-fé, no art.172; a sociedade ou os acionistas, no art. 177, § 1o, III; o por-tador ou endossatário dos títulos, no art. 178; o credor queestá acionando, no art. 179; o titular do direito autoral, noart. 184; a pessoa, cujo nome, pseudônimo ou sinal é usur-pado, no art. 185; o proprietário do estabelecimento, no art.197, II, 1a parte; a coletividade e o proprietário do estabele-cimento, no art. 202; a pessoa, cujo direito trabalhista éfrustrado, no art. 203; o cônjuge do primeiro casamento edo segundo, se de boa fé, além do Estado, no art. 235; oEstado e o cônjuge enganado, no art. 236; o Estado e o côn-juge desconhecedor do impedimento, no art. 237; o Estadoe o cônjuge de boa fé, no art. 238; o Estado e o contraenteiludido, no art. 239; o cônjuge enganado, no art. 240; os her-deiros prejudicados, no art. 242; os cônjuges, pais, ascen-dentes ou descendentes, no art. 244; os pais, o tutor oucurador, o menor de dezoito anos ou o interdito, nos arts.248 e 249; o preso arrebatado, no art. 353. O Estado é sujei-to passivo em todos os crimes previstos nos arts. 289 a 359,e ainda nos seguintes artigos do Código: 204, 205, 206, 207,235, 236, 237, 238, 239 e 241. A coletividade é o sujeito pas-sivo nos delitos dos arts.: 201, 202, 208, 209, 210, 211, 229,233, 234, 250, 251, 252, 253, 254, 255, 256, 257, 259, 260, 261,

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262, 264, 265, 266, 267, 268, 269, 270, 271, 272, 273, 274, 275,276, 277, 278, 279, 280, 282, 283, 284, 286, 287 e 288).

Existem casos em que a qualificação do sujeito passi-vo agrava a pena. Assim, ser a vítima menor, no art. 122,parágrafo único, II; a qualidade de ascendente, descenden-te, cônjuge, irmão ou pupilo (tutela ou curatela), no art. 133,§ 3o, II; a qualidade de ascendente, descendente ou cônju-ge, no art. 148, § 1o, I; ser menor de dezoito anos, no art.159, § 1o; ser entidade de direito público ou de instituto deeconomia popular, assistência social ou beneficência, noart. 171, § 3o; a qualidade de mulher virgem, no art. 215,parágrafo único; ser menor de dezoito e maior de catorzeanos, nos arts. 215, parágrafo único, e 216, parágrafo único;a qualidade de descendente, filho adotivo, enteado, irmão,pupilo (tutela ou curatela), aluno, empregado, menor dedezoito anos e maior de catorze, ou ser descendente,ascendente, mulher, irmã, pupila (tutela ou curatela), ouestar confiada para fins de educação, de tratamento ou deguarda, nos arts. 227, § 1o, 230, § lo e 231, § 1o.

3.6. O Objeto Material

Já não mais se discute entre os Autores que o objetomaterial (ou objeto do ataque, ou objeto da ação) é a pes-soa, ou a coisa, sobre a qual recai a conduta do agente.

Reyes Echandía, porém, em sua monografia sobre atipicidade, considera insuficiente o conceito tradicional,por entender que nem toda conduta típica recai sobre umapessoa ou sobre uma coisa, e que o mesmo aparece desli-gado do objeto jurídico e do sujeito passivo.

Observa o professor colombiano que

“en este orden de ideas, objeto jurídico, sujetopasivo y objeto material son tres fenómenos intima-mente correlacionados que necesariamente han de

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estar presente en cualquier tipo penal; el primero, por-que en todo tipo se busca proteger un interés jurídicosin el cual aquel dejaría de tener su razón de ser; elsegundo, porque no puede concebirse un bien jurídicosin un titular de quien ha de predicarse y a quien lepertenezca su difrute o goce, y el tercero, porque nopuede haber un interés jurídico que no se concrete enalgo” (La tipicidad, p. 111).

Reyes Echandía cita Gallon Giraldo, para quem o obje-to material “es aquella persona o cosa que el legislador haquerido proteger, por concretarse en ella el objeto jurídico,y sobre la cual recae la conducta típica” (p. 111-112).

Hoje em dia, parece claro que o assunto não comportamais discussão: objeto material é a pessoa, ou a coisa,sobre a qual recai a ação do agente, não se confundindocom o objeto jurídico nem com o sujeito passivo. Na semprelembrada hipótese do crime de furto, o sujeito passivo é odono da coisa; o objeto jurídico é o patrimônio, e o objetomaterial é a res furtiva. Mas, ao seu tempo, dizia Carrara:“El hombre o la cosa sobre que recaen los actos materialesdel culpable, encaminados al fin malvado, son el sujeitopassivo del delito” (Programa de derecho criminal. Trad. deJosé Ortega Torres e Jorge Guerrero. Bogotá: Temis, 1972,§ 40); depois, o penalista italiano escrevia: “Nel furto il sog-getto passivo della consumazione, è la cosa che si volevarubare: e via cosi discorrendo” (Reminiscenze di cattedra eforo. Lucca, 1883, p. 333). Entendia, ainda,: “De aquí resul-ta que és erróneo considerar que el objeto del delito sea lacosa o el hombre sobre los cuales la acción criminosa, puesel delito se persigue, no como hecho material, sino comoente jurídico. La acción material tendrá por objeto la cosa oel ombre; pero el ente jurídico no puede tener como objetosuyo sino una idea, el derecho violado, que la ley protegecon su prohibición” (Programa, § 36).

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Essa posição foi seguida por Pietro Lanza: “Soggettopassivo del delito è la persona o la cosa sulla quale cadel’azione criminosa”; por Mecacci: “Soggetto passivo, poi, èla persona o la cosa su cui cade il reato, e costituiscel’elemento materiale di esso”; por Impallomeni: “Soggettopassivo del reato è la persona o la cosa su cui si esercital’attività del reo (Carmignani, Carrara)” (apud Gianitti,Francesco. L’oggetto materiale del reato. Milano: Giuffrè,1966, p. 3.). Gianniti informa ter sido Lucchini o primeiro adesignar o sujeito passivo do crime com o “titular do direi-to, cuja lesão, efetiva ou potencial, constitui a objetividadeprimária do crime”, e ter sido Alimena o primeiro a designaro objeto material “a pessoa ou a coisa sobre a qual, mate-rialmente, cai o crime” (p. 4-5). Esta posição foi seguida porRocco que, em sua obra clássica L’oggetto del reato e dellatutela giuridica penale, a impôs no campo científico. Aexpressão “objeto material” ganhou, assim, foros de cidade.

Resulta perfeitamente claro que em todo crime devehaver um sujeito passivo e um objeto jurídico; contudo,como adiante se verá, às vezes pode haver crime sem obje-to material.

Com freqüência, o objeto material vem descrito notipo; assim, é um elemento do tipo, porque é uma parte desua estrutura, considerado analiticamente; é um elementoobjetivo, porque é uma parte da estrutura do crime consi-derado em seu aspecto externo, ou material; é, também,um elemento geral, porque é integrante indispensável daestrutura da maior parte dos crimes.

Diz Mayer que o objeto material é sempre elementodo tipo, ao contrário do objeto jurídico, que não é elemen-to do tipo (apud Jiménez de Asúa. Tratado de derechopenal, v. 3, p. 92).

O objeto material pode ser pessoal ou real. No primei-ro caso é toda pessoa física, consciente ou inconsciente,sobre a qual recai a conduta do agente.

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Grispigni nega a possibilidade de a pessoa jurídica serobjeto material do crime, ao fundamento de essa ser umaficção jurídica, ou, quando menos, uma criação jurídica.Admite, porém, que os bens ou órgãos da pessoa jurídica osejam. (Diritto penale italiano, p. 273). Reyes Echandía, aocontrário, afirma não assistir razão ao professor italiano, pordois motivos: primeiro, porque não aceita a tese de ficçãojurídica, já que as pessoas jurídicas contratam, se obrigam,etc., no mesmo pé de igualdade com as pessoas físicas;segundo, porque existem, no Código de seu país (aColômbia), condutas típicas, como a injúria e a calúnia, querecaem concretamente sobre pessoas jurídicas (art. 344 docódigo, já revogado. No novo Código colombiano, nãoencontramos dispositivo semelhante. Trata-se do Decreton.100, de 23 de janeiro de 1980, com vigência marcada paraum ano depois de sua publicação). Quanto a nós, achamosque a pessoa jurídica pode ser sujeito passivo do crime;não, objeto material, já que este é um conceito naturalístico.

Não constituem objeto material pessoal:

a) uma coletividade de indivíduos, juridicamentenão personificada;

b) as divindades religiosas (santos, anjos, etc.);c) o fato psíquico, pela razão de que uma idéia, ou

uma vontade, ou um sentimento são uma realida-de apenas do mundo interior da pessoa;

d) o cadáver (a pessoa humana, para ser objetomaterial pessoal, deve ser vivente. Carrara diziaque os cadáveres são coisas, mas completava:“Pero también sobre las coisas puede recaer eldelito, cuando existan entre ellas y los hombresvivos tal clase de relaciones que generen en éstosun derecho” e aborda a questão da ofensa causa-da ao próprio corpo do defunto ou a seu nome(Programa, § 47). Um corpo humano sem vida não

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pode ser objeto material, por exemplo, de umalesão corporal, o mesmo ocorrendo no homicídio.Nos dois casos, falta até mesmo o objeto jurídico:não há vida a atacar e, não havendo vida, não hásaúde nem integridade física);

e) o feto (em caso de aborto, o objeto material é agestante. Sustentamos posição contrária à do Prof.Fragoso, nesse particular).

Há tipos com objeto material pessoal qualificado, ouseja, aqueles em que, para sua realização, é indispensávelque a conduta criminosa recaia sobre uma pessoa que pos-sui a qualidade exigida na lei. A qualificação pode sernatural ou jurídica.

Casos em que se exige uma qualificação natural:

a) sexo feminino: na maior parte dos tipos, é indife-rente o sexo da pessoa, objeto da ação; em outros,porém, a conduta deve recair sobre a pessoa dosexo feminino, como: no aborto, arts. 124-126; nalesão corporal em que resulta aceleração de parto,ou resulta aborto, art. 129, § 1o, IV, e § 2o, V; noestupro, art. 213; na posse sexual mediante frau-de, art. 215; no atentado ao pudor mediante frau-de, art. 216; na sedução, art. 217; no rapto violen-to ou mediante fraude, art. 219; no rapto consen-sual, art. 220; no tráfico de mulheres, art. 231;

b) menores: para a realização de determinados tipos,o objeto material tem de ser uma pessoa menor: ofilho, no art. 123; o recém-nascido, no art. 134; omenor, no art. 173; a menor de dezoito anos oumaior de catorze, nos arts. 215, parágrafo único,216, parágrafo único, 217 e 218; a menor de vintee um anos e maior de catorze, no art. 220; o recém-

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nascido, no art. 242; o menor de dezoito anos, nosarts. 245, 248 e 249;

d) incapacidade: às vezes, a lei se refere, implícita ouexplicitamente, a incapacidade da pessoa: o inca-paz de defender-se, no art. 133; o recém-nascido,no art. 134; a incapacidade de resistência (física oumoral), no art. 146; a alienação ou debilidade men-tal, para se presumir a violência, no art. 224, b.

