Dm - Cartografia de Professoras Migrantes - Versao Final

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    Universidade do Estado do ParPr-Reitoria de Pesquisa e Ps-GraduaoCentro de Cincias Sociais e EducaoPrograma de Ps-Graduao em Educao

    Ilca Pena Baia Sarraf

    CARTOGRAFIA DE PROFESSORAS MIGRANTES:

    Formao Docente na Construo de Identidades

    Belm2015

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    Ilca Pena Baia Sarraf

    CARTOGRAFIA DE PROFESSORAS MIGRANTES:

    Formao Docente na Construo de Identidades

    Dissertao apresentada aoPrograma de Ps-Graduao emEducao Mestrado daUniversidade do Estado do Parcomo requisito parcial paraobteno do ttulo de Mestre emEducao.

    Linha de Pesquisa: Formao deProfessores e PrticasPedaggicas.Orientao: Prof. Dr. Albne LisMonteiro.

    Belm2015

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    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)Biblioteca do Mestrado em Educao-UEPA, Belm-PA

    _________________________________________________________________

    R698e Baia Sarraf, Ilca Pena

    Cartografia de Professoras Migrantes: formao docente na construode identidades / Ilca Pena Baia Sarraf. Belm, 2015.

    271 f.; 30 cm

    Dissertao (Mestrado)Universidade do Estado do Par, Belm, 2015.Orientadora: Albne Lis Monteiro

    1. Professoras Migrantes. 2. Formao Docente. 3. (Re)construo deIdentidades. I. Monteiro, Albne Lis. II. Ttulo

    CDD. 21 ed. 374_________________________________________________________________

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    Ilca Pena Baia Sarraf

    CARTOGRAFIA DE PROFESSORAS MIGRANTES:

    Formao Docente na Construo de Identidades

    Data de Aprovao: ___/____/2015.

    Banca Examinadora

    ___________________________________Orientadora

    Prof. Dr. Albne Lis MonteiroDoutora em EducaoPontifcia Universidade Catlica de So PauloUniversidade do Estado do Par

    ___________________________________Membro externoProf. Dr. Elizeu Clementino de SouzaDoutor em EducaoUniversidade Federal da BahiaUniversidade do Estado da Bahia

    ___________________________________Membro externoProf. Dr. Snia Maria da Silva Arajo

    Doutora em EducaoUniversidade de So PauloUniversidade Federal do Par

    ___________________________________Membro internoProf. Dr. Emmanuel Ribeiro CunhaDoutor em EducaoUniversidade Federal do Rio Grande do NorteUniversidade do Estado do Par

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    O FLORESCER DA EDUCAO MELGACENSE

    O migrar pra construir identidadesCreio no ser tarefas das mais fceis

    E, no entanto, em busca da felicidade,Muitos se tem lanado ao desenlace

    De partir para terras to distantesLevando quase nada nas bagagensMas vou falar aqui de comandantes

    Que se arriscaram por essas paragens

    Trazendo o perfume - pois so flores -E a delicadeza - so mulheres -

    E um sonho intenso de revoluo...

    Ento Melgao - antes nunca vista -Finalmente floresce e ento conquista

    Seu lugar no mapa da Educao!

    E aqui - presto - em tom de prefcioCom minh'alma jubilosa, cativa,Homenagem a 5 flores, 5 divas

    Sem as quais no se explica Melgao:

    Flor Morena

    Bela e cheirosa a buscar um jardimOnde possa esparzir seu perfume

    Chega Melgao - pacata e sem lume -A Flor Morena de Marapanim...

    Aqui, a sociedade de alheio costume,Se mostra arredia a quem chega assim

    De malas e cuias e afinca, por fim,Seus ps na cidade causando cime...

    Traz, porm, na bagagem algo novo:A semente do sonho de leitura

    H anos acalentada pelo povo...

    E essa flor que nasceu em Marud, hoje, um cone da nossa cultura -

    Raimunda Wilma Corra Vilar!

    Flor de lfazema

    Feliz em poder respirar outros aresSer mote de versos pra um novo poema

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    Toda perfumosa a Flor de AlfazemaChega Melgao vinda de Colares...

    A mesma estranheza, os mesmos falares,

    E o povo inteiro repete o dilema:Quem chega assim s pode ter problemaE ento alvo de conversas e olhares.

    Todavia, ela s veio pra somarConcretizando o desejo, o ideal

    Do povo que, enfim, pde sonhar...

    Qual o sangue que corre pela veiaTua ajuda nos foi mais que essencial...

    Graas, flor, Maria Dilma Corra!

    Flor de Gardnia

    De Colares tambm veio outra florPra juntar-se s que j esto aqui

    E num s objetivo prosseguir:Educar o povo com f e amor.

    Se o olhar primeiro da comunidade de receio ou de desconfiana

    No percamos, por isso, a esperanaDe erguermos o pilar da liberdade.

    E ela chega contente e bem faceiraE nos traz um conceito, na algibeira,Que impede que o povo se abstenha

    De pensar em sua prpria trajetria.E com ela aprendemos o que Histria:

    Rosiete Correa Siqueira, Flor de Gardnia!

    Flor de ccia

    Atravessando a rea fronteiriaQue separa Breves de Melgao

    Chega outra flor (entre riso e abrao)E se entrega difcil lia

    De educar. (E bom fazer justiaAo olhar do povo com embarao

    Que diz: No vamos dividir o espaoQue nosso com gente no castia...

    Porque um povo leigo) preciso

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    Educar este povo com bom siso!...... E fizeste a tarefa com eficcia!

    Poucos se doam assim como te entregas

    Jurema do Socorro Pacheco ViegasNossa inebriante Flor de Accia!

    Flor de Lis

    De Igarap-Au sai Flor de LisBuscando algo novo, desconhecido,Mas trazia, no corao, adormecido,

    O desejo de viver muito feliz...

    No obstante o olhar desconfiadoQue lhe lanaram logo ao chegar

    Ela mostrou que veio pra ficarE neste solo deixou o seu legado

    Em prol de uma rica aprendizagemQue um dia nossa gente ideou

    De cantar Ptria Amada! Salve! Salve!

    E, por isso, prestamos nossa homenagem flor ltima que em nosso jardim brotou

    Maria de Ftima Rodrigues Alves!Lo Frederico de Las Vegas

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    DEDICATRIA

    Existem pessoas que chegam em nossas vidas para

    trazer luz e ajudar a trilharmos novos mundos, sonhos e

    conquistas. Elas so seres especiais que foram escolhidas,

    penso, por Deus, para ajudar outras vidas a acender-se em

    brilho prprio. Eu ganhei uma pessoa especial em minha

    vida e a ela que dedico esta dissertao.

    Agenor Sarraf Pacheco seu nome. Ser de

    energia, luz que me acompanha por todo os meus percursos

    acadmicos; meu equilbrio nos momentos de tenso,orientador de dvidas e incertezas; leitor crtico de profunda

    exigncia, que puxa por mim, mesmo quando desejo

    desistir; principal incentivador de minha liberdade

    acadmica, profissional e pessoal.

    Volto-me, ento, para voc. s meu eterno

    companheiro, planejaste e realizamos tudo o que precisei

    para a pesquisa e a escrita; dividiste teu exguo tempo eespao de descanso para as partilhas de emoes, dramas

    e limites que vivi nesse percurso.

    Por TUDO que fizeste e faz por mim e pelos seus

    outros....e so tantos; pela educao de Melgao, este

    campo que doaste parte da tua existncia para ver florir.

    Compartilho, ento, contigo esta conquista, que nunca foi

    individual, pois desde seu comeo fez-se em teias depolifnicas vozes e histrias. A voc minha admirao e meu

    querer bem... sempre!

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    AGRADECIMENTOS

    Cumprir essa etapa de minha vida acadmica trazer comigo uma corda

    de seres especiais que foram singulares nessa viagem, sem eles jamais poderia

    estar congratulando to importante conquista. Aqui todas as palavras so poucas

    para expressar meu sentimento de MUITO OBRIGADA por tudo que fizeram por

    mim e pelos meus filhos durante a estada nesse percurso.

    Me considero uma pessoa especial aos olhos de Deus e de Maria

    Santssima, por estarem sempre presentes em minha vida, creio que sem a

    permisso e a graa deles seria um percurso solitrio e triste. A esses seres

    divinos meu eterno louvor!Cuidadosamente, fui puxando a corda para trazer as pessoas que foram

    significativas nessa construo e que, inesperadamente, surpreenderam-me com

    suas motivaes, orientaes ou fazendo a diferena naquilo que podiam para

    reservar a mim tempo ao estudo e pesquisa.

    Aos meus pais Raimundo Soares Baia e Luiza Pena Baia por

    estarem comigo em todos os percursos da vida, no importa o tempo nem o

    espao que eu esteja, a orientao sempre afetuosa, cuidadosa, amvel, cheiade f e bons princpios. Segura de vossas presenas, a viagem realizada seguiu

    caminhos menos turbulentos. A vocs todo meu amor e gratido!

    Aos amores que transcendem a minha vida Ariel Irley, caro Arleye

    Ana sis falar do quanto vocs foram importantes nesse percurso e so

    importantes em minha vida perder o trato com as palavras, porque um

    sentimento que no se resume nesses cdigos culturais, mas nas relaes,

    sentimentos expressos em atitudes de carinho e alegria que vivemos a cadamomento. A vocs meu eterno agradecimento pelas (in)compreenses de minha

    ausncia nos momentos do querer me.

    Aos meus amados irmosHlio, Hli, Hlica, Hrica, Heli e Hliton

    por serem parte de mim e estarem dispostos a guiar o barco ou ficarem nos

    portos de minhas chegadas para ajudarem a amarrar os meus desejos e sonhos.

    Agradeo pelas alegrias compartilhadas e pelo apoio recebido.

