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7/31/2019 Diplomacia Financeira - o Brasil e o FMI
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Diplomacia financeira: o Brasil e o FMI, de 1944 a2002
Paulo Roberto de Almeida
Captulo 4 de meu livro:
Relaes internacionais e Poltica externa to Brasil: histria e sociologia da
diplomacia brasileira
(Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2002, Segunda edio; em fase de
publicao)
1. Os dois conceitos de Bretton Woods: instituies e polticas
O conceito de "sistema de Bretton Woods", geralmente tomado no singular,
refere-se, em realidade, a duas problemticas distintas mas relacionadas entre si. Por um
lado, num sentido estrito, a noo remete ao papel e ao funcionamento de duas
organizaes internacionais criadas em meados do sculo XX para administrar as
relaes financeiras e monetrias internacionais. Por outro, num sentido mais amplo, ela
se refere tambm, ou principalmente, s polticas implementadas por essas instituies
no plano multilateral e nas suas relaes com os pases membros, e que constitui, de
longe, o aspecto mais evidenciado na literatura especializada ou no jornalismo corrente,
em vista da sensibilidade poltica normalmente despertada por essas polticas
aparentemente "impostas" desde Washington.
Com efeito, o primeiro sentido remete s duas instituies de carter monetrio e
financeiro, o Fundo Monetrio Internacional e o Banco Internacional de Reconstruo e
Desenvolvimento, criadas em 1944 como resultado da conferncia de Bretton Woods
(New Hampshire, nos Estados Unidos) e convertidas em agncias especializadas das
Naes Unidas (embora com estatuto especial e diferente das demais entidades
intergovernamentais). Em um sentido estrito, esse "modelo" refere-se a um determinado
ordenamento monetrio que vigorou durante uma fase circunscrita da histria
econmica mundial (1946-1973), qual seja, o esquema de paridades cambiais fixas (mas
ajustveis), baseado no padro ouro-dlar, embora o conceito tambm possa referir-se,
de modo geral e desde essa primeira fase, s polticas econmicas aplicadas pelas duas
organizaes econmicas internacionais com sede em Washington. Existem, contudo,
diferenas notveis entre as funes desempenhadas e as polticas recomendadas porcada uma delas, assim como deve ser feita uma distino temporal entre o regime
http://pralmeida.tripod.com/academia/01Livros/2FramesBooks/57UFRGS2002.htmlhttp://pralmeida.tripod.com/academia/01Livros/2FramesBooks/57UFRGS2002.htmlhttp://pralmeida.tripod.com/academia/01Livros/2FramesBooks/57UFRGS2002.htmlhttp://pralmeida.tripod.com/academia/01Livros/2FramesBooks/57UFRGS2002.htmlhttp://pralmeida.tripod.com/academia/01Livros/2FramesBooks/57UFRGS2002.html7/31/2019 Diplomacia Financeira - o Brasil e o FMI
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monetrio em vigor durante aquela etapa histrica e o sistema de flutuao cambial, no
administrado pelo FMI, em vigor desde 1973.
J o outro conceito, relativo ao "sistema" ou "modelo de Bretton Woods", de
ordem mais poltica do que monetria e refere-se atuao prtica e operacional " por
vezes "ideolgica" " das duas organizaes criadas em 1944 para cuidar das moedas e
das finanas internacionais, mas que acabam necessariamente por envolver-se na
administrao prtica da vida econmica dos pases membros, da derivando uma srie
de implicaes polticas (e jurdicas) que tendem a despertar, por vezes, mais paixes do
que racionalidade nos debates polticos e econmicos conduzidos na esfera domstica
desses pases. Esse papel, paradoxalmente, comeou a ser mais realado quando veio a
termo o modelo "clssico" de Bretton Woods, no incio dos anos 70, e quando tambm
se opera a passagem do ciclo de crises financeiras predominantemente cambiais (e que
envolviam igualmente pases desenvolvidos) para crises de balano de pagamentos
(tpicas de pases em desenvolvimento), ocorrendo um refinamento das polticas de
condicionalidades e o debate poltico em torno de sua consistncia ou adequao s
realidades nacionais dos pases membros. O Brasil tem sido frtil nesse tipo de debate,
praticamente desde meados dos anos 50 do sculo XX, at os dias que correm, a julgar
pela veemncia de certos argumentos eleitorais. Com efeito, desde os anos 1950 pelo
menos, o FMI tem sido um dos mais freqentes "bodes expiatrios" utilizados
politicamente no Brasil, situao que tem sido entretanto corrigida gradualmente no
perodo recente.
Numa parte inicial, este ensaio tratar em primeiro lugar dos arranjos monetrios
do ps-Segunda Guerra, abordando depois o problema do financiamento internacional,
para concluir com uma avaliao da experincia histrica das duas instituies de
Bretton Woods, ao encerrar-se o ciclo histrico do "sistema de Bretton Woods" quando
da crise do sistema, no incio dos anos 1970, e ao penetrar o mundo no "no-sistemafinanceiro internacional" na qual ele se encontra desde ento. Numa parte subsequente,
sero discutidos os aspectos prticos das polticas monetrias e modelos de poltica
econmica geralmente recomendados pelas instituies de Bretton Woods, com
destaque para o FMI. A parte mais importante do texto, entretanto, se ocupa
exclusivamente do Brasil, com um histrico, no sentido lato, das relaes institucionais
e "polticas" entre o FMI e os governos brasileiros. A parte final retomar o debate
sobre o desenvolvimento do modelo de Bretton Woods no meio sculo decorrido desdeo final da Segunda Guerra Mundial, com nfase na posio do Brasil.
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2. O sistema monetrio internacional desde a conferncia de Bretton Woods
Os esquemas monetrios, bastante diferentes entre si, experimentados no
perodo posterior Segunda Guerra Mundial, devem ser vistos no contexto evolutivo do
sistema monetrio internacional no sculo XX, que abandonou o regime relativamente
estvel do padro ouro, em vigor entre o final do sculo XIX e a Primeira Grande
Guerra, tentou sem sucesso retornar a um regime mais previsvel e estvel nos anos 20,
ainda baseado no ouro, para penetrar no caos monetrio dos anos 30, caraterizado por
desvalorizaes cambiais macias, controles extensivos sobre os movimentos de capital
e suspenses temporrias ou indefinidas da conversibilidade. O FMI foi criado em
Bretton Woods para assegurar a estabilidade das taxas de cmbio, prover socorro
temporrio a seus membros em caso de desequilbrios de balana de pagamentos e
facilitar os pagamentos nas transaes correntes internacionais (livre circulao dos
fluxos de divisas para a remunerao de fatores, isto , comrcio de bens e servios, no
a liberalizao dos movimentos de capitais). O Brasil participou da conferncia de
Bretton Woods, tornando-se membro fundador do FMI e do BIRD, muito embora tenha
utilizado-se da permisso "temporria" (preservada durante mais de 50 anos) para
manter determinadas restries a pagamentos correntes, assim como utilizou-se do
recurso, teoricamente ilegal, da dualidade cambial e das taxas mltiplas de cmbio
durante vrios momentos de sua histria monetria recente.
Os EUA e a Gr-Bretanha foram os principais, se no exclusivos, arquitetos da
conferncia de Bretton Woods e, muito embora no tenham sido aprovadas as propostas
do economista britnico John Maynard Keynes, tendentes a instituir uma moeda
contbil de referncia internacional (o bancor), houve acordo quanto ao retorno a um
regime de paridades correlacionadas entre as moedas (fixas, mas ajustveis, aps
aprovao dos membros), tomando como base o dlar, ou seu equivalente em ouro, razo de 34 dlares por ona de ouro. O governo dos Estados Unidos se comprometeu
solenemente a converter, por uma durao indefinida, todos os haveres em dlares
detidos pelos demais membros a essa taxa fixa, uma promessa relativamente irrealista
na medida em que no levava em conta as variaes no volume e no custo de produo
de ouro, o crescimento das reservas em dlar de terceiros pases em relao aos haveres
em ouro dos Estados Unidos (no se contou com o fenmeno inflacionrio) ou os
diferenciais de produtividade em relao a pases mais dinmicos, que reduziriam opoder de compra do dlar. Ao implementar o regime de Bretton Woods, em 1946, o
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Brasil declarou ao FMI a paridade de 18 cruzeiros por dlar, em vigor alis desde 1939,
e a manteve fixa, a despeito da eroso inflacionria, at 1953, quando introduziu o
regime de flexibilidade cambial (taxas mltiplas), depois da experincia de leiles
cambiais com gio a partir de 1947.
Na verdade, o chamado "sistema de Bretton Woods" nunca funcionou em sua
forma pura, ou apenas funcionou durante um espao de tempo estritamente limitado, em
funo dos enormes desequilbrios econmicos acarretados pela Segunda Guerra. O
mundo vivia uma "penria de dlares" " os Estados Unidos eram ento responsveis por
25% da produo mundial e grande parte dos fluxos comerciais " e muitos pases, em
especial os europeus, no aderiram a um regime de livre conversibilidade seno no final
dos anos 50, depois que alguns deles " a Frana e a Gr-Bretanha, por exemplo "
realizaram, sem a autorizao do FMI, desvalorizaes cambiais importantes, muitas
vezes maiores que os limites autorizados no convnio constitutivo do Fundo. A rigor, o
modelo de paridades fixas e controladas pelo FMI s vigorou no decorrer dos anos 60,
quando outros problemas se acumularam " como os dficits contnuos nas transaes
correntes dos EUA, que imprimiram mais dlares do que suas reservas em ouro
poderiam suportar " a ponto de colocar esse modelo sob presso contnua.
No incio dos anos 60, a ausncia de recursos suficientes para que o FMI lidasse
com crises financeiras nos prprios pases desenvolvidos " como a crise da libra
esterlina em 1960-61 ", fez com que "acordos gerais de emprstimos" fossem
negociados entre os principais bancos centrais, dando origem ao chamado Grupo dos
Dez. Desde meados dessa dcada, o governo americano solicitou a seus principais
parceiros superavitrios que contivessem dentro de estritos limites a converso em ouro
de suas enormes reservas em dlar, no que foram atendidos por pases complacentes (e
dependentes militarmente) como a Alemanha e o Japo, mas contestados por
"dissidentes" como a Frana do General De Gaulle, que mantinha uma certa nostalgiapor essa "relquia brbara" (no dizer de Keynes) representada pelo ouro. Outros
problemas eram representados pela ausncia de liquidez internacional em nveis
adequados, para responder ao crescimento do comrcio mundial, por exemplo, o que se
tentou contornar pela criao de uma nova moeda de referncia internacional, o "direito
especial de saque", em deciso adotada durante a conferncia do FMI realizada no Rio
de Janeiro em 1967 e que entrou em vigor no incio dos anos 70.
