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    Composte e impres.o na GI; iI i~ " L Ie Coimbra

    UNIVERSIDADE DE COIMBRA

    da

    COMISSAO REDACTOI lA

    TEIXEIRA RIBEIRO - BRAGA DA CRUZALMEIDA COSTA - CASTANHEIRA NEVES

    VOL. XLVIII1972

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    rUneia . , .. ~ " . ... . . . . . .. . . .. 253

    ~. . . . . . . . . . . . . ~.~.~. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . _ ....Iodice

    - - - .- ~ - . . - . - ~ - . ~ : -: - . ~ : : -: : . - : : - : : : - :: . - = - = : -: - : - : . - = - = - = . - = - . - : - : = - = - . - : - : = - = -. = -= : :- . = -= -= - = - = . 7 . : - :. 7 . : - : . - = - . : : - : - . = - = : - :- . :- : : - :-. = - = . - = - = = .1. Doutrina

    PagsA. Ferrer Correia - 0 nora dire ito internacional prioado portugues

    (alguns principioe gerais) . . . . . . . . . . . . . . . 1Afonso Rodrignes. Queiro - Rela{)iies entre 0 direito internaeionai e

    o direito interno ante a ul tima revisi io cons tituc iona l portuguesa 55Antunes Varela - Rasgos inooadores do G6digo Cioii Portugues de

    1966 em materia de responsabilidade cioii . . . .. 77Jorge de Figueiredo Diu - A reforme do Direito Penal Portuguee

    [principios e orientadiee [undamentais] . . . . . . . . . 107Francisco Puy - Filosofia del Derecho y Giencia del Dereeho . . .. U5Agustin Fernandez Albor - El sentido de la justicia penal latenie

    en la conciencia social . . . . . . . . 13Bernardo Maria Cremades - El despido en Espuiia 209LuJz Legaz y Laeambra.-Kelsen Hoy. . . . ... . 233

    II. AntologiaManuel A. Domlngues de Andrade - Sentido e valor da Juriapru-

    III. VariaVI Semana Jurtdiea Espanhola em Coimbra ... ,A reforma do regime de estudos das Facuidades de DireitoRevisiio Constitucional- Parecer da Camara Gorporatira. Liberdade ReJigiosa - Pareccr da Gamf'.ra (forporatira . .

    29529932 5487

    I v .

    Reoieta de Revistas , . . , p . nfH)

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    _-_._- _ . _ . - . _ - - _ . __ ._--------- -----~-.--~-.-------- _.a' ~ *~ _ M .

    Doutrin8a .~ ~

    o NOVO DIREITO INTERNACIONALPRIVADO PORTUGmS*(ALGUNS PRINCiPIOS GERAIS)

    1. A presence cxposl~ao versara sobre 0 novo direitointemacional privado portugues, lsto significa que e funda-mentalmente do capitulo do Codigo Civil de 1966 relativo3.0S conflitos de leis que nos ocuparemos aqui. Nao decertopara descrever em pormenor esse sistema de normas - em.presaque se nao coadunaria manifestamente com a indole destetrabalho -, seniio para tao somente assinalar algumas das suascaracterlsticas mais salientes e significativas. Tentaremos definircertas ideias e orientacoes da nova legislacao, que se antolhambasilares, certos rasgos mais penetrantes, contribnindo assimpara explicitar a essencia do sistema.o direito internacional privado lusitano e de criacao rela-tivamente recente. Seu fundador foi MACHADO VILELA, 0grandeMestre de Coimbra, uma das glorias da nossa velha e veneravelUniversidade,

    Antes de MACHADO VILELA, a teoria dos conflitos de leisconstituia entre nos urn dominic mal explorado e deficiente-mente conhecido. Data de 1868 e tern a assinatura de LUCASFALCAO a primeira obra em que propriamente se versam as

    * Este texto serviu de base a s conferencias proferidas pelo autor emMadrid, na Real Academia de Jurisprudencia y Legislacion, aos 6 de Marcode 1972, e em Paris, na -Societe de Legis lation Comparee, aos 17de Abrilt ln mp4;':1nn ~n"

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    a NOVO DIREITO INTERNA(;IONAL PRIVADO l'ORTUGUES 3~ - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - ~ - - - - - - -DOUTRINA

    materias do direi to intemacional privado; essa obra, porem,alias meritoria, n:>;:opassa de simples dissertacao academics:n a o e froto d a i nv e st ig ac a o ampla e da reflexao profunda deque havia mister. Ate LUCAS FALCAO, os autores nacionais- tanto os desse seculo como os do anterior, os veIhos praxistas(V.UASCG, CABEDO, GUERREmo , FRAGOSO) - mais nao tinhamfeito, quast"pode dizer-sc, alem de discutir por incidente algumasquestoes pertencentes ao foro do direito internacional privadoe de toear ao de leve os seus principios em obras gerais dedireito civil. Posteriormente ao D i re it o i nt es na c iona ! p ri va d ode LUCAS FALCAO e ate comecos do seculo actual, alguns estudosmaisse nosdeparam, testemunhando urn inegavel surto deinteresse c ia doutrina portuguesa pelos temas 'd a nossa disci-plina; no entanto, trata-se pr edominan temen te , senao exclusi-varnente, de estudos de caracter monografico. 0exemplo deLUCAS FALCAO TI10 frurificara ainda. 0 direito internacionalprivado n~o se defrontara ainda em Portugal com alguem dasua estatura.

    Essa gl6ria vid a caber a MACHADO VILELA, 0 primeirotitular da cadeira de direito internacional privado em Por-tugal ',o Tr.ltado elementat te 6r ic o e p ra tic o d e D ir etto intcmadoualpri~'ado, cujos dais im i co s volumes publicados vieram a lumeno inicio dos anos vinte, condensa 0 melhor e mais valioso daproducao cientifica do Mestre e continua sendo, a meio seculode . di::,tancia- pela vastidao dos dominios explorados, a riquezada documentacao e a Iarga base comparatista em que repousa-.a maxima realizacao da ciencia jurldica portuguesa no campodo direito internacional privado.

    1 A cadeira foi .riada pela Reforma dos I.studos Juridicos de 1911,da qual MACHADO VfLELA e [osf ALBERTO DOS Rsrs foram os principaisobre iros .

    o sistema e1aborado pelo grande jurista con imbr icensereiiectia, como e natural. as ideias preponderantes na Europadesse tempo - 0 pr ime i r o quartel do se cu lo xx. E ass im , fie!an clima ideo16gico dominante (a querela dos metodos naoatingira ainda, pelo menos aquem Reno, a plenitude das suasressonancias) , el e tern mui t o do formalismo e do jurisconcei-tualismo classico- 0 de SAVIGNY, de PUCHTA, do JHERINGanterior ao S ch erz u nd E rnst in d er [u ris pru denz, Par outrolado, m o str a- se p er m ea ve l a influencia de certas doutr inas emyoga, as da escola positivista-nacionalista: aceita com ela asubordinacao do direito de conflitos ao direito material ; comela af i rma a liberdade do Estado no acto de criar as regras dedireito internacional privado; com ela, ainda, professa claramenteo dogma do caracter absoluto e exclusivo do direito internacionalprivado d a lex for i .

    Note-se, porem, que 0nacionalismo de MACHADO VlLELA6 mitigado: nao sao raros no pensamento do autor mementosau atitudes que filtram uma luz bemdiversa. Bastard recordarque, para 0Mestre, se 0 Estado e livre quanto a deterrninacfodo conteudo das normas de conflitos, ele esta no entanto inter-nacionalmente vinculado a reconhecer 110 seu territ6rio 0 valor,a e fi ca ci a e a aplicabilidade das leis dos outros Estados - comoesta outrossim vinculado ao reconhecimento da personalidadejuridici dos estrangeiros e ao reconhecimento dos direitosIegitimamente adquiridos alem fronteiras 1. De resto, MACHADOVILELA assume tambem uma posicao nitidamente internaciona-lista quando define as regras de conflitos emanadas do legisladorinterne como normas de competencia legislativa - recusando-sea aderir a teoria da recepcao material-:- e' quando sustenta,em conformidade com essa mesma ideia, nada impedir que 0Estado inclua, entre as fontes normativas do seu sistemajuridico,

    t 'Tratndo cit.. vnl T n';o-. ':14., 1St

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    4 D8UTRINA

    as [mites do cireito eztrangeiro e que portanto cssimile cs;edirt-ito como (d, e n.io como simples materia de direitc 1,

    Sem iusistir ~,gorane.te; ':ltim.0s :lSpcctos, de car.icter p m ..deznais teoretico e .logmatico l '

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    DOUTRIi>lA o NOVO DlRBITO INTBRNACIONAL PRrnDO PORT ..G U BS 7

    o capitulo. de urn c6digo civil concernente ao direitointernacional privado nao pode set, e manifesto, 0 perfeitoequivalente de uma lei especial que abrace todo esse vastodominic. Dada a extensao e a complexidade do assunto, facil-mente se intuem as graves limitacoes com que se defronta 0legislador, quando renuncia ao segundo procedimento indi-cado. E-lhe forroso concentrar-se no essencial . Nao se estra-nhani, !Jor isso, que no C6digo portugues se nao contenhaurn sistema completo de direito internacional privado. Aslacunas sao particularmente sensiveis no que tange a parteespecial 1. Assim, por exemFlo, em materia de tutela e curatela,de gestae de negocios, de enriquecimento sem causa, de direitosde autor e de propriedade industrial, 0 legislador limitou-sea exarar no C6digo algumas regras gerais, que estso bern longede esgotar a materia 2. Cabe a doutrina e a jurisprudenciaa tarefa de desenvolver e concretizar essas regras, obviandoa s deficiencias - conhecidas do legislador e de resto (pelomorivo indicado) inevitaveis - do sistema legal.

    Alias, os rnesmos preceitos da parte geral do mencionadocapitulo do C6digo, bem que revelem, ao menos na maioriados casos, uma tomada de posicao fume e clara sobre os pro-

    blemas versados, nao deixam de requerer uma interpretacaocompreensiva e agil, sob pena de conduzirem em certas hipo-teses a resultados inaceitaveis, por nao consentaneos com ar at io l eg is .

    Es sas diferentes normas foram obtidas a partir de umaperspectivacao c la materia de que tentaremos apontar em seguidaos momentos essenciais.

    3. Como ja dissemos, 0 direito internacional privado estaao service de valores em que predominam os de seg!!ran~ajurtdica. A sua

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    missao das regras de conflitos. Cada norma de conflitos terna seu cargo uma tarefa que consiste em definir urn sector oumateria juridica, em recortar uma questao au urn micleo de ques-t5es de direito, e indicar por meio de que clemente de conexaohaverd de ser detemrinada a lei a aplicar dentro desse ambito.

    A norma de conflitos fixa, portanto, a conexao relevante(anacionalidade ou 0 domicilio das partes, 0 lugar de celebracaodo neg6cio ou aquele onde se verificou a principal actividadecausadora do prejuizo) para 0 sector normativo que domina(asrelacoes entre conjuges ou entre pais e filhos, a forma extermdos neg6cios juridicos, 0 instituto da responsabilidade aquiliana).Realizar 0 enlace entre determinado instituto, tema ou materiade direito e determinado tipo de conexao - tal a tarefa especi-flca daregra de conflitos. Por seu tumo, a escolha da conexaorelevante obedece a uma directiva geral, que e a seguinte: deveproceder-se em termos de 3. lei definida por competente quantoa materia ou questao de direito considerada ser verdadeiramenteadequada a tal fuw;ao. Essa adequacao, note-se, nada tern quever com 0 conteudo da lei, com a justica maior ou rnenor dosseus preceitos materiais, mas decorre tao s6 da relacao em guee1ase encontra com a situacao factual a reguhr. Digamos quese nao trata de escolher a m el ho r lei, mas a i ll el hor co locada paraintervir - em razao, claro esta, da sua p os ic do e sp ac ia l relative-mente aos factos, ou de Ull1::1. relac do c om as p es soa s a quem estesrespeitarn.