    No campo intelectual, Albne Lis Monteiro, minha orientadora, foi anjo

    de sabedoria que assumiu o papel de me acadmica. Os laos de compromisso

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    com a pesquisa foram se tramando desde a proposta inicial, os quais alcanaram

    a dimenso afetiva pessoal. Seu modo de ser est fotografado em minha

    memria. Orientou, exigiu, mas sempre permitiu que eu fizesse os voos

    desejados. Garantiu autonomia para ir ao encontro das histrias de vida das

    professoras migrantes; abriu seu aposento, deixou-me desvendar sua biblioteca e

    emprestou seus livros. Esses gestos so extremamente significativos para mim,

    pois me senti acolhida e segura para o embarque. A voc, minha admirao pela

    humildade intelectual e meu muito OBRIGADA por realizar comigo essa viagem.

    Aos professores do Programa de Mestrado em Educao da UEPA,

    principalmente, aqueles que estiveram conosco ministrando disciplinas: Ivanilde

    Apoluceno, Albne Lis, Maria das Graas, Maria Betnia, Josefa Tvora,Socorro Cardoso e Marta Gen. A contribuio de cada uma foi instigante para

    questionar, rever, duvidar e amadurecer academicamente. OBRIGADA!

    A dissertao no seria possvel sem as principais vozes das professoras

    migrantes Wilma Vilar, Maria Dilma, Rosiete Siqueira, Jurema Pacheco e

    Ftima Rodrigues. Minha gratido pela oportunidade concedida para registrar

    suas histrias de vida em Melgao, focalizando a experincia migratria, a

    formao docente e a (re)construo das identidades. A colaborao de vocs foiprimordial para que a cartografia de suas histrias pudesse ser tecida.

    Aos professores examinadores, Elizeu Clementino de Souza e

    Emmanuel Ribeiro Cunha, pelas valiosas contribuies no texto de qualificao.

    Tomei as sugestes como bssolas para nortear a escrita final dessa viagem. Ao

    professor Elizeu, sou grata pelas indicaes de leitura e pelos muitos escritos que

    atravessam minha formao.

    Universidade do Estado do Par(UEPA), Fundao Amaznia deAmparo a Estudos e Pesquisas do Par (FAPESPA), Secretaria de

    educao do Estado(SEDUC) e Prefeitura Municipal de Melgaopor terem

    confiado e garantido a mim o direito pesquisa e formao. Sou grata pelo

    apoio e financiamento concedido pela Fapespa.

    Aos meus colegas de turma, agradeo pela bonita amizade que

    construmos. Nunca esquecerei que foram muitos os risos partilhados, assim

    como as tenses divididas, conversas socializadas e comidinhas para garantir um

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    tempo a mais aos assuntos extra academia. Viver o mestrado com vocs foi

    ressignificar a minha vida. VALEUZO!

    amiga Isabel Rodrigues, por todo apoio, dicas e palavras de estmulo

    para vencer o desafio de entrar no to concorrido mestrado da UEPA; querida

    Francinete Lima, minha migamana, pelo forte lao de amizade, cuidados,

    orientaes msticas e dias de estudos da lngua inglesa; amiga sempre

    presente Marlene Gomes, pela generosidade de estar comigo nos momentos que

    precisei, seja para fazer compras ou tomar um caf em fim de tarde e a Regilene

    Araujo eRoselina Alves, duas pessoas especiais que estiveram comigo neste

    percurso, cuidando de mim, de minha famlia e, inmeras vezes, assumiram o

    meu papel para cuidar da minha caula, a grande menina Ana sis.Ao poeta melgacense, Lo Frederico de Las Vegas, um dos

    pseudnimos de Jaime Adilton Marques de Arajo, por atender meu pedido em

    homenagear as professoras migrantes com a belssima, contextualizada e

    sensvel poesia O florescer da educao melgancense.

    Sou eternamente grata por enlaar-me nessa consistente corda, formada

    por seres que me permitiram viver o tempo do mestrado. Com a ajuda e o apoio

    de vocs, tudo tornou-se possvel de realizao. Durante esses dois anos (2013-2015), minha vida se expandiu, ganhei novos olhares e consegui vencer o medo

    de me mostrar. Ao mesmo tempo, tive maior conscincia de que meus limites no

    so motivos para no seguir novas rotas de navegao.

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    ABSTRACT

    BAIA SARRAF, Ilca Pena.Migrant Teachers Cartography: teaching formation inthe construction of identities. 271 p. Dissertation (Master in Education) State

    University of Par, Belm-PA, 2015.

    In this research I cartographer the trajectories of migrant teachers, RaimundaWilma Correa Vilar Brasil, Maria Dilma Correa, Rosiete Corra Siqueira, Juremado Socorro Pacheco Viegas and Maria de Fatima Rodrigues Alves, originatedfrom different places of Par like Marapanim, Colares, Igarap-Au and Breves.Excepting Jurema that did not experienced the life in Belm, all moved up in theearly 1980 decade to Melgao, Forest Maraj-PA, and have contributed to thebuild of the municipal educations history. The compass of research guided me tounderstand how migrants teachers built personal and professional trajectory inrelations between each ohther, with students and the community in general to the

    (re)construction of their identities? Seeking to course this way, I listed as guidingquestions: What reasons led them to migrate to Melgao in the early years of the1980 decade? With what academic formation they have began the teachingprofession and how they have trod the ways of continuous education? In thetessiture of this research map, I have traced a theoretical and methodological waythat searched for interrelate the Cartography with Life Histories and looked at theComprehensive-Interpretative Analysis uncover and seize, at the narratedmemories, pathways and life experiences shared by the migrant teachers. At theresearchs itineraries, I leaned over the thematic axis - local history, migration,teacher formation and (re)construction of identities to analyze the reasons ofmigration; practices of life experiences established by the teachers amongthemselves, students and the community in general over the past 30 years, andformation process that contributed to construction/reconstruction of their identities.Among the discovers, I explicit that the migrant experience made part of the lifehistory of all commanders. They lived in other dwellings, changed the childhoodtime for housework, lived the strangeness, the difficulties and overshoots. InMelgao, they were involved in different educational, cultural and political spaces;they have guaranteed formation and professional stability; gained respect andprestige by the struggles promoted in defense of education and human rights; builtfamily, structured the financial life and created affection webs with the municipalityand its residents. Therefore, I mark that the history of the migrant teachers

    produced countless relationships and involvement with the place. They affectedand were affected, allowed new reflections to themselves, of the profession and ofthe life in the city and contributed to the (re)construction of their personal andprofessional identities.

    Keywords: Migrant Teachers; Teaching Formation; Identities (Re)construction.

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    LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

    BAND Rede Bandeirantes (Grupo Bandeirantes de Comunicao)

    CAPES Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal do Nvel Superior

    CEBs Comunidades Eclesiais de Bases

    CTRH Coordenadoria de Treinamento e Recursos Humanos

    DEPOL Delegacia de Polcia

    DST Doenas Sexualmente Transmissveis

    IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica

    IDHM ndice de Desenvolvimento Humano dos Municpios

    IEP Instituto de Educao do Estado do ParINSS Instituto Nacional do Seguro Social

    LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional

    MEC Ministrio da Educao

    NEPRE Ncleo de Estudos e Pesquisas sobre Relaes Raciais e Educao

    ONU Organizao das Naes Unidas

    PARFOR Plano Nacional de Formao de Professores

    PECPROF Programa de Formao Continuada de Professores

    PNUD Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento

    PREPES Programa de Ps-Graduao Lato-Sensu

    PUC-MG Pontifcia Universidade Catlica de Minas Gerais

    PUC-SP Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo

    SEDUC-PA Secretaria de Estado de Educao do Par

    SEMED Secretaria Municipal de Educao

    SOME Sistema de Organizao Modular de Ensino

    SOPs Seminrio de Oficinas PedaggicasUEPA Universidade do Estado do Par

    UFMS Universidade Federal de Mato Grosso do Sul

    UFMT Universidade Federal de Mato Grosso

    UFPA Universidade Federal do Par

    UNAMA Universidade da Amaznia

    UNIVERSO Universidade Salgado de Oliveira

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    SUMRIO

    EM RIOS DA PESQUISA:Embarque

    Esboo das Rotas da Viagem 18Mapas de Navegao 21Exposio dos Percursos 30

    PRIMEIRO PERCURSOCARTOGRAFIA DO LUGAR: Lembranas & Histrias 321.1. Primeiras Palavras 331.2. (Re)apresentando Melgao 361.3. Entre Vrzea e Terra Firme 461.4. No Leme: as comandantes professoras 581.5. Olhares Vista: as professoras narram a cidade 65

    SEGUNDO PERCURSOLONGE DA ROCHA-ME: Migrao & Educao 792.1. Primeiras Palavras 802.2. Tempos de Migrao 842.3. Razes da Partida: esperanas flor da pele 892.4. Memrias da Terra Hospedeira: encontros e sentidos 1022.5. (Des)encontros e Sociabilidades 1162.6. Rizomas do Retorno 128

    TERCEIRO PERCURSOTRAMAS NA FORMAO DE PROFESSORES 1423.1. Primeiras Palavras 1433.2. Escolha pela Docncia e Significados da Profisso 1463.3. Nos Trnsitos da Formao 1593.4. Mltiplas Teias na Vida das Comandantes 173

    QUARTO PERCURSOENTRE O PESSOAL E O PROFISSIONAL: (re)construo deidentidades

    189

    4.1. Primeiras Palavras 190

    4.2. Autoidentificao e interpretao de si 1944.3. Afetos e desejos: outros vnculos identitrios 2094.4. (Re)construo de Identidades em novos espaos 224

    REMEMORAES DA VIAGEMDesembarque

    246

    MARINHEIROS DA VIAGEM 254

    APNDICES 266

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    EM RIOS DA PESQUISA:Embarque

    O poro [...] ele em primeiro lugar o serobscuro da casa, o ser que participa daspotncias subterrneas [...] no poro, aracionalizao menos rpida e menosclara; no nunca definitiva

    (BACHELARD, 1978, p. 209).

    Mas quem disse que a cartografia s poderepresentar fronteiras e no construirimagens das relaes e dosentrelaamentos, dos caminhos em fuga edos labirintos? [...] nossos mapascognitivos chegam hoje a outra figura, a doarquiplago, pois, desprovido de fronteiraque o una, o continente se desagrega emilhas mltiplas e diversas que se

    interconectam (MARTN-BARBERO, 2004,pp. 12-3).