Há tipos em que o objeto material é somente a pessoaque possui determinada qualidade ou posição jurídica,como: o interdito, nos arts. 248 e 249; o contraente, no art.236; o filho próprio, no art. 243; o funcionário público, nosarts. 329, 330, 331, 332 e 333; a autoridade, nos arts. 340 e344; a testemunha, perito, tradutor ou intérprete, no art. 343;a parte no art. 344; a pessoa legalmente presa ou submetidaa medida de segurança detentiva, no art. 351; o preso, no art.353; o concorrente ou licitante, no art. 358; os trabalhadoresnos arts. 206-7; o recém-nascido, no art. 242; a pessoa reli-giosa (padre, rabino, pastor, freira, etc.), no art. 208.

O objeto material real é a coisa sobre a qual recai aconduta do agente. Quando se fala de uma coisa comoobjeto material, adverte Grispigni que esta é tomada “nelsignificato meramente naturalístico, come ‘ogni e qualsiasiporte del mondo esterno’, esclusa solo la persona físicavivente” (tomo secondo, p. 277).

Compreende-se no conceito de coisa a energia elétricaou qualquer outra que tenha valor econômico (art. 155, § 3o).

As coisas incorpóreas, como, por exemplo, o direitoautoral, a autoria de obra literária, artística ou científica, con-quanto possam ser objeto jurídico, não podem, entretanto,ser objeto material. Mas a coisa corporal, na qual a idealiza-ção é materializada (livro, partitura musical, produto indus-trial), pode ser objeto material (Grispigni, op. cit., p. 278).

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O objeto material real pode ser simples ou qualificado.Simples é aquele representado por qualquer coisa corporal.Tipos em que o objeto material real é simples: tapume emarco, art. 161; animais, art. 164; tesouro, art. 169, parágra-fo único, I; refeição, hotel e meio de transporte, art. 176;conhecimento de depósito, art. 178; bens, art. 179; fonogra-ma ou vídeo fonograma, art. 184; sepultura, art. 210; cadá-ver, arts. 211 e 212; linha férrea, telégrafo, radiotelegrafia etelefone, art. 260; projétil, art. 264; atestado ou certidão,art. 301, §1o; passaporte, título de eleitor e caderneta dereservista, art. 308; dinheiro e qualquer outra vantagem,art. 343; dinheiro ou qualquer outra utilidade, art. 357.

Ao contrário, às vezes a lei exige, explícita ou implici-tamente, determinada qualidade da coisa, para a realiza-ção do tipo: são os casos do objeto material real qualifica-do. A qualidade pode ser natural ou jurídica. Citam-se coi-sas com qualidades naturais: a coisa móvel, nos arts. 155,157, 168; a coisa de valor artístico, arqueológico ou históri-co, art. 165; a mercadoria deteriorada, art. 175; a qualidadede metal, pedra falsa ou verdadeira, no art. 175, § 1o; escri-to, pintura, estampa ou qualquer objeto obsceno, art. 234;substância ou engenho explosivo e gás tóxico ou asfixian-te, art. 253; obstáculo natural, art. 255; bem móvel, art. 312.Nos tipos adiante mencionados há referências a coisas quepossuem qualificação jurídica: a coisa própria, nos arts,171, § 2o, II e V, e 346; a coisa alheia, nos arts. 155, 157, 163,168, 169, parágrafo único, II, e 171, § 2o, I; a coisa comum,no art. 156; a coisa penhorada, no art. 171, § 2o, III; a coisaperdida, no art. 169, parágrafo único, II; a coisa que deveser entregue, no art. 171, § 2o, IV; a coisa produto de crime,no art. 180; a coisa nociva à saúde, no art. 278; a coisa tom-bada pela autoridade competente, no art. 165; o dinheiroalheio, arts. 312 e 313; o bem público, art. 312; o bem parti-cular, art. 312; as águas alheias, art. 161, § 1o, I; o terrenoou edifício alheio, art. 161, § 1o, II; o local especialmente

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protegido, art. 166; a duplicata, art. 172; a sociedade porações, art. 177; as ações e títulos, art. 177, § 1o, II, IV e V; oslucros e dividendos, art. 177, § 1o, VI; a vantagem ilícita ouindevida, nos arts. 171, 158, 316, 317 e 333; a obra intelec-tual, art. 184, § 1o; a obra destinada a impedir inundação,art. 255; o aparelho, material ou qualquer meio destinado aserviço de combate ao perigo, de socorro ou salvamento,art. 257; a água potável, arts. 270 e 271; a substância ali-mentícia ou medicinal, arts. 270, 272, 273; o produto desti-nado ao consumo, arts. 274, 275 e 276; a substância desti-nada à falsificação de produto alimentício ou medicinal,art. 277; a substância nociva à saúde, art. 278; a substân-cia medicinal, art. 280; a moeda metálica ou papel-moeda,art. 289; a moeda falsa, art. 289, § 1o; a moeda com título oupeso inferior ao determinado em lei, art. 289, § 3o, I; a nota,cédula ou bilhete recolhido, art. 290; o maquinismo, apare-lho, instrumento ou qualquer objeto especialmente desti-nado a falsificação de moeda, arts. 291 e 294; as verbas erendas públicas, art. 315; a mercadoria proibida, art. 334; amercadoria estrangeira que o agente introduziu clandesti-namente no país ou importou fraudulentamente ou quesabe ser produto de introdução clandestina no territórionacional ou de importação fraudulenta por parte deoutrem, art. 334, § 1o, letra c; a mercadoria de procedênciaestrangeira, desacompanhada de documentação legal, ouacompanhada de documentos que o agente sabe serem fal-sos, art. 334, § 1o, letra d; o proveito do crime, art. 349.

A coisa pode ser móvel ou imóvel. De acordo com oCód. Civil de 1916 móvel é a que pode ser trasladada de umlugar a outro; imóvel, a que não pode ser retirada de ondese acha, sem se desfazer.

O Código Civil revogado estabelecia, no art. 43, quaissão os bens imóveis: “I - o solo com sua superfície, os seusacessórios e adjacências naturais, compreendendo as árvo-res e frutos pendentes, o espaço aéreo e o subsolo; II - tudo

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quanto o homem incorporar permanentemente ao solo,como a semente lançada à terra, os edifícios e construções,de modo que não se possa retirar sem destruição, modifica-ção, fratura, ou dano; III - tudo quanto no imóvel o proprie-tário mantiver intencionalmente empregado em sua explo-ração industrial, aformoseamento ou comodidade”. Oassunto está atualmente regulado pelos arts. 79 e 80.

O revogado art. 47 dizia que “são móveis os bens sus-cetíveis de movimento próprio, ou de remoção por forçaalheia” (arts. 82 e 84 do Cód. Civil de 2002).

Recorremos à lição do Prof. Caio Mário: “Os bens,especificamente considerados, distinguem-se das coisas,em razão da materialidade destas: as coisas são materiaisou concretas, enquanto que se reserva para designar osimateriais ou abstratos o nome bens, em sentido estrito.Uma casa, um animal de tração são coisas, porque concre-tizado cada um em uma unidade material e objetiva, dis-tinta de qualquer outra. [...] Um direito de crédito, umafaculdade, embora defensável ou protegível pelos remé-dios jurídicos postos à disposição do sujeito em caso delesão, diz-se, com maior precisão ser um bem. Sob oaspecto de sua materialidade é que se faz a distinçãoentre a coisa e o bem” (Instituições de direito civil. Rio deJaneiro: Forense, 1974, v. I, p. 344. Na vigência do códigocivil de 2002, o assunto vem explanado no v. I dasInstituições, pp 411 e ss, edição de 2005).

Magalhães Noronha afirma que “para o Direito Penal,móvel é tudo quanto é suscetível de remoção, ou por serdotado de movimento próprio, ou por ação do homem; osemovente é o que pode ser removido por ação humana”(Direito penal. São Paulo: Saraiva, 1975, v. II, p. 215).

Excluídos os documentos e outros papéis, que forma-rão uma categoria à parte, o objeto material é coisa móvelem vários tipos de delito. É o que ocorre nos seguintestipos: furto, art. 155; furto de coisa comum, art. 156; roubo,

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art. 157; apropriação indébita, art. 168; apropriação decoisa havida por erro, caso fortuito ou força da natureza,art. 169, caput; apropriação de tesouro. art. 169, I; apropria-ção de coisa achada, art. 169, II; usurpação de águas, art.161, § 1o, I; defraudação de penhor, art. 171, § 2o, III; fraudeno comércio, art. 175; violação de direito autoral, art. 184,§§ 1o e 2o; destruição, subtração ou ocultação de cadáver,art. 211; vilipêndio a cadáver, art. 212; escrito ou objetoobsceno, art. 234; fabrico, fornecimento, aquisição, posseou transporte de explosivo ou gás tóxico ou asfixiante, art.253; subtração, ocultação ou inutilização de material desalvamento, art. 257; arremesso de projétil, art. 264; nos cri-mes contra a saúde pública, previstos nos arts. 270 a 280;moeda falsa, art. 289; crimes assimilados aos de moedafalsa, art. 290; petrechos para falsificação de moedas, art.291; petrechos de falsificação, art. 294; peculato, art. 312;emprego irregular de verbas ou rendas públicas, art. 315;contrabando ou descaminho, art. 334.

Ao lado dos tipos em que o objeto material é coisamóvel, há outros em que não importa que a coisa sejamóvel ou imóvel.

Tipos em que não importa seja a coisa (objeto mate-rial) móvel ou imóvel: o dano, art. 163; o dano em coisa devalor artístico, arqueológico ou histórico, art. 165; disposi-ção de coisa alheia como própria, art. 171, § 2o, I; alienaçãoou oneração fraudulenta de coisa própria, art. 171, § 2o, II;fraude para recebimento de indenização ou valor de segu-ro, art. 171, § 2o, V; empréstimo ou uso indevido de bens ouhaveres, art. 177, § 1o, III; fraude à execução, art. 179;receptação, art. 180; violação de sepultura, art. 210; perigode desastre ferroviário, art. 260; peculato mediante erro deoutrem, art. 313; concussão, art. 316; corrupção passiva,art. 317; tráfico de influência, art. 332; corrupção ativa, art.333; corrupção ativa de testemunha ou perito, art. 343; sub-tração, supressão ou dano a coisa própria, na posse legal

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de terceiro, art. 346; fraude processual, art. 347; favoreci-mento real, art. 349; exploração de prestígio, art. 357.

