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Adonias filhoDiscurso de recepcaoacademia brasileira de letras
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3/25/2015 Academia Brasileira de Letras - Adonias Filho - Discurso de Recepo ao Acadmico Otvio de Faria
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ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS
Discurso de Recepo ao Acadmico Otvio de Faria
Muito moo ainda quando vistes Alberto de Faria chegar, nesta Academia, para ocupar o lugar certo e
justo. E tambm vistes quando chegaram dois outros escritores da vossa Casa, Afrnio Peixoto e Alceu
Amoroso Lima, aqui trazidos pela contribuio Literatura e a presena na inteligncia brasileira. A
Academia, pois, no ser uma expectativa para quem a conhece, e por assim dizer na intimidade,
desde a adolescncia. Mas, se trs escritores de vossa casa conquistaram uma tradio para a vossa
famlia, nesta Academia, certo que a Academia, por sua vez e por isso mesmo, no perdeu um s
dos vossos trabalhos como escritor de ensaios, dramaturgia e romances. Foi da, dessa observao
ininterrupta que comea com a publicao de Maquiavel e o Brasil at O Indigno, que sobreveio a
certeza de que reis to digno desta Academia quanto o foram os outros escritores da vossa casa. O
nosso orgulho de vs, pois, comeou antes de vossa prpria eleio.
E vos asseguro que desse orgulho participou o melhor dos companheiros Levi Carneiro sempre a
exigir como reivindicao vosso direito a esta Academia. Maior seria o orgulho pudesse ter ouvido, em
vosso elogio, a humana configurao de todas as suas virtudes. E maior ainda o orgulho fosse possvel
vos ver, agora, na Cadeira 27, a Cadeira de Joaquim Nabuco que ele ocupou durante 36 anos. O
destino quis e decidiu que Levi Carneiro, um dos maiores dos vossos admiradores, tivesse a vs como
o substituto.
O destino, que uma das motivaes de vossa sondagem intelectual para o reconhecimento da
criatura, esse destino fez com que nos encontrssemos e precisamente em 1936 no ano mesmo da
eleio de Levi Carneiro. Trinta e seis anos de amizade e convivncia e dilogo que, agora nos pondo
um face ao outro, obriga-nos a lembrar os que, no fosse a morte, aqui estariam para vos aplaudir.
Sei e juro que, embora tomados pela morte, Cornlio Penna e Lcio Cardoso os de cada dia e todos
os anos no devem estar distantes. Mas, se h os que se dispersaram pela morte, h os que mais se
uniram sombra desse longo tempo.
Grandes e vrios so os valores humanos. Ns que os trabalhamos como romancistas, conhecemos a
todos. Autoridade temos, em consequncia, para dizer que nenhum outro superar o nico capaz de
explicar e justificar a contemporaneidade: a amizade, precisamente a amizade, essa amizade que se
estabeleceu e consolidou em torno das ideias e da Literatura. Difcil ou quase impossvel reerguer os
debates, as teses e as colocaes, tudo o que foi durante tantos anos a matria do nosso dilogo.
E dilogo to vosso quanto de Cornlio Penna, to de Lcio Cardoso quanto de Rachel de Queiroz
que espero ver dentro de pouco tempo, aqui, eleita como vs, membro desta Academia , o dilogo do
nosso pequeno grupo que apenas a morte conseguiu desfazer.
No hora, porm, de recordar.
Esse lado exterior, histrico e biogrfico, no deve interessar ao autntico escritor que tem na obra a
verdadeira vida. A exegese dessa obra em busca da contribuio e irradiao, o exame verticalmente
crtico que possa atingir a conscincia da criao, isso o que realmente importa. E sobretudo importa
para que confirme que a Literatura hoje um veculo de reconhecimento do homem e do mundo mais
importante que as Cincias e a Filosofia. E vs, Sr. Otvio de Faria, sois o exemplo do escritor de obra
assim indispensvel para a compreenso do homem como um ser da condio e da sociedade.
Interessado numa concepo em bloco, espcie de reino que o velho Julien Benda situaria como o da
rebelio da vida contra as ideias, tamanho o fundo escafndrico que no a conformaremos sem a viso
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total de vossa obra.
