47
FERRAMENTAS PARA PROFISSIONAIS DO ROTEIRO DIRETIVA RELATIVA À INTERPRETAÇÃO E TRADUÇÃO AVALIAÇÃO DAS NECESSIDADES DE INTERPRETAÇÃO QUALIDADE DA INTERPRETAÇÃO NA ESQUADRA DE POLÍCIA O PROBLEMA DA «TERCEIRA LÍNGUA» TRADUÇÃO DE DOCUMENTOS ESSENCIAIS

DIRETIVA RELATIVA À INTERPRETAÇÃO E TRADUÇÃO · determinados aspetos do processo penal através de um programa designado por «Roteiro».1 Embora estas medidas tenham a sua origem

  • Upload
    ngotram

  • View
    220

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: DIRETIVA RELATIVA À INTERPRETAÇÃO E TRADUÇÃO · determinados aspetos do processo penal através de um programa designado por «Roteiro».1 Embora estas medidas tenham a sua origem

FERRAMENTASPARAPROFISSIONAISDOROTEIRO

DIRETIVARELATIVAÀINTERPRETAÇÃOETRADUÇÃO

AVALIAÇÃODASNECESSIDADESDEINTERPRETAÇÃO

QUALIDADEDAINTERPRETAÇÃONAESQUADRADEPOLÍCIA

OPROBLEMADA«TERCEIRALÍNGUA»

TRADUÇÃODEDOCUMENTOSESSENCIAIS

Page 2: DIRETIVA RELATIVA À INTERPRETAÇÃO E TRADUÇÃO · determinados aspetos do processo penal através de um programa designado por «Roteiro».1 Embora estas medidas tenham a sua origem

1

AcercadaFairTrials

A Fair Trials Europe (“Fair Trials”) é uma organização não governamental que trabalha em prol daequidadenosjulgamentos,emconformidadecompadrõesdejustiçareconhecidosanívelinternacional.A nossa visão é a de ummundo em que o direito de qualquer pessoa a um julgamento equitativo érespeitado,qualquerquesejaasuanacionalidadeeondequerquesejaacusada.

A Fair Trials ajuda as pessoas a compreender e a defender os seus direitos a umprocesso equitativo;abordaasafontedosproblemasdeinjustiçaatravésdoseutrabalhonosentidodasreformaslegislativas;elevaacaboatividadesdeformaçãodirecionadaedecriaçãoderedesparaapoiaradvogadoseoutrosdefensores dos direitos humanos no seu trabalho em prol da proteção do direito a um julgamentoequitativo.

TrabalhandocomoLegalExpertsAdvisoryPanel(«LEAP»)–umarededemaisde140deespecialistasemjustiça penal e direitos humanos, incluindo profissionais com experiência na área da defesa, ONG eacadémicosde28Estados-MembrosdaUE–aFairTrialscontribuiuparaasnegociaçõesqueenvolveramaadoçãodastrêsprimeirasdiretivasnoâmbitodoroteiroparaoreforçodosdireitosprocessuais.

O LEAP, apoiado pela Fair Trials, está agora a trabalhar no sentido de assegurar uma implementaçãoefetiva das diretivas, em complemento da sua estratégia de implementação de fevereiro de 2015Towards an EU Defence Rights Movement (Rumo a um movimento pelos direitos de defesa na UE),incluindoatravésdaformaçãodeprofissionaisedaintervençãoemlitígiosperanteostribunaisnacionaiseoTribunaldeJustiçadaUE.

Contacto

LibbyMcVeigh AlexTinsleyDiretorajurídicaedepolíticasdaResp.jurídicoedepolíticasdaFairTrialsInternational FairTrialsEurope+44(0)2078222370 +32(0)[email protected]@fairtrials.net

Agradecimentos

AFairTrialsqueragradeceraosmembrosdoLEAPpeladisponibilizaçãodainformaçãonaqualestekitdeferramentassebaseia.GostaríamostambémdeagradeceraJamesBrannan(tradutor,membrodoLEAP)e a Cyril Joyce (intérprete) pelo seu contributo, e ainda àsmembros do LEAP EllenMoerman e LieseKatschinka,presidentedaAssociaçãoEuropeiadeTradutorese Intérpretes Jurídicos (EULITA),pelo seucontributopermanenteparaoLEAPemquestõesdeassistência linguística.Asposiçõesexpressasnesterelatóriosãonossas.

Comoapoiofinanceirode:

Cofinanciado pelo Programa de Justiça Penal da Comissão Europeia

Page 3: DIRETIVA RELATIVA À INTERPRETAÇÃO E TRADUÇÃO · determinados aspetos do processo penal através de um programa designado por «Roteiro».1 Embora estas medidas tenham a sua origem

2

ÍNDICE

INTRODUÇÃO...................................................................................................................................5

A. INTRODUÇÃO..............................................................................................................................5

1. ContextoeoutrosmateriaisdeformaçãodaFairTrials/LEAP........................................5

2. Âmbitodestekitdeferramentas...........................................................................................6

3. Comoutilizarestekitdeferramentas...................................................................................6

aComoestáorganizadooconteúdo................................................................................6

b.Okitdeferramentas«UsingEULawinPractice»(UtilizarodireitodaUEnaprática).......................................................................................................................................7

c.«Interpretação»e«Tradução»......................................................................................7

d.Umaadvertência.................................................................................................................7

e.Contacto............................................................................................................................7

B. ANTESDADIRETIVA:ANÁLISEDOSPRINCÍPIOSDACEDH........................................................8

C. DESCRIÇÃOGERALDADIRETIVA................................................................................................9

1. Emresumo..................................................................................................................................9

2. Finalidadeeobjetivos...........................................................................................................11

3. Direitoàinterpretaçãoetradução.....................................................................................12

D. TRABALHOPREPARATÓRIOPARAUTILIZARADIRETIVA.........................................................12

1. Examinarasleisepráticasnacionaisàluzdadiretiva...................................................12

2. Investigarocontextolocal...................................................................................................14

a.Conhecerasnormasdeinterpretaçãonacionais.....................................................14

b.Falarcomcolegas/ordensdeadvogados..................................................................14

I–AVALIAÇÃODASNECESSIDADESDEINTERPRETAÇÃO................................................................15

A. OPROBLEMA.............................................................................................................................15

B. ABASEDACEDH.......................................................................................................................15

1. Umpressupostoafavordainterpretaçãosesolicitada............................................................15

2. Parâmetrosparaavaliarasnecessidadesdeinterpretação..........................................16

C. DISPOSIÇÕESRELEVANTESDADIRETIVA.................................................................................17

D. UTILIZARADIRETIVANAPRÁTICA...........................................................................................18

1. Fazervalerasuaposiçãonaesquadradepolícia(seláestiver)...................................18

2. Contestaradecisãosegundoaqualnãohánecessidadedeinterpretação.............19

PARTEII–QUALIDADEDAINTERPRETAÇÃONAESQUADRADEPOLÍCIA........................................20

A. OPROBLEMA.............................................................................................................................20

B. ABASEDACEDH.......................................................................................................................20

C. DISPOSIÇÕESRELEVANTESDADIRETIVA.................................................................................22

1. Odireitoàinterpretação(dequalidadesuficiente)..........................................................22

Page 4: DIRETIVA RELATIVA À INTERPRETAÇÃO E TRADUÇÃO · determinados aspetos do processo penal através de um programa designado por «Roteiro».1 Embora estas medidas tenham a sua origem

3

2. Disposiçõesrelacionadascomocontrolodaqualidade.................................................22

a.Respostaaproblemasdequalidadeespecíficosdocaso......................................22

b.Requisitosgeraisdocontrolodaqualidade.............................................................23

D. UTILIZARADIRETIVANAPRÁTICA...........................................................................................24

1. Pontopreliminar....................................................................................................................24

2. Medidasatomarnafasepréviaaojulgamento...............................................................24

a.Antesdoiníciodointerrogatório...............................................................................24i.Consultapréviaaointerrogatóriocomocliente...................................................24ii.Passosiniciais..............................................................................................................25iii.Seointérpretenãotiverqualificações......................................................................25

b.Abordagemgeralaointerrogatório...........................................................................26i.Informaroclientedosproblemasdainterpretação...............................................26ii.Conservaçãoderegistos............................................................................................26iii.Oqueprocurar–emgeral.........................................................................................26iv.Oqueprocurar–problemasespecíficos..................................................................27

c.Queixasobreaqualidadedainterpretação............................................................29i.Duranteointerrogatório............................................................................................29ii.Apósointerrogatório:................................................................................................29

3. Alegaçõesemtribunal...........................................................................................................30

a.Odeverdotribunaldeassegurarinterpretaçãoadequada....................................30

b.Odeverdotribunalnoquerespeitaaumainterpretaçãoinadequadanaesquadradepolícia:«Controlar»quando«alertado».......................................................30

iii.Oprincípioembrionáriodo«controloretroativo»nocasoDialloc.Suécia..........30iv.Estabelecerumaobrigaçãodecontroloretroativoaoabrigodadiretiva..........31

c.Argumentosdeenquadramento...............................................................................32i.Utilizarassuasnotasdaesquadradepolícia...........................................................32ii.Argumentecombasenanãotomadade«medidasconcretas»............................32iii.Standardsdiferentesemesquadrasdepolíciaenotribunal...............................32

III–OPROBLEMADA«TERCEIRALÍNGUA»....................................................................................34

A. OPROBLEMA.............................................................................................................................34

B. ABASEDACEDH.......................................................................................................................34

C. DISPOSIÇÕESRELEVANTESDADIRETIVA.................................................................................34

D. UTILIZARADIRETIVANAPRÁTICA...........................................................................................34

1. Contestarumadecisãodedisponibilizarinterpretaçãonumaterceiralíngua.........35

2. Contestarumainterpretaçãoinadequada........................................................................35

a.Nointerrogatórioinicial.................................................................................................35

b.Peranteotribunal...........................................................................................................35

IV–TRADUÇÃODEDOCUMENTOSESSENCIAIS...............................................................................36

A. OPROBLEMA.............................................................................................................................36

B. ABASEDACEDH.......................................................................................................................36

Page 5: DIRETIVA RELATIVA À INTERPRETAÇÃO E TRADUÇÃO · determinados aspetos do processo penal através de um programa designado por «Roteiro».1 Embora estas medidas tenham a sua origem

4

C. DISPOSIÇÕESRELEVANTESDADIRETIVA.................................................................................37

1. Odireitoàtraduçãodedocumentosessenciais.................................................................37

a.Odireitogeral.................................................................................................................37

b.Documentosquesãosempreessenciais/outrosdocumentos...............................38

2. Traduçãoparcial.....................................................................................................................38

3. Aexceçãoda«traduçãooral/resumo»................................................................................39

4. Odireitoasolicitartraduçõeseodireitoacontestararecusaemfornecê-las...........39

D. UTILIZARADIRETIVANAPRÁTICA...........................................................................................40

1. Identificarosdocumentosdosquaispretendeobtertraduções..................................40

2. Formularumpedido..............................................................................................................40

a.Princípiosbásicos...........................................................................................................40

b.Conteúdodopedido......................................................................................................41i.Tenhodireitoaformularestepedido..........................................................................41ii.Documentosobrigatórios.........................................................................................41iii.Outrosdocumentosessenciais................................................................................42

3. Contestardecisõesdesfavoráveis......................................................................................42

a.Insistirnocontrolojudicial..........................................................................................43

b.Fundamentosdacontestação......................................................................................43i.Asrecusasinjustificadasnãosãoaceitáveis.........................................................43ii.Adecisãobaseia-senapossibilidadede«traduçãooral».....................................43

CONCLUSÃO...................................................................................................................................45

Page 6: DIRETIVA RELATIVA À INTERPRETAÇÃO E TRADUÇÃO · determinados aspetos do processo penal através de um programa designado por «Roteiro».1 Embora estas medidas tenham a sua origem

5

INTRODUÇÃOA. INTRODUÇÃO

1. ContextoeoutrosmateriaisdeformaçãodaFairTrials/LEAPNa última década, os Estados-Membros daUE têm vindo a cooperar estreitamente emquestõestransfronteiriças, principalmente através do mandado de detenção europeu. Estes sistemasdependemdaconfiançamútuaentreasautoridadesjudiciáriasdequecadaumadelasirárespeitarosdireitosdaspessoasenvolvidas, tal comogarantidos,emespecial, naConvençãoEuropeiadosDireitosHumanos(«CEDH»).

Contudo, a cooperação temsidoprejudicadapelo factodeas autoridades judiciárias chamadasacooperar entre si não terem, na realidade, total confiança recíproca no cumprimento destasnormas. Para reforçar o sistema, a UE tem vindo a impor normas mínimas para regulardeterminadosaspetosdoprocessopenalatravésdeumprogramadesignadopor«Roteiro».1

Embora estasmedidas tenham a sua origem na garantia da confiançamútua, o resultado é umconjunto de diretivas que vinculam as autoridades nacionais em todos os processos, incluindoaqueles que não têm qualquer elemento transfronteiriço. Estas diretivas incluem o direito àinterpretação e tradução2, o direito à informação3 e o direito de acesso a um advogado4 (emconjunto,as«Diretivas»).

Estekitdeferramentasanalisaadiretiva2010/64/UErelativaaodireitoàinterpretaçãoetraduçãoemprocessopenal5(a«Diretiva»),quedeveriatersidotranspostaparaodireitointernoaté27deoutubro de 2013. A diretiva rege o direito de suspeitos e acusados à interpretação eminterrogatóriospoliciais,audiênciasereuniõescomoadvogado,bemcomoodireitoàtraduçãodedocumentos essenciais. Este kit de ferramentas deve ser lido em conjugação com o vídeo deformaçãoonlineproduzidopelaFairTrials6.

Trata-se de umamedida central, uma vez que o aumento damobilidade trouxe um aumento dapresença de suspeitos que não falam a língua local e que dependem de assistência linguísticaefetivaparapoderexerceroutrosdireitoscomo,porexemplo,aparticiparnoseupróprioprocesso,conferenciarcomoadvogado,etc.

Para que cumpra o seu objetivo, a diretiva tem de ser invocada pelos advogados em processosindividuais, de modo a assegurar que os tribunais respeitam os seus standards. Este kit deferramentasfoiconcebidopara lheconferiraconselhamentopráticosobrecomoutilizaradiretivana prática. Deve ser lido em conjugação com o kit de ferramentas «Using EU Law in CriminalPractice»(UtilizaroDireitodaUniãoEuropeianapráticapenal)eovídeodeformaçãoonlinesobreoTribunaldeJustiçadaUE7.

1ResoluçãodoConselhode30denovembrode2009relativaaumroteiroparaofortalecimentodosdireitosprocessuaisdesuspeitoseacusadosnoprocesso

penal(JO2009C295,p.1).2Diretiva2010/64/UEdoParlamentoEuropeuedoConselhode20deoutubrode2010relativaaodireitoàinterpretação

etraduçãoemprocessopenal,(JO2010L280,p.1).3Diretiva2012/13/UEdoParlamentoEuropeuedoConselhode22demaiode2012relativaaodireitoàinformaçãoemprocessopenal(JO2012L142,p.1).

4Diretiva2013/48/UEdoParlamentoEuropeuedoConselhode22deoutubrode2013relativaaodireitodeacessoaum

advogadoemprocessopenaleemprocessosdemandadodedetençãoeuropeuerelativaaodireitoainformarumterceiroemcasodeprivaçãodeliberdadeeacomunicarcomterceirosecomautoridadesconsularesduranteocumprimentodamedidadeprivaçãodeliberdade(JO2013L290,p.1).5Nota2acima.

6Disponívelemhttp://www.fairtrials.org/fair-trials-defenders/legal-training/online-training/.

7Disponívelemhttp://www.fairtrials.org/fair-trials-defenders/legal-training/.

Page 7: DIRETIVA RELATIVA À INTERPRETAÇÃO E TRADUÇÃO · determinados aspetos do processo penal através de um programa designado por «Roteiro».1 Embora estas medidas tenham a sua origem

6

2. ÂmbitodestekitdeferramentasEstekitdeferramentasnãoéexaustivo.Abordadeterminadosproblemasquenosforamrealçadospormembros da rede LEAP como constituindo um particular desafio na condução da defesa emprocesso penal. Estes incluem: (I) Avaliação das necessidades de interpretação; (II) Qualidade dainterpretaçãonaesquadradepolícia;e(III)Traduçãodedocumentosessenciais.Nãoabordamososaspetos relacionados comomandado de detenção europeu, uma vez que este diz respeito a umconjuntomuitomaisrestritodeprocessos.

Podem surgirmuitos outros problemas. Por exemplo, nomomentoda redaçãodestedocumento,estápendenteumaquestãoprejudicial8noTJUEsobreseumanormadedireito internoqueexigeque os documentos de recurso sejam apresentados na língua do foro deve ser desaplicada pararespeitaradiretiva.Existeumamiríadedeoutrospossíveisproblemas,peloqueo incentivamosaconsiderarestekitdeferramentasapenascomoumpontodepartida.

3. Comoutilizarestekitdeferramentas

a. ComoestáorganizadooconteúdoMuitodoconteúdodadiretivaderivadajurisprudênciadoTribunalEuropeudosDireitosHumanos(«TEDH»)enãoexistemdúvidasdequeumadasprincipaisfunçõesdadiretivaconsisteemformularesses standards como normas codificadas e aprofundá-las. Em conformidade, para cada áreatemática, o kit de ferramentas analisa a jurisprudência do TEDH para definir os princípios que adiretivaformula.

Depois,consideramosasdisposiçõesdaprópriadiretiva.Amaioriadasdisposiçõesdadiretivadeixaumamargem considerável de interpretação e, nomomento da redação deste documento9, aindanão existemdecisões do Tribunal de Justiça daUE («TJUE») sobre quaisquer das diretivas. Assim,tentamos deixar claro, através da utilização de pontos no corpo do texto, se estamos a partir dedeterminadospressupostossobreoseusignificado.

Combase no nosso entendimento da diretiva, fazemos sugestões sobre comoutilizá-la num casoconcreto.Estassugestõesenvolvemactospráticos(porexemplo,documentarecontestarviolaçõesnafasepréviaaojulgamento)eactosforenses(porexemplo,invocaradiretivaperanteumtribunal).Paradistinguirclaramenteentreestesdiferentesníveisdeanálise:

8PedidodedecisãoprejudicialdoAmtsgerichtLaufen(Alemanha)apresentadoem30deabrilde2014—ProcedimentopenalcontraGavrilCovaci(JO2014C253,p.22).9Estekitdeferramentasfoipublicadoemmarçode2015.

