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DIREITOS SOCIAIS E CIDADANIA NO BRASIL: IMPLICAÇÕES DIANTE DO
PROGRAMA UNIVERSIDADE PARA TODOS1
Edemir Braga Dias2
Camila Duarte3
RESUMO: No contexto brasileiro, a plena efetivação dos direitos sociais tem sido uma das
grandes dificuldades do Estado. Isto deve-se, principalmente, a problemas estruturais e
econômicos, mesmo diante da Constituição Federal de 1988, que apregoa como direitos sociais a
educação, a saúde, o trabalho, entre outros, obrigando o Estado a proceder sua efetividade. No
que tange ao direito à educação, diversas políticas públicas foram criadas nos últimos tempos,
dentre essas políticas destaca-se o Programa Universidade Para Todos (PROUNI). Diante desse
panorama questiona-se: Em que medida o PROUNI tem cumprido a função de promover a
cidadania? Assim, o presente trabalho tem como principal objetivo analisar o Programa
Universidade Para Todos como política efetivadora de cidadania. Para tanto parte-se de um
estudo sobre os direitos sociais, realçando o direito à educação e sua busca de efetividade através
da política pública denominada PROUNI, que estabelece uma nova perspectiva para as classes
populares, ao possibilitar o acesso à educação superior, o que permite aos sujeitos se
posicionarem na sociedade e interagirem com ela, mediante mudanças comportamentais visando
a transformação social.
PALAVRAS-CHAVE: Direitos Sociais, Direito à educação, cidadania, Programa Universidade
Para Todos
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A efetivação dos direitos fundamentais dentro do Estado Democrático de Direito é
premissa básica para a garantia da dignidade da pessoa humana. Nesse contexto, a efetivação dos
direitos sociais tem especial relevância, por possibilitar a existência de justiça social e a busca
1 GT 06: Direito, Cidadania e Cultura 2 Mestrando do Programa de Pós-Graduação stricto sensu – Mestrado e Doutorado em Direito da
Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões (URI), Campus Santo Ângelo/RS.
Graduado em Direito pela URI, Campus Santo Ângelo/RS. Graduando em Pedagogia nesta IES.
Integrante do projeto de pesquisa “Direitos Humanos e Movimentos Sociais na Sociedade Multicultural”,
vinculado ao PPG-Direito acima mencionado. E-mail: [email protected] 3 Acadêmica e Bolsista CAPES do Curso de Mestrado em Direito do PPGD da Universidade Regional
Integrada do Alto Uruguai e das Missões – URI. Pós-graduanda na área de Direito do Consumidor.
Graduada em Direito pela Unijuí, Campus Três Passos-RS. E-mail: [email protected]
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pela promoção da igualdade entre todos os indivíduos e a promoção de cidadania. Assim, sendo
considerada um direito social, a educação exerce papel relevante nessa perspectiva.
Por isso, atualmente, o direito de acesso à educação é uma prerrogativa essencial para que
qualquer ser humano possa interagir melhor com o mundo. Assim como é impossível negar o
caráter libertador e conscientizador da educação. Isso gera o reconhecimento de que deve existir
maior acesso e melhor qualidade da educação oferecida, levando buscar a universalização da
educação básica, mas no que tange à educação superior, este direito torna-se mais restrito, visto
que seu alcance não é universalizado, restringindo-se, historicamente, a uma pequena parcela da
população brasileira. Assim, mister se faz pesquisar a respeito da contribuição do Programa
Universidade Para Todos (PROUNI), para a efetivação do acesso à educação no Estado
brasileiro.
DIREITOS HUMANOS (FUNDAMENTAIS) NO BRASIL: A EDUCAÇÃO NA
CONSTITUIÇÃO DE 1988
Nos tempos atuais tem-se que a concepção de Direitos Humanos é resultado de uma
construção histórico-cultural, sendo considerados como humanos todos aqueles direitos que
oportunizam uma vida digna a todos os indivíduos, sem distinção. Diante deste fato, destaca-se
que eles não surgiram de repente, e, por conseguinte, não são os mesmos em todos os locais.