O objeto material é uma coisa imóvel, nos seguintestipos de delito: alteração de limites, art. 161, caput; esbu-lho possessório, art. 161, § 1o, II; alteração de local especial-mente protegido, art. 166; sabotagem, art. 202; perigo deinundação, art. 255; alienação ou oneração fraudulenta decoisa própria, art. 171, § 2o, II; desabamento ou desmorona-mento, art. 256.

Às vezes, o objeto material é marca, ou sinal (a pala-vra “selo”, empregada no texto, não tem o sentido postal,aquela gravura ou estampa que se cola à carta, ou corres-pondência, por exemplo. A palavra, aqui, significa sinal,chancela, distintivo), como: o tapume, marco ou outro sinalindicativo de linha divisória, art. 161, caput; a marca ousinal indicativo de propriedade, no art. 162; o carimbo ousinal, no art. 293, § 2o; o selo público ou sinal, no art. 296, §1o, I e II; o selo ou sinal falsificado e o selo ou sinal verda-deiro, no art. 296, § 1o, I e II; a marca ou sinal empregadopelo Poder Público, no art. 306; o edital, selo ou sinalempregados oficialmente, no art. 336.

Às vezes, o objeto material é um documento, enten-dendo-se como tal “o papel escrito, em que se mostra ou seindica a existência de um ato, de um fato, ou de negócio.[...] Possui sentido geral abrangendo toda espécie de escri-to ou papel escrito, seja simples carta missiva, recibo, fatu-ra, como incluindo o próprio instrumento, que na verdadetambém documento é” (De Plácido e Silva. Vocabulário jurí-dico. Rio de Janeiro: Forense, 1978. v. II, p. 561-562).

Em vários tipos, o objeto material é um documento,entendida a expressão no seu mais amplo sentido.

Mencionamos, adiante, os tipos de delito em que oobjeto material é um documento público: falsificação depapéis públicos, art. 293; falsificação de selo ou sinal públi-co, art. 296; falsificação de documento público, art. 297; fal-

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sidade ideológica, art. 299; certidão ou atestado ideologi-camente falso, art. 301, caput; falsidade material de atesta-do ou certidão, art. 301, § 1o; uso de documento de identi-dade alheia, art. 308; extravio, sonegação ou inutilização delivro ou documento, art. 314; violação de sigilo de propostade concorrência, art. 326; subtração ou inutilização de livroou documento, art. 337; sonegação de papel ou objeto devalor probatório, art. 356.

Nos crimes de falsidade ideológica (art. 299), falsida-de de atestado médico (art. 302), uso de documento falso(art. 304), falso reconhecimento de firma ou letra (art. 300),supressão de documento (art. 305), não importa que odocumento seja público ou particular.

Relacionamos, também, os tipos em que o objeto mate-rial é documento particular: violação de correspondência,art. 151, caput; sonegação ou destruição de correspondên-cia, art. 151, § 1o; correspondência comercial, art. 152; divul-gação de segredo, art. 153; extorsão indireta, art. 160; dupli-cata simulada., art. 172; fraude e abusos na fundação ouadministração de sociedade por ações, art. 177; emissãoirregular de conhecimento de depósito ou “warrant”, art.178; emissão de título ao portador sem permissão legal, art.292; falsificação de documento particular, art. 298; fraude nopagamento por meio de cheque, art. 171, § 2o, VI.

Consignamos que o objeto material nem sempre eobrigatoriamente é elemento do tipo já que admitimos acategoria de crimes sem objeto material.

Como se sabe, os crimes formais, ou de simples ativi-dade, são crimes sem resultado naturalístico. Entre estes,há alguns sem objeto material, ou seja, sem uma pessoa oucoisa corpórea, sobre a qual incidiria a ação do agente.

Grispigni diz que, em sentido amplo, não há crimesem objeto material (p. 273). No mesmo sentido, ReyesEchandía, para quem em todos os tipos devem estar pre-sentes o objeto jurídico, o sujeito passivo e o objeto mate-

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rial (p. 111). Admitindo crime sem objeto material, Fragoso(PG, 1976): “Como é óbvio, nos crimes de simples ativida-de (ou formais), pode não haver objeto material” (p. 274);Petrocelli afirma que os crimes sem objeto material são osomissivos próprios e os sem resultado (apud Gianniti,L’oggeto materiale del reato, p. 147). Trazemos à colação oensinamento de Mezger: “En los llamados delitos de sim-ple actividad falta este objeto típico de la acción”, entendi-do este como “aquel objeto corporal sobre el que la accióntípicamente se realiza” (Tratado..., p. 384-385). O eminenteBruno não admite crime sem objeto material, alegando quetodo crime tem resultado “e que este tem sempre um subs-trato sobre o qual se apóia. A ausência do objeto materialsobre o qual venha incidir a atividade do sujeito suscita afigura do crime impossível” (Direito penal, v. 2, p. 212).

Sem embargo das opiniões em contrário, achamos queexistem crimes sem objeto material, que são: omissão desocorro, art. 135; violação de domicílio (na forma de “per-manecer”, que é crime omissivo), art. 150; violação desegredo profissional, art. 154; exercício de atividade cominfração de decisão administrativa, art. 205; desobediênciaa decisão judicial sobre perda ou suspensão de direito, art.359; ato obsceno, art. 233; omissão de notificação de doen-ça, art. 269; charlatanismo, art. 283; incitação ao crime, art.286; fraude de lei sobre estrangeiros, art. 309; prevaricação(nas formas de “retardar” ou “deixar de praticar”), art. 319;condescendência criminosa, art. 320; abandono de função,art. 323; usurpação de função pública, art. 328; reingressode estrangeiro expulso, art. 338, e falso testemunho oufalsa perícia, art. 342.

Admitindo, também, crime sem objeto material:Jescheck (Tratado de derecho penal, p. 375) e Battaglini(Direito penal, p. 154).

Finalmente, há situações em que o objeto material seconfunde com o sujeito passivo, isto é, são a mesma pes-

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soa. Assim, no homicídio, art. 121; no induzimento, instiga-ção ou auxílio ao suicídio, art. 122; no aborto provocado porterceiro, arts. 125 e 126 (em que a gestante é também sujei-to passivo, junto com o feto); na lesão corporal, art. 129;abandono de incapaz, art. 133; exposição ou abandono derecém-nascido, art. 134; no constrangimento ilegal, art.146; no abuso de incapazes, art. 173; no estupro, art. 213;no atentado violento ao pudor, art. 214; na posse sexualmediante fraude, art. 215; no atentado ao pudor mediantefraude, art. 216; na sedução, art. 217; na corrupção demenores, art. 218; no rapto violento ou mediante fraude,art. 219; no rapto consensual, art. 220; na entrega do filhomenor a pessoa inidônea, art. 245; no induzimento a fuga,entrega arbitrária ou sonegação de incapazes, art. 248;sonegação de estado de filiação, art. 243; e no arrebata-mento de preso, art. 353.

3.7. Instrumento ou Meio de Execução

Outro elemento do tipo é o instrumento, ou meio.Segundo Fragoso, “meio é o instrumento de que se serve oagente para prática da ação criminosa, sendo constituídosempre por uma coisa” (Parte especial, 1976, v. I, p. 18). EmHungria-Fragoso lê-se: “Na autoria mediata o agente seserve de outra pessoa como instrumento” (v. I, t. II, p. 632nosso, o grifo). No mesmo sentido, Jiménez Huerta: “Sirveel hombre de mero instrumento material siempre que efec-túa determinados movimientos o inercias corporales en vir-tud de una fuerza material exterior e irresistible que sobreél se ejerce por outra persona” (Derecho penal mexicano,cit., v. I, p. 70). Grispigni ensina que o instrumento é sem-pre uma coisa, mas “la persona può essere strumentodell’agente, solo nel caso dell’autore mediato” (Dirittopenale italiano, p. 282).

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Entre as várias situações que realizam a figura da auto-ria mediata, ensina o Prof. Bruno que “também se inclui naespécie o caso em que o agente determina à realização daação típica um doente mental ou um menor” (Direito penal,v. 2, p. 269). O Prof. Cunha Luna entende que “somente ascoisas podem ser instrumentos do crime. Coisas inanima-das, como as armas, a imprensa e os meios postais, telegrá-ficos e telefônicos, coisas animadas, que são os animais,principalmente os animais domésticos, verdadeira longamanus do homem. [...] Rigorosamente, não constituem stru-menta sceleris as pessoas inimputáveis, o amens e o infans,quando agentes na chamada autoria mediata. Os inimputá-veis são pessoas humanas, e por serem pessoas humanas,não perdem o caráter de agente, tendo vontade, emboraimatura nos menores, e incapaz, por doença mental oudesenvolvimento mental incompleto ou retardado, nosmaiores” (O resultado, cit., p. 63). Lecionando sobre a auto-ria mediata (e a combatendo), diz Hungria: “falar-se, naespécie, em instrumento passivo não passa de uma ficçãoou metáfora, nem sempre tolerável. Conceda-se que sejacomo tal considerado o penalmente incapaz, o irresistivel-mente coagido, o induzido a erro essencial de fato, mesmoo que obedece à ordem vinculante do seu superior hierár-quico” (Comentários, v. I, t. 2, p. 40)

Nos casos em que o agente se serve de um inimputá-vel para a prática material do crime (autoria mediata),excepcionalmente o instrumento é uma pessoa (a constata-ção não vai de encontro ao conceito apresentado porFragoso, supra).

Abstraída a idéia de que a pessoa seja o instrumento,posto que se trata de uma possibilidade rara, os meios deexecução apresentam-se de maneira variada: a arma, umutensílio, uma ferramenta, uma corda, um porrete, umasubstância inflamável ou explosiva, o veneno, etc.

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A arma é um meio bastante usado na execução.Absteve-se o Código Penal de conceituá-la, mas é entendi-da como todo instrumento usado pelo homem para atacarou para se defender.

O Código italiano, no art. 585, diz:

“Para os efeitos da lei penal, por armas se entendem:a) as de fogo e todas as outras cuja destinação natu-

ral seja ofender as pessoas; b) todos os instrumentos aptos para ofender, cujo

porte haja a lei proibido de modo absoluto, ou nãotenha motivo de justificação. Assimilam-se àsarmas as matérias explosivas e os gases asfixian-tes ou lacrimogêneos.”

Diz-se que a arma é própria quando se destina especi-ficamente ao ataque ou à defesa, como o revólver, a garru-cha, o punhal, etc. São impróprias as que não se destinamao ataque ou à defesa, mas que eventualmente podem seprestar a tal: navalha, faca, facão, etc.

O emprego de arma é circunstância qualificadora docrime de violação de domicílio (art. 150, § 1o); se o crime defuga de pessoa presa ou submetida a medida de seguran-ça detentiva é praticado “a mão armada”, será qualificado(art. 351, § 1o); a pena é aplicada em dobro se a quadrilhaou bando é armado (art. 288, parágrafo único); no crime deconstrangimento ilegal, haverá aumento de pena, se “háemprego de arma” (art. 146, § 1o); nos crimes de roubo e deextorsão, o emprego de arma é causa de aumento de pena(arts. 157, § 2o, I, e 158, § 1o).

