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“Transferência de tecnologia para produção pública de medicamentos: elementos
para discussão do caso Moçambique”
por
Marcos Targino Siqueira
Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de Mestre Modalidade
Profissional em Saúde Pública.
Orientadora principal: Prof.ª Dr.ª Célia Maria de Almeida
Segundo orientador: Prof. Dr. José Luiz Telles de Almeida
Rio de Janeiro, novembro de 2014.
Esta dissertação, intitulada
“Transferência de tecnologia para produção pública de medicamentos: elementos
para discussão do caso Moçambique”
apresentada por
Marcos Targino Siqueira
foi avaliada pela Banca Examinadora composta pelos seguintes membros:
Prof. Dr. Jorge Carlos Santos da Costa
Prof.ª Dr.ª Luciene Ferreira Gaspar Amaral
Prof.ª Dr.ª Celia Maria de Almeida – Orientadora principal
Dissertação defendida e aprovada em 06 de novembro de 2014.
Catalogação na fonte
Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica
Biblioteca de Saúde Pública
S618t Siqueira, Marcos Targino
Transferência de tecnologia para a produção pública de
medicamentos: elementos para discussão do caso de
Moçambique./Marcos Targino Siqueira. -- 2014.
101 f. : il. color.
Orientador: Célia Almeida
José Luiz Telles
Dissertação (Mestrado) – Escola Nacional de Saúde Pública
Sergio Arouca, Rio de Janeiro, 2014.
1. Produção de Produtos. 2. Preparações Farmacêuticas.
3. Transferência de Tecnologia. 4. Cooperação Internacional.
5. Propriedade Intelectual. 6. Moçambique.
I. Título.
CDD – 22.ed. – 615.1909679
3
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho à Coordenadora de
Cooperação Internacional de Farmanguinhos
Lícia de Oliveira pelo apoio que
me foi dado para conclusão deste mestrado.
4
AGRADECIMENTOS
Participar de um Mestrado Profissional ao mesmo tempo em que precisamos nos
dedicar ao trabalho é um grande desafio, o qual só pode ser vencido se pudermos ter pessoas com
quem contar.
Sendo assim, gostaria de começar agradecendo a Escola Nacional de Saúde Pública
Sérgio Arouca pela brilhante iniciativa de promover este mestrado que é pioneiro no Brasil no
campo da Saúde Global e Diplomacia da Saúde. Meus agradecimentos à coordenação do curso, aos
professores e a todos aqueles que apoiaram a organização e estruturação deste curso.
Essencial também é encontrar orientadores que não só conheçam a temática, mas que,
principalmente, acreditem e estimulem o desenvolvimento do trabalho, compreendendo, também,
que há momentos em que outras prioridades pedem nossa atenção e nosso tempo. À Professora
Célia Almeida e a José Luiz Telles, meus sinceros agradecimentos.
Devo estender também, meus agradecimentos a vários colegas do Centro de Relações
Internacionais em Saúde da Fiocruz que apontaram importantes caminhos para a minha pesquisa.
Aos colegas de turma do curso, agradeço pela amizade, pela parceria, pelo incentivo e
pela dose de bom humor que nunca faltou nas aulas.
Foi importante contar com o apoio de chefes e colegas de trabalho. É por essa razão que
agradeço muito ao Diretor de Farmanguinhos, Hayne Felipe da Silva, por ter me dado a
oportunidade de participar do curso e aos meus colegas da Coordenação de Cooperação
Internacional, principalmente Vitória Iva dos Santos, por terem tolerado as minhas ausências ao
longo dessa jornada.
Deixo meus agradecimentos especiais a Roberto Camilo com o qual pude nas viagens
de trabalho a Moçambique conhecer toda a realidade e cultura de um povo maravilhoso e poder
participar de um projeto importantíssimo na história da cooperação brasileira com países africanos e
a minha namorada Marcia Albernaz de Miranda pela parceria e paciência comigo durante o período
desta pesquisa. Agradeço ainda ao Dr. Jorge Costa Santos da Silva e à Dra. Luciene Ferreira Gaspar
Amaral, que como meus examinadores muito contribuíram com suas sugestões para a revisão final
deste trabalho.
Por fim agradeço a Deus, esse Grande Arquiteto do Universo por ter me dado força para
prosseguir neste desafio mesmo quando este parecia longe de ser superado.
5
EPÍGRAFES
A responsabilidade pelo desenvolvimento do Sul
compete ao Sul, e está nas mãos das pessoas e
instituições do Sul.
Julius Nyerere (1990)
(Ex-presidente da Tanzânia)
Lack of Access to antiretroviral is a global
health emergency... to deliver antiretroviral
treatment to the millions who need it, we must
change the way we think and change the way we act
Jong-Wook Lee (2003)
(Diretor-Geral da Organização Mundial da Saúde).
6
ÍNDICE
INTRODUÇÃO ......................................................................................................................12
CAPÍTULO I – ESTRATÉGIA METODOLÓGICA, TEÓRICA E CONCEITUAL .... 19
O Estudo de Caso .............................................................................................................. 19
A análise bibliográfica ...................................................................................................... 19
A análise documental ........................................................................................................ 20
A observação social ........................................................................................................... 21
CAPÍTULO II – ASPECTOS GERAIS DA PRODUÇÃO DE MEDICAMENTOS ...... 23
Breve Relato dos Antecedentes Remotos da Produção de Medicamentos, da Propriedade
Intelectual e Patentes ................................................................................................. 23
O Cenário Internacional em relação à produção de medicamentos ............................. 25
Produção de Medicamentos e Propriedade Intelectual (Brasil e Moçambique) ......... 31
Insumos de Medicamentos e Patentes ............................................................................. 34
CAPÍTULO III – ESPECIFICIDADES DA PRODUÇÃO PÚBLICA DE
MEDICAMENTOS ................................................................................................................ 37
Desafios para produção pública de medicamentos ........................................................ 37
Produção Pública de Medicamentos no Brasil: Breve Panorama ................................ 39
Produção de Genéricos em Farmanguinhos e a Formulação de uma Política de
Medicamentos no Brasil ............................................................................................ 40
A Licença Compulsória do Efavirenz .............................................................................. 45
As Parcerias de Desenvolvimento Produtivo (PDPs) ..................................................... 50
A produção pública de medicamentos na África ............................................................ 50
CAPÍTULO IV – TRANSFERÊNCIA TECNOLÓGICA E COOPERAÇÃO
INTERNACIONAL ............................................................................................................... 53
A Cooperação Internacional e a Transferência de Tecnologia ..................................... 53
A Transferência de Tecnologia na Produção de Medicamentos ................................... 56
Países em Desenvolvimento e Produção Farmacêutica: a realidade atual .................. 59
Produção local de fármacos nos países em desenvolvimento ........................................ 60
Pré-requisitos para o investimento no setor farmacêutico ............................................ 61
Casos de transferência de tecnologia para produção farmacêutica local em países em
desenvolvimento. ........................................................................................................ 65
Argentina .............................................................................................................................65
Bangladesh ......................................................................................................................... 66
Colômbia ............................................................................................................................. 66
7
Etiópia ................................................................................................................................. 67
Indonésia ............................................................................................................................ 68
Jordânia .............................................................................................................................. 68
Tailândia ............................................................................................................................. 69
Uganda ................................................................................................................................ 69
CAPÍTULO V - O PROJETO DE COOPERAÇÃO BRASIL-MOÇAMBIQUE:
INSTALAÇÃO DA FÁBRICA DE ANTIRRETROVIRAIS E OUTROS
MEDICAMENTOS (SMM) EM MOÇAMBIQUE. ........................................................... 71
Negociações Iniciais (2003 a 2007) ................................................................................... 71
Desenvolvimento do projeto (2008 – 2013) ..................................................................... 72
A Liberação de Recursos para o Financiamento da Iniciativa ..................................... 74
O Projeto Executivo e a Compra dos Equipamentos ..................................................... 77
As Obras de Adequação e Infraestrutura e a Entrega dos Equipamentos .................. 79
Os primeiros Lotes de Produção e o início da Transferência de Tecnologia ............... 81
A Sociedade Moçambicana de Medicamentos (SMM) .................................................. 82
CAPÍTULO VI – RESULTADOS E DISCUSSÃO ............................................................ 84
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................ 89
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................. 92
LEGISLAÇÃO CITADA ................................................................................................. 95
LISTA DE DOCUMENTOS ANALISADOS ................................................................. 95
ANEXO I − Produção local de fármacos e transferência de tecnologia nos países em
desenvolvimento ......................................................................................................... 97
ANEXO II – Visão geral da Sociedade Moçambicana de Medicamentos S/A .......... 100
LISTA DE QUADROS
QUADRO I Critérios de seleção de patentes/pedidos de patente brasileiras candidatas ao
licenciamento e de informação contida em documentos de patente.
QUADRO II Recursos previstos, utilizados e saldos do projeto.
QUADRO III Medicamentos a serem produzidos pela SMM no âmbito da transferência de
tecnologia.
8
LISTA DE SIGLAS
ABC Agência Brasileira de Cooperação
AIDS Adquired Imunity Deficient Syndrom
ALFOB Associação dos Laboratórios Farmacêuticos Oficiais do Brasil
ANVISA Agência Nacional de Vigilância Sanitária
ARIPO African Regional Intellectual Property Organization
ARVs Antirretrovirais
BPF Boas Práticas de Fabricação
CEME Central de Medicamentos
CPLP Comunidade dos Países de Língua Portuguesa
CSS Cooperação Sul-Sul
CUP Convenção da União de Paris
GPO Government Pharmaceutical Organization
GSPA – PHI Estratégia Global/Plano de Ação Saúde Pública, Inovação e Prop.Intelectual
IBAS Fórum entre Índia, Brasil e África do Sul
ICTSD Centro Internacional para o Comércio e o Desenvolvimento Sustentável
IFA Insumos Farmacêuticos Ativos
IGEPE Instituto de Gestão de Participação do Estado de Moçambique
LPI Lei da Propriedade Industrial
MERCOSUL Mercado Comum do Sul
MISAU Ministério da Saúde de Moçambique
MRE Ministério das Relações Exteriores
MS Ministério da Saúde
OMC Organização Mundial do Comércio
OMPI Organização Mundial da Propriedade Intelectual
OMS Organização Mundial da Saúde
ONU Organização das Nações Unidas
P&D Pesquisa & Desenvolvimento
PNM Política Nacional de Medicamentos
PNUD Política das Nações Unidas para o Desenvolvimento
PTEI PT Eisai Indonesia
RENAME Relação Nacional de Medicamentos Essenciais
RMB Relação de Medicamentos Básicos
SEAA Sino-Ethiop (Africa) Associates Private Limited Company SIDA
9
SMM S/A Sociedade Moçambicana de Medicamentos
SUS Sistema Único de Saúde
TPI Tanzania Pharmaceutical Industries Limited
TRIPS Trade Related Aspects of Intelectual Property Rights
UNAIDS Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS
UNASUL União de Nações Sul-americanas
UNCTAD United Nations Conference on Trade and Development
10
RESUMO
Esta dissertação tem por objetivo analisar a interface entre transferência de tecnologia e
produção pública de medicamentos, utilizando como exemplo o projeto de cooperação entre os
governos brasileiro e moçambicano para a implantação de uma fábrica de medicamentos em
Maputo, capital do país, no período de 2003 a 2013. Traz elementos para a sua discussão,
principalmente no que diz respeito às condições nas quais esse tipo de cooperação pode contribuir
para a melhoria do acesso a medicamentos, principalmente em países em desenvolvimento. O
estudo faz uma revisão das principais questões que envolvem um processo de transferência de
tecnologia (direitos de propriedade intelectual e de propriedade industrial) e aponta elementos que
podem auxiliar uma análise crítica mais aprofundada sobre esses processos, sobretudo quando
envolvem países em desenvolvimento. A estratégia metodológica foi de estudo de caso, enfatizando
mecanismos qualitativos de coleta de dados – levantamento e análise bibliográfica e documental; e
observação social (do próprio autor, uma vez que integra a equipe da Fiocruz que desenvolve esse
projeto). Descreve-se a relação entre produção de medicamentos e propriedade industrial,
destacando a tensão existente entre a necessidade dos países de oferecer medicamentos essenciais
para suas populações, a preços acessíveis, e o lucro inerente das empresas transnacionais produtoras
de medicamentos. Discutem-se também os principais desafios para a produção pública de
medicamentos no Brasil, tendo por referência a política brasileira para produção de genéricos, que
conta com Farmanguinhos, da Fiocruz, como um dos principais laboratórios públicos produtores de
antirretrovirais no país. Aborda-se ainda a importância da cooperação internacional Sul-Sul como
instrumento relevante para o enfrentamento das questões relativas às dificuldades inerentes à
produção, distribuição e acesso a medicamentos, em nível nacional e internacional. Repassa-se
brevemente o desenvolvimento do projeto de instalação da fábrica de antirretrovirais e outros
medicamentos em Moçambique – a Sociedade Moçambicana de Medicamentos (SMM). Por fim,
apresentam-se alguns resultados e elementos estruturais que se constituem como desafios a serem
superados nesses processos de transferência de tecnologia entre países em desenvolvimento. Nas
considerações finais, alinham-se alguns elementos que se configuram como importantes desafios a
serem superados, utilizando-se como exemplo a cooperação Brasil-Moçambique na área de
produção de medicamentos.
Palavras-chave: Produção pública de medicamentos, Transferência de tecnologia, Cooperação Sul-
Sul, Propriedade Industrial, Moçambique.
11
ABSTRACT
This study examines the interface between technology transfer and public drug production,
taking as its example the cooperation project between the governments of Brazil and Mozambique
to set up a drug production plant in the latter’s capital city, Maputo, between 2003 and 2013. It
offers input to the discussion primarily as regards the conditions in which cooperation of this kind
can contribute to improving access to drugs, particularly in developing countries. The study reviews
the chief issues involved in the technology transfer process (intellectual properties rights and
industrial property rights) and points up information that can assist more in-depth critical analysis of
these processes, especially when they involve developing countries. The methodological strategy
was case-study based, with the emphasis on qualitative data collection mechanisms (literature and
documentary survey and analysis) and social observation (by the author, who forms part of the
Fiocruz team that conducted this cooperation project). The relationship between drug production
and industrial property is described, highlighting the tension that exists between countries’ need to
offer essential drugs to their populations at accessible prices and the profit motive inherent to
transnational drug producer corporations. Also discussed are the main challenges facing public drug
production in Brazil, with reference to Brazil’s policy of producing generics, which involves
Farmanguinhos, at Fiocruz, as one of its leading public laboratories producing antiretroviral drugs.
The study also considers the importance of South-South international cooperation as an important
instrument for addressing issues relating to the difficulties inherent to drug production, distribution
and access nationally and internationally. A brief account is given of the development of the project
of cooperation to install the plant for producing antiretrovirals and other drugs in Mozambique, the
Sociedade Moçambicana de Medicamentos (SMM). Lastly, some results and structural components
are presented that pose challenges to be met in the process of technology transfer between
developing countries. The final remarks bring together concerns that constitute substantial
challenges to be met, as exemplified by drug production cooperation between Brazil and
Mozambique.
Keywords: public drug production, technology transfer, South-South cooperation, industrial
property, Mozambique.
12
INTRODUÇÃO
Várias epidemias com enorme potencial de disseminação em escala global têm ameaçado as
populações dos mais variados países exigindo ações coordenadas de governos e instituições em
matéria de recursos e medidas de combate e de controle. Nesse sentido, a cooperação internacional
nas últimas décadas tornou-se um elemento marcante nas relações internacionais, possibilitando a
construção de relações cada vez mais globalizadas onde o conhecimento compartilhado nas muitas
atividades técnicas desempenha um papel central na política externa dos países (SATO, 2010).
Alguns países em desenvolvimento avançaram de forma significativa na modernização de
suas indústrias e de seus recursos institucionais, propiciando a retomada da chamada “Cooperação
Sul–Sul” (CSS) ou “Cooperação Horizontal” ou “Cooperação Técnica entre Países em
Desenvolvimento”, que surgiu nas esferas política e econômica durante os anos de 1960, mas teve
um retrocesso nas décadas de 1970 e 1980 (ALMEIDA et al, 2010; LEITE, 2012).
No fim dos anos 90 e início dos anos 2000, houve um ressurgimento e ampliação da CSS,
principalmente devido à insatisfação com os impactos sociais dos programas de ajuste estrutural e a
emergência de governos considerados progressistas em vários países (LEITE, 2012). Nesse mesmo
período também surgiram alianças e coalizões entre os países do Sul geopolítico, as chamadas
potências emergentes (tais como Brasil, Rússia, China, Índia e África do Sul), assim como de novos
arranjos de blocos regionais (como a União das Nações Sul-americanas − UNASUL), na busca de
modelos alternativos de desenvolvimento, incentivando a CSS, numa perspectiva de atuação
diferenciada da tradicional cooperação Norte-Sul (ALMEIDA et al, 2010).
A maioria dos países considerados pobres tem enfrentado dificuldades para atender às
necessidades de suas populações, principalmente no campo da saúde, devido entre outros fatores, à
precariedade de suas instalações, às péssimas condições de vida de seus habitantes e o baixo nível
de desenvolvimento. Tal situação faz com que estes países fiquem dependentes de ajuda
internacional, em geral organizada verticalmente para controle de determinadas doenças mais
prevalentes o que, por sua vez, não contribui para o fortalecimento dos seus respectivos sistemas de
saúde.
O impacto econômico da AIDS atinge dimensões significativas no mundo, sobretudo nas
regiões e grupos sociais mais pobres de países africanos, fazendo com que a doença seja vista não
apenas como uma questão de saúde pública, mas também de desenvolvimento humano nestas
regiões.
13
A cooperação internacional entre os países do Hemisfério Sul pode contribuir para instituir
outra dinâmica de relação no sentido do fortalecimento dos sistemas nacionais de saúde a partir do
aprendizado mútuo e de maior horizontalidade na construção de projetos comuns. A transferência
tecnológica em áreas estratégicas de desenvolvimento na saúde acaba por assumir relevância
quando se intenta diminuir dependência externa, muitas das vezes, ao sabor das variações de
mercado.
Países em desenvolvimento como o Brasil podem auxiliar outros países em condições
similares a estabelecer bases tecnológicas consideradas sensíveis para a saúde de suas populações.
As experiências de países emergentes fornecem lições de aprendizado para outros países em
desenvolvimento, com destaque especial para as políticas industriais, tecnológicas e comerciais. O
domínio da tecnologia de produção de medicamentos foi um caminho buscado pelo Brasil, por
exemplo, que culminou na garantia de acesso à terapia de antirretrovirais para pacientes portadores
do vírus HIV. A política de enfrentamento da epidemia de HIV/AIDS no Brasil, por conseguinte, é
considerada modelo de sucesso na saúde pública internacional.
Com efeito, o gasto com medicamentos revela uma enorme desigualdade existente no acesso
aos serviços e insumos de saúde entre as populações dos países desenvolvidos e o resto do mundo,
pois enquanto nos países de alta renda esse gasto é majoritariamente coberto por sistemas de
seguridade social públicos e, em alguns casos, por seguros privados, nos países de renda média e
baixa, boa parte da população é obrigada a usar recursos próprios para a compra de medicamentos
(BERMUDEZ, 2012).
O lançamento da terapia antirretroviral no mercado internacional melhorou o tratamento
contra HIV/AIDS, e teve por consequência excelentes resultados na redução da mortalidade e
morbidade dos pacientes tratados. Entretanto, o alto preço desses medicamentos constituiu uma das
principais razões para que milhões de indivíduos ainda hoje permaneçam à margem da
possibilidade de tratamento.
Nesse sentido, a maior participação do Estado no financiamento e produção dos
medicamentos tem se mostrado como possível caminho para melhorar tal situação, pois embora o
acesso a medicamentos seja considerado direito fundamental, existem evidências de que boa parte
da população mundial ainda não tem acesso regular a estes.
No entanto, a complexidade do processo de produção farmacêutica e a atenção necessária ao
controle de qualidade para adquirir padrões de segurança adequados fazem da área farmacêutica um
setor que exige um número considerável de pré-requisitos para qualquer investimento em capital e
14
tecnologia, tais como, disponibilidade de recursos humanos, infraestrutura básica, controle
regulatório, propriedade intelectual e acesso a mercados.
No caso de cooperação entre dois países visando à transferência de tecnologia para produção
de medicamentos, esses pré-requisitos devem estar presentes em ambos os países ou serem
construídos. Ademais, outros fatores devem ser levados em consideração: i) suporte governamental
bilateral; ii) bases e incentivos institucionais necessários para a produção local; iii) definição dos
medicamentos a serem produzidos conforme as necessidades do país; iv) financiamento dos custos
da produção; e v) formas de promoção interna da transferência de tecnologia.
Nesse cenário o Brasil tem fortalecido e articulado os laços Sul-Sul como um dos eixos
prioritários de sua política externa. Além de co-liderar a criação do G-20 em 1999, o país participa
de coalizões políticas regionais: o MERCOSUL, desde 1991; a Comunidade de Países de Língua
Portuguesa (CPLP), constituído por oito nações distribuídas em quatro continentes, desde 19961; o
IBAS, que inclui Índia, Brasil e África do Sul, desde 2003; os BRICs, formados por Brasil, Rússia,
China, Índia e África do Sul, desde 2009; e a UNASUL, criada em 2008 e integrada por 12 países
da América do Sul2.
Durante o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003–10), uma das diretrizes da
Política Externa Brasileira (PEB) priorizaram o fortalecimento da CSS, sobretudo com os países da
América do Sul e da África, principalmente os de língua portuguesa (integrantes da CPLP), mas não
exclusivamente. Esta diretriz foi uma das estratégias para aumentar o protagonismo internacional do
país, sobretudo por meio de acordos com países até então “não tradicionais” nas relações
internacionais brasileiras (VIGEVANI & CEPALUNI, 2007), como forma de reposicionar sua
situação no sistema mundial.
A cooperação internacional brasileira passou a ser considerada como um instrumento
propulsor do desenvolvimento dos países mais pobres, ou com nível de desenvolvimento similar. A
conjugação de elementos motivacionais (vizinhança, entorno geográfico, fatores decorrentes de
vínculos históricos e culturais, entre outros) impulsionou essa dinâmica, embalada também por
componentes éticos e humanitários, baseados na solidariedade entre as nações em desenvolvimento,
e na ênfase nos aspectos sociais (PUENTE, 2010).
1Os 8 países que integram a CPLP são: Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, Timor Leste
e São Tomé e Príncipe. 2Os países na UNASUL são: Argentina, Brasil, Uruguai, Paraguai, Bolívia, Colômbia, Equador, Peru, Chile, Guiana,
Suriname e Venezuela. Panamá e México participam como membros observadores e poderão, futuramente, integrar a
comunidade.
15
No campo das políticas sociais, a experiência brasileira em políticas públicas de combate à
epidemia de HIV/AIDS e de tratamento dos doentes e portadores do vírus por meio de medidas de
prevenção, atenção médica e assistência farmacêutica gratuita, promovidas pelo Ministério da
Saúde, tem sido considerada bem sucedida mundialmente, com efetivo controle e acompanhamento
da epidemia. Por outro lado, a criação do Sistema Único de Saúde (SUS) e seu desenvolvimento nas
últimas décadas e programas de assistência social vinculados a ações nas áreas de educação,
combate à fome e redução da pobreza têm credenciado o Brasil positivamente na cooperação Sul-
Sul. Como resultado, o Ministério da Saúde e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) têm recebido
grande quantidade de demandas de cooperação em saúde, incluindo a área de produção de
medicamentos.
A efetiva produção desses medicamentos no Brasil está relacionada também ao advento do
combate à AIDS, mais precisamente a uma política que mobilizou mecanismos de enfrentamento
tanto da atuação das multinacionais no país, principalmente em relação a patentes, quanto da
extrema dependência da compra de medicamentos dessas empresas.
A política brasileira de produção de antirretrovirais tem apresentado aspectos inovadores,
não somente por garantir a distribuição gratuita e universal de medicamentos aos pacientes que dele
necessitem – doentes ou portadores de HIV/AIDS −, mas também por estimular a produção
nacional de medicamentos genéricos utilizados nesses tratamentos, assim como por adotar posições
firmes no tocante à possibilidade de uso dos licenciamentos compulsórios de alguns medicamentos
e de produzir outros com patentes já expiradas.
Nesse sentido, diante das oportunidades de parceria entre África e Brasil e da problemática
da epidemia de HIV/AIDS em populações africanas é que os governos de Moçambique e Brasil, em
2003, firmaram parceria para estudar a viabilidade de implantação de uma unidade produtora de
medicamentos antirretrovirais nesse país.
A iniciativa do projeto de instalação da fábrica de antirretrovirais e outros medicamentos em
Moçambique se insere neste contexto, sendo resultado do compromisso político estabelecido em
2003 entre os dois governos para a produção de alguns medicamentos em solo moçambicano, de
forma a consolidar o apoio brasileiro às iniciativas locais para o enfrentamento do HIV/AIDS em
Moçambique e, se possível, na região.
O governo Brasileiro, a partir do Ministério da Saúde e do Ministério das Relações
Exteriores, por meio de sua Agência Brasileira de Cooperação (ABC/MRE), envolveu diretamente
nessa iniciativa o Instituto de Tecnologia em Fármacos (Farmanguinhos), unidade técnico-científica
16
da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), instituição vinculada ao Ministério da Saúde. Farmanguinhos
detém conhecimento e experiência na área da produção pública de medicamentos no Brasil, tendo
participado da implementação de genéricos no final da década de 1990 e contribuído para a criação
e funcionamento da rede de laboratórios públicos brasileiros, bem como para a formulação dos
programas públicos de assistência farmacêutica (COSTA, E. et al, 2008).
Esta pesquisa tem por objetivo analisar a interface entre transferência de tecnologia e
produção pública de medicamentos, utilizando como exemplo o projeto de cooperação entre os
governos brasileiro e moçambicano para a implantação de uma fábrica de medicamentos em
Maputo, capital do país, no período de 2003 a 2013. Traz elementos para a sua discussão,
principalmente no que diz respeito às condições nas quais esse tipo de cooperação pode contribuir
para a melhoria do acesso a medicamentos. Pretendeu-se discutir e analisar em que medida as
questões legais (propriedade industrial) e estruturais presentes em ambos os países, podem facilitar
ou restringir a dinâmica cooperativa. Para tal, foram considerados: a) os contextos nos quais se
desenvolve esse projeto de cooperação; b) as discussões relacionadas à propriedade industrial,
transferência de tecnologia e produção pública de medicamentos; e c) uma breve descrição das
etapas do repasse da tecnologia de Farmanguinhos/Fiocruz, para a SMM em Moçambique e as
principais características de cada uma dessas etapas.
O período de análise (2003−2013) foi definido porque o acordo para o desenvolvimento
dessa iniciativa foi assinado em 2003 e, em 2013, foi inaugurada a primeira etapa do projeto – o
envaze local de medicamentos produzidos no Brasil, mas já com o selo moçambicano de produção
farmacêutica.
