38
capítulo 02 Principais Instrumentos Universais de Direitos Humanos e Respectivos Mecanismos de Aplicação * 21 Principais Instrumentos Universais de Direitos Humanos e Respectivos Mecanismos de Aplicação 02 * capítulo OBJECTIVOS DA APRENDIZAGEM Familiarizar os participantes com os principais tratados universais de direitos humanos e seus mecanismos de aplicação e destacar o con- teúdo de alguns outros instrumentos jurídicos relevantes; Proporcionar uma compreensão básica da forma como estes instru- mentos jurídicos podem ser utilizados pelos juristas, principalmente a nível interno mas também, em certa medida, a nível internacional. QUESTÕES Alguma vez, no exercício das suas actividades profissionais enquanto juiz, magistrado do Ministério Público ou advogado, foi confrontado com um arguido, réu, depoente ou cliente que alegava violação dos seus direitos? Qual foi a sua resposta? Sabia que o direito internacional dos direitos humanos pode fornecer orientações para a solução do problema? Sabia que a alegada vítima poderia, em última instância, submeter o seu caso à apreciação de um órgão internacional de controlo? Se não sabia, teria esse conhecimento alterado a sua forma de responder às alegadas violações de direitos humanos? Alguma vez instaurou um processo contra o seu país perante um órgão internacional em nome de uma alegada vítima de violação de direi- tos humanos? Caso a resposta seja afirmativa, qual foi o desfecho do caso? Qual é a sua experiência relativamente à apresentação desse tipo de queixas?

Direitos Humanos Na Administração Da Justiça -

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Capitulo 2 Mecanismos Convencionais e Extraconvencionais Sistema Global

Citation preview

  • captulo 02 Principais Instrumentos Universais de Direitos Humanos e Respectivos Mecanismos de Aplicao* 21

    Principais Instrumentos Universais de Direitos Humanos e RespectivosMecanismos de Aplicao

    02*captulo

    OBJECTIVOS DA APRENDIZAGEM Familiarizar os participantes com os principais tratados universais dedireitos humanos e seus mecanismos de aplicao e destacar o con-tedo de alguns outros instrumentos jurdicos relevantes;

    Proporcionar uma compreenso bsica da forma como estes instru-mentos jurdicos podem ser utilizados pelos juristas, principalmente anvel interno mas tambm, em certa medida, a nvel internacional.

    QUESTES Alguma vez, no exerccio das suas actividades profissionais enquantojuiz, magistrado do Ministrio Pblico ou advogado, foi confrontado comum arguido, ru, depoente ou cliente que alegava violao dos seusdireitos?

    Qual foi a sua resposta?

    Sabia que o direito internacional dos direitos humanos pode fornecerorientaes para a soluo do problema?

    Sabia que a alegada vtima poderia, em ltima instncia, submetero seu caso apreciao de um rgo internacional de controlo?

    Se no sabia, teria esse conhecimento alterado a sua forma de responders alegadas violaes de direitos humanos?

    Alguma vez instaurou um processo contra o seu pas perante umrgo internacional em nome de uma alegada vtima de violao de direi-tos humanos?

    Caso a resposta seja afirmativa, qual foi o desfecho do caso?

    Qual a sua experincia relativamente apresentao desse tipo dequeixas?

  • 1. Introduo

    1.1 MBITO DO CAPTULO

    O presente captulo fornecer algumas informa-es essenciais a respeito da proteco material emecanismos para o controlo da aplicao de algunsdos principais tratados de direitos humanos emvigor a nvel universal. Dado que o nmero destestratados aumentou bastante nas ltimas dcadas,s ser possvel, neste quadro limitado, examinaras convenes de mbito generalista, que reco-nhecem longas listas de direitos, bem como algumas convenes adoptadas com o objectivoespecfico de combater determinadas prticas par-ticularmente odiosas, como o genocdio, a tortura,a discriminao racial e a discriminao contra asmulheres. Esta seleco foi feita com base na ideiade que estes so os tratados que os juzes, magis-trados do Ministrio Pblico e advogados maisprovavelmente tero de interpretar e aplicar nombito do exerccio quotidiano das suas respon-sabilidades profissionais.

    No presente captulo sero examinados, em pri-meiro lugar, os principais tratados concludos nombito das Naes Unidas. Em segundo lugar,sero analisadas algumas das principais resolu-es adoptadas pela Assembleia Geral das NaesUnidas uma vez que, embora no sejam juridica-mente vinculativas per se, o seu contedo tem, nomnimo, um valor poltico e moral significativoque constitui uma importante fonte de directri-zes e inspirao para os juzes, magistrados doMinistrio Pblico e advogados nacionais. Emseguida, ser feita uma breve referncia a algunsinstrumentos adoptados pelo Congresso das NaesUnidas para a Preveno do Crime e o Tratamentodos Delinquentes bem como pela ConfernciaGeral da Organizao das Naes Unidas para aEducao, Cincia e Cultura (UNESCO). Por ltimo,o presente captulo fornecer alguma informaobsica sobre os mecanismos extra-convencio-nais das Naes Unidas para a monitorizao dosdireitos humanos, que se aplicam a todos osEstados Membros das Naes Unidas com baseno seu compromisso jurdico geral de agir em

    cooperao com [a Organizao], em conjunto ouseparadamente, para a realizao [do objectivo depromover] o respeito universal e efectivo dos direi-tos do homem e das liberdades fundamentais paratodos, sem distino de raa, sexo, lngua ou religio (artigo 56. da Carta, lido em conjuntocom o artigo 55., alnea c)).

    1.2 MECANISMOS INTERNACIONAIS DE CONTROLO BASEADOS NOS TRATADOS

    Cada um dos tratados analisados no presente cap-tulo tem um sistema diferente de controlo da respectiva aplicao, desde procedimentos de apresentao de relatrios gerais e especficos amecanismos quasi-judiciais e judiciais que implicamo exame de queixas apresentadas por indivduosou grupos de indivduos e, em certos casos, mesmopor outros Estados. Estes diversos procedimen-tos podem, em muitos aspectos, considerar-se complementares e, embora tenham objectivosimediatos ligeiramente diferentes, o seu fim geralde proteco dos direitos humanos idntico emtodos os casos.

    Em termos gerais, os procedimentos de apre-sentao de relatrios tm por funo efectuarinventrios regulares e sistemticos dos progressosalcanados na efectivao das obrigaes impostaspelos tratados, a fim de estabelecer um dilogoentre o rgo internacional de controlo compe-tente e o Estado Parte em causa com vista a auxiliareste ltimo na introduo das alteraes na legis-lao e prtica nacionais que sejam necessriasem virtude das suas obrigaes internacionais.Esses relatrios so examinados e discutidos empblico e na presena de representantes do EstadoParte. Embora este dilogo tenha por objectivo,naturalmente, conseguir uma melhoria geral dasituao de direitos humanos no pas em causa,no existe qualquer possibilidade de dar uma res-posta individualizada a violaes eventualmentedetectadas. Regista-se tambm uma tendncia cres-cente para o envolvimento de organizaes nogovernamentais (ONG) no trabalho dos diversoscomits. Estas organizaes constituem impor-tantes fontes de informao a respeito da situao

    22 *Direitos Humanos na Administrao da Justia Srie de Formao Profissional n. 09

    *

  • de direitos humanos nos pases sujeitos a examee dispem muitas vezes de conhecimentos especializados sobre as questes jurdicas abor-dadas pelos comits. Podem assim dar uma tilcontribuio indirecta para as discusses.

    Ao elaborar os seus relat-rios peridicos para os diversosorganismos internacionais de controlo, os Estados Partes soobrigados a fornecer informa-o aprofundada, no apenassobre o quadro jurdico formalem vigor, mas tambm sobre aforma como o mesmo aplicado na prtica. Parapreparar estes relatrios, os Estados Partes podemtambm necessitar do apoio de membros das diver-sas profisses judicirias1.

    Quanto aos mecanismos quasi-judiciais e estri-tamente judiciais, a sua interveno apenas desencadeada na sequncia de uma queixa (comu-nicao, petio) apresentada por um indivduo ou, ao abrigo de alguns tratados, grupo de indiv-duos, ou mesmo Estados Partes. O seu objectivoespecfico consiste em remediar eventuais violaes de direitos humanos no caso concretosubmetido apreciao dos tribunais ou comitscom o fim ltimo de, se necessrio, levar os Estadosa modificar as suas legislaes internas a fim deas tornar compatveis com as respectivas obriga-es jurdicas internacionais. Inmeras reformasforam j introduzidas no direito interno de muitospases em resultado da aco dos mecanismosinternacionais, quer universais quer regionais.

    , contudo, fundamental lembrar que os meca-nismos internacionais nunca podem ser vistos comosubstitutos de mecanismos legais eficazes a nvelinterno. Os direitos humanos tornam-se realidadea nvel nacional atravs da aco das autoridadesnacionais e, conforme salientado no Captulo 1,os procedimentos internacionais de queixa sosubsidirios dos sistemas nacionais disponveispara a salvaguarda do indivduo: so uma soluode ltimo recurso, quando os mecanismos inter-nos destinados a garantir uma proteco eficazdas normas de direitos humanos falham.

    Os mecanismos internacionais de controlo baseados

    nos tratados de direitos humanos consistem em pro-

    cedimentos de apresentao de relatrios e de exame

    de queixas individuais ou inter-estaduais.

    Os procedimentos internacionais de proteco dos direi-

    tos humanos e das liberdades so subsidirios dos

    procedimentos existentes na ordem jurdica interna de

    cada Estado.

    Os procedimentos internacionais no podem jamais

    ser considerados um substituto de procedimentos

    jurdicos eficazes a nvel nacional para a proteco dos

    direitos humanos.

    1.3 DIREITOS CIVIS E POLTICOS E DIREITOSECONMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS

    Como demonstraremos em maior detalhe no Cap-tulo 14 do presente Manual, a interdependnciados direitos civis, culturais, econmicos, polticose sociais tem sido salientada pelas Naes Unidasdesde a criao desta Organizao. , porm, importante afastar desde o incio uma distinofrequentemente invocada entre direitos civis epolticos, por um lado, e direitos econmicos, sociaise culturais, por outro. Segundo esta distino,para respeitarem os direitos civis e polticos, bastaque os Estados se abstenham de matar, provocardesaparecimentos forados, praticar a tortura eoutros actos semelhantes; enquanto que, para efec-tivar o outro grupo de direitos, tm de empreenderaces positivas.

    Contudo, como foi j salientado no Captulo 1, eser demonstrado em maior detalhe em outroscaptulos do presente Manual, existem na verdademuitas situaes que impem aos Estados obri-gaes positivas a fim de cumprir os seus deveresjurdicos internacionais tambm na rea dos direitoscivis e polticos.

    Quando se analisam, sob um ponto de vista estri-tamente prtico, as razes pelas quais, em muitospases do mundo, as pessoas continuam a sermortas e sujeitas a outras formas ilcitas de trata-

    captulo 02 Principais Instrumentos Universais de Direitos Humanos e Respectivos Mecanismos de Aplicao* 23

    1 Quanto forma de ela-borar estes relatrios, videManual on Human RightsReporting, publicado pelasNaes Unidas, Institutodas Naes Unidas para aFormao e Pesquisa(UNITAR) e Centro dasNaes Unidas para osDireitos Humanos, 464pp. (de ora em diantedesignado Manual sobreRelatrios de DireitosHumanos).

  • mento, torna-se claro que precisamente devidoao facto de os Estados no terem tomado as enrgicas medidas positivas necessrias para prfim a tais prticas que as violaes de direitos huma-nos continuam a existir. Essas prticas raramentedesaparecem por si prprias, se que alguma vez isso acontece, e a adopo pelos Estados de uma posio de inaco no constitui, pois, ummeio adequado e suficiente para assegurar o cumprimento das suas obrigaes jurdicas inter-nacionais. Os Estados tm tambm de fazer esforos significativos para organizar periodica-mente eleies livres e justas, bem como paraestabelecer e manter um sistema judicial eficaz,independente e imparcial.

    Esta necessidade imperativa de medidas positivaspara assegurar o cumprimento das obrigaesinternacionais de direitos humanos um impor-tante factor que os juzes, magistrados doMinistrio Pblico e advogados devem ter cons-tantemente presente no exerccio das suas responsabilidades profissionais.