    Esse jui~o de maior aptidao relativa de certa lei para adesempenho da rnissao tida em vista obtem-se atraves de umadelicada, por vczes extremamente custosa ponderacao de intc-resses. Interesses que nao se identificam com os que prevalecemem sede de direito material e que afeicoam as normas destedireito, pais aqui, no plano do direito internacional privado, 0que buscamos nao e resolver problemas de regulamentacao juri-dica, mas questoes de outro tipo: fundamentalmeute, ainda que

    exclusivamente, a de averiguar qual 0 sistema rnais qualificado011 titulado para 0 desempenho daquela tarefa de proteccaode expectativas e de reconhecimento (ou garantia de reconhe-cimento) de situacoes constituidas ou constituendas, dentro daesfera correspondente a dado instituto, figura ou questao dedireito, tarefa em que sabemos consistir a missao capital dodireito internacional privado tornado 110 seu conjunto.

    Veremos agora, numa analise meramente perfunct6ria,quais sejam esses interesses de que falamos 1.

    4. Garantir 0 reconhecimento e a estabilidade das situa-~oes da vida internacional, atraves da unidade da respectivavaloracao por parte dos sistemas juridicos interessados, a flmde que as expectativas concebidas pelas partes e por terceirosnao resultem frustradas: tal e certamente a intencao primordialdo direito internacional privado 2. Sem cssa unidade de valo-racao, que '1 seu turno pressupoe seja a mesma em todas aslatitudes a lei tida por aplicavelao caso concreto, a segurancajuridica, factor e condicao basilar de toda a vida juridico-socialbern ordenada, torna-se evanescente,

    Se isto e assirn, h4-2.e entao conduir-se que da constelacaode valores ou interesses, gue ao DlP cumpre servir, a har.;w)iiaj u r f d i c a in temadonal emerge como 0 de mais elevado escalao,Nenhum sistema positive 0 pode ignorar: com efeito, ele

    1 Para maiores desenvolvimentos, remeteremos 0 leitor para 0 lugarcit. (pigs. 84 a 92 ) d o s 11.0SS0S E sc u do s [ ur fd ic o s, I II (D ir e i to i nt emac ion s! p r iv . 1 Jo ) ,e sobretudo PdI~.KEGEL, l o c . c i t. , e IPR, 3.' ed. , 1971, pags. 41-58.

    2 Assim 0 faz notar BROGGINI no seu I n te r iempo ra l es P r iv a tr ec h t, . in-Schweizerisches Rechr- I, Basel, 1969, pigs. 421 e segs, Ver no rnesmosentido QUADRI, Lcr ioni Ji DIP , 3.' ed., Napoles, 1961, pags, 101 e segs.,113 e segs .; CONDORELU, La fo,lzione de l r iconosc imen tod i suuenze s t ran i a . ,Milio, 1967, pags. 138 ....segs.; BAPTISTA Mi:.CHADO. o b . dt., P?g. 180; FERRERrn~np"," " if " " . .. . , ._ ._ .. .. Po .....

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    esta na propria natureza das coisas. Ignora-lo seria 0 mesmoque negar, pura e simplesmente, 0 direito internacionalprivado.

    Isto nao signifies, e claro, que seja possivel construir urnsistema de direito internacional privado tomando unicamentepor criterio e guia 0 principio da harmonia intemacional. Ses6 esseprincipio estivesse em causa, e manifesto que 0 conteudodas normas de conflitos seria indiferente,' bastaria entao (a obser-vac;ao (; de CURRIE) que se conviesse, por exernplo, em aplicarsempre a lei do primeiro Estado na ordem alfab6tica, ou a leido Alasca, de Ruanda ou do Burundi! Mas se 0 legisladorinterne, no momento de definir as suas regras de conflitos,r iver em atencao as solucoes geralmente admitidas e se esforcarsempre por adoptar normas que por sua razoabil idade e conve-niencia sejam verdadeiramente susceptiveis de se tornar univer-sais 1 , esse legislador estara realmente possuido do autenticoespiri to do direito intemacional privado e compenetrado d .amissao internacional que lhe cumpre levar a cabo. AleID deque 0 principio da harmonia internacional pode desempenharimportante papel na resolucao dos problemas decorrentes dasdivergencias entre as normas de conflitos dos Estados.

    N modelacao das normas de conflitos desempenham rele-vante papel interesses indiv iduais. Os individuos, os sujeitosdas relacoes de direito privado, tern manifesta vantagem emser tratados, no tocante a certas materias de cunho mais vinca-damente pessoal, de conformidade com os preceitos de. umaordem juridica que eles possam considerar como verdadeira-mente sua, a que possam sentir-se ligados por algum vinculoverdadeiramente substancial e permanente; essa ordem juridica

    s6 podera ser, claro esta, ou a do respectivo Estado nacional,ou a do pais do domicilio.

    Seguem-se a estes os in te res ses g er ais d o c om erd o j url dic o,que por certo levarao asolucoes orientadas sobretudo para atutela. de terceiros - e, assim, ao triunfo de uma tendencia parao predominio de conexfies puramente objectivas (0 Iugar dasi tuacao de uma coisa, 0 lugar da celebracao ou da execucaode urn contrato).

    .Outra ideia a ter em conta e a de harmonia ju rl d ica int erna 1.Trata-se, no fundo, da ideia de que no seio do ordenamentojutidico as contradicoes normativas sao intoleraveis, A fimde evitar tais contradicoes, e de aconselhar que tanto quantopossivel seja uma s6 lei a convocada para discipliner os variosaspectos da mesma situacao da vida. Note-se, porem, queesta tendencia 6 fortemente contrariada pelas razoes, inegavel-mente ponderosas, que estao na base do sistema analitico, doprocesso de especializacao de que 0 direito intemacional privadose socorre para resolver os seus problemas. Determinar ateonde podera avancar-se por esta via analitica e desarticuladora- que, alias, a justica do direito internacional privado impe-riosamente reclama - sem grave detrimento do principio daharmonia material e da lei unica, constitui problema insus-ceptivel de se resolver em termos gerais.

    Importa atender tambern a estoutra directiva: e de toda aconveniencia evitar que a actuacao da norma de conflitos nosconduza a decisoes destituidas de valor pratico, por insuscepti-veis de reconhecimento - e, portanto, inexequiveis - naqueleEstado em que, todavia, se destinam norrnalmente a produziros efeitos que lhes sao pr6prios. Tal ordem de ideias podera,em certas circunstancias, levar a preferir a lei da situacao dos

    1 Sabre a principia da poss ibil idade de internacionalizacao das nor-mas de dirci to intemacional privado veja-se, alem de VALLJNDAS (na Rev.hellenique de Droit intemacional, 1948, pags. 329 a 335), MIAJA DELA MUELA,, , 1 . r;t T n~O. .".,,':\.' ...". 1 Sabre as repercussoes d . e st a i d e ia em mate r ia de q u ; ] s t i i o previa, vide

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    12 o NOVO DffiEITO INTERN_\CIONAL PRIVADO PORTUGuES 13

    mente embora, 6 a propria justifa material que invade 0 terri-t6rio do direito internacional privado, fazendo prevalecer aios seusjuizos de valor. Como e sabido, 0juiz recusa em certoscasos 0 visro a um preceito juridico estrangeiro, todavia plena-mente aplicavel a factualidade controvertida, segundo as normasde conflitos da lex fori , com 0 fundamento de que 3. aplicacao domesmo preceito aos faetos concretos conduziria a urn resultadoabsolutamente intoleravel para 0 sentimento etico e juridicodominante, ou Iesaria gravemente interesses de primeira grandezada comunidade local. Constata-se, portanto, aqui uma certaintromissao da justica material da l ex f or i, mas nao ao ponto,repare-se, de vir ela sobrepor-se a justica do direito internaeionalprivado, pois como que se limita a travar-lhe a mareha.Estamos em pleno dominic da chamada excepcao de orde.npub li c a i nt ernac iona l .

    Para alem disto, pode tambem haver casos em que a justicamaterial venha inspirar directamente as regras de conflitos,influenciar directamente a escolha da lei aplicavel, No direitoportugues, este fenomeno s6 se verifica por influxo e sob aegide do principio do fa vo r n eg oti i: de duas leis, indicadas emalternativa pela norma de direito internacional privado, sed.preferida i n c on cr et o, de resto em condicoes que ~lao cabe aquianalisar, aquela perante a qual 0 neg6cio juridico for validoou 0 estado juridieamente existente.Resta dizer, a terrninar, que todos os factores mencionadostiverarn a sua quota parte de influencia na modelacao do sistemade direito internacional privado do C6digo civil portuguesde 1966. Com uma unica excepcfo: nao encontramos nelequaisquer vestigios da falada tendencia para ampliar a esferade aplicacao do direito 1 0 c 3 1 . 0 direito internacional privadoportugues mostra. .. .e antes inteiramente fieI aquele principiode p arid ale d e trata.nento, de que falamos e que definimosacima.

    imcveis a lei pessoal do ou dos sujeitos da relacao juridica (assim,por ex., em materia de sucessoes mor ti s c au sa ), sem embargode ser esta a lei tida por normalmente aplicav el ao patrim6nioou universalidade de que aqueles elementos ficam parte. E chroque esta pretericao d a lei pessoal s6 se impora quando a le xsitus se reputar exclusivamente competente. Acabamos de citaro p : lnc i pio d lA rifectividade, a que alias se pode dar satisfacao poroutra Vi4 ou noutra sede: a da competencia internacional dostribunais e do reconhecimento das sentencas estr angeiras.o interesse da bo a administraido da j t!st i, ;a c tauibem suseep-tivel de influir na traca de urn sistema racioml de regras deconfiitos. Em ordeni a facilitar ;!tarefa dos tribunais e a garantiro acerto das suas decisocs, n?:o raro se preconiza 0 largamenroda csfera de competencia do direito privado local. E um pendorbern natural e a considerncao em que se funda nao pode certa-mente taxar-se de irrelevante, Mas podera perguntar-se, muitopertinenternente, se vendo as coisas a luz do principio daharmonia juridica internaeional se nos n~o impora, antes, medircom medidas iguais 0ambito de cornpetencia do direito nacionale do direito estrangeiro, tomando, assim, como norte umaideia de p ar id ad e d e t iatamento, Nao devera 0direito internaciomlprivado colocar os diferentes sistemas juridicos em pe de igual-dade, de modo tal que uma legisla~ao estrangeira seja eonsi-derada eompetente sempre que, se ela fosse a lex for i e as rnesmasas circunstancias ocorrentes, a lex fod sc apresentasse comoaplicivel t Direi desde ja ser precisarnentc esta a feicao queassume 0 direito internacional privado portugues em vigor.

    Se 0 direito internacional privado possui ~sua justl

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    14 DOUTRINA o NOVO DIRBITO INTERNACIONAL PR IVADO PORTUGuES 15

    Acrescente-se ao exposto que 0 nosso legislador subscreveua doutrina dita da bilateralidade das norrnas de conflitos 1. Hitos- e em subsumir cada situacao concreta a categoria apro-priada do direi to intemacional privado do foro. Nao e , porem,

    esse0 procedimento geralmente adoptado - so em casos muitocontados 0legislador de conflitos se decidira pelo recurso apuros conceitos de facto: por via de regra, e de conceitos tecnico--jmidicos que ele se vale. Trata-se de conceitos-quadro, aptosa receber uma multiplicidade de conteudos e de extensao muitovaridvel, desde aqueles que designam uma das grandes divisoesclassicas do sistema do direito privado (direitos reais, direitosde credito), ate aos que referem urn determinado tipo de neg6ciojuridico (0 testamento, 0 casamento) au inclusive urn aspectoparcial da regulamentacao de certo neg6cio (como,por ex.,a forma externa do acto testamentario).