Trata-se de um estudo de caso sobre como a tecnologia de um país em desenvolvimento
como o Brasil pode ser transferida com o objetivo de fortalecer a produção local de medicamentos
em outro país em desenvolvimento, assim como sobre o esforço que Moçambique está fazendo para
alcançar o nível de desenvolvimento tecnológico necessário para adquirir menor dependência
externa para o fornecimento de medicamentos à sua população.
As importantes questões norteadoras deste trabalho foram: a) quais fatores legais e
estruturais impedem ou facilitam a transferência e absorção da tecnologia no projeto de instalação
da fábrica de antirretrovirais e outros medicamentos, tendo como referência o exemplo da SMM em
Moçambique? e b) em que medida os cenários brasileiro e moçambicano relativos ao Acordo
TRIPS e a propriedades intelectual e industrial favorecem a produção pública de medicamentos em
países em desenvolvimento?
17
Parte-se do pressuposto que a produção local de medicamentos em um determinado país em
desenvolvimento contribui para a diminuição da sua dependência externa em relação ao acesso aos
antirretrovirais e outros medicamentos essenciais. A aquisição de tecnologia por parte de um país
para produzir medicamentos também contribui para que seu governo adquira maior poder de
barganha na hora de negociar preços na compra de antirretrovirais junto às empresas
multinacionais.
Ademais, um projeto de cooperação técnica internacional como a iniciativa de instalação da
fábrica de antirretrovirais e outros medicamentos em Moçambique pode representar um instrumento
de desenvolvimento para o país, uma vez que auxiliaria na promoção de mudanças de caráter
estrutural que, por exemplo, podem impactar positivamente no avanço de processos produtivos ou
ainda gerar as condições propícias para saltos tecnológicos em setores estratégicos como o
farmacêutico entre países em diferentes níveis de desenvolvimento tecnológico.
No primeiro capítulo, foi apresentada a estratégia metodológica utilizada nesta pesquisa, que
se baseou no estudo de caso, enfatizando mecanismos qualitativos de coleta de dados –
levantamento e análise bibliográfica e documental, além de observação social direta, aproveitando a
experiência do autor, adquirida como membro da Coordenação de Cooperação Internacional de
Farmanguinhos e da equipe que está acompanhando o projeto desde 2008.
O segundo capítulo descreve a relação entre a produção de medicamentos no cenário
internacional e a propriedade industrial, destacando a tensão existente entre a necessidade dos
países em oferecer medicamentos essenciais para suas populações, a preços acessíveis, e o inerente
lucro das empresas transnacionais produtoras, que argumentam com a necessidade de cobrir seus
investimentos em pesquisa, desenvolvimento e produção de novos medicamentos.
Em seguida foram discutidos no terceiro capítulo, os principais desafios para a produção
pública de medicamentos no Brasil, tendo por referência a política brasileira para produção de
genéricos (sendo que Farmanguinhos é um dos principais laboratórios públicos produtores de
antirretrovirais no país), levando em consideração a licença compulsória do medicamento Efavirenz
e outros procedimentos utilizados pela instituição para a sua produção, tais como a engenharia
reversa e as parcerias de desenvolvimento produtivo (PDPs).
O quarto capítulo aborda a forma como a cooperação internacional Sul-Sul se tornou um
importante instrumento para o enfrentamento das questões relativas à propriedade industrial e ao
acesso a medicamentos, principalmente após a assinatura do acordo TRIPs. Nesse capítulo discute-
se também a correlação entre transferência de tecnologia e produção de medicamentos, destacando
18
as dificuldades encontradas pelos países em desenvolvimento para produzir medicamentos, em
condições ainda precárias, principalmente levando em conta as exigências e pré-requisitos legais e
estruturais exigidos pela indústria farmacêutica. Utilizou-se como referência os estudos de caso
realizados pela Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD),
em conjunto com a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Centro Internacional para o
Comércio e o Desenvolvimento Sustentável (ICTSD), para a discussão de questões específicas
enfrentadas na cooperação Brasil-Moçambique, sobretudo no que diz respeito às diferentes
estratégias, relacionadas à transferência de tecnologia em países em desenvolvimento, para
viabilizar a produção local de medicamentos e atender ao interesse público.
Em seguida, no quinto capítulo apresenta-se um breve histórico do projeto de instalação da
fábrica de antirretrovirais e outros medicamentos em Moçambique (Sociedade Moçambicana de
medicamentos/SMM), com ênfase na parte relacionada às negociações iniciais que ocorreram no
período entre 2003 a 2007. Em seguida, são descritas as etapas de desenvolvimento do projeto, no
período 2008- 2013, com destaque para as articulações relacionadas à liberação dos recursos para o
financiamento da iniciativa, a compra dos equipamentos e a entrega do projeto executivo da fábrica,
com as obras de adequação e infraestrutura. O início da transferência de tecnologia entre
Farmanguinhos e a SMM também foi abordado neste capítulo, assim como as principais
características da fábrica moçambicana.
No sexto capítulo apresentam-se alguns resultados e elementos para a discussão dos
principais problemas estruturais identificados durante o processo de transferência de tecnologia do
projeto, com ênfase na questão da propriedade intelectual e seus desdobramentos na legislação
moçambicana.
Por fim, nas considerações finais, apresenta-se uma síntese dos principais desafios que essa
cooperação Brasil-Moçambique na área de produção de medicamentos tem enfrentado, assim como
os possíveis caminhos a seguir para atingir seus objetivos.
19
CAPÍTULO I – ESTRATÉGIA METODOLÓGICA, TEÓRICA E CONCEITUAL
Foi utilizada a estratégia metodológica de estudo de caso utilizando-se técnicas qualitativas
para o levantamento de dados, pesquisa e análise bibliográfica e documental, bem como observação
direta.
O Estudo de Caso
Esta opção se justifica pelo próprio objeto da investigação, uma vez que o estudo de caso
contribui para a compreensão de fenômenos individuais, coletivos, organizacionais, sociais e
políticos que envolvem a cooperação em geral e este projeto em particular, permitindo a
preservação das características holísticas de todo o processo, ainda que focado em recorte específico
(YIN, 2001). Este autor explica que o estudo de caso permite o exame detalhado de processos
organizacionais ou relacionais para esclarecer fatores que interferem em determinados
procedimentos, apresentando modelos de análise replicáveis em situações semelhantes e até
possibilitando comparações.
Howard Becker (1997) destaca que diferente do experimento de um laboratório, no qual é
concebido para testar uma ou poucas proposições intimamente relacionadas tão rigorosa e
precisamente quanto possível, o estudo de caso tem que ser preparado para lidar com uma grande
variedade de problemas teóricos e descritivos. O mesmo autor acrescenta ainda que um estudo de
caso quase sempre fornece fatos para guiar pressuposições, enquanto os estudos com procedimentos
de coleta de dados mais limitados são obrigados a pressupor o que o observador pode verificar. Os
objetivos do estudo de caso e os tipos de problemas que geralmente aparecem sugerem técnicas
específicas de coleta e análise de dados. Todo estudo de caso permite que se façam generalizações
sobre as relações entre os vários fenômenos estudados, no entanto cada caso e um caso (BECKER,
1997).
A análise bibliográfica
A análise bibliográfica foi baseada na contribuição de diversos autores, nacionais e
internacionais, sobretudo no que se refere ao tema da transferência de tecnologia na área da
produção farmacêutica. A pesquisa bibliográfica também foi utilizada como técnica para apoiar o
levantamento de dados e o exercício descritivo e interpretativo dos fenômenos estudados,
ressaltando a contextualização histórica e fatores relevantes que contribuíram para a análise de
20
algumas intervenções propostas para a área de saúde e produção pública de medicamentos
(FONSECA, 2011).
Um dos primeiros passos do pesquisador é definir alguns conceitos fundamentais para a
construção do quadro teórico da pesquisa. A construção teórica se baseia num sistema cujos eixos
são os conceitos, unidades de significação que definem a forma e o conteúdo de uma teoria.
Ademais, as categorias também podem ser definidas como os conceitos mais importantes dentro de
uma teoria. Qualquer pesquisa está situada dentro de um quadro de preocupações teóricas, uma vez
que a leitura bibliográfica deve ser um exercício de crítica, na qual devem ser destacadas as
categorias centrais usadas pelos diferentes autores (GOLDENBERG, 2004).
As teorias são definidas pelos autores como os conhecimentos que foram construídos
cientificamente sobre determinado assunto por outros estudiosos que o abordaram, lançando luz
sobre a análise do objeto da pesquisa. A teoria é construída para explicar ou para compreender um
fenômeno, um processo ou um conjunto de fenômenos e processos. A teoria propriamente dita
sempre será um conjunto de proposições, um discurso abstrato sobre a realidade (DESLANDES,
GOMES e MINAYO, 2012).
Em geral, os autores mencionados defendem que teorias são instrumentos que ajudam a
explicar a realidade, que, por sua vez, é uma construção abstrata (pois não existe uma única
realidade) e cumprem funções muito importantes como: a) colaborar para esclarecer melhor o
objeto de uma investigação; b) ajudar a levantar questões, focalizar o problema e elaborar as
perguntas, assim como estabelecer hipóteses com mais propriedade; c) permitir maior clareza na
organização dos dados; d) iluminar a análise dos dados. Afirmam também que uma teoria é um
discurso sistemático que orienta o olhar sobre determinado problema, a observação de dados e a
análise dos mesmos. O domínio de teorias fundamenta o caminho do pensamento e da prática
teórica, além de constituir o plano interpretativo para indagações de pesquisa, seja para desenvolvê-
las, respondê-las, ou para, a partir delas, propor um novo discurso teórico (DESLANDES, GOMES
e MINAYO, 2012).
A análise documental
A análise documental apoiou o exercício de interpretação e análise do objeto de estudo, uma
vez que os documentos analisados são textos administrativos e publicações, tanto dos governos do
Brasil quanto de Moçambique, como das organizações nacionais e internacionais, assim como
relatórios institucionais publicados, diretamente relacionados ao projeto no período em estudo.
21
O uso de documentos em pesquisa deve ser apreciado e valorizado, pois a riqueza de
informações que deles podem ser extraídas e resgatadas justifica o uso em várias áreas das Ciências
Humanas e Sociais, porque auxilia no entendimento de objetos cuja compreensão necessita de
contextualização histórica e sociocultural (SÁ-SILVA, DE ALMEIDA e GUINDANI, 2009).
Numa análise documental busca-se identificar informações factuais a partir de questões e
hipóteses de interesse, enquanto na pesquisa documental busca-se esgotar todas as pistas capazes de
lhe fornecer informações interessantes. Os documentos originais são fontes primárias de dados, pois
ainda não receberam tratamento analítico por nenhum autor, sendo esta uma das técnicas decisivas
para a pesquisa em ciências sociais e humanas (SÁ-SILVA, DE ALMEIDA e GUINDANI, 2009).
Os documentos podem ser variados – relatórios institucionais, acordos, cartas e memorandos
oficiais, reportagens de jornais, revistas, filmes, gravações, fotografias, entre outros.
Embora muito próxima da pesquisa bibliográfica, a pesquisa documental tem como
elemento diferenciador a natureza das fontes, pois as bibliografias pesquisadas e estudadas
constituem-se em fontes secundárias, pois já receberam tratamento cientifico (analítico). (SÁ-
SILVA, DE ALMEIDA e GUINDANI, 2009).
A observação social
A técnica de coleta de dados baseada na observação social traz os dados coletados pelo
próprio autor no seu envolvimento direto com o próprio objeto de análise nesta pesquisa, uma vez
que integra a equipe de Farmanguinhos que acompanha o desenvolvimento e a execução do projeto
de cooperação, desde 2008. Pode-se considerar que a observação direta, tal como definida por Yin
(2001), se aplicaria neste caso, pois segundo este autor, ocorre quando os fenômenos de interesse, e
que não são de caráter histórico, encontram-se disponíveis para observação com relação a alguns
comportamentos ou condições ambientais relevantes, fazendo com que tais observações sirvam
como fonte de evidências em um estudo de caso.
Segundo Yin (2001), as observações podem variar de atividades formais a informais, como
observações de reuniões, de atividades de passeio, de trabalho de fábrica, de salas de aula e outras
atividades semelhantes. Esse autor ainda explica que, de maneira mais informal, as observações
diretas podem ser feitas ao longo da visita de campo, incluindo aquelas ocasiões durante as quais
estão sendo coletadas outras evidências como as provenientes de entrevistas.
O estudo observacional de uma instituição (como por exemplo, a SMM) pode ser, e sempre
é usado por várias pessoas de várias maneiras, dependendo da sua posição no grupo ou em relação a
22
ele, e de seu interesse no funcionamento deste grupo. O estudo observacional é útil na identificação
e especificação de problemas e na descoberta de suas origens e consequências, em vários níveis
(BECKER, 1997).
O estudo observacional também torna possível ir além do problema conforme originalmente
concebido, a partir da identificação de outros pontos de vista de diferentes de atores envolvidos,
fornecendo informações adicionais que são úteis para o objeto que está sendo estudado (BECKER,
1997). A observação, neste caso, se baseou nas anotações de campo, notas técnicas e atas de
reuniões elaboradas pelo autor, como memória de seu trabalho nas missões do projeto, no período
de análise da pesquisa.
O trabalho de campo permite a aproximação do pesquisador da realidade sobre a qual
formulou perguntas, bem como estabelece uma interação com os atores que conformam a realidade
e, assim, possibilita a construção de um conhecimento empírico importantíssimo para quem faz
pesquisa social (DESLANDES, GOMES e MINAYO, 2012).
Os autores referidos entendem “campo” na pesquisa qualitativa como o “recorte espacial
que diz respeito à abrangência, em termos empíricos, do recorte teórico correspondente ao objeto da
investigação”. Nesse sentido, cabe enfatizar que “a pesquisa social trabalha com pessoas e com suas
realizações, compreendendo-os como atores sociais em relação a grupos específicos ou
perspectivas, produtos e exposições de ações” (DESLANDES, GOMES e MINAYO, 2012, p. 62).
Por outro lado, a participação do autor no projeto de cooperação em pauta constituiu-se
numa dificuldade adicional, pois foi fundamental o exercício de “distanciamento analítico”, onde as
percepções individuais devem ser matizadas e trianguladas com as constatações observadas no
processo de desenvolvimento da pesquisa.
23
CAPÍTULO II – ASPECTOS GERAIS DA PRODUÇÃO DE MEDICAMENTOS
Breve Relato dos Antecedentes Remotos da Produção de Medicamentos, da proteção da
Propriedade Intelectual e de Patentes
A propriedade intelectual é o direito exclusivo de propriedade sobre formas intangíveis de
criação e sobre os resultados concretos de suas aplicações. A expressão propriedade intelectual
reúne diferentes conceitos de criatividade privada, tais como ideias e invenções com o intuito de
regular a proteção pública dos frutos dessa criatividade. E o Estado garante, jurídica e
institucionalmente, o direito de propriedade sobre a expressão criativa, envolvendo, de forma
ampla, a propriedade industrial e o direito autoral. Neste contexto, a propriedade intelectual é o
gênero do qual a propriedade industrial é espécie; logo, no que tange exclusivamente às invenções
que originam as patentes diz-se que o direito é temporário e tem o poder de impedir que terceiros
produzam, usem ou vendam produtos originados a partir do objeto da patente descrito no
documento oficial através do qual o direito foi conferido (FROTA, 1993).
O sistema internacional de propriedade intelectual é constituído por uma complexa estrutura
de leis, costumes nacionais, acordos, práticas internacionais, bem como convenções e tratados
intergovernamentais, como o Congresso de Viena, as Conferências de Paris (de 1878 e 1880), e as
Convenções − de Paris, Internacionais sobre Direitos do Autor, de Berna −, o Acordo Geral sobre
Tarifas e Comércio (GATT), o acordo de Marrakesh e o TRIPS – Trade Related Aspects of
Intellectual Property Rights, ambos negociados na Rodada Uruguai finalizada em 1994, que criou a
Organização Mundial do Comércio (OMC).
Ao longo da história, como membro da Convenção de Paris e da Convenção de Berna, o
Brasil baseou a sua legislação sobre o tema nos preceitos dessas convenções, sendo o quarto país do
mundo a legislar sobre propriedade intelectual. Maria Stela Pompeu Brasil Frota explica que
“O primeiro texto legal sobre a matéria no país foi promulgado em 28 de abril de
1809, através de Alvará Régio baixado pelo Príncipe Regente Dom João no qual
afirmava a conveniência de que os inventores e introdutores de alguma nova
máquina e invenção nas artes gozassem de privilégio exclusivo por um prazo de 14
anos” (FROTA, 1993, p. 34).
A mesma autora ainda relata que a primeira lei especifica sobre patentes foi editada em 28
de agosto de 1830 pelo imperador Dom Pedro I. Contudo em 27 de agosto de 1945, Getúlio Vargas
promulgou o Decreto-Lei 7.903, sendo este o primeiro Código de Propriedade Industrial brasileiro
(FROTA, 1993, p. 35).
24
Levando em consideração que neste período o Brasil iniciava a sua industrialização, o
referido decreto excluía de proteção patentária os produtos farmacêuticos e alimentícios. Ademais,
o modelo de substituição de importações procurava dar à recente indústria nacional de
medicamentos condições para, por meio da cópia de produtos patenteados, produzir localmente
medicamentos a custo inferior ao que seria de se esperar caso vigorasse o direito de patentes para
produtos farmacêuticos. Neste período a maioria dos países que se encontravam em estágio de
desenvolvimento mais avançados que o Brasil, proibia que certos produtos, como os farmacêuticos,
fossem patenteados. As constituições brasileiras de 1946, 1967, 1969 e 1988 passaram a ter
dispositivos que asseguravam aos inventores o privilégio legal de utilização de suas criações
(FROTA, 1993, p. 35).
No entanto, com a publicação do Decreto-Lei Nº 1.005 de 21 de outubro de 1969, que
instituiu o então Código de Propriedade Industrial, excluiu-se processos químico-farmacêuticos do
direito de patente, além de manter a exclusão, já existente, para medicamentos e alimentos. Em 21
de dezembro de 1971 foi promulgada a Lei Nº 5772, instituindo um novo Código de Propriedade
Industrial e mantendo a exclusão de processos e produtos farmacêuticos da proteção de patentes. Na
época, o governo brasileiro sustentou sua decisão de não incluir produtos farmacêuticos da proteção
de patentes, com argumentos de ordem econômica e social, apresentando a necessidade de produzir
medicamentos a preços baixos a partir de tecnologias desenvolvidas localmente com a cópia de
processos e produtos pesquisados no exterior (FROTA, 1993, p. 36).
A produção de medicamentos e a indústria farmacêutica são essenciais a qualquer país, pois
produzem produtos fundamentais para as populações, muitas vezes conflitando com princípios e
prioridades empresariais, tais como o lucro e o direito de produzir, ou não, determinado
medicamento em função do retorno financeiro que dele se pode auferir, bem como o direito de
monopolizar a apropriação do resultado de uma descoberta e dela obter lucro. A indústria
farmacêutica é dependente do setor farmoquímico, como um dos principais componentes da cadeia
produtiva. Por sua vez, o setor farmoquímico é o responsável pela produção das matérias primas
ativas, ou seja, os princípios ativos ou fármacos, que podem ser de origem sintética, biotecnológica
ou vegetal, animal ou mineral. Fármacos são substancias terapêuticas ativas que processados e
misturados, através de operações físicas, transformam-se em especialidades farmacêuticas (FROTA,
1993, p. 67).
A história da indústria farmacêutica no Brasil pode ser dividida em três períodos,
caracterizados pela tecnologia dominante em cada um deles: o primeiro se deu no início do século
XX, quando a produção farmacêutica brasileira originava-se em estabelecimento de cunho familiar,
25
a partir da manipulação de substâncias naturais de origem vegetal, animal ou mineral, com
predominância da primeira; o segundo período de avanço do setor foi caracterizado pelo
desenvolvimento da tecnologia de produtos biológicos, devido à necessidade de combater surtos
endêmicos, como a epidemia de peste em Santos, no ano de 1889, que motivou a criação, por parte
do Governo Federal, de laboratórios capacitados para a pesquisa e produção de vacinas e soros
essenciais no controle das epidemias; e o terceiro e atual período teve início após a Segunda Guerra
Mundial, sendo marcado pela defasagem tecnológica entre a indústria farmacêutica brasileira e a
dos países mais avançados, no que concerne à pesquisa e desenvolvimento tecnológico (FROTA,
1993, p. 74).
Frota (1993) ainda menciona que a falta de capacidade de alocação de recursos para
pesquisa e desenvolvimento, por parte das indústrias brasileiras, e a estrutura essencialmente
familiar com gerenciamento centralizado e a inexistência de vínculo entre as indústrias nacionais e
as universidades e institutos de pesquisa, impedia, no passado, que o Brasil desenvolvesse novos
medicamentos. A produção brasileira na época era quase que exclusivamente de medicamentos
tradicionais e populares.
O Cenário Internacional em relação à produção de medicamentos
O momento de intensificação da proteção da propriedade intelectual em escala mundial
coincidiu com a disseminação da epidemia de HIV/AIDS no mundo. Tendo em vista o impacto
sócio demográfico e econômico dessa doença, capaz de atingir grandes dimensões nas regiões mais
pobres, o tema da AIDS não tardou a ser inserido na agenda internacional, não apenas como uma
questão de saúde pública, mas também de desenvolvimento humano. Apesar dos progressos
alcançados nas últimas décadas, o controle da epidemia de HIV/AIDS continua sendo um dos
grandes desafios no mundo atual (VITORIA, 2009).
A falta de infraestrutura do setor saúde no Brasil, no início da epidemia, também devida à
ausência de laboratórios com capacidade para diagnosticar os doentes e produzir medicamentos
para o combate e controle da infecção, apareceu como um dos grandes obstáculos no combate à
doença. Face ao custo elevado dos medicamentos utilizados no tratamento dos doentes e,
consequentemente, o seu acesso limitado à medicação, em curto espaço de tempo o regime da
propriedade industrial e o movimento de luta contra o HIV/AIDS entraram em colisão.
No entanto, a partir dos anos 1970, teve lugar uma série de mudanças no cenário
internacional que contribuiu para deslanchar um processo de reestruturação do regime da
26
propriedade industrial. O crescimento da economia mundial e o desenvolvimento de bens e serviços
intensivos em informação possibilitaram a abertura de mercados competitivos com a presença de
novos atores. Nesse sentido, beneficiando-se de legislações mais flexíveis em matéria de
propriedade industrial, alguns países de industrialização recente, passaram a realizar investimentos
massivos em engenharia reversa para copiar e adaptar tecnologias que alcançaram posições de
destaque no mercado mundial. No entanto, empresas originárias de países desenvolvidos, em
especial dos Estados Unidos, alarmadas com as quedas em suas vendas, associaram as suas perdas
relativas de competitividade à observância dos direitos de propriedade industrial (ORSI, 2003).
Como consequência, os países produtores de fármacos passaram a considerar a defesa dos
direitos de propriedade industrial como estratégica nas relações de comércio, em vista da
necessidade de proteger pesados investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D), conter a
expansão da indústria da “pirataria” e assegurar o prestígio de suas empresas. Nos anos 1980,
iniciou-se um movimento internacional pela mudança dos fóruns que regulam o regime da
propriedade intelectual. Diante de impasses no seio da Organização Mundial de Propriedade
Intelectual (OMPI) durante discussões visando o fortalecimento desses regimes, assim como da
ausência de um mecanismo capaz de, efetivamente, obrigar o respeito aos direitos de propriedade
industrial, os Estados Unidos, seguidos dos países europeus e do Japão, passaram a imputar sanções
bilaterais no comércio aos países considerados infratores (ORSI, 2003).
Atendendo ao forte lobby das indústrias químicas, farmacêutica e de informática, esses
países se mobilizaram em prol da inclusão do tema de propriedade industrial na agenda da Rodada
Uruguai (1986-1994) de discussão do Acordo Geral sobre Comércio e Tarifas (GATT). Utilizando
como moeda de troca, concessões tarifárias nos outros setores de particular interesse dos países em
desenvolvimento, o grupo de países desenvolvidos colocou em marcha a negociação de um novo
tratado multilateral em matéria de propriedade intelectual, logrando impor regras mais rígidas
consoante ao padrão que já vigorava em suas leis internas. O TRIPS – Trade Related Aspects of
Intellectual Property Rights constituiu assim um dos acordos que integrou a Ata Final da Rodada
Uruguai, assinada em 1994, a partir da qual foi criada a OMC, como já mencionado.
O Acordo TRIPS institui padrões mínimos de proteção aos direitos de propriedade
intelectual que deveriam ser obrigatoriamente internalizados pelos países membros da OMC.
Ademais, ao adotar o vínculo entre propriedade intelectual e comércio, o TRIPS permitiu fazer uso
do mecanismo de solução de controvérsias da OMC, como meio de assegurar a observância às suas
normas, sob a ameaça de sanções contra os infratores em qualquer área de comércio. Estabeleceu-
se, portanto, a base para um regime rígido, amplo e uniforme. Neste contexto, as patentes, mais
27
especificamente, estenderam-se a todos os setores tecnológicos, sem possibilidade de discriminação
quanto ao fato de os produtos serem importados ou produzidos localmente, por um período mínimo
de vinte anos a contar da data de depósito como disposto no art. 27 do Acordo TRIPS.
A única concessão feita foi no estabelecimento de períodos de transição diferenciados, de
acordo com os diferentes níveis de desenvolvimento socioeconômico dos países membros. O
Acordo TRIPS entrou em vigor em janeiro de 1995, tornando-se obrigatório para os países
desenvolvidos um ano depois. Os países em desenvolvimento e países de economia centralizada
tiveram até o início de 2000 para adaptar o Acordo às suas leis nacionais. Adicionalmente, para
países em desenvolvimento que, antes da assinatura do TRIPS, vedavam direitos de propriedade a
setores tecnológicos específicos, foi concedido um período de adequação às determinações do
acordo até 2005 para estenderem a proteção a esses setores. Os países menos desenvolvidos tiveram
até 2006 para internalizar o Acordo TRIPS, porém, para os produtos farmacêuticos, o prazo foi
estendido até 2016. Contudo, em agosto de 2013 este prazo foi estendido mais uma vez, até 2021,
de acordo com o Conselho do TRIPS, em um ato de reconhecimento em relação às necessidades
especiais e às limitações econômicas e financeiras dos países em questão, com intuito de fortalecer
suas bases tecnológicas 3 (MUSUNGU e OH, 2005).