A sedimentação dos Direitos Fundamentais como normas obrigatórias é
resultado da maturação histórica, o que também permite compreender que os Direitos
Fundamentais não sejam sempre os mesmos em todas as épocas, não correspondendo,
além disso, invariavelmente, na sua formulação, a imperativos de coerência lógica
(MENDES; BRANCO, 2014, p. 136).
Assim, os Direitos Humanos refletem aspectos tidos como essenciais a todas as pessoas,
pois, “[...] se trata de situações jurídicas sem as quais a pessoa humana não se realiza, não
convive e, às vezes, nem mesmo sobrevive” (SILVA, 2014, p. 180). No mesmo sentido, Dallari
conclui que, “[...] sem eles a pessoa humana não consegue existir ou não é capaz de se
desenvolver e de participar plenamente da vida” (DALLARI, 2004, p. 12). Para Norberto
Bobbio, a afirmação desses direitos, deve-se a radical inversão de perspectiva, na relação política
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entre Estado e cidadão, sendo esta uma característica da formação do Estado Moderno
(BOBBIO, 2004).
Os Direitos Humanos, para fins didáticos, são divididos em gerações ou dimensões, isso,
com o intuito de facilitar sua compreensão, devido a amplitude de seu conteúdo. A doutrina
majoritária aponta a existência da primeira, segunda e terceira geração ou dimensão de Direitos
Humanos, por outro lado, há doutrinadores, de posição minoritária, que referem-se a existência
da quarta e quinta geração ou dimensão. Não obstante a divisão citada, sua observância se faz
como um todo, não admitindo separação. Para fins desse estudo apenas importa os direitos de
segunda dimensão.
A segunda dimensão dos Direitos Humanos, ou direitos de igualdade, envolve direitos
econômicos, sociais e culturais, bem como os direitos coletivos ou de coletividade, os quais se
caracterizam “[...] por outorgarem ao indivíduo direitos a prestações sociais estatais, como
assistência social, saúde, educação, trabalho [...]” (SARLET, 2009, p. 57). Para Bonavides, esses
direitos “[...] nasceram abraçados ao princípio da igualdade, o qual não se podem separar, pois
fazê-lo equivaleria a desmembrá-los da razão de ser que os ampara e estimula” (BONAVIDES,
2014, p. 578).
Enquanto na primeira dimensão a característica dos direitos envolvendo a função do
Estado é de abstenção deste, ou seja, a não ação diante dos direitos dos indivíduos, na segunda
dimensão uma das principais características é a necessidade de ação do Estado frente ao
indivíduo.
A nota distintiva destes direitos é a sua dimensão positiva, uma vez que se cuida
não mais de evitar a intervenção do Estado na esfera da liberdade individual, [...] Não se
cuida mais, portanto, de liberdade do e perante o Estado, e sim de liberdade por
intermédio do estado (SARLET, 2009, p. 57).
Consequentemente, com base no princípio da igualdade isonômica ou material, o Estado
deve agir, ou seja, deve haver uma prestação positiva do Estado para a efetivação desse rol de
direitos. Isso justifica “[...] o progressivo estabelecimento pelos Estados de seguros sociais
variados, importando intervenção intensa na vida econômica e a orientação das ações estatais por
objetivos de justiça social” (MENDES; BRANCO, 2014, p. 137).
Portanto, a segunda dimensão de Direitos Humanos pressupõe a realização da justiça
social “[...] por meio dos quais se intenta estabelecer uma liberdade real e igual para todos,
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mediante a ação corretiva dos Poderes Públicos” (MENDES; BRANCO, 2014, p. 137). Este
alcance se dá, geralmente, através de políticas públicas e leis que buscam efetivar o princípio da
igualdade isonômica ou material.