    Para conseguir uma garantia e um respeito efectivos

    dos direitos civis e polticos, pode no ser suficiente que

    os Estados se abstenham de agir. Os Estados podem

    ter de tomar medidas positivas enrgicas a fim de dar

    cumprimento s suas obrigaes jurdicas nesta rea.

    2. Principais Tratados de DireitosHumanos das Naes Unidas e Respectiva Aplicao

    2.1 PACTO INTERNACIONAL SOBRE OS DIREITOSCIVIS E POLTICOS, DE 1966, E SEUS DOIS

    PROTOCOLOS, DE 1966 E 1989

    O Pacto Internacional sobre os Direitos Civis ePolticosN.T.1 e o Protocolo FacultativoN.T.2 que reco-nhece que o Comit tem competncia para recebere examinar comunicaes provenientes de parti-

    culares foram ambos adopta-dos pela Assembleia Geral em1966 e entraram em vigor a 23 de Maro de 1976. O Pactoestabeleceu um organismo composto por peritos, o Comitdos Direitos do Homem, quetem competncia para: (1) ana-lisar relatrios dos EstadosPartes; (2) adoptar ComentriosGerais sobre o significado dasdisposies do Pacto; (3) em certas circunstncias, examinarcomunicaes inter-estaduais;e, finalmente (4) receber comu-nicaes individuais nos termosdo Protocolo Facultativo2.

    A 8 de Fevereiro de 2002, oPacto tinha 148 Estados Partese o Primeiro Protocolo Facul-tativo 1013. At 27 de Julho de2001, 47 Estados tinham for-mulado a declarao prevista noartigo 41., n. 1 do Pacto, assimreconhecendo a competncia doComit para examinar queixasinter-estaduais. Este artigo emparticular entrou em vigor a 28de Maro de 1979.

    Em 1989, a Assembleia Geraladoptou o Segundo ProtocoloAdicional ao Pacto Internacionalsobre os Direitos Civis e Pol-ticos com vista Abolio daPena de MorteN.T.3. Este Proto-colo entrou em vigor a 11 deJulho de 1991 e, a 8 de Fevereirode 2002, contava com 46 Esta-dos Partes.

    2.1.1 OBRIGAES DOS ESTADOS PARTES

    Nos termos do artigo 2. do Pacto Internacionalsobre os Direitos Civis e Polticos, cada EstadoParte no Pacto compromete-se a respeitar e a

    24 *Direitos Humanos na Administrao da Justia Srie de Formao Profissional n. 09

    N.T.1 Assinado por Portugala 7 de Outubro de 1976 eaprovado para ratificaopela Lei n. 29/78, de 12de Junho, publicada noDirio da Repblica, ISrie, n. 133/78 (rectifi-cada mediante aviso derectificao publicado noDirio da Repblica n.153/78, de 6 de Julho); oinstrumento de ratificaofoi depositado junto doSecretrio-Geral dasNaes Unidas a 15 deJunho de 1978 e o Pactoentrou em vigor na ordemjurdica portuguesa a 15 deSetembro de 1978.

    N.T.2 Assinado por Portugala 1 de Agosto de 1978 eaprovado para adesopela Lei n. 13/82, de 15 deJunho, publicada no Dirioda Repblica, I Srie, n.135/82; o instrumento deadeso foi depositadojunto do Secretrio-Geraldas Naes Unidas a 3 deMaio de 1983 e o Proto-colo entrou em vigor naordem jurdica portuguesaa 3 de Agosto de 1983.

    2 Para mais informaosobre o Pacto Internacio-nal sobre os Direitos Civise Polticos e seu procedi-mento de exame de relatrios, vide FaustoPocar, The InternationalCovenant on Civil andPolitical Rights, inManual on Human RightsReporting, pp. 131-235.

    3 Para lista actualizada deEstados Partes, consulte oEstado de Ratificao dosPrincipais Tratados Interna-cionais de Direitos Humanosno seguinte website dasNaes Unidas:www.unhchr.ch.

    N.T.3 Assinado por Portugala 13 de Fevereiro de 1990e aprovado para ratifica-o pela resoluo daAssembleia da Repblican. 25/90, de 27 de Setem-bro, publicada no Dirioda Repblica, I Srie, n.224/90 (rectificada pelaRectificao n. 3/91, de 6de Fevereiro, publicada noDirio da Repblica, ISrie-A, n. 31/91). Ratifi-cado pelo Decreto do Presidente da Repblican. 54/90, de 27 de Setem-bro, publicado no Dirioda Repblica, I Srie, n.224/90. O instrumento deratificao foi depositadojunto do Secretrio-Geraldas Naes Unidas a 17de Outubro de 1990 e este Protocolo entrou emvigor na ordem jurdicaportuguesa a 11 de Julhode 1991.

    *

  • garantir a todos os indivduosque se encontrem nos seus ter-ritrios e estejam sujeitos suajurisdio os direitos reconheci-dos no [] Pacto, sem qualquerdistino, derivada, nomeada-mente, de raa, de cor, de sexo,de lngua, de religio, de opi-nio poltica, ou de qualqueroutra opinio, de origem nacio-nal ou social, de propriedade ou de nascimento, ou de outrasituao4. Conforme referidopelo Comit dos Direitos doHomem no seu ComentrioGeral n. 3, o Pacto no se limita,em consequncia, a impor orespeito pelos direitos huma-nos, tendo-se os Estados Partescomprometido tambm a garan-tir o gozo destes direitos a todos os indivduossujeitos sua jurisdio, compromisso que dizem princpio respeito a todos os direitos consa-grados no Pacto5. O dever jurdico de garantir ogozo destes direitos implica a obrigao de adoptarmedidas positivas a fim de assegurar:

    Em primeiro lugar, a introduo de altera-es na legislao interna, se necessrio, afim de dar cumprimento s obrigaes jur-dicas internacionais do Estado; e

    Em segundo lugar, uma efectiva aplicaoprtica dessa legislao por todos os rgose funcionrios pblicos, tais como tribunais(incluindo tribunais administrativos), magis-trados do Ministrio Pblico, agentes policiais,funcionrios dos servios prisionais, escolas,foras armadas, hospitais e outros.

    Ao ratificarem um tratado destinado proteco dos

    direitos humanos e liberdades fundamentais, os Estados

    tm o dever jurdico de alterar a sua legislao a fim de

    a tornar conforme s suas novas obrigaes interna-

    cionais.

    Os Estados tm tambm de continuar a assegurar o

    efectivo cumprimento das suas obrigaes jurdicas por

    todos os rgos competentes, nomeadamente todos os

    tribunais.

    captulo 02 Principais Instrumentos Universais de Direitos Humanos e Respectivos Mecanismos de Aplicao* 25

    O DIREITO O Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Polticos e o Pacto AUTODETERMINAO Internacional sobre os Direitos Econmicos, Sociais e Culturais con-

    tm um artigo comum 1., n. 1, que proclama o direito de todos ospovos autodeterminao, em virtude do qual determinam livrementeo seu estatuto poltico e dedicam-se livremente ao seu desenvolvimentoeconmico, social e cultural. Para alm disso, o artigo comum 1., n.2 estabelece que para atingir os seus fins, todos os povos podem dis-por livremente das suas riquezas e dos seus recursos naturais e que emnenhum caso pode um povo ser privado dos seus meios de subsistncia.O direito autodeterminao, no seu sentido mais lato, assim consi-derado um pr-requisito do pleno gozo dos direitos civis, culturais, econmicos, polticos e sociais. Este artigo comum pode tambm ser lido luz da Declarao sobre a Concesso de Independncia aos Pasese Povos Coloniais, que foi adoptada pela Assembleia Geral das NaesUnidas no auge do processo de descolonizao em 1960 e que equiparou a sujeio de povos subjugao, explorao e domnioestrangeiros a uma negao dos direitos humanos e a uma violaoda Carta das Naes Unidas (pargrafo operativo 1).

    4 Dever salientar-se que,tal como indica a palavranomeadamente, e serexplicado mais em detalheno Captulo 13 do presenteManual, a lista de funda-mentos proibidos de discriminao no exaustiva.

    5 Comentrio Geral n. 3(Artigo 2.) in UN doc.HRI/GEN/1/Rev.5, Compilation of GeneralComments and GeneralRecommendations Adoptedby Human Rights TreatyBodies [em portugus:Compilao de Coment-rios Gerais e Recomenda-es Gerais Adoptadospelos rgos de Controloda Aplicao dos Trata-dos] (de ora em diantedesignada Compilao deComentrios Gerais dasNaes Unidas), p. 112,pargrafo 1; destaquenosso. Os textos dosComentrios Gerais estotambm publicados nosrelatrios anuais doComit dos Direitos doHomem; o seu texto podeser encontrado noseguinte website dasNaes Unidas:www.unhchr.ch.

  • 2.1.2 DIREITOS RECONHECIDOS

    Sendo um tratado de naturezalegislativa, o Pacto Internacionalsobre os Direitos Civis e Pol-ticos garante uma ampla listade direitos e liberdades, nemtodos no mbito dos tpicosabrangidos pelo presente Manual e que no sero,por isso, examinados em detalhe. Contudo, quais-quer Comentrios Gerais existentes adoptadospelo Comit dos Direitos do Homem em relaoa determinados artigos em concreto sero refe-ridos em notas de rodap; estes comentrios fornecem informaes a respeito da interpretaodada pelo Comit aos artigos em causa. Para almdisso, o segundo volume dos relatrios anuaisapresentados pelo Comit Assembleia Geral contm Pareceres e decises adoptados pelo Comitnos termos do Protocolo Facultativo, que inclueminformao indispensvel para juzes, magistra-dos do Ministrio Pblico e advogados a respeitoda interpretao das disposies do Pacto6.

    Segue-se uma lista dos amplos direitos garanti-dos pelo Pacto Internacional sobre os DireitosCivis e Polticos:

    direito vida artigo 6.7;

    proibio da tortura eoutras penas ou tratamen-tos cruis, desumanos oudegradantes, incluindo aproibio de ser sujeito aexperincias mdicas ou cientficas sem olivre consentimento da pessoa em causa artigo 7.8;

    proibio da escravatura, do trfico de escra-vos e da servido artigo 8., n.s 1 e 2;

    proibio do trabalho forado ou obrigat-rio artigo 8., n. 3;

    direito liberdade e segurana da pessoa,incluindo a proibio de priso ou detenoarbitrrias artigo 9.9;

    direito das pessoas priva-das de liberdade a seremtratadas com humanidadee com respeito pela digni-dade inerente pessoa humana artigo 10.10;

    proibio da priso pela nica razo de queno estar em situao de executar uma obri-gao contratual artigo 11.;

    liberdade de circulao e liberdade de esco-lha da residncia artigo 12., n. 1;

    liberdade de deixar qualquer pas, incluindoo seu artigo 12., n. 2;

    direito de no ser arbitrariamente privadodo direito de entrar no seu prprio pas artigo 12., n. 4;

    determinadas salvaguar-das jurdicas contra asexpulses ilegais de estrangeiros que seencontrem legalmente no territrio de umEstado Parte artigo 13.11;

    direito a que a sua causaseja ouvida equitativamentepor um tribunal independente e imparcial,em processos civis e criminais artigo 14.12;

    proibio da aplicao retroactiva da lei penal,bem como da aplicao retroactiva de penasmais severas do que as aplicveis no momentoem que a infraco foi cometida artigo 15.;

    direito ao reconhecimento da personalidadejurdica artigo 16.;

    proibio de intervenesarbitrrias ou ilegais navida privada, na famlia, no domiclio ou nacorrespodncia, e de atentados ilegais honrae reputao da pessoa artigo 17.13;

    liberdade de pensamento,de conscincia e de reli-gio artigo 18.14;

    26 *Direitos Humanos na Administrao da Justia Srie de Formao Profissional n. 09

    6 Nos primeiros anos deexistncia do Comit, osseus relatrios anuais Assembleia Geral consis-tiam num nico volume,contendo tanto uma descrio das discussesdos relatrios peridicoscomo os Pareceres e deci-ses adoptados ao abrigodo Protocolo Facultativo.