3. A crise do sistema monetrio internacional e o "no-sistema" ps-1973
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O sistema de Bretton Woods entrou finalmente em colapso em agosto de 1971,
quando, sem prvio aviso, os EUA declararam no mais honrar o compromisso
assumido em 1944 e suspenderam unilateralmente a conversibilidade do dlar em ouro.
Esforos tendentes a restaurar o equilbrio com base em novas paridades fracassaram e,
desde 1973, com as modificaes pertinentes introduzidas no convnio constitutivo do
FMI, a economia mundial vive num regime de ausncia total de paridades
correlacionadas, ou seja, num "no-sistema" monetrio internacional. De fato, embora a
maioria dos pases adote o regime de flutuao cambial, vrios outros, em especial
pases em desenvolvimento, continuam a vincular suas moedas a algumas divisas fortes,
geralmente o dlar, como na Amrica Latina, mas tambm, no caso de outras reas
geogrficas, ao deutsche mark(e agora ao euro) ou ao iene.
O regime de flutuao pode ser totalmente livre " como no caso das principais
moedas internacionais ", o que no impede eventuais intervenes dos bancos centrais
nos mercados, ou ento em regime de bandas ajustveis, cuja referncia de variao
pode estar eventualmente ligada a uma cesta de moedas. O prprio "direito especial de
saque" do FMI, moeda puramente contbil, tem seu valor determinado em funo da
variao relativa de um coquetel de moedas, com base no dlar, no iene, na libra, no
franco francs e no marco alemo, as duas ltimas substitudas pelo euro desde 1999.
Uns poucos pases, finalmente, adotam um regime de conversibilidade pura, modelo
"caixa de converso" (ou currency board), que pode estar baseado numa moeda de
curso forado (como a ndia em relao libra, durante o regime colonial ingls) ou
livremente adotada como referncia nica por razes de poltica monetria (como o
dlar, na experincia argentina iniciada em 1991).
A "anarquia" monetria e cambial vivida desde o desmantelamento do modelo
de Bretton Woods e os perigos inerentes aos regimes de flutuao, "sujos" ou "limpos"
(isto , com ou sem interveno das autoridades financeiras), podem levar a umaconcentrao dos regimes monetrios nacionais em torno das trs grandes moedas da
atualidade, o dlar, o euro e o iene (esta podendo ser substituda, no futuro, pelo
renmimbi chins). A perda de "soberania monetria" pode assim implicar em reduo "
controlada ou involuntria, dependendo das circunstncias econmicas de cada pas " do
nmero de moedas nacionais ou at mesmo conduzir renncia antecipada moeda
nacional, como nos fenmenos de dolarizao na Amrica Latina (Panam, Equador, El
Salvador e ameaas na Argentina). Quaisquer que sejam as solues adotadas pelospases individualmente, ou por grupos de pases (como no caso dos blocos comerciais, a
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exemplo da Unio Europia que adotou uma moeda nica, podendo servir de referncia
para experincia semelhante no mbito do Mercosul), parece evidente que o regime de
paridades fixas conhecido como "modelo de Bretton Woods" no tem chances de
renascimento no futuro previsvel, muito embora os regimes monetrios baseados em
taxas ajustveis e correlacionadas continuem atraentes em razo de sua aparente
promessa de estabilizao cambial, algo to desejvel como a preservao do poder de
compra de uma moeda.
4. Condicionalidades econmicas e soberania nacional: o modelo de Bretton Woods
O outro conceito relativo ao "modelo de Bretton Woods" de ordem mais
poltica do que monetria e refere-se atuao prtica e operacional " por vezes
"ideolgica" " das duas organizaes criadas em 1944 para cuidar das moedas e das
finanas internacionais. As premissas das quais partiram os economistas e diplomatas
da Gr-Bretanha e dos Estados Unidos, ao proporem o sistema econmico multilateral
identificado com Bretton Woods " e que compreendia tambm uma entidade voltada
para o comrcio, efetivamente criada em Havana em 1948, mas nunca ratificada em seu
formato original e apenas implementada como Organizao Mundial do Comrcio, em
1995 " eram as de um sistema baseado, tanto quanto possvel, na abertura dos mercados
em regime de economia privada (muito embora concesses tenham sido feitas a
esquemas de planejamento estatal), na livre conversibilidade das moedas, na ausncia
de discriminaes (clusulas de nao-mais-favorecida e do tratamento nacional) e de
restries quantitativas ou de barreiras no-tarifrias ao comrcio de bens e servios,
assim como na definio e manuteno de polticas econmicas slidas e responsveis,
de molde a evitar graves desequilbrios internos ou externos que pudessem
comprometer a economia mundial e os fluxos de comrcio entre os pases.
No tinha sido prevista, a despeito do que se cr habitualmente, a liberdade demovimentao dos capitais exclusivamente financeiros, cuja administrao no faz
parte, at 2001, do mandato atribudo pelos pases membros ao FMI: sua jurisdio
compreende to somente a livre circulao dos capitais para pagamentos correntes. O
Banco Mundial, por sua vez, deveria ocupar-se dos financiamentos de longo prazo a
taxas reduzidas, de forma a permitir investimentos de um certo vulto a pases desejosos
de engajar recursos em obras de infra-estrutura ou em projetos de lenta maturao. De
fato, ao longo dos anos, ambas as instituies tiveram algumas de suas funescolocadas em situao de overlapping, com o FMI fazendo emprstimos para "ajuste
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estrutural" das economias colocadas em situao de graves desequilbrios financeiros,
como no caso dos choques do petrleo dos anos 70 (ainda que a prazos mais reduzidos
do que os crditos do BIRD), e o banco provendo recursos exclusivamente financeiros,
no para construir casas ou estradas, mas para sanar deficincias de balano de
pagamentos (como no prprio caso da crise financeira brasileira de 1998-99, que foi em
parte contida com financiamentos parciais do BIRD e do BID).
O aspecto crtico, porm, envolvido no chamado "modelo de Bretton Woods"
prende-se, mais freqentemente, s recomendaes de poltica econmica formuladas
pelo FMI (e muito acessoriamente pelo BIRD) quando da aprovao de crditos stand-
by ou da concesso de crditos e financiamentos estruturais, que podem significar a
"imposio" de alguma condicionalidades ditas "neoliberais" pelos adversrios do dito
"consenso de Washington". Existem muitos equvocos nas acusaes dirigidas ao FMI,
cujas polticas no so exatamente ditadas pela sua burocracia tcnica, mas geralmente
pelo conselho de diretores, que representam a maioria do capital acionrio, obviamente
dominado pelas economias mais importantes do planeta (um "diretrio poltico" no
muito diferente do Grupo dos 7). Esses pases entretm, como seria de se esperar, um
certo consenso em torno de "polticas responsveis", caracterizadas pela liberalizao
dos intercmbios, pela diminuio da interveno do estado na economia, solidez das
polticas fiscais, realismo cambial e ausncia de restries notveis aos fluxos reais e
financeiros.
A despeito dos mtodos por vezes rgidos de implementao do ajuste, a
ortodoxia monetria e financeira contudo aplicada de comum acordo com as
autoridades econmicas do pas que solicita um crdito de emergncia, com alguma
flexibilidade em relao a aspectos particulares do "pacote de socorro". Assim, o FMI
pode "conceder" a manuteno de regimes menos flexveis de administrao cambial "
bandas ou sistema de paridade fixa " quando normalmente seus tcnicos recomendam adesvalorizao e um regime de flutuao, ou ele pode concordar com a manuteno
temporria de subvenes estatais a determinados setores, quando a pura ortodoxia
recomendaria seu desmantelamento puro e simples. De modo geral, os programas de
ajuda financeira do FMI " com desembolsos condicionados ao cumprimento de
determinadas metas " so elaborados tendo em vista a correo de desequilbrios
insustentveis no plano fiscal ou nas transaes externas, situaes que deveriam de
toda forma ser enfrentadas voluntariamente pelos pases em dificuldades temporrias.
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Da mesma maneira, alguns dos crditos concedidos pelo Banco Mundial podem
vir acoplados a algumas condicionalidades de ordem econmica, mas elas se referem no
mais das vezes ao bom desempenho do projeto, sua implementao responsvel,
retornos verificveis e, se possvel, a correo de alguns desajustes estruturais nos
planos fiscal ou tributrio que podem implicar em mudanas na legislao nacional de
pases dotados de mquinas administrativas especialmente deficientes ou claramente
corruptas. A "boa governana", o combate corrupo, o desenho de polticas setoriais
ou de projetos especficos que sejam ambientalmente sustentveis e socialmente
responsveis tornaram-se algumas das condicionalidades do BIRD e dos bancos
regionais que respondem a crticas formuladas pela opinio pblica e por organizaes
no-governamentais. Desse ponto de vista, o "modelo de Bretton Woods" h muito
deixou de representar a pura expresso da "ortodoxia econmica" para ingressar num
certo "consenso global" de poltica slidas, eficientes e "socialmente sustentveis".
5. O "modelo de Bretton Woods" e a "nova arquitetura financeira internacional"
O problema da maior parte das propostas em torno da chamada "nova
arquitetura financeira internacional" que elas no so realisticamente factveis, ou
ento pecam por excesso de condicionalidades polticas (como, por exemplo, a demanda
por uma reviso radical dos objetivos e mtodos de trabalho das instituies de Bretton
Woods), que simplesmente no se realizaro. No h penria de propostas para reformar
a arquitetura financeira internacional, mas "muitas dessas propostas so contraditrias e
mutuamente incompatveis". 1[1] Os pases do G-7 apresentam individualmente ou em
grupo suas sugestes; o Grupo dos 20, um foro provisrio de pases avanados, em
transio e em desenvolvimento, vem elaborando uma srie de relatrios com esse
mesmo objetivo; o ex-Diretor-Gerente do FMI, Michel Camdessus, tinha avanado
idias nessa direo e os representantes da academia e do mundo financeiro, a comearpor George Soros, tambm no deixam de emitir os mais diversos e mirabolantes
esquemas de "revitalizao", de "transformao radical", quando no de "abolio" das
principais instituies do setor financeiro multilateral.