    Qual entao 0 crit6rio geral a utilizar na interpretacao: detais conceitos eClaro 6 que, estando em causa urn problema de interpre-

    tac;ao de normas da l ex fori , a solucao so a l ex for i pode caber;se a deferissemos a ordem juridica designada pela norma deconflitos em questao ( le x c au sa e) , equivaleria isso a converteresta norma numa verdadeira norma em branco. A regra deconflitos deixaria, pois, de ser uma autentica regra de direito 1.

    Mas nao basta saber que os conceitos-quadro das normasde direito internacional privado devem ser interpretados doponto de vista ou segundo a perspectiva do sistema juridicoa que as normas interpretandas pertencem: e preciso determinarainda 0 criterio geral a utilizar para definir tais conceitos, parabalizar as categorias correspondentes as diversas normas deconflitos de urn sistema. A este respeito, limitar-nos-emos a

    5. Um dos traces mais fortemente originais do direitointernacional privado do novo C6digo portugues e sem duvidaa posicao que ele assume perante 0celeberrimo p rob lem a d aqualificafao '2. .

    Verdadeiramente, 0problema cinde-se em dais: e , primeiro,o de saber qual 0 aiteric geral a utilizar na interpretacacdcsconceitos tecnico-juridicos por meio dos quais a norma deconflitos pro cede a definicao do seu ambito: e , depois, 0 deaveriguar qual a natureza do objecto a subsumir a tais conceitos.

    Vejamos 0 primeiro. Se osconceitos empregados pelasregras de conflitos para 0 fim indicado fossem conceitos mera-mente descri tivos ou de facto, cremos que nao se nos proporiaai qualquer problema especifico de qualificacao, Todo 0problemaa i suscitado se resumiria entao em descrever as situacoes factuaisabrangidas na previsao normativa das diferentes regras de con-

    1 Para uma siimula da s raz5es que levaram a tal posigao, cfr. as nossasL i~ ae s d e D ire ito inte rn ac io na I p riv ad o, P arte g er al (policop.), versao de 1973,pags, 23 8 e segs , e La d oc trine d es d roits acq uis d ans u n sy steltle d e reg les d ec : on fl it b i/ at er al es , i n Festschrift fU r W. Wengler. (em publica~ao) .

    . 2 0 assunto foi por n6s versado mais desenvolvidamente ern 0problemad a q ua li fi ca fa o s eg u nd o 0 no vo d ir eito in ter na cio na l p riv ad o p ortu gu es , in Es tudos[urfdicos III, cit., pags. 45-97; este trabalho foi publicado ern lingua a l e m a :na -Zeitschrifi fur Rechtsvergleichung (Viena, 1970), sob 0 titulo Das Problemc l er Qua li fi ka ti on nac h c le in po rt ug ie si sc h en !PR.Para 0direi to anter ior ao actual Codigo Civil , hi que citar sobretudoa importante monografia d e D. ISABEL MAGALHAES COLLAC;O, D a q ua li fi -cafao em DI P (Lisboa, 1964).Da restante bibliografi-. portuguesa citaremos ainda: DIAS ROSAS, Asq ua li }i ca r; oe s e m D I P (1948) , FERRER CORREIA, 0 p ro bl em a d as q ua lific a~ oes e mDIP (publicado no ano V -1949/50 - da Rev. de Dir. e de Est. Sociais-,agora in Esrudos [uridicoss III, pags. 1-41) e TABORDA FERREIRA. 0problemaaas q l ;a li fi ca ~i Je s em D IP , na Scientia [uridicas, t. VIII e IX.Com especial referencia aos trabalhos preparat6rios do Codigo, v. Con-fiitos d e l eis , por F E R R E R CORREIA e J . : B A P T I S T A MACHADO, separata do < : B o l .do Min. da [us ticas, 1964. nota ao art . 2 .0 do 2. anteproiecto.

    1 Como e sabido, outra orientacao propugna a v ia compara ti s ta ( R A B E L ,Le probleme de [a qualification, Rev. de DIP, 1933; pags. 30 e segs., 60 eseg.). Pa ra urna cri tic s desta orientacao - c riti ca que, alias, nao desconhecea importjncia capita l de que se reveste 0 c om~ara ti smo j u rf d ic o nos quadrosdo dire ito in ternaciona l privado - v. 0 nosso Pro b le .~ la e la q ual i} ic l lf ao . c it .,n~O'~ dA p. ' !Pon-

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    1 6 DOUTRINAa NOVO DmmTO IN' I'RRNAClONAL PRIVADO PORTUGuBS 17

    observar aqui ser essencial que os mesmos conceitos sejamdefinidos e recortados, n ii o a tr aves de um a r~fer8ncia automaticaaos conceitos homologos do sistem(l d e p te ce it os materiais dalex fori 1, mas tendo em conta a t el colog ia propr iJ do direitode conflitos. Pois se 0direito internacional privado tern a suapropria < 9usti. Esta conc1usao

    1 Uma teoria d . . . q1.1aliflCa~oeg e f or i concebida nestes termos acanhados_ isto e " , uma teor ia para a qual 0 conceito-qua~of ~e uma regra ~e.co~uhtosahrange to do s ( e ta o s 6) o s i,l 5titu to s o u c on te da o$ J ~l ru l.l eo s, q ue r e te J I; elto m te rn oo u e su ll ng eiro , q ue n o s iste ma d e p re ed to s .n ate tia is da lsx f~ri c orresp ond c~ a ulconcdtJ - "logo a urn primeiro exame se revela grosse irameute desajustada~natureza e fun~o do direito mcernacicnal privado; 0que nos forca a rejei -ta-la sem maic indaga~5es. .

    2 No ccnrido de uma interpretaio autonofl1a das normas de conllitosse m;mifesta tambem YANGUAS MEssfA,no seu Detetho i n ter ,wc ional pr i~ado,cit., pag. 262e seg. Mats atenuada nos parece a posir ,;aode MIAJ~, ab. CI~., I,pag. 321 e seg. efr. tambem ! " 1 . ~Gun.AR NAVARRO, Dctedu: : n t . ; " t a c ! O . ~ a lprivado, vol . I, t. II, 2.' ed , (1904), pags. 3? ~ segs , ~

    :3 Dois exernplos: :I) Entendem os junstas alemses q~e, .ap :sar d~ asnormas dos ar ts . 18." e 19 ." da EGBGB sereferi r~m a.penasa ji. l!a~ao le:![tlma,o elemenro de conerio POt elas utilizado (a naciomlidade do PaJ) s~ adaptaperfeitamente ao insticuco c ia filiato ile;jtirna. dos sisterms romaIllStas~ aomenos pelo que respeita a s relacoes entre 0 pal c filho; p~t consegumre,se a nlli:e .s alema e 0 pai sulco,e este rtconhecen filho, aplica-se 0 direirosmlto(fica portanto fora decausaa norma de conflitos do art. 21."da EGBGB).Cfr. KEG~L IPR. ~a l ! .:1f)~ e Sf:P__ h' Nin oh~t~nt-" ,...,1".,.;1"" 1nt,.,."" ;I" 1".; ,1....

    reveste-se de primordial importancia para resolucao do pro-blema da delimitacao do ambito das normas de conflitos umasem face das outras: 0problema a que osjuristas alemaes chamamda Abgrenzung.

    6. A ideia de que as normas de conflitos devem inter-pretar-se a . 1uz dos seus fins espedficos 1- os fins espedficosdo direito internacional privado e, dentro destes, 0 escopoespecificamente visado por cada uma das referidas normas - trans-parecia claramente da formula do artigo do anteprojecto doC6digo (0 artigo 2.0) relativo ao tema da qualificacao. 0 queali se estabelecia era 0 seguinte:

    . A designacao de uma lei como aplicivel por qualquerregra de conflitos deste c6digo determina apenas a aplicacaodaqueles preceitos da mesma lei que correspondam acategoria normativa visada nessa regra. Tal correspon-dencia afere-se pelo teor e fmalidade da norma de conflitos,tendo em atencao 0 conreudo e fins dos preceitos em causano contexte do respectivo ordenamento juridico.Ora esta regra nao passou integra para 0C6digo: elimi-

    nou-se do texto a referencia ao modo de interpretar a norma

    for~ (c0!ll0 s~cede em Franca) nao reconhecer osesponsais como neg6cio [urldicoe so coligar a ruptura c ia promessa esponsalicia os efeitos de um delito civil tecide aceitar-se ser 30 0 ambito do DIP da familia que aquela figura juridica per-tenee, dada a sua evidente natureza para-familiar rut generalidade dos sistemas.t illeterminar para cada preceito de direito internacional privado 0[uizo de valoracao de interesses que 0 informa, constitui por cerro 0momentoma i s relevante do respective processo interpretative ( F m u u l R CORREIA.:Estudos Juridicos cit; pag. 50 , e Li foes cit., pag. 274). 'Trata-se de Ulna ideia hoie corrente n" rl.......:-~ f_C_.. . 1

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    de confiitos (de acordo com 0 sen ' teor e finalidade'). E is af6rmula do art igo 15 .0 do C6digo:

    A competencia atribuida a uma lei abrange somenteas normas que, pelo seu conteudo e pela fun'rao que ternnessa lei, integram 0 regime do instituto visado na regrade conflitos.

    7. . Eis-nos chegados agora ao memento central doproblema da qualificacao em direito internacional privado:.definir 0 objecto a qualificar, 0 quid a subsumir ao conceito--quadro da norma de conflitos. Por seu turno, 0 problemado objecto da qualificacao confunde-se com 0 do objecto dapr6pria norma de direito intemacional privado.

    Ora a norma de conflitos - ja 0 vimos acima - existepara se desempenhar de uma tarefa de coordenacao das variasordens juridicas conectadas com a situacao da vida a regular,de modo a arredar ahip6tese de a apreciacao do mesmo aspectoou efeito da relacao concreta vir a caber a diferentes legislacoes- de a decisao da mesma cuestao de direito coder eventual-

    mente competir a leis distintas, com 6pticas diversas. A normade direito intemacional privado tende a prevenir ou a dirimiros concursos ou conflitos entre preceitos materiais procedentesde diversos sistemas juridicos. 0 processo ou modo de agirusado em vista desse fun consiste, como tambem vimos, em anorma designar um instituto ou materia juridica, uma qucstaoou conjunto de questoes de direi to, deferindo a cornpetenciaem ta l dominic ao ordenamento designado por certo elemeutode conexao, tido por mais apropriado.

    Posto isto, ou seja. definida a func;:aodo conceito-quadroda norma de direito internacional privado, nao hi senao conduirque 0 objecto ultimo da referencia desta norma e constituidop ar o utr as reg ras ju rt d icas - preceitos materials do ordenamentopotencialmente aplidvel. Na verdade, conhecida a lei designadapelo elemento de conexao para realizar a tarefa normativa oupara responder ao ripo de questoes juridicas visadas pelaregra de conflitos em causa, s6 resta individualizar os pre-ceitos dessa lei que se .destinem precisamente a realizacaodaquela tarefa - que exactamente tenham 0 sentido de conteruma resposta para a questao de direito de que se ocupa a normade conflitos.E que a intervencao ou competencia da ordem juridicaconvocada hd-de ter por limites os da pr6pria func;:ao. tarefaou questao juridica que Thefoi deferida - e entao 0 que importae averiguar quais sao os preceitos dessa ordem (da l ex c au sa e)que sereferem precisamente a esseobjecto. Seuma lei e chamadapara responder a certa ques tao juridica, achamos que s6 0poderafazer atraves de normas que no espac;:olegislativo a que per-tencem se inscrevam justamente no ambito de problemas, noinst ituto ou sector de regulamentacao demarcado na regra deconflitos de que se partiu. Seriaabsurdo, parece-nos, fazerapelo a uma lei para realizar determinada tarefa normativa,nara rp~nlvpr rlptp1"tn1n

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    em seguida a aplicacao de nonnas dessa mesma lei com funcoese flllalidades diferentes. Se uma lei e declarada competentea titulo, por ex., de estatuto real, certo nao Faria sentido consi-derar incluidas na respectiva esfera de competencia preceitosnao correspondentes a categoria normativa definida peloconceito-quadro de estatuto real.