Diante disso, cabe ressaltar que a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988
(CF/1988) representa a transição do Regime Político de um Estado Autoritário para um Estado
Democrático de Direito, após vários anos de ditadura Civil-Militar, que teve início em 1964,
onde se viveu sob a égide do autoritarismo, havendo as mais diversas restrições de Direitos
Humanos ou Fundamentais. A Constituição Federal de 1988, trouxe em seu texto a presença de
um vasto rol de Direitos Fundamentais, o que representa um enorme avanço para a garantia
desses direitos. Além do mais, como bem afirma Sarlet,
No que concerne ao processo de elaboração da Constituição de 1988, há que fazer
referência, por sua umbilical vinculação com a formatação do catálogo dos Direitos
Fundamentais na nova ordem constitucional, à circunstância de que esta foi resultado de
um amplo processo de discussão oportunizado com a redemocratização do país após
mais de vinte anos de ditadura militar (SARLET, 2009, p. 75).
Portanto, é possível afirmar que os Direitos Fundamentais, no contexto atual, “[...]
assumem posição de definitivo realce na sociedade quando se inverte a tradicional relação entre
Estado e indivíduo e se reconhece que o indivíduo tem, primeiro, direitos, e, depois deveres
perante o Estado” (MENDES; BRANCO, 2014, p. 136). E, em consequência disso, “[...] os
direitos que o estado tem em relação ao indivíduo se ordenam ao objetivo de melhor cuidar das
necessidades do cidadão” (MENDES; BRANCO, 2014, p. 136), afim de garantir a efetivação do
princípio da dignidade da pessoa humana.
É este princípio, que “[...] impõe limites à atuação estatal, objetivando impedir que o
poder público venha a violar a dignidade pessoal” (SARLET, 2002, p. 110). Em continuidade,
Sarlet afirma que além de limitar o Estado na sua ação, o princípio da dignidade da pessoa
humana cria a obrigação para o Estado de proteger o indivíduo para a efetivação da dignidade e
dos Direitos Fundamentais.
O princípio da dignidade da pessoa humana impõe ao Estado, além do dever de
respeito e proteção a obrigação de promover as condições que viabilizem e removam
toda sorte de obstáculos que estejam a impedir as pessoas de viverem com dignidade
(SARLET, 2002, p. 112).
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Entende-se que para viver com dignidade é necessário que todos os Direitos
Fundamentais sejam observados, conforme se extrai a ideia do princípio da indivisibilidade dos
Direitos Fundamentais.
Pode afirmar-se, portanto, à luz do exposto, que o princípio da dignidade da
pessoa humana constitui um reduto intangível de cada indivíduo e, neste sentido, a
última fronteira contra quaisquer ingerências externas. Tal não significa, contudo, a
impossibilidade de que se estabeleçam restrições aos direitos e garantias fundamentais,
mas que as restrições efetivadas não ultrapassem o limite intangível imposto pela
dignidade da pessoa humana (SARLET, 2009, p. 127).
Como se percebe diante o exposto, este princípio é a base, o fundamento e a condição
para os Direitos Fundamentais existentes na Constituição, tais como os direitos individuais, os
sociais e os coletivos/difusos.
Consoante, Barreto afirma que em nome da garantia da dignidade da pessoa humana,
deve-se buscar a igualdade ou o mais próximo dela, a fim de que as pessoas possam ter uma vida
melhor, e, com isso, “[...] a eliminação das desigualdades continua sendo uma tarefa
irrenunciável” (BARRETO, 2010, p. 213). Tal intento, deve-se dar em primeiro lugar “[...] por
razões de coerência entre um suposto ideal de igualdade e a própria ideia de democracia; em
segundo lugar pela constatação de igual dignidade humana das pessoas, apesar das desigualdades
físicas e psicológicas” (BARRETO, 2010, p. 213).