No sem razo, o livro do Prof. Eichengreen tem como subttulo "a practical
post-Asia agenda", querendo ele com isso significar que suas recomendaes so
voluntariamente modestas para que elas possam ter uma chance razovel de
1[1] Cf. Barry Eichengreen, Toward a New International Financial Architecture: a practical post-Asiaagenda. Washington: Institute for International Economics, 1999, p. 1.
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implementao. Ele descarta, de pronto, propostas em favor de uma nica moeda de
curso internacional, de um banco central mundial, de um "grande" regulador financeiro
internacional ou uma corte planetria tratando de insolvncias, algo equivalentes a
quimeras ("pie-in-the-sky schemes"). O novo Diretor-Gerente do Fundo, o alemo Horst
Kohler, tambm expressou a vontade de introduzir reformas na instituio, mas muito
provavelmente elas no se traduziro em mudanas significativas no mandato ou na
forma de atuao da mais vilipendiada das "sisters-in-the-woods". O Banco Mundial,
por sua vez, j declarou sua inteno de concentrar suas principais operaes em
programas de combate pobreza nos pases mais necessitados. Ambas as instituies
passaram a fazer da luta contra a corrupo uma espcie de "condicionalidade informal"
no processo de aprovao de novos projetos ou emprstimos.
Depois de meio sculo de existncia continuada, a importncia das duas
entidades de Bretton Woods continua a ser reconhecida mesmo por seus adversrios
ideolgicos: na ausncia do FMI ou do BIRD, outros mecanismos e instituies teriam
de ser concebidos e implementados para enfrentar os problemas das crises financeiras,
dos desequilbrios de balanas de pagamentos, da ausncia de financiamentos privados
para determinados projetos de investimento, sem mencionar a ausncia de capacitao
tcnica de muitos pases mais pobres para sequer desenhar e implementar programas
amplos de saneamento bsico, de construo de infra-estrutura ou at de implantao de
redes escolares e de sade preventiva.
Na verdade, o alegado "modelo de Bretton Woods" no tem tanto a ver com a
presumida "liberdade dos mercados", mas sim com o mau funcionamento desses
mesmos mercados, seja na conteno de pnicos bancrios e hemorragias financeiras,
seja na alocao adequada ou satisfatria de recursos financeiros para determinados
pases que no contam com aportes voluntrios de capitais privados, sob a forma de
investimentos diretos, por exemplo, ou que no dispem de condies mnimas paracontrair emprstimos no sistema bancrio comercial. O BIRD e o FMI " que nunca
chegou a ser um "emprestador de capitais de ltima instncia", como queria Keynes "
so chamados, precisamente, quando os mercados falharam ou se mostraram incapazes
de cumprir suas funes alegadamente saneadoras ou corretoras de desequilbrios. Num
certo sentido, eles so o "anti-mercado", pois que representando uma interveno de
"tecnocratas" para restaurar situaes de equilbrio instvel e aportando recursos quando
a "mo invisvel" deixou de faz-lo. Assim, a despeito das iniquidades ainda presentes,e de certa forma persistentes e crescentes, na economia mundial, com um imenso
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diferencial de recursos e de riqueza entre os pases, instituies como as "duas irms" de
Bretton Woods podem contribuir para o desenho de uma "arquitetura financeira
internacional" mais compatvel com os requerimentos de estabilidade macroeconmica
e as necessidades de financiamento dos pases mais pobres.
6. O Brasil em Bretton Woods: sem a dimenso do desenvolvimento
Em maio de 1944, Roosevelt estende ao Brasil o convite para participar, junto
com 43 outras "naes unidas e associadas", da conferncia que deveria discutir a
reconstruo econmica do ps-guerra. O Brasil esteve representado em Bretton Woods
pelo ministro da Fazenda do governo Vargas, Arthur de Souza Costa, que chegou a
presidir um dos comits (o de "organizao e administrao") da Comisso I da
Conferncia (que tratava do prprio FMI). Acompanhavam-no, como delegados, entreoutros, Francisco Alves dos Santos Filho, da Carteira de Cmbio do Banco do Brasil;
Valentim Bouas, poca pertencente Comisso bilateral de Controle dos Acordos de
Washington sobre a dvida brasileira; Eugenio Gudin, membro do Conselho Econmico
e Financeiro e do Comit de Planejamento Econmico da presidncia da Repblica;
Octvio Gouveia de Bulhes, da Diviso de Estudos Econmicos e Financeiros do
Ministrio da Fazenda; e Vitor Bastian, Diretor do Banco da Provncia do Rio Grande
do Sul (de onde vinha Souza Costa antes de ser convidado por Vargas para substituirOswaldo Aranha na Fazenda). Faziam ainda parte da delegao o jovem diplomata
Roberto de Oliveira Campos, ento segundo secretrio da Embaixada em Washington, e
Santiago Fernandes, economista do Banco do Brasil.
A delegao brasileira props uma conferncia especfica para promover a
estabilidade nos preos dos produtos de base, idia que seria retomada na Conferncia
das Naes Unidas sobre Comrcio e Emprego em Havana e em diversas reunies
econmicas que, nos anos 50 e comeo dos 60, levam constituio da Conferncia dasNaes Unidas sobre Comrcio e Desenvolvimento (UNCTAD). Os esforos do Brasil
e de outros pases para viabilizar medidas em favor do desenvolvimento econmico no
encontram eco nos debates. Os acordos de constituio do FMI, por exemplo, assim
como o Acordo Geral de 1947, no fizeram nenhuma distino entre pases
desenvolvidos e em desenvolvimento.
No se tratava, no entanto, de uma discriminao direta e voluntariamente
perversa: o problema simplesmente no se colocava, na tica dos que convocaram a
Conferncia de Bretton Woods. A reorganizao econmica e monetria do mundo era
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um problema a ser resolvido basicamente entre as grandes potncias, que se
consideravam como as nicas "responsveis pela ordem internacional". Em Bretton
Woods atuaram essencialmente os EUA e a Gr-Bretanha: todos os demais participantes
eram meros figurantes.
7. O FMI em sua primeira fase: inconsistncias sistmicas
O fato de os acordos de Bretton Woods no trazerem nenhuma distino entre
pases avanados e pases em desenvolvimento pode ser explicado pelo contexto da
poca, quando a questo prioritria era a da reconstruo econmica dos pases em
guerra, a comear pelas potncias capitalistas da Europa. De fato, na primeira fase de
suas atividades, o FMI desconhece a questo do desenvolvimento e sua prtica corrente
reflete os problemas prioritrios da estabilizao econmica nos pases europeus. A
organizao parece ter demonstrado enorme tolerncia para com as desvalorizaes
manifestamente ilegais praticadas por alguns desses pases (a Frana, por exemplo),
preocupando-se muito mais com os problemas de taxas mltiplas de cmbio e de
prticas discriminatrias em matria monetria (controle dos fluxos de divisas) por parte
dos pases menos desenvolvidos do que com as enormes restries ao cmbio
prevalecentes nos pases europeus. Esse double standardno deixou, evidentemente, de
provocar um legtimo mal-estar nesses pases, em especial na Amrica Latina, que
ressentiam que muito maior ateno era dada s suas prticas restritivas do que s dos
major powers.
Nessa primeira fase, a poltica econmica relativamente ortodoxa conduzida
pelos ministros de Dutra coincide com a filosofia imperante no FMI. Sem embargo, a
sada de capitais e o esgotamento das reservas em divisas acumuladas durante a guerra "
processo tambm acelerado pela liberalizao das importaes como meio de controlar
a inflao " atingem tais propores que o Governo obrigado a reintroduzir medidasde controle cambial em meados de 1947. Apesar disso, ele recusou-se persistentemente
a alterar a paridade do cruzeiro, uma vez que, de acordo com as regras do Fundo, o
cmbio estvel era considerado um princpio de bom comportamento econmico.
Com efeito, para assegurar a estabilidade cambial nas relaes econmicas
internacionais, o convnio constitutivo do FMI " promulgado no Brasil em maio de
1946 " no permitia a existncia de moedas flutuantes, nem a introduo de
depreciaes unilaterais para aumentar a competitividade. O Governo Dutra manteve-seatrelado a esse princpio durante todo seu perodo constitucional, mesmo em face de
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desvalorizaes "ilegais" realizadas por alguns pases europeus durante a fase de
penria de dlares do imediato aps-guerra. Uma vez feita a declarao da paridade de
sua moeda em meados de 1946 " o valor era aquele expresso em termos de ouro (ou
dlares) em julho de 1944, data da Conferncia de Bretton Woods, e correspondia a
uma taxa de Cr$ 18,46 por dlar, j em vigor desde 1939 ", ela seria mantida at o
prximo Governo Vargas, quando se volta a adotar o pouco ortodoxo sistema de taxas
diferenciadas.
Na verdade, uma certa heterodoxia no manejo da poltica cambial tinha sido
introduzida desde meados de 1947, quando, por fora da penria de divisas, se adotou o
regime de licenas de importao, segundo uma hierarquizao de prioridades. Mas, a
paridade cambial declarada em 1946 foi mantida at 1953, a despeito da enorme
inflao registrada nesse perodo. A nica conseqncia dessa adeso um pouco mope
aos princpios estritos do FMI foi a valorizao da moeda brasileira, embora limitada
pela inflao mundial e pela desvalorizao das moedas europias no final dos anos 40.
A primeira operao contrada pelo Brasil com uma das organizaes de Bretton
Woods foi um emprstimo para um projeto de energia eltrica base trmica contrado
junto ao Banco Mundial em 1949, por um montante de 75 milhes de dlares. As
operaes com o FMI no comearam seno na dcada seguinte e parecem ter
consistido, numa primeira experincia, num simples aval dado em 1954 a emprstimo
do Eximbank, o banco garantidor de financiamentos s exportaes do governo
americano, o que foi logrado a despeito do sistema de taxas mltiplas de cmbio ento
mantido pelo Brasil. Nessa poca, alis, o FMI formula uma recomendao para a
unificao do regime cambial, o que no entanto no podia ser logrado de imediato em
vista dos persistentes problemas fiscais e tributrios (a taxa mltipla atuava como um
adicional tarifrio, pelo menos antes da reforma aduaneira de 1957, que mudou a tarifa
de especfica para ad valorem). Nas dcadas seguintes, o Brasil viria a ser um dosprincipais clientes de ambas as organizaes, muito embora as relaes com o FMI
tenham seguido um padro mais irregular do que as operaes quase constantes
mantidas junto ao BIRD.