As disposições da ConvençãoEuropeiadosDireitos Humanos e as citaçõesde jurisprudênciado Tribunal Europeu dosDireitosHumanossãoapresentadascomsombreadoaamarelo,comumasómargem,pararepresentaroseucarácterde

mínimoirredutível.Sãoapresentadasemitálico.

AsdisposiçõesdodireitodaUniãoEuropeiaoucitaçõesdejurisprudênciadoTribunaldeJustiçadaUniãoEuropeiasãoapresentadas com sombreado a verde, com uma margem dupla, para representar o seu carácter complementar,possivelmenteumaproteçãomaisampla.

AssugestõesdaFairTrialssobreautilizaçãodadiretivanapráticasãoapresentadascomsombreadoaazul,comumamargem tripla, para representar a utilização das diretivas no contexto jurídico local. Tentamos deixar claro queestamosafazerumasugestãocomosímbolo«à».

Page 8: DIRETIVA RELATIVA À INTERPRETAÇÃO E TRADUÇÃO · determinados aspetos do processo penal através de um programa designado por «Roteiro».1 Embora estas medidas tenham a sua origem

7

b. Okitdeferramentas«UsingEULawinPractice»(UtilizarodireitodaUEnaprática)

Estekitdeferramentasdeveserutilizadoemconjugaçãocomokitdeferramentas«UsingEULawinPractice»(UtilizarodireitodaUEnaprática)quecontémexplicaçõesparaospressupostosassumidosacercadosefeitosjurídicosdasdiretivas.Contémtambémumaintroduçãogeralaoconceitode«invocaradiretiva»atravésdemecanismoscompensatórios,taiscomoinvalidadedeatosprocessuais,exclusão/desconsideraçãodeprovas,etc.

Aoapresentaruma«sugestãoda“FairTrials”»numacaixacomsombreadoaazuletrêsmargens,estamosabasear-nosnesta abordagemàsdiretivas emgeral, peloque incentivamos a leitura conjugada como kit deferramentas «Using EU Law in Practice» (Utilizar o direito da UE na prática) a esse respeito. Existem, noentanto, alguns pontos específicos sobre como utilizar esta diretiva em particular. Estão relacionados,nomeadamente, com a questão de contestar a fraca qualidade da interpretação perante o tribunal, emconformidade com o princípio do «exercício do controlo quando formalmente requerido» que deriva dajurisprudênciadoTEDH.

c. «Interpretação»e«Tradução»

Nestekitdeferramentas,«interpretação»refere-seàinterpretaçãooraldecomunicaçõesorais.«Tradução»refere-seàtraduçãoescritadedocumentosescritos.Adiretiva fazumaclaradistinçãoentreasduas,aqualseguimos.Utilizamostambémotermo«assistêncialinguística»,umtermogenéricoqueserefereàassistência(interpretaçãoetradução)disponibilizadaaalguémquenãofalaalínguadoprocesso.

Adistinçãoentreinterpretaçãoetraduçãonãoéinsignificantedadoque,najurisprudênciadoTEDH,asduasseencontramamalgamadas,umavezqueaalíneae)don.º3doartigo6.ºdaConvençãoEuropeiadosDireitosHumanos(«CEDH»)serefereapenasa«interpretação»e,emboraoTEDHsetenhaesforçadoporestabelecerumrequisitodetraduçãoparadeterminadosdocumentos(emparticularaacusação)nasuajurisprudência,osprincípiossãodifíceisdedefinir,sendo,nessecontexto,útiladistinçãooperadapeladiretiva.

d. Umaadvertência

Estekitdeferramentasfoielaboradocombaseemdeterminadospressupostos.Talcomomencionadoacima,esforçámo-nos por identificá-los claramente no corpodo texto. Isto acontece tanto em reconhecimento dofactodequepodemexistiroutrospontosdevista,comoparaassegurarqueestespressupostossãodeduçõesqueterádesesentirconfortávelparadefender,sepretenderusá-lasemtribunal.

O kit de ferramentas foi tambémelaborado a pensar nos advogados de todos os Estados-Membros daUE.Necessariamente,nãopodeprever todasasvariações individuaisnoprocessopenalnosdiferentesEstados-Membros daUE (embora utilize exemplos ocasionais a nível nacional para contextualizar). Além disso, nãopodeteremcontaastradiçõesprofissionaisexistenteseasregrasdeontológicas(éticas)estabelecidaspelasordensdeadvogadosnacionaisouregionais.Por isso,terádeadaptarasnossassugestõesparatrabalharnoseucontextolocal.

e. Contacto

Tendo em conta estas condições, incentivamo-lo a seguir os passos constantes deste kit de ferramentas, atestar os argumentos quepropomos e a informar-nos do resultado, contactando-nos através dos contactosquepodeencontrarnoprefácio.Esperamosquevenhaaocorrerumprocessodeaprendizagemnosprimeirosum a dois anos após os prazos de transposição das diretivas e temos grande interesse em conhecer a suaexperiênciaepartilharaspartilharliçõesaprendidas.

Page 9: DIRETIVA RELATIVA À INTERPRETAÇÃO E TRADUÇÃO · determinados aspetos do processo penal através de um programa designado por «Roteiro».1 Embora estas medidas tenham a sua origem

8

B. ANTESDADIRETIVA:ANÁLISEDOSPRINCÍPIOSDACEDH

Adiretivabaseia-senumaáreadajurisprudênciadoTEDHquenãoémuitovolumosa,masdaqualemergem, ainda assim, alguns princípios fundamentais. A jurisprudência sobre o direito àinterpretação(e,decertomodo,àtradução)surgegeralmenteapropósitodasalíneasa)ee)don.º3doartigo6.º,quedeterminaque:

Aointerpretarestasdisposições,oTEDHelaborouaseguinte«declaraçãodeprincípios»,recentementereiteradanocasoHaciogluc.Roménia:10

Umdesenvolvimento significativo desta jurisprudência surgiu em2010 quando, no casoDiallo c.Suécia12, a Terceira Secção do TEDH estabeleceu umparalelismo entre o direito de acesso a umadvogadonaesquadradepolíciaeodireitodeacessoaumintérpreteparaquemnãofalaalínguadoprocessopenal,declarandoque:10CasoHaciogluc.Roménia,proc.n.º2573/03(acórdãode11dejaneirode2011).11Parágrafo88.12CasoDialloc.Suécia,proc.n.º13205/07(acórdãode5dejaneirode2010).

«Oacusadotem,comomínimo,osseguintesdireitos:a)Serinformadonomaiscurtoprazo,emlínguaqueentendaedeformaminuciosa,da

naturezaedacausadaacusaçãocontraeleformulada;...e)Fazer-seassistirgratuitamenteporintérprete,senãocompreenderounãofalara

línguausadanoprocesso.»

«88.OTribunalreiteraqueaalíneae)don.º3doartigo6.ºdeterminaquequalquerarguidotemodireitoàassistênciagratuitadeumintérprete.Essedireitoaplica-senãosó às declarações orais realizadas na audiência de julgamento, mas também aelementosdocumentaiseaosprocedimentospréviosaojulgamento.Istosignificaqueum acusado que não compreenda ou não fale a língua utilizada em tribunal temdireito a assistência gratuita de um intérprete para a tradução ou interpretação detodos os documentos ou declarações no processo intentado contra si que sejamnecessários para que este os compreenda ou os possa apresentar na língua dotribunal,demodoabeneficiardeum julgamento imparcial [...]Areferidadisposiçãonão exige uma tradução escrita de todas as provas documentais ou de documentosoficiais no processo. A esse respeito, deverá notar-se que o texto das disposiçõesrelevantes se refere a um «intérprete», e não a um «tradutor». Isto sugere que aassistência linguística oral poderá ser suficiente para satisfazer os requisitos daConvenção [...] A verdade, porém, é que a assistência prestada em matéria deinterpretação deve ser de tal modo a permitir ao arguido ter conhecimento dasacusações que lhe são imputadas e defender-se, nomeadamente ser capaz deapresentar em tribunal a sua versão dos acontecimentos [...] Em virtude danecessidadede que esse direito tenhaumefeito prático e sejaefectivo, aobrigaçãodasautoridadescompetentesnãoestálimitadaànomeaçãodeumintérpretemas,seforem alertadas nas circunstâncias do caso concreto, poderá também estender-se aum grau de controlo subsequente relativamente à adequação da interpretaçãodisponibilizada».11

Page 10: DIRETIVA RELATIVA À INTERPRETAÇÃO E TRADUÇÃO · determinados aspetos do processo penal através de um programa designado por «Roteiro».1 Embora estas medidas tenham a sua origem

9

Esta declaração determinou que, no âmbito da CEDH, o direito a um intérprete na esquadra depolíciaconstituiumagarantiabásicadoprocessopenal,semelhanteàassistênciadeumadvogado.Este direito, e muitos dos conceitos suscitados na declaração central, estão agora refletidos nasprincipaisdisposiçõesdadiretiva.

C. DESCRIÇÃOGERALDADIRETIVA

1. Emresumo

Disposição Oqueabrange Aspetosparticulares

Artigo1.º Objeto/âmbitodeaplicação

• Aplica-seaoprocessopenaleaoprocessodeexecuçãodemandadosdedetençãoeuropeus(MDE)

• Aplicável a partir do momento em que à pessoa «seja comunicadopelas autoridades competentes… por notificação oficial ou porqualquer outro meio, que é suspeita ou acusada da prática de umainfraçãopenaleatéaotermodoprocesso»

• Sempre que sanções de menor gravidade sejam impostasadministrativamente e apenas o recurso seja interposto perante umtribunal,adiretivaéaplicávelapenasaotribunal.

• Não afeta o direito nacional no que diz respeito ao acesso a umadvogadoouaoacessoadocumentos

Artigo2.º Direitoàinterpretação

• Confere aos suspeitos ou acusados «que não falam ou nãocompreendem a língua» o direito à interpretação, sem demora,peranteasautoridadesjudiciaiseduranteointerrogatóriopolicial,

• Interpretaçãopara as comunicaçõesentre suspeitosouacusadoseoseu defensor legal diretamente relacionadas com qualquerinterrogatório, audição ou recurso, sempre que necessário paragarantiraequidadedoprocesso

• Assistênciaadequadaapessoascomdeficiênciaauditivaoudafala

• «Procedimentooumétodo»paraapurarseénecessáriainterpretação

• Direito de contestar uma decisão segundo a qual não é necessáriainterpretação/possibilidade de apresentar queixa quanto à qualidadedainterpretaçãodisponibilizada

• Utilizaçãodetecnologiaspermitida

13Parágrafos.24-25.

«Seguindoomesmoraciocínio,aassistênciadeumintérpretedeveserdisponibilizadadurante a fase de investigação, salvo se demonstrado, à luz das circunstânciasparticulares de cada caso, que existem motivos imperiosos para restringir estedireito».13

Page 11: DIRETIVA RELATIVA À INTERPRETAÇÃO E TRADUÇÃO · determinados aspetos do processo penal através de um programa designado por «Roteiro».1 Embora estas medidas tenham a sua origem

10

• InterpretaçãoemprocessodeexecuçãodeMDE• Ainterpretaçãotemdeter«aqualidadesuficienteparagarantira

equidadedoprocesso»

Artigo3.º Direitoàtraduçãodosdocumentosessenciais

• Direitodaspessoasquenãofalamounãocompreendemalínguadoprocesso penal à «tradução escrita de todos os documentosessenciaisàsalvaguardadapossibilidadedeexerceremoseudireitodedefesaeàgarantiadaequidadedoprocesso».

• Entreosdocumentosessenciaiscontam-se:decisõesqueimponhamumamedidaprivativade liberdade, qualquer acusação/pronúncia equalquersentença.

• As autoridades competentes devem decidir, em cada caso, sequalqueroutrodocumentoéessencial.Osuspeitoouacusadoouoseu advogado podem apresentar um pedido fundamentado paraesseefeito.

• Nãotêmdesertraduzidaspassagensdedocumentosessenciaisquenão sejam relevantes para que o suspeito ou acusado conheça asacusaçõeseprovascontraelededuzidas.

• Direitodecontestarumadecisãosegundoaqualnãoénecessáriaatraduçãodedocumentosoupassagensdedocumentos/possibilidadede apresentar queixa do facto de a qualidade da tradução não sersuficienteparagarantiraequidadedoprocesso.

• Possibilidade de ser facultada uma «tradução oral ou um resumooral»emvezdatraduçãoescrita.

• Renúncia sujeita ao requisito de prévio aconselhamentojurídico/obtenção, por outra via, de pleno conhecimento dasconsequências da sua renúncia, que tem de ser inequívoca evoluntária.

Artigo4.º Custos • OsEstados-Membrossuportamoscustosdeinterpretação,independentementedoresultadodoprocesso

Artigo5.º Qualidade • OsEstados-Membrostomam«medidasconcretas»paraassegurarqueainterpretação/traduçãosatisfazosrequisitosestabelecidos

• OsEstados-Membrosdevem«procurar»criarumoumaisregistosdetradutores/intérpretesindependentescomqualificaçõesadequadas.

• Obrigaçãodeassegurarqueosintérpretes/tradutoresrespeitamaconfidencialidade

Artigo6.º Formação • Requisitodedisponibilizaçãodeformaçãopara«juízes,magistradosdoMinistérioPúblicoefuncionáriosjudiciais»quantoaotrabalhocomintérpretes

Artigo7.º Conservaçãodosregistos • Obrigaçãodeconsignaçãoemregistosemprequeédisponibilizadainterpretaçãoeminterrogatóriosouaudições,quandoéfacultadaumatradução/resumooralouquandoalguémrenunciaàtradução.

Page 12: DIRETIVA RELATIVA À INTERPRETAÇÃO E TRADUÇÃO · determinados aspetos do processo penal através de um programa designado por «Roteiro».1 Embora estas medidas tenham a sua origem

11

Artigo8.º Nãoregressão • Adiretivanãolimitagarantiasdecorrentesdodireitointernacionalounacionalqueproporcionemumníveldeproteçãomaiselevado.

2. Finalidadeeobjetivos

Tal comoexplicado abaixo, a diretiva assentanos standards já estabelecidos na jurisprudência doTEDH. Issoestá refletidonosconsiderandosdadiretiva.Osconsiderandosnãoestabelecem,porsisó, obrigações, mas contêm informação importante quanto ao contexto de um instrumentolegislativoeoferecemorientaçãoquantoàsuainterpretação.Nocasodadiretiva,parecequeasuaprincipalfinalidadeéadeconsagrarosstandardsexistentesdaCEDHcomoleiclara.

Estes considerandos tornam claro que a diretiva se destina a facilitar a aplicação de direitos jáexistentes no âmbito da CEDH. Isto significa que, quando estiver a elaborar uma argumentaçãojurídica,pode,seassimoentender,referirajurisprudênciadoTEDHparasugerircomoadisposiçãoda diretiva deve ser interpretada. Por este motivo, sempre que o consideramos útil, incluímosreferências ocasionais à jurisprudência do TEDH neste kit de ferramentas (em particular, no querespeitaaoconceitode«controlarquandoalertadas»).Contudo, tal comomencionadoacima,emcomparação com a jurisprudência do TEDH, a diretiva émais clara e pode também proporcionarproteçãomaisrobustadoqueoTEDH,peloqueo incentivamosafundamentar,emregra,osseusargumentoscomaprópriadiretiva.Naverdade,osconsiderandosintroduzemumanovalinguagemda«UE»:

Estesconceitosdepermitiraosuspeitoouacusado«exercerplenamenteoseudireitodedefesa»ede«asseguraraequidadedoprocesso»reaparecemnadiretivaenasoutrasmedidasadotadasnoâmbitodoroteiro.Oseusignificadoéindeterminadoeestáabertoainterpretação.

«(14) O direito à interpretação e tradução para as pessoas que não falam ou nãocompreendemalínguadoprocessoestáconsagradonoartigo6.ºdaCEDH,talcomointerpretado pela jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. Apresente diretiva facilita o exercício daquele direito na prática. Para o efeito, apresente diretiva visa garantir o direito dos suspeitos ou acusados a disporem deinterpretaçãoetraduçãoemprocessopenal,comvistaagarantirorespetivodireitoaumjulgamentoimparcial.»

«(33)AsdisposiçõesdapresentediretivaquecorrespondamadireitosgarantidospelaCEDH ou pela Carta deverão ser interpretadas e aplicadas de forma coerente comessesdireitos,talcomotêmvindoaserinterpretadospelajurisprudênciarelevantedoTribunalEuropeudosDireitosdoHomem(…)».

«(17) A presente diretiva deverá garantir a livre prestação de uma adequadaassistência linguística,possibilitandoqueossuspeitosouacusadosquenãofalamounãocompreendema línguadoprocessopenalexerçamplenamenteoseudireitodedefesaeassegurandoaequidadedoprocesso.»

«(22) A interpretação e a tradução previstas na presente diretiva deverão serdisponibilizadas na língua materna do suspeito ou acusado ou em qualquer outralínguaque ele fale ou compreenda, a fimde lhepermitir exercer plenamenteo seudireitodedefesaeafimdegarantiraequidadedoprocesso.»

Page 13: DIRETIVA RELATIVA À INTERPRETAÇÃO E TRADUÇÃO · determinados aspetos do processo penal através de um programa designado por «Roteiro».1 Embora estas medidas tenham a sua origem

12

3. DireitoàinterpretaçãoetraduçãoOArtigo1.ºdeterminaaquiloquepareceserumdireitogeralàinterpretaçãoetraduçãoaplicáveldurantetodooprocessopenal:

Remetemosparaokitdeferramentas«UsingEULawinPractice»(UtilizarodireitodaUEnaprática)esugerimosqueestadisposiçãoconstituium indíciodequeoquesepretendecomasdiretivaséconferiràspessoas«direitos»específicosquepodemserinvocadosanívelnacional.ReferimosaindaaparteIVdokitdeferramentassobreadiretivarelativaaodireitoàinformação,noqualabordámosaquestãodaaplicaçãodessadiretivaapessoasaquemnãotenhasidoformalmentecomunicadooseu estatuto de suspeitos. As mesmas considerações são aqui aplicáveis: se alguém for,objetivamente,suspeito,temosdireitosconferidospeladiretiva,mesmoque,aoabrigododireitonacional,nãosejaesteja formalmentesob investigação.Paraalémdisso,sugerimosaconsultadaspartes relevantes deste kit de ferramentas para discussão sobre as disposições substantivas dadiretiva.