Em síntese, não é possível haver dignidade humana, sem haver igualdade de
oportunidades para todas as pessoas, e isso é o que se denomina de igualdade material. Como
bem afirma Norberto Bobbio, ao pensar a igualdade isonômica e os direitos sociais, “[...] não se
pode deixar de levar em conta determinadas diferenças, que justificam um tratamento não igual”
(BOBBIO, 2004, p. 66), ou seja, o tratamento igual só se justifica frente a iguais. Isso quer dizer
que, fixar apenas à igualdade formal é um erro, sendo preciso trabalhar intensamente para
alcançar a igualdade material, ou seja, tratar de forma desigual os desiguais na medida de suas
desigualdades.
Todavia, a garantia da realização dessa igualdade é muito complexa, pois como afirmado
por Rui Barbosa, importante jurista brasileiro do século XX, na célebre Oração aos Moços, não
há igualdade nem “[...] nos ramos de uma só árvore” (BARBOSA, 1972, p. 418), sendo mais
difícil ainda haver igualdade entre seres humanos. Segue o autor, buscando estabelecer o
verdadeiro sentido da igualdade:
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A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na
medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade
natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade. O mais são desvarios da inveja, do
orgulho, ou da loucura. Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade,
seria desigualdade flagrante, e não igualdade real (BARBOSA, 1972, p. 418).
Posteriormente, conclui, em seu célebre texto, o referido jurista brasileiro, que, “Os
apetites humanos conceberam inverter a norma universal da criação, pretendendo, não dar a cada
um, na razão do que vale, mas atribuir o mesmo a todos, como se todos se equivalessem”
(BARBOSA, 1972, p. 418). Isso, naturalmente, provoca injustiças sociais, e por isso, mantém
e/ou aumenta as desigualdades entre as pessoas, ferindo a dignidade humana.
No que se refere aos direitos sociais constantes na Constituição Federal de 1988,
Piovesan afirma que o texto prevê dois momentos específicos: o artigo 6º e a parte Da Ordem
Social:
Nesse passo, a constituição de 1988, além de estabelecer no artigo 6º que eram direitos
sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer a segurança, a previdência
social, a proteção a maternidade e a infância a assistência aos desamparados, ainda
apresentam uma ordem social com um amplo universo de normas que enunciavam
programas, tarefas diretrizes e fins a serem perseguidos pelo estado e pela sociedade
(PIOVESAN, in ANDRADE; REDIN, 2008, p. 63).
A título exemplificativo de direitos sociais, é possível citar o constante no artigo 205, que
aborda sobre a educação, no artigo 196 que versa sobre a saúde, entre outros, importando em
ações do Estado para sua preservação, todos previstos na Constituição Federal de 1988.
Ao analisar a abrangência das políticas públicas no Brasil, vale destacar que o Estado
brasileiro tem, dentre os seus objetivos fundamentais, declarados constitucionalmente, a
erradicação da pobreza e da marginalização, com a redução das desigualdades sociais e regionais
(artigo 3º, II da CF/1988). Para atingir esses objetivos, as políticas públicas, no Brasil, estão
relacionadas às mais diversas áreas de atuação do Estado, principalmente, para fins de efetivação
dos chamados Direitos Humanos de segunda dimensão, ou seja, os direitos sociais, que
compreendem o direito à educação, moradia, saúde, lazer, entre outros. A seguir serão tecidos
comentários sobre as políticas públicas no Brasil, com enfoque àquelas realizadas no campo da
educação, analisando-se algumas das principais políticas da atualidade, as quais tem sofrido
grande impacto devido a crise econômica pela qual o país vem passando.
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Atualmente, pode se dizer que no Brasil os direitos sociais se realizam através da
execução de políticas destinadas, especialmente, a garantir amparo e proteção social aos mais
fracos ou de parcela da população que esteja em situação de vulnerabilidade, ou seja, aqueles que
estão privados de recursos próprios ou de acesso à possiblidades e oportunidades para viver
dignamente (MENDES; BRANCO, 2014).