8. Juscelino Kubitschek d inicio demonizao do FMI
Uma das etapas mais significativas desse relacionamento tortuoso representada
pelo rompimento, em 1959, por Juscelino Kubitschek, de um acordo stand-by
negociado no ano anterior pelo seu ministro Lucas Lopes. Esse gesto de fundo
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essencialmente poltico e quase demaggico assumiu, na simbologia de uma certa
histria simplista, ares de declarao triunfalista de independncia econmica por parte
do Brasil, como se o FMI e, por trs dele, o governo dos EUA tivessem interesse em
colonizar ou humilhar o Pas, quando o que estava em jogo era to somente o
cumprimento de certos critrios de desempenho em matria monetria e fiscal. Na
verdade, Juscelino, j comprometido com o projeto de construo de Braslia pela via
fcil (e altamente irresponsvel) das emisses inflacionistas no pretendia submeter-se a
nenhum tipo de controle de gastos (menos ainda de elaborao oramentria normal). O
fato que as "explicaes" dadas por JK para justificar o rompimento do acordo stand-
by com o Fundo " o atendimento das exigncias teria redundado, por exemplo, no
"aniquilamento" do Pas, ele teria de "abrir mo do Plano de Metas" e deixaria o povo
"passando fome" " passaram a integrar a demonologia da esquerda brasileira em relao
ao FMI " logo identificado com "fome e misria internacional" " praticamente at os
dias de hoje, constituindo um caso nico de auto-engano coletivo cultivado de maneira
persistente durante dcadas a fio.
Um pouco mais adiante, novo acordo stand-by negociado pelo ministro
Clemente Mariani com o Fundo em 1961 teve de ser suspenso aps a renncia de Jnio
Quadros, cuja realizao mais importante na rea econmica foi a unificao dos
diferentes regimes cambiais em vigor desde a segunda presidncia de Getlio Vargas,
medida adotada depois de desvalorizao importante da moeda e eliminao de
subsdios a alguns bens. Os anos tumultuados da presidncia Joo Goulart " primeiro
sob um regime parlamentarista, depois no sistema presidencialista novamente " no
constituem uma trajetria uniforme de poltica econmica e portanto no podem ser
analisados segundo um padro normal de relacionamento com as agncias financeiras
multilaterais. De resto, o Brasil no chegou a contrair, nessa fase, nenhuma nova
obrigao financeira com as entidades internacionais, tendo sido entretanto obrigado anegociar emprstimos e financiamentos de curto prazo com governos e entidades
nacionais de financiamento e depois a renegociar esse crditos, inclusive no mbito do
Clube de Paris, quando a inadimplncia se manifestou no horizonte.
9. O regime militar e o FMI: boas relaes, sem dependncia
O governo militar, sustentado pelas foras conversadoras, bem acolhido pelos
EUA e integrado por economistas ditos "ortodoxos", passou a viver em termos melhorescom o FMI, de que so exemplo os sucessivos acordos stand-by negociados
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praticamente ano a ano entre 1965 e 1972. De fato, esses acordos no eram necessrios
do ponto de vista estrito da balana de pagamentos, justificando-se apenas como uma
espcie de "selo de qualidade" das polticas econmicas implementadas nessa fase de
estabilizao. Dos quase 570 milhes de DES concedidos nessa poca em oito
operaes anuais, o Brasil sacou apenas 150 milhes (em duas tranches de 75 milhes
cada, as primeiras, sem condicionalidades), contentando-se o governo com o aval do
FMI para fins de renegociao da dvida com credores oficiais. O BIRD, a partir dessa
poca, tambm passou a emprestar com maior liberalidade ao Brasil, assim como a
AID, a agncia oficial de ajuda ao desenvolvimento do governo dos EUA, ou o
Eximbank.
A fase do chamado "milagre econmico brasileiro", entre 1967 e a primeira crise
do petrleo, em 1973, coincide com o ingresso de importantes fluxos de investimento
estrangeiro, tendo o governo atuado inclusive no sentido de restringir o excesso de
entradas, de maneira a no provocar surtos inflacionrios na economia brasileira.
Mesmo depois do incio de problemas na balana de pagamentos, com a triplicao dos
preos do petrleo e a continuidade das grandes obras de infra-estrutura e dos
investimentos estatais patrocinados pelo governo "desenvolvimentista" de Geisel, o
governo evitou fazer apelo ao FMI, preferindo socorrer-se nos euromercados, ento
regurgitando de petrodlares que passaram a ser reciclados em condies extremamente
generosas para com os tomadores (taxas de juros praticamente negativas, em face da
acelerao da inflao nos pases centrais). De resto, o FMI teve papel pouco ativo na
fase de grandes turbulncias dos anos 70, atingido ele mesmo pela alterao quase
completa dos fundamentos que tinham presidido sua atuao institucional desde a
assinatura dos acordos de Bretton Woods: o regime de paridades fixas e a
conversibilidade do dlar em ouro a uma taxa estvel.
A nova crise do petrleo, em 1979, agravou ainda mais a situao das transaescorrentes do Brasil, numa fase em que as taxas de juros passam a ser flutuantes e de fato
aumentam extraordinariamente a partir da poltica do Federal Reserve de atrair capitais
para os EUA. O governo Figueiredo, novamente com Delfim Netto frente da
economia, hesitou entretanto em recorrer ao FMI, na medida em que o apelo teria um
enorme custo poltico. Ele s o fez quando a situao j tinha sado de controle, com
escassez de capitais voluntrios a partir da guerra das Malvinas (maio de 1982) e
sobretudo com o deslanchar da moratria mexicana em agosto desse ano. Entre o inciode 1983 " quando um acordo dito EFF (extended Fund facility) negociado " e o final
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do regime militar, o Brasil beneficiou-se de crditos emergenciais do Fundo mas no
conseguiu cumprir a maior parte das exigncias e requerimentos formulados pelo staff
do rgo e estabelecidos por sua diretoria pois que no obtinha condies polticas para
um conjunto de reformas tendentes a desindexar a economia brasileira e a colocar as
contas pblicas sob controle. O ministro Delfim Netto negociou e renegociou meia
dzia de cartas de intenes para sustentar um acordo stand-by que nunca foi
implementado em forma integral.
Mais grave porm que os conflitos distributivos de ordem interna era o problema
da dvida externa, tanto a oficial, que teria de ser renegociada no mbito do Clube de
Paris, como a comercial, para a qual os instrumentos de coordenao ainda eram
incipientes e improvisados. A estrutura dos emprstimos consorciados, envolvendo
dezenas, seno centenas de bancos " os chamados "syndicated loans" " era obviamente
uma dificuldade: um comit assessor dos bancos credores foi rapidamente constitudo,
mas seu funcionamento deixava bastante a desejar em face das disputas entre os
prprios bancos para um tratamento preferencial para os seus crditos. A inadequao
dos mecanismos institucionais para o encaminhamento adequado do problema da dvida
externa era patente. Por um lado, os bancos privados tinham sido extremamente
irresponsveis ao conceder emprstimos sobre emprstimos aos governos dos pases em
desenvolvimento, na suposio absurdamente anti-histrica de que estados soberanos
no vo bancarrota e no declaram moratria. Eles estavam esperando que o governo
dos EUA e o prprio FMI garantisse pelo menos o pagamento dos juros por parte dos
pases devedores, algo que esteve sob risco em diversas ocasies. Por outro lado, o FMI
estava apenas equipado para tratar de desequilbrios temporrios de balano de
pagamentos, no para administrar um processo prolongado de renegociao de dvidas
soberanas e comerciais.
O problema da dvida externa de meados dos anos 80 foi mais empurrado para afrente a partir de uma srie de novos emprstimos e de reescalonamentos por parte da
banca privada " entre eles, mega-operaes conduzidas pelo Citi e pelo Morgan no
incio de 1983 " do que de fato resolvida por via da cooperao institucional entre o
governo brasileiro e o Fundo, objeto de um grande emprstimo nessa mesma poca,
logo suspenso em face do descumprimento brasileiro de uma srie de metas. Tem incio
nesse perodo um novo captulo do que se poderia chamar, livremente, de "novela
financeira do Brasil", isto , a sucesso infindvel de visitas de misses tcnicas doFundo, enviadas ao Brasil para examinar as contas e propor novas metas que tampouco
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seriam cumpridas. O aspecto risvel do folclore em torno das "misses do FMI" esconde
o que de fato passou a constituir a essncia de uma outra srie de componentes da
demonologia brasileira em torno dessa instituio: as condicionalidades impostas como
parte de uma conspirao de banqueiros e governos poderosos para obrigar o Pas a
reembolsar uma dvida ilegtima e impagvel.
Os anos 80 tambm assistiram ao surgimento de "vises alternativas" para o
tratamento da dvida, inovando em relao abordagem estritamente financeira nas
experincias histricas precedentes. Foros informais de consulta como o "consenso de
Cartagena" (1984) " de que participou o Brasil, mais pela sua diplomacia do que pelas
suas autoridades financeiras " impulsionaram esse tipo de "politizao" da questo da
dvida, mas deve-se reconhecer que seus resultados prticos foram bastante modestos, a
despeito mesmo de terem os pases do G-7 passado a aceitar como inevitveis os
esquemas de reduo do principal e dos juros, em especial para os pases mais pobres
altamente endividados. Essas iniciativas de abatimento da carga da dvida oficial
passaram a ser conhecidos pelos nomes das cidades nas quais o G-7 realizava suas
reunies anuais: "menus" de Toronto, de Londres, de Npoles e de Lyon, nenhum deles
aplicado ao Brasil, em vista das dimenses de sua economia e de sua posio mais
slida do ponto de vista das contas externas.
A descoordenao poltica e operacional em torno do problema da dvida
externa dos pases emergentes era de fato muito grande, envolvendo muitos atores
dotados de pouca inspirao e muita transpirao: FMI, Banco Mundial, Tesouro
americano, Federal Reserve, Departamento de Estado, agncias garantidoras de crditos
comerciais, outros governos credores " geralmente europeus, mas tambm os japoneses
e canadenses " ademais, obviamente, dos bancos privados, centenas deles, a comear
pelos grandes de Wall Street e da City londrina. Um certo grau de energia por parte dos
funcionrios americanos e tambm um pouco de sorte " assim como a prpriacooperao dos principais devedores, a comear pelo Mxico e pelo Brasil " evitou o
pior: o colapso do sistema financeiro internacional. O esquema no evitou contudo a
estagnao e a crise nesses mesmos pases, dando origem ao estigma da "dcada
perdida". Oportunamente, a introduo do princpio do reescalonamento com desconto
do valor face " ou fixao de juros ", tal como consubstanciado no Plano Baker,
permitiu a lenta reabsoro dos casos mais graves de inadimplncia financeira, com
perdas desigualmente distribudas entre os credores e os tomadores (varivel segundo oscasos).