D. TRABALHOPREPARATÓRIOPARAUTILIZARADIRETIVA

Antes de considerar as situações práticas nas quais poderá pretender recorrer à diretiva, éaconselhávelrealizaralgumtrabalhodebaseparagarantirquetempresentesoscorretoselementosjurídicos,ououtros,paraabordarquestõesnoâmbitodadiretiva.

1. ExaminarasleisepráticasnacionaisàluzdadiretivaComo advogado, o processo de interpretação e tradução na sua jurisdição pode ser instintivo.Contudo, é conveniente recuar e examinar novamente o cenário legislativo e prático à luz dadiretiva. Poderão existir novas alterações efetuadas recentemente para implementar a diretiva eserá útil olhar para as disposições relevantes na perspetiva das exigências da diretiva, o que oajudará a formar uma primeira opinião quanto à questão de onde poderão surgir problemas deconformidade.

Utilizeosmecanismosdisponíveisnoseusistemanacionalparaidentificarasdisposiçõesrelevantes.Da perspetiva da UE, existe uma forma sistemática (mas imperfeita) de identificar a legislaçãorelevanteatravésdabasededados«Eur-Lex»quearmazenaoudirecionaparatodaa legislaçãoejurisprudênciadaUEe,cadavezmais,tambémparaalegislaçãoejurisprudêncianacionais.Segue-seumabreveindicaçãodecomoutilizarestesistemaparalocalizarlegislaçãoconsideradapelogovernodoseuEstado-Membroparaasseguraraconformidadecomadiretiva:

Artigo1.º–objetoeâmbitodeaplicação«1. A presente diretiva estabelece regras relativas ao direito à interpretação etraduçãoemprocessopenal(…).

2.Odireitoaqueserefereon.º1éconferidoaqualquerpessoa,apartirdomomentoem que a esta seja comunicado pelas autoridades competentes de um Estado-Membro, por notificação oficial ou por qualquer outro meio, que é suspeita ouacusadadapráticadeumainfraçãopenaleatéaotermodoprocesso[...]»

Page 14: DIRETIVA RELATIVA À INTERPRETAÇÃO E TRADUÇÃO · determinados aspetos do processo penal através de um programa designado por «Roteiro».1 Embora estas medidas tenham a sua origem

13

Sugerimos que analise a sua legislação nacional, tendo em conta o seu entendimento de comofuncionanaprática,paradeterminarcomoadiretivaestáaseraplicadanapráticanasuajurisdição.Asquestõeschave,nanossaopinião,sãoasseguintes:

è Identifiquealegislaçãonacionalrelevante• Acedaahttp://eur-lex.europa.eueselecioneasualíngua;• Nasecção«Pesquisapornúmerododocumento»(ouequivalentenasualíngua),

introduza«2010»nocampo«Ano»e«64»nocampo«Número»ecliquenacaixa«Diretiva»(pesquisapelaDiretiva2010/64/UE);

• Serádevolvidaumaligaçãocomotítulocompletodadiretiva.Cliquenaligação;• No ecrã, será apresentado o texto da diretiva e uma tabela com ligações para

versõesemváriaslínguas.Porcimadatabela,existemseparadores,umdosquaiscom a designação «Documentos associados» (ou equivalente na sua língua).Cliquenaligação;

• Maisabaixonapágina,seráapresentadaumaopçãocomaindicação«Apresentaras medidas de transposição nacionais: MNE», uma ligação para as leis detransposiçãodecadapaís.Cliquenaligação;

• PercorraalistaderesultadosatéencontraronomedoseuEstado-Membrocomo«autor», com o título da legislação em causa. Os resultados incluem novasmedidas de transposição e referências a leis anteriores relativas ao tema emquestão.Percorraatéencontrarasentradasrelevantesparaoseupaís.

è ExaminarasleiseosprocedimentosnacionaisàluzdadiretivaInterpretação• Quemecanismoexisteparaapurarseumsuspeito/acusadonecessitade

interpretaçãoequefatoressãotidosemconsideração?• Quaisasautoridadescompetentespararealizaraavaliaçãonasdiferentesfasesdo

processopenal?• Quaisoscritériosqueregemaseleçãodeumintérprete?Existeumregistoou

orientaçõesoficiais?• Seosuspeito/acusadoseopuseraumadecisãorelativaàinterpretação,que

mecanismoestádisponívelparaacontestar?Tradução• Quaisosdocumentosqueénecessáriotraduzir?• Os documentos são traduzidos na íntegra e por escrito ou existe recurso a

explicações orais de documentos ou à tradução de apenas partes dosdocumentos?Quaisoscritériosaplicáveis?

• Seosuspeito/acusadoseopuseraumadecisãorelativaàtraduçãodedocumentos,quemecanismoestádisponívelparaacontestar?

Requisitosdequalidade• Quesistemasexistemparaavaliaraqualidadedainterpretaçãooutradução?• Qualosistemadisponívelparaapresentarumaqueixaquantoàqualidade?

Page 15: DIRETIVA RELATIVA À INTERPRETAÇÃO E TRADUÇÃO · determinados aspetos do processo penal através de um programa designado por «Roteiro».1 Embora estas medidas tenham a sua origem

14

2. Investigarocontextolocal

a. ConhecerasnormasdeinterpretaçãonacionaisPoderão existir também associações profissionais com standards partilhados, códigos éticos e/oumelhores práticas, os quais poderão fornecer uma referência útil a ter em conta ao lidar comsituaçõesconcretasnaesquadradepolíciaenostribunais.

b. Falarcomcolegas/ordensdeadvogadosÉprovávelqueadiretiva,epossivelmenteasmedidasdetransposiçãonacionais,nãocheguemdeimediatoaoconhecimentodetodososinteressados.Noentanto,semaisadvogadosconheceremasmedidas e procurarem recorrer àsmesmas, a polícia e os tribunais darão conta dos argumentosrecorrentes. Isso tornará o problema mais difícil de ignorar e aumentará a credibilidade dosargumentosbaseadosnadiretiva.Sugerimosque:

Odebateemtornodasdiretivasedecomoutilizá-lasénovoeumapeçafundamentalnaestratégiade implementação desenvolvida pelo LEAP. Nesse contexto, Vânia Costa Ramos, membro doConselhoConsultivodoLEAPparaPortugal,escreveusobrecomoutilizaradiretivanoprocedimentopenalportuguêsegostaríamosdeoincentivaralerotexto.14SetiverescritoalgoquepensapoderajudarosseuscolegasnoutrosEstados-Membros,contacte-nos.

14VâniaCostaRamos,«UsaroDireitoEuropeunapráticaprocessualpenal»,http://www.oa.pt/upl/%7B8358ff68-2cca-44fa-9c88-2b0d7ee69b39%7D.PDF(p.42-45),traduçãoeminglêsdisponibilizadapelaFairTrials,disponívelemhttp://www.fairtrials.org/publications/article-the-use-of-european-law-in-criminal-proceedings/.

è Conheçaasnormasemelhorespráticasnacionais• Existealgumaorganização(governamentalououtra)querepresenteos

intérpretes?• Contacte-aesolicitecópiasdediretrizesrelativasàsqualificaçõesmínimas

exigidasparainterpretaçãoemesquadrasdepolícia,melhorespráticas,etc.• Familiarize-secomtodoomaterialrelevanteparaqueopossasubmeteràatenção

naesquadradepolícia,senecessário.

è Espalheapalavra:• PergunteàOrdemdosAdvogadosseinformouosseusmembrosdasnovasleis.• FaçacircularestekitdeferramentaspelassuasredesjudiciáriasepelasOrdensde

Advogados.

Page 16: DIRETIVA RELATIVA À INTERPRETAÇÃO E TRADUÇÃO · determinados aspetos do processo penal através de um programa designado por «Roteiro».1 Embora estas medidas tenham a sua origem

15

I–AVALIAÇÃODASNECESSIDADESDEINTERPRETAÇÃOA. OPROBLEMA

Qualquercasoemquesurjaumpossívelproblemaemtornodaassistêncialinguísticacomeçacomumaperguntachave:osuspeitoouacusadonecessitadessaassistência?AsconversasdaFairTrialscomprofissionaisdaredeLEAPrevelaramumconjuntodepreocupaçõessobreaformacomoestasavaliaçõessãolevadasacabo,especialmentenaesquadradepolícia,quandoasautoridadespoliciaisseencontramatrabalharcomconstrangimentosdetempo.Foramsuscitadososseguintespontos:

- Aausênciadequalquersistemaformalizadoparaavaliarasnecessidadesdeinterpretação,oqueresulta, ao invés, na adoção de mecanismos informais como, por exemplo, as autoridadespoliciaiscolocaremperguntascomo«compreendeitaliano?»eaatuarcombasenaresposta;

- Aausênciadesistemasparaidentificaralínguamaternarealdeumapessoa;e- Aausênciademecanismosparaasseguraradisponibilidadedeinterpretaçãoparaasconsultas

entreoadvogadoeocliente,especialmentequandooclienteseencontradetidonumaceladapolícia.

Oproblemaéaausênciadesistemasadequadosparaavaliareresponderàexactanecessidadedeinterpretação: que língua realmente fala a pessoa? Compreende o interlocutor no contextoespecífico? Compreende a linguagem do processo na medida do necessário no contexto (porexemplo,parapoderresponderaperguntasfactuaisdetalhadas)?Éesteotemadestasecção.

B. ABASEDACEDH

Existe pouca jurisprudência relativa a esta questão, mas o TEDH, não obstante, fez algumasdeclarações que oferecem orientação, em termos gerais, sobre como essas avaliações devem serrealizadas:

1. Umapresunçãoafavordainterpretaçãosesolicitada

No caso Brozicek c. Itália,15 o TEDH apreciou a questão sobre se a não prestação de assistêncialinguísticaquandosolicitadaviolavaaalíneae)don.º3doartigo6.º.Aoconcluirquesim,oTEDHafirmou:

A Fair Trials lê este caso como estabelecendo uma presunção (bastante natural) a favor dainterpretaçãoquetemdeserilididapelasautoridadesdoEstado.Contudo,umavezqueumapessoapode não ter conhecimento do seu direito à interpretação e tradução, um pedido é apenas umpontodepartida.Outra jurisprudência descreve fatores que serão, normalmente, relevantes paraefeitosdeavaliaçãodasnecessidadesdeinterpretação.15Brozicekc.Itália,proc.n.º10964/84(acórdãode19dedezembrode1989).16Parágrafo41.

«41. (…) Ao receber este pedido, as autoridades judiciais italianas deveriam tertomadomedidas no sentido de o satisfazer,demodo a assegurar o respeito pelosprincípiosda [alíneaa)don.º3doartigo6.º],salvoseestivessememcondiçõesdedeterminarqueo requerentetinha,de facto, conhecimentossuficientesde italiano(…)(ênfasenossa).16

Page 17: DIRETIVA RELATIVA À INTERPRETAÇÃO E TRADUÇÃO · determinados aspetos do processo penal através de um programa designado por «Roteiro».1 Embora estas medidas tenham a sua origem

16

2. ParâmetrosparaavaliarasnecessidadesdeinterpretaçãoO TEDH produziu também algumas afirmações úteis em processos em que se alegava que a nãodisponibilização de interpretação violava o Artigo 6.º da CEDH. No caso Hermi c. Itália,17 o TEDHreferiu:

Háumaspetoquesepoderetirardestaafirmação:queaquestãodealguémnecessitarounãodeassistência linguísticaéalgoavaliadoporreferênciaàcapacidade linguísticaespecíficadapessoaàluz das especificidades damatéria em questão. Os fatores apresentados na jurisprudência são osseguintes:

Deverá ser ainda notado que existe um foco particular na relevância desta análise na fase deinvestigação. Tal como mencionado acima, o TEDH definiu o direito à interpretação comosemelhante ao direito de acesso a um advogado enquanto uma importante proteção nas fasesiniciaisdoprocessopenal.EsteentendimentolevouoTEDHacolocarespecialênfasenacapacidadelinguísticanestafase:

O TEDH está claramente consciente de que o processo durante a fase inicial tem um impactosignificativonaconduçãodadefesaequeanãoprestaçãodeinterpretaçãocorreoriscodeafetaraforma como o suspeito toma decisões num contexto em que as suas declarações provavelmenteserãousadasnoprocesso.Umaavaliação cuidadosaquantoànecessidadede interpretaçãonestafaseéaindamaisessencial.17CasoHermic.Itália,proc.n.º18114/02(acórdãode18deoutubrode2006)18Parágrafo71.19CasoAmerc.Turquia,proc.n.º25720/02(acórdãode13dejaneirode2009),par.82.20Ibid.21CasoKatritschc.Françaproc.n.º22575/08(acórdãode4denovembrode2011),par.45.22CasoŞamanc.Turquia,proc.n.º35292/05(acórdãode5deabrilde2011),parágrafo31.23Parágrafos31e35.

«(…) o problema do conhecimento linguístico do arguido é essencial e que [oTribunal] tem também de examinar anatureza da infração de que o arguido estáacusado e quaisquer comunicações endereçadas ao arguido pelas autoridadesnacionais, a fim de avaliar se são suficientemente complexas para exigir umconhecimentodetalhadodalínguausadaemtribunal»18(ênfasenossa).

• Ofactodeapessoanãoserfalantenativadalínguadoforo;19• Adistinçãoentresercapazdeseexpressaresercapazdelerdocumentos,se

necessário;20• Asituaçãofinanceira,socialeculturaldapessoa,incluindooperíododetempono

país;21e• Ofactodeapessoaseranalfabeta.22

« Tendo em conta a importância da fase de investigação, como reiterado acima, oTribunal não ficou convencido de que a recorrente compreendia suficientemente asperguntasquelheeramcolocadasouquefossecapazdeseexpressaradequadamenteem turco e, certamente, não num nível que justificasse a utilização das suasdeclaraçõescomoprovacontrasinoprocesso(…)Semaajudadeumintérprete,nãopoderia avaliar razoavelmente as consequências de aceitar ser interrogada sem aassistênciadeumadvogadonumprocessopenalrelativoà investigaçãode infraçõespenaisespecialmentegraves»23

Page 18: DIRETIVA RELATIVA À INTERPRETAÇÃO E TRADUÇÃO · determinados aspetos do processo penal através de um programa designado por «Roteiro».1 Embora estas medidas tenham a sua origem

17

C. DISPOSIÇÕESRELEVANTESDADIRETIVA

Aavaliaçãodainterpretaçãoestáassociadaaoâmbitodeaplicaçãorationepersonaedadiretiva,istoé, as pessoas que têm direito à interpretação exigida pela diretiva. O n.º 1 do artigo 2.º, queestabeleceodireitoàinterpretaçãoemprocessopenal,determinaque:

Adiretivaprossegue,nosn.º4en.º5doartigo2º:

Osconsiderandosfornecemmaisorientações:

Iremosabordarestasdisposiçõesdeformamaispormenorizadaabaixo,aoconsiderarcomoutilizá-las.Contudo,clarificamosnestepontoaquiloquepensamosseremalgunspressupostosbásicos:• Adiretivaconfereumdireitoàinterpretaçãoàspessoasquenãofalamounãocompreendema

língua do processo penal. A questão de saber se alguém se enquadra nesta definição deve,necessariamente,dependerdefatoresobjetivosquevariamdecasoparacaso.

• Isto confirma-se pela presença, no n.º 4 do artigo 2.º, de uma obrigação de existir umprocedimentopara identificarestaspessoas,pelareferêncianoconsiderando21àconsultadesuspeitoseacusados,quetemnecessariamentedeserefetuadacasoacaso,epelaexistênciadeumdireitoacontestarnostermosdon.º5doartigo2.º,queimplicaumadecisãoindividual.

• Contudo, não existe qualquer orientação quanto ao que, substantivamente, deve reger aavaliação necessária. Namedida em que esta diretiva procura facilitar a aplicação de direitosdecorrentesdaCEDH,eprotegidospelaCarta,osfatoresidentificadospeloTEDHespecificadosacimasão,semdúvida,relevantes.Contudo,caberáaoTJUEfornecermaisorientações.

«1.OsEstados-Membrosasseguramqueossuspeitosouacusadosquenãofalamounãocompreendemalínguadoprocessopenalemcausabeneficiem,semdemora,deinterpretaçãoduranteatramitaçãopenalperanteasautoridadesdeinvestigaçãoeasautoridades judiciais, inclusive durante os interrogatórios policiais, as audiências notribunaleasaudiênciasintercalaresqueserevelemnecessárias»(ênfasenossa).

«4.OsEstados-Membrosasseguramaexistênciadeumprocedimentooumétodoquepermita apurar se o suspeito ou acusado fala e compreende a língua do processopenalesenecessitadaassistênciadeumintérprete.»

5. Os EstadosMembros asseguram que, nos termos da lei nacional, o suspeito ouacusado tenha o direito de contestar a decisão segundo a qual não é necessáriainterpretação(…)»

«(21) (…) Tal procedimento oumétodo pressupõe que as autoridades competentesverifiquem por quaisquer meios adequados, designadamente a consulta do própriosuspeito ou acusado, se este fala e compreende a língua do processo penal e senecessitadaassistênciadeumintérprete.»

Page 19: DIRETIVA RELATIVA À INTERPRETAÇÃO E TRADUÇÃO · determinados aspetos do processo penal através de um programa designado por «Roteiro».1 Embora estas medidas tenham a sua origem

18

D. UTILIZARADIRETIVANAPRÁTICA

O tratamento do problemadeve começar por uma abordagempreventiva, procurando recorrer àdiretiva para assegurar que não ocorrem violações. Ao contestar uma alegada violação na faseinicial,criarátambémumregistoquepoderáserutilizadoposteriormentenoprocesso.

1. Fazervalerasuaposiçãonaesquadradepolícia(seláestiver)AFairTrialssugereque, tendoemcontaasconsideraçõesacima,deveráexprimirumconjuntodeobservaçõesquandoestiverfisicamentepresentenolocalemqueaprimeiradecisãoétomada:

2. ContestaradecisãosegundoaqualnãohánecessidadedeinterpretaçãoSeadecisãoinicialnaesquadradepolíciaforadeprosseguirsemumintérprete,terá,obviamente,deprotestar,seacreditarqueé,defacto,necessárioumintérprete.Istoimplicarecusarprosseguircomo interrogatórioatéqueaquestão tenhasidoencaminhadaparaumsuperiorhierárquico, seexistir.

Esenãoexistirumsistemaautónomoparaapresentarumaobjeçãonaesquadradepolícia?Issonãoénecessariamentecontrárioàdiretiva:tenhapresenteoconsiderando25(«EstedireitonãoimplicaaobrigaçãodeosEstados-Membrosestabeleceremumregimeouumprocedimentodereclamaçãoautónomo através do qual essa conclusão possa ser contestada»). Contudo, nesse caso, deveráexistiroutrotipodeproteção.