Considerando a educação como um direito, a Declaração Universal dos Direitos
Humanos de 1948, a elencou para ser viabilizada, em todos os níveis. Em seu artigo XXVI, a
referida Declaração apregoa o direito à educação como sendo um direito de todas as pessoas,
salientando que, o acesso à educação superior deve estar aberto a todos, em plena igualdade, em
função do seu mérito. Assim, em relação à presença da educação na Constituição de 1988,
Carneiro versa da seguinte forma:
A Constituição de 1988 significou a reconquista da cidadania sem medo. Nela, a
educação ganhou lugar de altíssima relevância. O país inteiro despertou para essa causa
comum. As emendas populares calçaram a ideia da educação como direito de todos
(direito social) e, portanto, deveria ser universal, gratuita e democrática, comunitária e
de elevado padrão de qualidade. Em síntese, transformadora da realidade (CARNEIRO,
2012, p. 28).
Consequentemente, com o passar do tempo, o acesso à educação foi sendo ampliado a
todos os níveis, isso pela obrigatoriedade de oferecimento do nível da educação básica e, mais
tarde, pelo direito ao acesso à educação superior, geralmente por meio de políticas públicas, bem
como, através da criação de universidades públicas: “É inegável que, desde a década de 1990, os
governos têm implementado políticas que visam aumentar o número de vagas/matrículas nas
instituições de ensino superior” (MENDES; BRANCO, 2014, p. 678). Isso levou a um enorme
avanço da educação superior no Brasil e também na educação básica, em especial através do
programa universidade para todos (PROUNI), que tem demonstrado ser muito importante para a
efetivação do acesso à educação superior.
O PROGRAMA UNIVERSIDADE PARA TODOS (PROUNI) E A PROMOÇÃO DA
CIDADANIA
A educação é direito de todos e dever do Estado, sendo um dos direitos sociais,
dependendo, portanto, de prestações estatais para sua realização. Tem-se que essa dependência,
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no entanto, faz com que se esbarre em aportes econômicos, os quais representam um entrave
para a plena implementação de políticas públicas efetivadoras desse direito, que evitariam a
manutenção da elitização histórica do acesso ao ensino superior. É neste cenário, em meio à
dificuldade financeira e à manutenção de status quo, que foi implantado e se desenvolveu o
Programa Universidade Para Todos (PROUNI), como ação afirmativa de acesso ao direito à
educação superior brasileira, para quem preencher os requisitos previstos em lei, ou seja,
abrangendo pessoas das classes menos favorecidas.
É possível dizer que a elevação do acesso à educação superior no Brasil é devido, em
grande parte, às ações afirmativas amplamente desenvolvidas a partir do governo de Luiz Inácio
Lula da Silva, iniciadas em 2003, visando garantir a efetivação do direito à educação. Isso
porque “O Estado tem buscado formas de promover esse direito, principalmente por meio da
inclusão de camadas menos favorecidas e historicamente alijadas da tutela estatal no sistema
educacional” (MENDES; BRANCO, 2014, p. 677). A inclusão referida se dá especialmente por
intermédio das políticas públicas que realizam o princípio da igualdade material no Estado
Democrático de Direito, que é o que se sucede com o PROUNI.
O Programa Universidade para Todos (PROUNI) é um programa do Ministério da
Educação, criado primeiramente por uma Medida Provisória, que logo foi transformada na Lei nº
11.096, de 13 de janeiro de 2005. Essa lei prevê a concessão de bolsas de estudo integrais e
parciais, em instituições privadas de educação superior, em cursos de graduação e sequenciais de
formação específica (BRASIL, PROUNI). A referida lei explicita, no artigo 2º, inciso I a III, a
quem serão destinadas as bolsas de estudo do PROUNI:
I - a estudante que tenha cursado o ensino médio completo em escola da rede pública ou
em instituições privadas na condição de bolsista integral;
II - a estudante portador de deficiência, nos termos da lei;
III - a professor da rede pública de ensino, para os cursos de licenciatura, normal
superior e pedagogia, destinados à formação do magistério da educação básica,
independentemente da renda a que se referem os §§ 1o e 2o do art. 1o desta Lei
(BRASIL, 2005).