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    Esboo das Rotas da Viagem

    Inspirada em Bachelard (1978), ao explorar a metfora do poro como

    lugar do desconhecido, imprevisvel, mas tambm do encontro com as razescapazes de explicar o nascimento e a trilha da experincia humana, ajuda-me a

    pensar caminhos para cartografar1Histrias de Vida e Construo de Identidades

    na Formao Docente de Raimunda Wilma Corra Vilar Brasil, Maria Dilma

    Corra, Rosiete Corra Siqueira, Jurema do Socorro Pacheco Viegas e Maria de

    Ftima Rodrigues Alves, mulheres que se fizeram professoras em territrio no-

    familiar.

    Sarraf-Pacheco (2004; 2006), em trabalho de campo para o mestrado emHistria Social na Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo (PUC-SP),

    entrevistou Wilma, Rosiete e Jurema. Apesar do significativo material coletado, o

    historiador explorou apenas algumas passagens do depoimento de Rosiete,

    quando discutiu o fazer-se da educao em Melgao. Por saber de meu interesse

    em investigar a histria de vida das cinco professoras, gentilmente cedeu o

    material das trs narrativas transcritas e digitadas. Dez anos depois (2003/4-

    2013/4), reproduzi cpias e entreguei s docentes para fazerem leitura e, se

    considerassem necessrias, possveis alteraes. Examinadas as memrias

    escritas, recebi autorizao para us-las na pesquisa. Da em diante, mergulhei

    em novas prticas de escuta e dilogo com as professoras migrantes.

    A ida ao poro possibilitou embarcar em memrias dessas professoras

    que se fizeram ou adensaram a experincia docente em Melgao, no Maraj das

    Florestas2. Pelos caminhos sugeridos por Martn-Barbero (2004) em torno do

    desafio de navegar sem rotas traadas a priori, mas como rios abertos a

    diferentes igaraps, afirmo que conhecer sonhos, projetos de vida, decepes,

    lutas e conquistas vivenciadas pelas professoras migrantes na formao

    profissional e (re)construo de suas identidades fez parte dos desejos da

    1Mais frente discutiremos melhor o papel da cartografia na construo da pesquisa.2O termo foi cunhado por Sarraf-Pacheco (2006) para ampliar o sentido convencional de Ilha deMaraj, objetivando realar diferenas e semelhanas na constituio geo-histrica esocioculturais dos diferentes municpios. Para o estudioso, o imenso arquiplago de Maraj possuiduas regies distintas e relacionais: o Maraj das Florestas, conformado por 09 (nove) municpios

    Afu, Gurup, Anajs, Breves, Melgao, Portel, Bagre, Curralinho e So Sebastio da Boa Vista e o Maraj dos Campos, constitudo por 07 (sete) municpios Chaves, Soure, Salvaterra,Cachoeira do Arari, Santa Cruz do Arari, Muan e Ponta de Pedras.

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    pesquisadora desta investigao. Em outras palavras, a cartografia, inicialmente,

    percorreu trilhas pela cidade de Melgao, desvendando traos de sua histria e

    olhares em torno das vivncias locais. Em seguida, dialogou com valores,

    sentimentos, conflitos e negociaes que as professoras alinhavaram com o lugar

    e seus moradores.

    O percurso para seguir a carta nutica dessa viagem, partiu do seguinte

    problema: Como as professoras migrantes construram sua trajetria pessoal e

    profissional nas relaes entre si, com alunos e comunidade em geral para a

    construo de identidades a partir de 1980 em Melgao? Ao visar percorrer esse

    caminho, elenquei como questes norteadoras: Que razes levaram as

    professoras a migrarem para o municpio de Melgao nos primeiros anos dadcada de 1980? Com que formao acadmica iniciaram a profisso docente em

    Melgao e de que modo trilharam os caminhos da formao continuada?

    Na tentativa de responder a problemtica e as questes norteadoras, o

    desafio de rememorao, sob a regncia das histrias de vida, levou-as ao

    encontro com dimenses do passado vivido dinamicamente. Com isso, trouxeram

    tona um passado luz de inquietaes e avaliaes do presente, criando ou

    projetando perspectivas para o futuro. Como pensa Alarco (2004, p. 09),

    a narrao das histrias de vida permite remexer o passado,reorden-lo, contextualiz-lo no tempo, no espao e no contextode cada indivduo, entretece-lo na teia da histria a histria deuma pessoae compreend-la na sua natureza multifacetada.

    Com a pesquisadora no foi diferente, viver com as professoras a

    experincia da pesquisa, os momentos de rememorao tambm afloram em ns

    muitas lembranas compartilhadas. Nossas histrias, em certas situaes, foram

    bem parecidas. Vivemos muitas experincias, fui aluna e colega de trabalho, o

    que possibilitou um forte lao de amizade, carinho e respeito.

    Dessa rememorao trago a lembrana que depois de completar o Ensino

    Fundamental e o Curso de Magistrio pelo Sistema de Organizao Modular de

    Ensino (SOME), fui aprovada no vestibular da Universidade Federal do Par

    (UFPA) para o Curso de Licenciatura Plena em Pedagogia. Ao longo do curso,

    apaixonei-me pela temtica da formao de professores. Sempre que foi possvel,

    procurei adquirir e ler trabalhos desta rea. Belmira Oliveira Bueno et al. (1998),

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    ria Brzenski (2000), Selma Garrido (2002), Raquel Barbosa (2003) foram

    algumas das intelectuais deste campo de estudo com quem interagi,

    especialmente a partir dos ltimos anos do curso de Pedagogia.

    Envolvi-me nas leituras e fui incentivada por alguns professores a

    mergulhar no campo metodolgico da Histria Oral, quando desenvolvi a

    monografia de concluso de curso Professores, Pais e Ex-Alunos: memrias e

    experincias do Magistrio em Melgao (1990-2001). Aps a concluso deste

    estudo, constatei que se o trabalho revelou a luta do municpio pela implantao

    do Ensino Normal, valorizando as vozes de diferentes sujeitos que construram

    aquele importante captulo da histria da educao da cidade, outras histrias de

    vida e formao docente ainda estavam por serem desvendadas.A despeito disso, todos os ex-alunos do Magistrio como eu, e,

    atualmente, professores da Educao Bsica, tiveram parte de sua formao

    docente costurada com a ajuda de outras agentes sociais que no foram foco de

    preocupao desta primeira pesquisa. Falo, portanto, das professoras migrantes.

    Foi com a aprovao em 2013 no Mestrado em Educao da

    Universidade do Estado do Par (UEPA) que decidi fazer o embarque e seguir o

    percurso nas histrias de vida daquelas professoras. Por se tratar de um espaode pesquisa conformado por rios, florestas, terras firmes e vrzeas, o prprio

    ambiente faz pensar na mobilidade e desafios que envolvem o ato de escavar

    memrias deitadas ou fertilizadas pelo movimento das guas marajoaras.

    Neste percurso, muitos desafios e emoes vivi. Diante da experincia,

    possvel concordar que

    pesquisar talvez seja mesmo ir por dentro da chuva, pelo meio de

    um oceano, sem guarda-chuva, sem barco. Logo, percebemosque no h como indicar caminhos muito seguros ou estveis.Pesquisar experimentar, arriscar-se, deixar-se perder. No meiodo caminho, irrompem muitos universos dspares provocadores deperplexidade, surpresas, temores, mas tambm de certa sensaode alvio e de liberdade do tdio (OLIVEIRA e PARAISO, 2012, p.161).

    Intenciono, deste modo, investigar as razes que levaram as professoras

    a migrarem para o municpio de Melgao nos primeiros anos da dcada de 1980 e

    o movimento trilhado para (re)construo de suas identidades; analisar trajetrias

    pessoais e profissionais construdas nas relaes estabelecidas entre si, com

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    alunos e comunidade em geral e refletir com que formao acadmica iniciaram a

    profisso docente em Melgao e de que modo trilharam os caminhos da formao

    continuada.

    Foram muitas interrogaes que emergiram em minha mente e fizeram

    refletir na investigao. Que embarque fazer? Que rios seguir e como naveg-

    los? Quem assumiria, nesta viagem o papel de capit, comandante e

    marinheiro(a)?3O que iria encontrar no percurso? Como seria a chegada? Depois

    de inmeras interrogaes surgiu a certeza, o embarque precisou ser feito, pois

    pesquisar experimentar, arriscar-se, deixar-se perder.

    A opo metodolgica escolhida procurou, ento, cruzar duas

    perspectivas de investigao da realidade social: a Cartografia na interface com aHistria de Vida, alinhavadas pela experincia da memria.

    Mapas de Navegao

    O desafio da investigao foi navegar pelas histrias de vidas das

    comandantes, no para narrar herosmos, mas reconstituir suas vivncias na

    condio de educadoras que se destacaram e muito contriburam na construo

    da histria da educao no municpio de Melgao. Nas partilhas com asprofessoras migrantes, apreendo (des)encontros e confrontos, avanos e desafios

    em suas trajetrias docentes em terras no-familiar.

    A escolha desta investigao justifica-se, entre outros motivos, primeiro

    pela minha prpria relao com a histria da educao de Melgao e profunda

    convivncia com essas professoras. Em segundo lugar, pela carncia de estudos

    relacionando professoras migrantes, histrias de vida, identidades e formao

    docente em territrios amaznicos. Um terceiro motivo ainda pode ser descritopela necessidade de documentar e, com isso, valorizar a contribuio dada por

    essas professoras histria da educao do municpio.

    Conforme assinala Almeida (1998), pesquisas a respeito da presena

    feminina na Educao brasileira at a dcada de 1990 ainda eram restritas,

    mesmo sendo ela determinante nos rumos da profisso docente. Se a carncia

    3Adotarei esses termos para me referir a sujeitos e intelectuais com quem dialoguei na produo

    do texto dissertativo. Na metfora de que a pesquisa uma viagem, assumo o papel de capit; asprofessoras so as comandantes e os intelectuais, o(a)s marinheiro(a)s. Neste texto, para mereferir as narradoras da pesquisa, utilizarei ora professoras migrantes, ora comandantes.

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    desses estudos no pas, denunciada por Almeida, j vem sendo enfrentada com

    novas investigaes, no mundo amaznico essa temtica, voltada compreenso

    do movimento trilhado por professoras migrantes, ainda est por ser construda.