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Entretempos, no Brasil, a conduo do processo de entendimentos com o Fundo
foi bastante errtica e irregular: logo depois do descumprimento das metas acertadas no
acordo de facilidades ampliadas (EFF) do incio de 1983, nova misso do FMI veio ao
Brasil para tentar convencer as autoridades brasileiras a desindexar a correo
automtica dos salrios, alm obviamente de estabelecer metas precisas para a reduo
da inflao. Como relatado em uma histria oficial do FMI cobrindo esse perodo, "Os
brasileiros tinham resistncia a esse tipo de requisito e o seu duradouro e altamente
influente diretor executivo, Alexandre Kafka, reclamou que esse nvel de envolvimento
estrutural na poltica econmica era pouco apropriado e no tinha precedentes". 2[2] A
partir da " e a despeito de renegociaes conduzidas no mbito do Clube de Paris " os
desencontros entre o Brasil e a comunidade de credores oficiais e privados foram
freqentes, atravessando inclusive a mudana de regime poltico do incio de 1985, at
culminar na famosa moratria de 1987, quando o Brasil, pela primeira vez em muitas
dcadas, declarou a impossibilidade de continuar honrando seus compromissos
externos.
10. O Brasil redemocratizado e o FMI: ms relaes, com dependncia
Em janeiro de 1985, como forma de pressionar por novas facilidades creditcias,
o governo brasileiro anunciou que estaria suspendendo o pagamento de juros sobre a
dvida oficial bilateral at o reescalonamento dessas dvidas, ao que o Clube de Paris
respondeu que o estabelecimento de um acordo stand-by com o FMI era a condio
necessria para faz-lo. A substituio de Francisco Dornelles por Dilson Funaro em
meados desse ano no foi particularmente bem sucedida em termos de entendimentos
com o FMI e com os demais credores oficiais e privados. A novela da dvida e o bal de
misses do Fundo ao Brasil continuou pelos meses seguintes, sem qualquer progresso
substantivo na conduo das renegociaes e com muito pouco progresso no tratamentoconceitual do problema. O presidente Sarney adotou uma retrica anti-Fundo, ao
declarar em setembro de 1986 " descartando o fato de que o Brasil de fato no cumpria
nenhum plano com a instituio " que "as frmulas do FMI para o Brasil simplesmente
no funcionam. Elas nos conduziram mais dramtica recesso em toda nossa histria".3[3]
2[2]
Cf James M. Boughton, Silent Revolution: the International Monetary Fund, 1979-1989. Washington:International Monetary Fund, 2001, p. 373.3[3] Cf. Boughton, op. cit., p. 455.
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A moratria declarada em fevereiro de 1987, envolvendo o pagamento de juros
dos emprstimos de mdio e longo prazo dos credores privados, chocou o mundo e o
FMI, mas de fato ela era inevitvel: a dvida total era ento de 121 bilhes de dlares e
as reservas brutas tinham cado dramaticamente de US$ 9,25 bilhes no final de 1985
para menos de 4 bilhes no momento da moratria. Uma renegociao indita " isto ,
sem o aval do Fundo e sem um stand-by em vigor " tinha no entanto sido concluda com
o Clube de Paris um ms antes, o que permitiu algumas acomodaes at que o ministro
Funaro fosse substitudo por Luiz Carlos Bresser Pereira em abril de 1987. Este no
pretendia renegociar com o Fundo antes de acomodar a situao dos banqueiros
privados, aos quais pediu um novo emprstimo-ponte a taxa de juros zero: levou zero
emprstimo. Seus encontros com funcionrios americanos para discutir seu plano de
"debt relief" para o Brasil " de fato de "securitizao" da dvida " foi recebido com um
"non-starter", a comear pelo prprio Secretrio do Tesouro James Baker, que recusou
em setembro desse ano desvincular o esquema "voluntrio" de reduo de dvidas
privadas dos arranjos com o FMI. O mais extraordinrio que esse esquema conceitual
veio depois a ser consubstanciado no chamado Plano Brady, do nome do sucessor de
Baker frente do Tesouro. O episdio revela, em todo caso, que o crdito poltico e
financeiro do Brasil estava prximo de zero e, provavelmente, com poucas perspectivas
de melhoria.
Esse tipo de guerrilha financeira sem vitrias nem vencedores continuaria pelo
resto da dcada, at que a gesto Marclio Marques Moreira na Fazenda, no princpio
dos anos 1990, seguida mais adiante pela de Fernando Henrique Cardoso na mesma
pasta " com Pedro Malan designado como negociador oficial da dvida externa "
permitiu dar incio a uma nova fase no relacionamento do Brasil com a comunidade
financeira internacional. Um pouco antes dessa poca, o Fundo e as prprias autoridades
americanas j estavam convencidos que era preciso separar a estratgia do tratamento dadvida dos interesses dos banqueiros privados, o que foi logrado em 1989 atravs do
Plano Brady, que previa precisamente uma estratgia mais flexvel para o "debt relief" e
para o apoio do FMI aos novos esquemas de facilitao da renegociao dos crditos
oficiais e dos emprstimos privados.
No intervalo, o sucessor de Bresser na Fazenda, Mailson Ferreira da Nbrega,
assinou uma carta de intenes com o Fundo, em junho de 1988, prevendo a negociao
de um novo acordo stand-by e antecipando negociaes com banqueiros e o Clube deParis. Em agosto, o Brasil conseguiu sacar uma tranche de 365 milhes de DES de um
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total de mais de 1 bilho aprovados, mas isso foi tudo. As turbulncias polticas do final
do governo Sarney e as expectativas geradas pela nova Constituio, entretanto,
minaram os esforos do ministro Mailson em prol de acordos consistentes e durveis
com aqueles parceiros. Da mesma forma, uma carta de intenes negociada em
setembro de 1990, j no Governo Collor, no teve implementao em virtude das
demais inconsistncias do plano de estabilizao introduzido em maro desse ano. Mas
o ministro Marclio Marques Moreira logrou concretizar um reescalonamento no mbito
do Clube de Paris em 1992, mesmo sem dispor do aval do FMI.
11. Encontros e desencontros dos anos 90: o FMI e as crises financeiras
Com a presena de Fernando Henrique Cardoso na conduo dos negcios da
Fazenda, a partir de maio de 1993, e uma brilhante equipe de assessores econmicos em
postos estratgicos do governo Itamar Franco, foi possvel conduzir, pela primeira vez
em muitos anos, um processo realista e consistente de ajuste estrutural que, via
desindexao planejada da economia, acabaria levando ao plano Real, passando pela
soluo parcial do problema da dvida em abril de 1994 e a subseqente suspenso
oficial da moratria. Um acordo com o Clube de Paris em 1992 tinha contornado a
situao dos crditos oficiais.
O primeiro governo Fernando Henrique Cardoso, eleito de forma espetacular
em outubro de 1994, fundamentalmente em virtude do sucesso do Plano Real, inicia em
1995 sua gesto com um desafio externo de grande amplitude: controlar os efeitos da
crise do Mxico de dezembro daquele ano e garantir a manuteno da estabilidade
cambial, o que foi obtido mediante pequeno ajuste na poltica de valorizao cambial do
perodo inicial do programa de estabilizao. Introduziu-se o sistema de bandas e a
prtica de correes ou ajustes ("minidesvalorizaes" disfaradas) dentro da banda, de
maneira a compensar parte da eroso inflacionria e a valorizao de fato pela qualpassou o Real a partir de sua introduo nos segundo semestre de 1994. No plano
internacional, o governo FHC comea a propor, mediante carta do presidente a seus
parceiros do G-7, medidas de controle dos capitais volteis, tendo recebido uma certa
receptividade em alguns setores.
Ao mesmo tempo, entretanto, o G-7 tambm propunha a liberalizao dos
movimentos de capitais, rea que nunca fez parte da jurisdio do FMI, consoante o
esprito "keynesiano" que presidiu aos acordos de Bretton Woods, voltados basicamentepara a liberalizao dos pagamentos correntes ( excluso, portanto, dos fluxos
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voluntrios de ativos). As autoridades monetrias brasileiras, a despeito de uma adeso
conceitual ao princpio da liberalizao progressiva e cautelosa desses fluxos, no
concordavam com a idia de abandonar de vez o monitoramento nacional desses
capitais, uma vez que, escolado pelos desequilbrios persistentes que o Pas conheceu
praticamente desde a inaugurao da repblica, o Brasil sequer tinha operado, quando
da ratificao dos acordos de Bretton Woods, a liberalizao completa de seus
pagamentos correntes (fazendo uso das excees previstas no Artigo 14 do convnio
constitutivo do FMI, para derrogar s obrigaes previstas no Artigo 8, aceito
integralmente apenas recentemente).
O ministro da Fazenda Pedro Malan tambm expressou restries ao carter
amplo do sistema de disseminao de dados, argumentando que sua divulgao poderia
ser fator de instabilidade, em lugar de contribuir para a estabilizao dos mercados
financeiros. Em todo caso, consoante seu novo papel internacional e de liderana na
diplomacia dos pases em desenvolvimento mais dinmicos, o Brasil foi convidado em
1996, junto com outros sete pases emergentes, a ingressar no BIS (o que foi efetivado
em 1997), assim como a participar, mais tarde, de esquemas restritos de discusso das
turbulncias financeiras (como o G-22 e o G-20).
Comeando pelo Mxico em 1994-95, continuando na sia dois anos depois,
estendendo-se Rssia em agosto de 1998 e logo em seguida ao Brasil, uma srie de
crises financeiras abalou o sistema internacional. Elas no foram as primeiras, nem
sero as ltimas de uma srie que Charles Kindleberger chamou de "manias, pnicos e
colapsos" do capitalismo. 4[4] Os mercados geralmente funcionam, mas eles podem
enfrentar rupturas, o que requer interveno governamental para prover estabilidade. O
dilema que se os mercados sabem que alguma ajuda vir, eles vo quebrar mais
freqentemente e funcionar de maneira menos eficiente. Este o debate atual em torno
do chamado moral hazard, comportamento de risco dada a existncia de um "salvador".
12. Outubro-dezembro de 1998: o Brasil volta ao FMI
Quando a crise financeira internacional atingiu igualmente o Brasil, no
seguimento da moratria russa de agosto de 1998, e ameaou propagar-se a outros
pases emergentes, o sistema internacional ficou ele prprio sob risco de colapso, o que
4[4] Cf. Charles Kindleberger,Manias, panics, and crashes: a history of financial crises. New York: BasicBooks, 1978.