    Pais e justamente isto 0que se estabelece no citado art. 15.0do C6digo Civil portugues: A competencia atribuida a umalei abrange somente as normas que, . ._ integram 0 regime doinsti tuto visado na regra de conflitos.

    8. Sabemos agora que 0 problema da qualificacao e 0de averiguar, para urn preceito ouInstituto juridico dado, senos e licito subsumi-lo ao conceito-quadro de determinadanorma de conflitos do foro: a norma de que justamentepromana 0 chamamento do sistema a que pertence 0 insti-tuto, preceito ou contetido juridico-material em questao,

    Nesta averiguacao reside 0 aspecto ou memento maisrelevante da :qualificacao em direito intemacional privado,Verdadeiramente, e mesmo nela que consiste a qualificacaop ro prio s en su : a qualificacao entendida como problema desubsuncao de urn conaetum a urn conceito ou auma categoriaabstracta da lei. Para tanto, importa apurar se 0 conaetumreproduz as caracteristicas que definem a categoria - querecortam a hip6tese da norma de confl itos encarada. -E comoresolver este problema ~ Se e preciso determinar no preceitoou cornplexo normative dado, a fun de lhe definir a sedeoua insercao sistem:itico-conceitual adequada, as caracteristicassobressalientes, a que direito material devera reeorrer-se paratal escopo ~o ponto nao chega a oferecer dtividas. Evidentemente,M. que atender ao conteUdo e a funfiio dos preeeitos em causano o rd e namen to i ur fd ic o d e C l ue [a zem parte. Tal asolucao consa-

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    grada no artigo 15.0 do n05SOC6digo 1. Sera realmente neces-sirio demonstrar que 0 sentido e os fins de urn preceito juridicoqualquer s6 se deixam apreender plenamente se situarmosesse preceito no todo de normas a que pertence e em que seintegra? Pois nao sabemos que nao raro normas aparentementeidenticas assumem em diferentes ordenamentos funcoes distintas- e que anormas e institutos formalmente distintos de leisdiferentes sao por vezes cometidas funcces similares 2

    Por iS80 podemos dizer, em sintese, que se a l ex fori competejulgar da conformidade dos preceitos ou complexos normativosque se oferecem para aplicacao, dadas as suas caracteristicasfundamentais, com 0 tipo visado na regra de conflitos de quese parte, e a lex c au sa e que cabe determinar as caracteristicasque efect ivamente concorrem nos preceitos potencialmenteaplicaveis. Tanto menta dizer que se faz mister averiguar 0conteudo e 0 ambito de aplicacao, as conexoes sistematicase 0 escopo au a fuuyao dessas normas, inserindo-as no quadrodo sistema juridico respectivo; 0 que e , por certo, atitude bemdiferente da de as por em confronto com regras semelhantes(que; alias, podem nem sequer existir) da lei do foro.

    A orientacao consagrada na actual legislayao portuguesarepresenta assim, nos precisos termos que deixamos expostos(e s6 nesses), uma superacao da tradicional antinornia entrequalificacao l ege fori e qualificacao l eg e causae.

    9. Sabido e , no entanto, que a orientacao exposta nao esufragada pela maioria dos autores: a doutrina dominantecontinua sendo a da qualificacao segundo a l ex f or i. A notaessencial desta doutrina consiste lla ideia de que e necessarioproceder liminarmente a uma qualificacao l ege fori do quid acaracterizar, seja ele qual for (a situacao de facto, para uns;

    1 D~ .0, :u;ti.go: c...as normas que, pelo..se~ conteud~ e pela tun~ao que

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    para outros, a pretensao ou a relacaojurldica concreta, a quaestioiuris suscitada, ou mesmo os preceitos materiais da lei potencial- .mente aplicdvel), com 0 fim de se fixar em definitive 0 sistemade direito a aplicar. E certos autores continuam a util izar,para demonstrar 2 validade dessa teoria, 0 velho argumentodoruculo vicioso: na medida em que a qualificacao comandaa designacao da lei competente, como poderiamos pedi-la auma lei estrangeira, quando ignoramos ainda se e esta a leiefectivamente aplicavel s 1.

    Nao se estranhara, por isso, que a norma do artigo 15.0do C6digo Civil portugues tenha sido entendida por algunscomo norma que apenas se ocupa da chamada qualificac;:aosecund:iria (D E N OV A), como texto onde, quando muito, setrata de uma especie de qualificacao secundaria (NEUHAUS),ou como preceito relativo tao somente ao problema, por vezestambem chamado de qualificacao, da extensao do direitoestrangeiro aplicavel par forca da regra de conflitos do foro(FRANCESCAKIS) 2.

    Na impossibilidade de aprofundar aqui 0tema ", contentar--nos-emos com alinhar '1 tal proposito algumas breves reflexoes.

    1 BATmOL, T ra ite d e D I P, 5. ed., 1970 (com a colaboracao de P.LAGARDE). I, pag . 350 e seg,

    2 DE NOVA, R ec en t! s vil up pi in D I P, i n Diritto Internazionales, XXII,1, 1968. pag. 41.NEUHAUS. D a s I PR im n cu en p orttl gies is ch e; 1 ZG B , ZAIP, 32. 1968,n." 3, pag. 506. e mai s recentemente, na mesma Revista (35,1971, pag. 391e seg.) , na recensao a versfo alema. do nosso cit. trabalho.FJ.w.iCESCAKIS. Qual if ic a t ions , in Droit International II (BncvclopedieDa ll o z) , 1969. pag. 708.3 Como e sabido, num dos ramos principais da teoria d a qualifica\oda le x f o r i sustenta-se que no processo da qualific~o sedivisam duas operacfies:uma qual.i:fic~ao de [ados (primeira qualifi~o) e uma qualifica

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    2 4 DODTRIN_\

    Vistas as coisas a esta luz, resulta, pois, bem claro que adenominada qualificacao primaria se converte num falso pro-blema. Posta uma pretensao concreta. emergente de umaqual-quer relacao do td:fi.co internacional, do que se trata, emprimeira l inha, nao e de optar em definitive por uma das suaspossiveis equalificacoes, senao de estabe1ecer quais as leis queessa pretensao solici ta atraves dos seus pontos de contacto ouelementos .de conexao (reconhecidos pelo sistema de direi tode conflitos do foro). Todas essas leis lhe sao potencialmenteaplicaveis,. mas s6 vira a ser-lhe e je ct iv ament e ap li cada aquelaque a incluir na previsao de preceitos materiais correspon-dentes ao conceito-quadro de certa regra de conflitos da lexfori: aqueIa que justamente tiver designado esse sistema comoem principio competente. Dada uma legislacao (S), ligadaao caso peloelemento que no quadro da regra de confl itos( t i t ) desempenha 0 papd de factor de conexao decisive, seraotao somente aplicaveis ao caso os preceitos (n ) dessa lei que seajustarem ao conceito-quadro cia referida regra de confl itos.

    11. Vejamos agora alguns argumentos doutro tipo quepodem aduzir-se em favor da doutrina por n6s preconizada.. J a sabemos ser ela a mais consentanea com 0escopo genericoou a intencao central do direito internacional privado. Diremosagora que ela e tambern a orientacao que melhor condiz comurn sistema de regras de conflitos rigorosamente bilaterais,como e justamente 0 do nosso C6digo de 1966.

    Efectivamente, as normas do direito intemacional privadoportugues sao normas que, no que tange a s situacoes queencerram na sua estrutura algum elemento estrangeiro, tantose propoem definir a esfera de competencia das leis do pais,como delimitar 0 ambito deaplicacao do direito vigente nosoutros Estados. 0 nosso legislador inspirou-se uum principioriP flll.fJtlI/p Ill' trntnmenia. on seia. na ideia de Que os factores

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    que decidem da aplicabilidade das suas pr6prias leis hao-deser tambem - tanto em abstracto como em concreto - osque desencadeiam a aplicacao das leis dos demais paises. E ques6 deste modo 0 direito de conflitos nacional estara a altura damissao internacional de que The cumpre desempenhar-se. Orae fora de duvida que a aplicabilidade dos preceitos materiaisda lei do foro a determinada situacao da vida depende unica-mente do facto de as preceitos em causa - aqueles que nessalei contemplam tal categoria de situacoes -, tornados peloque estatuem e peIo escopo que visam ao estatuir desse modo,cairem dentro do ~mbito tracado peIa regra de conflitos quejustamente conexiona a relacao sub jud ice com esse o~denamento.Seja, por ex., a norma de conflitos que submete as relacdesentre pais e filhos a lei pessoal dos primeiros. Seestessao c idadaosportugueses e s e averigua que determinado preceito da legis-layao portuguesa, dado 0 seu conteudo e fim, se integra exacta-mente no estatuto daquelas r el ac o es j ur id ic as , de uada maisprecisamos para dec1arar esse preceito aplicivel ao caso.

    Pois e nestes precisos termos que h a que tomar a rnesmanorma de conflitos, quando esteja em causa a aplicabilidadede um sistema juridico estrangeiro. E justo que 0 direito inter-nacional privado coloque os .diferentes sistemas juridicos empe de igualdade, ou seja - como ja tivemos 0 ensejo de subli-nhar noutro passo desta e xpo sicao -, que uma legisla~aoestrangeira se tenha por competente sempre que, se ela fossea le x fori e i de n ti ca s as circunstancias do case, a le x fori se apre-sentasse como aplicavel , Mas e claro que tal solucao s6 resul-tara possive1, renunciando-se a ideia de que h a que procederinicialmente a uma qualificacao da situacao concreta, recorrendopara tanto ao sistema de regras materiais do ordenamento deforo.

    De resto, 0 recurso ao ordenamento do foro com tal objec-tivo -_ isto e. com 0fim de caracterizar a sitnacao ou a nretensin

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    juridica controvertida - careceria, em nosso modo de ver, detodo 0fundamento aceitavel, N a verdade, nao seve que 0pontode vista dalex fori acerca da questaopleiteada se articule logica-mente com a decisao do confl ito de leis, uma vez que esse con-fl ito nao ponha em causa a competencia do ordenamento local.

    12. Ao exposto acresce gue 0 procedimento recomen-dado pelos adeptos da teoria tradicional conduz frequentementea resultados insatisfat6rios.

    Assim acontece, desde logo, se a pretensao (suponha-seuma pretensao de indemnizacao civil) decorre de urn factoque na perspectiva da l ex ma terial is f or i e juridicamellte irrele-vante. Ora, se 0 que decide da subsuncao de urn evento a umadas categorias do direito conflitual do foro nao e senao a natu-reza do preceito material da lex fori que 0 inclui na sua previsao,tera de aceitar-se que, na falta de urn ta l preceito, a subsuncaose torna imposs ivel . Nao pode , por conseguinte, fazer-seintervir a norma de conflitos relative a responsabilidade civilextracontratual (nero essa, nem qualquer outra); caremositnpossibilitados de sujeitar 0 autor do facto a responsabilidadeque lhe caiba, segundo a l ex l oc i d el ic ti c omm is si . 0 que e , parcerto, r n a solUl,:ao,porque em materia de responsabilidadeextracontratual 0 primeiro problema a remeter para a lei dolugar do facto e exactamente 0 da poss{vel qua . li ficaf iio desseJ ac to c omo d el it o o u q uas e- d el it o. Assim decorre da consideracaodos interesses que se fazem valer nesta sede.