    Ao visar contribuir na tessitura de um mapa de pesquisas dessa temtica,

    tracei um percurso teoricometodolgico que procurou interrelacionar a Cartografia

    com a Histrias de Vida para compreender razes da migrao das professoras

    para Melgao e o fazer-se de suas identidades na formao docente, no

    esquecendo que outras esferas contriburam para tal construo.

    A Cartografia se configura como um campo que questiona as dualidades

    da cincia moderna. Ela possibilita pensar, registrar e refletir a complexidade dos

    caminhos que trilha uma investigao cientfica, humanizadora e inclusiva.Ao me propor a romper fronteiras estabelecidas pelo pensamento abissal

    (SANTOS, 2010), a Cartografia construda adotou outra gramtica nas etapas da

    pesquisa. Evitei termos como dados, sujeito-objeto, procedimentos, tcnicas,

    dentre outros, por fazerem parte de um sistema de pensamento cientfico que

    negou a arte da escrita e da vida, separando cincia de arte, objetividade da

    subjetividade (HISSA, 2013).

    Nas escolhas, optei pela Cartografia por valorizar todo e qualquer registro,seja ele oficial ou popular, tal como ensina a Histria Cultural (BURKE, 1992;

    1997; 2005). Entre esses registros, narrativas orais ganham forte representao

    por permitirem valorizar trajetrias de vida que ficaram, quase sempre, no

    anonimato ou reduzidas a dados estatsticos. A despeito do encanto com a

    riqueza das trajetrias pessoais e profissionais, a Cartografia interessa-se por

    captar conflitos, negociaes, afetividades e contribuir com o campo das

    pesquisas educacionais, ao valorizar histrias de vida de professoras migrantesvia mergulho no universo das memrias (SARRAF-PACHECO, 2015; BAIA

    SARRAF, SARRAF-PACHECO e MONTEIRO, 2015).

    De acordo com Burnier et al. (2007, p. 344), a pesquisa em educao, a

    partir dos anos de 1990, voltou-se para o campo teoricometodolgico da Histria

    de Vida. Com isso, tem contribudo para uma melhor compreenso da cond io

    docente, na medida em que renova as teorizaes e os dispositivos de pesquisa e

    formao profissional. Trabalhar com esse campo de pesquisa permite

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    acompanhar percursos pessoais, profissionais e prticas vividas em coletividade,

    mas apreendidos a partir da tica e subjetividades das prprias professoras.

    Nesta perspectiva, Abraho (2004b) considera que a Histria de Vida

    desencadeia um conjunto de reflexes capaz de despertar sentimentos e motivar

    tomadas de iniciativas na vida da prpria pessoa que narra. Assim, explica:

    A histria de vida narra-nos a viagem ao longo da existnciaindividual. Insere o ser biolgico nos contextos fsicos e scio-culturais e reconhece a sua interactividade. Revela-nos o queaconteceu e o que, dos acontecimentos, se reteve. D visibilidade personalidade da pessoa em foco, manifesta os seus anseios,as suas realizaes. Mas tambm as suas frustraes. Revelaideais e valores. Como todos sabemos bem menos frequente

    que sejam desocultados os fracassos como se esses tivessemsido apagados da memria ou impedidos de se manifestarem(ABRAHO, 2004b, p. 09).

    O relacionamento iniciado desde o primeiro embarque entre Cartografia e

    Histrias de Vida na anlise das trajetrias pessoais e profissionais construdas

    pelas professoras migrantes em intercmbios estabelecidas entre si, com alunos

    e comunidade melgacense, ajudou a apreender significaes de narrativas

    tambm relacionais e complexas. Nessa teia, frustaes, sonhos rompidos,

    conflitos diversos, misturam-se a realizaes profissionais, sociabilidades e fortes

    laos de amizade com o outro e com o lugar.

    Para extrair significaes das narrativas que fazem parte do corpus da

    pesquisa a partir dessas orientaes teoricometodolgicas, busquei na anlise

    compreensiva-interpretativa desvelar e apreender discursos, aes e percursos

    de vivncias expressas nas memrias narradas pelas professoras migrantes.

    Souza (2014) fundamentado em Poirier et. al., (1999) e Ricoeur (1996)

    apreende a anlise compreensiva-interpretativa como uma relao decolaborao entre pesquisador e interlocutor para o alcance das trajetrias

    planejadas. O autor entende esse mtodo interpretativo como um processo de

    constante investigao-formao estabelecido no ato de rememorar

    conhecimentos e aprendizagens individual/coletiva construda ao longo da vida

    (SOUZA, 2014, p. 43).

    No af de melhor explorar o contedo das narrativas em sintonia com

    seus contextos geo-histricos e socioculturais, segui caminhos palmilhados porSouza (2014, p. 46) na orientao dos trs tempos de anlise: a) pr-anlise e

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    leitura cruzada; b) leitura temtica; e c) leitura interpretativa-compreensiva. A

    pesquisa orientada por esses procedimentos, foi produzida em colaborao com

    as comandantes, as quais, entre outras identidades, assumem na escrita do texto

    o papel de atrizes e autoras de sua prpria histria.

    Estabelecer dilogos com as professoras exigiu recorrer orientao de

    Oliveira nas sendas da Histria Oral via afloramento da memria.

    [...] o processo de reavivamento das lembranas atravs de umtrabalho mais refinado da memria visualizado nos projetos deinvestigao/formao de professores. Os bas, as caixinhas e oslbuns, ao serem trazidos para o trabalho de escritaautobiogrfica, ou no momento da entrevista, permitem que aspessoas reconstruam imagens com mais detalhamento esentimento (OLIVEIRA, 2005, p. 96).

    O ato de rememorar uma interveno no caos das imagens guardadas.

    Quando as comandantes acionaram suas lembranas, houve um enorme esforo

    para selecionar e organizar as que consideram mais significativas. Nesse

    processo, o passado e o presente se entrelaaram, tornando-se difcil separar

    seus fios (MALUF, 1995). Na mesma perspectiva, Bosi (2003, p.53) afirma que a

    memria , sim, um trabalho sobre o tempo, mas sobre o tempo vivido, conotado

    pela cultura e pelo indivduo e, ainda, do vnculo com o passado se extrai a fora

    para a formao de identidade (BOSI, 2003, p.16).

    A interao com memrias narradas pelas professoras migrantes criou

    condies para realizar embarques e desembarques em suas Histrias de Vida. A

    relao exigiu, a princpio, uma troca de olhares (PORTELLI, 2010, p. 20) e a

    construo de laos de confiana, numa viso mtua, pois uma parte no pode

    realmente ver a outra a menos que a outra possa v-lo ou v-la em troca. Os dois

    sujeitos, interatuando, no podem agir juntos a menos que uma espcie de

    mutualidade seja estabelecida (PORTELLI, 1997, p. 09).

    Amado et al. (2001) tambm aponta ser necessrio um primeiro contato

    com o informante para socializar os interesses do pesquisador e situ-lo a

    respeito de sua colaborao no processo de investigao. O sucesso dessa

    construo coletiva, a exemplo do que ensina Portelli, ocorre quando se

    alinhavam teias de respeito e reciprocidade.

    Alberti amplia esse entendimento ao esclarecer que:

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    [...] a continuidade da relao entre entrevistado e entrevistadorque permite a ambos se conhecer melhor, estabelecer pontes eaproximaes entre o que foi dito em sesses diferentes,identificar as peculiaridades de cada um e as situaes queparecem conduzir a um dilogo mais proveitoso para o objetivocomum: enfim, a continuidade da relao que muitas vezespermite criar as condies de sucesso de uma entrevista(ALBERTI, 1989, p. 71).

    Ciente dessas lies, tambm primei pela tica da pesquisa por

    compreender que comungar dimenses da histria de vida para serem analisadas

    e, posteriormente, publicadas em trabalhos acadmicos, requer cuidado e

    seriedade com as informaes confiadas, no apenas numa carta de cesso4,

    documento importante, mas, acima de tudo, na apropriao dos sentidos das

    narrativas.

    Na construo, procurei manter o dilogo humano, sincero e responsvel

    com as professoras migrantes. Desde o primeiro momento de meu ingresso no

    mestrado, no deixei de comunic-las do interesse do projeto e da importncia da

    pesquisa para os estudos amaznicos e marajoaras. Enfatizei, ainda, o desejo de,

    mediante esta investigao, reconhecer e valorizar o importante trabalho por elas

    desempenhado na histria da educao de Melgao.

    Assumo a postura de retornar as narrativas s comandantes, vejo tal

    atitude como componente fundamental para estreitar dilogo, como possibilitar

    que elas avaliem o que socializaram de seus bas de memria. A oportunidade

    de lerem as narrativas orais transcritas permitiu realizarem reflexes, retirarem ou

    complementarem aspectos que consideram importantes compreenso de suas

    histrias de vida. O exerccio ajudou ainda acompanharem o desfecho de suas

    trajetrias e certificarem-se da integridade da transcrio.

    O dilogo com as comandantes manifestou-se distinto, especialmente

    com Rosiete, que preferiu, inicialmente, escrever suas narrativas. Logo, pensei no

    tempo da pesquisa e nas muitas atividades de uma professora, ento, contra

    argumentei e mostrei a inteno pela gravao. Ela resistiu ao enfatizar que gosta

    de organizar suas ideias e a escrita lhe possibilitaria esse exerccio.

    Diante de tal situao, no podia desconsiderar o desejo dessa

    professora, tampouco, deix-la fora de meu interesse, pois visualizei em leituras

    4As cartas de cesso para o uso das entrevistas e fotografias foram assinadas e reconhecidas emcartrio pelas professoras migrantes e fazem parte dos arquivos da pesquisa.

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    Ao mapear trabalhos com a temtica em contexto amaznico, encontrei a

    tese de doutorado Autoformao, histria de vida e construes de identidades

    do/a educador/a, de autoria de Monteiro (2002). A pesquisadora ainda publicou o

    artigo, Construes e reconstrues do processo formativo pessoal e

    profissional: a metodologia histria de vida na autoformao, identidade

    (MONTEIRO, 2011). Completam o levantamento, Histria das mulheres, histria

    de vida de professoras: elementos para pensar a docncia, de Arajo (2014).