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levou a reunies de emergncia das autoridades do G-7 e do FMI. 5[5]Um pacote de
ajuste fiscal, estritamente monitorado pela instituio foi a condio essencial para se
lograr uma ajuda financeira do FMI e de pases-membros do G-7 e do BIS.
Essa ajuda inaugurou uma nova modalidade de interveno das instituies
financeiras internacionais, j que se tratava de disponibilizar recursos para reforar as
reservas internacionais do Brasil em carter preventivo, ou seja, antes que se
manifestasse uma inadimplncia de fato, seguida de eventual decretao de moratria,
como no caso anterior da Rssia. Ela antecipou a utilizao da chamada Supplemental
Reserve Facility (SRF), instrumento de crdito inovador, pois que destinado justamente
a evitar a sustentao ps-crise dos desajustes de balano de pagamentos.
A montagem de um esquema de sustentao financeira em favor do Brasil
tornou-se inevitvel quando, no bojo das crises asitica e russa, os capitais de
emprstimo e de crdito comercial tornaram-se repentinamente escassos, operando-se,
ao contrrio, uma retirada em massa de volumes considerveis de recursos antes
aplicados de forma voluntria na economia brasileira. As reservas brasileiras
comearam a diminuir de forma dramtica, de algo como 72 bilhes no perodo anterior
crise russa para menos de 40 bilhes em meados de novembro de 1998. A
dependncia financeira do Brasil ficou evidenciada a partir de 1996, quando o dficit
nas transaes correntes atingiu cerca de 3,27% do PIB, de um patamar relativamente
confortvel de aproximadamente 0,3% no comeo do Plano Real. Em novembro de
1998, o dficit acumulado em doze meses j atingia 34 bilhes de dlares, ou seja,
4,43% do PIB, colocando em relevo a necessidade de um aporte suplementar de
recursos institucionais, adicionalmente ao volume de investimentos diretos e de aportes
por motivo de privatizaes (que em 1998 atingiram, de forma conjunta, um volume
recorde de 24,5 bilhes de dlares).
O pacote de ajuda, anunciado finalmente em 13 de novembro de 1998, tinhasido montado em plena assemblia anual das instituies de Bretton Woods, no ms de
outubro, e complementado por contatos diretos das autoridades financeiras do Brasil
com seus parceiros das principais economias desenvolvidas e com funcionrios do FMI.
Ademais de 9 bilhes de dlares das instituies multilaterais de crdito (BIRD e BID),
o Brasil se habilitou a receber cerca de 20 bilhes de dlares no espao de trs meses a
partir de novembro de 1998 e at 32 bilhes no prazo de um ano, do FMI e de membros
5[5] Ver o livro de Paul Blustein, The Chastening: Inside the Crisis that Rocked the Global FinancialSystem and Humbled the IMF. New York: Public Affairs, 2001
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do BIS, dependendo do nvel de suas reservas internacionais e do grau de
implementao do pacote de ajuste fiscal. Ele se comprometeu ento a manter uma
firme disciplina monetria, mas preservou os fundamentos de sua poltica cambial,
baseada num regime flexvel de desvalorizaes internas a uma banda de flutuao
administrada pelo Banco Central. Esse regime cambial seria, em janeiro de 1999,
radicalmente alterado em sua forma de funcionamento, no decorrer da crise sucessiva
do modelo implantado em julho de 1994 e ligeiramente ajustado em abril de 1995,
adotando-se a partir de ento um regime de flutuao que revelou-se relativamente
satisfatrio.
O carter original do pacote de apoio financeiro das instituies internacionais
e do grupo de 20 pases que dele fizeram parte se situou em seu carter hbrido,
concebido parcialmente como acordo stand-by clssico e, de maneira indita,
parcialmente como um instrumento de tipo preventivo, podendo ser acionado sem as
condicionalidades normalmente associadas a esse tipo de acordo. Em outros termos,
parte dos recursos foi liberada para integrar as reservas do Brasil, independentemente da
necessidade de cobertura de obrigaes cambiais imediatas. Outras caractersticas
inovadoras foram o maior custo de uma parte do dinheiro disponibilizado " em relao
s taxas normalmente praticadas pelo FMI ", exigncia vinculada s condies sob as
quais o Congresso dos Estados Unidos aprovou o pacote de recursos adicionais para a
recomposio do capital do FMI e para a integralizao dos "New Arrangements to
Borrow", estes adicionais aos recursos providos sob o "velho" esquema dos General
Arrangements to Borrow (GAB, isto , acordos gerais de emprstimos entre bancos
centrais), administrado geralmente no quadro do BIS.
Durante a montagem do pacote, que foi revisto em maro de 1999 para acomodar
a desvalorizao da moeda brasileira e a mudana de regime cambial, muito se falou
sobre a participao do setor privado, ou seja, o eventual envolvimento de bancoscomerciais na criao de um fundo adicional de contingncia para utilizao pelo Brasil
e outros pases eventualmente necessitados. No foi possvel lograr acordo sobre os
aspectos metodolgicos dessa participao proporcional dos grandes bancos comerciais,
inclusive porque essa perspectiva estava levando essas instituies a diminurem
preventivamente sua exposure no Brasil, comportamento que resultou na brutal reduo
adicional, entre 1998 e princpios de 1999, das linhas de financiamento e de crdito
comercial normalmente utilizadas pelas empresas para sustentarem investimentos eoperaes de comrcio exterior.
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A recuperao econmica, na esteira da desvalorizao, foi bem sucedida e, em
abril de 2000, o Banco Central anunciou a queda dos juros e o pagamento antecipado
(10 bilhes de dlares) dos montantes sacados (20 bilhes) sob o pacote de 1998. Em
meados de 2001, contudo, com o agravamento da crise argentina e o aparecimento de
novas incertezas nos mercados financeiros, o Brasil retirou nova "fatia" da linha de
crdito stand-by ainda aberta, agregando 2 bilhes de dlares s disponibilidades
liberadas pelo acordo com o FMI. Para o Brasil, a deteriorao argentina, combinada a
problemas conjunturais " crise energtica " e a dificuldades estruturais " como a baixa
competitividade externa, a despeito da desvalorizao " representou uma ameaa real ao
equilbrio de um ciclo que vinha prometendo uma fase virtuosa.
A poltica monetria, confrontada uma vez mais ameaa de presso
inflacionria" em funo da queda no cmbio, entre outros fatores " teve de fazer apelo
novamente prtica dos juros altos, como forma de evitar uma excessiva fuga de
capitais. Nessas condies, comeou a delinear-se a continuidade do programa de
assistncia financeira do FMI, que normalmente deveria encerrar-se em novembro de
2001, o que foi efetivamente implementado em agosto desse ano, mediante novo acordo
preventivo prevendo a liberao de mais de 15 bilhes de dlares, para reforo de
reservas internacionais e garantia contra novos ataques especulativos contra o real. Pela
utilizao desse emprstimo, o Brasil estava pagando entre 4,5% e 5% de juros anuais
por 25% do valor do emprstimo e 7,5% pelo restante.
Esse novo acordo de emprstimo por parte do FMI " equivalente a cerca de 400%
da cota do Brasil junto ao Fundo e vlido para o perodo de setembro de 2001 a
dezembro de 2002 " deveria permitir cobrir, pelo menos parcialmente, as necessidades
em divisas decorrentes de pagamentos devidos pelo servio da dvida, pela amortizao
de ttulos que venham maturidade nesse perodo, bem como outras necessidades da
balana de transaes correntes, se os investimentos diretos no atingissem patamaressatisfatrios em termos de volume e ritmo de entrada. Somados aos recursos disponveis
nas prprias reservas do Pas, bem como aos fluxos e disponibilidades das instituies
multilaterais de crdito, esse montante deveria dar um horizonte de segurana
administrao das contas pblicas e externas do Brasil. De fato, a situao conheceu
relativa estabilidade, a ponto de o Brasil se permitir pagar antecipadamente ao FMI, em
abril de 2002, cerca de 4,2 bilhes de dlares, um montante similar ao que ele havia
sacado preventivamente em setembro de 2001.
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Em meados de 2002, no entanto, com o recrudescimento da crise no Cone Sul "
inexistncia total de qualquer acordo entre a Argentina e o FMI, drenagem quase
completa do sistema bancrio uruguaio, com fechamento de agncias e bloqueio de
depsitos, como na Argentina, alis ", ademais das incertezas derivadas do processo
eleitoral brasileiro " que tendia a favorecer os candidatos presidenciais da oposio " ou
do chamado "terrorismo econmico" provocado pelo pnico de inadimplncia brasileira
junto aos chamados "formadores de opinio do mercado" " tambm conhecidos como
"especuladores de Wall Street" " o Brasil se viu novamente engolfado na voragem da
crise financeira, com um declnio abrupto e significativo da paridade do real em relao
ao dlar. J no ms de junho, o governo decidiu sacar cerca de 10 bilhes de dlares do
acordo em vigor, e obteve do FMI a reduo do montante requerido como reservas de
garantia (que ento passaram de 20 a 15 bilhes de dlares).
Com a deteriorao do cenrio financeiro, o governo optou por negociar em pleno
perodo eleitoral, como tinha ocorrido em 1998, um novo acordo de sustentao
financeira com o FMI, acertado em 7 de agosto de 2002, previamente a sua aprovao
pela diretoria executiva do Fundo em setembro seguinte. Segundo o novo acordo, que
substituiu o anterior e foi o terceiro concludo nas duas administraes FHC, o Brasil
passou a dispor, por um perodo de 15 meses a partir de sua assinatura, de cerca de 30
bilhes de dlares adicionais (em torno de 23,4 bilhes de DES) para utilizao em caso
de necessidade, sendo que 20% desse valor (em torno de 6 bilhes de dlares) poderiam
ser utilizados j em 2002. Em estipulao suplementar ao acordo, o piso das reservas
em divisas foi reduzido em 10 bilhes de dlares (para apenas 5 bilhes), o que liberou
de imediato quantia equivalente para utilizao na eventual amortizao de obrigaes
externas do Pas ou para reforo das operaes de interveno do Banco Central no
mercado cambial. Registre-se contudo que, em junho de 2003, o Brasil deve devolver
cerca de 10 bilhes de dlares desse emprstimo. Em contrapartida, para garantir asustentao fiscal dos novos arranjos, o Brasil se comprometeu a manter o nvel do
superavit primrio em 3,75% do PIB em 2003 e sua previsvel reconduo nas diretrizes
oramentrias de 2004 e 2005. Pouco depois de acertado esse pacote, o Banco
Interamericano e o Banco Mundial anunciaram igualmente que estavam estendendo
novos crditos ao Brasil.