Além da necessidade de se adequar a lista dos destinatários acima elencados, quem
pretende obter a bolsa de estudo deve se enquadrar na renda para receber bolsa integral, que é de
um salário mínimo e meio per capita mensal. Já para as bolsas parciais, de 50 e 25% do valor do
curso, a renda familiar mensal per capita não pode exceder o valor de até três salários-mínimos.
Além disso, para ambos os casos há o requisito de não ser portador de diploma de curso superior,
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conforme se extrai da leitura do artigo 1º, § 1º e § 2º da lei que instituiu o PROUNI e, sobretudo,
outro critério é ser aprovado no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM).
Após obter o resultado do ENEM, o candidato precisa entrar no sistema de inscrição on
line, pelo qual pode selecionar duas opções de curso ali constantes (BRASIL, 2005). O próprio
sistema do PROUNI é que faz a seleção do estudante com melhor resultado, sendo esse o critério
para ser pré-selecionado para obter a bolsa. A partir disso, o candidato terá que comprovar seus
dados e, se não o fizer, outro candidato será pré-selecionado para a bolsa de estudos (BRASIL,
PROUNI).
A Instituição de Ensino Superior, ao aderir o PROUNI, deve disponibilizar bolsas de
estudo, conforme critérios estabelecidos na lei. Por outro lado, Araújo e Corrêa (2011) salientam
que deve haver uma contrapartida, por parte do Estado frente às instituições que fizerem a
adesão ao PROUNI, conforme a própria lei estabelece.
Em contrapartida, as Instituições de Ensino Superior- IES ficam isentas no
período de vigência do termo de adesão, das seguintes contribuições e imposto:
Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social-COFINS; Contribuição para o
Programa de Integração Social-PIS; Contribuição Social sobre o Lucro Líquido CSLL;
e Imposto de Renda da Pessoa Jurídica-IRPJ (ARAUJO; CORRÊA, 2011, p. 42).
Tal previsão, constante no artigo 8° da lei em questão, também determina que a isenção
de que trata este artigo será calculada na proporção da ocupação efetiva das bolsas devidas,
conforme termo de adesão (BRASIL, 2005).
Como a legislação brasileira estabelece que o acesso à educação superior deve estar
calcada no mérito, conforme o artigo 208 inciso V, o PROUNI, para atender ao requisito do
mérito para o acesso à educação superior, artigo 3° da Lei 11.096/2005 estabelece que o
estudante “[...] será pré-selecionado pelos resultados e pelo perfil socioeconômico do Exame
Nacional do Ensino Médio – ENEM [...]”, exigindo ao candidato à bolsa, ter sido aprovado com
no mínimo 450 pontos no ENEM. E, além disso, pode a Instituição estabelecer critérios próprios
para avaliar o candidato (BRASIL, 2005).
O Programa Universidade Para Todos, que completou dez anos, tem sido uma das
principais políticas públicas, na área da educação superior do Estado brasileiro, tendo alcançado
um número expressivo de beneficiários e, assim, cumprindo com o seu principal objetivo, que é
a democratização do acesso ao ensino superior. Nesse sentido, é correto o pensamento de
10
Mendes e Branco (2014), ao expressarem-se sobre o PROUNI, quando estes apontam que, além
de ser uma política inclusiva, o PROUNI aproveita o potencial de oferecimento de vagas das
Faculdades e Universidades privadas.
A instituição do PROUNI, por meio da lei n.11.096 de 13 de janeiro de 2005, a
qual por sua vez, é fruto da conversão da MP n.213/2004, é um ótimo exemplo de
política pública de ação afirmativa que conseguiu atingir o objetivo de gerar altos
índices de inclusão social, pois é uma iniciativa que visa aproveitar o potencial da
iniciativa privada no setor educacional, direcionando-o à implementação de uma
política pública de ampliação do acesso ao Ensino Superior, voltada a atender a classe
media baixa, mas emergente, que cresce cada vez mais no Brasil (MENDES;
BRANCO, 2014, p. 680).