    Em outra realidade brasileira, sobre a migrao docente, Tanus em 1992

    defendeu a tese Mundividncias: Histrias de vidas de migrantes professores,

    realizada pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), publicada em 2002.

    O lcus da pesquisa foi a cidade de Cuiab, mais especificamente o bairro doPlanalto, nos anos de 1990 e 1991, formado por migrantes. A pesquisadora

    traou como objetivo compreender o imaginrio e a realidade de grupos de

    migrantes professores, valorizando a identidade e a concepo do lugar de

    chegada.

    Sem a preocupao de fazer uma escrita cruzando teoria e prtica, mas

    atenta ao rigor terico metodolgico, a autora busca valorizar o cotidiano dos

    professores, mediante o uso das Histrias de Vida, tais como se apresentam pelavitrine que construiu dele mesmo, naquele momento (TANUS, 2002, p.17).

    A cartografia desses estudos ampliou-se com Nobre (2009) que realizou

    estudos de mestrado na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. A pesquisa

    investigou vivncias de professores que vieram de outros Estados e atuaram na

    Educao Bsica em Mato Grosso do Sul (UFMS). O percurso biogrfico realizou-

    se com seis professores e examinou o processo de construo das identidades.

    Igualmente, a pesquisadora esforou-se por identificar marcas da pluralidade sul-mato-grossense inseridas nas trajetrias dos professores. A investigao foi

    realizada com base na metodologia de Histria de Vida como um caminho

    pertinente para se conhecer o universo que cerca o professor migrante (NOBRE,

    2009, p.14).

    J Campos (2011) no artigo Professoras Migrantes de Campo Verde,

    resultado da dissertao Vou Buscar a Sorte: relatos de vida de professoras

    migrantes de Campo Verde (MT), defendida em 2010 na (UFMT), visou

    compreender a vida de professoras provenientes de outros Estados que atuaram

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    meio das Histrias de Vida, o movimento trilhado pelas professoras migrantes na

    trajetria pessoal e profissional.

    Exposio dos Percursos

    O mapa cartogrfico foi pensado e tecido em quatro percursos, com as

    interpretaes das professoras em dilogo com os marinheiros da viagem,

    articulando empiria e teoria. Em Cartografia do Lugar: Lembranas &

    Histrias, apresento minha relao com Melgao. Na condio de migrante,

    narro a chegada, meus medos e estranhamentos. Reconstituo lembranas de

    uma cidade em tempos de outrora e procuro articular com os tempos presentes.

    Em (Re)apresentando Melgao trago sinais da Cartografia no dilogo comaqueles que vivem ou viveram o lugar. Entre Vrzea e Terra Firme, valorizo

    determinados acontecimentos no campo educacional brasileiro e amaznico,

    esforando-me por contextualizar o processo histrico que se conecta s

    vivncias das professoras migrantes. No Leme: as comandantes professoras,

    trao, de forma resumida, o perfil de cada uma delas, contextualizando suas

    histrias de vida, origem, formao e deslocamentos e finalizo com Olhares

    Vista: as professoras narram a cidade que expressa uma representao deMelgao em meados dos anos 1980 e os sentimentos e significados, em tempos

    atuais, na tica das comandantes.

    No segundo percurso, Longe da Rocha-Me: Migrao & Educao,

    discuto razes da partida em consonncia com elaboraes de alguns

    marinheiros desta viagem. Em Tempos de Migrao, fao uma contextualizao

    histrica do processo migratrio de professores para Melgao. Nas Razes da

    Partida: esperanas flor da pele, abordo as muitas trajetrias de migraovivenciadas pelas professoras posteriormente. Na sequncia traduzo:Memrias

    da Terra Hospedeira: encontros e sentidos,falando de expectativas e motivos que

    influenciaram a partida para Melgao. Desembarco em (Des)encontros e

    Sociabilidadespara desvelar desafios vividos com os modos de ser daqueles que

    esto e daquelas que chegam, sem esquecer as tramas vividas internamente. No

    tpico em Rizomas do Retornoexpresso o entrelaamento nos dois lugares, o de

    partida e o de chegada, e os sentimentos e identidades do ser migrante.

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    PRIMEIRO PERCURSO:

    CARTOGRAFIA DO LUGAR:

    Histrias & Lembranas

    Realizar experimentaes com a memria,atravs das narrativas das mulheresprofessoras que vinham de espaos etempos diferentes, em termos de formao eatuao profissional, e que, comocolaboradoras das nossas pesquisas,decidiam fazer de sua histria de vidatambm a construo da histria dadocncia, da histria da profisso,(OLIVEIRA, 2005, p. 92) o meu desejo.

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    localizao da vila de Melgao. Os ribeirinhos passaram aacreditar que a vila era para ser fundada do outro lado da baia deMelgao, num lugar denominado de Pacoval, porm, como aimagem de So Miguel Arcanjo, seu padroeiro, foi encontradodeste lado, todas s vezes que pretendiam levar a imagem para ooutro lado, alguma coisa o impedia. Essas memrias ainda estovivas na cultura dos moradores que iniciaram, na sua infncia, opovoamento da vila, acreditando que o santo no queria suaformao em outro local.

    Ao longo do sculo XVIII, diferentes prticas extrativistas, assim como a

    agricultura, a pesca e o criatrio fizeram parte da vida das populaes que

    habitavam esse lado ocidental marajoara (SARRAF-PACHECO, 2010). Os

    estudos que abordam os sculos XIX e XX expem memrias da extrao da

    borracha, prticas de exportao, migraes nordestinas, apogeu e decadncia

    de uma certa vida urbana ou de uma tpica cidade-floresta, sempre articulada

    com a forte crena em So Miguel Arcanjo, suas festas, peregrinaes e milagres.

    Depois dos tempos de dominao vividos por Melgao, entre 1930 a 1960, em 30

    de dezembro de 1961, o municpio iniciou uma nova trajetria em sua

    constituio: a nova emancipao poltica.

    A histria da educao do presente est completamente ligada queles

    tempos de emancipao e lutas pela escolarizao dos poucos moradores queresidiam na sede do municpio. Nesse enredo, a presena das professoras

    migrantes um captulo importante dessa narrativa histrica.

    Depois da breve apresentao de encontros com Melgao e aspecto de

    sua histria, considero importante apresent-la em alguns especficos olhares.

    Sarraf-Pacheco (2006, p. 23), em estudo a respeito da cidade-floresta assim a

    situa:

    Melgao [...] um municpio pouco conhecido entre os 143 quedesenham o mapa paraense10. Com uma populao de 20.061habitantes, dos quais 85% se encontram em contato intenso comos viveres da floresta, que pode ser chamada de zona rural domunicpio, tem sua populao distribuda irregularmente nos 6.774km que lhe restaram depois da sofrida apropriao de parte deseu territrio pelos municpios de Gurup, Breves e Portel.Localizado nas margens de rios e matas, na fronteira do

    10O Estado do Par, formado por 144 municpios, depois de 2012, quando foi criado o municpioMoju dos Campos, localizado no Centro da Regio Norte.

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    arquiplago dos Marajs11, na boca da baa de gua doce,Melgao teve seus traados urbanos pintados com tons culturaisde homens, mulheres e crianas que, em contato intenso comsensibilidades da floresta, constituram especficos modos deviver, trabalhar, lutar pela sobrevivncia e pela reatualizao dehbitos, costumes, manifestaes religiosas, curtindo perdas eganhos, experimentando sensaes diversas na ambiguidade desuas sobrevivncias.

    A Melgao apresentada por Sarraf-Pacheco (2006) um municpio que

    est em fronteiras, limites e disputas traadas por perdas e ganhos. Ela perdeu

    territrios, mas ganhou novos tons culturais. a Melgao que est margem

    de uma concepo restrita de Maraj, no entanto a cada dia aprende a viver seu

    tempo, ressignificar sua histria a partir da dinamicidade do mundo urbano,

    tecnolgico e da especificidade do lugar.

    Imagem n 03: Mapa parcial do Maraj das Florestas.

    Fonte: Dirio Online/30/06/2013.

    No recorte do mapa, visualiza-se o municpio situado na microrregio de

    Portel, mesorregio de Maraj, tem uma rea de 6.774 km, limita-se ao norte

    com os municpios de Breves e Gurup; ao sul com Portel; a leste com Breves e

    Bagre, este ltimo no focalizado na imagem; a oeste com Porto de Moz e

    Gurup. Sua sede dista 290 km de Belm, por via fluvial (SARRAF-PACHECO,

    2006, p. 12).

    Dados do Censo Demogrfico de 2010, apresentam Melgao com 24.808

    habitantes distribudos na sede e no espao rural, como demonstra o grfico

    abaixo:

    11Sarraf-Pacheco (2006) faz opo pelo termo Marajs para enfatizar a pluralidade, diversidadee complexidade que a regio apresenta em seus diversos aspectos.

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    agricultura tradicional sem dialogar com as novas tecnologias aeconomia fica frgil, exportando-se pouco e, geralmente, quemexplora essas reas agroextrativistas so empresas estrangeirasou multinacionais. O resultado que vai ficando ali um vazio euma populao pobre.

    Na compreenso do historiador, que nesse perodo concedeu uma srie

    de entrevistas aos meios de comunicao, preciso considerar dois aspectos: um

    endgeno e um exgeno.

    No aspecto endgeno a longa histria de Melgao, especialmente depois

    de sua emancipao poltica em 1961, foi traada por gestores que assumiram a

    administrao pblica com quase nenhuma compreenso de que o bem pblico

    no propriedade particular. Por isso, ainda hoje existem resqucios de prticascoronelistas e clientelistas, culminando na escolha de pessoas para os cargos

    estratgicos da gesto com pouca escolarizao ou sem relao com a filosofia

    daquela pasta.