13. O Brasil, a globalizao financeira e o sistema de Bretton Woods
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Que lies podem ser retiradas das crises financeiras internacionais dos anos 90
e incio do novo milnio e qual o papel que nelas assumiu o FMI? Como pode a
comunidade internacional conviver com a realidade dos capitais volteis e que tipo de
medida, se alguma, poderia ser introduzida para combater seus efeitos indesejados?
Pode-se pensar na introduo de mecanismos e instrumentos para controlar os
movimentos de capitais, a exemplo do que se fez na Malsia no auge da crise e do que
prope a "Tobin tax", um hipottico imposto sobre os capitais especulativos ? Os
programas de ajuste do tipo dos propostos pelo FMI so convenientes ou resguardam a
soberania nacional em matria econmica?
O pensamento de esquerda, obviamente, prefere ver as "razes estruturais" das
crises financeiras na volatilidade de capitais e na instabilidade dos mercados
financeiros, numa era de globalizao incontrolada e de capitalismo predatrio,
propondo em conseqncia o retorno aos controles de capital e a centralizao cambial,
com tendncias explcitas ao protecionismo comercial. Os prprios responsveis do G-7
reconhecem que se deve propor medidas concretas para diminuir os eventuais efeitos
nefastos da globalizao, que no recusada, mas que tender doravante a ser
promovida de maneira mais cautelosa, pelo menos na vertente financeira. Em seu
acompanhamento rotineiro das economias dos pases membros " exames sob a gide do
Artigo IV ", o FMI sempre adverte para a inconsistncia dos indicadores em
determinadas reas, mas a entidade no pode, por vontade prpria, substituir as
autoridades nacionais na implementao das medidas requeridas.
No que se refere "Tobin tax", a condio essencial de sua eficcia parece
residir em seu carter universal, o que pode ser difcil de assegurar. Medidas para
"controlar" capitais volteis, a exemplo do que se tentou na Malsia, nem sempre so
eficazes, cabendo aos prprios pases interessados diminuir a dependncia de fundos de
curto prazo, equilibrar sua base fiscal e oramentria e corrigir eventuais distorescambiais ou de competitividade que podem afetar o estado das transaes correntes. O
atual debate sobre uma "nova arquitetura do sistema financeiro internacional", efetuada
inicialmente no mbito indito de um G-22 (de que participou o Brasil), sugeriu
medidas preventivas e de correo dos principais desequilbrios associados
globalizao dos fluxos financeiros, mas ele dificilmente elude a necessidade de que
cada pas mantenha uma boa gesto de seus "fundamentals".
Uma consulta aos trabalhos e declaraes do G-7 e das instituies financeirasinternacionais no perodo anterior crise e no seu seguimento imediato revelaria, de
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fato, uma preocupao primacial com ameaas localizadas de desestabilizao que
possam representar riscos de crises sistmicas. No perodo subseqente, foram
acelerados os debates e tomadas providncias prticas em diversas reas: no prprio
FMI, atravs de um sistema de disseminao de dados por meio da Internet e de fundos
emergenciais; no BIS, pela reviso e reforo das medidas prudenciais relativas a
crditos e emprstimos bancrios. Ampliou-se tambm o sistema de consultas e de
"preveno" em vrias esferas: no prprio G-7, no G-10, na OCDE e em encontros
informais, como o esforo patrocinado pelos EUA no mbito do G-22, congregando os
pases dos G-7 e de quinze outras economias emergentes (entre elas o Brasil) na
definio de uma "nova arquitetura do sistema financeiro internacional". Em outubro de
2000, o novo Diretor-Gerente do FMI, Horst Kohler, convidou um seleto grupo de
consultores informais, entre eles o presidente do Banco Central do Brasil, para
participar de um esforo de reflexo dedicado reviso da atuao do Fundo no setor
financeiro e de mercado de capitais.
Um aspecto eventualmente "positivo" dessas crises financeiras pode ser
localizado, no plano institucional, no reforo das tendncias cooperao internacional
em matria regulatria " como revelado no programa de trabalho do G-20. nova
instncia de coordenao informal de medidas tendentes a reformar, consensualmente, a
chamada "arquitetura financeira internacional" " e, em termos prticos, numa nova
legitimidade atribuda s medidas de interveno nos mercados. Entretanto, nunca se
viu com bons olhos o estmulo criao de "fundos regionais", alm do GAB-NAB
(new arrangements to borrow, introduzidos em 1997) e das modalidades clssicas de
interveno do FMI (agora reforadas por um mecanismo emergencial), para
sustentao de economias temporariamente em dificuldades.
A eventual implementao de "fundos de contingncia" de mbito regional
sempre foi recusada pelos pases do G-7, uma vez que isso poderia aumentar o grau demoral hazard " ou de irresponsabilidade poltica " na conduo das polticas
macroeconmicas nacionais e das prprias estratgias de lending das instituies
financeiras privadas. Essa hiptese, aventada pelo Japo na primeira fase da crise
asitica e depois pelo Brasil no bojo da terceira fase dessa crise, depois da moratria
russa, parece hoje afastada dos esquemas de sustentao financeira em elaborao " pela
pssima reao despertada na Europa, nos EUA e no FMI ", muito embora os pases
asiticos, membros ou no da ASEAN, tenham procurado se "oferecer", recproca e
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generosamente, linhas de crdito emergenciais, em condies facilitadas, ou seja algo
como um NAB informal e temporrio.
De forma geral, portanto, os esquemas de cooperao impulsionados pelo FMI
no terreno institucional e pelo BIS, nos campos prudencial e de preveno e diminuio
de desequilbrios graves nos sistemas financeiros nacionais, visam a diminuir os riscos
de crises sistmicas, sem impedir os benefcios da globalizao, da liberalizao e da
competio. A ideologia do chamado "consenso de Washington" continua a ser a da
liberalizao dos fluxos de capitais, mesmo se se reconhece, atualmente, a necessidade
de "salvaguardas" adequadas a movimentos errticos e desestabilizadores. Com efeito,
em meio aos lances j dramticos da crise asitica, autoridades do G-7, reunidas em
Hong Kong em outubro de 1997, continuavam a proclamar o objetivo da liberalizao
dos movimentos de capitais, mediante processo de reforma do convnio constitutivo do
FMI, que deveria culminar nas reunies de 1998. O agravamento da crise naquela
regio, sua extenso preocupante Rssia e seus efeitos nefastos na Amrica Latina
afastaram tal deciso, sem que diversos representantes das instituies de Bretton
Woods deixassem de proclamar a inteno ltima de, a despeito das turbulncias,
impulsionar uma substancial abertura e liberalizao dos mercados financeiros e de
capitais.
Essa agenda "liberal" de globalizao financeira combina-se com a crescente
afirmao da necessidade de crescimento e desenvolvimento para todos as economias,
em especial a dos pases mais pobres. Aqui, se chegou a proclamar, desde a assemblia
do FMI de Washington, em outubro de 1996, uma "parceria global" para o
desenvolvimento, objetivo que deve ser entendido no contexto dagood governance, dos
direitos humanos e da luta sem trguas contra a corrupo. O G-7 instruiu seus
representantes na OCDE a finalizarem uma conveno sobre medidas penais aplicveis
em caso de corrupo da parte de funcionrios governamentais, que foi efetivamenteconcluda em dezembro de 1997, inclusive com a assinatura do Brasil. Para os pases
mais pobres, as "boas notcias" foram, no plano multilateral, a implementao da HIPC
initiative (Highly Indebted Poor Countries, programa da reduo das obrigaes de
pagamento da maior parte da dvida externa das economias mais pobres altamente
endividadas), a continuidade do ESAF (Enhanced Structural Adjustment Facility), um
aumento e reviso das quotas sem afetar seus direitos nos boards dessas instituies
(medidas adotadas em Hong-Kong), assim como a promessa do G-7 de continuar oprograma de reduo das dvidas oficiais. O Brasil teve modificado para baixo (mas
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muito pouco) seu poder de voto no FMI, em virtude de um aumento no exatamente
equiproporcional das quotas, mas preservou sua representao. Pouco depois, ele
lograva contudo um pequeno aumento (de 1,7 a 2,2% do capital total) em sua
participao acionria no Banco Mundial, assegurando assim uma "cadeira cativa" no
diretrio dessa instituio.
De forma geral, as crticas formuladas contra o FMI refletem, paradoxalmente,
um "consenso" entre a esquerda indignada e a direita isolacionista e "liberal"
outrance, ambas interessadas em solapar o "poder", a seus olhos irresponsvel e
usurpado, que deteriam as instituies financeiras internacionais em geral e o FMI em
particular. Embora bem-vindas de um ponto de vista conceitual, pois que servindo a
aperfeioar os parmetros analticos e prescritivos do receiturio do FMI, essas crticas
no apresentam muito valor operacional, uma vez que, no h, no momento atual,
nenhuma alternativa mais adequada ao papel desempenhado pelo FMI em casos de
desequilbrio temporrio de balana de pagamentos. Pode-se contudo pensar, no mdio
prazo, numa mudana em sua forma de atuao, o que poderia ser facilitado pela nova
convergncia de interesses entre pases do G-7 e mercados emergentes em torno de uma
agenda que recusa as formas mais extremadas de liberalizao dos mercados financeiros
(a recusa do "fundamentalismo de mercado", como criticado pela esquerda). No se
descarta, contudo, a necessidade, para todos os pases, de serem mantidas polticas
slidas na reas fiscal, monetria e cambial, assim como a continuidade das polticas de
aperfeioamento dos sistemas de vigilncia e de administrao de crises localizadas nos
sistemas financeiros e bancrios (com a eventual aplicao do princpio do
monitoramento, pelo FMI e pelo BIS, dessas medidas prudenciais), como garantia da
manuteno de um equilbrio estvel em suas economias.