No ser difcil perceber, em consequncia, porque o ensasta antecede o ficcionista na inquirio de
problemas e teses. O escritor que estreia com Maquiavel e o Brasil em 1931 e h 41 anos a trabalhar
sem temer as mudanas e ferir a coerncia , j denunciava pelo universalismo da catolicidade os
compromissos brasileiros de romancista. A preocupao social que densamente se reflete no Destino
do Socialismo, ao invs de anular, revigora e amplia aquela catolicidade. No tardaria, porm, e com o
estudo crtico de Dois Poetas Augusto Frederico Schmidt e Vinicius de Moraes , a prova da vocao
literria nesse ensasta nascido para a anlise das ideias e dos acontecimentos sociais. E essa vocao
tudo ultrapassa e de tal modo que, no ano decisivo para a obra que 1937, o ensasta de Cristo e
Csar se integra no romancista de Mundos Mortos.
O momento, efetivamente, decisivo.
O teorista Otvio de Faria, como logo depois Mrio de Andrade o chamar, no fugir das ideias sociais
e a vocao mesma no permitir qualquer escapismo. O que h, ao lado da transferncia dos
problemas para a fico, e a partir de Mundos Mortos, a pluralidade da dimenso temtica, quando
os episdios imediatos se articulam com a viso intemporal do homem, da vida e do mundo. A
confisso est em Cristo e Csar e inequvoca a exclamao: Sinto-me cristo, catlico mesmo, at
s entranhas e no sangue que me corre nas veias!.
A preparao intelectual j se fizera no ensasta, a posio j fora tomada, estabelecera-se mesmo
uma cobertura arstica. O crtico de poesia j neste momento se identificava com um dos fundadores
do Chaplin Club e que no tinha como evitar o relacionamento da novelstica com o cinema.
Ostensivas, efetivamente, as relaes da Fico com o Cinema. E o autor de Significao do Far-West e
de Pequena Introduo Histria do Cinema sabia que, servindo-se da imaginao novelstica como de
uma matria-prima, favorecendo ao Romance a conqusita de um imenso espao fora de si mesmo, o
Cinema no apenas necessitava como aprendia com o ficcionista. O processo de contar, a tcnica
narrativa, a atmosfera, o episdio, a personagem caracterizada, a montagem, o flashback e o prprio
screenplay foram elementos da Fico que o Cinema incorporou sua linguagem e seu artesanato. Os
ficcionistas do passado observa John Gassner tiveram extraordinrio senso cinematogrfico. E o
grande exemplo, se fosse pedido, seria Tolstoi.
A vossa preparao intelectual, Sr. Otvio de Faria, inclusive com a correlao artstica entre a
Novelstica, a Poesia e o Cinema, estava completa quanto tivemos o romance Mundos Mortos. E, nessa
formao, a parte religiosa que ser uma constante e o agente imediato da problemtica inteira. O
compromisso cristo, em uma palavra, que submerge na procura extrema das mais graves questes
do homem. O bigrafo e divulgador de Lon Bloy autor desse livro justo e compreensivo que
Fronteiras da Santidade chegar ao romance e ao teatro fiel ao compromisso com o Cristo. A vossa
nica pea de teatro, Trs Tragdias Sombra da Cruz, muito esclarece esse compromisso que,
tangido pela inquietao religiosa, articula em vossas prprias palavras as foras de vida e as foras
de pensamento. o encontro, sombra da Cruz e dos vossos autores preferidos Pascal e
Dostoievski, Kierkegaard e Lon Bloy , mas o encontro com a trgica e obscura zona existencial.
Inevitvel pois, seria inevitvel que esse encontro ao qual se somaria a vossa vocao socialmente
participante vos levasse ao processo da tragdia burguesa. O romancista que abre o ciclo com
Mundos Mortos h 35 anos a fixar o processo da burguesia brasileira em saga de crise e danao , e
em consequncia dessa reprojeo crist na devassa social, logo se integrava no grupo de vrtice dos
ficcionistas catlicos. As aproximaes justificam as afinidades e o vosso entrosamento, quando no
com o Romance catlico, pelo menos com a catolicidade. No me interessa agora, e aqui, o debate
sempre aberto se h ou no um romance catlico. Interessa-me o vosso encontro e quero repetir
o vosso encontro com a fico existencialmente inquiridora e contempornea de Mauriac, Bernanos,
Malgue, Chesterton, Graham Greene e Mario Pomilio.