Grispigni diz que poderá haver coincidência entre oinstrumento e o objeto material, e isto se dá quando a con-duta consiste em “fazer uso” de alguma coisa (Diritto pena-le italiano, v. II, p. 282).

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Achamos que ocorre tal coincidência nos seguintescasos: escrito, desenho, pintura, estampa ou qualquer obje-to obsceno, no art. 234; maquinismo, aparelho, instrumen-to ou qualquer objeto especialmente destinado à falsifica-ção de moeda, no art. 291; objeto especialmente destinadoà falsificação de papéis, no art. 294 (o tipo diz em “qualquerdos papéis referidos ao artigo anterior”, ou seja, no art.293); os papéis falsificados ou alterados, no art. 304; amarca ou sinal, falsificado por outrem, e usado pelo agente,no art. 306; passaporte, título de eleitor, caderneta dereservista ou qualquer documento de identidade, usadoscomo próprio, no art. 308.

Às vezes, o instrumento torna o crime qualificado.Assim, o veneno, fogo explosivo, asfixia, tortura ou outromeio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigocomum, no art. 121, § 2o, III; o emprego de chave falsa, noart. 155, § 4o, III; o emprego de substância inflamável ouexplosiva, no art. 163, parágrafo único, II.

Figurando como elemento do tipo, sem a característi-ca de exasperar a pena, mencionamos os meios adiante: ogás tóxico ou asfixiante, no art. 252; germes patogênicos,no art. 267; revestimento, gaseificação artificial, matériacorante, substância aromática, antiséptica, conservadoraou qualquer outra não expressamente permitida pela legis-lação sanitária, no art. 274; o selo ou sinal verdadeiro, noart. 296, § 1o, II.

Finalmente, se o crime de contrabando ou descaminhoé praticado em transporte aéreo (meio ou instrumento)aplica-se a pena em dobro, de acordo com o art. 334, § 3o.

3.8. Modos de Execução

A palavra modo é usada para exprimir a maneira deser executado o crime, ou a forma de se realizar o tipo. Talcomo já dissemos em relação aos meios, são variados os

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modos de execução. No homicídio, por exemplo, a embos-cada, a dissimulação, a traição são modos de execução esão circunstâncias qualificadoras.

Tais maneiras aparecem em muitos tipos; achamosdispensável, e até mesmo ocioso, relacioná-las todas nestetrabalho. Limitar-nos-emos a exemplos: seqüestro, no art.148; destruição ou rompimento de obstáculo, escalada oudestreza, no art. 155, § 4o, I e II; induzindo em erro essen-cial ou ocultando impedimento, no art. 236; o engano, noart. 239; suprimindo ou alterando direito, no art. 242; ocul-tando a filiação de filho próprio ou alheio, ou atribuindo-lheoutra, no art. 243; prescrevendo, ministrando ou aplicandoqualquer substância, ou fazendo diagnósticos, no art. 284.

Pela freqüência com que aparecem, seja como elemen-to do tipo, seja como causa de exasperação da pena, mere-cem destaque a violência, a ameaça e a fraude.

A violência é o ato de força, o constrangimento paravencer a capacidade de resistência da pessoa ou da coisa.

A violência figura como elemento constitutivo dosseguintes tipos de delito: constrangimento ilegal, art.146; roubo, art. 157; extorsão, art. 158; esbulho possessó-rio, art. 161, § 1o, II; atentado contra a liberdade de traba-lho, art. 197; atentado contra a liberdade de contrato detrabalho e boicotagem violenta, art. 198; paralisação detrabalho, seguida de violência ou perturbação da ordem,art. 200; frustração de direito assegurado por lei traba-lhista, art. 203; frustração de lei sobre a nacionalizaçãodo trabalho, art. 204; estupro, art. 213; atentado violentoao pudor, art. 214; rapto violento ou mediante fraude, art.219; violência arbitrária, art. 322; resistência, art. 329;coação no curso do processo, art. 344; evasão medianteviolência contra pessoa, art. 352; violência ou fraude emarrematação judicial, art. 358.

A ameaça é palavra, ou gesto, pelo qual se dá aentender ou se demonstra o ânimo de fazer alguma coisa

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de mau contra a pessoa a quem o gesto ou a palavra édirigida. O Código prevê o crime de ameaça, no art. 147,com a descrição: “Ameaçar alguém, por palavra, escritoou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhemal injusto ou grave.”

Fora essa previsão legislativa específica, a ameaçafigura ao lado da violência, como alternativa, nos seguintestipos de delito: constrangimento ilegal, art. 146; roubo, art.157; extorsão, art. 158; esbulho possessório, art. 161, § 1o,II; atentado contra a liberdade de trabalho, art. 197; atenta-do contra a liberdade de contrato de trabalho e boicotagemviolenta, art. 198; atentado contra a liberdade de associa-ção, art. 199; estupro, art. 213; atentado violento ao pudor,art. 214; rapto violento ou mediante fraude, art. 219; resis-tência, art. 329; impedimento, perturbação ou fraude deconcorrência, art. 335; coação no curso do processo, art.344; violência ou fraude em arrematação judicial, art. 358.

A violência figura como circunstância qualificadora nosseguintes casos: injúria, art. 140, § 2o; violação de domicílio,art. 150, § 1o; furto, art. 155, § 4o, I; dano, art. 163, parágrafoúnico, I; mediação para servir a lascívia de outrem, art. 227,§ 2o; favorecimento da prostituição, art. 228, § 2o; rufianismo,art. 230, § 2o; tráfico de mulheres, art. 231, § 2o.

No crime de ultraje a culto e impedimento ou pertur-bação de ato a ele relativo e no impedimento ou perturba-ção de cerimônia funerária (arts. 208, parágrafo único, e209, parágrafo único), o emprego da violência é causa deaumento de pena.

A fraude é o engodo, a esperteza, a malícia da ativida-de do agente. A fraude determina o engano, ou erro, que éa representação desconforme com a realidade das coisas.A fraude é uma modalidade de ação característica do crimede estelionato.

Como alternativa da violência, é prevista nos seguin-tes tipos de delito: frustração de direito assegurado por lei

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trabalhista, art. 203; frustração de lei sobre a nacionaliza-ção do trabalho, art. 204; rapto violento ou mediante frau-de, art. 219; impedimento, perturbação ou fraude de con-corrência, art. 335; violência ou fraude em arremataçãojudicial, art. 358.

Como elemento constitutivo do tipo, isolada da violên-cia e da ameaça, aparece no estelionato, art. 171; na fraudeà execução, art. 179; na posse sexual mediante fraude, art.215; no atentado ao pudor mediante fraude, art. 216.

Finalmente, o crime de furto é qualificado, se for come-tido mediante fraude (art. 155, § 4o, II).

3.9. O Lugar

O lugar é outra circunstância referida em várias passa-gens da Parte Especial. Lugar é todo espaço ocupado poruma coisa, ou que possa vir a sê-lo. A casa onde mora apessoa é um lugar, assim como são lugares a Praça AfonsoArinos e o território nacional. Advertimos que a expressão“lugar”, aqui mencionada, não é aquela empregada paradesignar o limite de validade da lei penal.

Como acentua Grispigni, quando se fala do lugar comoelemento constitutivo do tipo, está-se aludindo a um lugardeterminado, e não a uma parte qualquer do espaço (op.cit., v. II, p. 287).

A circunstância de lugar às vezes vem ligada à cir-cunstância de tempo, como ocorre na causa de aumento depena prevista no art. 141, III: a “presença de várias pes-soas” pressupõe também o tempo em que aquelas se acha-vam reunidas.

O lugar pode ter uma qualificação natural ou jurídica.Como qualificação natural podem citar-se: lugar ermo, arts.133, § 3o, I, e 150, § 1o; qualquer compartimento habitado,aposento ocupado de habitação coletiva, compartimentonão aberto ao público, onde alguém exerce profissão ou ati-

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vidade, art. 150, § 4o; hospedaria, estalagem, ou qualqueroutra habitação coletiva, enquanto aberta, art. 150, § 5o;casa de prostituição ou lugar destinado a encontros parafim libidinoso, arts. 229 e 247, III; asilo de expostos, art. 243;casa de jogo ou mal-afamada, art. 247; casa habitada oudestinada a habitação, embarcação, aeronave, comboio ouveículo de transporte coletivo, estação ferroviária ou aeró-dromo, estaleiro, fábrica ou oficina, depósito de explosivo,lavoura, pastagem, mata ou floresta, art. 250, § 1o, II; publi-camente, nos arts. 286 e 287 (achamos que a palavra “publi-camente”, usada nos arts. 286 e 287, pode ser uma circuns-tância de modo e também de lugar. Se o agente, perante umauditório, por exemplo, incita a prática de crime, não sepode negar que o termo “publicamente” se refere a umlugar; ao contrário, se o agente faz a apologia de um fato cri-minoso, através de folheto distribuído ao público, a expres-são “publicamente” deve ser tida como circunstância demodo, ou forma de conduta); residências, art. 334, § 2o.

O lugar, com qualificação jurídica, é mencionado emvários tipos, como se segue: casa alheia, art. 150, caput;prédio alheio, art. 169, parágrafo único, I; prédio próprio oualheio, art. 255; território nacional, arts. 207, 231, 309, 310 e338; no país, arts. 177, § 1o, IX, 184, § 2o, 289, 334, § 1o, letrac; lugar público, nos arts. 233, caput, e 234, parágrafoúnico, II e III; lugar onde menor de dezoito anos ou interdi-to se acha por determinação de quem sobre ele exerceautoridade, em virtude de lei ou de ordem judicial, art. 248;repartição onde o dinheiro se achava recolhido, art. 290,parágrafo único; lugar compreendido na faixa de fronteira,art. 323, § 2o; edifício público ou destinado a uso público,art. 250, § 1o, II, letra b.

No crime de abandono de incapaz, haverá aumentode pena se o abandono ocorrer em lugar ermo (art. 133, §3o, I); também haverá aumento de pena se o crime deincêndio for cometido em edifício público ou destinado a

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uso público ou a obra de assistência social ou de cultura(art. 250, § 1o, II, letra b).

O crime de violação de domicílio torna-se qualificadose é cometido em lugar ermo (art. 150, § 1o); nos crimesassimilados aos de moeda falsa, o máximo das penas comi-nadas é elevado, se o crime é cometido por funcionário quetrabalha na repartição onde o dinheiro se achava recolhido(art. 290, parágrafo único). Fragoso (Parte Especial. 1981, v.II, p. 315), chama de “agravação especial” a circunstânciaqualificadora do art. 290, parágrafo único. Dizemos que écircunstância qualificadora tornando por base a lição deHungria (Comentários. 1959, v. IX, p. 229).

3.10. O Tempo

É a última das circunstâncias do tipo que estamosestudando. O tempo é a duração, ou o período, ou o prazo,ou a época, ou o momento, ou a oportunidade em que seregistram as coisas ou os fatos.