    No aspecto exgeno, o pesquisador assevera que a criao de modelos

    nicos para avaliar o desenvolvimento local, desconsidera a importante dimenso

    cultural que constitui as prticas humanas em qualquer espao. Muitos projetos

    pensados em Braslia, por exemplo, no conseguem se consolidar por

    desconhecimento da sociodiversidade regional. Apesar dessas discrepncias,

    Sarraf-Pacheco considera que h uma mudana de mentalidade tanto na esfera

    municipal, no que tange a escolha de equipes tcnicas qualificadas e

    responsabilidades com o gerenciamento dos recursos pblicos, quanto na esfera

    federal, no sentido de ouvir as vozes locais e planejar coletivamente algumas

    aes.

    Ao que tudo indica a analtica elaborada por Sarraf-Pacheco parece ser

    esclarecedora, pois em Melgao os moradores, de seu modo sociocultural,

    expressaram suas reaes. Entre tais reaes um primeiro grupo, por exemplo,

    organizou passeatas e foi s ruas reivindicar da gesto municipal, mudana de

    atitude, melhor qualidade de vida e explicaes sobre a situao de calamidade

    na educao, sade, saneamento bsico, alm da falta ou atraso na aplicao de

    verbas destinadas melhoria da infraestrutura urbana e rural. J um segundo

    grupo, formado, especialmente, por polticos locais, intelectuais e poetas

    discordou dos critrios de avaliao do IDHM.

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    com o apoio do gestore no por mero favor

    mas por justia, direitoe com o devido respeito

    pois de ningum quero ddeixo ao mundo meu abraode argila e sol. Sou Melgao,

    Brasil, Par, Maraj!

    O poeta marajoara em sua poesia valoriza a beleza natural de Melgao

    para comunicar que o ttulo de pior lugar para se viver, como foi apresentado

    pela mdia, foi avaliado somente por dados estatsticos. Os meios de

    comunicao desconsideraram as singularidades e subjetividades que os

    melgacenses atribuem ao lugar e aos modos de vida. Todavia, isso no diminui a

    responsabilidade da gesto pblica em promover o desenvolvimento do municpio

    e oferecer condies digna para a populao, no por mero favor, mas por

    justia, direito e com devido respeito.

    Imagem n 05: Lado Oeste da Orla de Melgao13.

    Fonte: Site Cidade Brasil / Estado de Par / Municpio de Melgao Informao geral. Capturada no dia 8 de julho de 2008. Conhecida no dia 7de agosto de 2014.

    Se fatores histricos internos precisam ser levados em considerao para

    se compreender os caminhos trilhados por Melgao, percepes restritas do

    Ministrio da Educao a respeito da realidade marajoara no podem ser

    ignoradas. Na primeira dcada do sculo XXI, o municpio foi contemplado com

    13Neste registro fotogrfico visualizado um pouco da beleza natural da cidade e neste tempo acidade vive o tradicional festival de vero, principal atrao do ms de frias.

    http://www.cidade-brasil.com.br/http://www.cidade-brasil.com.br/estado-para.htmlhttp://www.cidade-brasil.com.br/municipio-melgaco.htmlhttp://www.cidade-brasil.com.br/municipio-melgaco.htmlhttp://www.cidade-brasil.com.br/estado-para.htmlhttp://www.cidade-brasil.com.br/
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    Prefeitura, a Cmara Municipal, a Junta Militar e a Agencia dos Correios e ainda

    danificam os meios de comunicao e gerao de energia eltrica na cidade.

    A respeito desse acontecimento histrico, Wilma relembrou com

    sentimento de bravura o envolvimento da populao contra as tiranias do

    governo.

    Ento o povo saiu rua, mostrou que ele capaz de derrubar umgoverno. Eu lembro um pouco da cabanagem16, o povoderrubando o governo, fazendo com que este governo venhatomar novas decises e mudar o seu projeto de governar.Algumas coisas que aconteceram deixaram um pouco de tristeza,porque muitas coisas se perderam como documentao que nofoi retirado nada dos prdios, foi queimado tudo. Diria que um

    pouco da histria do povo se perdeu, mas a gente pode construira histria de uma outra forma. Eu me senti como historiadoranesse momento, com a alma lavada, tu entendeste? Porque eu vio processo de crescimento da mentalidade do povo, ele gritandona rua que no aceitava mais ser massacrado, ser enganado, serespoliado. E isso, esse processo aqui no Maraj foi indito,porque nesse perodo, a maioria dos prefeitos estavam passandopor esse processo de corrupo e aqui em Melgao no eradiferente. Quando eu ia Breves eu ficava l em cima, quandoouvia eles falarem: mas o povo de Melgao um povoconsciente, heim! um povo forte, detonou com o governo l,detonou com o prefeito, eu me sentia orgulhosa desse povo, eu

    me sentia melgacense, porque eu participei desse processo, eu fuipara rua, eu fui reivindicar, eu fui dizer que eu no queria esseprefeito (ProfessoraWilma 2014).

    O municpio viveu de 1993 a 1996 um perodo de crise administrativa.

    Malversao do dinheiro pblico, irresponsabilidade administrativa, sucateamento

    e atraso do salrio dos servidores municipais, entre outras prticas da gesto

    levaram a escndalos que ganharam a grande imprensa paraense.

    Boa parte dos anos de 1990 foi, para a histria poltica domunicpio, um tempo de perdas e retrocessos. A chegada depolticos irresponsveis com o uso e aplicao de recursos e benspblicos causou transtornos, dores e revoltas no seio dapopulao (SARRAF-PACHECO, 2013b, p. 14).

    16 A Cabanagem foi um movimento social de forte expresso popular que ocorreu no perodoimperial brasileiro, na Provncia do Gro-Par, entre 1835 a 1840. Ele foi formado por fazendeirose comerciantes que pretendiam participar das decises administrativas e polticas da provncia, e,especialmente, por ndios, negros e mestios pobres que estavam descontentes com as duras

    condies de trabalho, falta de terra, carncia de moradia, alimentos, entre outras necessidades.Para saber mais, entre a vasta literatura a respeito do assunto, ver: (PINHEIRO, 1998; RICCI,2001; LIMA, 2010).

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    atividades, bem como aos objetivos das diferentes etapas e modalidades da

    educao bsica, ter como fundamentos (includo pela Lei 12.056, de 2009)17:

    I. A presena de slida formao bsica, que propicie oconhecimento dos fundamentos cientficos e sociais de suascompetncias de trabalho.II. A associao entre teoria e prtica, mediante estgiossupervisionados e capacitao em servio (CARNEIRO, 2011. p.452. Destaque da autora).

    Nesta dcada, na efervescncia da nova poltica de educao garantida

    pela Lei em questo, o professor assume o papel de professor-investigador ou

    professor-pesquisador, visa desenvolver articulao entre teoria/prtica,

    pesquisa/ensino e reflexo/ao.A poltica educacional de Melgao em desnvel com as exigncias

    nacionais, tardiamente investe na formao de professores. Segundo Sarraf-

    Pacheco (2012) a precria infraestrutura e a falta de qualificao profissional so

    aspectos que contribuem para explicar o porqu dos baixos ndices no rendimento

    escolar. Nas palavras do estudioso, no final do governo de Cassimiro Corra

    (1997-2000), com Wilma Vilar, uma das professoras migrantes, no cargo de

    Secretria Municipal de Educao, que o compromisso com a poltica deformao continuada em Melgao, de modo sistematizado e legal, inicia-se.

    As mudanas, contudo, comeam a aparecer no governo de 2001-2008,

    quando estiveram frente da educao municipal o professor Agenor Sarraf

    Pacheco (2001-2002) e Elias Sarraf Pacheco (2002-2007).

    Uma das estratgias politicamente planejadas nas Gestes 2001-2004 e 2005 at janeiro de 2007, foi a criao e efetivao de umconsistente Programa de Educao Continuada de Professores

    (PECPROF)18. Tal ao contribuiu para Melgao fazer saltar de25% para 72% o nmero de professores licenciados oulicenciando-se, no perodo de 2000 a 2006 (SARRAF-PACHECO,2012, p. 221).

    17Acrescenta pargrafos ao art. 62 da Lei n 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabeleceas diretrizes e bases da educao nacional.18De acordo com Sarraf-Pacheco (2012) atravs deste programa foi possvel firmar convnio coma UEPA e a UFPA por intermdio da Associao dos Municpios do Arquiplago de Maraj(AMAM), apoiar a instalao da Universidade Vale do Acara (UVA) no municpio. Tambm foicriado em 2006, os Seminrios de Oficinas Pedaggicas (SOPs), os quais aconteciam nos meses

    de janeiro e julho. Neste mesmo perodo, 2001, aconteceu a concluso do Projeto Gavio II, emconvnio com a Prefeitura Municipal e a implantao da primeira turma na rea de Formao deProfessores em nvel superior pela UEPA em Melgao.

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    oportunidade de atualizaes contnuas, preparando-se para enfrentar os novos

    desafios de se fazer educao no Maraj das Florestas. Na proposta apresentada

    pela Prefeitura Municipal de Melgao Coordenao Geral do PARFOR da

    UFPA, Sarraf-Pacheco contextualizou:

    Sem desconsiderar os mltiplos aspectos que contribuem para abaixa qualidade da educao bsica no municpio de Melgao,no se pode esquecer que o foco central desta problemticacentra-se na formao inicial do professor. A carncia dedisciplinas pedaggicas no campo da didtica, planejamento deensino, procedimentos pedaggicos, instrumentos de avaliao,prticas de leitura e escrita interdisciplinares, valorizao dahistria e memria local, interferem diretamente na forma comoestes professores ribeirinhos leigos conduzem o processo de

    ensino em sua escola (Proposta apresentada ao PARFOR/UFPApela SEMED, 2013, p. 10).

    Acompanhar aspectos da trajetria de lutas do povo brasileiro e

    melgacense por melhores condies de vida, escolarizao e formao docente,

    faz perceber o quanto as populaes locais sem a presena efetiva, responsvel,

    democrtica e inclusiva do Estado na conduo das polticas sociais, assim como

    a falta de aplicao dos recursos pblicos pelos gestores municipais, no podero

    alcanar o gozo de seus direitos humanos e sociais.A formao de uma conscincia poltica em Melgao por parte de ex-

    alunos, profissionais liberais, professores e moradores em geral tributria das

    sementes que as professoras migrantes comearam a plantar no incio da dcada

    de 1980, quando a cidade era constituda por menos de 1.000 habitantes. 30 anos

    depois, Wilma, Rosiete, Dilma, Jurema e Ftima continuam envolvidas nas

    questes educacionais, polticas, socioculturais e religiosas de Melgao. Se hoje

    elas no esto na direo do processo educacional local, as heranas deixadas

    por sua forte atuao nessas trs dcadas expressam as marcas de seus

    empenhos, dedicaes e contribuies.