Os países desenvolvidos seguiram pressionando pela adesão imediata dos demais países à
integralidade do TRIPS. No caso do Brasil, antes mesmo da assinatura do acordo, o país vinha
sofrendo sanções comerciais dos Estados Unidos, em virtude da não-patenteabilidade de produtos e
processos farmacêuticos expressa no Código da Propriedade Industrial de 1971. Em 1996, antes de
encerrar o período de transição, o Brasil acabou por ceder à investida norte-americana e aprovou
uma nova Lei da Propriedade Industrial (LPI), que antecipou, para 15 de maio de 1997, a
concessão de patentes no setor farmacêutico. Além disso, a LPI estabeleceu em caráter transitório,
disposto nos Arts. 230-231, um sistema denominado pipeline, permitindo o depósito de pedidos de
patentes cujo objeto não tivesse sido colocado em nenhum mercado, ou que terceiros não tivessem
realizado esforços para sua exploração no Brasil, com privilégios válidos pelo período
remanescente da patente concedida no país de origem, não excedendo vinte anos. Assim, não
apenas o Brasil abriu mão do período de transição previsto no Acordo TRIPS, como o sistema
pipeline possibilitou a proteção de conhecimentos que já se encontravam no domínio público
(ORSI, 2003).
3 Respuesta a las necesidades especiales de los países menos adelantados en materia de propiedad intelectual.
Disponível em: https://www.wto.org/english/tratop_e/trips_e/ldc_e.htm. (Acesso em 25/01/2015).
28
Ainda que os países não estivessem obrigados a conceder um nível de proteção além do
preconizado pelo acordo, discussões visando o incremento dos direitos de propriedade intelectual
avançaram nos planos regionais e bilaterais, com a inclusão da matéria em acordos de comércio.
Esse movimento favoreceu a expansão desses direitos a novos campos, bem como a extensão do
período de proteção. As denominadas cláusulas TRIPS-plus, adotadas a partir de 2003, presentes
em acordos regionais e bilaterais de comércio, restringiram, ainda mais, o espaço de manobra para
que os países em desenvolvimento respondessem às demandas políticas internas. À medida que um
número maior de países aderiu às cláusulas, maior foi a tendência de sua incorporação ao regime
internacional, cujos impactos para a área de saúde pública mereceram cuidados especiais (ORSI,
2003).
Inicia-se neste mesmo período, a discussão da cobrança do compromisso dos países
desenvolvidos de incentivar a transferência de tecnologia aos países menos desenvolvidos, uma vez
que o fortalecimento do regime da propriedade industrial, em detrimento de flexibilidades
anteriormente previstas, ameaça colocar em cheque políticas públicas voltadas para o acesso a
tratamentos de saúde, sobretudo no caso de países em desenvolvimento e menos desenvolvidos.
A relação entre a produção de medicamentos e as patentes foi considerada uma batalha,
principalmente em países em desenvolvimento como o Brasil, envolvendo, de um lado, os grandes
laboratórios farmacêuticos internacionais e, de outro, o governo brasileiro, sendo deflagrada mais
explicitamente a partir de 2001, em torno dos custos dos antirretrovirais gratuitamente distribuídos
pelo Ministério da Saúde brasileiro aos portadores do HIV/AIDS, bem como da política de
medicamentos adotada pelo país em 1999. A importância da redução dos preços dos medicamentos,
no orçamento governamental e para os cidadãos, já se apresentava como objeto de controvérsias
envolvendo governo e indústrias nacionais e internacionais do setor farmacêutico desde então.
Surgiram tensões inerentes à propriedade industrial no que tange às tecnologias voltadas
para a produção de medicamentos que, invariavelmente, referiam-se à busca de um regime que
encorajasse investimentos em P&D e, ao mesmo tempo, não ameaçasse a sustentabilidade dos
programas públicos de saúde. A abertura do painel de arbitragem dos Estados Unidos contra a lei de
propriedade industrial brasileira junto à OMC e a ameaça, explicitamente colocada pelo então
Ministro da Saúde José Serra, em 2001, cuja intenção era declarar o interesse público de
medicamentos, como o Nelfinavir, com o intuito de provocar o licenciamento compulsório das
patentes de alguns outros medicamentos, foi um dos principais acontecimentos que favoreceram a
intensificação dessas discussões.
29
O contexto da época desta ameaça, no ano de 2001, foi ainda reforçado com o argumento de
que tal questão não era comercial, mas sim humanitária, envolvendo uma epidemia mundial em que
grande parte dos doentes não tinha acesso a medicamentos. A preocupação com a sustentabilidade
futura do programa brasileiro de combate à AIDS também reforçou a questão, pois surgia a dúvida
se o governo poderia adquirir os novos ARVs que surgiriam a preço de mercado, reforçando a
discussão em torno de objetivos comerciais contra a política de intervenção regulatória.
Surgiu então a ideia de que, no longo prazo, a sustentabilidade do Programa Nacional de
DST/AIDS dependia da produção local de versões genéricas dos medicamentos distribuídos no SUS,
a fim de que o sistema não ficasse à mercê das flutuações cambiais ou da tecnologia estrangeira.
Um dos mais críticos eventos de 2001 foi a Conferência Ministerial da Organização Mundial
do Comércio, ao fim da qual foram definidos acordos nas mais variadas áreas de comércio, com
destaque para a Declaração de Doha sobre o Acordo TRIPS de 1994 que constituiu um marco
simbólico e legal de extrema importância, pois, a partir dela, os painéis e instâncias de apelação da
OMC deveriam interpretar os preceitos do Acordo de acordo com as necessidades públicas de saúde
de cada um dos países signatários. Ademais, a conferência também possibilitou um amplo debate
sobre o papel dos medicamentos genéricos e a questão das patentes na promoção do acesso à saúde
e na garantia da vida como direito humano fundamental.
Em relatório divulgado no dia 20 de fevereiro de 2001, o secretário-geral da ONU, Kofi
Annan, e o Programa das Nações Unidas de Combate à AIDS (UNAIDS), coordenado na época por
Peter Piot , elogiavam a política brasileira de luta contra a epidemia, ressaltando a produção local de
ARVs genéricos como um dos principais fatores de sucesso e a possibilidade legal de licenciamento
compulsório como um instrumento fundamental para a ampliação do acesso a medicamentos
(LOYOLA, VILLELA e GUIMARÃES, 2010).
No final de 2001, com as negociações em torno da Rodada de Doha, as controvérsias
envolvendo a propriedade intelectual de medicamentos e o acesso à saúde tomou novos contornos,
com a clara divisão de interesses internacionais, de um lado, por meio de países desenvolvidos
como Estados Unidos, Japão, Suíça e outros que eram contrários à revisão do TRIPS; e, de outro, os
países em desenvolvimento, liderados por Índia e Brasil, que buscavam negociar uma declaração
final que defendesse a incorporação de salvaguardas jurídicas com vistas a proteger a saúde pública
de seus cidadãos.
Em abril desse mesmo ano, em reunião da Comissão de Direitos Humanos da ONU, o Brasil,
representado pelo então ministro da saúde José Serra, conseguiu importante vitória na inclusão do
30
acesso a medicamentos como direito inalienável da humanidade, com a aprovação de 98% dos
países presentes, fazendo com que tal conquista reforçasse a posição brasileira internacionalmente,
sobretudo na recomendação de que os países deveriam garantir o direito de dispor da capacidade
técnica e intelectual que lhes permitisse a produção nacional de medicamentos para a AIDS
(LOYOLA, VILLELA e GUIMARÃES, 2010).
Ainda em 2001, em sessão extraordinária da OMC, o documento final 4 incorporou as
principais ideias da proposta brasileira, tais como: 1) importância igual à prevenção e ao tratamento
da AIDS; 2) preços diferenciados dos medicamentos de acordo com o poder aquisitivo de cada país;
3) proteção e estímulo à produção local de medicamentos; 4) criação de um fundo mundial de
combate à AIDS, sendo que nesse fundo o Brasil não solicitaria nem forneceria recursos,
contribuindo apenas com know-how e suporte técnico.
Em suma, para Villela (2010), a denominada “economia dos medicamentos” foi
condicionada e alterada pela reformulação internacional das regras de propriedade intelectual
quando da criação da OMC em 1995. Nesse sentido, países que historicamente podiam copiar
medicamentos (a exemplo do Brasil) passaram a ter de se ajustar às imposições de patenteabilidade
na área farmacêutica, principalmente no que diz respeito à exportação e importação de genéricos e
na chamada “divisão de trabalho internacional” para a produção de medicamentos, que leva em
consideração os fluxos transnacionais de insumos farmacêuticos que foram afetados e enquadrados
pelo TRIPS.
O cenário foi favorável para que as organizações da sociedade civil, representantes do
governo e especialistas do Brasil e de outros países discutissem propostas para evitar que as
patentes continuassem a ser uma das principais barreiras para o acesso a medicamentos. Nesse
sentido, ativistas, advogados, estudantes, parlamentares e representantes de agências reguladoras
foram incitados a debater como proteger a saúde pública, sem necessariamente desrespeitar as
regras do TRIPS, buscando interpretações possíveis do acordo, bem como explorando suas
flexibilidades previstas pela Declaração de Doha, de modo a prevalecer às questões humanitárias e
não o lucro e a encontrar um equilíbrio entre os direitos de propriedade industrial e os direitos dos
pacientes com HIV/AIDS.
4O documento se refere a Declaração Ministerial de Doha relativa ao Acordo sobre os TRIPS e a Saúde Pública de 14
de novembro de 2001.
31
Produção de Medicamentos e Propriedade Intelectual (Brasil e Moçambique)
A produção local de genéricos é considerada estratégica pelos países de renda média e baixa,
contudo existem poucos investimentos em pesquisa e desenvolvimento de novos medicamentos
nesses países. Apesar dos genéricos estarem livres da proteção patentária, continuam dependentes
da matéria prima e de insumos não disponíveis localmente.
As indústrias farmacêuticas públicas de alguns países em desenvolvimento, como o Brasil,
possuem limitações para a produção de medicamentos, uma vez que dependem da utilização de
flexibilidades em torno do uso de patentes expiradas, o que significa também dependência de
inovações produzidas no exterior e, portanto, questões que envolvem os direitos de propriedade
intelectual, que abrangem diferentes etapas do processo produtivo (PINHEIRO, 2010; ROSINA;
SHAVER, 2012).
Com a globalização, grande parte dos países do mundo tornou-se mais ou menos dependente
do capital e dos interesses dos países dominantes. No Brasil, como em outros países da América do
Sul que se industrializaram mais tardiamente, essa dependência tornou-se estrutural no que diz
respeito à maior parte dos setores industriais, entre eles o da produção de fármacos. Ao final da
década de 1980, cerca de 80% do mercado brasileiro de especialidades farmacêuticas era controlado
por subsidiarias de empresas multinacionais (LOYOLA, 2010).
Ao dificultar o investimento na instalação de laboratórios locais para a pesquisa e
desenvolvimento (P&D) de novos produtos, algumas empresas impedem a evolução tecnológica
dos países onde suas filiais estão instaladas os quais se tornam consumidores cativos dos fármacos
produzidos nas matrizes, situadas nos países centrais, em geral no denominado “Norte geopolítico”
do mundo, criando assim uma situação de perpetuação da dependência tecnológica para países
periféricos (ou do Sul geopolítico), principalmente nas regiões mais carentes, como a África e a
América do Sul.
Nesse contexto, as negociações com empresas multinacionais e transnacionais nessa área
ocorrem num espaço particularmente conflitivo no qual interagem argumentos legais, sociais,
políticos, econômicos e tecnológicos, constantemente invocados em função dos interesses dos
diversos atores envolvidos no processo (laboratórios transacionais e nacionais, governantes,
burocratas, técnicos, médicos, farmacêuticos, parlamentares, entre outros) dificultando às vezes a
formulação e principalmente a implementação de uma política coerente e eficaz para atender as
demandas locais por medicamentos (LOYOLA, 2010).
32
Dessa forma, a questão do acesso a medicamentos ultrapassou fronteiras nacionais,
tornando-se objeto de amplo debate na agenda internacional, enfatizando-se a necessidade do
investimento na produção pública de medicamentos.
Sendo assim, a questão da proteção dos direitos de propriedade intelectual dos produtos
farmacêuticos reveste-se de caráter especial, pois grandes empresas multinacionais consideram as
patentes no setor farmacêutico como instrumento central de sua estratégia. Identifica-se o choque de
interesse no momento em que as grandes empresas multinacionais buscam assegurar que produtos
farmacêuticos sejam protegidos em todos os países, principalmente aqueles com mercado
consumidor expressivo, através da criação de padrões de proteção mundial rígidos e uniformes
(FROTA, 1993, p. 82). O mesmo autor ainda informa que alguns países preferem manter a
soberania de suas decisões quanto a conceder ou não patentes para produtos farmacêuticos e,
quando a concedem aplicam padrões específicos de proteção em suas legislações nacionais.
Torna-se importante ressaltar que as patentes podem ser concedidas tanto para o processo de
fabricação, quanto para o produto final. As empresas multinacionais consideram que ambas as
proteções são importantes, uma vez que, com uma pequena modificação em processo patenteado, é
possível chegar ao produto final, caso este não esteja também protegido pelas patentes.
A indústria farmacêutica é um setor em que é possível observar a correlação entre grau de
desenvolvimento e o de patenteabilidade, uma vez que o primeiro se define pela existência de uma
indústria farmacêutica local, de uma indústria farmoquímica, real ou potencial, e pela capacidade
local de pesquisa e desenvolvimento (FROTA, 1993).
No Brasil, a Constituição Federal, promulgada em outubro de 1988, manteve o princípio de
proteção à propriedade intelectual no seu artigo 5º, inciso XXVIII, que assegura nos termos da lei:
a) a proteção às participações individuais em obras coletivas e às participações da imagem e voz
humanas, inclusive nas atividades desportivas; b) o direito de fiscalização do aproveitamento
econômico das obras que criarem, ou de que participarem, aos criadores, aos intérpretes e às
respectivas representações sindicais e associativas e, no inciso XXIX, que a lei assegurará aos
autores de inventos industriais privilégio temporário para a sua utilização, bem como proteção às
criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e de outros signos
distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do país
(FROTA, 1993, p. 36).
A mesma autora explica que o Código de Propriedade Industrial brasileiro de 1971 já definia
que para ser concedida a patente, é preciso que sejam preenchidos os seguintes requisitos: “a) a
33
patente deve ser “nova”, isto é, não estar compreendida no estado da técnica na data do depósito do
pedido, ou seja, não ter sido dada a conhecer publicamente por qualquer forma de comunicação; e
b) deve ser “útil”, isto é, ter aplicação industrial, e representar um “avanço inventivo”, ou seja, uma
criação original de algo que, para um conhecedor da matéria, não seja uma decorrência do estado da
técnica” (FROTA, 1993, p. 38).
O mesmo texto legal considerava como matéria não patenteável produtos químico-
farmacêuticos e medicamentos e seus processos de obtenção e modificação, no entanto, com a
promulgação da Lei nº 9279/96 (Lei da Propriedade Industrial – LPI), formulada para incorporar
resoluções contidas no TRIPS, revogaram-se tais proibições, com base no parágrafo 1º do artigo 27
do dito Acordo, o qual estabelece que a proteção patentária deve abranger qualquer invenção em
todos os setores tecnológicos, com usufruto dos direitos patentários, sem discriminação quanto ao
local de invenção e ao fato dos bens serem importados ou produzidos localmente.
Contudo, instrumentos jurídicos nesta mesma lei tentam amenizar essa situação como
licenciamento compulsório em casos de abuso do poder econômico, falta de exploração comercial,
emergência nacional ou interesse público (JANNUZZI, VANCONCELLOS e SOUZA, 2008).
No caso de Moçambique, o país é signatário da OMC desde 1994 e vem se adequando
gradativamente às regras do TRIPS, sendo que estas estavam previstas para vigorar em relação a
produtos farmacêuticos em 2016, embora decisão do Conselho do TRIPS na OMC tenha facultado
aos países em desenvolvimento a extensão do período de adequação para 2021, como já
mencionado.
Ademais, o referido país africano vem praticando atos de ratificação de Tratados, Acordos e
Convenções vigentes, como a Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI) e o Acordo
e Protocolo de Madrid, em 1996, a Organização Regional de Propriedade Intelectual de Países da
África (ARIPO), em 1999, a Convenção da União de Paris (CUP), em 1997 – Revisão de
Estocolmo em 1967 e o Tratado de Cooperação em Matéria de Patentes (PCT) em 1999
(AMARAL, 2014).
Com a aprovação do Código da Propriedade Industrial – Decreto nº 18/99 de 4 de maio – foi
criado o primeiro instrumento jurídico de proteção dos direitos da propriedade intelectual pós-
TRIPS no território moçambicano. No entanto, tal decreto foi revogado pelo Decreto nº 4/2006 de
12 de abril adequando a legislação interna moçambicana às transformações impostas ao setor no
âmbito nacional, regional e internacional (AMARAL, 2014).
34
Por outro lado, com a adesão de Moçambique ao Acordo de Harare em 2000, tornando-se
membro da Organização Regional de Propriedade Intelectual de Países da África (ARIPO), o
trâmite de depósito das patentes no país se dá a partir do depósito realizado no escritório da
organização, diretamente ou através do depósito internacional, utilizando o Acordo de Cooperação
em Matérias de Patentes (PCT), ou ainda no próprio Instituto de Propriedade Intelectual
moçambicano.
Desta forma, Moçambique encontra-se inserido no Sistema de Propriedade Industrial
Internacional do TRIPS, concedendo proteção por patente para produtos e processos farmacêuticos
de acordo com a alínea g do Artigo 30 do Código de Propriedade Industrial moçambicano,
promulgado em 2006. Ademais, a fabricação de medicamentos no país é prevista no artigo 85 da
mesma lei, no caso das Licenças Obrigatórias utilizadas para invenções de primordial importância
para a Saúde Pública, defesa nacional e desenvolvimento econômico e tecnológico.
Insumos de Medicamentos e Patentes
A produção dos laboratórios públicos em geral, assim como de Farmanguinhos, limita-se a
medicamentos genéricos acabados. No Brasil não há uma produção pública de farmoquímicos,
fazendo com que os laboratórios oficiais tenham que adquirir todas as matérias primas
(especificamente os princípios ativos) de que necessitam para produzir seus medicamentos em
indústrias farmoquímicas privadas.
No caso do Brasil, um dos maiores problemas para a maior eficiência da rede pública de
medicamentos está na fragilidade da indústria farmoquímica nacional. O Brasil dispõe de um
segmento industrial farmacêutico, compostos por laboratórios públicos e privados, que na sua
maioria depende de importações de insumos. Nesse sentido, a produção dos laboratórios oficiais
brasileiros necessita de apoios e parcerias com o setor farmoquímico privado, nacional e
internacional, para a produção local de produtos de alto valor agregado e grande impacto sanitário e
social (COSTA, 2008).
O enfraquecimento da maior parte do parque farmoquímico brasileiro nas últimas décadas
resultou, em boa parte, da aprovação da Lei de Propriedade Industrial (em 1996), em especial no
35
que se refere ao instituto do pipeline5 e liberalização comercial, trazendo desvantagens competitivas
para a indústria brasileira pública e privada (COSTA, 2008).
Diante disso, a proteção patentária de insumos no campo da saúde também surge como tema
na agenda nacional e internacional (desde a Declaração de Doha, em 2001), tendo em vista o
interesse governamental dos países em desenvolvimento de que a inovação no campo farmacêutico
possa promover melhorias terapêuticas, sanitárias e o maior acesso da população a essas novas
tecnologias (PINHEIRO, 2010).
Segundo Pinheiro (2010, p. 10),
“O uso de tecnologia que estiver sob patente vigente no território nacional está
condicionado à autorização pelo proprietário da patente ou ao uso de disposições
legais que permitam a utilização de tal tecnologia sem a referida autorização, como
nos casos de concessão de licença compulsória e do uso dos ensinamentos
patenteados em pesquisa para a produção de informações e dados visando à
solicitação de registro para comercialização de produtos. Contudo a tecnologia que
não estiver patenteada no país está disponível para uso, fazendo com que os
insumos de vários medicamentos antirretrovirais produzidos por laboratórios como
Farmanguinhos já estejam em domínio público no Brasil.
A abrangência da proteção patentária obedece a uma escala hierárquica. Nesse
sentido, a mais ampla é aquela propiciada pela patente de um novo produto, na
medida em que qualquer que seja o uso e qualquer que seja o processo de
fabricação do produto, a exploração do produto estará impedida por outro que não
seja o proprietário da patente. A segunda maior abrangência é proporcionada pelo
processo de obtenção do produto, porque o produto obtido diretamente do processo
patenteado também estará protegido pela patente. A proteção conferida ao uso
patenteado de um produto é considerada de menor abrangência, mas é importante
ressaltar que muitas decisões judiciais beneficiam os proprietários de patentes
dessa categoria.”
Segundo a mesma autora, o uso de patentes pode se aplicar às novas formulações, processos
de produção de novas formulações e similares no processo produtivo de medicamentos
antirretrovirais, segundo determinados critérios (Quadro I).
5O Pipeline era um instituto que objetivava trazer ao sistema jurídico brasileiro os pedidos de patente depositados no
exterior ou no Brasil que não poderiam ser concedidos devido às proibições do Código de Propriedade Intelectual
brasileiro - Lei Nº 5772/71.
36
QUADRO I – Critérios de seleção de patentes/pedidos de patente brasileiras
candidatas a licenciamento e de informação contida em documentos de patente
ABRANGÊNCIA DA
PATENTE
CRITÉRIOS
Composto Cabem patentes e pedidos de patentes referentes ao composto em si, como
Efavirenz, por exemplo.
Processo de obtenção
do composto
Cabem patentes e pedidos de patentes referentes ao processo de obtenção do
composto em si ou aos processos aperfeiçoados de obtenção do composto em
si. Cabem também no processo ou aperfeiçoamento de processo para obtenção
de família de compostos como ARVs, por exemplo, desde que mencionando
especificamente os princípios ativos.
Intermediários na
obtenção de
compostos
Cabem patentes e pedidos de patentes referentes a intermediários para a
obtenção de famílias de compostos como ARVs, desde que estejam
mencionados especificamente os princípios ativos.
Formulações Cabem patentes e pedidos de patentes referentes a composições baseadas nos
princípios ativos.
Fonte: Retirado de Pinheiro (2010, p. 11).
A proteção patentária é uma das dimensões a serem enfrentadas para a produção pública
de medicamentos. A seguir, serão abordadas as questões implicadas na aquisição e na produção
de medicamentos na esfera pública.
37
CAPÍTULO III – ESPECIFICIDADES DA PRODUÇÃO PÚBLICA DE MEDICAMENTOS
Desafios para produção pública de medicamentos
A busca de soluções para o problema da produção local de medicamentos e da implantação
da tecnologia apropriada para tal nos países em desenvolvimento exige o detalhamento de diversos
aspectos que envolvem diferentes setores governamentais. Sendo assim, não é possível tornar o
medicamento acessível às populações desses países pela aplicação de políticas isoladas, pois a
atuação do governo deve ser coordenada com outras estratégias complementares que incluem,
inclusive, o fortalecimento dos sistemas de saúde.
Para que sejam criadas as condições favoráveis ao acesso a medicamentos em países em
desenvolvimento, torna-se preciso estabelecer uma regulação de preços adequada ao atendimento da
demanda que pode ser obtido a partir de alguns procedimentos (FAR-MANGUINHOS, 2002, p.38):
• Processo de compras governamentais;
• Estabelecimento de preços de referência (preço máximo) para cada medicamento;
• Produção de genéricos (medicamentos não patenteados);
• Leis para reduzir o poder de estruturas oligopolizadas ou monopolizadas, como lei antitruste
por exemplo;
• Negociação com produtores de medicamentos patenteados para a redução dos preços;
• Negociação com proprietários de patentes para a produção local (licença voluntária);
• Concessão de licença compulsória para produção local na ausência de entendimento com o
proprietário da patente.
A Produção pública de medicamentos exige também o cumprimento de “Boas Práticas de
Fabricação”, e para atingi-las é preciso esforços técnicos e investimentos em: 1) reformas fiscais; 2)
aquisição de equipamentos; 3) capacitação de recursos humanos em áreas técnicas específicas,
como o desenvolvimento farmacotécnico; 4) qualificação e validação de processos e de limpeza, de
equipamentos, de metodologias analíticas; 5) avaliação da qualidade de todos os lotes de matérias-
primas, por meio de sistemas estatísticos apropriados dentre outros (GOMES, CHAVES e
NINOMYA, 2008).
No entanto, o cumprimento dessas exigências, juntamente com outras requeridas para o
registro (ou manutenção do registro já existente), tanto dos medicamentos genéricos quanto dos
38
similares, tem sido cada vez mais rigorosa. Na medida em que aumenta a exigência de qualidade do
medicamento, aumenta também o rigor no controle do processo produtivo, o que requer
equipamentos mais modernos, mais sensíveis e, consequentemente, a demanda por insumos de
qualidade que se ajustem às especificações desses equipamentos (RDC 17/2010).
No que diz respeito ao processo produtivo, os principais desafios são enumerados pelos
autores: espaços físicos limitados para ampliação e adequação da área produtiva às normas
sanitárias; gestão do conhecimento desestruturada ou mesmo inexistente; ausência de um sistema de
gestão integrado; e dificuldade de retenção de recursos humanos devido à defasagem salarial em
relação ao mercado e a vínculos institucionais frágeis, principalmente nos quadros relacionados
com pesquisa e desenvolvimento (GOMES, CHAVES e NINOMYA, 2008).
Ademais, autores como Paulo Bastos Tigre (2006) defendem que a capacidade para
aperfeiçoar e adaptar um novo produto ou processo às condições específicas de um setor ou país é
fundamental para o sucesso da difusão tecnológica de um projeto. A difusão de novas tecnologias
está diretamente associada ao desenvolvimento de novas capacidades cognitivas para solucionar
problemas na introdução, otimização e adaptação de tecnologias específicas a seu ambiente de
trabalho e depende de fatores condicionantes que atuam tanto de forma positiva, no sentido de
estimular a adoção, quanto negativa, restringindo seu uso (TIGRE, 2006).
Tais fatores condicionantes podem ser (TIGRE, 2006, p. 82-85):
• Técnicos, uma vez que quanto mais complexa a tecnologia, maior será a necessidade de
suporte técnico para a solução de problemas, pois na medida em que uma tecnologia se
difunde, surge a necessidade de desenvolvimento de um conjunto de outras tecnologias
complementares para apoiá-las incluindo a incorporação de novas rotinas, procedimentos e
informações técnicas que para serem efetivamente adotadas, dependem da capacidade dos
recursos humanos de transformar informações em conhecimento.
• Econômicos, levando em conta que o ritmo de difusão depende dos custos de aquisição e
implantação da nova tecnologia, assim como das expectativas de retorno do investimento.
• Institucionais, que podem condicionar a difusão tecnológica em questões como
disponibilidade de financiamentos e incentivos fiscais, sistemas de propriedade intelectual e
existência de capital humano e instituições de apoio, estratificação social, cultural, de
religião. Marco regulatório e regime jurídico do setor ou do país como um todo.