Grispigni salienta que todas as causas de justificaçãofuncionam em razão do tempo. Citando a legítima defesa eo estado de necessidade, relembra que tais situações exis-tem enquanto dura o perigo (diríamos nós que enquantodura também a agressão, de acordo com o Direito brasilei-ro). No consentimento do ofendido, até que não seja revo-gado, e só se o fato se verifica no tempo desejado pelo queconsente (Diritto penale italiano, p. 291, n. 5).

A circunstância de tempo figura como elemento cons-titutivo do tipo nos seguintes casos: durante o parto oulogo após, art. 123; logo depois de subtraída a coisa, art.157, § 1o; prazo de quinze dias, no art. 169, parágrafo único,II; por ocasião de incêndio, inundação, naufrágio, ou outrodesastre ou calamidade, art. 257; antes de assumir a fun-ção pública, nos arts. 316 e 317; antes de satisfeitas as exi-gências legais, art. 324.

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A circunstância de tempo pode funcionar como cir-cunstância qualificadora: se a privação da liberdade duramais de quinze dias, art. 148, § 1o, III; se o crime é cometi-do durante a noite, art. 150, § 1o; se o seqüestro dura maisde 24 horas, no art. 159, § 1o.

Se o crime de furto é praticado durante o repousonoturno, a pena é aumentada (art. 155, § 1o); as penas apli-cam-se em dobro se o crime de interrupção ou perturbaçãode serviço telegráfico ou telefônico é cometido por ocasiãode calamidade pública (art. 266, parágrafo único).

Nos crimes de homicídio e de lesão corporal, o juizpode reduzir a pena, de um sexto até um terço, se o agen-te comete tais delitos sob o domínio de violenta emoção,logo em seguida a injusta provocação da vítima (arts. 121,§ 1o, e 129, § 4o).

Fica excluída a antijuridicidade da violação de domicí-lio, se a entrada ou permanência em casa alheia ou em suasdependências ocorre:

a) durante o dia, com observância das formalidadeslegais, para efetuar prisão ou outra diligência;

b) a qualquer hora do dia ou da noite, quando algumcrime está sendo ali praticado ou na iminência deo ser (art. 150, § 3o, I e II).

Uma circunstância de tempo se relaciona com umaescusa absolutória, prevista no art. 181, I: é isento de penaquem comete um delito patrimonial em prejuízo do cônju-ge, na constância da sociedade conjugal.

Outra circunstância de tempo acha-se ligada ao con-curso material: no art. 222, o Código determina que aspenas sejam cumuladas, em caso de prática de outro crimeconcomitante (“ao efetuar o rapto”) ou posterior (“emseguida”) ao rapto.

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No crime de induzimento a erro essencial e ocultaçãode impedimento, há uma condição de processabilidade, oupressuposto processual, ligado a uma circunstância detempo: o cônjuge enganado só pode exercer o direito dequeixa depois de transitar em julgado a sentença que, pormotivo de erro ou impedimento, anule o casamento (art.236, parágrafo único).

Uma circunstância de tempo relaciona-se com o sujei-to ativo: no art. 249, § 1o, dispõe o Código que o fato de sero agente pai ou tutor do menor ou curador do interdito nãoo exime de pena, se destituído ou temporariamente priva-do do pátrio poder, tutela, curatela ou guarda.

No art. 289, § 2o, é prevista uma modalidade menosgrave do crime de moeda falsa, em que há uma circuns-tância de tempo: o agente recebe, de boa-fé, a moedafalsa ou alterada e a restitui a circulação, depois deconhecer a falsidade.

Duas questões ainda se colocam: os conceitos de“noite” e de “repouso noturno”.

A circunstância de ser o crime cometido durante anoite qualifica (art. 150, § 1o) a violação de domicílio (tipode delito que, estranhamente, Fragoso chama de “invasão”de domicílio - Parte especial, 1981, p. 29).

No art. 155, § 1o, há uma causa de aumento de pena,como já foi dito, se o crime é praticado durante o “repousonoturno”.

A nosso ver, o conceito de noite pode ser buscado naBíblia, ou mais precisamente, no primeiro livro de Moisés:“E viu Deus que a luz era boa; e fez separação entre a luz eas trevas. Chamou Deus à luz Dia, e às trevas, Noite”(BÍblia sagrada. Gênesis, 1:4-5. Trad. de João Ferreira deAlmeida. Rio de Janeiro: Sociedade Bíblica do Brasil, 1969).

Jorge Alberto Romeiro é autor de erudito artigo deno-minado “A Noite no Direito e no Processo Penal”, publicadono volume de Estudos de Direito e Processo Penal em

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Homenagem a Nelson Hungria. Achamos um tanto exagera-da a importância que se dá ao tema: noite é a ausência deluz solar. Hungria é de parecer que “a noite, como agravan-te ou majorante, sempre deu margem a dúvidas, ora enten-dendo-se que era o tempo decorrente entre o término docrepúsculo vespertino e o começo matutino, ora que era operíodo em que não se distinguem pessoas e coisas senãocom a luz artificial (excluídas, portanto, as noites enluara-das...)”. Hungria cita von Liszt, para quem a expressão noitesignifica o período de descanso noturno, segundo o uso dolugar. É o critério psico-sociológico (Comentários, 1980, v.VII, p. 30). Não obstante, continuamos achando que noite éo período sem luz, de obscuridade. É o que está na Gênesis.

Naturalmente, a luz referida na Bíblia é a luz do sol;noite, portanto, é a ausência de luz solar, a obscuridade.Não vemos qualquer dificuldade na fixação deste momen-to, ou deste tempo. A circunstância qualificadora (que,aliás, aparece em um único crime) justifica-se pelo fato de,no escuro, ser mais fácil praticar o delito.

Com relação à causa de aumento de pena prevista noart. 155, § 1o, preferiu o Legislador usar a expressão “repou-so noturno”, ao invés de “noite”.

Magalhães Noronha conceitua o repouso noturnocomo “o tempo em que a vida das cidades e dos camposdesaparece, em que seus habitantes se retiram, e as ruas eas estradas se despovoam, facilitando essas circunstânciasa prática do crime” (Direito penal, v. 2, p. 227).

Reputamos exato o conceito de Noronha. O homemrural se recolhe pouco depois de escurecer. No Rio deJaneiro, com suas atrações e espetáculos noturnos, não sepode dizer que “as ruas se despovoam”, logo depois que osol se põe; no campo, como regra geral, o tempo de “repou-so noturno” quase pode ser interpretado pela literalidadeda expressão.

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A 1a Conferência de Desembargadores, reunida no Riode Janeiro, em 1943, aprovou, por trinta e cinco votos, aconclusão XIII, que é a seguinte:

“O critério para se aferir o repouso noturno évariável e deve obedecer aos costumes locais relativosà hora em que a população se recolhe, e a em que des-perta para a vida cotidiana” (Anais da 1a Conferênciade Desembargadores. Rio de Janeiro: ImprensaNacional, 1944, p. 185).

O Min. Hungria, Juiz de Direito à época, participou dodebate e disse o seguinte: “Desejo dar um ligeiro esclare-cimento. Em que pese à oposição do ilustre Desembar-gador Oliveira Sobrinho, não existe divergência de doutri-na em torno da expressão, ‘repouso noturno’, mas, sim, emtorno da palavra ‘noite’. É que uns entendem que, no con-ceito desta, deve ser adotado o critério físico-astronômico,isto é, como período decorrente desde a hora do tramonteaté a hora matutina. Outros, porém, entendem de mododiverso: é o período do sossego noturno. Precisamentepara dirimir a controvérsia, o Código, acolhendo o últimocritério, usou da expressão ‘repouso noturno’. Repousonoturno é aquele que abrange o período que, segundo oscostumes locais, medeia entre a hora de ir para a cama e ahora de se levantar. É o critério psicossociológico. A con-trovérsia não existe em torno da expressão repouso notur-no, mas, sim somente em torno do vocábulo ‘noite’, que oCódigo evitou” (p. 186). Dessa sessão participou, comoDesembargador do Tribunal de Apelação do Rio Grande doNorte, aquele que viria ser, para nós, o primeiro dos admi-nistrativistas pátrios, o eminente Min. Seabra Fagundes,que disse, na ocasião: “Penso que o repouso noturno devese basear no costume local, dependendo, igualmente, danatureza do recinto; num hospital, mesmo no Rio de

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Janeiro, a hora de repouso começa mais cedo do que nogeral dos casos. É, pois, um critério individualizador” (p.186). Citamos, por fim, duas decisões do Tribunal deAlçada Criminal de São Paulo: “Não há confundir ‘repousonoturno’ com furto praticado à noite. Assim, não havendoprova de que alguém esteja repousando no local assaltado(sic) inexiste razão para agravação da pena” (Relator, JuizFrancis Davis); “Não obstante o horário dos fatos, se o deli-to é praticado na presença do proprietário da coisa, é inca-bível o reconhecimento da agravante do repouso noturno.Em havendo vigília, inexiste a precariedade de vigilânciae defesa, critério adotado pelo código para fundamentar aagravação da pena nos furtos noturnos” (Relator, JuizSilva Leme). (Almeida, Nilton Messias de. In: Costa Jr.Paulo José da Costa (Coord.). Código Penal e sua interpre-tação jurisprudencial. São Paulo: Revista dos Tribunais,1979. p. 31).

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Capítulo 4 Classificação dos Tipos

Uma parcela considerável da Doutrina (Mezger. Librode estudio, p. 391; Terán Lomas, Derecho penal, p. 332;Jiménez Huerta, La tipicidad, p. 96; Jiménez De Asúa,Tratado..., v. III, p. 784, e La ley el delito, p. 295; Maurach,Tratado de derecho penal. p. 275; Reyes Echandía, La tipi-cidad, p. 147; Baumann, Derecho penal, p. 86; Sauer, De-recho penal, p. 114; Correia, Direito criminal, v. I, p. 307;Balestra, Derecho penal – lntroducción e parte generale, p.239; von Beling, La doctrina del delito-tipo, p. 44) nãochega a um consenso sobre a classificação dos tipos.Maurach, por exemplo, diz que “las distintas formas deconstituir el tipo son de número ilimitado” e “es evidenteque el mismo tipo puede ser clasificado atendiendo a dis-tintos puntos de vista” (Tratado, I, p. 275).

Expõe-se, a seguir, uma classificação, que não perten-ce a nenhum Autor, isoladamente; antes, constitui umamescla de variados pontos de vista. Não se pretendeu ino-var: foram referidas apenas as espécies de tipos que nospareceram mais importantes, como se segue:

4.1. Quanto à sua Estrutura

O tipo básico ou fundamental é aquele em que qual-quer lesão do bem jurídico basta por si só, para integrar ocrime (Jiménez Huerta. La tipicidad, p. 97). No quadro doscrimes contra a vida, é tipo básico o de homicídio, previstono art. 121. No dizer de Mezger, os tipos fundamentaisconstituem a espinha dorsal do sistema na Parte Especial(Libro de estudio, p. 392).