Perdoai-me a tentativa de anlise, Sr. Otvio de Faria, mas a concluso que vs e os outros
romancistas cristos como Dostoievski escolheram o mais nu de todos os palcos. No h cenrios em
quaisquer dos lados. mesmo o espao bblico que mostra a criatura na condio de sofrimento,
entregue sua prpria liberdade para a salvao, herdeira de pecados e solido e angstia. O exame
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do comportamento nas reaes, percepes e sensaes se torna, pois, uma captao to psicolgica
quanto interiorizante. E, como resultado imediato, surge a absoluta falta de gratuidade dessa
escavao que a contingncia social mais dramatiza.
No h concesses. E, em consequncia, nenhum artifcio que possa sacrificar o reconhecimento
daquela criatura que na palavra de Camus sobre Kafka em si mesma congrega a vida cotidiana e a
inquietao sobrenatural. A busca, e porque socrtica no sentido de um s pensamento em todas as
posies conflitantes, a busca dialtica. E quanto mais que, nu o palco e nele a criatura de Deus na
violncia interior das crises e dos conflitos, a conscincia a nossa humana conscincia que se
converte em matria de fico. As linhas maiores, apesar da ao episdica que subsista do lado de
fora, esto no plano da conscincia. E no ser por outro motivo que, em consequncia desse plano,
pesado sempre de expectativas e aflies, alguns dos vossos principais personagens so sacerdotes
catlicos. As duas rbitas do carter trgico, e como diria Charles Osborne McDonald o analista
excepcional da retrica da tragdia , precisamente a das afeies normais e a das paixes ilgicas
conformam a individualidade dos vossos que so como os heris trgicos da Renascena.
O romancista, que ir descer conscincia para existencialmente atingir o ser na destinao e na
liberdade, iniciava o ciclo esse extraordinrio ciclo da Tragdia Burguesa com um dessespersonagens, o padre Lus. O ciclo, senhoras e senhores, e como acabamos de verificar, j se abriu.
Um tempo literrio novo que imps a tragdia precisamente porque a figura superou o cenrio e o
problema superou o episdio. O grande romancista, que sois vs, acaba de tomar nas mos as leis da
existncia para, atravs do processo de uma classe social, invadir os maiores problemas do homem.
Dar-se- a abertura atravs do romance Mundos Mortos, porta de entrada de um universo dramtico evivo, matriz de todos os caminhos posteriores que configuram o ciclo a Tragdia Burguesa , hojeuma das bases mais importantes da fico em Lngua Portuguesa. Frente aos adolescentes, heris
comuns que sempre retornam nos 12 romances publicados e j a vs denunciavam como um
extraordinrio criador de homens, o impacto do lanamento no pode ser ignorado. O romance surgia
quebrando a rotina novelstica porque, se por um lado mantinha a tradio imediata, subordinando a
inquirio social descoberta dos valores humanos, pelo outro transmitia nossa fico um contedo
metafsico ao descer na conscincia e no sangue para animar as questes religiosas em termos de
pecado e salvao, de culpa e castigo, na transposio da vida em representao de tragdia. Tornou-
se impossvel para muitos, e ento, alcan-lo em sua prpria efervescncia temtica.
No tardaria a provar-se, entretanto, que o romance Mundos Mortos mesmo em sua antonomia, forado ciclo, isolado em sua prpria rbita no fora escrito para um tempo certo. Demonstra-o, agora,
sua durao. Essa resistncia talvez se explique como uma consequncia da apreenso existencial
atravs da vivncia episdia. Fazendo-o mover em uma atmosfera complexa e densa, com o foco
direto nos problemas da adolescncia da sociedade carioca do nosso sculo, o romancista superava a
linha novelstica comum ao estabelecer o exame por dentro sem perder os contatos sociais. A tragdia
burguesa, na fixao literria, em uma palavra, comea em suas pginas.
Nele, sempre um romance de crise em consequncia de sua vinculao com a adolescncia, abrem-se
como caminhos os eixos maiores do ciclo ficcional. O ciclo, em consequncia, no poderia dispens-lo.
As criautras que vo andar, e vo crescer em sofrimentos e paixes, esto nascidas nos conflitos dos
seus captulos. Acionando-as, personagens em seus prprios roteiros, sujeitas ao bem e ao mal, o
romancista no as abandona sem explic-las na interferncia que se far clssica em sua obra
como um participante em compromisso com certos valores da vida. E talvez por isso que o romance
Mundos Mortos no perdeu sua dimenso excepcional. Sem esmorecer na responsabilidade de aberturado ciclo, a esse ciclo continua a manter como o ponto de partida.