    10 Comentrio Geral n. 9, ibid., pp. 118-119,que foi substitudo e completado pelo Comen-trio Geral n. 21, ibid., pp. 141-143.

    7 Comentrio Geral n. 6, in Compilao deComentrios Gerais dasNaes Unidas, pp. 114-116e Comentrio Geral n. 14,ibid., pp. 126-127.

    8 Comentrio Geral n. 7,ibid., pp. 116-117, que foisubstitudo e completadopelo Comentrio Geral n. 20, ibid., pp. 139-141.

    9 Comentrio Geral n. 8, ibid., pp. 117-118.

    11 Comentrio Geral n. 15, ibid., pp. 127-129.

    12 Comentrio Geral n. 13, ibid., pp. 122-126.

    13 Comentrio Geral n. 16, ibid., pp. 129-131.

    14 Comentrio Geral n. 22, ibid., pp. 144-146.

  • liberdade de opinio e deexpresso artigo 19.15;

    proibio da propagandaem favor da guerra e doapelo ao dio nacional, racial e religiosoque constitua uma incitao discrimina-o, hostilidade ou violncia artigo20.16;

    direito de reunio pacfica artigo 21.;

    liberdade de associao artigo 22.;

    direito de casar livremente,de fundar uma famlia eigualdade de direitos e responsabilidadesdos cnjuges em relao ao casamento, naconstncia do matrimnio e aquando dasua dissoluo artigo 23.17;

    direito da criana a proteco especial semdiscriminao; direito a ser registada ime-diatamente aps o nascimento e direito auma nacionalidade artigo 24.18;

    direito de participao nos negcios pblicos;direito de voto em elei-es peridicas por sufrgio universal e iguale por escrutnio secreto,bem como o direito deacesso s funes pbli-cas do seu pas artigo2519;

    direito igualdade perante a lei e igualproteco da lei artigo 26.20;

    direito das minorias agozar a sua prpria cul-tura, religio e lngua artigo 27.21.

    2.1.3 RESTRIES ADMISSVEIS AO EXERCCIODOS DIREITOS

    Alguns dos direitos acima indicados, como o direito liberdade de circulao (artigo 12., n. 3), odireito de manifestar a sua prpria religio ouconvices (artigo 18., n. 3), o exerccio dos direi-tos liberdade de expresso (artigo 19., n. 3),reunio pacfica (artigo 21.) e liberdade de asso-ciao (artigo 22., n. 2), podem ser restringidospara determinados fins especificamente defini-dos, como a segurana nacional, a ordem pblica,a sade ou moral pblicas, ou o respeito dos direi-tos fundamentais dos demais.

    Contudo, as restries s podemser legalmente impostas se esti-verem previstas ou consagradasna lei e forem necessrias numasociedade democrtica para umou vrios dos fins legtimos defi-nidos nas disposies em causa. verdade que a referncia auma sociedade democrtica s se encontra nosartigos 21. e 22. relativamente s restries quepodem ser impostas, respectivamente, ao exerc-cio do direito de reunio pacfica e do direito liberdade de associao, no constando das disposies relativas restrio dos direitos liber-dade de circulao, liberdade de manifestar a suaprpria religio ou convices e liberdade de expres-so. Decorre, porm, da interpretao destas disposies, luz do contexto do prprio Pacto,bem como do seu objecto e fim, que tal noo fazintrinsecamente parte de todas as normas relati-vas restrio de direitos e, consequentemente,condiciona a sua interpretao22.

    Conforme assinalado no Captulo 1, as disposiesrelativas restrio de direitos reflectem uma cui-dadosa ponderao de interesses individuais egerais que tm tambm de ser ponderados entresi quando as restries se aplicam a um caso concreto. Isto significa, no apenas que as prprias leis que prevem a possibilidade de restries ao exerccio dos direitos tm, em si mesmas, de ser proporcionais ao fim legtimo indicado, mas tambm que os critrios de pro-

    captulo 02 Principais Instrumentos Universais de Direitos Humanos e Respectivos Mecanismos de Aplicao* 27

    15 Comentrio Geral n. 10, ibid., pp. 119-120.

    22 Vide Anna-Lena Svens-son-McCarthy, The Interna-tional Law of HumanRights and States of Exception With SpecialReference to the TravauxPrparatoires and Case-Lawof the International Monito-ring Organs (Haia/Boston/Londres, Martinus NijhoffPublishers, 1998), pp. 112-114, em particular aargumentao constanteda p. 113.

    16 Comentrio Geral n. 11, ibid., pp. 120-121.

    17 Comentrio Geral n. 19, ibid., pp. 137-138.

    18 Comentrio Geral n. 17, ibid., pp. 132-134.

    19 Comentrio Geral n. 25, ibid., pp. 157-162.

    20 Sobre a questo da nodiscriminao em geralvide, em particular, o Comentrio Geral n. 18,ibid., pp. 134-137. Quantoao dever dos Estados Partes de assegurarem aigualdade de direitos entre homens e mulhe-res, vide tambm o Comentrio Geral n. 4,ibid., p. 113, que foi substitudo pelo Comentrio Geral n. 28(Artigo 3. Igualdade de direitos entre homens e mulheres), ibid., pp. 168-174.

    21 Comentrio Geral n. 23, ibid., pp. 147-150.

  • porcionalidade tm de ser respeitados quando aplicados a determinada pessoa.

    A subsidiariedade do sistema internacional deproteco dos direitos humanos implica, contudo,que compete em primeira instncia s autorida-des nacionais avaliar, quer a necessidade legtimade quaisquer restries ao exerccio de direi-tos humanos, quer a respectiva necessidade/proporcionalidade. Apenas existe uma supervisointernacional acrescida das medidas adoptadas nombito da anlise dos relatrios dos Estados Partesou de comunicaes individuais apresentadas emconformidade com o Primeiro Protocolo Facul-tativo.

    Os critrios a utilizar para determinar se o exerccio

    de um direito foi restringido de forma lcita so os

    seguintes:

    Princpio da legalidade, no sentido de que a medida

    restritiva tem de estar prevista na lei;

    Princpio do fim legtimo numa sociedade democr-

    tica; as restries ao exerccio de direitos humanos

    no podem ser licitamente justificadas ao abrigo do

    Pacto por razes que no estejam expressamente

    indicadas no mesmo ou para fins estranhos a uma

    efectiva proteco dos direitos humanos;

    Princpio da proporcionalidade, no sentido de que a

    ingerncia no exerccio do direito de uma pessoa tem

    de ser necessria para o fim ou fins legtimos; daqui

    resulta no ser suficiente que a medida seja simples-

    mente razovel ou eventualmente aconselhvel; tem

    que ser necessria.

    2.1.4 ADMISSIBILIDADE DA DERROGAODE OBRIGAES JURDICAS

    A questo da derrogao de obrigaes jurdicasinternacionais na rea dos direitos humanos seranalisada de forma mais aprofundada no Captulo16 do presente Manual, mas pode ser til, nestafase inicial, enunciar resumidamente as condi-

    es rigorosas a que est sujeito o direito dosEstados Partes de recorrer a derrogaes das suasobrigaes jurdicas ao abrigo do disposto no artigo4. do Pacto:

    A condio de emergncia pblica queameaa a existncia da nao: o EstadoParte que considera a possibilidade de pro-ceder a uma derrogao deve enfrentar umasituao de ameaa excepcional que colo-que em perigo a vida da nao, daqui seexcluindo perturbaes de maior ou menorgravidade que no afectem o funcionamentodas instituies democrticas do Estado oua vida das pessoas em geral;

    A condio da proclama-o oficial: a existncia deuma situao de emer-gncia pblica que ameaa a vida da naodeve ser proclamada por um acto oficial(artigo 4., n. 1); tal como foi explicadodurante o processo de redaco do artigo 4.,o objectivo desta disposio consiste em impe-dir que os Estados procedam a derrogaesarbitrrias das obrigaes impostas peloPacto quando os factos no o justificam23;s

    A condio da inderrogabilidade de certasobrigaes: o artigo 4., n. 2 do Pacto enu-mera alguns direitos que no podem jamaisser derrogados, mesmo nas situaes maisgraves. So eles: o direito vida (artigo 6.),a proibio da tortura e das penas ou trata-mentos cruis, desumanos ou degradantes(artigo 7.), a proibio da escravatura, do trfico de escravos e da servido (artigo 8.,n.s 1 e 2), a proibio da priso pela nicarazo de que no estar em situao de exe-cutar uma obrigao contratual (artigo 11.),a proibio da aplicao retroactiva da leipenal (artigo 15.), o direito personalidadejurdica (artigo 16.) e, finalmente, o direito liberdade de pensamento, de conscinciae de religio (artigo 18.). Resulta, contudo, dotrabalho do Comit dos Direitos do Homemno ser possvel concluir a contrario que o facto de determinado direito no estar

    28 *Direitos Humanos na Administrao da Justia Srie de Formao Profissional n. 09

    23 Documento das NaesUnidas E/CN.4/ SR.195, p.16, pargrafo 82; explica-o dada pelo Senhor Cassin, da Frana.

  • expressamente mencio-nado no artigo 4., n. 2significa que o mesmopode ser derrogado. Con-sequentemente, algunsdireitos no so suscept-veis de derrogao porserem considerados ine-rentes ao Pacto no seu conjunto; disto exemploo direito a vias judiciaisde recurso em caso de priso ou deteno con-sagrado no artigo 9., n.s

    3 e 424; outros direitospodem tambm no admi-tir derrogaes por seremindispensveis ao gozo dosdireitos explicitamentereferidos no artigo 4., n. 2, como o direito a umjulgamento justo das pes-soas em risco de condenao morte25. OComit tem ainda considerado, ao abrigodas competncias que lhe confere o Proto-colo Facultativo, que o direito a ser julgadopor um tribunal independente e imparcial um direito absoluto que no admite excep-es26.

    A condio da necessidade absoluta: estacondio implica que o Estado Parteapenas pode tomar medidas que derroguemas obrigaes previstas no [] Pacto naestrita medida em que a situao o exigir;comparada com as disposies ordinriasem matria de restrio de direitos acimareferidas, a condio da necessidade abso-luta obriga a uma interpretao restritivado princpio da proporcionalidade, no sentido em que as medidas legislativas adop-tadas devem ser, como tal, estritamente exigidas pela situao de emergncia; e, emsegundo lugar, que qualquer medida individual tomada com base em tal legisla-o deve ser, da mesma forma, estritamenteproporcional. assim necessrio considerarse as medidas em causa so estritamente

    necessrias para fazer face situao de emergncia.O Comit tem salientado,em geral, que as medidas adoptadas aoabrigo do artigo 4. so de natureza excep-cional e temporria e apenas se podem manter enquanto estiver em risco a existncia da nao em causa27;

    A condio da compatibilidade com as demaisobrigaes jurdicas internacionais: com basenesta condio, o Comit dos Direitos doHomem est, em princpio, autorizado adeterminar se as medidas de derrogaoso eventualmente ilcitas por incompati-bilidade com outros tratados internacionaistais como, por exemplo, outros tratados destinados proteco da pessoa humana, oumesmo com o direito internacional humani-trio ou o direito internacional costumeiro;

    A condio da no discriminao: as medi-das de derrogao no podem envolver umadiscriminao fundada unicamente sobrea raa, a cor, o sexo, a lngua, a religio oua origem social (artigo 4., n. 1, in fine).Esta uma condio importante, uma vezque sobretudo nas situaes de emer-gncia que existe o risco de imposio demedidas discriminatrias sem qualquerobjectivo e justificao razovel;

    A condio da notificao internacional: parase prevalecer do direito de derrogao, umEstado Parte deve, finalmente, cumprir osrequisitos enunciados no artigo 4., n. 3do Pacto, notificando imediatamente a derrogao aos restantes Estados Partes atravs do Secretrio Geral das NaesUnidas. Nesta notificao, deve descreveras disposies derrogadas, bem como os motivos dessa derrogao. Deve ser efectuada uma segunda notificao na dataem que se ps fim a essa derrogao.