    Sejam agora dois casos doutro tipo.a ) Trata-se de julgar da validade de fianca prestadapor

    mulher casada. Suponha-se que 0 direito interne do foro(como era 0 caso do direito portugues, antes, d a reforma,em 1930, do C6digo Civil de 1867)proibe as mulheres em geraIde afiancar. Daqui decorre que a questao posta se define, numa_~_n"'A~NTT" ,,,,.,, [,,"; r,..,......f"\ r 1n , . . ~ t : : r . . . . . riP r:ll1:l~irbclf': (em razao

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    do sexo), questao a resolver, segundo 0 direito de conflitoslocal, p e l a lei pessoal d a fiadora. Se para esta lei a fianca evalida, como tal a teremos de julgar: e irrelevante que a leireguladora das re lacoes dos conjuges (que 6 , por hip6tese, a leipessoal do marido) exija para a fianca de mulher casada, sobpena de nulidade, autorizacao marital. Decisao todavia mani-f~stamente infeliz, porquanto se traduz, ao fim e ao cabo,em negar a competencia de .uma lei que justamente se chamoupara reger a materia das relacocs conjugais - em negar a compe-tencia dessa lei precisamente ai , precisamente nesse dominic.

    b ) Morre intestado em Portugal, sem conjuge nemparentes sucessiveis, urn individuo de nacionalidade britanicae com domicilio no Reino Unido, A Coroa inglesa vernhabilitar-se a r eco lher os bens existentes em territ6rio portu-gues e baseia a sua pretensao na sec. 46.1 .VI do Administrationo j E sta te s A ct, de 1925. A lei inglesa e de facto a competentepara reger a sucessao , tanto a face do direito internacionalprivado da l ex f or i, como de harmonia com 0 pr6prio direitode conflitos ingles. Mas pertencera aquela regra material dosistema juridico ingles ao ambito da norma de conflitos doartigo 62 .0 do nosso C6digo Civil, justamente a norma queestabelece a competencia da lei da ultima nacionalidade do autorda heranca para regular a sucessao~

    Certo, 0 direi to decorrente da ci tada regra do Adminis-tration of E states A ct nao tern a natureza de um direito here-ditario, mas sim a de urn direito (publico) de ocupacao dosb o na v a ca nt ia 1, Esta consideracso sera, po r em , irrelevante para.a decisao do pleito, porque a lloc;:aoque se collie do direitointerno da l ex f or i quanto ao ponto em questao e a de que 0Estado, quando chamado a apropriar-se das herancas vagas,

    1 Cfr. CHESHIRE, Pr iv a te I n te r na t iona l Law , S .' ed., pag. 59 e seg., e

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    vern na qualidade de herdeiro (Codigo civil, artigo 2153 .0),e nao na de soberano.

    De novo uma solucao a todas asluzes insatisfatoria, dado 0que se conhece acerca da origem e finalidade daquela normado direito ingles.

    Intitil dizer que nao e esta a conclusao a que nos leva 0caminho apontado pelo a.rt. 15.0 do C6digo civi l portuguesactualmente em vigor.

    13. A doutrina da qualificacao descrita nas paginas prece-dentes e que foi adoptada pelo C6digoCivil portugues de 1966,com nao ser a dominante, nao tern, que saibamos, precedenteslegislativos 1. Trata-se de uma orientacao de inspiracao ouraiz puramente doutrinal: cremos que ela coincide substancial-mente com as ideias deWENGLER 2 e RAAPE 3. De resto, hianos que ela vem sendo adoptada no ensino do direito interna-cional privado nas Faculdades de Direito portuguesas 4.

    . ja dissemos dos reparos que a posicao assumida pelo nossolegislador tem suscitado: fundamentalmente, 0 de que 0art. 15. 0 do C6digo portugues deixou na sombra 0 aspectocapital do problema da qualif icacao, J a vimos tambem que

    1 Os textos de le is ou de projectos de leis, que ate ao presence se ternocupado do tema da qualificacao em direito internscional privado, sa o extre-mamente raros e os poucos que se conhecem traduzem uma direc tiva quereputamos erronea,Para uma breve informa~ao, v. os nossos Estudos [uridicoss Ill, pag. 79e segs,

    2 Cfr. D ie Qualifikationdtr materiel/en Reclitssatze, Festschr if t f . M.Wolff,1954, pags, 33 7 e segs. .3 IPR, 5.' ed., pags. 107 e segs.~ F E R R E R COllREIA e J . BAPTISTA MACHADO, C o nj li to s d e l ei s (separata

    do BMJ, 1964) , nota aoarr, 2.0 do Anteprojecto (esta nota e da autoria deB. MACHADO); I.MAGALHAES COLLAC;:O, o . b . cit.; pags. 215 a 236; FERlUlRCORIlElA, L ifo es d e D IP , 1963, pags. 354 e segs., 1969, pags. 343e segs, e1973, pags. 267 e segs., e 0 Prob l em a d a q u al if ic ar ao s eg u nd o 0 n l Jvo DIP por-f .J o .. ,P c ~ . .. .. , . " o : J 1 '" 1 " . . . . ",,,,,iioll

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    esse reparo nao e cabido: ele traduz 0 desconliecimento dac o nc e pc ao . basica do direito internacional privado em que adirectiva expressa no referido art. 15.0 se filia,

    . Ha, porem, uma importante critica a fazer ao Codigoportugues: 0 nao se ter ele pronunciado sobre 0 problemado confl ito de qual if icafoes, problema que inevitavelmente decorredo processo de qualificacao descrito.

    Suponhamos 0 seguinte caso: Trata-se da questao de saberse a uma mulher casada e reconhecido 0 direito de reclamardo marido 0 pagamento antecipado das custas de urn processo.Imaginemos que os conJuges, alemaes ao tempo da celebracaodo casamento, adquiriram posteriormente a nacionalidadeaustriaca. Na lei alema - por hip6tese a lei aplicavel ao regimede bens segundo a norma de conflitos do foro - 0 referidodireito aparecia regulado, ao. tempo da propositura da acc;:ao1,em conexao com a materia do regime de bens entre os c8njuges;na legislacao-austriaca, diversamente, esse direito decorre daobrigacao de assistencia do marido .

    Verifica-se na hip6tese urn confiito positive de qualificacees,u~ . caso de concurso de preceitos materiais ( cu .mu lo jur ld ico)ongmado .numa divergencia das leis interessadas quanto aindole dos mesmos preceitos; confli to esse que e certarnenteindispensavel sanar ou dir imir 2.

    Alias, a hip6tese inversa ( v a c u o jurldico) e tambem possivel:no sistemajuridico S, designado pela regra de conflitos rn da1 BGB, 1387. Hoje nao e assim: veja-se 0 actual 1360, 4.2 NEUHAUS (veja-se a cit. recensao do nosso estudo na ZAIP 35 1971pag. 391 e seg.) pretende basear-se n a . s sitl1a~5esdeste ti~o para dem~nstr~ql1~,por ve_zes,a qualillc~o primarw e essencial, A qua1ifi~p prirnariasena essencial sempre que as duas leis designadas resolvem uma. e a mesmaquestao de dire ito, pelo que 5 6 uma dew poderia set aplicada,

    . ~upomos que esta posi~ do problema. assenta numa identific~ao~devida entre a questio da qualific~ e a do conflito de qualifica~oes'.,1p."~~ ...............,... ......... ~l:!.... !t. _ . .. !.._L ' . . ~ . . . . 1 1

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    l ex f or i, a norma a que caberia resolver a questao controver-t ida pertence, pelo seu contetido, fuu

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    entre si (adaptacao), em termos de se tornar possive1 ::\ sua apli-cac;:ao combinada, ja para aplicar uma (mica dentre elas, masdepois de convenientemente ajustada a nova situacao que seapresenta (ainda adaptacao).

    Urn exemplo: A e B, ambos alemaes, prometem-semutuamente em casamento. Algum tempo depois, B - quenessa ocasiao se encontra em Franca - revogaa sua promessasem justa causa. Pergunta-se quedireitos podera a outra partefazer valer, Suponhamos que a questao se levanta em Portugal.Qu id J uris ?E certo e seguro que as disposicoes da lei alema sobre osesponsais pertencem ja ao dominic do direito da familia,sendo, portanto, 0 direito alemao cornpetente - e aplicaveis asaludidas disposicoes desse sistema juridico. Mas nao deversdizer-se outro tanto da norma do C o d e c iv il (ar t. 1382.0) queconsagra em termos gerais 0 classico principio do neminemlaedere? N6s sabemos, com efeito, que 0 direito frances naocontem qualquer regulamentacao especial em materia decontrato esponsalicio e que, por conseguinte, a ruptura dapromessa de casamento s6 podera ser relevante, em Franca,se encarada do ponte de vista da responsabilidade por factoilicito extracontratual. Ora nesta materia a conexao decisiva,segundo 0DIP portugues, eo Iugar onde decorreu a actividadecausadora do prejuizo.Eis -nos , pois, em presenc;:a de urn caso de cu ulo juridico,

    A nosso ver, 0 conflito deve resolver-se a favor do direitoalemao, Porque ~ Porque, de duas regras materiais em compe-tiyao, seuma reveste caracter de generalidade e a outra contemplaem especial 0 tipo de situacoes em foeo, e a ultima que deveprevalecer: a maxima I ex sp ec ia li s d er og at l eg i g e ne ra le pode sertransposta para o plano do DIP.

    De resto, 0 tipo de raciocinio - e de solucao - sera 0"t"VI..o.I.,.,.,""" 'hr"\ h ~ f " ' I I ,A + ~ ( ' I o I Q I ~n'tT~"'C!'~.p~n.. .....~"l11C rptQ.h1"''':lrlf'\~ p-nt't"P- fr~"rp.~PC"

    o NOVO DIIUllTO lNTllRNACIONAL PRIVADO PORTUGuES 33

    ruptura da promessa verificada na Alemanha (vacuo juridico).Tambem nesse caso e ao direito alemao que cabe a primazia,por ser ele (dado 0 caracter de j us s p ec ia le que revestem os seuspreceitos relativos a materia) que presumivelmente melhor seajustad. a situacao,

    Diremos, por ultimo, que 0 facto de a doutrina propug-nada poder engendrar dificuldades do tipo das que acabam deser referidas nao e razao que permita condena-la. Com efeito,e hem sabido que a producao de sernelhantes situacoes est!longe de ser uma consequencia s6 produzida pelo rnetodo dequalificacao adoptado. Nenhuma teo ria da qualificacao estariaem condicoes de eliminar esses fen6menos do campo do direitointemacional privado (suprimindo,. assim, 0 problema especlfi.coque des suscitam e que e 0 problema da adaptacao), enquanto 0direito intemacional privado continuar a servir-se, para alcancaros seus fins, do processo ou tecnica da especializacao ou do des-membramento (depefage).

    14: Dissemos acima que para n6s a harmonia intemacionalde julgados representa 0supremo ideal do direi to intemacionalprivado, e acrescentamos que este principio nao deixou (naopodia deixar) de estar presente no espirito do legislador portu-gues. A mesma posicao as sumida perante problema da quali-flcayao, na medida em que se desenvolve a partir de uma atitudefundamental de aceitacao da competencia de todos os ordena-mentos ligados a situacao concreta da vida, e, por outra parte,na medida em que exprime adesao a uma ideia de paridade detratamento entre os varies sistemas juridicos - essa mesmaposicao j a de si 0 evidencia. Mas e sobretudo a orientacaoadoptada em materia de r ec on he ciment o e d e a pl ic af ao d e n orma sd e conj li to s e s tr angei ra s que mais cumpridamente nos esclarecea t.a resneiro

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    Na presente exposlc;:ao daremos unicamente relevo aotema do reenvio 1. E isto mesmo com urn objectivo limitado:dar a conhecer a orientacao do nosso C6digo civil sobre af amos is s ima quaes tio; mostrar as suas disposicoes e por a luz asua ratio.