Ademais, a difusão de novas tecnologias traz em seu bojo consequências positivas e
negativas para diferentes setores da economia e da sociedade, com impactos de diversas ordens: a)
39
econômicos, levando em conta que a difusão de novas tecnologias pode afetar a estrutura industrial,
destruir e criar empresas e setores afetando o ritmo de crescimento econômico e a competitividade
de empresas e países; b) sociais, relacionados com o volume de empregos perdidos ou ganhos com
a difusão de inovações, mas também em mudanças nas qualificações requeridas dos trabalhadores; e
c) ambientais, influenciando a difusão de novas tecnologias diante das preocupações da sociedade
com a preservação do ar, da água, dos recursos naturais, da poluição ambiente, entre outros fatores.
Nesse sentido, para uma boa incorporação de tecnologia visando à produção pública de
medicamentos se fazem necessários vários fatores.
Com base na experiência de Farmanguinhos, para uma produção pública de genéricos é
fundamental: i) banco de dados com listas de instituições capacitadas para realizar estudos de
bioequivalência e de biodisponibilidade e de análises de qualidade; fornecedores de matéria-prima e
procedimentos de Boas Práticas de Fabricação; ii) política de favorecimento da importação de
princípio ativo em vez do produto final; iii) ambiente favorável ao desenvolvimento da indústria
farmoquímica, incluindo incentivos para a sua implantação, concessão de financiamentos,
estabelecimento de parcerias com organizações do setor público para a realização da engenharia
reversa e estudos de bioequivalência e de biodisponibilidade (FAR-MANGUINHOS, 2002; RDC
57/2009).
Produção Pública de Medicamentos no Brasil: Breve Panorama
Desde a década de 1960 o Brasil vem elaborando e tentando colocar em prática uma política
de medicamentos que, num mercado predominantemente oligopolizado e dominado pelas empresas
farmacêuticas multinacionais, garanta o acesso da população aos medicamentos essenciais, pois
grande parte dela está excluída desse acesso.
No entanto, a criação da Central de Medicamentos (CEME) em 1971 foi decisiva para que o
governo brasileiro realizasse atividades relacionadas à assistência farmacêutica e ao abastecimento
de medicamentos essenciais à população de forma planejada e organizada, pois a sua atuação se
dava de forma coordenada nos campos da pesquisa e incentivo do desenvolvimento de fármacos,
produção, padronização, aquisição e distribuição de medicamentos.
Em 1976, foi criada a Relação Nacional de Medicamentos Básicos (RMB) que no ano
seguinte foi atualizada e denominada Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME).
Em 1987, a CEME lançou o Programa de Farmácia Básica que constava de uma seleção de vários
itens de medicamentos integrantes da RENAME destinados ao uso ambulatorial. No entanto neste
40
mesmo ano, o Governo Federal desativou a CEME e suas competências, planos e programas foram
sendo aos poucos assumidos por várias instâncias do Ministério da Saúde também pelos estados e
municípios.
Em 1998, foi promulgada a Política Nacional de Medicamentos (PNM) e por meio desta o
Ministério da Saúde fazia a articulação de um conjunto de atividades que envolviam desde o
desenvolvimento de recursos humanos e tecnológicos até a promoção do acesso da população aos
medicamentos essenciais. Nesse mesmo período é ressaltada a responsabilidade dos laboratórios
públicos de se constituírem como produtores de medicamentos essenciais e como referência de
preços, custos e qualidade de produção.
Em seguida foi criada a Associação dos Laboratórios Farmacêuticos Oficiais do Brasil
(ALFOB) que atualmente conta com 18 laboratórios de portes variados com características técnicas,
administrativas e financeiras distintas vinculadas aos governos federal, estaduais e universidades.
No entanto, a produção pública de medicamentos adquiriu uma maior visibilidade em
consequência da atividade regulatória desenvolvida no estabelecimento de limites aos preços de
medicamentos no combate a AIDS (OLIVEIRA, LABRA e BERMUDEZ, 2006). A partir de 1997
o MS adotou uma estratégia de produção local de medicamentos não patenteados com vistas ao
abastecimento do Programa de Distribuição Universal de Tratamento contra a AIDS, que incluía
Farmanguinhos.
Produção de Genéricos em Farmanguinhos e a Formulação de uma Política de Medicamentos
no Brasil
A década de 1980 foi marcada pela maior visibilidade e entrada em cena do movimento pela
reforma sanitária, durante a transição democrática, cujas ações, por um lado, influenciaram
formulação de novas políticas públicas na área de saúde e, por outro, contribuíram para aprofundar
os conflitos entre os interesses nacionais e os das multinacionais (LOYOLA, 2010). Esse
movimento conduziu à criação do Sistema Único de Saúde (SUS), incluído na nova Constituição de
1988 como “direito do cidadão e dever do Estado” e implantado por meio da Lei Orgânica
8.080/1990, devendo se constituir numa rede nacional de serviços de atenção à saúde
regionalizados, hierarquizados e descentralizados.
Outros movimentos sociais se articularam e convergiram nesse processo de reforma setorial
no Brasil, destacando-se entre eles o movimento feminista e o dos portadores de HIV/AIDS e
grupos de risco, que englobava também Organizações Não-governamentais articuladas
41
internacionalmente. Cabe destacar que as principais mudanças políticas e econômicas ocorridas nos
anos 1990, como a abertura da economia, a lei de patentes, a lei sobre a distribuição gratuita de
medicamentos para os portadores de HIV/AIDS, e outras, levaram o Ministério da Saúde do Brasil
a estabelecer uma política em que a fabricação de genéricos nacionais se tornou fundamental,
sobretudo no período entre 1998 e 2002 (LOYOLA, 2010).
A introdução dos medicamentos genéricos no Brasil por meio da Lei 9787/1999 ocorreu em
paralelo ao desenvolvimento de uma política pública de combate à AIDS, que se caracterizou por
abordar não apenas os aspectos preventivos da transmissão da doença, mas também aqueles
referentes ao seu tratamento. Nesse sentido foram desenvolvidas, por parte do Estado, algumas
estratégias com o objetivo de estabelecer certo controle sobre o setor de medicamentos,
principalmente em relação às pressões vindas dos laboratórios farmacêuticos multinacionais
(LOYOLA, 2010).
A luta contra a AIDS no Brasil se desenvolveu em diversas frentes: no aspecto legal, com as
batalhas travadas em torno dos direitos de propriedade na área farmacêutica (licenças voluntárias e
compulsórias de medicamentos antirretrovirais), iniciadas em 2001, e que prosseguem até os dias
atuais, bem como nos aspectos industriais, científicos e governamentais, por meio de políticas e
programas de saúde pública (CORRÊA e CASSIER, 2010). O Programa Nacional de Doenças
Sexualmente Transmissíveis e AIDS (DST/AIDS) foi criado em 1986 e, a partir de 1996 institui a
distribuição gratuita de medicamentos para os portadores da doença.
Nesse contexto, diante da necessidade de organizar a distribuição gratuita de medicamentos
contra o HIV/AIDS, o Ministério da Saúde (MS) mobilizou o Instituto de Tecnologia em Fármacos
– Farmanguinhos (unidade fabril da Fundação Oswaldo Cruz – Fiocruz) para o lançamento da
produção de medicamentos antirretrovirais (ARVs), conferindo ao Estado o papel não apenas de
distribuidor, mas também de produtor de insumos para a saúde e de indutor de iniciativas
industriais, atuando na economia política na área farmacêutica no país.
Farmanguinhos desenvolveu a tecnologia de síntese e formulação da maioria dos ARVs por
meio da duplicação por engenharia reversa, sendo este um processo de aprendizado tecnológico
(learning by doing) originado dos programas de cópia que vieram a reforçar a capacidade de P&D
de alguns laboratórios públicos e privados brasileiros. Estes, por sua vez, também foram
beneficiários neste processo e receberam subsídios do Estado, que promoveu a articulações entre
eles, visando a troca de informações técnicas entre atores industriais e do campo científico. A cópia
de medicamentos representa um caminho de aquisição de conhecimentos e tecnologia, uma vez que
42
a necessária “reinvenção”, ainda que parcial das moléculas e dos modos de fabricação do
medicamento exige um processo de aprendizado tecnológico (CORRÊA e CASSIER, 2010).
A química Eloan Pinheiro, então diretora-executiva de Farmanguinhos, já vinha desde 1993
reativando o laboratório para a produção de “medicamentos essenciais” e explicava que cerca de
80% a 90% das somas investidas em P&D de um medicamento destinavam-se à publicidade,
defendendo, portanto que o preço de um medicamento poderia ser reduzido de forma significativa
(LOYOLA; VILLELA; GUIMARÃES, 2010).
Farmanguinhos foi incumbido do desenvolvimento tecnológico de produtos pelos quais o
Ministério da Saúde pagava preços muito elevados, porque eram de fabricação exclusiva de alguns
laboratórios internacionais, principalmente os ARVs, passando a abastecer destes a demanda dos
estados, como começou também a trabalhar no desenvolvimento tecnológico de alguns fármacos
que tiveram, em função disso, seus preços de mercado significativamente reduzidos.
No período entre 1997 a 2002, a produção local em Farmanguinhos possibilitou ao
Ministério da Saúde economizar cerca de R$ 492 milhões no gasto com medicamentos, às custas da
redução dos preços dos ARVs, tornando-se o laboratório estratégico para a execução da Política
Nacional de medicamentos, passando a ter papel importante na troca e difusão de tecnologia entre
laboratórios oficiais e apoiando o monitoramento de preços pelo Ministério de Saúde (LOYOLA,
2010).
Ressalta-se que a associação entre as ações dos serviços de saúde (prevenção, diagnóstico e
tratamento) e a produção local de ARVs, com distribuição gratuita e garantia de acesso aos
medicamentos pelos pacientes foi uma inovação política brasileira no combate à epidemia de
HIV/AIDS, agregando diversos fatores nas áreas de conhecimentos relacionados ao aprendizado
tecnológico advindo dos programas industriais de cópia de fármacos e fabricação de medicamentos
por laboratórios nacionais como Farmanguinhos.
O PN-DST/AIDS teve papel fundamental não só na redução da mortalidade por AIDS, mas
também na liderança, coordenação e formulação de uma política de medicamentos que alterou a
relação entre o governo e as multinacionais e tornou possível, mais tarde, a promulgação da lei de
genéricos no país.
A participação da sociedade civil organizada no combate à epidemia da AIDS foi outro
destaque importante da resposta brasileira compreendendo tanto a participação, ainda que complexa
e contraditória, das igrejas de diferentes credos, principalmente a Igreja Católica, bem como
43
associações profissionais e filantrópicas, de intelectuais, juristas e jornalistas entre outros
(LOYOLA, 2010).
Além disso, ao contrário das doenças mais comuns que atingem grande parte da população
brasileira, o combate à epidemia teve como base um forte e ativo movimento da sociedade civil,
fortalecido pelo ativismo de representantes dos estão chamados “grupos de risco”. Ademais, muitos
portadores de HIV/AIDS eram pessoas de classe média e alta ou com maior visibilidade, como
artistas, costureiros, cabeleireiros e outros indivíduos com maior acesso aos meios de comunicação
de massa, tais como rádio, televisão, jornais e revistas, capazes de despertar o interesse, formar
opinião e contribuir para tornar a doença mais conhecida, contribuindo também para divulgar as
ações de ONGs e movimentos sociais defensores dos direitos à saúde dos portadores de HIV/AIDS.
O Brasil aos poucos se consolidou como referência internacional no combate a AIDS, sendo
considerado exemplo de sucesso por sua política de distribuição universal e produção local de
ARVs genéricos, forçando a queda de seus preços e ampliando o acesso a eles como base concreta e
logística para o fornecimento de medicamentos.
No entanto, para manter o fornecimento universal aos pacientes contaminados pelo vírus da
AIDS, o governo brasileiro, por meio de Farmanguinhos, enfrentou como principais desafios: I)
proceder à engenharia reversa dos medicamentos antirretrovirais, bem como desenvolver a
metodologia para a obtenção dos dados e realização dos testes para aprovação de produtos para a
comercialização e para produzir os medicamentos não patenteados no país; II) negociar licenças
voluntárias de exploração para usar patentes em vigor no Brasil; III) criar ambiente internacional
favorável à aplicação de licença compulsória nos casos em que a negociação de licença voluntária
não for bem sucedida (FAR-MANGUINHOS, 2002).
Tais ações levaram a forte reação da indústria farmacêutica por meio de ações na justiça e
das representações diplomáticas dos países detentores do monopólio dos medicamentos Efavirenz
da Merck e Nelfinavir da Roche (LOYOLA, VILLELA e GUIMARÃES, 2010). As fragilidades do
então Sistema Nacional de Vigilância Sanitária como órgão recém criado e a divulgação
insuficiente junto à população da equivalência entre os medicamentos genéricos e os de marca, bem
como conflitos entre o Programa Nacional/MS de um lado e as firmas farmacêuticas internacionais
de outros relacionados às negociações de preços que ocorriam de forma constante no período
também se mostraram como desafios.
Na medida em que a produção local de medicamentos contra AIDS aumentou, os gastos
reduziram significativamente, porém tal processo foi freado e invertido com a introdução do
44
chamado coquetel de drogas de novos ARVs patenteados que não puderam ser produzidos no país,
salvo sob licença compulsória.
A entrada dos medicamentos genéricos no mercado brasileiro, apoiada por uma política
industrial adequada, foi uma oportunidade para diminuir a dependência da importação de fármacos
e medicamentos e reduzir o grau de concentração econômica nos mercados relevantes. Na época o
então Ministro da Saúde José Serra enfrentou ainda os laboratórios multinacionais no que ficou
conhecido na mídia, como a guerra das patentes, na verdade, uma ameaça de licença compulsória
que se tornou credível graças à capacidade demonstrada por Farmanguinhos de realizar a
engenharia reversa de medicamentos patenteados (LOYOLA, 2008).
Para o estabelecimento de uma política de genéricos foram necessários três parâmetros: a) as
maiores demandas de medicamentos em nível geral; b) os programas que o Ministério, secretarias
estaduais e municipais financiam e; c) os gargalos que tecnologicamente colocam o Brasil na
dependência do mercado externo. Após isso foram traçadas as linhas básicas de um reforço
tecnológico que permitiu alavancar a indústria brasileira a começar pelas questões das patentes, tais
como: a) fortalecimento dos dispositivos legais e econômicos que assegurem a aplicação de licenças
compulsórias, caso se faça necessária; b) incentivo e estabelecimento de parcerias público/privado,
a fim de que se alcance uma capacitação tecnológica de excelência em P&D de modo a estimular a
obtenção crescente de novas patentes nacionais; c) fortalecimento do mercado interno e estímulo à
produção e pesquisa locais (FAR-MANGUINHOS, 2002).
Por fim, não se pode relegar a questão tarifária, dentro da política de estímulo à produção
interna, levando em consideração que impostos e taxas não se prendem somente aos aspectos
econômicos, mas também à consolidação de um setor, cuja relevância social é inquestionável, existe
a necessidade de se induzir um tratamento de incentivos para pelo menos: a) a produção de
fármacos no país; b) regulação dos preços dos medicamentos onde esses insumos são utilizados; c)
garantia da qualidade dos insumos terapeuticamente ativos, através do registro e fiscalização pela
Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) (FARMANGUINHOS, 2002).
Em comparação com outros países, a lei brasileira de patentes é considerada bastante rígida,
pois dentre vários dispositivos, ela antecipou em dez anos o período de transição previsto pelo
Acordo TRIPS para a inclusão de medicamentos no rol de bens patenteáveis, do qual a Índia, por
exemplo, ao contrário do Brasil, soube aproveitar. Ademais, a LPI ainda reconheceu as patentes
retroativas requeridas no exterior antes da vigência da lei brasileira – através do dispositivo
conhecido como pipeline – embora exista a previsão da possibilidade de licenciamento compulsório
45
de uma patente concedida no Brasil, dentre outros motivos, nos casos de abuso do poder econômico
quando o produto não é fabricado em território brasileiro após três anos de concessão da patente ou
interesse público (Art. 68, LPI).
Os recursos orçamentários para a compra de ARVs e as normas para a sua aquisição e
distribuição foram asseguradas pelo Decreto n. 9.313 de 1996, conhecido como Lei Sarney que
garantiu a todos os pacientes infectados pelo HIV o direito ao acesso gratuito a toda medicação
necessária a seu tratamento e determinou que os critérios para tal tratamento fossem estabelecidos
pelo Ministério da Saúde.
Pouco depois, foi aprovada na Assembleia Mundial de Saúde promovida pela OMS contra a
vontade dos Estados Unidos, a Declaração de Doha que era defendida pela delegação brasileira e
preconizava o acesso a medicamentos para pacientes de AIDS como uma questão de saúde pública
e como um direito fundamental contribuindo para projetar ainda mais o chamado modelo brasileiro
de luta contra a epidemia de AIDS aliando prevenção e tratamento.
A produção pública de medicamentos em um país como o Brasil é fundamental, pois é
importante que o setor público de produção domine a tecnologia, ainda que às vezes não seja
preciso produzir. No entanto o fato de se ter o domínio de tal tecnologia pode ser decisivo em fazer
com que a indústria privada abaixe o preço de seus produtos sob a ameaça de que laboratórios como
Farmanguinhos possa produzi-los.
A produção local de medicamentos, ainda, permite focar as chamadas doenças
negligenciadas como leishmaniose, chagas, malária e tuberculose que não recebem investimento em
novas formulações, pois nenhum grande laboratório do mundo globalizado que prioriza o lucro
investe na cura dessas doenças.
A Licença Compulsória do Efavirenz
No intuito de combater a tendência desfavorável de investimentos nas doenças endêmicas,
Farmanguinhos a partir de 1997 contribuiu para mudar as bases da política de medicamentos
adotada pelo Ministério da Saúde com a produção da maioria dos antirretrovirais de preços mais
elevados e tornando-os acessíveis à população brasileira afetada sem discriminar sua condição
econômica ou social, bem como com a implantação dos genéricos, perpassando pela Lei das
Patentes que não pode ser usada de forma que fosse de encontro ao interesse público.
Com o surgimento de novos medicamentos e sua consequente inclusão na lista de ARVs
distribuídos pelo PN-DST/AIDS e as limitações impostas à cópia de novas drogas pela redefinição
46
da lei de propriedade intelectual brasileira, chegou-se, em meados dos anos 2000, a uma situação
em que os laboratórios públicos do país produziam apenas sete dos 15 medicamentos distribuídos.
Diante disso, a produção de 100% dos tipos de ARVs distribuídos caiu para menos de 50% e
os novos medicamentos adquiridos pelo MS custavam bem mais do que a produção local dos
genéricos, pois estes eram protegidos por patentes e dessa forma ficavam à mercê de práticas
mercadológicas monopolísticas dos grandes laboratórios multinacionais (VILLELA, 2010).
Nesse sentido, surgiram expectativas de que o Brasil como exemplo internacional na luta
contra a AIDS emitisse licença compulsória de ARVs a fim de produzi-los localmente e baixando
seus preços no objetivo de garantir a sustentabilidade de seu programa, levando em consideração
que os laboratórios públicos brasileiros disponibilizariam no mercado versões genéricas dos mais
caros ARVs.
A defesa da licença compulsória tornou-se uma bandeira entre ativistas da AIDS, no entanto
tal bandeira pressupõe a aquisição de conhecimentos específicos sobre patentes e concessão de um
sentido político ao debate que era a promoção da saúde pública em detrimento de todos os outros
interesses que as patentes possam promover. Levando em conta o exemplo dos anos anteriores,
laboratórios como Farmanguinhos tinham experiência com ARVs e recebeu por parte do MS a
solicitação de que iniciasse estudos de engenharia reversa de medicamentos como o Efavirenz.
O Brasil usou da ameaça de emissão de licença compulsória como principal instrumento de
pressão utilizado durante os processos de negociação de preços dos medicamentos ARVs, pois
Farmanguinhos foi capaz de subsidiar o Ministério da Saúde com as referências de preços aceitáveis
e capacidade para produzir em situação de impasse e emissão da licença compulsória (CHAVES;
VIEIRA; REIS, 2008). Ademais, o licenciamento compulsório revelou um compromisso
governamental com a sustentabilidade do acesso ao tratamento do HIV/AIDS, em um cenário em
que os medicamentos sujeitos à proteção patentária apresentavam preços exorbitantes e inacessíveis
para a grande maioria dos países em desenvolvimento.
Vários ativistas da época afirmaram em entrevista que o Acordo TRIPS embora tenha
disposições que visem à promoção do desenvolvimento tecnológico tem sido muito mais restritivo
do que promotor da transferência de tecnologia e aumentado o fosso entre os países desenvolvidos e
aqueles em desenvolvimento, sendo necessário pensar em estratégias que fomentem a pesquisa e o
desenvolvimento e que não se limitem simplesmente à defesa dos direitos de propriedade
intelectual. O referido ativista ainda destacou a importância que os países em desenvolvimento se
utilizem imediatamente das salvaguardas previstas no TRIPS como o licenciamento compulsório e a
47
importação paralela a fim de criar mecanismos legais que permitam no futuro o desenvolvimento de
uma tecnologia nacional ou a compra de produtos que o Brasil não produz a preços razoáveis
(VILLELA, 2010).
Após a assinatura do TRIPS, os próprios Estados-Membros da OMC aprovaram a chamada
Declaração de Doha sobre TRIPS e Saúde Púbica que reafirmou um ponto importante do Acordo
que concedia o direito dos países de proteger a saúde pública por meio da utilização de licenças
compulsórias principalmente quando se trata de garantir o acesso a medicamentos.
Alguns autores como William C. V. Rodrigues e Orenzio Soler destacam que “Nos países
desenvolvidos, a licença compulsória é regularmente utilizada para combater práticas
anticompetitivas em vários campos tecnológicos, inclusive o dos medicamentos.” Em algumas
situações, a ameaça de licença compulsória foi utilizada como instrumento de pressão, ocasionando
a redução dos preços dos medicamentos (RODRIGUES; SOLER, 2009, p. 554).
O laboratório Farmanguinhos forneceu ao Ministério da Saúde a referência de estudos para o
estabelecimento de preços aceitáveis na área de medicamentos, levando em consideração que não é
preciso aguardar a expiração da patente para iniciar o processo de pesquisa e registro de um
medicamento. A indústria nacional pode valer-se do instrumento denominado “exceção bolar” 6.
Nesse sentido, no dia 4 de maio de 2007 – uma semana após a declaração de interesse
público do medicamento – o Presidente da República assinou o decreto 6.108/2007 que oficializou
o licenciamento compulsório do efavirenz para uso público não comercial com validade de cinco
anos sendo renovável por mais cinco anos.
William C. V. Rodrigues e Orenzio Soler ainda explicam que,
“O licenciamento compulsório permite que o Ministério da Saúde importe versões
genéricas de laboratórios pré-qualificados pela Organização Mundial da Saúde. A
concessão de licença compulsória do efavirenz previu a importação do
medicamento atrelada ao compromisso de que o laboratório exportador repassasse
ao Brasil toda a tecnologia para produção nacional pelo laboratório oficial
Farmanguinhos (Fundação Oswaldo Cruz).” (RODRIGUES; SOLER, 2009, p.
555).”
Desta forma, a produção do Efavirenz no Brasil foi iniciada em 2009 por Farmanguinhos.
6 Prevista no Artigo 30 do Acordo TRIPS, a exceção bolar estabelece os limites que permitem aos fabricantes de
medicamentos genéricos utilizar uma invenção patenteada, para estudo, visando a realização dos testes necessários para
registro do medicamento, sem a permissão do titular da patente e antes que a proteção patentária expire.
48
Os autores mencionados ainda apresentam os fundamentos usados para a decisão em favor
da concessão de licença compulsória para uso público não comercial do Efavirenz com os seguintes
pontos:
• A saúde é um direito humano fundamental, nos termos do artigo 25 da Declaração Universal
de Direitos Humanos de 10 de dezembro de 1948 e do artigo 12 do Pacto Internacional de
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 16 de dezembro de 1966;
• A prevenção e o tratamento das doenças endêmicas, profissionais e de outra natureza é um
direito humano previsto no artigo 10 do Protocolo de San Salvador;
• A saúde é, nos termos do artigo 196 da Constituição Brasileira, um dever do Estado e um
direito de todos, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do
risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços
para sua promoção, proteção e recuperação;
• A propriedade deve atender à sua função social, e a proteção à propriedade intelectual deve
ter em vista o interesse social, de acordo com os incisos XXIII e XXIX do artigo 5º da
Constituição Brasileira;
• O Estado deve garantir o acesso universal e gratuito às ações e serviços em saúde, com a
obrigatoriedade determinada pela lei 9313 de 13 de novembro de 1996, de assegurar a
continuidade da distribuição dos medicamentos necessários no tratamento das pessoas que
vivem com o vírus da AIDS;
• O Efavirenz é indispensável no tratamento de portadores de HIV/AIDS.
• O Programa Nacional de DST/AIDS é mundialmente reconhecido por sua qualidade, em
razão da universalidade, integralidade e gratuidade do acesso;
• Em função do crescimento do número de pessoas que vivem com HIV/AIDS no Brasil, o
preço do Efavirenz comprometia a viabilidade do programa;
• O Ministério da Saúde empreendeu, sem êxito, todos os esforços para alcançar acordo com o
fabricante do Efavirenz sobre os preços praticados no Brasil, em termos e condições
razoáveis para atender o interesse público;
• Havia usos previstos do objeto da patente sem autorização do seu titular, entre os quais o
uso público não comercial, conforme o disposto nos artigos 7, 8, 30 e 31 do TRIPS,
incorporado ao ordenamento jurídico nacional pelo decreto 1355 de 30 de dezembro de
1994.
49
Ademais, a Declaração Ministerial da OMC sobre o Acordo TRIPS e saúde Pública adotada
em Doha, Catar, em 14 de novembro de 2001, resolveu, dentre outros:
• Reconhecer a gravidade dos problemas de saúde pública que afligem muitos países em
desenvolvimento e países menos desenvolvidos, em especial no que diz respeito àqueles
decorrentes do HIV/AIDS;
• Reconhecer que a proteção à propriedade industrial é importante para a produção de novos
medicamentos e reconhecer, ainda, as preocupações com seus efeitos sobre os preços;
• Concordar que o TRIPS não impede e não deve impedir que os países-membros adotem
medidas de proteção à saúde pública;
• Reiterar o compromisso com o Acordo TRIPS e afirmar que esse instrumento internacional
pode e deve ser interpretado e implementado de modo a implicar apoio ao direito dos países
membros da OMC de proteger a saúde pública e, em particular, de promover o acesso de
todos aos medicamentos;
• Reafirmar o direito dos países membros da OMC de fazer uso, em toda a sua plenitude, dos
dispositivos do Acordo TRIPS que preveem flexibilidades para tal fim;
• Reconhecer que cada país membro da OMC tem o direito de conceder licenças
compulsórias, bem como liberdade para determinar as bases em que tais licenças são
concedidas.