    O Comentrio Geral n. 29, adoptado pelo Comitdos Direitos do Homem em Julho de 2001, for-nece mais pormenores acerca da interpretao das

    captulo 02 Principais Instrumentos Universais de Direitos Humanos e Respectivos Mecanismos de Aplicao* 29

    24 Vide em particular a resposta do Comit dosDireitos do Homem aopedido da Sub-Comissopara a Preveno da Dis-criminao e Protecodas Minorias para que oComit considere um pro-jecto de protocolo comvista ao reforo do direitoa um julgamento justo,documento das NaesUnidas GAOR,A/49/40(vol.I), pp.4-5,pargrafos 22-25.

    25 Cf. artigo 6., n. 2, queestabelece que a pena demorte no pode serimposta em contradiocom as disposies dopresente Pacto; parajurisprudncia, vide, porexemplo, a Comunicaon. 16/1977, D. MonguyaMbenge v. Zaire (pareceradoptado a 25 de Maro de 1983), GAOR, A/38/40, p. 139, pargrafo 17. A exigncia diz respeitotanto lei substantivacomo lei processual em aplicao da qual apena de morte foiimposta.

    26 Comunicao n. 263/1987, M. Gonzlez del Rov. Peru (parecer adoptado a28 de Outubro de 1992, na46. sesso), GAOR, A/48/40 (vol. II), p. 20, par-grafo 5.2; destaque nosso.

    27 Comentrio Geral n. 22, in Compilao deComentrios Gerais dasNaes Unidas, p. 114,pargrafo 3.

  • diversas condies enunciadas no artigo 4. doPacto. Este Comentrio ser examinado no Captulo16, que proporcionar uma anlise mais completado direito dos Estados de derrogar as suas obri-gaes internacionais de direitos humanos emdeterminadas circunstncias excepcionais.

    Em certas situaes excepcionais que representem uma

    ameaa para a existncia da nao, os Estados Partes

    no Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Polticos

    podem tomar medidas em derrogao das obrigaes

    jurdicas por si assumidas em virtude do Pacto, na

    estrita medida em que a situao o exigir.

    Estas derrogaes devem ser conformes aos princpios

    da inderrogabilidade de alguns direitos, da no discrimi-

    nao, da compatibilidade com as demais obrigaes

    internacionais do Estado e da notificao internacional.

    2.1.5 MECANISMOS DE APLICAO

    A aplicao do Pacto controlada pelo Comit dosDireitos do Homem, composto por dezoito mem-bros que tm assento a ttulo individual (artigo28.). O controlo exercido de trs formas diferen-tes, a saber: apresentao de relatrios peridicos,comunicaes inter-estaduais e comunicaes indi-viduais.

    Procedimento de apresentao de relatrios:de acordo com o artigo 40. do Pacto, osEstados Partes comprometem-se a apresen-tar relatrios sobre as medidas que houveremtomado e dem efeito aos direitos con-signados no Pacto e sobre os progressos realizados no gozo destes direitos, primeirono prazo de um ano aps a entrada emvigor do Pacto para os Estados Partes emcausa e, da em diante, sempre que o Comito solicitar, isto , a cada cinco anos. Os rela-trios devero indicar quaisquer factorese dificuldades que afectem a execuo dasdisposies do [] Pacto, e o Comit ela-borou directrizes detalhadas para facilitara tarefa dos Estados Partes e tornar os rela-

    trios mais eficazes. EmJulho de 1999, o Comitadoptou directrizes consolidadas para a apre-sentao dos relatrios dos Estados Partes28;

    Comunicaes inter-estaduais: conforme refe-rido na seco 2.1, os Estados Partes noPacto podem declarar a qualquer momento,nos termos do artigo 41., que reconhecema competncia do Comit para receber eapreciar comunicaes nas quais um EstadoParte pretende que um outro Estado Parteno cumpre as suas obrigaes resultantesdo presente Pacto; por outras palavras, apossibilidade de submeter apreciao doComit comunicaes inter-estaduais apenas vlida entre os Estados Partes queformularam uma declarao deste tipo. Nafase inicial do processo, a comunicao apenas dirigida por um Estado Parte a outro,e s no caso de a questo no ser reguladasatisfatoriamente entre os dois Estados inte-ressados no prazo de seis meses poderqualquer dos Estados submeter a matria apreciao do Comit (artigo 41., n. 1,alneas a) e b)). O Comit tem de seguir oprocedimento enunciado no artigo 41., n.1, alneas c) a h) mas, uma vez que estemecanismo no foi jamais utilizado nosprimeiros 25 anos de existncia do Comit,no nos voltaremos a referir a ele;

    Comunicaes individuais: nos termos doartigo 1. do Protocolo Facultativo, os EstadosPartes neste instrumento reconhecem queo Comit tem competncia para receber eexaminar comunicaes provenientes departiculares sujeitos sua jurisdio quealeguem ser vtimas de uma violao, poresses Estados Partes, de qualquer dos direi-tos enunciados no Pacto. Contudo, deacordo com o artigo 2. do Protocolo, osindivduos que aleguem violao dos seusdireitos devero primeiro esgotar todos osrecursos disponveis a nvel interno; paraalm disso, o Comit considerar inad-missvel qualquer comunicao que sejaannima, ou cuja apresentao considere

    30 *Direitos Humanos na Administrao da Justia Srie de Formao Profissional n. 09

    28 Vide documento dasNaes UnidasCCPR/C/66/GUI.

  • constituir um abuso de direito ou julgueser incompatvel com as disposies doPacto (artigo 3.). Caso a comunicao sejaadmitida, o Comit transmite-a ao EstadoParte visado, que pode apresentar a suaexplicao, por escrito, no prazo de seismeses. O procedimento perante o Comitdecorre, pois, exclusivamente por escrito eas discusses no seio do Comit a respeitodas comunicaes recebidas realizam-se porta fechada (artigos 4. e 5.). No final dasua anlise de uma comunicao, o Comitadopta o seu Parecer sobre o caso, que enviado tanto ao Estado Parte em causacomo ao particular (artigo 5., n. 4).

    Inmeras comunicaes foram j apresentadasao abrigo do Protocolo Facultativo as quais, emalguns casos, levaram a alteraes na legislaonacional de alguns Estados Partes.

    O Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Polticos

    dispe dos seguintes mecanismos de aplicao:

    Procedimento de apresentao de relatrios (artigo

    40.);

    Comunicaes inter-estaduais (artigo 41.) e

    Comunicaes individuais (artigo 1. do Protocolo

    Facultativo).

    2.2 PACTO INTERNACIONAL SOBRE OS DIREITOSECONMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS, DE 1966

    O Pacto Internacional sobre os Direitos Econmicos, Sociais e Culturais foi adoptado pelaAssembleia Geral das NaesUnidas em 1966 e entrou emvigor a 3 de Janeiro de 1976N.T.4.A 8 de Fevereiro de 2002, 145Estados eram Partes no Pacto.Este instrumento estabelece umprocedimento de apresentaode relatrios sobre as medi-das adoptadas pelos EstadosPartes e os progressos alcana-dos na efectivao dos direitosconsagrados no Pacto (artigo16.). Nos termos do Pacto, com-pete formalmente ao Conselho Econmico e Social controlar a observncia, pelos Estados Partes, das obrigaes jurdicas impostas por esse instrumento; contudo, desde 1987 que esta tarefa desempenhada pelo Comit dosDireitos Econmicos, Sociais e Culturais o qual no constitui, em sentido estrito, um rgocriado por tratado como o Comit dos Direitos doHomem.29

    captulo 02 Principais Instrumentos Universais de Direitos Humanos e Respectivos Mecanismos de Aplicao* 31

    PORQUE EXISTEM DOIS Tanto o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis ePACTOS INTERNACIONAIS? Polticos como o Pacto Internacional sobre os Direi-

    tos Econmicos, Sociais e Culturais comearam porser elaborados pela Comisso de Direitos Humanos das Naes Unidase estavam includos num nico documento at ser decidido, aps inmeros debates, separ-los e redigir dois pactos para adopo emsimultneo. A razo desta diviso foi a natureza mais complexa dosdireitos econmicos, sociais e culturais, que exigiam mecanismos deelaborao e aplicao particularmente rigorosos e adaptados natu-reza especfica deste conjunto de direitos. Em virtude dos diferentes nveisde desenvolvimento dos vrios Estados, foi tambm necessrio preverno Pacto Internacional sobre os Direitos Econmicos, Sociais e Culturaisa possibilidade de realizao progressiva, embora isto nunca tenha que-rido significar que o Pacto no impe obrigaes imediatas30.

    N.T.4 Assinado por Portugala 7 de Outubro de 1976 eaprovado para ratificaopela Lei n. 45/78, de 11 deJulho, publicada no Dirioda Repblica, I Srie, n.157/78. O instrumento deratificao foi depositadojunto do Secretrio-Geraldas Naes Unidas a 31de Julho de 1978 e o Pacto entrou em vigor na ordem jurdica portuguesa a 31 de Outubro de 1978.

    29 Para mais informaoacerca do Pacto Internacional sobre osDireitos Econmicos,Sociais e Culturais e seu procedimento deexame de relatrios, vide Philip Alston, The International Covenant on Economic,Social and CulturalRights, in Manual onHuman Rights Reporting,pp. 57-129.

    30 Para mais detalhessobre os debates a esterespeito, vide o Captulo14, subseco 2.2.

  • 2.2.1 OBRIGAES DOS ESTADOS PARTES

    Cada Estado Parte no PactoInternacional sobre os DireitosEconmicos, Sociais e Culturaiscompromete-se a agir, quercom o seu prprio esforo, quercom a assistncia e cooperaointernacionais, especialmente nos planos econ-mico e tcnico, no mximo dos seus recursos disponveis, de modo a assegurar progressiva-mente o pleno exerccio dos direitos reconhecidosno [] Pacto por todos os meios apropriados,incluindo em particular por meio de medidaslegislativas (artigo 2., n. 1). Embora o Pacto permita assim uma realizao progressiva e reco-nhea as limitaes impostas pela escassez derecursos disponveis, o Comit salientou no seuComentrio Geral n. 3 que impe tambm diver-sas obrigaes de efeito imediato. Na opinio doComit, duas destas obrigaes assumem parti-cular importncia, nomeadamente: em primeirolugar, o compromisso, consagrado no artigo 2.,n. 2, de garantir que os direitos [] enunciados[no Pacto] sero exercidos sem discriminao algumabaseada em certos fundamentos especficos; e,em segundo lugar, o compromisso, constante doartigo 2., n. 1, de agir o qual, em si mesmo,no qualificado ou limitado por outras consi-deraes31. Por outras palavras, embora a plenarealizao dos direitos em causa possa ser alcan-ada de forma progressiva, devem ser adoptadasmedidas tendentes a atingir esse fim num prazorazoavelmente curto aps a entrada em vigor doPacto para os Estados em questo. Estas medidasdevem ser deliberadas, concretas e orientadas toclaramente quanto possvel para o cumprimentodas obrigaes reconhecidas no Pacto32.

    2.2.2 DIREITOS RECONHECIDOS

    Os direitos que a seguir se enunciam encontram--se reconhecidos no Pacto Internacional sobre osDireitos Econmicos, Sociais e Culturais. Sempre queo Comit tenha adoptado Comentrios Gerais comrelevncia para a interpretao destes direitos, taiscomentrios sero mencionados em nota de rodap.

    Direito ao trabalho, que compreende odireito de ganhar a vida atravs de um tra-balho livremente escolhido ou aceite artigo6.;

    Direito a gozar de condies de trabalhojustas e favorveis, incluindo uma remune-rao equitativa para trabalho de igual valorsem distino de qualquer tipo artigo 7.;

    Direito de formar sindicatos e de se filiarno sindicato da sua escolha artigo 8.;

    Direito segurana social, incluindo segu-ros sociais artigo 9.;

    Proteco e assistncia famlia; livre con-sentimento para a celebrao do casamento;proteco da maternidade; proteco e assistncia s crianas e jovens artigo 10.;

    Direito a um nvel de vidasuficiente, incluindo ali-mentao33, vesturio ealojamento suficientes34,e melhoria constantedas condies de vida artigo 11.;

    Direito ao melhor estado de sade fsica emental possvel de atingir artigo 12.;

    Direito educao artigo 13.35;

    Compromisso de elaborarplanos de aco detalhadoscaso o ensino primrioobrigatrio no esteja ainda assegurado artigo 14.36;

    Direito de participar na vida cultural, debeneficiar do progresso cientfico e suasaplicaes e de beneficiar da proteco dosinteresses morais e materiais que decor-rem de toda a produo cientfica, literriaou artstica de que cada um seja autor artigo 15..