    15. ill tres vias que conduzern ao reconhecimento eaplicacao de direito internacional privado estrangeiro.A primeira arranca da existencia no Estado do foro (melhordizendo: no Estado que prepara a sua pr6pria codificacaoem materia de direito internacional privado) de regras deconfiitos meramente unilaterais. 0 legislador portugues recusouesse caminho. A segunda leva a criacao de normas de conflitosbilaterais, mas espacialmente limitadas 2. Tambem essa orien-

    t Sobre a questao do r ee nv io s eg un do 0DIP espanhol vejam-se, entreo utr os , o s s eg s. a ut or es : Tills DE BE S; cR ee . des Co urs de la Hayes, 1937, N,pags. 53 a 63; GESTOSOTUDELA, L a t eo ria a e l a re fe nn cia e n D I P, ~ A na le s d ela U n iv er sid ad d e M ur ci a , 1946-47; Pillz MONTERO , na o bra e ole ctiva e mho nra de M aridakis, A tenas, 1964, vol. III, pags. 247 a 321; G o LDSCHMIDT ,Sistema y Filoso/ fa Je l lJ IP,.1, 2." e d. , p ag s, 343 a 363; M. AGUILAR NAVARll.O,na ~REDl, 1950, pags, 803 e segs. ; YANGUAS MESS J A , Derec h o i n iemac iona lprivaJo, cit., pigs. 269 a 294; MlAJA DE LA M U E LA , ob. dt., I, pags. 277 a 296.

    Principa l e mais recente bibliografia portuguesa sob re 0 mesmo tema:TABORDA FERRRIRA, T eo tia d a aevolufifo (separara do ~Jom al do F o ro ,Lisboa, 1949), Cons iJ er af oe s s ob re a t eo ri a d a J ev ol u( ao (R ev. da Ordem do sAdvogadoss, Lisboa, 1957) e Novas consicieraroes,etc. (~Rev. de Dir. e d e E st .Sociaiss, Coimbra, t, IX, n.? 4); I. MAGALHAES COLA!;O, A d ev ohlfao (inO Direito, 1958, pags, 166 e segs., e separata) ..

    Po r nossa parte, dedicimos a e st e tema os estudos seguintes: 0 problemad o re en vio e m D I P ( no v ol . XXXVIll, 1962, do Bol, d a F ac . Dir. Coimbra),agora em Es tudos [uridiccss III, pags. 101 a 182; As d is p os i( oe s d o n ovoC 6 dig o C iv il s ob re 0 teenvlo, mesmo J ug ., p ag s. 183 a 203 , e L a question a ur en vo i d an s l e n ou ve au C o de C i vil p or tu ga is , traba lh o e la bo ra do para a s Melan-gess FRAGThTAS ,ambem inc lu id o e m E stu do s [uridicos III, pags. 207 e se gs.

    2 N o e st ud o e la bo ra do p ara a o br a Fe sts _ W e ng le r& ( ci t. a cim a ), d is se m oscb..~ t":t70~ n~1a~nnais c-1isr.otrhmflS c-1~st:lot"iP.nt.:l.dio.

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    tac;:ao,mau grado a autoridade dos .grandes nomes que asubscreveram no passado (NEUMANNe GABBA,mais tardeMm]ERSe ECKSTEIN)ou que a sufragam nos dias de hoje (deMAKAROV a GRAULICH,de FRANCESCAKISFRAN90ISRIGAUX),foi rejeitada,

    Ficou assim, como principal via de acesso ao reconheci-mento directo de direito internacional privado estrangeiro,o reenvio. Como principal via, note-se, nao iinica. ' Efectiva-mente, 0 C6digo Civil portugues contem uma importanteprovidencia relativa ao reconhecimento das situacoes jurldicasde caracter pessoal constituidas no estrangeiro, ao abrigo dalei da residencia habitual das partes: sem embargo de a leipessoal competente ser a da nacionalidade, as referidas situacoesjuridicas serao plenamente reconhecidas em Portugal, com atinica condicao de a l ex dom ic il ii se considerar aplic:ivel. Urncaso, pois, e seguramente de importdncia MO despicienda,em que, independentemente de toda a ideia de reenvio, a ordemjuridica portuguesa aceita a relevftncia de norm as de conflitosestrangeiras

    Mas nao e deste problema que vamos tratar seguidamente 1.16. De novo se impoe dizer, tal como no tema da quali-

    ficar;ao, que actual C6digo Civil portugues marca nestamateria (a do reenvio) uma posic;:ao fortemente inovadora.Inovadora em relacao ao nosso direito anterior, inovadoraem relacao ao conspecto geral dos sistemas juridicos,

    Furtou-se 0 legislador portugues a tomar aqui uma atituderadical, tendo optado por uma via m ed ia. Por urn lado,o C6digo tejeita toda a ideia de aplicacao sistematica do reenvio,quer na forma de reenvio simples, quer na forma de reenvio

    1 V eja-se a no ssa expo si~o de sta m ate ria no trabalho re fe rido na no ta" " - t F l o 1 " ' : " " ' ' ' ' '

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    duplo. A f6rmula do art. 16.0 - A referencia da norma deconflitos portuguesa a lei estrangeira determina apenas, nafalta de preceito em contrario, a aplicacao do direito internodessa lei- nao pretende sense marcar 0 repudio de tal ideia.Por outro lado, define-se com certo rigor 0 ambito em que oreenvio deve actuar.o nosso legislador teve a preocupacao de fugir a toda aorientacao de tipo e raiz conceitual ista . Nao aceitou compro-meter-se na querela que durante dezenas e dezenas de anosdividiu os intemacionalistas em dois campos: adeptos e adver-sarios da chamada teoria do reenvio. Querela em que os argu-mentos produzidos (cortinas de fumo a obscurecer a verdadedas coisas) eram fruto de uma perspectiva .metodol6gica total-mente inadequada: argumentos quase sempre de pura 16gicaf o rma l , por vezes de grande espectaculo mas de substancianenhuma, argumentos falaciasos e estereis.. .

    Contudo, 0reenvio e alga de valioso e seria erro gravis-sima relega-lo pdIa urn museu de mtiguidades juridicas, comoobjecto anacronico e simples recordacao das disputas escolasticasdo. passado. Ele constitui em muitos casas urn dos meios oucaminhos mais apropriados para nos levar aos objectivos que 0direito de conflitos colima.

    Ao dizer isto, e naturalmente a harmonia juridica interna-cional que sobretudo pretendemos aludir: a uniformidade devaloracao da mesma situacao da vida porparte de todos ossistemas de direito com ela conectados. Unidade essa sem agarantia da qual (ja 0dissemos) a seguranc;ajuridica esta compro-metida - e abalada, pois, nos seus proprios alicerces, a boaordenacao da vida social. Unidade de valoracao que (maisUID-< i . vez 0 ai.rmamos) e realmente a meta para que tende 0direito internacional privado.

    Ora 0 reenvio torna justamentepossivel, em muitos emuitos casos. eliminar a diverzencia entre as rezras de conflitos

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    dos sistemas ligados a det~rminada si tuacao factual , pelo quetoea a lei aplicavel a tal dos seus aspectosjuridicamente relevantes.o reenvio e , portanto, ou pode se-lo, fa cto r d e certeza jurldica.Se-Io-a, se 0 soubermos manejar com a-prop6sito.

    Tal, em breves e simples palavras, a perspectiva em queprocurou situar-se 0 legislador do .nosso Codigo Civil. Tedele conseguido resolver de modo adequado 0 dificil problema- ted ele aprendido a servir-se, com inteligencia e a-proposito,do instrumento do reenvio r

    Uma coisa ted de reconhecer-se logo de entrada: gue 0legislador lusitano perfilhounesta materia uma orientacao geralaltamente progressiva. Pois nao esta 0 nosso C6digo na linhado pensamento dominante quanta ao tema do reenvio e Supomosque sirn; supomos inclusive que em poucos lugares se tera idoate hoje tao longe nessa linha 1.

    17. Como ja se fez notar, a ideia da harmonia jurldicainternacional foi a principal fonte de inspiracao do legislador

    1 Importa , porem, nao esquecer 0 recente Projecto frances (Projett ie l oi C O l t i p l r ! t a n t le C od e C iv il en m a t i e r e d e D IP ), publicado na Rev. crit ,de DIP , 1970, n.s 4, de que nao tinhamos conhecimento ao tempo da elabo-ra~ao des te trabalho. Segundo 0 texto proposto do art. 2284 do C6digo:L a 10ietrangere s'applique compte tenu de sesregles de conflit de lois chaquefois que celles-ci conduisent a I 'application, soit de 1a lo i interne francais,soit de la loi interne d 'un autre Etat erranger dont les regles de conflit de loisadmettent la designation.

    Diferente 0 caso do recente .Projecto austriaco, da autoria de SCHWIND(0 frances e da autoria de B A T IF F OL ) , que foi publi cado na Zei tschri ftf. Rechrsvergleichung, 1971, n." 3, pags, 161 e segs, Tambem ai se admiteo reenvio ( 4) , mas em termos poueo precisos e muito limitados: 1m Fa ll eder Ruck- und Weiterverweisung ist nur eine zu beriicksichtigen.s efr. sobreo alcance desta norma SCHWIND, ibidem, pag. 193.Hi tambem que ter em conta a L ei tchecoeslovaca de 4-12-1963, ondese dispoe (art." 35.) que: ( . . . ) urn tal reenv io [0 de 1.0como 0 de 2.0 grau]pode ser aceite, se isso corresponder a uma discipl ina razoavel e equitat iva1

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    portugues no presente capitulo (principal, mas nao unica, comode pronto verernos).

    a) Assim, no reenvio de primei ro g rau ou retorno, 0 direitomaterial da le x fori so se toma aplidvd se a norma de conflitosda lei estrangeira para e le de vol ver p rec is amen te (art. 18., n. " 1:ese.i. devolver para 0 direito interne portuguese). Por conse-guinte, se a norma de conflitos, que reenvia para a lei do foro,pertencer a urn sistema juridico como 0 brasileiro ou 0 dina-marques, nao hi duvida de que e 0 direito interno portuguesaquele que 0 tribunal deve aplicar. Na verdade, sendo certoque nenhurn dos referidos sistemas admire 0 reenvio, claroresulta que a aplicac;:aoaos faetos controvertidos dos preceitosdo direito interno portugues permitira alcancar em Portugalo mesmo resultado a que se chegaria na Dinamarca ou noBrasil.

    Mas na0 assim se 0 direito internacional privado da leiestrangeira em questao (v. gr. 0 frances) consagrar em termosgerais 0 reenvio de primeiro grau. Veja -se , par ex. , a especiesobre que recaiu 0 Acordao do nosso Supremo Tribunal deJustic;:ade 28 de Outubro de 1952. Tratava-se da sucessao pormorte de urn frances domiciliadoem Portugal. 0 Supremo,abonando-se expressamente com a doutrina do reenvio,resolveu 0 problema de conformidade com os principios donosso Codigo Civil. Se, porern, a questao se t ivesse susci tadoem Franca, perante a dupla circunstancia de a sucessao estarconexionada com a lei portuguesa atraves dos elementos consi-derados decisivos pelo direito de confl itos frances (0 ultimodomicllio do autor da heranca e a situacao dos bens imove i s )e de a lei portuguesa devolver para a le x f or .i - e seguro queos tribunais franceses teriam decidido 0 pleito de acordo comas normas do Cod e Napo le on .

    Dado 0 disposto no citado art. 18., 1, do actual C6digor.~";l ron"",l" . . . 1 P f ' ; ~ : ; " " . . . : I . . . . ,TT ~P"l~hnlp. ;rnnnO;:O;:1vl'!1 Fft"r.tiv::I-

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    mente, sempre que a referencia da norma de conflitos estran-geira a lei portuguesa seja um.a referencia global- isto e , umareferencia que abranja as pr6prias regras de confl i tos do direitoportugues -, 0 reenvio nao promove, senao que impede auniformidade de valoracao da situacao s ub j ud ic e; 0 que emotivo de sobra para 0 rejeitar. Em tal hip6tese, havera unica-mente que aplicar as disposicoes materiais do sistema indicadopeIo direito internacional privado do foro.