Com tais medidas a produção do Efavirenz foi declarada de interesse público, para fins de
concessão de licença compulsória para uso público não comercial, de modo a garantir a
sustentabilidade do Programa Nacional de DST/AIDS, assegurando a continuidade do acesso
universal e gratuito a toda medicação necessária ao tratamento para portadores de HIV/AIDS.
A decisão do governo brasileiro em relação à licença compulsória do Efavirenz será sempre
um bom exemplo, pois esta foi julgada acertada e justificada pela sua Constituição Federal e pela
Lei Orgânica da Saúde, que asseguram o acesso aos serviços de saúde e aos medicamentos,
compreendidos como um direito de todos e um dever do Estado: universal, equânime e com
controle social.
Por fim, torna-se importante destacar que os ganhos para o Brasil e para o fortalecimento da
política nacional de acesso a medicamentos vão muito além da economia de recursos, ampliando
também a credibilidade do governo para negociar preços de outros medicamentos e estimulando o
50
fortalecimento da produção nacional de medicamentos e de transferência de tecnologia
(RODRIGUES; SOLER, 2009).
As Parcerias de Desenvolvimento Produtivo (PDPs)
Levando-se em conta a necessidade de melhorar o acesso a medicamentos e os fatores que
impedem a utilização e o desenvolvimento de intervenções eficazes contra doenças que afetam os
países em desenvolvimento, o Ministério da Saúde se utilizou de um mecanismo mais recente para
promover o desenvolvimento de novos medicamentos para uso em doenças negligenciadas baseada
nas Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo (PDPs) (BUSS; MOREL; ALCÁZAR, 2008).
Nesse sentido, Farmanguinhos juntamente com outros laboratórios públicos oficiais se
beneficiaram da Portaria de Nº 837/2012 que tinha como uma das diretrizes o foco em inovação e
no crescimento produtivo do parque industrial brasileiro, bem como na ampliação da assistência
farmacêutica no país por meio das PDPs (FARMANGUINHOS, 2013).
Desde então, no âmbito das parcerias de desenvolvimento produtivo, o Ministério da Saúde
vem firmando acordos com laboratórios privados para que os mesmos se comprometam a transferir,
aos laboratórios públicos brasileiros, a tecnologia para a produção de determinado medicamento
dentro do prazo de cinco anos.
No entanto, durante tais acordos o governo brasileiro garante aos laboratórios privados a
exclusividade na compra desse medicamento durante o mesmo período. Após o fim do prazo
acordado, laboratórios públicos iniciam de forma autônoma, a produção completa do medicamento
visando atender à demanda nacional.
Nesse sentido, Farmanguinhos ao produzir por meio das PDPs contribui para a redução da
dependência de importação e produção de medicamentos de qualidade ampliando sua
competitividade e capacitação tecnológica. Atualmente dentro da lista de medicamentos a serem
produzidos pela instituição encontram-se pelo menos 5 (cinco) antirretrovirais
(FARMANGUINHOS, 2013).
A produção pública de medicamentos na África
Sendo os mais afetados pela epidemia em todo o mundo, é essencial para os países da África
dispor de medicamentos para o tratamento de combate da AIDS a preços acessíveis, como forma de
manter a sustentabilidade da implementação e manutenção de seus programas nacionais. Nesse
sentido, a produção local de medicamentos genéricos é componente importante para o sucesso das
51
estratégias de longo prazo de combate à doença na região. Contudo, poucos países da região
possuem capacidade instalada para a produção de antirretrovirais genéricos como África do Sul,
Zâmbia, Zimbábue, Tanzânia, Nigéria e Quênia (LUZ, 2006).
Em 2006, o Embaixador Francisco Carlos Soares Luz realizou trabalho para o 50o Curso de
Altos Estudos do Instituto Rio Branco sobre a cooperação brasileira na África. Segundo este autor,
a África do Sul possui a maior e melhor infraestrutura de produção de medicamentos genéricos no
continente. Apesar disso, somente após a Declaração de Doha, o governo sul-africano passou a
considerar seriamente a utilização dos medicamentos genéricos, especialmente no combate a AIDS,
Tuberculose e Malária. Contudo, relutou em emitir licenças compulsórias, procurando apenas
desenvolver remédios cuja patente já estivesse expirada.
No Zimbábue, a produção de antirretrovirais genéricos foi estimulada pelo governo que, em
2002, declarou “Período de Emergência” e emitiu licenças compulsórias para o laboratório
VARICHEM, a maior empresa nacional do setor farmacêutico, inclusive com exportações regulares
para a África do Sul, Botsuana e Malaui. Esse laboratório começou a produzir combinações de
alguns antirretrovirais como Nevirapina, Estavudina e Lamivudina, de Lamivudina e Zidovudina e
o Indinavir. Contudo, a produção de ARVs foi suspensa, desde fins de 2005, por falta de divisas
para poder comprar insumos. O PNUD vem estudando maneira de auxiliar a empresa a superar este
problema, comprando os APIs e revendendo-as à empresa em moeda local. Além disso, sua unidade
de produção de antirretrovirais deverá permanecer parada, por pelo menos 4 meses, para se adequar
às exigências técnicas de produção da OMS (LUZ, 2006).
Na Zâmbia, o governo para procurar cumprir a meta de tratar 100 mil pacientes até o final
de 2005, concedeu em 2004 licenças compulsórias ao laboratório Pharco, joint venture entre o
Estado (20% do capital) e o grupo italiano Kedrion (80%), para a produção do Normavir
(combinação de Nevirapina, Estavudina e Lamivudina). A empresa chegou a produzir cerca de 500
mil comprimidos por mês, em caráter experimental, mas teve de interromper a produção, quando
seus medicamentos não obtiveram a bioequivalência da OMS e os técnicos cubanos responsáveis
pela implantação da fábrica e pelo treinamento dos técnicos locais abandonaram o projeto.
A Tanzânia também estimulou à produção local de antirretrovirais beneficiada por iniciativa
da cooperação alemã reativando em parceria público-privada o laboratório farmacêutico Tanzânia
Pharmaceutical Industries Limited (TPI), que utilizou matéria prima chinesa e tecnologia de
produção tailandesa, especialmente para a produção de antimaláricos. Com uma demanda potencial
de US$ 165 milhões, cabendo 70% desse valor aos hospitais da rede pública tanzaniana, o TPI vem
52
estudando a possibilidade de produzir no médio prazo 3 ou 4 dos antirretrovirais mais utilizados
(LUZ, 2006).
A Nigéria vem desenvolvendo uma capacidade produtiva razoável, pois o laboratório
nigeriano Evans Medical Plc, por exemplo, vem produzindo nove tipos de antirretrovirais, sendo
três de uso pediátrico, com o objetivo de procurar atender parte das 520 mil pessoas que necessitam
de tratamento imediato. Até dezembro de 2005, apenas 17 mil vinham recebendo tratamento
naquele país (LUZ, 2006).
No Quênia, o laboratório local Cosmos iniciou a produção de antirretrovirais após assinar
contrato de licenciamento voluntário com a Empresa Glaxo Smith Kline em 2005. O mercado de
ARVs no país está estimado em US$ 167 milhões, mas deve dobrar uma vez que o governo
anunciou que pretende ampliar seu programa de tratamento dos atuais 60 mil para 150 mil pessoas
(LUZ, 2006).
Os dados e informações mencionados por Luz (2006) são importantes no que se refere ao
conhecimento das condições que fizeram a produção farmacêutica das mencionadas fábricas
avançarem ou não nos países analisados. Nesse sentido, importante também se faz para uma
iniciativa como o projeto de instalação da fábrica de antirretrovirais e outros medicamentos em
Moçambique conhecer em que medidas tais requisitos da indústria farmacêutica foram cumpridos
ou não por tais fábricas no objetivo de garantir a manutenção de uma produção farmacêutica viável
e de qualidade no continente africano.
53
CAPÍTULO IV – TRANSFERÊNCIA TECNOLÓGICA E COOPERAÇÃO
INTERNACIONAL
A Cooperação Internacional e a Transferência de Tecnologia
Outra ideia que amadurece em âmbito internacional, principalmente depois da assinatura do
Acordo TRIPS em 1994, é a de que a Cooperação Sul-Sul é fundamental para o enfrentamento das
questões relativas à Propriedade Intelectual e ao Acesso a Medicamentos. A alteração do marco
legal no campo da propriedade intelectual teve um impacto mais profundo nos países do Sul
geopolítico. Em verdade, havia, e ainda há, uma grande assimetria entre os países desenvolvidos e
em desenvolvimento no que tange ao desenvolvimento tecnológico, à capacidade de lidar com o
intrincado ferramental técnico das recém incluídas patentes farmacêuticas em seus escritórios
nacionais de patentes e, principalmente, à capacidade aquisitiva de suas populações para ter acesso
aos medicamentos patenteados. Nesse sentido, a cooperação entre países do Sul, tanto no âmbito da
sociedade civil organizada, quanto no âmbito dos governos seria, para Maskus (2004), fator
essencial para o sucesso na produção e distribuição de medicamentos.
Ainda segundo o autor, esse tipo de cooperação visaria o estabelecimento de novas parcerias
com o propósito teórico de ampliar a colaboração e a troca de informações, metodologias e
tecnologias de trabalho, além de possibilitar a promoção da participação efetiva da sociedade civil
nacional e internacionalmente no estabelecimento dos acordos entre os governos dos seus países.
Apregoa-se, também, que as trocas de experiência contribuem para o alcance de resultados efetivos
em cada país, respeitadas as especificidades de cada um (MASKUS, 2004).
No entanto, vários desafios aparecem na realidade concreta de cada país, tanto na procura
por alternativas dentro do atual sistema de patentes, forçando a implementação das flexibilidades ao
TRIPS, como também no monitoramento das discussões internacionais sobre o tema, especialmente
sobre a inovação tecnológica e o acesso aos medicamentos, o que implica na discussão de novos
modelos de proteção à propriedade industrial.
Acredita-se que é muito importante o fortalecimento da cooperação entre países em
desenvolvimento, uma vez que eles provavelmente enfrentarão os mesmos problemas para os
mesmos medicamentos. O mais desafiante de todos os aspectos é refletir sobre uma forma
alternativa de estímulo ao desenvolvimento de novos medicamentos sem passar, necessariamente,
pela apropriação intelectual, notadamente o sistema de patentes, que vem demonstrando seu caráter
impeditivo ao acesso das populações mais vulneráveis (MASKUS, 2004).
54
Nesse cenário, a transferência de tecnologia pode ser uma boa estratégia para a produção
local de medicamentos. Levando em consideração a experiência de Farmanguinhos/Fiocruz, torna-
se imprescindível que o adquirente da tecnologia tenha capacidade para lidar com as técnicas
envolvidas, incluindo recursos humanos especializados, modernos equipamentos de produção e
instrumentos de análise, bem como metodologias analíticas necessárias ao controle de qualidade
dos produtos/medicamentos, instalações apropriadas, conhecimento das técnicas usadas em estudos
pré-clínicos e clínicos ou possibilidade de contratar tais serviços especializados (FAR-
MANGUINHOS, 2002).
Embora sejam frequentes os licenciamentos de patente entre empresas farmacêuticas e
farmoquímicas privadas que dividem entre si o mercado mundial, os proprietários de patentes
mostram grande resistência em licenciá-las a laboratórios nacionais, principalmente públicos, para
produção local de medicamentos em países em desenvolvimento.
Independente de proteção patentária, vale enfatizar que o adquirente da tecnologia necessita
de instalações adequadas para atender às exigências típicas da produção de medicamentos, bem
como de recursos humanos com suficiente nível de conhecimento na fabricação e garantia da
qualidade desses produtos para possibilitar a absorção da tecnologia. Ademais, o atendimento à
saúde da população pelo poder público, como é o caso do Brasil, segue o modelo de acesso
universal, uma vez que os cadastrados em Programas Estratégicos do Ministério da Saúde recebem
gratuitamente os medicamentos de que precisam. Tal política, no entanto, requer uma ação
governamental articulada com a área específica de produção, a de Ciência, Tecnologia e Inovação e
a de Economia.
A importância da licença compulsória no equilíbrio do poder no monopólio das patentes,
ainda que na simples forma de ameaça, permite que os governos possam manter programas de
fornecimento de medicamentos tão importantes quanto o brasileiro na área de AIDS, contudo,
torna-se importante frisar que a capacitação adequada da indústria local (pública e privada) para
produzir tais medicamentos é fundamental para a eficácia da estratégia.
O sinal mais evidente de qualidade tecnológica que Farmanguinhos alcançou a partir de
1998, verificou-se quando o laboratório aumentou a produção de ARVs para abastecer o Programa
Nacional de DST/AIDS, produzindo 7 dos 12 medicamentos adotados no protocolo brasileiro de
tratamento dos pacientes com HIV/AIDS, bem como construiu a reserva estratégica que lhe
55
possibilitaria propor a licença compulsória de dois medicamentos (Nelfinavir e Efavirenz), caso
seus preços não baixassem no mercado interno (FAR-MANGUINHOS, 2002).
Nesse sentido, a ONU resolveu apoiar a política brasileira tornando-a um “modelo” para
outros países. Em novembro de 2001 a Organização Mundial do Comércio (OMC) decidiu que
nenhum de seus países membro poderia impedir que um Estado utilizasse, em nome da saúde
pública, os mecanismos de importação paralela ou licença compulsória para tratar dos seus doentes.
Esse reconhecimento serviu de estímulo para que o Brasil assumisse o desafio de transferir
tecnologia para a produção pública de ARVs para países em desenvolvimento, seja na África, mais
especificamente em Moçambique, seja na América Latina, apostando que outras nações possam se
apropriar de um know-how que as tornem, a médio e longo prazo, autossuficientes em relação às
multinacionais farmacêuticas (FAR-MANGUINHOS, 2002).
O acesso aos medicamentos e outras tecnologias relacionadas à saúde nos países em
desenvolvimento é, portanto, um dos maiores desafios da saúde global. Este desafio consiste em
assegurar que produtos e insumos importantes para a saúde das populações, já existentes no mundo,
sejam fornecidos e estejam disponíveis a preços acessíveis e que as inovações e novas descobertas
atendam às necessidades de saúde dos países em desenvolvimento (ROTTINGEN, 2012).
Autores como Claudia Chamas e John Arne Rottingen defendem que, no cenário atual,
países em desenvolvimento acabam se valendo de seus limitados recursos humanos e financeiros
para desenvolver a tecnologia que precisam ou passam a depender de ajuda humanitária e
transferência de tecnologia baseada em caridade ou decisões políticas.
“Atualmente, os países em desenvolvimento contam com seus próprios e limitados
recursos humanos e financeiros para desenvolver tecnologias que necessitam, ou
dependem de ajuda humanitária ou transferência de tecnologia baseadas em
filantropia ou decisões políticas.” (ROTTINGEN & CHAMAS, 2012, p. 1).
(Tradução Livre)7.
É importante destacar o fato de que, por um lado, as empresas farmacêuticas argumentam
que regimes rigorosos de proteção patentária aumentariam a garantia de que os fluxos de
rendimento permitiriam os necessários e custosos investimentos em pesquisa e desenvolvimento
(P&D), enquanto que os regimes pouco rigorosos, ao contrário, reduziriam a expectativa de fluxos
de rendimentos e, consequentemente, os incentivos para esse investimento. Na visão das grandes
7 No original em inglês: Today, developing countries must rely on their own limited financial and human resources to
develop technologies they need, or they must depend on aid or technology transfer based on charity or political
decisions.
56
companhias farmacêuticas, preços elevados e resultados lucrativos são os instrumentos que
garantiriam os incentivos e investimentos em P&D, que resultariam na criação de novos
medicamentos (RODRIGUES e SOLER, 2009). Entretanto, nem sempre isso acontece na realidade.
Por outro lado, os países em desenvolvimento alegam que um número pequeno de pessoas
possui recursos financeiros suficientes para pagar por medicamentos patenteados, enquanto que a
grande maioria da população desses países não possui acesso a esses produtos, a exemplo do que
ocorre com os portadores de HIV/AIDS, que afeta milhões de pessoas no mundo inteiro
(RODRIGUES e SOLER, 2009).
William C. V. Rodrigues e Orenzio Soler (2009) trazem como reflexão que
“A questão do acesso da população aos medicamentos é um dos principais
problemas enfrentados pelos países em desenvolvimento e menos desenvolvidos,
principalmente pela falta de medicamentos a preços acessíveis no mercado. Dessa
forma, na medida em que os países em desenvolvimento foram obrigados a garantir
proteção a patentes farmacêuticas, surgiram várias preocupações relacionadas à
saúde pública, visto que os medicamentos patenteados, uma vez explorados de
forma exclusiva pelo titular da patente, resultam em preços mais elevados do que
suas versões genéricas, que são fabricadas após o término do prazo da patente, sem
direitos de exclusividade.” (RODRIGUES; SOLER, 2009, p. 558).
Os mesmos autores argumentam ainda:
“[...] devemos pensar também em novas possibilidades para desvincular dos preços
de bens essenciais o chamado “custo de pesquisa e desenvolvimento”. Ou seja, é
preciso encontrar alternativas que permitam financiar e incentivar a pesquisa
orientada para os problemas que afetam principalmente os países em
desenvolvimento, e que possam gerar preços acessíveis para as populações que
precisam de novas ferramentas de saúde. Os preços altos e os monopólios
concedidos pelo TRIPS são justificados para os investimentos em P & D de bens
essenciais. No entanto, esse sistema já está mostrando seus limites.”
(RODRIGUES; SOLER, 2009, p.558).
Nesse sentido, as condições de acesso a medicamentos afetam toda a comunidade
internacional, sendo que essa questão é considerada matéria sujeita à proteção humanitária e faz
com que o alcance deste objetivo seja um dos mais importantes desafios nesse novo milênio. Para a
resolução deste problema, é extremamente importante a participação das instituições internacionais,
uma vez que as questões de saúde púbica deixaram de ser um problema local para tornar-se global,
com reconhecimento da ONU, OMC e OMS.
A Transferência de Tecnologia na Produção de Medicamentos
Com países em diferentes níveis de desenvolvimento tecnológico, a cooperação
internacional surge como alternativa para aumentar a transferência de tecnologia em áreas de
57
interesse comum entre estes países. Nesse sentido, alguns países em desenvolvimento estão se
tornando em pouco tempo líderes em determinadas tecnologias e devem se colocar em posição de
oferecer assistência a outros países em desenvolvimento no intuito de estabelecer boa base
tecnológica entre regiões (UNCTAD, 2004).
De acordo com o Relatório elaborado pela UNCTAD (2001)8, desde 1970 a produção local
de medicamentos vem sendo objeto de intensas discussões em fóruns nacionais, regionais e
internacionais. Vários interesses econômicos, políticos e legais vêm definindo o que constitui uma
produção local farmacêutica e em que medida a mesma deve ou não ser fomentada. As últimas
décadas presenciaram grande aumento das questões relacionadas à produção local, transferência de
tecnologia e acesso a medicamentos.
A Resolução da OMS (WHA 61.21) denominada “Estratégia Global para Inovação,
Propriedade Intelectual e Saúde Pública”, adotada em 2008, atribuiu à produção local de
medicamentos o novo papel de contribuir para os objetivos gerais de promoção da inovação,
capacitações e melhoria do acesso a medicamentos. A premissa fundamental é aprofundar e
destacar a complexa interface entre transferência de tecnologia e produção local de medicamentos
nos países em desenvolvimento, com o objetivo de entender as condições sob as quais estas podem
contribuir para o acesso a medicamentos.
O referido relatório da UNCTAD (2011) destaca que os países em desenvolvimento
procuram tirar vantagem de benefícios legais obtidos como o fato de que alguns não são obrigados a
oferecer a proteção de patentes sobre produtos farmacêuticos, conforme exigido pelo Acordo
TRIPS até 2016, e, portanto, seriam capazes de ter uma base para a fabricação de versões genéricas
de medicamentos que são patenteados em certos países desenvolvidos. Segundo esse relatório, , a
transferência de tecnologia tem sido um fator importante na tomada de decisões pela produção local
de medicamentos de forma viável e competitiva. O acesso à tecnologia tem desempenhado um
papel fundamental na produção local de países que demonstraram ter os níveis mínimos necessários
para produzir e a capacidade de absorção tecnológica (habilidades humanas e de infra-estrutura
científica) que, geralmente, é reforçada de forma consistente através do processo de transferência de
tecnologia ao longo de sua implementação.
8 Esse relatório, denominado Local Production of Pharmaceuticals and Related Technology Transfer in Developing
Countries – A series of studies by the UNCTAD Secretariat, foi elaborado em 2011 e foi fruto de uma parceria entre a
OMS e a UNCTAD. Aborda vários estudos de casos envolvendo a melhora no acesso a medicamentos por meio da
transferência de tecnologia destinada a produção local farmacêutica, em vários países em desenvolvimento.
58
Embora a produção local possa promover o acesso a medicamentos, o relatório apresenta
vários estudos de casos onde se discutem as maneiras pelas quais a produção local pode ocorrer em
países em desenvolvimento e menos desenvolvidos e como ela afeta o acesso aos medicamentos
(UNCTAD, 2011).
De acordo com essa análise, em primeiro lugar, a produção local pode contribuir para a
garantia de preços mais baixos de medicamentos e maior acessibilidade à sua população. Em
segundo, pode, no futuro, preencher uma lacuna importante para o desenvolvimento tecnológico do
país adquirente. E, em terceiro, os laboratórios que recebem a tecnologia nos países em
desenvolvimento mais avançados não se limitam à inovação incremental, mas também à produção
de novos produtos que atendam tanto as necessidades locais quanto internacionais.
Por fim, a formação de redes de distribuição de medicamentos e de cadeias farmacêuticas de
fornecimento também é um ponto importante para o desenvolvimento de capacidades nestes países
e a sua expansão para outras áreas. Ainda que o acesso aos medicamentos reforce a produção, existe
o entendimento de que a produção nos países em desenvolvimento seja direcionada para aproveitar
todo o potencial local em capacidades específicas.
A melhoria do acesso a medicamentos no contexto de produção local não deve ser
incidental, mas um objetivo explícito. Os resultados de alguns estudos de casos apresentados no
relatório mostram que tal política institucional deve conter, mas não se restringir a: Avaliação
sistemática da saúde em nível nacional e regional, com referência à produção local, com o objetivo
de gerar informações sobre a viabilidade de mercado e considerações de saúde pública;
• Capacidade dos países para a criação inicial de capacidades de absorção da
tecnologia (em termos de disponibilizar competências humanas para se envolver na
produção, bem como gestão, marketing, infraestrutura científica e física relevantes);
• Cenário político favorável que promova, interna e externamente, possíveis
investimentos ou financiamentos locais em produção de medicamentos e na
transferência de tecnologia;
• Regime de Direitos de Propriedade Intelectual que explore as flexibilidades que
possam existir; e
• Políticas e mecanismos que possam promover o acesso a medicamentos produzidos
localmente.
59
Países em Desenvolvimento e Produção Farmacêutica: a realidade atual
De acordo com o guia elaborado pelas Organizações das Nações Unidas denominado
Investment in Pharmaceutical Production in the Least Developed Countries – A Guide for Policy
Makers and Investment Promotion Agencies, de 2011 (UNITED NATIONS, 2011), os recentes
avanços para proporcionar maior acesso a certos tratamentos, como os utilizados no combate ao
vírus do HIV/AIDS nos países em desenvolvimento, têm sido significativos.
Apesar dos avanços registrados, calcula-se que quase 2 bilhões de pessoas no mundo não
têm acesso a medicamentos quando necessários, muitos das quais vivem em países menos
desenvolvidos. Os países mais pobres ou dependem de doações filantropicas e/ou de importações
com preços de versões genéricas de medicamentos mais acessíveis. Estas são estratégias que
minimizam o problema do acesso mas não o resolvem (UNITED NATIONS, 2011).
O referido guia explica que a indústria farmacêutica local pode contribuir para o
cumprimento da meta de um maior acesso aos medicamentos, no entanto, poucos países em
desenvolvimento foram capazes de desenvolver a capacidade de fabricação de produtos
farmacêuticos sem o apoio de, entre outros, empresas estrangeiras e da transferência de tecnologia.
A pesquisa e desenvolvimento no setor farmacêutico não precisa se concentrar
exclusivamente em novos medicamentos podendo, por exemplo, também combinar medicamentos
existentes em uma forma de dosagem única, tal como em combinações utilizando antirretrovirais
para o tratamento de HIV e AIDS que poderia envolver a adaptação de medicamentos existentes
para as condições climáticas locais, através de inovação incremental (como exemplo fazer um
medicamento mais resistente ao calor e a úmidade); encontrar novos modos de entrega de
medicamentos (injeção, tópicos ou orais); ou envolver a engenharia reversa de um medicamento
original que, ao mesmo tempo que foi patenteado num determinado lugar, está fora da patente no
país que está em busca de fabricar o seu equivalente genérico (UNITED NATIONS, 2011).
Em termos gerais, existem dois tipos de mercados para produtos farmacêuticos: um para os
de patente – medicamentos originais – e outro para genéricos – medicamentos sem patentes. O que
torna a questão mais complexa, no entanto, é o fato de que o que está com patente num país pode
não estar patenteado em outro.
Muitos dos medicamentos mais vendidos durante a década passada estão com as patentes
expirando, com poucas perspectivas de substituição, criando oportunidades significativas para os
60
laboratórios em países que têm alguma experiência em engenharia reversa e capacidade de
produção de produtos farmacêuticos, ou estão envolvidos na fabricação de medicamentos genéricos.
O guia enfatiza ainda que um grande número de países ainda depende das importações de
matérias-primas para a produção farmacêutica, em particular ingredientes farmacêuticos ativos.
Entre os países em desenvolvimento, os maiores, como Brasil, China e Índia, ainda dominam o
cenário de produção, devido às suas capacidades para produzir medicamentos genéricos em larga
escala e a baixo custo. Os dois últimos também possuem a vantagem de ser grandes produtores de
ingredientes farmacêuticos ativos, o que naõ ocorre em todos os países, o que significa que a
indústria envolvida na produção continua a importar. Por último, mas não menos importante, um
grande número de pessoas mais pobres continua sem o acesso necessário aos medicamentos.
Produção local de fármacos nos países em desenvolvimento
Em maio de 2008, a Assembléia Mundial da Saúde, através da Resolução 61.21, aprovou a
Estratégia Global e Plano de Ação sobre Saúde Pública, Inovação e Propriedade Intelectual
(GSPA-PHI). Esta, assentada nas conclusões do relatório de 2006 da Comissão sobre Direitos de
Propriedade Intelectual, Inovação e Saúde Pública, o GSPA-PHI, reconheceu a necessidade de
desenvolver novos produtos contra doenças que afetam o desenvolvimento dos países e aumentar o
acesso a insumos existentes nos países em desenvolvimento (UNITED NATIONS, 2011).