    32 *Direitos Humanos na Administrao da Justia Srie de Formao Profissional n. 09

    31 Vide o Comentrio GeralN. 3 (A natureza das obri-gaes dos Estados Partes(artigo 2., primeiro par-grafo)), in Compilao deComentrios Gerais dasNaes Unidas, p. 18, par-grafos 1 e 2.

    32 Ibid., p. 18, pargrafo 2.

    33 Comentrio Geral n. 12(Direito a uma alimenta-o adequada artigo 11.),ibid., pp. 66-74.

    34 Comentrio Geral n. 4(Direito a uma habitaoadequada artigo 11., n. 1), ibid., pp. 22-27; videtambm o ComentrioGeral n. 7 (Direito a umahabitao adequada artigo 11., n. 1: expulsesforadas), ibid., pp. 49-54.

    35 Comentrio Geral n. 13 (Direito educao artigo 13.), ibid., pp. 74-89.

    36 Comentrio Geral n. 11(Planos de aco para oensino primrio artigo14.), ibid., pp. 63-66.

  • 2.2.3 RESTRIES ADMISSVEIS AOS DIREITOS

    O Pacto Internacional sobre osDireitos Econmicos, Sociais eCulturais contm uma restriogenrica no seu artigo 4.,segundo o qual o Estado s podesujeitar o gozo dos direitosgarantidos pelo Pacto s limitaes estabelecidaspela lei, unicamente na medida compatvel coma natureza desses direitos e exclusivamente como fim de promover o bem-estar geral numa socie-dade democrtica. Para alm disto, as alneas a)e c) do artigo 8., n. 1 consagram restries aoexerccio de direitos especficos, apenas podendoo exerccio do direito de constituio e filiaosindical, bem como do direito dos sindicatos deexercer livremente a sua actividade, ser sujeito slimitaes previstas na lei, e que sejam neces-srias numa sociedade democrtica, no interesseda segurana social ou da ordem pblica ou paraproteger os direitos e as liberdades de outrem.Dos trabalhos preparatrios do artigo 4. resultaclaramente que se considerou importante incluira condio de que as restries tm de ser com-patveis com uma sociedade democrtica, isto ,uma sociedade baseada no respeito dos direitose liberdades dos outros37; se assim no fosse,sugeriu-se, o texto poderia ao invs servir per-feitamente os fins da ditadura38.

    Ao contrrio do Pacto Interna-cional sobre os Direitos Civis ePolticos, o Pacto Internacionalsobre os Direitos Econmicos,Sociais e Culturais no contm qualquer disposioque admita a derrogao das obrigaes jurdicaspor ele impostas. pois lgico que no se tenhaestabelecido expressamente a inderrogabilidadede nenhum dos direitos previstos neste Pacto.Contudo, tal como observado por um membro doComit dos Direitos Econmicos, Sociais e Cultu-rais, os requisitos especficos que devem estarpreenchidos para justificar a imposio de restri-es em conformidade com o artigo 4. sero difceisde satisfazer na maioria das vezes39. Em parti-cular, para que uma restrio seja compatvel como artigo 4., ter de ser estabelecida pela lei,

    compatvel com a natureza des-ses direitos, e unicamente destinada a promovero bem-estar geral numa sociedade democrtica40.

    O gozo dos direitos garantidos pelo Pacto Internacional

    sobre os Direitos Econmicos, Sociais e Culturais s

    pode ser sujeito a restries que sejam:

    estabelecidas pela lei;

    compatveis com a natureza desses direitos;

    destinadas a promover o bem-estar geral numa

    sociedade democrtica.

    O Pacto Internacional sobre os Direitos Econmicos,

    Sociais e Culturais no contm qualquer disposio

    que permita a derrogao das obrigaes jurdicas por

    ele impostas.

    2.2.4 MECANISMO DE APLICAO

    Ao abrigo do artigo 16. doPacto, os Estados Partes comprometem-se a apresentarrelatrios sobre as medidas quetiverem adoptado e sobre os progressos realizadoscom vista a assegurar o respeito dos direitos nelereconhecidos, estando o Conselho Econmico eSocial das Naes Unidas formalmente incum-bido de controlar o cumprimento das disposiesdo Pacto (artigo 16., n. 2, alnea a)). Contudo,dado que os procedimentos inicialmente estabe-lecidos para o exame dos relatrios peridicos noeram satisfatrios, o Conselho instituiu, em 1985,o Comit dos Direitos Econmicos, Sociais e Cul-turais, rgo de peritos independentes paralelo aoComit dos Direitos do Homem estabelecido peloPacto Internacional sobre os Direitos Civis e Pol-ticos41. O Comit composto por dezoito membrosque tm assento a ttulo pessoal.

    Como acontece com o Comit dos Direitos doHomem, os relatrios apresentados pelos EstadosPartes so examinados em sesses pblicas e napresena de representantes do Estado Parte emcausa. A discusso destina-se a estabelecer umdilogo construtivo e mutuamente proveitoso

    captulo 02 Principais Instrumentos Universais de Direitos Humanos e Respectivos Mecanismos de Aplicao* 33

    37 Vide documento dasNaes Unidas E/CN.4/SR.235, p. 9, declarao do Senhor Ciasullo, doUruguai.

    38 Vide ibid., p. 20 e tambm p. 11, declaraodo Senhor Eustathiades,da Grcia.

    40 Ibid., loc. cit.

    41 Ibid., p. 117. Videtambm pp. 118-119. Para o texto da resoluoque criou o Comit, videresoluo do ECOSOC1985/17, de 28 de Maio de 1985.

    39 Vide Philip Alston, TheInternational Covenant onEconomic, Social and Cul-tural Rights, in Manualon Human RightsReporting, p. 74.

  • para que os membros do Comit possam obter uma ideia mais completa da situaoexistente no pas em questo, assim lhes permi-tindo formular os comentrios que acreditamserem mais adequados para um mais eficaz cum-primento das obrigaes consagradas no Pacto42.

    Na sequncia de um convite doConselho Econmico e Social,o Comit dos Direitos Econmi-cos, Sociais e Culturais comeoua adoptar Comentrios Geraisa fim de auxiliar os EstadosPartes no cumprimento das suasobrigaes em matria de apre-sentao de relatrios43. OsComentrios Gerais baseiam-sena experincia adquirida peloComit atravs do processo deexame de relatrios e chamama ateno dos Estados Partespara as insuficincias detectadas, sugerindo tambm a introduo de melhoramentos nesteprocesso. Por ltimo, os Comentrios Gerais des-tinam-se a estimular as actividades dos EstadosPartes, bem como das organizaes internacionaise agncias especializadas competentes, para alcan-ar progressiva e eficazmente a plena realizaodos direitos reconhecidos no Pacto44.

    At agora, as tentativas de elaborao de um protocolo adicional destinado a criar um procedi-mento de queixa individual no tiveram xitoN.T.5.

    O mecanismo de aplicao previsto no Pacto Inter-

    nacional sobre os Direitos Econmicos, Sociais e

    Culturais consiste unicamente num sistema de

    apresentao de relatrios.

    2.3 CONVENO SOBRE OS DIREITOS DA CRIANA, DE 1989, E SEUS DOIS PROTOCOLOS

    FACULTATIVOS, DE 2000

    Embora as crianas se encontrem tambm prote-gidas pelos tratados gerais destinados proteco

    da pessoa humana, considerou--se importante elaborar umaconveno especificamente dedi-cada s especiais necessidadesda infncia. Aps dez anos detrabalho, a Conveno sobre osDireitos da Criana foi adoptadapela Assembleia Geral em 1989,tendo entrado em vigor a 2 deSetembro de 1990. A 8 deFevereiro de 2002, contava com191 Estados PartesN.T.6. Poucosanos aps ter sido adoptada, aConveno tinha sido objectode uma ratificao quase uni-versal, comeando a ter umaimportante influncia nas deci-ses dos tribunais nacionais. Oprincpio orientador de toda aConveno o de que todas asdecises relativas a crianas [] tero primacial-mente em conta o interesse superior da criana(artigo 3., n. 1; destaque nosso)45.

    A Conveno instituiu um Comitdos Direitos da Criana com ofim de examinar os progressosrealizados pelos Estados Partesno cumprimento das obrigaesque lhes cabem nos termos da[] Conveno (artigo 43., n. 1).

    A 25 de Maio de 2000, a Assem-bleia Geral adoptou ainda doisProtocolos Facultativos Con-veno, designadamente o Protocolo Facultativo relativo Venda de Crianas, ProstituioInfantil e Pornografia InfantilN.T.7

    e o Protocolo Facultativo rela-tivo Participao de Crianasem Conflitos ArmadosN.T.8. Oprimeiro dos Protocolos Facul-tativos entrou em vigor a 18 deJaneiro de 2002, isto , trsmeses aps o depsito do dcimoinstrumento de ratificao ouadeso (artigo 14., n. 1), ao passo

    34 *Direitos Humanos na Administrao da Justia Srie de Formao Profissional n. 09

    42 Ibid., p. 121.

    43 Vide documento dasNaes Unidas E/2000/22(E/C.12/1999/11), p. 22,pargrafo 49.

    44 Ibid., p. 22, pargrafo 51.

    N.T.5 A 22 de Abril de 2002,a Comisso de DireitosHumanos (CDH), criou,por proposta de Portugal,um grupo de trabalho decomposio aberta encar-regado de consideraropes com vista elabo-rao de um protocolofacultativo ao Pacto Inter-nacional sobre os DireitosEconmicos, Sociais eCulturais. Este Grupo deTrabalho, cujo mandatofoi renovado por doisanos pela resoluo2004/29 da CDH, era, at31 de Dezembro de 2005,presidido pela portuguesaCatarina de Albuquerque.

    N.T.6 Esta Conveno foiassinada por Portugal a 26de Janeiro de 1990, apro-vada para ratificao pelaresoluo da Assembleiada Repblica n. 20/90, de12 de Setembro, publicadano Dirio da Repblica, ISrie, n. 211/90 e ratifi-cada pelo Decreto do Presidente da Repblican. 49/90, da mesmadata. O instrumento deratificao foi depositadojunto do Secretrio-Geraldas Naes Unidas a 21de Setembro de 1990 e aConveno entrou emvigor na ordem jurdicaportuguesa a 21 de Outu-bro de 1990.

    45 Para uma completaexplicao do significadodas disposies da Conveno, vide Imple-mentation Handbook forthe Convention on theRights of the Child [em portugus: Manual de Apli-cao da Conveno sobreos Direitos da Criana], pre-parado para a UNICEF porRachel Hodgkin e PeterNewell, UNICEF, 1998,681 pp. (de ora em diantedesignado Manual de Apli-cao da UNICEF).

    N.T.7 Assinado por Portugala 6 de Setembro de 2000,aprovado para ratificaopela resoluo da Assem-bleia da Repblica n.16/2003, de 5 de Maro,publicada no Dirio daRepblica, I Srie-A, n. 54e ratificado pelo Decretodo Presidente da Repblican. 14/2003, da mesmadata. O instrumento deratificao foi depositadojunto do Secretrio Geraldas Naes Unidas a 16de Maio de 2003 e o Pro-tocolo entrou em vigor naordem jurdica portuguesaa 16 de Junho de 2003.N.T.8 Assinado por Portugala 6 de Setembro de 2000,aprovado para ratificaopela resoluo da Assem-bleia da Repblica n. 22/2003, de 28 de Maro,publicada no Dirio daRepblica, I Srie-A, n. 74,e ratificado pelo Decretodo Presidente da Repblican. 22/2003, da mesma data.O instrumento de ratifica-o foi depositado junto doSecretrio Geral das NaesUnidas a 19 de Agosto de2003 e o Protocolo entrouem vigor na ordem jurdicaportuguesa a 19 de Setem-bro de 2003. No momentoda ratificao, Portugalformulou a seguinte decla-rao: Nos termos do n. 2do artigo 3. do Protocolo,Portugal declara que a sualegislao interna fixa em 18anos a idade mnima a par-tir da qual autorizado orecrutamento voluntrionas suas Foras Armadas.