    Cremos que 0 mesmo devers dizer-se do caso em que alei que devolve para a le x fori seja urn sistema inspirado peloprincipio do reenvio total ou do duplo reenvio ( fo rei g n Cou rttheory) 1. Nao propriamente que 0 reenvio seja aqui urnobstaculo a harmonia juridica, mas apenas por na o ser elem e i o necesssrio para se atingir essefim: uma vez que os tribunaisdo pais estrangeiro em causa (aque1e a que pertence a lei desig-nada pelo direito de conflitos local), se fossem des a decidir 0pleito, nao haveriam de querer senao decidi-lo como prova-ve1mente 0 faria urn juiz portugues, parece poder dizer-seque, nos cases deste tip0, a referida harmonia internacionalestara sempre assegurada, seja qual for 0 sentido em que ostribunais locais venham concretamente a encaminhar-se,

    Resta dizer que na hip6tese de retorno i nd i reao - hip6-tese em que a norma de conflitos da lei designada pelo direitointernacional privado do foto remete para uma terceira legis-las:ao, devolvendo esta a competencia a le x fori - 0 reenvioe de aceitar, sempre a face da ratio legis (a harmonia juridica),quando se cumpram curnulativamente as duas condicoesseguintes: 1.a - aceitacao do reenvio de segundo grau outransmissao de competencia por parte do sistema designadopelo direito internacional privado local; 2 . a - designacao da

    1 FE R R ER CORR E IA , Problema do reenvio, l o c o dt., n .O 25 , e ApmJice ,n.0 3. b).

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    l ex f or i par parte da terceira legislacao em causa atraves de umareferencia de caracter material ( re fe re nc ia a o puro d i re i to internoda lei indicada).

    Seja, par exemplo, a casamento de dais argentinos .cele-brado em Copenhague; casamento nulo peranteo direitocivil argentino, valido tanto para 0 direito civil ci a Dinamarcacomo para 0 de Portugal. Segundo a norma de conflitos dale x fori, a lei competente e a l ex p a tr ia e J' a l ex p a tr ia e remetepara a lex loci ad us, atraves de uma referencia que (vamos, pelomenos, admitir e s sa h ip o te s e ) atinge 0 pr6prio direito interna-donal privado desta lei; por seu turno, a le x loci manda aplicar 0direito interno do Estado do domicllio dos nubentes, que ePortugal. Nestas condicoes, nenhuma duvida se levanta quantaa ser aplicavel , na espec ie , 0 direito interne portugues: comefeito, a mesma conclusao chegaria um tribunal dinamarquesou um tribunal argentino.

    Tambem aqui, merce do reenvio, a unidade de valoracaoda situacao juridica em exame por parte dos tres ordenamentosern causa se torna uma realidade.

    h ) Passemos ao reenvio de s eg u nd o g ta u ou transmissdo d ecompet inc i (Wei terverwei sung ): artigo 17., n.> 1. .

    N6$ sabemos que as norrnas de confiitos existem paracoordenar na sua aplicac;aoasleis em contacto com uma situacaodeterminada, por modos que a cada uma dessasleis seja atribuidaa regulamentacao de urn tinico aspecto, plano ou efeito da mesmasituacao. Se entre algumas de tais leis surge um concurso ouconflito - 0 que 56 pode conceber-se se as nonnas concor-rentes se dirigirern a regulamentacao do mesmo ponto dedireito - esse conflito tern de ser dirimido e a arbitragemincumbe ao direi to internacional privado local.

    Mas vamos que nao hi conflito, isto e : que A, Bee,unicas leis em contacto com a situacao a regular, reparternentre elas a cornpetencia em perf etta unidade de vistas, de tal

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    modo que, pelo que toea a questao jurldica a resolver, estaotodas de acordo em que seja B a resolve-lao Evidentemente,nao faria sentido que 0 direito internacional privado do foroviesse interpor-se aqui, fazendo prevalecer 0 seu criterio diver-gente. Aqui, pode dizer-se que falha 0 pressuposto de todasas regras de confiitos - pressuposto que consiste justamentena existencia de urn conflito de leis ou de normas'. Se nao severifica o pressuposto da sua actuacao, claro result a que asregras de conflitos da l e x f or i nao sao chamadas ao caso,o art. 17.0, n.? 1, esta de acordo com estas ideias, Efecti-vamen.te,ai se subordina a uma clara condicao a aceitacao doreenvio da lei designada pda regra de conflitos portuguesapara outro sistema juridico: a condicso e que e st e t er ce ir o s is temas e r cp ute c om p ete nt e.

    Lembremo-nos do caso que deu origem a celebre imagemdo rochedo de bronze (RAAPE) : Tio e sobrinha, ambos denacionalidade helvetica, casam em Moscovo. Casamento anu-lavel segundo 0 direito, interno suico, casamento validosegundo 0 direito matrimonial da Uniao Sovietica, A le xpatriae, lei competente por forca do direito internacionalprivado portugues, transmite a competencia a lex loc i actus,que a aceita.

    Se urn juiz portugues decidir 0 easo de harmonia com 0direito material sovietico (validando, pois, a matrimonio),e certo qu'e a sua decisao sera identica a que seria proferida porurn tribunal russo ou por urn tribunal suico. Teremos, umavez .mais, a harmonia juridiea intemacional alcancada atravesdo reenvio.

    Se, porem, a terceira lei chamada ao caso se reputar inapli-cavel, quid juris?

    1 Esta observacso ja a faziamos na nossa monografia de 1962- 0 pip-b lema d o r ee nv io WI DIP, agora no cit. vol, III dos Estudos [uridicos; veja-sea oal!. 157.

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    . Depende. Se essa lei retomar a competencia a que foidesignada pda norma de conflitos do foro, 0 problema extin-gue-se, ou porque esta legislacao acabe por considerar-se apli-civel- e teremos de novo a harmonia de solucoes -, ouporgue, de toda a maneira, importara aplid.-la, uma vez quese nao pode considerar satisfeita a condicao de que dependiaa aplicabilidade da outra (reputar-se ela competente).

    Se, diversamente, a terceira legislacao designar uma quarta,surge a i uma hip6tese de reenvio em cad ei a. Bem que ela naoesteja expressamente prevenida na letra do art. 17., n,> 1,cremos que 0 problema decorrente se resolve sem qualquerdificuldade.

    Cobram aqui todo 0 relevo as consideracoes fei tas noinicio desta alinea. A, Bee sao asleis conectadas com a situacaosub judice; nenhuma delas e a l ex f or i. Pois que A designa Batraves de uma referencia global, B indica C e C se consideracompetente, pode asseverar-se que C seria a legislacao aplicadaem qualquer dos Estados interess=dos. Seria acaso admissivel queo juiz do foro optasse pela aplicacao de A, sob pretextode sereste 0 sistema competente segundo 0 direito de conflitos local?

    Decerto que nao. Hi uma iinica doutrina correcta e eesta: sempre que entre as diferentes leis em contacto com asiruacao a regular se registe acordo quanta a competencia de um adelas, sera necessariamente essa a lei a aplicar 1. Nesta hip6tese,como referimos acima, parece ate que falha 0 essencial pressu-posto da actuacao das regras de conflitos, porque estas saonormas que se destinam a arbitrar ou a dirimir conflitos deleis - e, logo, s6 devem intervir quando se nao verifique adesejada uniformidade de vistas entre os sistemas interessados.

    1 Nao parece ser outra a ideia de BATIFFOL quando escreve (DIP, I,pag. 371): Si 12 loi tierce n'arrete pas la succession de s renvois, on s'arreter rL'arret sera trouve dans la loi qui accepte la designation dont elle estl'ohil"t.~

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    18. R es tr ifo es a o r ee nv io n o ambito do e st at ut o p e ssoal .Na perspectiva do legislador portugues, existe urn conjunto

    de materias que, pela. natureza eminentemente pessoal querevestem, devem ser governadas (como dissemos acima) poruma lei que os indivfduos possam olhar como a sua lei, a qualpassaro considerar-se ligados por algum vinculo verdadeira-mente substancial e permanente. A esta luz, e liquido que s6pode haver opc;ao entre a lei da nacionalidade e a da residenciahabitual (domicilio, h oc s en su ) . .

    Compreende-se, por isso, que 0 legisIador tenha relutadoem abandoner esse ponto de vista, quando forcado a faze-lopor exigencias da regra do reenvio, tal como a enunciara nosarts. 17., 1, e 18., 1.

    E assim que, segundo 0 art . 18.D, 2, 0 regresso a lex foriprescrito pela norma de confliros da lei pessoal s6 e de admitirem duas hip6teses: a ) - na hipotese de 0 interessado ter a resi-deucia habitual e m territ6rio portugues; b ) - na hip6tese dea lei da sua residencia habitual remeter tambem para 0 nossodireito interno. Na primeira, 0 reenvio produz como unicoefeito a subst ituicao da lei do domicilio a lei nacional, sendocerto que tanto a competencia daquela como a desta repre-sentam solucoes justas e praticamente equivalences (ou tantomenta) do problema da lei pessoal. No segundo caso, a excepcaoa aplicacao da lei pessoal justifica-se pelo acordo verificado entreos dois sistemas juridicos precipuamente interessados nas ques-toes de estatuto pessoal: l ex pa tr iae e le x domicilii.

    Nas restantes hip6teses possiveis de retorno, deve enten-der-se que 0 reenvio (ou seja, a aplicacao da l ex mate ti al is f or i)e sempre rejeitado. A razao desta atitude ja foi implicitamenteindicada: a definicao do estatuto pessoal por uma lei diferentetanto da l ex patriae como da l ex dom ic il ii constitui, em principio,m~

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    Por outra parte, como a situacao juridica em causa estaligada a . ' le x for i (ainda que urn tanto frouxamente), nao higrande risco de a aplicacao da l ex pa tr iae nao vir a ser reco-nhecida em lado algum: ela sera. eficaz pelo menos no Estadodo foro 1.

    19. Nao e outro 0 ponto de vista adequado para secompreender 0 disposto no art. 17., 2.

    Diz-se ai, com referencia ao reenvio de segundo grau(transmissao de competencia, Weiterveruieisung] nas hip6tesesde competencia da lei pessoal, que a terceira legislacao naosera aplicavel (apesar de se julgar competente): 1.0 - se 0interessado residir habitualmente em territ6rio portugues;2.0 - se 0 interessado residir num pais cujo direi to de conflitosdevolva, na especie, para a lei interna do seu Estado nacional.

    Vejamos cornoe:xplicar estas restricoes.J a vimos que em materia de estatuto pessoal a escolhade uma lei diferente tanto da l ex pa tr iae como da l ex d omi ci li iconstitui , para n6s, rna solucao, Solucao que todavia aceita-remos, se nela conviereni a l e x pa tr iae e a leiindicada pda regrade conflitos da l e x pa tr iae (harmonia juridica) 2.

    Suponha-se, porem, que 0 interessado tern a sua residenciaem Portugal- e que a l ex p at ri ae designa como aplicavel alex loc i, a qual se rep uta competente. 0 art. 17.0, 2, mandaaplicar aqui 0direito interne da lei nacional . Efectivamente,esta solucao ted. garantida a sua eficicia no Estado local, que(como Estado do domici1io) e urn daqueles mais fortemente

    1 De resto, poderia encarar-se a possibi lidade de neste tipode casos- cases de retorno, em que 0 reenvio acaba POt ser repudiado -, desde quea l e x dom ic i li i se repute competente, se proceder a aplica~ao des ta lei . S6 quetal ~olUt;;'ioa nada teria a vet COIl1, a doutrina do reenvio.lure condito, 0ponto e duvidoso.2 Alias, a lei 1nrl i("~(hn..b ,, ... . ""f;"~ ...r~ rr..r~l~_~~ ~ 1. , .1~."", .:1"

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    ligados a relacao constituenda ou controvertida, e, logo, naohaveria grande vantagetn em renunciar na hip6tese a aplicacaoda lei pessoal.

    E em consideracao analoga se baseiaa 2. a restricao doart. 17.. Imaginemos que a l ex pa tr iae remete para. a lex lociactus, que esta lei se considera competente, masque a le i daresidencial habitual do ou dos interessados reenvia por seu tumopara a do Estado da respectiva nacionalidade, Nao aceitaraqui 0 reenvio nao significa correr 0 risco de aplicar uma leique em partealguma seja considerada aplicavel: com efeito,a l ex pa tr iae e justamente a lei tida por competente' num dosEstados mais fortemente interessados na situacao, 0 Estadodo domicilio, Por outro lado, tomando este caminho nao nosdesviaremos, em materia de estatuto pessoal, do un ic o c ri te r ioque em principio pareceu razoavel ao nosso legislador: apli-cac;:aoda l e x pa tr iae ou da l ex dom ic il ii .