    1.4. No Leme: as comandantes professoras

    As experincias vividas e fortemente marcadas nas memrias das

    professoras migrantes s foram possveis porque ousaram deixar a rocha-me etrilhar novos percursos pessoais e profissionais em terra estrangeira.

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    Para acompanhar esses percursos, orientada pelo desejo de produzir

    leituras cruzadas (SOUZA, 2014), enfrentei os desafios do embarque. Nos rios

    vivi angustias, senti alegrias, encontrei obstculos, mas tambm experienciei o

    dilogo, orientao, troca de experincias e aprendizagens com comandantes e

    marinheiro(a)s que sustentam os desafios de desvendar as trajetrias docentes.

    Nesta viagem, ento,

    tentarei colocar em foco, navegando por dentro, o perfil e, sepossvel, a fisionomia dos componentes, como tambm adinmica dos labores, os encontros e desencontros, quiconflitos, daqueles que, junto comigo, constroem, paulatinamente,este trabalho (TANUS, 2002, p. 97).

    Imagem n 08: As Professoras Migrantes.

    Fonte: Arquivo da pesquisasetembro de 2015.

    Na condio de comandantes e colaboradoras nessa escrita, todas do

    sexo feminino, fizeram o embarque cinco professoras migrantes. Para uma

    melhor compreenso de quem segura o comando da embarcao, apresento

    resumidamente cada uma delas.

    Raimunda Wilma Corra Vilar Brasilnasceu em 30 de agosto de 1952,

    em um pequeno vilarejo chamado Marud, pertencente ao municpio de

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    Em 1977 quando tinha 17 anos, Jurema recebeu um convite de sua tia

    Maria Pacheco para ser professora em sua comunidade, por ser ela, naquele

    entorno, a nica pessoa com maior nvel de escolaridade. Essa comandante

    comeou ali sua primeira experincia na docncia, apesar de o contrato ter sido

    feito no nome de sua me, sem escolarizao, j que ainda era menor de idade.

    No exerccio da profisso Jurema vislumbrou novamente a oportunidade

    de continuar seus estudos, quando foi convocada pela Secretaria de Educao de

    Breves a concluir o 1 Grau e, posteriormente, seguiu para a concluso do 2

    Grau em Magistrio.

    Em 1982, Jurema recebeu um convite mais ousado, seu padrinho foi

    eleito prefeito de Melgao e lhe ofertou o cargo de chefa do setor de educao,mais tarde transformado em Secretria Municipal de Educao. No final desse

    ano, ela arrumou sua mala e com toda a sua famlia migrou a Melgao para

    comear a construir e viver outras histrias na educao.

    Jurema formou-se em Magistrio, licenciou-se em Letras pela UFPA

    Campus de Soure e fez trs especializaes: Mtodos e Tcnicas de Ensino

    pela Universidade Salgado de Oliveira - (UNIVERSO-RJ), Lngua Portuguesa,

    pela PUC-MG e Educao do Campo pela UFPA. Entre 2013 a 2015 realizou omestrado em Artes pela UFPA.

    Para completar esse preliminar exerccio cartogrfico de apresentaes

    das professoras migrantes, trago para a viagem Maria de Ftima Rodrigues

    Alves, comandante que nasceu no dia 13 de maio de 1964, num municpio

    chamado Santana do Acara, no Estado do Cear. Seu nome foi escolhido por

    sua me em homenagem Nossa Senhora de Ftima.

    Quando migrou para o Par junto com a famlia, tinha apenas 08 anos deidade e, at ento, no havia frequentado escola. Segundo Ftima, o motivo da

    mudana foi a seca e porque boa parte das famlias de seus pais j tinha migrado

    para o Par. Considera que sua infncia em Santana foi divertida, tem viva as

    lembranas das brincadeiras que participava na fazenda de seu av materno.

    Ao chegar ao Par, Ftima saiu de perto de seus pais e foi morar com um

    tio no municpio de Igarap Au, na localidade km 32, e com 08 anos de idade

    comeou a frequentar a escola pela primeira vez: era uma escola rural e ali

    cursou at a 3 srie. Depois passou um ano sem estudar, por no ter o ensino de

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    municipal e estadual trouxe parcela significativa de moradores deoutras cidades vizinhas, a fixarem moradia em territriomelgacense. Esses fenmenos demogrficos esto sendodecisivos na ampliao do quantitativo populacional e nocrescimento da malha espacial urbana.

    A mobilidade da populao de um espao para o outro, conforme se ver

    na experincia das comandantes no segundo percurso, pode ser compreendida

    como um duplo processo: a) convite ao desenraizamento dos modos de viver,

    trabalhar e se socializar no antigo espao; e b) convite ao enraizamento com

    dinmicas, linguagens, costumes e tradies no novo territrio de habitao.

    Obviamente, os lugares so produzidos na interculturalidade dos contatos,

    conflitos e acomodaes ao longo do tempo, que se expressa nas prticas que osmigrantes reproduzem nos modos de vida urbano e nas novas incorporaes

    apreendidas com o cotidiano da cidade (BHABHA, 2003; HALL, 2003a).

    Se na primeira narrativa, Wilma relembrou como era cidade quando l

    chegou, agora trago o que pensa no mais como migrante, mas como moradoras

    da cidade. A entrevista se fez entre emotividade com voz meio pesada e

    empoderamento, ampliando com o uso de vrias metforas para falar de

    Melgao.

    (Inicia com a voz pesada-emotiva) Hoje, Melgao para mimcomo se fosse uma poesia que est sendo estruturada, a cadaverso sendo criado um novo aspecto. A cada dia eu ouo: ah!Fulano passou no vestibular; ah! Fulano est fazendo ps-graduao, ah! Fulano est fazendo mestrado, doutorado.Melgao para mim um sonho que vai se realizando aos poucose eu me sinto muito feliz de viver em Melgao. Eu vou verMelgao to bonito como eu sempre sonhei, limpinha, cuidada,uma educao para dizer estar l no alto no IDEB, a sadeestar tima. Melgao uma grande poesia em construo a cada

    verso, na tristeza, na doena, na falta de amor, s vezes, pelosprprios polticos, mas vem outras pessoas por traz e costura comcoisas bonitas, pessoas que vem de fora e daqui mesmo e vaisuprindo a tristeza com esperana. Eu sou muito esperanosa eantes de morrer vou ver Melgao que idealizei, no so grandescoisas, so pequenas, mas que fazem a mudana, por exemplo,um buraco na rua que algum cuidou, a lixeira que algumcolocou, ruas limpas, povo educado que cuida [...]. Ento,Melgao para mim uma criana que est sendo ensinada. Agoraest faltando pessoas com capacidade para estruturar, conduzir eensinar essa criana a dar passos seguros, no olhar para essaverba e ficar de olhos arregalados para querer o dinheiro que no dele, mas empregar no que tem que empregar e fazer coisasboas. Hoje eu fiquei to feliz! Eu fui l no centro de evangelizao,

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    brasileira, escrita por Glria Perez, intitulada Amrica, exibida em 2005 na Rede

    Globo.

    A autora visou mostrar as estratgias utilizadas pelos brasileiros para

    entrar no pas americano, a personagem Sol, principal protagonista, tenta entrar

    legalmente, mas inmeras vezes tem o visto negado. Mesmo diante das

    dificuldades, ela persiste com a ideia de oferecer famlia uma vida digna e

    confortvel, por isso decide seguir por outros caminhos ilegais, como por

    exemplo, por meio da ajuda de coyotes, os percursos feitos causaram-lhe muitos

    sofrimentos e decepes.

    Este um caso fictcio que apresentou uma verso da migrao

    internacional, pois fato que outras histrias so vividas no processo migratrio.Assis (2007) socializa em seus estudos informaes desta natureza ao mostrar os

    desafios que os migrantes precisaram passar, tanto na travessia, quanto na

    relao com as pessoas e com o lugar. Por esse vis afirmou que

    No final do sculo XX e incio do sculo XXI, as imagens enotcias de imigrantes sendo barrados em aeroportos, navegando deriva em balsas precrias, atravessando a fronteira do Mxicoe enfrentando os perigos do deserto evidenciam que a circulao

    de trabalhadores no mundo globalizado bem mais controlada edramtica do que a circulao de dinheiro, bens ou mesmonegociantes e turistas. No mundo globalizado, os migrantes noconsiderados livres para circular so tratados como ameaa,como questo de segurana nacional (ASSIS, 2007, p. 745).

    Os estudos de Lechner (2009) reafirmam a pesquisa de Assis (2007)

    quando retrata o estado de ser do migrante, depois de fazer uma travessia de

    forma violenta e traumtica. Alm do sofrimento durante o processo da migrao,

    ainda enfrenta o desafio da solido pelo corte do lao familiar e da lngua

    materna. Tais experincias podem chegar a dissolver a vontade de viver, para

    alguns, ou podem estilhaar as existncias, criando verdadeiros estaleiros

    biogrficos e identitrios que exigem um herculeano trabalho de reconstruo

    (LECHNER, 2009, p. 95).

    Contguo ao processo de idas e vindas entre os pases, o Brasil

    experimentou deslocamentos entre regies. No sculo XIX, por exemplo, as

    chamadas secas do Nordeste e o boom da economia da borracha na Amaznia

    trouxeram expressivo nmero de cearenses para os seringais da regio

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    (LACERDA, 2010). J sobre o sculo XX, Campos (2011, p. 22) faz um apanhado

    acerca da migrao interestadual, ao situar o perodo e os lugares mais

    recorrentes.

    Na dcada de 1930, foram significativos os processos migratriosdos estados do Nordeste e de Minas Gerais para So Paulo,enquanto os paulistas iam se deslocando para o norte do Paran,que, no perodo de 1930-60, recebeu um processo migratriomuito intenso. Tambm os estados de Gois, Par e Mato Grossopassaram a ser atrao para as migraes camponesas. Nadcada de 1970, o Paran deixa de ser polo atrativo dasmigraes e o estado de Mato Grosso ocupa esse espao.