  • que o segundo dos ProtocolosFacultativos entrou em vigor a13 de Fevereiro de 2002, umavez preenchido o mesmo requi-sito (artigo 10., n. 1)46. At 8de Fevereiro de 2002, estes Pro-tocolos contavam com 17 e 14ratificaes, respectivamente.

    2.3.1 OBRIGAES DOS ESTADOS PARTES

    Tal como nos dois PactosInternacionais, os Estados Partesna Conveno sobre os Direitosda Criana comprometem-se,em termos gerais, a respeitare a garantir os direitos previs-tos na [] Conveno a todas ascrianas que se encontrem sujei-tas sua jurisdio, sem discriminao alguma(artigo 2., n. 1) e a tomar todas as medidas ade-quadas para que a criana seja efectivamente protegida contra todas as formas de discriminaoou de sano decorrentes da situao jurdica, deactividades, opinies expressas ou convices deseus pais, representantes legais ou outros mem-bros da sua famlia (artigo 2., n. 2). Tal comoacontece com todos os tratados de direitos humanosanalisados no presente Manual, o princpio da nodiscriminao constitui tambm um princpio fundamental em matria de direitos da criana,condicionando a interpretao e aplicao de todosos direitos e liberdades consagrados na Conveno.Nas suas Directrizes Gerais Relativas Forma eContedo dos Relatrios Peridicos, adoptadas emOutubro de 1996, o Comit dos Direitos da Crianadeu instrues detalhadas aos Estados Partesquanto ao contedo que os relatrios peridicosdevem ter relativamente a cada obrigao jurdicaem particular, como o direito no discriminaoe os direitos especficos referidos em seguida47.

    Os Estados Partes na Conveno sobre os Direitos da

    Criana devem respeitar e garantir os direitos nela

    consagrados sem discriminao de qualquer tipo.

    O princpio orientador de toda a Conveno o de que

    o interesse superior da criana dever ser a conside-

    rao primacial.

    2.3.2 DIREITOS RECONHECIDOS

    A Conveno reconhece uma longa e detalhada listade direitos que devem ser respeitados e garantidos criana em todas as circunstncias, isto , a todo oser humano menor de 18 anos, salvo se, nos termosda lei que lhe for aplicvel, atingir a maioridademais cedo (artigo 1.). Contudo, os direitos garantidossero aqui enunciados apenas em termos gerais:

    O direito da criana vida e, na mximamedida possvel, sobrevivncia e ao desen-volvimento artigo 6.;

    O direito da criana a ser registada ime-diatamente aps o nascimento, a um nomee a uma nacionalidade e, sempre que possvel, o direito de conhecer os seus paise de ser educada por eles artigo 7.;

    O direito da criana a uma identidade,incluindo uma nacionalidade, um nome erelaes familiares artigo 8.;

    O direito da criana a no ser separada dosseus pais contra a vontade destes, a menosque essa separao [seja] necessria nointeresse superior da criana artigo 9.,n. 1;

    O dever dos Estados de facilitar a reunifi-cao familiar, permitindo a entrada ou asada dos seus territrios artigo 10.;

    O dever de combater a deslocao e a reten-o ilcitas de crianas no estrangeiro artigo 11.;

    O dever de respeitar as opinies da crianae o direito da criana de ser ouvida nosprocessos judiciais e administrativos quelhe digam respeito artigo 12.;

    captulo 02 Principais Instrumentos Universais de Direitos Humanos e Respectivos Mecanismos de Aplicao* 35

    46 Vide o texto e a data deentrada em vigor do Protocolo Facultativo Conveno sobre os Direi-tos da Criana relativo Venda de Crianas, Prosti-tuio Infantil e Pornogra-fia Infantil em http://www.unhchr.ch/html/menu2/dopchild. htm e, quantoao Protocolo Facultativo Conveno sobre os Direi-tos da Criana relativo Participao de Crianasem Conflitos Armados, con-sulte: http://www.unhchr.ch/html/menu2/6/proto-colchild.htm.

    47 General GuidelinesRegarding the Form andContents of Periodic Reportsto be Submitted by StatesParties under Article 44,Paragraph 1 (b), of the Convention, adoptadaspelo Comit dos Direitosda Criana na sua 343.reunio (dcima terceira sesso) a 11 de Outubrode 1996, publicadas noManual de Aplicao daUNICEF, pp. 604-618.

    fl

  • O direito da criana liberdade de expres-so artigo 13.;

    O direito da criana liberdade de pensamento,de conscincia e de religio artigo 14.;

    O direito da criana liberdade de asso-ciao e liberdade de reunio pacfica artigo 15.;

    O direito da criana proteco da lei contraintromisses arbitrrias ou ilegais na suavida privada, na sua famlia, no seu domi-clio ou na sua correspondncia e o direitode no ser sujeita a ofensas ilegais suahonra ou reputao artigo 16.;

    O direito da criana de acesso informa-o e a documentos provenientes de fontesnacionais e internacionais diversas, nomea-damente aqueles que visem promover o seu bem-estar social, espiritual e moral,assim como a sua sade fsica e mental artigo 17.;

    O reconhecimento do princpio de queambos os pais tm uma responsabilidadeprimacial e comum na educao e no desen-volvimento da criana e de que o interessesuperior da criana deve constituir a suapreocupao fundamental artigo 18., n. 1;

    O direito da criana proteco contra todas as formas de violncia e maus tratos artigo 19.;

    O direito da criana a proteco e assis-tncia especiais quando privada do seuambiente familiar artigo 20.;

    Caso a adopo seja reconhecida ou per-mitida, os Estados Partes devem assegurarque o interesse superior da criana ser aconsiderao primordial neste domnio artigo 21.;

    Os direitos das crianas refugiadas artigo22.;

    Os direitos da criana mental e fisicamentedeficiente artigo 23.;

    O direito da criana a gozar do melhorestado de sade possvel e a servios desade artigo 24.;

    O direito da criana colocada numa insti-tuio reviso peridica do tratamento aque foi submetida e de quaisquer outras circunstncias ligadas sua colocao artigo 25.;

    O direito da criana a beneficiar de segu-rana social, incluindo seguros sociais artigo 26.;

    O direito da criana a um nvel de vida suficiente artigo 27.;

    O direito da criana educao (artigo 28.) eos fins desta educao(artigo 29.)48;

    O direito das crianas pertencentes a minoriastnicas, religiosas ou lin-gusticas, bem como odireito das crianas de origem indgena, a usu-fruir da sua prpria cultura, religio e lngua artigo 30.;

    O direito da criana ao repouso e aos temposlivres artigo 31.;

    O direito da criana proteco contra aexplorao econmica e os trabalhos peri-gosos artigo 32.;

    O direito da criana proteco contra oconsumo ilcito de estupefacientes e subs-tncias psicotrpicas artigo 33.;

    O direito da criana proteco contratodas as formas de explorao e de violn-cia sexuais artigo 34.;

    36 *Direitos Humanos na Administrao da Justia Srie de Formao Profissional n. 09

    48 No decorrer da suavigsima terceira sessorealizada em Janeiro de2000, o Comit decidiudar incio elaborao deum comentrio geral aoartigo 29. da Conveno(fins da educao), tendoem vista a prxima Conferncia Mundial contra o Racismo, a Discriminao Racial, aXenofobia e a IntolernciaConexa; vide documentodas Naes UnidasCRC/C/94, Report on thetwenty-third session of theCommittee on the Rights of the Child, p. 103, pargrafo 480.

  • A preveno do rapto, da venda e do trficode crianas artigo 35.;

    O direito da criana proteco contra todasas outras formas de explorao prejudiciaisa qualquer aspecto do seu bem-estar artigo36.;

    A proibio da tortura e de outras penas outratamentos cruis, desumanos ou degra-dantes, incluindo a pena de morte artigo37., alnea a);

    O direito da criana a no ser privada deliberdade de forma ilegal ou arbitrria artigo 37., alnea b);

    O direito da criana privada de liberdade aser tratada com humanidade artigo 37.,alnea c);

    O direito da criana a salvaguardas jurdi-cas no contexto da privao de liberdade artigo 37., alnea d);

    O direito da criana ao respeito das normaspertinentes de direito internacional huma-nitrio nas situaes de conflito armado artigo 38., n. 1;

    O direito da criana vtima de qualquerforma de negligncia, explorao ou sevciasa medidas adequadas para promover a suarecuperao fsica e psicolgica e reinser-o social artigo 39.;

    Princpios de justia de jovens artigo 40..

    Constata-se assim que estes direitos no abran-gem apenas as normas de direitos humanos mais tradicionais consagradas, por exemplo, nos Pactos Internacionais sobre Direitos Civis e Polticos e sobre Direitos Econmicos, Sociaise Culturais, tendo alargado e redefinido as mesmas a fim de responder especificamente s diferentes necessidades dos muitos jovens que continuam a enfrentar duras condies devida.

    Nos termos do artigo 1. do Protocolo Facultativo Conveno sobre os Direitos da Criana relativo Venda de Crianas, Prostituio Infantil e Pornogra-fia Infantil, os Estados Partes devero proibir a vendade crianas, a prostituio infantil e a pornografiainfantil, conforme disposto no [] Protocolo. Oartigo 2. do Protocolo define os conceitos de vendade crianas, prostituio infantil e pornogra-fia infantil, ao passo que o artigo 3. enumera osactos que, no mnimo, devero ser plenamenteabrangidos pelo direito penal dos Estados Partes.Outras disposies estabelecem em detalhe o deverdos Estados Partes de estabelecer a sua jurisdiosobre os delitos em causa e de prestar assistn-cia no mbito de investigaes ou processos penaisou de extradio, apreenso e perda, cooperaointernacional e em outras reas (artigos 4. a 11.).

    O Protocolo Facultativo Conveno sobre osDireitos da Criana relativo Participao deCrianas em Conflitos Armados aumenta para 18anos a idade de participao directa nas hostili-dades e impe aos Estados Partes a obrigao degarantir que os menores de 18 anos no sejamcompulsivamente incorporados nas respectivasforas armadas (artigos 1. e 2.). Em conformi-dade com o artigo 3. do Protocolo, os EstadosPartes devero tambm elevar a idade mnimade recrutamento voluntrio nas foras armadaspara uma idade superior a 15 anos, idade autori-zada pelo artigo 38., n. 3 da prpria Conveno;os Estados que permitem o recrutamento volun-trio nas suas foras armadas de menores de 18anos devero, nomeadamente, garantir que esserecrutamento inequivocamente voluntrio erealizado com o consentimento esclarecido dospais ou representantes legais do interessado (artigo3., n. 3, alneas a) e b)).

    2.3.3 RESTRIES ADMISSVEIS AO EXERCCIODOS DIREITOS

    A Conveno sobre os Direitos da Criana nocontm qualquer norma geral de restrio de direitos e apenas trs dos seus artigos prevem apossibilidade de impor restries ao exerccio dosdireitos, nomeadamente ao exerccio do direito

    captulo 02 Principais Instrumentos Universais de Direitos Humanos e Respectivos Mecanismos de Aplicao* 37

  • liberdade de expresso (artigo 13., n. 2), do direito liberdade de manifestar a respectiva religio ouconvices (artigo 14., n. 3) e do direito s liber-dades de associao e reunio pacfica (artigo 15.,n. 2). Todas estas disposies estabelecem que asmedidas de restrio devem estar previstas na leie ser necessrias para determinados fins devida-mente especificados. Apenas relativamente ao exerccio do direito liberdade de associao ereunio se diz expressamente que as medidas emcausa devem tambm ser necessrias numa socie-dade democrtica.

    Embora a Conveno contenha poucas disposiesem matria de restrio de direitos, muitos doscompromissos dos Estados Partes consistem naadopo das medidas adequadas conceito que, obviamente, susceptvel de diversas inter-pretaes. Contudo, tais interpretaes devero subordinar-se sempre ao princpio do interessesuperior da criana. Outro factor que os Estadospodero ter de tomar em considerao, a este respeito, o equilbrio entre os interesses da prpria criana e os direitos e deveres dos res-pectivos pais (cf. artigos 3., n. 2 e 5.).