Para compreender a repercussão do Programa Universidade Para Todos, para o acesso ao
ensino superior brasileiro, é preciso que sejam analisados os números alcançados no decorrer de
sua existência. Quanto ao número de bolsas ofertadas, do ano de 2005 até o ano de 2015, foram
concedidas 2.556.155 bolsas de estudo, sendo dessas 69% bolsas integrais e 31% bolsas parciais.
Somente no ano de 2014 foram oferecidas 205.237 bolsas integrais e 101.489 bolsas parciais,
somando o total de 306.726 bolsas de estudo, em todo o Brasil (BRASIL, PROUNI). Assim, é
possível perceber que se trata uma política afirmativa que realmente pretende a inclusão social
que leva em conta o maior problema no acesso ao ensino superior: a condição econômica
(MENDES; BRANCO, 2014).
Assim, um Estado que apresenta em sua Constituição objetivos claros e precisos, como o
Brasil faz, não pode deixar de desenvolver ações afirmativas para poder alcançá-los. Nesse
ponto, bem claro é o pensamento de Rogério Gesta Leal, referente a ações afirmativas, quando
pondera que: “Um estado que se queira Democrático e de Direito inexoravelmente tem de lançar
mão de inciativas pró-ativas da igualização material de categorias sociais [...]” (LEAL, 2009, p.
148). É, com certeza, isso que o PROUNI representa: uma ação afirmativa do Estado que visa à
efetivação dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil constantes na
Constituição Federal de 1988.
Da mesma forma, conforme bem refere Gilmar Mendes e Paulo Branco, o PROUNI “É
uma iniciativa a ser aplaudida e que deve servir de estímulo a outras tantas que visem melhorar o
acesso e a melhorar a qualidade do ensino no Brasil” (MENDES; BRANCO, 2014, p. 680), pois
ao ser implementada amplia o acesso e oferta mais oportunidade a todos. Em consequência, é
revelador o voto do relator, Ministro Ayres Britto, diante da Ação Direta de
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Inconstitucionalidade (ADIn.) que considerou constitucional o PROUNI: “[...] o PROUNI é,
salientemente, um programa de ações afirmativas, que se operacionaliza mediante concessão de
bolsas a alunos de baixa renda e diminuto grau de patrimonilização” (BRASIL, Supremo
Tribunal Federal, 2012).
Este Programa, através da desigualação, visa efetivar a igualdade. Apesar da contradição
aparente, nada mais é do que a pura concretização do princípio da igualdade material. A referida
igualdade material é garantida, pelo Programa, ao estabelecer o discrímen que diferencia para
estabelecer parâmetros de igualdade. Sendo assim, segue parte do voto do relator, o qual
evidencia a abrangência do programa, quanto ao público beneficiário:
Não podemos deixar de levar em consideração essas reflexões, pois o que estamos a
evidenciar neste caso do PROUNI é a adoção de uma política de inclusão social (um
típico caso de discriminação positiva ou inversa) que leva em conta o critério da raça,
porém não de forma exclusiva, mas conjugado com o critério socioeconômico
(BRASIL, Supremo Tribunal Federal, 2012).
Sendo assim, exige-se a discriminação positiva para haver a igualação, buscando-se a
inclusão das classes populares nas instituições de educação superior. Por outro lado, alguns
críticos apresentam oposições ao sistema adotado pelo PROUNI, em relação à concessão de
bolsas. Alguns, como Araújo e Corrêa (2011), apontam que a imunidade de alguns tributos,
oriunda do PROUNI, faz com que o governo deixe de arrecadar recursos e, com isso, deixa de
investir mais na educação pública, tornando-se uma privatização da educação. No entanto,
contrário a esse argumento, sabe-se que grande parte das instituições já gozavam de tais
benefícios, com base no artigo 150, VI, alínea c, da Constituição de 1988, como pode ser
constatado pelos dados apresentados pelo próprio Ministério da Educação e Cultura do Brasil:
[...] o Programa Universidade para Todos (PROUNI) converte impostos não pagos por
instituições privadas de ensino superior em vagas para alunos de baixa renda. Antes
mesmo do ProUni, 85% do sistema privado já tinha isenção total ou parcial de tributos.