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Após descrever uma conduta fundamental (mataralguém, por exemplo), o Legislador acrescenta determina-das circunstâncias (à traição, de emboscada, por motivofútil) que modificam, para mais, os limites mínimo e máxi-mo de pena, cominada à figura típica fundamental. São ostipos qualificados.

Pode ocorrer também que à figura fundamental (dohomicídio, ainda) se acresça uma circunstância (motivo derelevância valor moral, como exemplo) que tem o poder dediminuir a pena: a hipótese fática se enquadra no art. 121,§ 1o, do Código Penal, onde se acha um exemplo de crimeprivilegiado. Do mesmo modo, o tipo previsto no art. 123(infanticídio) é privilegiado em relação ao tipo fundamental“matar alguém”.

4.2. Quanto à Ação

O Legislador pode formular tipos que possuem apenasum núcleo, ou apenas uma conduta expressa por um únicoverbo. São os tipos elementares, previstos, como exemplo,nos arts. 121 (matar) e 140 (injuriar).

Quanto ao tipo composto diz Reyes Echandía ser

“aquel que describe una pluralidadde conductas,cada una de las cuales podría integrar par si misma untipo autônomo, aunque referido al mismo bien jurídico,a varias espécies de un mismo comportamiento” (Latipicidad, p. 160).

Nos tipos compostos, distinguem-se os alternativose os cumulativos. Quando aos primeiros, observaJiménez de Asúa:

“Entendemos por tipo casuístico alternativo aquelen que las hipótesis enunciadas se prevén una o otra y

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son, en cuanto a su valor, totalmente fungibles, comaobserva Beling (Grundzüge, pág. 22). En esto estamosenteramente de acuerdo con la mayor parte de los auto-res que hablan de hipótesis alternativas, porque paraque la tipicidad exista basta con que se realice uno delos casos, a menudo formulados con un verbo cada uno,para que la subsunción se realice” (Tratado, III. p. 792).Destes, também fala Bettiol (Direito penal, v. I, p. 289).

Exemplos desses tipos encontramos nos arts. 122(induzir, instigar ou auxiliar), 160 (exigir ou receber) e 161(suprimir ou deslocar).

Nos tipos compostos cumulativos, onde igualmenteexiste mais de um núcleo, é necessário que o agente pratiquemais de uma conduta, para que se tenha o tipo por realizado.Assim, no art. 242: “ocultar recém-nascido [...] suprimindo;substituir o recém-nascido [...] alterando”; e, ainda, no art.243: “deixar em asilo [...] ocultando [...] ou atribuindo”.

Depois de afirmar que os tipos compostos cumulativossão menos freqüentes, ensina Jiménez de Asúa: “No seacumulan delitos en un mismo artículo, que es necesariocargar a la cuenta del mismo sujeto, sino que representantipos que necesitan acumular vários núcleos para consti-tuir la figura rectora” (Tratado, III, p. 795-796).

Sobre a terceira figura do caput do art. 242, anotaDelmanto: “Não basta para a tipificação a mera ocultação:é necessário que esta seja acompanhada da privação dosdireitos do recém-nascido, isto é, suprimindo ou alterandodireito inerente ao estado civil” (Ed. de 1980, p. 276). Detipos mistos cumulativos também falam von Beling(Esquema, p. 38) e Bettiol (Direito penal. Ed. Brasileira,1997, v. I, p. 289). Em nota lançada às páginas 289-290, osTradutores também falam em tipos mistos cumulativos, for-necendo, como exemplo, no direito brasileiro, os tipos dosarts. 137, 195, 231, 266, 269 e 274. Na Parte Geral de suas

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Lições, Fragoso (1980) não admite a existência dessestipos: “Isto não ocorre com os chamados tipos cumulativos.Esta designação é evidentemente imprópria; não há tiposcumulativos” (p. 162). No já citado volume correspondenteaos arts. 213 a 359, Fragoso (Parte Especial, 1981, v. II) diz,a propósito do art. 242: “Estamos diante de um tipo mistocumulativo” (p. 118). Referindo-se ao tipo do art. 202; “Otipo é, claramente, misto cumulativo” (Fragoso. Parte espe-cial, 1977, v. II, p. 258). Como se vê, não existe uma estradacerta por onde caminhava o penalista brasileiro.Dissentindo dele, continuamos achando que no caso do art.242 a terceira figura ali prevista (ocultação de recém-nasci-do) só se terá por realizada quando o agente ocultar esuprimir; na quarta figura, só se o agente substituir e alte-rar. O agente teve de praticar duas ações para a realizaçãode cada figura. A posição adotada conta com o aval deJiménez de Asúa. Só assentimos em que, no art. 242, porexemplo, há mais de uma figura típica, o que não impede,em absoluto, que ali possam existir, como efetivamenteexistem, tipos compostos cumulativos.

4.3. Quanto ao Bem Jurídico Tutelado

Reyes Echandía faz uma aguda observação ao tratardos tipos que ele chama de “lesão” e de perigo:

“Esta clasificación no permite concluir, comopudiera pensarse a primera vista, que existen tipospenales que describen conductas realmente lesivas deintereses jurídicos y otros referidos a comportamientosmás o menos cuya única característica sería la de supotencialidad para causar daño” (La tipicidad, p. 170).

Na verdade, todos os tipos são elaborados a partir doprincípio de que eles visam proteger determinados valores

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ou bens da vida. O Legislador não cria tipos sem uma fina-lidade específica; o que ocorre é que, às vezes, o tipo tute-la bens contra um dano consistente em sua destruição oudiminuição; outras vezes, protege-os especialmente doperigo que os ameaça.

Daí, os tipos de dano e os tipos de perigo. Para Carnelutti, o dano é precisamente “un modo de

ser del evento, por lo que a la voz daño corresponde lafrase evento dañoso; daño es aquel evento que consisteen la lesión de un interes” (Teoría general del delito.Trad. de Victor Conde. Madrid: Revista de DireitoPrivado, 1952, p. 191).

Costuma-se falar, na Doutrina pátria, que os tipos dedano são os que só se realizam com a efetiva lesão do bemtutelado, como acontece, por exemplo, nos tipos dos arts.121 e 129.

Há situações, porém, em que o Legislador como queantecipa a realização do tipo, e o dá por perfeito nomomento em que o bem ou interesse tutelado se encontraem uma condição objetiva de provável lesão. São os tiposde perigo, os quais, para se terem por realizados, não énecessário efeito dano ao bem jurídico, bastando a poten-cialidade do dano. Bruno (Direito penal, v. 2, p. 222) diz:“Nessa probabilidade de dano está a definição de perigo.É o dano potencial, de Carrara”. O antigo professor de Pisaescreveu de modo diferente: no § 96, do Programa, afirmaque o dano pode ser efetivo ou potencial. É potencial,quando há no resultado da ação a potência de acarretar aperda do bem jurídico. Acontece, porém, que a primeirafrase do parágrafo seguinte, o de no 97, é esta: “El dañopotencial es, pues, uma cosa distinta del peligro” -Carrara. Programa, v. I, p. 90).

Entre os tipos de perigo, podem ser citados os do art.130, caput (perigo de contágio venéreo), do art. 137 (rixa) edo art. 250 (incêndio).

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Para se distinguir se um tipo é de dano ou de perigo,deve-se considerar o instante em que, segundo a descriçãotípica, a conduta se torna perfeita.

4.4. Quanto à Unidade ou Pluralidade de Bens Tutelados

Carrara, tratando da classificação dos crimes, já afir-mava que “se llaman simples los que lesionan un solo dere-cho, y complejos los que violan más de un derecho”(Programa, § 52).

Ao lado desses, há os tipos complexos ou de condu-ta pluriofensiva, que protegem dois ou mais bens jurídi-cos. No art. 157, caput, por exemplo, o tipo está protegen-do o patrimônio, a integridade corporal e a liberdadeindividual.

Entre Autores estrangeiros, há discussão sobre se,para a existência do tipo complexo, é necessária a fusão dedois ou mais tipos simples, ou basta que a figura típica pro-teja dois ou mais interesses.

Diante do art. 101 do Código Penal, cessa qualquerdúvida: o tipo só será complexo se tiver, como elementosconstitutivos, fatos que por si mesmos constituem crimes.Nesse sentido, Hungria. Comentários..., 1955, v. I, t. 2, p.50; Fragoso. PG, 1976, p. 296. O tipo complexo, de queestamos tratando, é chamado por Antolisei de “complexoem sentido estrito” ou “composto” (p. 427-428). AfirmaJiménez Huerta: “No estimamos imprescindible para afir-mar la presencia de un tipo complejo, el que en él sefusionen dos tipos simples; lo que creemos decisivo parasu existencia conceptual es que se protejan contemporá-neamente dos o más bienes jurídicos” (Derecho penalmexicano, v. I, p. 179). O ensinamento do professor espa-nhol não se aplica ao Direito brasileiro, em face de nossarealidade legislativa.

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4.5. Quanto à Forma de Ação

Na maioria das figuras típicas, o comportamento proi-bido vem expresso em forma positiva: matar alguém, sub-trair para si ou para outrem, etc.; ao contrário, às vezes, oque é proibido é enunciado de maneira negativa: deixar deprestar assistência... etc. (art. 135).

No primeiro caso, o tipo é comissivo e se realiza com oagente fazendo alguma coisa proibida: matando ou sub-traindo. No segundo, o tipo é omissivo e consiste em oagente omitir o que a lei manda fazer: deixar de prestarassistência, etc.

Tendo o assunto sido tratado em outro lugar, nosreportamos aos tópicos sobre a ação e a omissão, na parterelativa à análise do tipo.

4.6. Quanto a seu Conteúdo

Nesta divisão, os tipos podem ser formais e de resul-tado.

Diz Bruno que crimes “formais são aqueles em quenão há pretender destacar do comportamento do sujeitoum resultado a ser tomado em consideração pelo Direito”(Direito penal, v. 2, p. 221).

Como o professor do Recife não admite crime semresultado, alega que, nos crimes formais, “para que a con-sumação se repute completa, não é preciso verificar-semais do que a simples ação ou omissão do sujeito. O resul-tado de dano ou de perigo prescinde de ser apurado” (op.cit., v.2, p. 222).

Na realidade, não é exatamente assim. Nos delitosformais, basta que o agente pratique a ação mencionadano tipo, e este estará realizado, independentemente dequalquer modificação do mundo exterior, que é o resulta-do. Não é que o resultado prescinda de ser apurado, como

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quer o Prof. Bruno; ele não pode ser apurado, pela razãode não existir.