Aeste respeito,éútil consideraroacórdãodoTJUEnocasoSambaDiouf.Umpedidodeasilo foiprocessado em conformidade comumprocedimento acelerado, conformepermitido pela diretivaem causa. A decisão de tratar o processo como um processo acelerado não foi, em si, sujeita acontestação, mas sim a decisão quanto ao mérito. O tribunal concluiu que o princípio geral deproteçãojudicialefetivanãoexigiaumacontestaçãoautónomadadecisãodeaceleração,

è Expliqueporqueénecessáriainterpretação:• Certifique-sedequeasautoridadespoliciaissão inequivocamenteinformadasde

queénecessáriainterpretação.• Informeasautoridadesdequelhescabejustificaradecisãodenãodisponibilizar

interpretação,peça-lhesqueenumereosseusmotivosparaconcluirqueapessoafalaecompreendealínguaeregiste-osporescrito.

• Seoclienteconseguirfalara línguaatécertoponto,discutaasituaçãocomestepara confirmar se está confortável coma terminologia relevante, tomandonotadequestõesquecausemdificuldade.

• Emtodoocaso,contudo,nãodeveráaceitarumadecisãodenãodisponibilizaçãodeumintérpretesetiversidosolicitado.Temdecontestarestadecisão.

è Ainterpretaçãofoirecusada:oquefazer?• Apresentequeixaaumsuperiorhierárquico,seexistir.• Existeumagentedepolíciasuperior/magistradodoMinistérioPúblicoaquemo

problemapossaserapresentado?• Definaofundamentodasuaobjeçãoeregiste-a/assegure-sedequeéregistada

pelasautoridadesporescrito.

Page 20: DIRETIVA RELATIVA À INTERPRETAÇÃO E TRADUÇÃO · determinados aspetos do processo penal através de um programa designado por «Roteiro».1 Embora estas medidas tenham a sua origem

19

Resumindo,ocontrolojudicialdedecisõesprocessuaispreliminares,senãoexistirautonomamente,éasseguradonocontextodocontrolo judicialdadecisão final. Isto sugereo tipode respostaquepoderá procurar aqui: se não existir uma «meio de impugnação» específico disponível, terá deencontrarproteçãojudicialdeoutraforma,especialmenterecorrendoaotribunalaoqualoprocessopenalésubmetidoparaasseguraraefectividadedodireitoà interpretaçãoprevistopeladiretivaepara«asseguraraequidadedoprocesso» tal comoexigidopeladiretiva;naopiniãodaFairTrials,isso inclui a possibilidade de escrutinar osmotivos de uma decisão segundo a qual não deve serdisponibilizada interpretação e tomar medidas corretivas apropriadas, se a decisão não tiverrespeitadoadiretiva.Resumindo:

24CasoC-69/10SambaDioufECLI:EU:C:2011:524,parágrafo56.

«desdequeosmotivos que levarama que essa autoridade examinasseomérito aoabrigodesseprocedimentopossam,de facto, ser sujeitosacontrolo judicialnaaçãoquepodeserintentadacontraadecisãofinalquerejeiteopedido.»24

è Nãoexisteummecanismodereclamaçãoautónomo:oquefazer?• Assegure-sedequeécriadoumregistonomomentoemqueadecisãoétomada,

incluindo o fundamento para a decisão segundo a qual não é necessáriainterpretação;seestepormenornãoforregistadonasatas/registodoprocesso;

• Utilize este registo nas suas alegações em tribunal, no contexto de quaisqueraudiênciaspréviasaojulgamento,debatessobreaadmissibilidadedasprovasounodebatequantoàpossibilidadedeaprovaemquestãopoderserconsideradaouponderada.

• Argumente: o princípio da proteção judicial efetiva significa que o tribunal quedecide um processo penal tem de poder controlar os fundamentos nos quais adecisão de não disponibilização de interpretação se baseou e tomar medidascorretivas para assegurar a equidade do processo, caso a decisão não tenharespeitadoadiretiva(consultar,poranalogia,oacórdãoSambaDiouf).Emtermossubstantivos, existe um pressuposto de que a interpretação é necessária se forsolicitada (cf. o acórdão do TEDH no caso Brozicek c. Itália) e que deve serconsideradaacapacidadedosuspeitoemcausade falarecompreendera línguano nível exigido à luz da especificidade do processo. A decisão das autoridadespoliciais de não disponibilizar interpretação não demonstrou que o suspeitofalassealínguaaestenívelenãofoi,porconseguinte,conformeàdiretiva.Destemodo,otribunaltemdeasseguraraefectividadedadiretiva,assegurandoqueasuaprópriadecisãonãoécontaminadapelainfraçãoàdiretiva.Deverecorreraosmeiosaoseudispor,taiscomoemitirumdespachoderepetiçãodosatospréviosao julgamento realizados na ausência de interpretação ou declarar a suainvalidade,recusarbasear-senosseusresultados,etc.

Page 21: DIRETIVA RELATIVA À INTERPRETAÇÃO E TRADUÇÃO · determinados aspetos do processo penal através de um programa designado por «Roteiro».1 Embora estas medidas tenham a sua origem

20

PARTEII–QUALIDADEDAINTERPRETAÇÃONAESQUADRADEPOLÍCIAA. OPROBLEMA

Oqueacontecenaesquadradepolíciaécrucialparaoprocessopenal.ComooTEDHreferiunocasoSalduzc.Turquia,«afasedeinstruçãotemimportânciacrucialparaapreparaçãodoprocessopenal,jáqueasprovasobtidasduranteestafasedeterminamoenquadramentoemquea infração imputadaserá avaliada».25 Em particular, serão tomadas decisões pelo suspeito quanto à sua defesa, e asdeclaraçõesque fizerneste contextopodemserutilizadas comobaseparaoutrosatosde inquéritoe/ouparasustentarumacondenaçãonumafaseposterior.

Seosuspeitonecessitardecomunicaratravésdeinterpretaçãoeainterpretaçãonãopermitirumacomunicaçãoeficaz,oriscodeiniquidadeaumenta.Osuspeitopodeinterpretarmalasperguntaseresponder incorretamente. As suas próprias respostas podem ser mal interpretadas. Podem serproduzidasdeclaraçõesqueparecemincriminatóriasdevidoaumainterpretaçãoincorretaepodemsurgirincoerênciasfactuaisrelativamenteadeclaraçõesposteriores,oqueprejudicaacredibilidadedapessoaeassuasperspetivasdedefesa.

No contexto de reuniões com especialistas em justiça penal da rede LEAP, os participantesdescreveramumconjuntodeproblemasrecorrentescomainterpretaçãonasesquadrasdepolícia.Porexemplo,fomosinformadosdeque,emalgunspaíses:

- Nãoexistemrequisitosdecertificaçãoouqualificaçãoespecíficaparaagircomointérprete,comoresultadodequeosintérpretessãoselecionadoscombasenasuafluêncianalínguarelevantee,muitasvezes,carecemdeformação;

- A independência dos intérpretes é, muitas vezes, questionável, devido ao facto de teremrelações comerciais com as autoridades policiais, que recorrem frequentemente ao mesmogrupolimitadodeintérpretes.Anãoimplementaçãodecódigoséticoscontribuiparaisto;

- Existem dúvidas acerca da qualidade da interpretação, especialmente quando são utilizadostermosjurídicosoutécnicosouquandoestãoenvolvidaslínguasdeminoriasoudialetos;

- Muitasvezes,osadvogadosnãoconseguemidentificarquaisquerproblemasrelacionadoscomainterpretação,excetoseconheceremalíngua;

- Existe o reconhecimento de que a interpretação jurídica requer competências específicas e,especialmente com os cortes nos orçamentos da justiça, nem todos os intérpretes ativos emesquadrasdepolícia/tribunaispossuemestascompetências.

B. ABASEDACEDH

Como referido acima, o TEDH tem, desde a decisão de admissibilidade no casoDiallo c. Suécia,equiparadoanecessidadedeinterpretaçãonafaseinicialdoprocessopenalaodireitodeacessoaumadvogado.Otribunaldeclarourecentementeque:

25CasoSalduzc.Turquia,proc.n.º36391/02(acórdãode27denovembrode2008),parágrafos54-55.

Page 22: DIRETIVA RELATIVA À INTERPRETAÇÃO E TRADUÇÃO · determinados aspetos do processo penal através de um programa designado por «Roteiro».1 Embora estas medidas tenham a sua origem

21

Embora o TEDH esteja aqui a visar primordialmente a situação em que a interpretação não éfacultadaaalguémquetemapenasumacompreensãolimitadadalínguadoforo(comoéocasoemquestão),esteraciocíniotambémseaplicaquandoainterpretaçãoédefracaqualidade,jáqueissopodetambémsuscitarmal-entendidos.Mais relevante, no entanto, é a abordagemdo TEDH à adequação da interpretação efetivamentedisponibilizada.Adeclaraçãochaveéaseguinte,queseencontraemtodososcasosrelevantes:

Deste modo, o TEDH associa a adequação da interpretação ao exercício de outros direitos, emparticularodeserinformadodasacusaçõesformuladas(alíneaa)don.º3doartigo6.º)esercapazde se defender (alínea b) do n.º 3 do artigo 6.º). A jurisprudência estabelece ainda que asautoridades estão obrigadas a responder a possíveis sinais de que esta norma não está a sercumprida:

Aquiloqueconstituioexercíciode«controlo»quando«formalmenterequeridas»éobjetodemuitopoucajurisprudência,masexistemdoisexemplos:

AdificuldadecomestasdecisõeséqueoTEDHestá,nasuamaioria,adeterminarseexistiuounãoumaviolaçãodaalíneae)don.º3doartigo6.º.

26CasoBaytarc.Turquiaproc.n.º45440/04(acórdãode14deoutubrode2014),par.53(traduçãolivre).27Kamasinskic.Áustriaproc.n.º9783/82(acórdãode19dedezembrode1989)parágrafo74.28Ibid29Cuscanic.ReinoUnidoproc.n.º32771/96(acórdãode24dedezembrode2002).30Dialloc.Suécia,citadoacima,nota1212.NT:consideramosqueatraduçãomaisadequadade“putonnotice”é“alertadas”.Contudo,estanãoéaexpressãousadanatraduçãooficialportuguesadaDirectiva,ondeserefere“formalmenterequeridas”.

A pessoa detida tem um conjunto de direitos, como o direito de permanecer emsilênciooudeteraassistênciadeumadvogado.Adecisãodeinvocarourenunciaraestes direitos só pode ser tomada se a pessoa a quemesses direitos são conferidoscompreenderclaramenteosfactosquelhesãoimputados,demodoapoderavaliaraspossíveis consequências do processo e considerar a sensatez de renunciar a essesdireitos.26

«Aassistênciaprestadaemmatériade interpretaçãodeveserdetalmodoapermitirao arguido ter conhecimento das acusações que lhe são imputadas e defender-se,nomeadamente ser capaz de apresentar em tribunal a sua versão dosacontecimentos».27

«Em virtude da necessidade de que o direito garantido pela [alínea e) do n.º 3 doartigo 6.º] tenha um efeito prático e seja efectivo, a obrigação das autoridadescompetentesnãoestá limitadaànomeaçãodeum intérpretemaspode também,seforem alertadas, nas circunstâncias do caso concreto, exigir um grau de controlosubsequentesobreaadequaçãodainterpretaçãodisponibilizada»(parágrafo74).28

• Violação da alínea e) do n.º 3 do artigo 6.º devido a falha em assegurarinterpretaçãoadequadaquando,aoserconhecidoqueoarguido,numaaudiênciadesentença,tinhadificuldadeemcomunicar,otribunalrecorreuàs«competênciaslinguísticasnãotestadas»deumfamiliarqueestavapresentenotribunal;29

• Nãoviolaçãodaalíneae)don.º3doartigo6.ºnoquerespeitaauminterrogatórioconduzidoemfrancêsporumafuncionáriaaduaneirasueca,namedidaemqueafuncionária tinha tomado medidas criteriosas no sentido de verificar se acomunicaçãoeraeficazeostribunaistinham,posteriormente,confirmadoqueeraseguroutilizarasprovas,combasenessasverificações.30

Page 23: DIRETIVA RELATIVA À INTERPRETAÇÃO E TRADUÇÃO · determinados aspetos do processo penal através de um programa designado por «Roteiro».1 Embora estas medidas tenham a sua origem

22

As conclusões são, por conseguinte, muito condicionadas aos factos do caso e dependentes dasprovas que possam ou não existir nos autos perante o TEDH. O standard de «adequação» e osrequisitosde«controlarquandoalertadas»nãosão,porisso,standardsespecialmenteclaros.Espera-sequeadiretiva,interpretadapeloTJUE,possaoferecerumaorientaçãomaisclara.

C. DISPOSIÇÕESRELEVANTESDADIRETIVA

1. Odireitoàinterpretação(dequalidadesuficiente)Nadisposiçãoprincipalrelativaaodireitoàinterpretação,aspartesrelevantesencontram-senon.º1e,emparticular,non.º8doartigo2.ºdadiretiva,queespecificam:

Ospontosquegostaríamosdesalientaracercadestasdisposiçõessãoosseguintes:• Existeumparalelismoclaroentreorequisitodequalidadeconstantedon.º8doartigo2.ºeo

requisitoconsistentedoTEDH,abordadoacima,dequeainterpretaçãodeveser«detalmodoapermitiraoarguidoterconhecimentodasacusaçõesquelhesãoimputadasedefender-se».

• O requisito de qualidade constante do n.º 8 do artigo 2.º aplica-se a toda a interpretaçãoaplicávelnostermosdesseartigoe,emconformidadecomon.º1doartigo2.º,existeapenasumdireito,aplicáveldesdeoinícioatéàconclusãodoprocessopenal.Destemodo,anormadequalidadeaplica-sedamesmaformanaesquadradepolíciaeemtribunal.

2. Disposiçõesrelacionadascomocontrolodaqualidade

a. Respostaaproblemasdequalidadeespecíficosdocaso

A diretiva contém também um conjunto de disposições que, aparentemente, apontam paramecanismos concretos de controlo da conformidade com esta norma. Em particular, a diretivaprevê,non.º5doartigo2.º, apossibilidadedeapessoaapresentaruma reclamaçãoquantoàqualidade:

«1.OsEstados-Membrosasseguramqueossuspeitosouacusadosquenãofalamounãocompreendemalínguadoprocessopenalemcausabeneficiem,semdemora,deinterpretaçãoduranteatramitaçãopenalperanteasautoridadesdeinvestigaçãoeasautoridades judiciais, inclusive durante os interrogatórios policiais, as audiências notribunaleasaudiênciasintercalaresqueserevelemnecessárias.

(...)

8.Ainterpretaçãodisponibilizadanostermosdopresenteartigodeveteraqualidadesuficienteparagarantiraequidadedoprocesso,assegurando,designadamente,queosuspeitoouacusadotenhaconhecimentodasacusaçõeseprovascontraelededuzidasesejacapazdeexerceroseudireitodedefesa.»

«5. Os Estados-Membros asseguram que, nos termos da lei nacional, o suspeito ouacusado tenha o direito de contestar a decisão segundo a qual não é necessáriainterpretação e, caso esta seja disponibilizada, tenha a possibilidade de apresentarqueixa do facto de a qualidade da interpretação não ser suficiente para garantir aequidadedoprocesso.»

Page 24: DIRETIVA RELATIVA À INTERPRETAÇÃO E TRADUÇÃO · determinados aspetos do processo penal através de um programa designado por «Roteiro».1 Embora estas medidas tenham a sua origem

23

Nadanestadisposiçãoserefereànaturezadaautoridadeaquemaqueixapodeserapresentada,comquefundamento,etc.Faremosasnossassugestõesabaixo.Contudo,existemalgunsdetalhesadicionaisnosconsiderandos24e26:

Gostaríamosdefazeralgumasobservaçõessucintasacercadestasdisposições:• On.º5doartigo2.ºprevêuma«possibilidadedeapresentarqueixa»queé,aparentemente,

diferente do «direito de contestar». É muito pouco claro o que isto significa, mas apontaevidentemente para um requisito de supervisão da qualidade da interpretação no casoespecífico.

• A referência no considerando 24 a «controlar quando formalmente requeridas» é umareferênciaclara,aindaqueimplícita,aoconceitoemergentedajurisprudênciadoTEDH.

• O considerando 26 prevê uma resposta em que o intérprete é substituído quando sedetermina que a qualidade é insuficiente. Isto pode, seguramente, ser considerado umexemplo de exercício de controlo quando formalmente requerido conforme previsto noconsiderando24.

• Contudo,estapoderánemsempreserumarespostasuficiente(porexemplo,seoproblemanãofordetetadoatempoounãofordisponibilizadasubstituiçãoapesardepedida,eprovasincriminatórias tiverem sido recolhidas através de interpretação inadequada). Nestemomento, a possibilidade de queixa só faz sentido quando considerada como uma queixaretroativa.b. Requisitosgeraisdocontrolodaqualidade

Adiretivaincluiaindaalgunsrequisitosgeraisdocontrolodaqualidadenoartigo5.º:

Asnossasobservaçõessobreestasdisposiçõessãoasseguintes:• Estasparecemserobrigaçõesdotipo«sistémico»(istoé,nãoobrigaçõesdestinadasaconferir

direitosaoindivíduo,masqueexigemaosEstados-Membrosquetomemmedidassistémicas).• Orequisitodon.º2doartigo5.ºdeosEstados-Membros«procurarem»estabelecerregistosde

intérpretescomqualificaçõesadequadasnãoéacompanhadoporqualquerrequisitoderecursoa esses intérpretes no processo penal. No entanto, sugere que o estatuto profissional érelevantenaavaliaçãodaqualidade.Estaé também,surpreendentemente,aúnicadisposiçãona diretiva que se refere à «independência» dos intérpretes em relação à qualidade.Nada é

«(24) Os Estados-Membros deverão assegurar a possibilidade de controlar a adequação dainterpretação e tradução disponibilizada quando as autoridades competentes foremformalmenterequeridasemcasosconcretos.»«(26)Quandoaqualidadedainterpretaçãoforconsideradainsuficienteparagarantirodireitoaumjulgamentoimparcial,asautoridadescompetentesdeverãopodersubstituirointérpretenomeado.»