A contribuição potencial da produção local de produtos farmacêuticos, vacinas e kits
diagnósticos, como parte da solução para aumentar o acesso à medicamentos essenciais nos países
menos desenvolvidos, é destacada no documento das ONU supra citado. É ressaltada também a
necessidade de construir e melhorar a capacidade de inovação nesses países, com o objetivo de
facilitar a transferência de tecnologias relacionadas à saúde.
Em 2001, a Conferência Ministerial da OMC adotou a Declaração de Doha sobre o Acordo
sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual e Saúde Pública Relacionados com o
Comércio. A Declaração de Doha afirmou que o Acordo TRIPS não impede e não deve impedir que
membros tomem medidas para proteger a saúde pública. Um compromisso para implementar o
parágrafo 6 da Declaração de Doha foi adotado pelos países membros da OMC em 30 de agosto de
2003, em que um sistema de notificações foi criado para permitir que os países fabriquem ou
exportem sob licença compulsória para outros países com pouca ou nenhuma produção e/ou
capacidade no setor farmacêutico. Com relação aos tratados internacionais de direitos humanos,
embora não tenha havido nenhum específico referente à produção local de produtos farmacêuticos
61
ou o acesso a estes, o Artigo 12.1 do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais expõe que é “Direito de toda pessoa de desfrutar o mais elevado nível possível de saúde
física e mental”. (UNITED NATIONS, 2011).
O guia destaca que poucos países do mundo, incluindo os desenvolvidos, são capazes de
fornecer à sua população toda a oferta de medicamentos necessários através da sua produção local.
Assim, a maioria dos países tem de importar medicamentos, mas o grau em que os países são
capazes de depender das importações para satisfazer as suas necessidades de saúde costuma variar.
Alguns países em desenvolvimento são capazes, por exemplo, de combinar importações e produção
local para atender às suas populações.
No entanto, os países menos desenvolvidos são especialmente vulneráveis nesse sentido,
uma vez que em geral não constituem um mercado atraente para as empresas farmacêuticas
privadas internacionais, principalmente por causa de seu limitado poder de compra. Diante disso, os
países menos desenvolvidos, sem capacidade de produção, muitas vezes são induzidos a depender
de doações e iniciativas filantrópicas para o fornecimento de medicamentos de qualidade a sua
população que, por sua vez, beneficiam as empresas transnacionais, em geral dos países doadores..
Em última análise, o aumento do acesso a medicamentos depende de outros fatores que vão
além do aumento da produção local. Nesse sentido, o fortalecimento dos sistemaa de saúde e de
autoridades reguladoras de medicamentos são essenciais para garantir a sua qualidade, seja em
termos de segurança e eficácia, seja como redes de distribuição e compras governamentais, pois são
fatores relevantes que também influenciam o acesso a medicamentos (UNITED NATIONS, 2011).
Pré-requisitos para o investimento no setor farmacêutico
O guia (UNITED NATIONS , 2011) enfatiza que a complexidade científica do processo de
produção farmacêutica e a atenção exigida para a higiene e o controle de qualidade para fins de
cumprimento das normas de saúde e segurança fazem do setor farmacêutico um campo onde
inúmeros pré-requisitos devem ser cumpridos e estabelecidos para que qualquer empresa ou
instituição considere viável investir seu capital e/ou tecnologia em uma instituição ou fábrica em
outro país para a produção de medicamentos.
Necessário se faz rever esses pré-requisitos, pois tão importante quanto incentivar a
produção local para o interesse nacional da saúde pública, os países precisam avaliar o quanto eles
serão capazes de produzir medicamentos de qualidade satisfatória e de custos razoáveis para a sua
população.
62
De acordo com o guia da ONU, alguns pré-requisitos são fundamentais para a produção
farmacêutica nos países menos desenvolvidos: recursos humanos, infraestrutura básica, autoridade
reguladora nacional, acesso oportuno aos principais insumos (Ingredientes Farmacêuticos Ativos-
IFA), possibilidade de investimento e cooperação no setor farmacêutico, requisitos de registro de
medicamentos, fatores humanitários e morais. A seguir, serão descritos cada um deles.
Recursos Humanos
Talvez mais do que qualquer outro fator, é importante para um país que está tentando manter
e expandir a sua capacidade de produção farmacêutica ter uma massa de trabalhadores qualificados
por meio de recursos humanos. Estes incluem tanto farmacêuticos, quanto graduados em Química e
Bioquímica, bem como técnicos que serão especializados na uso de equipamentos de precisão
científica e engenheiros que serão familiarizados com a maquinaria usada para a fabricação de
medicamentos, controle de qualidade e processos de garantia de qualidade.
Os indicadores-chave neste sentido incluem saber se o país possui o curso de Faculdade de
Farmácia em suas universidades e a quantidade de licenciados nas ciências pertinentes como
farmacologia. A qualidade da educação científica no país, portanto, é muito importante e países
cooperantes irão verificar se existe uma massa crítica de recursos humanos, com a adequada
formação científica para serem identificados como pontos focais. Não é por acaso que os países
menos desenvolvidos que têm sido capazes de atrair investidores no setor farmacêutico têm uma
faculdade de farmácia relativamente forte em suas universidades locais (UNITED NATIONS,
2011).
Ademais, tão importante quanto ter uma massa crítica de recursos humanos em
determinadas aréas científicas é também dispor de recursos humanos com um bom nível em
negócios e habilidades gerenciais. A capacidade de desenvolvimento da empresa farmacêutica de
um país poder gerar receita sustentável para cobrir seus custos depende de uma ampla gama de
habilidades gerenciais, incluindo a gestão de fábrica, distribuição, bem como vendas e até mesmo
marketing.
Infra-Estrutura Básica - Energia Confiável e Água Potável
Os países no momento de estabelecer uma cooperação examinarão atentamente para saber se
outras fábricas no país receptor possuem uma fonte confiável de energia elétrica e acesso a água
limpa. Eletricidade e água limpa podem ser problemáticos no contexto dos países em
63
desenvolvimento, e, especialmente, nos países menos desenvolvidos. Uma maneira de resolver esse
problema é a criação de zonas industriais especiais que têm acesso a fontes independentes de
energia elétrica e água potável, pois se a rede elétrica local é confiável, bem como se as instalações
de purificação de água são consideradas de confiança, a credibilidade em torno da cooperação
aumenta. Em alternativa, ou além disso, as empresas locais podem também criar as suas próprias
instalações de purificação de água e geradores de eletricidade em locais de fábricação.
Autoridade Reguladora Nacional de Medicamentos
Cada país costuma ter a sua própria autoridade reguladora de medicamentos, o que é
geralmente uma agência sob ou afiliada ao Ministério da Saúde local. A reputação da indústria
farmacêutica doméstica pode ser ajudada ou dificultada pela capacidade da referida autoridade
reguladora de medicamentos. Uma autoridade reguladora fraca torna mais provável que os
medicamentos disponibilizados no mercado tenham menor credibilidade, enquanto uma autoridade
reguladora com bom funcionamento garante que os medicamentos produzidos localmente estejam
em conformidade com as boas práticas de fabricação e consequentemente tenham uma maior
aceitação.
A reputação coletiva da indústria farmaceutica local depende da existência de instituições
que tenham sido sujeitas a uma análise rigorosa de uma agência reguladora e para os quais a
população doméstica possa ter a certeza de que os medicamentos no mercado atendem a um nível
aceitável de segurança e qualidade.
Por último, uma autoridade reguladora de medicamentos que funcione bem também constrói
a confiança entre os países exportadores, o que é fundamental para o acesso aos mercados
estrangeiros em que os fabricantes do país de exportação deve cumprir os requisitos regulamentares
não apenas para a sua autoridade reguladora nacional de medicamentos, mas também os requisitos
estabelecidos pela autoridade reguladora de medicamentos de uma possível país importador. As
autoridades reguladoras de medicamentos nos países desenvolvidos geralmente têm padrões de
qualidade muito superiores aos exigidos por aqueles em países menos desenvolvidos.
Acesso oportuno aos principais insumos (Ingredientes Farmacêuticos Ativos-IFA)
Com exceção de empresas localizadas na China e Índia, as empresas farmacêuticas dos
países em desenvolvimento geralmente dependem da importação de matérias-primas necessárias à
produção farmacêutica. A maioria dos países em desenvolvimento envolvidos na produção de
64
genéricos utilizam como fonte para sua produção, os ingredientes farmacêuticos ativos da China e
Índia. Tal fato pode significar que se torna cada vez mais difícil a fabricação de medicamentos a um
custo mais baixo em relação ao dos países mencionados, devido a várias outras vantagens
provenientes de custos trabalhistas e de infra-estrutura que incentivam a fabricação de
medicamentos a um custo mais baixo em outros países em desenvolvimento.
Possibilidade de investimento e cooperação no setor farmacêutico
O cenário farmacêutico global vem mudando rapidamente nos últimos anos. Enquanto as
empresas farmacêuticas parecem ser menos afetadas pela crise financeira global, que começou em
2008, as maiores empresas multinacionas de P & D foram colocadas sob pressão significativa,
devido à expiração de patentes de uma série de seus medicamentos, diminuindo as suas margens de
lucro, geradas pela concorrência em relação aos medicamentos genéricos estabelecida após o prazo
de expiração da patente (UNITED NATIONS, 2011).
Requisitos de registro de medicamentos
O registo de medicamentos também deve satisfazer determinados requisitos, incluindo
dispor de laboratório, testes clínicos e de bioequivalência para a segurança, consistência, qualidade
e outros. As Boas Práticas de Fabricação devem atender aos requisitos técnicos em relação ao
manuseio de matérias-primas, processos de fabricação e embalagens, bem como tratamento de água
para utilizar no processo de produção, qualidade do ar e de controle de qualidade de equipamentos e
sistemas.
Fatores Humanitários e Morais
Além dos motivos econômicos, preocupações humanitárias também podem, potencialmente,
influenciar a decisão de investir na produção de fármacos localmente. Os poucos países em
desenvolvimento que estão produzindo medicamentos também são capazes de transferi-los e estão
abertos a desenvolver novas versões de medicamentos genéricos, que são patenteados em outros
lugares como resultado das flexibilidades possibilitadas pelo Acordo TRIPS. No entanto, uma
transferência de tecnologia precisa de garantias, por parte do governo que a recebe, de que os pré-
requisitos básicos para o fabrico de medicamentos de alta qualidade a um custo razoável são
possíveis no país em questão.
65
Na perspectiva da saúde pública, na medida em que um país em desenvolvimento pretende
levar a cabo a produção local, a intervenção do governo é necessária para garantir que os esforços
para o sucesso da cooperação internacional no setor atenda às reais necessidades de saúde do país
e/ou região.
Em muitos casos, a transferência de tecnologia também faz parte de um conjunto de
políticas que fazem interface com os sistemas de ciência, tecnologia e inovação, pois tais sistemas
incentivam ativamente parcerias com universidades locais e instituições de pesquisa. No que diz
respeito às doenças negligenciadas que afetam os países em desenvolvimento, essas instituições são
muito importantes como ativos estratégicos que precisam ser promovidos em conjunto com os
esforços para atrair investimentos e financiamentos na produção local.
Casos de transferência de tecnologia para produção farmacêutica local em países em
desenvolvimento.
De acordo com o relatório elaborado pela Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e
Desenvolvimento (UNCTAD), em conjunto com a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o
Centro Internacional para o Comércio e o Desenvolvimento Sustentável (ICTSD), foram realizados
alguns estudos de casos sobre a produção local farmacêutica e a transferência de tecnologia para tal,
algumas patenteadas, nos seguintes países em desenvolvimento – Argentina, Bangladesh,
Colômbia, Etiópia, Indonésia, Jordânia, Tailândia e Uganda. Uma breve síntese dessas experiências
é apresentada a seguir. E o Anexo I apresenta um quadro com a síntese das principais características
de cada caso.
Argentina
Este estudo de caso examina a inovação tecnológica adquirida por uma empresa
farmacêutica pública argentina – o laboratório ELEA – através da pesquisa, esforços de
desenvolvimento (P & D) e transferência de tecnologia advinda de empresas multinacionais e outras
empresas argentinas com base em alianças estratégicas junto a universidades e instituições públicas,
incluindo a cooperação sul-sul.
O referido laboratório que serviu de referência para este estudo de caso, tem contribuído
para a melhoria do acesso aos medicamentos na Argentina, bem como a disponibilização de novos
tratamentos disponíveis na área de biotecnologia, produzindo, dentre outros, kits de diagnóstico
para diagnosticar precocemente casos de diabetes e de outras doenças.
66
Ademais, o ELEA está desenvolvendo vacinas no objetivo de exportar e encontrar um nicho
de mercado para produtos químicos genéricos a preços acessíveis e se tornar um produtor de
insumos, no entanto um dos fatores observados durante este caso foi que a capacidade tecnológica
da indústria farmacêutica local não é suficiente para estabelecer um setor farmacêutico
autossuficiente em ingredientes farmacêuticos ativos (IFAs).
Bangladesh
Este estudo de caso examina como Bangladesh, país considerado em desenvolvimento,
conseguiu construir uma base tecnológica para a produção farmacêutica e enfrentou os desafios
necessários para produzir a baixo custo ingredientes farmacêuticos ativos (IFAs).
Nesse sentido as empresas Square Pharmaceuticals Lda. e Beximco Pharmaceuticals, sendo
as mais antigas do setor farmacêutico no país, contribuíram para promover um maior acesso de
medicamentos em Bangladesh concentrando-se na produção mais barata de medicamentos
essenciais para o uso de sua população e criação de uma ampla área de cobertura terapêutica. Tais
medidas, embora promovidas por uma Política Nacional de Medicamentos que o país adotou desde
1982, têm sido sustentadas por uma série de transferências de tecnologia provenientes de alianças
entre as empresas mencionadas e empresas multinacionais presentes na região.
A transferência de tecnologia de empresas estrangeiras para as empresas mencionadas em
Bangladesh tem sido extremamente importante devido aos seguintes fatos: (i) estabelecimento de
capacidade de produção no país; (ii) expansão do portfólio de produtos para incluir várias categorias
de novos produtos e (iii) modernização tecnológica necessária para a produção de medicamentos
com qualidade a um custo razoável. Ademais, as duas empresas mencionadas neste estudo de caso,
apesar de possuírem características bastante típicas das grandes empresas do setor farmacêutico de
Bangladesh, apresentam limitações tecnológicas que foram melhoradas com a transferência de
tecnologia.
Colômbia
Este estudo de caso examina a estratégia de inovação tecnológica da maior farmacêutica
colombiana denominada Tecnoquímicas S.A. que por meio dos esforços de sua pesquisa e
desenvolvimento aumentou a produção de medicamentos no país. Nesse sentido, o referido estudo
de caso também foi desenvolvido para investigar as tendências relacionadas à transferência de
67
tecnologia na área farmacêutica na Colômbia, a fonte de sua tecnologia, os fatores que explicam a
sua sustentabilidade e as questões que as empresas locais e multinacionais enfrentam na região.
Ademais, o papel que os ingredientes farmacêuticos ativos (IFAs) e fornecedores de
equipamentos desempenham na transferência de tecnologia, assim como a contratação de
profissionais ou técnicos qualificados, bem como o lugar que as universidades e instituições de
pesquisa e desenvolvimento possuem num país em desenvolvimento também merece destaque.
Existem outros pontos importantes no caso como a preocupação com as atividades de pesquisa e
desenvolvimento no que diz respeito às doenças negligenciadas e outras atividades relacionadas às
doenças tropicais como a leishmaniose servem como importante contribuição.
O papel que a Tecnoquímicas S.A. desempenha no fornecimento de medicamentos, não só
na Colômbia, mas também na América Central com um bem estabelecido sistema de distribuição de
medicamentos devido à sua familiaridade com a língua e a cultura da região também merece
destaque.
O problema do acesso aos medicamentos na Colômbia devido aos altos preços cobrados
para certos medicamentos essenciais, que são em muitos casos fornecidos através de importações
por empresas estrangeiras e com proteção de patentes também surge, no entanto a Tecnoquímicas
S.A. contribuiu para uma produção de medicamentos com preços mais acessíveis na Colômbia,
fazendo com que a maioria da população pudesse ter acesso aos medicamentos com preços muito
mais acessíveis do que antigamente.
Etiópia
Este estudo de caso foi concebido para analisar a produção farmacêutica de um país menos
desenvolvido como a Etiópia examinando como uma Empresa Joint Venture Sino-Ethiop Private
Limited Empresa (SEAA) em um país deste perfil socioeconômico conseguiu construir uma base
tecnológica contribuindo para o fortalecimento da indústria farmacêutica local, destacando a
relevância dos investimentos de outros países do sul geopolítico e o papel desta joint venture como
um veículo para a transferência de tecnologia.
O referido estudo destaca também o fato de que a oferta por medicamentos na África
Subsaariana não consegue acompanhar a demanda na região indicando um mercado deficiente no
que diz respeito à produção local de medicamentos na região.
O estudo foi importante em analisar que a contribuição da SEAA torna-se mais visível
quando o investimento se expande na produção de IFAs e outros insumos na África ajudando a
68
indústria farmacêutica local a melhorar a sua competitividade e o fato de que o governo etíope
considera que um bom sistema de saúde também pode melhorar o acesso aos medicamentos.
Ademais, o governo da Etiópia tem empreendido esforços facilitadores e positivos, visando
direcionar estrategicamente o investimento estrangeiro no setor farmacêutico.
Indonésia
O referido estudo de caso destaca a influência de empresas japonesas farmacêuticas que
atuam na Indonésia desde os anos 1970 e a sua tecnologia. Especificamente, o referido estudo de
caso examina a transferência de tecnologia repassada no contexto de uma relação entre uma
empresa farmacêutica de pesquisa e desenvolvimento (P & D) com sede em um país desenvolvido
(Japão) a uma de suas fábricas subsidiárias em um país em desenvolvimento como a Indonésia – PT
Eisai (PTEI).
A escolha da Empresa Eisai para servir de fábrica na Indonésia parece ter sido impulsionada
por vários fatores, incluindo o tamanho do mercado e da sua história. Ademais, o referido caso
apresenta um modelo típico de produção local e transferência de tecnologia entre a multinacional
controladora e sua controlada, onde o principal fator da produção local neste caso não é apenas o
acesso aos medicamentos, mas também o mercado da região. Nesse sentido, a gama de produtos
fabricados pela empresa não apenas tem correlação com a lista dos medicamentos essenciais da
indonésia.
Jordânia
Este estudo de caso foi útil em analisar uma empresa farmacêutica jordaniana denominada
Jordanian Pharmaceutical Manufacturing como uma empresa privada que contribuiu para algumas
transformações na indústria farmacêutica jordaniana. A referida empresa na Jordânia tornou-se
exportadora de produtos farmacêuticos de alta qualidade, bem como importante fornecedor de
medicamentos genéricos para o Oriente Médio.
O referido estudo analisa as fontes de tecnologia utilizadas na indústria farmacêutica
jordaniana, além da transferência de tecnologia que ocorreu entre a Jordânia e outros países,
sobretudo no que diz respeito à inovação. Ademais, a empresa jordaniana produziu grande
variedade de genéricos e se beneficiou significativamente do elevado patamar da educação na
Jordânia, se permitindo construir uma base técnica sólida com capacidade para absorver tecnologias
e produzir produtos de alta qualidade para atender tanto ao mercado interno quanto ao externo.
69
Tailândia
Este estudo de caso destaca a iniciativa para a produção nacional de vacinas no combate à
gripe na Tailândia, com o objetivo de identificar as oportunidades e desafios aplicáveis e relevantes
para o desenvolvimento da produção de vacinas na Tailândia.
O estudo de caso analisa as características da empresa pública tailandesa Government
Pharmaceutical Organization (GPO) no que diz respeito ao desenvolvimento da capacidade
tecnológica para desenvolvimento de uma vacina de combate à gripe na Tailândia e o ambiente
legal e político para pesquisa e desenvolvimento (P & D) e inovação na Tailândia contribuindo para
uma melhor compreensão do papel do setor farmacêutico patrocinada pelo Estado no contexto do
desenvolvimento de vacinas na Tailândia.
Ademais, outro importante objetivo foi apresentar lições relevantes para a promoção da
inovação e produção sustentável farmacêutica na Tailândia, através da análise da dinâmica de
desenvolvimento de vacinas e de transferência de tecnologia. A garantia do acesso a vacinas foi o
objetivo político do governo tailandês para o projeto de desenvolvimento e produção de vacinas por
meio da empresa GPO contra a gripe.
Uganda
Este estudo de caso analisa como a tecnologia farmacêutica foi transferida de uma grande
fábrica privada indiana de medicamentos genéricos (CIPLA) a uma fábrica local pública em
Uganda (Quality Chemicals), a partir de um acordo de joint venture. O referido estudo Identifica
também como Uganda pôde produzir e inovar na produção de medicamentos antiretrovirais e
antimaláricos, de boa qualidade e com preços mais acessíveis, e quais os fatores que impediram ou
facilitaram a transferência e absorção de tecnologia com esse objetivo.
A exemplo de outros países menos desenvolvidos, Uganda pode tirar proveito do fato de que
o país não é obrigados a oferecer a proteção de patentes sobre produtos farmacêuticos, conforme
exigido pelo Acordo sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao
Comércio (Acordo TRIPS) até 2016, sendo, portanto, capaz de oferecer uma base para fabricação
de versões genéricas de medicamentos que são protegidos por patentes em outros países.
De acordo com o estudo de caso, a transferência de tecnologia foi analisada com todos os
componentes presentes na tecnologia, tanto codificada (em termos de projetos, hardware, peças de
máquinas e tecnologias de plantas de produção) como tácita (know-how e competências), que são
70
essenciais para aumentar a capacidade do país receptor a produzir produtos farmacêuticos. Em
linhas gerais, a fábrica de Uganda (Quality Chemicals–Cipla) tem sido implementada de acordo
com as orientações da Cipla e com características que se assemelham à unidade de produção de
genéricos na Índia.
A característica mais marcante desse caso é que na fábrica em Uganda o foco está no “know-
how tácito” e o treinamento de habilidades locais é realizado pela Cipla indiana. O projeto prevê
não só a capacitação de técnicos e outros profissionais de gestão, mas também a formação de
técnicos em questões organizacionais da indústria farmacêutica. Em particular, as competências e
know-how a serem transferidos referem-se a: (i) projeto de planta e instalação, (ii) produtos e
processos com know-how, (iii) as boas práticas de fabricação, (iv) engenharia para manutenção da
planta e (v) qualificação na identificação de fornecedores de matéria prima, bem como em
capacitações oferecidas ao longo do projeto.
O Acordo foi motivado para que o Governo de Uganda criasse capacidade produtiva para
garantir um fornecimento sustentável de medicamentos de importância para a saúde pública como
os antirretrovirais. Tal perspectiva de saúde foi motivada pela necessidade cada vez maior de
reivindicar com mais propriedade sobre a questão do HIV/SIDA, a fim de aumentar a confiança dos
cidadãos na capacidade do país de responder à crescente necessidade de medicamentos que a
epidemia está exigindo na região.
71
CAPÍTULO V - O PROJETO DE COOPERAÇÃO BRASIL-MOÇAMBIQUE:
INSTALAÇÃO DA FÁBRICA DE ANTIRRETROVIRAIS E OUTROS MEDICAMENTOS
(SMM) EM MOÇAMBIQUE.
Negociações Iniciais (2003 a 2007)
A cooperação técnica Brasil – Moçambique para a instalação de uma fábrica produtora de
medicamentos antirretrovirais e outros foi orientada e consolidada a partir de acordos entre os dois
governos. O Acordo Geral de Cooperação entre Brasil e Moçambique foi assinado em 15 de
setembro de 1981 e o Protocolo de Intenções entre Brasil e Moçambique sobre Cooperação Técnica
na Área de Saúde, em 21 de junho de 2001. Tais atos reforçaram o interesse comum para atividades
de cooperação entre as duas nações, ao mesmo tempo em que definiram como prioridade a
cooperação nos campos econômico, científico, técnico, tecnológico, cultural e de formação de
pessoal e saúde, a serem detalhados por acordos complementares.
A consolidação legal da iniciativa da fábrica deu-se a partir das assinaturas do Protocolo de
Intenções entre o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva por parte do Brasil e do então Presidente
Joaquim Chissano por parte de Moçambique sobre Cooperação Científica e Tecnológica na Área da
Saúde, em 5 de novembro de 2003, e do Ajuste Complementar ao Acordo – Geral de Cooperação
entre Brasil e Moçambique para a Implementação do Projeto “Estudo de Viabilidade Técnico –
Econômico para a Instalação de Fábrica de Medicamentos Antirretrovirais e Outros”, assinado em
15 de julho de 2005.
É no Protocolo assinado em 2003 que se identifica a primeira referência expressa à
instalação e gerenciamento de laboratório farmacêutico público para atender predominantemente as
necessidades de saúde de Moçambique, com ênfase na produção de medicamentos antirretrovirais
genéricos. E, para tanto, foram previstas responsabilidades compartilhadas e complementares entre
os dois governos, tais como:
• MOÇAMBIQUE: Identificar local e disponibilizar infraestrutura física para instalação
do laboratório, bem como facilitar a multiplicação da capacitação dos técnicos nacionais;
• BRASIL: Prover o laboratório dos equipamentos necessários e da transferência de
tecnologia para ao seu funcionamento e a produção dos medicamentos;
O Ajuste Complementar de 2005 foi consequência do Protocolo de 2003, pois tratava
especificamente da execução de um estudo de viabilidade técnico-financeiro que teve por objetivos:
verificar a viabilidade para a implantação de uma fábrica de antirretrovirais e outros medicamentos
em Moçambique; e propor estudos complementares e opções alternativas, caso necessário.
72
Para a realização desse estudo preliminar, os recursos financeiros foram integralmente
disponibilizados pelo governo do Brasil, tendo a Agência Brasileira de Cooperação (ABC/MRE)
como instituição financiadora e o Ministério da Saúde do Brasil como instituição executora do
estudo
Esse estudo foi concluído em 2007, e o relatório lançado em 2008. Com base nele e em
conjunto com a equipe moçambicana decidiu-se pela viabilidade da cooperação técnica
considerando duas alternativas: o local e a estrutura básica poderiam ser em alguma fábrica já
existente, com a realização de obras de adequação necessárias para a transferência de tecnologia
para a produção de antirretrovirais; ou poderia ser providenciado um terreno para construção das
instalações. O governo moçambicano decidiu pela aquisição da única indústria farmacêutica em
operação no país (denominada Final Farmacêutica) que estava falida e à venda, e era produtora de
soluções parenterais de grandes volumes (soros fisiológicos de 500 e 1000 ml, glicose e cloreto de
sódio) (FARMANGUINHOS, 2010).
Desenvolvimento do projeto (2008 – 2013)
Uma vez considerada viável a instalação da fábrica de medicamentos, a partir de um cenário
técnico e político muito específico em Moçambique, no ano de 2008 o Instituto de Tecnologia em
Fármacos (Farmanguinhos) foi chamado a colaborar no projeto, uma vez que esta unidade técnico-
científica dispunha do know-how e experiência na produção de medicamentos antirretrovirais –
situação necessária à execução da iniciativa em Maputo.