Ensina Cunha Luna: “Há crimes de pura ação ou cri-mes sem resultado. A nosso ver, os crimes de ação identifi-cam-se com os crimes formais [...]. Crime formal é o crimede pura atividade.” (O resultado, p. 85). Para o Prof.Grispigni, “i reati formali perciò presentano questa caracte-rística, e cioè che mentre si richiede um dolo di evento offen-sivo, invece quale elemento materiale basta o una meracondotta, o un evento, senza però che questo sai di dano odi pericolo. Vale a dire che la caratteristica dei reati formalista nel rapporo tra l’elemento intenzionale e l’elementomateriale” (op. cit., p. 81). Diz Hungria que “nos crimesmateriais ou de dano (o Ministro não os distingue) é neces-sário à consumação a superveniência de efetiva lesão dobem jurídico tutelado. [...] Nos crimes formais, basta o even-tus periculi (relevante possibilidade de dano, dano poten-cial): A consumação antecede ou alheia-se ao eventusdamni (e por isso também se fala, aqui, em crimes de con-sumação antecipada)” (Comentários..., v. I, t. 2, p. 40-41).

Os tipos formais são também chamados de mera con-duta, ou de simples atividade. Já os enumeramos, quandotratamos do tópico “resultado”, na análise do tipo, ao qualfazemos remissão.

Os Autores alemães falam em Tatigkeitsdelikte, refe-rindo-se aos crimes de atividade; e Erfolgsdelikte, relativa-mente aos de resultado.

Os causalistas puros (como Mezger e Bruno) dizemque nos crimes de simples atividade o movimento corporal(atividade) e o resultado excepcionalmente se confundem.Explica-se: essa corrente doutrinária inclui o resultado noconceito de ação. Está claro que o presente trabalho afas-ta-se dos causalistas neste ponto, o que não importa ade-são à teoria da ação finalista.

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Capítulo 5 Ausência de Tipicidade

Como se sabe, a tipicidade é uma das característicasessenciais do fato punível. De modo que, em sua falta, nãohá falar em crime. Se a conduta do agente não logra reali-zar o tipo, nem se encaminha no sentido de realizá-lo (atosde tentativa), tal comportamento escapa ao domínio doDireito Penal.

Sempre que tal ocorrer, ou seja, sempre que o fato davida não se ajustar ao tipo, ou “molde legal”, há ausênciade tipicidade, ou atipicidade.

São múltiplas as hipóteses de ausência de tipicidade,como se seguem, de acordo com a generalidade dos Autores.

5.1. No Crime Putativo

Muitas vezes, o indivíduo age na errônea suposição deestar cometendo um crime, quando, na verdade, seu com-portamento é lícito, e também não se amolda a nenhumadescrição típica.

Trata-se de crime putativo, apenas imaginado peloagente, cuja conduta é irrelevante, escapa ao domíniojurídico-penal.

5.2. Nos Casos de Crime Impossível

Sem descer a detalhes que, naturalmente escapam aoobjetivo e à natureza deste trabalho, podemos dizer queem nosso Direito há duas situações em que a atuação doagente jamais pode chegar à realização do tipo: quando omeio empregado na execução for absolutamente inidôneo,ou quando faltar o objeto da proteção penal.

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Nestes dois casos, previstos no art.17 do Código, aconduta nunca poderá ser típica porque, no dizer de Bruno,“a atuação objetiva da vontade do agente toma, por erro,um caminho que não pode conduzir a essa realização”(Direito penal, v. 1, p. 338). No segundo volume desta obra(p. 212), Bruno diz que se faltar o objeto material dá-se umahipótese de crime impossível. Achamos não assistir razãoao professor. No surrado exemplo de práticas abortivas emmulher não grávida, o que falta é o objeto da proteção, ou,no caso, a vida. Tudo isso coerentemente com o que já dei-xamos consignado: no aborto (seja qual for), o objeto mate-rial é a gestante, e, não, o feto, em contrário da posição deFragoso. O Prof. Reale Júnior, examinando este trabalho,seguiu os passos de Bruno, ao dizer que, no crime impossí-vel, o que falta é o objeto material. Afastamo-nos dos consa-grados penalistas e trazemos à colação o Min Hungria: “Natentativa sobre objeto absolutamente impróprio, a atipici-dade penal é ainda mais evidente: inexiste o bem jurídicoque o agente supõe atacar” (Comentários..., v. 1, t. 2, p. 96).Portanto, mantemos o que se acha no texto: se faltar o obje-to da proteção penal, não há falar em tipicidade. Coerentecom essa posição, já deixamos consignado: o objeto jurídi-co, ou objeto da proteção, é elemento indispensável, repre-sentando ponto de partida na elaboração e interpretaçãodos tipos penais. Já o objeto material, ou objeto da ação,pode faltar, sem comprometer a tipicidade (nesse sentido:Fragoso, Mezger, Petrocelli, Battaglini e Jescheck).

5.3. Na Falta de Certos ElementosConstitutivos do Tipo

5.3.1. Ação

No tipo, a ação tem um valor fundamental e indispen-sável, pois ela é o próprio núcleo daquele. Se a ação do

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agente não corresponder àquela que o verbo típico, ou rei-tor representa, aquele tipo não se realiza, falhando a respec-tiva tipicidade, não obstante poder ser realizado outro tipo.

Se a conduta humana se aproxima, ou é “parecida”,com a ação descrita pelo verbo reitor, ainda assim o com-portamento é atípico.

5.3.2. Objeto Material

Como já dissemos atrás, o objeto material é a pessoa,ou a coisa, sobre a qual recai a ação. Faltando o objeto daação, não se pode realizar o tipo.

Se o agente, por exemplo, subtrai coisa móvel que lhepertence, ao invés de coisa móvel alheia, sua conduta nãoé típica, nos termos em que está redigido o art. 155 doCódigo Penal.

O Legislador brasileiro previu taxativamente a ausên-cia de tipicidade, por falta de objeto material, no art. 150, §5o. Depois de descrever o delito de violação de domicílio,esclarece que “não se compreendem na expressão ‘casa’:hospedaria, estalagem ou qualquer outra habitação coleti-va, enquanto aberta...”.

5.3.3. Elementos Normativos

Já dissemos que há elementos no tipo, chamados nor-mativos, que impõem ao juiz a necessidade de especialjuízo de valor sobre os mesmos. Sua compreensão não épronta, imediata.

O conceito de honestidade, por exemplo, referido noart. 219 do Código Penal, não pode ser captado de pronto,como ocorre com os elementos objetivos, ou puramentedescritivos. No tipo referido, faltando a honestidade namulher raptada, não há falar em realização típica.

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5.3.4. Elementos Subjetivos

A adequação típica pode falhar por ausência do ele-mento subjetivo. O agente subtrai a coisa alheia móvel,mas sem o fim (dolo específico) de tê-la para si ou paraoutrem: não realizou o tipo do art. 155 do Código Penal.

Jiménez de Asúa observa que sem o animus lucrandinão têm sentido os tipos de furto e de roubo (Tratado..., v. III,p. 817). Delmanto (Código Penal anotado, 1982), em anota-ções ao art. 155, do Código Penal, refere-se “à especial fina-lidade de agir (para si ou para outrem)”. E completa: “Naescola tradicional é o ‘dolo específico’ ” (p. 171). TambémFragoso: “esse fim de agir constitui elemento subjetivo dotipo (dolo específico)” (Parte especial, v. I, p. 275, grifonosso). O professor do Rio de Janeiro remete o leitor aonúmero 151 da “Parte Geral”, onde afirma que a denomina-ção “dolo específico” é imprópria. (PG, 1980, p. 178). Já dis-semos, alhures, que Fragoso ficou a dever uma explicação doporquê é impróprio dizer “dolo específico”. A afirmação, con-tida no texto, de que pode falhar a tipicidade por ausênciade elementos subjetivos não significa adesão ao entendi-mento de que o dolo está no tipo, como quer Maurach: “Laparte subjetiva del tipo está formada siempre por el dolo”(Tratado de derecho penal, p. 301), ou na ação, como querWelzel: “El dolo pertenece a la acción, porque distingue laestructura finalista de las acciones típicas dolosas, de laestructura solamente causal de producción de las accionestípicas culposas” (Derecho penal, p. 74). Ao contrário.Achamos que assiste razão a Jiménez de Asúa, quando afir-ma: “A parte de que el móvel no está fuera de la culpabili-dad, lo cierto es que el ánimo de lucro e el ánimo de apropia-ción tiene su esencia propia y nos es más que uno de los ele-mentos subjetivos de los injusto” (Tratado..., cit., v. III, cit., p.764). E também a Baumann: “El dolo como peculiar elemen-to da culpabilidad construye, juntamente con los demás ele-

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mentos normativos, el concepto normativo de la culpabili-dad” (Derecho penal - Conceptos fundamentales y sistema,p. 233). Sobre a posição do dolo na estrutura do crime, sãoesclarecedoras as observações de Bruno (Direito penal, v. 2,p. 59 et seq.). Sobre a inclusão do dolo no “injusto” (e, con-seqüentemente, no tipo), é severa a crítica de Mezger (Librode estudio, § 32, VII, p. 140-141). Falamos “e, conseqüente-mente, no tipo”, porque Mezger estuda a tipicidade dentroda antijuridicidade, como se vê no primeiro volume doTratado( § 21). Essa monografia foi escrita antes da reformada Parte Geral. Após a reforma, em 1984, a discussão sobrea “localização” do dolo cessou, em face do art. 20: se o agen-te erra sobre elemento constitutivo do tipo, o dolo fica excluí-do. Logo, o dolo está no tipo. Mantemos essa parte do textodesatualizada apenas para mostrar ao eventual leitor que oassunto era objeto de viva discussão doutrinária.

5.3.5. Sujeito Ativo

Em várias passagens do Código Penal, a lei exige,para a existência do crime, que o agente seja uma pessoadeterminada. Exemplo: o médico, no art. 302; o funcionáriocom fé pública, no art. 300; o funcionário público, em razãode seu ofício, no art. 301.

Se o agente não reúne os requisitos exigidos pela lei,dá-se uma ausência de tipicidade. Em outras palavras, só omédico, por exemplo, pode ter uma conduta que se ajustaao tipo do art. 302 do Código.

5.3.6. Sujeito Passivo

Falta também a tipicidade, quando há ausência dascondições ou qualidades requeridas no sujeito passivo.Assim, não se terá por realizado o tipo do crime de sedu-ção, se a mulher for maior de dezoito anos (dizemos “-

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mulher”, porque somente a mulher, de maneira restrita,pode ser sujeito passivo desse crime). No tipo do art. 230,por exemplo, terá de haver uma meretriz ou um homem queexerça a prostituição masculina.

5.3.7. Circunstância de Tempo ou de Lugar

Às vezes, o Legislador coloca uma circunstância detempo ou de lugar como elemento constitutivo do crime.Dessa forma, a mãe que matar o próprio filho em ocasiãoque não seja “durante o parto ou logo após” praticará umhomicídio, e, não, um infanticídio. Quer dizer que nãoestando presente a circunstância temporal “durante oparto ou logo após”, não se pode falar no tipo do art. 123.