«1. Os Estados-Membros tomam medidas concretas para assegurar que a qualidade dainterpretaçãoedatraduçãoprestadassatisfazosrequisitosdequalidadeestabelecidosnon.º8doartigo2.ºenon.º9doartigo3.º.2. Afimdepromoverumníveladequadodeinterpretaçãoetraduçãoeumacessoeficienteàsmesmas, os Estados-Membros devem procurar criar um ou mais registos de tradutores eintérpretes independentes com qualificações adequadas. Uma vez criados, esse registo ouregistos devem, se for caso disso, ser postos à disposição dos defensores legais e dasautoridadescompetentes.3. Os Estados-Membros asseguram que os intérpretes e tradutores respeitem aconfidencialidadedainterpretaçãoetraduçãoprestadasnostermosdapresentediretiva.»

Page 25: DIRETIVA RELATIVA À INTERPRETAÇÃO E TRADUÇÃO · determinados aspetos do processo penal através de um programa designado por «Roteiro».1 Embora estas medidas tenham a sua origem

24

ditoquantoaquaisserãoasqualificaçõesadequadas,noentanto.

D. UTILIZARADIRETIVANAPRÁTICA

1. Pontopreliminar

Estasecçãocontémconselhossobrecomocontrolaraqualidadeda interpretaçãonaesquadradepolícia,quesesobrepõemparcialmenteaosconselhosgeraissobrecomotrabalharcomintérpretes,oqueé,essencialmente,umaquestãotécnicaenãojurídica.Pensamosqueoseguinteconselhoéútil:antesdeumaformaçãopresencial recentesobreasdiretivas,82%dosparticipantesdecincojurisdições referiramquenunca tinhamrecebido formaçãosobrecomo trabalhar com intérpretesemprocessospenais.AFairTrialséumaorganizaçãojurídica,nãoumaorganizaçãodeintérpretes,mas consultou alguns intérpretes na nossa rede LEAP para elaborar este kit de ferramentas.Voltamosareferirasecçãosobreotrabalhopreparatórioesalientamosaimportânciadefalarcomintérpretes profissionais. A orientação disponibilizada pela EULITA,31 por exemplo, inclui umconjuntodesugestõespráticasparaadvogadosquetrabalhemcomintérpretes,quepodemajudá-loaevitarcontribuirparaproblemasdequalidade.

2. MedidasatomarnafasepréviaaojulgamentoEquipadocomtodaainformaçãonecessáriadoseutrabalhopreparatório(consultaraParteI),terádeestarprontoparaagiraochegaràesquadradepolíciapararepresentarumapessoaquenãofalaounãocompreendea línguadoprocessopenal. Tal comomencionadoacima,o requisitodequeexista interpretação adequada aplica-se desde o interrogatório policial e, sempre que necessárioparaasseguraraequidadedoprocesso,entreoclienteeoadvogado.Emconformidade,asmedidasatomartendoemvistaagarantiadeconformidadecomadiretivadevemcomeçarnaesquadradepolícia.É, claro, necessário ter em conta que é pouco provável que as autoridades policiais estejamparticularmentereceptivasaargumentosjurídicosreferentesàdiretiva,eaindamenosaprincípiosgeraisdodireitodaUE,duranteocurtoperíododetempodisponívelpararealizaruminterrogatórioantesdeosuspeitocomparecerperanteumjuiz.Contudo, deverá tomar, ainda assim, medidas na esquadra de polícia. Desde logo, porque asautoridadespoliciaispodemresponderàssuasqueixas(especialmente,comomencionadoacima,seasuaqueixafizerpartedeumpadrão),oquepoderáajudararesolveroproblemadaqualidade.E,igualmente importante, é necessário abordar os problemas quanto à qualidade durante osprocedimentos na esquadra de polícia, de modo a assegurar que existe um fundamento parasolicitaraostribunais,numafaseposterior,quetenhamemcontaoselementosdeprovadeformadiferente.Osparágrafos seguintes contêmalgumas sugestões sobre comoagir noque respeita asituaçõesespecíficas.

a. Antesdoiníciodointerrogatório

i. Consultacomoclientepréviaaointerrogatório

TantoquantoédoconhecimentodaFairTrials,existemdiferentespráticasnoquerespeitaa(i)seumintérpreteédisponibilizadoparaaconsultaentreoadvogadoeosclientese(ii)seesteintérpreteéomesmoqueprestaassistêncianointerrogatóriopolicial.ConsulteaParteIrelativamenteàdecisãode

31EULITA/EuropeanCriminalBarAssociation,Vademecum:diretrizesparaumacomunicaçãomaiseficazcomintérpretesetradutoresjurídicos,disponível(eminglês)emhttp://www.eulita.eu/fr/documents-pertinents.

Page 26: DIRETIVA RELATIVA À INTERPRETAÇÃO E TRADUÇÃO · determinados aspetos do processo penal através de um programa designado por «Roteiro».1 Embora estas medidas tenham a sua origem

25

nomearounãoumintérpreteparaesteefeito.Sefornomeadoumintérprete,estaéasuaprimeiraoportunidade de avaliar a qualidade da interpretação e o seu impacto na fiabilidade das provasobtidas. Consulte a secção «Abordagem geral ao interrogatório», abaixo, que é aplicável,mutatismutandis,àssuasconsultascomocliente.

ii. PassosiniciaisÉ possível começar por formular opiniões esclarecidas sobre a qualidade da interpretaçãodisponibilizada antes de o interrogatório ter início, obtendo informações sobre a pessoa que vaiprestaroserviço.Oaspetoessencialé:

Ainformaçãoqueconseguirobteracercadointérpreteseráimportante,nãosóporqueoiráajudaradecidir como agir de seguida,mas tambémporque poderá ser relevante numa fase posterior emtribunalounumrecurso.Assim,deverá:

iii. SeointérpretenãotiverqualificaçõesSe tiver motivos para acreditar que o intérprete não tem qualificações adequadas, poderá sernecessárioexigiranomeaçãodeum intérpretequalificadoantesdo iníciodo interrogatório. Seassuas consultas revelarem, por exemplo, que o intérprete é simplesmente um membro dacomunidade de expatriados que fala a língua do suspeito, não existe base para presumir a suacompetênciaparaatarefa.Assim,deverá:

è Conhecerointérpreteeassuascompetências:• Pergunte às autoridades policiais/intérprete sobre as qualificações e experiência

deste:qualificaçõesprofissionaisefiliações,duraçãodaexperiência,etc.• Verifique se o intérprete fala a mesma língua (e dialeto, se relevante) que a

solicitada pelo cliente ou algo semelhante (por exemplo, russo, ucraniano ecazaquesãolínguasrelacionadaserelativamentepróximas,masnãosãoiguais).

• Verifique quais são as línguas «A», «B» e «C» do intérprete.Muitos intérpretesutilizamestesistemapara identificaras línguasemque sãomais fluentes (AéamaisfluenteeCamenos).Coloqueaperguntaaointérprete;seelenãosouberdoquefala,anoteessainformação.

• Peça às autoridades policiais que expliquem o fundamento em que basearam aescolha deste intérprete (por exemplo, fluência na língua, membro dacomunidadedeexpatriadoslocal,recursoaeleemcasosanteriores,etc.).

è Assegurarquemantémumregistodosdadosrelativosaointérprete• Fazerassuasprópriasnotasdainformaçãoqueobteve.• Pediraointérpretequeassineeforneçacópiasdassuasacreditações.• Solicitarqueainformaçãosejaregistadanoautopolicial/registodedetenção(se

nãoexistir,peçaquesejaanotadanoiníciodointerrogatório).

è Exigirasubstituiçãodointérpretenãoqualificadoporumprofissional• Submeteràatençãodasautoridadespoliciaisqualquerdocumentaçãonacional

(diretrizes,etc.)eexplicarporquemotivoointérpretenãoacumpre.• Assegurarqueestaexigênciaéanotadanosregistospoliciais.• Seforrecusada,osmotivosdarecusasãoregistados.

Page 27: DIRETIVA RELATIVA À INTERPRETAÇÃO E TRADUÇÃO · determinados aspetos do processo penal através de um programa designado por «Roteiro».1 Embora estas medidas tenham a sua origem

26

É possível, ou mesmo provável, que esse pedido não seja acedido. Se as autoridades policiaisestiveremhabituadasarecorreraumdeterminadointérprete,ousesimplesmentenãoexistiroutrointérpretedisponível a nível local para prestar o serviçona língua emquestão.Namedida emquerecusarprosseguircomuminterrogatóriopodeatrasaroinquérito,oque,possivelmente,afetaráashipóteses de o cliente ser libertado nesta fase, terá de ter em conta as suas obrigaçõesdeontológicas/éticas para com o seu cliente. Contudo, o objetivo deve ser o de assegurar que ointerrogatórionãoocorrecominterpretaçãoinadequada;sefordecididoavançarmesmoassim,queraconselhe o cliente a permanecer em silêncio ou não, é essencial assegurar que a sua objeção éregistada.

b. Abordagemgeralaointerrogatório

i. Informaroclientedosproblemasdainterpretaçãosemprejuízodasregrasdeontológicas,poderáseraconselhávelnotificarosuspeitodequeexisteorisco de sermal entendido se falar durante demasiado tempo, o que poderá levar o intérprete aresumir e parafrasear. Parece irrepreensível, do pontode vista ético, assegurar queo cliente temumaoportunidadejustadesercorretamentecompreendido.Porisso:

ii. Conservaçãoderegistos

Os registos do interrogatório policial podem ser conservados de diferentes formas. Em algumasjurisdições, como no Reino Unido, os interrogatórios são sistematicamente gravados. Noutras, aprática consiste em compilar um registo do que foi dito durante o interrogatório e solicitar aosuspeito que o assine. É importante que assegure que é mantido o melhor registo possível dequaisquerproblemasrelacionadoscomainterpretação.Propomos:

Assegurar que existem elementos de prova produzidos na altura em que quaisquer problemassurgem durante o interrogatório será útil se, mais tarde, lhe for solicitado que fundamente umaalegaçãorelacionadacomonãocumprimentodadiretivaporpartedasautoridadespoliciais.

iii. Oqueprocurar–emgeral

Claro que os advogados não podem detetar «erros», a menos que falem as duas línguasfluentemente. Mas poderá ser possível identificar problemas e áreas de dúvida, que poderá,posteriormente,alegarquedevemser resolvidosa favordoseuclientenaausênciadeumregistopositivo(comoumagravação).

è Prepareocliente:• Informe-odequeévantajosonãofalardemasiadodepressaefazerpausasentre

frases para permitir ao intérprete interpretar cada frase. Isto irá reduzir apossibilidadedeerro.

• Istonãodeve,claro,serdetodoconfundidocomoseuconselhorelativamenteaquaisasperguntasaqueoclientedeveenãodeveresponder.

è Sugestõesdeconservaçãoderegistos:• Perguntesepodegravarointerrogatórionumdispositivoportátil.• Senãoforpermitido,solicitequearecusasejaanotadanoregistodo

interrogatório.• Tomeassuasprópriasnotasdeproblemasquesurjamduranteointerrogatório.• Solicitequeumacópiadestasnotassejaadicionadaaoprocesso,sepossível.

Page 28: DIRETIVA RELATIVA À INTERPRETAÇÃO E TRADUÇÃO · determinados aspetos do processo penal através de um programa designado por «Roteiro».1 Embora estas medidas tenham a sua origem

27

Aoprocurarproblemasrelacionadoscomaqualidadeda interpretação,éútil teremcontaanormaestabelecidapelon.º8doartigo2.ºdadiretiva («assegurando,designadamente,queosuspeitoouacusadotenhaconhecimentodasacusaçõeseprovascontraelededuzidasesejacapazdeexerceroseudireitodedefesa»).Asquestõeschaveparecemser,assim,seapessoaécapazdecompreenderasacusaçõesquelhesãoimputadaseseécapazdeexerceroseudireitodedefesa.Nocontextodointerrogatório prévio ao julgamento na esquadra de polícia, partindo do princípio de que não étomadaumadecisão de permanecer em silêncio, a consideração chave em termos de exercício dodireito de defesa é compreender o que está a ser perguntado e a capacidade de se explicar. Naverdade,comomencionadoanteriormente,ostandarddoTEDHreferequeosuspeitodevesercapazde«apresentarasuaversãodosacontecimentos».Assim:

iv. Oqueprocurar–problemasespecíficosAmedidaemqueestanormaécumpridadependerádeumconjuntodeaspetosconcretosepráticosdainterpretaçãofacultadanodia.Ostítulosseguintesabrangemalgumasáreaschavequesãomaissuscetíveisdecriarproblemasdeinterpretação.

§ Perguntasdecontrolo

Éumaboapráticaqueointerrogadorcoloque,atravésdointérprete,umconjuntodeperguntasnoiníciodointerrogatórioparadeterminarseapessoaécapazdecompreenderoqueédito.

§ Declaraçõesincriminatórias

Afunçãodainterpretaçãoéadeconverterparaalínguadedestinoasdeclaraçõesproferidaspelosuspeito.Seistonãoforfeitocorretamente,umarespostaexculpatóriapodesermalentendidaeserregistadacomoumadeclaraçãoincriminatória.

Por exemplo, se um suspeito disser que «entrou em pânico» e bateu em alguém e isto forinterpretadocomosetivesseditoque«perdeuacabeça»ebateuemalguém,ainterpretaçãoseriaimprecisa. A primeira declaração é essencialmente exculpatória, sugerindo legítima defesa, e aúltimaéessencialmente incriminatória, sugerindouma reaçãoviolenta.Ou, seo suspeitodeclararqueumamigo lhe entregoudinheiroparaquepudesse comprar drogapara ambos, issopode serincorretamente interpretado como se o suspeito tivesse comprado uma quantidade total com aintençãodevendermetadeaoamigo.Aprimeiradeclaraçãoimplicariapossededrogas,enquantoaúltimapoderia ser interpretada como sugerindo a intençãode comercializar drogas, uma infraçãomuitomaisgrave.

è Tenhaestasperguntasemconsideração:• Osuspeitoécapazdecompreenderexatamenteoquelheestáaserperguntado?• Osuspeitoécapazdeapresentarasuaversãodosacontecimentosdeforma

precisa?• Existeumriscodeiniquidadedevidoàinterpretação?

è Anoteasperguntasdecontroloeasrespostas.è Senãoforemcolocadasperguntasdecontrolo,sugiraqueestassejamcolocadas.

è Clarifiquedeclaraçõesambíguasouincriminatórias.è Ointérpreteutilizouumatraduçãoouexpressãoliteral?è Quaisforamaspalavrasexatastraduzidas?

Page 29: DIRETIVA RELATIVA À INTERPRETAÇÃO E TRADUÇÃO · determinados aspetos do processo penal através de um programa designado por «Roteiro».1 Embora estas medidas tenham a sua origem

28

§ Problemasdainterpretaçãoconsecutiva

Époucoprovávelquea interpretaçãonaesquadradepolícia seja«simultânea», jáque raramenteexiste equipamentodisponível. Émais provável que cadapergunta seja colocadae traduzidapelointérprete ao suspeito. As respostas do suspeito serão então traduzidas pelo intérprete para oinvestigador.Esteprocessoéconhecidopor«interpretaçãoconsecutiva»

Existemdiferentestécnicas:porvezes,umintérpreteaguardaqueapessoaqueestáafalardêparteda resposta, pede-lhe para aguardar, traduz essa parte e deixa-a, então, prosseguir, repetindoconstantementeoprocesso.Emalternativa,ointérpretepodetomarnotadoqueestáaserditopelapessoae,emseguida,recontarodepoimentoaquemestáaouvir.

Os intérpretesprofissionais têm formaçãoparaapresentar fielmentena línguadedestinooqueapessoadiz,semsintetizararespostanassuasprópriaspalavras.Contudo,estaéumacompetênciadifícil e, como os nossos especialistas transmitiram à Fair Trials,muitas das pessoas que prestamserviços de interpretação em esquadras de polícia da UE não são intérpretes profissionaisqualificados.

Alémdisso,enquantoosagentesdapolíciapodemreceberformaçãoemtécnicasdeinterrogatórioecolocar perguntas claras e focadas, o suspeito, que pode estar numa esquadra de polícia pelaprimeira vez, pode sentir-se nervoso e assustado. Existe a possibilidade de que as suas respostassejam confusas, prolixas ou mal articuladas, o que pode constituir um desafio mesmo para ointérpretejurídicomaisexperiente.

Assim,existeapossibilidadedeumintérpretetransmitiressencialmenteoseupróprioentendimentodoque foi dito pelo suspeito, explicando ao investigador o queo suspeito disse. Claramente, istoperturbaacapacidadedosuspeitodeapresentara«suaversãodosacontecimentos».

§ Léxico

Emalguns contextos, o interrogatório policial pode estar relacionado comáreas de especializaçãoprofissional, científica ou técnica. Claramente, neste contexto, a capacidade do intérprete decompreender os termos utilizados pela pessoa que está a falar dependerá, em primeiro lugar, daextensãodoseuvocabulárioemambasaslínguas.Mesmoemcontextosdenegóciosrelativamentesimples, termoscomo«rendimento»e«receita»podemresultaremdeclaraçõesmaisoumesmosincriminatórias dependendo da forma como forem traduzidos. Contudo, mesmo em contextossimples, se o intérprete não tiver competências suficientes, poderá ter dificuldade com algunstermosbásicos.

è Senãoconsiderarpotencialmenteprejudicialparaos interessesdoseucliente, considerecolocar (ou solicitar às autoridades policiais que coloquem) ao suspeitomais perguntasparaclarificarpotenciaisambiguidadesduranteointerrogatório.

è Emalternativa,peçaumaoportunidadedeconsultaroregistodointerrogatório,depoisdedigitado,emprivadocomoseucliente,antesdeesteoassinar.Issopoderá,claro,terdeserfeitocomomesmointérprete.

è Sinalizefalhasaparentesdeumainterpretaçãofiel:• Indiquequandoaduraçãodafraseinterpretadadivergirsignificativamentedaduração

dafrasedapessoa.• Seouvirumapalavrarepetidaváriasvezespeloclienteduranteumafraseenãoa

ouviromesmonúmerodevezesnainterpretação,salienteessasituação.

Page 30: DIRETIVA RELATIVA À INTERPRETAÇÃO E TRADUÇÃO · determinados aspetos do processo penal através de um programa designado por «Roteiro».1 Embora estas medidas tenham a sua origem

29

§ Interpretaçãonaprimeirapessoa

Umintérpreteque interpretefielmenteutilizaráaformaadotadapelapessoaqueestáafalar.Porconseguinte,o intérpretedeve,numinterrogatóriopolicial, respondernaprimeirapessoa,dizendo«Nuncaviestapessoaantes»,enão«ele/eladizquenuncaviuestapessoaantes».