Para tal, Farmanguinhos inicia, ainda em 2008, um programa de missões a Moçambique
com o objetivo de realizar os estudos técnicos iniciais necessários à execução do projeto. Durante
aquele ano foram realizadas 5 (cinco) missões e dentre os principais temas abordados em cada uma
delas, destacaram-se:
• Definição em favor do uso da fábrica de soros localizada em Moçambique (Final
Farmacêutica) como base para a adequação e construção da futura fábrica produtora de
antirretrovirais;
• Consenso sobre a necessidade de elaboração de Plano de Negócios para a iniciativa;
• Início da discussão sobre o arcabouço jurídico da futura fábrica moçambicana;
• Discussão sobre a lista de medicamentos a ser produzida;
• Identificação da necessidade de Moçambique quanto à regulação de medicamentos;
73
• Inserção oficial da Agência de Vigilância Sanitária (ANVISA/MS) para tratar da regulação
de medicamentos;
• Definição do desenho da Iniciativa, bem como da capacitação via ABC/MRE a ser realizada
e o formato da participação da ANVISA/MS no projeto;
• Construção de consenso sobre a necessidade de elaboração do Projeto Executivo para a
iniciativa;
• Consenso sobre o modelo de gestão da fábrica (100% de capital público);
• Decisão pela manutenção da linha de soros (Glicose e Cloreto de Sódio 0,5%).
Em paralelo a isso em outubro de 2008, foi submetido ao Congresso Nacional Brasileiro o
Projeto de Lei nº 4.145/2008 para autorização da doação de recursos por parte do Governo do Brasil
para a Primeira Fase do projeto no montante de R$ 13.600.000,00 (treze milhões e seiscentos mil
reais), sendo que uma parte seria destinada às obras para instalação da fábrica, outra para
equipamentos e utensílios e o restante aos Insumos para Medicamentos.
Ademais, foi assinado em 4 de setembro de 2008, o Ajuste Complementar ao Acordo Geral
de Cooperação entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República de
Moçambique Para Implementação do Projeto "Fortalecimento Institucional do Órgão Regulador de
Medicamentos de Moçambique como Agente Regulador do Setor Farmacêutico".
Outro importante ato que também foi assinado no dia 4 de setembro de 2008, foi o Ajuste
Complementar ao Acordo Geral de Cooperação entre o Governo da República Federativa do Brasil
e o Governo da República de Moçambique para Implementação por meio da Agência Brasileira de
Cooperação do Ministério das Relações Exteriores (ABC/MRE) do Projeto BRA/04/044
“Capacitação em Produção de Medicamentos Antirretrovirais e outros Medicamentos”.
Em seguida no período entre 17 de novembro a 17 de dezembro desse mesmo ano, foi
realizado o primeiro módulo deste projeto que foi na área de Garantia e Controle de Qualidade e
contou com a participação de dois técnicos moçambicanos que visitaram as instalações de
Farmanguinhos para participar da referida capacitação.
Ainda neste ano, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva visitou Maputo e inaugurou as
instalações do Escritório Regional da Fiocruz em África localizadas nas dependências do Centro
Cultural Brasil-Moçambique. A iniciativa da Fiocruz em instalar uma representação permanente no
continente teve por objetivo ampliar e consolidar os projetos de cooperação em curso nos países de
74
África buscando alinhar a prioridade da política externa do Governo Federal aos princípios
norteadores da cooperação sul-sul no campo da saúde.
Por fim, o Governo de Moçambique procedeu com a aquisição da planta industrial de soros
Final Farmacêutica que foi destinada à futura fábrica que se chamaria Sociedade Moçambicana de
Medicamentos S/A (SMM S/A) realizando os últimos atos necessários na aquisição da mencionada
fábrica de soros com o objetivo de adaptar a mesma para produção de medicamentos antirretrovirais
e outros de uso comum.
Ademais foi decidido após algumas análises, que a nova fábrica moçambicana contaria com
o apoio dos técnicos de Farmanguinhos/Fiocruz, para auxiliar na continuidade da produção que a
mesma possuía anteriormente. Desse modo, a Sociedade Moçambicana de Medicamentos S/A
também passaria a produzir soluções parenterais de grande volume – cloreto de sódio injetável
(0,9%) e glicose injetável (5%) ambos com a apresentação de 1000 ml – de tal modo a garantir o
fornecimento desses itens para a população moçambicana (FARMANGUINHOS, 2010).
Considerando que a obtenção de certificação internacional era mais um elemento da pauta
de sustentabilidade econômico-financeira da fábrica moçambicana, Farmanguinhos/Fiocruz realizou
uma inspeção nas dependências da unidade fabril que, por consequência demandou a elaboração de
um plano de ações corretivas.
Nesse sentido foi concluído um estudo sobre a planificação do recebimento da fábrica Final
Farmacêutica. Na conclusão deste processo foi designada uma Comissão Interministerial dentro do
governo moçambicano, contendo representantes do Instituto de Gestão das Participações do Estado
(IGEPE), do Ministério das Finanças, da Indústria e Comércio e da Saúde para planificar a
instalação da nova fábrica.
A Liberação de Recursos para o Financiamento da Iniciativa
Como a doação de equipamentos pelo Brasil a outro país não é permitida pelas leis
brasileiras, em 2009 o Congresso Nacional brasileiro aprovou a Lei 12.117/2009, após um ano de
tramitação, que autorizou a União a comprar e doar recursos à República de Moçambique,
necessários para a primeira fase do projeto. De acordo com o texto da lei, o Poder Executivo estaria
autorizado a efetuar a doação de recursos que seriam investidos nas obras para adequação da fábrica
moçambicana, em equipamentos e utensílios e insumos para medicamentos à República de
Moçambique no montante total de até R$ 13.600.000,00 (treze milhões e seiscentos mil reais) para
a primeira fase do projeto, com base nas dotações orçamentárias consignadas ao Ministério da
75
Saúde no orçamento geral da União, com responsabilidade prevista para este Ministério e efetivada
mediante termo lavrado por autoridade competente deste mesmo órgão.
Porém, em razão da complexidade do projeto e da necessidade de recursos expressivos para
sua execução, o Governo Brasileiro optou por negociar outros recursos financeiros com alguns
parceiros para a realização de atividades do projeto, considerando os prazos para a disponibilização
das verbas (FARMANGUINHOS, 2010). Os parceiros financiadores brasileiros (Agência Brasileira
de Cooperação do Ministério das Relações Exteriores – ABC/MRE e Ministério da Saúde do Brasil)
passaram a ter um papel crucial para o desenvolvimento da iniciativa (Quadro II).
QUADRO II – Recursos previstos, utilizados e saldos do projeto
Macro atividade Financiador Principal /
Tipo de Atividade
Recursos
Previstos
Recursos
efetivamente
liberados e
utilizados
Saldos em Dez/2013
Estudos Prévios
Agência Brasileira de Cooperação
(ABC/MRE)
Estudo de Viabilidade técnico-econômico
para a instalação da fábrica
US$ 455.400,0
0 (15/07/2005)
Recurso inteiramente
utilizado.
Capacitação
Técnica
Agência Brasileira de Cooperação
(ABC/MRE)
Projeto de Capacitação em Produção de
Medicamentos na época de sua assinatura
US$
776.241,00
(28/10/2008) 9
Estima-se que tenha
sido utilizado
US$ 200.000,00
Aporte de
Tecnologias e
Equipamento
Ministério da Saúde do Brasil mediante
aprovação do Congresso Nacional
Compra e Doação de Equipamentos,
Utensílios e Insumos para medicamentos10
R$
13.600.000,00
(14/12/2009)
Recurso inteiramente
utilizado.
Aporte para o
desenvolvimento
estrutural
Governo Federal (Mais Saúde)
Investimento a ser disponibilizado
especificamente para ações internacionais
na área de saúde no âmbito do Programa
Mais Saúde 2008 – 2011
R$
20.000.000,00
(dezembro de
2009)
Em execução
Fonte: Retirado da nota técnica Iniciativa de Instalação de Fábrica de Medicamentos Antirretrovirais e
Outros em Moçambique, elaborada em 2010 pela equipe técnica de Farmanguinhos responsável pela
execução do projeto, p.10, complementação própria sobre recursos utilizados, a partir das fontes
especificadas.
9 Refere-se ao Projeto de Capacitação elaborado pela ABC. 10 Refere-se ao montante a ser disponibilizado em recursos para Governo de Moçambique por meio da Lei nº 12.117, de
14 de dezembro de 2009.
76
Durante este período, os recursos foram efetivamente liberados em suas origens e utilizados
segundo cronogramas específicos de execução, cabendo ao Instituto de Tecnologia em Fármacos
(Farmanguinhos/Fiocruz) a responsabilidade de proceder com a sua gestão à devida prestação de
contas, segundo os procedimentos legais junto de cada agente financiador.
Com a inserção oficial de Farmanguinhos na iniciativa, foi possível identificar, durante este
período no trabalho executado pela unidade, a aplicação dos recursos financeiros do projeto que
teve por objetivo a aquisição de passagens e diárias, a preparação de subsídios técnicos, a
elaboração do Projeto Executivo para obras de infraestrutura, o pagamento de pessoal, bem como
outros itens relevantes para a plena execução da iniciativa considerando cada umas das fontes dos
recursos descriminadas naquela época.
Após a liberação dos Recursos financeiros previstos na Lei 12.117/2009, Farmanguinhos
iniciou o processo de aquisição dos equipamentos para Moçambique, levando em consideração a
disponibilização orçamentária, entrega instalação, qualificação e validação dos mesmos.
Ademais, a partir de 2009, a equipe técnica de Farmanguinhos responsável pelo
desenvolvimento da cooperação inicia o processo de discussões em torno do Projeto Executivo para
as obras de adequação da já denominada Sociedade Moçambicana de Medicamentos que ao
contrário da antiga Final Farmacêutica já foi definida como sociedade anônima apresentando 100%
(cem por cento) de suas ações pertencentes ao Governo de Moçambique, sendo administrada pelo
Instituto de Gestão das Participações do Estado (IGEPE) vinculado ao Ministério das Finanças e
tutelado pelo Ministério da Saúde (MISAU). Também foram iniciadas as discussões para a
elaboração do Plano de Negócios da Sociedade Moçambicana de Medicamentos.
Durante o ano de 2009 foram realizadas 4 (quatro) missões de Farmanguinhos a
Moçambique e dentre os principais temas abordados em cada uma delas, destacaram-se:
1) Realização do levantamento das necessidades de insumos farmacêuticos e material de
embalagem (custos) para os antirretrovirais que serão fabricados pela Sociedade
Moçambicana de Medicamentos S.A.;
2) Realização de Treinamento para os funcionários da Sociedade Moçambicana de
Medicamentos no I Módulo de Boas Práticas de Fabricação;
3) Realização de inspeção na linha de produção de soros na Sociedade Moçambicana de
Medicamentos S.A. de acordo com as recomendações da OMS e ANVISA;
77
4) Realização de Treinamento para os funcionários da Sociedade Moçambicana de
Medicamentos no II Módulo de Boas Práticas de Fabricação.
O Projeto Executivo e a Compra dos Equipamentos
Em janeiro de 2010 foi concluído e entregue ao governo de Moçambique o Projeto Executivo
para as obras de infraestrutura necessárias na já então denominada Sociedade Moçambicana de
Medicamentos S.A. (SMM). A proposta acordada internamente era que este projeto possibilitasse o
cumprimento de obras de adequação em fases independentes, sendo que, ao final, se tivesse uma
fábrica completa e capaz de produzir os medicamentos definidos de comum acordo.
Pela parte moçambicana, o Instituto de Gestão das Participações do Estado (IGEPE), órgão
vinculado ao Ministério das Finanças e detentor de 100% das ações da fábrica, publicou localmente
edital específico visando à contratação de empresa para realizar as obras, porém não foi possível
concluir o processo licitatório em razão do valor orçado (USD 15 milhões) pela única empresa que
apresentou proposta na época, considerado acima daqueles praticados no mercado e dos recursos
disponíveis pelo IGEPE na ocasião.
Diante deste fato, naquele momento, a alternativa encontrada pela equipe de
Farmanguinhos/Fiocruz foi a de assessorar o Governo de Moçambique a localizar e avaliar outras
empresas que pudessem realizar o empreendimento de adequação com custos menores do que
aquele apresentado pela única empresa mencionada. Como resultado, foi identificada a empresa
Pro-Air Lda (empresa sul-africana com experiência no segmento industrial farmacêutico) com
capacidade para atender todos os requisitos técnicos e de viabilidade econômica para dar
prosseguimento ao empreendimento. Tal avaliação foi realizada por uma equipe moçambicana e
subsidiada pelo corpo técnico de Farmanguinhos. A modalidade utilizada para contratação da
empresa foi a carta convite e contou com o posicionamento do IGEPE para as devidas providências
contratuais.
No entanto, o Governo de Moçambique alegou incapacidade financeira em arcar com o
pagamento do valor total previsto para a obra, fazendo com que o Governo brasileiro,
principalmente com a visita do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva e dos Ministros de Estado
Celso Amorim e José Gomes Temporão à Sociedade Moçambicana de Medicamentos neste ano,
negociassem com a empresa VALE de Moçambique a doação de USD 4,5 milhões ao governo
moçambicano para que o país cumprisse com o financiamento da obra, o que era equivalente a 80%
dos custos totais.
78
Enquanto isso, os representantes de Farmanguinhos continuaram a executar durante as
Missões realizadas a Moçambique neste período, atividades de Capacitação Técnico-Gerencial in
locu na Sociedade Moçambicana de Medicamentos S/A (SMM S/A), principalmente no tema das
Boas Práticas de Fabricação (BPF). A realização da capacitação in locu para os técnicos da SMM
S/A durante estas missões foi identificada como elemento necessário para a linha produtiva da
fábrica e, por consequência, representou uma ação complementar ao Projeto “Capacitação em
Produção de Medicamentos Antirretrovirais e Outros Medicamentos” que estava sob a
responsabilidade da Agência Brasileira de Cooperação (ABC/MRE). Ademais existiu por parte de
Farmanguinhos iniciativas no objetivo de oferecer suporte técnico para manutenção da linha de
soros e realização de inspeção e elaboração de planos de ações corretivas para a fábrica.
Foi concluído neste período, a elaboração da documentação necessária para o registro dos
medicamentos Nevirapina 200 mg comprimidos, Ribavirina 250 mg cápsulas11, da Lamivudina 250
mg comprimidos e da Amoxicilina 500 mg cápsulas que seriam alvos da transferência de tecnologia
para Moçambique. Esses dossiês foram entregues à contraparte moçambicana durante missões
organizadas por Farmanguinhos àquele país em 2010. Ademais, neste período também foram
estruturadas as bases documentais para a transferência de tecnologia dos medicamentos que seriam
produzidos em Moçambique.
Iniciou-se o processo de Aquisição dos equipamentos pelo governo brasileiro a serem doados
para Moçambique. Neste sentido, concluiu-se que parte dos equipamentos que integrariam as linhas
de produção de antirretrovirais, de produção de outros sólidos orais, de embalagens, do Controle da
Qualidade e Almoxarifado da fábrica seriam adquiridos em Farmanguinhos (importação) com
entrega direta em Moçambique, enquanto a outra parte seria adquirida nacionalmente, guardada em
Farmanguinhos e posteriormente enviadas a Moçambique. A equipe técnica de Farmanguinhos
solicitou ao governo moçambicano, na época, a indicação de despachante e trâmites necessários
para o desembaraço alfandegário incluindo a isenção de impostos e taxas.
Durante o ano de 2010 foram realizadas 7 (sete) missões a Moçambique e dentre os principais
temas abordados em cada uma delas, destacaram-se:
Entrega do Projeto Executivo para as obras de adequação da Sociedade Moçambicana de
Medicamentos;
11 O Medicamento Ribavirina 250 mg no início do projeto estava previsto para ser produzido na SMM, no entanto a
produção do mesmo foi repensada de acordo com as necessidades moçambicanas.
79
Aquisição de informações técnicas relacionadas à certificação internacional tanto da
Organização Mundial da Saúde como da Food and Drug Administration junto à empresa
farmacêutica sul-africana ASPEN PHARMACARE;
Prestação de apoio técnico ao Governo de Moçambique no processo de elaboração da
Licitação das Obras para a Sociedade Moçambicana de Medicamentos S/A;
Realização de reuniões técnicas com o Departamento Farmacêutico e Ministério da Saúde
moçambicanos para avaliar a situação da contratação da Empresa Pro-Air Lda que foi
responsável pelas obras de adequação da SMM S.A;
Realização dos preparativos necessários para a visita oficial do Presidente Luiz Inácio Lula
da Silva às instalações da SMM S.A.;
As Obras de Adequação e Infraestrutura e a Entrega dos Equipamentos
As obras de adequação de infraestrutura só foram iniciadas, entretanto, em 2011, financiadas
pela empresa mineradora brasileira Vale do Rio Doce, após intensas negociações, pois Moçambique
não conseguiu disponibilizar recursos para tal, conforme acordado anteriormente. A execução
contou com o acompanhamento e assistência técnica de Farmanguinhos.
Em abril de 2011, foram iniciadas as obras de adequação da SMM para produção de
Antirretrovirais e contou com o acompanhamento e a assistência técnica de Farmanguinhos. Nessa
primeira fase, as obras enfatizaram os seguintes pontos:
Tratamento de Efluentes;
Construção das paredes do Laboratório de Controle de Qualidade;
Montagem das salas com a instalação dos painéis;
Pintura da maior parte das salas bem como a conclusão da alvenaria nas mesmas.
Neste mesmo ano foram registrados os primeiros quatro medicamentos de titularidade de
Farmanguinhos/Fiocruz (Nevirapina 200 mg comprimidos, Ribavirina 250 mg cápsulas,
Lamivudina 250 mg comprimidos e Amoxicilina 500 mg cápsulas) junto à Autoridade Regulatória
de Moçambique.
Ademais, houve a contratação de empresa para auditoria internacional (chamada Austral
Cowi Lda) que operava em Moçambique para adequar e finalizar o Plano de Negócios à legislação,
linguagem e cultura local. Nesse sentido, houve intenso trabalho da parte brasileira para que o Plano
80
de Negócios da fábrica conferisse especial atenção à questão da sustentabilidade econômica do
negócio farmacêutico em Moçambique.
No período entre 16 de novembro a 9 de dezembro do corrente ano, foi realizado o módulo
de Garantia e Controle de Qualidade e contou com a participação de três técnicos moçambicanos
que visitaram as instalações de Farmanguinhos para participar da referida capacitação que foi
financiada no âmbito do Projeto denominado Capacitação em Produção de Medicamentos
Antirretrovirais e Outros Medicamentos que estava sob a responsabilidade da Agência Brasileira de
Cooperação do Ministério das Relações Exteriores (ABC/MRE). Este foi o segundo módulo de
capacitação realizado no âmbito deste projeto.
No decorrer deste ano, o procedimento de compra dos equipamentos foi feito pelo Governo
Brasileiro, mais precisamente por Farmanguinhos, compreendendo uma complexa logística desde a
aquisição até a efetiva entrega destes em Maputo, além dos procedimentos para registro como
doação ao governo moçambicano.
Todos os equipamentos e materiais envolvidos nesse processo se destinaram à instalação e
ao uso na Sociedade Moçambicana de Medicamentos S.A, sendo estes utilizados para a fabricação e
controle da qualidade de medicamentos.
Este procedimento de compra e entrega, que foi de responsabilidade de
Farmanguinhos/Fiocruz, conforme já mencionado contou com dois tipos de compras a serem feitas
da seguinte forma: as compras nacionais foram concluídas no Brasil, com os equipamentos e
materiais entregues em Farmanguinhos e posteriormente exportados para Moçambique enquanto as
compras internacionais com os equipamentos e materiais entregues diretamente pelos fabricantes
e/ou fornecedores para o Governo de Moçambique.
Ademais, também foi feito um planejamento para a instalação destes equipamentos devido
às diferentes configurações, sensibilidade, área destinada para uso e necessidades para sua
instalação durante o período das obras da fábrica, bem como medidas preventivas que foram
tomadas levando em consideração o transporte, tempo, condições de estocagem destes
equipamentos e procedimentos de manutenção até que a instalação e operação fossem realizadas.
Durante o ano de 2011 foram realizadas 9 (nove) missões a Moçambique e dentre os
principais temas abordados em cada uma delas, destacaram-se:
Realização de Avaliação Técnica do Projeto Executivo das Obras da Sociedade
Moçambicana de Medicamentos;
81
Verificação da situação dos equipamentos que estavam sendo entregues em Maputo;
Acompanhamento das atividades de adequação das obras civil da Sociedade Moçambicana
de Medicamentos;
Verificação da situação da Estação de Tratamento de Esgoto para a Sociedade Moçambicana
de Medicamentos e detalhes do Projeto Executivo;
Realização de reuniões técnicas com a empresa Pro Air Lda para a confirmação das
especificações técnicas das áreas de produção e do controle de qualidade;
Verificação da situação dos equipamentos importados que estivessem sendo entregues na
Central de Abastecimento do Ministério da Saúde de Moçambique.
Os primeiros Lotes de Produção e o início da Transferência de Tecnologia
Em fevereiro de 2012 as obras de adequação da fábrica moçambicana foram concluídas,
bem como realizado todo o procedimento de compra dos equipamentos de grande porte, o que
exigiu uma complexa logística, desde a aquisição até a efetiva entrega na capital moçambicana
destes. A contraparte brasileira prestou assistência técnica a todas as atividades relativas à produção
da fábrica, bem como na finalização do seu Plano de Negócios.
Em 21 de julho de 2012, o Vice-Presidente da República Federativa do Brasil, Michel
Temer visitou a Sociedade Moçambicana de Medicamentos e participou do início das operações
fabris com a inauguração da linha de embalagem do medicamento antirretroviral Nevirapina 200
mg que foi o primeiro produto a ter o seu processo de tecnologia transferido para a fábrica
moçambicana com a marca SMM S/A.
Ademais, houve o registro dos primeiros quatro medicamentos já mencionados em nome da
SMM S/A e a conclusão da capacitação de 5 (cinco) funcionários moçambicanos treinados em
Farmanguinhos no módulo de Produção Farmacêutica.
Durante o ano de 2012 foram realizadas 9 (nove) missões a Moçambique e dentre os
principais temas abordados em cada uma delas, destacaram-se:
• Levantamento final dos pedidos dos equipamentos da fábrica;
• Inspeção das instalações físicas da fábrica;
• Acompanhamento das instalações dos equipamentos na planta da fábrica;
• Preparativos para a visita do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
82
Em 2013, a fábrica foi preparada para iniciar o seu processo produtivo e as operações
relacionadas ao seu controle de qualidade. O plano de negócios também foi concluído e aprovado
pela respectiva contraparte moçambicana trazendo diretrizes importantes como o desenho do
modelo de gestão e o aporte financeiro anual da SMM S/A. O acompanhamento da gestão fabril por
parte dos técnicos brasileiros, a continuidade dos módulos de capacitação e a orientação na
qualificação de fornecedores também foram atividades realizadas neste período. Ademais, a
solicitação do certificado de Boas Práticas de Fabricação em Moçambique também foi feita.
Durante o ano de 2013 foram realizadas 10 (dez) missões a Moçambique e dentre os
principais temas abordados em cada uma delas, destacaram-se:
Verificação do status das instalações dos equipamentos produtivos;
Realização de reuniões de apoio junto a Embaixada do Brasil em Moçambique.
A Sociedade Moçambicana de Medicamentos (SMM)12
A instituição definida por parte do governo moçambicano como responsável pela produção
destes medicamentos foi denominada Sociedade Moçambicana de Medicamentos (SMM S/A). A
fábrica tem por objetivo criar as condições para que exista em Moçambique uma unidade produtora
de medicamentos com capital 100% público e sustentável. Fundamentalmente um empreendimento
social de apoio às vítimas do HIV/SIDA em Moçambique.
Por meio desta fábrica, Moçambique poderá ter novas condições de reduzir os indicadores
de mortalidade decorrentes da incidência da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (SIDA)
ocasionada pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV), além de produzir medicamentos para
outros agravos à saúde no país associados à possibilidade de disponibilização desses insumos aos
países vizinhos que apresentarem demandas.
Esta Cooperação Técnica Internacional com o Governo moçambicano tem três principais
objetivos centrais: a) Transferência de técnicas e tecnologias para a produção de medicamentos e
para o controle de qualidade; b) Capacitação de recursos humanos moçambicanos, em nível técnico
e gerencial, para atuar na produção farmacêutica da SMM; e c) Assessoria especializada ao governo
de Moçambique para o gerenciamento administrativo e estratégico do negócio farmacêutico e a
consequente busca pela certificação internacional (FARMANGUINHOS, 2011).
12 A missão e uma breve visão da SMM S/A pode ser consultada no Anexo II.
83
Levando em consideração as linhas produtivas instaladas, a SMM S.A. teria condições de
produzir os medicamentos que constam do Quadro III a seguir, conforme acordado com o
Ministério da Saúde de Moçambique (MISAU) e segundo as necessidades da população do país.
Além de dar continuidade com a produção de soros, esta linha de produção será modernizada para
responder às exigências regulatórias e, posteriormente, poderá também produzir outros
medicamentos, de acordo com a demanda do mercado moçambicano.
QUADRO III – Medicamentos a serem produzidos pela SMM no âmbito da
Transferência de tecnologia.
Nº PRINCÍPIO ATIVO APRESENTAÇÃO INDICAÇÃO
1 Ácido Fólico 5 mg comprimido Antianêmico
2 Captopril 25 mg comprimido Anti-hipertensivo
3 Hidroclotiazilda 25 mg comprimido Diurético
4 Lamivudina 150 mg comprimido revestido Antiviral
5 Nevirapina 200 mg comprimido Antirretroviral
6 Propanolol 40 mg comprimido Anti-hipertensivo
7 Haloperidol 5 mg comprimido Neuroléptico
8 Lamivudina + Zidovudina (130 + 300) mg comprimido Antirretroviral
9 Diazepam 10 mg comprimido Ansiolítico
10 Glibenclamida 5 mg comprimido Antidiabético
11 Metronidazol 250 mg comprimido Anti-infeccioso
12 Zidovudina 300 mg comprimido Antirretroviral
13 Lamivudina + Zidovudina +
Nevirapina
(150+300+200) mg comprimido
revestido
Antirretroviral
14 Lamivudina + Zidovudina +
Nevirapina
(30+60+50) mg comprimido
revestido
Antirretroviral
15 Cetoconazol 200 mg comprimido Antimicótico
16 Fluconazol 100 mg cápsula Antimicótico
Fonte: Farmanguinhos, 2011.