    Por ltimo, a Conveno sobre os Direitos daCriana no contm qualquer norma em mat-ria de derrogao, podendo por isso concluir-seque esta Conveno se destina a ser aplicada na ntegra mesmo em situaes de crise excep-cional.

    A Conveno sobre os Direitos da Criana no contm

    qualquer disposio geral em matria de restrio de

    direitos. As normas especficas em matria de restrio

    dizem respeito apenas ao exerccio da liberdade de

    expresso, da liberdade de manifestar a sua prpria

    religio ou convices e das liberdades de associao e

    reunio pacfica.

    Em geral, a interpretao das normas da Conveno

    dever visar primordialmente o interesse superior da

    criana, devendo no entanto ter em conta os direitos e

    deveres dos respectivos pais.

    2.3.4 MECANISMO DE APLICAO

    O sistema de aplicao da Con-veno sobre os Direitos da Criana (artigos 42.a 45.) semelhante aos procedimentos de apre-sentao de relatrios previstos nos dois PactosInternacionais, pelo que nos limitamos aqui arecordar o que atrs foi dito. Como os outros Comi-ts, o Comit dos Direitos da Criana elaboroutambm Directrizes para a elaborao dos rela-trios a apresentar pelos Estados Partes em conformidade com a Conveno49.

    2.4 CONVENO PARA A PREVENO E REPRESSO DO CRIME DE GENOCDIO, DE 1948

    A Conveno para a Prevenoe Represso do Crime deGenocdio foi adoptada pelaAssembleia Geral a 9 deDezembro de 1948 e entrou emvigor a 12 de Janeiro de 1951N.T.9.A 26 de Abril de 2002, tinha135 Estados Partes. A Convenono instituiu nenhum meca-nismo de aplicao especficomas, como veremos mais adiante,confia a aplicao s prpriasPartes Contratantes.

    2.4.1 OBRIGAESDOS ESTADOS PARTES

    As Partes Contratantes confirmamque o genocdio, seja cometidoem tempo de paz ou em tempo de guerra, umcrime do direito dos povos, que desde j se compro-metem a prevenir e a punir (artigo 1.; destaquenosso). Para este fim, obrigam-se tambm a adoptar,de acordo com as suas Constituies respectivas,as medidas legislativas necessrias para assegurara aplicao das disposies da [] Conveno e,especialmente, a prever sanes penais eficazesque recaiam sobre as pessoas culpadas de genoc-dio ou de acordo com vista a cometer genocdio,incitamento ao genocdio, tentativa de genocdio

    38 *Direitos Humanos na Administrao da Justia Srie de Formao Profissional n. 09

    49 Vide supra, nota 47.

    N.T.9 Esta Conveno foiaprovada para ratificaopela Resoluo da Assem-bleia da Repblica n.37/98, de 14 de Julho,publicada no Dirio daRepblica, I Srie-A, n.160/98 e ratificada peloDecreto do Presidente daRepblica n. 33/98, damesma data. O instru-mento de ratificao foi depositado junto doSecretrio-Geral dasNaes Unidas a 9 deFevereiro de 1999 e a Conveno entrou emvigor na ordem jurdicaportuguesa a 10 de Maiode 1999. No momento dedepsito do instrumentode adeso, Portugal proferiu a seguinte declarao interpretativa:A Repblica Portuguesadeclara que ir interpretar o artigo VII da Convenopara a Preveno e Represso do Crime deGenocdio como reconhecendo a obrigaoa prevista de concederextradio nos casos em que tal extradio no seja proibida pela Constituio e outra legislao interna da Repblica Portuguesa.

  • e cumplicidade no genocdio (artigo 5., lido emconjunto com o artigo 3.).

    O facto de as Partes Contratantesdizerem, no artigo 1. da Con-veno, que confirmam que ogenocdio constitui um crimedo direito dos povos demonstraque consideraram que os princpios subjacentes Conveno as vinculavam j em virtude do direitointernacional costumeiro. Conforme foi referido noCaptulo 1 do presente Manual, esta foi tambma opinio do Tribunal Internacional de Justia noseu Parecer Consultivo de 1951 sobre Reservas Conveno sobre Genocdio, no qual considerou queos princpios subjacentes Conveno so prin-cpios que so reconhecidos [] como vinculandoos Estados, mesmo na ausncia de uma obrigaoconvencional50. Contudo, o facto de a Convenofazer depender dos tribunais nacionais a repressode um crime internacional prova que, em 1948,muitos problemas estavam ainda por resolver relativamente questo da jurisdio penal inter-nacional51; s nos anos 90, aps a ocorrncia deassassnios indiscriminados em determinadasregies da antiga Jugoslvia e no Ruanda, se tornourealidade o conceito da jurisdio universal sobrecrimes internacionais (para mais desenvolvimentos,vide a subseco 2.4.3).

    2.4.2 MBITO JURDICO DA CONVENO

    O mbito jurdico da Conveno est limitado preveno e represso do crime de genocdio, que definido no artigo 2. como os actos abaixo indi-cados, cometidos com a inteno de destruir, notodo ou em parte, um grupo nacional, tnico, racialou religioso, tais como:

    a) Assassinato de membros do grupo;b) Atentado grave integridade fsica e

    mental de membros do grupo;c) Submisso deliberada do grupo a condi-

    es de existncia que acarretaro a suadestruio fsica, total ou parcial;

    d) Medidas destinadas a impedir os nasci-mentos no seio do grupo;

    e) Transferncia forada das crianas do grupopara outro grupo.

    So punveis os seguintes actos: genocdio, acordocom vista a cometer genocdio, incitamento directoou indirecto ao genocdio, tentativa de genocdioe cumplicidade no genocdio (artigo 3.). Para almdisso, os autores destes actos so punveis quersejam governantes, funcionrios ou particulares(artigo 4.).

    A Conveno sobre Genocdio constituiu, assim,uma importante confirmao do princpio con-sagrado na Carta de Nuremberga segundo o qual,em certas situaes, os indivduos tm uma responsabilidade internacional ao abrigo do direitointernacional, a qual transcende os interessesnacionais de cada Estado e as obrigaes de obe-dincia.

    2.4.3 CRIMES INTERNACIONAIS: DESENVOLVIMENTOS JURDICOS RECENTES

    O princpio da responsabilidadepenal individual por actos parti-cularmente graves nasceu quandoo Conselho de Segurana deci-diu, pela resoluo 808 (1993),criar um tribunal internacionalpara julgar as pessoas suspei-tas de serem responsveis porviolaes graves ao direito inter-nacional humanitrio cometidasno territrio da ex-Jugoslviadesde 1991. Pela resoluo 827 (1993), o Conselhode Segurana aprovou em seguida o Estatuto doTribunal Penal Internacional para a ex-Jugoslvia(TPIJ)N.T.10.

    Em conformidade com a emenda de 1998, oEstatuto dota o Tribunal de competncia para julgarviolaes graves das Convenes de Genebra de1949, violaes das leis ou dos costumes da guerra,genocdio e crimes contra a Humanidade, nomeada-mente homicdio, extermnio, reduo condiode escravo, deportao, priso, tortura, violao,perseguies por motivos polticos, raciais e reli-

    captulo 02 Principais Instrumentos Universais de Direitos Humanos e Respectivos Mecanismos de Aplicao* 39

    50 Vide supra, Captulo 1,seco 2.4.2.

    51 Ian Brownlie, Principlesof Public International Law (Oxford, ClarendonPress), 3. edio, pp. 562-563.

    N.T.10 A adopo da resolu-o n. 827 (1993) do Conselho de Seguranadas Naes Unidas foi tor-nada pblica mediante oAviso n. 100/95, de 11 deMaio, do Ministrio dosNegcios Estrangeiros,publicado no Dirio daRepblica, I Srie, n. 109/95. A Lei n.102/2001, de 25 deAgosto, publicada no Dirio da Repblica, I Srie-A, n. 197/2001,estabelece normas sobre acooperao entre Portugale os tribunais penais internacionais para a ex-Jugoslvia e para oRuanda.

  • giosos, bem como outros actos desumanos uma tipificao penal que permite ao Tribunalconsiderar tambm outros tipos de violaes dedireitos humanos em grande escala no mencio-nadas expressamente no Estatuto (artigos 1. a 5.).O Tribunal Internacional e os tribunais nacionaistm jurisdio concorrente sobre os crimes emcausa, mas o primeiro ter a primazia sobre ossegundos (artigo 9. do Estatuto).

    Para julgar as graves violaesde direito humanitrio cometi-das no Ruanda entre 1 de Janeiroe 31 de Dezembro de 1994, oConselho de Segurana criou,de forma semelhante, o Tribunal Penal Interna-cional para o Ruanda (TPIR) pela resoluo 955(1994)N.T.11. O Estatuto deste Tribunal foi adoptadopela mesma resoluo. O Tribunal dispe de competncia para julgar pessoas pela prtica dosseguintes crimes: genocdio e crimes contra aHumanidade do mesmo tipo dos supra indicadosrelativamente ao TPIJ, bem como violaes doartigo 3. comum s Convenes de Genebra e ao Segundo Protocolo Adicional (artigos 2. a 4.do Estatuto do TPIR). Pode tambm julgar crimes cometidos por cidados do Ruanda no ter-ritrio dos Estados vizinhos (artigo 7. do Estatuto).

    A diferena entre a competncia material dos doisTribunais deve-se ao facto de a guerra na ex--Jugoslvia ter sido considerada um conflito armadode carcter internacional, ao passo que a crise doRuanda foi principalmente um conflito armadono internacional.

    Por ltimo, a 17 de Julho de1998, o Estatuto de Roma doTribunal Penal InternacionalN.T.12

    foi adoptado pela Confernciadas Naes Unidas de Plenipo-tencirios por voto no registado,com 120 votos a favor, 7 contrae 21 abstenes52. O estabeleci-mento deste rgo judicial tevepor objectivo pr fim impu-nidade por actos de genocdio, crimes contra a Humanidade,

    crimes de guerra e, em certascondies, pelo crime de agres-so (artigo 5. do Estatuto). OTribunal ser competente parajulgar pessoas singulares inde-pendentemente das respectivasfunes oficiais, mas no dis-por de jurisdio sobre pessoascolectivas como Estados ouempresas (artigos 25. e 27.). Para alm disso, talcomo sucede com os rgos de controlo institu-dos pelos tratados gerais de direitos humanos, oTribunal Penal Internacional tem natureza sub-sidiria uma vez que, nos termos do artigo 17.do seu Estatuto, s se ocupar de um crime casoo Estado em causa no queira ou no tenha capa-cidade efectiva para levar a cabo o inqurito ou oprocedimento judicial previstos no artigo 17., n.1, alneas a) e b). Cabe ao prprio TribunalInternacional determinar, com base em critriosespecficos, a falta de vontade ou a incapacidadedo Estado para investigar ou instaurar processocriminal num caso concreto (artigo 17., ns 2 e3). O Tribunal Penal Internacional, ou TPI como geralmente conhecido, ser institudo uma vezque 60 Estados tenham ratificado o Estatuto (artigo126.). At 11 de Abril de 2002, o Estatuto haviasido ratificado por 66 Estados, tendo entrado emvigor a 1 de Julho de 200253.

    A Conveno para a Preveno e Represso do Crime

    de Genocdio destina-se a prevenir e punir o genocdio,

    incluindo o acordo com vista prtica do genocdio,

    o incitamento ao genocdio, a tentativa de genocdio

    e a cumplicidade no crime de genocdio. Os princpios

    subjacentes Conveno so, contudo, vinculativos

    para todos os Estados independentemente de qualquer

    obrigao convencional.

    O novo Tribunal Penal Internacional constitui o pri-

    meiro rgo judicial internacional permanente e

    independente destinado a pr fim impunidade

    por actos de genocdio, crimes contra a Humanidade,

    crimes de guerra e, em certas condies, pelo crime de

    agresso.

    N.T.11 O texto da resoluon. 955 (1994) do Conse-lho de Segurana, de 8 deNovembro de 1994, nohavia sido, at 31 deDezembro de 2005, publicado no Dirio da Repblica.

    para Portugal na data dasua entrada em vigor naordem internacional.