§ Ointérpreteque«aconselha»ocliente

Os advogados referem ocasionalmente que os intérpretes conversam com os clientes duranteinterrogatórios, tantoparaesclarecerassuasdeclarações,comoparaaconselhá-losquantoaoquedizer. Claramente, se isto acontecer, suscita um problema sobre se a informação registada éverdadeiramenteaquefoifornecidapelosuspeito.

c. Queixasobreaqualidadedainterpretação

Se, por qualquer motivo, não estiver satisfeito com a qualidade da interpretação fornecida pelointérprete,terádeapresentarqueixasobreafracaqualidadedamesma.Lembre-sedequeon.º5do artigo 2.º estabelece que os suspeitos devem ter a «possibilidade de apresentar queixa»relativamenteàqualidade.

i. Duranteointerrogatório

Terá de ter identificado antes se existe algum regime jurídico estabelecido para permitir aapresentaçãodeumaqueixanodecursodasinvestigaçõespoliciais.Contudo,seesserecursoestiverdisponível, deverá apresentar uma queixa diretamente junto do agente responsável pelointerrogatóriooudeumsuperiorhierárquico.Porisso:

ii. Apósointerrogatório:

Temde«apresentarqueixa»àautoridadecompetentedesignadaparaoefeitonaleinacional.Nãoserá necessariamente o tribunal de instância criminal. Contudo, é importante recorrer a todos oscanais disponíveis. Deste modo, poderá assegurar que é prestado um melhor serviço numinterrogatório posterior, se ocorrer. Além disso, a não apresentação de queixa neste momentopoderáexcluirapossibilidadedesuscitarargumentosmaistarde,istoé,aosolicitaraotribunalquedesconsidere/anuleointerrogatório.

è Procuresinaisdequeointérpretenãoconheceaspalavrasqueestãoaserusadas.• Ointérpreteestáafazerpausaslongasparatraduzirdeumaformaoudeoutra?• Ointérpreteestáapediraosuspeitoqueclarifiqueoqueestáadizer?• Quaisasreaçõesdosuspeitoàinterpretação?

è Salienteàsautoridadespoliciais,ecertifique-sedequeétomadanota,seointérpreteestiverausaraterceirapessoaemvezdaprimeira.

è Peçaaointérpretequeclarifiqueasconversasqueestáatercomocliente.è Tomenota.

è Tomemedidas• Informeoagenteresponsávelpelointerrogatóriodassuaspreocupaçõescomainterpretação.• Solicitequeointérpretesejasubstituído.• Assegure-sedequeaqueixaéregistada.• Peçaparaqueointerrogatóriorecomecedoiníciocomumnovointérprete,sendoo

interrogatórioanteriorignorado.

Page 31: DIRETIVA RELATIVA À INTERPRETAÇÃO E TRADUÇÃO · determinados aspetos do processo penal através de um programa designado por «Roteiro».1 Embora estas medidas tenham a sua origem

30

O resultado da queixa pode ser um elemento de prova importante. Se, por exemplo, o único canaldisponível para apresentar a queixa for o serviçode interpretação,mas este concordar quehouveumproblema e assegurar que é nomeado outro intérprete posteriormente, isso será importante paramostrar que a interpretação foi inadequada quando apresentar em tribunal a forma como pensa quedevemsertidasemconsideraçãoasprovas.

3. Alegaçõesemtribunal

a. Odeverdotribunaldeassegurarinterpretaçãoadequada

Comovimosnadescriçãogeraldadiretiva,odireitoa interpretaçãoadequadaaplica-se igualmenteemtribunal.Éextremamenteclaroqueo tribunal temdeassegurarquea interpretaçãonos seusprópriostrâmites é de qualidade suficiente para salvaguardar a equidade do processo. Todas as sugestõesefetuadas em relação à esquadra de polícia são igualmente aplicáveis: esteja atento à qualidade dainterpretaçãoeprocureasubstituiçãodointérpretesemprequepossível.

b. Odeverdotribunalnoquerespeitaaumainterpretaçãoinadequadanaesquadradepolícia:«Controlar»quando«alertado»

Aquestãomaisimportanteaquiéoqueostribunais,incluindootribunaldejulgamento,têmdefazeremrelação a problemas relacionados com a inadequação da interpretação durante a fase prévia aojulgamento.Adiretivanãoabordaestaquestãoexplicitamente.Odireitoprevistonadiretivaéumdireitoainterpretação«adequada»easuafinalidade,comovimos,éade«garantiraequidadedoprocesso».

Logicamente,seforfacultadainterpretaçãoinadequadanaesquadradepolícia,masoregistoresultantefor,aindaassim,utilizadoparacondenarapessoa,ederorigemainiquidade,oobjetivonãoécumprido.Daquiseconcluique,seocorrerumaviolação,otribunaltemdeproporcionarreparação[consulteokitde ferramentas«UsingEULaw inPractice» (UtilizarodireitodaUEnaprática)].Os tribunaisnacionaispodemjáterodever,aoabrigodaleinacional,deteremcontaproblemascomainterpretaçãoduranteointerrogatórioaoavaliarasprovasouaoconsiderarpedidosdenulidade.

Contudo,háindiscutivelmenteumprincípiocorretivoinerenteàdiretiva.Talcomomencionadoacima,adiretivavisafacilitaraaplicaçãododireitoaassistêncialinguísticaemergentedajurisprudênciadoTEDHedeveserimplementadaeaplicadadeformacoerentecomestaúltima.Ajurisprudênciaapontaparaumaabordagemsegundoaqualos tribunais têmde«controlar»quando«alertados»paraumproblemadeinterpretação.

iii. Oprincípioembrionáriodo«controloretroativo»nocasoDialloc.SuéciaComo vimos antes, o caso Diallo c. Suécia foi o caso que estabeleceu o direito a um intérprete naesquadradepolícia.AsautoridadesaduaneirasdaSuéciadetiveramumacidadãfrancesa,quenãofalavasueco,porimportaçãodeheroína.Foiinicialmenterealizadouminterrogatóriosemumintérprete,comafuncionária aduaneira («AS») a conduzir o diálogo em francês. A suspeita declarouque as embalagensque se encontravam em sua posse continham uma substância para lavar dinheiro. Foi realizado um

è Identifiqueaautoridadecompetenteaquemapresentaraqueixa.• Disponibilizeumacópiadosregistosquerealizou.• Identifiqueosproblemasespecíficosqueolevamaacreditarqueexistemproblemas

dequalidade.• Expliqueporquemotivoacreditaqueestesvãodarorigemainiquidade.Porexemplo,

seacreditaqueoclientenãoconseguiuapresentarasuaversãodosacontecimentosounãocompreendeuintegralmenteasperguntasquelheforamcolocadas,diga-o.

Page 32: DIRETIVA RELATIVA À INTERPRETAÇÃO E TRADUÇÃO · determinados aspetos do processo penal através de um programa designado por «Roteiro».1 Embora estas medidas tenham a sua origem

31

interrogatórioposterior,destavez comum intérpreteautorizadoaprestarassistênciapor telefone,noqualadeclaração foi repetida.Em interrogatóriosposterioreseno tribunal, a suspeita referiuquenãosabiaoqueospacotescontinham.Otribunalderecursobaseou-senesta incoerênciaparaconcluirqueela não era credível. Ao fazê-lo, referiu que a interrogadora falante de francês tinha colocado váriasperguntasdecontroloequenãoexistiaqualquerpossibilidadedeterentendidomaladeclaraçãoinicial.OTEDHdeclarou:

EstaéaúnicadecisãodoTEDHquesugereexplicitamenteque«controlaraadequaçãodainterpretação»,comomencionadonocasoHaciogluc.Roménia(citadoacima)enoconsiderando24dadiretiva,significaqueumtribunalquedecidasobreoméritodocaso,quetenhasidoalertadoparaavaliaraqualidadedainterpretaçãodisponibilizadanafasepréviaaojulgamento,deveteremconsideração,retroativamente,aadequação da interpretação (parágrafo 29,Diallo) ao avaliar as provas. O caso conceto foi declaradoinadmissível,masestaargumentaçãojurídicaéassinalável.

iv. EstabelecerumaobrigaçãodecontroloretroativoaoabrigodadiretivaComoreferidonokitde ferramentas«UsingEULaw inPractice» (UtilizarodireitodaUEnaprática),ofacto de a diretiva ser omissa quanto à questão das consequências da violação não constitui o fimdaanálise. A interpretação na esquadra de polícia é regida pelo direito da UE, pelo que esta questão seencontranoâmbitododireitodaUE,que implicaaaplicabilidadededireitos fundamentais garantidospelaCarta.Estes incluemdireitosdedefesaprotegidospeloartigo48.ºdaCarta,combasenon.º3doartigo 6.º da CEDH, e devem ser interpretados em conformidade. A indicação preliminarmas clara najurisprudênciadoTEDHéquetemdeserexercidocontroloretroativopelotribunaldejulgamentoparaverificar a fiabilidade das provas antes de estas poderem ser tidas em consideração. Deste modo, oargumentoquepropomoséoseguinte:

32Dialloc.Suécia,citadoacima,nota12,parágrafos23,29-31.

23. (...)aobrigaçãodasautoridadescompetentesnãoestá limitadaàdesignaçãodeumintérpretemas, se forem formalmente requeridas nas circunstâncias específicas, poderátambémestender-seaum graude controlo subsequente relativamenteàadequaçãodainterpretaçãofornecida.

(...)29. O tribunal conclui ainda que o tribunal de recurso exerceu um grau de controlosuficientedaadequaçãodascompetênciasdeinterpretaçãodaAS.

30. Alémdisso,otribunalobservaqueadeclaraçãocontestadadarecorrente«dequeasembalagenscontinhamumprodutoparalavardinheiro»estavalongedeseraúnicaprovanoprocessopenalcontraestaequenãohánadaqueindiquequefoidecisivanoresultadodoprocesso.

31. Nestas circunstâncias, o tribunal considera que a recorrente recebeu assistêncialinguística suficiente durante o primeiro interrogatório com as autoridades aduaneirassuecas.32

è Argumente: A decisão no caso Diallo c. Suécia demonstra que, para «controlar aadequação da interpretação», conforme exigido pelo considerando 24 da diretiva epelaCarta,otribunaldejulgamentotemde,aochegaraumadecisãosobreomérito,considerar a qualidade da interpretação disponibilizada durante o interrogatóriopolicial.Emconformidade,estaabordagemdeveserigualmenteseguidanoâmbitodadiretiva.

Page 33: DIRETIVA RELATIVA À INTERPRETAÇÃO E TRADUÇÃO · determinados aspetos do processo penal através de um programa designado por «Roteiro».1 Embora estas medidas tenham a sua origem

32

Claroque,seseconcluirquehouveumaviolaçãodorequisitodaqualidade,otribunaltemdefazertudoquantocoubernasuacompetênciaparacorrigiroproblema(desconsiderarasprovas,atribuir-lhemenosounenhumpesooudeclararointerrogatórioinválidoemvirtudedonãocumprimentodadiretiva).

c. Argumentosdeenquadramento

i. UtilizarassuasnotasdaesquadradepolíciaSe convencer o tribunal de que existe uma obrigação de ter em consideração falhas anteriores noprocesso ao considerar as provas obtidas através de um intérprete durante o interrogatório policial,todasasprovasquetiverobtidonaesquadradepolícia(registos,etc.)tornar-se-ãorelevantes.

Isso será particularmente útil se, como parece ser possível, o Estado-Membro não tiver instituído umsistemaquepermitaverificarse,numprocessoespecífico,aqualidadedainterpretaçãofoisatisfatória.

ii. Argumentecombasenanãotomadade«medidasconcretas»

Vimos anteriormente que o n.º 1 do artigo 5.º exige que os Estados-Membros tomem «medidasconcretas»paraassegurarumainterpretaçãoadequada.IstoparecedeixaraosEstados-Membrosampladiscricionariedaderelativamenteaoquefazer.Contudo,exigequefaçamalgo.Valeapenarelembrarqueorequisitodequalidadeconstantedon.º8doartigo2.ºdizqueainterpretaçãodeveserde«qualidadesuficiente para garantir a equidade do processo». Claramente, «o processo» só pode referir-se a umdeterminadoprocessoemqueéfornecida interpretação.Por isso,mesmoquesejamtomadasmedidasgerais (por exemplo, estabelecer condições de acesso para a profissão de intérprete), deverá tambémexistiralgoquegarantaaqualidadeemprocessosespecíficos(quepodeincluir,emparticular,gravaçõesaudiovisuais de interrogatórios). Pode argumentar com base na não tomada dessas medidas. Essefundamentodeveráter forçaparticularse,comoexplicadoacima,oseuargumento forsustentadopormaterialquedemonstrequeascoisasnãocorrerambemcomainterpretaçãonaesquadradepolícia.

iii. StandardsdiferentesemesquadrasdepolíciaenotribunalAdiretiva,comoreferidoacima,prevêumúnicodireitoàinterpretaçãoadequadaqueseaplicaemtodooprocessopenal,desdeointerrogatóriopolicialatéaosrecursosfinais.Emalgunspaíses,asinstituiçõescom intervenção na fase prévia ao julgamento e os tribunais utilizam todos osmesmos serviços,mas,com base na informação de que dispomos, alguns países dispõem de sistemas diferentes para asautoridades policiais e para os tribunais. É habitualmente transmitido que o sistema na esquadra depolíciaémuitomaisinformalecommenosgarantiasdequalidade.Seforesteocasonoseupaís,podetentarchamaraatençãoparaadistinção.

è Forneçaasprovas/notasquerecolheunaesquadradepolícia,explicandodequeformaestasdemonstramumincumprimentodorequisitodequalidadedadiretiva.

è Argumente:quando é suscitado umproblema relativoà interpretação,deve ser tidaem consideração a medida em que o Estado-Membro tomou «medidas concretas»paraassegurarquea interpretaçãocumpreanormaexigida.Anãoexistênciadeumsistema capazdeassegurar a adequação da interpretaçãonos processosespecíficosem questão significa que não existe garantia da adequação da interpretação. Otribunaldeveteristoemcontaaodecidir.

Page 34: DIRETIVA RELATIVA À INTERPRETAÇÃO E TRADUÇÃO · determinados aspetos do processo penal através de um programa designado por «Roteiro».1 Embora estas medidas tenham a sua origem

33

Assim,poderáconseguirpersuadirotribunaldequedevetomarmedidascorretivasnoquerespeitaaos procedimentos policiais, com base no facto de não terem a mesma qualidade que ainterpretaçãofornecidaperanteostribunais,oqueconstituiumaviolaçãodadiretiva.

è Argumente:asdiferençasentreossistemasdeinterpretaçãonaesquadradepolíciaenostribunaissignificamqueanormadequalidadenãoécumpridaaonívelpolicial,referindo:

• Alegislaçãoqueregecadasistema(ouaausênciadelegislaçãoespecífica,seforesseocaso);

• Asdiferentesestruturasdosdoissistemas(organismosprofissionais,sistemasdisciplinaresedecontrolodaqualidade,etc.);

• Asnormasdeacessoacadasistema,emtermosdequalificaçõesprofissionais.

Page 35: DIRETIVA RELATIVA À INTERPRETAÇÃO E TRADUÇÃO · determinados aspetos do processo penal através de um programa designado por «Roteiro».1 Embora estas medidas tenham a sua origem

34

III–OPROBLEMADA«TERCEIRALÍNGUA»A. OPROBLEMA

Nestasecção,propomosumabreveanálisedoproblemaqueenvolveadisponibilizaçãodeinterpretaçãonuma língua que não a língua nativa do suspeito (uma «terceira língua»). A título de exemplo, osadvogadosreferemqueédisponibilizadatraduçãoemrussoacidadãoscazaques.Istocausaosmesmosproblemas que a interpretação de fraca qualidade: possíveismal-entendidos, que podem prejudicar aimparcialidadedoprocesso.

B. ABASEDACEDH

Até à data, esteproblemaaindanão foi consideradoempormenorpelo TEDH.NoprocessopendenteVizgirdac.Eslovénia,33foifornecidaaumcidadãolituanointerpretaçãoemrusso,quenãoéasualínguamaterna.AFairTrialsinterveio34noprocessoparaassinalarosseguintesaspetos:

• Aposiçãodeumsuspeitoouacusadoquerecebeinterpretaçãonumalínguaquenãoéasualínguanativa é comparável à posição de um suspeito que fala a língua do foro num nível baixo comosegundalíngua.

• Assim, todos os fatores normalmente relevantes para determinar se alguém necessita deinterpretação são relevantes para efeitos dedeterminar se a interpretaçãonuma terceira língua éumasoluçãoadequada:apessoatemosconhecimentoslinguísticosnecessáriosnessalíngua,tendoemcontaagravidadedainfração,paraqueissosejaumasolução?

• A disponibilização de interpretação numa terceira língua deve automaticamente implicar que «asautoridadesforamalertadas»,espoletandoasuaobrigaçãode«exercercontrolosubsequente».Istoimplica tomar medidas para verificar a qualidade da interpretação ou medidas retroativas paraverificarafiabilidadedequaisquerdeclaraçõesobtidasnoiníciodoprocesso.

C. DISPOSIÇÕESRELEVANTESDADIRETIVA

Apenasumadisposiçãodadiretiva,oconsiderando22,fazmençãoaesteponto:

D. UTILIZARADIRETIVANAPRÁTICA

Incentivamo-loatrataradisponibilizaçãodeinterpretaçãonumaterceiralínguacomoomesmoquenãodisponibilizarqualquerinterpretaçãoaalguémquenãofalealínguadoforocomoprimeira

33Vizgirdac.Eslovénia,proc.n.º59868/08,comunicadoem16dejunhode2014.34Leiaaintervençãoaqui.

«Ainterpretaçãoea traduçãoprevistasnapresentediretivadeverãoserdisponibilizadasna línguamaternado suspeitoouacusadoouemqualqueroutra línguaqueele faleoucompreenda,afimdelhepermitirexercerplenamenteoseudireitodedefesaeafimdegarantiraequidadedoprocesso.»

Page 36: DIRETIVA RELATIVA À INTERPRETAÇÃO E TRADUÇÃO · determinados aspetos do processo penal através de um programa designado por «Roteiro».1 Embora estas medidas tenham a sua origem

35

língua.Emconformidade,tudooquefoiditonocontextodasPartesIeIIacimaéaplicável,mutatismutandis,àdisponibilizaçãodeassistêncialinguísticanumaterceiralíngua.

1. Contestarumadecisãodedisponibilizarinterpretaçãonumaterceiralíngua

2. Contestarumainterpretaçãoinadequada

a. Nointerrogatórioinicial

a. Peranteotribunal

35Brozicekc.Itália,citadoacima,nota15.