Além dos produtos que constam da lista acima, a linha de produção de antirretrovirais e
outros medicamentos poderá, durante a vigência do acordo de transferência de tecnologia, passar a
produzir outros medicamentos que fazem parte do portfólio de Farmanguinhos e que podem ser
fabricados pelos equipamentos instalados na SMM. Após o término da Cooperação,
Farmanguinhos/Fiocruz poderá disponibilizar os novos produtos para futuras transferências de
tecnologia para SMM S/A, desde que haja compatibilidade com os equipamentos instalados e
interesse do Governo de Moçambique.
84
Essa produção poderá aumentar com o tempo, na medida em que forem sendo assimilados
os processos produtivos e que haja demanda, seja do MISAU, seja de outros potenciais clientes na
região.
CAPÍTULO VI – RESULTADOS E DISCUSSÃO
Dentre os principais problemas na transferência de tecnologia e operacionalização da SMM
S/A, destacam-se os seguintes:
Insumos (Ingredientes Farmacêuticos Ativos)
Conforme já mencionado no guia da OMS, as empresas farmacêuticas dos países em
desenvolvimento na maioria das vezes dependem da importação de matérias-primas da China e
Índia. Nesse sentido, existe grande dependência em relação a empresas estrangeiras fornecedoras de
toda matéria-prima e da maior parte dos insumos a serem usados no processo produtivo da
Sociedade Moçambicana de Medicamentos, principalmente em empresas chinesas e indianas.
Ademais, a importação de matéria-prima é sujeita ao pagamento de taxas aduaneiras em
Moçambique, enquanto o produto acabado não paga impostos, fato que promove uma concorrência
desleal entre a indústria local e os importadores de medicamentos.
Equipamentos
Existe dependência em relação a empresas estrangeiras para serviços de manutenção de boa
parte dos equipamentos que serão utilizados na fábrica moçambicana, pois foram comprados junto a
fornecedores europeus, que dominam melhor as técnicas de operação dos equipamentos instalados.
Financiamento
Há insuficiência no que diz respeito ao financiamento da manutenção institucional da
Sociedade Moçambicana de Medicamentos, tanto no período pré-operacional quanto no período de
produção. Ademais existem dificuldades financeiras por parte da contraparte moçambicana como
atraso de salários dos trabalhadores da fábrica e o não cumprimento de alguns compromissos
financeiros firmados pela parte moçambicana no financiamento do projeto, principalmente em
disponibilizar instalações e infraestrutura adequadas à execução de algumas atividades, conforme
acordado no último ajuste complementar assinado entre os dois países em 2011.
85
Recursos Humanos
Conforme já mencionado no guia da OMS, é de extrema importância para que um país
mantenha ou crie capacidade de produção farmacêutica, ter uma massa de trabalhadores
qualificados, principalmente no uso de equipamentos de precisão científica usados na produção de
medicamentos, controle de qualidade e processos de garantia de qualidade.
Contudo, surgem dificuldades de retenção dos recursos humanos moçambicanos treinados
no Brasil para o projeto, principalmente por falta de incentivos na fase pré-operacional da fábrica
moçambicana. Ademais também pode ser identificado o despreparo técnico de vários funcionários
moçambicanos responsáveis pela absorção da tecnologia (ausência de capacidade técnica e às vezes
falta de identificação com os objetivos do projeto) e pequenas diferenças culturais no repasse da
tecnologia entre brasileiros e moçambicanos como resistência às eventuais mudanças sugeridas na
rotina de trabalho.
Assuntos Regulatórios
O guia da OMS aponta a importância de que cada país tenha uma autoridade reguladora de
medicamentos, uma vez que a reputação da indústria farmacêutica de uma região pode ser
mensurada por meio de sua autoridade reguladora de medicamentos. No entanto, identifica-se uma
fraca regulamentação do setor farmacêutico industrial de Moçambique bem como uma fiscalização
deficiente deste setor no que diz respeito a entrada de medicamentos de baixa qualidade e
procedência duvidosa no país, prejudicando toda população e o desenvolvimento de uma indústria
eficiente e de qualidade, apesar do suporte da Agência Nacional de Vigilância em Saúde –
ANVISA, do Brasil, ter dado suporte por meio de capacitações de profissionais no setor regulatório
moçambicano.
A falta de capacidade de inspeção e normatização dos órgãos moçambicanos também
contribuem para uma autoridade regulatória deficiente e faz com que a qualidade de seus serviços
seja exercida pelos organismos internacionais de regulamentação farmacêutica. Tal fato contribui
para que as entidades internacionais confiem cada vez menos na capacidade de monitoramento da
autoridade regulatória local em Moçambique e nas diretrizes por ela publicadas, uma vez que
conforme já mencionado, uma autoridade reguladora fraca faz com que os medicamentos
disponibilizados no mercado por este país tenham menor credibilidade. Ademais, também existe a
ausência de legislação regulatória para o uso e produção de medicamentos no país.
86
Políticas Públicas
A dependência de vários setores (saúde, finanças, meio ambiente, indústria e comércio) para
a regulamentação da atividade farmacêutica, gera lacunas de difícil solução para o segmento em
Moçambique.
O risco de privatização da Sociedade Moçambicana de Medicamentos, que poderá ocorrer
por mudanças de pensamento político dos dirigentes moçambicanos pode comprometer o alcance
dos objetivos que norteiam a cooperação entre Moçambique e Brasil, de melhorar a disponibilidade
e o acesso aos medicamentos na região, tendo como foco uma visão social e não apenas econômica.
Possíveis mudanças na lista de medicamentos adotadas pelo Ministério da Saúde de Moçambique
podem dificultar o fornecimento dos medicamentos produzidos pela fábrica moçambicana para o
governo de Moçambique.
Ademais, torna-se importante a exemplo do Brasil que teve a formulação de políticas
públicas no que diz respeito à produção de medicamentos genéricos e no campo da propriedade
intelectual (licença compulsória), que o governo de Moçambique também formule políticas públicas
semelhantes nestas áreas que possam juntamente com a fábrica moçambicana estimular a produção
e o acesso a medicamentos no país.
Governança
No que diz respeito ao papel do governo de Moçambique, identifica-se em algumas
situações a falta de vontade política deste devido a mudanças no cenário político no país e em
outras instituições moçambicanas, bem como eventuais mudanças nas políticas públicas dos dois
países envolvidos na cooperação gerando uma governança desfavorável em torno do projeto com
atores moçambicanos apresentando em algumas situações pouco interesse na instalação da fábrica
no país.
Conforme entendimento da OMS, uma transferência de tecnologia precisa de garantias por
parte do governo que a recebe de que os pré-requisitos básicos para a fabricação de medicamentos
com qualidade e com custo razoável possam ser possíveis.
Outro ponto a ser destacado em relação à governança é a dependência de Moçambique em
relação a doadores internacionais, pois o país mobiliza vários setores e segmentos de sua sociedade
em prol de administrar a ajuda proveniente desses doadores e seus interesses no país.
87
Logística
Existem dificuldades de origem técnica relacionadas à localização de fornecedores para a
fábrica moçambicana, principalmente relativos à compra de máquinas e equipamentos e suas
respectivas instruções de operação e manutenção. Nesse sentido, a logística interna e os controles de
estoques para a fábrica no país estão em formação, enquanto a logística externa se mostra
burocrática e deficiente.
Infraestrutura
A OMS enfatiza a importância de que os países no momento de estabelecerem cooperação
internacional na área farmacêutica examinem outras fábricas na região que receberam a tecnologia a
fim de identificar se estas possuem fontes confiáveis de energia elétrica e acesso a água limpa, pois
a ausência desta infraestrutura básica costuma ser problemática na produção de medicamentos.
Assim, encontra-se precariedade no suprimento energético em torno da fábrica, principalmente no
que diz respeito à luz e água em determinas situações.
Propriedade Intelectual
A Propriedade Intelectual em torno da tecnologia transferida é um ponto fundamental, pois a
partir das negociações no âmbito da Declaração de Doha, os países considerados menos
desenvolvidos, a exemplo de Moçambique, obtiveram a extensão do prazo de adesão ao tratado no
que tange à concessão de patentes farmacêuticas até 2016, com a possibilidade de se adequar até
2021.
Nesse sentido, Moçambique sendo signatário da Organização Mundial do Comércio (OMC)
desde 1994, através da ratificação à Ata final que Incorporou os Resultados das Negociações
Comerciais Multilaterais da Rodada do Uruguai, vem se adequando gradativamente às regras do
Acordo sobre os Aspectos dos Direitos da Propriedade Intelectual Relacionados com o Comércio
(TRIPS), às quais estavam previstas para passar a vigorar integralmente em 2016, embora uma
decisão recente do Conselho do TRIPS na OMC tenha facultando aos países menos desenvolvidos a
extensão do período de adequação para 2021.
No que se refere à adesão ao TRIPS, conforme mencionado, o país vem ratificando
Tratados, Acordos e Convenções vigentes, com intuito de proceder à adequação internacional
imposta à plena integração ao sistema. Na década de 1990, outras adesões por parte de Moçambique
88
ocorreram como a Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI) em 1996; o Acordo e
Protocolo de Madrid, ambos em 1996; a Organização Regional de Propriedade Intelectual de Países
da África (ARIPO) em 1999; a Convenção da União de Paris (CUP), em 1997 e o Tratado de
Cooperação em Matéria de Patentes (PCT), em 1999.
O trâmite do depósito das patentes no país se dá a partir do depósito realizado no escritório
da ARIPO diretamente ou através do depósito internacional utilizando o Acordo de Cooperação em
Matéria de Patentes (PCT) do qual Moçambique também é signatário desde 1999, ou ainda no seu
próprio Instituto de Propriedade Industrial a ser encaminhado ao escritório da ARIPO.
Atualmente Moçambique concede proteção por patente para produtos e processos
farmacêuticos a partir da promulgação do seu código de propriedade industrial em 2006. Importante
destacar que Moçambique permite como é facultado pelo Acordo TRIPS, a fabricação de
medicamentos em seu território conforme descrito em seu código de propriedade industrial que
prevê a aplicação das denominadas Licenças Obrigatórias que podem ser utilizadas nos casos de
invenções de primordial importância para a saúde pública, defesa nacional e desenvolvimento
econômico e tecnológico ou nos casos de patentes que já expiraram e estão em domínio público.
Dessa forma, a SMM somente poderá produzir em território moçambicano os medicamentos
que estiverem com suas patentes expiradas e em domínio público, tornando a sua produção limitada
no país do ponto de vista legal.
89
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A luta contra a epidemia de HIV/AIDS na África já acontece há décadas, mas os resultados
ainda são insuficientes, principalmente no que diz respeito à deficiência dos mais variados recursos
do sistema de saúde e ao acesso aos insumos necessários para diagnóstico da doença e tratamento
dos pacientes. O reconhecimento de que a epidemia não é apenas uma questão de saúde, mas um
tema que pode afetar o desenvolvimento, tem mobilizado a comunidade internacional a sensibilizar
os ativistas internacionais na busca de melhores meios para enfrentar esse desafio.
O acesso a medicamentos antirretrovirais na África é um dos grandes obstáculos para o
enfrentamento da doença, pois nos países africanos geralmente se prioriza a compra de
medicamentos provenientes das transnacionais, ou as doações ou ajuda humanitária de países e
organismos internacionais, uma vez que existem poucas fábricas de medicamentos no continente
em condições de produzir dentro dos padrões de qualidade e com preços competitivos no mercado
(RUSSO et al, 2014). Nesse cenário, a cooperação Sul-Sul surge como um dos meios para melhorar
a resposta no combate à epidemia no continente africano.
A experiência brasileira no combate à AIDS é reconhecida internacionalmente e respeitada
nos principais foros multilaterais que tratam do tema, principalmente no que diz respeito à produção
de medicamentos genéricos e no enfrentamento de alguns dispositivos relacionados à propriedade
intelectual para a manutenção do seu programa de acesso universal aos medicamentos
antirretrovirais (LUZ, 2006).
Nesse sentido, o projeto de instalação da SMM é um exemplo da denominada “cooperação
estruturante em saúde” (ALMEIDA et al, 2010), uma forma de cooperação internacional que busca
a construção de capacidades locais para o desenvolvimento, com a integração entre formação de
recursos humanos, fortalecimento organizacional e desenvolvimento institucional, buscando romper
com a tradicional transferência passiva de tecnologia e de recursos humanos que em geral
caracterizam os modelos de cooperação Norte-Sul (p. 28)
A expectativa é de que a Sociedade Moçambicana de Medicamentos possa assegurar o
fornecimento dos medicamentos antirretrovirais aos pacientes que estão em tratamento no país,
estabelecer bases para o inicio da produção de genéricos em Moçambique, reduzir a dependência
moçambicana de doadores internacionais, de importações de medicamentos e da ajuda humanitária,
criando capacidade local na produção farmacêutica e gerenciamento industrial.
Contudo, além das limitações de recursos de ambos os lados, e de outros fatores que os dois
países enfrentam nesta cooperação, muitos problemas devem ser minimizados para o alcance desses
90
objetivos. Esta pesquisa identificou alguns dos principais obstáculos para que a produção
farmacêutica moçambicana atenda os padrões de qualidade aceitos internacionalmente e que
precisam ser abordados por meio de políticas e ações a fim de garantir uma produção sustentável.
A fábrica moçambicana não pode ser vista apenas na perspectiva econômica, relegando a um
segundo plano sua dimensão social na atenção à saúde. Entretanto, ao longo de sua implantação
observa-se pouca coordenação entre os órgãos mais estratégicos do governo para essa cooperação,
uma vez que o Ministério da Saúde, que inicialmente negociou e conduziu o projeto, foi alijado do
empreendimento, que passou a ser gerenciado pelo IGEPE – Instituto de Gestão das Participações
do Estado, vinculado ao Ministério das Finanças.
Em síntese, a autoridade máxima do setor não esteve diretamente envolvida em decisões
estratégicas posteriores e essenciais para o futuro da fábrica. Esta questão do maior envolvimento
das autoridades setoriais nesse processo deve ser resolvida pelos atores diretamente envolvidos, de
ambos os países, a fim de garantir a sustentabilidade da iniciativa, por um lado, e a expansão do
setor farmacêutico local por outro. Mas papel crucial cabe ao governo de Moçambique, que deve
garantir a sustentabilidade da fábrica, uma vez terminada a cooperação. A transferência de
tecnologia para a produção pública de medicamentos deve ser acompanhada, portanto, da
formulação e implementação local de outras políticas relacionadas, como por exemplo. uma política
nacional de assistência farmacêutica, entre outras, e os produtos da fábrica não devem ser vistos
apenas como possibilidade de algum retorno financeiro para o Estado. Aparentemente, essa
percepção ainda não é clara em Moçambique.
A qualidade e o aumento da produção da SMM dependerão, em última instância, do
compromisso do governo de Moçambique com a fábrica, seja na sua manutenção cotidiana, seja na
sua articulação com o setor saúde como um todo.
Há, ainda, a possibilidade de ampliar o escopo de atuação da SMM, disponibilizando seus
produtos nos mercados locais e regionais. Entretanto, a confiança dos países e dos consumidores na
qualidade dos medicamentos produzidos localmente ainda deve ser conquistada, e isso precisa ser
promovido pelo governo moçambicano, intervindo e reforçando a capacidade da autoridade
reguladora de medicamentos no país.
A redução do preço final dos produtos da SMM, tornando-a uma empresa competitiva no
mercado, irá depender da capacidade de produzir com qualidade os medicamentos propostos,
levando-se em conta os insumos necessários para atender o mercado regional. Contudo novos
investimentos ou financiamentos podem também depender da efetiva implementação das
91
flexibilidades do Acordo TRIPS no âmbito dos direitos de patentes em Moçambique, que poderão
contribuir diretamente para a melhoria do acesso aos medicamentos no país.
No que se refere aos aspectos estruturais, faz-se necessário: a identificação de bons
fornecedores de insumos, a retenção dos recursos humanos capacitados, o fortalecimento da
autoridade reguladora de medicamentos no país, a manutenção do financiamento dos custos e
despesas da fábrica, a garantia de uma boa manutenção para os equipamentos adquiridos e uma boa
governança, mantendo-se a vontade política para a consolidação da Sociedade Moçambicana de
Medicamentos. Ademais, o referido projeto pode ser considerado uma referência regional no que
diz respeito ao modelo de cooperação Sul-Sul para o continente africano, que é prioridade na
agenda da política externa brasileira.
Por fim, a transferência de tecnologia surge como uma alternativa para preencher a lacuna
entre a produção de medicamentos para o mercado local e a produção de medicamentos para o
mercado internacional no continente africano, e o governo de Moçambique tem um papel relevante
a desempenhar nesse processo, principalmente na garantia do acesso aos medicamentos por sua
população, assegurando a articulação entre o sistema de saúde e a produção pública de
medicamentos, que pode ser um dos fatores-chave para o desenvolvimento do país.
92
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95
LEGISLAÇÃO CITADA
Acordo sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual (TRIPS);
Artigos 5º e 196 da Constituição da República Federativa do Brasil;
Código de Propriedade Industrial de Moçambique;
Código de Propriedade Intelectual brasileiro (Lei 5772/71);
Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948;
Decreto 6108/2007;
Lei 9313 de 13 de novembro de 1996 (Lei Sarney);
Lei 9787/1999 (Lei de Genéricos);
Lei de Propriedade Industrial do Brasil (Lei 9279/96);
Lei Orgânica 8.080/1990;
Protocolo de San Salvador;
Resolução da Diretoria Colegiada da ANVISA Nº 17/2010;
Resolução da Diretoria Colegiada da ANVISA Nº 57/2009;
LISTA DE DOCUMENTOS ANALISADOS
Acordo Geral de Cooperação entre a República Popular de Moçambique e a República
Federativa do Brasil, assinado em Brasília, em 15 de setembro de 1981;
Protocolo de Intenções entre Brasil e Moçambique sobre Cooperação Técnica na Área de Saúde,
assinado em 21 de junho de 2001;
Protocolo de Intenções entre Brasil e Moçambique sobre Cooperação Científica e Tecnológica
na área de Saúde, assinado em 05 de novembro de 2003;
Ajuste complementar ao Acordo Geral de Cooperação entre Brasil e Moçambique para a
Implementação do Projeto “Estudo de Viabilidade Técnico e Econômico para a Instalação da
Fábrica de Medicamentos em Moçambique para Produção de Medicamentos Anti-retrovirais e
Outros”, assinado em 15 de julho de 2005;
Ajuste Complementar ao Acordo Geral de Cooperação entre o Governo da República Federativa
do Brasil e o Governo da República de Moçambique Para Implementação do Projeto
"Fortalecimento Institucional do Órgão Regulador de Medicamentos de Moçambique como
Agente Regulador do Setor Farmacêutico", assinado em 4 de setembro de 2008;
Ajuste Complementar ao Acordo Geral de Cooperação entre o Governo da República Federativa
do Brasil e o Governo da República de Moçambique para Implementação do Projeto
“Capacitação em Produção de Medicamentos Anti-Retrovirais e outros Medicamentos”,
assinado em 4 de setembro de 2008;
Lei nº. 12.117, de 14 de dezembro de 2009, que autoriza a União a doar recursos à República de
Moçambique para a instalação da fábrica de antirretrovirais e outros medicamentos; e
96
Ajuste complementar ao Acordo Geral de Cooperação entre Brasil e Moçambique para o
Projeto de Instalação da Fábrica de Antirretrovirais e Outros Medicamentos de Moçambique,
assinado em 22 de dezembro de 2011.
Plano de Negócios da SMM: Situação do Mercado Farmacêutico em Moçambique e na Região
da SADC – Análise Econômica e Financeira – março de 2014.
97
ANEXO I − Produção local de fármacos e transferência de tecnologia nos países em desenvolvimento
País / Região /
Posição em relação
ao TRIPS
Laboratório que
absorveu a
Transferência de
Tecnologia /
Natureza Jurídica
Tipo de tecnologia
transferida
Forma de
transferência /
Parcerias
Atividades que facilitaram a transferência Resultados
ARGENTINA –
América do Sul -
signatário do TRIPS
desde 1995
Laboratório público
argentino ELEA
Parceria para a produção
de produtos biológicos
Fusão com o laboratório
Warner Lambert
Company que repassou
a tecnologia
Assuntos Regulatórios, autorização de
comercialização, ensaios clínicos, prescrição de
medicamentos por denominação comum
internacional, transferência de tecnologia e
investimentos estrangeiros diretos, políticas
industriais e de ciência e tecnologia
Abastecimento de
produtos biológicos ao
governo argentino
BANGLADESH –
Ásia – signatário do
TRIPS desde 1995
(classificado como país
em desenvolvimento)
Empresas de privadas
Beximco
Pharmaceuticals Ltd e
Square Pharmaceuticals
Ltd.
Parcerias para produção
de medicamentos
essenciais
Parcerias com outras
empresas
multinacionais no país.
Políticas e regulamentações específicas sobre
medicamentos, propriedade intelectual, políticas
industriais e de investimentos, políticas de ciência,
tecnologia e inovação, educação e boa governança.
Fornecimento de
medicamentos
essenciais ao governo
de Bangladesh
COLÔMBIA –
América do Sul -
signatário do TRIPS
desde 1995
Empresa privada
Tecnoquímicas S.A.
Parcerias para pesquisa,
desenvolvimento e
produção de
medicamentos no
combate a doenças
tropicais.
Parceria com outra
empresa multinacional
no país
Estruturação do sistema de saúde, assuntos
regulatórios, autorização de comercialização de
produtos, banco de dados específicos, ensaios
clínicos, controle de preços, propriedade
intelectual, transferência de tecnologia,
investimentos estrangeiros diretos e políticas
industriais.
Fornecimento de
medicamentos de
combate a doenças
tropicais ao governo
da Colômbia.
98
ETIÓPIA –
África – membro
observador do TRIPS
Empresa Joint Venture
Sino-Ethiop Associate
Private Limited
Company
Parceria para produção de
insumos farmacêuticos
Parceria com empresas
chinesas na região.
Políticas e regulamentações específicas sobre
medicamentos, propriedade intelectual,
transferência de tecnologia, políticas industriais e
investimentos, educação, boa governança e
políticas de ciência, tecnologia e inovação.
Produção de insumos
no país.
INDONÉSIA –
Ásia - signatário do
TRIPS desde 1995
Empresa privada
PT Eisai Indonesia
Parceria para produção de
genéricos
Parceria com empresa
subsidiária japonesa na
região denominada
Eisan Ltd.
Assuntos regulatórios, propriedade intelectual,
investimentos estrangeiros, políticas industriais,
educação, boa governança, políticas de
concorrência e políticas de ciência e tecnologia.
Fornecimento de
medicamentos
genéricos ao governo
da Indonésia.
JORDÂNIA –
Ásia - signatário do
TRIPS desde 2000
Empresa privada
Jordanian
Pharmaceutical
Manufacturing
Parceria para produção de
genéricos
Parceria com empresas
da região que
auxiliaram em alguns
aspectos da
transferência da
tecnologia.
Regulação de medicamentos, ensaios clínicos,
propriedade intelectual, investimentos e políticas
industriais, políticas de ciência e tecnologia,
educação e recursos humanos
Fornecimento de
medicamentos
genéricos ao governo
da Jordânia.
TAILÂNDIA –
Ásia - signatário do
TRIPS desde 1995
Laboratório público
denominado
Government
Pharmaceutical
Organization
Parceria para produção de
vacinas no combate a
gripe
Parceria com
organismos
internacionais como a
UNCTAD.
Transferência de tecnologia, propriedade
intelectual, política nacional de vacinação,
investimentos em pesquisa & desenvolvimento e
infraestrutura e assuntos regulatórios.
Abastecimento de
vacinas de combate a
gripe ao governo da
Tailândia
99
UGANDA –
África - signatário do
TRIPS desde 1995
(classificado como país
em desenvolvimento)
Empresa Joint Venture
Quality Chemicals
Industries Limited
Parceria para produção de
medicamentos
antirretrovirais e
antimaláricos
Parceria com empresa
indiana CIPLA para
transferir tal tecnologia.
Políticas de ciência, tecnologia e inovação,
propriedade intelectual, investimento em
infraestrutura, pesquisa & desenvolvimento,
melhorias na aprendizagem organizacional do
setor farmacêutico, investimentos nas agências
públicas e convênios entre universidades e
institutos de pesquisas públicos e financiamento
para empresas locais.
Fornecimento de
medicamentos
antirretrovirais e
antimaláricos ao
governo de Uganda.
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do relatório da UNCTAD (2011)
100
ANEXO II – Visão geral da Sociedade Moçambicana de Medicamentos S/A
Missão
Contribuir para o fortalecimento da soberania nacional e para a promoção da equidade social de
Moçambique por meio da produção pública de medicamentos com qualidade de padrão
internacional, de segurança e de sustentabilidade.
Visão
Ser um Centro de Excelência no desenvolvimento tecnológico e na produção farmacêutica.
Valores
Atuar com Ética, Liderança, Qualidade, Motivação, Pioneirismo, Transparência, Busca pela
excelência, Responsabilidade Socioambiental e Boas Práticas de Fabricação (BPF).
Objetivos Estratégicos
• Reduzir a dependência moçambicana de medicamentos importados;
• Fabricar medicamentos essenciais para a população moçambicana;
• Disponibilizar medicamentos para o mercado africano;
• Aperfeiçoar a produção local de soros;
• Comercializar produtos de terceiros;
• Colocar em operação a linha de fabrico de terceiros;
• Impulsionar o surgimento de massa crítica moçambicana no ramo de indústria
farmacêutica.
Gestão de Investimentos
A gestão dos recursos aplicados como investimentos na execução do projeto é suportada
pelo Instituto de Tecnologia em Fármacos (Farmanguinhos/Fiocruz), assim como na seleção dos
técnicos de Farmanguinhos participantes no projeto, equipamentos, capacitação, lista de produtos,
transferência de tecnologia e lançamentos de novos produtos.
101
Governança e Gestão Financeira
O funcionamento da SMM S.A. e a alocação de recursos financeiros para sua manutenção e
continuidade serão executados pelo IGEPE, entidade do Governo de Moçambique com
responsabilidade para garantir a boa governança das empresas em que o estado moçambicano
possui participação e realizar o controle da gestão financeira e sustentabilidade deste tipo de
empreendimento.
Ao Ministério da Saúde de Moçambique (MISAU) cabe a responsabilidade pela tutela
técnica e pela compra dos medicamentos produzidos na SMM S.A. assim como na orientação para
introdução de novos produtos no portfólio da fábrica moçambicana.
Ao Conselho de Administração indicados pelo IGEPE em coordenação com o MISAU, para
representar o Estado no empreendimento e garantir o cumprimento das diretrizes e da transparência
na gestão do negócio e na distribuição de dividendos resultantes da atividade comercial da SMM.
As imagens abaixo ilustram a situação atual da SMM S.A. em termos de equipamentos existentes e
em funcionamento.
Foto da Área externa – Instalações Concluídas − realizada pela equipe de Farmanguinhos
que acompanha o projeto (arquivos de Farmanguinhos).