O ciclo, agora, j um universo. Vertical, trepidante, violento, mas um universo que, a levantar a
fisionomia da sociedade burguesa carioca deste sculo, amplia-se de tal modo que no tem como
evitar o encontro com os maiores problemas do mundo e da vida. No me importam as relaes,
aproximaes ou correlaes com autores como Balzac, Proust e Galsworthy. Tudo o que importa
nesse painel ainda incompleto no qual ser possvel perceber o solo tolstoiano tudo o que
realmente importa o grupo de destinos que reflete um tempo de crises quando os nervos se rasgam
para a mesma tragdia de misria e nobreza, pecado e inocncia, crime e castigo, instinto e liberdade,
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f e loucura, Deus e demnio, os polos entre a Sombra da Cruz e o Senhor do Mundo. E no centro
dessa rotao, que a da vida em todos os abismos, em trs chaves se firma o edifcio novelstico: a
sociolgica, a psicolgica e a metafsica.
Trs zonas distintas a fixao de uma classe social, a inquirio nas razes do corao humano, a
imerso existencial na procura do prprio sentido de Deus , trs zonas distintas, porm, que se
interpenetram para, no conjunto, no ser possvel acrescentar coisa alguma. Mas o que surpreende, na
continuidade temtica, na representao mvel, a tcnica narrativa como se fosse a bssola do
processo inteiro. O romancista no permite que a ao se transporte objetivamente, realizando-se,
dominada pela realidade que acontece. Condiciona-a movimentao mental, sobretudo o solilquio e
o monlogo, que sempre pe a personagem em discusso interior antecedendo a cena. Divide-se a
ao de modo flagrante. O primeiro plano interno, traduzido na descoberta do acontecimento, a
prova introspectiva, o plano do argumento. O segundo externo, o quadro vivendo em durao
visual, o plano do episdio. Situada a ao entre o argumento e o episdio, nela se escoram os trs
movimentos fundamentais sociolgico, psicolgico, metafsico do ciclo ficcional.
E, atravs desse processo, que tritura a mesma carne em todo o ciclo da Tragdia Burguesa, no
permite a leitura calma. A densidade especulativa, principalmente em um livro excepcional como O
Senhor do Mundo, essa anlise dialtica que escava a figura e o problema na linha invarivel do
pessimismo cristo, no sacrifica o tempo social brasileiro. E, se por um lado fora as portas estreitas a
ferir o nosso ser todo inteiro, como diria Charles du Bos, pelo outro provoca o debate social com a
nossa participao e o vosso testemunho. uma atmosfera em convulso o que realmente se move.
E melhor se completar a vossa presena literria, Sr. Otvio de Faria, quando unimos desesperao
da Tragdia Burguesa porque nela, efetivamente, a condenao original de todos a desesperao
das Novelas da Masmorra. A paisagem exterior, aqui, tambm no subsiste. O compromisso cristo,
esse da auscultao interiorizante no reconhecimento existencial do ser, mais se torna denso no
intimismo fechado de Memrias de um Co Danado e O Outro.
J o disse, escrevendo sobre as vossas novelas, que, e a exemplo do ciclo da Tragdia Burguesa, j o
disse que no se permanecer em condio de leitor porque a vossa personagem, assim cheia de
humanidade e do mistrio que envolve a criatura, de tal modo nos obriga participao que a vemos
como parte de ns mesmos. O romancista no volta, pois, e atravs dessas novelas, para retomar o
tema e o processo como se houvesse necessidade de reviso. No, ele no volta.
E a est, Sr. Otvio de Faria, porque esta Academia, agora vos acolhe e aclama. Escritor sois de
vocao e ofcio e, por isso mesmo, no fizeste outra coisa em uma vida inteira seno escrever, ainda
escrever, sempre escrever. E o que importa, sobretudo o que mais importa, saber que na f e
testemunho de todos os vossos livros no h apenas uma contribuio decisiva Literatura
Brasileira. E, se concorrestes para tornar maior o espao da fico de Lngua Portuguesa, foi
precisamente porque no trastes o grande inquiridor cristo que viera para o exame e o
reconhecimento da criatura.
Esta Academia, e como uma Instituio do Pas e do povo que h muito tempo vos esperava, sente e
sabe que cumpriu o dever. Sois o escritor, em verdade, que confirma o nosso respeito pelos melhores.
6/6/1972
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