è ConsulteaintervençãodaFairTrialsnocasoVizgirdac.EslovéniaeaParteIacima.è Tenteperceber(mesmoutilizandoumdispositivomóvel)seaslínguassãosemelhantes

eemquemedida,porexemplo,partilhamomesmoalfabeto?è Explique,nomomentoemqueaavaliaçãoestáaserefetuadaeadecisãotomada,que:• A línguanativadosuspeitonãoéa línguade interpretaçãopropostaequedeveser

realizada uma avaliação da medida na qual o suspeito é capaz de compreenderperguntas e responder às mesmas na terceira língua proposta, com referência aosfactosespecíficosdocaso.Expliqueque,emlinhacomoacórdãodoTEDHnoprocessoBrozicek c. Itália35, cabe às autoridades determinar se o suspeito fala a línguafluentementeparasercapazdeusarestaterceiralíngua.

• O uso desta terceira língua obrigará o suspeito a comunicar através de meiosimperfeitos, o que prejudicará a sua capacidade de se expressar claramente emquestõesessenciais.Assegure-sedequeestaobjeçãoéanotada/tomeassuasprópriasnotas.

è ConsulteaParteIIacima.Sãorelevantesasmesmasconsiderações.è Além disso, peça ao seu cliente, através do intérprete, que o informe caso tenha

qualquer tipo de dificuldade em comunicar com o intérprete devido à utilização daterceira língua. Um intérprete profissional não deverá ter qualquer problema comisso.Tomenota.

è Tomenotadequaisquerpalavras-chavequesurjamduranteo interrogatórioeutilizedepois o Google tradutor para compará-las nas diferentes línguas, caso consigaidentificarquaisquerdiferençasespecíficas.

è ConsulteaintervençãodaFairTrialsnoprocessoVizgirdac.EslovéniaeaParteIIacima.è Argumente:Oconsiderando22dadiretivarefleteopressupostodesensocomumdeque

ainterpretaçãodeveserdisponibilizadanalínguanativadosuspeitoouacusado.Seissonão for feito, asautoridades têmdeterocuidadode controlar aqualidade.A falhanocontrolo causou prejuízo (referindo exemplos de aspetos específicos que parecem nãocorrer bem no interrogatório devido ao recurso à terceira língua, baseando-se emquaisquernotasquetenhatomado).Destemodo,otribunalterádeterespecialcuidadoao considerar este elemento de prova e, demodo a garantir a equidade do processo,deverá recusar basear-se no mesmo, salvo se puder ser demonstrado (por exemplo,atravésdaanálisedegravações)queainterpretaçãopermitiuintegralmenteaosuspeitodefender-se.

Page 37: DIRETIVA RELATIVA À INTERPRETAÇÃO E TRADUÇÃO · determinados aspetos do processo penal através de um programa designado por «Roteiro».1 Embora estas medidas tenham a sua origem

36

IV–TRADUÇÃODEDOCUMENTOSESSENCIAISA. OPROBLEMA

Umsuspeitoouacusado temdeconhecerasacusaçõesque lhe são imputadasparapoderexercerosseusdireitosdedefesa.Umapessoaprivadadasualiberdadetemdeserinformadanomaiscurtoprazodosmotivos da sua detenção, para que a possa contestar. Se o suspeito ou acusado não conhecer alíngua falada no país em questão, tem de ser informado na sua própria língua. Fora das fasesespecificamenteoraisdoprocessopenal,taiscomoointerrogatóriopolicialeasaudiênciasemtribunal,ainformaçãoteráfrequentementeaformadeumdocumento,quenecessitadesertraduzido.

Naprática,osmembrosdoLEAPtransmitiram-nosumconjuntodeproblemasrelativamenteaoacessoadocumentostraduzidosnoprocessopenal.Emalgunspaíses:

- Sãodisponibilizadastraduçõesapenasdeumalistalimitadadedocumentose,muitasvezes,nãoexistequalquerdireitoderecorrerquantoaestaquestãooudesolicitardocumentosadicionais;e

- Écomumseremdisponibilizadastraduçõesorais,enãoescritas,especialmenteseoarguidotiveradvogado(esteproblemafoireportadoemmuitospaíses).

Nãohádúvidadequeumatraduçãoescritaserá,normalmente,maisútilparaosuspeitoouacusadodoqueumaexplicaçãooraldeumdocumentoescritocomo,porexemplo,umapronúncia,umasentençaouuma decisão de detenção. Ter uma versão escrita do documento permite ao suspeito ou acusado

examiná-laaoseu ritmo,oqueoajudaráapreparara suadefesa.36Paraumapessoadetida, terumadecisão escrita permitir-lhe-á compreender osmotivos da detenção e responder aosmesmos, o que,muitasvezes,terádefazersemaassistênciadeumadvogado.

Contudo, os problemas descritos acima correspondem a áreas de flexibilidade na jurisprudência doTEDH, que reconhece que (i) não existe um direito geral à tradução de todos os documentos de umprocesso,37e(ii)a«tradução»nãotemdesernecessariamenteemformatoescrito,sendoaassistêncialinguísticaoralconsideradasatisfatória.38Comoveremosabaixo,adiretivaestabeleceumdireitoclaroàtradução de documentos «essenciais», especificando determinados documentos em particular edeixandoaolivrearbítriodosEstados-Membrosaavaliaçãodequaisosoutrosdocumentosquetêmdeser traduzidos caso a caso. Contudo, tal como a jurisprudência do TEDH, reconhece que os Estados-Membros podem disponibilizar, em alternativa, uma tradução oral ou um resumo. Em seguida,consideramos formas através das quais a diretiva pode ser utilizada para contestar os problemasreferidosacima.

B. ABASEDACEDH

A jurisprudência do TEDH relativa a tradução não é particularmente útil. A diretiva irá abrir novoscaminhos, com a sua definição de «documentos essenciais» e disposiçõesmais claras sobre resumosorais e traduções parciais a proporcionar um enquadramento normativo mais prescritivo. Contudo,analisamos os princípios básicos no que respeita à jurisprudência do TEDH, uma vez que estes nosajudamacompreenderasderrogaçõesdadiretiva.

36Consulteeventualmente,aesterespeito,oparágrafo79docasoKamasinskic.Áustria,citadoacima,nota27,parágrafo79(abordadoabaixo).37CasoHermic.Itália,citadoacima,nota17,parágrafo70.38CasoHusainc.Itália,proc.n.º18913/03(acórdãode24defevereirode2005);casoHermic.Itália,citadoacima,nota17,parágrafo70;CasoHaciogluc.Roménia,citadoacima,nota10,parágrafo88.

Page 38: DIRETIVA RELATIVA À INTERPRETAÇÃO E TRADUÇÃO · determinados aspetos do processo penal através de um programa designado por «Roteiro».1 Embora estas medidas tenham a sua origem

37

Opontodepartidaéqueaalíneae)don.º3doartigo6.º,queserefereàassistênciadeum«intérprete»,tem sido interpretada comoabrangendo traduções escritas,mas apenasnumâmbito limitado.O TEDHdeclaraque:

OTEDHtem,contudo,reconhecidoqueépreferívelumatraduçãoescrita:

Para alémdisso, no entanto, pouco se poderá retirar da jurisprudência do TEDH sobre este tema. Asdisposiçõesdadiretivasãomaisprescritivaseproporcionamumabasemaissólidaparaobtertraduçõesescritas.

C. DISPOSIÇÕESRELEVANTESDADIRETIVA

1. Odireitoàtraduçãodedocumentosessenciais

a. Odireitogeral

Odireitoàtraduçãodedocumentosessenciaisestáprevistonon.º1doartigo3.º,queprevê:

Devemossublinhardoisaspetosacercadestadisposiçãogeral:• Esta disposição estabelece uma regra geral a favor da tradução escrita. Foi referido, numa

conferência organizada pela EULITA, que o termo francês «traduction» já significa uma traduçãoescrita e a diretiva especificou, ainda assim, uma «traduction écrite», aparentemente numdeliberadoesforçodesuperabundância.Estaênfasenosdocumentosescritosé,porsisó,maisfortedoqueasugestãopreliminar,na jurisprudênciadoTEDH,dequeas traduçõesescritaspodemsernecessárias.

39CasoHermic.Itália,proc.n.º18114/02(acórdãode18deoutubrode2006),par.70.40Kamasinskic.Áustria,citadoacima,nota27,par.7

«[Aalíneae)don.º3doartigo6.º]determinaquecadaarguidotemdireitoaassistênciagratuitadeumintérprete.Essedireitoaplica-senãosóàsdeclaraçõesoraisproduzidasnaaudiência de julgamento, mas também a material documental e aos procedimentosprévios ao julgamento. Isto significa que um acusado que não compreenda nem fale alíngua utilizada em tribunal tem direito a assistência gratuita de um intérprete paratraduçãoouinterpretaçãodetodososdocumentosoudeclaraçõesnoprocessointentadocontrasiquesejamnecessáriosparaqueesteoscompreendaouospossaapresentarnalínguadotribunal,demodoapoderbeneficiardeumjulgamentoimparcial(…)Contudo,[aalínea e) do n.º 3do artigo6.º] não vai tão longe comoexigir uma tradução escritadetodasasprovasdocumentaisoudocumentosoficiaisnoprocesso.Aesserespeito,deveránotar-sequeo textodasdisposições relevantes serefereaum«intérprete», enãoaum«tradutor». Isto sugere que a assistência linguística oral poderá ser suficiente parasatisfazerosrequisitosdaConvenção»39

«[um]arguidonãofluentenalínguadotribunalpode,defacto,sercolocadoemsituaçãodedesvantagemsenãolheforfacultadaumatraduçãoescritadapronúncianumalínguaquecompreenda»40

«1. Os Estados-Membros asseguram que aos suspeitos ou acusados que nãocompreendema línguadoprocessopenalemcausaseja facultada,num lapsodetemporazoável, uma tradução escrita de todos os documentos essenciais à salvaguarda dapossibilidadedeexerceremoseudireitodedefesaeàgarantiadaequidadedoprocesso(ênfasenossa).»

Page 39: DIRETIVA RELATIVA À INTERPRETAÇÃO E TRADUÇÃO · determinados aspetos do processo penal através de um programa designado por «Roteiro».1 Embora estas medidas tenham a sua origem

38

• Entendemos que a diretiva apenas regulamenta a tradução de documentos aos quais a defesa játenha «acesso», inicialmente, na língua original. Relativamente à obtenção de acesso aosdocumentos,consulteonossokitdeferramentassobreadiretiva2012/13/UE.

b. Documentosquesãosempreessenciais/outrosdocumentosOArtigo3.ºprossegue,descrevendoalgunsdocumentosquesãosempreconsideradosessenciais,sendoasautoridadesobrigadasaidentificaraexistênciadeoutrosdocumentosessenciais:

Asnossasobservaçõesacercadestasdisposiçõessãoasseguintes:• A referência no n.º 3 do artigo 3.º a «em cada caso» confirma que a questão de saber se um

documento é essencial depende das especificidades do caso. Não é possível determinar se umdeterminadoelementodeprova(porexemplo,asdeclaraçõesdeumatestemunha)serásemprenãoessencial.

• A definição de um documento essencial, para efeitos de alegação de que um documento emparticulardevasertraduzidonumcasoespecífico,estáprevistanon.º1doartigo3.º,quedeterminaserem«todososdocumentosessenciaisàsalvaguardadapossibilidadedeexerceremoseudireitodedefesaeàgarantiadaequidadedoprocesso».

2. TraduçãoparcialOn.º4doartigo3.ºdadiretivaprevê:

Asnossasconsideraçõessobreestadisposiçãosãoasseguintes:• Algumaspartesdeumatraduçãopodemseromitidas,casonãosejamconsideradas«relevantes».A

referência a «acusações e provas contra» o suspeito ou acusado sugere que a disposição poderáreferir-seàtraduçãodaspartesincriminatóriasdodocumento.

• Contudo,outraspartesdeumdocumentopoderãoser relevantesparasalvaguardaraequidadedoprocesso.Porexemplo,outraspartesdeumadeclaraçãodetestemunhapoderãorevelarfalsidadesqueosuspeitopoderiaidentificarcasotivesseumatraduçãonasuaposse.Oadvogadopodeassumira responsabilidade de rever outras partes do documento, mas pode também não saber, sem aassistênciadocliente,sedeterminadaspassagenssãorelevantes.

• Assim, embora isso não seja expresso como uma «exceção», sugerimos que a aplicação destadisposição seja abordada com precaução, uma vez que limita a capacidade do suspeito de sefamiliarizarcomumdocumentoconsideradoessencialaoexercíciodoseudireitodedefesa.

2. Documentos essenciais devem incluir qualquer decisão queimponhaumamedidaprivativadeliberdade,qualqueracusaçãooupronúnciaouqualquersentença.

3. As autoridades competentes devem decidir, em cada caso,sequalqueroutrodocumentoéessencial.Ossuspeitosouacusadospodemapresentarumpedidofundamentadoparaesseefeito.

«4. Não têm de ser traduzidas as passagens de documentos essenciais que não sejamrelevantes para que o suspeito ou acusado conheça as acusações e provas contra elededuzidas.»

Page 40: DIRETIVA RELATIVA À INTERPRETAÇÃO E TRADUÇÃO · determinados aspetos do processo penal através de um programa designado por «Roteiro».1 Embora estas medidas tenham a sua origem

39

3. Aexceçãoda«traduçãooral/resumo»On.º7doartigo3.ºprevê:

Asnossasobservaçõessobreestadisposiçãosãoasseguintes:• Conformeacimareferido,on.º7doartigo3.ºestabeleceumaregraclaraafavordastraduções

«escritas».• Com esta disposição, a diretiva permite aos Estados-Membros disponibilizar uma tradução ou

resumooraldeumdocumentoessencial,aoinvésdefornecerumatraduçãoescrita.Noentanto,istoé expressamente referido como uma «exceção à regra geral». Deverá, assim, ser interpretadarestritivamente.

4. Odireitoasolicitartraduçõeseodireitoacontestararecusaemfornecê-las

Reproduzimosnovamenteon.º3doartigo3.º,bemcomoon.º5doartigo3.º:

Umavezmais,estasdisposiçõesdeixamváriasquestõesporresponder:• Nãoéindicadaapessoaaquemdevaserdirecionadoo«pedidofundamentado».• Nem é indicada a natureza da autoridade competente para ouvir a «contestação» da decisão

segundoaqualnãoénecessáriaatraduçãodedocumentosoupassagensdosmesmos.• Assim,estasquestõesdevemserorganizadaspelosEstados-Membros,embora,nostermosdoartigo

47.ºdaCartaedosprincípiosgeraisdeproteçãojudicialefetiva,sedevaconsiderarquearecusadetraduçõestemdesersubmetidaacontrolojudicialefetivo.

• Decorre, logicamente, da exigência de apresentação de um «pedido fundamentado» e daoportunidade de contestar uma decisão negativa que a autoridade que indeferiu deve tambémapresentarmotivosparaarecusa.TaldecorredatradiçãodedireitosdedefesanodireitodaUE,queexigeaapresentaçãodosmotivospelosquaisumadecisãofoitomada,nosentidodegarantirqueapessoaafetadapodedefenderosseusdireitos.41

41VerprocessosapensosC-584/10Petc.,Comissãoeoutros.c.Kadi[ECLI:EU:C:213:518],par.100.

«7.Comoexceçãoàsregrasgeraisestabelecidasnosn.ºs1,2,3e6,podemserfacultadosumatraduçãooralouumresumooraldosdocumentosessenciaisemvezdeumatraduçãoescrita, na condição de essa tradução oral ou esse resumo oral não prejudicarem aequidadedoprocesso(…).»

«3. As autoridades competentes devem decidir, em cada caso, se qualquer outrodocumento é essencial. O suspeito ou acusado podem apresentar um pedidofundamentadoparaesseefeito(ênfasenossa).

(…)

5.OsEstados-Membrosasseguramque,nostermosdaleinacional,osuspeitoouacusadotenha o direito de contestar a decisão segundo a qual não é necessária a tradução dedocumentosoupassagensdedocumentos(…).»

Page 41: DIRETIVA RELATIVA À INTERPRETAÇÃO E TRADUÇÃO · determinados aspetos do processo penal através de um programa designado por «Roteiro».1 Embora estas medidas tenham a sua origem

40

D. UTILIZARADIRETIVANAPRÁTICA

1. IdentificarosdocumentosdosquaispretendeobtertraduçõesNaSecção2,abaixo,veremosalgunsargumentosjurídicosquepoderáutilizarparaalegarqueadiretivalheconfereodireitoà traduçãodeumdocumento.Contudo,deverádecidirquaisosdocumentosquepretende, preocupando-se depois em defender que a diretiva lhe confere o direito a estes. Poderánecessitardetraduçõespormotivosespecíficos(porexemplo,seodocumentocontiverelementoschavedaacusaçãoouseforumadeclaraçãodeumatestemunhacrucial,paraosquaisoclientenecessitedetempoparaponderareverificaroconteúdo).Masnocasodeoutrosdocumentos,odesafiopoderáserodenãosaber,semconsultarocliente,seodocumentooupassagensdestecontêminformaçãoessencial.Noentanto,oclientenãopoderáajudarsenãofordisponibilizadaqualquertradução(deumtipooudeoutro).Esseé,nanossaopinião,otesterelevanteaaplicar:senãoconseguedeterminarovalordeumdocumentosemaajudadocliente,deveráprocurarobterumatradução.

2. Formularumpedido

Depoisdedecidirquaisosdocumentosquepretende,terádeformularumpedido.Aqui,recorreráaon.º3doartigo3.ºdadiretiva,quelheconfereodireitoasubmeter«pedidofundamentado».Comoparececlaronotextodadiretiva,nãoexistenenhumrequisitoespecíficoacercadequemdeveserresponsávelpor decidir sobre a essencialidade dos documentos ou ouvir os pedidos ou contestações. Esta é,essencialmente,umamatériaasertratadapelosEstados-Membros.Játeráidentificado,noseutrabalhopreparativo(consultaraIntrodução),qualaautoridadecompetente.