    52 Consulte o seguintewebsite: http://www.icj.org/icc/iccdoc/mficc.htm,p.1. Para o texto do Esta-tuto de Roma do TribunalPenal Internacional, vide odocumento das NaesUnidas A/CONF.183/9.

    53 Vide o website dasNaes Unidaswww.un.org/law/icc/.

    N.T.12 O Estatuto do TPI,por muitos consideradocomo o mais importanteinstrumento de direitointernacional desde aCarta das Naes Unidas,entrou em vigor a 1 deJulho de 2002. Foi assi-nado por Portugal a 7 deOutubro de 1998, apro-vado para ratificao pelaResoluo da Assembleiada Repblica n. 3/2002 eratificado pelo Decreto doPresidente da Repblican. 2/2002, ambos publicados no Dirio daRepblica I-A, n. 15, de 18de Janeiro de 2002. O instrumento de ratificaofoi depositado a 5 de Fevereiro de 2002 e oEstatuto entrou em vigor

    40 *Direitos Humanos na Administrao da Justia Srie de Formao Profissional n. 09

  • 2.5 CONVENO INTERNACIONAL SOBRE A ELIMINAO DE TODAS AS FORMAS

    DE DISCRIMINAO RACIAL, DE 1965

    A Conveno Internacionalsobre a Eliminao de Todas as Formas de DiscriminaoRacialN.T.13 foi adoptada pelaAssembleia Geral das NaesUnidas a 21 de Dezembro de1965 e entrou em vigor a 4 deJaneiro de 1969. At 8 de Abrilde 2002, tinha 161 Estados Partes. A Convenoinstituiu um Comit para a Eliminao da Discri-minao Racial que controla a aplicao das suasdisposies. O Comit adopta, se necessrio,Recomendaes Gerais relativas a artigos espec-ficos ou questes de interesse especial. Far-se-referncia a estas recomendaes sempre que pertinente.

    2.5.1 OBRIGAES DOS ESTADOS PARTES

    Para os efeitos da Conveno aexpresso discriminao racialvisa qualquer distino, excluso,restrio ou preferncia fundadana raa, cor, ascendncia na ori-gem nacional ou tnica que tenha como objectivoou como efeito destruir ou comprometer o reco-nhecimento, o gozo ou o exerccio, em condiesde igualdade, dos direitos do homem e das liberdades fundamentais nos domnios poltico,econmico, social e cultural ou em qualquer outrodomnio da vida pblica (artigo 1., n. 1, destaquenosso). Porm, as medidas especiais adoptadascom a finalidade nica de assegurar conveniente-mente o progresso de certos grupos raciais outnicos ou de indivduos [] para lhes garantir ogozo e o exerccio dos direitos do homem e dasliberdades fundamentais em condies de igualdadeno se consideram medidas de discriminaoracial, sob condio [] de no terem como efeitoa conservao de direitos diferenciados para gruposraciais diferentes e de no serem mantidas emvigor logo que sejam atingidos os objectivos queprosseguiam (artigo 1., n. 4, destaque nosso)54.

    Os Estados Partes na Conveno condenam adiscriminao racial e obrigam-se a prosseguir,por todos os meios apropriados, e sem demora,uma poltica tendente a eliminar todas as formasde discriminao racial e a favorecer a harmoniaentre todas as raas (artigo 2., n. 1). Para esteefeito, comprometem-se, em particular, a:

    no se entregarem a qualquer acto ou pr-tica de discriminao racial contra pessoas,grupos de pessoas ou instituies, e a pro-ceder de modo que todos as autoridadespblicas e instituies pblicas, nacionaise locais, se conformem com esta obriga-o artigo 2., n. 1, alnea a);

    a no encorajar, defender ou apoiar a dis-criminao racial praticada por qualquerpessoa ou organizao artigo 2., n. 1,alnea b);

    adoptar medidas eficazes para rever aspolticas pblicas a todos os nveis e alterarlegislao que tenha como efeito criar adiscriminao racial ou perpetu-la, se jexiste artigo 2., n. 1, alnea c);

    proibir a discriminao racial praticada porpessoas, grupos ou organizaes e pr-lhetermo por todos os meios apropriados artigo 2., n. 1, alnea d);

    favorecer, se necessrio, as organizaes emovimentos integracionistas multirraciais,e outros meios prprios para eliminar asbarreiras entre as raas, e a desencorajar oque tende a reforar a diviso racial artigo2., n. 1, alnea e).

    Para alm disso, os Estados Partes asseguraros pessoas sujeitas sua jurisdio proteco erecurso efectivos contra actos que violem os direitos humanos da pessoa contrariamente sdisposies da Conveno, bem como o direito depedir aos tribunais nacionais satisfao ou repa-rao, justa e adequada, por qualquer prejuzo deque sejam vtimas em razo de tal discriminao(artigo 6.).

    captulo 02 Principais Instrumentos Universais de Direitos Humanos e Respectivos Mecanismos de Aplicao* 41

    N.T.13 Aprovada para ade-so por Portugal pela Lein. 7/82, de 29 de Abril,publicada no Dirio da Repblica I Srie, n. 99/82. O instrumentode adeso foi depositadojunto do Secretrio-Geraldas Naes Unidas a 24de Agosto de 1982 e aConveno entrou emvigor na ordem jurdicaportuguesa a 23 de Setembro de 1982.

    54 Quanto informao aincluir nos relatrios dosEstados Partes em virtudedestas disposies, vide aRecomendao Geral XXIVrelativa ao artigo 1. daConveno, in documentodas Naes Unidas GAOR,A/54/18, Anexo V, p. 103.

  • Por ltimo, obrigam-se, em particular, a adoptarmedidas imediatas e eficazes, nomeadamente nosdomnios do ensino, da educao, da cultura e dainformao, para lutar contra os preconceitos queconduzam discriminao racial [] (artigo 7.).

    2.5.2 MBITO MATERIAL DA NO DISCRIMINAO

    Os Estados Partes comprometem-se, no apenasa proibir e eliminar a discriminao racial, mastambm a garantir o direito de cada um igual-dade perante a lei sem distino de raa, de corou de origem nacional ou tnica, nomeadamenteno gozo dos seguintes direitos (artigo 5.):

    Direito igualdade de tratamento peranteos tribunais e quaisquer outros rgos de administrao da justia artigo 5., alnea a);

    Direito segurana da pessoa artigo 5., alnea b);

    Direitos polticos, nomeadamente o direito de participar em eleies, o direito de participar no Governo e na direco dosassuntos pblicos e o direito de acesso sfunes pblicas em condies de igual-dade artigo 5., alnea c);

    Outros direitos civis, nomeadamente odireito liberdade de circulao e escolhada residncia, o direito de abandonar qual-quer pas, incluindo o seu, e de regressarao seu pas, o direito a uma nacionalidade,o direito ao casamento e escolha do cnjuge,o direito propriedade, individualmente ou em associao com outros, o direito de herdar, o direito liberdade de pensamento,de conscincia e de religio, o direito liber-dade de opinio e de expresso e o direito liberdade de reunio pacfica e de asso-ciao artigo 5., alnea d);

    Direitos econmicos, sociais e culturais,nomeadamente os direitos ao trabalho, livre escolha do trabalho, a condies de

    trabalho justas e satisfatrias, protecocontra o desemprego, a salrio igual paratrabalho igual e a uma remunerao equi-tativa e satisfatria, o direito de fundar sindicatos e de filiao sindical, o direito habitao, o direito sade pblica, cuida-dos mdicos, segurana social e serviossociais, o direito educao e formao,o direito de participar, em condies deigualdade, nas actividades culturais artigo5., alnea e); e

    Direito de acesso a todos os locais e ser-vios destinados a uso pblico, tais comomeios de transporte, hotis, restaurantes,cafs, espectculos e parques artigo 5.,alnea f ).

    Conforme observado pelo pr-prio Comit na RecomendaoGeral XX, a enumerao de direi-tos polticos, civis, econmicos, sociais e culturaisconstante do artigo 5. no exaustiva e o direitode no ser sujeito a discriminao racial no gozode direitos tambm pode ser invocado relativamenteao exerccio de direitos que no se encontramexpressamente mencionados neste artigo. Poroutras palavras, para alm de exigir a garantia deque no haver lugar a discriminao racial noexerccio dos direitos humanos, o artigo 5. nocria em si mesmo [direitos humanos], pressupondoantes a existncia e o reconhecimento destes direi-tos, nomeadamente dos que derivam da Cartadas Naes Unidas, da Declarao Universal dosDireitos do Homem e dos Pactos Internacionaissobre Direitos Humanos. Isto significa tambm que,sempre que os Estados Partes imponham restri-es ao exerccio dos direitos enumerados do artigo5., devem assegurar-se de que nem o objectivonem a consequncia da restrio so incompat-veis com o artigo 1. da Conveno enquanto parteintegrante das normas internacionais de direitoshumanos55. Daqui decorre que as restries auto-rizadas por outros tratados de direitos humanosesto indirectamente includas no artigo 5. daConveno Internacional sobre a Eliminao deTodas as Formas de Discriminao Racial e que,em contrapartida, a definio de discriminao

    42 *Direitos Humanos na Administrao da Justia Srie de Formao Profissional n. 09

    55 Compilao de Coment-rios Gerais das Naes Unidas, pp. 188-189, pargrafos 1 e 2.

  • racial constante do artigo 1. desta Conveno inerente a todo o direito internacional dos direi-tos humanos enquanto tal.

    Embora, de acordo com o artigo1. da Conveno, a proibio dediscriminao racial diga respeito aos domniosda vida pblica, o Comit para a Eliminao daDiscriminao Racial explicou que na medidaem que as instituies privadas influenciem oexerccio de direitos ou a disponibilizao de opor-tunidades, o Estado Parte dever assegurar que oresultado no tem o objectivo nem o efeito decriar ou perpetuar a discriminao racial56.

    2.5.3 MECANISMO DE APLICAO

    A Conveno instituiu o Comit para a Eliminaoda Discriminao Racial, composto por dezoitomembros com assento a ttulo pessoal (artigo 8.)e que tem por funo controlar a aplicao dasdisposies da Conveno. Tal como o PactoInternacional sobre os Direitos Civis e Polticos,a Conveno Internacional sobre a Eliminao deTodas as Formas de Discriminao Racial dispe,como explicaremos em maior detalhe mais adiante,de um mecanismo de controlo com trs patama-res, a saber: relatrios peridicos, comunicaesinterestaduais e comunicaes individuais. Paraalm disso, o Comit adopta, se necessrio, Reco-mendaes Gerais relativas a artigos especficosou questes de interesse especial. Segue-se umadescrio geral dos mecanismos de controlo:

    Procedimento de apresentao de relatrios:os Estados Partes obrigam-se a apresentarum relatrio inicial no prazo de um anoaps a entrada em vigor da Conveno parao Estado em causa e, subsequentemente, acada dois anos ou sempre que o Comit osolicitar, um relatrio sobre as medidaslegislativas, judiciais, administrativas ou de outro tipo por si adoptadas para dar cumprimento s disposies da Conveno(artigo 9., n. 1). Tal como os restan-tes Comits, o Comit para a Eliminaoda Discriminao Racial adoptou directri-

    zes especiais quanto forma e ao contedodos relatrios a apresentar pelos EstadosPartes;

    Queixas interestaduais: qualquer EstadoParte que considere que um outro EstadoParte no est a dar cumprimento s disposies da Conveno pode chamar aateno do Comit para essa questo (artigo11., n. 1). Ao contrrio do previsto no PactoInternacional sobre os Direitos Civis ePolticos, no necessria qualquer decla-rao em especial para reconhecer esta competncia do Comit para receber comu-nicaes interestaduais; contudo, o Comits examinar a questo se a mesma no for primeiro decidida de forma satisfatriaentre ambas as partes. Caso o Comit devaconhecer da questo, a Conveno prev adesignao de uma Comisso de Conciliaoad hoc, que colocar os seus bons ofcios disposio dos Estados interessados, a fimde se chegar a uma soluo amigvel daquesto, fundada no respeito da Conveno(artigo 12., n. 1, alnea a)).