As turbulncias observadas nos mercados financeiros em 1997 e em 1998, e
novamente em ao, ainda que de forma moderada, no decorrer de 2001, testaram nomais alto grau a capacidade das autoridades econmicas do Brasil de lidar com os
efeitos sistmicos da volatilidade dos capitais, potencialmente suscetveis de abalar os
fundamentos da poltica monetria e principalmente as condies de equilbrio de uma
balana de pagamentos fragilizada pelos dficits crnicos das transaes correntes. A
conseqncia mais importante foi, sem dvida alguma, o abandono da poltica de
estabilidade cambial em 15 de janeiro de 1999 e a adoo, desde ento, de um regime de
flutuao da paridade do real, cujos parmetros no mais seriam definidos por umabanda de flutuao, mas por uma suposta atuao livre dos mercados (com intervenes
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pontuais das autoridades monetrias em caso de necessidade). Numa primeira fase, o
Plano Real e a poltica das autoridades financeiras de ajuste ortodoxo passaram por um
severo teste, considerando-se os custos temporrios e setoriais introduzidos pelos
"pacotes fiscais" e pelo aumento brutal dos juros em matria de reduo das
expectativas de crescimento e de diminuio das condies de investimentos e,
portanto, de gerao de empregos, para o conjunto da economia brasileira. Numa
segunda fase, a nova poltica de metas inflacionrias (inflation targetting) foi submetida
a estreito monitoramento por parte dos mercados e analistas especializados, podendo-se
dizer que os resultados foram bem melhores do que o esperado.
Em todo caso, o Brasil ter de continuar administrando essa agenda interna de
ajuste fiscal e de reduo monitorada das taxas de juros, ao mesmo tempo em que lida
com as novas demandas externas em matria de coordenao das polticas econmicas
no mbito do Mercosul e de abertura continuada de seu sistema econmico, em especial
no setor financeiro. Observe-se em todo o caso que o Brasil, apontado em diversas
ocasies, como the next one das turbulncias financeiras, saiu-se relativamente bem nos
exerccios de conteno de crises bancrias, sobretudo porque suas autoridades
financeiras tiveram a coragem de, recusando o debate "ideolgico", se colocar "contra a
corrente" da aparentemente majoritria mainstream economics no que se refere
liberalizao financeira e dos movimentos de capitais. Foram mantidos, por exemplo,
mecanismos de controles de capitais a serem utilizados em situaes emergenciais,
como de resto as autoridades financeiras continuam a manipular instrumentos
suficientes (depsitos compulsrios, por exemplo, ou aumento da taxao temporria
via IOF) para contrabalanar movimentos bruscos na base monetria.
Durante o perodo de estabilizao cambial, a fragilidade do dficit externo foi
em parte contrabalanada com a qualidade das entradas de capital de risco, para
investimento direto e participao no processo de privatizao. A continuidade dosprogramas de privatizao e de reforma do Estado, a dimenso do mercado interno e do
Mercosul e a participao crescente em foros e negociaes econmicas relevantes tm
confirmado o Brasil como um dos mercados emergentes mais atrativos para o investidor
internacional. O alto endividamento interno pode representar uma ameaa economia,
mas as oportunidades crescentes derivadas do processo de crescimento endgeno, da
ampliao do mercado domstico, bem como o entendimento correto com as
instituies de Bretton Woods parecem descartar, se no os riscos concretos de novasturbulncias financeiras ou cambiais, pelo menos os efeitos mais nefastos da
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volatilidade dos fluxos de capitais. O acordo definido com o FMI estabeleceu o
comprometimento das autoridades com uma rpida implementao do programa de
ajuste fiscal, como condio para a concesso de ajuda financeira pelas instituies
financeiras e por pases do G-7.
Em resumo, como poderia o Brasil manter uma participao positiva nos
debates em curso na agenda financeira internacional, em especial no que se refere
definio de uma "nova arquitetura do sistema financeiro internacional"? Uma das
respostas parece ser a tradicional recomendao da mainstream economics: continuar
fazendo seu "dever de casa" em matria de ajuste fiscal, de melhoria dosfundamentals e
capacitar-se, pelo seu prprio exemplo de continuidade da poltica de estabilizao, a
oferecer um exemplo positivo de monitoramento satisfatrio da economia com
continuidade do processo de crescimento. A capacidade do Brasil de influenciar a
definio mesma dos novos mecanismos de estabilizao da economia mundial e,
sobretudo, de participar de sua implementao efetiva manifestamente reduzida, mas o
controle das nossas prprias turbulncias j representa, por si, uma contribuio
significativa para a continuidade do processo de integrao regional no Mercosul e do
"bom comportamento" da economia latino-americana.
Nos pases dotados de slidas tradies em poltica externa e guiados por
princpios claros no que toca seus interesses externos " como o caso do Brasil " as
crises financeiras e os desequilbrios de balano de pagamentos no costumam
influenciar ou proceder a mudanas bruscas nas grandes linhas da poltica externa.
Trata-se claramente de fenmeno conjuntural, no suscetvel de transformar
bruscamente a insero internacional do pas em questo. Naqueles, ao contrrio,
guiados de maneira impulsiva, com lideranas autoritrias " como se viu em alguns
pases da sia " essas crises podem afetar no apenas a maneira do pas em causa ver o
mundo mas por vezes o prprio equilbrio poltico interno.Nos casos medianos, o impacto pode ser significativo, dependendo da
qualidade dos lderes e das orientaes polticas em curso. Lideranas populistas ou
esquerdistas tendem a ver uma "ameaa externa", "perdas internacionais" e outros
efeitos negativos da globalizao. Lderes liberais e de direita tendem a ser mais
complacentes com a influncia do capital estrangeiro na economia nacional. Num caso
pode-se ter impulsos protecionistas " inclusive nos prprios pases exportadores de
capitais " e fechamento efetivo de mercados; em outro, podem ocorrer atitudes maispassivas em face dos desequilbrios externos.
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Em todo caso, no h reaes claramente delimitadas e unvocas. Tudo depende
do grau de exposure do Pas e dos riscos percebidos, tanto pelos investidores
estrangeiros, como pelos prprios agentes nacionais, que so alis os primeiros a buscar
a segurana das aplicaes em moedas fortes em centros financeiros off-shore. So
finalmente os cidados do Pas que acompanham a administrao diria da poltica
econmica e que do incio, sem qualquer considerao "patritica" mais elaborada, ao
chamadoflight to quality, isto , evaso de divisas e de recursos internos em busca de
paragens mais seguras, ou menos intrusivas do ponto de vista fiscal e menos pesadas do
ponto vista tributrio.
Paradoxalmente, o dado prprio e distintivo das crises financeiras internacionais
que elas so, na verdade, crises basicamente nacionais " derivadas da falta de
confiana dos agentes, nacionais ou no, isso no importa muito " nos dados objetivos
de uma economia (os fundamentals) ou na poltica econmica de um determinado
governo, e que, a partir de um certo momento extravasam as fronteiras de um pas pelo
chamado efeito contgio que essas perturbaes financeiras apresentam ao envolver o
elemento fungvel das moedas. O Brasil passou por diversas crises desse tipo, em
conseqncia de crises financeiras provocadas ou induzidas externamente e que foram
magnificadas por erros econmicos prprios ou por desequilbrios acumulados nas
contas internas.
O registro histrico indica experincias variadas de inadimplncias e de
moratrias, desde o Imprio aos dias atuais, sem um padro uniforme de
comportamento. Em geral, o Brasil manteve seus compromissos externos, sem rupturas
dramticas das obrigaes assumidas com os credores externos. Nenhuma dessas crises
alterou dramaticamente a qualidade e a direo de sua poltica externa, mas todas elas
influenciaram de algum modo os elementos de poltica econmica interna, num ou
noutro sentido, desde o "funding loan" de Campos Sales em 1898 at a "denncia" doacordo com o FMI por Juscelino Kubitschek em 1958. A Histria no tem o dom de se
repetir, mas ela sempre coloca desafios novos em circunstncias talvez no muito
diferentes daquelas enfrentadas pelos nossos antepassados.
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Anexos:Acordos e relaes do Brasil com o FMI, 1944-2002
Quadro 1
Brasil: histrico do relacionamento com o FMI, 1944-2002Data Etapas histricas do relacionamento Min. da Fazenda1944 Convnio constitutivo do FMI, em Bretton Woods A. da Souza Costa
1946 Entrada em vigor do FMI; Brasil ratifica com excees (Art. 8) P. Correia e Castro
1954 FMI concede aval para emprstimo do Eximbank dos EUA Oswaldo Aranha
1955 Relatrio do FMI recomenda reforma cambial Eugnio Gudin
1957 Apoio do FMI reforma tarifria brasileira Jos Maria Alkmin
1959 Pres. J. Kubitschek rompe com o FMI por razes polticas Lucas Lopes
1961 Renncia do Presid. Jnio Quadros interrompe acordo Clemente Mariani
1965-72 Sucessivos acordos stand-by; relacionamento no politizado G. Bulhes/Delf. Netto
1967 Reunies do FMI-BIRD no Rio de Janeiro; criao dos DES Delfim Netto
1971 Fim do sistema de Bretton Woods; flutuao de moedas Delfim Netto1974-79 Crises do petrleo; vrios emprstimos bancrios comerciais M. H. Simonsen
1982 Crise da dvida externa na Amrica Latina; programas de ajuste Delfim Netto(*)
1984 Suspenso do acordo por no cumpri mento de metas Delfim Netto (*)
1987 Moratria dos pagamentos externos; suspenso de crditos Dilson Funaro
1991-92 Tentativas no exitosas de acordo; afastamento poltico Zlia Cardoso Mello
1992 Retomada dos contatos, mas inexistncia de acordos Marclio M. Moreira
1992 Brasil logra acordo com Clube de Paris sem aval do FMI M. M. Moreira
04.1994 Brasil faz acordo com credores privados sem aval do FMI Fernando H. Cardoso
1993-97 Relacionamento discreto, quase distante, mas sem politizao FHC-Pedro Malan
1998 (out) Entendimentos com o FMI para um programa de ajuste fiscal Pedro S. Malan13.11.98 Acordo preventivo com desembolso de at US$ 41,5 bi Pedro S. Malan
08.03.99 Ajuste ao acordo anterior em funo da desvalorizao cambial Pedro S. Malan
05.04.2000 Reembolso antecipado dos crditos concedidos no acordo Pedro S. Malan
28.6.01 Saque de US$ 2.007 bilhes (DES 1,6016 bi), do acordo de 1998 Pedro S. Malan
03.08.01 Anncio da liberao de mais US$ 15 bi, em carter preventivo Pedro S. Malan
23.08.01 Cancelamento do acordo de 1998 e pedido de novo acordo Pedro S. Malan
14.09.01 Acordo stand-by at 12.2002: DES 12.144 bi (US$15.650 bi) Pedro S. Malan