Da mesma forma, o agente não conseguirá realizar o tipodo art. 257 se a sua atuação não se der por ocasião de incên-dio, inundação, naufrágio ou outro desastre ou calamidade.

Também a circunstância de lugar vem expressa emvários tipos: “território nacional”, nos arts. 231, 309, 310 e338; “publicamente”, nos arts. 286 e 287; “casa de jogo” e“casa de prostituição”, no art. 247; “lugar público” ou“acessível ao público”, no art. 234.

5.3.8. Modos de Execução

Em várias condutas típicas, a lei se refere a determina-dos modos de execução. Entre os mais comuns, encontram-se a fraude, a violência e a ameaça.

A fraude é o engodo, ou a esperteza, de que se serveo sujeito ativo ao praticar a ação. Ela aparece como moda-lidade de ação no estelionato, no favorecimento da prosti-tuição, na posse sexual mediante fraude, etc.

A violência é o desforço para quebrar a resistência dapessoa, ou da coisa. É referida em diversos tipos: no roubo,na extorsão, no estupro, etc.

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Uma forma de violência é a ameaça. É o caso da vis com-pulsiva, em que a pressão psicológica faz a pessoa ceder. Alei a prevê em várias figuras puníveis, sendo bastante encon-tradiça a expressão “mediante violência ou grave ameaça”.

Se a conduta do agente não estiver de acordo comreferidos modos de execução, falha a tipicidade.

5.3.9. Meio ou Instrumento

Instrumento é o recurso, ou meio, de que se vale oagente para a prática do crime. Exemplo: o gás tóxico ouasfixiante, no art. 252; o meio fraudulento, no art. 171; aexplosão, no art. 251.

No caso do art. 252, o agente terá de usar gás tóxicoou asfixiante; no art. 171, meio fraudulento; no art. 251,explosão; do contrário, não conseguirá realizar o tipo.

5.4. Princípio da Adequação Social

Considerável parte da Doutrina e da Jurisprudênciaentende que o fato socialmente adequado não pode ser típi-co. Isso é evidente, quando são conhecidos pelo menos doisprincípios que regem o processo de tipificação: a) só os fatossocialmente repelidos são tipificados; b) nem todos os fatossocialmente repelidos lesam ou põem em perigo bens mere-cedores da tutela penal, através de sua respectiva tipificação.

O princípio em questão é fruto de certo inconformismode Hans Welzel ao que ele chamou de “dogma causal”. Foiconcebido em artigo publicado em 1939, em que se dizia:“Ações socialmente adequadas são todas aquelas atividadesnas quais a vida em comunidade se desenvolve segundo aordem historicamente estabelecida. Viajar de trem é uma ati-vidade socialmente adequada; o conselho para fazer uma via-gem de trem é também uma ação socialmente adequada.Assim se responde de forma aceitável ao conhecido exemplo

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de se um sobrinho comete um delito quando convence a seutio, de quem é herdeiro, de realizar uma viagem com a finali-dade de que este morra em um choque de trem, e isto real-mente acontece. Este exemplo não condiz nem com a causa-lidade nem com o dolo, mas com o significado social da ação,que denominamos adequação social” (“Studien zum Systemsdes Strafrechts”, in ZStW 58, 1939, pp. 491 e ss.).

Claro que desse modo não poderia haver mesmo tipi-ficação, principalmente quando, na Alemanha, se falavaem “nacional-socialismo”, “sentimento popular”, etc. Nopróprio trabalho de 1939, Welzel dizia ficar fora do concei-to de “injusto” as ações socialmente adequadas. Como otipo descreve o injusto, segue-se a ausência de tipicidade.

Tendo recebido inúmeras críticas, os Autores (princi-palmente seus adeptos) passaram a falar em fases, porqueo professor ora falava em exclusão da tipicidade, ora emexclusão da ilicitude. Muitos críticos (inclusive Mezger)chegavam mesmo a afirmar a imprestabilidade da “teoria”,seja como excludente da tipicidade seja como justificativa.Por fim, até os discípulos de Welzel, como Hirsch, opinaramno sentido de que a adequação social já cumprira seu papele se tornara prescindível, no estado de desenvolvimentoem que se achava a dogmática penal.

Na última edição de seu Tratado, a 11a, em 1969, Welzel“retornou” sua idéia para o âmbito do tipo, dizendo que oscomportamentos socialmente adequados não constituemhomicídios, lesões, etc. Mas já agora acrescentava que elase presta mais a interpretar o sentido dos tipos penais.

5.5. Princípio da Insignificância

Nossa Disciplina não foi concebida para solver peque-nos incidentes do cotidiano, como a situação de um moto-rista habilitada e prudente que, manobrando o carro emlocal de difícil estacionamento, esbarra, por acidente, na

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perna de uma pessoa, causando uma lesão insignificante.Seria o caso de haver apenas a obrigação de natureza civil.Ao contrário, chama-se um agente policial e observa-se umaparato tão burocratizado quanto ridículo, envolvendoautoridade policial, médico, promotor, juiz, cartórios, inti-mações, audiências, sentença, recurso, etc.

Isso desmoraliza e desqualifica o Direito penal, cujaexistência só se justifica para resolver situações em queoutros setores do ordenamento jurídico foram insuficientes.Infelizmente, a realidade mostra que há intervenção penalquando um menino de rua subtrai uma moeda, e nada sefaz quando os cofres públicos são tomados de assalto.

O sistema penal só deve intervir em último caso. Apena criminal, como a mais grave de todas as sanções jurí-dicas, não pode ser manejada senão nos casos de extremanecessidade. O chamado direito penal “simbólico” ilude osmembros do corpo social e vulgariza a intervenção do apa-relho policial-judiciário, a ponto de se dizer que as “gran-des ilicitudes” se resolvem em luxuosos gabinetes, reser-vando-se ao Judiciário as “pequenas” e insignificantes. Épreciso que o quadro se reverta: o que for “pequeno” enca-minha-se ao Direito privado, para solução própria dessesetor do ordenamento jurídico, sem qualquer tipificaçãopenal, por falta de necessidade.

Nesse sentido é que inserimos o princípio da insignifi-cância no setor da ausência de tipicidade.

5.6. Risco Permitido

Há mais ou menos meio século, a teoria da imputa-ção objetiva voltou a ser considerada de maneira “elo-quente” pelos alemães; nessa “nova” fase despontaramos professores Roxin, de Munique, e Jakobs, de Bonn,com seus respectivos alunos. Com a presença em massade espanhóis, portugueses, colombianos, argentinos, etc,

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a doutrina espalhou-se, chegando até nós, com o costu-meiro atraso de quarenta anos. Sobre o item “risco permi-tido” e variações escreveram-se centenas de artigos,teses, conferências e dissertações, incluindo-se os tópi-cos de manuais.

Em uma palavra, risco permitido é aquele não proi-bido. Certos Autores (não há diferença por nacionalida-des, porque, no fundo, tudo se resume aos textos ale-mães) lançam mão do critério da infração ao dever obje-tivo de cuidado, para determinar quais ações perigosasnão estão cobertas pelo risco permitido. É o mais antigoe tradicionalmente utilizado na definição da ilicitude doscrimes culposos, mas parece ser o mais usado na práticados tribunais.

Sempre que a conduta é prudente nas situações derisco, e, ainda assim, advém o resultado, este tem de serlevado à conta do fortuito, ou do “infelicitas facti”. Omotorista prudente e observando as regras de trânsitoatropela e mata um transeunte afoito e descuidado é cau-sador de uma morte, mas não no sentido descrito no códi-go penal. Os alemães escrevem, com razão, que o risco éinerente à vida moderna. As viagens aéreas, as corridasde automóvel e a exploração de minas de carvão mineralprofundas são atividades perigosas, mas aceitas e esti-muladas por nossa época. As regras atinentes a cadauma delas é que devem ser observadas. Do contrário, avida teria de parar.

Nessas situações de risco permitido, em que não sepode falar de tipicidade, é evidente que estamos nos refe-rindo a uma ação realizada de acordo com o cuidado obje-tivamente devido, cuja meta ou finalidade não é a lesão ouperigo para o bem jurídico; ao contrário, é ação permitida,embora o perigo fosse previsível. No prosseguimento dotema, haveríamos de entrar no curso causal e em outrosassuntos estranhos à nossa monografia.

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5.7. Algumas Situações de Erro

Em nosso Direito vigente já não se discute que o doloesteja no tipo. O art. 20 do CP estabelece: “O erro sobre ele-mento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo, maspermite a punição por crime culposo, se previsto em lei”.Erro é o conhecimento em desacordo com a realidade, é afalsa suposição. Juridicamente se equivale à ignorância,que é a ausência de conhecimento sobre alguma coisa.

Fala-se em erro evitável e inevitável. É evitável se apessoa, empregando as cautelas habituais e exigíveis, nelenão incidiria. Mesmo quando se observam tais cautelas oerro acontece, é chamado inevitável ou invencível. Noconhecido exemplo do caçador, o erro é considerado evitá-vel se uma pessoa prudente e cautelosa não atirasse nocompanheiro, tomando-o pela caça. Inevitável é o erro quequalquer pessoa prudente e zelosa cometeria.Qualquer umconfundiria a caça com o companheiro.

O erro de tipo, se evitável, exclui o dolo, abrindo a pos-sibilidade de o agente ser responsabilizado a título deculpa, se houver a previsão legislativa. Se inevitável, dolo eculpa são excluídos.

Sendo o dolo e a culpa elementos do tipo, resulta claroque em sua falta o fato não será típico. Se o erro for inevitá-vel, falharão a tipicidade dolosa e culposa. Se evitável, ape-nas a tipicidade culposa.

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Conclusão

1. A elaboração do tipo é precedida de um juízo devalor; a lei do Estado só tutela o que já foi objeto devaloração.

2. Bem jurídico não se confunde com direito subje-tivo.0

3. Nem todos os valores, bens e interesses são obje-to da proteção penal.0

4. ob o aspecto de tutela penal, coincidem os concei-tos de valor, interesse e bem.00

5. A presença de elementos normativos no tipoenfraquece a função garantia. 0

6. As condutas descritas pelo tipo permitem ao cida-dão orientar-se no sentido de conhecer o que édesaprovado ou não.0

7. A principal função do tipo é a garantia: ao ladodele e fora dele não há conduta punível.0

8. Não há crime sem ação ou omissão.9. A omissão tem caráter normativo: só tem relevân-

cia em relação a uma exigência.10. O resultado é uma modificação do mundo exterior,

relevante para o Direito Penal.11. O resultado não pertence à ação: quando existe,

integra o tipo.12. Existem crimes sem resultado naturalístico.13. O Código acolheu a concepção normativa do

resultado.14. Não há causalidade nos crimes omissivos puros, a

não ser que resulte lesão corporal ou morte; nosomissivos impróprios, há causalidade.

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15. A pessoa jurídica pode ser sujeito passivo decrime; não pode, porém, ser objeto material nemsujeito ativo.

16. Existem crimes sem objeto material.17. Não há crime sem tipicidade.

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