É possível que, nos termos da legislação nacional, não esteja designada uma autoridade específica aquem solicitar uma tradução. Se não tiverem sido tomadas medidas no sentido de implementar adiretiva, este poderá ser um problema e poderá ter de persuadir uma autoridade de que esta tem odeverdeconsideraropedido.Esteéoprimeiropontoqueabordamosabaixo.

a. Princípiosbásicos

Nãoexistequalquer indicaçãonotextodadiretivaacercadapossibilidadedesubmeterumpedidoporescritoouoralmente,oqueseráreguladopelasregrasaplicáveisnoprocessopenaldasuajurisdição.Damesmaforma,asmatériascobertaspelopedidoserãoparcialmentedeterminadaspelaposiçãotomadapelalegislaçãonacional,masépossívelfazeralgumassugestõesbásicas:

è Identifiqueosdocumentosquepretende:• Trata-sedeumdocumentochave,comoumanotificaçãodesuspeitaapresentada

apósadetenção,umamedidadesegurançaprivativadeliberdade,umapronúnciaouumasentença?

• Trata-sedeumadeclaraçãodetestemunhaquecontradizaversãodoseuclientesobreosacontecimentosequeestenecessitedelerparaverificaroqueestáerrado?

• Oclienteencontra-sedetido?Issosignificaquenãoexistetemposuficienteparareunircomoseuclienteesaberqualoconteúdododocumentorelevante?

• Formuleumpedidofundamentadoporescrito.• Declareexplicitamentequeestáaformularumpedidonostermosdon.º3doArtigo

3.º da diretiva, que lhe confere o direito de formular um pedido de documentosessenciais,bemcomonostermosdequaisquerdisposiçõesnacionaisaplicáveis.

Page 42: DIRETIVA RELATIVA À INTERPRETAÇÃO E TRADUÇÃO · determinados aspetos do processo penal através de um programa designado por «Roteiro».1 Embora estas medidas tenham a sua origem

41

b. Conteúdodopedido

i. TenhodireitoaformularestepedidoEvidentemente, se existe um procedimento disponibilizado pela legislação nacional, não necessita depersuadir aautoridadeaouviro seupedido.Casonãohajanenhumadisposiçãona legislaçãonacionalqueprevejaexplicitamentepedidosdetraduções,paraalémdaquelasobrigatoriamenteprevistasporlei,terádelembrarasautoridadesdassuasobrigaçõesaoabrigodadiretiva.Terádeexplicaràsautoridadesque,independentementedoqueestáprevistonalegislaçãonacional,terãodeouviroseupedido.

Poderá necessitar de direcionar este pedido a diferentes entidades (por exemplo, um magistrado doMinistérioPúblico,umjuizdeinstruçãoouàsautoridadespoliciais).Casoestasautoridadesserecusemaconsiderar o seu pedido, isso constituirá, por si só, uma violação da diretiva e deverá ser passível deimpugnação judicial (consultar a secção «Contestar decisões desfavoráveis»). Assumiremos, aqui, queexiste um procedimento disponível para solicitar mais documentos ou que a autoridade aceitouconsideraroseupedido.Teráagoradeargumentarosmotivospelosquaistemdireitoaodocumento.

ii. Documentosobrigatórios

Para reivindicar um direito ao abrigo da diretiva, terá de definir o documento como «documentoessencial»naaceçãodon.º1doartigo3.º.Nocasodeacusações,pronúncias,sentençasedecisõesqueimponhammedidasprivativasdeliberdade,issoéevidente.

Casoodocumentodoqualnãotenhaatraduçãosejaumdesses,terádeinsistirparaobterumatradução:

Casoaautoridaderecusecombasenafaltadepoderesparaordenaratradução,devecontestaradecisão.(Consulteasecção«Contestardecisõesdesfavoráveis»,abaixo).

• Indiquequepretende,nocasodeaautoridadeserecusarafacultarumatradução,umadecisãofundamentada(seráútil,setiverdecontestaradecisão).

• Indiqueosmotivospelosquaisosdocumentossolicitadossãoessenciais.• Indiqueosmotivospelosquaisatraduçãooraléinsuficiente.

• Argumente: O n.º 3 do artigo 3.º da diretiva obriga as autoridades nacionais aexaminar,numabasecasuística,seodocumentoéessencialeconfereaosuspeitoouacusadoodireitodesubmeterumpedidofundamentadodeumdocumentoessencial.Assim,estepedidotemdeserconsiderado.

«2.Entreosdocumentosessenciaiscontam-seasdecisõesqueimponhamumamedidaprivativadeliberdade,aacusaçãoouapronúncia,eassentenças.»

• Argumente: O n.º 2 do artigo 3.º confere o direito do suspeito a uma tradução dequalquerdecisãoqueimponhaumamedidaprivativadeliberdade,qualqueracusaçãoou pronúncia e qualquer sentença. Esse documento, nomeadamente [...], não foifacultado. Independentemente do que esteja previsto na legislação nacional, osuspeitotemdireitoaestedocumento.

Page 43: DIRETIVA RELATIVA À INTERPRETAÇÃO E TRADUÇÃO · determinados aspetos do processo penal através de um programa designado por «Roteiro».1 Embora estas medidas tenham a sua origem

42

iii. OutrosdocumentosessenciaisNocasodedocumentosquenãoestejamabrangidospelon.º2doartigo3.ºdadiretiva,terádeestabelecerquesão«essenciais».Adefiniçãocompletaestáprevistanon.º1doArtigo3.º:

Conformemencionadoacima,nãoexisteespecial ênfaseemdocumentosescritosna jurisprudênciadoTEDH, pelo que não propomos, nesta secção, quaisquer argumentos com base em casos específicos.Sugerimosquefoqueasuaanálisenoaspetopráticodesaberseaausênciadatradução impedeoseuclientedeexercerefetivamenteoseudireitodedefesa,combasenanaturezaenovalordodocumento.

§ Transcrições/registosdointerrogatóriopolicial

Umdosdocumentoschavedosquaisoclientenecessitadetraduçãoé, indiscutivelmente,atranscriçãoouoregistodoquefoiditoduranteointerrogatóriopolicial.Estainformaçãoseráutilizada,epoderáserde importância crucial, tanto na fase prévia ao julgamento, como durante o próprio julgamento.Enquantoadvogado,nãosabeseestedocumentocontémimprecisõesfaceaoquefoirealmentedito,e,alémdisso,podetersidoresumidoporumintérpretenaaltura.

§ ProvasdebaseessenciaisDe igual modo, o suspeito ou acusado deve ter a possibilidade de ler traduções de provas essenciaisutilizadascomobasecertosdocumentosquetenhamdesertraduzidosnostermosdon.º2doartigo3.º.Porexemplo,seumadecisãodedetençãonumafasepréviaaojulgamentosebasearessencialmentenasdeclarações de uma ou duas testemunhas, a capacidade do suspeito de contestar a detenção poderádependerdasuacapacidadedelerestesdocumentosdebase.Damesmaforma,oselementosdeprovaessenciaisnosquaissebaseiaapronúnciapoderãoterdesertraduzidos,nosentidodepermitiràpessoacomentá-losdeformaefetiva.

3. Contestardecisõesdesfavoráveis

Casoadecisãosejaderecusa,terádeacontestar,conformeprevistonon.º5doartigo3.ºdadiretiva.Como referido acima, nenhuma disposição define a autoridade a quem deve ser apresentada estacontestação.Poderãosurgirdiferentesproblemas,deacordocomaorganizaçãodosistemanoseupaís.

Antes de olhar para cada possibilidade, vale a pena recordar que o princípio da «protecção judicialefetiva», estabelecido no artigo 47.º da Carta dos Direitos Fundamentais da UE, prevê que:

«(...)documentosessenciaisàsalvaguardadapossibilidadedeexerceremoseudireitodedefesaeàgarantiadaequidadedoprocesso.»

• Argumente: O suspeito necessita de uma tradução do registo do que foi dito nointerrogatório, em particular se, alegadamente, tiver proferido declaraçõesincriminatórias ou se as suas declarações forem contraditórias com as dastestemunhas.

• Argumente: De modo a exercer eficazmente o seu direito de defesa, o suspeitonecessitadeacederàsprovasdebaseessenciaisnasquaissebaseiamosdocumentoslistados no n.º 2 do artigo 3.º da diretiva. Isto poderá incluir as declarações detestemunhae/ouperíciasdasquaisdependaadecisãodedetençãoouapronúncia.

Page 44: DIRETIVA RELATIVA À INTERPRETAÇÃO E TRADUÇÃO · determinados aspetos do processo penal através de um programa designado por «Roteiro».1 Embora estas medidas tenham a sua origem

43

Essencialmente,a ideiaaquiseráquea«contestação»àqualtemdireitonostermosdon.º5doartigo3.º da diretiva tem de ser apresentada em tribunal. Há muito mais a dizer sobre a proteção judicialefetiva e deverá contactar-nos, caso pretenda obter apoio adicional sobre esta questão num casoconcreto.

a. Insistirnocontrolojudicial

Nestasituação,mesmoqueocódigodeprocessopenalnãogarantaodireitoàcontestaçãodadecisãodeummagistrado doMinistério Público, deve apresentar a contestação à decisão perante o tribunal decompetênciagenéricamaisadequada(porexemplo,otribunaladministrativo,o juizde instrução,etc.),reclamandoodireitodeofazeraoabrigodadiretiva.Arecusadecompetênciapoderáserrecorrível,oque lhe permitirá suscitar a questão numa instância judicial superior, a qual estará mais receptiva aargumentossobredireitodaUE.

b. Fundamentosdacontestação

i. Asrecusasinjustificadasnãosãoaceitáveis

Os defensores denunciam frequentemente a ausência de fundamentação adequada das decisõesprocessuais, em todas as áreas (por exemplo, detenção na fase prévia ao julgamento). Se isso ocorrernestecontexto,devetrataroassuntocomimportância:

ii. Adecisãobaseia-senapossibilidadede«traduçãooral»

Esta parece ser, provavelmente, uma das principais causas pelas quais as traduções escritas sãorecusadas: o argumento é que a funçãoda tradução é permitir à pessoa compreender as acusações eprovas contra si deduzidas e que, para tal, é suficiente uma explicação oral. Argumentos como estesrecaem no âmbito do n.º 7 do artigo 3.º da diretiva, que, conforme acima exposto, estabelece umaexceçãoàregraafavordastraduçõesescritas.Tenhaemconsideraçãoaindaasdisposiçõesdoartigo52.ºdaCarta:

42Ver,sobreesteaspeto,processosapensosC-584/10P,C-593/10PeC-595/10PKadic.ComissãoECLI:EU:C:2013:518.

«TodaapessoacujosdireitoseliberdadesgarantidospelodireitodaUniãotenhamsidovioladostemdireitoaumaaçãoperanteumtribunal...»

è Tentequaisquermeiosdisponíveisparaapresentarumacontestação:• Existeumamedidageraldisponível,como,porexemplo,umaimpugnação

administrativa?• Aindaquenãoexistaummecanismodisponível,apresenteopedidoaotribunalde

instânciacriminal/juizdeinstruçãoresponsávelpeloprocesso.

• Contacteamesmaautoridadequetomouadecisão,ouconteste-adiretamente.• Argumente: a autoridade está implicitamente obrigada peladiretiva a fundamentar os seus

atos.Osuspeitosubmeteuum«pedidofundamentado»nostermosdon.º3doartigo3.ºe,demodoa«contestar»essadecisãonostermosprevistosnon.º5doartigo3.º,necessitadeterosfundamentosdamesma.Aautoridadedeve,assim,reconsiderarassuasdecisões.42

«QualquerrestriçãoaoexercíciodosdireitoseliberdadesreconhecidospelapresenteCartadeveserprevistaporleie respeitaroconteúdoessencialdessesdireitose liberdades.Naobservânciado princípio da proporcionalidade, essas restrições só podem ser introduzidas se foremnecessárias e corresponderem efetivamente a objetivos de interesse geral reconhecidos pelaUnião,ouànecessidadedeproteçãodosdireitoseliberdadesdeterceiros.»

Page 45: DIRETIVA RELATIVA À INTERPRETAÇÃO E TRADUÇÃO · determinados aspetos do processo penal através de um programa designado por «Roteiro».1 Embora estas medidas tenham a sua origem

44

Tendoemcontaqueodireito expressonon.º 7do artigo3.º dadiretiva relativamente às «traduçõesescritas»éumacomponentedodireitoaumjulgamentoequitativo,protegidopeloArtigo47.ºdaCarta,a «exceção» segundo a qual uma «tradução oral ou resumo oral» poderão ser facultados, deverá sertratada como tal: um poder excecional que apenas poderá ser exercido na medida do necessário (oobjetivo de interesse geral será, obviamente, a administração da justiça efetiva). Nesse sentido,sugerimososeguinteargumento:

Estaabordagempermitiráorecursoaváriosoutrosargumentos:

Paraalémdisto,sugerimosqueaanálisesebaseienoscritériosdon.º7doartigo3.º,deacordocomoqualatraduçãoouresumooraispodemserdisponibilizados–

Assim,alegueatéquepontoumdeterminadodocumento,senãofacultadoporescrito,poderáprejudicaraequidadedoprocesso:

è Argumente:On.º1doartigo3.ºdadiretivaconfereaosuspeitoouacusadoodireitoà«traduçãoescrita»dedocumentosessenciais.Acompetênciaconferidapelon.º7doartigo 3.º é uma exceção a esta regra e constitui uma restrição ao direito a umjulgamentoimparcial,garantidopeloArtigo47.ºdaCarta,quedeveráseraplicadadeformarestritivaeproporcional,enãocomoregrageral.

è Argumente: Uma regra geral na legislação nacional, segundo a qual serão semprefacultadas traduções orais, será contrária à diretiva, devendo ser disponibilizadastraduçõesescritas, amenosque seja invocada legitimamenteaexceçãodon.º 7doartigo3.º.

è Argumente:Razõesde interessepúblico (a administraçãoda justiça)quepossam serusadasparanegaratraduçãodeverãoserponderadasfaceaosinteressesdoarguido.Isso significa ter em consideração a dimensão do documento e a possibilidade detraduzir, pelo menos, algumas passagens do documento por escrito, conformeprevistonon.º4doartigo3.º.

«nacondiçãodeessatraduçãooralouesseresumooralnãoprejudicaremaequidadedoprocesso».

è Destaqueosmotivospelosquaisosuspeitonecessitadodocumentoedapossibilidadedeoexaminar,nosentidodeprepararumadefesaefetiva,porexemplo:

• Éumadeclaraçãodetestemunhaessencialeosuspeitonecessitadeanalisaroconteúdoparaconseguirfornecerinstruçõesaoadvogadoquantoàsincoerênciasoufalsidadesconstantesdomesmo.

Page 46: DIRETIVA RELATIVA À INTERPRETAÇÃO E TRADUÇÃO · determinados aspetos do processo penal através de um programa designado por «Roteiro».1 Embora estas medidas tenham a sua origem

45

CONCLUSÃOAjurisprudênciadoTEDHsobreesteassuntoé,decertaforma,limitada,esofredaquantidadelimitadadeprovasqueoTEDHtem,normalmente,à suadisposiçãoao tomarumadecisãosobreseodireitoàassistêncialinguísticaterásidogarantidoeusufruído.Adiretiva,aoimporstandardscomunsnaáreadainterpretaçãoetradução,disponibilizaumquadronormativomaisestruturado,noqualcadatomadadedecisãoanívellocalterádeocorrereserjudicialmentecontrolada.

A Fair Trials está moderadamente otimista de que esta diretiva possa, realmente, ajudar na defesacriminal.OscidadãosnãoresidentessãobeneficiárioshistóricosdodireitodaUE,comonocasoBickeleFranz, no qual foram usadas disposições do Tratado da UE para impedir a discriminação contra nãoresidentesnadisponibilizaçãode interpretaçãoemprocessos judiciais.Esperamosque,agoraqueaUEdecidiuforneceraproteçãododireitodaUEaarguidosnãofalantesnativosdalínguadoprocessocrime,estestenhamàsuadisposiçãoumaproteçãosólida.

Enquanto aguardamos pela interpretação da diretiva pelo TJUE, neste kit de ferramentas tentámosclarificar as situações em que apresentamos o nosso ponto de vista sobre a diretiva e referirexplicitamente a origem da nossa abordagem jurídica. Aceitamos, contudo, que possam existir outrospontosdevista.Porfavor,nãohesiteemdar-nosasuaopiniãosobreestekitdeferramentas:diga-nosseoconsiderouútil,sediscordaeporquê.

Incentivamo-loaindaajuntar-seàsiniciativasdaFairTrialsedasredesquecoordenamos:

• Contacte-nosparanosinformarsobreasuaexperiênciaaoinvocaradiretiva.

• Informe-nosseostribunaisemitiremdecisõesfavoráveisàaplicaçãodasdiretivas.

• Caso surjam questões de interpretação, considere recorrer ao TJUE: consulte o kit deferramentas «Using EU Law» (Utilizar o direito da UE), o nosso artigo de 2014 sobreabordagensestratégicasaoTJUE43eonossovídeodeformaçãosobretramitaçãoprejudicialnapráticapenal.44

• Visite regularmente o nosso website www.fairtrials.org para obter atualizações sobre osprincipaisdesenvolvimentosrelativosàsdiretivasenotíciassobreformaçõespresenciais.

• Se não conseguir qualquer resultado junto dos tribunais, contacte-nos, uma vez quepoderemosexploraroutrasopções,comoapresentarqueixajuntodaComissãoEuropeia.

• Participenoprocessodeaumentarasensibilizaçãoparaestasquestõesnocontextonacional:consulte os nossos artigos Towards an EU Defence Rights Movement45 (Rumo a umMovimento de Direitos de Defesa na UE) para obter ideias concretas sobre artigos,contencioso,conferências,etc.

FairTrialsEurope

LegalExpertsAdvisoryPanel

Marçode2015

43FairTrials,StrategicapproachestolitigationbeforetheCJEUontheRoadmapDirectivesandEAW,2014,disponível(eminglês)emhttp://www.fairtrials.org/wp-content/uploads/140818-CJEU-meeting-report.pdf.44Disponível(eminglês)emhttp://www.fairtrials.org/fair-trials-defenders/legal-training/online-training/.45LEAP,StrategiesforimplementationoftheRoadmapDirectives:TowardsanEUDefenceRightsMovement,Fevereirode2015,disponível(eminglês)em:http://www.fairtrials.org/wp-content/uploads/5A-IMPLEMENTATION-MOVEMENT-PAPER.pdf.

Page 47: DIRETIVA RELATIVA À INTERPRETAÇÃO E TRADUÇÃO · determinados aspetos do processo penal através de um programa designado por «Roteiro».1 Embora estas medidas tenham a sua origem

46

EstapublicaçãofoielaboradacomoapoiofinanceirodoProgramadeJustiçaPenaldaComissãoEuropeia.OconteúdodestapublicaçãoédaexclusivaresponsabilidadedaFairTrialsEuropee

nãopode,emcasoalgum,sertidocomorefletindoaopiniãodaComissãoEuropeia.