    O processo migratrio que forma as molduras do Brasil revela um pas em

    trnsitos, pois assim como recebe os de fora, mesmo seguindo as restries deacolhida, os de dentro esto em constante mobilidade. A presena do Par no

    mapa das migraes contemporneas permite dizer que elas so diversas e com

    diferentes motivos e rotas. Sem desejar reconstituir os momentos mais fortes

    desse processo, em dilogo com Alencar (2010, p. 109) possvel assinalar:

    Falar sobre migrao no Estado do Par implica [sic] recomportrajetrias de diferentes grupos sociais que, ao longo de sculos e

    em contextos polticos e econmicos distintos, buscaram aAmaznia como lugar de moradia, numa trajetria de migraoque em muitos resultou em morte, na perda de identidades e noretorno ao lugar de origem.

    Uma experincia singular migratria viveu o Estado do Amap no final da

    dcada de 1990. A Revista Veja de 01/12/1999 noticiou que aquele Estado se

    transformou em maior polo de migrao no Brasil, com destaque para paraenses

    e maranhenses. Nesse contexto, muitos professores marajoaras, motivados por

    melhores salrios e estabilidade funcional, deixaram seus antigos empregos ou

    pediram licena sem remunerao e foram viver essa experincia na condio de

    professores migrantes.

    Quase duas dcadas antes desse processo, sem participar de um

    movimento de deslocamentos mais amplos, algumas mulheres de municpios

    paraenses, aqui considerados rocha-me, como Marud, Colares, Primavera,

    Santa Maria, Portel, Breves, partiram para Melgao, carregando consigo a

    esperana de dias melhores em suas vidas a partir da prtica docente.

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    1970, planta-se as primeiras sementes do processo educacionalna sede do municpio, de acordo com os comentrios deHermgenes F. dos Santos. No caderno de memrias de seuMamede, essas professoras vieram do municpio de Capanema etodas eram normalistas. As professoras Maria Bezerra da Silva,conhecida pela populao como Jura, assumiu o cargo de diretorada Escola Bertoldo Nunes; Maria Leite Rosas da Silva (Nena) eDelzirene foram lotadas com o cargo de professora.

    A histria da educao na cidade de Melgao, aps seu processo de

    emancipao em 1961 at meados da dcada de 1990, foi tecida pelas mos de

    professoras migrantes. Nos depoimentos recuperados por Sarraf-Pacheco (2006;

    2013a) esto vivas as histrias compartilhadas com as primeiras professoras

    oriundas de outros lugares que faziam moradia e exerciam a profisso em

    Melgao. Umas chegaram cidade para acompanhar a famlia e depois se

    tornaram professoras, outras chegaram exclusivamente para o exerccio da

    docncia.

    Imagem n 14: Escola Estadual Bertoldo Nunes21.

    Fonte: Arquivo pessoal da Sr Ana Kelly Amorim.

    O processo de migrao de professoras para esse municpio aconteceu

    possivelmente em dois distintos momentos. O primeiro ocorreu em 1971 quando

    chegaram ali quatro professoras da cidade de Capanema para trabalhar na

    21Primeira escola estadual construda na cidade, aps o processo de emancipao poltico vivido

    por Melgao em 1961. A imagem foi registrada em 1968, na cerimnia de inaugurao, omunicpio contou com a presena do, ento, Governador do Estado, Alacid Nunes, falecido noltimo dia 05/09/2015.

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    somente a questes econmicas e procura do trabalho, mas pela busca de

    liberdade e contra a discriminao e excluso social, principalmente com o sexo

    feminino. Nessa compreenso, migrar significa uma realizao pessoal, um

    desejo de encontro e descoberta de si.

    Nesta reflexo, Hanciou (2009, p. 125), por exemplo, partindo da

    problematizao de como compreender a trajetria voluntria de imigrantes e

    exilados que so empurrados para fora de seu pas e lugar de origem por uma

    fora interior, pela necessidade de outra coisa, sem que possam defini -la por

    completo, sem entretanto cortar as pontes com o pas de origem, analisa

    sentidos do exlio de artistas e escritores que contam sua condio exilar,

    conformada por passagens, despaisamento e pertena a vrias culturais (Idem,p. 134).

    Tanus (2002, p. 11) em sua pesquisa de doutoramento ao denominar os

    interlocutores de heris annimos, os migrantes-professores, ao sarem em

    busca de melhores condies de vida, realizam a saga inicitica em busca de si

    mesmo. Sem negar a relao migrao-trabalho, semelhante ao que ocorre com

    Wilma, Dilma, Rosiete, Jurema e Ftima.

    Quando Tanus focaliza melhores condies de vida, sem excluir outrasquestes que proporcionam qualidade de vida, compreendo como enfoque

    principal a questo do trabalho, mas um trabalho que proporcione o encontro de

    si. Nesta perspectiva, a necessidade de trabalhar orienta a prpria condio

    humana.

    O trabalho aparece como ponto referencial de encontro e desencontro

    com o eu. Sair em busca de trabalho ir em busca de si mesmo . Conquistar a

    estabilidade profissional encontrar-se consigo e tornar-se um serverdadeiramente situado na profisso e no meio social em que est inserido.

    A busca de si mesmo, fez-me questionar. Ser fugir de um possvel

    destino traado por laos familiares? Tal indagao fluiu quando estava fazendo o

    cruzamento das narrativas. No dilogo com as professoras migrantes, percebi que

    j haviam experimentado, em outros momentos da vida, a sada da rocha-me e

    a motivao foi a busca de formao educacional inicial, objetivando livrar-se, no

    futuro, de representaes que emolduraram o retrato da me no passado,

    conformado nas caractersticas: de ser dona de casa, ter muitos filhos e levar uma

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    vida de intenso trabalho domstico, no extrativismo, na agricultura ou na pesca.

    Porm, importante enfatizar que todas demonstraram respeito e admirao s

    atitudes e coragens das mes em saber enfrentar e superar os desafios e limites

    da vida.

    Arajo (2014, p. 306) ao trabalhar com histrias de vida de professoras

    ribeirinhas analisa que

    tornar-se professora exige um profundo mergulho nacomplexidade sociolgica em que a menina se constitui enquantoprofissional da docncia porque esta escolha est imbricada scondies de subjugao s quais as mulheres da Amaznia deum modo geral foram assujeitadas ao longo da sua histria local e

    formao escolar deficiente nos interiores da Amaznia.

    A inquietude de um desejo traado provocou a espera da oportunidade

    para desprender os rizomas e seguir novos percursos. Na esperana do encontro

    de si, Wilma, encontrou essa oportunidade quando tinha 18 anos de idade e j era

    me do primeiro filho. Depois de alguns anos fora da escola e j envolvida no

    trabalho, um convite lhe fez refletir sobre a vida e decidir fazer o primeiro

    deslocamento.

    Ao ficar grvida, eu continuei no meu comrcio. Quando omeu filho nasceu, eu conheci uma senhora que alugava acasa de minha me, no perodo de frias, o nome dela eraLetcia. No ms de julho, a dona Letcia veio para Marud ealugou a casa, conversou comigo se eu no queria ir paraBelm, se eu no queria continuar meus estudos. Ento eurepensei, olhei para o meu filho, eu queria dar o melhor paraele, porque se eu quisesse ir embora, a minha me ficariacom ele. Assim, desfiz-me do comrcio e fui para Belmmorar com dona Letcia sendo domstica (Professora Wilma2002).

    Wilma foi criada por sua me Teodora, seu pai faleceu quando ela tinha 4

    anos de idade. Dona Teodora assumiu o comando da famlia, apesar de viver

    outros casamentos, mas conduziu precisamente a criao dos 5 filhos. Uma de

    suas caractersticas era o poder de deciso e a disposio para o trabalho, j o

    pai de Wilma era envolvido na arte do pescar, mas reservava parte do seu tempo

    para o hbito da leitura. A comandante expressou que as virtudes dos pais foram

    referncias para a sua personalidade.

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    2.4. Memrias da Terra Hospedeira: encontros e sentidos

    O deslocamento da rocha-me para uma terra no-familiar, seja qual for

    a motivao, sempre vai provocar sensaes de encantamento ou

    desencantamento no encontro com o outro e com o lugar. A esse respeito Nobre

    (2009, p. 105), comenta que

    O migrante, quando chega ao lugar determinado, no estcarregado somente de seus pertences materiais, mas apresenta,alm de sua histria de vida uma carga de valores morais eculturais, suas esperanas e vontades, estabelecendo ento umarelao de troca.

    Nas bagagens dos migrantes viajam equipamentos materiais e dimenses

    ou capitais simblicos, socioculturais, todos so significativos para negociaes e

    adaptaes s novas relaes que sero vividas e para a realizao dos projetos

    que foram traados para serem materializados naquele lugar.

    Nos rastros desse pensamento, a representao do lugar para o que

    chega assim descrita por Tanus (2002, p. 80).

    Para alguns, os espaos so locais de passagem, andarilhossempre. Para outros, ainda o espao de sobrevivncia, ondeprocuram se integrar ao novo cotidiano a ser vivido e sorvido,muitas vezes, com voracidade. So presos ao encantamento dodesconhecido. De qualquer forma, as mudanas propiciammutaes na viso de mundo, fecham, mas tambm abremhorizontes. Nada fica igual e, no mesmo movimento, modificam-se, sobretudo, as pessoas.

    Reflexes de Tanus (2002) motivam problematizar: O que pensam as

    professoras migrantes sobre Melgao? Ali um lugar de passagem para elas? Ou

    lugar de uma longa parada, porque h trs dcadas aportaram nesse municpio?

    Ser um espao somente de sobrevivncia? Ou foram presas ao encantamento

    do desconhecido? Que relaes estabeleceram com o lugar? Esses

    questionamentos foram respondidos pelas prprias comandantes no transcorrer

    de suas narrativas.

    Como j foi dito, Melgao foi um acidente de terreno que, na dcada de

    1980, Wilma, Dilma, Rosiete e Ftima vieram pela primeira vez plantar em si a

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