Somente as instituições com fins lucrativos - 15% do sistema - pagam os impostos de
sua competência [...] Com a lei do PROUNI, as instituições privadas devem ofertar um
percentual fixo de bolsas de estudo (BRASIL, PORTAL, MEC).
As regras, estipuladas pelo PROUNI, fazem com que a concessão de bolsas de estudo
seja regulamentada; tal fator leva à ampliação da educação superior e, com isso, um maior
número de indivíduos obtêm acesso a esse nível de ensino.
12
Por fim, é possível dizer que o PROUNI vem sendo um meio efetivo para garantir o
acesso à educação superior brasileira, pois ao conceder bolsas de estudo a indivíduos que dela
necessitam para estar em um curso superior, faz com que supere-se a inferioridade impregnada
no decorrer da história, tanto para questões étnicas, quanto para questões de renda, modificando
o status quo, e projetando um futuro onde haja a possibilidade de se ter mais oportunidades de
mudança. Essa mudança ocorre a partir da possibilidade de alcançar o nível superior, visto que as
classes sociais, alijadas economicamente, raramente conseguem ter acesso a este nível de ensino.
Tal fator dá novas oportunidades às pessoas, promovendo a cidadania e oportunizando a
mobilidade social juntamente com a diminuição do sistema elitista da educação, visando à
democratização da educação superior. Dessa forma, o PROUNI repercute positivamente no que
se refere ao acesso à educação superior no Brasil e para que este nível de ensino deixe de ser um
espaço para estudantes que tiveram melhores condições e oportunidades.
Dessa forma, o PROUNI representa uma política pública com viés altamente inclusivo,
para pessoas de classes inferiores da sociedade, que normalmente não teriam acesso a este nível
ensino, visto a elitização do acesso ao ensino superior. Portanto, a democratização do acesso à
educação superior pode contribuir para que haja processos de transformação social, tão
necessário atualmente e que haja a efetivação de todos os demais direitos fundamentais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do conhecimento de que a e educação é um elemento fundamental para o
desenvolvimento tanto pessoal quanto do país, assim como um direito que possibilita a
realização de outros direitos e dessa forma o acesso à educação em todos os níveis deve ser
consolidado com qualidade, destacando a busca da universalização.
Assim, no que se refere a educação superior, o Estado deve propiciar o acesso das classes
populares em nome da promoção da dignidade humana e da igualdade material. Isso por este
direito estar entre as condições básicas para a conquista da cidadania, cabendo ao Estado a
responsabilidade a efetivação desse direitos e deve fazê-lo de forma satisfatória, principalmente
levando em conta os pressuposto da igualdade material.
Destaca-se que o exercício da cidadania, em termos práticos, significa reconhecer-se
como indivíduo que possui direitos e deveres na sociedade, e que dentro da estrutura
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organizacional do Estado, cabe a este a efetivação de condições para que os direitos possam ser
exercidos. Assim, é possível afirmar que o PROUNI representa um meio efetivador de cidadania
ao possibilitar acesso das classes populares ao ensino superior fazendo com que os indivíduos
tenham um olhar diferenciado sobre o mundo em que vivem, trilhando novos caminhos para que
seus direitos sejam efetivados.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARAUJO, Edineide Jezine Mesquita; CORRÊA, Elourdiê Macena. PROUNI: políticas de
inclusão ou exclusão no contexto das aprendizagens ao longo da vida. Educação e Fronteiras
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