    20. Vern a proposito inquirir se, dentro ainda do ambitodo estatuto pessoal e do circulo de casos de transmissao de ccmpe-tencia, 0 reenvio: nao sera de admitir, sem embargo de nao severificar a condicao primordial estatuida no art. 17., 1, que ea aceitacao da cornpetencia por parte do terceiro sistema convo-cado, na hipotesede ser esse0sistema indicado, d e c omum a co rd o,pelas leis da nacionalidade e da residencia habitual ou domicilio 1.A l ex p atria e ( A) designs como aplicavel a l ex re i s ita e ( B ) .B nao se julga competente. Por seu tumo, a le x d om ic il ii ( C )ruanda aplicar tambem B. Imaginemos que se trata de dirimirem Portugal urn pleito hereditirio. 0 de cujus era nacionalde A e residia habitualmente em C. Os' bens (m6veis) encon-tram-se em B 2. Que lei aplicar ~

    1 Pronunciou-se a favor des ta solucao BAPTISTA MACHADO, nas suasaulas (ano lectivo de 1971-72),2 l\.T__ '____~ 1 1 ~

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    Atendendo ao disposto nos arts. 16. e 17., 1, deveriaaplicar-se a sucessao a lei naciona:l. Contudo,n6s propendemospara 0 respeito do acordo entre os dois sistemas que merecema qualificacao de sistemas primariamente interessados - e quesao a l e x pa tr iae e a l ex d om ic il ii - sempre que esteja em causamateria pertencente ao ambito do estatuto pessoal.

    Na verdade, 0que dissemos hi pouco, acerca da hip6teseem que as diferentes leis interessadas estao de acordo quanto acornpetencia de um.a delas, e susceptivel de valer, quando trans-ferido para a esfera do estatuto pessoal, relativamente a hip6-tese de urn acordo restrito a l e x pa tr iae e a l e x dom ic i li i. Comodecorre do exposto anteriormente, sao estas as leis que sobre-tudo contam nas questoes de estatuto pessoal; pelo que nadarepugna que a sua eomunhao de vistasquanto a dado problemaseja aqui 0perfeito equivalente daquele acordo extensivo aoconjunto des sistemas juridicos ligados aos faetos, acordo eujaobservancia (como vimos) e determinada pelo proprio funda-mento e escopo central do DIP.

    Note-se que a solucao porn6s propugnada - aplicabili-dade da lei que a l e x pa tr iae e a l e x dom ici li i declaram aplicivel,conquanto eIa pr6pria se repute incompetence (e nao admitaa retorno) - nao seinfere directamente dos preceitos do C6digo.No entanto, el a ajusta-se perfeitamente aos seus principios(veja-se a relevancia que nele se atribui a residencia habitualda pessoa. ao lado da nacionalidade - e repare-se ainda numadas solucoes do art. 18.. 2: aquela que consiste na aplicacaodo direito portugues - que nao ~ 0 da residencia habitual- por ser esta a solucao decorrente, na especie, tanto da normade conflitos da l e x pa tr iae como do direito internacional da le xdomicilii) 1. '

    1 De notar a inda 0 seguinte: quanto a nos, deve entender-se (arg. deanalogia ex art. 31., 2) que smo plenamente reconhecidos em Portugal_ I ! _ ...!1:~ __ .__1~__.1 ! ...... ._! L____ J 1_ :

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    21. Advertiremos agora que a restricao ao reenvio enun-ciada no n. o 2 do artigo 17.0 deixa de valer, sempre que a leiindicada pe1anorma de conflitos da l e x pa tr iae for a da situacaode urn im6vel, e esta lei se reputar competente, desde que setrate dalguma das materias enumeradas no artigo 17., n.O 3.Suponhamos que sepoe 0problema da lei reguladora da sucessaopor morte de urn siibdito britanico, falecido em Portugal. ondeestava domiciliado (tanto segundo 0direito portugues, comoem face da pr6pria concepcao britanica de domicilio). Daheranca fazem parte bens im6veis situados em Franca. Perantea norma do art. 17., 3, uma vez que a lei do Estado nacionaldo d e c ujus (lei aplicavel a sucessao de conformidade com osprincipios do nosso direito internacional privado: C6d. Civ.,artigo 62.0) remete para a da situacao dosim6veis, e que estalei se considera competente, e pelo direito sucess6rio francesque 0 tribunal local tem de resolver a questao,

    Qual e aqui a razao de decidir ~o artigo 17.0, n. o3, constitui manifestacao indirecta dadoutrina dita da c om p ete nd a m ais pr6xima, doutrina que 0 legis-lador entendeu nao dever consagrar (alias, todos os casos reivin-dicados pela l ex re i s ita e para a sua 6rbita e incluidos no e1encodo aludido n. o 3. do artigo 17.o seriam casos de competencia

    que a lex pa triae tenha por competente (e que, portanto, ela tambem reconheca),se bem que estalei seconsidere inaplicivel, 0 art. 31. u , 2, enuncia esta doutrina(ou enuncia a ideia de que esta doutrina constitui aplic~ao) com vista a hip6-tese do negocio juridico celebrado no pals da residencia habitual do individuode acordo com as disposicoes da lei d .estepais , que a si pr6pria se consideracompetente (ou - POt extensdo - de acordo com os preceitos de uma leique no Estado da residencia e reputada competente) . Cfr, as nossas ci ts .Lifoes d e DIP, versao de 1969, pags. 625 e segs,AEgura.-se-nos que a extensao analogica da cit. norma do C6d. civ.,nos termos que acabamos de referir, constitui solu~ perfeitamente defensave].A mesma conclusao chegou B. MACHADO, no seu ensino (V. nota ante-oemiltima),

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    directa dessa lei, pelo que 0 problema de aceitar ou nao aceitaro reenvio da le x patriae para a le x re i s i tae se nao poria); 0egis-lador entendeu nao dever renunciar, em termos gerais; as solucdesque the pareceram mais oportunas, simplesmente porque a leida situacao de urn im6vel se considers, no caso, como iinicaaplicavel.Se, porem, e a pr6pria lei pessoal que se inclina perantea competencia reivindicada pelo Estado da situacao da coisa,esta circunstfincia e de molde a introduzir urn elemento novono problema. Agora ja se nao trata, com efeito, de adoptardeterminada solucao apenas por ser cia a solucao querida pelale x situs, antes a solucao que se apresenta e a que esta conformecom 0 direito internacional privado de dois sistemas: 0 da le xrei s it ae e 0 da l ex patr iae . Nao e so 0 principio da eficicia dasdecisoes judiciais que esta em causa, senao tambem 0 daharmonia juridica.Tal a moldura de razfies em que se inscreve a norma doart. 17., n." 3.

    22. . Vamos considerar agora uma segunda ordem d.erestricoes ao reenvio: as que decorrem da ideia de que nemtodas as regras do direito internacional privado, encaradas aluz dos seus fins especificos, sao com ele compativeis. Nemtodas as conexces sao renvoi freundl iche Anknup fimgeu .No entanto, esta ideia s6 aflora no artigo 19., n." 2. N aohayed reenvio quando a lei estrangeira aplicavel 0 for porforca da vontade Gas partes contratantes, nos termos doartigo 41.01 Se, portanto, a lei por estas d.esignaclaremeterpara outra, essa transmissao de competencia ou esse retornonao releva. Com efeito, nao e crivel que os contraentes tenham

    1 Regra semelhante se contem no Projecto franc& atras citado

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    utilizado a referencia a determinada lei tao somente comomeio de aludirem ao direito material por essa mesma lei decla-rado aplicavel, E se excepcionalmente for de aceitar que aspartes quiseram na verdade referir-se ao direito material compe-tente segundo a regra de conflitos da lei por elas designada, decerto sera entso esse 0 direito aplicavel, mas unicamente porquefoi ele 0 direito escolhido, nao em virtude de qualquer reenvioda lei estipulada para outra lei. Aquela regra de conflitos naointervira q ua tal, mas apenas como facto, cuja consideracao setorna necessaria a fim de que a vontade das partes possa atribuir-seo verdadeiro conteiido e alcance. Nao e urn problema dereenvio que ai se levanta, mas simplesmente uma quaestio voiun-tatis . .

    . Tam bem a norma que confere competencia, em materiade forma externa dos neg6cios juridicos, a lei do lu gar d a c ele -brac;:aoe de molde a exduir todo 0entendimento conforme como principio do reenvio (a menos, como veremos, que do reenvioderive a validade do neg6cio.). Pois por que se elege aqui comofactor de conexao 0 l oc u s n egot ii ? Seguramente, com vista afacilitar as partes a realizacao de neg6cios juridicos em Estadosdiferentes daqueles a que os mesmos neg6cios pertencam parsua substancia e efeitos. Do que se trata, fundamentalmente,e de evitar aos interessados 0 6nus da indagacao e da obser-vfmcia daquelas formalidades consideradas essenciais por umalegisla\ao que nao seja a do pr6prio pais onde se encontram eonde pretendem realizar 0 neg6cio. Mas se assim e , nao fariamanifestamente sentido for

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    so por si - isto e , independentemente da harmonia intemacionalde decis5es- 0 reenvio. Devera 0 reenvio admitir-se so por-que se apresenta :como 0 meio necessario para assegurar adeterminado negocio juridico a sua plena validade ou eficacia~

    Assim 0 entendem alguns 1; e nada obsta certamente aque 0 legislador, no momenta de elaborar as suas regras deconflitos, de execucao a tal pensamento, prescrevendo, sempre-que isso the parer;a conveniente, a adopcao do reenvio comoprocesso de promover a validade ou eficlcia de um neg6cioque doutro modo seria invalido (ou ineficaz). Pode inclusiva-mente compreender-se que se prescreva 0 recurso ao reenvio.todas as vezes que ele seja 0 ultimo remedio possivel para salvaro neg6cio juridico da inefic:icia. Por nos, cremos que seria prefe-rivel examinar 0 problema no quadro de cada tipo negocial- e so admitir o' reenvio pelo fundamento indicado naquelesdominies em que 0 interesse na conservacao do neg6cio jurldicose fac;a sentir com especial intensidade.

    Seja como for, 0 certo e que 0 C6digo Civil portuguesde 1966 so aceitou a referida directiva na hip6tese de a invali-dade do neg6cio resultar de urn vicio de forma (veja-se 0.art. 36., n,> 2). Se a forma da declaracao negocial obedecer,nao a lei do pais onde esta foi emitida, mas a do Estado paraque remere a norma de conflitos daquele sistema, a declaracaoe valida. Com efeito, a forma observada e uma daquelas quesaO reconhecidas pela ordem juridica do pais da celehracaodo acto, sendo natural, por isso, que se considere bastante.Esta solucfo corresponde inteiramente a intencao informa-dora do principio l oc u s r eg i t a ct um , que nao 6 outra senao a defacilitar a contratacao. Ela estd tambem expressamente consa-grada em materia de testamentos: veja-se 0 art. 65., n.s 1.

    T .1' h 1 -t r : . . . . . .,,

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    24. 0 favor neg otii com o lim ite ao reenvio.Conforme 0 disposto no artigo 19.0, n. s 1, se do reenvio

    resultar a invalidade ou inefidcia de urn neg6cio juridico,que seria valido ou eficaz em faceda lei indicada pelo direitointernacional privado portugues, 6 esta a lei que se aplica - eassim ficara salva a eficacia do acto. 0 mesmo se diga, mutatismutandis, quando estiver em causa urn problema de existenciajurldica de urn estado, como 0de :6.lholegitimo ou ilegitimo.Significa isto que se a questao da valid